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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH O Ex-combatente da Guerra do Paraguai nas Ruas do Rio de Janeiro: Discursos e Práticas em torno de um Exército Vencedor (1870 – 1874) Everaldo Pereira Frade RIO DE JANEIRO 2006

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

O Ex-combatente da Guerra do Paraguai nas Ruas do Rio de

Janeiro: Discursos e Práticas em torno de um Exército

Vencedor (1870 – 1874)

Everaldo Pereira Frade

RIO DE JANEIRO

2006

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2

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar a trajetória do Exército brasileiro ao

longo do século XIX, enfatizando as suas relações com o Estado nacional e o seu papel na

formação do mesmo. Destacaremos como ponto de inflexão nessa trajetória a atuação na

Guerra do Paraguai (1865-1870) e no período imediatamente posterior ao conflito (1870-

1874), defendendo a hipótese de que o conflito colocou obstáculos à profissionalização da

instituição, sobretudo em relação à sua oficialidade.

Discutiremos também o posicionamento da elite política diante do retorno dos ex-

combatentes, suas estratégias, suas ações e seus discursos no sentido de capitalizar o

descontentamento dos militares, no caso dos liberais, ou neutralizá-los, no caso dos

conservadores, ao mesmo tempo em que eram discutidas e implementadas reformas

importantes no exército.

PALAVRAS-CHAVE

BRASIL – IMPÉRIO - GUERRA DO PARAGUAI – EX-

COMBATENTES –

EXÉRCITO - POLÍTICA

3

ABSTRACT

This paper's objective is to analyze the Brazilian Army trajectory throughout the

20th century, focusing on its relationship with and role creation of the National Brazilian

Estate.

We will emphasize the Paraguay War (1865-1870) and the period immediately after

that (1870-1874), defending the hipothesys that this conflict created obstacles to the

professionalism of the institution, especially in regards of making it an official institution.

We will also discuss the political elite's stand towards the war veterans, its

strategies, actions and plans on capitalizing on the dissatisfaction of the military personnel

(for the liberals) or to neutralize it (in the case of conservatives), at the same time that there

is a discussion and implementation of important reforms going on the Army.

KEY-WORD

BRAZIL – EMPIRE – PARAGUAY WAR – WAR VETERANS –

ARMY – POLITICAL

4

AGRADECIMENTOS

Como toda trajetória tem um ponto de partida, meus primeiros agradecimentos,

post-mortem, são para os meus pais (Catharina Pereira Frade) e para meu irmão Sidney

Frade, que mesmo sem grande cultura escolar, formal, souberam me incutir o gosto pela

leitura e o estudo, valorizando a educação como mecanismo de aperfeiçoamento humano.

Aos meus irmãos, nove ao todo, agradeço o carinho, o companheirismo e o desvelo

com que me trataram ao longo da vida. A minha formação não seria possível sem vocês.

Aos amigos e amigas, tantos, amealhados ao longo do tempo, que não ouso fazer

citações por causa das injustiças, agradeço os conselhos, na maioria bons, as palavras de

incentivo e muitas vezes o apoio material, dada a minha dureza secular.

À minha companheira Eliane, parceira dos bons e maus momentos, retribuo o amor

e a paixão a mim dedicados, muitas vezes sem a competência necessária, embora com o

mesmo fervor, em virtude da falta de tempo causada pelos afazeres profissionais e

acadêmicos.

Ao meus orientador, professor Orlando de Barros, agradeço as indicações

minuciosas e precisas que nortearam meu trabalho e, ao mesmo tempo, a afetividade com

que me tratou ao longo da orientação. A admiração e a amizade só fizeram crescer neste

período.

Obrigado a todos.

5

Frade, Everaldo Pereira Os ex-combatentes da Guerra do Paraguai nas ruas do Rio de Janeiro: Discursos

e práticas em torno de um exército vencedor (1870-1874)./ Everaldo Pereira Frade – Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.

122 f. Orientador: Prof. Dr. Orlando de Barros Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em História) --- Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2006. 1.Império – História – Brasil – Século XIX. 2. Guerra – Paraguai – Brasil –

História (1865-1870). 3. Ex-combatentes – Exército – Reformas. 4. Política.

6

ÍNDICE

Introdução-------------------------------------------------------------------------------------1

Cap. 1 – Do exército aristocrático ao meritocrático:

em direção à profissionalização----------------------------------------------15

Cap. 2 – O exército na Guerra do Paraguai:

uma quebra no processo de profissionalização---------------------------34

Cap. 3 – Os ex-combatentes nas ruas do Rio de Janeiro:

discursos e práticas em torno de um exército vencedor----------------50

Cap. 4 – Do caos à reorganização:

o exército brasileiro em tempos de paz (1870/1874)---------------------86

Conclusão-----------------------------------------------------------------------------------105

Anexos---------------------------------------------------------------------------------------107

Fontes---------------------------------------------------------------------------------------117

Bibliografia--------------------------------------------------------------------------------117

7

INTRODUÇÃO

O objetivo desta dissertação é analisar as ações dos ex-combatentes da Guerra do

Paraguai no seu retorno ao Brasil após o conflito, enfatizando as suas reivindicações e a sua

relação com os segmentos civis da sociedade imperial.

Dessa forma, procuraremos destacar a trajetória dos oficiais do Exército ao longo do

período imperial, sua relação com as elites políticas e o seu papel na construção do Estado.

Estas análises são fundamentais para se entender o comportamento dos militares e do

exército durante e após a guerra.

O conflito, ao contrário do que defendeu a maioria dos autores, dificultou o pleno

desenvolvimento dessa força, desorganizando o seu sistema de promoções e de formação,

misturando ao Exército contingentes oriundos de outras milícias (voluntários da pátria,

guardas nacionais, policiais etc.) e introduzindo indivíduos no quadro da oficialidade sem a

qualificação necessária às patentes.

Esta situação teve como principal conseqüência a postergação de uma atuação coesa

dos oficiais militares, na crítica à classe política e à sociedade imperial e suas mazelas,

movimento que somente tomaria corpo na década de 1880, com as chamadas Questões

Militares, momento em que o Exército retomava os níveis de profissionalização e coesão

interna presentes nos anos imediatamente anteriores à guerra.

8

Recentemente, o historiador José Murilo de Carvalho1 atentou para a lacuna

existente na historiografia brasileira entre o fim da guerra (1870) e a década de 1880,

momento da eclosão das Questões Militares, ressaltando a necessidade de se abordar o

retorno desses ex-combatentes, seus destinos, suas reivindicações, suas ações, seus

discursos e sobre o que silenciaram.

No entanto, analisar estas trajetórias demanda um trabalho hercúleo, pois trata-se de

um contingente de mais de 100 mil militares, com a documentação espalhada por várias

instituições de pesquisa, com destaque para a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional e o

Arquivo do Exército. O manuseio do montante de informações contidas nestes acervos

daria para escrever diversas dissertações e teses, demandando tempo e recursos dos

pesquisadores, não existentes, a meu ver, nos programas de pós-graduação, sobretudo no

Mestrado, onde o tempo exíguo e a carência de bolsas de pesquisas impediram uma análise

mais aprofundada de tão rico assunto.

Face às dificuldades que acabo de expor, busquei fazer um levantamento

qualitativo, destacando da documentação as informações necessárias para comprovar as

minhas hipóteses de trabalho. Utilizei fontes heterogêneas, primárias e secundárias, onde se

destacaram os periódicos, sobretudo o jornal A Reforma, os documentos do Ministério da

Guerra, relativos à carreira dos militares, e a extensa bibliografia que cobre o período entre

1850 e 1880.

O principal eixo teórico da dissertação é o conceito clássico da construção do

Estado de Max Weber2, que me norteia na análise da construção do Estado Imperial

brasileiro, monárquico e liberal, e do papel do Exército como instrumento do “monopólio

1 Revista Nossa História, a. 2, nº 13, nov. 2004, edição da Biblioteca Nacional. 2 WEBER, Max. Economia y sociedade. México: Fondo de Cultura Económica, 1956.

9

da violência legítima”, elemento constitutivo da própria definição de Estado, seguindo o

conceito de Weber. Para discutir a formação do estado brasileiro utilizei autores de diversas

matizes teóricas, destacando Raymundo Faoro (linha weberiana), Nelson Werneck Sodré

(marxista), José Murilo de Carvalho e John Schulz (liberais).

No capítulo I ao tratarmos da formação do Exército, buscamos demonstrar que a

formação de um exército profissional no Brasil foi sendo progressivamente feita a partir de

1850, e que o Exército brasileiro à época da guerra (1865), era uma força em transição, pois

reunia na sua oficialidade tanto militares que ascenderam na carreira através da

meritocracia, quanto militares que ascenderam pelas relações político/sociais.

Examinando o processo de independência do Brasil veremos que a nossa

experiência histórica foi peculiar, em relação às outras nações latino-americanas, em vários

aspectos. Primeiro, por fazer-se sem a presença de um exército libertador, passo importante

para a criação de um exército nacional3 e, segundo, por manter-se o regime escravista.

Aqui, o poder privado, desde a independência e pelo menos até a Guerra do

Paraguai, dividiu esse monopólio com o Exército, criando obstáculos para a formação de

uma força armada moderna.

No campo da prestação de serviço militar, o século XIX foi marcado, em todo

Ocidente, por trajetórias convergentes em direção a formas de recrutamento de sentido

universal. No entanto, no Brasil, a escravidão impediu a formação de uma força armada de

conscrição nacional, pois drenou braços recrutáveis para o setor produtivo, ao mesmo

tempo em que forçou o desvio de indivíduos para a manutenção da ordem privada4.

3 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles – O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do império. São Paulo: Ed. HUCITEC: Ed. UNICAMP, 1996. 4 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 59/60

10

Esta situação foi mantida durante quase todo o período imperial e a organização das

forças armadas dependeu diretamente dos grupos políticos que estavam no poder e dos seus

respectivos projetos de construção do Estado. Quando os liberais assumiam o poder, a

tendência era desmobilizar as tropas de linha e reforçar as milícias provinciais

(principalmente a Guarda Nacional), já os conservadores geralmente buscaram utilizar as

forças armadas como instrumento para a centralização do poder, embora não dispensassem

a Guarda Nacional.

Segundo Raymundo Faoro, as relações entre o Exército e a política imperial foram

marcadas por divergências desde o momento da Independência, geralmente associadas ao

papel pouco importante que as elites políticas relegaram às forças armadas na construção

do Estado5. Com a ausência de campanhas militares de monta no processo de

independência, as forças armadas tiveram poucas oportunidades para mostrar a importância

dos militares na vida nacional.

O governo imperial foi profundamente civil e os políticos se orgulhavam em

apontar as vantagens do sistema brasileiro sobre os governos militares das repúblicas

vizinhas. A convicção da legitimidade do governo civil era tão forte que se tornou um

obstáculo à percepção da seriedade da ameaça representada pela oposição militar ao final

do Império. Desde 1831 até o surgimento das questões militares no início dos anos 1880 o

Exército teve reduzida influência nas decisões da política nacional. Um dos melhores

indicadores dessa situação era o fato de que freqüentemente os ministérios militares eram

ocupados por ministros civis6.

5 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 2, 10ª ed., São Paulo: Ed. Globo, 1995. 6 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relum-Dumará, 1996.

11

A partir de 1850, no entanto, o Exército começou a adquirir uma certa autonomia

em relação a política imperial, no âmbito relativo à própria instituição, principalmente após

as reformas colocadas em prática pelos conservadores. A força passou de uma organização

aristocrática, não educada e não profissional, a uma força educada, profissional, dotada de

um vigoroso “sentido de solidariedade institucional”7, capaz de exercer pressões sobre o

Estado imperial em torno das suas reivindicações.

Essa transformação só foi possível por causa do estabelecimento de critérios rígidos

de promoções dentro da hierarquia militar, critérios não mais relacionados ao nascimento,

ao poder econômico ou à influência política, e sim ao mérito e à formação acadêmica. A

oficialidade militar, recrutada fora da elite escravista e sujeita a padrões de ascensão

estranhos às normas da sociedade imperial vigente, tendia a desenvolver opiniões

autônomas acerca da sociedade e do papel das forças armadas8.

Em relação à formação do Exército que estava sendo formado para enfrentar o

Paraguai, a principal discussão que se coloca era se ele poderia ser considerado uma força

moderna e profissional ou não. Utilizando como referências os exércitos europeus, sejam os

originados das revoluções burguesas – caso do exército napoleônico – ou o exército

prussiano, veremos que alguns aspectos da instituição brasileira poderiam ser considerados

modernos, entre eles a profissionalização da oficialidade e o sistema de promoções.

Se a referência for o exército napoleônico, veremos que o exército em 1865 estava

em vias de se tornar um exército profissional, principalmente a partir das reformas de 1850,

ou seja, era uma força em transição, pois os oficiais oriundos da Academia Militar eram

ainda minoria em relação ao corpo de oficiais, sobressaindo-se ainda os militares sem

7 SCHULZ, John. O exército na política: origens da intervenção militar – 1850-1894. São Paulo: EDUSP, 1994. 8 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 63

12

instrução técnica, indivíduos que construíram as suas carreiras auxiliados pelas suas

relações político/sociais com a elite civil. Situação que começou a se inverter com as

reformas e a preferência da elites pelas profissões civis, principalmente a advocacia. A

profissionalização, no entanto, foi obstacularizada pela eclosão do conflito, onde as

academias foram fechadas e as normas de promoções alteradas.

Tomando por exemplo o exército prussiano – onde parte da oficialidade era oriunda

da aristocracia e a outra era pertencente a outros grupos da sociedade, principalmente à

burguesia -, podemos considerar o exército brasileiro, em relação à oficialidade, como um

exército moderno. Podemos assentar a nossa conclusão na análise do alto escalão do

exército, onde os principais comandantes foram oriundos da aristocracia brasileira,

militares que entraram para a instituição antes das reformas de 1850 e que tiveram carreiras

meteóricas9.

Nenhum dos oficiais oriundos da Academia Militar, embora possuíssem uma

formação técnica muito mais apropriada para atuar no conflito, conseguiu alcançar postos

tão importantes como os oficiais tarimbeiros. Destaco como motivos: a pouca idade dos

oficiais – quem entrou para a Academia Militar em 1850, tinha na época da guerra em torno

de 35 a 40 anos e a pouca experiência em conflitos.

Outro pressuposto para a formação de um exército moderno e profissional foi a

conscrição universal da tropa. O recrutamento em todas as classes sociais da sociedade foi

uma característica presente tanto no exército napoleônico, como no prussiano. No caso

francês, teoricamente, o exército era formado por cidadãos. Ao chamado da pátria:

9 Ver em anexos a tabela dos generais brasileiros de 1860 a 1889.

13

“Citoyens, la patrie est em danger”10 todos os homens válidos deveriam se alistar, de

acordo com as necessidades. No entanto, apesar do apelo, o recrutamento forçado não foi

incomum.

No caso brasileiro, a manutenção da escravidão impedia o recrutamento universal,

pois o escravo é propriedade particular e não pode ser convocado. Da mesma forma, a

escravidão ocupava uma parcela da população livre na sua vigilância, diminuindo a base do

recrutamento. Sob este ponto de vista, dificilmente poderia ser formada uma tropa

profissional, recrutada em todas as classes sociais e disposta a proteger a pátria, algo difuso

para alguns grupos daquela sociedade.

Entretanto, as estratégias empreendidas pelo governo para formar o exército

brasileiro, foi o que mais próximo poderia se chegar de uma conscrição universal,

principalmente diante da presença da escravidão. As vantagens concedidas com o decreto

3371, a libertação de escravos para lutarem na guerra, as campanhas de alistamento11 em

todo o país, entre outras ações das autoridades, fizeram com que milhares de homens de

todas as classes sociais se alistassem livremente. Ao lado destes, outros tantos foram

forçados a marchar para o front, no entanto, essa também foi uma característica dos

exércitos profissionais europeus.

Em síntese, podemos dizer que o exército brasileiro, formado para lutar contra o

Paraguai, pode ser considerado um exército moderno e profissional: os oficiais eram

oriundos parte da aristocracia e parte dos segmentos médios e a tropa foi recrutada entre

10 “Cidadãos, a pátria está em perigo”. In AZEVEDO, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. 11 Entre as campanhas de alistamento empreendidas pelo governo, destaco duas: a primeira foi a grande campanha feita pelos periódicos da época (estratégia que visava alcançar segmentos médios da população) e a segunda, de forte valor simbólico, foi a transformação do imperador D. Pedro II no primeiro voluntário.

14

todas as camadas sociais. Essas características o aproximam do modelo prussiano, pelo

menos na montagem de seus efetivos.

O Exército, dentro desses novos padrões, já reunia alguns requisitos para assumir o

“monopólio da violência legítima”, com possibilidades de cumprir um papel de destaque na

construção do Estado, isso antes mesmo da Guerra do Paraguai.

Nos exemplos europeus, para concentrar os meios de coerção em suas mãos, os

agentes da centralização tiveram que desarmar a sociedade senhorial através da longa luta

travada pelo Estado moderno na sua manifestação clássica, a monarquia absolutista. Se esse

processo implicou na extração das prerrogativas militares dos proprietários, a dinâmica a

ele impressa pôde enfrentar os entraves feudais e, afinal, se legitimar, através da

necessidade de um poder que viabilizasse a sobrevivência desses mesmos interesses

privados, no contexto de uma nova ordem de relações políticas e econômicas12.

Discutir a composição do contingente do Exército brasileiro, quanto à sua formação

profissional e suas origens sociais, ao longo do período imperial, também é de suma

importância para o estudo dos seus atos pós-guerra do Paraguai.

Na nossa dissertação, utilizaremos o termo “oficialidade” para denominar os altos

postos de comando, em oposição a “tropa”, composta por oficiais subalternos e soldados.

Esta divisão é encontrada na maioria dos autores que analisam a trajetória do Exército

aparecendo principalmente nas obras que embasam este trabalho, embora não seja

incomum o termo “tropa” se remeter ao conjunto dos efetivos do Exército ou de outras

forças armadas.

12 IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do exército. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.

15

A divisão entre oficialidade e tropa, mais do que uma questão de terminologia, está

ligada também às diferentes formas de adesão dos dois grupos às forças armadas e a sua

postura política ao longo do período imperial. Analisaremos separadamente os dois grupos,

observando as transformações e as permanências entre 1822 e 1870.

Em relação à origem social da oficialidade, a maior parte dos historiadores

identifica na elite, definida por John Schulz como o grupo que participava da política

nacional, ocupantes de cargos no poder Executivo (conselheiros, ministros, senadores,

deputados etc.), composta por fazendeiros, comerciantes ricos, altos funcionários militares

e civis, a origem da maioria dos oficiais até 1850. Muitas vezes o termo “elite” se confunde

com “aristocracia”. Este último termo, segundo Celso Castro13, no caso do Brasil, deve ser

utilizado com cuidado, pois designa um grupo de indivíduos socialmente privilegiados por

herança e não como sinônimo de nobreza.

Nos anos posteriores a 1850, altera-se o quadro e passa a haver um equilíbrio entre

indivíduos da elite e da não-elite14. Conceituar a não-elite é um pouco mais complexo, pois

esta, por oposição à elite, seria composta por todo o restante da sociedade que não participa

da política nacional, não detêm poder econômico, não tem acesso a altos cargos

governamentais etc.

Entretanto, a existência dentro da não-elite de outras subdivisões, tornam a

conceituação da sociedade brasileira mais complicada e de certa maneira polêmica,

principalmente por causa da presença da escravidão negra. A sociedade imperial era

dividida em classes ou era uma sociedade estamental? Qual a posição do escravo? Existia

naquele momento uma classe média? Os parâmetros para se definir um segmento

13 CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 14 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 29

16

populacional são baseados em níveis de participação política, de formação

educacional/cultural ou de condições econômicas?

Utilizando o termo não-elite, a população estaria dividida em pelo menos três

grupos: os escravos, os homens livres pobres e os homens livres assalariados (funcionários,

militares ou profissionais liberais) ou pequenos e médios proprietários de terras, que vivem

das rendas da sua produção.

No entanto, qual o setor da não-elite que fornece homens para a oficialidade? Para

Nelson Werneck Sodré15 eles foram recrutados nas camadas livres, não proprietárias, mais

precisamente na classe média nascente. John Schulz identifica nas famílias de pequenos

proprietários, funcionários médios e oficiais subalternos a origem dos oficiais. Assim posta,

a polêmica parece estar ligada a questões de terminologia, pois ambos os autores referem-se

ao mesmo grupo social, composto por indivíduos que vivem de seus salários ou das rendas

de suas propriedades.

Esse grupo forneceu, após 1850, principalmente na segunda metade da década de

1860, em torno da metade dos oficiais do Exército brasileiro.

No capítulo II, destacaremos a atuação do Exército nos campos de batalha,

ressaltando que a dinâmica da guerra foi responsável pela quebra no ritmo de

profissionalização da instituição, sobretudo da sua oficialidade. Neste capítulo, com base

em uma documentação primária heterogênea, composta por correspondências, ofícios,

relatórios e também por relatos de combatentes, entre outras, analisaremos as ações

desenvolvidas pelos militares brasileiros no quotidiano do conflito, suas reações, seus

sacrifícios e suas expectativas.

15 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1979.

17

Neste parte nos deparamos com uma tarefa das mais difíceis, pois a documentação

utilizada, assim como a bibliografia disponível, compõem-se geralmente de relatos de

oficiais, correspondência dos comandantes e descrições de indivíduos que acompanharam

as ações, ora trazendo a visão oficial, ora apresentando versões eivadas de preconceitos.

Nas entrelinhas desse material é que procuramos buscar os indícios de como se

relacionaram oficiais e tropa durante o período da guerra.

Em relação à historiografia da Guerra do Paraguai podemos dividi-la em pelo

menos quatro grupos. No primeiro, podem ser agrupadas as obras contendo os relatos de

ex-combatentes e observadores do conflito, valiosos por mostrar as ações “por dentro”, na

maioria das vezes do ângulo do participante, embora essas publicações possam estar

sujeitas a diversas criticas, por se tratarem mais de fontes históricas do que obras analíticas,

elas nos proporcionam saber como viviam os militares, como eles se relacionavam entre si,

como eles enfrentavam as más condições de vida, comuns nas guerras, etc. Entre esses

relatos, alguns se tornaram clássicos. Entre eles, podemos destacar: Reminiscências da

Campanha do Paraguai, de Dionísio Cerqueira, as obras de Alfredo d´Escragnolle Taunay,

sobretudo A Retirada da Laguna. Além de História da Guerra do Paraguai, do prussiano

Marx von Versen e dos brasileiros Cunha Mattos e Sena Madureira, este último relatando

principalmente as batalhas.

No segundo grupo poderia ser destacada uma literatura mais tradicional, civil ou

militar, memorialista, preocupada em eleger mitos e heróis ou focalizar os combates,

batalhas, atos "heróicos" isolados, ou seja, relatos predominantemente militares. Nessas

obras os paraguaios são considerados os grandes causadores do conflito e Solano Lopez um

grande tirano. Tasso Fragoso (1934), Teixeira Soares (1955) e Paulo de Queiroz Duarte

18

(1981), embora tenham publicado as suas obras com diferença de vários anos um para

outro, são exemplos desse tipo de historiografia.

No terceiro grupo reúnem-se os trabalhos revisionistas, onde o Paraguai é visto

como um país em vias de se tornar uma potência ou, no mínimo, um país com uma

economia independente do imperialismo inglês. A Grã-Bretanha, nesta versão, é

considerada por estes autores, o “quarto” integrante da Tríplice Aliança que,

mancomunado com os governos brasileiro e argentino, buscaram destruir o Paraguai. Entre

os autores, se destacam o brasileiro Júlio José Chiavenatto – Genocídio americano: A

Guerra do Paraguai – e o argentino Leon Pomer – La Guerra Del Paraguay. Gran

negócio!

Mais recentemente algumas obras retomaram o conflito como tema, novas

abordagens surgiram, não só em relação à análise das causas e conseqüências da guerra,

mas tocando num assunto que sempre foi considerado tabu, a constituição das forças

brasileiras: o recrutamento forçado, a presença de escravos nas fileiras do Exército, a

omissão de determinados setores da sociedade, entre outros. Nesse grupo, autores como

Wilma Peres Costa – A Espada de Dâmocles...-, Ricardo Salles – Guerra do Paraguai:

escravidão e cidadania na formação do exército -, Francisco Doratioto – A Maldita

Guerra... -, Jorge Prata Sousa – Escravidão ou morte – os escravos brasileiros na Guerra

do Paraguai - e a coletânea de artigos organizada por Maria Eduarda Marques – A Guerra

do Paraguai – 130 anos depois -, merecem menção.

No capítulo III, ao discutir o retorno dos ex-combatentes, abordaremos o clima de

tensão e festa que envolveu os desembarques, a tentativa de parte da elite política de se

aproveitar do descontentamento militar e a postura dos oficiais, destacando as suas ações,

19

reivindicações e suas relações com a elite civil. Para tanto, analisaremos a recepção aos ex-

combatentes e a conjuntura política nacional no período.

Na análise dos editoriais e artigos publicados pelo jornal A Reforma – órgão

democrático, ao longo do ano de 1870, destacando o desembarque dos ex-combatentes da

Guerra do Paraguai na Corte do Rio de Janeiro, discutirei, utilizando os conceitos da

semiologia, sobretudo as reflexões contidas nos textos de Michel Foucalt16, Eliseo Verón17,

Patrick Charaudeau18 e Orlando de Barros19, a tentativa de aproveitamento do

descontentamento militar pelos políticos liberais para retornarem ao poder, assim como os

desdobramentos dessa ação.

O discurso crítico, nitidamente político, presente implicitamente e explicitamente

nos artigos, embora tenha como alvo o gabinete Conservador, tinha com destinatários os

próprios militares e o imperador D. Pedro II. No campo do efeito dos sentido20, o discurso

busca: 1) derrubar o gabinete conservador; 2) incentivar a manifestação dos militares; 3)

pressionar o imperador para que realize mudanças no quadro político.

A maioria dos artigos era assinada sob pseudônimos, que faziam referências à classe

militar: “O Voluntário da Pátria”, “Um Militar”, “O Oficial do Exército”, “O Exército” etc.

O conteúdo dos artigos, no entanto, não trazia nenhuma referência a propostas do Exército,

tais como reforma militar, aumento de soldo, promoções, leis de alistamento, modernização

16 FOUCALT, Michel. A Ordem do Discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Edições Loyola, São Paulo, 1996. 17 VERON, Eliseo. “Quand lire c`est faire: l´enonciation dans le discours de la presse ecrite”. In Semiotique II, IREP, Paris, 1983. 18 CHARAUDEAU, Patrick. (sous la direction de). La presse, produit, production, réception. Didier Érudition, Collection Langages, discours et sociétés. Paris, 1988. 19 BARROS, Orlando de. A propósito de um texto, a propósito de um texto, a propósito de outro texto.

Mestrado da UERJ, 2003 e 2005. 20 Segundo Eliseo Veron, uma mensagem não produz jamais, de maneira automática, um só efeito. O discurso produz diversos efeitos, chamado pelo autor de campos de efeitos de sentidos. Eliseo Veron. Op. Cit. p. 74

20

e valorização das forças armadas etc., assuntos recorrentes nas páginas do periódico O

Militar21.

O auge da campanha do jornal ocorreu durante as comemorações da vitória (10 de

julho de 1870). Nesse evento ocorreram alguns incidentes envolvendo ex-combatentes e

populares contra a polícia, fatos corriqueiros no Rio de Janeiro da época. O principal

tumulto ocorreu quando a carruagem da família real foi cercada e impedida de prosseguir

seu trajeto. Este fato assustou os políticos conservadores e o imperador, embora tenha sido

(segundo outras fontes da época) um ato pacífico. Amplamente explorado pelo jornal, o

episódio mais uma vez foi utilizado com propósitos políticos, sendo mostrado como uma

manifestação de repúdio, pelos militares, às práticas do gabinete conservador.

Segundo Foucault22, embora haja uma tentativa de controlar e organizar a produção

do discurso, visando o domínio dos acontecimentos que ele possa a vir desencadear, nem

sempre é possível prever as suas conseqüências. No caso presente, os articulistas do jornal

A Reforma foram duramente criticados pelos conservadores, incluindo aí editoriais no

Jornal do Commercio23, que o condenavam por espalhar o terror através do destaque que

dava às acusações dos ex-combatentes, principalmente os oficiais, contra o governo e aos

tumultos na cidade e pelos “velhos liberais”, contrários a grandes manifestações populares.

21 O jornal O Militar (1854-55, 1860-61), publicado por jovens oficiais e estudantes militares, criticava constantemente o sistema político imperial, principalmente quando as leis e projetos eram desfavoráveis aos militares. As edições do jornal encontram-se na Biblioteca Nacional. 22 FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p. 42 23 RENAULT, Delso. Rio de Janeiro: A vida da cidade refletida nos jornais (1850/1870). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 15

21

Analisar a recepção dos artigos do jornal, principalmente por parte dos militares, é

uma tarefa muito difícil24, pois, nos documentos que consultamos referentes ao militares (a

maioria sob a guarda do Arquivo do Exército), não existem depoimentos dos mesmos,

proibidos de se expressar pelos jornais assuntos políticos e militares desde 1859, além de

que, naquele momento, não circulava nenhum órgão de divulgação das idéias militares.

No quarto e último capítulo, abordaremos a reorganização do Exército, mostrando o

caos existente nos primeiros anos do pós-guerra, as dificuldades dos ex-combatentes para

receberem os seus benefícios e a rotina violenta dos quartéis, no retorno dos militares à vida

comum, o desprezo a que a classe militar se viu relegada e as reformas militares aprovadas

mas não colocadas em prática.

Capítulo 1 - Do exército aristocrático ao meritocrático: em direção à

profissionalização

Com a independência do Brasil e a retirada das tropas portuguesas em 1822, D.

Pedro I ficou praticamente sem exército. Esta situação, agravada pelos problemas

econômicos que o novo país enfrentava, principalmente com a queda nas vendas de

algodão, açúcar e fumo, tornaram difícil a criação de forças armadas no Brasil.

Contando apenas com um pequeno número de oficiais brasileiros e portugueses,

remanescentes do exército português, e necessitando consolidar o processo de emancipação

do país – incompleto pela presença de portugueses leais à ex-metrópole nos portos do Norte

- D. Pedro se viu forçado a contratar estrangeiros.

24 Segundo Patrick Charaudeau, todo ato de linguagem, inclusive o discurso, tem um destinatário ideal, construído pelo produtor , no entanto, existe uma distância entre o destinatário ideal e o destinatário real, muitas vezes dificultando a recepção. Patrick Charaudeau. Op. Cit. p. 103

22

Desta forma constituiu-se o embrião do primeiro exército brasileiro. Composto

majoritariamente por estrangeiros na alta oficialidade, principalmente portugueses, e na

tropa por brasileiros (recrutados) e mercenários estrangeiros. Foram estes efetivos que

atuaram na repressão do levante em Pernambuco (1824) e na guerra da Cisplatina

(1825/1828)25.

Aos poucos, no entanto, os estrangeiros foram sendo substituídos pelos brasileiros,

circunstância acelerada pela independência do Uruguai e a rebelião dos soldados

mercenários no Rio de Janeiro, ambos os fatos ocorridos em 1828. Soma-se a estes revezes

a luta no interior do Exército, reunindo a tropa e a oficialidade brasileira contra a

oficialidade portuguesa e as tropas mercenárias, num processo de lutas que Wilma Peres

Costa denominou de nacionalização do exército26.

Até 1831, ano da abdicação de D. Pedro I, período conturbado da política nacional,

a insubordinação, segundo Nelson Werneck Sodré27, foi a principal característica do

exército. Essa rebeldia, talvez reflexo da instabilidade política daquele momento, era

provocada por oficiais que não acatavam ordens superiores e soldados que se revoltavam

contra a forma de recrutamento (forçado), o atraso dos soldos e os castigos físicos. Entre

1831 e 1832, vários motins ocorreram na cidade do Rio de Janeiro envolvendo militares.

Nelson Werneck Sodré destacou os seguintes28:

12 de julho de 1831 – 26º Batalhão de Infantaria

14 de julho - Corpo de Polícia da Corte

25 SCHULZ, John. O exército na política: Op. Cit. p. 25 26 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 45 27 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil.. Op. Cit. p. 18 28 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 23/24

23

06 de outubro - Corpo de Artilharia (Ilha das Cobras)

02 de abril de 1832 - Fortalezas de Villegagnon e Santa Cruz

17 de abril - Tropas sediadas na Quinta da Boa Vista

Como observou Thomas Holloway, no seu trabalho sobre a polícia no Rio de

Janeiro29, embora não tenham provocado maiores conseqüências, sendo rapidamente

debeladas pelo governo, essas rebeliões assustaram as autoridades, provocando mudanças

na polícia, e nas forças armadas, principalmente no Exército.

Na Regência (1831-1840), acentuadamente no período em os liberais estiveram no

poder (1831-1837), o exército foi colocado em segundo plano por motivos de ordem

ideológica e econômica. No campo ideológico temia-se que o fortalecimento das tropas

regulares viria a ser utilizado para suprimir as liberdades individuais e provinciais.

A fragmentação dos meios de violência, em última instância, significava que não

podiam existir garantias suficientemente seguras de que as autoridades seriam mais

poderosas que seus oponentes, que, aliás, dada a rotatividade dos partidos, poderiam estar

no poder no dia seguinte30. No campo econômico, faltavam verbas para a organização e

manutenção de uma força profissional31.

Segundo José Murilo de Carvalho, a ojeriza dos liberais por exércitos permanentes

prendia-se a três argumentos. O primeiro dizia respeito ao papel desses exércitos no

aparecimento de pequenos Bonapartes, como já acontecia em outros países como a

Argentina (Rosas) e o México (Santa Anna). O segundo era de que um grande exército 29 HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. 30 MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: recrutamento militar e construção do Estado no Brasil imperial. Rio de Janeiro: Tese de doutorado, IUPERJ, 1997. 31 SCHULZ, John. O Exército e o Império. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.

24

retiraria da produção numeroso contingente de mão-de-obra. Em terceiro lugar, em função

dos “elementos mesmos de que é composta”, a tropa tendia a ser antes fator de anarquia do

que de ordem pois tendia a unir-se à população32. Este último argumento estava relacionado

a um problema essencial da classe proprietária: a manutenção da ordem social, decorrente

do “grande medo” de uma rebelião, popular ou de escravos, de maiores proporções, tal qual

a ocorrida no Haiti em 1835.

A descentralização política promovida pelos liberais entre os anos de 1831 e 1837

isolou os militares no interior do aparelho estatal, priorizando o comando civil no que se

refere à manutenção da ordem interna, exemplo disso foi a ampliação do controle privado

dos meios de repressão e a desmobilização do exército de linha33.

O principal mecanismo utilizado para atingir os fins acima descritos é a Guarda

Nacional, criada a 18 de agosto de 1831, integrada por todos os cidadãos eleitores, armada

e comandada pelos “senhores de terras e escravos”34, ela foi utilizada inicialmente para

debelar as insurreições de caráter mais popular da primeira fase da regência, tornando-se

rapidamente instrumento de controle das “classes perigosas” rurais e urbanas35.

A criação da Guarda Nacional pode ser considerada como exemplo da política

liberal em relação ao exército, pois, ao mesmo tempo que reforçou o poder localizado nas

províncias, criou um contingente de reserva sem praticamente nenhum ônus para o tesouro

nacional.

Segundo Jeanne Berrance de Castro, a criação da Guarda Nacional delimitou o

campo de atuação do Exército, reservando para ele o papel de defesa e ataque em caso de 32 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relum-Dumará, 1996. 33 IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 20 34 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 33 35 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. Unb, 1981.

25

conflitos externos, enquanto que as milícias se encarregariam das querelas internas. Embora

tenha fracassado nessa tarefa de debelar os conflitos internos, principalmente os que

envolviam as elites, a Guarda Nacional desempenhou um papel importante pois acabou por

retardar a reforma da estrutura militar brasileira, situação que perdurou pelo menos até a

década de 1850. A partir desse momento, período em que se acentua a implementação de

reformas no Exército, até cerca de 1870, a Guarda Nacional passou a ser utilizada cada vez

mais como força complementar às forças regulares36.

Com a subida dos conservadores ao poder (1837), através da regência de Araújo

Lima, inicia-se a reorganização do Exército, considerado como instrumento necessário na

política de recentralização do poder, processo conhecido como Regresso Conservador e

levado a cabo pelo “grupo saquarema”, forjado através da aliança entre a alta burocracia,

particularmente setores da magistratura e da cafeicultura fluminense, núcleo pensante do

partido conservador37.

A principal característica desse período foi a reestruturação das instituições liberais,

através de uma série de reformas jurídico-administrativas, incluindo também as forças

armadas profissionais e a Guarda Nacional38.

Assim, para fazer frente às várias rebeliões que ocorriam naquelas datas, aumentou-

se o efetivo do Exército e a instituição foi revitalizada. Sob o comando de Luís Alves de

Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, as tropas regulares, engrossadas com contingentes

da Guarda Nacional, saíram vitoriosas contra a Balaiada/MA (1841), as revoltas liberais em

São Paulo e Minas Gerais (1842) e a Revolução Farroupilha/RS (1845). 36 CASTRO, Jeanne Berrance de. “A Guarda Nacional”. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971. 37 MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1990. 38 SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar conservadora . Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

26

Com a vitória das forças governistas contra a Revolução Praieira (1849), consolida-

se a política de centralização do poder. Para alguns autores, entre eles John Schulz39, os

anos de 1849 a 1864 foram marcados pela estabilidade política e prosperidade econômica,

proporcionada pela expansão cafeeira, tornando possível o aprofundamento das reformas

no Exército.

O exército de D. Pedro I, tinha o seu corpo de oficiais majoritariamente oriundo da

aristocracia, seja brasileira40 ou portuguesa, os militares eram filhos de proprietários de

terras, comerciantes ricos, altos funcionários civis e militares. Estes indivíduos ingressavam

no exército como oficiais ou como cadetes com honras de oficial, avançando rapidamente

na carreira. Era comum chegar ao posto de capitão aos vinte anos, coronel aos trinta e

general pouco depois dos quarenta.

A ascensão rápida desses oficiais estava associada às suas ligações de parentesco ou

políticas, geralmente. As forças armadas atraiam esses indivíduos, pois poderiam se

transformar em trampolim para uma carreira política. Este padrão, onde as promoções eram

feitas com base nas conexões sociais, sem muitas mudanças, perdurou até 185041.

Com a paz interna e a expansão econômica que marcou o período, os militares

voltaram a sua atenção para as reformas, buscando introduzir práticas que fizessem o

exército brasileiro se assemelhar aos modernos exércitos europeus.

Esse discurso estava presente, inclusive, na Fala do Trono de 1850, quando o

imperador D. Pedro II, expôs o desejo de aumentar a força do Exército, no sentido de

39 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 27 40 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. p. 27 41 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 24/26

27

transformá-lo numa organização regular e vigorosa, equiparável aos exércitos das nações

civilizadas42.

As reformas no exército, levadas a efeito principalmente pelo Ministro Manoel

Felizardo de Souza e Mello (1848-1852), provocaram profundas transformações na

instituição, possibilitando, entre outras coisas: a melhoria do ensino, a burocratização da

carreira, a criação gradativa de um corpo de oficiais com visão própria e profissional em

relação às necessidades militares43.

Um ponto essencial nessas reformas foi a mudança na lei de promoções,

proporcionando maiores chances de competição entre homens da elite e da não-elite.

A lei de 1850 instituiu normas rígidas de promoção, estipulando que para ganhar

uma patente era necessário ter pelo menos 18 anos e ser alfabetizado. As promoções da alta

oficialidade (de major a coronel) deveriam ocorrer por mérito ou por tempo de serviço,

levando em média de sete a oito anos antes de cada nova promoção por mérito nos tempos

de paz e cerca de dez anos quando a promoção era por tempo de serviço. Os oficiais-

generais eram escolhidos com base no mérito e os intervalos de tempo variavam: nos

períodos de guerra o tempo poderia se resumir à metade, enquanto que nas armas técnicas –

artilharia, estado-maior e engenharia – as promoções eram por estudo, até o posto de

major44.

A citada lei definia que os oficiais da artilharia, estado-maior e engenharia deveriam

concluir o curso de nível superior de suas armas, aplicados na Academia Militar. Quem não

possuía o curso só podia servir na cavalaria e na infantaria.

42 SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império. Op. Cit. p. 111 43 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 63 44 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 26/28

28

A titulo de comparação, analisaremos a trajetória de um dos oficiais da ativa no ano

de 1850. Trata-se do próprio Manoel Felizardo, empreendedor das referidas reformas: este

militar, formado em matemática, em Coimbra, assumiu o cargo de professor da Academia

Militar em 1827, no posto de capitão, aos 21 anos de idade, ocupando vários cargos

administrativos e executivos (presidência das províncias do Maranhão, Ceará, Alagoas e

São Paulo), antes de tornar-se ministro da guerra em 1848 – com o posto de tenente-

coronel.

Essa carreira de ascensão rápida, dependente das ligações políticas, passou a ser,

após a reforma de 1850, cada vez mais rara, pois os requisitos de tempo de serviço

impediam esse progresso. A média de idade, que era em torno de 28 anos de idade para os

majores, antes de 1850, passou para 39 anos em média nos anos posteriores à reforma.

A principal conseqüência desse novo critério de promoções foi a de acabar com

parte da atração, que a carreira militar exercia sobre a elite, que passava a ver na

magistratura melhores oportunidades de ascensão rápida, principalmente na esfera política.

Formado em média aos 20 anos, o advogado não precisava esperar as promoções e, através

das suas ligações políticas, poderia tornar-se rapidamente um juiz, prefeito ou assumir um

cargo na burocracia estatal45.

Dessa forma, ampliaram-se as chances de indivíduos oriundos das famílias de

pequenos fazendeiros, funcionários públicos médios e oficiais subalternos, alcançarem a

oficialidade.

Do ponto de vista da carreira militar, a oficialidade do Exército passou de um grupo

não profissional e não educado, geralmente formado em cursos que nada tinham a ver com

45 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. 26/28

29

atividades militares ou mesmo sem instrução básica, muitos até semi-analfabetizados, para

um grupo profissional, de formação superior, compatível com cada setor militar escolhido.

Esta mudança acabou criando, em relação ao oficialato, uma organização dual,

dividida entre um núcleo profissional minoritário, embora crescente, pertencente às

camadas médias e socializado nas escolas militares e o contingente egresso das oligarquias

rurais. O Primeiro grupo possuía conhecimento teórico sobre a “arte da guerra”, enquanto

que o segundo era responsável pelo fornecimento de tropas46.

Essa formação profissional, adquirida na Academia Militar, acentuou o abismo

existente entre o grau de instrução da oficialidade e da tropa. Antes da reforma de 1850, a

distância entre um e outro grupo estava ligada a questões de nascimento, de diferenças

sociais. Os indivíduos oriundos da elite, pertencentes a oficialidade, e a tropa, composta

por homens dos grupos sociais médios e baixos, tinham em comum o baixo grau de

formação.

Após 1850 o panorama se alterou, a oficialidade, formada na Academia Militar –

ilha de instrução em uma sociedade constituída por uma maioria analfabeta47 -, era educada

por engenheiros, lia muito e estava geralmente a par do que acontecia no mundo e no resto

do país, enquanto que o grau de escolaridade da tropa continuava baixíssimo.

Segundo Celso Castro, a existência de academias militares com acesso

“democratizado” desempenhou um papel central no processo de profissionalização dos

exércitos modernos. Criadas após as guerras napoleônicas e sem restrições sociais ao

ingresso no corpo de oficiais, possibilitava à oficialidade desenvolver sua identidade social

centrada na própria instituição. Se no exército pré-moderno, o corpo de oficiais estava

46 IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 38 47 SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. 31

30

baseado na sociedade em virtude de sua origem aristocrática, com a profissionalização

passou a ser dotado de uma relativa autonomia em relação ao restante da sociedade. A

aristocracia de berço foi progressivamente substituída pela aristocracia do mérito, aferido

através da educação. Esse processo se consolidou na maioria dos exércitos por volta de

187048.

Essa diferença de formação também foi comum no interior da própria oficialidade.

Nos anos imediatamente anteriores à Guerra do Paraguai, muitos dos oficiais não tinham

cursado a Academia, tendo entrado no exército antes de 1850 e galgado postos por suas

relações sociais ou por tempo de serviço. Essa situação causou várias divergências durante

a guerra e também após, opondo os chamados “científicos”, oriundos da academia e os

“tarimbeiros”49, principalmente em torno das promoções.

Podemos assentar a nossa conclusão na análise do alto escalão do exército, onde os

principais comandantes são oriundos da aristocracia brasileira, militares que entraram para

a instituição antes das reformas de 1850 e que tiveram carreiras meteóricas. Entre eles

destaco:

Manuel Luís Osório – Marquês de Herval

Carreira: Tenente (aos 19 anos), Capitão (30), Major (34), Tenente-Coronel

(36), Coronel (44) e Brigadeiro (51).

Comandante-em-chefe das forças brasileiras em 1865.

Manoel Marques de Souza – Visconde de Porto Alegre 48 CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 49 O termo “tarimbeiro” refere-se ao oficial que passou pelos postos de soldado, cabo e sargento sem ter feito cursos de formação de oficiais. KOOGAN/HOUAISS – Enciclopédia e Dicionário. 4ª Ed. – Rio de Janeiro: Seifer, 1999.

31

Carreira: Tenente (19), Capitão (22), Major (24), Tenente-Coronel (33),

Coronel (37), Brigadeiro (42) e Marechal (47) .

Comandante do Segundo Corpo do Exército

Polidoro da Fonseca Quintanilha – Visconde de Santa Teresa

Carreira: Tenente (23), Capitão (25), Major (35), Tenente-Coronel (39),

Coronel (48), Brigadeiro (53) e Marechal (64).

Comandante do Primeiro Corpo do Exército

Luís Alves de Lima e Silva – Marquês de Caxias

Carreira: Tenente (17), Capitão (19), Major (25), Tenente-Coronel (34),

Coronel (36), Brigadeiro (38) e Marechal (39).

Comandante em chefe das forças aliadas50

A mudança nos critérios de promoções e formação do oficialato, foram seguidas por

reformas ocorridas no ensino militar, principalmente em relação à Academia Militar.

Embora a Academia Militar existisse desde 1811, só a partir de 1850 é que o ensino ali

ministrado estaria conectado diretamente à carreira. O ensino militar, então, entrou em fase

de ampliação e profissionalização. Em 1851 Manoel Felizardo sugeriu a adoção de um

regime de quartel para a Academia Militar, mais adequada, segundo ele, a formar

intelectuais do que soldados (oficiais).

O resultado prático das reivindicações do ministro foi a divisão da Academia Militar

em duas: manteve-se a Escola Central, localizada no Largo de São Francisco, específica do

ensino das ciências matemáticas, físicas e naturais, formando oficiais de artilharia e

50 DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1981.

32

engenharia e criou-se uma Escola Militar e de Aplicação, instalada na Fortaleza de São

João (1855) e, posteriormente, na Praia Vermelha (1857), voltada para o ensino

profissional, ambas as escolas localizadas na Corte. Assim, na Praia Vermelha ficariam os

cursos práticos e no Largo de São Francisco os estudos teóricos

Além dessas, foram criadas uma escola militar no Rio Grande do Sul, responsável

pela formação de oficiais da cavalaria, e a escola de tiro de Campo Grande/RJ para formar

sargentos e tenentes aptos para a instrução da tropa.

Até 1845, os critérios para a entrada nas academias eram bastante modestos,

bastando o candidato ser alfabetizado e dominar as quatro operações matemáticas. A partir

do referido ano, ocorreram alterações substanciais: o candidato tinha que dominar

gramática portuguesa, francês e geografia para todos os cursos que concorresse e ainda

gramática latina para os candidatos aos cursos de engenharia. Embora as mudanças

representem uma elitização nos critérios de ingresso às academias, estas foram

compensadas pela criação de escolas preparatórias gratuitas no Rio de Janeiro e em Porto

Alegre, fato que ampliou as oportunidades de acesso para os grupos não pertencentes à

elite51.

Embora possuíssem uma formação técnica muito mais apropriada para atuar no

conflito, nenhum dos oficiais oriundos da Academia Militar conseguiu alcançar postos tão

importantes como os oficiais acima referidos. Destaco como motivos: a pouca idade dos

oficiais – quem entrou para a Academia Militar em 1850, tinha na época da guerra em torno

de 35 a 40 anos e a pouca ou nenhuma experiência em conflitos.

Entretanto, as estratégias empreendidas pelo governo para formar o exército

brasileiro, foi o que mais próximo poderia se chegar de uma conscrição universal, 51 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 64

33

principalmente diante da presença da escravidão. As vantagens concedidas com o decreto

3371, a libertação de escravos para lutarem na guerra, as campanhas de alistamento52 em

todo o país, entre outras ações das autoridades, fizeram com que milhares de homens de

todas as classes sociais se alistassem livremente. Ao lado destes, outros tantos foram

forçados a marchar para o front, no entanto, essa também foi uma característica dos

exércitos profissionais europeus.

Os primeiros anos do conflito mostraram que a profissionalização do contingente

não bastou para formar um exército moderno. Como veremos no próximo capítulo, a infra-

estrutura precária do exército brasileiro dificultou demais as ações dos soldados, fazendo

com que estes tivessem que redobrar os seus esforços e sacrifícios, para conseguir sair

vitoriosos dos campos de batalha.

Diferentemente da oficialidade, onde detectamos várias transformações ao longo do

período colonial, o recrutamento da tropa se caracterizou pela permanência de critérios

herdados do período colonial. O recrutamento compulsório sempre foi o mais comum

instrumento para preencher o corpo do Exército brasileiro.

O recrutamento atingia geralmente a população livre, de baixa extração social,

marginal economicamente e vítima da exclusão institucional (não votava nem era votada,

era analfabeta etc.). Nas áreas rurais era subordinada social, político e ideologicamente aos

grandes proprietários e nas cidades formou uma multidão de prestadores de pequenos

52 Entre as campanhas de alistamento empreendidas pelo governo, destaco duas: a primeira foi a grande campanha feita pelos periódicos da época (estratégia que visava alcançar segmentos médios da população) e a segunda, de forte valor simbólico, foi a transformação do imperador D. Pedro II no primeiro voluntário.

34

serviços, biscateiros, vendedores ambulantes, pequenos artesãos, desocupados, vagabundos,

mendigos e marginalizados de toda ordem53.

Hendrik Kraay54, analisando o recrutamento ao longo do período imperial no Brasil,

identificou mais detalhadamente qual a clientela atingida pelos recrutadores nos tempos de

paz: homens brancos e mulatos livres solteiros, de 18 a 35 anos.

Ele destacou ainda as exceções que constavam das legislações em vigor sobre

recrutamento, geralmente baseadas no critério econômico. Estavam excluídos do serviço

militar, entre outros: “capitães-do-mato, vaqueiros, artesãos, cocheiros, marinheiros,

pescadores, um filho de cada lavrador, um certo número de caixeiros de cada

estabelecimento comercial e estudantes”55.

Um dos motivos para que ocorresse essa adesão forçada da classe livre ao exército

foi a escravidão. A manutenção da ordem escravista tornava impossível a formação de um

contingente de conscrição nacional, composto por indivíduos de todas as classes sociais,

pressuposto para a criação de um exército moderno. Primeiro porque o escravo não era

alistável e segundo porque outros braços aptos para o serviço militar tinham que ser

desviados para a manutenção da ordem privada.

Para fazer face a esse problema, o governo imperial chegou a fazer uso de soldados

estrangeiros (mercenários), alternativa que também não surtiu efeito por causa da

insubmissão das ditas tropas, cujo ápice foi a rebelião na Corte em 182856, e o alto custo

desse contingente.

53 SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1990. p. 59/63 54 KRAAY, Hendrik. Reconsidering recruitment in Imperial Brazil.IN The Americas, 55: 1 july 1998. 55 KRAAY, Hendrik. Op. Cit. p. 15 56 RIBEIRO, Gladys Sabina. “Pés-de-chumbo” e “Garrafeiros”: conflitos e tensões nas ruas do Rio de Janeiro no Primeiro Reinado (1822-1831). In Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, vol. 12, nºs 23/24, 1992.

35

Na realidade, desde a colônia e durante todo o século XIX, o recrutamento parecia

uma espécie de caçada humana, da qual a população alistável fugia com horror57. Em

muitos dos casos os alistadores, sobretudo os juízes de paz e a Guarda Nacional,

utilizavam-se das suas prerrogativas para perseguir desafetos políticos ou proteger seus

aliados.

O recrutamento era visto como uma degradação social e os recrutas eram

literalmente capturados para o serviço militar, através de métodos brutais e diretos58,

método comum no mundo.

Muitos eram obrigados a entrar para o exército por terem tido problemas com as

leis. Um desses casos foi retratado por Martins Pena na peça “Um juiz de paz na roça”59,

onde o personagem principal, José da Fonseca, por ter cometido um delito, foi forçado a se

transformar em soldado e seguir para as guerras do Rio Grande, só que, para escapar desta

situação, casou-se escondido com a filha de seu carcereiro. Embora seja uma obra ficcional,

o autor lida com elementos presentes na realidade e, portanto, a situação destacada parece

não ter sido incomum durante o período imperial.

Identificado o público alvo desse alistamento forçado, nos resta analisar o porque da

recusa desses indivíduos em fazer parte do Exército, visto que a sociedade escravista

permitia poucas oportunidades de trabalho para os homens livres. A possibilidade de uma

ocupação regular remunerada, representada pelo serviço no Exército, poderia vir a tornar

atraente este tipo de atividade, no entanto, os maus-tratos, o baixo soldo e os constantes

57 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit. p. 37 58 SALLES, Ricardo. Op. Cit. p. 80 59 PENA, Martins. Um juiz de Paz na Roça, segunda edição. Rio de Janeiro: Tipographia Imparcial de F. de Paula Brito, 1843.

36

atrasos, impingiam ao serviço militar um caráter de castigo60, impedindo que este se

tornasse algo atrativo para este segmento da população.

As reformas ocorridas nas forças armadas a partir de 1850, não alteraram o quadro

vigente, pois incidiram sobre a oficialidade, não se ocupando com as condições da tropa. A

principal mudança nesse cenário, pelo menos na sua forma quantitativa, iria ocorrer ao

longo da Guerra do Paraguai.

O confronto com o Paraguai nos seus primeiros momentos expôs a fragilidade das

forças brasileiras. Diante de um exército estimado em cerca de 70 a 80 mil homens

(contando com os efetivos de reserva), boa parte deles muito bem treinada, o Brasil

dispunha, para o ano fiscal de 1864, de um efetivo fixado em 17.000 homens, distribuídos

pelo seu extenso território61.

O início do conflito, mostrou que o Império brasileiro não estava preparado para

enfrentar o poderio dos efetivos paraguaios, evidenciando assim a pouca importância dada

ao Exército, organizado para combater rebeliões dentro do país ou conflitos contra

adversários belicamente tão modestos quanto ele, como a Argentina e Uruguai. Nesses

casos, confiava-se geralmente nos efetivos de reserva representado pela Guarda Nacional

ou bastava deslocar batalhões das capitais ou, no caso dos conflitos externos, utilizar as

forças estacionadas no Rio Grande do Sul.

Numericamente falando, poderíamos afirmar que era um contingente aquém das

necessidades do país, com um corpo de oficiais proporcionalmente muito superior ao

número de soldados.

60 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 58 61 BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. In MARQUES, Maria E. C. Magalhães (Org.). A Guerra do Paraguai - 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume - Dumará, 1995.

37

A guerra pegou o governo brasileiro de surpresa, apesar da política agressiva que o

país desenvolvia na região, pois as autoridades não esperavam enfrentar um adversário tão

superior. Exemplo disso foi a inexistência de um plano de mobilização de tropas.

Frente a isso, o governo imperial empreendeu um esforço de recrutamento de

dimensões nacionais, pois organizar o exército era a única condição de vitória para o

Império. O chamamento para a defesa do país, incidiu sobre os corpos da Guarda Nacional,

dos corpos de polícia das províncias e dos batalhões de voluntários. Além, é claro, dos

efetivos do exército regular. Todos sob as ordens e organizados pela oficialidade do

exército e pelo Ministério dos Negócios da Guerra e seus órgãos.

O primeiro passo para contornar a situação foi a promulgação, por parte do Governo

Imperial, do Decreto 3371, criando os Batalhões de Voluntários da Pátria, a 07 de janeiro

de 1865. Este decreto foi criado para incentivar o engajamento de voluntários, oferecendo

ao final do conflito, além de outras vantagens: gratificação de 300$000, na ocasião da

baixa, área de terra de 22.500 braças quadradas nas colônias militares ou agrícolas,

passagens para onde solicitarem logo que for declarada a paz, no caso que tenham que se

transportar por mar, direito aos empregos públicos de preferência, em igualdade de

habilitações, a quaisquer outros indivíduos; as famílias dos Voluntários, que faleceram no

campo de batalha ou em conseqüência dos ferimentos recebidos nela, terão o direito à

pensão ou meio soldo, conforme se acha estabelecido para oficiais e praças do Exército,

soldo dobrado de voluntário aos que ficarem inutilizados por ferimentos recebidos em

combate62.

62 Jornal do Commercio, Rio de janeiro, 09 de janeiro de 1865.

38

A criação desses batalhões tinha como objetivo atrair indivíduos de diferentes

grupos sociais, apelando para o espírito voluntário/patriótico da população. Intento que deu

resultado no primeiro ano de mobilização, quando homens de várias classes sociais se

engajaram na defesa da pátria. No entanto, em face do prolongamento do conflito e a

necessidade sempre crescente de efetivos, o recrutamento forçado volta a ser o instrumento

mais utilizado para atender às necessidades das forças brasileiras.

A diferença entre a coerção empregada nos tempos de paz e nos tempos da guerra,

residia no fato de que havia agora uma forma moral, os batalhões de Voluntários da Pátria,

empregada no sentido de dar uma legitimação social a este tipo de recrutamento,

possibilitando a aceitação do mesmo pelos demais segmentos da população e de certo modo

pelos próprios indivíduos compulsoriamente transformados em voluntários.

Embora consideremos que o recrutamento forçado fosse o principal mecanismo

utilizado para repor as baixas causadas pelas doenças e combates no conflito, ele não foi o

único. Prosseguindo com seu esforço de suprir o Exército com material humano, as

autoridades, além do decreto 3371, pressionaram a Guarda Nacional, através da designação

de seus membros para o serviço de guerra. Esta determinação causou protestos, fugas e toda

sorte de manipulações por parte das elites para fugirem da guerra.

Esse segmento da população, detentor de um alto poder de pressão sobre as

autoridades imperiais, da qual muitos dos seus membros faziam parte, encontraram na

substituição a oportunidade de escaparem de seguir para o front de batalha. Dessa foi

facultado aos proprietários oferecerem escravos ou pagar homens livres para se tornarem

combatentes em seus lugares e nos de seus filhos e familiares63. A contar pelos vários

63 SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte – os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Ed. MAUA/Ed. ADESA, 1996.

39

anúncios veiculados nos periódicos da época, onde homens livres ofereciam-se para

marchar no lugar dos designados, em troca de uma indenização, a substituição poderia

tornar-se um bom negócio64.

Outro grupo integrado a esse esforço de guerra foi composto por escravos. Esses

indivíduos recebiam a alforria com a obrigação de fazerem parte do exército e irem para a

frente do conflito. Essas alforrias eram originárias de doações, substituição, compra por

parte do governo etc65.

Embora não existam estimativas confiáveis sobre o número de escravos que

combateram na guerra, até porque não foi incomum a fuga de escravos para engajarem-se

no exército66, alguns argumentos podem ser levantados para debater a primeira opinião

citada acima: 1) O perigo de se armar um grande número de escravos; 2) o perigo de se

transformar um escravo em Voluntário da Pátria; 3) o transtorno da liberação de mão-de-

obra para emprego na guerra; 4) o controle do recrutamento pelos senhores de escravos.

Diante desses argumentos não se sustenta a tese de que os escravos foram maioria

na guerra. Os senhores de escravos, principalmente os do sudeste, não liberariam a sua

mão-de-obra, num momento em que o preço do escravo estava em alta. Por outro lado,

existia uma população livre numerosa e ociosa, não integrada à economia escravista, esta

sim apta a fornecer a maioria dos combatentes.

64 A proporção de tropas oriundas da Guarda Nacional caiu de cerca de 75% em 1866, para menos de 45% em 1869. In BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. Op. Cit. p. 18 65 SALLES, Ricardo. Op. Cit. p. 41 66 Entre os autores que defendem que houve a fuga de escravos para se apresentarem para lutar, podemos citar: COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. São Paulo: Ed. Global, 1982/GRAHAM, Richard. Escravidão, Reforma e Imperialismo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1979.

40

Estima-se que o Brasil mobilizou algo em torno de 130 mil a 150 mil homens ao

longo do período da guerra (1865/1870).

Capítulo 2 - O exército na Guerra do Paraguai: uma quebra no processo de

profissionalização

O conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, precipitou-se em meio à crise no

Uruguai, independente do Brasil desde 1828, palco constante de rivalidades luso-

espanholas a partir do século XVII, culminando com a invasão portuguesa à Banda

Oriental, cuja ação foi efetuada em 1816. Aproveitando a crise interna uruguaia,

representada principalmente pela luta política entre os Blancos e Colorados, e utilizando

como motivo supostas retaliações contra cidadãos brasileiros residentes na região, o

Império deu um ultimatum ao governo uruguaio em 04 de agosto de 1864. Esta notificação

continha uma série de exigências e ameaçava o país vizinho de invasão caso estas não

fossem cumpridas.

O conflito pode ser dividido em pelo menos quatro fases, relacionadas aos

comandos que o exército brasileiro esteve submetido e não propriamente às ações. São elas:

comando do argentino Bartolomé Mitre (primeira e segunda fases), Marquês de Caxias

(terceira) e Conde d´Eu (última)67.

Estava aberto o caminho para a mais grave crise que a Região da Bacia do Prata

enfrentaria. O Paraguai, que advertia há tempos que a autonomia e independência do

67 Em relação às fases da Guerra do Paraguai, a título de exemplo, cito a subdivisão feita por Leslie Bethell, baseada nas principais ações militares. Para esse autor, o conflito pode ser dividido em três fases: a primeira marca a ofensiva paraguaia (dezembro de 1864/abril de 1866), a segunda destaca a ofensiva aliada e o período dos principais combates (abril de 1866/janeiro de 1869) e a terceira enfoca a tentativa de reorganização do exército paraguaio e a utilização das técnicas de guerra de guerrilhas (janeiro de 1869/março de 1870). In BETHELL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. In MARQUES, Maria E. C. Magalhães (Org.). A Guerra do Paraguai - 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume - Dumará, 1995.

41

Uruguai era condição primordial para o equilíbrio de forças no Rio da Prata, retrucou o

ultimatum brasileiro com um outro, onde condenava a intervenção no país vizinho. Tropas

brasileiras invadiriam o Uruguai a 16 de outubro de 1864, cumprindo as ameaças. Era a

guerra. O Paraguai, preocupado com a livre navegação no Prata e o possível bloqueio de

sua única saída para o mar, apreendeu o vapor mercante brasileiro Marquês de Olinda.

Foram rompidas as relações diplomáticas entre os dois países. O Paraguai, que vinha se

mobilizando para o conflito há algum tempo, declara formalmente guerra ao Brasil - 13 de

dezembro de 1864, iniciando a invasão do Mato Grosso.

A primeira iniciou-se com a invasão do Brasil pelas tropas paraguaias a partir da

província do Mato Grosso, em dezembro de 1864. O ano de 1865 começou com a

declaração de guerra do Paraguai à Argentina - 18 de março, motivada pela negativa de

permissão desta última para que as tropas paraguaias cruzassem seus territórios e a região

das Missões, em litígio, e a invasão da província argentina de Corrientes. Em 1º de maio foi

firmado o Tratado da Tríplice Aliança, que reuniu Argentina, Brasil e Uruguai contra o

Paraguai. Os principais pontos de acordo foram: o fim da ditadura de López; livre

navegação no Prata; a anexação do território reivindicado pelo Brasil, no nordeste do

Paraguai, e pela Argentina, no leste e oeste do Paraguai.

Ainda em 1865, as forças paraguaias invadiram o Rio Grande do Sul, através da

região de Uruguaiana, com o intuito de chegarem até o Uruguai. Apesar da surpresa das

ações, comandadas pelo coronel paraguaio Estigarribia, e o melhor preparo das forças

paraguaias, eles não chegaram a seu destino, rendendo-se parte do contingente, inclusive o

seu comandante, ao exército aliado, na ocasião representados pelo imperador Pedro II (na

sua única aparição na região do conflito), pelo presidente argentino Bartolomeu Mitre,

também comandante das forças aliadas, e ao presidente uruguaio Venâncio Flores.

42

Enquanto isso, um contingente de aproximadamente 27.000 soldados paraguaios

retornava ao seu território. Ao final do primeiro ano da guerra, as únicas tropas paraguaias

estacionadas em solo brasileiro estavam localizadas no Mato Grosso, palco secundário do

conflito. Nesse meio tempo, ocorreu a única batalha naval importante, quando a esquadra

paraguaia foi praticamente destruída pela marinha brasileira. Foi a batalha de Riachuelo, no

Rio Paraná, em 11 de junho.

A segunda fase começou com a passagem dos aliados para a ofensiva com a

invasão do território paraguaio, em abril de 1866, com a fixação do acampamento de

Tuiuti. Nesse período, o contingente formado por combatentes brasileiros, argentinos e

uruguaios, sob o comando do argentino Mitre, iria enfrentar períodos de lutas contínuas e

sangrentas, com períodos de imobilidade. As principais batalhas foram: primeira batalha de

Tuituti (24 de maio de 1866), Curuzu (03 de dezembro de 1866), Curupaiti (23 de

dezembro de 1866) e segunda batalha do Tuiuti (03 de dezembro de 1867). Em outubro de

1866, o marechal Luis Alves de Lima e Silva, então Marquês de Caxias, foi nomeado

comandante-em-chefe das forças brasileiras terrestres e navais, unificando o comando antes

dividido entre o general Osório (primeiro corpo do exército), general Conde de Porto

Alegre (segundo corpo do exército) e o almirante Tamandaré (marinha). O comando-

geral, no entanto, ainda era do presidente Mitre.

A terceira fase está relacionada com a transmissão do comando-em-chefe, de todas

as forças aliadas, de Mitre para Caxias, em 13 de janeiro de 1868. A principal tarefa de

Caxias era reorganizar o contingente aliado, afim de transpor a fortaleza de Humaitá, cuja

localização bloqueava o acesso ao Rio Paraguai e à capital Assunção. A fortaleza só foi

ocupada em agosto de 1868 e em janeiro de 1869, após a destruição de grande parte do já

combalido exército paraguaio na batalha de Lomas Valentinas (27 de dezembro de 1868),

43

finalmente Assunção foi ocupada e Caxias deu por encerrado o conflito, dando por

completamente derrotado o exército paraguaio.

No entanto, a guerra teria a sua quarta fase, caracterizada pela resistência dos

paraguaios. Solano Lopez tentou reorganizar as suas poucas forças, dispersas pelo interior

do país – na sua maioria velhos e crianças – e retomar a luta, dessa vez através de ações de

guerrilhas. Esta situação, apesar do retorno de Caxias para o Brasil68, forçou o governo

brasileiro a manter as forças brasileiras em solo paraguaio até 1872. O comando-em-chefe

passou às mãos do Conde d´Eu, 15 de abril de 1869, e sua principal missão era acabar com

a resistência paraguaia e capturar Solano Lopez. Sua tarefa foi facilitada após a vitória na

batalha de Campo Grande (16 de agosto de 1869), também chamada de Acosta Ñu, onde

foram massacradas as forças paraguaias. Embora Lopez tenha novamente conseguido

escapar, alguns meses depois ele seria encurralado e morto em Cerro Cora, encerrando a

chamada Guerra do Paraguai.

Ao longo dos seus quase cinco anos e meio o conflito figurou como uma das piores

guerras do mundo no século XIX, mesmo entremeada por longos períodos sem operações

bélicas de importância, grandes batalhas foram travadas, vitimando milhares de

combatentes e não combatentes

Os números da guerra são expressivos, mesmo levando-se em conta o exagero de

alguns autores, que freqüentemente manipularam cifras para realçar seus argumentos.

Observando algumas estimativas encontramos certos disparates, aproveitamos então um

68 O Marquês de Caxias deixou o comando em janeiro de 1869, substituído interinamente pelo Marechal Guilherme Xavier de Souza, que, por sua vez, passou o comando para o Conde d´Eu em abril do mesmo ano. In DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1981. p. 35

44

estudo recente realizado pelo historiador inglês Leslie Bethell69, que calculou os efetivos

mobilizados pelos contendores: Do lado paraguaio de 70 mil a 80 mil homens, da

Argentina de 10 mil a 15 mil, do Uruguai cerca de 5 mil homens e do Brasil, que no

decorrer da guerra foi assumindo responsabilidades cada vez maiores, de 130 mil a 150 mil

homens.

Utilizando-se os números do mesmo autor, percebe-se a terrível mortandade da

guerra. No início do conflito as doenças, as intempéries, e as más condições das tropas e o

serviço de saúde inadequado, iriam causar a maior parte das vítimas. Com o decorrer da

guerra, contudo, os combatentes estavam melhor adaptados e melhor abastecidos, os

terrenos já eram conhecidos e as doenças já não eram as maiores causadoras de baixas. As

batalhas contribuíam, agora, com uma maior porcentagem para aumentar os índices de

mortos e feridos. Somando as duas causas (doenças e ações bélicas), o número estimado

ficou em torno de: do lado paraguaio entre 50 mil e 80 mil mortes. Do lado aliado a

situação foi a seguinte, Argentina (18 mil homens), Uruguai (perdas insignificantes) e

Brasil (entre 25 mil e 50 mil mortos em combates, acrescidos dos mortos por doenças).

As conseqüências da Grande Guerra foram desastrosas para todos os países

envolvidos, sobretudo para o Paraguai e Brasil. O Paraguai utilizou, no esforço de guerra,

todos os recursos humanos e econômicos disponíveis. Ao final do conflito estava exaurido,

com a população drasticamente reduzida e a economia praticamente falida, contribuindo

para esta situação os pesados encargos assumidos como perdedor da guerra.

O Brasil, embora considerado o grande vencedor, não estava em situação financeira

muito diferente. Diversos empréstimos foram feitos na Europa, principalmente com

69 BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. Op. Cit. 21

45

banqueiros ingleses, o que acarretou ou alimentou o estado de crise crônica que persistia

desde a independência.

O exército brasileiro, como foi destacado por vários autores, não estava preparado

para o conflito. Primeiro por não ter um plano de mobilização de tropas e segundo por não

possuir a infra-estrutura básica para enfrentar um conflito das proporções da Guerra do

Paraguai. O abastecimento das tropas era precário, principalmente nos primeiros anos, em

relação à alimentação e água potável, situação que, agravada com a falta de um serviço

médico adequado, contribuía para aumentar a incidência de doenças.

Para os brasileiros o sacrifício começava bem antes. Recrutados muitas vezes de

forma compulsória, retirado dos seus rincões e colocados dentro de navios adaptados e

apinhados de soldados, ou submetidos a marchas forçadas por centenas de quilômetros, em

direção à corte do Rio de Janeiro, local de concentração de tropas e onde era ministrado um

tosco treinamento, muitos não resistiam e ficavam pelo caminho. Alguns doentes ou

mortos, outros como desertores.

Na chegada ao porto de Montevidéu, última parada do comboio antes dos campos

de batalha, muitos acabavam ficando pelos hospitais, fora de combate, muitas vezes por

doenças contraídas na viagem ou trazidas de seus lugares de origem.

As condições higiênicas e sanitárias dos acampamentos também deixavam a desejar.

Na maioria dos relatos de quem testemunhou ou participou das ações, fica evidente que,

tanto de um lado quanto de outro, as condições foram precárias. Acantonados em áreas

pantanosas, sujeitos à chuva e ao frio, equipados com fardamento inadequado70,

70 Segundo ilustrações contidas no livro de Paulo de Queiroz Duarte (Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai) cada batalhão confeccionava o seu próprio fardamento, a maioria deles inadequadas para o clima e o relevo da região do conflito.In DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1981.

46

despreparados, mau alimentados, os combatentes eram vítimas fáceis de inimigas tão

poderosas, quanto as armas: as doenças.

O General-de-Brigada João Severiano da Fonseca, futuro Patrono do Serviço de

Saúde do Exército, nos deixou uma narrativa insuspeita das condições das enfermarias onde

atuou; em ofício, remetido ao General Antônio Sampaio, ele desabafava e pedia

providências.

"(...) Não são as doenças, nem o número de doentes que me

assustam; o que me acovarda, Sr. General, ou antes, o que me

desespera é a impossibilidade que tenho e os meus

companheiros, de socorrer os enfermos, e de combater e

prevenir as moléstias por que, de um lado, faltam-me

completamente os meios de ação, não tendo esta Divisão, de

três mil homens, um só grão de medicamento, um só fio de

curativo; e de outro, sendo nossa voz tão desautorizada, que

não se atende os nossos conselhos, nem buscar satisfazer os

mais comuns e necessários preceitos de higiene e profilaxia

militar, adaptado ao soldado em campanha. Desde 1 do

corrente que peço, insisto e suplico medicamentos, dietas,

barracas, enfermeiros, cozinheiros. (...) Das ambulâncias das

Brigadas recém-chegadas nada há a aproveitar, sendo incrível

e cruel que se mandasse para um exército em operações

ambulâncias de cirurgia para mil e cem praças, sem um único

instrumento cirúrgico, e apenas um saca-rolhas e um

isqueiro;(...) Todavia, é dever de minha profissão combater

47

até a última as causas do mal do meu próximo como é dever

do soldado combater até a última pela honra do seu País."71

Os primeiros anos do conflito podem ser descritos como uma guerra de doentes,

onde as epidemias eram responsáveis pela maioria das baixas. Ao invés das balas

adversárias, os soldados caíam devido às doenças. O cólera-morbo, a malária, a disenteria,

a febre amarela, a varíola e outras enfermidades, alcançavam mais longe que os canhões

inimigos. Segundo o observador prussiano Max von Versen,72 os médicos ingleses,

que atuavam do lado paraguaio, estimaram em 40.000 o número de perdas, causadas

principalmente pela desinteria, escarlatina, bexiga e pela febre chuchu. O mesmo autor

indica, ainda, que as moléstias se originavam da água extraída do solo paludoso, pelo

consumo de carne sem hortaliça, pela falta de pão e até mesmo do sal, além do vestuário

impróprio.

Do lado aliado as condições não foram diferentes. O avanço das tropas por terrenos

insalubres, sob um clima freqüentemente inconstante, propiciaram que os surtos ceifassem

milhares de vidas. Um trecho, retirado do épico relato do Visconde de Taunay sobre a

Retirada da Laguna, nos dá bem a noção dos inconvenientes proporcionados por esta

situação.

"A 18, desde a madrugada, começou copiosa chuva que não

tardou em ensopar o nosso pobre fato e nos predispôs mais

tristemente para uma marcha ainda mais lenta que nos dias

precedentes. Nem sempre caía chuva com a mesma força, mas

71 SILVA, Alberto Martins da. João Severiano. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989. p. 34 72 VERSEN, Max von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1976. p. 29

48

havia de vez em quando aguaceiros que não tardavam em

encharcar o solo, de modo tal que a cada passo ficavam as

carretas presas e retidas nos caldeirões que abriam. Que

espetáculo constrangedor o do grupo dos nossos míseros

enfermos, a quem, sob desabaladas bátegas e no meio dos

regatos que elas formavam, tínhamos de deixar no

chão!(...)Quase que diariamente sucedia que o sol, fraco de

manhã, após noites glaciais, tornava-se depois escaldante.

Variação perene que acabava arruinando-nos a saúde. neste

mesmo dia, acastelando-se a oeste espessas nuvens, daí

proveio cedo novo dilúvio, que transformou em furiosa

torrente um ribeirão já por si volumoso.(...) Morríamos de

frio; estávamos a jejuar, e só com muito trabalho, à meia-noite

pudemos ter fogo, à custa de empilhar muita lenha verde que

ardia quase sem labaredas."73

Os contingentes mais atingidos foram, sem dúvida, aqueles formados pelas

camadas inferiores. Os soldados, principalmente, os do Norte e Nordeste, desacostumados

ao clima pantaneiro, eram os mais vulneráveis às doenças. Muitos já chegavam

subnutridos, submetidos a vida inteira a um regime alimentar deficiente. Oriundos, via de

regra, de famílias pobres ou de condição escrava, dispunham de uma situação de vida

precária nos seus lugares de origem. Somava-se a isto a falta de recursos pecuniários

73 TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle. A Retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai , traduzida da 5ª edição francesa por Affonso de E. Taunay. 18ª ed. brasileira. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1975. p. 40

49

necessários para adquirir os produtos complementares à ração e ao fardamento regulares

que recebiam.

Uma parte considerável dos recrutados não chegou nem a alcançar o front. Segundo

Paulo Queiroz Duarte74, foi crítica a situação, referindo-se ao 4º CVP, formado na Corte e

embarcado em abril de 1865:

"Naquela quadra de abril, grassava no Rio de Janeiro uma

violenta epidemia de varíola, doença grandemente infecciosa

e contagiosa que se manifestou no curso da viagem e se

propagou com tal violência que cerca da metade do efetivo do

Corpo chegou à capital do Uruguai atacado da terrível

moléstia.(...) Os hospitais de Montevidéu, que já abrigavam

muitos doentes, ficaram repletos de variolosos e no cemitério

local sepultaram-se inúmeros jovens patriotas."75

Outro testemunho, acerca das péssimas condições do efetivo, é dado pelo próprio

Marquês de Caxias. Em correspondência,76 ele notificava, ao Ministério dos Negócios da

Guerra, o recebimento do vapor Itapicurú com 332 praças. Este barco partiu da Corte com

420 soldados. A diferença, portanto, ficara pelo caminho, internada em hospitais de Santa

Catarina, Montevidéu e Corrientes.

74 DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1981. p. 38 75 DUARTE, Paulo Queiroz. Op. Cit. p. 43 76 Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra, - 06 de dezembro de 1867. Seção Guerra, Arquivo Nacional .

50

Analisando o relatório do Marquês de Caxias77, da força sob o seu comando,

verifica-se as condições adversas de saúde do efetivo brasileiro. De um total de 42.814

homens, 10.635 estavam doentes, ou seja, cerca de 25% do contingente encontravam-se

fora de combate.

O militar Sena Madureira também destacou a situação do soldado que baixava

enfermaria durante o avanço das tropas brasileiras:

“Era triste a sorte do soldado, naquela travessia, quando

baixava doente no hospital. Nas marchas seguidas, batidos

sem cessar por chuvas copiosas através de campos alagados e

vagueando arroios cheios; que comodidades podiam ter os

pobres enfermos? (...) nossas condições eram desfavoráveis e

só com muita previdência se podia ter um serviço sanitário

regular”78

Destacando a correspondência do Marquês de Caxias, referente aos anos de 1867 e

186879, período considerado como o auge da guerra e momento de concentração do maior

número de soldados brasileiros na frente de batalha, percebe-se como foi difícil a vida nos

campos de guerra e nos acampamentos. A tensão entre soldados e oficiais e as más

condições de higiene, saúde e de abastecimento, marcaram esse cotidiano, entremeados

pelos embates com o inimigo, num momento decisivo do conflito.

77 Idem 78 MADUREIRA, Sena. A Guerra do Paraguai. Brasília: ED. UNB, 1982. p. 36 79 Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra, Seção Guerra, - Arquivo Nacional.

51

As tensões sociais no Brasil, causadas sobretudo pelas relações escravistas de

trabalho, transferiram-se para o interior do Exército, no teatro das operações de guerra.

Foram constantes as rivalidades entre a oficialidade e a soldadesca.

Foram comuns os entreveros, numa luta não declarada entre senhores e ex-escravos,

ricos e pobres, brancos e negros. Reproduzindo o que acontecia nas cidades, nos campos,

nas fazendas e em qualquer lugar do país onde subsistiam as relações escravistas de

trabalho.

Como exemplo dessa relação, recorremos novamente ao relato de Dionísio

Cerqueira. Embora utilizando dos serviços de um soldado negro que “cozinhava a nossa

bóia (...), lavava-me a roupa e cuidava do armamento e equipamento”80, ele destaca que

os negros realizavam as piores tarefas da guarnição, servindo nos hospitais, fazendo os

serviços de limpeza e as demais tarefas pesadas.

Por meio da correspondência de Caxias e de outros relatos da mesma natureza,

percebe-se a dificuldade de se manter a disciplina do contingente. Várias condenações à

morte servem de exemplo, principalmente quando o crime é cometido contra um oficial.

Em oficio endereçado ao Ministério dos Negócios da Guerra, Caxias remetia o processo do

soldado Atanazio Francisco Torres de Menezes,81 do 51º Corpo de Voluntários da Pátria82,

condenado à morte por matar um oficial. Em sua defesa, ele alegou que o militar o

humilhara. Em outro ofício, consta o processo do soldado do 53º CVP José Francisco

80 CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. p. 27 81 Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra - 09 de julho de 1867. 82 Daqui por diante onde for mencionado Corpo de Voluntários da Pátria passaremos a denominar CVP.

52

Bezerra83, condenado à pena máxima por ter assassinado o alferes do mesmo Corpo, José

Pedro de Moura Gondim. A representação do acampamento aliado pode ser definida como

um espaço marcado por toda ordem de tensões entre oficiais e soldados, destacando as

deserções e os crimes, que expunham os ressentimentos dos soldados frente ao tratamento

desumano recebido por parte dos seus superiores84

Um recurso utilizado pelos comandantes era o suplício das pranchadas85, onde o

condenado era submetido a um grande número de golpes, na maioria das vezes morrendo,

sem ter sido oficialmente condenado à morte. Dionísio Cerqueira,86 no livro

Reminiscências da Campanha do Paraguai, nos oferece um relato desse tipo de castigo.

Ele narra que, no Acampamento de Cuencas, dois soldados foram supliciados por terem

atacado um oficial, ambos falecendo em decorrência dos golpes, nas contas de Cerqueira

foram cerca de 1.800 golpes, número com certeza exagerado. Ele arrematou assim o seu

relato, justificando esse tipo de condenação:

"Iam ser arcabuzados, sem a sanção do Imperador? A

aplicação do castigo nos exércitos deve ser pronta. A demora

enfraquece a autoridade; e quando o processo se arrasta em

longas discussões e chicanas forenses, quando são esquecidos

e postos à margem os sãos e nobres preceitos disciplinares,

torna-se ridículo, com ofensa do que a vida militar tem de

mais belo e nobre e constitui a sua grandeza: a disciplina, a 83 Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra - 02 de dezembro de 1868. 84 IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: Op. Cit. p. 44 85 Segundo as descrições a pranchada era um suplício, aplicado com uma espécie de espada sem ponta e sem gume, em virtude de que o condenado recebia golpes nas costas e nos ombros. Geralmente as pancadas não excediam a 50, mas em alguns casos, dependendo da gravidade da falta cometida ou da severidade do comandante, poderiam ser aplicados um número que poderia levar o indivíduo à morte. 86 CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit p. 31

53

subordinação e o respeito mútuo entre superiores e

inferiores."87

É importante ressaltar que o mencionado autor, apesar de ter se alistado logo no

início da guerra como voluntário, era oriundo de uma tradicional família baiana e ocupava

naquele momento o posto de oficial, ainda que subalterno, justificando assim as suas

reflexões. Ao mesmo tempo, sua preocupação com a disciplina, constitui-se numa pista

expressiva do medo da oficialidade em relação aos soldados. Estes incidentes eram

causados pelos mais diversos motivos: humilhações, roubos, jogo, bebedeiras. Agravados

pela acirrada luta pela sobrevivência, comum em situações de conflito.

Uma outra característica dos acampamentos aliados foi a presença de uma espécie

de acampamento paralelo. Influenciando tanto para aumentar a indisciplina quanto para

propagar as doenças. Uma plêiade de elementos civis acompanhavam o exército. Eram

mães, esposas, filhos, prostitutas, jogadores, comerciantes, aventureiros. Uns para cuidar

dos seus, outros pretendendo rapiná-los.

A descrição desses acampamentos e as suas relações com o contingente do Exército

está presente em várias memórias da guerra. Dionísio Cerqueira nos fala de Tuiuti, onde "o

jogo de cartas campeava infreme. (e...) Alguns camaradas afeiçoavam-se demasiado ao

vício..."88. Ainda em relação à descrição dos acampamentos paralelos ele prosseguia:

"Cada barraca era um bazar, onde se viam as mais

variadas mercâncias: esporas, fitas, perfumarias, vestidos,

87 CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 32 88 CERQUEIRA, Dionísio. Idem. p. 37

54

bombachas, (...), ao lado de queijos, salames, vinhos zurrapas,

fino Clicquot, sardinhas de Nantes, charutos de Havana (...),

havia bascos, alemães, italianos, franceses, castelhanos,

portugueses. Eram raríssimos então os brasileiros, argentinos

e orientais."89

Max von Versen, figura enigmática que circulou com relativa facilidade entre os

dois lados da contenda, também fez referência a este intenso comércio:

"Em cada seção do acampamento encontra-se uma espécie de

mercado, onde por preços fabulosos, os negociantes

ofereciam todos os artefatos, característicos da civilização,

por exemplo, conservas de beefsteak aux champignons ou aux

truffes, vários outros acepipes, vinhos finos e bebidas

espirituosas, e até artigos de toilette para homens e senhoras,

porque muitos oficiais parecia terem trazido para ali as

prezadas consortes. Os pagamentos realizavam-se sempre em

libra e meia libra esterlina. (...)Neste complexo de tantos

regalos, o espectador desprevenido poderia imaginar que, em

vez de enxergar arraiais consagrados ao culto de Marte, tinha

a ventura de assistir o festim popular em feira de aldeia."90

89 CERQUEIRA, Dionísio. Idem. p. 38 90 VERSEN, Max von. Op. Cit. p. 43

55

Excetuando-se os devidos exageros de ambos os autores, pródigos em imprecisões

ao longo de seus respectivos relatos, campeavam a prostituição e o jogo. Os soldados se

divertiam com seus folguedos próprios, suas cantorias, seus jogos. Infelizmente, não se

encontram descrições a esse respeito, nem mesmo dos cronistas que assistiram às ações.

Certamente não consumiam os produtos, nem freqüentavam os mesmos locais descritos

tanto por Cerqueira quanto por von Versen. Comerciavam, talvez, com produtos furtados

ou recolhidos nos saques e restos das batalhas.

Apesar dos sacrifícios ao longo do conflito, poucos militares recebiam o

reconhecimento, principalmente quando se tratavam de soldados. Os elogios em ordens do

dia, as promoções e, sobretudo, as condecorações honoríficas, quase não contemplavam a

parte inferior da hierarquia militar. Dessa forma, os soldados tinham que se contentar com o

bom conceito entre os seus pares, já que, segundo Cerqueira: “a justiça não podia ser

distribuída a todos, porque os generais não tinham o dom da ubiqüidade, e muitos atos de

bravura ficaram ignorados”91

Não eram só os soldados que protestavam contra esta falta de reconhecimento, os

oficiais também estavam sujeitos a isso. Muitos dos militares iriam cobrar posteriormente

as honras que não receberam, acentuando a divisão dentro exército. Entre as reivindicações

feitas no pós-guerra, freqüentemente figuravam as promoções. Situação que se agravaria

com a diminuição dos efetivos a partir de 1870.

Do ponto de vista político a guerra foi decisiva para o Império brasileiro, trazendo a

princípio um certo prestígio ao regime, logo após a vitória. Segundo Joaquim Nabuco:

91 CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 40

56

"A guerra com o Paraguai teve importância tão

decisiva sobre o destino nacional (...) que se pode ver nela

como que o divisor de águas da história contemporânea. Ela

marca o apogeu do Império, mas também procedem dela as

causas principais da decadência e da queda da dinastia (...)"92

Entretanto, ela traria outras conseqüências a médio prazo. O exército imperial que

retornava do conflito havia passado por uma verdadeira metamorfose. Cioso do seu próprio

valor e honra provados em combate, o exército se encontraria, mais do que nunca,

profundamente ressentido do desdém das elites políticas com relação aos seus sacrifícios e

necessidades93.

Alguns segmentos estavam insatisfeitos e não tardariam a fazer ver e ouvir os seus

protestos. Seguindo a análise de Joaquim Nabuco, percebe-se que um novo agente político

entrou em cena, num país fortemente oligárquico. O Exército passaria a representar a única

instituição verdadeiramente nacional e com moral suficiente para promover a queda da

monarquia. No entanto esta tarefa não seria realizada de pronto e as ações e protestos,

ouvidos no período dos desembarques, seriam sufocadas ou controladas pelas estratégias

empreendidas pelas autoridades.

Capítulo 3 - Os ex-combatentes nas ruas do Rio de Janeiro: discursos e práticas

em torno de um exército vencedor

92 NABUCO, J. Um estadista do Império. Nabuco do Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949. p. 38 93 MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: recrutamento militar e construção do Estado no Brasil imperial. Rio de Janeiro: Tese de doutorado, IUPERJ, 1997.

57

“Hontem às 6 horas da tarde desembarcaram os

voluntários da pátria no arsenal da marinha.

Ahí estava levantado um arco triumphal em

cujas fachadas lia-se esta inscrição

em letras de ouro:

A pátria agradecida

Ás phalanges victoriosas”94

O dia 1º de março de 1870 é considerado oficialmente como a data do final da

Guerra do Paraguai, marcando o momento da última resistência paraguaia e a morte do

generalíssimo Solano López. No entanto, o conflito já tinha sido decidido desde a

ocupação de Assunção pelas tropas brasileiras comandadas por Caxias, a 5 de janeiro de

1869, restando apenas um pequeno exército paraguaio95, reorganizado por López,

atuando através de guerrilhas, sem, contudo, fazer face ao grande contingente do

exército aliado.

Esta foi a última ação de grande porte na guerra. A partir daí as forças brasileiras

ficaram ociosas, estacionadas em Assunção, esperando o momento do retorno aos seus

lugares de origem. A situação, que durou em torno de seis meses, não era das melhores.

Muitos desses soldados estavam ausentes há mais de 4 anos e não viam sentido em

94 A Reforma – 0rgão Democrático. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1870. 95 Este pequeno exército foi massacrado na batalha de Campo Grande ou Acosta Ñu, a 16 de agosto de 1869, onde um efetivo de cerca de 20.000 homens do exército aliado, comandados pelo conde d’Eu, defrontou-se com 1.500 paraguaios, na sua maioria crianças e velhos. BETHEL, Leslie. Cronologia da Guerra. In MARQUES, Maria Eduarda M. (Org.). Guerra do Paraguai – 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 1994.

58

prorrogar mais a estadia em solo paraguaio. A insatisfação quase geral da tropa,

agravada pelas dificuldades de abastecimento de água e comida, comuns desde o início

do conflito, acabou por fomentar desordens e insubordinações, tornando-se comuns os

saques e a violência, principalmente contra a população paraguaia.

As críticas a esta situação aumentavam, sendo oriundas tanto de setores militares,

quanto da sociedade civil brasileira, que criticavam a indefinição das autoridades

brasileiras. A partir de fins de 1869 e início de 1870, intensificaram-se as discussões

sobre como e quando começaria a evacuação e o embarque dos ex-combatentes para o

Brasil.

Antes de destacarmos o desembarque dos ex-combatentes na Corte, porém,

abordaremos a conjuntura política do país naquele período, pois ela ajuda a entender

algumas posições assumidas pelos oficiais, em relação aos partidos políticos e algumas

ações desenvolvidas na Corte.

O quadro político desse período foi marcado pela freqüente troca de gabinetes em

1868 e a conseqüente inversão partidária. Nesse momento, o Gabinete Zacharias

(composto pela coalizão expressa na Liga Progressista)96 foi substituído pelo Gabinete

16 de julho, dirigido pelos conservadores. Esta inversão partidária esteve ligada

diretamente à condução da guerra e à crise representada pela confrontação entre o futuro

96 A Liga Progressista foi uma coalizão entre elementos moderados do Partido Conservador e do Partido Liberal contra os conservadores e os liberais “ortodoxos”. Apesar de não ser um partido, a Liga dominou o cenário político do Império na década de 1860, liderando os gabinetes entre 1862 e 1868. Sobre a Liga Progressista e a política imperial, ver: COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles – o exército, a Guerra do Paraguai e a crise do império. São Paulo: ED. HUCITEC/ED. UNICAMP, 1996. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do Império à República, vol. 5, tomo II da História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1972. NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império – Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. 5ª Ed., Vol. II. Rio de Janeiro: Toopbooks, 1997.

59

Duque de Caxias, comandante-em-chefe das forças brasileiras, e o gabinete liberal.

Caxias, um dos principais membros do Partido Conservador, ao assumir o cargo, teria

exigido a substituição do ministro da Guerra Ângelo Muniz da Silva Ferraz (liberal) por

João Lustosa da Cunha Paranaguá, homem de sua confiança. Esse fato teve como

desdobramento político a queda do Gabinete Zacharias, em julho de 1868, determinada

pela intervenção do Imperador Pedro II, através do Poder Moderador, embora este

gabinete possuísse maioria na câmara.

Há um consenso entre os autores ao elegerem esse episódio como o início da

decadência do sistema político da monarquia. A partir de então, este sistema passou a ser

sistematicamente contestado pelos dois partidos, que criticavam o mecanismo que

possibilitava o Imperador, através do Poder Moderador, promover a alternância dos

partidos no poder. Apesar de não ter sido a primeira vez que ocorreu a inversão

partidária, desta vez a mudança ocorreu mesmo com os liberais mantendo a maioria na

Câmara. Segundo a autora, a guerra teve um papel preponderante nesses episódios, pois

dessa vez “não se escolhia o comandante por ser do partido do gabinete, mas o

gabinete por ser do partido do general, a razão de Estado se impondo sobre a lógica da

vida partidária.”97

Parece que esta era também a opinião de Nabuco, que analisando os

acontecimentos do período enfatizava a relação entre a política e a guerra:

“E, senhores, ainda são lamentáveis, para todo homem

que ama o sistema representativo, os motivos a que se atribui

o 16 de julho. Em geral se diz que estes motivos foram as

97 COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 257

60

necessidades da guerra e as necessidades das finanças; era

preciso acabar com a guerra, e para acabar com a guerra

cumpria que houvesse um ministério que inspirasse confiança

ao general, de modo que o general era antes político do que

militar! (...) Complicou-se o estado de guerra com uma reação

profunda no país, reação que podia dar em uma guerra civil se

não fosse a prudência do Partido Liberal.”98

Embora a crise política iniciada em 1868, com a intervenção autoritária dos

militares, personificada na figura de Caxias, não tenha se encaminhado para uma guerra

civil, como suspeitava Nabuco de Araújo, ela teve desdobramentos com o fim do

conflito no Paraguai e o retorno dos ex-combatentes. O episódio da ascensão política de

Caxias serviu para sugerir (embora em vão) que o prestígio dos militares seria relevado.

Foi frustrante e a frustração ligou-se à idéia de que as esperanças não se realizariam

devido à aproximação excessiva entre Caxias e o regime monárquico. Na Corte, as

discussões e as manifestações a respeito da situação envolveram políticos, militares e

população civil, sendo perceptíveis principalmente através da análise dos periódicos.

Analisar a crise é essencial pois ela foi um dos fatores que estimularam a

rivalidade entre os militares e prejudicaram a sua ação política comum. A nossa hipótese

principal nesse capítulo é que a divisão dos oficiais em torno dos partidos Liberal e

Conservador prejudicou a coesão interna da Instituição nos primeiros anos após a

98 NABUCO, Joaquim. Op. Cit. p. 51

61

guerra, situação que facilitou o controle da ordem por parte do governo e adiou ações

mais significativas do Exército.

Embora a divisão dentro do Exército fosse mesmo anterior à guerra, por conta de

vários fatores, ela se acentuaria durante o conflito, estendendo-se até os primeiros anos

depois da guerra. Segundo Sérgio Buarque de Holanda99, a própria guerra já fornecia

elementos para a divisão do meio militar, entre eles a disputa por promoções, a busca de

glórias militares individuais, de reconhecimento e mesmo a convicção política dos

principais oficiais.

No entanto, segundo ainda o mesmo autor100, foram os anos de paz, posteriores à

guerra, que contribuíram para a falta de coesão da classe. Esta divisão se acentuou com a

aproximação dos oficiais ex-combatentes com a política, possibilitada em grande parte

pela estratégia de cooptação empreendida pelos políticos civis.

A estratégia de atrair militares para as fileiras partidárias dos liberais ou

conservadoras, não era um fato novo na política brasileira. O motivo desse interesse,

segundo Oliveira Viana, tinha relação com a disputa do espaço político:

“Os nossos políticos civis sempre viram no exército

um campo a explorar em benefício dos interesses deles: os da

oposição – para subirem ao poder; os do governo – para se

conservarem nele. Os que estão em baixo vão aos quartéis

para desalojar do poder os que estão em cima; estes apóiam-se

nos quartéis para não serem desalojados pelos que estão

99 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do império à república. vol. 5, tomo II da História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1972. 100 HOLANDA. S. B. Op. Cit. p. 40

62

debaixo. E tem sido esta – a de mero instrumento das

ambições civis – a função propriamente política do exército

em nossa história.101”

Veremos que este comportamento político, descrito por Oliveira Viana acentuam-

se com o fim da Guerra do Paraguai. Os oficiais que saíram prestigiados da guerra e que

ainda não pertenciam a nenhuma das duas fileiras partidárias, foram disputados através

das mais diversas artimanhas; estas iam desde a aceleração nos processos de pedido de

pensão até o oferecimento de cargos públicos, além, é claro, da concessão de títulos de

nobreza. Os conservadores levavam vantagem sobre os liberais, pois dominavam o

aparelho burocrático do Estado e dispunham do poder de deferir ou indeferir as

solicitações de benefícios. A concessão muitas vezes dependia de simpatias políticas e

da proteção de “padrinhos” militares ou civis, disso se aproveitavam os partidos.

Dois dos mais prestigiosos heróis de guerra encabeçavam a lista de militares

envolvidos na política. Um foi Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, ex-

comandante-em-chefe das forças brasileiras, pertencente de longa data ao Partido

Conservador. O outro foi o general Osório, militar que gozava de grande influência entre

a tropa e que teve participação importante no conflito, fazendo parte do Partido Liberal.

Caxias e Osório são personagens emblemáticos do pós-guerra, pois, de certa forma, na

condição de monarquistas, refrearam a radicalização dos oficiais mais jovens. Além

desses, a maioria dos oficiais ex-combatentes foi convidada, por um ou por outro

partido, para fazerem parte das suas hostes.

101 OLIVEIRA VIANA, F. J. O ocaso do império. São Paulo: Melhoramentos, 1925. p. 74

63

A ação dos partidos, por outro lado, era bem aceita pelos oficiais, boa parte deles

pertencentes às camadas médias e ávidos por ampliar a sua participação política na

sociedade imperial.

As discussões sobre a situação política eram acompanhadas através dos periódicos,

que foram auxiliares importantes dos partidos na cooptação dos oficiais, principalmente

os veículos de oposição, mais radicais na sua crítica.

A ação das autoridades, logo após o término do conflito, evidenciou os temores e

as dificuldades que estes enfrentavam para trazer de volta os ex-combatentes brasileiros.

Assim, a proposta do governo era de mandar os ex-combatentes direto para suas

províncias de origem, evitando a passagem destes pela Corte, excetuando-se,

evidentemente, os efetivos pertencentes à própria Corte e à província do Rio de Janeiro.

A alegação era de que reunir todos os batalhões em um só comboio e desembarcá-los na

cidade, acarretaria uma despesa à qual o governo não estava preparado. Portanto, a

proposta era do embarque pouco à pouco, à formiga, para citar um termo da época,

direto para as províncias de origem, proposta defendida pelo ministro dos Negócios

Exteriores, José Maria da Silva Paranhos.

“... A meu ver marche cada corpo de voluntários para a sua

província em cada vapor transporte que sahir d’aqui para o

Império; recebam nos seus penates as ovações de seus

amigos, compatriotas e parentes, ovações que se misturarão

com muitas lágrimas, com muitas dores íntimas e pungentes.

(...) Mas reunir em uma só frotilha todos os batalhões de

voluntários, fazei-os desembarcar no Rio de Janeiro, recebeio-

64

os (ilegível) de applausos frenéticos na côrte do Império,

seria, além de uma despeza injustificável, um sarcasmo

doloroso, uma ironia pungente aos míseros inválidos da

pátria, que ahi estão em seu asylo, feridos, mutilados,

inutilizados para sempre.”102

Esta postura do governo não esconde as suas preocupações com a falta de recursos

para o pagamento das pensões e benefícios, somando isso ao receio de desordens e

rebeliões, decorrentes da insatisfação dos ex-combatentes e do grave momento político

vivido no país. A falta de verba para os pagamentos foi fruto da crise econômica que

assolou o país no período do pós-guerra, após os empréstimos tomados aos banqueiros

ingleses para financiar o esforço de guerra.

As preocupações com as desordens e rebeliões foram constantes na Corte,

especialmente em períodos pós conflitos. Como exemplo, podemos destacar o caso dos

mercenários irlandeses e alemães contratados por D. Pedro I para as guerras no Sul.

Revoltados com atrasos nos salários e vivendo de forma miserável nos quartéis da rua

dos Barbonos, eles se rebelaram em 1828 e foram violentamente reprimidos pelas

autoridades da época103.

Outros motivos podem ser alegados para a retenção das forças brasileiras, estas

mais ligadas a interesses particulares. Embora a manutenção das tropas brasileira em

102 Trecho reproduzido pelo jornal A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1870. O citado artigo foi publicado originalmente pelo Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1870. 103 RIBEIRO, Gladys Sabina. “Pés-de-chumbo” e “Garrafeiros”: conflitos e tensões nas ruas do Rio de Janeiro no Primeiro Reinado (1822-1831). In Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, vol. 12, nºs 23/24, 1992.

65

Assunção não agradasse aos soldados, favorecia grandes comerciantes, principalmente

os do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Apesar de faltar um estudo mais aprofundado

sobre o abastecimento do Exército brasileiro durante a guerra, vários relatos atestam o

grande movimento de comerciantes varejistas que acompanharam as ações militares104.

Estes formavam verdadeiros acampamentos paralelos onde vendiam os mais

variados produtos, sendo constantemente providos desde a Corte e Buenos Aires.

Quanto maior fosse o período de estadia do Exército em solo paraguaio maiores seriam

os lucros desse grupo. O comércio, no varejo e no atacado, movimentou grandes somas

de dinheiro, forçando o governo brasileiro a buscar empréstimos externos juntos aos

banqueiros ingleses para cobrir os gastos de abastecimento e manutenção da tropa. Para

facilitar a circulação de numerário, o banqueiro Barão de Mauá chegou a manter uma

filial do seu banco junto às tropas aliadas105.

Embora fossem altos os lucros de alguns com a manutenção do contingente

brasileiro, este não parece um motivo suficientemente forte para manter a tropa em solo

paraguaio, podemos destacar também a rivalidade entre o Brasil e a Argentina em

relação ao domínio dos assuntos paraguaios. No entanto, o lucro dos comerciantes foi

um argumento freqüentemente utilizado pelos oposicionistas do governo, que acusavam

o mesmo de também lucrar com isso.

104 Referências sobre os comerciantes que acompanhavam as tropas aliadas, ver: CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. VERSEN, Max von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1976. TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle. A Retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai , traduzida da 5ª edição francesa por Affonso de E. Taunay. 18ª ed. brasileira. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1975. 105 CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 47

66

A partir de fevereiro de 1870, dentro de um clima misto de tensão e festa,

começaram a desembarcar os ex-combatentes na Corte do Rio de Janeiro, local

privilegiado para se observar suas reações.

Segundo as estimativas das autoridades, destacando-se aí o ministério dos

Negócios da Guerra, cujo titular era o tenente-general João Frederico Caldwell – barão

de Muritiba, e o ministério dos Negócios Exteriores, comandado por José Maria da

Silva Paranhos, futuro marquês do Rio Branco, passariam pelo Rio de Janeiro cerca de

6 a 8 mil homens, daí mais da metade seguiria para as suas províncias de origem,

conforme orientação das autoridades.

O jornal A Reforma – 0rgão Democrático, através de seus editoriais e a coluna de

matérias pagas, denunciou o procedimento do Gabinete Conservador, argumentando que

a intenção do governo, afastando os ex-combatentes da Corte, seria a de faltar com as

promessas contidas no decreto 3371.

A VOLTA DOS VOLUNTÁRIOS

E DA GUARDA NACIONAL

“(...) O correspondente que escreve de Assunção para

o Jornal do Commercio, combate a idéia da volta dos

Voluntários da Pátria em corpos reunidos e em uma frotilha, e

do seu desembarque no Rio de Janeiro por duas razões que

revoltam o bom senso.

67

(...) Qual é porém a suspeita do governo? ... de que

elle tem medo?

Não querem crer que o actual gabinete pretenda faltar

aos voluntários com os prêmios que lhes foram garantidos e

que n’essa intenção oppõe-se a que elles cheguem reunidos e

em força capaz de exigir imponentes o seu direito.

(...) Ainda na hypothese cruel de receios de

perturbação da ordem pública, e de exigências da parte dos

voluntários, a opposição do governo á vinda do sr. conde d’Eu

á frente d’elles é inexplicável, e faz duvidar do bom senso do

ministério; porque o ilustre príncipe general, com o prestígio

da victória, e com a força do amor dos soldados seria o

elemento mais forte, e garantia segura da ordem e da

disciplina militar dos corpos que consigo trouxer.

(...) Que o sr. Paranhos quer e insta que os Voluntários

da Pátria sejam retirados do Paraguay sem organização

militar, e levado ás respectivas provinciais, como depois da

festa músicos a pé. J.M. DE MACEDO”106.

Parece claro nesse artigo a intenção de se colocar a opinião pública contra o

governo conservador, através da exploração do descontentamento militar, estratégia

freqüentemente utilizada mutuamente por ambos os partidos, ao longo da história do

106 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1870.

68

país. Ao mesmo tempo que tentava desmascarar os propósitos do governo, o jornal

buscava capitalizar para os liberais a insatisfação reinante, tentando também uma

aproximação com o conde d’Eu, comandante-em-chefe das forças brasileiras no

Paraguai e substituto do conservador marquês de Caxias no referido comando, fato que,

somado à abolição da escravidão no Paraguai, foi responsável por atrair para ele as

simpatias dos políticos liberais.

Assim, os partidos políticos capitalizavam os descontentamentos e as rixas dentro

do Exército, utilizando-as em proveito próprio na luta pelo poder.

Apesar das idéias discordantes dos dois partidos em relação ao desembarque das

tropas, ambos tinham como orientação política principal, segundo Wilma Peres Costa107,

a preocupação em neutralizar “a força nova que emergia”. Estimular as rivalidades,

impedir o cortejo dos militares pelas ruas do Rio, mistificar a atuação dos voluntários da

pátria e guardas nacionais, cooptar politicamente os oficiais, foram estratégias que

tiveram como objetivo principal o enfraquecimento do Exército.

Nos primeiros anos após a guerra, estas estratégias deram resultado. Isso fica claro

nas manifestações de rua promovidas por oficiais ao longo do ano de 1870, ora

imputadas aos oficiais simpatizantes do Partido Conservador ora aos do Partido Liberal,

nunca fruto de uma ação conjunta da instituição.

Retomando a discussão sobre o desembarque, a manobra dos liberais do periódico

A Reforma não passou despercebida pelos conservadores. A réplica veio cerca de um

107 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles. Op. Cit. p. 297

69

mês mais tarde (fevereiro de 1870), através da coluna À PEDIDOS108 do Jornal do

Commercio, onde o articulista acusava, veladamente, os liberais de incentivarem os ex-

combatentes a realizar rebeliões e cometer violências:

“OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA”

(...) A liberdade não se cimenta pelas armas, não tem

outros soldados senão os cidadãos que a defendem pelos

meios legaes. A autoridade firma-se no respeito do povo e não

quererá jamais transformar os defensores da pátria em

veteranos de Cesar.

(...) Insinuar o emprego contra a autoridade constituída e

a bem de interesses facciosos, das armas heróicas que

vingárão a affronta irrogada ao estandarte da pátria, é ultrajar

a bravura e a lealdade dos cidadãos que voluntariamente

expuzerão a vida e derramárão o sangue pela honra do Brazil.

(...) Planejão o impossível aquelles que esperão por essa

fórma ver lançada, por sobre as águas que turvão a ponte por

onde dêm o assalto ao poder.

(...) Perdem seu tempo e desacreditão-se na opinião

pública os que buscão afastar os voluntários da pátria do

caminho da honra e do dever.

108 A coluna A PEDIDOS, supostamente paga, expressava geralmente a opinião de pessoas ligadas à linha política defendida pelo jornal. Na maioria das vezes os autores utilizavam-se de pseudônimos, embora o teor dos textos revelassem as idéias que os mesmos defendiam. Freqüentemente o espaço era também utilizado pelos articulistas dos próprios jornais, no intuito de ocultarem seus nomes quando os ataques eram mais veementes.

70

Eles serão na paz tão dignos da gratidão nacional como

forão na guerra.”109

Os conservadores, avessos às rebeliões, principalmente quando estavam no poder,

através dos artigos no Jornal do Commercio apelavam para o patriotismo da tropa,

temerosos de serem vítimas dos distúrbios supostamente incentivados pelos liberais. O

temor de ter contra si os defensores da pátria demonstra que a situação não estava

totalmente sob o controle das autoridades, a concentração de milhares de homens,

reivindicando suas pensões e outros benefícios, esse descontentamento, se bem

aproveitado pela oposição, poderia trazer grandes dificuldades para o governo.

É sintomático que este artigo tenha saído exatamente no período em que os

primeiros batalhões de ex-combatentes estavam desembarcando no Rio de Janeiro

(fevereiro de 1870), evidenciando o receio do governo em relação à aglomeração de

tropas na cidade e as conseqüências que isto poderia acarretar. Assim, o governo tratou

de tomar algumas providências em relação ao desembarque.

A estratégia do governo em embarcar os soldados à formiga e sem passar pela

Corte, não foi posta em prática; um dos motivos era que o transporte utilizado para tal

fim necessariamente fazia escala na cidade, pois se tratavam de navios mercantes

adaptados para o transporte de tropas. A solução adotada foi o escalonamento dos

desembarques ao longo do ano de 1870. A estratégia era embarcar dois ou três

batalhões, desembarcá-los na Corte e, antes que chegassem novos contingentes,

109 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1870.

71

embarcá-los novamente para suas províncias de origem, transferindo para estas a tarefa

de controle sobre os ex-combatentes.

Essa situação aconteceu, por exemplo, com o 17º Batalhão de Voluntários,

prontamente denunciada pelo jornal A Reforma:

LICENCIAMENTO DOS VOLUNTÁRIOS

“As folhas confidenciaes noticiaram hontem que na

madrugada de 3 do corrente o batalhão nº 17 de voluntários da

pátria embarcou para Minas no 1º trem da estrada de Ferro de

D. Pedro II.

O fato surpreendeu-nos. Era sabido que a maior parte dos

voluntários havia solicitado o licenciamento aqui mesmo na

Corte, allegando residirem a grande distância de Ouro-Preto,

muitos na província do Rio de Janeiro”.110

Além dos procedimentos acima destacados, os cuidados com o desembarque

incluíam o recolhimento dos doentes e mutilados, até a elaboração do roteiro a ser

percorrido nos desfiles militares. Quanto às festividades, os ex-combatentes teriam que

cumprir um roteiro oficial, elaborado pelo ministério dos Negócios da Guerra, afim de

serem evitados distúrbios e confusões no centro da cidade.

110 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 05 de março de 1870.

72

O roteiro oficial foi assim definido:

“Ao approximarem-se os vapores conduzindo o 1º

contingente de tropas que regressão do Paraguay, a fortaleza

de Santa cruz estará prevenida para, na ocasião da passagem

pela mesma fortaleza, annunciar com uma salva de 21 tiros

sua entrada no porto.

(...) As praças que houverem adoecido em viagem e os

doentes que vierem de passagem nos mesmos vapores serão

immediatamente transportados para o hospital militar.

As tropas que desembarcarem apresentar-se-hão

uniformizadas, equipadas e armadas, como é de estylo em

ordem de marcha.

(...) As tropas desfilarão pelo portão do Arsenal da

Marinha, e percorreráõ em marcha e formatura conveniente as

seguintes ruas da cidade: rua Direita, rua de São Pedro,

calçada da mesma rua através do campo da Aclamação até a

face da Cidade Nova, onde volveráõ para a estação da estrada

de ferro D. Pedro II à face do quartel do campo, em cujo

portão estará postada uma guarda de honra com banda militar

para recebê-las e sauda-las durante a passagem com o hymno

nacional. Prosseguirão depois na sua marcha pela face do

campo do lado da Ilustríssima Câmara Municipal, rua e praça

da Constituição, rua do Theatro, largo de São Francisco de

73

Paula, rua do Ouvidor, rua Direita e largo do Paço, onde

marcharáõ em continência caso ahi se achem SS.MM.

Imperiaes, seguindo depois para o ponto de embarque que fôr-

lhes designado, afim de recolherem-se aos seus quartéis.”

Secretaria de estado dos Negócios da Guerra, em 24 de

janeiro de 1870. Mariano Carlos de Souza Corrêa111

Após tomadas todas as precauções, iniciou-se o embarque, em solo paraguaio, nos

primeiros dias de fevereiro. A primeira brigada, composta pelos batalhões 17, 40 e 53 de

Voluntários, pertencentes respectivamente às províncias de Minas Gerais, Bahia e

Pernambuco, comandadas pelo coronel Faria Rocha, partiram de Rosário, na Argentina,

nos transportes Presidente, Galgo e São José. Assim o correspondente do Jornal do

Commercio informava aos leitores112.

O primeiro contingente desembarcou na Corte no dia 23 de fevereiro no Arsenal

da Marinha, para onde acorreram diversos populares curiosos com a chegada dos

“heróis de guerra”.

A partir daí até o mês de agosto do ano de 1870, tornou-se freqüente a chegada

de batalhões. O periódico A Reforma cobriu esta chegada e assim as anunciou:

“Chegou o transporte Werneck, procedente do Paraguay,

trazendo o batalhão 23º de voluntários (1º batalhão da côrte),

composto por 478 praças e 38 oficiais.

111 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1870. 112 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1870.

74

O batalhão aquartellou-se na ponta da Armação, em

Nictherohy, onde espera as ordens e disposições para a sua

entrada na côrte.

Também entrou hontem á tarde o vapor Cuyabá,

conduzindo os voluntários de Pernambuco, batalhão nº 30.”113

“Hontem fizeram a sua entrada triumphal n’esta côrte os

batalhões de voluntários nº 35 de São Paulo, 42 de

Pernambuco e 46 da Bahia.

Ás 5 horas desfilou a brigada percorrendo as ruas da

cidade entre as mais vivas acclamações de júbilo e

enthusiasmo da população inteira.”114

Os feridos e doentes tiveram como destino o Hospital Militar do Andaraí ou a

Santa Casa da Misericórdia e os inválidos permanentes (portadores de aleijões ou

mutilações) seguiram para o Asilo dos Inválidos da Pátria115.

O governo buscou isolar os doentes e os estropiados pela guerra, esses deveriam

ficar reclusos, seguindo direto para o Asilo ou ficando de quarentena dentro dos quartéis.

O desfile militar, entendido como uma demonstração de vitória da pátria, deveria

113 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 20 de março de 1870. 114 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 19 de abril de 1870. 115 O Asilo dos Inválidos da Pátria foi criado pelo decreto 244, de 30 de novembro de 1841, com o intuito de abrigar militares inutilizados no serviço da pátria, principalmente aqueles que em serviço de guerra (internas ou externas) adquirissem lesões que o impossibilitassem de trabalhar. No entanto, só passou a funcionar a partir de outubro de 1866, na ponta da Armação (Niterói). A sede definitiva, localizada na ilha de Bom Jesus, fronteiriça à ilha do Governador, na baia da Guanabara, foi inaugurada no dia 29 de julho de 1868, com a presença da família imperial e o Corpo Diplomático. Os primeiros asilados foram o capitão reformado João Antônio da Silva e o sargento Francisco Moreira dos Santos Filho, ambos em 1866. In Subsídios históricos sobre o Asilo dos Inválidos da Pátria. Lata 815/pasta 14 – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

75

mostrar apenas os sãos, os fortes, os heróis. Os inválidos ficaram às margens das

festividades, acentuando uma tendência que vinha desde o começo do conflito, pois o

retorno dos primeiros feridos e doentes era ocultado o máximo possível para não

influenciarem negativamente no ânimo dos novos contingentes. Exemplo disso foi o

caso do alferes Cândido da Fonseca Galvão, ou Dom Oba II D’África, retratado por

Eduardo Silva116, que desembarcou na corte em 1866, estropiado por um ferimento na

mão direita e logo mandado de volta para a Bahia, sua província de origem.

Apesar do clima de tensão, a cidade ficou em festa com a chegada dos ex-

combatentes, a população saiu às ruas, as casas foram enfeitadas e as comemorações

contaram muitas vezes com a presença da família real. Recorremos novamente ao jornal

A Reforma para descrevermos um desses desembarques:

“O Batalhão nº 41 de voluntários da pátria da Bahia fez

hontem á tarde a sua entrada triumphal n’esta Corte.

O povo foi recebe-lo ao arsenal de marinha, aonde

também o esperava sua magestade o imperador.

(...) Vivam os voluntários da pátria.

Vivam o exército e a armada nacionaes.

Estes vivas foram calorosamente applaudidos, e o hymno

nacional respondeu ao enthusiasmo geral.

Depois o batalhão desfilou pelas ruas designadas no

programma official, e em todas ellas foi recebido com

estrepitosas ovações do povo

116 SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o príncipe do povo – Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

76

Em vários discursos e poesias foram mencionados os

patrióticos serviços d’esse contingente de bravos.”117

Os festejos, via de regra, se estendiam até altas horas da noite com grande

participação popular, principalmente próximo ao largo do Paço Imperial, atual Praça

Quinze, local de dispersão das tropas após as paradas militares. Nesse local, além das

bandas de música, desfilavam as sociedades que participavam do entrudo118, tais como a

Sociedade Club Errante, dos tipógrafos, o Club dos Democráticos Carnavalescos e a

Sociedade Infantes do Diabo. Discursos e poesias eram declamados, rememorando os

feitos dos soldados e dos comandantes, expunham-se armas e construíam-se arcos do

triunfo comemorativos. Além dessas atividades, fizeram parte das comemorações, as

missas, apresentações teatrais e outras atividades em recinto fechado, restritas à

oficialidade, à elite política e à família real.

As classes populares se divertiam seguindo as bandas ou observando a

movimentação. O grande número de pessoas nas ruas dificultava o trabalho das

autoridades, sendo comuns as bebedeiras e brigas.

A ordem era evitar conflitos desnecessários entre policiais e militares, ou entre os

policiais e os populares, fato que poderia acarretar conseqüências não desejadas pelas

autoridades. Essa tolerância por parte das autoridades dizia respeito apenas aos dias de

festas, nos dias comuns a repressão e o controle do espaço urbano eram mantidas no seu

117 A Reforma – 0rgão Democrático. Rio de Janeiro, 27 de março de 1870. 118 O entrudo foi uma espécie de folguedo carnavalesco muito popular no Rio de Janeiro do século XIX, que consistia em jogar água, talco, tinta etc., uns nos outros. KOOGAN/HOUAISS – Enciclopédia e Dicionário. 4ª Ed. – Rio de Janeiro: Seifer, 1999.

77

ritmo normal, reforçado com o retorno do 31º batalhão de voluntários da pátria,

composto por homens do Corpo Policial da Corte119, no final de abril de 1870120.

Embora não possamos avaliar ao certo se existe uma relação entre o retorno dos

ex-combatentes e o aumento dos níveis de violência na Corte, os relatórios dos chefes de

Polícia atestam um aumento significativo no número de crimes nos anos de maior

intensidade de desembarques. Vejamos o quadro121 a seguir:

ANO HOMICÍDIOS TENTATIVAS DE

HOMICÍDIOS

FERIMENTOS

GRAVES

1869 08 07 15

1870 17 08 45

1871 16 02 23

Como era comum, as autoridades imputavam às classes mais pobres a autoria

desses crimes, conforme o relatório do Chefe de Polícia Francisco de Farias Lemos:

“ Não é satisfatório, pois, o estado de segurança

individual. (...) Venho a propósito, rememorar não só que a

quase totalidade dos crimes contra a pessoa têm sido

119 HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1997. 120 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 31 de maio de 1870. 121 Relatório do Chefe de Polícia da Corte, 1870, microfilme, Seção Justiça, Arquivo Nacional.

78

perpetrados por indivíduos da ínfima classe da sociedade –

escravos, estrangeiros, proletários e desordeiros, vulgarmente

conhecidos por capoeiras”122

O fato do relatório ter apontado os capoeiras também como responsáveis pelo

aumento dos crimes na cidade, pode estar ligado à disputa de “territórios” pelos mesmos,

principalmente agora que as maltas recebiam de volta antigos integrantes que foram à

guerra.123

Os ex-combatentes oriundos dos segmentos mais pobres da população, via de

regra soldados e baixa oficialidade, ao retornarem aos seus domicílios e à sua vida

normal, voltaram a ser discriminados, apesar da sua condição de “heróis de guerra”, fato

que não livrava o indivíduo da ação repressiva e violenta da polícia. Foi o caso do ex-

voluntário da pátria Canuto José Antônio, preso num cortiço da rua das Laranjeiras junto

com a preta Josefina. Acusado de roubo, ele foi torturado a mando do subdelegado do

Engenho Velho, que, acompanhado da força policial, ordenou “amarrar uma corda na

testa do preso e apertar um torniquete até obter uma confissão real ou mentirosa do

comettimento de um crime”124. Esse tratamento só atingia os ex-combatentes

pertencentes aos segmentos populares (homens brancos, negros, mestiços e

estrangeiros pobres), ou seja: soldados e baixa oficialidade.

De forma diferente era tratada a alta oficialidade. A cada chegada de um vapor

trazendo tropas a cidade se agitava, aumentando o burburinho quando desembarcava

122 Relatório do Chefe de Polícia da Corte, 1870, microfilme, Seção Justiça, Arquivo Nacional. 123 Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993. 124 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 06 de maio de 1870.

79

junto um ou outro "grande" nome do Exército. A chegada de Pinheiro Guimarães, por

exemplo, foi bastante festejada e amplamente destacada pelo jornal A REFORMA125,

fato esse justificado pelo mesmo ser militante do Partido Liberal. No entanto, ninguém

teve destaque maior na chegada que o comandante-em-chefe do Exército o general

Gastão D'orleans, conde d'Eu. A cobertura foi feita por todos os periódicos e milhares de

pessoas foram às ruas para recebê-lo. Foi assim descrita pelo jornal A REFORMA:

“Ás 7 horas de 29 de abril o Castello fez o signal do

transporte Galgo, que vinha demandando o nosso porto. Duas

divisões navaes sahiram ao seu encontro, levando a bordo do

navio chefe a família imperial; e uma barca da empresa Ferry,

esplendidamente adornada, acompanho-as com grande

número de pessoas distinctas.

(...) Do arsenal da marinha sahiu o sr. conde d'Eu a pé,

acompanhado da família imperial, e precedido por um grupo

de meninas, discípulas do conservatório de música, que

cantavam o hymno da Victoria ao som de uma banda marcial.

O povo seguia, victoriando-o a todo momento.

Seis batalhões, cinco da Guarda Nacional, e um de

Voluntários da Pátria, faziam alas na rua Direita desde o

portão do arsenal até a capella imperial, e entre ellas desfilou

o préstito. Em frente a praça do comércio, o povo descobriu-

se e levantou um viva estrepitoso ao general Osório, que foi

125 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.

80

correspondido pelo príncipe com uma saudação ao retrato do

seu bravo companheiro d'armas, collocado ali defronte no

London and Brazilian Bank."126

O destaque dado à chegada do conde d’Eu pelos periódicos de oposição ao

governo, está ligado à hostilidade que estes mantinham em relação ao Duque de Caxias e

ao governo. Os liberais atribuíam ao Duque a queda do gabinete liberal e a inversão

partidária de 1868 e o criticavam desde então. O conde d’Eu127 substituiu Caxias no

comando das forças brasileiras em 15 de abril de 1869, levando a guerra a seu termo em

1870. Além de ter assumido o comando do Exército, pesa a favor do Conde o fato de ter

libertado os escravos paraguaios ao fim do conflito. A emancipação dos escravos era

uma causa encampada por setores do Partido Liberal.

A principal estratégia utilizada pelas duas facções políticas era a de desmerecer os

militares que integravam, ou apenas simpatizavam, com o partido oposto, revolvendo

fatos ocorridos durante a guerra. Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, era o

mais atacado pelos liberais. As principais acusações estavam ligadas aos fatos ocorridos

na guerra quando foi acusado de covardia por deixar o exército antes do conflito

terminar. Quem assumiu o comando das operações até 1870 – ano da morte do general

paraguaio Solano López – foi o Conde d’Eu, possível motivo do mesmo ter sido

hostilizado pelos conservadores e elogiado pelos liberais.

Outro militar envolvido foi o general Osório, militante do Partido Liberal, acusado

pelos conservadores de não conduzir bem as suas tropas durante as batalhas. Assim, os 126 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 01 de maio de 1870. 127 BETHEL, Leslie. Cronologia da Guerra. Op Cit. p. 27

81

partidos políticos capitalizavam os descontentamentos e as rivalidades dentro do

Exército, utilizando-os em proveito próprio na luta pelo poder.

Essas rivalidades não ficaram restritas aos artigos dos periódicos e nem ao interior

dos quartéis, chegando algumas vezes a ganhar as ruas. Esta situação transformou as

festas em espaços de manifestações e conflitos envolvendo militares e também civis.

Entre essas ações, duas merecem destaque por terem assustado bastante as

autoridades e fomentado ações punitivas contra os militares. A primeira aconteceu nas

comemorações pela volta do conde d’Eu, quando cerca de cem oficiais do Exército

foram responsáveis por vários tumultos no decorrer dos festejos ocorridos no domingo,

dia 02 de maio de 1870.

Apesar da gravidade dos fatos, o Jornal do Commercio omitiu as notícias sobre as

manifestações, descrevendo, do seu modo peculiar, apenas a parte festiva dos

acontecimentos daquela tarde:

“(...) Immensa multidão enchia as ruas; as janellas das

casas brilhantemente enfeitadas com colchas de seda e

bandeirolas estavão guarnecidas de senhoras que acenavam

com lenços saudando os bravos voluntários da pátria, e sobre

elles espargindo flôres; as gyrandolas e foquetes atroavão os

ares, misturando-se aos repiques dos sinos e ás aclamações

enthusiasticas da multidão”.128

128 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.

82

A confusão começou na rua Direita, próximo ao largo do Paço Imperial, algumas

horas após a celebração do te deum em agradecimento ao retorno do Conde d’Eu,

realizado na igreja da Glória. Segundo o jornal A Reforma129, os referidos militares

investiram contra alguns populares e estudantes de Medicina, prosseguiram depois para

a rua da Constituição onde depredaram o arco comemorativo ali colocado, apedrejaram a

estátua do Conde d’Eu e atacaram a banda de música que se apresentava no local. A

alegação dos militares para tal violência era de que tanto os populares, quanto a banda se

recusaram a dar vivas ao Duque de Caxias. Ainda de acordo com o jornal, o grupo era

composto por simpatizantes do Partido Conservador.

Esses acontecimentos tiveram grande repercussão, sendo assunto para ásperas

discussões através dos dois jornais. Os acusados se defenderam através do Jornal

do Commercio com o seguinte artigo:

“MANIFESTAÇÃO DOS OFFICIAES – No domingo sahirão

encorporados mais de 100 officiaes de voluntários ou de linha

que havião feito a guerra do Paraguay, e, precedidos de uma

banda de música, percorrerão algumas ruas da cidade,

festejando a conclusão da guerra... Não foi uma manifestação

política, como quis fazer acreditar A REFORMA, mas uma

demonstração de justo enthusiasmo e um protesto formulado

contra os gazeteiros e oradores de esquina que, não tendo

querido ver as balas paraguayas, ousão hoje desacatar os

cidadãos ilustres que expuzeram a sua vida pela pátria.

129 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.

83

É inexato tudo quanto refere A REFORMA sobre as

ocorrências de domingo. A população inteira applaudio a

manifestação, e um grande número de cidadãos distinctos

unio-se aos officiaes que a realizarão.

Esses MILITARES ASSALARIADOS, segundo a

expressão do eminente sr. José Júlio (que escreve de graça

para A Reforma), pertencem a todos os partidos, e podemos

assegurar que a maior parte delles ao partido liberal. Não

confundem, porém, os verdadeiros liberaes com os

especuladores políticos, e não estão dispostos a pactuar com

os rancores e injustiças ridículas da Reforma. Em questões

desta ordem esquecem-se das misérias das nossas lutas

políticas e só se lembrão da glória nacional e dos brilhantes

dos feitos dos nossos generaes e soldados. Porque razão não

empunharão uma espada os guerreiros de casaca que hoje

fazem assuadas nas ruas e querem fazer política á custa dos

combates e batalhas que fizérão os nossos valentes soldados?

Os militares que percorrerão as ruas no domingo só

reagirão contra três imprudentes que ousarão dar o grito de

MORRA quando elles saldavão um dos valentes e ilustres

generaes brazileiros”.130

130 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 04 de maio de 1870.

84

Essas discussões, num tom notadamente político, expõem claramente como as

disputas entre os conservadores e os liberais influenciaram alguns segmentos do

Exército, principalmente a oficialidade, embora o articulista diga que a manifestação

contou com liberais e conservadores. Por outro lado, essa politização dos militares faria

com que eles passassem cada vez mais a participar da vida política nacional, levando a

instituição a desempenhar um papel importante e decisivo na queda do Império e em

todos os fatos políticos do país a partir de então.

Essas disputas chegaram ao confronto direto, em alguns casos envolvendo

militares e civis, como atestam os fatos descritos acima.

Os militares envolvidos nos tumultos do dia 02 de maio pertenciam ao corpo

regular do Exército, ou seja, estes eram militares de carreira e o termo “militares

assalariados” confirma isso. O articulista do jornal A Reforma procurou diferenciar os

militares regulares dos chamados Voluntários da Pátria. O tom pejorativo do termo

“militares assalariados” pode ser considerado como parte de uma estratégia utilizada

pelos políticos no sentido de desmerecer o papel desses militares e enfraquecer o

Exército, ao mesmo tempo que buscava mitificar e glorificar os voluntários e guardas

nacionais, acentuando uma situação que vinha desde o tempo da guerra, quando os

militares regulares, principalmente os soldados, tinham um tratamento diferenciado dos

demais combatentes e quando os Guardas Nacionais e Voluntários da Pátria, recebiam

privilégios que eram negados à força profissional.

Apesar da gravidade dos fatos, os militares envolvidos no tumulto não receberam

nenhuma punição.

85

Situação mais grave ocorreria cerca de dois meses depois, reunindo dessa vez

civis e militares nas reivindicações.

Em fins de maio o ministro dos Negócios da Guerra, Barão de Muritiba, solicitou

ao Parlamento a quantia de 200 contos de réis para a construção de um monumento à

vitória na Guerra do Paraguai. Apesar da oposição dos liberais e da crise econômica

vivida pelo país, a verba foi aprovada. A construção, chamada de Templo da Vitória,

teria lugar no campo de Sant’anna. A concepção ficou a cargo do italiano Brumelleschi e

seria retocada pelo também italiano Facchinetti. A obra desde seu início gerou

polêmicas, pois seria construída com materiais de pouca durabilidade, tais como papel,

madeira e lona, com grande custo, além de ser desmontada alguns dias depois das

comemorações, marcadas para o dia 10 de julho de 1870.

Somasse a isso o fato de que naquele momento a cidade passava por uma das suas

piores crises sociais, sobretudo pelo agravamento das condições de moradia devido à

migração interna e externa, o que ocasionou o aumento no número de cortiços. Segundo

Sidney Chalhoub, “imigrantes portugueses e negros – crioulos ou africanos; escravos

vivendo “sobre si”, libertos e livres – dividiam democraticamente, mesmo que nem

sempre de forma pacífica, os cortiços que, a despeito dos esforços dos higienistas,

continuavam a proliferar pela cidade.”131 Entre os moradores de cortiços132 destacaram-

se os ex-combatentes de baixa renda. Os problemas de abastecimento de água e os

constantes surtos de febre amarela também contribuíam para deixar a população bastante

contrariada. 131 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril – cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 53 132 Segundo o relatório do Chefe de Polícia Francisco de Faria Lemos, existiam na Corte do Rio de Janeiro em 1870, 642 cortiços com 9.769 quartos, abrigando cerca de 21.929 habitantes. Relatório do Chefe de Polícia da Corte, ano de 1870, Seção Justiça, Arquivo Nacional.

86

O jornal A Reforma, novamente aproveitando o descontentamento popular,

denunciou as manobras do ministério dos Negócios da Guerra, que estava mais

preocupado com a segurança do evento, e mais uma vez instigou os militares e o povo à

desobediência.

“AS BAYONETAS DO GOVERNO DEFENDENDO O

SEU BARRACÃO.

Advertido o ministério, por sua consciência, pelas

manifestações das ruas, da imprensa e dos cafés, do

descontentamento do povo d’esta capital, que morre de sede

ao tempo que se gastam centenas de contos de réis com

intitulados festejos nacionaes, deu ordem que de Nictheroy

viesse uma ala do 1º batalhão de infantaria para amanhã

ajudar ao batalhão do depósito e ao 1º regimento de cavallaria

a reprimirem qualquer desacato que esse bom povo em um

justo acesso e indignação resolva praticar.

Se o governo teme alguma manifestação popular, melhor será

tomar a nobre resolução de não dar mais motivo de

descontentamento geral.

Satisfaça as mais urgentes necessidades do povo fluminense e

faça justiça plena ao exército que acabou de prestar ao paiz o

serviço do seu sangue. O

exército.”133

133 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1870.

87

Influenciado pelos jornais de oposição ou pela cobrança de ingressos de entrada, o

povo boicotou o evento na sua inauguração, mesmo com a presença do imperador Pedro

II e sua família. Os motivos para o fracasso de público podem estar ligados ao alto preço

cobrado pelos ingressos, à obrigatoriedade de se estar bem trajado, à campanha

empreendida pelos jornais contra essa festividade ou mesmo o medo de tumultos e

violência. O reforço no número de soldados destacados para cobrir as festividades, atesta

que o temor de que poderia acontecer atos violentos é compartilhado tanto pelo povo,

quanto pelas autoridades. O fato é que as arquibancadas ficaram vazias e segundo o

jornal A Reforma134, dos cerca de 15 mil lugares, menos de um terço estava ocupado.

Além do jornal A Reforma, outros periódicos descreveram a festa: dois ligados ao

governo - o Jornal do Commercio, resumiu-se a descrever os monumentos e anunciar a

programação e o Diário Official destacou a participação e entusiasmo da população – e

um da oposição – periódico Comédia Social -, que destacou a falta de espectadores.

Descreve este último que o local mais animado era em frente à Casa da Moeda onde os

“coupés” paravam saindo daí personagens de “chinó” e “casaca dourada”. No final,

diante do fiasco da festa, o imperador franqueou a entrada a todos que quisessem

assistir, nesse momento as pessoas que estavam nas cercanias acorreram para a entrada e

assim a festa foi “invadida” por “pretos com samburás, sujeitos em mangas de camisa e

muita gente sem gravata”.135

Fato mais grave ocorreu na mesma noite, 10 de julho, quando militares e populares

se colocaram à frente do veículo que transportava a família imperial para o Theatro

134 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 12 de julho de 1870. 135 A Comédia Social, Rio de Janeiro, 11 de julho de 1870.

88

Lyrico, impedindo o prosseguimento. Os manifestantes pediam a troca do governo

(gabinete), culpando-os pela crise econômica e política que se desenrolava naquele

período. Apesar de ter sido uma manifestação pacífica, o tumulto assustou bastante as

autoridades. Fizeram parte dos acontecimentos civis e militares, os primeiros

reclamando, entre outras coisas, da carestia e da falta de água, e os outros protestando

contra a falta de cumprimento de seus direitos. Os brados e gritos eram direcionados aos

integrantes do governo conservador, poupando os manifestantes a figura do imperador.

Diferente dos fatos ocorridos no dia 02 de maio, supostamente cometidos por

oficiais simpatizantes do Partido Conservador, quando não ocorreu nenhuma punição, as

manifestações do 10 de julho, causaram represálias e repreensões nos quartéis. Com a

pressão, logo os manifestantes começaram a tentar explicar o que houve através dos

jornais ou em cartas ao imperador. O jornal A REFORMA reproduziu uma dessas cartas,

dirigida ao imperador Pedro II:

“(...) Vossa magestade viu em torno de seu carro a massa

compacta de cidadãos que pediam a retirada do gabinete e que

demonstravam plena confiança em vossa magestade, que lhes

fará justiça.

Não há um grupo de descontentes, era a população

inteira da capital que exprimia pelos lábios d’aquelles, sem

distincção de classes, que se achavam na ocasião.

(...) Todo o Rio de Janeiro sabe que os officiaes do

exército não violaram a oppinião pública; que não não foram

arrastados por ambições loucas, e que unicamente cada

89

official, como qualquer homem do povo, cedendo à

indignação há muito tempo concentrada, manifestou a seu

monarcha a necessidade de mudar de ministros.

Negando que nas manifestações da noite de 10 tivesse

havido uma acção, e muito menos uma sedição militar, não

quero arredar do exército a responsabilidade que lhe póde

caber por essas demonstrações, pois se n’ella certo número de

militares procederam individualmente, sem prévia

combinação, sem plano, nem por isso deixam de exprimir a

opinião collectiva.”136

O anonimato do autor da carta, estratégia comum na imprensa da época, pode ser

explicado de duas maneiras: a primeira era o receio de alguma represália por parte das

autoridades, civis ou militares, se de fato foi escrita por um militar e a segunda por se

tratar de um artigo de um articulista do jornal, que, por motivos de segurança, não

revelaria a sua identidade. O jornal A Reforma utilizou-se muito desse expediente para

instigar os ex-combatentes aos protestos. Vários desses artigos repetiam seus conteúdos,

mudando apenas o pseudônimo, entre eles destacam-se: “um voluntário da pátria”, “um

militar”, “um patriota”, “o exército”, “muitos oficiais” etc.

A manifestação de julho provocou por parte do governo duas reações diretas: uma

foi o fim das festas e desfiles pela cidade - os batalhões que chegaram a partir de 10 de

julho foram recolhidos diretamente aos quartéis - e a segunda providência foi uma

136 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 22 de julho de 1870.

90

investigação à procura dos responsáveis. O resultado dessa última foi a prisão dos

alferes Bibiano José Teixeira Ruas, Exergisto Leopoldino de Andrade Costa e Manoel

Francelino de d’Almeida Passos137, recolhidos à fortaleza da Lage por ordem do

ministro da guerra. Apesar da participação de diversos oficiais na manifestação, apenas

os militares dos postos mais baixos foram penalizados.

Em setembro do mesmo ano, o jornal faria a última tentativa de utilizar os

incidentes de julho para fins políticos: através de uma carta assinada por “Um Oficial do

Exército”, dirigida a D. Pedro II, protestando contra os ministros pela falta de

reconhecimento, “honras militares, condecorações e títulos”138, negados aos oficiais de

linha do Exército e, segundo o missivista, distribuídos aos voluntários da pátria. Oculto

por trás de um pseudônimo, ele externou as suas reivindicações e deixou no ar uma

ameaça velada: “... Se o descontentamento crescer, se os queixumes se unirem em uma

só voz, qual será a conseqüência?”139.

Outrossim, o periódico foi abandonando a temática dos ex-combatentes como

argumento de crítica política, concentrando suas atenções em outros assuntos, tais como

a abolição da escravidão e a mudança na forma de governo (republicanismo).

A pressão por parte dos militares e dos liberais deu em parte resultado, já que em

28 de setembro de 1870 foi anunciada a troca do ministério140, sem, entretanto, haver

uma inversão partidária. A mudança foi, sem dúvidas, uma estratégia dos conservadores

para diminuir as tensões políticas do momento e se manterem no poder. No entanto,

137 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 04 de agosto de 1870. 138 A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1870. 139 Idem 140 O ministro dos Negócios da Guerra – Barão de Muritiba – sairia do cargo em novembro do mesmo ano, conforme o aviso publicado na Ordem do Dia número 743, de 08/11/1870. Coleção de Ordens do Dia, Arquivo do Exército.

91

podemos considerá-la fruto das diversas manifestações ocorridas durante todo o ano de

1870, sejam elas coletivas, como as que descrevemos neste capítulo, ou individuais,

ocorridas principalmente dentro dos quartéis e através de artigos de jornais.

Embora o êxito das manifestações ocorridas durante o desembarque tenha sido

parcial, não alcançando os objetivos que os ex-combatentes buscavam, ou seja, o

reconhecimento dos seus sacrifícios durante a guerra. Eles conseguiram manter-se em

evidência, se inserindo definitivamente no cenário político do país. Ao identificar nos

políticos civis e nas instituições mantidas por eles os principais causadores das suas

frustrações, passaram aos poucos a desenvolver o espírito de classe e a coesão que seria

de importância fundamental nos papéis que lhes caberiam no processo da queda do

Império e da Proclamação da República.

Para a tropa, os problemas mais comuns foram os salários baixos e

constantemente atrasados, as más condições de vida nos quartéis, incluindo ai os maus

tratos físicos, e a demora na resolução dos pedidos de pensão, para viúvas, órfãos e

aleijados.

Desses problemas, o que mais causou reclamações por parte dos ex-

combatentes, foram os pedidos de pensões. Estas solicitações, geralmente de trâmite

burocrático lento, passaram a demorar ainda mais nos anos posteriores à guerra,

principalmente em face do grande número de pedidos e das exigências em termos de

documentação.

A demora na resolução desses pedidos muitas vezes deixava o suplicante em

dificuldades financeiras, fazendo com que eles fizessem requerimentos diretos ao

imperador, como foi o caso do voluntário Cândido da Fonseca Galvão, que “não

92

podendo aplicar-se às suas antigas ocupações em conseqüência de moléstia que adquiriu

no Campo [...] da Guerra”, solicitava uma pensão141, ou de outros ex-combatentes que

pediam “proteção” a intermediários para que as suas petições “tivessem um despacho

qualquer, pois dormiam na Secretaria da Guerra”142.

Com a desmobilização da tropa, a partir de 1870, restou a esse segmento militar

a tentativa de conseguir alcançar os seus objetivos - recebimento dos benefícios

previstos no decreto 3371 - através da justiça, já que as manifestações foram se tornando

cada vez mais raras, sendo geralmente organizadas por militares (oficiais) da ativa. Com

o tempo, os ex-soldados retornaram ao anonimato de suas vidas comuns.

Capítulo 4 - Do caos à reorganização: o exército brasileiro em tempos de paz

(1870/1874)

O contingente que retornou do conflito no Paraguai se deparou com uma situação

de caos no exército. Mal aparelhada para receber os milhares de soldados e centenas de

oficiais que passariam pela Corte, assoberbada pelos milhares de pedidos que se

seguiram ao desembarque, somados a outros tantos que aguardavam na fila desde o

período da guerra, a instituição teve que fazer reformas em duas frentes: nos seus

procedimentos burocráticos e na alocação dos contingentes.

As forças brasileiras eram compostas por corpos de voluntários da Pátria e

corpos do exército de linha. Os primeiros foram imediatamente dispensados, como

previa o decreto 3371 de 7 de janeiro de 1865, exceção feita aos que desejavam se

141 Eduardo Silva. Op. Cit. p. 65 142 Abaixo assinado remetido ao senador Silveira da Mota, constando o nome de 22 voluntários de diversos corpos. Publicado no jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 de julho de 1870.

93

engajar nas forças regulares. Dessa forma, em março de 1870, o barão de Muritiba –

ministro dos Negócios da Guerra - dava baixa ao 17, 40, 53, 23, 30, 40 e 53143 corpos de

VP, estacionados no Rio de Janeiro, assim procedendo sempre que chegava um novo

batalhão.

As forças de linha, no entanto, foram recolhidas aos quartéis esperando a

designação dos seus novos batalhões. Como não existiam instalações necessárias para

serem abrigados todos os ex-combatentes, houve pressões para uma desmobilização

imediata dos efetivos, proposta pelo governo, logo obstadas pela resistência dos

militares do exército de linha. O argumento utilizado era que dezenas de oficiais

ficariam sem batalhões para comandar.

Na Corte, principal pólo de concentração de efetivos, a situação gerou desordens

e conflitos, preocupando tanto o alto escalão do exército quanto ao governo. O receio

das autoridades ganharia sentido com as manifestações ocorridas em julho de 1870,

apressando a reorganização dos corpos do exército.

Através do decreto 4572 de 12 de agosto do corrente, foi aprovado o “plano de

organização dos corpos de Artilharia, Cavalaria e Infantaria” do exército, perfazendo um

efetivo total de 1. 295 oficiais e 23.346 praças, embora a fixação de forças para os anos

1870-71 fosse de 16.000 praças. Essa discrepância numérica (7.346 homens a menos)

causaria mal estar entre a oficialidade, refratária a diminuição de efetivos. O exército

tinha proposto um aumento no número de praças, vetado pelo governo. Em

contrapartida, o número de oficiais não entrou na fixação de forças, mantendo

praticamente inalterado durante os anos de 1870-74, período coberto por esta pesquisa.

143 Ordem do dia 710 – 11 de março de 1870.

94

A diminuição da tropa, além de um sinal de desprestígio da instituição, na visão

dos militares, significavam uma demora maior nas promoções. Paralelo a isso, houve

também a diminuição da dotação orçamentária, diminuída em 10% em relação aos anos

que antecederam ao conflito. O corte nas verbas afetaria sobremaneira a vida dos ex-

combatentes144, acarretando, ou melhor, acentuando os problemas existentes durante

todo o período imperial, tais como salários baixos, condições de trabalho insatisfatórias,

demora nas concessões de pensões etc.

Somada à falta de reconhecimento social pelos sacrifícios na guerra, a

reorganização do exército aprofundou a insatisfação militar, fazendo com que a

oficialidade tentasse pressionar o governo, ao mesmo tempo que buscava controlar a

tropa nos quartéis, espaço de conflitos quase constantes entre oficiais, entre soldados e

entre oficiais e soldados.

As primeiras reclamações surgiram quando o exército promoveu diversos oficiais

dos corpos de Voluntários da Pátria para postos de honra dentro do exército de linha,

embora fossem apenas a confirmação de promoções feitas durante o conflito, sem efeito

legal, por se tratarem de cargos honoríficos, alguns oficiais se sentiram desprestigiados,

pois as suas promoções aconteciam num ritmo bem mais lento. De uma só vez foram

promovidos 1 coronel, 2 brigadeiros, 2 tenentes-coronéis, 22 majores, 69 capitães, 105

tenentes e 181 alferes.

144 O corte de verbas acabou afetando mortos e vivos, pois até as despesas com funeral de oficiais foi diminuída. O Ministério da Guerra definiu como máximo de despesa a quantia de 100 mil réis. Para estabelecer um parâmetro, o enterro do tenente do 1. Regimento de Cavalaria Francisco Maria de Mattos Telles de Menezes custou 143 mil réis. Ordem do dia 881 (06/09/1870).

95

O ministério do exército voltou atrás e os ex-combatentes acabaram recebendo

baixa e retornando aos seus domicílios. Podemos comprovar isso comparando as

listagens publicadas nas Ordens do Dia com o nome dos oficiais que assumiram postos

nos batalhões do Rio, nenhum ex-voluntário da pátria assumiu posto de oficial.

Em aviso circular de 16 de agosto145 de 1872, o Ministério dos Negócios da

Guerra exigia informações sobre oficiais honorários que, por seus serviços relevantes e

outras circunstâncias, poderiam ser conservados adidos aos corpos de linha. Diante das

reclamações da oficialidade o ministério, em circular de 25 de agosto de 1872, mandou

dispensar os oficiais honorários do exército de linha. Dessa vez houve reclamações dos

oficiais honorários, que alegaram não haver oficiais para os postos que ocupavam e

terem prestado bons serviços. Em resposta, o ministério argumentava que, embora “o

governo imperial se empenhasse em tomar na consideração os serviços prestados

durante a árdua campanha do Paraguai; procurava fazê-lo, harmonizando esse empenho

com as justas prescrições do serviço público”.

A preocupação dos militares de linha era a de que fossem preteridos nas

promoções. Durante a guerra os oficiais galgaram rapidamente degraus dentro da

carreira, alguns vindos dos corpos especiais (Voluntários da Pátria e Corpos de Polícia).

Nos anos de 1870-71, durante a reorganização do exército, as promoções ainda eram

feitas com rapidez. A partir daí, com a diminuição dos efetivos e a reabertura das escolas

militares, fechadas durante o conflito, a ascensão tendeu a ficar mais difícil e essa

demora passou a justificar uma série de requerimentos. Foi o caso do tenente-coronel

João de Souza Fagundes: em requerimento ao Ministério dos Negócios da Guerra

145 Ordem do dia 871 – 16 de agosto de 1872.

96

solicitou a promoção para major por “ter sido preterido ainda durante a guerra” (22 de

setembro de 1866).

Do outro lado da hierarquia militar, longe das condecorações e das promoções,

localizavam-se os soldados. Apesar das dificuldades da vida militar, foi grande o

número de ex-voluntários que decidiram entrar para o exército de linha. Uma das

explicações pode estar ligada aos benefícios estipulados pelo decreto 3371, que no seu

artigo 7 estabelecia que “os voluntários que desistindo da baixa continuarem a servir no

exército por mais três anos, terão direito à gratificação de 300 réis diários, além do

soldo”. A adesão parece que foi tão grande, que o ministro da guerra, João Frederico

Caldwell, resolveu diminuir o valor da gratificação para 90 réis diários, como todos os

soldados que engajaram.

Essa resolução fez aumentar o número de requerimentos direcionados ao

Imperador e, posteriormente, analisados no Conselho de Estado (seção de Guerra e

Marinha), reivindicando o direito à gratificação. Em 18 de novembro de 1871, os titulares

do Conselho – Duque de Caxias, Visconde do Abaeté e o Barão do Muritiba – apreciaram o

requerimento do sargento Ignácio Raymundo Vieira, que reclamava o pagamento dos 300

réis diários. Eles confirmaram o direito dos engajados, remetendo o caso para o imperador

para que ele “resolva o que for mais acertado”146.

Esse tipo de pedido tramitou na burocracia estatal junto com as mais diversas

solicitações. Abaixo, destacamos algumas:

Paulino José Soares – solicitou pensão por ter sido ferido na guerra. A pensão foi

indeferida porque, apesar do mesmo ter sido reformado por incapacidade física, ele poderia

146 Sessão do Conselho Supremo Militar - 18 de novembro de 1871. Coleção das Ordens do dia – Arquivo do Exército.

97

prover os meios de subsistência (era oficial de sapateiro). Passou por inspeção na Corte

(07/01/70) e foi constatado uma cicatriz de um ferimento na perna esquerda, com o

enfraquecimento da mesma. O ministério alegava que o requerente “Facilmente poderá

ganhar os meios para a sua subsistência”147.

Manoel Adolpho dos Santos – veio “aos pés da Vossa Magestade Imperial”

pedindo a graça de um emprego em qualquer repartição ou estabelecimento da Marinha ou

do Exército nesta Corte. O suplicante alega que se sacrificou na guerra e se encontra em

circunstância crítica148.

Uma preocupação constante da oficialidade em relação aos soldados e oficiais

subalternos, dizia respeito às insubordinações e à violência reinante dentro dos quartéis. Foi

novamente através das ordens do dia que conseguimos visualizar esse comportamento por

parte da escala inferior do exército. O rol de infrações inclui jogo, desacatos, bebedeiras,

roubos, agressões, assassinatos etc.

Muitos ex-voluntários também estiveram envolvidos em crimes fora dos quartéis.

Comparando nossa lista de requerimentos com o registro de condenados da Casa de

Correção da Corte, documento que continha a discrição das penas, um pequeno resumo da

vida carcerária do presidiário e a fotografia (observamos que cerca de 80% da população

carcerária era de negros, muitos ainda escravos), encontramos pelo menos sete ex-

combatentes cumprindo pena no período de 1870-74.

Os ex-combatentes sentenciados foram:

Emygio José Rodrigues – roubo – pena: 8 anos – Entrada: 19/05/1870.

147 Ofício de fé – Paulino José Soares – Arquivo do Exército. Obs. Um seu homônimo foi encontrado cumprindo pena de 8 anos por furto na Casa de Correção da Corte em 1870. 148 Ofício de fé – Manoel Adolpho dos Santos – Arquivo do Exército. Obs. Não conseguimos detectar se a sua petição foi ou não deferida pelo Imperador.

98

Paulino José Soares de Souza – roubo – pena: 8 anos – 18/08/1870.

José Furtado - homicídio – pena: 6 anos – 06/09/1870.

Francisco Vicente da Silva – homicídio – pena: 12 anos – 21/04/71.

Narciso da Silva Soares – homicídio – pena: 2 anos – 16/08/71

Francisco de Paula Ferreira – homicídio – pena: 6 anos – 14/06/72.

Antônio do Espírito Santo – desobediência – pena 4 anos – 12/10/72.

Do conjunto de fichas pesquisadas, encontramos a seguinte incidência de crimes:

CRIME Nº. DE OCORRÊNCIAS

RETIRADA DE PRESOS 04

FERIMENTOS 09

FURTO 14

ROUBO 27

HOMICIDIO 24

DESOBEDIÊNCIAS e AMEAÇAS 01

ESTELIONATO 13

TENTATIVA DE ASSASSINATO 02

TOTAL: 94149

149 Registro de condenados da Casa de Correção da Corte, 1870-1874, Seção de documentos manuscritos, Biblioteca Nacional.

99

Entre os estabelecimentos militares mais violentos destacou-se o Asilo dos

Inválidos da Pátria. Nesta instituição, inaugurada em 1868, eram abrigados os militares que

voltaram da guerra estropiados, mutilados e sem condições de prover o próprio sustento,

além de um quartel que abrigava soldados convalescentes de doenças e soldados sãos que

ali tiravam serviço.

Por ser um lugar isolado, localizado na ilha de Bom Jesus (vizinha à Ilha do

Governador), e abrigar pessoas doentes, parece que a disciplina não era das mais rígidas

nesse estabelecimento. Detectamos na nossa documentação diversos casos envolvendo

moradores ou aquartelados do asilo.

Alferes honorário Abílio Augusto Pinto, serviu no Asilo de 1869 a 1895, por seu

mau comportamento foi solicitado o seu afastamento em 03/05/73. Entre os seus delitos,

consta ter invadido a casa de um morador da ilha (Bom Jesus) e espancado o morador,

respondeu a processo e foi absolvido pelo CSM150.

Cabo de Esquadra reformado adido Manoel Nunes dos santos, faltou ao serviço.

Foi preso pela polícia da Corte com um saco contendo 14 pares de sapatos extraviados do

asilo. Foi condenado a 1 ano de prisão com trabalhos151.

Em outros estabelecimentos militares a situação não parece muito diferente, pois

os casos foram abundantes. A seguir arrolamos alguns:

Tenente Constantino José Nunes - Foi preso por ameaças ao capitão do 11 B

(Infantaria) Frederico Augusto da Gama e Costa e condenado a três anos de prisão.

150 Oficio de fé – Oficial Abílio Augusto Pinto - Arquivo do Exército. 151 Ordem do dia 881 – 06 de setembro de 1872.

100

Solicitou redução da pena para um ano. “Alega o suplicante ter prestado ao país bons

serviços, tendo permanecido 5 anos na GP”152. Pedido indeferido.

Soldado Francisco Theodoro da Silva – Armado com faca e ébrio, tentou agredir

um cabo. Pena: 6 meses de prisão com trabalho.

Para conter a insubordinação e a violência, o exército freqüentemente se utilizava

da repressão, seja ela na forma da reclusão do acusado ou da violência direta através dos

castigos corporais.

Condenado a receber 50 pancadas de espada de prancha e seis meses de prisão com

trabalho, por deixar um preso fugir da fortaleza de Santa Cruz, O soldado Gregório Antônio

de Carvalho, teve diminuída a sua pena para 6 meses de prisão com trabalho pelo Conselho

Superior Militar - Sessão de 15/02/1872.

Pelo que transparece na documentação, por diversas vezes foram cometidos

excessos por parte dos oficiais responsáveis pela aplicação das penas. Exemplo disso foi o

Aviso Circular que recomendava a observância do que dispõe o aviso de 13 de abril de

1859 sobre castigos corporais a praças de pré, indicando as formalidades com que devem

ser executadas. Entre elas constava a necessidade de se “formar o batalhão e assistir a ele o

comandante e no seu impedimento o major”153.

Muitas dessas condenações estão relacionadas à dificuldades encontradas pelos ex-

combatentes ao retornarem à vida comum. Confrontos entre militares ex-combatentes e

não-combatentes, entre militares e civis, insatisfação pelos benefícios não recebidos, entre

outros. Nem sempre as autoridades militares sabiam lidar com estes casos, tomando muitas

vezes saídas mais drásticas para manter sobre controle estes indivíduos.

152 Ofício de fé - Tenente Constantino José Nunes – Arquivo do Exército. 153 Ordem do dia 899 – 21 de dezembro de 1872.

101

Foi o caso do soldado José Antônio das Virgens do 12º B. I., da província do Pará.

Inválido em conseqüência de ferimentos recebidos na guerra, teve a perna direita amputada;

sem família, turbulento e alcoólatra, “sempre em rixa com a policia e com paisanos, aos

quais insulta e provoca quando não é atendido nas suas desarrazoadas exigências”.

Remetido para a Corte do Rio de Janeiro, “porque ahí, onde mais abundam os meios de

repressão adoptados às circunstâncias do indicado soldado, pode ele ser contido”. O

soldado foi parar no Asilo dos Inválidos, em 11 de outubro de

De 1872, onde continuou com a conduta desregrada, sendo considerado “ prejudicial à

tranqüilidade pública em qualquer parte que se ache”.

Remetido de volta ao Pará, foi indicado como seu destino final, pelo ministro da

guerra Oliveira Junqueira, o presídio de Fernando de Noronha local, segundo o ministro,

“para aqueles que não se regulam pelas regras da moralidade, e que desconhecem os

princípios abraçados pela boa sociedade”.

O Conselho Superior Militar aprovou a idéia reforçando-a, dizendo que “ é de toda

conveniência não só em relação à disciplina, como o próprio interesse dos inválidos,que

sejam removidos para as fortalezas ou estabelecimentos militares, aquelas praças que por

seus vícios e má índole se tornarem prejudiciais á boa ordem, que deve reinar nesses asilos,

uma vez que a par dos necessários meios de repressão, lhe sejam proporcionados todos os

bons tratamentos, que deve ao Estado aos soldados que se inutilizaram no serviço da

pátria”154

Segundo os autores consultados e as fontes analisadas, embora insatisfeitos com a

situação do exército após a Guerra do Paraguai, os militares não tiveram papel relevante

nas reformas colocadas em prática no período de 1872 e 1874. Em ambas as ocasiões a 154 Ordem do dia 940 – 31 de maio de 1873. Arquivo do Exército.

102

empreitada foi dirigida pelo ministro da guerra João José de Oliveira Junqueira, civil, titular

da pasta entre 1872 e 1875.

Convencido das necessidades de reformas substanciais na instituição, ele optou por

fazê-la de cima para baixo, selecionando uns poucos generais para que apresentassem os

seus pontos de vista. Assim, baseado principalmente em relatórios do Conde d´Eu e de

Sena Madureira, ele elaborou os projetos apresentados ao Parlamento entre 1872 e 1874.

No seu relato o Conde d´Eu expôs os problemas enfrentados em vários setores do

exército durante o conflito. Os principais arrolados por ele foram: o suprimento dos

contingentes, finanças, transporte, registros de oficiais e praças, corpo médico,

recrutamento, treinamento etc. As reformas nos setores acima mencionados, ligadas às

dificuldades do exército em tempos de guerra, se justificariam em caso de um novo

conflito, hipótese não descartada por alguns militares, incluindo aí o Conde d´Eu155.

No projeto apresentado em 1872, várias sugestões do Conde d´Eu foram incluídas,

sendo algumas aceitas, principalmente as menos onerosas aos cofres públicos, outras foram

postergadas e apareceriam novamente nos anos seguintes.

Entre as solicitações mais polêmicas, estava o aumento do soldo, este sim uma

reivindicação de toda a classe militar, superior ou subalterna. Os salários tinham sido

reajustados pela última vez em 1852, logo, nenhum combatente recebeu aumento nos

últimos 20 anos. Em 1873 o Parlamento aprovou o aumento de 50%. No entanto, o que

parecia uma boa notícia para os militares, viraria fonte de insatisfação posteriormente. Por

problemas no orçamento, os salários continuaram apenas no papel por mais uma década.

155 Os reformistas, incluindo o Conde d´Eu, Osório e outros, pregavam a guerra contra a Argentina. Durante as discussões sobre o tratado de paz com o Paraguai em 1875, se prevalecesse o ponto de vista do grupo, o Brasil teria declarado guerra à Argentina. SCHULZ, John. Op. Cit. p. 79

103

Em 1874 o ministro Oliveira Junqueira voltaria à carga em nova tentativa de

reforma. Dessa vez a discussão principal ficaria por conta da lei de recrutamento militar.

Havia ficado evidente durante a guerra, as limitações de um exército formado

através do recrutamento forçado, forma de seleção incompatível com as condições da

guerra moderna. Durante anos os oficiais reclamaram que o exército era pequeno demais e

os recrutados vinham da escória da sociedade.

A violência e as injustiças para compor a tropa, os vários tipos de isenções, a

insuficiente oferta de recrutados, a interferência política na seleção de soldados, não

podiam continuar sendo as bases de formação do exército profissional, eficiente e moderno

que desejavam os oficiais reformistas156.

As críticas ao recrutamento compulsório e às propostas de mudança do sistema

constavam do relatório feita por Sena Madureira157 ao ministério da guerra, elaborado a

partir da observação dos principais exércitos, em viagem que fizera à Europa, sobretudo à

França e à Prússia.

Sena Madureira elogiava principalmente o sistema prussiano, baseado no serviço

universal de tempo curto (3 anos), com isenções limitadas e excluindo a compensação

financeira e a substituição pessoal aos selecionados. Além disso, havia a preocupação de se

manter um contingente de reserva, periodicamente treinado. Soma-se a isso, a importância

adquirida pelo certificado militar, requisito para qualquer emprego ou função pública.

No período que vai do fim da guerra franco-prussiana (1870) ao final do século

XIX, a tropa de soldados deixou de ser permanente, sendo substituída pelo serviço militar

obrigatório por um determinado tempo de serviço. Após a vitória da Prússia contra a

156 MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: Op. Cit. p. 74 157 SENA, Madureira. Estudo militar dos principais Estados da Europa apresentado ao Ministério da Guerra ... 1874.

104

França, o sistema de conscrição prussiano disseminou-se pelos exércitos europeus.

Considerado decisivo para a vitória prussiana, o recrutamento de indivíduos em todos os

segmentos da população dava a idéia de que qualquer cidadão é um soldado em potencial e

as forças armadas, além de responsáveis pela defesa nacional, tornando-se também os

quartéis “escolas de nacionalidade”158.

No Brasil, inúmeros projetos legislativos, ao longo de todo o período imperial, já

haviam proposto a troca do recrutamento forçado por alguma modalidade em favor do

sorteio militar, semelhante ao utilizado em loterias. Segundo os defensores dessa

modalidade, o sistema evitaria perturbações econômicas e sociais provocadas pelo

recrutamento forçado e manteria a oferta regular de recrutados.

A lei da reforma do exército foi aprovada no dia 26 de setembro de 1874, prevendo

entre outras coisas, o recrutamento por sorteio e o serviço por 6 anos para homens entre 19

e 25 anos e o fim das punições corporais.

Apesar da boa acolhida das mudanças por parte dos oficiais, a maioria defendia uma

lei de recrutamento menos arbitrária e mais consoante com as necessidade de um exército

moderno, a reforma tornou-se alvo de discordância por parte da elite política. Os políticos

civis conservadores e liberais divergiram, entretanto, sobre os prováveis efeitos políticos da

adoção da conscrição universal. Para os liberais, a implementação de um mecanismo de

alocação da prestação militar baseadas em loterias neutralizaria as interferências do

recrutamento sobre a competição política e permitiria uma distribuição eqüitativa e

eficiente dos encargos. Os conservadores, entretanto, temiam o potencial tirânico e

158 CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

105

centralizador que se colocava nas mãos do governo com a conscrição, preferindo o serviço

voluntário, mais suave nas suas implicações políticas159.

O não cumprimento das reformas tornou-se alvo de disputas políticas entre liberais

e conservadores, como se tornara comum no período imperial. Os liberais, fora do poder,

criticavam os conservadores por não implementarem as mudanças. Quando passaram à

oposição, os conservadores teceram as mesmas críticas aos liberais. Na verdade, a elite

política, seja ela pertencente ao partido Liberal ou ao Conservador, ignorou o exército por

toda a década de 1870, mostrando que as dificuldades enfrentadas pela instituição e os

sacrifícios que os militares passaram na guerra não sensibilizaram a elite política civil no

sentido de melhorar a situação material, social e economicamente do exército e de seu

contingente.

Podemos indicar também como fatores que levaram a não aplicação das leis

contidas nas reformas, impedindo que, passadas as emergências da guerra, a reforma da

prestação militar se realizasse em moldes universais e modernos a ausência de um

movimento reformista poderoso, a força dos interesses atingidos pelas propostas de

reforma, principalmente o patronato, preocupado com a perda da mão-de-obra, mesmo que

temporária - em Aviso Circular, o Conselho Superior Militar determinava que nenhum

individuo assentasse praça nos corpos do exército, sem que primeiro se examinasse se era

de condição livre. Esta medida se deve ao fato de aparecerem pessoas reclamando

indenizações pelos escravos, causando

prejuízos aos cofres públicos160, - e a repulsa que a maioria dos civis tinha da vida

militar161.

159 MENDES, Fábio Faria. Op. Cit. p. 53 160 Ordem do dia 807 – 18 de novembro de 1871. Arquivo do exército.

106

Ao contrário do que foi solicitado pelas reformas, o governo procedeu à

desmobilização das forças armadas. Os efetivos brasileiros tiveram uma queda significativa

em relação aos anos do conflito e até mesmo aos anos pré-guerra.

O quadro abaixo mostra o número de soldados para cada ano fiscal.

ANO PAZ GUERRA

1864 18.000 24.000

1865 18.000 60.000

1866 18.000 60.000

1867 18.000 60.000

1868 20.000 60.000

1869 20.000 60.000

1870 17.000 33.000

1871 17.000 33.000

1872 17.000 33.000

1873 17.000 33.000

1874 17.000 22.000162

Paralelo à diminuição da tropa, houve também a diminuição da dotação

orçamentária referente ao Ministério dos Negócios da Guerra.

161 MENDES, Fábio Faria. Op. Cit. p. 61 162 Tabela extraída de John Schulz. O Exército e a política. Op. Cit. p. 216

107

Para fazer face a esta situação, os gabinetes conservadores do período buscavam

colocar em prática uma política de austeridade econômica, cortando verbas de alguns

ministérios, notadamente os da área militar.

O exército, que nas décadas anteriores ao conflito recebia em torno de 20% a 25%

dos recursos do Império, passou a receber 10% a menos nos anos de pós-guerra.

PORCENTAGENS DE GASTOS MILITARES

ANO %

1863.64 21,9

1864.65 32,7

1865.66 49,5

1866.67 45,0

1867.68 45,1

1868.69 41,8

1869.70 42,3

1870.71 18,0163

163 Idem. p. 210

108

As reduções de efetivos e verbas acarretaram, respectivamente, uma morosidade

maior no ritmo das promoções e a estagnação dos salários – o último aumento tinha

ocorrido em 1852164. Abaixo a tabela aprovada em 1873.

Decreto 2105 (08/02/73) “Aumenta os soldos dos oficiais e praças de pré do Exército e

da Armada.”

Marechal do Exército 500$000

Capitão 100$000

Alferes 60$000

Sargento $800

Soldado $150165

As disputas por promoções no exército foram atenuadas durante a guerra pela

constante abertura de vagas causadas pelas baixas, como já foi dito. No entanto, terminado

o conflito, o quadro se agravou com a desmobilização dos efetivos e o decréscimo do

contingente do exército a níveis mais baixos do que os anos pré-guerra. Assim, o tempo

médio para as promoções aumentou e a disputa ficou mais acirrada.

Os critérios de promoção não eram uniformes e é mais provável que a transferência

e a promoção de oficiais sem curso da sua arma irritassem os mais graduados, favorecendo

164 SCHULZ, John. Idem. p. 211 165 Ordem do Dia 917 – 17 de fevereiro de 1873 – Arquivo do Exército.

109

a emergência de um acentuado sentimento de insatisfação profissional da parte daqueles

que se sentiam injustiçados166.

Segundo John Schulz:

“Seguindo-se ao período de promoções rápidas

durante a Guerra do Paraguai, a progressão desacelerou-se

nos anos 70 e 80. Muitos homens permanecerão como

tenentes e capitães por mais de uma década [...]. Entre os que

eram oficiais de infantarias em 1871, os coronéis haviam

permanecido nessa patente por uma média de 1,9 anos,

tenentes-coronéis 1,6 e majores 1,5 respectivamente. Em

1888, as médias eram de 5,0; 3,1 e 4,3 respectivamente. A

cavalaria e o corpo de engenheiros também sofreram

promoções mais lentas, enquanto artilharia e o estado-maior

apresentavam uma leve aceleração. Surpreendentemente, a

infantaria e a cavalaria desfrutavam de promoções mais

rápidas do que os ramos especializados”167.

Esta situação gerou reclamações por parte dos oficiais de linha, principalmente dos

militares oriundos da Academia Militar, cujos ramos da Engenharia e da Artilharia, foram

os mais prejudicados. A concessão de patentes, pensões, títulos nobiliárquicos168, nos anos

166 IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: Op. Cit. p. 53 167 SCHULZ, John. Op. Cit. p. 81 168 Analisando o quadro de generais do exército brasileiro entre 1860 e 1889, detectamos que a distribuição de títulos, feita pelo governo imperial, agraciou indistintamente os militares com 4 títulos de visconde e 13 de barões. Ver anexos.

110

logo a seguir a guerra, virou um campo de disputa que desagradava os oficiais de linha,

freqüentemente preteridos em prol dos voluntários da pátria169.

Estas questões, bastante candentes no período, farão, somadas a outras, com que os

militares aumentem progressivamente as suas críticas em relação às instituições

monárquicas, identificando nelas as causas das agruras que passavam no dia a dia e da

subalternidade a que estavam relevados no nível político e social. Os jovens oficiais

passaram a fazer escolhas baseadas na elaboração de uma ordem política que pudesse

favorecer os novos interesses no interior da corporação, sepultando, definitivamente, os

padrões de lealdade anteriormente vigentes170.

As ações de protesto e de desagrado descritas no capítulo anterior, podem ser

interpretadas como fruto da insatisfação dos militares, estando estas ligadas a

reivindicações tanto no campo social, quanto no profissional. Com o término da guerra, os

militares cobrariam o reconhecimento dos seus sacrifícios e mais espaço econômico e

político dentro da sociedade imperial. Embora estivessem relacionadas ao mesmo tempo à

tropa e a oficialidade, será esta última a principal porta-voz desses reclames.

A oficialidade, entretanto, continuou como um grupo atuante dentro do cenário

nacional, fortalecidos pelo status que o Exército adquiriu após a guerra. Segundo Nelson

Werneck Sodré:

“O Exército que surge da guerra com o Paraguai é

força nova na vida do país, - não será relegado mais a

169 SCHULZ, John. O Exército e a política. Op. Cit. p. 82/83 170 IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 63/64

111

segundo plano, não se conformará mais com isso, não se

conformará com um papel subalterno na vida nacional”171.

O Exército, enquanto instituição, assumiu um papel importante no pós-guerra,

embora, como eu tenho ressaltado ao longo do meu trabalho, a coesão do Exército tenha

sido muito mais resultado do choque entre a posição dos militares e o sistema político

monárquico, do que proveniente de uma unidade específica da corporação antes e durante o

conflito.

A guerra, ao expor as deficiências da estrutura militar do Império, permitiu aos

oficiais do núcleo profissional assumir uma postura acentuadamente crítica ao modelo

político então existente no país. Assim sendo, várias e importantes reflexões parecem se

manifestar no interior do núcleo profissional do exército brasileiro, tais como a progressão

da idéia republicana, a abolição e o descontentamento face á estrutura social e política do

país.

Desse desprezo ficaria o ressentimento, que só viria à tona de forma consistente e

imbuída de uma certa unidade nas questões militares da década de 1880.

CONCLUSÃO

As Questões Militares da década de 1880 colocaram os oficiais do exército

brasileiro no centro das discussões a respeito do papel, dos direitos e deveres da classe

militar, fazendo emergir a insatisfação dos mesmos diante da negligência e descaso com

171 SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 110

112

que eram tratados pelo governo imperial. Embora o abandono a que estavam relegados não

fosse um fato novo na história da instituição, os militares assumiam agora o papel de

protagonistas, fazendo ouvir as suas vozes e as suas críticas, à medida que construíam a

coesão interna, necessária para o fortalecimento da sua posição em relação aos políticos

civis e ao regime político brasileiro.

No nosso trabalho procuramos demonstrar que ao mesmo tempo que ia se

profissionalizando, a oficialidade do exército aumentava o tom das suas críticas em relação

às mazelas da sociedade brasileira. O governo civil, por sua vez, mesmo sendo o

responsável pela modernização das forças armadas, procurou obstruir as ações dos militares

com o receio de virem o fortalecimento do exército ameaçar a sua supremacia política.

Nesse sentido, mostramos ainda que a participação brasileira na Guerra do Paraguai

criou uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo em que limitou a profissionalização do

corpo de oficiais, postergando, de certa forma, ações mais concretas no pós-guerra,

aureolou os militares com honras simbólicas pelos sacrifícios e a coragem, verdadeira ou

falsa, demonstradas no campo de batalha, acarretando as simpatias da população, que os

considerava heróis de guerra.

O período do pós-guerra, sobretudo o da década de 1870, assinala o momento da

reorganização do exército, em meio à tentativa dos partidos políticos tentam refrear as

pressões dos militares sobre o regime político, situação agravada pela grave crise

econômica vivida pelo país. Os oficiais, por sua vez, exaustos pelo esforço de guerra e

preocupados com o seu meio de sobrevivência, se viram envolvidos pelos problemas

comuns em tempos de paz, entre eles a relação com a burocracia estatal, retardando

promoções, pensões e títulos honoríficos, e o dia a dia dos quartéis, onde a relação com o

restante da tropa era marcada pela violência e a insubmissão.

113

Assim, a cooptação política dos oficiais, a disputa por promoções e títulos e o dever

de manter a disciplina dentro dos quartéis, num quadro caótico de pós-guerra, onde a

quebra das promessas do governo e as feridas da guerra, ainda abertas, contribuíram para a

insubordinação e a violência entre os níveis da escala hierárquica. Esta situação prejudicou

a unidade de pensamento e ação da oficialidade, contribuindo para facilitar a ação da elite

política civil no sentido de anular as possíveis pretensões dos militares, sejam elas a

modernização da instituição ou uma maior participação no sistema político brasileiro.

O êxito inicial dos políticos civis não impediu, contudo, o aumento do tom das

críticas dos militares, tendo como principais locutores (na década de 1880), oficiais ex-

combatentes e a nova geração de oficiais que estava sendo educada na Academia Militar.

O desdobramento dessa nova postura do exército, analisado por diversos autores,

levaria os oficiais a não esconder as suas simpatias pelo abolicionismo e pelo

republicanismo, culminando com a intervenção militar, a primeira da história do Brasil,

liderada por um herói de guerra, Marechal Deodoro da Fonseca, recém convertido à causa

da República.

ANEXOS

CONDENAÇÕES

• Cabo Silvério Honorato dos Santos – assassinou o segundo sargento João

Francisco Bezerra. Condenado a morte, o Conselho Superior Militar mandou

cumprir após recurso da graça ao Imperador. Ordem do dia – 755

(14/02/1870).

114

• Soldado Manoel Piranha – insubordinação contra major. Condenado a 6 meses

de prisão. Ordem do dia – 755 (14/02/1870).

• Músico Ernesto José Antônio – embriagado praticou atos de insubordinação e

ofensas com palavras obscenas ao diretor do hospital militar do Andaraí.

Condenado a 3 meses de prisão pelo Conselho Superior Militar e depois

absolvido. Ordem do dia 757 (04/03/1870).

• Forriel Antônio Guedes Bezerra/soldado Juventino Alves de Carvalho –

provocaram desordens. O soldado, embriagado, bateu num recruta, resistiu à

prisão e invadiu a casa do comandante. Preso, houve uma tentativa de retirá-lo

à força por parte do forriel e de mais alguns praças armados de cacete. Penas:

forriel – 6 anos com trabalho/soldado – 3 anos com trabalho. Ordem do dia

763 (25/05/1870).

• Soldado Jeronymo Leandro de Oliveira – assassinou o soldado Manoel

Ferreira de Jesus. O Conselho Superior Militar confirmou a condenação à

morte. Ordem do dia – 768 (30/06/1870).

115

• Soldado Antônio Luiz Francisco da Silva – provocou um conflito com guardas

urbanos no largo do Moura. Pena: 1 ano de prisão com trabalho. Ordem do dia

768(30/06/1870).

• Soldado Casimiro de Mello e Costa – recusa-se a fazer o serviço, desrespeita

seus superiores e fez desordens na fortaleza de Santa Cruz, onde estava preso.

Pena: 6 anos com trabalho. Ordem do dia 768 (30/06/1870).

• Soldado Pedro Solino - espancou e fraturou o braço do prisioneiro paraguaio

Ramon Rodriguez. Pena: 1 mês de prisão. Ordem do dia 769 (11/07/1870).

• Cabo Ignácio Francisco da Silva, soldados Miguel Ferreira do Couto,

Raymundo Rodrigues de Araújo e Antônio Pereira Custódio - Provocaram

tumulto dentro do xadrez grande do campo da Aclamação, ferindo outros

soldados e o comandante da guarda. Penas: cabo – 20 anos de prisão/soldados

-10 anos. Ordem do dia 770 (17/07/1870).

• Alferes Farmacêutico Luiz Antônio Murtinho – acusado de furtar do hospital

militar do Andaraí 20 vidros com sulfato de quinina e 1 com bismuto,

vendendo-os na botica da rua Direita, número 5. Foi absolvido pelo Conselho

Superior Militar. Ordem do dia 882 (12/09/1872).

116

Comutações de penas. “Em comemoração da Sagrada Paixão e Morte do

Redemptor, sua Alteza a Princesa Imperial Regente em nome do Imperador” comuta:

• Para galés perpétuas a pena de morte imposta ao soldado Manoel do

Sacramento (crime ocorrido durante a guerra); idem para o anspeçada

Lúcio Alves. Ordem do dia 846 (05/04/1872).

• Para 10 anos a pena de morte para os soldados Jose Nunes da Motta e

Manoel Florêncio de Souza. Ordem do dia 846 (05/04/1872).

Conselho Supremo Militar

• Comutação de pena de morte por ordem do Imperador – Soldado

Genuíno Dorothêo Rodrigues da Silva. Acatada pelo Conselho. Sessão

de 31/01/1871.

• Confirmou a condenação do alferes Manoel da Cruz Oliveira,

condenado por embriaguez e roubo ainda durante a guerra. Pena: perda

da comissão de alferes. Sessão de 03/07/1871.

• Reformou a sentença ao soldado Gregório Antônio de Carvalho,

condenado a receber 50 pancadas de espada de prancha e seis meses de

prisão com trabalho, por deixar um preso fugir da fortaleza de Santa

Cruz. A pena passou para 6 meses de prisão com trabalho. Sessão de

15/02/1872.

117

GENERAIS DO EXÉRCITO BRSILEIRO ENTRE 1860 E 1889

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

Antônio de Sampaio

1810

Não especificada Não cursou a Academia

Alexandre Argolo Ferrão

(Visc. de Itaboraí) 1821

Militar (Brigadeiro) Academia Militar

Guilherme Xavier de Souza

1818

Militar (Capitão) Academia Militar

Vitorino José Carneiro (Barão

de S. Borja) 1816

Militar (Major) Não cursou a Academia

Joaquim Fontes

1808

Civil Não cursou a Academia

João Guilherme Bruce

1805

Civil Não cursou a Academia

Jacinto Bittencourt

1808

Militar (Major) Não cursou a Academia

Ricardo Gomes Jardim

1805

Militar (Major) Academia Militar

118

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

José Auto Guimarães (Barão de

Jaguarão) 1819

Civil Não cursou a Academia

Carlos Resin

1801

Civil Não cursou a Academia

João Mena Barreto

1827

Militar (Major) Não cursou a Academia

Pedro Xavier de Castro

1809

Militar (Tenente/Coronel) Não cursou a Academia

Hilário Gurjão

1820

Civil Não cursou a Academia

João Fonseca Costa (Visc. da

Penha) 1823

Militar (Marechal) Academia Militar

Salustiano dos Reis (Barão de

Camaquan) 1822

Civil Não cursou a Academia

José Corrêa da Câmara (Visc.

de Pelotas) 1824

Civil Não cursou a Academia

Emílio Mallet (Barão de

Itapevi) 1801

Civil Academia Militar

Herculano da Silva Pedra Civil Não cursou a Academia

119

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

1817 Civil

Antônio da Silva Paranhos

1818

Civil Não cursou a Academia

Frederico A. de Mesquita

(Barão de Cacequi) 1822

Civil Não cursou a Academia

Francisco Gomes de Freitas

1822

Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar

Carlos de Oliveira Néri

1825

Militar (Brigadeiro) Não cursou a Academia

José de Miranda Reis (Barão de

Miranda Reis) 1824

Militar (Major) Academia Militar

Luiz Pereira de Carvalho (

Barão de S. Sepé) 1821

Militar (Tenente/Coronel.) Não cursou a Academia

Manoel da Cunha Lins

1820

Civil Não cursou a Academia

Antônio Pedro de Alencastro

1816

Civil Academia Militar

Francisco Antônio Raposo

(Barão de Caruaru) 1817

Civil Academia Militar

120

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

João do Rego Barros Falcão

1817

Militar (Coronel) Não cursou a Academia

Hermes Ernesto da Fonseca

1824

Militar (Major) Academia Militar

Inocêncio Veloso Pederneiras

(Barão de Bojurú) 1818

Civil

Civil Academia Militar

João Antônio Valporto

1830

Civil Academia Militar

Manoel Deodoro da Fonseca

1827

Militar (Major) Academia Militar

José Joaquim de Carvalho

1813

Militar (Alferes) Academia Militar

Cristiano de Azeredo Coutinho

1817

Civil Academia Militar

Luiz Guilherme Woolf

1816

Militar (Capitão) Academia militar

Severiano Martins da Fonseca

(Barão de Alagoas) 1825

Militar (Major) Academia Militar

121

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

Augusto Frederico Pacheco

1817

Militar (Major) Não cursou a Academia

Conrado da Silva Bittencourt

1829

Militar (Marechal) Academia Militar

Justiniano Sabino da Rocha

1826

Militar (Brigadeiro) Academia Militar

Agostinho Marques de Sá

1829 Civil

Civil Academia Militar

Antônio Tibúrcio Ferreira de

Souza 1837

Civil

Civil Academia Militar

Hermenegildo de Albuquerque

Portocarreiro 1818

Militar (Capitão) Academia Militar

Carlos Resin Filho

1831

Militar (Brigadeiro) Academia Militar

Floriano Peixoto

1839 Civil

Civil Academia Militar

Izidoro Fernandes

1829 Civil

Civil Não cursou a Academia

122

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

José Ângelo de Morais Rego

1825

Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar

José Lopez de Oliveira

1819

Civil Não cursou a Academia

José Maria de Alencastro

1823

Militar (Capitão) Academia Militar

José Luiz da Costa Jr.

1829

Civil Não cursou a Academia

Antônio Enéas Gustavo Galvão

(Barão do Rio Apa) 1832

Militar (Coronel) Academia Militar

José Clarindo de Queiroz

1841

Civil Academia Militar

Antônio Nicolau Falcão da

Frota 1834

Militar (Capitão) Academia Militar

José de Almeida Barreto

1830

Civil Academia Militar

José Simeão de Oliveira

1838

Civil Academia Militar

123

NOME/

NASC.

PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR

Antônio Maria coelho (Barão

de Anhambaí) 1827

Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar172

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