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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Ana Paula Munhen de Pontes A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do SUS por profissionais de saúde: um estudo de representações sociais Rio de Janeiro 2009

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Faculdade de Enfermagem

Ana Paula Munhen de Pontes

A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do SUS

por profissionais de saúde: um estudo de representações sociais

Rio de Janeiro

2009

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Ana Paula Munhen de Pontes

A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do SUS por

profissionais de saúde: um estudo de representações sociais

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Orientadora: Profª. Drª. Denize Cristina de Oliveira

Rio de Janeiro

2009

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação.

________________________________________ _________________________

Assinatura Data

P814 Pontes, Ana Paula Munhen de. A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do

SUS por profissionais de saúde: um estudo de representações sociais / Ana Paula Munhen de Pontes. - 2009.

226 f. Orientador: Denize Cristina de Oliveira. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Faculdade de Enfermagem. 1. Sistema Único de Saúde (Brasil). 2. Política de saúde. 3. Pessoal de

saúde. 4. Percepção social. I. Oliveira, Denize Cristina. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.

CDU

614.253.5

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Ana Paula Munhen de Pontes

A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do SUS por

profissionais de saúde: um estudo de represnetações sociais

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Aprovada em 03 de dezembro de 2009.

Banca Examinadora:

_________________________________________ Profª. Drª. Denize Cristina de Oliveira (Orientadora) Faculdade de Enfermagem da UERJ

_________________________________________ Prof. Dr. Túlio Batista Franco Instituto de Saúde da Comunidade da UFF

_________________________________________ Prof. Dr. Sergio Corrêa Marques Faculdade de Enfermagem da UERJ

Rio de Janeiro

2009

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, ao meu irmão Luis Paulo e ao meu avô Juracy Munhen (in memoriam) pelo

exemplo de determinação e coragem, incentivo e respeito às minhas escolhas (mesmo não

sabendo, muitas vezes, onde elas poderiam me levar), pelo amor e dedicação incondicionais

que impulsionaram minha trajetória profissional e pessoal.

À minha Família pelo convívio, por serem meu alicerce, minha segurança e minha referência.

Ao meu esposo Henrique, companheiro, amigo para todas as horas, quem trouxe luz e sentido

para minha existência, por todo o amor, ternura, cumplicidade e os momentos de grande

felicidade proporcionados, além da compreensão sem igual e da contribuição para a realização

desse trabalho. Com você, sem dúvidas, descobri as várias nuanças do verdadeiro amor. Te amo!

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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente pela dádiva da vida, pela forma como conduz a minha

existência e por proporcionar-me a sua paz e me tornar capaz de enfrentar os obstáculos que se

fazem presentes e superar desafios. Agradeço pela oportunidade de mais uma conquista!!!

À Professora Denize Cristina de Oliveira, orientadora e amiga, pessoa que admiro não

só pela inteligência e intelectualidade, mas pela intensidade e dedicação ao ensino e à

pesquisa, com quem muito aprendi e que me acompanha desde os meus primeiros passos na

vida acadêmica. Agradeço por toda confiança depositada em mim, por ouvir e respeitar

minhas sugestões, pelo constante otimismo, pela ternura, pelo carinho, por todos os momentos

compartilhados e pela segurança que sempre me impulsiona. Enfim, agradeço não só pelo seu

papel fundamental desempenhado para a realização desse trabalho, mas também por ter me

introduzido e apresentado este “mundo” pelo qual sou apaixonada.

Aos Professores Túlio Batista Franco e Sergio Correia Marques pelas contribuições

teóricas e metodológicas na banca de qualificação, que foram fundamentais e de extrema

relevância para a construção da versão final desta dissertação.

Ao Professor Antônio Marcos Tosoli Gomes pelas contribuições durante toda a

elaboração desta dissertação, pelos conselhos, puxões de orelha, pelas longas tardes de

conversa no grupo de pesquisa e por ter me acompanhado e orientado durante toda minha

formação. Sem dúvidas sua participação neste processo foi fundamental.

À professora Marilda Andrade, pela participação com suplente em nossa banca

examinadora e pelas comtruibuições a este trabalho.

À professora Norma Dantas, que se mostrou amiga e com quem muito pude refletir e

construir conhecimentos durante este processo.

Carinhosamente aos meus pais Valdemir e Maria Leoneth e ao meu irmão Luis Paulo

pelo amor incondicional, pelos ensinamentos e pelo apoio em todos os momentos da minha

vida!

Ao meu esposo, Henrique, pelo apoio constante, pelas idéias e sugestões durante a

elaboração do trabalho, pelo ombro amigo e pela compreenssão sem igual. Agradeço ainda

pelo amor e por me fazer tão feliz. Amo você!!!

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À minha segunda família, Elizabeth, Vinicius e Guilherme pela amizade, por me

receberem como uma filha, pelo apoio em todos os momentos e por vibrarem comigo a cada

conquista.

Às minhas amigas Christiane, Débora, Monique Votto, Monique Marrafa, Fabiana

Senna, Ana Carolina, Renata Fontinhas, Paloma e Tamyres pelas orações, apoio, conversas,

desabafos, praias, telefonemas, pelo “parabéns gata!!!” (sempre estimulante), pelo ombro e

pela presença constante em minha vida, mesmo quando a ausência se fez necessária. Vocês

me acompanham, minimamente, por 6 anos... Nosso amor é para sempre, nossa amizade é

eterna!!!!!

Aos amigos que conquistei durante o mestrado Letícia Araújo, Areta Vellasques,

Flavia Camerini, Belchior Barreto, Sabrina Seibert, Renata Vetere e Adriana Sancho, pelos

desabafos, pelas terapias (eram sempre ótimas), pela confiança, pelo acolhimento, pela

compreensão, pela surpresa de amizades tão gostosas em um momento tão atribulado.

Pretendo levar vocês para minha vida e para resumir:“...quero chorar o seu choro, quero sorrir

seu sorriso. Valeu por você existir amigo!!!”

Aos recém-chegados Ive Cristina, Ana Lia, Jânio e Larissa pelas palavras de estímulo,

pela força nos momentos de desespero e de necessidade, pelas gostosas tardes e gargalhadas

compartilhadas, e pelos momentos de descontração em meio ao caos... Adoro vcs!!!

A Lohane, Luana e João Paulo pela compreensão nos meus momentos de ausência

durante estes dois anos. Agradeço por todos os seus atos de doçura, a dinda ama vocês.

Aos professores, pesquisadores e mestrandos do grupo de pesquisa “A promoção da

saúde de grupos populacionais”, pelos diversos momentos de discussão, reflexão e construção

de conhecimentos sobre o Sistema Único de Saúde, HIV/Aids, Saúde Coletiva e Enfermagem.

Aos bolsistas do grupo de pesquisa “A promoção da saúde de grupos populacionais”,

Areta Peixoto Vellasques, Camila Perroni, Gabriela Fernanda, Caren Camargo, Fabiana

Esteves, Michelle, Fabio e Camila Mineira... Vocês não fazem idéia da importância que têm

na minha vida!!!!!! Muito obrigada por terem sido tão compreensivos e contribuírem de forma

tão sublime para a realização deste sonho!

Aos professores do PPGEnf FENF/UERJ pela seriedade com a qual conduzem este

Programa, pelo comprometimento, pela dedicação ao curso de mestrado e à formação de

mestres críticos, conscientes e capazes de exercer uma enfermagem melhor. Aproveito para

parabenizar a coordenação e todo corpo docente do PPPGEnf e da FENF/UERJ, bem como

todos seus funcionários e alunos pela conquista do curso de Doutorado.

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Aos colegas de turma (2008) pelos diversos momentos de interação, pela união, pelo

convívio tão agradável e pelos momentos de discussões e reflexões (na aula, na biblioteca, no

corredor) que ocorreram durante este percurso.

Aos secretários do PPGEnf da FENF/UERJ, Fabíola, Marcelo, e Renan, que também

me acompanham desde a Iniciação Científica e sempre mostraram-se dispostos e empenhados

a oferecer ajuda, com toda gentileza, simpatia e dedicação que só eles possuem.

Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos aos profissionais de saúde,

sujeitos desta pesquisa, que contribuíram para que a conclusão desse trabalho fosse possível.

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É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira

que um dado momento a sua fala seja a sua prática.

Paulo Freire

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RESUMO

PONTES, Ana Paula Munhen de. A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos do SUS por profissionais de saúde: um estudo de representações sociais. 2009. 226f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Este estudo objetivou analisar e comparar a incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos nas representações sociais do SUS, por profissionais de saúde de nível médio e superior de escolaridade, que atuam na rede básica e hospitalar do município do Rio de Janeiro. Trata-se de um estudo quanti-qualitativo, descritivo, pautado na abordagem estrutural das representações sociais, desenvolvido em oito instituições de saúde do Rio de Janeiro, com 125 profissionais de saúde. Foram utilizadas como técnicas de coleta de dados a entrevista em profundidade e a evocação livre ao termo indutor “SUS”. Os dados obtidos a partir das evocações foram analisados por meio das técnicas de construção do quadro de quatro casas e do Test t de Student, instrumentalizadas pelo software EVOC 2003, e análise de similitude. Os dados obtidos através das entrevistas foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo temática, cujos resultados foram utilizados como contexto semântico das evocações. Na análise do grupo geral foi possível identificar, no provável núcleo central da representação, os seguintes elementos: atendimento, não funciona, desorganização, atendimento pobres, sistema único de saúde e saúde, que indicam dimensões pragmática, imagética e avaliativa do SUS, apresentando, portanto, um caráter funcional. No núcleo central, a palavra atendimento caracteriza a finalidade do sistema de saúde definindo sua identidade. Já a associação dos termos não funciona, desorganização e atendimento pobres sugere que a representação do SUS está ancorada numa concepção assistencialista do Estado. Dentre os elementos periféricos e os elementos de contraste destacam-se atende a todos, dever estado, hierarquização, assistência integral, unificação e equidade, além de vocábulos que apresentam um caráter positivo relacionado ao sistema. A partir da aplicação da técnica de análise de similitude foi possível confirmar a centralidade do léxico atendimento, já supostamente central, e de atende a todos, que se encontrava na primeira periferia da representação. A presença de elementos positivos, bem como, de princípios do SUS na periferia e nos elementos de contraste, sugere um processo de mudança representacional operada de forma convergente, da periferia e dos elementos de contraste para o núcleo central. Levanta-se a hipótese de existência de um subgrupo com uma representação distinta do grupo geral, caracterizado pelos profissionais de nível superior. Identificaram-se, ainda, as diferenças representacionais existentes entre profissionais de saúde com níveis de escolaridades distintos e que atuam na rede básica e hospitalar. Conclui-se que os profissionais de saúde incorporaram, de forma parcial, os princípios do SUS em suas construções psicossociais. Observa-se um processo de mudança representacional em curso, pois se encontrou uma representação com significados predominantemente negativos, focada no atendimento e ancorada no papel assistencialista do Estado, transformando-se em uma representação positiva e ancorada no caráter social e universalizante do SUS. Atribui-se a este estudo a hipótese de que as práticas são determinantes no processo de transformação representacional identificado. Palavras-chaves: Sistema Único de Saúde. Política de saúde. Percepção social. Pessoal de saúde.

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ABSTRACT

This descriptive, quanti-qualitative study, guided by the structural approach to social representations, examined and compared assimilation of the doctrinal-ethical and organizational principles underlying Brazil’s national health system (Sistema Único de Saúde, SUS) by health professionals with secondary and with higher education working in basic health care and hospital systems in the municipality of Rio de Janeiro. Data was collected from 125 health professionals at eight health institutions by the techniques of in-depth interview and free evocation using the stimulus term “SUS”. The data from the evocations were analyzed by four-box charts and the Student T-test, assisted by EVOC 2003 software, and by similarity analysis. The data from the interviews were examined by thematic content analysis, and the results used as semantic context for the evocations. Overall analysis of the group identified the following elements in the central core of the representation: atendimento [care], não funciona [does not work], desorganização [disorganization], atendimento pobres [care the poor], sistema única de saúde [national health system] and saúde [health], which indicate pragmatic, image-based and evaluative dimensions of the SUS, and are thus functional in nature. In the central core, the term atendimento [care] characterizes the purpose of the health system and defines its identity. Meanwhile the association among the terms não funciona, desorganização and atendimento pobres suggests that the representation of the SUS is anchored in a welfare conception of the State. Prominent among the peripheral elements and contrasting elements were atende a todos [cares for all], dever estado [State duty], hierarquização [hierarchization], assistência integral [comprehensive care], unificação [unification] and equidade [equity], as well as terms that convey a positive quality relating to the system. Similarity analysis confirmed the centrality of the term atendimento [care], already a prior supposition, and of atende a todos [cares for all], which was on the first periphery of the representation. The presence of positive elements, as well as principles of the SUS, at the periphery and among the contrasting elements suggests a process of representational change operating in a convergent manner from the periphery and the contrasting elements towards the central core. The hypothesis is raised that there is a subgroup, characterized by health professionals with higher education and with a different representation from the overall group. Representational differences were also identified between health professionals with different levels of schooling and between those working in the basic care and hospital systems. It was concluded that health professionals have partly assimilated the principles of the SUS into their psychosocial constructions. A process of representational change was observed to be ongoing, as the study encountered a representation with predominantly negative meanings focused on care and anchored in the State’s welfare role, which is becoming a positive representation anchored in the social and universalizing nature of the SUS. The hypothesis attributed to this study is that practices are decisive in the process of representational change that was identified.

Keywords: Single Health System. Health policy. Social perception. Health personnel.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Figura 2 – Figura 3 – Figura 4 – Figura 5 – Figura 6 – Figura 7 – Figura 8 – Figura 9 – Figura 10 – Figura 11 – Figura 12 – Figura 13 – Figura 14 – Figura 15 – Figura 16 –

Representação esquemática do Quadro de Quatro Casas................................ Quadro de Quatro Casas geral ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de oito instituições de saúde...................................................................... Esquema do Quadro de Quatro Casas para mudança representacional............. Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes na análise geral expresso pelos profissionais de saúde........................................ Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de nível superior de oito instituições de saúde............................................... Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes expresso pelos profissionais de saúde de nível superior...................................... Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de nível médio de oito instituições de saúde............................................. Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes expresso pelos profissionais de saúde de nível médio......................................... Árvores máximas desconexas da análise de similitude das evocações mais freqüentes expresso pelos profissionais de saúde de nível médio....................... Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde de nível médio e superior................................................ Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde de nível médio e superior e geral..................................... Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde que atuam no hospital.......................................................................................... Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde que atuam no CMS.............................................................................................. Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde que atuam no hospital e no CMS..................................... Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde que atuam no hospital e no CMS e geral......................... Distribuição percentual das URs por categoria teórico-analítica.........................

85

102

123

124

128

138

140

147

150

152

152

156

162

171

171

175

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Figura 17 – Figura 18 –

Figura ilustrativa da pressão exercida pelo sistema periférico no núcleo central com a incorporação de elementos positivos e de princípios ............................... Figura ilustrativa das práticas ativa e passiva desenvolvidas por profissionais nas instituições de saúde e a relação com a transformação representacional......

185

188

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Tabela 2 – Tabela 3 – Tabela 4 – Tabela 5 – Tabela 6 – Tabela 7 – Tabela 8 – Tabela 9 – Tabela 10 – Tabela 11 – Tabela 12 –

Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o nível de escolaridade e a instituição de saúde analisada....................................... Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com a instituição analisada e o nível de escolaridade...................................................... Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o sexo por nível de escolaridade....................................................................................... Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o sexo por unidade de atuação......................................................................................... Distribuição dos sujeitos de acordo com a renda pessoal mensal por nível de escolaridade.................................................................................. Distribuição dos sujeitos de acordo com a renda pessoal mensal por unidade de atuação...................................................................................... Distribuição dos sujeitos de acordo com a função exercida na unidade por nível de escolaridade............................................................................ Distribuição dos sujeitos de acordo com a função exercida por unidade de atuação................................................................................................... Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de atuação na unidade por nível de escolaridade............................................................................ Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de atuação na unidade por unidade de atuação............................................................................... Distribuição dos sujeitos de acordo com idade e o nível de escolaridade................................................................................................ Distribuição dos sujeitos de acordo com idade e o local de atuação........................................................................................................

93

93

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100

100

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LISTA DE SIGLAS

AIS-

APS-

CAPs-

CMS-

HIV-

IAPs-

IAPB-

IAPM-

IAPTEC-

IAPAS-

IC –

INAMPS-

INPS-

INSS-

NOAS-

NOB-

OMS-

PACS-

PAMs-

PESB –

PIASS-

PSF-

SAMDU-

SAMU -

SUDS-

SUS-

TRS-

UERJ –

UR -

Ações Integradas de Saúde

Atenção primária à saúde

Caixas de Aposentadorias e Pensões.

Centros Municipais de Saúde.

Vírus da Imunodeficiência Humana

Institutos de Aposentadoria e Pensões.

Institutos de Aposentadoria e Pensões dos Bancários.

Institutos de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos.

Institutos de Aposentadoria e Pensões dos empregados de Transportes e

Cargas.

Instituto de Administração da Previdência Social.

Iniciação Científica

Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social.

Instituto Nacional de Previdência Social.

Instituto Nacional de Segurança Social

Norma Operacional de Assistência à Saúde.

Norma Operacional Básica.

Organização Mundial de Saúde

Programa de Agentes Comunitários de Saúde.

Postos de Assistência Médica

Programa Especial de Saúde da Baixada

Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento do Nordeste.

Programa de Saúde da Família.

Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência

Serviço de Assistência Móvel de Urgência.

Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde.

Sistema Único de Saúde.

Teoria de Representações Sociais

Universidade do estado do Rio de Janeiro

Unidades de Registro.

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SUMÁRIO

1

1.1

1.2

1.3

2

2.1

2.2

2.3

2.4

3

3.1

3.2

3.3

3.4

3.5

3.6

3.6.1

3.6.2

4

4.1

INTRODUÇÃO .................................................................................................

O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL ...........................................................

A evolução das políticas de saúde no Brasil: recordando para

compreender......................................................................................................

O Movimento de Reforma Sanitária e a construção do Sistema Único de

Saúde...................................................................................................................

A base teórico-filosófica e organizacional do SUS: os princípios ético-

doutrinários e organizativos.............................................................................

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........................................

A Teoria Geral das Representações Sociais....................................................

A Abordagem estrutural das representações sociais e a Teoria do Núcleo

Central................................................................................................................

Representações sociais e práticas sociais: uma constante

interação.............................................................................................................

A utilização da Teria de Representações Sociais na análise das políticas

públicas de saúde...............................................................................................

PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................

Desenho do estudo.............................................................................................

Cenário de estudo..............................................................................................

Sujeitos do estudo..............................................................................................

Coleta de dados.................................................................................................

Aspectos Éticos da Pesquisa.............................................................................

Análise dos dados..............................................................................................

Análise da estrutura da representação.................................................................

Análise dos conteúdos da representação.............................................................

OS PRINCÍPIOS DO SUS INCORPORADOS E RECONSTRUÍDOS

PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE...........................................................

Caracterização dos profissionais de saúde estudados....................................

18

26

26

32

45

55

55

62

65

70

76

76

77

79

80

83

83

85

89

92

92

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4.2

4.2.1

4.2.2

4.2.2.1

4.2.3

4.2.3.1

4.3

4.4

5

A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos na

representação social do SUS para profissionais de saúde.............................

A incorporação dos princípios do SUS pelo grupo geral de profissionais de

saúde....................................................................................................................

A incorporação dos princípios do SUS entre profissionais de nível médio e

Superior...............................................................................................................

A comparação da incorporação dos princípios aos conteúdos e às estruturas

representacionais do SUS para profissionais de nível médio e superior de

escolaridade.........................................................................................................

A incorporação dos princípios do SUS entre profissionais com relação à

variável local de atuação.....................................................................................

A comparação da incorporação dos princípios aos conteúdos e às estruturas

representacionais do SUS para profissionais que atuam nas unidades

hospitalares e nos Centros Municipais de Saúde................................................

A análise de conteúdo teórico-analítica entre os profissionais de saúde do

SUS: uma breve descrição................................................................................

A relação existente entre a incorporação dos princípios do SUS e as

práticas profissionais.........................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................

REFERÊNCIAS................................................................................................

APÊNDICE A - Questionário de caracterização sócio-econômica e

instrumento de coleta de evocações livres..........................................................

APÊNDICE B -Roteiro temático de entrevista..................................................

APÊNDICE C -Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................

APÊNDICE D -Dicionário de padronização EVOC..........................................

APÊNDICE E -Relatório Rangmot geral...........................................................

APÊNDICE F -Relatório Rangmot nível superior.............................................

APÊNDICE G -Relatório Rangmot nível médio...............................................

APÊNDICE H -Relatório Rangmot hospital......................................................

APÊNDICE I - Relatório Rangmot CMS.........................................................

APÊNDICE J – Comparação Complex entre nível médio e superior................

APÊNDICE K -Tabela de co-ocorrências geral................................................

APÊNDICE L - Tabela de co-ocorrências nível superior..................................

101

101

127

151

156

170

175

177

181

190

205

206

209

210

215

216

217

218

219

220

221

222

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APÊNDICE M -Tabela de co-ocorrências nível médio.....................................

APÊNDICE N - Quadro análise de conteúdo....................................................

ANEXO A - Autorização do Comitê de Ética....................................................

ANEXO B - Autorização do Comitê de Ética 2.................................................

223

224

225

226

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18

INTRODUÇÃO

Esta dissertação centra-se na temática da apreensão cognitiva dos princípios do

Sistema Único de Saúde (SUS) pelos seus profissionais e faz parte de um projeto integrado de

pesquisa intitulado “As Políticas Municipais de Saúde no Contexto do SUS: Memórias e

Representações das Instituições, dos Profissionais e dos Usuários na Cidade do Rio de

Janeiro”(OLIVEIRA et al., 2003).

No ano de 2008, o sistema de saúde brasileiro completou 20 anos de sua promulgação.

Desde sua criação, até os dias atuais, muito se tem discutido sobre seus avanços e, também,

sobre os problemas que carecem de superação. Neste contexto, com a minha entrada em

diversas instituições públicas de saúde durante os estágios da graduação, me deparei com

situações contraditórias entre teoria e prática com relação ao SUS na cidade do Rio Janeiro, o

que despertou meu interesse sobre o tema. Outro fato importante que favoreceu minha

aproximação com o assunto em questão foi a oportunidade de ter participado do projeto de

pesquisa supracitado durante a graduação, como bolsista de iniciação científica (IC), inserida

no grupo de pesquisa “Promoção da Saúde e Práticas de Cuidado de Enfermagem e Saúde de

Grupos Populacionais”.

No período de vigência da bolsa de IC minha atuação se deu junto à mestranda do

grupo à época. Sendo assim, participei da elaboração dos questionários de caracterização

sócio-econômica, do instrumento de coleta de evocações livres, do roteiro de entrevista

utilizado na coleta de dados e da construção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

do projeto guarda-chuva, ao qual esta dissertação está vinculada. Além disso, foi-me dada a

oportunidade de participar da coleta de dados, o que possibilitou minha inserção em diversas

instituições de saúde do município do Rio de Janeiro para a realização da mesma.

Nesse período, minha aproximação com os profissionais de saúde e com as discussões

estabelecidas sobre o SUS dentro dos serviços foi enriquecedora, permitindo perceber

diferentes atuações profissionais, tanto na rede básica como na rede hospitalar, sendo muitas

delas conflitantes com os princípios e as diretrizes do SUS. De forma complementar,

identifiquei que o interesse desses agentes institucionais sobre as questões teóricas em torno

do SUS se dava apenas em ocasiões específicas e de forma pragmática como, por exemplo, na

emergência de um concurso público, revelando lacunas e desinteresse na construção do

conhecimento sobre o sistema de saúde no qual atuavam.

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Diante das vivências relatadas e ainda influenciada por informações veiculadas pela

mídia, na qual é apresentado constantemente um sistema com problemas recorrentes

relacionados, dentre outras questões, a atuações institucionais e profissionais que

desrespeitam os preceitos do SUS, passamos a definir o nosso problema de pesquisa. Essa

definição se deu em torno das construções simbólicas que o tal sistema vem processando entre

os profissionais de saúde, especialmente considerando que pensamento e ação caminham

juntos. Essa problematização resultou na seguinte questão de pesquisa: Os princípios ético-

doutrinários e organizativos do SUS foram incorporados ao pensamento dos profissionais de

saúde que atuam no município do Rio de Janeiro?

Para o desenvolvimento teórico da investigação nos apoiamos em uma perspectiva

psicossocial, proposta por Serge Moscovici, a Teoria de Representações Sociais, bem como

nos pressupostos definidos nos documentos oficiais que estabeleceram o atual sistema de

saúde no Brasil.

O Sistema Único de Saúde foi promulgado na Constituição Federal de 1988 e

regulamentado pelas leis 8080/90 e 8142/90. Sua construção foi direcionada pelos seguintes

princípios doutrinários: universalidade, equidade e integralidade, e sua institucionalização foi

regida pelos princípios organizativos: participação popular; descentralização; regionalização e

hierarquização (BRASIL, 2000a).

O movimento de Reforma Sanitária culminou com a implantação do novo sistema de

saúde em 1988, que previa um modelo assistencial com garantia de assistência universal e

integral à saúde, a partir da integração das ações curativas e preventivas, sendo necessário um

novo perfil de trabalhadores de saúde. De acordo com a legislação brasileira, a saúde é

resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,

emprego, lazer, acessos aos serviços de saúde, dentre outras, cabendo ao Estado a garantia das

condições necessárias para o alcance da mesma (BRASIL, 1986, 1990a).

Define a Constituição Federal de 1988, seção II (da saúde), art. 196, que

a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

A Lei Orgânica da Saúde (8080/90), que regulamenta o SUS, no capítulo II, artigo 7,

refere-se aos princípios e diretrizes deste sistema Já a lei 8142/90 diz respeito à participação

da sociedade nos conselhos e conferência de saúde. Assim, os serviços públicos de saúde e os

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serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS atuam de acordo com as

diretrizes previstas na legislação vigente (BRASIL, 1990a, 1990b).

O SUS, a partir de seus princípios, sugere uma ampliação das ações dos profissionais

de saúde com o objetivo de torná-los capazes de assegurar uma assistência de qualidade para

todos, com competência técnica e humana e de acordo com as diretrizes deste sistema, além

do estabelecimento de vínculo com os usuários garantindo a sua participação na tomada de

decisões nos serviços de saúde. Neste sentido, observa-se a necessidade de um novo perfil,

com implicações para a capacitação daqueles inseridos no sistema, bem como de

transformações no processo de formação dos profissionais da saúde, particularmente de

enfermagem, para suprir a carência de perfis que atendam aos objetivos do SUS (SILVA;

EGRY, 2003).

Para o alcance de tais princípios, exige-se a reorganização de todo o sistema e

também dos serviços, de forma que existam ações preventivas e curativas baseadas nas

demandas e nas necessidades população, bem como comunicação entre os três níveis de

assistência, colocando-se em prática ações de referência e contra-referência. Além destes

aspectos, são necessários esforços para a qualificação do trabalhador, bem como

investimentos na formação profissional, conforme já destacado. Assim, destaca-se a

regulamentação do art. 200, inciso III, da Constituição Federal que atribui ao SUS a

competência de formar trabalhadores para a saúde (BRASIL, 1988).

De forma complementar, no ano de 2007 foi promulgado o decreto que institui a

Comissão Interministerial de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Esse documento

define que compete à Comissão Interministerial estabelecer diretrizes para a educação na

promoção da saúde, prevenção de doenças e assistência à saúde na rede pública de educação

básica; identificar, periodicamente, a capacidade instalada do SUS, a fim de subsidiar a

análise de sua utilização no processo de formação de profissionais de saúde; e identificar a

demanda quantitativa e qualitativa de profissionais de saúde no âmbito do SUS, de forma a

auxiliar na construção de políticas de incentivo à fixação de profissionais de saúde, conforme

as necessidades regionais (BRASIL, 2007a).

No contexto do SUS, o profissional de saúde deve se inserir como um elemento

facilitador e orientador no que tange ao conhecimento teórico-prático a respeito do sistema,

contribuindo para a garantia de uma melhor assistência e para o alcance, na prática, dos

princípios propostos na teoria. No entanto, Silva e Egry expõem a idéia de que estes princípios

e diretrizes não fazem parte da rotina dos profissionais:

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...decorrido pouco mais de uma década desde a aprovação da Lei Orgânica de Saúde, as instituições formadoras continuam lançando, no mercado de trabalho, um grande número de novos profissionais de nível superior que, na sua maioria, desconhecem ou não se interessam pelo que significa reforma sanitária e, muito menos, SUS, municipalização, universalidade e

equidade (SILVA; EGRY, 2003, p.13).

Com base no princípio de universalidade, a saúde passou a ser considerada direito de

todos os indivíduos e dever do Estado. Assim, por meio do SUS, toda a população,

independente de possuir vínculo empregatício ou não, passou a ter direito a consultas

médicas, exames, tratamentos e internações em qualquer instituição pública de saúde, bem

como nas conveniadas ao sistema. A integralidade caracteriza-se como princípio que atribui à

população o direito de atendimento de forma plena, atendendo as suas necessidades através da

articulação de ações curativas e preventivas, nos três níveis de assistência. Já através da

equidade objetiva-se diminuir as diferenças sociais, proporcionando atendimento desigual

para necessidades desiguais, sendo caracterizado como um princípio de justiça social.

Neste sentido, segundo Cecílio (2001, p.113), “universalidade, integralidade e

equidade da atenção constituem um conceito tríplice, entrelaçado, quase um signo, com forte

poder de expressar ou traduzir de forma muito viva o ideário da Reforma Sanitária

Brasileira”. Desta forma, esses princípios se caracterizam como bases para a construção do

SUS e de forma complementar, os demais princípios atuam na operacionalização do sistema.

Esses preceitos filosóficos e operacionais colocam desafios importantes, tanto em

nível do planejamento local, quanto para as práticas institucionais e profissionais cotidianas

dentro do sistema, implicando na construção de um perfil profissional consoante com tais

princípios e premissas. Motivada pelas discussões apresentadas, definimos como objeto de

estudo a incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos nas representações

sociais do SUS por profissionais de saúde que atuam na rede básica e na rede hospitalar do

município do Rio de Janeiro.

O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, sendo o único a

oferecer assistência para a totalidade da população, independente de vínculos empregatícios

ou outras contribuições. São ofertados serviços onerosos como, por exemplo, assistência aos

pacientes portadores do HIV, sintomáticos ou não, aos renais crônicos e aos pacientes com

câncer. A Rede Ambulatorial do SUS é constituída por 60.925 unidades, sendo realizados, em

média, 200 milhões de atendimentos ao ano. Em 2007, foram realizadas, aproximadamente,

12 milhões de exames ultrassonográficos e 42 milhões de atendimentos de alta complexidade,

o que incluiu tomografias, exames hemodinâmicos, ressonância magnética, hemoterapia,

sessões de hemodiálise, de quimioterapia e radioterapia (BRASIL, 2008).

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Ao mesmo tempo, são 6.795 hospitais públicos, filantrópicos e privados conveniados

ao SUS, com um total de 368.233 leitos, onde são realizadas, em média, pouco mais de 11

milhões de internações por ano (BRASIL, 2008). A partir da implantação do SUS houve uma

grande queda dos índices de doenças transmissíveis imunopreviníveis, através do programa

Nacional de Imunização, foi estruturada a vigilância epidemiológica e sanitária, e por fim,

ocorreu uma ampliação da atenção básica, que contribui de forma significativa para muitos

brasileiros, na garantia de acesso à saúde (BRASIL, 1990a). Diante de tais conquistas,

observa-se a existência de um acesso ampliado aos serviços de saúde no Brasil e a inserção

das assistências de baixa, média e alta complexidade no cotidiano dos usuários que delas

necessitam e dificilmente teriam acesso a tais tratamentos, principalmente os mais onerosos,

em um sistema com perfil diversos do atual.

O SUS é um sistema ainda em construção e que, por isso, vem evoluindo com o passar

dos anos. Um dos fatores que contribui para esse crescimento é a Política Nacional de

Humanização implementada pelo Ministério da Saúde, suas diretrizes possibilitam, aos

usuários, maior facilidade de acesso aos serviços e às ações preventivas (BRASIL, 2003).

Com isso, as ações voltadas para a atenção básica têm recebido grande incentivo do

Ministério da Saúde para funcionar como um eixo estruturante do sistema. As unidades de

atendimento básico, em especial as de saúde da família, destinam-se a funcionar como porta

de entrada do sistema e suas atuações estão voltadas aos cuidados primários de saúde,

oferecendo ações de prevenção, promoção e assistência (CASTRO, 2002).

Desta forma, o SUS traz consigo uma mudança radical: a saúde como direito de todos,

a ser garantido pelos princípios da universalidade, integralidade, equidade, descentralização,

regionalização, hierarquização e participação social. Observa-se que “ocorreu uma intensa

ampliação do acesso aos serviços de saúde no Brasil, entre 1998 e 2003: 80% da população

afirma ter um serviço de saúde de referência, e a tendência é o crescimento” (BRASIL, 2006,

p. 11)

No entanto, mesmo diante de tantos avanços, ainda é possível observar que muitas

deficiências estão presentes na realidade do sistema. A televisão veicula, de forma destacada,

as dificuldades existentes no atual sistema de saúde, através de imagens de mortes na entrada

dos hospitais, falta de atendimento, deficiências de recursos humanos e materiais, pessoas que

ficam sem diagnóstico rápido e adequado devido à dificuldade de acesso, ou por falta de

exames, dentre outras. Tal mídia reproduz a mensagem de um sistema falido, que se encontra

em condições precárias e sem capacidade de atender às demandas da população, atuando

como importante formador de opinião e de representações.

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Neste contexto, merece destaque uma alusão à situação atípica que caracteriza o SUS

na cidade do Rio de Janeiro, em comparação com o SUS em outros estados. Este município

apresenta-se como um dos locais com maior número de instituições de saúde do país, o que,

em princípio, poderia gerar uma rede assistencial com capacidade de atendimento às

principais demandas da população. No entanto, as instituições atuam isoladamente e de forma

fragmentada, o que resulta na oferta de serviços desarticulados. Além disso, ressalta-se a

existência de invasão de pacientes na cidade, vindos especialmente das cidades do Grande

Rio, que não oferecem os serviços necessários a suas comunidades, bem como uma

dificuldade clara em planejar o sistema de modo que todas as áreas programáticas contenham

os principais serviços (BRASIL, 2005). Desta forma, observam-se limitações na execução dos

princípios norteadores do sistema, uma vez que as ações de saúde deveriam ser realizadas por

meio de uma rede de serviços regionalizada e articulada que fosse capaz de atender as

necessidades da população, o que não se observa no município.

Associado a este fato, Pereira (2006) expõe que os usuários do SUS do município do

Rio de Janeiro referem dificuldades de acesso às ações e serviços de saúde existentes,

associadas a grande demanda, dificuldade esta materializada na imagem de filas, que se

fazem constantes na realidade e no cotidiano destes atores sociais.

Diante de tantas tensões e contradições existentes em torno do sistema de saúde, cabe

a consideração de Mendes (2006), ao definir o SUS como um processo social em construção.

Este mesmo autor o refere como um sistema em marcha que vem sendo construído no

cotidiano das práticas sociais. Neste sentido, destaca-se que os profissionais edificam suas

representações acerca do sistema de saúde por meio das vivências dentro do serviço e das

interações sociais estabelecidas em seu interior, bem como nas suas vivências como usuários

comuns do mesmo sistema. Assim, estas representações são constituídas e atuam, dentre

outras coisas, como guia para o desenvolvimento de práticas, conforme apontado por Sá

(2002) e Abric (2000).

Com base no exposto, este estudo será fundamentado na Teoria das Representações

Sociais (TRS), conforme proposta por Serge Moscovici, em 1961, no contexto da Psicologia

Social, uma vez que as vivências dentro dos serviços de saúde e as informações circulantes

sobre este novo sistema, definem construções mentais que são partilhadas pelo grupo social

em questão. As representações sociais são caracterizadas pelo conhecimento do senso comum

que orienta as decisões, os pensamentos e as atitudes dos grupos e das pessoas em seu

cotidiano (SÁ, 2002).

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As representações sociais são definidas como:

[...] um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso das comunicações interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, dos mitos, sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI apud SÁ, 2002, p. 31).

Os conceitos, as afirmações e as explicações referidas por Moscovici se caracterizam

como as próprias representações sociais, considerada como teoria do senso comum, por meio

da qual procede a construção das realidades sociais. A representação funciona como um

sistema de interpretação da realidade que conduz as relações dos indivíduos com seu ambiente

físico e social e, por fim, determina suas práticas (OLIVEIRA, 1996). Destaca-se como uma

das principais vantagens da TRS, sua capacidade de expor uma realidade existente, mas que

muitas vezes não nos damos conta (OLIVEIRA; WERBA, 1998).

Cabe salientar que as representações sociais possuem quatro funções essenciais, com

destaque para a função de orientação dos comportamentos e das práticas, a função de saber

que permite compreender e explicar a realidade, a função justificatória que justifica as

tomadas de posição e os comportamentos diante de uma situação e a função identitária que,

como o próprio nome diz, define a identidade dos grupos (ABRIC, 2000). Desta forma,

acessar a incorporação dos princípios à representação social do SUS no grupo de profissionais

de saúde nos aproxima das realidades vivenciadas por estes indivíduos dentro dos serviços e,

a partir disso, possibilita entender as atuações destes profissionais e os possíveis vieses

existentes entre teoria e prática.

Destaca-se que este estudo contará também com o apoio dos pressupostos teóricos da

Teoria do Núcleo Central, que se caracteriza como uma abordagem complementar da TRS, a

abordagem estrutural, que busca “proporcionar descrições mais detalhadas de certas estruturas

hipotéticas, bem como explicações de seu funcionamento que se mostrem compatíveis com a

teoria geral” (SÁ, 2002, p. 51). Em 1976, Jean-Claude Abric propôs a Teoria do Núcleo

Central, afirmando que

a organização de uma representação social apresenta uma característica específica, a de ser organizada em torno de um núcleo central, constituindo-se em um ou mais elementos, que dão significado à representação [...] e em torno do núcleo central organizam-se os elementos periféricos (ABRIC, 2000, p. 31).

Com base na discussão apresentada, foi delineado como objetivo geral para este

estudo: analisar a incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos nas

representações sociais do SUS por profissionais de saúde do município do Rio de Janeiro. Os

objetivos específicos delineados foram: descrever a incorporação dos princípios ético-

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doutrinários e organizativos ao conteúdo e à estrutura representacional do SUS, entre

profissionais de saúde do município do Rio de Janeiro; comparar a incorporação dos

princípios ético-doutrinários e organizativos ao conteúdo e à estrutura das representações

sociais do SUS, entre profissionais com nível de escolaridade médio e superior; comparar a

incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos ao conteúdo e à estrutura das

representações sociais do SUS, entre profissionais que atuam na rede básica e na rede

hospitalar; e discutir a relação existente entre a incorporação dos princípios ao pensamento

dos profissionais e às práticas referidas em sua discursividade.

Com o cumprimento desses objetivos, este estudo poderá contribuir para a melhor

compreensão das ações assistenciais e da interação estabelecida entre estes e os usuários, uma

vez que, conforme expõem Abric (2000) e Sá (2002), as representações sociais orientam as

ações dos atores sociais relacionadas a determinado fenômeno.

A identificação da incorporação dos princípios às representações sociais poderá

auxiliar na compreensão das divergências teórico-práticas existentes e permitir o

desenvolvimento de uma prática assistencial cada vez mais humanizada, de qualidade e de

acordo com os princípios que norteiam o sistema por parte dos profissionais enfermeiros e dos

demais profissionais da área de saúde, a partir das reflexões sobre tal temática e da inserção

de discussões no interior das instituições de saúde.

Além disso, à medida que acessamos a incorporação dos princípios ao pensamento dos

profissionais, adquire-se a possibilidade de identificar quais os problemas, as dificuldades,

bem como as facilidades vivenciadas por estes no contexto do SUS, de forma que contribua

para uma melhor compreensão do sistema de saúde e das tensões que o cercam. Assim, a

identificação de uma “teoria do senso comum” constituída com base nas diversas dimensões

do SUS, permitirá compreender as formas distintas dos profissionais lidarem com

determinados objetos em contextos diversificados e em momentos distintos.

Outro ponto de contribuição centra-se na área da pesquisa ao fortalecer os estudos

sobre o SUS, atrelados à prática e ao cotidiano profissional e institucional, colaborando cada

vez mais e de forma mais efetiva para a sua consolidação e para a inserção do profissional

como agente de mudanças no interior do sistema.

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1 O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

Neste capítulo pretende-se apresentar a evolução das políticas públicas de saúde no

país e delinear o processo de construção do Sistema Único de Saúde, focalizando os

princípios ético-doutrinários e organizativos do atual sistema.

1.1 A evolução das políticas de saúde no Brasil: recordando para compreender

Desde a antiguidade observa-se uma preocupação com a saúde das populações e com a

adoção de medidas governamentais visando o controle sanitário. O sistema de saúde do nosso

país vem sofrendo constantes mudanças desde o século passado, acompanhando as

transformações econômicas, socioculturais e políticas da sociedade brasileira. Com isso,

pode-se dizer que a gênese do SUS encontra-se em momento muito anterior à sua implantação

e que para entender esse sistema é necessário considerar a evolução histórica das políticas

públicas de saúde no Brasil e a influência do cenário internacional em tais políticas.

Destaca-se que a gestão das políticas públicas na área da saúde teve origem

diferenciada para as ações coletivas, as quais estiveram vinculadas às instituições públicas de

saúde, e para as ações de caráter individual, que eram atreladas ao sistema previdenciário

(CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001; PAIM, 2003). A expressão “políticas de saúde”

abrange tanto as questões relativas ao poder na saúde, como as que dizem respeito ao

estabelecimento de diretrizes, planos e programas de saúde. Estas são definidas como “a ação

ou omissão do Estado, enquanto resposta social, diante dos problemas de saúde e seus

determinantes, bem como da produção, distribuição e regulação de bens, serviços e ambientes

que afetam a saúde dos indivíduos e da coletividade” (PAIM, 2003, p. 588). Pode-se dizer que

as diretrizes das políticas de saúde são voltadas para o planejamento e a organização do

sistema de saúde. Em 1889, com a proclamação da república, as políticas de saúde ganharam

ainda mais espaço e tentou-se organizar um serviço de saúde pública em busca de

conhecimentos e ações que atendessem as interesses econômicos da época (BAPTISTA,

2005).

Neste contexto, faz-se alusão aos variados desafios enfrentados pela saúde pública no

Brasil, agravados por dificuldades históricas, uma vez que os problemas coletivos de saúde

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ocorrem desde o período colonial brasileiro. Ao longo dos anos, a organização da assistência

à saúde passou por diversos modelos assistenciais, que apesar das diferenças, traziam para a

cena do debate social e político o papel do Estado e do seu desenvolvimento histórico.

No período histórico intitulado de Primeira República (1889-1930) prevalecia no país

a economia agrário-exportadora, movida pelo capital comercial. A economia era voltada para

a exportação da borracha, do açúcar e, principalmente, do café. De acordo com a ideologia

liberal da época, o Estado, em princípio, não tinha motivos para intervir na saúde, no entanto

a ocorrência da epidemia de febre amarela e de doenças pestilentas no início do século XX

começou a ameaçar os interesses do modelo econômico agrário-exportador. Esta situação

favoreceu uma resposta do Estado mediante a adoção de campanhas sanitárias norteadas pelo

médico Oswaldo Cruz e a organização dos serviços de saúde pública (PAIM, 2003).

De acordo com a Constituição de 1891, cabia aos estados a responsabilidade por ações

de saúde e saneamento, porém a partir de 1910 observa-se uma conscientização em relação

aos graves problemas sanitários do país, e, sucessivamente, a percepção de que o Estado

nacional deveria assumir a responsabilidade pelas questões relativas à saúde da população e

ao saneamento do território. (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005)

Oswaldo Cruz foi convidado pelo então presidente Rodrigues Alves para atuar no

combate das endemias urbanas e, posteriormente, das rurais, que prejudicavam as

exportações, como, por exemplo, o cólera, a varíola e a febre amarela. Para tal, Oswaldo Cruz

adotou um modelo de intervenção hoje denominado “sanitarista campanhista”, e implantou

posteriormente a vacina obrigatória contra varíola (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005;

LUZ, 1995). Esta forma de atuação consistia na interposição de barreiras que quebrassem a

relação agente/hospedeiro, através de forte inspiração militar, expressa na adoção de um estilo

repressivo de intervenção médica, voltada tanto aos indivíduos como à sociedade (LUZ,

1995). O modelo sanitarista campanhista, que prevaleceu do início do século até os anos 60,

possuía estreita relação com as idéias das políticas de saúde que eram desenvolvidas na

França e na Alemanha (ANDRADE, 2002).

Entretanto, o foco da atenção do Estado não era o conjunto de problemas de saúde e

carências da população, mas aqueles que diziam respeito a interesses específicos da economia

de exportação. O objetivo era sanear os espaços de circulação, sobretudo os portos, e controlar

doenças que prejudicassem as exportações, como por exemplo, a peste (LUZ, 1995).

Desastrosas epidemias transformavam-se, eventualmente, em demandas políticas e

pressionavam a ação estatal no âmbito da saúde, porém em nenhum instante o direito à saúde

se configurava como uma realidade (PAIM, 2003).

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Neste período a assistência hospitalar pública se restringia a abrigar e isolar os

portadores de doenças mentais, tuberculose e hanseníase. Já a assistência individual era

privada e as pessoas que não tinham recursos para o pagamento da assistência necessária eram

atendidas por entidades de caridade, geralmente as Santas Casas de Misericórdia, ou seja,

diante de uma situação de doença o atendimento médico só era acessível para os que podiam

pagar por ele, do contrário restavam os serviços caritativos voltados para os indigentes

(CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001; PAIM, 2003).

Durante a Primeira República (1889-1930), foram estabelecidas as bases para a

criação de um Sistema Nacional de Saúde, caracterizado pela concentração e verticalização

das ações no governo central. O movimento sanitarista alcançou importantes resultados, com

implicações institucionais imediatas e papel efetivo no processo de ampliação da autoridade

estatal, nas décadas de 1910 e 1920, destacando-se, entre as conquistas, a criação do

Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920 (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).

Nesta ocasião, os trabalhadores mais organizados politicamente lutavam pela organização das

Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que posteriormente deram origem ao primeiro

período da história da previdência brasileira (BERTOLOSSI; GRECO, 1996). Assim, em

1923, foi aprovada a Lei Elói Chaves que regulamentava a criação das CAPs, correspondendo

a uma grande conquista alcançada pelos trabalhadores. Este modelo, porém, estava restrito a

grandes empresas e possuía administração própria dos seus fundos, ou seja, era financiado

pelos patrões e empregados, e oferecia benefícios e prestação de serviços aos trabalhadores

através das aposentadorias, pensões, assistência médica e farmacológica. Neste contexto,

cabia ao poder público apenas a resolução de conflitos que surgissem entre empregadores e

empregados (BRASIL, 2007b; CARVALHO, MARTIN; CORDONI, 2001).

A Lei Elói Chaves e a Reforma Carlos Chagas, que implantou o novo regulamento do

Departamento Nacional de Saúde Pública, surgiram em meio aos movimentos sociais que

emergiam à época e já demonstravam o antagonismo existente entre saúde pública e

previdência social (PAIM, 2003). Sobre tal fato, o mesmo autor esclarece que “a organização

dos serviços de saúde no Brasil emergiu de forma dicotômica entre saúde pública e

previdência social, separando as ações de prevenção e controle de doenças na população, de

um lado, e as de medicina individual, de outro” (PAIM, 2003, p. 590).

O período que se inicia em 1930 é visto como marco inicial das políticas sociais e da

centralização estatal através da adoção de políticas e ações de saúde (LIMA; FONSECA;

HOCHMAN, 2005). Neste período há um predomínio de doenças infecciosas e parasitárias,

deficiências nutricionais, e também o início do aparecimento de doenças cardíacas,

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neoplasias, acidentes e violência (PAIM, 2003). Destaca-se que, em 1937, foi criado o

primeiro órgão de saúde de dimensão nacional, o chamado Serviço Nacional de Febre

Amarela e depois o Serviço de Malária do Nordeste, seguido do Serviço de Malária da

Baixada Fluminense (CUNHA, J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998). Neste contexto, a saúde

pública passou a ser institucionalizada pelo Ministério da Educação e Saúde, e a medicina

previdenciária e a saúde ocupacional ficaram vinculadas ao Ministério do Trabalho (PAIM,

2003), marcando uma divisão entre previdência e assistência à saúde.

A Era Vargas (1930-1954) foi um marco na configuração das políticas sociais no

Brasil. O governo provisório (1930-34) foi marcado por grande instabilidade política, reflexo

entre outras razões, da heterogeneidade de forças que havia se aliado durante o processo

revolucionário (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005). Além disso, a economia cafeeira

entrou em crise, o que favoreceu o deslocamento da economia para os centros urbanos, e

consequentemente, surgiu um novo contingente de trabalhadores assalariados, principalmente

nos setores de transporte e na indústria (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001). Em

1933, consolida-se uma nova estrutura previdenciária para atender os trabalhadores, assim, as

CAPs foram transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), caracterizando

um ensaio do sistema de proteção social com maior participação do Estado (BAPTISTA,

2005; PAIM, 2003; CARVALHO; MARTIN; CORODONI, 2001).

Estes Institutos atendiam exclusivamente aos trabalhadores de uma determinada

categoria profissional (IAPM - Institutos de Aposentadoria e Pensões dos marítimos; IAPTEC

- Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados de Transportes e Cargas; e etc.). Paim

(2003) ressalta que com os IAPs observou-se o crescimento da medicina previdenciária,

permitindo o acesso dos trabalhadores urbanos e seus familiares à assistência médico-

hospitalar. No entanto, o mesmo não ocorreu com os trabalhadores rurais e com as

empregadas domésticas. Nesse momento a gestão dos recursos era tripartite, sendo realizada

pelos empregados, pelas empresas e pelo Estado, que atuava mediando a base contributiva

previdenciária (PAIM, 2003; BAPTISTA, 2005).

No ano de 1949 foi criado o primeiro serviço de atenção pré-hospitalar no Brasil,

denominado Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU), cujo objetivo

era oferecer assistência a toda população, rompendo, portanto, com a lógica previdenciária

existente à época, mesmo que de forma limitada aos casos de urgência. Com este evento, o

atendimento médico domiciliar, até então inexistente no setor público, passou a se fazer

presente e o atendimento universal, ainda que limitado aos casos de urgência, tornou-se uma

realidade para a população (MERCADANTE, 2002). O SAMDU era mantido pelos diversos

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IAPS, por meio de financiamento consorciado e atendia a população independente da

categoria ou vínculo empregatício. Assim, sua implantação, rompeu, pela primeira vez, com a

lógica da vinculação do direito de assistência médica à condição de contribuinte da

previdência (MERCADANTE, 2002). Além de oferecer consultas médicas de emergência em

domicílio, realizava partos e cirurgias de médio porte (GONDIM, 2001). No entanto, este

serviço acabou sendo extinto no ano de 1966, a partir do Decreto-Lei nº 72/66 (BRASIL,

1966).

Em 1953, o presidente Carlos Luz criou o Ministério da Saúde, sendo separado do

Ministério da Educação através da Lei n° 1920 de 25 de julho (BRASIL, 2007b). Apesar de

sua criação, a assistência médico-hospitalar, cada vez mais, passou a superar as ações e

serviços de saúde pública, fornecendo bases para a capitalização do setor saúde e da medicina

(PAIM, 2003). Nesse período, existia uma dicotomia entre áreas preventivas e curativas, pois

as ações de caráter preventivo eram desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, e as de caráter

curativo pelo sistema previdenciário, vinculado ao Ministério do Trabalho (CARVALHO;

PETRIS; TURINI, 2001; PAIM, 2003).

O desenvolvimento econômico, atrelado ao processo de industrialização, que ocorreu

na década de 50 consolidou o deslocamento da economia para os centros urbanos e o aumento

do contingente de trabalhadores que necessitavam de assistência médica, e contribuiu para a

formação de um novo modelo de atenção à saúde, o modelo médico-assistencial privatista,

que se tornou hegemônico até a década de 80 (ANDRADE, 2002; MENDES, 2006). No

entanto, no início da década de 60, a economia do país passou por uma crise e, paralelamente

as massas populares pressionaram por melhores condições de vida e por reformas sociais.

Este período foi marcado por insatisfações populares, e na área da saúde essas reivindicações

pediam a chamada reforma de base (LUZ, 1995). Essa reação popular foi interrompida pelo

golpe militar em 1964, que instalou um regime militar no país que durou 21 anos (PAIM,

2003; MENDES, 2006). Neste período, ocorreu a transferência da capital federal do Rio de

Janeiro para Brasília e o ex-Distrito Federal foi transformado em Estado da Guanabara

(PARADA, 2001).

As políticas de saúde desenvolvidas pelos governos militares privilegiaram o setor

privado. Neste sentido, no ano de 1966, ocorreu a criação do Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS), através da fusão dos IAPs, destinada a unificar e executar as

políticas de previdência e assistência social, com uma participação ainda maior do Estado.

Além da unificação dos institutos, a medida foi acompanhada do aumento do papel regulador

do Estado e da exclusão de trabalhadores e empregadores da gestão previdenciária

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(CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001). Destaca-se que a demanda para o consumo de

serviços era elevada, agravada pelo fato deste direito ter sido estendido a todos os segurados e

seus familiares e/ou dependentes (CUNHA, J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998).

O INPS passou a gerenciar as aposentadorias, as pensões e a assistência médica dos

trabalhadores inseridos na economia formal, excluindo os trabalhadores rurais e os

trabalhadores urbanos informais. Com a criação do INPS, consolidou-se o modelo médico-

assistencial privatista, que privilegiava uma prática assistencial curativa e individual, em

detrimento da saúde pública. Este modelo surgiu para substituir o anterior, denominado de

sanitarismo campanhista, uma vez que o mesmo não respondia às necessidades de uma

economia industrializada (MENDES, 2006). Desde sua criação e durante as décadas de 70/80

este modelo recebeu críticas dos setores acadêmicos, que se encontravam nas universidades,

nos departamentos de medicina preventiva e social, e nas escolas de saúde pública

(ANDRADE, 2002).

Mesmo com a transferência da capital nacional para Brasília, o INPS apresentava uma

particularidade, pois a direção geral deste Instituto não foi transferida, o que possibilitou a

existência do poder político central da assistência curativa do país localizado no Estado da

Guanabara (PARADA, 2001).

No início da década de 70, a assistência à saúde ligada à previdência tinha como

principal característica a expansão da cobertura, que, a partir de 1971, passou a incluir os

trabalhadores rurais; em 1972, as empregadas domésticas; e em 1973, os trabalhadores

autônomos. Contudo, essa ampliação da cobertura a novas categorias sociais contribuiu,

dentre outros fatores, para a instauração dos primeiros movimentos de transição democrática

(CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001; BAPTISTA, 2005).

Em 1974, com base na Lei Complementar nº 20, ocorreu a fusão entre o estado do Rio

de Janeiro e o estado da Guanabara. Destaca-se que a junção de dois estados com origens tão

distintas marcou uma nova etapa nas relações intergovernamentais, acarretando

conseqüências que ainda hoje se fazem presentes (PARADA, 2001). No período que

antecedeu a fusão, o estado não se responsabilizava pelas ações curativas, ambulatoriais, de

emergência e de internação, uma vez que suas ações estavam voltadas para o campo da saúde

pública. O atendimento voltado para as ações curativas era realizado nos municípios, através

dos PAMs, da rede contratada e conveniada ao INPS, e pelas entidades filantrópicas e Santas

Casas de Misericórdia (PARADA, 2001).

O Estado da Guanabara (ex-Distrito Federal) possuía a característica de ter uma

economia forte, industrializada, com uma população com alto grau de consciência, o que a

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diferenciava da maioria dos outros estados. Já o estado do Rio de Janeiro possuía uma

economia predominantemente agropecuária e pouco industrializada, seus municípios, na

grande maioria, eram pobres e dependiam do estado e do governo federal (PARADA, 2001).

Na área da saúde, a partir da junção entre os dois estados, foi criada a “secretaria da fusão”,

que era resultado da secretaria da saúde de um estado politicamente fraco, que passou a

administrar unidades hospitalares complexas do ex-Estado da Guanabara e,

consequentemente, absorveu novas atribuições e desafios na assistência (PARADA, 2001).

No final dos anos 70, com o fim do milagre econômico, o país vivenciou uma

profunda crise econômica, que atingiu também a previdência. Este contexto, para a saúde,

significou o fortalecimento do movimento sanitário. Assim, reivindicações por serviços e

ações de saúde passaram a integrar mais intensamente a pauta de demandas sociais

(MERCADANTE, 2002; BAPTISTA, 2005). Neste cenário de instabilidade política e

econômica, cresceu no país a discussão pela busca de reformas nas políticas de saúde, e

consolidou-se o movimento conhecido como Reforma Sanitária (CARVALHO; MARTIN;

CORDONI, 2001; MERCADANTE, 2002; BAPTISTA, 2005).

1.2 O Movimento da Reforma Sanitária e a construção do Sistema Único de Saúde

Este percurso histórico se inicia em meados da década de 1970, quando, em plena

ditadura militar, se articulou o Movimento da Reforma Sanitária, e perdurou até 2006,

perpassando pela Lei Orgânica de Saúde (8080/90) que regulamentou o Sistema Único de

Saúde, em conformidade com a nova Constituição Brasileira de 1988.

Durante a década de 70 cresceram as discussões em defesa da busca de reformas nas

políticas de saúde e ganhou corpo o movimento conhecido como Reforma Sanitária, que teve

como característica a formulação do pensamento crítico sobre a política de saúde, integrando-

se ao movimento de oposição à ditadura militar instaurada em 1964 (CARVALHO;

MARTIN; CORDONI, 2001). O período compreendido entre o final dos anos 60 e início dos

anos 70 caracterizou-se como o mais repressivo do autoritarismo no Brasil. Dentro da

perspectiva de luta contra a ditadura, quando se constituiu a base teórica e ideológica do

pensamento médico-social, também chamado de abordagem marxista da saúde e teoria social

da medicina, nasceu o movimento da reforma sanitária (FUNDAÇÃO..., [2005?]).

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A forma de olhar, pensar e refletir o setor saúde nessa época era voltada para as

ciências biológicas e à maneira como as doenças eram transmitidas. Quando o pensamento

social, expresso em enfoques teóricos das ciências sociais, começaram a ser incorporados ao

setor saúde observou-se um primeiro momento de mudanças. Essas primeiras teorias, no

entanto, estavam ligadas às correntes funcionalistas das ciências sociais, que olhavam a

sociedade como um espaço em equilíbrio, lugar que tendia à harmonia implicando apenas em

aparar arestas entre diferentes interesses para a manutenção dessa relação harmônica. No

entanto, a entrada das correntes marxistas - o materialismo dialético e o materialismo

histórico - foi decisivo para a grande virada da abordagem da saúde enquanto espaço de

conflitos, mostrando que a doença é socialmente determinada. (FUNDAÇÃO..., [2005?]).

Esta nova concepção do processo saúde-doença, que considerava a influência do meio

social no desenvolvimento das doenças, associada com a dificuldade de acesso da população

aos bens e serviços considerados essenciais (a educação, a moradia, a saúde e o lazer),

favoreceu a ampliação dos movimentos sociais na área da saúde, no fim dos anos 70, com

finalidades comuns de transformação política do sistema de saúde e, conseqüentemente, das

práticas sanitárias (CARVALHO; PETRIS; TURINI, 2001).

Na década de 70, a assistência médica financiada pela previdência social conheceu seu

período de maior crescimento, além de dispor do maior orçamento da sua história, fato este

que pode ser explicado pelo milagre econômico vivido pela economia brasileira à época.

(ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005). Foi nesse momento que o INPS passou a ter o

terceiro orçamento do país, ocupando o espaço principal na prestação da assistência médica.

No entanto, no final do governo Médici (1970-1974) já se observavam os primeiros sinais de

desgaste do modelo político, bem como as suas conseqüências sociais (ESCOREL;

NASCIMENTO; EDLER, 2005).

Neste contexto, em meados dos anos 70, repercutiu sobre o setor saúde a profunda

crise econômica do país. Com a abertura política, emergiram novas reivindicações por

serviços e ações de saúde, que passaram a integrar com mais destaque a pauta de demandas

sociais. Esta crise teve duplo efeito, pois fez aflorar necessidades de atenção à saúde da

população até então não expressas, uma vez que agravou a distribuição de renda, e também

significou a diminuição das contribuições sociais, o que gerou impacto nos recursos

destinados à saúde.

Conforme exposto anteriormente, nesse período de tensões ocorreu a fusão do Estado

do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara, o que resultou em uma nova configuração da

estrutura do Estado do Rio de Janeiro, que passou a ter como capital, o município do Rio de

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Janeiro. Neste contexto, duas novas secretarias foram criadas, a Secretaria Municipal do Rio

de Janeiro e a nova Secretaria do Estado do Rio de Janeiro, também conhecida como

Secretaria da Fusão. Ambas ficaram expostas a disputas de poder herdadas da configuração

política anterior. As unidades de saúde foram redistribuídas entre as secretarias, sendo que

aquelas consideradas referência estadual foram repassadas para o novo Estado do Rio de

Janeiro (alguns hospitais gerais e especializados), e as que apresentavam um perfil de

clientela municipal permaneceram na nova Secretaria Municipal de Saúde (PARADA, 2001).

Merece destaque o fato do modelo de prestação de assistência adotado no município

do Rio de Janeiro (capital do novo estado) não ter sofrido alteração, uma vez que as estruturas

do Estado da Guanabara foram mantidas. No entanto, ao assumir as unidades hospitalares

oriundas do Estado da Guanabara, o novo estado do Rio de Janeiro foi obrigado a ter outro

papel na prestação de serviços, pois suas ações eram voltadas para a saúde pública e o mesmo

passou a assumir a assistência médica curativa (PARADA, 2001). Com isso, considera-se que

os escassos recursos financeiros e as dificuldades de assumir novas responsabilidades

contribuíram para o início da decadência hospitalar do novo Estado do Rio de Janeiro,

situação essa que tem seus impactos até os dias de hoje (PARADA, 2001).

Em 1975, a partir da V Conferência Nacional de Saúde, foi instituído o Sistema

Nacional de Saúde (Lei 6.229) e foram definidas as responsabilidades de várias instituições,

cabendo à Previdência Social a assistência individual e curativa, e ao Ministério da Saúde,

Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde os cuidados preventivos e de alcance coletivo,

institucionalizando, assim, o modelo médico assistencial privatista (BERTOLOZZI;

GRECCO, 1996; MENDES, 2006).

Como citado no capítulo anterior, o INPS, que surgiu como resultado da fusão dos

IAPs de diferentes categorias profissionais organizadas (bancários, comerciários,

industriários, dentre outros), posteriormente foi desdobrado em Instituto de Administração da

Previdência Social (IAPAS), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Este último tinha a

responsabilidade de prestar assistência à saúde de seus associados, o que justificava a

construção de grandes unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar, como também da

contratação de serviços privados nos grandes centros urbanos, onde estava a maioria dos seus

beneficiários. (SOUZA, 2002). A criação do INAMPS, em 1977, aconteceu associada a uma

reestruturação de todo sistema da previdência social, que foi norteada pela expansão do

atendimento hospitalar, principalmente da área hospitalar privada. (CORDEIRO, 1997).

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O INAMPS no estado do Rio de Janeiro era extremamente complexo, uma vez que

havia três instâncias de poder, quais sejam: A Direção Geral (que não foi transferida para

Brasília), a Superintendência Regional (com a responsabilidade de administrar suas unidades

e todos os contratos e convênios de todo o estado) e a Divisão Local de Medicina Social (com

atribuição reduzida à avaliação e controle das contas médicas do município do Rio de

Janeiro), essa situação administrativa e de poder resultou em dificuldades importantes de

implantação das Ações Integradas de Saúde, em momento posterior (PARADA, 2001).

A previdência e a saúde ficaram reunidas com a criação do Sistema Nacional de

Previdência e Assistência Social (SINPAS). Faziam parte desse sistema, entre outros, os

institutos responsáveis pela assistência médica (INAMPS) e pela Previdência Social (INPS).

Nessa época, só os contribuintes do INPS tinham direito aos serviços do INAMPS. A

assistência à saúde desenvolvida pelo INAMPS não tinha caráter universal, pois beneficiava

apenas os trabalhadores da economia formal, com “carteira assinada”, e seus dependentes.

Desta forma, o INAMPS aplicava nos estados, através de suas Superintendências Regionais,

recursos para a assistência à saúde de modo proporcional à quantidade de beneficiários

existentes e ao volume de recursos arrecadados (SOUZA, 2002).

As ações de saúde pública ou preventiva (vacinação, saneamento, controle de

endemias, etc.) eram de acesso universal, funcionando em paralelo às ações ditas curativas. O

modelo de atenção à saúde, portanto, era inadequado às necessidades da população como um

todo, devido por um lado à nítida separação existente entre a prevenção (saúde pública) e a

cura (medicina curativa), e por outro a separação entre beneficiários e desprovidos de acesso

de qualquer tipo às ações de saúde curativas (CORDEIRO, 1997).

Paralelamente a este cenário, no fim da década de 70, mais precisamente em 1978,

desencadeou-se um amplo debate a partir da I Conferência Internacional sobre Cuidados

Primários de Saúde, realizada na cidade de Alma-Ata, apoiada pela Organização Mundial de

Saúde (OMS), conhecida posteriormente como Conferência de ALMA-ATA. Emergiu, assim,

internacionalmente a proposta de atenção primária à saúde (APS), a partir de um documento

intitulado “Declaração de Alma-Ata” que defendia ser a saúde um direito humano

fundamental e a mais importante meta social mundial, cabendo aos governos a

responsabilidade pela sua efetivação (BRASIL, 2001).

Tal declaração propôs um novo paradigma social para a assistência à saúde no mundo

e inspirou o lema adotado pela OMS de “Saúde para todos no ano 2000” (BRASIL, 2001),

amplamente difundido nos países em desenvolvimento e na América Latina, particularmente.

Um conceito de saúde ampliado permeou as propostas de Alma-Ata, sendo mais que um

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“estado de completo bem-estar físico, mental e social, ou mesmo de ausência de doença ou

enfermidade” (BRASIL, 2001, p. 15), ressaltando a importância da participação individual e

coletiva nas decisões, na organização e na execução de políticas sobre os cuidados primários

da saúde.

Neste contexto, no Brasil, sindicatos de diversas categorias profissionais debatiam em

seminários e em congressos as epidemias, as endemias e a degradação da qualidade de vida da

população. Um movimento pela transformação do setor saúde associou-se a outros

movimentos sociais, que tinham em comum a luta pelos direitos civis e sociais percebidos

como dimensões inerentes à democracia (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p.62).

Nesse cenário de mudanças e tensões consolidou-se o Movimento da Reforma

Sanitária, tendo sido suas bandeiras:

Melhoria das condições de saúde da população; o reconhecimento da saúde como direito universal; a responsabilidade estatal na provisão das condições de acesso a esse direito; a reorientação do modelo de atenção, sob a égide dos princípios de da integralidade da atenção e da equidade; a reorganização do sistema com a descentralização da responsabilidade pela provisão de ações e serviços (MERCADANTE, 2002, p. 246)

O termo “Reforma Sanitária” foi utilizado nos debates prévios à VIII Conferência

Nacional de Saúde para se referir ao conjunto de idéias em expansão em relação às mudanças

e às transformações necessárias na área da saúde. Essas mudanças não abarcavam apenas o

sistema, mas todo o setor saúde, introduzindo uma nova forma de pensar a saúde na qual o

resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida da população. Entre os

resultados principais do movimento pela Reforma Sanitária na Constituição de 1988, destaca-

se a conquista da universalização da saúde, definindo com clareza o dever do Estado e a

função complementar da saúde privada (FUNDAÇÃO..., [2005?]).

Diante dos eventos relatados constata-se que as mudanças ocorridas na década de 80

foram conseqüências da insatisfação com o modelo médico assistencial privatista, da

necessidade e, porque não, do desejo de diversos atores sociais de sua substituição por um

novo modelo de atenção à saúde mais igualitário.

No período de 1984 a 1987 ocorreu a implantação das Ações Integradas de Saúde

(AIS), que objetivavam “contribuir para que as três instâncias de governo trabalhassem

integradamente, fugindo das superposições de ações, com atividades coordenadas na busca de

diretrizes políticas comuns e orçamento único” (PARADA, 2001, p.47). No estado do Rio de

Janeiro, esta implantação aconteceu com características bem particulares do ponto de vista

político e financeiro, o que contribuiu para a rápida transformação do cenário da assistência à

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saúde nos municípios (PARADA, 2001). Destaca-se que apesar das dificuldades e sob o

comando da esfera federal, iniciou-se um processo com vistas à descentralização. Em torno de

1987, quase todos os municípios assinaram convênio AIS e todas as prefeituras criaram

secretarias municipais de saúde, com aumento de investimentos em unidades ambulatoriais,

consultórios, leitos, etc (PARADA, 2001).

No cenário internacional, em 1986, em Ottawa, aconteceu a I Conferência

Internacional sobre Promoção da Saúde, onde foi defendida a idéia de saúde como maior

recurso para o desenvolvimento pessoal, econômico e social, e ainda, ressaltou a importância

da participação da comunidade no controle de ações que atuassem na melhoria da qualidade

de vida e saúde (BUSS, 2000).

Neste contexto, com o advento da nova república1 (1985), lideranças do movimento

sanitário assumiram posições chave nas instituições responsáveis pela política de saúde no

país. Como expressão desta nova realidade, destaca-se a convocação, em 1986, da VIII

Conferência Nacional de Saúde, que foi presidida por Sérgio Arouca, então presidente da

Fundação Oswaldo Cruz. (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005).

A VIII Conferência Nacional de Saúde aconteceu em 1986 e reuniu, pela primeira vez,

um quantitativo significativo de pessoas (cerca de 5000 participantes). Destacam-se a

expressiva participação dos usuários nesta conferência, o caráter democrático e a

representatividade de quase todos os segmentos sociais envolvidos com a questão da saúde,

caracterizando-se como um marco para o desenvolvimento futuro das políticas de saúde

(CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001; PEREIRA; RONCALLI, 2003). Foi nesta

Conferência que os princípios da Reforma Sanitária foram expostos fora dos espaços

acadêmicos, e estes não se resumiam a criação de um sistema único de saúde, gratuito e

universal. Discutiu-se a ampliação do conceito de saúde, as reformas administrativas e

financeiras, além da unificação do INAMPS com o Ministério da Saúde. Assim, aprovou-se

nessa Conferência “a criação de um sistema único de saúde, que se constituísse num novo

arcabouço institucional, com separação total da saúde em relação à previdência” (ESCOREL;

NASCIMENTO; EDLER, 2005. p. 78).

Anteriormente, a saúde era entendida como “o estado de não doença”, fazendo com

que a assistência permanecesse em torno da cura dos agravos à saúde. A partir da realização

da VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, ocorreu a ampliação do conceito de saúde

(BRASIL, 1986). Neste sentido, o conceito de saúde passou a ser relacionado com a qualidade

1 Nova República é o nome do período da História do Brasil que se seguiu ao fim da ditadura militar. É caracterizado pela ampla democratização política do Brasil e sua estabilização econômica.

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de vida da população e todos os seus determinantes. Com isso, passou a se colocar o

reconhecimento de que os indicadores de saúde de uma população devem ser usados para

medir o nível de desenvolvimento do país e do bem estar da população, e que o Estado possui

responsabilidade neste processo (BRASIL, 2000a). Na VIII Conferência Nacional de Saúde

estes preceitos foram explicitados, quando se afirma que

direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os níveis a todos os habitantes do território nacional [...] (BRASIL, 1986, p. 4).

No final da década de 80, uma série de medidas aproximou o INAMPS de uma

cobertura universal, dentre as quais se destaca o fim da exigência da carteira de segurado para

o atendimento nos hospitais próprios e conveniados da rede pública. Assim, diante da

evolução das estratégias de mudanças na política de saúde do país ocorreu, em 1987, a

implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), implementado por

meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos estaduais. Destaca-se que as

principais conseqüências do SUDS foram: concentração de poder nas secretarias estaduais de

saúde e início do desmonte do INAMPS. A implantação do SUDS determinou uma política

então chamada de estadualização, onde os recursos e os processos decisórios passaram a

acontecer no âmbito dos estados. Este novo sistema estimulava a participação da sociedade

civil nos conselhos de saúde e ampliava a cobertura de serviços para todos os cidadãos

(SOUZA, 2002; PAIM, 2003; BAPTISTA, 2005).

Souza ressalta que:

Começava a se construir no Brasil um sistema de saúde com tendência à cobertura universal, mesmo antes da aprovação da Lei 8.080 (também conhecida como Lei Orgânica da Saúde), que instituiu o SUS. Isso foi motivado, por um lado, pela crescente crise de financiamento do modelo de assistência médica da Previdência Social e, por outro, à grande mobilização política dos trabalhadores da saúde, de centros universitários e de setores organizados da sociedade, que constituíam o então denominado “movimento da Reforma Sanitária”, no contexto da democratização do país. (SOUZA, 2002, p. 13).

No estado do Rio de Janeiro a institucionalização do SUDS representou a busca de

desenvolvimento de políticas de descentralização, uma vez que o governo estadual deste

período (1987 a 1990) buscou alterar o eixo de condução da política no sentido da retomada

do estado como centro das transformações da política de saúde. Dentro desta perspectiva,

foram estadualizados quatro hospitais do INAMPS e dois do Ministério da Saúde (PARADA,

2001), no entanto, essa transferência não foi acompanhada dos repasses financeiros

necessários para mantê-los em atividade, nem foram criados cargos para a gerência dos

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mesmos. Diante desse quadro de insustentabilidade administrativa e financeira, o Governo do

Estado retrocedeu os hospitais para o Governo Federal, refederalizando-os (PARADA, 2001).

Neste mesmo período foi implantado no Rio de Janeiro, o Programa Especial de Saúde

da Baixada (PESB), no qual unidades hospitalares e ambulatoriais, com emergências,

ambulatórios, laboratórios e radiologia, foram criadas e funcionavam 24 horas por dia, para

garantir assistência integral para a população da Baixada Fluminense, acompanhando a

tendência de cobertura universal à saúde (PARADA, 2001).

Em conseqüência do Movimento da Reforma Sanitária, resultaram duas das principais

diretrizes que seriam os alicerces do Sistema Único de Saúde (SUS), quais sejam: a

universalidade do acesso e a integralidade das ações. Dessa forma, o SUS tem sua origem na

crise do modelo vigente e numa intensa mobilização popular em torno da VIII Conferência

Nacional de Saúde, que desembocou na Constituição Federal de 1988. Ficou evidente, a partir

desta conferência, a necessidade de reestruturação do sistema de saúde do país, com a criação

de um sistema único que representasse um novo arcabouço institucional, com separação total

da saúde com relação à previdência, através de uma ampla reforma sanitária (BRASIL, 1986).

Na Reforma da Constituição Federal empreendida em 1988 foi promulgado o Sistema

Único de Saúde, e em 1990 foi decretada a Lei Orgânica da Saúde (8080/90), com uma

quantidade grande de vetos.

Assim, o INPS deu lugar ao INSS, consolidando a idéia de que Previdência Social é

uma forma de seguro, diferentemente da atenção à saúde e da assistência social. Ao SUS foi

atribuída a responsabilidade por cuidar apenas da área da atenção à saúde, sintetizando uma

política social universalista (PEREIRA; RONCALLI, 2003). A partir de 1990 o INAMPS

passou a integrar a estrutura do Ministério da Saúde, sendo extinto pela Lei n° 8.689, de 27 de

julho de 1993. A lei que extinguiu o INAMPS estabelecia que as funções, competências,

atividades e atribuições do INAMPS fossem absorvidas pelas instâncias federal, estadual e

municipal gestoras do SUS, de acordo com as disposições das Leis n° 8.080 e 8.142 de 1990

(CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006; SOUZA, 2002). Ressalta-se, contudo, que os

vetos presidenciais impostos à proposta constituída a partir da VIII Conferência Nacional de

Saúde para o Sistema Único de Saúde atingiram pontos fundamentais da mesma, como a

instituição dos conselhos de saúde e das conferências de saúde. Neste contexto, surgiram

intensas reações da sociedade civil organizada que levaram à elaboração da lei 8142 de

dezembro de 1990, objetivando incentivar e abarcar a participação da comunidade no âmbito

do SUS e instituindo, assim, os conselhos e as conferências de saúde (CARVALHO;

SANTOS, 2006).

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A partir de 1988 foram criadas novas relações entre as diferentes esferas do governo,

por conseguinte, foi alterado profundamente o arcabouço jurídico-institucional do sistema

público de saúde e incorporadas mudanças ao papel do Estado. Para a efetiva implantação do

SUS foram aprovadas as Leis Orgânicas de Saúde (lei 8080 e 8142/90) que delinearam os

princípios, as diretrizes gerais e as condições para a organização e o funcionamento do novo

sistema. (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001).

A lei 8080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da

saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Já a lei 8142/90 dispõe

sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as

transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde (BRASIL, 1990a;

BRASIL, 1990b). De acordo com a legislação, cabe ao SUS prestar assistência às pessoas

através de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização de ações

assistenciais e atividades preventivas de forma integrada, sendo incluídas as ações de

vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, saúde do trabalhador e assistência terapêutica

integral, inclusive farmacológica (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001).

O SUS engloba um conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, e também, de forma complementar, pela

iniciativa privada (BRASIL, 2000a). Fundamentado na assistência universal, integral e

igualitária, o atual sistema de saúde representa um grande avanço por permitir a inclusão

social de milhões de brasileiros às ações de saúde. Este sistema tem como princípio básico o

acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção, e recuperação da

saúde (PEREIRA, 2006). As políticas públicas atuais de saúde foram consolidadas na

mudança de visão da sociedade que incorporou a saúde como um direito de cidadania (LUZ,

1995).

Conforme expõe Vasconcelos e Pasche (2006, p.532), “o SUS não se resume a um

sistema de prestação de serviços assistenciais. É um sistema complexo que tem a

responsabilidade de articular e coordenar ações promocionais e de prevenção, com as de cura

e reabilitação”. A construção do SUS foi alicerçada em princípios2 doutrinários

(universalidade, equidade e integralidade) e sua institucionalização foi regida por princípios

organizativos (participação popular; descentralização e comando único; e regionalização e

hierarquização). (BRASIL, 2000b).

Destaca-se, então, que

2 Por estarem diretamente relacionados com o objeto da pesquisa, os princípios do SUS serão aprofundados no próximo tópico do referencial teórico.

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O Sistema Único de Saúde, garantido pela Constituição e regulado pela Lei Orgânica de Saúde, prevê um sistema com princípios doutrinários e organizativos. Os princípios doutrinários dizem respeito às idéias filosóficas que permeiam a implementação do sistema e personificam o conceito ampliado de saúde e o princípio de direito à saúde. Os princípios organizativos orientam a forma como o sistema deve funcionar, tendo, como eixo norteador, os princípios doutrinários (PEREIRA; RONCALLI, 2003, p. 36).

De forma complementar ao amparo legal do SUS, foram criadas as Normas

Operacionais Básicas (NOBs), instituídas por meio de portarias, inicialmente do INAMPS e

depois do Ministério da Saúde (BRASIL, 2007b). Estas normas determinam a competência de

cada esfera de governo e as condições necessárias para que todos os municípios assumam as

novas atribuições do SUS.

Com objetivo de regulamentar o processo de descentralização proposto pelo SUS, foi

editada a Norma Operacional Básica 01/91 (NOB/91). Este documento, após ser amplamente

discutido e analisado, ganhou uma nova versão e constituiu a Norma Operacional Básica

01/93 – NOB/93 (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001). A NOB/93 institucionalizou

as comissões intergestores e os conselhos de saúde, visando à operacionalização da

descentralização. Na esfera federal a comissão intergestores era tripartite, na esfera estadual a

comissão intergestores era bipartite e na esfera municipal foi institucionalizado o conselho

municipal de saúde. Estas comissões possuíam como objetivo estabelecer um processo de

pactuação entre os níveis de gestão das ações e dos serviços de saúde na perspectiva de

construção do Sistema Único de Saúde (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006).

A operacionalização do SUS por meio da NOB/91 não deixou claro o papel do estado

e facilitou o relacionamento direto dos municípios com o governo federal. Com isso, apesar

do avançado processo de descentralização, o estado do Rio de Janeiro foi visto, em âmbito

nacional, com baixo perfil de municipalização. No entanto, com a institucionalização da

NOB/93, apesar dos estados continuarem sem papéis claramente definidos, houve avanços na

consolidação da municipalização por meio da gestão semi-plena (adotada apenas na NOB/96).

Assim, o município manteve-se independente, com avanço na regionalização interna, sem

assumir o comando único sobre as unidades estaduais e federais nele localizadas (PARADA,

2001).

Com o objetivo de superar alguns limites da descentralização, da gestão e do

financiamento, emergiu então uma nova norma operacional do SUS, a NOB 01/96. A

NOB/96 é um dos principais instrumentos estruturais do SUS, uma vez que consolidou a

política de municipalização. As principais propostas apresentadas por esta NOB estavam

relacionadas as formas de repasse financeiro, prevendo transferência regular e automática,

possibilitando autonomia aos municípios e estados para a gestão descentralizada. Com esta

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NOB foram redefinidas as responsabilidades dos níveis municipal, estadual e federal no

âmbito do SUS (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001).

No final do ano 2000, com o significativo processo de descentralização que ocorreu

em nível municipal, foram se tornando evidentes alguns problemas na inter-relação dos

sistemas municipais e estaduais de saúde. Para enfrentar esses problemas, foi proposta, em

2001, a Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS 01/2001, que ampliou as

responsabilidades dos municípios na atenção básica, definiu o processo de regionalização da

assistência e criou mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do SUS

(CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006). A Norma Operacional da Assistência à

Saúde de 2002 (NOAS/2002) aperfeiçoou a NOAS 01/2001, e foi fundamental para a

atualização dos critérios de habilitação de estados e de municípios, pois estabeleceu o

processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de

busca de maior equidade (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006).

No que diz respeito ao financiamento do sistema, prevê-se que os recursos são

oriundos do orçamento da seguridade social e de outros orçamentos da União, além de outras

fontes. A situação obscura das fontes e a omissão dos percentuais na legislação fizeram com

que vários setores da sociedade se organizassem para que fosse proposta uma Emenda

Constitucional que estabelecesse percentuais dos orçamentos da União, estados e municípios

para a área da saúde, sendo aprovada no ano 2000 a Emenda Constitucional nº. 29, que tinha

como finalidade assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços

públicos de saúde (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2001; BRASIL, 2000c).

No âmbito do SUS, faz-se menção à responsabilidade de cada esfera de governo.

Assim, compete ao Ministério da Saúde a responsabilidade de estratégia nacional do SUS, seu

planejamento, controle, avaliação e auditoria, bem como promover o processo de

descentralização. Já à Secretaria de Estado da Saúde destinam-se as ações de planejamento,

programação e organização de uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços, além de

promover a descentralização dos serviços e ações de saúde para os municípios. E, por fim,

compete à Secretária Municipal, além da gestão e execução das ações e dos serviços públicos

de saúde, o planejamento, a organização, o controle e a avaliação, inclusive a gestão dos

laboratórios públicos de saúde e dos hemocentros. Com isso, destaca-se que o modelo original

do SUS concede protagonismo à esfera municipal de governo (MERCADANTE, 2002;

BRASIL, 1990a).

Diante de um quadro legislativo nacional, no qual o processo de implantação do SUS

se consolidava, no ano de 2005 o estado do Rio de Janeiro enfrentou uma grave crise na

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saúde, que culminou com a exclusão do município do regime de gestão plena dos serviços de

saúde, através da intervenção do governo federal. De acordo com Carvalho (2006), dentre

outras razões para a crise, no Rio de Janeiro ocorreu uma ruptura explícita do pacto político

entre as esferas gestoras, o que é uma condição para a existência do SUS. A falta de co-

responsabilidade pactuada entre as esferas inviabiliza a existência do SUS, uma vez que não

existe rede assistencial integrada, e sim desperdício de recursos, além de uma prestação

errática e desorganizada de serviços que não melhora a saúde da população (CARVALHO,

2006).

a crise assistencial gerada pela falência de hospitais federais municipalizados, por inanição financeira, fruto da renúncia do município do Rio em administrá-los, não foi contida pela intervenção federal que, intempestiva, aliviou a prestação dos serviços, mas perpetuou a crise política e não tocou nos problemas de fundo. (CARVALHO, 2006, p. 14)

Dessa forma, entende-se que, após o período emergencial, o maior desafio enfrentado

na crise da rede pública do Rio de Janeiro foi o estabelecimento de um planejamento

adequado de recursos, permitindo que os hospitais do município e da região metropolitana

cumprissem com sua obrigação constitucional de prestar serviços gratuitos à população

(SINDHRIO, 2005).

Segundo Carvalho (2006), outra justificativa para esta crise diz respeito ao grande

déficit de oferta quantitativa e qualitativa da atenção básica no município do Rio de Janeiro,

uma vez que o hospital por si só não é capaz de dar conta de toda demanda apresentada pela

população. No entanto, funciona bem à medida que consegue resolver os problemas mais

complexos de um sistema que acolhe e maneja os pacientes segundo suas necessidades,

otimizando os recursos disponíveis. Chama atenção o fato desta afirmação ir de encontro com

um dos princípios organizativos do sistema, o da hierarquização. Nesse sentido, o hospital

pode estar atuando adequadamente, com recursos materiais e humanos suficientes, mas ainda

assim ele entrará em colapso ciclicamente se não estiver associado a um sistema eficiente que

atenda a demanda da população em suas necessidades básicas, reduzindo as demandas

colocadas para o setor hospitalar (CARVALHO, 2006).

Desde o ano de 2004 a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ)

atravessa uma crise administrativa que se traduz em uma crise assistencial nos hospitais,

sendo fonte de problemas críticos enfrentados diariamente pelos gestores hospitalares. Dentre

eles, destacam-se a falta de medicamentos, de recursos humanos e materiais e problemas com

a manutenção de equipamentos médicos-cirúrgicos (AZEVEDO; FERNANDES;

CARRETEIRO, 2007).

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Diante da necessidade de superar a fragmentação presente nas políticas e programas de

saúde de todo território nacional, no ano de 2006 foi firmado o Pacto pela Saúde entre os

gestores do SUS, que possui três componentes, quais sejam: Pacto pela Vida; Pacto de Gestão

e Pacto em Defesa do SUS. Este pacto define as responsabilidades dos gestores federais,

estaduais e municipais, e tem como objetivo produzir inovações na organização e nos

processos de gestão do sistema (VASCONCELOS; PASCHE, 2006).

A partir do Pacto pela Vida, os gestores do SUS se comprometem a definir prioridades

que apresentem impacto sobre a situação de saúde da população brasileira, que devem ser

estabelecidas através de metas nacionais, estaduais e municipais. No Pacto em Defesa do

SUS, assumem uma responsabilidade especial com a consolidação da Reforma Sanitária

Brasileira, por meio da defesa dos seus princípios estabelecidos na Constituição Federal de

1988. Já o Pacto pela Gestão atua no estabelecimento de diretrizes para a gestão do sistema

com foco na descentralização, na regionalização, no planejamento e na participação social,

dentre outros. (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006).

O Pacto pela Saúde estabelece ações prioritárias para a construção de políticas de

saúde identificadas com as realidades regionais e locais. A sua implementação permite o

acordo efetivo entre as três esferas de governo, ao mesmo tempo em que as responsabilidades

coletivas na busca de resultados são redefinidas, em função das necessidades de saúde da

população, na busca da equidade social (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006).

A construção do SUS tornou-se complexa no estado do Rio de Janeiro, uma vez que as

particularidades históricas do estado deixaram raízes políticas, culturais e institucionais de

difícil superação em curto prazo. Dentre outros aspectos, o fracasso do PESB, a

refederalização dos hospitais estadualizados, a tímida presença do estado e o posicionamento

“autônomo” resistente do município do Rio de Janeiro, colocaram em descrédito toda a

construção do SUS no estado (PARADA, 2001). Os resquícios deixados durante todo o

processo de estruturação das políticas de saúde no estado do Rio de Janeiro culminaram com

uma situação de crise persistente, que se faz presente e sentida pela população usuária dos

serviços públicos nos dias atuais.

Assim, conforme expõe Parada (2001), desde a fusão do ex-estado da Guanabara com

o estado do Rio de Janeiro, as duas secretarias que se formaram seguiram linhas próprias de

atuação e permaneceram com a predominância de suas culturas institucionais originais. A

Secretaria Estadual de Saúde (Secretaria da Fusão) manteve sua vocação sanitarista, enquanto

a Secretaria Municipal manteve uma atuação sanitarista nos centros de saúde e assistencialista

nos hospitais gerais e especializados. Com isso, percebe-se que “no campo da saúde e da

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assistência médica, não há indícios que a fusão tenha se concretizado” (PARADA, 2001, p

75).

Neste sentido, o maior desafio do SUS continua sendo o de promover mudanças na

organização dos serviços e nas práticas de assistência para assegurar o acesso e melhorar a

qualidade do cuidado em todos os níveis de atenção à saúde, uma vez que as conquistas

políticas e jurídicas na saúde e os avanços organizativos e assistenciais propiciados pela

implantação do SUS, ainda não foram suficientes para resolver os velhos e os novos

problemas da atenção à saúde no país (VASCONCELOS; PASCHE, 2006).

1.3 A base teórico-filosófica e organizacional do SUS: os princípios ético-doutrinários e

organizativos

A fundamentação teórica deste capítulo foi desenvolvida a partir de duas publicações

do Ministério da Saúde, que têm por base a discussão dos princípios do SUS, suas definições

e o aprofundamento de suas características (BRASIL, 2000a, 2000b). De forma complementar

apenas, serão utilizadas publicações de outros autores para aprimorar e ampliar tais

conceituações, uma vez termos observado alguma divergência entre autores sobre o que se

constitui como princípios do atual sistema de saúde no Brasil.

A instituição do SUS foi um marco na história das políticas públicas do país, visto que

o sistema de saúde era, até então, caracterizado por sua postura essencialmente curativa,

hospitalocêntrica, privatista e excludente, além de sua impermeabilidade à participação da

sociedade nas decisões relativas à organização e à execução do sistema. Desde a sua

implantação, a atenção à saúde passou a ser assegurada como direito de todo o povo

brasileiro, de forma que o acesso às ações e aos serviços tornou-se, no seu aspecto teórico,

universal e igualitária (SILVA; LIMA, 2005).

Assim, o SUS é um sistema único orientado pela mesma doutrina, filosofia, princípios

e diretrizes em todo o território nacional, composto por diversas instituições dos três níveis de

governo: união, estados e municípios, e pelo setor privado conveniado que, nesta situação,

deve atuar como se fosse público (BRASIL, 1998). No que tange as diretrizes orientadoras

deste sistema, destacam-se as ações de promoção, de proteção e de recuperação da saúde

desenvolvidas de forma articulada, e sua construção fundamentada em princípios ético-

doutrinários e organizativos (BRASIL, 2000a).

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O SUS deve estar apto a garantir acesso universal e igualitário; integralidade da

atenção, com destaque para as ações de promoção da saúde; descentralização com comando

único em cada esfera de governo; e participação social. No entanto, percebe-se que os

princípios e as diretrizes inseridos no arcabouço teórico-jurídico do sistema ainda não foram

totalmente incorporados na prática dos serviços (BARROS, 1996).

Os princípios ético-doutrinários se caracterizam por fornecer as bases ideológicas ao

SUS e os organizativos atuam na sua operacionalização. Destaca-se que estes princípios

interagem constantemente, mantendo uma relação de interdependência, pois, para que seja

possível a concretização dos primeiros, os segundos devem estar devidamente estruturados

(BRASIL, 2000a, 2000b). Mendes (2006) afirma que esses princípios são asseguradores de

um processo de produção social da saúde.

O atual sistema de saúde possui uma ideologia relacionada à inclusão social, com

vistas à diminuição das desigualdades que permeiam a sociedade brasileira. Na busca de

consolidação do SUS, tem-se caminhado para a construção de um modelo que dê respostas

sociais aos problemas e às necessidades de saúde, considerando a heterogeneidade e a

diversidade política, econômica e cultural do Brasil.

Sobre este aspecto, Mendes (2006) ressalta que o SUS vem sendo construído em

ambiente democrático, onde estão presentes diferentes atores sociais, portadores de interesses

diversificados. Com isso, reforça-se a idéia de que

ao mesmo tempo em que esta política possui uma avaliação positiva acerca de sua construção ideológica, teórica e dos avanços proporcionados à saúde da população, também recebe críticas oriundas de diversos setores da sociedade, especialmente no que se refere à sua implementação (RAMOS, 2007, p. 12).

Os princípios ético-doutrinários possuem características ligadas à democratização da

assistência, uma vez que as ações e os serviços de saúde deixaram de ser restritos e passaram

a ser universais e equânimes. Dentre outros aspectos, deve-se considerar que o Brasil é um

país que apresenta profundas diferenças regionais, sejam elas culturais, econômicas ou

sociais, o que caracteriza uma das principais fragilidades do SUS no alcance da justiça social.

A década de 80 foi marcada por uma profunda crise ideológica caracterizada pela

necessidade de reestruturação e ampliação dos serviços de saúde, determinando a constituição

de uma dimensão ideológica do SUS centrada em uma concepção ampliada do processo

saúde-doença e de um novo paradigma sanitário (MENDES, 2006). O SUS trouxe no seu bojo

a materialização de uma nova concepção de saúde, não mais atrelada a uma visão simplista da

saúde, relacionada a fatores biológicos apenas, justificando uma lógica pautada na cura e não

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da prevenção. Neste sentido, a saúde que era entendida como um estado de não doença,

passou a referir-se a uma trama de elementos ligados à qualidade de vida. Assim, com base

em um conceito ampliado de saúde, pode-se buscar uma atenção voltada para a prevenção de

agravos e promoção da saúde (BRASIL, 2000a, 2000b).

Abordar o processo saúde-doença como um fenômeno coletivo e como fato social

torna-se pertinente uma vez que, conforme expõe Rosa, Cavicchioli e Brêtas (2005), quanto

maior for a desigualdade social de um país, maior será a repercussão na qualidade de vida e,

conseqüentemente, de saúde da sociedade de uma forma geral, do indivíduo e de sua família

em particular.

A partir do conceito ampliado de saúde, alguns elementos passaram a ser

condicionantes para o alcance da mesma, como o meio físico, o meio sócio-econômico, o

meio cultural e a garantia de acesso aos serviços de saúde. Ou seja, para ter saúde é necessário

um conjunto de elementos articulados e complementares, uma vez que a saúde se expressa

através das condições de vida da coletividade. No entanto, a ausência de saúde não se

relaciona apenas com a inexistência ou com a má qualidade dos serviços de saúde, mas sim

com todo este conjunto de determinantes (CUNHA, J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998).

Diversos são os aspectos que caracterizam o caráter democrático dos princípios do

novo sistema de saúde, quais sejam: a descentralização da gestão, proporcionando maior

participação social na formulação e na implantação dos serviços e ações de saúde; a

universalização do acesso às ações e aos serviços de saúde; a equidade na atenção, na

tentativa de diminuir as desigualdades sociais; o olhar integral, voltado para um conjunto

articulado de ações curativas e preventivas; e a existência e o funcionamento dos conselhos de

saúde nos três níveis de governo, permitindo a efetiva participação nos processo decisórios

(BRASIL, 2000a, 2000b).

Os princípios ético-doutrinários que orientam o SUS são assim constituídos:

universalidade, integralidade e equidade. E, os princípios organizativos são definidos pela

descentralização, hierarquização, regionalização e participação popular (BRASIL, 2000a;

PEREIRA; RONCALLI, 2003).

O princípio de universalidade caracteriza a saúde como um direito de cidadania, ao ser

assegurado pela Constituição Federal como um direito de todos e um dever do Estado

(BRASIL, 1988). A universalização coloca o desafio de oferta das ações e dos serviços de

saúde a todos que deles necessitem, enfatizando as ações preventivas (BRASIL, 2000b).

Neste sentido, a universalidade constitucional abrange a cobertura, o atendimento e o acesso

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ao Sistema Único de Saúde e exprime a idéia de que o Estado tem o dever de prestar esse

atendimento (MENDES, 2001).

Em diversos estudos, a universalidade do atendimento configura-se como sendo o

princípio que mais caracteriza o Sistema Único de Saúde em sua proposta essencial e em sua

concretização no âmbito das instituições de saúde. Conforme expõem Oliveira et al. (2008) o

princípio de universalidade, dentre os demais, foi melhor explicitado pelos profissionais de

saúde e, ainda, foi caracterizado como um diferencial em relação ao sistema de saúde anterior.

A universalização do acesso consiste na garantia de que todos, sem privilégios ou barreiras,

devem ter acesso aos serviços de saúde públicos e privados conveniados, em todos os níveis

de assistência, garantido por uma rede de serviços hierarquizada e com tecnologia apropriada

para cada nível (BAPTISTA, 2005).

O princípio de universalidade foi o que melhor representou o fim do sistema anterior,

surgindo então como uma conseqüência direta de discussões mais amplas sobre o direito à

saúde. Ressalta-se a distinção entre direito à saúde e o direito à assistência à saúde, que se

configura simplesmente como direito aos serviços de saúde ou mesmo com o direito à

assistência médica, ou seja, o direito à assistência está incluído no direito à saúde (PEREIRA;

RONCALLI, 2003).

Mendes (2001) destaca que a expansão da universalização do sistema de saúde, num

primeiro momento, significou, aos pobres, a possibilidade de ingresso nos serviços, fato esse

que pode ser caracterizado de forma significativamente positiva, pois esta população menos

favorecida foi a grande beneficiada pelo SUS. Porém a inclusão de grande parcela da

população de baixa renda no sistema veio acompanhada de alguns racionamentos,

especialmente relacionados à queda de qualidade dos serviços públicos, e como conseqüência

ocorreu a expulsão de segmentos sociais portadores de melhores condições socioeconômicas,

que foram sendo absorvidos pelo sistema privado. A esse processo deu-se o nome de

universalização excludente (FAVERET FILHO; OLIVEIRA, 1990).

No entanto, esse processo pode ser visualizado a partir de uma dimensão mais ampla,

que se relaciona com a dupla porta de entrada do sistema, acarretando a queda da qualidade

dos serviços ofertados e, conseqüentemente, a saída de uma parcela da sociedade em busca de

condições de atenção à saúde mais personalizadas.

Assim, as emergências hospitalares, ao menos nas metrópoles, são locais de primeiro

atendimento para muitos usuários quando necessitam de cuidados, configurando-se como

porta de entrada do sistema, atendendo a toda e qualquer queixa, grave, moderada ou leve,

urgente ou não. Com isso, uma das dificuldades encontradas no SUS é o reconhecimento da

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rede básica como porta de entrada do sistema, pois grande parte da população faz uso da

emergência para problemas que poderiam ser solucionados nos postos de saúde. Este fato

acarreta uma superlotação deste serviço, que muitas vezes não suporta a demanda e acaba por

oferecer um serviço deficiente, conforme identificado no estudo de Pontes et al. (2010).

Neste sentido, é imprescindível articular atividades de saúde coletiva com ações de

assistência clínica nos serviços de atenção básica, e estabelecer esses serviços como porta de

entrada dos sistemas locais de saúde, o que caracteriza uma das dimensões do princípio de

integralidade da assistência. Cabe considerar, neste contexto, o processo de reforma da clínica

que não ocorreu com a implantação do SUS, uma vez que as unidades básicas de saúde

assumiam atividades unicamente preventivas e após 1990 a oferta de ações preventivas e

curativas passou a ser preconizada nestas unidades. No entanto, essa inserção não se deu de

forma a rearticular a clínica convencional com a saúde coletiva. Tal fato caracteriza-se como

primordial para os impasses colocados ao princípio de integralidade na prática dos serviços.

Conforme expõe Franco e Magalhães Junior (2007) um quantitativo expressivo de

encaminhamentos realizados por médicos da rede básica a especialistas, não consomem todas

as possibilidades assistenciais existentes nas unidades básicas. O que, de certa forma,

caracteriza uma desorganização dos processos de trabalho e dificulta a possibilidade de

concretização de uma assistência integral.

A integralidade é “entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços

preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de

complexidade do sistema” (BRASIL, 1990a, p. 5). O Ministério da Saúde ainda define a

integralidade como sendo o direito de as pessoas ou grupos de pessoas serem atendidas na

íntegra em suas necessidades específicas, inclusive em níveis de complexidade diferenciados.

(BRASIL, 2000a, 2000b). Assim, “as ações de baixa, média e alta complexidade buscam

articular-se para racionalizar o sistema, para aumentar seu nível de resolutividade e sua

capacidade de atendimento de demanda” (BRASIL, 2000a, p. 31).

O princípio de integralidade surgiu com a finalidade de por fim a dicotomia existente

entre serviços curativos e preventivos, por meio da integração de ações promovidas pela

saúde pública e pela medicina previdenciária (BAPTISTA, 2005). Complementar a esta idéia,

“a integralidade pressupõe uma nova prática de saúde que supere a lógica flexneriana3

3 O modelo flexneriano está fundamentado no Relatório Flexner, realizado por Abraham Flexner, no início do século XX, publicado pela Fundação Carnegie, USA. Refere-se à medicina orientada para o indivíduo, o biologicismo, o mecanicismo, a especialização, a tecnificação, e a exclusão de práticas alternativas, com ênfase na prática curativa. Teve grandes repercussões não só na formação médica, mas, sobretudo na estrutura organizacional e funcional do sistema público de saúde. (MENDES, 2006, p.238-239)

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imbuída no ato médico e na organização dos serviços. A integralidade também necessita de

uma articulação entre a área da saúde e de outras políticas sociais” (PEREIRA; RONCALLI,

2003, p. 39).

No entanto, apesar da discussão legal estar ancorada na articulação de ações

preventivas e curativas, destaca-se a discussão existente no campo da saúde coletiva

relacionada aos diversos sentidos da integralidade. Para Mattos (2001) um dos conjuntos de

sentidos atribuídos a este princípio se refere às práticas profissionais em oposição à lógica

flexneriana. Dessa forma, o profissional que orienta suas práticas pelo princípio da

integralidade busca escapar constantemente do reducionismo biomédico.

Um segundo conjunto de sentidos atribuídos à integralidade diz respeito à organização

dos serviços e das práticas de saúde, uma vez que a assistência médica e a saúde pública eram

pensadas independentemente, ou seja, existia uma dicotomia entre prevenção e cura. A

população precisava dirigir-se a unidades diferentes de acordo com suas necessidades:

assistência médica (hospitais) e práticas de saúde pública (Centros Municipais de Saúde). É

nesse contexto que, a partir do princípio de integralidade, se estabelece um modo de

organização caracterizado pela articulação entre assistência e saúde pública (MATTOS,

2001).

Com relação ao terceiro conjunto de sentidos da integralidade pode-se dizer que se

aplica às repostas governamentais a problemas de saúde, ou às necessidades de certos grupos

específicos como, por exemplo, a elaboração do Programa de Atenção Integral à saúde da

Mulher (PAISM) e do Programa Nacional de DST/AIDS (MATTOS, 2001).

De acordo com o Ministério da Saúde, a equidade se caracteriza pela diminuição das

desigualdades com objetivo de corrigir desequilíbrios regionais e sociais. Busca-se o

equilíbrio oferecendo tratamento desigual aos desiguais, visto que as pessoas possuem

necessidades diferentes, por isso não se caracteriza como sinônimo de igualdade (BRASIL,

2000a, 2000b). Pereira e Roncalli (2003) se referem à equidade como um desdobramento da

idéia de universalidade, assegurando o reconhecimento das diferenças entre os diversos

grupos de indivíduos e grupos sociais. Equidade significa, portanto, alocar maiores recursos

onde as carências são maiores, sendo, portanto, um princípio de justiça social (CUNHA,

J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998; CORDEIRO, 2001).

O princípio da equidade implica na necessidade de investir mais onde a carência é

maior, referindo-se, portanto, ao respeito devido aos direitos de cada um de acordo com suas

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diferenças, atendendo a todos com base nas necessidades individuais (CUNHA, J.P.P.;

CUNHA, R.R.E., 1998). Com a equidade objetiva-se diminuir as desigualdades, mas não

significa sinônimo de igualdade, pois apesar de todos terem direito de acesso aos serviços,

independente de cor, raça ou religião, e sem nenhum tipo de privilégio, esse acesso deve estar

respaldado em necessidades institucionalmente identificadas.

Os princípios organizativos objetivam orientar a estruturação institucional do SUS na

prática cotidiana dos serviços, organizando-os a partir dos princípios doutrinários. Como já

foi destacado anteriormente, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000b) menciona que os

princípios organizativos atuam na operacionalização do sistema, e que estes são constituídos

por: descentralização, regionalização, hierarquização, e participação social.

Um dos princípios organizativos do SUS é o da descentralização, que é caracterizado

como uma redistribuição das responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde entre os

vários níveis de governo (CORDEIRO, 2001).

O Ministério da Saúde define descentralização como:

Redistribuição dos recursos e das responsabilidades entre os entes federados com base no entendimento de que o nível central, a União, só deve executar aquilo que o nível local, os municípios e estados, não podem ou não conseguem. A gestão do sistema (SUS) passa a ser de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios, agora entendidos como os gestores do SUS (BRASIL, 2000b, p. 6).

A descentralização apresenta-se como uma estratégia redistributiva, mas também de

cooperação financeira entre os três níveis de governo, federal, estadual e municipal (BRASIL,

2000a). Pereira e Roncalli (2003, p. 42) afirmam que “a descentralização parte do princípio de

que a realidade local é a determinante principal para o estabelecimento de políticas de saúde.

Desta forma, a estratégia fundamental do processo de descentralização é a municipalização da

assistência à saúde”. Ressaltam os autores que a vantagem do processo de municipalização é a

oportunidade de se tomar as decisões de acordo com as necessidades locais. Ou seja, quanto

mais perto do problema, maior a chance de se encontrar uma solução adequada.

A descentralização surgiu como alternativa de racionalização de um aparelho de

Estado amplo, centralizado e onipresente. O movimento descentralizador efetivou-se com a

implementação da NOB/1993 e, principalmente, a NOB/1996, uma vez que a partir dessas

normativas foram definidas as funções e as competências de cada uma das três esferas de

governo com relação à gestão, organização e prestação de serviços, por meio da transferência

de recursos financeiros, humanos e materiais do nível federal e estadual para os municípios

(TEIXEIRA, 2002).

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Vasconcelos e Pasche (2006) apontam que o processo de descentralização se constitui

na mudança mais expressiva no aspecto político-administrativo da reforma do sistema de

saúde brasileiro. A base do sistema de saúde passou a ser municipal, com isso, cabe ao

município a responsabilidade pela prestação da maioria dos serviços. Estes mesmos autores

afirmam que a descentralização não corresponde somente à municipalização, uma vez que a

regionalização também é uma diretriz defendida por aqueles que buscam uma organização

racionalizada dos serviços de saúde.

Assim, pode-se apontar que a descentralização é uma marca dentro do SUS e,

inicialmente, se caracterizou com a experiência de estadualização da gestão, a partir

implantação do SUDS, porém em 1990 avançou para municipalização da gestão das ações e

serviços de saúde. Diante disso, destaca-se que a competição entre estados e municípios pela

gestão dos recursos e dos serviços de saúde configurou-se como um impasse para o

desenvolvimento do sistema. No entanto, os resultados obtidos demonstram que, apesar dos

obstáculos, a iniciativa teve sucesso. A ampliação do acesso às ações e serviços de saúde para

a população, sob a gerência dos governos municipais, com destaque para as ações básicas de

saúde, foi o ganho mais significativo desse processo (VASCONCELOS; PASCHE, 2006).

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000b, p. 6), os princípios de

regionalização e hierarquização são definidos como “distribuição espacial dos serviços de

modo a atender às necessidades da população por regiões e em diferentes níveis de

complexidade. Exige ações articuladas entre estados e municípios, sendo-lhes facultada a

criação de consórcios”. J.P.P. Cunha e R.R.E. Cunha (1998) complementam essa idéia ao

expor que os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidades a uma

determinada área geográfica, planejada a partir de critérios epidemiológicos e com

conhecimento da clientela a ser atendida. A hierarquização deve garantir formas de acesso e

serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso e proceder à divisão dos

níveis de atenção.

A regionalização e a hierarquização dos serviços atuam através da organização de um

sistema de referência e contra-referência, incorporando os diversos níveis de complexidade do

sistema (primário, secundário e terciário). O acesso da população aos serviços de saúde deve

se dar por meio dos serviços de nível primário de atenção que devem estar preparados para

atender e resolver os principais problemas de saúde da população (BERNARDES, 2005).

Diante do exposto, estes princípios se caracterizam pela distribuição de ações e

serviços de saúde em todas as regiões, em diferentes níveis de complexidade atendendo assim

as necessidades de toda população, e ainda, as necessidades que não são passíveis de

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resolução nos níveis primários de assistência devem ser referenciadas para os serviços de

maior complexidade.

O princípio de participação social assegura que a população, através de suas entidades

representativas, poderá participar do processo de formulação das políticas e do controle de sua

execução. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2000b, p. 6) define este princípio como sendo a

“institucionalização da democracia participativa e do conseqüente controle social na área de

saúde com a obrigatoriedade de constituição e de funcionamento de Conselhos de Saúde nos

três níveis de governo”. A participação social tem como estratégias de concretização as

conferências e conselhos de saúde. As Conferências de Saúde são periódicas e possuem o

objetivo de avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação das políticas

de saúde; já os Conselhos de Saúde atuam na formulação de estratégias e no controle da

execução da política de saúde (SOUZA, 2002; BRASIL, 1990b).

O princípio da participação social caracteriza-se como um espaço de representação da

sociedade, por meio do qual se articulam diversos atores sociais: movimentos populares,

entidades de classe, sindicatos, governo, entidades jurídicas, prestadores de serviço, entre

outros, e uma população com suas necessidades e interesses que envolvem o indivíduo, a

família e os grupos da comunidade (ASSIS; VILA, 2003). A participação, na visão de Acioli

(1999), é um dos princípios do SUS com aspectos organizacionais, que implica na tomada de

posição ético-político de caráter democrático.

Através dele, o usuário adquiriu o direito de se expressar e buscar, junto com outros

membros da sociedade, enfrentar as dificuldades existentes no sistema de saúde. No entanto,

como refere Labra (2005), uma das questões que dificulta a atuação dos Conselhos de Saúde é

o desconhecimento da sua existência, dos seus âmbitos de ação, e do próprio acesso aos

mesmos, o que acarreta baixa adesão nos processos decisórios locais.

Com base na Lei nº 8.142/1990, a representação dos usuários nos Conselhos e nas

Conferências de Saúde deve ser paritária em relação ao conjunto dos demais seguimentos,

quais sejam: governo, prestadores de serviços e profissionais de saúde (BRASIL, 1990b),

entretanto, com freqüência, a composição e a representatividade nos Conselhos apresentam

incongruências como, por exemplo, o não comprometimento com o princípio da paridade

(LABRA, 2005).

Cabe aqui destacar a utilização, por alguns autores, dos termos participação social e

controle social como sinônimos. Carvalho (1995) expõe que o controle social representa uma

nova forma de relação entre o Estado e a sociedade, onde existe uma abertura do Estado para

que a população participe das suas decisões. No entanto, Acioli (1999) faz alusão a esta

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questão ao expor que a expressão controle social vem sendo utilizada por profissionais de

saúde para se referir à participação social. A mesma esclarece que o controle social é uma

forma de regular o comportamento da sociedade através das leis, entre outras coisas. E relata

que, no campo da saúde, o sentido atribuído ao termo difere do original, sendo apresentado

como controle do que é público por parte dos segmentos organizados da população.

Penna (2001) destaca a importância da participação do profissional de saúde,

principalmente da enfermagem, nos Conselhos e Conferências de Saúde, uma vez que a

participação política dos profissionais nestes espaços é necessária na busca por melhores

condições de trabalho e, em consequência, refletindo-se em uma melhor qualificação da

assistência à população.

Verifica-se, portanto, que todos os princípios do SUS estão impregnados de sentidos

políticos e ideológicos, voltados para a democratização da assistência, através da redução das

desigualdades, da ampliação do acesso e da valorização da articulação de ações preventivas e

curativas, bem como de toda a organização do sistema de saúde por meio de uma gestão

descentralizada e participativa, em conformidade com os preceitos apregoados pela Reforma

Sanitária, gestada nos anos 70. Hoje, não se pode mais considerar a saúde de forma isolada

das condições amplas que cercam o indivíduo e a coletividade.

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2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO REFERENCIA L

TEÓRICO-METODOLÓGICO

2.1 A Teoria Geral das Representações Sociais

A implantação do SUS apresentou-se como um processo complexo que ocasionou

mudanças no contexto político e social na área da saúde, envolvendo instituições,

profissionais, gestores e usuários. Esse processo gerou situações conflituosas entre o setor

público e o privado, alterações no cenário político-social e transformações nas atuações dos

profissionais de saúde, o que exige para a sua análise uma abordagem teórico-metodológica

que permita identificar os significados, as atitudes, as práticas e os conhecimentos

apreendidos a partir das interações, do cotidiano nos serviços e das informações circulantes

nas instituições de saúde e veiculadas pela mídia. Com isso, este estudo será fundamentado na

Teoria de Representações Sociais, na vertente psicossociológica de Serge Moscovici (1961)

que permite a análise de fenômenos complexos, como apresentado.

O estudo das representações sociais coloca-se como uma alternativa de pesquisa e de

produção de conhecimento que vem adquirindo força no campo da saúde devido à sua

importância para a vida social e à sua potencialidade de elucidação dos processos cognitivos e

das interações sociais. As representações são abordadas, simultaneamente, como produto e

processo de uma atividade de apropriação da realidade exterior ao pensamento e de

elaboração psicológica e social dessa realidade (JODELET, 2001).

A teoria das representações sociais emergiu na área da saúde como tentativa de

promover um melhor entendimento dos comportamentos e das práticas sociais, sendo uma

maneira privilegiada de investigação e elaboração de conhecimentos. Segundo Oliveira

(2001), a teoria das representações sociais foi utilizada pela primeira vez para estudar o

processo saúde-doença em 1969 com o trabalho de Claudine Herzlich dedicado ao estudo da

saúde e da doença. – Santé et Maladie. Desde então, esta teoria tem sido cada vez mais

explorada no âmbito da saúde para analisar objetos específicos do cotidiano profissional

(OLIVEIRA, 2001).

Para Jodelet (2001, p. 17) “as representações são sociais e muito importantes na vida

cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos

da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente,

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posicionar-se frente a eles de forma defensiva”. A representação social é composta por um

conjunto de informações, crenças, valores e atitudes acerca de um objeto social, e é

organizada, estruturada e constituída num sistema sócio-cognitivo (ABRIC, 2001a). Assim, os

significados que os profissionais atribuem ao próprio SUS e aos seus princípios, através da

experiência adquirida e partilhada com o seu grupo social, serão os responsáveis pela

construção dos conhecimentos produzidos nas interações sociais a partir dos seus sistemas

cognitivos de crenças e valores, além de estabelecer ligações de derterminação com as

práticas desenvolvidas.

Neste sentido, Jodelet (2001) caracteriza a representação como uma forma de saber

prático que liga um sujeito a um objeto, ou seja, a representação social é sempre de alguma

coisa (objeto) para alguém (sujeito). Assim, toda representação é construída com base nessa

relação, não existindo representação sem objeto. Diante disto, uma representação social não

pode ser entendida enquanto um processo individual, já que é produzida na interação das

relações e das comunicações (NÓBREGA, 2003).

Moscovici buscou em Durkheim a base conceitual para suas oposições ao

individualismo excessivo norte americano, e em 1961, surgiu o termo Representação Social, a

partir do trabalho intitulado La psychanalyse, son image et son public (SÁ, 1993). A teoria

das representações sociais delimitou uma nova etapa na história da psicologia social à medida

que realizou uma ruptura com os modelos positivistas e funcionalistas, ou seja, estabeleceu

um rompimento com a visão dicotômica do positivismo, desenvolvida por Durkheim

(NÓBREGA, 2003).

A partir da expressão “representação coletiva” proposta por Durkheim, na França, em

1912, iniciou-se um processo de questionamentos com relação à psicologia social norte

americana, que se ocupava basicamente dos processos psicossociais individuais (SÁ, 1993). O

sociólogo francês classificou e estabeleceu a oposição entre as representações coletivas e as

representações individuais. Para ele, as representações coletivas têm suas leis próprias e

pertencem a outra natureza, que é diferenciada do pensamento individual (NÓBREGA, 2003).

Para Durkheim apud Herzlich (1991, p. 23), “as formas coletivas de agir ou pensar

têm uma realidade fora dos indivíduos que, em cada momento, conformam-se a elas. São

coisas que têm existência própria. O indivíduo as encontra formadas e nada pode fazer para

que sejam ou não diferentes do que são”. Nesta perspectiva, as representações coletivas são

externas e autônomas às individuais. Para o autor, as representações são formadas a partir de

fatos sociais e não pela interação social, o que a diferencia do novo conceito proposto por

Moscovici. Ao inserir a idéia de representação social, Moscovici estabelece a interação entre

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sujeito e objeto como um movimento constante, ou seja, “não faz sentido falar nas

representações de um dado sujeito social sem especificar os objetos representados” (SÁ,

1998, p. 24).

O objetivo de Moscovici era reavivar, no sentido pleno, a dimensão social, onde os

sujeitos são também autores da realidade. Além disso, uma representação social pode

funcionar como atributo de um grupo, ou seja, os grupos podem identificar-se, perceber-se,

aliar-se ou rejeitar-se através dela (HERZLICH, 1991). Ao desenvolver a teoria de

representação social, Moscovici não apresentou uma delimitação única do conceito de

representação. Tal opção se deu na tentativa de não limitar o alcance conceitual da teoria (SÁ,

1998). Com relação a este aspecto, o autor afirma que: “[...] se a realidade das representações

sociais é fácil de apreender, não o é o conceito” (MOSCOVICI, 1978, p. 41). Porém, na

mesma obra, define representações sociais como:

uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos. Acrescenta-se que, representar uma coisa, um estado, não consiste simplesmente em desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo; é reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto. (MOCOVICI, 1978, p. 78)

A construção da realidade social emerge de processos simbólicos e ideológicos que

permeiam a relação sujeito/objeto e fornecem a ela o sentido e a representação. Analisar a

incorporação dos princípios à representação social do SUS para os profissionais de saúde

implica no reconhecimento do significado do objeto em relação ao sujeito, compreendido

como conteúdo representacional que se ocupa de idéias, imagens, valores, crenças, práticas,

saberes, conhecimentos e atitudes, dentre outras. Na perspectiva de Abric (2000, p. 28),

a representação funciona como um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio físico e social, ela vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A representação é um guia para a ação, ela orienta as ações e as relações sociais. Ela é um sistema de pré-decodificação da realidade, porque ela determina um conjunto de antecipações e expectativas.

Diante do exposto, percebe-se que as representações possuem extrema importância na

dinâmica das relações sociais e das práticas e, para tal, exercem quatro funções essenciais,

quais sejam: função de saber, elas permitem compreender e explicar a realidade; função

identitária, elas definem a identidade e permitem a especificidade dos grupos; função de

orientação, elas guiam os comportamentos e as práticas; e função justificadora, elas permitem,

a posteriori, a justificativa das tomadas de posição e dos comportamentos (ABRIC, 2000). A

representação social exerce influência sobre os comportamentos e as práticas dos indivíduos,

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no seu dia-a-dia, a partir das suas vivências e dos seus entendimentos sobre determinada

realidade.

Moscovici apud Sá (1993) considera coexistirem nas sociedades contemporâneas duas

classes distintas de universo de pensamento: os universos consensuais e os universos

reificados.

Aos universos consensuais correspondem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais são produzidas as representações sociais. Os universos reificados localizam as ciências e o pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor lógico e metodológico, sua teorização abstrata e sua estratificação hierárquica (SÁ, 1993, p. 28).

Os universos consensuais são formados pelos conhecimentos construídos pelas

pessoas através das interações na vida cotidiana, onde se encontram as teorias do senso

comum, ou seja, onde se produzem e circulam as representações sociais. Dos universos

reificados, fazem parte os conhecimentos teóricos, acadêmicos, produzidos pela ciência e

caracterizados pela objetividade e rigor metodológico (SÁ, 1993). Observa-se, portanto, que o

SUS e os seus princípios colocam-se como um objeto em torno do qual podem ser

identificadas as duas classes de conhecimentos referidas por Sá, no entanto, neste trabalho nos

ocuparemos da constituição dos conhecimentos produzidos nos universos consensuais.

De acordo com as proposições de Moscovici, as representações possuem duas funções,

quais sejam: contribuir com os processos de formação de condutas e orientar as comunicações

sociais, sendo responsáveis por transformar o não familiar em familiar (MOSCOVICI, 2003).

Desta forma, uma realidade social somente é criada quando o novo ou o não familiar é

incorporado aos universos consensuais (SÁ, 1993). Esta familiarização, ou seja, a formação

da representação ocorre por meio de dois processos sócio cognitivos, denominados

objetivação e ancoragem.

Moscovici (2003, p. 61) define a ancoragem como “um processo que transforma algo

estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema de categorias e o compara com um

paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada”. Assim, o processo de

ancoragem se caracteriza por classificar e “dar nome” às coisas, para que as mesmas se

tornem mais familiares. Para Nóbrega (2003) a ancoragem, caracteriza-se por possibilitar a

interiorização do que é desconhecido ou novo para uma rede de categorias usuais.

A objetivação “une a idéia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se uma

verdadeira essência da realidade [...] objetivar é reproduzir um conceito em uma imagem”

(MOSCOVICI, 2003, p. 71). É caracterizada por materializar uma abstração. Nóbrega (2003)

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afirma, também, que a objetivação consiste em corporificar os pensamentos, dar forma aos

mesmos, tornar palpável o impalpável, ou seja, transformar em objeto o que é representado.

Segundo Doise (2001, p. 190) “a objetivação torna concreto o que é abstrato, muda o

relacional do saber científico em imagem de uma coisa. [...] Já a ancoragem consiste na

incorporação do estranho numa rede de categorias mais familiares”.

A objetivação explica como os elementos representados de uma teoria se integram à

realidade social, já a ancoragem permite compreender a maneira pela qual estes elementos

colaboram para revelar e constituir as relações sociais. As representações possuem duas faces

interdependentes, como duas faces de uma folha de papel, a face icônica e a face simbólica.

Assim, a representação desdobra toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem.

(MOSCOVICI, 2003)

Trata-se, portanto, de uma abordagem dos fenômenos que não se interessa mais

exclusivamente pelos fatores e comportamentos diretamente observáveis, mas que enfatiza

sua dimensão simbólica, que se centra na noção de significação. Pode-se dizer que a

ancoragem e objetivação estão dialeticamente articuladas para garantir três funções da

representação, quais sejam: incorporação do estranho ou do novo, interpretação da realidade e

orientação dos comportamentos (NÓBREGA, 2003).

Para Moscovici apud Sá (2002, p. 31) a representação social se estrutura sob três

dimensões: informação, atitude, e imagem ou campo de representação. “A informação

corresponde à organização dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um objeto

social [...]”. A atitude é uma orientação global (favorável ou desfavorável) que o sujeito

mantém em relação ao objeto de representação. O campo de representação nos remete à idéia

de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições acerca de um

aspecto preciso do objeto de representação.

As representações sociais orientam e organizam as condutas e as comunicações

sociais, e intervêm em processos como a difusão e assimilação de conhecimentos (JODELET,

2001). A comunicação social é responsável pelo modo como se desenvolvem as

representações sociais, assim como determina a formação do processo representacional. Para

Nóbrega (2003) destaca-se a importância da comunicação social na formulação de um novo

olhar sobre os fenômenos analisados. Neste sentido, considera-se que representação social é

“uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, tendo uma visão prática e

concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET,

2001, p. 22).

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Diante do exposto, ao estabelecer uma articulação entre a teoria e o objeto que me

proponho a estudar, destaco a influência dos meios de comunicação na construção das

representações, uma vez que, de acordo com Moscovici (1978) e Nóbrega (2003), as

representações encontram-se imersas em um movimento contínuo das ondas de comunicação,

circulando nos discursos que terminam por se materializar em condutas. Neste sentido,

Moscovici (1978) identifica três sistemas de comunicação que se desenvolvem

simultaneamente na sociedade em relação especialmente aos objetos polêmicos, participando

do processo de formação e de mudança das representações sociais: a difusão, a propagação e a

propaganda.

A difusão possui como principal objetivo desenvolver um interesse comum sobre um

dado assunto e é caracterizada por uma indiferenciação dos vínculos entre o emissor e o

receptor das mensagens, estando ligada à opinião. A propagação exige uma organização mais

complexa das mensagens, possui propriedades análogas às do conceito de atitude e visa

expandir a visão de mundo, acomodando seletivamente outras perspectivas ao seu próprio

sistema. Com relação à propaganda, define-se como uma forma de comunicação de um grupo

cuja dinâmica encontra-se nas relações sociais conflituosas (NÓBREGA, 2003; SÁ, 2002).

Discutindo sobre a influência das comunicações circulantes na formação de

representações, entende-se que o acesso à informação, pelo menos para a maioria da

população, torna-se cada vez mais facilitado e diversificado. Hoje, existe uma aceleração na

circulação das informações através do rádio, dos jornais e revistas, da TV e da internet.

Silveira (2002) reflete sobre o papel da mídia na exposição de casos onde ocorrem falhas no

funcionamento do sistema de saúde, seja por responsabilidade das autoridades, dos

profissionais ou por incapacidade física do sistema, tratando sempre de demonstrar a

insensibilidade do SUS. Com isso, o setor público de saúde é um alvo fácil para a imprensa

que reforça continuamente uma representação de inoperância e incompetência do SUS. Em

oposição a essa representação fomentada pela mídia, o setor privado parece ter uma

representação de competência e de modernidade, que nem sempre está de acordo com a

realidade, uma vez que o acesso da imprensa a um estabelecimento privado envolve maiores

dificuldades, o que colabora com essa imagem, além dos aspectos ideológicos implicados

(SILVEIRA, 2002).

Neste contexto, Sá (1993) se refere à importância do papel dos jornais e dos meios de

comunicação de massa na transmissão e na transformação dos conhecimentos à população.

Este mesmo autor denomina estes conhecimentos como de “segunda mão”, onde o público se

apropria daquilo que é apresentado por estes veículos de comunicação, muitas vezes sem

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questioná-los. Vala (2000) ressalta que os atos de comunicação não são sempre, ou não são

somente, atos de partilha de consensos; são, muitas vezes, atos de debates, de discussão e

argumentação no interior dos grupos ou entre grupos. A partir disto, destaca-se que um grupo

social não forma representações sobre todo e qualquer objeto (SÁ, 1998). Assim, um objeto

pode ser representado por alguns grupos e não por outros e, ainda, as representações podem

ser distintas para cada grupo.

As condições necessárias para a emergência da representação social de um dado objeto

são: dispersão da informação, que não circula no mesmo nível e da mesma forma entre todos

os conjuntos sociais; focalização sobre um dado objeto, o que depende dos recursos, dos

interesses e dos motivos de um grupo social; e pressão à inferência que é exercida pela

urgência dos problemas associados ao objeto ou por instâncias sociais externas ao grupo (SÁ,

1998). Estas três condições foram apontadas por Moscovici, desde o início da teoria, como

essenciais no processo de formação de uma representação social.

A dispersão da informação é caracterizada pela circulação das informações

necessárias para a compreensão de determinado objeto no interior do grupo. Acontece de

diferentes formas entre os grupos sociais, dependendo das características do grupo estudado.

A focalização diz respeito aos interesses do grupo por determinado objeto em momentos

históricos específicos, caracteriza-se pela presença de questões como interesses profissionais e

posicionamento ideológico. Já a pressão inferência refere-se à necessidade de posicionamento

de um indivíduo ou grupo frente a um determinado objeto social (SÁ, 1998).

Desta forma, pode-se partir da hipótese de existência da representação social do SUS

para os profissionais de saúde, bem como a incorporação dos princípios a mesma, uma vez

que as três condições necessárias para a sua existência estão presentes. Ou seja, as

informações necessárias para a compreensão dos princípios do SUS estão acessíveis aos

profissionais de saúde em seu cotidiano (dispersão da informação); acredita-se que estes

atores sociais possuem interesse, enquanto profissionais e usuários, por tais princípios, já que

se trata da base ideológica e prática do sistema no qual atuam (focalização) e; necessitam

posicionar-se frente a estes princípios, visto que eles fazem parte de sua atuação profissional

(pressão à inferência).

No que tange à teoria de representações em sua constituição histórica, evidencia-se a

existência de três abordagens complementares: uma abordagem processual, representada por

Denise Jodelet; uma abordagem relacional, desenvolvida por Willem Doise; e uma

abordagem estrutural, proposta por Jean-Claude Abric (SÁ, 1998). A abordagem processual

destaca a forma pela qual as representações sociais são vinculadas à vida cotidiana. Denise

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Jodelet considera que os discursos das pessoas e dos grupos e os comportamentos e as

práticas sociais nas quais as representações se manifestam, são os suportes para a veiculação

das mesmas. Esta perspectiva busca dar conta da representação de um determinado objeto

para um determinado grupo social de uma maneira maximamente compreensiva (SÁ, 1998).

A abordagem relacional apresenta-se como uma perspectiva sociologicamente

orientada e se ocupa da dimensão das “condições de produção e circulação das representações

sociais”, uma vez que a posição ou a inserção social dos indivíduos nos grupos é o principal

determinante de suas representações (SÁ, 1998, p.74).

Já a abordagem estrutural se ocupa do conteúdo cognitivo das representações e o

concebe como um conjunto estruturado, e não como uma simples coleção de idéias e valores.

Sua principal contribuição está centrada na proposição de que o conteúdo da representação se

organiza em um sistema central e um sistema periférico, que possuem características e

funções distintas. Outra contribuição relevante desta perspectiva é a comparação entre

representações, uma vez que elas serão distintas apenas se o núcleo central tiver composição

significativamente diferente (SÁ, 1998).

Sendo assim, diante do objetivo de analisar a incorporação psicossocial dos princípios

do SUS através dos discursos dos profissionais de saúde e comparar o conteúdo

representacional de dois grupos sociais distintos, parece aconselhável seguir, neste estudo, os

caminhos teórico-metodológicos demonstrados por Denise Jodelet e Jean-Claude Abric,

especialmente o segundo.

Tomando por base os objetivos e a opção teórica adotada para este estudo, serão

aprofundados no capítulo seguinte os elementos constituintes da abordagem estrutural das

representações sociais.

2.2 A abordagem estrutural das representações sociais e a Teoria do Núcleo Central

Conforme exposto anteriormente (folha 20), esta perspectiva foi inaugurada por Jean-

Claude Abric, em 1976, e das três perspectivas complementares à grande teoria (TRS) foi a

única que chegou a se formalizar como uma teoria, a chamada teoria do núcleo central.

A idéia principal da teoria do núcleo central é a de que a organização de uma

representação social apresenta-se em torno de um núcleo central, composto por um ou mais

elementos, que dão significado à representação (ABRIC, 2000). O núcleo central é

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determinado pelo tipo e pela natureza do objeto representado, pelos tipos de relações que o

grupo mantém com este objeto e pelo sistema de valores e normas sociais que constituem o

ambiente ideológico do grupo (ABRIC, 2000).

Este mesmo autor expõe que o núcleo central é o elemento mais estável da

representação, o mais resistente à mudança, assegurando com isso a continuidade da

representação. Assim, o núcleo central é o que caracteriza a representação o que implica que

qualquer modificação no mesmo acarreta a transformação da representação.

O núcleo central possui três funções: geradora, organizadora e estabilizadora, que se

relacionam, respectivamente, ao significado, onde os elementos constitutivos da representação

ganham valor; à organização interna, que unifica os elementos da representação; e à

estabilidade da representação (ABRIC, 2000, 2003a). A partir do exposto destaca-se que:

O núcleo central, determinando o significado, a consistência e a permanência vai então resistir à mudança, visto que toda modificação do núcleo central provoca uma transformação completa da representação. Além disso, para que duas representações sejam diferentes, elas devem ser organizadas em torno de dois núcleos diferentes. (ABRIC, 2003a, p. 38)

Neste contexto, Abric (2003a) refere que a condição para caracterização da distinção

entre as representações de dois grupos é a diferença significativa de seus núcleos centrais.

Portanto, sendo os núcleos iguais ou semelhantes, trata-se da mesma representação apenas

ativada diferencialmente em um e outro grupo. Dessa forma, a composição do núcleo central

é o critério discriminante para estudos comparativos entre duas ou mais representações

sociais. No entanto, a centralidade de um elemento não pode ser atribuída somente a critérios

quantitativos, pois o núcleo central, antes de tudo, apresenta uma dimensão qualitativa

(ABRIC, 2000; FLAMENT, 2001a).

De acordo com a perspectiva da abordagem estrutural, as representações sociais são

compostas por dois sistemas, um central e um periférico, onde cada um possui características

e funções específicas, complementares um ao outro (ABRIC, 2000). Neste sentido Flament

especifica que “uma representação comporta esquemas periféricos, estruturalmente

organizados por um núcleo central que é a própria identidade da representação”. (2001b, p.

184).

A determinação do sistema central, conforme expõe Abric (2000), é social, ligada às

condições históricas, sociológicas e ideológicas, por isso é independente do contexto

imediato, estando ligado ao contexto global que define as normas e os valores dos grupos. O

núcleo central possui papel essencial na estabilidade e coerência das representações, assegura

a perenidade, a manutenção no tempo e evolui, normalmente, de modo lento (ABRIC, 2000).

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Destaca-se que o núcleo central pode assumir duas dimensões, quais sejam: uma

dimensão funcional e outra dimensão normativa (SÁ, 2002). A dimensão funcional se

caracteriza por apresentar uma finalidade operatória. Neste sentido, os elementos do núcleo

central se constituem como os mais importantes para a realização de tarefas. Já a dimensão

normativa possui relação com todas as situações onde intervêm diretamente dimensões sócio-

afetivas, sociais ou ideológicas. Nesse caso, acredita-se que uma norma, um estereótipo, uma

atitude fortemente marcada estarão no centro da representação (SÁ, 2002).

Em torno do núcleo central organizam-se os elementos periféricos, os quais

constituem o essencial do conteúdo da representação, que são os componentes mais

acessíveis, mais vivos e mais concretos (ABRIC, 2000). Segundo este mesmo autor, “se o

sistema central é normativo, o sistema periférico é funcional; quer dizer que é graças a ele que

a representação pode se ancorar na realidade do momento”(ABRIC apud SÁ, 2002, p. 73,

grifo do autor).

O sistema periférico está mais associado às características individuais e ao contexto

imediato e contingente. Este sistema “permite uma adaptação, uma diferenciação em função

do vivido, uma integração das experiências cotidianas” (ABRIC, 2000, p.33). Ele protege o

núcleo central, por ser mais flexível e permitir a integração de informações e até de práticas

diferenciadas. Destaca-se que o sistema periférico, não se trata de um componente inferior da

representação, na verdade, ele é fundamental, uma vez que associado ao núcleo central,

permite a ancoragem na realidade e a mobilidade dos conteúdos da representação (ABRIC,

2000; SÁ, 2002).

O sistema periférico possui três funções essenciais: a de concretização, que permite a

formulação da representação de forma concreta, uma vez que é mais sensível ao contexto

imediato; a de regulação, que permite a adaptação da representação às evoluções do contexto

através da integração de informações novas à periferia, por ser mais flexível que o núcleo

central; e a defesa, que como o nome diz, funciona como um sistema de proteção da

representação, impedindo que o núcleo central seja atingido por novos elementos e

contradições, uma vez que isso resultaria em uma transformação da representação (ABRIC,

2000; SÁ, 2002; FLAMENT, 2001b).

Em linhas gerais, o núcleo central apresenta como características fundamentais: estar

ligado à memória coletiva e à história do grupo; ser consensual; ser estável; coerente e rígido;

ser capaz de resistir a mudanças; ser pouco sensível ao contexto imediato; e possuir as

funções de geração das representações e determinação da organização das mesmas. Já o

sistema periférico se caracteriza por: permitir a integração de experiências e histórias

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individuais; tolerar a heterogeneidade do grupo; ser flexível, tolerar contradições; ser

evolutivo; ser sensível ao contexto imediato; e ter a função de permitir a adaptação à realidade

concreta permitindo a incorporação de diferentes conteúdos (ABRIC, 2000).

A adoção da abordagem estrutural neste estudo justifica-se uma vez que a mesma

apresenta critérios de comparação específicos, permitindo a análise de representações de

grupos distintos de profissionais, tanto no que se refere aos níveis de escolaridade, quais

sejam, nível médio e superior; bem como com locais de atuação diversificados, rede básica e

hospitalar. Destaca-se que serão consideradas representações distintas se os conteúdos dos

seus respectivos núcleos centrais forem diferentes, conforme proposição do autor da teoria.

De qualquer forma, esperamos que os conteúdos representacionais manifestados pelos

dois grupos, presentes no sistema central e no sistema periférico, mostrem-se diversificados,

pois supomos que formações profissionais distintas, práticas diferenciadas vividas no

contexto da saúde pelas categorias profissionais estudadas, interações sociais diversas,

informações dispersas nos diversos contextos da saúde e, ainda, o interesse específico de cada

grupo profissional pelos princípios do SUS, tenham influenciado na formação das

representações sobre o SUS e na incorporação dos seus princípios.

2.3 Representações sociais e práticas sociais: uma constante interação

Neste sub-capítulo será apresentada uma breve discussão das relações estabelecidas entre

as representações sociais e as práticas desenvolvidas pelos sujeitos e grupos. Destaca-se que o

objeto deste estudo possui um caráter social fortemente associado às práticas, o que justifica a

necessidade de buscar entender a interação existente entre elas.

Concebe-se que o conhecimento teórico dos princípios do SUS, assim como a sua

incorporação enquanto objeto simbólico, atrelado a uma prática orientada pelos mesmos

poderia implicar, por hipótese, em uma maior satisfação dos usuários do sistema e no alcance

dos objetivos propostos na legislação. A esse respeito, Oliveira e Alvarenga (2003, p. 216)

afirmam que “a preocupação com o desenvolvimento humano na prática da saúde envolve a

maneira como esse conhecimento é reproduzido e representado na formação profissional e no

processo de transformação de representações em práticas profissionais”.

Com base nas proposições de Moscovici (1978), ressalta-se que as práticas

desenvolvidas pelos indivíduos são contextualizadas em sua realidade social e a partir delas

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estes constroem as representações de si mesmos e de seus contextos sociais cotidianos. Uma

vez processadas simbolicamente, se convertem em representações sociais expressas pela

coletividade, interagindo com as práticas.

Neste trabalho, concebe-se a relação entre representações sociais e práticas como

fundamental para a aplicação da teoria de representações sociais ao objeto de estudo

analisado, pois a representação exerce influência sobre os comportamentos e as práticas dos

indivíduos no seu dia-a-dia, a partir das suas vivências e dos seus entendimentos sobre

determinada realidade. No entanto, o caráter dessa relação não é objeto de consenso entre os

pesquisadores. Herzlich (1991, p. 25) afirma que a representação social é um modo de

pensamento sempre ligado à ação e à conduta individual e coletiva. Abric (2001a)

complementa esta idéia ao referir que as representações sociais desempenham um papel

fundamental nas práticas e na dinâmica das relações sociais, uma vez que uma modificação

das práticas contribui para uma modificação de vários elementos da representação, pois estas

são as principais fontes de transformação das representações.

As relações existentes entre representações e práticas são analisadas também por

Rouquette (2000, p. 43), a partir de uma posição mais categórica, ao afirmar que “não é mais

exato dizer, sem outra precisão, que as representações sociais e as práticas se influenciam

reciprocamente, uma vez que não se trata de reciprocidade...”. A posição do autor sobre essa

relação ressalta que a influência das representações nas práticas implica que o que se faz

depende do que se pensa, do que se acredita e do que se reconstrói mentalmente.

No que se refere às possibilidades de transformação de uma representação social,

Rouquette (2000) explicita sua posição sobre a relação entre práticas e representação:

A influência recíproca das representações e das práticas deve ser compreendida tanto como condição, quanto como determinação: condição uma vez que se trata do papel das representações no desenvolvimento da conduta (à maneira muito fortemente analógica, dos dados de um problema); determinação uma vez que se trata da ação das práticas sobre as modalidades do conhecimento (conforme, desta feita, os teoremas que encandeiam e escondem o raciocínio). (ROUQUETTE, 2000, p. 45. grifo do autor)

Para o autor, as práticas são determinantes no processo de transformação de uma

representação social. No entanto, a representação apresenta-se como uma condição para a

existência das práticas e, portanto, para a transformação das representações, uma vez que a

mesma pode, mas não necessariamente, incidir em uma mudança de conduta. Flament

(2001b) compartilha dessa idéia ao afirmar que as práticas possuem um papel essencial no

desencadeamento de transformações das representações, em nível de núcleo central.

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A noção de práticas sociais adotada por alguns autores vincula-se a discursos e atos,

destacando assim o caráter atitudinal de tal conceito; para outros pesquisadores, o aspecto

principal refere-se à inserção do ato em um sistema socialmente organizado, dinâmico,

referenciado nos papéis socialmente desempenhados por cada indivíduo. (ABRIC apud

OLIVEIRA, 2001)

As representações, portanto, estão ancoradas nas práticas, e o termo prática abarca,

segundo Rouquete (2000, p. 43) “...dois aspectos eventualmente confundidos: a realização de

uma ação (conduta efetiva) e a freqüência (ou, correlativamente, a familiaridade para o

sujeito) dessa realização”.

Quanto ao problema inicial de saber o que é determinante, retoma-se as afirmações de

Abric apud Oliveira (2001, p. 41) que exprime a não aceitação de uma relação unidimensional

de determinação: “fazer das representações sociais um conceito operacional, pressupõe que se

aceita não conceder à situação social objetiva um valor que ela não tem e que o

comportamento [ação, ato social] seja orientado, também, pelo significado atribuído à

situação pelos indivíduos”.

Oliveira (2001), analisando as proposições de Abric (1994), destaca três tendências na

relação entre representações e práticas, quais sejam: as representações determinam as práticas,

as práticas determinam as representações e ambas estabelecem uma relação dialética de co-

determinação.

Assim, as hipóteses lançadas por Abric apud Oliveira (2001) para explicar a

determinação das práticas pelas representações associam-se a diferentes tipos de situações,

quais sejam: nas situações onde existe forte carga afetiva e necessidade de referência à

memória coletiva para manter ou justificar a identidade, a existência ou as práticas do grupo,

ou ainda nas situações em que o sujeito dispõe de autonomia em relação às pressões da

situação externa ou resultantes das relações de poder.

No que diz respeito à determinação das representações pelas práticas essa diz respeito

a situações onde os sujeitos se envolvem em práticas que resultam de sua dependência a um

certo tipo de relação ou de poder social, ou de características do ambiente físico ou material.

Neste sentido, essa determinação ocorre quando existe uma forte coerção vinda das

circunstâncias ou da realidade social, resultantes, dentre outras coisas, de uma mudança sócio-

política radical (ABRIC apud OLIVEIRA, 2001).

Abric (2001a, p. 168) discorre sobre as relações entre práticas e representações, ao

expor que

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comportamentos individuais ou de grupo são diretamente determinados pelas representações elaboradas em e sobre a situação e o conjunto dos elementos que a consistem. As representações produzem a antecipação dos atos e dos comportamentos (seus e dos outros), a interpretação da situação num sentido preestabelecido, graças a um sistema de categorização coerente e estável.

A teoria de representações sociais preocupa-se com os processos sociais nos quais as

experiências vividas no cotidiano são constituídas e compartilhadas pelos indivíduos e dizem

respeito ao universo prático de toda uma coletividade. Esta discussão, centrada nas alterações

ocorridas no cenário das políticas públicas de saúde no país e na inserção dos profissionais

neste contexto, torna-se importante ao promover uma idéia de como as representações sociais

sobre este objeto para este grupo social são construídas e elaboradas. Os conteúdos simbólicos

(atendimento para pobre, a abertura de portas, a igualdade no atendimento, dentre outros)

utilizados no estabelecimento de definições e na formação de imagens possuem relação com a

adaptação ao novo contexto político-social apresentado.

Neste contexto, Abric (2001b) considera que o estudo do senso comum ou da “visão

de mundo” que os indivíduos e os grupos constroem e utilizam para agir e para tomar

decisões, é reconhecido como indispensável para buscar os determinantes das práticas sociais

e para compreender a dinâmica das interações sociais.

Oliveira (2001) analisando Flament (1987) destaca que quando a situação é percebida

como reversível pelo sujeito, existe transformação da representação pelas práticas de certos

elementos do seu conteúdo e não dos princípios que a geraram e a organizam. No entanto, se

as novas práticas são consideradas irreversíveis, o restabelecimento do equilíbrio cognitivo e

afetivo do sujeito vai ocasionar uma transformação da representação baseada na natureza das

práticas novas e nas suas relações com a representação.

Com relação à transformação das representações sociais, Oliveira (2001) destaca a

proposição de Flament (1987) sobre a existência de três tipos de transformação, que são: a

transformação progressiva, a resistente e a brutal. Cabe pontuar que a transformação

progressiva se caracteriza por uma fusão entre os elementos do núcleo existente e os

elementos ativados pelas novas práticas, ocorre quando as novas práticas não contradizem

totalmente com o núcleo central da representação. A transformação resistente se caracteriza

pelo aparecimento de “esquemas estranhos”. Ocorre quando há contradição entre as novas

práticas e o núcleo central, entretanto, existe a implantação dos mecanismos de defesa da

representação. Já a transformação brutal se caracteriza por uma transformação direta e

completa do núcleo central e, conseqüentemente, de toda representação. Ocorre quando as

novas práticas questionam o significado da representação e não existe implantação do

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mecanismo de defesa, destaca-se que estas novas práticas possuem um caráter permanente e

irreversível (OLIVEIRA, 2001).

A autora ainda considera que a existência de relações entre representações e práticas

sociais é indiscutível para todos os autores que trabalham com o conceito. A análise de

qualquer prática social supõe

que sejam considerados pelo menos dois elementos essenciais: as condições sociais, históricas e materiais nas quais esta se inscreve, e o modo de sua apropriação pelo indivíduo ou grupo em questão, no qual os aspectos cognitivos, simbólicos e representacionais têm também um papel determinante. Para que uma prática social, mesmo que imposta, se mantenha, deve ser passível de apropriação, ou seja, de integração ao sistema de valores, crenças e normas, seja através de um processo de adaptação, seja por transformação. As contradições entre representações sociais e práticas expressam-se por uma relação tensional, podendo gerar a transformação de uma ou de outra. (OLIVEIRA, 2001, p. 42)

Neste trabalho, cabe pontuar que as mudanças que ocorreram e estão ocorrendo nas

práticas profissionais em saúde decorreram de uma mudança política radical, com a

implantação de um novo sistema de saúde, que prevê a oferta de ações e serviços baseada em

princípios e diretrizes opostos ao antigo sistema, caracterizando, portanto, uma forte

imposição externa sobre as práticas profissionais. A partir do exposto, considera-se que as

representações e as práticas se influenciam mutuamente, ou seja, o conhecimento e a

construção simbólica dos profissionais a respeito dos princípios do SUS influenciam a

execução de suas atividades, enquanto sujeitos integrantes e atuantes na consolidação do

sistema único de saúde no Brasil hoje. Ao mesmo tempo, as novas práticas construídas a

partir da nova legislação influenciam na formação e/ou transformação das representações.

Compreender a complexidade que envolve o processo de apreensão dos princípios do

SUS para os profissionais de saúde poderá contribuir para a construção de práticas mais

efetivas, orientadas pelos objetivos e pelas diretrizes do sistema de saúde atual. Sendo assim,

considera-se relevante a escolha da teoria de representações sociais para análise e discussão

do objeto de estudo, pois possibilitará conhecer os significados construídos dos princípios

pelos profissionais, enquanto retradução da normativa legal incorporada, e explorar as suas

implicações para as práticas profissionais cotidianas.

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2.4 A utilização da Teria de Representações Sociais na análise das políticas públicas de

saúde

O SUS possui importância no cenário sanitário brasileiro não somente como estrutura

de organização institucional da área da saúde ou como modelo de atendimento à clientela,

mas principalmente pela mudança de direcionamento e diretrizes na forma de conceber,

pensar e fazer assistência à saúde no país (GOMES; OLIVEIRA; SÁ, 2008). Com base no

exposto, destaca-se que a implantação do SUS ocasionou mudanças no contexto político e

social na área da saúde, envolvendo diversos atores sociais, bem como, transformações nas

formas de pensar e de atuar sobre a saúde pelos profissionais.

A Teoria das Representações Sociais (TRS) emergiu na área da saúde como tentativa

de promover um melhor entendimento dos comportamentos e das práticas sociais, sendo uma

nova maneira de investigação e elaboração de conhecimentos. Segundo Oliveira (2001), esta

teoria tem sido cada vez mais explorada no âmbito da saúde, que passou a ser utilizada pelos

pesquisadores desta área do conhecimento para analisar objetos específicos do cotidiano

profissional. A TRS contribui, ainda, por ter como referência o indivíduo que se situa em um

contexto onde as experiências e práticas cotidianas lhe permitem a apropriação e a

reconstrução dos sentidos atribuídos aos objetos (BURSZTYN; TURA, 2003). A Teoria

auxilia na apreensão da realidade a partir dos discursos e das práticas dos indivíduos em seu

contexto de vida cotidiano, traduzindo-se como uma forma de conhecimento elaborada por

determinado grupo social.

A produção científica sobre as políticas de saúde e sobre o SUS tem aumentado

consideravelmente nos últimos anos. Destaca-se que através de produções e publicações de

novos conhecimentos acerca do SUS e dos seus diversificados impactos, enquanto resultado

de discussões desenvolvidas no meio científico, é que se pode desenvolver uma postura crítica

sobre a sua existência, sua importância e sua magnitude. Faz-se menção, ainda, ao aumento

do número de publicações, mesmo que de forma discreta, com a utilização da TRS para

análise do sistema de saúde brasileiro.

Através de uma busca informal nas bases de dados virtuais pôde-se observar que a

TRS tem sido utilizada, com mais frequência, tanto na elaboração de artigos, como

dissertações e teses, para a avaliação dos serviços de saúde; na análise de práticas sociais na

saúde; na análise do SUS para profissionais e usuários; na análise de princípios específicos do

SUS para profissionais de saúde; na análise do acesso aos serviços de saúde; das políticas

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públicas de saúde, conforme representada por diversos atores sociais; da Saúde Pública, do

arcabouço teórico-jurídico do SUS, dentre outros (SILVEIRA, 2002; ASSIS; VILA;

NASCIMENTO, 2003; BURSZTYN; TURA, 2003; PEREIRA, 2006; LOPES; BUENO,

2007; OLIVEIRA et al., 2007, 2008; GOMES; OLIVEIRA; SÁ, 2007; GOMES; OLIVEIRA;

SÁ, 2008; REIS; ANDRADE, 2008; MORENO; GASPARINI, 2007; SILVA, 2008;

RAMOS, 2007, PONTES et al., 2009; OLIVEIRA; GOMES, 2009). Nesta perspectiva, um

quantitativo significativo de pesquisas sobre o SUS, no campo das representações sociais, se

refere aos profissionais de saúde, dentre os quais os enfermeiros.

Destaca-se a importância, quantitativa e qualitativa, dos estudos com utilização da

TRS, pois, conforme expõe Pimentel (2007, p.269),

o estudo das representações sociais tem ganhado ênfase por parte de pesquisadores brasileiros que buscam arcabouço teórico sólido e consistente para a investigação qualitativa de fenômenos organizacionais de forma contextualizada, descritiva e reveladora de significados subjetivos, significados estes que, muitas vezes, não podem ser captados e/ou explicados pelas abordagens científicas tradicionais.

Estudo recente relacionado à representação social do SUS para profissionais de saúde

apresentaram que os mesmos definem o SUS a partir de uma imagem de pirâmide, com a

valorização da rede básica na composição do sistema. Ao mesmo tempo, destacam os autores

que a política unificada e a proposta integrada, que orientam o SUS, são representadas como

os pilares do sistema (OLIVEIRA et al., 2007; 2008). Os profissionais entrevistados também

fazem menção às dificuldades encontradas para a implementação de alguns princípios do

SUS, como por exemplo, a municipalização dos serviços e a universalização do acesso, apesar

de reconhecer o mesmo como um sistema universal (OLIVEIRA et al., 2008).

O princípio de universalidade foi o melhor explicitado pelos profissionais, sendo

identificado como o divisor de águas em relação ao modelo assistencial anterior. Ao mesmo

tempo, na representação profissional, a clientela atendida nos hospitais hoje apresenta-se

pauperizada, enquanto que nas unidades básicas possui um nível sócio-econômico mais

elevado, sendo essa especificidade resultante da implantação do SUS (OLIVEIRA et al.,

2008).

Complementar a esta idéia, foi possível observar no estudo de Pereira (2006), que

buscou analisar a representação social dos usuários sobre o SUS, um predomínio de

entrevistados com renda menor ou igual a um salário mínimo, e a maioria destes se

encontrava dentro das unidades hospitalares (75%). No que diz respeito aos entrevistados com

renda superior a um salário mínimo foi possível observar que 44% localizavam-se na unidade

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básica de saúde. Neste mesmo estudo, a autora destaca que os serviços do SUS possuem,

majoritariamente, imagens negativas como, por exemplo, as grandes filas, as dificuldades de

acesso e a falta de recursos humanos e materiais. Enquanto que as atitudes positivas

encontram-se dispersas nos discursos dos sujeitos e se relacionam à universalidade do acesso,

às ações e serviços de saúde e aos avanços tecnológicos alcançados pelos serviços

(PEREIRA, 2006).

No entanto, Pontes e Cesso (2008) observaram atitudes positivas na análise do SUS

por usuários a partir das menções às facilidades encontradas dentro sistema, como o acesso a

diversos tipos de serviços, sejam eles consultas, atendimentos, exames, medicações, internações,

cirurgias, transplantes e hemodiálises. Frente a isto, surge uma satisfação com o atendimento

encontrado, o que demonstra certo otimismo relacionado ao sistema. Os entrevistados apontaram

o reconhecimento do avanço com relação a uma maior disponibilidade de recursos tecnológicos,

como exames de alta complexidade e medicações mais específicas (PONTES et al., 2009).

Em síntese, os resultados observados até o momento nos estudos refletem as principais

características, facilidades e dificuldades do sistema de saúde brasileiro, tais como os recursos

humanos, financeiros, as condições de atendimento, a participação e o acesso da clientela ao

sistema, além de um conhecimento fragmentado dos princípios que regem o SUS pelos

profissionais e usuários (OLIVEIRA et al., 2008; PEREIRA, 2006; PONTES et al.,2009).

Diante do exposto, toma-se por base neste estudo a definição de Abric (2001a, p. 156)

que representação é “o produto e o processo de uma atividade mental por intermédio da qual

um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com o qual é confrontado e lhe atribui uma

significação específica”. Destaca-se, ainda, dentre outros aspectos, a influência dos meios de

comunicação na formação das representações sociais, conforme expõe Sá (1998) ao referir

que a quantidade de informações dispersas sobre determinados objetos e a forma como as

mesmas são veiculadas, bem como os meios pelos quais elas se tornam acessíveis aos grupos

sociais, provavelmente influenciam e explicam, pelo menos de forma parcial, o conteúdo e a

estrutura das representações sociais.

Neste sentido, destaca-se o estudo de Silveira (2002) que buscou refletir sobre o papel

da mídia na exposição do sistema de saúde. A autora afirma que tal sistema é alvo da

imprensa, que reforça consecutivamente uma representação de incompetência e não

funcionalidade, caracterizada por notícias excessivas sobre as dificuldades enfrentadas pelos

usuários do SUS, por meio de imagens de filas, mortes e dificuldades de acesso (SILVEIRA,

2002). No entanto, os avanços alcançados pelo sistema e os benefícios trazidos à população,

como a oferta e a utilização por todas as camadas sociais de serviços dispendiosos

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economicamente, não cobertos pelos seguros saúde, a imensa parcela da sociedade que passou

a ter acesso a serviços antes inalcançáveis, dentre diversos outros aspectos positivos

determinados pela existência do SUS, não são expostos pelos meios de comunicação.

Considera-se que a circulação de informações sobre o atual sistema de saúde

influencia a formação da estrutura representacional, o que revela a importância da dispersão

da informação na construção das representações sociais. Com isso, destaca-se a relevância de

se considerar as diversas facetas do sistema, sejam elas as dificuldades e as deficiências

enfrentadas pelo mesmo, bem como os avanços e as suas conquistas (GOMES; OLIVEIRA;

SÁ, 2008).

Pode-se dizer que a apropriação do SUS pela mídia e pelos diferentes segmentos

sociais que estavam envolvidos no processo de sua implantação propiciou a formação de

interpretações. Associados a este fato, as vivências, as discussões e as alterações trazidas pelo

novo sistema de saúde, despertaram o interesse e a necessidade de posicionamento de

profissionais, gestores e usuários, como forma de se envolverem e atuarem no novo contexto,

permitindo a apreensão cognitiva das mudanças que ocorriam à época e que ainda ocorrem no

cenário político e social da saúde no país.

Portanto, conforme expõem Oliveira et al. (2007, p. 385) “os profissionais construíram

representações sociais que reconhecem o SUS como um sistema diferente do anterior, mas

suas especificidades ainda se encontram em um progressivo processo de incorporação ao

sistema cognitivo dos mesmos”. Deve-se observar, ainda, que a presença das noções de não

universalidade do SUS e do seu direcionamento à doença reflete parte do pensamento social,

que associa políticas públicas à pobreza e à falta de qualidade, noções essas arcaicas que

ainda se manifestam no pensamento profissional (GOMES; OLIVEIRA; SÁ, 2008).

Os princípios do SUS estão presentes entre os conteúdos da representação social do

sistema para os profissionais de saúde, o que parece demonstrar a assimilação dos mesmos

por estes atores sociais, mesmo que de forma parcial. Faz-se menção, ainda, ao fato desta

apropriação despertar posicionamentos acerca da pertinência desses princípios ao contexto

sanitário atual brasileiro (OLIVEIRA et al., 2008)

Em estudo desenvolvido por Reis e Andrade (2008), no estado do Mato Grosso do Sul,

as representações dos enfermeiros tomam a integralidade como sinônimo de atendimento

holístico, sem associar a este termo significados específicos. A assistência é referida como

fragmentada, centrada nas queixas físicas e na doença. As representações identificadas neste

estudo apontam para a integralidade observada dentro do contexto das práticas cotidianas,

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envolvendo vários níveis de atenção, tendo o profissional médico como referência na

assistência (REIS; ANDRADE, 2008).

Um estudo realizado com 20 enfermeiros na cidade do Rio de Janeiro refere que o

cotidiano de atendimento realizado por estes profissionais apresenta-se repleto de

contradições e dificuldades. Este fato possibilita a formação de uma representação negativa

acerca do sistema, além da vivência de estresse e frustração no desempenho da profissão. Os

autores destacam, ainda, que essa negatividade possui relação, dentre outras questões, com a

impossibilidade de concretizar uma prática assistencial dentro dos parâmetros éticos da

profissão, ou ainda à impossibilidade de sua continuidade nas demais instâncias por meio do

mecanismo de referência e contra-referência (GOMES; OLIVEIRA; SÁ, 2007).

Na perspectiva da abordagem estrutural, tendo como foco a representação social do

SUS entre profissionais de saúde, estudo desenvolvido no Rio de Janeiro refere o

“atendimento” como elemento que, em princípio, confere identidade ao sistema, apontando

para a reafirmação do princípio de universalidade. Dentre os elementos de contraste,

evidenciou-se a incorporação dos princípios de unificação e igualdade. Os autores concluem

que a representação analisada revela, através de sua estrutura, um processo representacional

em formação, com a incorporação parcial dos princípios do SUS pelos profissionais de saúde

(GOMES; OLIVEIRA; SÁ, 2008).

Assim, conforme afirma Tura (1998), os estudos no campo das representações sociais

atrelados à prática de saúde possuem importância e assumem significação, ao permitir a

apreensão de processos pelos quais o sentido do objeto de estudo é construído pelos atores

sociais em suas relações cotidianas.

As representações sociais procuram revelar um conjunto de conhecimentos social e

culturalmente construídos pela interação de indivíduos e grupos sociais. Assim, estes

conhecimentos se encontram historicamente relacionados com o contexto de produção,

reprodução e manifestação de práticas sociais diárias e de suas representações, podendo,

portanto, ser considerados como saberes sociais compartilhados (CAVEDON, 2005).

Com o foco voltado para os usuários do SUS, em um estudo realizado sobre a

representação do acesso às políticas públicas de pessoas convivendo com tuberculose/Aids, os

pesquisados afirmaram dificuldades no convívio com a Aids e a tuberculose,

desconhecimento de conteúdos referentes ao entendimento do tratamento, busca de

vinculação aos profissionais de saúde, elegendo o assistente social e o médico para

resolutividade de suas demandas e desconhecimento quanto as terminologias conceituais das

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políticas públicas, os meios e as formas de acessibilidade na busca da garantia de sua

cidadania. (MORENO; GASPARINI; 2007)

Assis, Vila e Nascimento (2003) trabalharam com a representação do acesso para

usuários do SUS na cidade de Feira de Santana (BA) e identificaram que este fenômeno é

visto como excludente, desorganizado com duplicidade de ações, não respondendo as

necessidades dos sujeitos, e marcado pela ausência de referência efetiva entre os serviços.

Pereira (2006) expõe em seu estudo que os usuários apresentam três conceitos

distintos do SUS, quais sejam: a concepção do sistema como tratamento médico e de cunho

governamental, o que reforça o princípio de universalidade; a associação do SUS ao

atendimento de demandas emergenciais; e a procura dos serviços públicos pela classe média,

devido à dificuldade de arcar com os custos dos planos de saúde. Neste mesmo estudo, os

usuários representam o SUS como serviços onde existe dificuldade de acesso, o que acaba por

orientar as práticas dos mesmos, desestimulando a busca sistemática por ações e serviços de

saúde rotineiros, privilegiando as emergências (PEREIRA, 2006).

Com base no conjunto de estudos apresentado, foi possível identificar as diversas

representações constituídas de aspectos relacionados aos conhecimentos, às alterações

trazidas ao cotidiano dos atores sociais envolvidos, às respostas sociais e às conseqüências

resultantes da forma como o sistema é exposto à sociedade, fazendo com que os sujeitos

envolvidos neste processo de construção convivam com suas limitações, avanços e desafios.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

Este estudo faz parte de um projeto integrado intitulado “As Políticas Municipais de

Saúde no Contexto do SUS: Memórias e Representações das Instituições dos Profissionais e

dos Usuários na Cidade do Rio de Janeiro”, coordenado pela Profª. Denize Cristina de

Oliveira e desenvolvido no grupo de pesquisa “A Promoção da Saúde de Grupos

Populacionais”. O projeto integrado é financiado pela FAPERJ e pelo CNPq, através de

auxílio à pesquisa e bolsas de iniciação científica, e pela UERJ, com a concessão de bolsas de

iniciação científica e de pró-ciência.

3.1 Desenho do estudo

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem metodológica quanti-qualitativa,

fundamentado na Abordagem Estrutural da Teoria de Representações Sociais (TRS) no

âmbito da Psicologia Social (ABRIC, 2000, 2001a, 2001b; SÁ, 2002). Busca-se, com esta

abordagem acessar o conhecimento vivencial hierarquizado, construído pelos profissionais a

partir de suas práticas nos serviços de saúde, dos seus discursos, das informações circulantes

na rede assistencial, dos conteúdos midiáticos veiculados, do conhecimento científico, entre

outros.

Um estudo descritivo tem a finalidade de observar, descrever e documentar os

aspectos de determinada população ou fenômeno estudado (POLIT, 2004). Dentre as

pesquisas descritivas, são observadas aquelas que buscam levantar opiniões, atitudes e crenças

de uma determinada população. Usualmente, os pesquisadores preocupados com a atuação

prática de um determinado grupo social optam por este tipo de pesquisa (GIL, 1999).

As abordagens qualitativas se caracterizam pela preocupação em compreender a

maneira de agir e de pensar das pessoas ou dos grupos e buscam responder às exigências

colocadas aos fenômenos estudados. Ela pode ser aplicada a diferentes dimensões, como a

vida de um grupo, suas estruturas de pensamentos, suas crenças, seus códigos de conduta,

seus costumes e as experiências vivenciadas no cotidiano pelas pessoas. (JODELET, 2003)

A pesquisa qualitativa torna-se importante para este estudo à medida que permite

compreender valores culturais e representações de determinado grupo sobre temas

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específicos, bem como permite a avaliação de políticas públicas e sociais, tanto do ponto de

vista de sua formulação e aplicação técnica, como também dos profissionais que atuam na

execução das mesmas (MINAYO, 1999).

Já a pesquisa quantitativa é um método de pesquisa que utiliza técnicas estatísticas e

trabalha com a objetividade dos fenômenos estudados. Atua pautada na realidade dos fatos e

possui como campo de práticas e objetivos trazer à luz dados, indicadores e tendências

observáveis. Neste estudo, destaca-se a contribuição deste desenho metodológico, pois, com o

avanço da pesquisa cientifica, existe a possibilidade de utilizar a linguagem matemática para

descrever, representar ou interpretar a multidiversidade de formas vivas e suas possíveis inter-

relações (MINAYO; SANCHES, 1993).

Com relação à complementaridade de estudos quantitativos e qualitativos, Minayo e

Sanches afirmam que

se a relação entre quantitativo e qualitativo, entre objetividade e subjetividade não se reduz a um continuum, ela não pode ser pensada como oposição contraditória [...]. Assim, o estudo quantitativo pode gerar questões para serem aprofundadas qualitativamente, e vice-versa. (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 247, grifo do autor).

De acordo com Polit (2004) a associação de dados qualitativos e quantitativos em um

estudo único é chamada de pesquisa multimétodo. A mesma autora ressalta que os dados

qualitativos podem ser usados para ilustrar o significado das descrições quantitativas, de

forma a colaborar com o esclarecimento dos achados estatísticos, orientação essa que será

adotada neste estudo.

Por fim, destaca-se que as abordagens apresentadas podem ser utilizadas de forma

complementar em situações onde apenas uma delas seja insuficiente para abarcar toda a

realidade observada (MINAYO; SANCHES, 1993).

3.2 Cenário de estudo

Este estudo foi realizado em oito instituições de saúde, localizadas na cidade do Rio de

Janeiro. Sendo um hospital federal, de grande porte e que presta atendimento em diversas

especialidades de saúde; um hospital municipal que presta atendimento especializado à

mulher; um hospital estadual, geral, de grande porte, referência no atendimento de

emergência; um hospital privado conveniado ao SUS; e quatro centros municipais de saúde,

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que prestam atendimento ambulatorial em diversas áreas. A realização da coleta de dados

nestas instituições teve o objetivo de considerar os diferentes níveis de atenção de assistência

no SUS para a caracterização das representações sociais estudadas.

Estes campos apresentam particularidades relevantes para a sua escolha, que são:

terem sido constituídos há mais de 20 anos, de modo a ter constituído uma história e uma

cultura de prestação de assistência anterior e posterior à implantação do SUS; serem de fácil

acesso à população, o que possibilita a procura de usuários de diversas localizações do

município e do estado e variadas inserções sociais; e possuírem um grande número de

atendimentos e execução de serviços nos diversos níveis de assistência e complexidade do

sistema, bem como um grande quantitativo de profissionais em relação.

O hospital federal é considerado referência em Oftalmologia, Cirurgia de Cabeça e

Pescoço, Atendimento à Gestante de Alto Risco e atendimento de alta complexidade, como

transplante de rins, fígado e córnea. Possui uma estrutura física distribuída em 6 prédios de 4

a 7 pavimentos. Antes de ser integrado ao SUS, na década de 90, pertencia ao IAPETEC. Na

década de 60, com a fusão dos institutos de previdência, este hospital passou a fazer parte do

então criado INPS, que era responsável pela saúde, arrecadação e pagamento dos aposentados.

No final da década de 70 até 1989, a Unidade passou a ser gerida pelo INAMPS. Possui 403

leitos de internação, 40 leitos de Unidade de Terapia Intensiva, 15 salas cirúrgicas e 90

ambulatórios.

O hospital municipal se caracteriza por prestar atendimento especializado à mulher e à

gestante. Na década de 60, pertencia à rede hospitalar da SUSEME, como hospital

especializado, sendo gerido pelo Governo do Estado. Na década de 70, ocorreu a sua

municipalização e na década de 90 foi integrado ao SUS. Atualmente apresenta um perfil

diferenciado para atendimento de gestantes de alto risco, no qual hoje é referência para a

cidade do Rio de Janeiro, e para cirurgias ginecológicas. Possui 182 leitos, que incluem 20

leitos de UTI neonatal e 8 leitos de UTI materno-fetal, 4 salas de cirurgias, 8 salas para

realização de parto normal, e um andar específico para atendimento ambulatorial.

O hospital estadual sempre esteve ligado à Secretaria do Estado da Saúde do Rio de

Janeiro, é caracterizado por ser referência para o atendimento de emergência na Grande Rio.

Possui 362 leitos, 14 leitos de Unidade de Terapia Intensiva, 137 leitos nas unidades de

urgência e emergência, 27 ambulatórios e 8 salas cirúrgicas.

O hospital privado, filantrópico, de grande porte, era considerado uma referência na

cidade. Na década de 80 foi conveniado ao SUDS e, atualmente, possui convênio com o SUS.

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Comporta 05 grandes unidades em um mesmo espaço físico, sendo que, na atualidade, apenas

02 funcionam, sem utilizar a capacidade total instalada de atendimento e assistência.

Instalados na década de 40, os Centros de Saúde tinham a designação de bairro ou rua

e recebiam oficialmente uma numeração. Com as repartições de saúde passando à orientação

municipal, os Centros de Saúde passaram a ter a denominação de Centro Municipal de Saúde

(CMS). Além disso, estes receberam nomes de elementos de destaque que atuaram na área da

Saúde Pública, substituindo a então numeração que caracterizava os postos de saúde.

Os CMS prestam atendimento ambulatorial em diversas áreas, como ginecologia, pediatria,

clinica médica, dermatologia, homeopatia, atendem pacientes com doenças transmissíveis

como, tuberculose e hanseníase, possuem programas de saúde na atenção à mulher, à criança,

ao adolescente, ao adulto e ao idoso, e desenvolvem o programa nacional de vacinação

voltado para a população em geral. Contemplam, ainda, os setores de epidemiologia,

psicologia, serviço social, fonoaudiologia e odontologia.

3.3 Sujeitos do estudo

A população estudada foi composta por 125 profissionais exercendo funções em saúde,

atuantes na rede básica e/ou hospitalar. Destaca-se que 55 profissionais possuem formação de

nível médio e 70 de nível superior, e 64 atuam na rede hospitalar e 61 na rede básica. Neste

estudo foram considerados como profissionais de saúde todos aqueles que possuem formação

profissional específica, seja de nível médio ou superior, e capacitação prática para a execução

de atividades ligadas diretamente ao cuidado ou às ações de saúde.

A hipótese subjacente à escolha dos sujeitos e, particularmente, a inclusão dos

profissionais de nível médio, é a da existência de diferentes concepções sobre os princípios do

SUS. Essas diferenças, inclusive, serão objetos de análise nesta dissertação.

Para a seleção dos 125 sujeitos consideraram-se como critérios de inclusão:

profissionais que atuassem no serviço público de saúde há mais de 20 anos, de modo a

possuírem experiência profissional antes de 1990, uma vez que este ano foi o marco de

implantação do SUS com a aprovação da lei 8080/90, e profissionais exercendo funções em

saúde. Ainda foi levada em consideração, para a composição da amostra estudada, a

representatividade de grupos, quais sejam: paridade entre profissionais atuantes na rede

hospitalar e na rede básica, e paridade de profissionais de nível médio e superior.

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O quantitativo total de sujeitos foi definido a partir dos seguintes critérios: amostra

intencional de conveniência, parâmetros mínimos adotados no projeto integrado no qual esta

dissertação está inserida e exigência de quantitativo mínimo de sujeitos para a realização de

análises estatísticas pautadas em médias.

3.4 Coleta de dados

Dentre as diversas literaturas consultadas, observou-se que os autores mencionam uma

variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados em pesquisa de caráter social.

No que diz respeito a esta pesquisa, foram utilizadas como técnicas de coleta de dados a

evocação livre ou associação livre de palavras e a entrevista em profundidade, desenvolvidas

a partir de dois instrumentos, quais sejam: questionário de caracterização sócio-econômica,

associado ao instrumento de coleta de evocações livres (APÊNDICE A) e um roteiro temático

de entrevista (APÊNDICE B).

A coleta de dados ocorreu em dois momentos distintos – 2003 e 2008. A principal foi

realizada no ano de 2003 com 81 sujeitos e uma coleta complementar aconteceu no ano de

2008 com 44 sujeitos. A justificativa para a realização da segunda coleta foi a necessidade de

equiparar o quantitativo de profissionais que atuavam na rede básica àquele da rede

hospitalar, a fim de contemplar o terceiro objetivo específico desta dissertação.

O questionário de caracterização sócio-econômica apresenta variáveis relativas à

identificação dos sujeitos, como sexo, idade, função assumida na instituição, tempo de

trabalho na instituição de saúde, escolaridade e renda. A coleta destas informações foi

importante para a delimitação de subgrupos, em função das diferenças representacionais

(OLIVEIRA et al.,2005). O roteiro de entrevista foi elaborado contendo duas partes, sendo a

primeira com quatro questões abertas e a segunda com nove temáticas que deveriam ser

abordadas no decorrer da entrevista de forma mais livre.

Abric (2001b) considera que as técnicas de coleta de dados nas pesquisas em

representações sociais podem ser delimitadas em dois grupos principais, quais sejam: métodos

interrogativos e associativos. O primeiro reúne a expressão dos sujeitos sobre o objeto de

representação e, o segundo, também reúne tal expressão, só que de forma mais espontânea,

menos controlada, permitindo uma hierarquização dos seus conteúdos.

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Neste estudo, optou-se pela evocação livre como técnica principal, que é caracterizada

como um teste projetivo/associativo e busca acessar a organização e a estrutura interna da

representação. Cabe ressaltar que esta técnica se adequa à teoria do núcleo central, no campo

das representações sociais em sua abordagem estrutural, que se constitui como a base teórica

para a análise dos dados obtidos. A técnica de evocações livres no campo de estudos das

representações sociais permite o alcance, mais rapidamente que em uma entrevista, dos

elementos que constituem o universo semântico do objeto estudado e a apreensão da

percepção da realidade de um grupo social, a partir de uma composição semântica pré-

existente (OLIVEIRA et al., 2005; ABRIC, 2001b).

Ao utilizar esta técnica é solicitado que o entrevistado verbalize um determinado

número de palavras ou expressões que venha imediatamente à cabeça após contato com o

termo indutor, neste caso, SUS. A delimitação da quantidade de palavras que serão evocadas

deve ser previamente estabelecida pelo pesquisador. No entanto, a recomendação é de que não

se exceda seis palavras, pois a partir de sete palavras ocorre um declínio na rapidez das

repostas, descaracterizando o caráter espontâneo e natural da técnica (OLIVEIRA et al.,

2005). Neste estudo, foi delimitado o quantitativo de cinco palavras a serem verbalizadas por

cada sujeito participante da pesquisa.

A coleta de evocações pode ser realizada a partir de diversos procedimentos, quais

sejam: por meio de instrumento impresso e estruturado, que pode ser auto-aplicado ou

aplicado pelo pesquisador; ou por meio de gravação durante a realização da entrevista e

transcrito posteriormente (OLIVEIRA et al., 2005). Neste estudo, foi selecionado um

instrumento impresso, aplicado individualmente e preenchido pela própria pesquisadora em

situação de entrevista. Desta forma, foi apresentado, inicialmente, o termo de consentimento

livre e esclarecido e realizado um ensaio com os entrevistados a partir de outros termos

indutores, de caráter mais lúdico, para maior familiarização com a técnica. Feito isso, deu-se

início a coleta de dados propriamente dita.

Diante do exposto, destaca-se a simplicidade da aplicação prática da técnica, que pode

ser realizada de forma isolada ou em conjunto com outras técnicas como, por exemplo, a

entrevista. A associação livre é uma técnica de aplicabilidade indispensável para a coleta dos

elementos que constituem o conteúdo das representações, entretanto, se tomada isoladamente,

a produção obtida pela mesma torna-se de difícil interpretação (OLIVEIRA et al., 2005).

Neste sentido, optou-se pela utilização da entrevista em profundidade como técnica

complementar, caracterizada como método interrogativo, que se deu com base em um roteiro

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temático. Destaca-se que, neste estudo, as entrevistas foram utilizadas para explicitar e melhor

compreender o contexto semântico das evocações livres efetuadas pelos entrevistados.

Conforme ressaltado anteriormente, o roteiro de entrevista buscou apreender um relato

baseado nas vivências cotidianas e nas práticas dos profissionais, no interior dos serviços de

saúde. Foram percebidas diferenças nos depoimentos entre profissionais de nível médio e

superior, sendo a entrevista com esses últimos mais longas. Enquanto que com os

profissionais de nível médio as respostas foram mais pragmáticas, voltadas para a qualidade

ou os aspectos quantitativos da assistência prestada, portanto mais breves e pontuais.

Antes da realização da entrevista foi aplicado o instrumento de caracterização sócio-

econômica e realizada a coleta das evocações livres, o que permitiu uma aproximação mais

rápida entre pesquisadora e pesquisado, facilitando a realização da entrevista. As mesmas

foram registradas em fita K7 e posteriormente transcritas, permitindo o registro fiel dos dados.

A entrevista é definida por Gil (1999) como uma técnica que supõe uma conversação

continuada entre o entrevistado e o pesquisador, onde este se apresenta frente ao entrevistado

e lhe formula perguntas, ou seja, é uma forma de interação social em que uma das partes

busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação, e a sua direção deve

estar de acordo com os objetivos do estudo. Para Minayo (1999), a entrevista em

profundidade parte da elaboração de um roteiro que possibilita o aprofundamento de

temáticas que o pesquisador deseja abordar em campo.

Segundo Abric (2001b), a entrevista em profundidade se constitui como importante

método aos estudos de representações sociais, sendo caracterizada como uma situação de

interação finalizada. Esta técnica continua sendo utilizada como uma importante ferramenta

para o acesso ao conteúdo das representações, porém observa-se que para um maior controle e

ordenação das informações coletadas existe a necessidade de associar esta a outras técnicas de

coleta de dados. Acrescenta-se, ainda, que se a entrevista possibilita o acesso ao conteúdo de

uma representação e às atitudes desenvolvidas pelo individuo, raramente permite identificar a

organização e a estrutura interna da representação, o que reforça a necessidade de associação

com outras técnicas (ABRIC, 2001b).

Com base no exposto, observa-se que diversos autores concordam com a importância

da associação de diferentes técnicas metodológicas nos estudos de representações sociais, a

fim de identificar os conteúdos, a organização, a estrutura interna e, por fim, confirmar a

centralidade dos elementos que constituem uma representação (ABRIC, 2001b; SÁ, 1998).

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3.5 Aspectos Éticos da Pesquisa

Em observância aos aspectos éticos e legais da resolução 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996) que normaliza a pesquisa

com seres humanos, o projeto de pesquisa desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa e coordenado

pela Professora Titular Denize Cristina de Oliveira foi apresentado ao Comitê de Ética da

UERJ, tendo sido aprovado através do protocolo nº. 006/2005-COEP, e ao Comitê de Ética

em Pesquisa da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, sendo aprovado através do

protocolo n°. 196/08

Para a realização da coleta das evocações livres e das entrevistas foi encaminhada uma

solicitação à diretoria dos serviços de saúde, anexando-se uma cópia do projeto de pesquisa e

a carta de autorização do Comitê de Ética (ANEXOS A e B). Após a autorização institucional,

deu-se início ao contato com os sujeitos. Antes de realizar a coleta foram apresentados, para

cada entrevistado, os objetivos e a metodologia do estudo, bem como o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C) e solicitado que os sujeitos o assinassem.

3.6 Análise de dados

Uma representação social se define por meio dos seguintes componentes: o conteúdo,

a organização e a estrutura interna. Dessa forma, não deve ser investigado apenas o conteúdo

da representação em si, mas também a organização desse conteúdo. Por isso, os estudos das

representações requerem a utilização de métodos que busquem identificar os elementos

constitutivos da representação, conhecer a organização destes elementos e identificar o núcleo

central da mesma (ABRIC, 2001b). No entanto, nenhuma técnica, até o momento, permite

atingir estes três elementos, sendo imprescindível, em um estudo de representações sociais, a

associação de técnicas distintas, articulado em três etapas, quais sejam: a coleta do conteúdo

da representação (através de entrevistas associadas com a evocação livre); a busca da estrutura

e do núcleo central (por meio da identificação da saliência e dos laços entre os diversos

elementos da representação) e, por fim, a verificação da centralidade (por meio de técnicas

como, os esquemas cognitivos de base) (ABRIC, 2001b; SÁ, 2002).

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Conforme exposto por Moliner apud Sá (2002, p. 114-115):

Os métodos de levantamento, na medida em que operam sobre propriedades quantitativas apenas indiretamente decorrentes das proposições básicas da teoria do núcleo central, possibilitam não mais do que a formulação de hipóteses acerca da centralidade das cognições que integram uma representação. Trata-se, não obstante, de uma etapa imprescindível para o acesso definitivo à configuração do núcleo central.

De acordo com a abordagem estrutural das representações, a pesquisa de levantamento

do núcleo central, possibilitada pelas evocações livres coletadas, deve ser baseada em dois

critérios, quais sejam: a saliência dos elementos da representação e a conexidade entre os seus

elementos (SÁ, 2002).

Sendo assim, na análise dos dados foram utilizadas três técnicas distintas, quais sejam:

técnica de construção do quadro de quatro casas; análise de similitude; e análise de conteúdo.

A análise das evocações livres por meio da técnica de construção do quadro de quatro casas,

foi instrumentalizada pelo software EVOC 2003, e baseada nos critérios de saliência e de

conexidade dos elementos coletados, de forma a identificar os elementos do sistema central e

do sistema periférico das representações. Uma segunda técnica adotada foi a análise de

similitude, baseada no cálculo de conexidade entre os elementos da representação, aplicada

aos resultados da averiguação posterior das evocações. Finalmente, optou-se pela análise de

conteúdo manual de Bardin (2000), sistematizada por Oliveira (2008), para os dados obtidos

através das entrevistas e que permitiram uma melhor elucidação dos conteúdos

representacionais.

Diante do exposto, cabe considerar que, neste estudo, nos propomos a realizar o

levantamento dos possíveis elementos que compõem o núcleo central da representação social

do SUS, com vistas a captar a incorporação dos princípios do SUS para profissionais de

saúde, atingindo assim, a segunda etapa de um estudo plurimetodológico, conforme proposto

por ABRIC (2001b). No entanto, mesmo que de forma aproximativa, a análise de similitude

pode funcionar como cotejamento de centralidade, apesar de não ser reconhecida como

técnica de confirmação da centralidade dos elementos representacionais.

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85

3.6.1 Análise da estrutura da representação

Para o tratamento dos dados obtidos a partir das evocações foi utilizado o software

EVOC 2003 e a técnica de construção do quadro de quatro casas, considerando a freqüência e

a ordem dos termos produzidos, conforme definido por Vergès (2005) e Sá (2002). Foi

utilizada também a técnica de análise de similitude, proposta por Flament em 1986 (SÁ,

2002). O software EVOC realiza cálculos estatísticos e construção de matrizes de co-

ocorrências, que servem de base para dois tipos de análises: a construção do quadro de quatro

casas e a análise de similitude (FLAMENT apud OLIVEIRA et al., 2005).

O quadro de quatro casas (figura 1), que expressa o conteúdo e a estrutura das

representações sociais de um determinado objeto, é formado a partir do cruzamento entre a

frequência e a ordem hierarquizada das evocações. Corresponde a quatro quadrantes, onde no

alto e à esquerda ficam situados os termos mais significativos para o sujeito e, provavelmente,

o núcleo central da representação. As palavras localizadas no quadrante superior direito e no

quadrante inferior esquerdo são os elementos da 1ª periferia e os elementos de contraste,

respectivamente. Já aquelas localizadas no quadrante inferior direito constituem os elementos

mais periféricos da representação, ou 2ª periferia (SÁ, 2002; OLIVEIRA et al., 2005).

Média das Ordens Médias Ponderadas de Evocação

Elementos do Núcleo Central

O.M.E. menor que a média (maior importância)

Elementos mais frequentes

Freqüência média

Elementos da 1ª periferia

O.M.E. igual ou acima da média (menor importância)

Elementos mais frequentes

das palavras evocadas

Elementos de contraste

O.M.E. menor que a média (maior importância)

Elementos menos frequentes

Elementos da 2ª periferia

O.M.E. igual ou acima da média (menor importância) Elementos menos frequentes

Figura 1- Representação esquemática do Quadro de Quatro Casas4.

4 Quadro adaptado das fontes: Oliveira et al. (2005); Abric (2003b).

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Neste sentido, o quadrante superior esquerdo engloba os elementos com freqüência

maior ou igual à freqüência média definida pelo pesquisador e de menor ordem média de

evocação (mais prontamente evocados), que são, por isso mesmo, os mais prováveis

componentes do núcleo central da representação.

No quadrante superior direito, ou primeira periferia, encontram-se os elementos

periféricos mais importantes em função das suas elevadas freqüências, os quais, inclusive,

podem eventualmente se revelar centrais. No quadrante inferior direito ou segunda periferia

encontram-se os elementos menos freqüentes e menos importantes, condições em função das

quais são considerados como a periferia propriamente dita da representação.

Por fim, no quadrante inferior esquerdo localizam-se os elementos que, apesar de

apresentar baixas freqüências, são considerados muito importantes pelos sujeitos pela ordem

de evocação, levando-o a ser caracterizado como uma zona de contraste da representação,

reveladora da existência de um subgrupo que sustenta uma representação distinta daquela

observada no grupo social analisado.

Destaca-se que o Software EVOC 2003 realiza a comparação estatística, por meio do

teste T de Student, entre as evocações de sub-grupos. Desta forma, esta estratégia foi utilizada

para realizar a comparação entre as evocações de dois sub-grupos, quais sejam: nível de

escolaridade (médio e superior) e local de atuação (rede básica e hospital). De acordo com

POLIT (2004), o teste T de Student é o procedimento apropriado para testar a significação

estatística de uma diferença entre as médias de dois subgrupos. Outra contribuição para a

análise da variação de respostas entre os diferentes subgrupos foi a inclusão de outras

variáveis de caracterização dos sujeitos no corpus de análise.

Para a realização desse tipo de análise foram seguidos os seguintes passos descritos

por Oliveira et al. (2005). O primeiro passo foi digitar, em formato Word, todas as evocações

em sua forma original, com base na ordem natural de evocação; de forma seqüencial,

realizou-se a correção ortográfica das palavras e dos termos evocados e a diminuição de frases

e expressões que foram evocadas e que eram grandes demais para serem processadas pelo

software, essas correções tiveram o objetivo de deixar apenas o núcleo da frase ou núcleo de

sentido; após, foi realizada uma padronização das palavras e dos termos evocados para que

houvesse uma homogeneização do conteúdo. Por fim, foi elaborado um dicionário de

padronização das evocações (APÊNDICE D), com o objetivo de preservar o conteúdo

semântico expresso pelos sujeitos, no momento da interpretação dos resultados.

Após o preparo das evocações foi construído o corpus, em formato WORD, com a

inclusão de variáveis, que foram categorizadas e codificadas. Assim, a primeira coluna

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correspondente à variável identificação do sujeito foi composta por três algarismos

(001;002;003...); da segunda à sexta coluna foram inseridas as variáveis que receberam por

códigos nºs (1;2;3..); e em seguida, os termos evocados foram digitados precedidos pelos

números de 1 a 5, correspondente a ordem natural de evocação.

Em seguida, os arquivos foram transformados em formato Somente Texto para serem

processados pelo EVOC. O software EVOC é formado por um conjunto de programas

articulados que, juntos, realizam a análise estatística das evocações com cálculos de médias, e

a partir dos seus resultados os termos evocados podem ser distribuídos no quadro de quatro

casas. (OLIVEIRA et al., 2005).

Os programas utilizados nesta análise foram: lexique, trievoc, nettoie, rangmot,

rangfrq, selevoc e complex. Dentre estes se destacam o Rangmot, que fornece um relatório

com todas as palavras evocadas e os cálculos estatísticos gerados na análise (APÊNDICES E,

F,G,H,I); o Selevoc, que permite a criação dos arquivos correspondente ao corpus de cada

subgrupo analisado; e o Complex utilizado na comparação estatística, com o teste T de

Student, dos subgrupos, que gerou um relatório com os resultados das análises estatísticas

processadas (APÊNDICE J)

Cabe considerar, ainda, o programa Rangfrq que, baseado em cada corpus, permitiu a

construção do Quadro de Quatro Casas do grupo geral e de cada subgrupo (OLIVEIRA et al.,

2005). Tal construção obedeceu a dois critérios de importância para distribuição dos termos

nos quatro quadrantes: a frequência média de ocorrência das palavras (calculada com base no

relatório gerado pelo Rangmot) e a média das ordens médias de evocação das palavras

(gerada pelo Rangmot). Por fim, com base na freqüência mínima definida pela pesquisadora,

foram excluídas do quadrante as palavras cujas frequências encontravam-se abaixo da mesma.

Após a distribuição dos termos produzidos procedeu-se a interpretação do quadro

(OLIVEIRA et al., 2005).

Ressalta-se que a base teórica utilizada para a análise dos resultados obtidos a partir

das evocações será a teoria do núcleo central, vinculada à abordagem estrutural no campo das

representações sociais (ABRIC, 2000; SÁ, 2002).

Dando continuidade ao tratamento dos dados obtidos a partir das evocações foi

utilizada a técnica de análise de similitude, introduzida no campo das representações sociais

por Claude Flament, sendo a principal técnica de detecção do grau de conexidade dos diversos

elementos de uma representação (SÁ, 2002).

Flament apud Oliveira (2001, p.142) sobre a análise de similitude afirma que:

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admite-se que dois itens serão mais próximos na representação quanto mais elevado for o número de indivíduos que os tratem da mesma maneira (seja aceitando ou rejeitando os dois); calcula-se um coeficiente de contingência, que é um índice de semelhança clássico. Em função da análise de co-ocorrência de palavras ou categorias, obtém-se uma matriz de semelhança, a partir da qual podem ser calculados os índices de similitude.

A análise de similitude pode ser definida como um procedimento utilizado na

perspectiva estrutural do estudo de representações sociais para averiguação da “quantidade de

laços ou conexões que um dado elemento mantenha com outros elementos da representação”

(SÁ, 2002, p.123). Este mesmo autor ressalta que tais conexões podem ser utilizadas como

um segundo indicador da provável participação deste elemento no núcleo central (SÁ, 2002).

Outra contribuição da análise de similitude é a identificação das associações que um

determinado elemento do núcleo central mantém com os elementos periféricos da

representação (PECORA, 2009).

Para a realização deste tipo de análise foram seguidos os passos propostos por Pecora

(2007). Sendo assim, foi realizado todo o procedimento citado anteriormente até a montagem

do quadro de quatro casas; após, calculou-se a co-ocorrência das palavras com base naquelas

que compunham este quadro. Para a realização desta análise utilizou-se o princípio de

conexidade espontânea admitindo-se que os termos fornecidos pelos sujeitos em associação

livre, guardam relação entre si, logo se encontram em conexidade espontânea (PECORA,

2007). Para o cálculo dos índices montou-se a tabela de co-ocorrências (APÊNDICES K, L,

M), e realizou-se o cálculo do índice de similitude entre cada par de palavras; montando-se a

árvore máxima a partir destes índices, que é caracterizada como uma representação gráfica

das conexões entre os elementos de uma representação social (PECORA, 2007; SÁ, 2002).

Com o objetivo de calcular a co-ocorrência das palavras que compunham o quadro de

quatro casas, foi preciso retornar ao corpus das evocações fornecidas por cada sujeito. Dentre

as cinco palavras evocadas por cada um deles, foi verificada a co-ocorrência espontânea5 dos

termos. Nesta fase, foram levados em consideração os sujeitos que, ao menos, evocaram duas

das palavras que apareceram no quadro de quatro casas, visto que uma relação de conexidade

somente pode existir entre um e outro termo (PECORA, 2007).

Após serem computadas todas as co-ocorrências possíveis, procedeu-se ao cálculo do

índice de similitude, ou seja, o número de co-ocorrência pelo número de sujeitos envolvidos

(MOLINER apud PECORA, 2007). Após os cálculos, a árvore máxima foi construída.

5 Destaca-se que Pecora (2009, p.104) denomina co-ocorrência espontânea a relação binária estabelecida entre o conjunto de evocações ditadas pelo sujeito.

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O ponto de partida para a construção desse gráfico foram os maiores índices de

similitude, ou seja, as conexões mais fortes. Através desta identificação é possível desenhar

graficamente a árvore, unindo palavra a palavra por traços, até que todos os termos estejam

nela representados. Destaca-se que uma árvore máxima não forma ciclos, se isto ocorrer

durante a sua construção, deve-se ignorar a relação e procurar, na seqüência, outra conexão

(PECORA, 2007).

O suporte da análise de similitude decorre da teoria dos “grafos”, através do qual uma

árvore máxima é um grafo conexo e sem ciclo, ou seja, aquele no qual todos os elementos,

são ligados entre si, existindo um só caminho para ir de um elemento a outro (FLAMENT

apud OLIVEIRA 2001; SÁ, 2002).

Na interpretação destes gráficos, considera-se a hierarquia de valores das ligações

entre os termos, a relação de vizinhança entre os termos e a conotação assumida por cada

termo, em função dos outros termos que a ele se ligam (OLIVEIRA et al., 2005). Esta análise

“possibilita mais um nível de explicitação, tanto do conteúdo quanto da estrutura da

representação, confirmando ou questionando a hipótese de centralidade resultante da

construção do quadro de quatro casas” (OLIVEIRA, 2001, p. 143; OLIVEIRA et al., 2005).

3.6.2 Análise dos conteúdos da representação

Na análise dos dados obtidos através das entrevistas foi utilizada a técnica de análise

de conteúdo temática de Bardin, sistematizada por Oliveira (2008). A análise de conteúdo é

definida por Bardin (2000, p. 42) como

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos, e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Esta análise consiste num processo através do qual o material empírico é transformado

sistematicamente e agregado em unidades, as quais permitem uma descrição exata das

características pertinentes ao conteúdo (OLIVEIRA, 2008). O pesquisador parte de uma

literatura superficial com vistas a atingir um nível mais aprofundado da mensagem,

permitindo com isso ultrapassar o nível dos dados manifestos. Para tal alcance, a análise de

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conteúdo relaciona o significante (estruturas semânticas) com os significados (estruturas

sociológicas) dos enunciados (MINAYO, 1999).

Para Bardin (2000, p. 77), a análise de conteúdo temática implica na “contagem de um

ou vários temas ou itens de significação, numa unidade de codificação previamente

determinada”. Complementar a está idéia, Minayo (1999) refere que a análise de conteúdo

temática permite ao pesquisador descobrir os núcleos de sentido que compõem uma

comunicação cuja presença ou freqüência possuam algum significado para o objetivo do

estudo.

A execução desta análise foi organizada em três fases consecutivas: pré-análise;

exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise

é a fase de organização que objetiva sistematizar as idéias iniciais. A exploração do material

consiste em operações de codificação ou enumeração, em função de regras previamente

formuladas. Na fase de tratamento dos resultados, busca-se evidenciar as informações

fornecidas pela análise, através de operações estatísticas simples ou mais complexas

(BARDIN, 2000).

Conforme os procedimentos propostos por Oliveira (2008), na pré-análise foi realizada

a leitura flutuante do texto, que possibilitou a geração de hipóteses provisórias sobre o objeto

estudado e o texto analisado. Após foi realizada exploração do material por meio da

determinação das unidades de registro (UR). Neste estudo foi adotado o “tema” como o tipo

de UR, que se caracteriza pela regra de recorte do sentido e não da forma, representado por

palavras, frases ou parágrafos. Após a seleção, todas as UR foram marcadas no texto. Em

seguida, as UR foram adequadas nas respectivas categorias teórico-analíticas, ou seja,

categorias pré-estabelecidas, neste caso, denominadas de acordo com os princípios do SUS. E,

por fim, procedeu-se ao tratamento dos dados por meio de quantificações simples, onde foram

colocadas em evidência as informações fornecidas pela análise. Os resultados foram

apresentados através de tabela (APÊNDICE N).

Em síntese, na análise de conteúdo, todas as falas dos sujeitos foram repartidas em

unidades de registros (UR) que foram distribuídas entre as categorias analíticas. Oliveira

(2008, p.573) refere que “as categorias representam a reconstrução do discurso a partir de

uma lógica impressa pelo pesquisador, portanto expressam uma intencionalidade de re-

apresentar o objeto de estudo, a partir de um olhar teórico específico”.

Destaca-se que, neste estudo, as UR foram utilizadas para o esclarecimento dos

conteúdos presentes nas evocações que permaneceram nos quadrantes e para ressaltar as

diferenças encontradas nas comparações dos subgrupos supracitados. Os resultados da análise

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de conteúdo, portanto serviram como contexto para o esclarecimento dos conteúdos das

representações sociais.

Por fim, a partir das técnicas de análise descritas neste capítulo buscou-se identificar

os conteúdos e a estrutura das representações sobre os princípios do SUS para os profissionais

de saúde em dois cenários e, consequentemente, em três níveis de atenção distintos, quais

sejam: o hospital (atenção terciária) e o CMS (atenção primária e secundária). Assim, buscou-

se identificar as especificidades destas representações aos diferentes contextos institucionais e

aos distintos níveis de escolaridade, através da análise dos subgrupos de entrevistados.

No próximo capítulo serão apresentados os resultados e as discussões do estudo, bem

como a caracterização dos sujeitos da pesquisa.

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4 OS PRINCÍPIOS DO SUS INCORPORADOS E RECONSTRUÍDOS PELOS

PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Neste capítulo serão apresentados os resultados construídos a partir das análises

realizadas. Inicialmente, serão descritos os dados da caracterização dos sujeitos da pesquisa,

obtidos a partir do questionário de caracterização sócio-econômica. Após, descrever-se-ão os

quadros de quatro casas da análise geral e das comparações relacionadas às seguintes

variáveis: escolaridade, com aplicação de teste de comparação estatística (Student) e locais de

atuação; e as árvores máximas, decorrentes da análise de similitude. Por fim, destaca-se que

será apresentada em paralelo, a análise de conteúdo das entrevistas em forma de

exemplificação dos conteúdos representacionais identificados na análise estrutural.

4.1 Caracterização dos profissionais de saúde estudados

Os sujeitos participantes deste estudo foram 125 profissionais de saúde, sendo 55

(44%) profissionais com nível de escolaridade médio e 70 (56%) com nível superior, atuantes

em oito instituições de saúde, sendo quatro Centros Municipais de Saúde (CMS), com 61

profissionais (48,8%), e quatro unidades hospitalares, com 64 profissionais (51,2%),

conforme exposto nas tabelas 1 e 2.

Dentre os profissionais que atuam nos CMS, 52,5% possuem nível médio e 47,5%

possuem nível superior. Entre os profissionais que atuam nas unidades hospitalares, 35,9%

possuem nível médio e 64,1% possuem nível superior. Observa-se, assim, um predomínio de

profissionais com nível superior atuando no hospital e profissionais de nível médio nos CMS,

como demonstra a tabela 1 a seguir.

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Tabela 1- Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o nível de escolaridade e a instituição de saúde analisada. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

A tabela 2 reforça esse resultado, uma vez que dentre os profissionais com nível

médio, 58,2% atuam nos CMS e 41,8% atuam no hospital. No que diz respeito aos

profissionais de nível superior, 41,4% atuam nos CMS e 58,6% nas unidades hospitalares.

Tabela 2 - Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com a instituição analisada e o nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

Nível Médio Nível Superior Total INSTITUIÇÃO DE

SAÚDE f % f % f % CMS 32 58,2 29 41,4 61 48,8 Hospital 23 41,8 41 58,6 64 51,2 TOTAL 55 100 70 100 125 100

Com relação à variável sexo, existe um predomínio de sujeitos do sexo feminino,

representando 82,4% do quantitativo total, enquanto que apenas 17,6% eram do sexo

masculino, conforme exposto na tabela 3. Destaca-se que este resultado vai ao encontro de

uma publicação realizada pela OPAS (Organização Pan-americana de Saúde), em 1986, com

relação a inserção da mulher no mercado de trabalho, em especial na área saúde.

Nogueira (1986) afirma que algumas categorias profissionais da saúde possuem a

tradição de serem tipicamente femininas, como os profissionais da área de enfermagem, da

psicologia, nutrição e fisioterapia, e que há uma tendência para a feminilização de outras

categorias profissionais como, por exemplo, a medicina e a odontologia (NOGUEIRA, 1986).

Neste sentido, 23 anos após esta publicação, observa-se, no atual estudo, um predomínio de

profissionais do sexo feminino em diversas categorias profissionais na área da saúde.

Entre os profissionais de nível médio, 87,3% dos profissionais são do sexo feminino e

12,7% do sexo masculino. Já entre os profissionais de nível superior, observa-se que 78,6% são

NÍVEL DE Prof. CMS Prof. Hospital Total

ESCOLARIDADE f % f % f % Médio 32 52,5 23 35,9 55 44,0 Superior 29 47,5 41 64,1 70 56,0 TOTAL

61

100

64

100

125

100

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do sexo feminino e 21,4% do sexo masculino, não se observando, portanto, variação importante

desses quantitativos por nível de escolaridade.

Tabela 3 – Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o sexo por nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

As mesmas considerações podem ser feitas para a distribuição quantitativa por local de

atuação, pois, como pode ser observado na tabela 4, existe um predomínio de profissionais do

sexo feminino tanto no hospital, como no Centro Municipal de Saúde, com percentuais

caracterizados por 85,2% e 79,7% respectivamente. Já entre o sexo masculino, observa-se que

14,8% dos profissionais atuante no CMS correspondem a este sexo, contra 20,3% dentre os

que atuam no hospital.

A partir do exposto, percebe-se que um quantitativo discretamente maior de

profissionais do sexo masculino encontra-se nas unidades hospitalares. No entanto, não

existem variações quantitativas significantes relacionadas ao local de atuação, uma vez que há

um predomínio de profissionais do sexo feminino independente da unidade estudada.

Tabela 4 – Distribuição dos sujeitos da pesquisa de acordo com o sexo por unidade de atuação. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

Na análise da variável renda pessoal mensal observou-se que a maioria (59,2%) dos

profissionais de saúde possui renda mensal entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00, conforme

exposto na tabela 5, a seguir. Destaca-se uma diferença de percentual importante entre os

SEXO

Nível médio Nível superior f % f %

Total f %

Feminino Masculino

48 87,3 55 78,6 7 12,7 15 21,4

103 82,4 22 17,6

Total

55 100 70 100

125 100

Prof. CMS Prof. Hospital Total SEXO f % f % f %

Feminino Masculino

52 9

85,2 14,8

51 13

79,7 20,3

103 22

82,4 17,6

TOTAL 61 100 64 100 125 100

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profissionais de nível médio e os profissionais de nível superior, pois 81,9% possuem renda

pessoal mensal concentrada nas faixas de renda entre R$ 700,00 e R$ 2.000,00 e 52,9%

possuem a renda concentrada nas faixas de R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00, respectivamente.

Sendo expressivo também o percentual de profissionais de nível superior (34,4%) que

possuem renda mensal entre R$ 4.000,00 e R$ 8.000,00. Faz-se menção ao fato desses

resultados estarem de acordo com as diferenças hierárquicas, entre as categorias profissionais

estudadas, estabelecidas pela função assumida na instituição associada ao nível de escolaridade,

que se caracteriza também pela hierarquia salarial.

Tabela 5 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a renda pessoal mensal por nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

RENDA PESSOAL Nível Médio Nível Superior Total

MENSAL f % f % f % até R$ 1000,00 14 25,5 2 2,9 16 12,8 R$ 1000,01 até R$ 2000,00 31 56,4 17 24,3 48 38,4 R$ 2000,01 até R$ 3000,00 6 10,9 20 28,6 26 20,8 R$ 3000,01 até R$ 4000,00 3 5,5 5 7,1 8 6,4 R$ 4000,01 até R$ 5000,00 0 0,0 10 14,3 10 8,0 R$ 5000,01 até R$ 6000,00 0 0,0 9 12,9 9 7,2 acima de R$ 6000,00 0 0,0 5 7,1 5 4,0 Não Declarada 1 1,8 2 2,9 3 2,4

Total 55 100 70 100 125 100 No que diz respeito à distribuição da renda pessoal mensal entre os profissionais de

saúde de acordo com a unidade de atuação, destaca-se que a maioria dos sujeitos estudados

(73,8%), que atua no CMS, possui renda entre R$ 1.000,00 e R$ 4.000,00. Já entre os

profissionais que atuam nas unidades hospitalares a renda está concentrada (73,5%) entre R$

700,00 e R$ 3.000,00. O que pode ser caracterizado como uma diferença significativa entre

local de atuação, associado aos diversos vínculos públicos (municipal, estadual e federal), e

renda mensal. Estes dados podem ser observados na tabela 6 (próxima folha).

Cabe apontar que estes resultados apresentam-se em conformidade com a proposição

de Gomes, Oliveira e Sá (2007), ao expor que o princípio da isonomia salarial entre os

diferentes vínculos públicos ainda não se apresenta como uma realidade no interior do SUS,

uma vez que a defasagem salarial é um tema constantemente apontado pelos profissionais de

saúde analisados em seus estudos.

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Tabela 6 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a renda pessoal mensal por unidade de atuação. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

RENDA PESSOAL Prof. CMS Prof. Hospital Total

MENSAL f % f % f % até R$ 1000,00 5 8,2 11 17,2 16 12,8 R$ 1000,01 até R$ 2000,00 24 39,3 24 37,5 48 38,4 R$ 2000,01 até R$ 3000,00 14 23,0 12 18,8 26 20,8 R$ 3000,01 até R$ 4000,00 7 11,5 1 1,6 8 6,4 R$ 4000,01 até R$ 5000,00 4 6,6 6 9,4 10 8,0 R$ 5000,01 até R$ 6000,00 6 9,8 3 4,7 9 7,2 acima de R$ 6000,00 1 1,6 4 6,3 5 4,0 Não Declarada 0 0,0 3 4,7 3 2,4

TOTAL

61

100

64

100

125

100

Com base nos dados disponíveis na tabela 7 (próxima folha) observa-se que os sujeitos

estudados foram distribuídos em três grupos de acordo com a função assumida nas unidades

estudadas. Constata-se que, 48% dos profissionais entrevistados assumem funções de nível

técnico ou auxiliar, enquanto que 39,2% atuam em funções assistenciais de nível superior.

Destaca-se ainda que 12,8% dos sujeitos deste estudo possuem funções de chefia nas unidades

estudadas.

Ao comparar a função com o nível de escolaridade, observa-se que todos os

profissionais de nível médio (100%) exercem funções em saúde de nível técnico e auxiliar.

Dentre os profissionais de nível superior, 70% exercem funções assistenciais de nível

superior, 24,2% possuem funções gerenciais em saúde e 5,8% exercem funções de nível

técnico e auxiliar. Observa-se nesses resultados que, mesmo de forma discreta, a formação

dos técnicos e auxiliares é superior ao exigido para o exercício da função.

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97

Tabela 7 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a função exercida por nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

FUNÇÃO Nível Médio Nível superior Total f % f % f %

Funções em saúde de nível técnico ou auxiliar

55

100

05

5,8

60

48,0

Funções assistenciais em saúde de nível superior

00

00

49

70,0

49

39,2

Funções gerenciais em saúde 00 00 16 24,2 16 12,8 TOTAL 55 100 70 100 125 100

No entanto, ao comparar a função com o local de atuação, percebe-se que dentre os

profissionais que atuam no CMS, 59% possuem função de saúde de nível técnico e auxiliar,

38% possuem função em saúde de nível superior e 3% funções de chefia. No que diz respeito

ao hospital, refere-se que 39% exercem funções de nível técnico ou auxiliar, 40,6% exercem

funções de nível superior e 20,4% possuem cargos de chefia. Estes dados podem ser

observados na tabela 8.

Tabela 8 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a função exercida por unidade de atuação. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

FUNÇÃO

Prof. CMS Prof. Hospital f % f %

Total f %

Funções em saúde de nível técnico ou auxiliar Funções em saúde de nível superior Funções de chefia

35 59,0 25 39,0 23 38,0 26 40,6 03 3,0 13 20,4

60 48 49 39,2 16 12,8

TOTAL

61 100 64 100

125 100

Quanto ao tempo de atuação nas unidades estudadas, conforme consta na tabela 9,

existe uma diferença importante, pois no intervalo correspondente de 20 a 28 anos encontram-

se 76 % dos profissionais, sendo 30,4% no período de 20 a 22 anos, 22,4% no período de 23 a

25 anos e 23,2% entre 26 e 28 anos. Enquanto que no intervalo correspondente de 29 a 40

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anos encontram-se 24% profissionais, sendo 12% no período de 29 a 31 anos e 12% no

período de 32 a 40.

Estes dados apontam para o processo de aposentadoria, que no Brasil, de acordo com a

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), ocorre por invalidez permanente,

compulsoriamente ou voluntariamente, sendo a última, aos 60 anos de idade e 35 de

contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher (BRASIL, 1988).

Destaca-se que, neste estudo, existe um número significativamente maior de mulheres em

relação aos homens.

Dentre os profissionais com nível médio de escolaridade, 38,2% encontram-se entre na

faixa de 20 a 22 anos de atuação, seguidos de 25,5% na faixa de 23 a 25 anos, decaindo até

atingir a faixa de 32 a 40 anos de atuação. Já entre os profissionais de nível superior, observa-

se que 24,3% possuem tempo de atuação de 20 a 22 anos, 20% de 23 a 25 anos e 27,1% de 26

a 28 anos, com queda sucessiva a partir dos 29 anos atingindo até os 37 anos de tempo de

atuação. Desta forma, conclui-se que, nestas unidades, os profissionais de nível superior

possuem uma média de permanência, em anos, menor do que os profissionais de nível médio.

Tabela 9 – Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de atuação na unidade por nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

No que diz respeito à comparação da variável tempo de atuação com unidade de saúde

estudada, na tabela 10, a seguir, é possível observar uma distribuição semelhante à

comparação com a escolaridade, uma vez que dos profissionais que atuam no CMS, 42,6%

encontram-se na faixa de 20 a 22 anos de atuação, seguidos de 21,3% na faixa de 23 a 25

anos, decaindo progressivamente até atingir a faixa de 32 a 40 anos de atuação (6,6%). Já

entre os profissionais que atuam no hospital, 20,3% possuem tempo de atuação de 20 a 22

anos, 23,4% de 23 a 25 anos e 29,7% de 26 a 28 anos, com queda sucessiva até atingir a faixa

TEMPO DE

ATUAÇÂO (anos)

Nível médio Nível superior f % f %

Total f %

20 a 22 23 a 25 26 a 28 29 a 31 32 a 40

21 38,2 17 24,3 14 25,5 14 20,0 10 18,2 19 27,1 3 5,5 12 17,1 7 12,7 8 11,4

38 30,4 28 22,4 29 23,2 15 12,0 15 12,0

TOTAL

55 100 70 100

125 100

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de 32 a 40 anos (15,7%). No entanto, destaca-se que o tempo de atuação dos profissionais que

atuam no hospital é mais elevado que os profissionais do CMS, sugerindo que as unidades

hospitalares possuam profissionais com maior idade, podendo ser justificado pelo fato destas

unidades possuírem maior número de profissionais do sexo masculino, como observado na

tabela 4, que necessitam de tempo de serviço e idade maiores para aposentadoria.

Tabela 10 – Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de atuação na unidade por unidade de atuação. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

TEMPO DE Prof. CMS Prof. Hospital Total

ATUAÇÃO (anos) f % f % f %

20 a 22 26 42,6 13 20,3 39 31,2 23 a 25 13 21,3 15 23,4 28 22,4 26 a 28 10 16,4 19 29,7 29 23,2 29 a 31 8 13,1 7 10,9 15 12,0

32 a 40 4 6,6 10 15,7 14 11,2 TOTAL 61 100 64 100 125 100

A faixa etária predominante no estudo foi de 50 a 61 anos (60,8%), com quantitativo

igual de sujeitos entre as seguintes faixas, 50 a 55 anos e 56 a 61 anos (30,4% em cada uma).

A idade mínima foi de 38 e a máxima de 79 anos (tabela 11, a seguir). Destaca-se que 56,3%

dos profissionais com nível médio de escolaridade encontram-se na faixa de 50 a 61 anos,

sendo 23,6% entre 50 e 55 anos, e 32,7% entre 56 e 61 anos. Destaca-se que 12,7% destes

profissionais encontram-se na faixa de 68 a 79 anos. Entre os profissionais de nível superior, a

distribuição foi semelhante, uma vez que 64,3% encontram-se na faixa de 50 a 61 anos. No

entanto, existe uma inversão com relação ao nível médio, pois 35,7% dos profissionais de

nível superior possuem idade entre 50 a 55 anos e 28,6% entre 56 e 61 anos. Destaca-se que

8,6% dos profissionais de nível superior encontram-se na faixa de 68 a 79 anos. Estes

resultados sugerem que os profissionais de nível médio possuem idade mais avançada que os

profissionais de nível superior.

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Tabela 11 – Distribuição dos sujeitos de acordo com idade e o nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

Com relação à comparação entre a idade e o local de atuação foi possível observar que

os profissionais que atuam no CMS são mais jovens, uma vez que 78,7% dos profissionais

que atuam nestas unidades encontram-se na faixa de 44 a 61 anos. Já os profissionais que

atuam nos hospitais, 74,5% encontram-se na faixa etária de 50 a 67 anos. Faz-se menção

ainda ao fato de 15,7% dos profissionais que atuam no hospital possuírem idade entre 68 e 79

anos (tabela 12).

Os dados relacionados à idade remetem à questão da aposentadoria compulsória, uma

vez que de acordo com a Constituição Federal de 1988, a mesma deve acontecer aos 70 anos

de idade (BRASIL, 1988). A aposentadoria compulsória associada à voluntária podem ser

utilizadas como justifica para a concentração de profissionais com idade entre 50 e 61 anos e

o decréscimo quantitativo a partir desta idade.

Tabela 12 – Distribuição dos sujeitos de acordo com idade e o local de atuação. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

Prof. CMS Prof. Hospital Total IDADE f % f % f % 38 a 43 3 4,9 1 1,6 4 3,2 44 a 49 12 19,7 6 9,4 18 14,4 50 a 55 18 29,5 20 31,3 38 30,4 56 a 61 18 29,5 20 31,3 38 30,4 62 a 67 7 11,5 7 10,9 14 11,2 68 a 73 3 4,9 6 9,4 9 7,2 74 a 79 0 0,0 4 6,3 4 3,2

TOTAL 61 100 64 100 125 100

IDADE

Nível médio Nível superior f % f %

Total f %

38 a 43 44 a 49 50 a 55 56 a 61 62 a 67 68 a 73 74 a 79

2 3,6 2 2,9 7 12,7 11 15,7 13 23,6 25 35,7 18 32,7 20 28,6 8 14,5 6 8,6 6 10,9 3 4,3 1 1,8 3 4,3

4 3,2 18 14,4 38 30,4 38 30,4 14 11,2 9 7,2 4 3,2

TOTAL

55 100 70 100

125 100

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101

4.2 A incorporação dos princípios ético-doutrinários e organizativos na representação

social do SUS entre profissionais de saúde

Conforme descrito anteriormente, foi utilizada a técnica de evocações livre e de

entrevistas em profundidade para identificar o conteúdo e a estrutura das representações

sociais do SUS para os profissionais de saúde e analisar a incorporação dos princípios do SUS

à estrutura representacional, ou seja, ao universo cognitivo e simbólico dos profissionais de

saúde. A utilização destas técnicas seguiram as recomendações de Abric (2000, 2001b,

2003a), Oliveira et al. (2005) e Sá (2002).

Na análise dos dados foi utilizado o software EVOC 2003, com a construção do

quadro de quatro casas para o grupo geral e para a comparação das variáveis “local de

atuação” e “escolaridade”, acompanhado do teste t de Student, análise de similitude e análise

de conteúdo manual de Bardin.

A montagem do quadro de quatro casas se deu com a incorporação dos termos

constituintes da representação estudada, das freqüências, das ordens médias de evocação e dos

resultados dos testes estatísticos realizados para a variável escolaridade, que apresentou

associação significativa.

A seguir serão apresentados os resultados de toda a análise realizada.

4.2.1 A incorporação dos princípios do SUS pelo grupo geral de profissionais de saúde

A partir da aplicação da técnica de evocações livres, como citado anteriormente, foi

solicitado a cada sujeito (n=125) que evocasse cinco palavras ao termo indutor “SUS”. Dessa

forma, foram evocadas 569 palavras, dentre as quais 96 eram diferentes. A freqüência mínima

definida foi de 9, sendo excluídas da composição do quadro de quatro casas as palavras

evocadas em número menor que esse pelos sujeitos. Após a definição da freqüência mínima

foi calculada a freqüência média, tendo como resultado 15. A ordem média de evocação

(OME) foi 2,8, numa escala de 1 a 5.

Com base no exposto, o Quadro de Quatro Casas (figura 2, a seguir) foi elaborado a

partir dos parâmetros definidos acima.

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O.M.E. <<<< 2,8 ≥≥≥≥ 2,8 Freq. Med.

Termo evocado Freq. O.M.E. Termo evocado Freq. O.M.E.

≥≥≥≥ 15

Atendimento não-funciona desorganização atendimento-pobres sistema-único-de-saúde saúde

27 25 20 19 17 16

2,148 2,600 2,500 2,737 1,765 2,563

atende-a-todos dever-estado idealismo

22 18 15

2,909 3,056 3,067

<<<< 15

Equidade unificação Dificuldade Organização Ruim

14 13 12 12 11

2,357 1,846 2,083 2,583 2,636

acesso atendimento-bom bom desatenção hierarquização assistência-integral atuação-profissional capacitação

12 12 12 12 12 11 9 9

3,583 3,250 2,833 3,583 3,417 3,364 3,667 4,000

Legenda: Foram destacados os termos equivalentes aos princípios do SUS (azul) e à hipótese de ancoragem (verde) Figura 2 – Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de oito instituições de saúde. Rio de Janeiro, 2009. (n=125)

De acordo com a Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2000; SÁ, 2002), as palavras

localizadas no quadrante superior esquerdo caracterizam o possível núcleo central da

representação, uma vez que elas foram frequentemente mais evocadas e mais prontamente

evocadas. Esses elementos caracterizam a parte dura da representação, menos sensível a

mudanças em função do contexto externo ou das práticas cotidianas dos sujeitos (ABRIC,

2003a). De acordo com Abric (2003b), Sá (2002) e Oliveira et al. (2005) nem todos os

elementos presentes nesse quadrante são obrigatoriamente centrais, porém o núcleo central

encontra-se nesse quadrante.

Assim, no quadrante superior esquerdo estão presentes as palavras mais prontamente

evocadas e com maiores frequências de evocação, quais sejam: atendimento, não-funciona,

desorganização, atendimento-pobres, sistema-único-de-saúde e saúde, que indicam uma

dimensão pragmática, imagética e avaliativa do SUS, apresentando, portanto, um caráter,

sobretudo, funcional. Segundo Abric (2003a) o caráter funcional privilegia na representação e

na constituição do núcleo central elementos mais importantes para a realização e justificação

de uma tarefa, ou seja, elementos ligados a uma ação, neste caso, atendimento e atendimento-

pobres. No entanto, destaca-se a presença de algumas palavras com características mais

normativas ligadas ao sistema de valores do grupo estudado, o que permite ao núcleo central

exercer o seu duplo papel, avaliativo e pragmático (ABRIC, 2003a).

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103

As palavras que formam o possível núcleo central do SUS apresentam significados

neutros (atendimento, atendimento-pobres, saúde e sistema-único-de-saúde) e negativos (não-

funciona e desorganizado) relacionados ao sistema de saúde, podendo-se inferir que existe um

posicionamento negativo, por parte dos profissionais, no que se refere à funcionalidade do

sistema.

No contexto do núcleo central, a palavra atendimento possui a maior freqüência de

evocação e foi a segunda mais prontamente evocada, apresentando-se dessa forma, como o

léxico mais importante do núcleo. Esta palavra caracteriza a finalidade do sistema de saúde e

parece definir sua identidade, uma vez que incorpora à representação do SUS sua função

primordial de atendimento oferecido à população. A palavra atendimento abrange idéias como

atendimento assistencial, assistência, atenção, consulta, para atender a população, serviço,

tratar o cliente. Aponta, portanto, para atividades cotidianas desenvolvidas pelos profissionais

de saúde, a fim de atingir o objetivo principal do sistema. O estudo de Silva (2008) corrobora

com a percepção do atendimento enquanto identidade do sistema, pois o SUS é definido como

atendimento pelos seus usuários.

De acordo com Ferreira (2000) atendimento é o ato de atender, que significa dar ou

prestar atenção a algo ou alguém. Neste sentido, destaca-se que possui íntima relação com a

prática profissional, com o acesso aos serviços de saúde e, conseqüentemente, com o princípio

de universalidade do SUS.

Ao considerarmos o acesso universal às ações e serviços de saúde, percebe-se que o

atendimento está intrinsecamente inserido neste contexto, uma vez que a partir do SUS, toda

população passou a ter direito ao atendimento gratuito nos serviços públicos de saúde e nos

privados conveniados ao SUS, cabendo ao Estado a garantia do mesmo. No entanto,

atualmente, conforme expõe Silva (2008), observa-se que os acessos são seletivos,

excludentes e focalizados, opondo-se a legislação vigente. De acordo com Oliveira et al.

(2008) a desproporção entre oferta e demanda acarreta a dificuldade de atendimento e,

consequentemente, os percalços enfrentados pelos os usuários, como longas filas e desgastes

físicos e emocionais. Neste sentido, Mendes e Junior (2001, p.25) afirmam que “o

atendimento à saúde reflete as condições econômicas, sociais e políticas do país, reproduzindo

desigualdades, individualismos e autoritarismo, particularmente, no contexto da assistência

hospitalar”.

Complementar a esta idéia e expondo a situação da cidade do Rio de Janeiro, percebe-

se que este município apresenta um número significativo de hospitais públicos. No entanto,

apesar do número de hospitais, não se observa a existência de articulação entre os serviços de

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um mesmo hospital, nem interinstitucional. O ingresso no sistema através da rede básica é

precário e insuficiente, uma vez que os serviços ainda atuam isoladamente e de forma

fragmentada (BRASIL, 2005).

Em contrapartida, destaca-se que no estudo realizado por Silva (2008) o atendimento

foi considerado positivo pelos usuários do sistema, apesar de reconhecerem que existem

aspectos negativos associados ao mesmo. Fato semelhante foi encontrado neste estudo, pois

como veremos adiante, o atendimento está associado a diversos aspectos positivos do sistema,

mesmo diante das dificuldades presentes.

Assim, a presença deste elemento no núcleo central, atrelado a sua caracterização

nesta análise, aponta para a reafirmação do princípio de universalidade do SUS, compondo

uma das facetas deste princípio, conforme previsto na Lei Orgânica de Saúde (BRASIL,

1990a).

Alguns exemplos de estratos das entrevistas6 objetivam essa faceta da incorporação

dos princípios:

Não tem restrições em termos da questão da própria cidadania, ele (o SUS) pega de A a Z, faz pertencer ao atendimento, à assistência, à saúde quem realmente procure uma assistência diferenciada (Ent. 02) Houve um aumento do atendimento, porque antigamente o nosso cliente era aquele só previdenciário, só aquele que descontava para previdência, que na época era o INPS, nós éramos INAMPS e a nossa clientela era aquela que a gente descontava INPS, só e somente. Agora, a gente atende qualquer pessoa, qualquer cidadão, qualquer que seja ele, tem direito de ser atendido aqui no sistema, porque nós somos um hospital federal lógica e evidentemente ligado ao SUS (Ent. 04)

O SUS é um sistema, é uma proposta de sistema de atendimento de saúde integrado para toda população (Ent 62). Todo mundo pergunta: quantas anestesias, cirurgias, atendimentos clínicos foram feitos? Virou uma estatística massificante, porque não significa qualidade. Então, quando alguém chega, até um político, e fala: atendemos cinco mil mulheres, atendemos dois milhões de crianças. Isso não significa nada. Significa até, às vezes, que você atendeu mal, porque você tem um profissional para atender quarenta pessoas de oito a doze horas. Claro que você não vai atender ninguém direito (Ent 74). Há alguns exames, inclusive, que não são fornecidos pelo SUS. Muitas das vezes, o usuário fica sem o devido atendimento, não lhe atenderam as necessidades (Ent 89). Assim, o acesso vai ficando difícil, porque a oferta vai diminuindo. A proposta do SUS é a universalização: você garantir direitos a todos, mas temos que pensar também no outro lado. Temos que aumentar a oferta dos serviços. Para aumentar a oferta, nós temos que ter profissionais. Antes do SUS a oferta, embora fosse menor, mas nós tínhamos também uma demanda menor (Ent 24).

Destaca-se que existe uma tensão em torno do elemento “atendimento”, pois ao

mesmo tempo em que é referido como a identidade do SUS, associado a aspectos positivos,

6 Cabe considerar que os destaques realizados em todos os trechos de fala deste trabalho se referem a grifos nossos.

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existe uma atitude negativa relacionada ao processo de trabalho. Esta contradição é permeada

pelas diversas nuances que o atendimento assume e a forma como é produzido nos serviços.

Assim, reconhecendo o atendimento como uma atividade de cuidado exercida no âmbito da

saúde, cabe considerar que “a produção do cuidado se dá por uma complexa trama que tem

como protagonistas sujeitos individuais e coletivos, carregados de intencionalidades e

subjetividades, que definem suas relações” (MERHY; FRANCO, 2007, p.1.).

Neste contexto, o atendimento é definido como uma atividade ampla de cuidado que

pode relacionar-se com os três tipos de tecnologias de trabalho. Segundo Merhy (2006) as

tecnologias leves estão associadas às relações, as leve-duras se associam ao conhecimento

técnico e as tecnologias duras são representadas pelas máquinas e instrumentos. Nos trechos a

seguir são expostas estas relações:

Melhorou o atendimento apesar de estar sempre cheio, porque são muitas pessoas, mas acho que melhorou o atendimento, tem mais estrutura para nós trabalharmos, nós trabalhamos em tudo que é setor (Ent 75). Nas grandes cidades, onde milhares de pessoas ficam sem atendimento devido a problemas de falta de vagas, aparelhos quebrados (Ent 81). Hoje, nós temos medicina nuclear; nós temos tomógrafo; nós temos aparelho de ultra-sonografia; nós temos endoscopia. Quer dizer, os recursos de atendimento à clientela. A qualidade do atendimento à clientela (Ent 92). Eu tinha o ambulatório onde a cliente era atendida por mim na especialidade e como minha especialidade também é uma especialidade cirúrgica, ela também tinha atendimento por mim na parte cirúrgica (Ent. 11). Mudou no sentido de você ter acesso a exames, a ter outros métodos de diagnóstico que você antes não tinha. Isso é uma coisa importante. Mas fora isso, os meios de atendimento são os mesmos. As pessoas que atendem são as mesmas que antes. A forma de atendimento é a mesma. Eu não vejo diferença. Eu acho diferença importante nos acessos que a população teve através de exames que hoje nós podemos solicitar e os pacientes podem realizar (Ent 33).

Você conversa, ensina o que ela pode fazer, explica. Uma menina de 16, 17 anos. Hoje em dia é tão fácil você usar o posto de saúde. Tem anticoncepcional, tem preservativo (Ent. 18).

Dentre os destaques acima, observa-se que existe um predomínio de referências às

tecnologias duras e leve-duras, em relação às leves, e que alguns profissionais chegam a

associar a ausência do atendimento com a falta de “aparelhos”, como se o mesmo se

restringisse a tal tecnologia. Essa percepção vai de encontro com a exposição de Merhy e

Franco (2007) ao referirem que as tecnologias relacionais (leves) vão entrar em desuso em

favor das tecnologias duras e leve-duras, e este processo acarreta uma baixa resolutividade

dos serviços de saúde e um aumento dos custos relacionados à saúde (MERHY; FRANCO,

2007)

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106

Complementar a esta idéia, Franco e Magalhães Junior (2007) referem que no

imaginário de profissionais de saúde e usuários existe uma ilusão relacionada à associação

entre qualidade da assistência e tecnologias duras e leve-duras, quais sejam: insumos, exames,

medicamentos e consultas especializadas. Esta percepção está explicitada nos trechos acima,

onde os profissionais associam maior qualidade do atendimento relacionada com a

disponibilidade de recursos e tecnologias que antes não eram acessíveis à população.

Os termos não funciona e desorganização aparecem com alta freqüência no núcleo

central, com uma ordem média de evocação de 2,5 e 2,6, respectivamente. Estes elementos

expressam uma avaliação negativa do SUS como conteúdo importante da representação social

analisada. Tais léxicos parecem estar associados à dimensão pragmática do sistema, onde a

oferta de ações e serviços de saúde não atende as demandas apresentadas pela população; e à

dimensão avaliativa, através da atribuição de significados negativos ao sistema.

Segundo Mendes (2006) a crise da saúde é manifestada a partir de algumas dimensões,

quais sejam: ineficiência, ineficácia, iniquidade e insatisfação da opinião pública. Este mesmo

autor refere que esta crise nos serviços de atenção médica é traduzida na desorganização dos

hospitais e dos ambulatórios, que apresentam características, como: filas, mortes,

atendimentos desumanizados, dentre outros. No entanto, a mesma não é uma decorrência do

SUS, mas sim reflexo da crise do Estado Brasileiro e do paradigma flexneriano (MENDES,

2006).

Diversos fatores, anteriores à implantação do SUS, contribuíram e contribuem para a

construção do pensamento social relacionados aos aspectos negativos acerca do sistema de

saúde atual, quais sejam: econômicos, políticos, comunicacionais e sanitários. Assim, a

associação destes fatores, dentre outros aspectos, criou um ambiente muito desfavorável à

implantação do SUS, sendo responsável por muitas dificuldades de funcionamento que estão

presentes no imaginário social até os dias atuais (MENDES, 2006). Neste sentido, muitas das

críticas atribuídas atualmente ao SUS possuem raízes anteriores à sua implantação.

Outro processo que exerce influência sobre a estrutura representacional é a circulação

de informações sobre o sistema de saúde, geralmente veiculadas pela mídia. Assim, a

percepção acerca dos aspectos negativos que envolvem o SUS é, em parte, construída pela

seleção e difusão dos fatos relativos ao cotidiano da saúde. Em geral, são divulgadas as

mesmas notícias sobre os aspectos negativos do sistema, com imagens sensacionalistas e,

muitas vezes, com conclusões parciais. Neste sentido, cabe considerar a importância da

difusão da informação com transparência, comunicando assim, os erros, as dificuldades e os

êxitos do SUS (MENDES, 2006). A circulação da informação é uma importante dimensão

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para a construção das representações sociais, pois conforme expõe Sá (1993) os jornais e os

meios de comunicação de massa possuem importância significativa na transmissão e na

transformação dos conhecimentos à população. Este mesmo autor ressalta que os atores

sociais se apropriam daquilo que é divulgado por estes veículos de comunicação como se

fossem verdades absolutas.

Estes processos podem ser observados nos estratos de entrevistas abaixo:

Houve períodos de desabastecimento, houve períodos de filas enormes e aquela discussão, até um certo conflito entre os profissionais que estavam e a clientela que chegava, porque nós, num momento inicial, não tínhamos condições de assumir todo o movimento (Ent 02). A proposta não seria essa, não é essa, de ter um atendimento com filas, que pessoas durmam na fila, quer dizer a proposta do SUS era até contra isso, acabar com as filas dos hospitais, dos PAMS, dos Postos de Saúde (Ent 68)

(antes do SUS) atendiam, mas com um pouco de dificuldade (Ent 36)

Muito mais (satisfeitos...), pelo menos encontro as pessoas na rua e me dizem: o posto que você trabalha está uma beleza, agora a consulta é bonitinha, todo mês eu marco uma consulta, o médico vai lá me tratar, tem exames. Ás vezes indica o lugar em que as pessoas podem fazer exames e antigamente não, às vezes a pessoa tinha um exame para fazer e dizia: como eu faço? Vou no INPS, mas no INPS só daqui a não sei quantos meses, agora acabou, ninguém pode reclamar (Ent 24).

Você pode acreditar no SUS, achar que é a saída para a saúde no país, eu acho que é por aí, acho que desde que você organize os distritos, que as unidades de saúde tenham papéis definidos a gente vai ter uma atenção à saúde nota dez (ent 41). Não tem uma central ou um conselho distrital que, de alguma maneira, controle os recursos da área, o que se tem, o que a área oferece, para ver dela e para fora dela. Isso é uma estrutura que está caminhando para mudar, mas ainda não mudou (ent 06).

Quando eu falo do SUS, de fila, é o que eu vejo na televisão, o que eu vejo no repórter, jornal. Eu vejo pelo que os doentes reclamam quando falta eritropoetina, quando falta medicação para transplantados. Nós vemos o que eles reclamam e corremos atrás, mas só o que eu posso falar do SUS (Ent. 28).

[o SUS] Praticamente não adiantou nada [para o atendimento da população]. Eu assisto pela televisão (Ent 103).

Ainda no núcleo central, destaca-se a presença do léxico atendimento-pobres que

aponta para a negação do princípio de universalidade, pois de acordo com esse princípio, a

saúde é um direito de todos (BRASIL, 1990a) não estando restrita ou direcionada para a

população de baixa renda. Faz-se menção ao fato deste elemento possuir umas das

freqüências mais baixas e ter sido menos prontamente evocado dentre todos os elementos do

núcleo central. Este termo abarca idéias como acesso das minorias, ajuda ao mais

necessitado, ajuda ao pobre, atendimento pessoas pouca renda, para o povo, socorro para o

povo, conforme pode ser observado nos estratos de entrevistas abaixo:

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O SUS, para mim, é uma instituição onde as pessoas carentes de dinheiro acham socorro. Porque o SUS é mais para o pobre, mesmo com toda dificuldade (Ent 28). Houve diferença no perfil atendido antes e depois do SUS porque as pessoas estão mudando o seu poder aquisitivo, as pessoas estão cada vez mais pobres, mais carentes e mais desnutridas. Quando eles chegam no hospital já estão muito desgastados, alguns clientes realmente muito esfoliado pela vida e pela condição social (Ent15).

[o SUS] é um atendimento que beneficia o pobre, sobretudo, a plebe que não tem como fazer um plano de saúde, não tem dinheiro para pagar um exame, uma consulta. Eu acho que o SUS foi um grande progresso para a medicina e para a saúde de um modo geral (Ent 76).

Com base na história das políticas de saúde no Brasil, cabe considerar que antes do

SUS, a saúde pública realizava apenas ações coletivas e preventivas. A saúde não era

considerada um direito de todos e nem de longe um dever do Estado, pois estava restrita a

uma parcela da população que contribuía financeiramente para garantir esse benefício

(BAPTISTA, 2005). A população dita marginalizada, que se encontrava fora do mercado de

trabalho, era atendida pelas casas de misericórdia e alguns hospitais, contando assim, com o

assistencialismo destas instituições e com os profissionais de saúde que ofereciam assistência

quando necessário (BAPTISTA, 2005).

Assim, após a implantação do SUS, com base no princípio de universalidade da

assistência, toda a população independente de possuir vínculo empregatício ou não, passou a

ter direito de acesso às ações e aos serviços de saúde, uma vez que a mesma passou a ser

considerada direito de todos e dever do Estado. Atrelado a este fato, destaca-se o quadro que

Faveret Filho e Oliveira (1990) denominaram de universalização excludente, na qual a

expansão da universalização da saúde veio acompanhada da exclusão dos segmentos sociais

de camadas médias e do operariado qualificado, que foram absorvidos pelo sistema privado, o

sistema de atenção médica supletiva.

Diante do exposto e das vivências cotidianas dos profissionais, destaca-se que esta

percepção de atendimento aos pobres está associada a dois contextos semânticos: pode estar

baseada na presença quantitativamente maior de pessoas de baixa renda nos serviços de

saúde, por meio da inclusão desta parcela da sociedade ao sistema, e na imagem que o Estado

adquiriu ao longo da história das políticas públicas brasileiras de proteção aos pobres. No

entanto, a associação dos termos não funciona, desorganização e atendimento pobres, no

núcleo central, sugere que a representação social do SUS está ancorada no papel

assistencialista do Estado, pois, conforme expõe Abric (2000), o sistema central, que resiste a

mudanças e dura no tempo, possui raízes num contexto global (histórico, social e ideológico),

que está além do contexto atual em que a representação é utilizada e que define normas e

valores dos indivíduos e dos grupos num determinado sistema social.

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Entende-se que o Estado é a expressão maior de organização política da sociedade.

Pode ser traduzido como um aperfeiçoamento das relações entre as pessoas de uma sociedade.

Comumente é confundido como sinônimo de governo. No entanto, compreende todas as

formas de gerência e de controle da sociedade, estando incluídos os conceitos de território,

instituições e, também, o próprio governo (RONCALLI; SOUZA, 1997). Estes mesmos

autores esclarecem que esta organização existe para promover o bem comum, e o princípio da

solidariedade é caracterizado como a prestação de assistência aos menos favorecidos pelo

Estado.

Sobre este fato, Silva (1995) expõe que até o início da década dos 50, o cenário da

organização dos serviços de atenção médica era dominado, quase totalmente, por mecanismos

de mercado, neste sentido, as ações de saúde eram intermediadas pelos interesses econômicos.

O Estado intervinha nas ações de controle do meio ambiente (saneamento e controle das

condições de trabalho), tendo, além disto, progressivamente agregado ações de atenção

médica para as populações sem acesso ao mercado de serviços.

Cabia ao Estado a função de assumir as ações de saúde pública e fornecer assistência

preventiva e curativa relacionada às doenças transmissíveis (tuberculose, hanseníase, saúde

mental e infantil), a assistência curativa fora área de infectologia era realizada para a

população dita marginalizada, pelas santas casas de misericórdia, entidades filantrópicas e

alguns hospitais. O atendimento voltado à assistência curativa, para população que possuía

vínculo empregatício e seus dependentes, era realizado nos municípios através dos PAMS e

da rede contratada e conveniada ao INPS (PARADA, 2001). A população que não era

contribuinte estava excluída do direito à assistência à saúde e contava com a caridade e o

assistencialismo dos hospitais Estaduais (BAPTISTA, 2005).

Após a 2ª Guerra Mundial, os países desenvolvidos da Europa constituem os Estados

de Bem-Estar, que possuía o objetivo de garantir bem estar da população e manter a produção

econômica, por meio da provisão pública dos serviços sociais universais, como saúde,

educação, saneamento, habitação, lazer, transporte e assistência social para aqueles não

incluídos no sistema produtivo. Com base nessa política, deu-se início no Brasil a ideologia

desenvolvimentista, que apontou a necessidade de melhorar o nível de saúde da população

(BAPTISTA, 2005).

Atualmente o Estado possui uma lógica de garantir a saúde para toda população, mas

antigamente não funcionava dessa forma, pois o mesmo possuía um caráter assistencialista,

atendendo as pessoas de baixa renda, pois a parcela da população que estava inserida na

economia formal possuía assistência privada, associada inicialmente às CAPS, aos IAPS e

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posteriormente ao INPS e ao INAMPS. Neste contexto, destaca-se que os serviços públicos

possuíam uma imagem de desorganização e ineficiência, assim, havia a percepção de que tudo

que era público não foi criado para funcionar e era desorganizado. Os trechos das entrevistas

abaixo confirmam tal proposição:

O que eu observei aqui, em um hospital do INAMPS, é que nós temos um atendimento de emergência e nós atendíamos exclusivamente pacientes do INAMPS. Os pacientes que por acaso não pertenciam, não traziam comprovante ou a carteira ou referenciado pelo INAMPS era colocado imediatamente na ambulância e transportado para um hospital do Estado, ele ia referenciado, não ia por vias próprias. Ou seja, só ficava no hospital [...] quem era do hospital do INAMPS (Ent 10). Não é aquela coisa, antes o pessoal que vinha no centro de saúde era aquele que não tinha nada. No município era assim. Quem procurava o posto de saúde, nem era centro de saúde, falava posto de saúde. Quem entrava no posto de saúde era aquele paciente que não tinha nada, nem o INPS. Uma das perguntas que existia era assim: tem INPS? Você respondia: tem. Então, tem que procurar o INPS, aqueles postos de atendimento. O perfil da população no posto de saúde, no centro de saúde do município, era aquele que não tinha nada (Ent 33). Quem tinha carteira assinada, tinha direito aos hospitais do INAMPS e quem não tinha, ficava com o que sobrava, que eram os hospitais públicos estaduais e municipais (Ent. 82). O hospital público, hoje, não atende só o pessoal pobre, atende também ao intermediário. Os planos de saúde estão muito caros e não oferecem grandes vantagens, daí muitas pessoas procurarem o serviço do SUS, a saúde pública (Ent. 86). A grande parte da população, que era atendida pelo serviço público eram pessoas que tinham baixo poder econômico. Hoje, a visão mudou completamente, isso não é a realidade (Ent 54). O serviço público nunca teve muito recurso. O que eu vejo de diferença de uns tempos para agora, é que hoje a secretaria se preocupa muito com estatística. Não tem uma avaliação real de qualidade (Ent. 36) O [hospital público] nunca teve repasse de nada. Para Brasília, ele era um hospital que não existia, porque as pessoas têm a noção de que o público é terra de ninguém, ou seja, o público você não precisa dar conta daquilo que se está fazendo (Ent. 92).

Com base nos estratos acima, só eram atendidos nos hospitais previdenciários (INPS e

posteriormente INAMPS), a população que possuía vínculo empregatício formal e seus

dependentes, os demais eram atendidos nas santas casas, nos hospitais públicos municipais e

estaduais, nos postos de saúde e centros de saúde, que eram estaduais, e não possuíam

nenhum vínculo com o município (PARADA, 2001). Além disso, os profissionais

rememoram o sistema público associado a falta de recursos, investimentos e gerência. O que

reforça a associação dos três termos supracitados (não funciona, desorganização e

atendimento pobres).

A presença dos termos sistema único de saúde e saúde apresentam uma dimensão

imagética e conceitual na representação do SUS, uma vez que o próprio termo indutor foi

evocado repetidamente. De acordo com Silva (2008) a palavra saúde reforça a associação do

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SUS à atenção à saúde enquanto objetivo central do sistema. O que, de fato, vai ao encontro

da presença do léxico atendimento no núcleo central.

Sabe-se que as funções do núcleo central são: gerir, organizar e estabilizar, e a partir

dele, se cria ou se transforma a significação dos outros elementos, além de determinar a

natureza dos laços que os unem, sendo, portanto, o elemento estabilizador da representação

(ABRIC, 2000, 2003a). Neste sentido, pode-se inferir que a representação analisada reflete a

incorporação do atendimento como identidade do sistema de saúde, ou seja, o SUS é

percebido como o sistema que oferece/deve oferecer atenção à saúde para população.

Os elementos do núcleo central são funcionais e normativos. Os elementos funcionais

determinam as condutas relativas ao objeto e são os elementos mais importantes para

realização de uma tarefa, associados a características descritivas. Já os elementos normativos

se relacionam com a história e a ideologia do grupo, determinam o julgamento e as tomadas

de posição relativas ao objeto e constituem a dimensão social do núcleo (ABRIC, 2003a). Os

elementos identificados neste estudo como provavelmente centrais, possuem caráter funcional

ao determinar a finalidade do sistema, bem como, seus objetivos, envolvendo ações cotidianas

dos profissionais em seu interior e características organizacionais do mesmo. Além disso,

possuem caráter normativo, ligado à ideologia do sistema e a valores, através de uma

avaliação do SUS (ABRIC, 2003a).

Com base nas proposições de Abric (2000, 2003a) o núcleo central é um subconjunto

da representação, composto por um ou mais elementos, cuja ausência desestruturaria toda

representação ou lhe atribuiria um significado diferente. Assim, entendendo a representação

como um conjunto maior, destaca-se a existência e a importância de outras instâncias

estruturais, que possuem papéis funcionais, ligadas a este núcleo central e que o

complementa, quais sejam: os elementos periféricos (SÁ, 2002). De acordo com a abordagem

estrutural, os elementos localizados no quadrante superior direito e no quadrante inferior

direito compõem a periferia da representação, sendo denominados de primeira periferia e

segunda periferia, respectivamente. Estes elementos caracterizam-se por estarem organizados

em torno do núcleo central. Constituem, portanto, o essencial do conteúdo da representação,

seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos (ABRIC, 2000).

No quadrante superior direito do quadro de quatro casas foram identificados os léxicos

atende a todos, dever-estado, idealismo. Conforme exposto, os elementos que compõem este

quadrante constituem a primeira periferia da representação social, sendo considerados os

termos periféricos mais importantes. Os elementos presentes nesta casa apresentam elevada

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freqüência e menor importância atribuída pelos sujeitos, dentre a totalidade das evocações

referidas (ABRIC, 2003b; SÁ, 2002; OLIVEIRA et al., 2005).

No quadrante inferior direito do quadro de quatro casas, encontram-se os termos

acesso, atendimento bom, bom, desatenção, hierarquização, assistência integral, atuação

profissional, capacitação. Os elementos presentes neste quadrante estruturam a segunda

periferia da representação social, sendo pouco freqüentes e definidos como menos

importantes entre os termos evocados pelos sujeitos da pesquisa (ABRIC, 2003b; SÁ, 2002;

OLIVEIRA et al., 2005).

O sistema periférico da representação social, segundo Abric (2000), se caracteriza por

estar organizado em torno do núcleo central. Estes elementos podem estar mais ou menos

próximos ao núcleo central, quando próximos, desempenham um papel importante na

concretização do significado da representação, quando distantes, esclarecem, justificam e

ilustram essa significação. Constituem a interface entre o núcleo central e a situação concreta

em que se constrói a representação (ABRIC, 2001a).

Dessa forma, observa-se que não se trata de um sub-conjunto menor da representação,

na verdade, é fundamental, pois associado ao núcleo central permite a ancoragem na realidade

e a inserção de novos elementos à representação, uma vez que está mais associado às

características individuais e ao contexto imediato dos sujeitos (ABRIC, 2000).

Neste contexto, atende a todos, dever estado e idealismo, presentes na primeira

periferia, parecem refletir um processo de inserção de novos elementos à representação,

trazendo uma nova concepção do papel do Estado na saúde, bem como uma questão

ideológica relacionada ao atendimento, pois atender a todos expressa de forma clara a

ideologia do SUS, que preconiza atendimento universal a toda a população, cabendo ao

Estado a garantia de tal direito.

Dentre os elementos periféricos, destaca-se que existe uma quantidade maior de

elementos positivos com relação aos negativos e neutros, bem como com relação ao núcleo

central, quais sejam: atende a todos, atendimento bom, bom, idealismo, assistência integral e

hierarquização. Dentre os elementos neutros podemos citar: dever estado, acesso, atuação

profissional e capacitação. E, por fim, o único elemento negativo presente na periferia é

desatenção.

Os léxicos atende a todos, dever estado, assistência integral e hierarquização estão

presentes na periferia desta representação e se caracterizam como expressões dos princípios

do SUS. Desta forma, pode-se inferir que existe uma incorporação recente destes princípios a

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esta representação social. Destaca-se que este fato pode estar associado à mobilidade e à

maior flexibilidade desta área da representação.

A análise do sistema periférico é primordial no estudo dos processos de mudanças

representacionais, sendo um indicador bastante pertinente de futuras modificações, por isso, a

heterogeneidade do sistema periférico não caracteriza a existência de representações

diferentes, mas sim a incorporação de novos elementos à representação, que serve de pára-

choque, protegendo o núcleo central e conforme esse mecanismo vai se ampliando exerce

pressão neste núcleo e permite explicar a transformação de uma representação (FLAMENT,

2001b).

Cabe destacar que o termo atende a todos obteve maior saliência quantitativa dentre os

elementos periféricos e foi a terceira palavra mais evocada nas associações livres, com

freqüência 22, refletindo a sua importância em termos de práticas e realidade social, a partir

da qual se constrói a representação social em questão. Além disso, tendo em vista a sua OME

de 2,9, próxima à média das posições, qual seja de 2,8, cabe considerar a hipótese de sua

centralidade na representação social analisada, embora esteja presente na primeira periferia do

quadro de quatro casas, uma vez que elementos presentes em outros quadrantes podem ser

centrais em determinadas situações (ABRIC, 2003b; SÁ, 2002; OLIVEIRA et al., 2005).

O léxico atende a todos foi padronizado a partir do agrupamento das seguintes

palavras: abrange geral, ampliação, atenção pacientes que necessitam, atende a todos,

atender população independente de classe social, atender qualquer pessoa, atendimento para

todos, atendimento população brasileira, igualdade para todos, oportunidade para todos,

saúde direito para todos, todo mundo ser abrangido, todos tem direito, universal,

universalidade, universalização, universalização do atendimento e, multidão. Dentre os

termos utilizados na padronização dever estado encontram-se: cooperação dos setores

governamentais, dever do estado, governo federal, proposta de governo, centralização,

conscientização do estado, saúde pública, serviço público, dever atendimento.

Estes termos traduzem o princípio da universalidade da assistência, uma vez que de

acordo com o artigo 196/CF de 1988 a saúde é considerada um direito de todos e um dever do

Estado (BRASIL, 1988). A universalidade é caracterizada como acesso à saúde como direito

público subjetivo, integrante dos direitos da cidadania (BRASIL, 2000b). O princípio da

universalidade representou a inclusão de todos no amparo prestado pelo SUS, assim, qualquer

pessoa adquiriu o direito de ser atendida nos serviços públicos de saúde (BRASIL, 2000a).

A idéia de universalidade, ou seja, a saúde como um direito de todos, foi, certamente,

o que melhor representou o fim do modelo excludente anterior em que somente os

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contribuintes da previdência social tinham direito à assistência à saúde (PEREIRA;

RONCALLI, 2003). O conceito de universalidade é uma conseqüência direta da discussão

mais ampla sobre o direito à saúde. Cabe considerar que este direito não significa, somente,

direito à assistência à saúde. Na verdade, com base no conceito ampliado de saúde (BRASIL,

1986), o direito à assistência está incluído no direito à saúde (PEREIRA; RONCALLI, 2003).

Pode-se dizer, então, que a concretização do princípio da universalidade foi um divisor

de águas, com relação às políticas de saúde existentes até então no país, uma vez que estas se

caracterizavam como excludentes para uma parcela da população, que dependia do

assistencialismo dos hospitais públicos e das santas casas de misericórdia. Atrelado a este

fato, destaca-se a nova função assumida pelo Estado, que passou a ser o responsável e

provedor da saúde para a população. Nos destaques abaixo é possível observar tal afirmação:

A lógica que eu vejo é que antes só alguns tinham o direito, depois ainda mais com a Constituição, que a saúde é direito de todos e dever do Estado (Ent. 01).

É um dever do Estado e todas as unidades de saúde do estado, do município e da área federal tiveram que abrir as portas (Ent 52).

Esse medicamento também [tem que ser dado]. Então, você não está pedindo nada, é dever do Estado (Ent 54).

Antigamente, cada classe de trabalhadores tinha a sua previdência. Então, por exemplo, os bancários tinham a caixa de assistência dos bancários, os servidores públicos tinham o seu hospital. Então, ficava uma minoria sem ser agraciada com qualquer tipo de atendimento, dentro da saúde. E o SUS, veio para corrigir essas distorções. Ou seja, todas as pessoas têm direito a uma saúde de qualidade e é um dever do Estado dar essa saúde ao cidadão (Ent 88).

Eu vejo que a questão da universalização do atendimento de saúde é um atendimento mais abrangente, que atenda a todos (Ent 07).

O perfil antes era muito diferente, porque na época, as pessoas que não tinham carteira assinada para usar o sistema de saúde era complicado. Somente as pessoas que trabalhavam tinham condições e direito de usar o sistema de saúde. O outro sistema de saúde era mais fechado, não via a necessidade do povo realmente. O sistema de saúde foi aberto para todos, porque antigamente havia essa falha (Ent 62).

Muitos acham até hoje que eles não têm direito à saúde, eles pensam que só aqueles que descontam certa quantia têm direito. Têm muitos que não sabem que a assistência é gratuita , que é direito de todos, que o SUS é a realidade, é a assistência para todos indistintamente. Não precisa ter o desconto, todos têm direito à assistência. Muitos não sabem disso, a grande maioria não sabe, porque você ainda vê as pessoas perguntando se pode ir, se vai receber assistência (Ent 12).

A partir dos depoimentos, percebe-se que os profissionais de saúde incorporaram o

princípio de universalidade em suas construções simbólicas e reconhecem que a saúde passou

a ser garantida como direito de toda a população, cabendo ao Estado a garantia da mesma. No

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entanto, conforme expõem Pereira e Roncalli (2003) o eixo da assistência, tendo como base o

SUS, foi o que mais avançou, uma vez que os profissionais se referem ao direito à saúde

apenas como uma prática assistencial atrelada ao acesso aos serviços de saúde e ao

atendimento.

Dentre os léxicos presentes na periferia destacam-se ainda os princípios do SUS

hierarquização e assistência integral. A presença destes termos nas construções simbólicas

dos profissionais de saúde traduz a importância e a incorporação de tais princípios na

estrutura da representação. Os elementos periféricos caracterizam-se por estarem mais

próximos ao cotidiano do grupo estudado e por serem elementos incorporados recentemente à

representação, o que reforça a hipótese de haver uma mudança representacional em curso,

com a incorporação dos princípios, uma vez que os mesmos se encontram na periferia e nos

elementos de contrates, como veremos mais adiante.

A assistência integral se refere ao direito de as pessoas serem atendidas na íntegra em

suas necessidades. É entendida como articulação contínua de “ações preventivo-promocionais

com as de cura-reabilitação, cuja integração nos distintos estágios do cuidado favorece a

produção de saúde [...] pressupõe a equanimização entre curar e prevenir (PASCHE;

HENNINGTON, 2006, p. 35).

O princípio de integralidade foi construído com o objetivo de superar a oposição

existente entre a cura e a prevenção, entendendo a complementaridade e o intercâmbio

existente entre ambos na produção da saúde, destaca-se ainda o objetivo de superar a

dicotomia existente entre o indivíduo e o coletivo (PASCHE; HENNINGTON, 2006;

BAPTISTA, 2005). Complementar a esta idéia, a integralidade implica em uma nova prática

de saúde que supere a lógica flexneriana. Rompendo com a mecânica dualista que impõe a

divisão entre ações clínicas e prevenção da saúde, a fim de exceder a barreira do ato médico

individual, entendendo o ser humano como um todo indivisível (PEREIRA; RONCALLI,

2003; PASCHE; HENNINGTON, 2006). Os depoimentos abaixo refletem a reconstrução

deste princípio pelos profissionais de saúde:

Mas dentro da sua lógica, o cidadão comum tem direito a todos os níveis de assistência, quer dizer, a legislação do SUS coloca isso, só que a prática é que não consegue ser efetivada em todas as regiões do país (Ent 01). Ele hoje entende que ele tem tuberculose e está em acompanhamento, a unidade de saúde também precisa dar conta da família dele, da comunidade dele (Ent 22). Nós temos o grupo de adesão de Aids, grupo de diabetes, de hipertensão, mas a população está acostumada com a forma assistencial (...). A saúde, o Centro de Saúde é basicamente preventivo. Centro de Saúde é atendimento primário. Ele é um atendimento especial, porque faz um atendimento medicamentoso, mas é basicamente saúde

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preventiva. Prevenir para não chegar ao hospital. O hipertenso prevenir para não chegar lá. O diabético, prevenir para ele não ter que entrar no hospital. A Aids prevenir aqui, tomando medicamento, para não ser um paciente muito caro para o estado (Ent 35).

Integralidade da assistência onde traduz e reporta à questão da atenção básica, não deixando de levar em consideração a assistência curativa, mas nos mostra a importância do prevenir, de reunir esforços para que a gente possa descer à questão em funcionar a qualidade de vida (Ent 28).

É um sistema de saúde que vem, pelo menos na sua redação, na sua legislação básica, dar conta de todos os problemas sociais, políticos e, conseqüentemente, de saúde (Ent 02). Você pode prevenir, no entanto, a prevenção não existe. Coisas tão simples, de prevenir, hipertensão, diabetes melitus investimentos básicos você não vê. Você vê as pessoas morrendo, amputadas, e com seqüelas dessas doenças banais, que poderia haver prevenção. Isso aí cabe ao SUS, aos gestores e ao município, alguns municípios da periferia existem, mas a grande maioria não existe (Ent 12).

Observa-se uma associação do princípio da integralidade com as ações preventivas e

os programas de saúde como, por exemplo, o programa de hipertensão e diabetes. Os

profissionais se referem à integralidade da assistência com base nos diversos níveis de

complexidade, atrelado a ações curativas e preventivas. No entanto, referem que tal fato ainda

não é uma realidade total do sistema de saúde.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à aproximação que os profissionais de

saúde estabelecem com os sentidos da integralidade atribuídos por Mattos (2001), uma vez

que mencionam as práticas contrárias ao reducionismo biomédico, a organização dos serviços

e das práticas em diversos níveis de complexidade, que está intimamente relacionada com a

associação de ações preventivas e curativas e, por fim, reconhecem a presença de respostas

governamentais associadas à criação dos programas de saúde como, por exemplo, o de

hipertensão e diabetes.

Neste sentido, Mattos (2001) afirma que existem três conjuntos de sentidos do

princípio de integralidade, quais sejam: atributos relacionados às práticas profissionais, à

organização dos serviços e às respostas governamentais aos serviços de saúde. E, que a

associação destes sentidos acarreta na tomada da integralidade como princípio orientador das

práticas, da organização do trabalho e das políticas, que se reflete em uma recusa ao

reducionismo, à objetivação do sujeito e abertura do diálogo. Assim, cabem a todos os atores

sociais envolvidos no processo da saúde empreender esforços para que o alcance deste

princípio se concretize na prática dos serviços.

A hierarquização se refere à distribuição dos serviços em diferentes níveis de atenção,

por meio de uma rede hierarquizada (BRASIL, 2000b). Dessa forma, destaca-se a organização

dos serviços em níveis diferentes de complexidades, garantindo formas de acesso e serviços

que componham toda a complexidade requerida para o caso de acordo com as realidades local

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e regional. O princípio de hierarquização dos serviços atua através da organização de um

sistema de referência e contra-referência, que funciona como os elos dessa rede, incorporando

os diversos níveis de complexidade do sistema (primário, secundário e terciário) (CUNHA,

J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998; BAPTISTA, 2005).

Conforme expõem Oliveira et al. (2007), a periferia constitui a interface mais próxima

da representação com as práticas sociais. Neste sentido, destaca-se que a hierarquização da

assistência está imbuída nas práticas dos profissionais de saúde, pois conforme os relatos

abaixo, tal princípio faz parte do cotidiano de profissionais e usuários, ainda que não esteja

contemplado em sua totalidade.

[um sistema] dentro de uma lógica viável, de uma lógica de hierarquia na atenção (Ent 01). Se você for na emergência fica apavorado, um grande número de pessoas com problemas básicos, que podem ser visto em uma assistência em nível primário , é uma coisa que pode ser tão simples, pode existir na periferia (Ent 12). O PSF é uma benção, ou seja, você tirar a atenção de dentro do hospital. Você não precisaria trazer a comunidade aqui dentro para ter atendimento no ambulatório, ter o médico responsável por 100 famílias e só encaminhariam para os hospitais os casos mais complicados, os casos que necessitariam uma atenção secundária e terciária. Isso esvaziaria o hospital e não só o hospital, mas também a emergência, porque os casos crônicos não iam agudizar, diabetes não ia entrar no nível de precisar de uma emergência, o hipertenso a mesma coisa (Ent 61).

Não se estruturou, na ap 3.1, e até hoje eu não vejo um sistema de referência e contra referência, até hoje não adotamos isso. São poucas as situações que a gente encontra referência, alguma unidade que consegue referenciar se não houver situações de atendimento, na maioria das vezes, a gente ainda tem uma confusão (Ent 72). A própria maternidade é uma maternidade hoje de referência em questão do alto risco, hoje já estamos conseguindo referenciar as pacientes de complexidade menor e receber as pacientes de maior complexidade. Acho que para isso já tem a central de regulação de vagas (Ent 78). O sistema de referência e contra referência não tem funcionado na prática, muito pouco. Às vezes, a gente encontra alguns serviços que trabalham bem, mas a grande maioria não, não sei porquê, mas não é usado (Ent 36). O hospital deve ser usado realmente como uma referência que pode ser quando o médico atendeu e viu que o caso dela é uma crise hipertensiva, ela vai precisar internar, ela entra em contato com a unidade, vem referenciada diretamente (Ent 11). A hierarquização a nível escrito, de papel, de legislação, de políticas públicas na nossa cidade, os níveis estão bem identificados, bem hierarquizados. Com a grande demanda e com esses problemas de saúde que a gente tem, acaba que você não consegue referenciar para outro serviço de maior complexidade. Você acaba tentando resolver aqui (Ent 22). Hoje uma guia de referência ainda é um pouco respeitada. A gente entende que ele já passou para algum lugar. Ele não está indo lá no escuro. Mas, antigamente, não tinha isso. Era um receituário que você falava: procura um pneumologista lá no hospital tal. E o paciente ia para lá (Ent 48). Funciona e não funciona. É aquela toda dificuldade que a gente tem. Por isso, que em relação, principalmente, ao hipertenso, porque recebemos o hipertenso e quando se vê que o hipertenso médio ou o grave e ele deve ter um acompanhamento mais diferenciado, a gente encaminha e não consegue esse encaminhamento. Ele retorna na nossa unidade e ficamos com um quantitativo maior de medicamentos que não vai dar todo o mês para todo mundo.

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Em algumas unidades a referência funciona melhor, como o hospital [...]. Ela funciona melhor. Mas no hospital [...], ela não funciona bem. O PAM não consegue funcionar bem. Por isso que a gente está discutindo porque está aí a implantação do programa da saúde da família, a gente precisa estar bem definido com as referências e contra referências (Ent 28).

Duas considerações devem ser feitas com base nesses depoimentos, a primeira delas é

que apesar de reconhecerem a importância e a existência do princípio de hierarquização,

traduzido como o sistema de referência e contra-referência, percebe-se que os profissionais de

saúde encontram dificuldades distintas para implantação do mesmo nas diversas unidades de

saúde, inclusive com níveis de complexidades diferenciados.

A segunda consideração diz respeito à associação, quase que na totalidade dos

depoimentos, do princípio de hierarquização com o princípio de integralidade, uma vez que a

deficiência de concretização do segundo acarreta nas dificuldades encontradas pelo primeiro.

Dizendo de outra forma, a dificuldade de ofertar uma assistência integral, nos diversos níveis

de complexidades do sistema, sobrecarrega os serviços de alta complexidade, que não são

capazes de suportar a demanda referenciada pelas média e baixa complexidade, causando um

congestionamento do sistema.

Neste sentido, faz-se menção à importância do Programa Saúde da Família (PSF),

como uma estratégia de efetivação do princípio da integralidade, uma vez que possibilitaria a

entrada nas grandes emergências apenas os casos mais complexos, incapazes de serem

resolvidos na atenção básica. Destaca-se que o PSF foi inserido no Brasil em 1994, pelo

Ministério da Saúde, dentre os benefícios trazidos por este programa destacam-se a melhoria

dos indicadores de saúde, diminuição do número de exames complementares, de

encaminhamentos de emergência e de internações hospitalares (BRASIL, 2000d).

Anteriormente ao PSF, em 1991 foi lançado o Programa de Agentes Comunitários de Saúde

(PACS), onde já se trabalhava tendo a família como unidade de ação programática. Destaca-se

que os bons resultados do PACS foram fundamentais para ampliação deste programa, que

hoje é denominado “Estratégia da Saúde da Família” embora a denominação PSF persista

(BRASIL, 2000d, 2000e).

A Unidade de Saúde da Família está inserida no primeiro nível de ações e serviços do

sistema local de saúde, denominado atenção básica. Deve estar vinculada à rede de serviços

de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias e seja assegurada a

referência e contra-referência para os diversos níveis do sistema, sempre que for requerido

maior complexidade tecnológica para a resolução de situações ou problemas identificados na

atenção básica (BRASIL, 2000d, 2000e). Com isso, conclui-se que este vínculo existente

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entre o PSF e os princípios da integralidade e da hierarquização é reconhecido pelos

profissionais de saúde.

A última fala resume o posicionamento dos profissionais de saúde com relação a este

aspecto, uma vez que incorporaram os princípios em suas construções mentais, mas possuem

dificuldades de instituí-lo. Além disso, demonstra a associação entre a hierarquização e

integralidade, por meio dos serviços de nível primário. Neste sentido, cabe a colaboração de

Franco e Magalhães Júnior (2007) ao expor que uma maior resolutividade da assistência

prestada nos serviços de atenção básica, auxilia na redução de demandas por consultas

especializadas e exames, especialmente os de maiores complexidades. Com isso, existiria um

esvaziamento destes serviços, que poderiam atender com melhor qualidade os casos realmente

mais complexos.

No que diz respeito à atitude, destaca-se que entre os elementos periféricos há um

predomínio de elementos positivos, o que caracteriza a incorporação recente de uma atitude

positiva relacionada ao SUS, uma vez que o núcleo central ainda apresenta elementos com

caráter negativo relacionado ao sistema.

Os elementos periféricos possuem funções essenciais nas representações, quais sejam:

concretização, regulação, prescrição de comportamentos, proteção do núcleo central e

personalização. Ele permite a integração de experiências e histórias individuais, é flexível,

tolera contradições, permite adaptação à realidade concreta (ABRIC, 2000, 2003a). Com isso,

observa-se a presença de elementos atrelados à prática e ao cotidiano profissional, bem como

incorporação de novos elementos, os princípios norteadores do sistema à estrutura

representacional.

Com relação aos elementos localizados no quadrante inferior esquerdo, os chamados

elementos de contraste, destacam-se os seguintes termos: equidade, unificação, dificuldade,

organização, ruim. Estes termos são determinados por terem baixa freqüência e uma OME

baixa, ou seja, serem mais prontamente evocados pelos profissionais. São caracterizados por

referirem, possivelmente, a particularidade de um subgrupo dentro da representação geral.

Destaca-se, assim como na periferia, uma maior positividade em relação ao núcleo central e

maior adesão aos princípios do SUS, tendo entre os elementos dois princípios, quais sejam:

equidade e unificação. Neste estudo, a palavra unificação será referida como princípio, uma

vez que, como veremos a seguir, diz respeito à retradução do princípio de descentralização

pelos profissionais de saúde.

Na zona de contraste são encontrados os elementos considerados muito importantes

para os poucos sujeitos que os evocaram, podendo revelar elementos que reforçam a 1ª

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periferia ou a presença de um subgrupo minoritário que possui uma representação diferente

(ABRIC, 2003b; OLIVEIRA et al., 2005). Neste estudo, percebe-se que os elementos de

contraste tendem a reforçar a primeira periferia da representação, por meio da presença de

elementos positivos e da incorporação de princípios do SUS, e contrastam com o núcleo

central.

De acordo com os pressupostos da abordagem estrutural, estes achados permitem

considerar a hipótese da existência de um subgrupo com uma representação social distinta do

grupo geral, uma vez que os elementos contrastam com o núcleo central do mesmo, e

reafirmam a hipótese de mudança representacional caracterizada da periferia para o centro.

(ABRIC, 2003a; SÁ, 2002; OLIVEIRA et al., 2005). No caso deste estudo os profissionais de

nível superior representam o subgrupo que possui uma representação diferente, conforme será

identificado nas análises comparativas a partir da variável escolaridade, que serão expostas a

seguir.

O termo equidade foi composto pelas evocações: equidade, igualdade, igualdade de

direito, igualdade de tratamento, não discriminação, sem-distinção tratamento, seria sistema

igualitário, socialização, uma única maneira de tratar a saúde das pessoas, deveria ser

atendimento igualitário. Assim, este termo apresenta uma dimensão atitudinal positiva e que

os profissionais atribuem uma significação de equidade relacionada à igualdade de

oportunidades.

O princípio da equidade significa necessidade de investir mais onde a carência é

maior, respeitando as necessidades individuais (CUNHA, J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998). De

acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000b) a política pública de saúde objetiva

ajustar desequilíbrios sociais e regionais, por meio da redistribuição de ações e serviços,

oferecendo tratamento desigual para situações desiguais. O princípio de equidade não deve ser

confundido como sinônimo de igualdade, pois apesar de todos terem direito iguais e livres de

privilégios, as pessoas são diferentes e possuem necessidades distintas, que devem ser

consideradas no interior do sistema de saúde (CUNHA, J.P.P.; CUNHA, R.R.E., 1998;

PEREIRA; RONCALLI, 2003). Nos depoimentos abaixo, destaca-se a percepção da equidade

entre os profissionais de saúde.

Eu quero curativo de carvão, e usam todos esses curativos no mesmo paciente, quando o paciente tem momentos diferentes para cada curativo daquele, nem todos os pacientes estão no momento do curativo hidrocolóide (Ent 03). Deveria ter uma distinção do idoso, uma gestante, um tratamento diferenciado para aquele que vai para lá com uma dor de dente ou com uma dor no pé, porque aquele está cardíaco, safenado. Então, haverá de se fazer uma análise maior em função do atendimento (Ent 42).

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Para evitar que as pessoas morram na fila. Você percebe que essa pessoa está com algum problema através de uma triagem, você passa essa pessoa da fila, tira (Ent 63). A gente tinha que ter um sistema que pudesse diminuir essas desigualdades sociais (Ent 23). Quando surgiu a idéia SUS, vamos tratar da população de uma forma igual (Ent 04). Uma saúde mais igualitária, mais justa (Ent 87)

Os profissionais de saúde se referem à equidade como igualdade de oportunidades.

Assim, o sistema é percebido como aquele que fornece atendimento igualitário para toda

população independente de classe social, cor, raça, dentre outros. No entanto, percebe-se que

um subgrupo de profissionais já apreendeu a equidade em seu sentido mais amplo, como

distribuição equitativa de serviços e ações, de acordo com a necessidade de cada indivíduo,

uma vez que cada ser é único dotado de necessidades específicas e diferenciadas. Cabe

considerar que de acordo com a legislação brasileira, art. 196 da Constituição Federal de 1988

(BRASIL, 1988), a equidade foi definida como igualdade no acesso, uma vez que aparece

como “acesso universal e igualitário”.

Complementar a esta idéia, Ramos (2007) ressalta que o que se conhece atualmente

por equidade teve origem em representações de igualdade de direitos presentes na cartografia

mental dos idealizadores do SUS, uma vez que alguns princípios, como definidos hoje,

possivelmente foram frutos de uma reflexão posterior, caracterizando, pois, uma interpretação

mais complexa e aprofundada da lei.

Por sua vez, o léxico unificação surgiu a partir da padronização dos seguintes termos:

união, único, unificação, unificação governos, uniu estado e município, gestão municipal

estadual e federal, responsabilidade do município e do estado. Com relação à unificação,

observa-se a incorporação na estrutura representacional dos profissionais de que a saúde

passou a ser gerida pelas diversas esferas de governo, com comando único.

De acordo com uma publicação do Ministério da Saúde (MS), destaca-se que antes da

criação do SUS existia um duplo comando na área da saúde, pois o MS era responsável pelas

ações preventivas e o Ministério da Previdência Social pela prestação dos serviços médicos

curativos. Após a criação do SUS ocorreu à unificação do comando e o MS ficou responsável

por todas as ações de saúde no plano federal. Nos estados e nos municípios a responsabilidade

passa a ser de cada secretaria estadual e municipal, respectivamente (BRASIL, 2000a).

Destaca-se que a padronização deste termo vai ao encontro do princípio da

descentralização, uma vez que de acordo com os preceitos legais do SUS passou-se de uma

gestão extremamente centralizada para uma gestão descentralizada, com comando único, onde

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o município, ente federal mais próximo da realidade da população, ganhou atribuição

fundamental e recursos para responsabilizar-se pela melhor política de saúde para a população

local. (BRASIL, 2000a). Neste sentido, o SUS refere-se a um sistema descentralizado com

comando único em cada esfera de governo.

Destaca-se que a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS)

foi fundamental para a consolidação dos preceitos do novo sistema de saúde, pois teve como

principal objetivo a unificação dos Sistemas Federais, Ministério da Saúde e Previdência, com

vistas à descentralização e universalização da cobertura. O SUS é entendido como um sistema

integrado, orientado por uma política unificada em três níveis de governo, nacional, estadual e

municipal, cada uma com comando único e atribuições próprias. Estas características são

representadas como a sustentação do sistema, sendo reconhecidas pelos profissionais de

saúde, que às incorporaram à representação construída como uma retradução do princípio de

descentralização.

A descentralização pode ser tanto política quanto administrativa. Neste sentido, faz-se

menção ao trecho do texto constitucional “direção única em cada esfera” ao expressar que o

sistema se consolida como único devido à existência de uma direção exclusiva em cada esfera

governo, permitindo que as decisões tenham uma lógica e siga um determinado fluxo. Essa

concepção teórica se apóia na idéia de se agir próximo das demandas e do público-alvo, mas

pensar integralmente, tendo uma visão de longo alcance com vistas a um amplo impacto na

saúde da população brasileira (RAMOS, 2007; GIOVANELLA; FLEURY, 1996). Nos

estratos a seguir, destacam-se esses conteúdos representacionais entre os profissionais:

O SUS é o sistema de saúde integrado, uma vez que a gente teve a unificação das instituições para facilitar o atendimento, melhorar e qualificar. É muita carência. Então, acho que o SUS é unir todos em um só para favorecer (Ent 77).

O SUS é um sistema de saúde integrado, onde se associam poderes de saúde tanto municipais, estaduais e federais, dando o mesmo direito a todos e a mesma qualidade de atendimento (Ent 63).

Teria um atendimento único de saúde, em que os profissionais seriam tanto da área de município, estado e federal (Ent 07). Os hospitais que eram federais estão municipalizados, estão sendo gerenciados também pelo município, a verba também é pelo município, o repasse (Ent 44).

Ele é um sistema integrado de saúde. O SUS é o Sistema Único de Saúde. A gente fala integrado porque pensa que essa unificação vai dar uma integração também (Ent 35). Cada vez mais, é para integrar, às vezes, e fazer realmente com que o ministério da saúde possa gerenciar as redes estaduais e municipais de uma forma em que ele seja o gestor único, mas que as outras áreas todas fiquem conectadas a ele, e possa ter respostas quanto ao SUS, quanto à estatística gerada (Ent 73).

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É um regime, tanto do governo estadual, municipal, federal que é abrangido pelo mesmo sistema único, o mesmo estilo, o mesmo tipo, todo mundo trabalhando igual (Ent 99).

É a integração da saúde, é aquela unificação que houve entre o ministério, o estado, o município e o federal (Ent 24).

Com base nos estratos expostos, percebe-se que os profissionais incorporaram a

descentralização como uma redistribuição de responsabilidades entre as esferas de governo,

através da unificação das mesmas. Baseada na normativa de que a gestão do sistema (SUS)

passa a ser de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios, com comando único.

Assim, associa-se a este estudo, a hipótese de um processo de mudança

representacional, pois existe uma representação com significados mais negativos, focada no

atendimento e ancorada no papel assistencialista do Estado, que incorpora novos elementos

indicativos de uma representação de caráter positivo, ancorada nos princípios do SUS. Esta

proposição foi reforçada pelos elementos periféricos e pelos elementos de contraste, que

apresentam uma maior positividade que o núcleo central e a incorporação dos princípios em

seus quadrantes.

Desta forma, observa-se a presença de um movimento cíclico de mudança

representacional, caracterizado da periferia e dos elementos de contraste para o Núcleo

Central, com a incorporação dos princípios do SUS e de elementos positivos à representação,

conforme a figura seguinte:

Figura 3 – Esquema do Quadro de Quatro Casas para mudança representacional, inspirado em VERGÈS, 1994.

O.M.E.

Freq. Med.

Termo evocado

Freq.

O.M.E.

Termo evocado Freq. O.M.E.

NÚCLEO CENTRAL Freqüência igual ou acima da média O.M.I. abaixo da média (maior importância)

PRIMEIRA PERIFERIA Freqüência igual ou acima da média O.M.I. igual ou acima da média (menor importância)

ZONA DE CONTRASTE Freqüência abaixo da média O.M.I. abaixo da média (maior importância)

SEGUNDA PERIFERIA Freqüência abaixo da média O.M.I. igual ou acima da média (menor importância

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Como já citado anteriormente, em determinados contextos, elementos presentes na

periferia da representação, podem ser considerados centrais, diante das altas freqüências com

que foram evocados (SÁ et al., 2009). Com base no exposto, neste estudo, defendemos a

hipótese de que, o léxico atende a todos pode se referir a um desses casos. De forma

complementar, Sá (2002, p.123) destaca que, “a grande quantidade de laços que um elemento

mantenha com outros elementos da representação tem sido frequentemente tomado como um

segundo indicador, além da saliência, de sua provável participação no núcleo central”. A

análise da conexidade dos elementos evocados, apresentada na árvore máxima7 abaixo, apóia

essa hipótese:

Legenda: Foram destacados na árvore máxima os elementos irradiadores Figura 4– Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes na análise geral dos profissionais de saúde. Rio de Janeiro, 2009 (N=99)

7 Em relação à Figura 4, destaca-se que a ramificação tracejada na cor cinza se refere a mais de uma possibilidade de conexão: o termo capacitação tanto se conecta a atende a todos quanto a bom, assim como, as linhas tracejadas na cor preta representam uma nova possibilidade de conexão sem a formação de ciclos, visto que o índice de similitude é o mesmo. Outro fato que merece destaque é o número de participantes, que é inferior (99) dentre aqueles que fizeram evocações (125 sujeitos). Isso porque, cada sujeito só pôde participar da análise de similitude caso tivesse evocado, no mínimo, dois dos elementos constantes do quadro de quatro casas, já que isso se deve à co-ocorrência/conexidade entre dois termos.

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Como percebemos, a evocação atendimento, já supostamente central, é a que mais

estabelece conexões com as demais, seguida de atende a todos. Neste sentido, em função do

segundo critério de centralidade (conexidade), passam a ser sete e não seis os elementos

centrais da representação do SUS para profissionais de saúde: atendimento, atendimento

pobres, desorganização, não funciona, saúde, sistema único de saúde e atende a todos.

O Sistema Único de Saúde é caracterizado por ser um serviço público, que presta

atendimento a população brasileira de forma gratuita, universal e equânime. Assim, observa-

se que o princípio da universalidade (atende a todos) é um elemento central, pois estabelece

um grande número de conexões com outros elementos e com altos índices de similitudes.

Dentre os elementos que estão conectados com atende a todos, destacam-se:

capacitação, equidade, acesso, dever estado, assistência integral e bom. Observa-se uma

atitude positiva relacionada a este elemento, pois todos os termos a ele ligados possuem esse

caráter. Outro ponto de discussão centra-se no fato de que os demais princípios que

apareceram na análise estão associados a atende a todos, com exceção de unificação. Com

isso, destaca-se que atende a todos, equidade e assistência integral são princípios ético-

doutrinários, que fornecem a base ideológica do SUS e, ao mesmo tempo, estão associados às

ações práticas e ao cotidiano dos profissionais, atrelados indiretamente ao atendimento

oferecido nas unidades de saúde, assim como estão estruturadas as conexões na árvore.

O termo unificação se expressa conectado à organização, que por sua vez está ligado à

saúde. Está estruturação sugere a atitude positiva que este termo possui e demonstra o seu

caráter mais funcional, associado a questões administrativas, gerenciais e organizacionais do

sistema de saúde. Merece destaque ainda a conexão estabelecida entre assistência integral e

hierarquização, uma vez que, conforme discussão apresentada anteriormente, foi possível

perceber a associação teórica e prática destes dos princípios nas construções simbólicas dos

profissionais de saúde, sendo confirmada pela distribuição esquemática na árvore de

similitude, associada aos índices de conexidade.

O léxico atendimento associado a atende a todos possui o maior número de conexões

entre os termos evocados. Neste sentido, destacam-se as diversas facetas do atendimento, que

nesta estrutura possui uma atitude positiva ligado a elementos como atendimento bom, saúde,

sistema único de saúde, atuação profissional, atendimento pobre e dificuldade. Estas

conexões refletem que apesar de existirem dificuldades no processo de atendimento, os

profissionais possuem uma atitude positiva relacionada ao mesmo. Além de reafirmar a

caracterização do atendimento como identidade do SUS.

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A falta de atendimento que se percebia no interior, hoje já não se percebe, tanto que o cara vai em qualquer lugar e ele tem acesso, mas já em compensação, aqui na cidade a gente vê que o cara fica na fila mais tempo aguardando do que ele aguardava antes (Ent 03). Uma das coisas que eu tenho informação em termos de emergência. Qualquer pessoa tem direito pelo SUS ao atendimento (Ent 12). Esse Centro de Saúde é assim, de uma qualidade boa, as pessoas procuram e são atendidas, tem uma condição de atendimento bom (Ent 24). Ainda existe a queixa, ainda existe a insatisfação de algumas partes, mas eu acho que no todo, no geral, ainda o SUS nos proporciona essa condição de fazer atendimento para pessoas de várias classes sociais e um bom atendimento e amplo também, porque aqui tem tudo, tem quase tudo, dentista, ginecologia, oftalmo e todo um atendimento de boa qualidade. Não se consegue satisfazer a todos porque um fala para o outro e todos vêm procurar aqui e o centro de saúde fica até sobrecarregado, o serviço fica sobre carregado e aí tem que ser estipulado um número de atendimento que, às vezes, não satisfaz todo mundo (Ent 48).

Outra questão importante a ser destacada foi a presença do termo atuação profissional

associado ao atendimento, referindo-se às atividades cotidianas desenvolvidas por estes atores

sociais, bem como sobre o seu papel no processo do atendimento. Este termo foi padronizado

para: desmotivação, enfermagem, médicos, profissionais competentes, profissional,

profissionalismo, setor onde trabalha, bons profissionais. Neste ponto, faz-se necessário

salientar que no quadro de quatro casas este termo está presente na segunda periferia e que a

mesma constitui os elementos mais flexíveis, ligados à prática e recentes da representação,

assim é interessante notar que ao solicitar aos sujeitos a produção de evocações ao termo

indutor “SUS”, houve associação do objeto com uma importante faceta da identidade

daqueles que atuam na operacionalizam dos serviços, associando o SUS às práticas e à

qualificação destes profissionais.

Trouxe ela aqui no neurologista foi fazer fundo de olho. Os médicos diagnosticaram edema sugestivo de um tumor. Já subiu de cadeira de rodas para ir fazer um fundo de olho. Já subiu de cadeira de rodas porque tinha um tumor cerebral maior que um limão galego. Com duas semanas, ela estava operando. Tirou um tumor (Ent 32). O atendimento aumentou muito, os profissionais da área, os médicos, os enfermeiros, o hospital, não tem um leito vazio, sai um paciente hoje, tem filas de paciente para os leitos. Até essa questão das cirurgias eletivas a marcação é grande, a fila de espera é grande, aumentou muito (Ent 68). O médico que foi para a prática e se especializou, que se pós graduou, fez uma residência, fez um mestrado, não vai ficar para ganhar o que ganha aqui. Eu acho que nesse aspecto, você está cada vez mais diminuindo a oferta e o acesso vai ficando mais difícil (ENT 74). Antes do SUS eu tinha consultório de gestante, eu acompanhava a gestante, quatro, cinco, seis meses e fazia consulta com o bebê. Depois daquela primeira hora do SUS, eles se assustaram com uma enfermeira fazendo isso, auscultando, dizendo fala com o médico para te encaminhar (Ent 58). Hoje a enfermagem trabalha com o médico fazendo a pré consulta. O médico que marcava essa consulta para um paciente, vamos dizer, diabético daqui há três meses. Hoje, ele realmente no médico não vai todo mês. Vai ter que ter uma pré consulta. Ele tem uma orientação dada por uma equipe de enfermagem (Ent 47).

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Conforme exposto, os depoimentos acima traduzem a aproximação com as atividades

práticas destes profissionais, bem como a qualificação dos mesmos. Estas atividades se

relacionam diretamente com o atendimento prestado a população e com o aumento da

demanda que ocorreu após a implantação do SUS.

Destaca-se que os princípios do SUS estão integrados à árvore máxima e os elementos

negativos presente no Núcleo Central, quais sejam: desorganização e não funciona são

elementos acessórios a tal estrutura, permeados por atendimento aos pobres, uma vez que este

estabelece a conexão entre os todos os elementos negativos evocados e a árvore por meio de

uma ligação fraca caracterizada pelo baixo índice de similitude, sendo o mais baixo dentre

todos os demais. Este fato reforça a discussão apresentada anteriormente ao demonstrar a

associação entre atendimento pobres, desorganização e não funciona. Esta estrutura se

caracteriza como um esquema de pensamento paralelo à árvore. Tal associação pode ser

identificada nos estratos abaixo:

Hoje, pelo aumento da demanda, pelo empobrecimento da população, pelo poder aquisitivo da população que está cada vez menor, a gente tem um acesso muito difícil. O acesso foi dificultado também pelo aumento da população e o seu empobrecimento (Ent 92). A população empobreceu, aqui não vai ser diferente. O perfil da população, desse hospital, é muito pobre. Esse hospital é rodeado de favelas. Então, é uma população super carente, hiper carente. Então, eu acho que piorou (ENT 28). A população pobre que realmente não tem acesso ao SUS, pelo menos os que eu conheço não têm. A dificuldade é incrível. Até eu mesma, quando tive que fazer um exame e não consegui fazer. Eletroneuromiografia, não consegui fazer até hoje, e isso já são dois anos (Ent 84).

Buscando melhor entender o subgrupo que possui uma atitude positiva associada ao

SUS e a incorporação dos princípios à representação, foi realizada uma análise complementar

comparativa entre profissionais com nível de escolaridade médio e superior, conforme

exposta a seguir.

4.2.2 A incorporação dos princípios do SUS entre profissionais de saúde de nível médio e

superior

A estrutura representacional do SUS construída por profissionais de saúde que possuem

nível de escolaridade superior (n=70), pode ser observada na figura 5. Dessa forma, foram

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evocadas 328 palavras, dentre as quais 87 eram diferentes. A freqüência mínima definida foi

de 6, sendo excluídas da composição do quadro de quatro casas as palavras evocadas em

número menor que esse pelos sujeitos. Após a definição da freqüência mínima foi calculada a

freqüência média, tendo como resultado 9. A ordem média de evocação (OME) foi 2,9.

Assim, com base no exposto, o Quadro de Quatro Casas (figura 5) foi elaborado a partir

dos parâmetros definidos acima:

O.M.E. <<<< 2,9 ≥≥≥≥ 2,9 Freq. Med.

Termo evocado Freq. O.M.E. Test t Termo evocado Freq. O.M.E.

≥≥≥≥ 9

não-funciona desorganização atendimento equidade atende-a-todos

18 15 14 12 9

2,778 2,400 2,500 2,250 2,667

P 0,010 P 0,010

dever-estado idealismo

13 10

3,077 3,300

<<<< 9

organização sistema-único-de-saúde atendimento-pobres bom integração dificuldade assistência-integral

8 8 8 7 7 6 6

2,250 1,500 2,750 2,857 1,714 1,667 2,833

desatenção hierarquização acesso ruim saúde capacitação

8 8 7 7 7 6

3,500 3,250 3,286 3,143 3,571 3,667

Legenda: Foram destacados os termos equivalentes aos princípios do SUS (azul) e à hipótese de ancoragem (verde) Figura 5 – Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de nível superior de oito instituições de saúde. Rio de Janeiro, 2009. (n=70)

No quadrante superior esquerdo, foram identificados os seguintes elementos: não-

funciona, desorganização, atendimento, equidade e atende a todos, que indicam uma

dimensão pragmática, ideológica e avaliativa do SUS, apresentando, em termos, um caráter

mais normativo. Segundo Abric (2003a), o caráter normativo está presente nas situações onde

intervêm dimensões sócio-afetivas, sociais ou ideológicas. Nessas situações, pode-se pensar

que uma norma, um estereótipo, uma atitude fortemente marcada, estarão no centro do núcleo

central, neste caso, atende a todos, equidade, desorganização e não funciona.

Destaca-se que neste subgrupo ocorreu a incorporação de dois princípios doutrinários

do SUS, bem como, as palavras que formam o núcleo central do SUS apresentam significados

positivos (atende a todos, equidade e atendimento) e negativos (desorganização e não

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funciona) relacionados ao sistema de saúde. Pode-se inferir que persiste um posicionamento

negativo, por parte dos profissionais, no que se refere à funcionalidade do sistema,

caracterizado pelos léxicos não-funciona e desorganizado. No entanto, a presença quantitativa

de elementos positivos torna-se marcante neste quadrante que o diferencia da análise geral.

Após realização da análise de similitude com o grupo geral de profissionais passamos

a atribuir uma atitude positiva relacionada ao atendimento, uma vez que este termo, a

princípio considerado neutro, possui um número maior de conexões com elementos de caráter

positivo presentes na representação.

De acordo com a proposição da abordagem estrutural das representações sociais, uma

representação social só pode ser considerada diferente se o seu núcleo também o for (ABRIC,

2000, 2001a, 2003a), por isso de acordo com os elementos presentes no núcleo central da

estrutura dos profissionais de saúde com nível de escolaridade superior, que se diferem do

núcleo central do grupo geral, pode-se inferir que existe uma nova representação para este

subgrupo, com a incorporação do princípio da universalidade (atende a todos) e da equidade

na zona de núcleo central.

Neste sentido, destaca-se que o SUS se constituiu, em seu processo de construção,

como um projeto que possui, em essência, a superação a desigualdade social, com base nos

princípios de universalidade e equidade (RAMOS, 2007). Como desdobramento da idéia de

universalidade, o princípio da equidade assegura que a disponibilidade dos serviços de saúde

considere as diferenças entre os diversos grupos de indivíduos. A equidade acaba funcionando

como um “filtro” da universalidade, que possui uma conceituação mais abrangente, pois é

possível um discurso universalista mesmo na existência de modelos desiguais do ponto de

vista do acesso aos serviços (PEREIRA; RONCALLI, 2003).

Ramos (2007) ressalta que a equidade possui uma forte relação com o princípio da

universalidade, uma vez que a concretização deste princípio está representada pela promoção

do acesso da população a todas às ações e serviços de saúde das instituições públicas e

conveniadas, independente da condição social ou do vínculo previdenciário. Os trechos de

entrevistas a seguir expõem de forma clara essa relação:

Um modelo completo, porque ele não faz restrições a questão social (Ent 23). É bom para todos, tanto para o pobre, quanto para o rico (Ent 07). [o SUS propôs] igualdade para todos. Desde os ricos ao pobre favelado, o filho do presidente já esteve aqui, o filho do governador foi assistido. Ele foi acidentado e foi atendido como qualquer outro cliente (Ent 15).

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Aqui é um hospital público, mas em termos de emergência, a pessoa sofreu um acidente na rua, tanto faz se tem um nível social ou outro, numa emergência todos são iguais. Em relação ao SUS também não tem diferença (Ent 46).

Com a chegada do SUS, acabou isso. Todos os hospitais atendem a todo mundo igualmente (Ent 94). Eu acho para o SUS funcionar também tem que ter e ser levado a sério isso, a justiça social (Ent 62) Tudo isso temos que orientar de acordo com a situação social de cada um, se inserir naquela situação e tentar passar para o cidadão, o que é melhor, não intimar, mas sugerir, orientar, ensinar e são bem aceito por parte deles (Ent 75).

Os profissionais de nível superior associam o princípio da equidade com igualdade,

tanto de acesso, como de assistência. No entanto, cabe considerar que estes atores sociais

reconhecem tal princípio como um princípio de justiça social, ao referir que surgiu para

diminuir as desigualdades sociais existentes e, ainda, mesmo que de forma discreta

reconhecem que a assistência deve ser realizada de forma igualitária, porém focada na

necessidade de cada indivíduo, que possui suas particularidades e necessidades diferenciadas.

Faz-se menção ainda ao fato de que mesmo diante de uma atitude positiva relacionada

ao sistema, os profissionais de saúde possuem percepções e avaliações negativas relacionadas

ao mesmo. Sobre este aspecto, cabe destacar que estes profissionais atuam nos dois universos

de pensamento, quais sejam: o reificado e o consensual. Dessa forma, possuem percepções

adquiridas através do conhecimento cientifico e de suas experiências práticas, cotidianas, das

interações com outras pessoas, das imagens veiculadas pela mídia, dentre outras.

Nesse sentido, merece destaque a importância da circulação da informação na

construção de representações sociais, pois conforme expõem Sá (1993) e Vala (2000) os

meios de comunicação de massa são elementos importantes na transmissão e na

transformação de conhecimentos, sendo muitas vezes meios de estabelecimento de debates e

discussões no interior dos grupos, bem como, entre os grupos. Com base no exposto, destaca-

se a influência que a mídia exerce na formação de representações, pois conforme expõem

Mendes (2006) e Silveira (2002) há uma tendência da mídia em expor os percalços e as

mazelas existentes no interior do sistema de saúde, enquanto que os avanços e as conquistas

são pouco divulgados. Assim, diariamente são referidas imagens negativas como, filas e falta

de atendimento, relacionadas ao SUS e estes fatos contribuem para formação de

representações de não funcionalidade e de desorganização.

Cabe considerar que o sistema apresenta problemas organizacionais e estruturais que

refletem na atenção à saúde da população, conforme percebido pelos atores sociais que estão

inseridos no mesmo. No entanto, além dos aspectos ressaltados acima, a presença dos léxicos

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não funciona e desorganização sugere ainda, conforme ressaltado anteriormente, que a

representação do SUS esteja ancorada no papel assistencialista do Estado atrelado aos

aspectos negativos dos serviços públicos de saúde. Percepção esta que se mantém, entretanto,

com vistas à mudança representacional para todo o grupo estudado, com a inserção de

elementos positivos à representação, bem como os princípios que norteiam o sistema.

Dessa forma, destaca-se que apesar dos elementos com significados negativos

constituintes das representações sociais do SUS, para os seus profissionais, serem ancorados

na qualidade dos serviços públicos gerenciados pelo Estado nas décadas que antecedem o

SUS, as dificuldades presentes no sistema atual colaboram para a permanência de tais

elementos na estrutura representacional, mesmo que esta se encontre em vias de mudança.

Com base nos trechos abaixo, extraídos das entrevistas em profundidade, podemos

observar tais aspectos:

Era muito ruim . Dependíamos de posto de saúde. Não é que era ruim o atendimento. O posto de saúde não tinha condições de atender a quantidade de pessoas de uma comunidade. Era limitado . Muita gente dormia na fila. Hoje você tem com o SUS, eu descobri uma coisa agora recente, você tem um tratamento no SUS que era particular, a cirurgia plástica. Eu lembro que retirava a medida, uma coisa que você faz por estética como você vê. Mas o SUS tem como fazer. Não tinha (Ent 14). A demanda é muito grande, eu não sei como é que está funcionando, mas de modo geral, quando a gente pede sempre tem, ninguém nunca ficou aqui sem as ações, demora, três, quatro dias, às vezes, faz na hora, mas faz sim (Ent 25).

[não está funcionando] adequadamente por causa da demanda que é grande, o número de funcionários e o número de leitos aqui é pouco (Ent 52). É assim que funciona o sistema SUS. Dá o atendimento, sim, mas é meio difícil. Tudo é meio difícil (Ent 61). O município se organizou através da informática. E nessa organização da informática, os profissionais têm um serviço amarrado com essa instituição. Ele tem um número de pessoas que precisa atender, tem que preencher uma determinada ficha que vai dar uma informação ao município do que ele faz. Isso cria na organização do trabalho um compromisso maior do profissional, o trabalho que ele está fazendo (Ent 11). A organização do centro de saúde melhorou muito. Hoje eu acho que até a questão de material melhorou. Eu acho que também, hoje, existe mais essa preocupação em relação a fornecimento para que a coisa seja melhor (Ent 93). O SUS trouxe uma nova organização. Já disse para você que, no papel, o SUS é perfeito, porque você tem um gestor federal, um conselho federal, um gestor estadual, um conselho estadual, um gestor municipal e um conselho municipal. Só que no papel isso tudo é muito perfeito, porque até hoje você não vê ele funcionar. O Rio de Janeiro, por exemplo, nesses dois governos do [...], eu vejo a coisa funcionar direitinho, ou seja, o indivíduo tem um atendimento ambulatorial, medicamentoso, mas em nível de estado é ruim. É meio complicado (Ent 82).

Os profissionais de saúde referem que apesar das dificuldades existentes, o sistema

funciona e a oferta de atendimento é uma realidade para a população. De forma

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complementar, percebem a descentralização dos serviços como uma forma de organização

dos mesmos, fatos esses que comprovam a presença dos termos não funciona e desorganizado

no núcleo central devido à ancoragem ao papel do Estado, ou seja, a representação do SUS foi

construída ancorada no papel assistencialista e na característica de não funcionamento dos

serviços públicos originados desde a primeira república. No entanto, após 20 anos de

implantação, o sistema sofre um processo de mudança representacional.

Outro aspecto que merece destaque é a ausência, no núcleo central deste subgrupo, dos

seguintes elementos: sistema único de saúde e saúde. Elementos estes que possuíam uma

dimensão imagética na representação geral, além de se caracterizar como uma reprodução do

termo indutor.

No quadrante superior direito ou primeira periferia, encontram-se os seguintes

elementos: idealismo e dever Estado. Estes elementos tornam-se importantes, pois possuem

uma alta freqüência, apesar de não serem tão prontamente evocados, como os elementos do

núcleo central. Os profissionais de saúde de nível superior reconhecem que cabe ao Estado

disponibilizar e garantir o acesso da população às ações e serviços de saúde. No entanto,

associam o sistema com uma imagem idealizada ou até mesmo utópica.

No quadrante inferior direito encontram-se os elementos menos evocados e menos

prontamente evocados sendo, portanto, os menos importantes na representação. No entanto,

destaca-se que a segunda periferia possui a função de proteger o núcleo central e está

associada com o contexto mais imediato dos atores sociais e com as práticas sociais o que, de

certa forma, justifica a presença de elementos como acesso, capacitação, hierarquização e

desatenção.

Dentre os termos presentes nesse quadrante destaca-se hierarquização, uma vez que é

um princípio organizativo do SUS e sua execução está diretamente relacionada com a prática

dos profissionais de nível superior, visto que as ações de referência e contra-referência,

principal característica deste princípio, é uma atividade exclusiva de profissionais com este

nível de escolaridade. Este fato, dentre outras questões, justifica a ausência deste termo na

estrutura representacional dos profissionais de nível médio, como veremos adiante.

Conforme citado anteriormente, a segunda periferia possui uma relação direta com o

cotidiano, sendo, por isso, flexível e menos resistente a mudanças que o Núcleo Central.

Destaca-se que a incorporação de novos elementos à representação, normalmente, ocorre

através da periferia, como neste estudo, por exemplo.

O princípio da hierarquização possui relação com a disposição dos serviços por níveis

de complexidade, caracterizando sistemas funcionais de acordo com as necessidades de saúde

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demandadas, organizado por meio do sistema de referência e contra-referência. A partir de

sua instauração objetivava-se ordenar o sistema de saúde por níveis de atenção e estabelecer

fluxos assistenciais entre os serviços (VASCONCELOS; PACHE, 2006; RAMOS, 2007).

Neste sentido, a atenção básica deve estar preparada para atender os principais

problemas de saúde dos usuários, principalmente no que tange às ações preventivas e de

promoção da saúde, sendo as situações mais complexas referenciadas para outras unidades da

rede que estejam estruturadas para abarcar e atender tal necessidade (RAMOS, 2007).

Estamos evoluindo para alcançar essa lógica de referência e contra referência, dela ser uma coisa mais amarrada (Ent 04). Não existe um retorno desses municípios até para que o hospital tenha condição de dar suporte às situações mais complexas que eles não têm lá e que nós poderíamos fazer e eles atenderem às questões de menor complexidade (Ent 23). O hospital aqui é um hospital geral, mas você fica atendendo coisa de pequeno porte, coisas que não seriam da competência do hospital, um hospital público, internação diária de atendimento de alta complexidade (Ent 35). Ele [o sistema de referência e contra-referência] é importante, mas ainda é muito falho. Às vezes precisa-se encaminhar o paciente e como aqui na área a gente tem muitos postos, o posto de saúde da Maré, posto de saúde da favela tal, você até consegue encaminhar os pacientes para estes postos de saúde, mas nos grandes centros, o ideal seria que tivesse um suporte (Ent 41). O conjunto de unidades de saúde ainda não está muito aberto. O conjunto de serviços não está muito aberto ainda a esse sistema. Parece, dá a impressão, de que a gente está pedindo um favor. Não é isso. Referenciar não é pedir favor. Referenciar é encaminhar para um nível de complexidade maior ou menor do que o seu (Ent 55).

Com base nos estratos apresentados, percebe-se que os profissionais de saúde referem

dificuldades de concretização do sistema de referência e contra-referencia e,

consequentemente, do princípio de hierarquização. Seja por dificuldade de comunicação com

os serviços de complexidades diferenciadas, seja pela dificuldade de retorno do paciente

referenciado. A falha neste sistema constitui-se em uma deficiência importante no contexto do

SUS, uma vez que é uma peça fundamental para o alcance de determinados princípios e

diretrizes, como universalidade, integralidade, equidade, regionalização e hierarquização, uma

vez que sem o funcionamento adequado desse sistema não há garantia de continuidade da

assistência.

No quadrante inferior esquerdo encontram-se os elementos de contraste, quais sejam:

organização, sistema-único-de-saúde, atendimento-pobres, bom, integração, dificuldade,

assistência integral. Destacam-se a presença de elementos com significados positivos

(organização, bom, integração e assistência integral), elementos negativos (dificuldade) e

neutros (atendimento-pobres e sistema único de saúde). Como foi possível perceber existe

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uma quantidade maior de elementos positivos em relação aos neutros e negativos, o que

reforça mais uma vez a atitude positiva dos profissionais de saúde frente ao SUS. No entanto,

nota-se que os elementos presentes nessa zona contrastam com o núcleo central, uma vez que

o termo atendimento pobres, por exemplo, nega o princípio de universalidade, supostamente

central nesta análise, em seguida, organização e integração, se contrapõe com desorganizado

e não funciona, que também são elementos supostamente centrais na representação em tela.

Evidencia-se a presença do léxico assistência integral, uma vez que se refere a um

princípio doutrinário do SUS. Dentre os termos presentes nessa padronização encontram-se

saúde-integral, atende todas as necessidades, assistência total e integral, assistência integral,

atendimento global, atenção total, atendimento integrado de saúde, atendimento no posto e

no hospital, integralidade, promoção e prevenção da saúde, abrange todas as necessidades.

Os profissionais de nível superior apreenderam em suas representações o significado

deste princípio, que se refere ao conjunto articulado e contínuo das ações e serviços

preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade do

sistema (BRASIL, 1990a). Com base neste princípio, as diversas dimensões do processo

saúde e doença que atingem os indivíduos e as coletividades devem ser consideradas e a

prestação de forma continuada as ações e os serviços de saúde mantida, a fim de garantir a

promoção, a proteção, a cura e a reabilitação de todos os indivíduos (VASCONCELOS;

PACHE, 2006). Nos estratos seguintes, podemos observar a presença deste princípio nas

construções simbólicas destes profissionais:

O SUS para mim, como o nome diz, é uma forma única de saúde, um sistema que abrangesse todas as unidades de saúde, em todos os seus níveis de influência e de atenção primária, secundária, terciária e quaternária (Ent 09).

A questão do atendimento primário, a saúde, a prevenção, a atenção primária, está muito deficitária, ainda, no SUS (Ent 33).

O SUS deveria ser um sistema que operacionalizasse a saúde das pessoas, da primária até ao último grau; do ensinar a pessoa a ter cuidados básicos, a receber medicação, até no transplante de medula (Ent 49). Você tratar de uma pneumonia, de uma encefalite, de uma doença como a dengue, é uma coisa muito cara, inclusive você paga com a sua vida. Por quê não fazer as coisas antes? Fazer campanhas sérias que nunca foram feitas. Você viu a diferença da dengue há três, quatro anos, porque foi irrisória. Então, o contexto da saúde é exatamente esse. A medicina não pode ser uma coisa curativa, tem que ser feita de forma preventiva, pois isso está previsto nos manuais bonitinho (Ent 53). A população ainda não se acostumou a usar desse grande benefício que é a prevenção. Os próprios médicos têm uma visão muito assistencial da saúde, muito medicamentosa da saúde, o lado preventivo não é tão valorizado, tanto que as categorias que mais valorizam o lado preventivo do trabalho aqui dentro é o psicólogo, é o assistente social, é a enfermagem, é a nutrição. São esses profissionais que têm uma visão mais da questão preventiva dentro da instituição (Ent 73).

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O atendimento à população até mais em uma linha de atuação preventiva, que até curativa, porque a gente está dando muita ênfase na área da prevenção das doenças. Então, você está pensando em fazer trabalho muito maior de prevenção do que a própria atuação no consultório, atuando em grupos que se fazem aqui no centro de saúde (Ent 81). A população está tão mal acostumada, não tem o hábito de receber e, mesmo quando recebe, não sabe muito bem o que está recebendo. Então, por exemplo, nós temos o grupo de adesão de Aids, grupo de diabetes, de hipertensão, mas a população está acostumada com a forma assistencial. A população não passa ainda muito à própria população que procura pela questão preventiva. A saúde, o centro de saúde é basicamente preventivo. Centro de saúde é atendimento primário. Ele é um atendimento especial, porque faz um atendimento medicamentoso. Mas ela é basicamente saúde preventiva. Prevenir para não chegar ao hospital. O hipertenso prevenir para não chegar lá. O diabético, prevenir para ele não ter que entrar no hospital. A aids prevenir aqui, tomando medicamento, para não ser um paciente muito caro para o estado (Ent 94).

Destaca-se que os profissionais de saúde de nível superior reconhecem o princípio da

integralidade a partir de uma lógica de associação das ações curativas e preventivas, com

articulação entre os três níveis de assistência, acarretando em melhor qualidade de vida e

saúde para população e menor gasto para o Estado. No entanto, referem que existe dificuldade

para implantação deste princípio ocasionada por uma via de mão dupla, tanto por parte dos

profissionais que ainda possuem uma visão biomédica, voltada para doença e para

medicalização, como dos indivíduos, que ainda não introjetaram a importância das ações de

prevenção para sua saúde. Por fim, desconsideram a responsabilidade da união e das

secretarias de saúde em prover condições para que todos os princípios do SUS sejam

alcançados na prática.

Outra percepção dos profissionais é a idéia da integralidade como um fluxo contínuo

de acesso entre os diversos níveis de assistência, baseada na produção do cuidado por uma

equipe multiprofissional, não reducionista à prática assistencial e capaz de identificar as

subjetividades presentes em cada usuário, mas que ainda não se caracterizou como uma

realidade no SUS.

Neste sentido, percebe-se que os profissionais apreenderam o sentido mais original da

integralidade que remete a aproximação das ações curativas e preventivas. No entanto,

caminham para a incorporação de um sentido mais amplo, que repudia o reducionismo

biomédico e valoriza o cuidado desenvolvido por uma equipe multiprofissional.

Com base no exposto, Pinho, Siqueira e Pinho (2006) destacam que a integralidade

não pode ser percebida como atributo da boa prática biomédica, mas como um atributo que

permeia a prática de todos os profissionais de saúde, fruto do esforço e confluência dos vários

saberes de uma equipe multiprofissional, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde.

A integralidade diz respeito ao atendimento das necessidades dos indivíduos e da

coletividade por meio de uma assistência ampliada, transformadora, contraria ao

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reducionismo dos mesmos à doença e ao aspecto biológico. Valoriza, portanto, a integração

de ações curativas e preventivas, baseada na subjetividade de cada sujeito e no cuidado

desenvolvido por uma equipe multiprofissional que interage e se complementa, com vistas a

atingir uma visão multifacetada dos usuários, atendendo, assim, a todas as suas necessidades

de saúde.

Na análise apresentada, chama a atenção o fato dos três princípios ético-doutrinários

estarem presentes na representação dos profissionais de nível superior, sendo que dois deles

encontram-se no núcleo central (atende a todos e equidade). Estes princípios são

caracterizados por fornecerem a base ideológica ao sistema e os organizativos atuam na sua

operacionalização. Dessa forma, a presença de princípios doutrinários e organizativos nessa

representação possui relação com a aproximação destes profissionais com os dois universos

de pensamento, conforme explicitado anteriormente, uma vez que o reificado está ligado à

ideologia como pensamento e não como práxis. Neste universo, estão localizadas as ciências e

o pensamento erudito (SÁ, 1993). E o universo consensual está relacionado com os fazeres

concretos. Correspondem aos conhecimentos adquiridos através das interações cotidianas e

das práticas diárias, onde circulam as representações sociais (SÁ, 1993).

Assim, a associação dos conhecimentos adquiridos no universo reificado com as

interações sociais e as práticas estabelecidas no universo consensual proporcionou a

construção de uma representação para os profissionais de nível superior diferente daquela

observada no grupo geral e entre os profissionais de nível médio. Sabe-se que a formação

profissional de nível médio e de nível superior possui características diferenciais peculiares no

que diz respeito às políticas de saúde, o que permite inferir que o conhecimento adquirido

durante a formação possui influência na formação de representações sociais.

De acordo com os resultados8 adicionais relativos ao grau de especificidade que um

elemento representacional possui com um determinado grupo em comparação com outro,

obtido a partir da aplicação do Test t de Student, por meio do programa complex, integrante do

EVOC 2003, destaca-se que foram encontradas diferenças estatísticas significativas em duas

evocações, quais sejam: não-funciona (p 0,010) e desorganização (p 0,010). Assim, embora

estes elementos pertençam ao provável núcleo central da representação dos dois grupos

(profissionais de nível médio e superior), estes elementos são mais específicos da

representação dos profissionais de nível superior.

8 Estes resultados podem ser observados no relatório Complex (apêndice K)

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Por fim, ao analisar a estrutura da representação social dos profissionais com nível de

escolaridade superior, a expressão atende a todos e a palavra equidade estavam presentes no

provável núcleo central, ou seja, caracterizados como um elemento consensual e estável da

representação, permitindo inferir que este é o subgrupo de profissionais responsável pela

incorporação dos princípios do SUS e pela atitude positiva frente ao sistema de saúde na

representação geral do grupo estudado. Outro fato que corrobora com esta afirmação é o fato

de existirem princípios em todos os quadrantes da estrutura representacional, que reforça

ainda a idéia de mudança representacional conforme o esquema apresentado anteriormente,

onde elementos novos são incorporados à periferia e à zona de contraste e introduzidos

posteriormente ao núcleo central da representação.

A árvore de similitude demonstrada a seguir pela Figura 6, ao ter o elemento atende a

todos com um grande número de conexões, reforça a análise anterior, segundo a qual o SUS

foi um sistema criado com base no princípio de universalidade da assistência, onde a saúde é

um direito de todos e um dever do Estado (Brasil, 1988). Diante dessa afirmativa, destaca-se

que o termo dever Estado, nesta árvore, aparece como centralizador das conexões, o que

possibilita o levantamento da hipótese de que, neste caso, dever Estado possa ser um

elemento central na representação do SUS para profissionais de saúde de nível superior.

Ao analisarmos sua posição no quadro de quatro casas, constata-se que este elemento

possui uma freqüência elevada (13) e OME (3,07) muito próxima ao OME de corte (2,9).

Assim, destaca-se que esta palavra esta localizada na primeira periferia da representação,

sendo muito evocada e prontamente evocada mesmo que discretamente, corroborando com a

hipótese de mudança representacional esquematizada na figura 3 (folha 124), ou seja, da

periferia para o centro.

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Legenda: foram destacados na árvore máxima os elementos irradiadores Figura 6 – Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes expresso pelos profissionais de saúde de nível superior. Rio de Janeiro, 2009 (N=56)

Como percebemos, a evocação dever Estado é a que mais estabelece conexões com as

demais, seguida de atendimento a todos e equidade, já supostamente centrais. Com base na

conexidade dos elementos, caracterizada como um segundo critério de centralidade, passam a

ser seis e não mais cinco os elementos centrais da representação do SUS para profissionais de

saúde de nível superior: não funciona, desorganização, atendimento, equidade, atende a

todos e dever Estado.

O léxico dever Estado associado a atende a todos e equidade possui o maior número

de conexões entre os termos evocados. Este fato reforça, mais uma vez, a existência de uma

representação social diferente do grupo geral, pois o termo atendimento encontra-se na

extremidade da árvore, enquanto que dever estado é central. Neste sentido, destaca-se que

todos os léxicos que estabelecem conexões com dever estado possuem significados positivos.

Nesta análise o termo dever estado é um núcleo irradiador de significado, estando

conectado com: hierarquização, saúde, integração, atendimento a todos, acesso,

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139

organização. Destaca-se a atitude positiva relacionada a este elemento, bem como a

percepção dos profissionais quanto à sua função essencialmente organizadora no sistema de

saúde. Neste sentido, podemos observar que atende a todos, acesso e saúde estão diretamente

relacionados com este termo inclusive conforme exposto nas bases legais do SUS, pois

compete ao Estado a garantia de acesso à saúde para toda população.

Os elementos hierarquização, integração e organização associados a Dever Estado

apontam para uma dimensão administrativa e organizacional à qual o Estado é responsável

por prover as condições necessárias para que o sistema funcione de forma integrada e

hierarquizada com base nos três níveis de complexidade, garantindo assim, a organização

político administrativa do sistema de saúde e seu funcionamento pleno.

De forma complementar tais percepções são observadas nas seguintes falas:

O Estado são as unidades municipais, estaduais e federais (Ent 02). É a integração da saúde, é aquela unificação que houve entre o ministério, o estado, o município e o federal (Ent 24). Seria um sistema para organizar as unidades de saúde para atendimento ao público (Ent 42). A divulgação da constituição, dos direitos de que pouca gente sabe, mas da saúde é bastante divulgado na mídia que é direito do cidadão e dever do estado, o que já vem mais uma cobrança (Ent 102).

Com base nas falas dos profissionais, constata-se que cabe ao Estado oferecer

condições para que o acesso possa ser concretizado, de forma que atenda a todos, promova a

organização do sistema para que o mesmo funcione adequadamente, forneça subsídios para

que ocorra efetivamente a integração dos níveis de gestão e garanta a saúde para a

população.

O termo atende a todos estabelece conexão com dever estado, assistência integral,

equidade e sistema único de saúde. Na representação em tela, este termo parece conferir

identidade ao SUS, uma vez que está diretamente relacionado com a dimensão imagética e

ideológica do mesmo.

Os princípios ético-doutrinários (universalidade, integralidade e equidade) possuem

características ligadas à democratização da assistência, uma vez que as ações e os serviços de

saúde deixaram de ser restritos e passaram a ser universais e equânimes. A partir da

implantação do SUS, uma nova concepção de saúde foi consolidada, uma vez que um sentido

mais amplo foi atribuído a mesma. Assim, a saúde deixou de ser considerada apenas como

ausência de doença e passou a referir-se a aspectos ligados à qualidade de vida. Este sentido

se faz presente na representação em tela, uma vez que os profissionais de saúde construíram

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uma teia de conhecimentos e percepções, onde estes termos encontram-se tão próximos, que

estabelecem conexões entre si.

Como semelhança entre a análise geral, podemos citar a integração dos princípios do

SUS à árvore e a presença dos elementos negativos de toda representação como acessórias a

esta estrutura, são eles: desorganização, não funciona, desatenção e ruim. Estes elementos

estão permeados por atendimento aos pobres, uma vez que este estabelece a conexão entre os

elementos negativos e o restante da árvore, formando um esquema de pensamento.

Na seqüência, a figura 7 representa a estrutura representacional do SUS construída por

profissionais de saúde com nível médio de escolaridade (n=55). Foram evocadas 241

palavras, dentre as quais 66 eram diferentes. A freqüência mínima definida foi de 5, sendo

excluídas da composição do quadro de quatro casas, as palavras evocadas em número menor

que esse pelos sujeitos. Após a definição da freqüência mínima foi calculada a freqüência

média, tendo como resultado 7. A ordem média de evocação (OME) foi 2,8, numa escala de 1

a 5. O Quadro de Quatro Casas foi elaborado a partir dos parâmetros definidos acima.

O.M.E. <<<< 2,8 ≥≥≥≥ 2,8 Freq. Med.

Termo evocado Freq. O.M.E. Termo evocado Freq. O.M.E

≥≥≥≥ 7

atendimento atendimento-pobres unificação saúde sistema-único-de-saúde não-funciona

13 11 10 9 9 7

1,769 2,727 1,700 1,778 2,000 2,143

atende-a-todos atendimento-bom atuação-profissional

13 8 7

3,077 2,875 3,429

<<<< 7

dificuldade idealismo

6 5

2,500 2,600

acesso assistência-aposentados assistência-integral bom desorganização dever-estado educação regionalização

5 5 5 5 5 5 5 5

4,000 3,400 4,000 2,800 2,800 3,000 3,000 3,400

Legenda: Foram destacados os termos equivalentes aos princípios do SUS (azul) e à hipótese de ancoragem (verde) Figura 7 – Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde de nível médio de oito instituições de saúde. Rio de Janeiro, 2009. (n=55)

A representação social do SUS desvelada pelos profissionais de nível médio tem como

elementos supostamente centrais atendimento, atendimento-pobres, unificação, saúde,

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sistema-único-de-saúde, não-funciona. Tais termos, assim como na análise geral, indicam

uma dimensão pragmática, imagética e avaliativa do SUS, apresentando, portanto, um caráter

funcional, associado à inscrição do objeto em práticas sociais ou operatórias (ABRIC, 2003a).

Os elementos do possível núcleo central se caracterizam por serem os mais estáveis e

consensuais da representação. Destaca-se que neste subgrupo ocorreu a incorporação de um

princípio organizativo do SUS na zona do núcleo central.

As palavras supostamente centrais apresentam significados neutros (atendimento,

atendimento pobres, saúde e sistema único de saúde), negativo (não funciona) e positivo

(unificação) relacionados ao sistema de saúde. Neste sentido, com exceção de unificação

todos os demais elementos são idênticos aos centrais da análise geral, dito de outra forma, a

representação social do grupo geral e dos profissionais de nível médio são semelhantes.

Nesta representação, assim como na representação do grupo geral, o termo

atendimento parece conferir identidade ao sistema, sendo caracterizado como a finalidade e a

principal ação prática do SUS. Neste sentido, a expressão atendimento pobres possui uma

dimensão funcional que nega o princípio de universalidade, uma vez que, conforme referido

na análise geral, este sistema possui um caráter universal com vistas ao atendimento de toda

população, independente do poder aquisitivo que possuem.

A presença do elemento não funciona no núcleo central reforça a atitude negativa

presente na análise geral e a dimensão avaliativa dos profissionais relacionadas ao SUS. Neste

sentido, serviços que apresentam grandes demandas tendem a ser mais desorganizados e a

apresentar características de não funcionalidade. Assim, alguns profissionais atribuem ao SUS

em suas construções mentais este aspecto negativo do sistema. No entanto, destaca-se que este

termo apresentou uma freqüência de evocação baixa ao ser comparada com os demais

elementos do núcleo central e uma ordem média de evocação mediana, dentre as demais.

De forma complementar, na aplicação do Test T de Student, destaca-se que o léxico

não funciona é mais característico dos profissionais de nível superior, este fato sugere que sua

presença no núcleo central dos profissionais de nível médio esteja atrelada a uma dimensão

pragmática e avaliativa do sistema, baseada nas vivências e experiências cotidianas de não

funcionalidade pontuais que ocorrem no decorrer dos serviços. Neste sentido, parece haver

ainda influência da mídia na formação das representações destes profissionais.

Finalmente, outro elemento que compôs o provável núcleo central da representação foi

unificação, com freqüência de 10 e ordem média de evocação de 1,7, apresenta uma

freqüência elevada e foi prontamente evocado pelos profissionais, configurando sua

importância na zona do núcleo central. Caracteriza-se por, em sua essência, estar atrelado a

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um dos princípios organizativos do SUS, qual seja o da descentralização, no entanto,

atribuindo-lhe uma significação diferente da observada nos textos constitucionais. Os termos

utilizados nessa padronização foram: união, único, unificação, unificação governos, uniu

estado e município, gestão municipal estadual e federal, responsabilidade do município e do

estado.

Este elemento se refere a uma diretriz básica do sistema, art.198, “descentralização,

com direção única em cada esfera de governo” (BRASIL, 1988). A descentralização

caracteriza-se por ser política e administrativa, uma vez que o SUS existe em três níveis:

nacional, estadual e municipal, cada um com comando único e com atribuições próprias. Este

léxico, também “carregado” de questões ideológicas, possui uma nuance administrativa para

os profissionais de nível médio, relacionadas à organização e à gestão do sistema. Esta

aproximação da unificação com o princípio organizativo da descentralização pode ser

observada nos trechos abaixo:

O SUS, para mim, é uma unificação para melhorar o atendimento do paciente (Em 17). O SUS ele é só um poder, não são dois, nem são três, é um poder único (Ent 27). Mas a idéia que eu tenho formada é que quando existiam os sistemas separados, os recursos eram melhores divididos. Hoje é participação de produtividade, abono. Então, o salário em si, lá no alto ou baixo, é pequenininho. Por exemplo, aqui nós recebemos na produtividade e quando adoece e fica de licença, não recebe (Ent 36). Eu trabalho dentro de uma unidade do município ou federal ganhando uma quantia de dois mil e quinhentos e vice-versa, porque, por exemplo, aqui no município tem uma faixa de salário, que já foi pior, e está quase equiparando ao federal. Havia muita confusão por causa disso, porque o profissional da saúde e do ministério da saúde, trabalhador do município, ganha três vezes mais do que aquele que faz a mesma coisa, às vezes, gera conflitos até. No SUS tem essa diferença. Tem gente que vem batalhando pela isonomia há muitos anos e não sai (Ent 41). No salário eu achei que não houve muito não [unificação]. Inclusive, em termos de produtividade, por exemplo. Eu acho que o salário de nível superior, lógico, tinha mais é que ser maior. Mas a produtividade aqui no município foi um pouco injusta com a gente de nível médio. Por exemplo, de nível superior ficava com uma produtividade de setecentos e pouco e a gente ficou com duzentos e pouco, trezentos reais. Eu acho a produtividade, todo mundo está produzindo. Sem eu falar, por quê a produtividade? Eu acho que até quem é abaixo mesmo de mim, um atendente, tem que ganhar o mesmo que eu. Na produtividade tem que ter uma coisa de isonomia (Ent 51). Tem uma disparidade enorme, o estado continua ainda com o salário baixíssimo, os vencimentos dos profissionais estaduais continuam baixos, quer dizer, tem gratificações que não são incorporadas. O do município também é baixo, apesar do estado ser absurdamente mais baixo, e do federal eu não sei exatamente, eles têm gratificações, mas eles perderam algumas coisas para tentar equiparar os salários municipais, estaduais e federal (Ent 76).

Os profissionais de nível médio possuem uma visão mais administrativa da unificação,

assim, associam com questões gerenciais como, por exemplo, isonomia salarial. Ao

reconhecerem o sistema com uma direção única questionam as diferenças salariais existentes

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no serviço, seja entre profissionais de diferentes instâncias de governo, ou entre profissionais

de diversas categorias profissionais. Neste sentido, estabelecem uma articulação entre o

comando único e a isonomia salarial, entendendo que a falta de isonomia é uma falha

administrativa do SUS.

O princípio da descentralização se caracteriza pela redistribuição de recursos e

responsabilidades entre os entes federados, com transferência da gestão do sistema para

responsabilidade da União, dos estados e dos municípios, agora entendidos como os gestores

do SUS (BRASIL, 2000b). Neste sentido, destaca-se que os profissionais de nível médio

retraduzem esse princípio de forma a associá-lo com a união das esferas federais, estaduais e

municipais, formando uma única gestão administrativa com a responsabilidade de garantir os

mesmos direitos e os mesmos serviços para profissionais e usuários e, consequentemente,

melhora na qualidade da assistência. Não incorporaram, portanto, a questão da divisão de

responsabilidades e comando único em cada esfera de governo, muito menos a

municipalização dos serviços.

No quadrante superior direito, a primeira periferia da representação, encontram-se os

seguintes termos: atende a todos, atendimento bom, atuação profissional. De acordo com

ABRIC (2000), Oliveira et al. (2005) e SÁ (2002) os elementos presentes neste quadrante são

os componentes periféricos mais importantes da representação. São elementos que possuem

alta freqüência e atribuição de menor importância pelos sujeitos

No quadrante inferior direito encontram-se os seguintes elementos: acesso, assistência

aposentados, assistência-integral, bom, desorganização, dever-estado educação,

regionalização. De acordo com Abric (2001) e Oliveira et al. (2005) estes elementos

compõem a segunda periferia da representação, são pouco freqüentes e foram evocados

menos prontamente pelos profissionais. Este quadrante caracteriza-se por ser a interface mais

próxima da representação com as práticas sociais, ligada mais imediatamente às experiências

individuais e à realidade em que se inserem os sujeitos.

Os elementos presentes na periferia se caracterizam majoritariamente por possuírem

significados neutros, seguidos dos positivos e após, os negativos (tendo apenas um elemento

nessa condição). Dentre os léxicos presentes na periferia destacam-se atende a todos, dever

estado, assistência integral e regionalização, caracterizados como princípios do SUS e

aparato legal do mesmo.

Neste sentido, nota-se que os profissionais de nível médio incorporaram, mesmo que

de forma parcial, a questão da universalização do acesso, relacionada com a democratização

da assistência, reconhecendo ser o dever do Estado garantir este direito Constitucional a toda

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população. Assim, o Estado surge como o ente responsável a promover ações e serviços de

saúde, que coincidam com os princípios e as diretrizes do sistema de saúde. Conforme

observamos nos estratos abaixo:

É todo mundo agora tem acesso, antigamente não. Aqui na maternidade só atendia previdenciário, só o pessoal que contribuía, agora não (Ent 19). Deveria ser um órgão que pudesse dar atendimento a todos que viessem usar, precisar ou procurar. Na realidade a gente sabe que isso não acontece, você esbarra com inúmeros problemas de atendimento (Ent 79). O perfil sempre foi aquele de pessoas de renda baixa, hoje em dia não, hoje em dia você pega várias situações aqui, pessoas que perderam o poder aquisitivo na condição de pagar um plano de saúde, existe muito isso (Ent 87). O nível do paciente melhorou. As pessoas estão saindo do plano de saúde, querendo o posto de saúde. (...) Agora eu acho que o nível melhorou, muita gente perdeu o plano de saúde (Ent 36).

Os profissionais de nível médio possuem majoritariamente uma percepção do

princípio de universalidade mais associada com a população de baixa renda, um traço

marcante na fala destes profissionais diz respeito à procura do serviço de saúde por falta de

condições de pagar um plano de saúde. Fato que não ocorre com os profissionais de nível

superior. Esta situação justifica a presença do léxico atendimento aos pobres no núcleo

central desta representação e atende a todos na periferia representacional.

A assistência integral presente na segunda periferia, que está diretamente relacionada

com a realidade que se inserem os sujeitos e com suas experiências cotidianas, parece refletir

a noção que possuem de prevenção e a associação com os programas de saúde, conforme

exposto nos estratos a seguir:

Outras vezes não tem tanta necessidade assim, porque hoje em dia as mães são algumas muito preocupadas, outras poucas preocupadas, mas aqui também existe a educação, onde você pode orientá-las, onde pode ensinar. Existe uma educação em saúde também, oferecido pelo serviço. Isso é muito bom, melhora bastante a condição de vida das pessoas, o atendimento, o fornecimento de medicamentos, dá orientação, ensina, distribuição de camisinha, quer dizer, você não só joga a coisa assim não, é uma coisa orientada, programada, marca consulta, a dona fulaninha pode sair da casa dela, com a consulta marcada e isso tudo precisa ainda aprimorar muita coisa ainda, mais isso aí já é uma grande coisa, já melhorou bastante (Ent 40). Eu já participei do posto de vacinação, no qual nós íamos às favelas, nós íamos aos outros postos de saúde para pegar as vacinas. É muito importante as vacinas para os velhos, para as crianças. Nós tínhamos o nosso lote, nós adquiríamos, nós íamos buscar, doação de sangue, vamos buscar o sangue (Ent 20). Agora a consciência que o posto de saúde está aqui para prevenir, para ajudar, para orientar e, na medida do possível, dar essa ajuda e até, por exemplo, existe aqui um serviço de bolsa alimentícia, para o pessoal do programa de HIV, programa de tuberculose. Existe isso, eu acho muito bom (Ent 51).

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Dentre as poucas falas encontradas relacionadas à assistência integral para o

profissional de nível médio, destaca-se que os mesmos possuem noção da importância da

prevenção limitada à vacinação, aos programas de saúde e à educação em saúde. Os

profissionais destacam a importância da educação em saúde na concretização dos programas

de saúde e nos atendimentos realizados pelas diferentes instituições que atuam na prevenção

de doenças e na promoção da saúde. No entanto, o discurso sobre assistência integral ainda é

muito superficial, associado às práticas desenvolvidas por estes profissionais em seus serviços

e ao pouco conhecimento teórico sobre o princípio e seu alcance.

Destaca-se que as ações desenvolvidas por profissionais de nível médio, no cuidado do

usuário, relacionadas à integralidade da assistência, estão mais focadas no que Merhy (2006)

classifica como tecnologia leve, ou seja, aquela que é baseada nas relações entre os

profissionais e os usuários, e leve-dura, baseada no conhecimento técnico, uma vez que

referem constantemente a questão da educação em saúde, da orientação e da medicação em

seus discursos. Neste sentido, observa-se que de acordo com a formação destes profissionais

estas são, realmente, as ações práticas mais desenvolvidas em seu cotidiano, e se fazem

presentes em suas representações.

O princípio de regionalização possui uma dimensão organizacional e pragmática do

sistema, uma vez que os profissionais atribuem ao mesmo o sentido de deslocamento e de

disponibilidade de serviços em diversas áreas. Dentre os elementos utilizados na padronização

deste termo encontram-se: tanto faz nas grandes capitais ou não, assistência em qualquer

região, atender em qualquer região, atendimento por região, atendimento próximo

residência, parceria, regionalização, sem distinção de área.

Observa-se que o atendimento por região é uma característica marcante desta cognição

na representação em tela, possui importância em termos de práticas sociais, uma vez que é

fundamental para organização e funcionamento do sistema no que diz respeito à distribuição

da população entre as diversas áreas e regiões do município. No entanto, a execução deste

princípio é uma dificuldade percebida pelos profissionais de nível médio. Nos estratos abaixo

podemos observar tais questões:

Vieram pessoas de outros locais e municípios para serem atendidas aqui no grande Rio (Ent 16). O pessoal da baixada vem todo para cá, vem pela Avenida Brasil direto para o [...]. Eu acho que teria que ir para um hospital mais próximo. Tem hospital mais próximo a eles (Ent 20). Todos os dias o movimento é grande, quer dizer, o SUS nos proporciona a condição de ter essas especialidades aqui e que faz com que as pessoas venham nos procurar mesmo de outras áreas e cidades, como Caxias, Nova Iguaçu (Ent 37).

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Realmente aumentou muito a nossa demanda, porque antigamente era por área, o atendimento era por área e a gente não atendia fora de área. Alguns setores só que faziam fora de área, mas agora todos, porque a demanda é muita, eles queixam, nós temos que procurar o centro de saúde perto de onde eu moro, mas não tem, não tem nada (Ent 39). Os hospitais têm que atender determinada parte de uma região e atende de outra região também, porque as pessoas se deslocam de outra área, sobrecarregando às vezes, infelizmente, o local onde vêm (Ent 87). Algumas regiões não têm determinado atendimento e as pessoas se deslocam para outras áreas, causando sobrecarga. A gente tem o material referente apenas àquela região (Ent 96). O SUS tentou organizar de uma forma regionalizada. A pessoa sendo atendida dentro da sua área programática. Isso é uma organização. Inclusive, subdividiu-se em AP 1, AP 2, AP 3. Cada área ficou responsável pela sua assistência, tem organização, tem estrutura. Fica mais fácil quando delimita-se uma área para assistir (Ent 98). A periferia não tem assistência, não tem assistência primária, nem secundária e muito menos assistência terciária (Ent 19).

Estes profissionais reconhecem as dificuldades ocasionadas pela invasão de usuários

de áreas distintas em busca dos serviços de saúde, uma vez que os serviços não comportam a

demanda apresentada, se referem à regionalização como uma forma de organizar o sistema e

facilitar a distribuição da assistência. Este princípio se caracteriza pela distribuição espacial

dos serviços de modo a atender às necessidades da população por regiões delimitadas e com a

definição da população a ser atendida (BRASIL, 2000b).

O princípio da regionalização estabelece sua operacionalização a partir de uma lógica

organizativa centrada nos distritos sanitários, que não devem ser entendidos como meras

divisões territoriais das áreas de atuação dos serviços de saúde, mas como uma perspectiva

concreta de mudança nas práticas de saúde sendo, portanto, revestida de caráter político,

ideológico e técnico (PEREIRA; RONCALLI, 2003). No entanto, os profissionais não

reconhecem essa divisão, uma vez que se faz presente de forma constante em suas vivências,

o atendimento a usuários que não fazem parte da área programática de determinada unidade

de saúde, e atribuem esse fato à deficiência do sistema em ofertar ações de nível básico

próximo à residência dos usuários, divididas por áreas geográficas delimitadas.

Neste sentido, destaca-se que a concepção do princípio de regionalização para o

subgrupo analisado difere do texto legal. Assim, os profissionais de nível médio reformularam

o conceito deste princípio a partir de suas práticas, conferindo-lhe um novo significado

associado ao deslocamento e a oferta de serviços em qualquer região. Destaca-se que esta

nova concepção é reforçada nas representações destes profissionais quando se referem à

necessidade de sair de outra cidade para ser atendido no Rio de Janeiro e à invasão de

atendimento no grande Rio.

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No que diz respeito aos elementos presentes no quadrante inferior esquerdo, os

elementos de contraste, encontram-se as seguintes palavras: dificuldade e idealismo. Destaca-

se que estes termos reforçam o núcleo central da representação em tela. Portanto, é possível

inferir que há uma representação homogênea compartilhada pelos profissionais de nível

médio. A palavra dificuldade reforça o termo não funciona (núcleo central) caracterizando

uma avaliação negativa em torno da funcionalidade do sistema de saúde, enquanto que

idealismo reforça saúde e sistema único de saúde (núcleo central) ao caracterizar uma

dimensão imagética ligada à implantação do sistema e à elaboração das leis que regem o

mesmo.

A árvore máxima, expressa pela Figura 8, reforça a idéia de semelhança entre as

representações dos profissionais de nível médio e a análise geral, visto que o termo

atendimento permanece como o elemento que mais estabelece conexão com os demais, assim

como se expressa a árvore do grupo geral.

Legenda: foram destacados na árvore máxima os elementos irradiadores Figura 8 – Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais freqüentes expresso pelos profissionais de saúde de nível médio. Rio de Janeiro, 2009 (N=39)

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Nesta análise, chamam atenção as diversas facetas atribuídas ao atendimento pelos

profissionais de saúde. Neste sentido, este termo está ligado a dever Estado, educação,

assistência aposentados, atuação profissional, sistema único de saúde, saúde, atendimento

bom, bom, atendimento a todos e dificuldade. Dessa forma, destaca-se uma atitude positiva

relacionada ao atendimento por parte dos profissionais de saúde de nível médio, por fim, a

configuração apresentada confirma a hipótese de que atendimento seja caracterizado, por este

grupo como a identidade do SUS.

A árvore concentra-se em torno do termo atendimento, já supostamente central, pois

este é o elemento que possui o maior número de conexões, seguido de atende a todos e

regionalização que estabelecem mais conexões com os demais elementos. Chama atenção o

fato desta árvore não possuir elementos acessórios como as demais apresentadas, e sim,

ramificações, pois todas as conexões partem do elemento mais central que é atendimento.

Após a análise de similitude, destaca-se a importância que o léxico atuação

profissional assume na estrutura representacional dos profissionais de nível médio, uma vez

que possui o maior índice de similitude da árvore (0.10) ligado à palavra atendimento e está

situado na primeira periferia do quadro de quatro casas, confirmando a presença marcante

desta estrutura de pensamento no sistema cognitivo destes profissionais. Fato este que chama

atenção e se adéqua ao discurso mais pragmático percebido entre os mesmos.

Como já destacado anteriormente, a padronização do termo atuação profissional se

relaciona com a qualificação do profissional de saúde e de suas atividades, bem como com as

diversas categorias de profissionais que integram o sistema. Estas relações podem ser vistas

nas falas abaixo:

Hoje a enfermagem trabalha com o médico fazendo pré-consulta. O médico que marcava essa consulta para um paciente, vamos dizer, diabético daqui a três meses. Hoje, ele realmente no médico não vai todo mês. Vai ter que ter uma pré-consulta. Ele tem uma orientação dada por uma equipe de enfermagem (Ent 16).

O SUS seria um conglomerado de técnicos envolvidos com a saúde, com uma proposta e a proposta é fazer o atendimento que é preconizado, ou seja, médico, dezesseis pacientes em quatro horas e tenha um vínculo muito intenso com o cliente (Ent 60).

O SUS foi uma boa divisão, centrado no tratamento. As pessoas, às vezes, chegavam e não tinha médico, ficavam naquela expectativa e com o SUS ajeitaram médico, tem bom atendimento, mais remédios e com a facilidade de médicos que tem no posto. O atendimento é bem melhor, as pessoas saem daqui mais satisfeitas e dentro do que eles fizeram são bons médicos. (ent. 36)

A demanda é grande e olha que nós temos [...] cinco pediatras, cada pediatra está atendendo em média dezesseis a vinte crianças. Esses pediatras se alternam nos dias de semana, a gente sempre tem dois ou três pediatras por dia, fora os enfermeiros e os alunos que estão se habilitando para consulta de puericultura (Ent 27).

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O médico no ambulatório, por exemplo, ele tem que atender aquele número de doentes, que não é pequeno, aí ele não se fixa muito tanto com os detalhes principalmente porque ele tem que diminuir o tempo que ele dá para cada atendimento, para cada doente. Tem que andar ligeiro, aí o padrão cai também (Ent 86).

Você vai num hospital como o hospital [...]; chega lá, pede, e o médico prescreve uma medicação para o doente, o pessoal demora um pouco a fazer, porque em hospital público pessoal fica sempre lento. Mas sai de lá com o medicamento administrado. (Ent 59)

Conforme exposto nos estratos acima, os profissionais de nível médio se referem de

forma marcante ao profissional médico e relacionam sua atuação com o atendimento

oferecido à população. Merece destaque a atitude positiva assumida por estes profissionais

diante das atuações desenvolvidas nas unidades de saúde. Outra relação presente em seus

discursos é a prescrição e a administração de medicamentos, cabe pontuar que a

administração de medicamentos é uma ação cotidiana dos profissionais com este nível de

escolaridade e se faz presente no sistema cognitivo dos mesmos.

Outro ponto que chama atenção é a percepção de atuações realizadas por equipe

mutilprofissionais, uma vez que os sujeitos se referem às ações conjuntas realizadas entre os

profissionais médicos e os enfermeiros e, ainda, entre a equipe de enfermagem.

O léxico dificuldade aparece conexo a atendimento e atendimento pobres, formando

uma ramificação atrelada a todos os demais elementos negativos da representação (não

funciona e desorganização). Assim, após análise das três árvores distintas (geral, superior e

médio), é possível inferir que os elementos negativos encontram-se como ramificações da

árvore, formando um esquema de pensamento paralelo, conforme será ilustrado na figura 9.

Ao mesmo tempo, estes termos estão associados a atendimento pobres, o que reforça a

negatividade deste elemento nas representações dos profissionais de saúde.

Outra questão que merece destaque unicamente nesta análise, sendo, portanto, uma

característica particular dos profissionais de nível médio é a existência de outra possível

desconexão da árvore, dessa vez com o elemento atendimento a todos, conforme ilustrado na

figura 9, a seguir. Nesta ramificação, o léxico regionalização assume a centralidade das

conexões, estando ligado a outros princípios do SUS (atende a todos, assistência integral e

unificação) . Destaca-se que a desconexão aconteceria a partir do termo atende a todos, pois

o índice de similitude que o liga com regionalização (0,10) é maior do que com atendimento

(0,50), sendo o valor deste índice que caracteriza a força da ligação.

Neste sentido, pode-se inferir a existência de um processo de mudança

representacional entre os profissionais de nível médio, conforme observado com o grupo geral

de profissionais, caminhado para incorporação dos princípios do SUS e de elementos

positivos à representação, assim como vem ocorrendo com os profissionais de nível superior.

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Legenda: foram destacados na árvore máxima os elementos irradiadores

Figura 9 – Árvores máximas desconexas da análise de similitude das evocações mais freqüentes expressas pelos profissionais de saúde de nível médio. Rio de Janeiro, 2009 (N=39) A primeira árvore desconexa foi formada por regionalização, atende a todos,

unificação, assistência integral, acesso e idealismo. Cabe salientar que todos estes elementos

possuem significados positivos e que, nesta árvore, o termo regionalização é um núcleo

irradiador de significado. Neste sentido, observa-se que a organização do sistema, com a

distribuição dos serviços de forma regionalizada e hierarquizada permite o alcance dos demais

princípios, quais sejam atende a todos e assistência integral. Conforme expõe Pereira e

Roncalli (2003) uma consequência imediata do princípio da integralidade na organização da

assistência é a estruturação de diferentes níveis de complexidade, compondo uma rede

hierarquizada. Dessa forma, dentre os princípios organizativos do SUS está o da

regionalização e hierarquização que, do ponto de vista operacional, tornam realidade os

princípios doutrinários.

Conforme exposto anteriormente, atendimento pobres se refere à negação do princípio

de universalidade e está atrelado às características negativas atribuídas pelos profissionais ao

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sistema de saúde, compondo a segunda árvore desconexa. Os profissionais de nível médio

referem que o aumento da demanda e o empobrecimento da população acarretam em

dificuldades de acesso que são vivenciadas diariamente pelos usuários do SUS e que a

desorganização do sistema contribui com a percepção de não funcionamento.

Com base no exposto e segundo as proposições da abordagem estrutural, destaca-se

que a representação social dos profissionais de nível médio em muito se assemelha com a

representação social geral dos profissionais de saúde, tratando-se, portanto, da mesma

representação, uma vez que seus núcleos centrais são praticamente iguais e as diferenças

presentes são mínimas e em nada contraditórias. Essas diferenças podem ser estabelecidas a

partir das situações e das interações específicas de cada grupo.

4.2.2.1 A comparação da incorporação dos princípios aos conteúdos e às estruturas

representacionais do SUS para profissionais de nível médio e superior de escolaridade

Neste tópico, será realizada a comparação da incorporação dos princípios do SUS à

estrutura representacional dos subgrupos estudados, considerando a comparação estatística

entre os corpora e a análise de similitude.

Neste sentido, a figura 10, a seguir, ilustra uma comparação entre os dois subgrupos

analisados, sintetizando os resultados da análise dos núcleos centrais das representações do

SUS. Nas intercessões é possível identificar os elementos que lhes são comuns e aqueles

pertencentes apenas ao núcleo de uma ou de outra representação. Logo após, na figura 11

apresenta-se a intercessão entre os dois grupos e o grupo geral.

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Figura 10 – Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde de nível médio e superior. Rio de Janeiro, 2009 (N=125). Fonte: PECORA (2007)

Figura 11 – Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde de nível médio e superior e geral. Rio de Janeiro, 2009 (N=125). Fonte: PECORA (2007) Com base na figura 10, observa-se que os únicos elementos comuns aos núcleos

centrais das representações em tela são atendimento e não funciona. Ao analisarmos o núcleo

dos profissionais de nível superior observa-se a incorporação de dois princípios doutrinários

do SUS, bem como a presença de três elementos positivos, contra dois negativos, ao

considerarmos atendimento como um léxico com avaliação positiva, após análise de suas

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conexões a partir das árvores de similitudes apresentadas. No entanto, no núcleo dos

profissionais de nível médio ocorreu a incorporação de um princípio organizativo do SUS, e

percebe-se a existência de dois elementos positivos, dois neutros e dois negativos, ao

considerarmos que atendimento pobres possui significado negativo após análise das árvores

de similitude.

Com base na figura 11, podemos observar que os elementos comuns as representações

em tela são atendimento e não funciona. Destaca-se que o núcleo central da representação dos

profissionais de nível médio se assemelha com o núcleo geral, uma vez que existe um único

elemento distinto unificação e cinco elementos comuns. No que diz respeito à atitude

observa-se outra semelhança, pois no núcleo central geral identificam-se três elementos

negativos e dois neutros e um positivo. No núcleo central dos profissionais de nível médio

observam-se dois elementos positivos, dois neutros e dois negativos. Com relação à

comparação entre a representação geral e de nível superior, observam-se distinções

significativas, a primeira delas é que dois elementos são distintos atende a todos e equidade e

estes se referem a princípios doutrinários do SUS e apenas três elementos são comuns. A

atitude também diverge uma vez que no núcleo do nível superior existem três elementos

positivos e dois negativos. No núcleo geral, observa-se um elemento positivo, três elementos

negativos e dois neutros.

Desta forma, destaca-se que as representações sociais dos profissionais com nível

superior e médio de escolaridade são distintas, assim como a representação do grupo geral e

do grupo com nível de escolaridade superior também são, sendo este o subgrupo

representacional da análise geral. Quanto à comparação entre os profissionais de nível médio

e o grupo geral observa-se que as representações são semelhantes.

Com base no exposto, pode-se afirmar que as zonas de núcleo central apresentam-se

distintas, com a presença, entre profissionais de nível superior, dos elementos atende a todos,

desorganização, equidade e dever estado (após análise de similitude) e, entre os profissionais

de nível médio, com atendimento pobres, unificação, saúde e sistema único de saúde. Assim,

a primeira condição é marcada pela avaliação, funcionalidade e pela incorporação de

princípios doutrinários e, a segunda, permeada pela funcionalidade, finalidade e pela imagem

atribuída ao sistema.

A primeira aponta para um sistema universal e equânime, que possui problemas

organizacionais, mas que busca garantir acesso a toda população e, a segunda aponta para um

sistema que nega o princípio de universalidade, criado para possibilitar o acesso à população

de baixa renda, com a finalidade de gerar/ofertar a saúde para este grupo social, por meio de

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uma gestão unificada. Esta questão nos remete a pensar que a representação dos profissionais

de nível superior se adéqua a ideologia do sistema de saúde atual, que visa à democratização

das ações de forma igualitária e indiscriminada.

O atendimento aos pobres e o sistema único de saúde estão localizados entre os

elementos de contraste do nível superior, com uma freqüência de evocação relativamente

menor que a observada entre os profissionais de nível médio. Já o termo atende a todos está

localizada na periferia do nível médio. As palavras unificação e desorganização encontram-se

somente no quadro construído para profissionais de nível médio e superior, respectivamente.

Entretanto ambos os termos estão presentes nos dois corpora analisados.

Com base na comparação estatística realizada pelo programa Complex do EVOC

2003, com utilização do test t de student, constatou-se que os elementos associados aos

profissionais de nível superior são: desorganização (p 0,010) e não funciona (0,010). É

possível notar, portanto, uma vinculação de elementos avaliativos com atitudes negativas aos

profissionais de nível superior, o que aponta para a construção da representação do SUS

ancorada no papel assistencialista do estado atrelado aos aspectos negativos dos serviços

públicos de saúde. No entanto, destaca-se que de uma forma geral, estes profissionais

possuem uma atitude positiva relacionada ao sistema, pois como apresentado anteriormente

seu núcleo central é mais positivo que negativo.

Neste contexto, dentre os elementos do núcleo central dos profissionais de nível

superior é possível identificar a presença de três elementos positivos, contra dois negativos.

Esta constatação foi reforçada pela análise de similitude ao apontar a disponibilidade dos

elementos negativos como acessórios à árvore e a ligação do termo atendimento apenas com

elementos considerados positivos. Entre os elementos do núcleo central dos profissionais de

nível médio observa-se a presença de dois elementos negativos, dois neutros e dois positivos.

Esta averiguação também foi reforçada pela análise de similitude ao demonstrar que os

elementos negativos da árvore máxima não são acessórios, pois estão ligados diretamente ao

elemento mais central da representação, qual seja atendimento.

Nos elementos da primeira periferia podemos identificar diferenças importantes, uma

vez que entre os profissionais de nível superior existe uma dimensão mais imagética

(idealismo), enquanto que os profissionais de nível médio apresentam uma dimensão mais

pragmática relacionada com a avaliação do atendimento (atendimento bom) e com a prática

profissional (atuação profissional), neste grupo observa-se ainda a presença do princípio de

universalidade (atende a todos) neste quadrante, com uma freqüência elevada, porém com

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uma OME distante da OME definida como ponto de corte, o que confere a este termo menor

importância estabelecida pelo subgrupo estudado.

A segunda periferia guarda diferenças significativas, no quadrante do nível superior os

termos evocados fazem menção a questões mais pragmáticas como acesso, desatenção e

capacitação. Enquanto que, no quadrante do nível médio, encontram-se termos focados nos

princípios do SUS e sua ideologia como assistência integral, dever estado, regionalização.

Dentre os elementos de contraste observam-se diferenças que merecem ser destacadas.

A primeira delas é que nesta zona, entre os profissionais de nível superior, existe a

incorporação de um princípio doutrinário do SUS, qual seja: assistência integral, fato que não

ocorre na estrutura do nível médio, que possui apenas dois elementos (dificuldade e

idealismo), outra diferença refere-se à presença de elementos positivos no quadrante dos

profissionais de nível superior (bom, integração, organização), já no nível médio destaca-se o

elemento negativo (dificuldade), por fim, a zona de contraste na análise com os profissionais

de nível superior se mostra realmente contrastante com o núcleo central, enquanto que na

análise do nível médio, observa-se que ela reforça o núcleo.

Ao finalizar a comparação da incorporação dos princípios ao conteúdo e à estrutura do

SUS para os profissionais com níveis de escolaridades distintos, observa-se que as

representações podem ser consideradas distintas, pois seguindo a proposição da abordagem

estrutural constatou-se que seus possíveis núcleos centrais são distintos, além do que todas as

zonas presente no quadrante apresentam particularidades e diferenças para cada subgrupo

estudado.

Os profissionais de nível superior possuem uma representação mais positiva do

sistema, com a incorporação de todos os princípios ético-doutrinários e alguns organizativos à

representação. Outro fato que chama atenção é que a organização da estrutura

representacional para este grupo está assim estabelecida: Núcleo central mais positivo, com

caráter mais normativo, ligado aos princípios e aos aspectos ideológicos e legais do SUS,

além de aspectos negativos ancorados no papel do Estado; elementos de contraste com a

presença de princípio doutrinário e elementos que contrastam com núcleo central; primeira

periferia associada à dimensão imagética do sistema e segunda periferia com uma dimensão

mais pragmática, com a incorporação de um princípio organizativo.

Os profissionais de nível médio possuem uma representação mais negativa do sistema,

com a negação de um princípio doutrinário (universalidade) e com a incorporação de um

princípio organizativo. Esta representação está focada no atendimento como identidade do

sistema, sendo mais imagética e pragmática, apresentando caráter funcional. A estrutura

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representacional está organizada da seguinte forma: Núcleo central mais pragmático,

imagético e negativo; elementos de contraste reforçando o núcleo central; primeira periferia

apresentando um princípio doutrinário do SUS, com uma dimensão pragmática e avaliativa do

sistema e segunda periferia apresentando uma dimensão mais ideológica, funcional e

organizativa, associada à incorporação de princípio doutrinário e organizativo do SUS, bem

como o aspecto legal.

4.2.3 A incorporação dos princípios do SUS entre profissionais de saúde com relação à

variável local de atuação

Após aplicação da técnica de evocações livres, os 64 profissionais que atuam no hospital

evocaram 275 palavras, dentre as quais 81 eram diferentes. A freqüência mínima definida foi

de 5, sendo excluídas da composição do quadro de quatro casas, as palavras evocadas em

número menor que esse pelos sujeitos. Após a definição da freqüência mínima foi calculada a

freqüência média, tendo como resultado 7. A ordem média de evocação (OME) foi 2,7, numa

escala de 1 a 5.

.M.E. <<<< 2,7 ≥≥≥≥ 2,7 Freq. Med.

Termo evocado Freq. O.M.E Termo evocado Freq. O.M.E

≥≥≥≥ 7

atendimento atendimento-pobres sistema-único-de-saúde desorganização equidade organização ruim

14 13 11 10 8 8 8

2,000 2,462 1,455 2,200 2,375 2,250 2,375

não-funciona atende-a-todos saúde

12 8 7

2,917 3,000 2,857

<<<< 7

bom unificação

6 5

2,500 1,200

desatenção idealismo atendimento- bom atuação-profissional dificuldade fila mentira

6 6 5 5 5 5 5

3,667 3,333 3,200 3,600 3,000 3,000 3,200

Legenda: Foram destacados os termos equivalentes aos princípios do SUS (azul) e à hipótese de ancoragem (verde) Figura 12 – Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde que atuam no hospital. Rio de Janeiro, 2009. (n=64)

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No quadrante superior esquerdo, onde se encontra o provável núcleo central da

representação, ou seja, os elementos mais estáveis e menos resistentes a mudanças, foram

identificados os seguintes elementos: atendimento, atendimento pobres, sistema único de

saúde, desorganização, equidade, organização e ruim, que indicam uma dimensão imagética,

pragmática, avaliativa e organizacional do SUS, possuindo, portanto, um caráter funcional.

Destaca-se a existência de uma contradição no núcleo central da representação em tela, uma

vez que os termos desorganização e organização aparecem na zona de núcleo central.

No que diz respeito às atitudes, observa-se que as palavras que formam o núcleo

central do SUS para este subgrupo apresentam significados positivos (organização e

equidade), negativos (desorganização e ruim) e neutros (sistema único de saúde, atendimento

e atendimento pobres) relacionados ao sistema de saúde. Dessa forma, pode-se inferir que

persiste um posicionamento negativo, por parte dos profissionais, no que se refere à

funcionalidade e a avaliação do sistema, caracterizado pelos léxicos desorganizado e ruim.

A presença dos termos atendimento pobres, desorganizado e ruim reforça a atitude

negativa dos profissionais que atuam nas unidades hospitalares acerca do SUS, permanecendo

a idéia da ancoragem desta representação no papel assistencialista do Estado, uma vez que os

serviços públicos tinham a responsabilidade de prestar assistência à população dita carente e

os mesmos possuíam a imagem de desorganização e não funcionalidade.

Em contraponto com a discussão anterior, destaca-se a presença do léxico

organização, no núcleo central. Este fato pode estar associado com o tipo de serviço ou setor

que o profissional atua, pois se entende que serviços diversos possuem demandas e

administrações diferenciadas. Sabe-se que quanto maior a demanda, maior a dificuldade de

distribuição de recursos e ofertas de serviços, as grandes emergências, por exemplo, possuem

dificuldades estruturais e organizacionais, enquanto que outros setores ou serviços que

possuem uma demanda mais previsível tendem a se organizar melhor. Nos trechos seguintes

podemos observar isso:

Hoje eu vejo que há um maior empenho no atendimento, porque há uma maior conscientização dos próprios profissionais em relação ao atendimento, há uma melhor organização, principalmente, em nível de atendimento primário (Ent 76).

Nós temos hoje, quer dizer, emergência é um grande problema nosso também. Tínhamos uma emergência que era pequenininha e existia como emergência, mas na linha movimento, tal complexo como hoje, complexo porque temos dificuldade em atender (Ent 42).

Na composição deste núcleo, o termo atendimento, apresenta-se com a maior

frequência de evocação e com a segunda ordem média de evocação, sendo um elemento

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essencial e que confere identidade ao sistema. Possui uma dimensão pragmática e funcional,

uma vez que é caracterizado como uma das finalidades do SUS pelos seus profissionais,

estando assim, atrelado à prática e ao cotidiano dos mesmos.

Aumentou muito o atendimento, houve um aumento muito grande das especializações e a demanda é realmente muito grande. Nós não temos como receber essa demanda enorme que a gente tem (Ent 01). O SUS é um projeto muito bonito que emprega o atendimento a toda população (Ent 67). [atende a toda população] Independente de ter algum vínculo, ser beneficiário ou não (Ent 94).

Como podemos observar, os profissionais de saúde que atuam nas unidades

hospitalares reconhecem o SUS como um sistema que oferece atendimento para a população,

associado com o aumento da demanda, a partir da inclusão de uma parcela da população antes

não beneficiada. De forma complementar, no estudo realizado por Silva (2008) que objetivou

analisar a representação social do acesso para usuários, o atendimento foi caracterizado como

uma categoria definidora do SUS, que foi avaliado positivamente, porém apresentou alguns

conteúdos negativos não centrais importantes.

Ainda relacionado ao atendimento, conforme exposto na análise geral, observa-se a

associação do acesso a medicações e exames de alta tecnologia com a qualidade do

atendimento, nos estratos a seguir podemos observar tal fato:

A pessoa se interna em uma unidade hospitalar, apresenta uma dificuldade, a unidade vai estabilizá-lo, vai prepará-lo, quando ele entrar em processo de alta, vai ser suspensa a medicação, principalmente a medicação usada que é de ponta, antibióticos de última geração. A unidade vai fazer este suporte até nutricional, medicamentoso, tudo de última geração que possa existir (Ent 88).

Às vezes, precisa de um ultrassom, está quebrado, precisa de uma tomografia, não está funcionando, para operar não tem sala, se for fazer não tem lugar. Então, isso aumenta a tensão, principalmente, do paciente (Ent 14). Hoje em dia, nós temos tomógrafo, tem ultrassom, estamos instalando um eco cardiograma Então, algumas coisas, realmente, melhoraram muito (Ent 44) Nós temos algumas máquinas, que fazem os exames, como o tomógrafo que não existia, ultrassom. Então, realmente, tem uma qualidade, já que se pode oferecer (Ent 92).

Os profissionais de saúde que atuam em unidades hospitalares possuem um discurso

voltado para a qualificação da assistência associada à disponibilidade de insumos tecnológicos

que antes não se faziam presentes nestas unidades. Dessa forma, destaca-se uma sobreposição

das tecnologias duras e leve-duras (MERHY, 2006) sobre as tecnologias leves no ambiente

hospitalar. O que pode ser justificado pelo tipo de assistência prestada nas unidades de nível

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terciário, que exigem atendimentos de maiores complexidades que a rede básica. No entanto,

destaca-se que a atenção a saúde deve ser pautada no acolhimento, por meio da relação

trabalhador de saúde e usuário (MERHY, 1997).

No entanto, muitos profissionais abordam os usuários baseados na frieza

aparentemente científica e definem os procedimentos e os atos terapêuticos como eficientes

em si. Assim, as práticas de saúde produzem trabalhadores altamente dependentes das

atividades meios como, exames e medicações, e pouco atentos às finalidades das ações de

saúde (MERHY, 1997).

Destacam-se, nesta análise, dois termos ligados aos princípios do SUS, quais sejam:

atendimento-pobres e equidade. O primeiro se contrapõe ao princípio doutrinário da

universalidade e o segundo se refere a um deles. Neste sentido, cabe considerar que os

profissionais que atuam no hospital incorporaram em suas construções simbólicas que o SUS

foi um sistema criado para oferecer atendimento às pessoas de baixa renda. Neste sentido,

conforme afirma Mendes (2001) a expansão do acesso, por meio do princípio de

universalidade, significou num primeiro momento aos pobres o ingresso no serviço, fator esse

que pode ser caracterizado de forma significativamente positiva, pois esta população menos

favorecida foi a grande beneficiada pelo SUS.

De forma complementar a inclusão desta grande parcela da população de baixa renda

no sistema veio acompanhada de alguns racionamentos, especialmente relacionados à queda

de qualidade dos serviços públicos, e como conseqüência ocorreu a expulsão de segmentos

sociais, portadores de melhores condições socioeconômicas que foram sendo absorvidos pelo

sistema privado, a esse processo deu-se o nome de universalização excludente (FAVERET

FILHO; OLIVEIRA, 1990). Tal fato ainda possui relação com a avaliação negativa que os

profissionais que atuam no hospital possuem do sistema, uma vez que os mesmos reconhecem

o SUS como garantia de acesso, ainda que com dificuldade, à população de baixa renda.

O hospital com essa coisa do SUS passou a atender quem não era segurado e hoje o empobrecimento da população e das pessoas que não agüentam pagar um plano de saúde, começam a procurar o hospital e se enquadram nessa questão do perfil (Ent 57). O hospital hoje está atendendo só uma classe média que está ficando empobrecida e mais esclarecida (Ent 88). [o hospital] é alguma coisa para os miseráveis que não têm nada (Ent 76). O perfil muda, porque as pessoas estão cada vez mais pobres. Esse perfil continua sempre de pessoas carentes, que circulam aqui, o número maior é de pessoas carentes, muito pouco são aqueles que têm uma situação melhor e que vêm para cá. Ocasionalmente, isso até ocorre, mas a maioria são pessoas de um nível bem lasco, desprovidos totalmente de assistência financeira (Ent 46).

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Aqui , na maioria das vezes, são os pobres mesmo, às vezes, pessoas que moram na rua, mulheres de rua que vêm até para ser atendidas (Ent. 98).

Conforme podemos observar o hospital é referido como local que acolhe as pessoas de

classe média baixa, que não possuem condições de pagar assistência privada. Sendo

caracterizado como um sistema que atende sobremaneira os pobres, uma vez que as pessoas

que possuem condições financeiras de arcar com um plano de saúde, recorrem à assistência

privada.

O princípio da equidade foi referido pelos profissionais de saúde que atuam no

hospital com uma freqüência alta e uma OME relativamente baixa, sendo um elemento

importante na estrutura representacional em tela. A associação deste princípio com o

significado de igualdade é uma característica marcante nas construções simbólicas destes

profissionais. Assim, muitos deles identificam que o SUS é um sistema de caráter igualitário,

que foi criado para atender as pessoas que não possuíam condições de pagar pelos serviços de

privados de saúde. Nos estratos abaixo podemos observar estas facetas do princípio da

equidade, dentre os profissionais das unidades hospitalares:

Hoje em dia, eu vejo que aqui no hospital, o paciente que chegou com dor de cabeça, a gente não tem condições de resolver, porque não é um paciente marcado, a maioria dos pacientes aqui já entra parando e aquela dor de cabeça é deixada para trás (Ent. 05).

Você acompanha determinadas coisas aqui que se a gente for exemplificar para vocês, ficariam boquiabertos e tem uma coisa bem clara, não é a população de baixa renda, é toda a estrutura social, é o pobre, é o rico, é com instrução, é sem instrução. Não tem uma diferença (Ent 17). Tem que ter para todos o mesmo atendimento, para todas as áreas tinha que ter e não tem isso aqui (Ent. 68). Na realidade, o SUS era igualdade para todos, mas você não vê isso na prática. Nisso ainda continuamos devendo, continuamos pecando com a nossa população (Ent 75).

Dentre os profissionais que atuam no hospital, observa-se que o princípio de equidade

é representado como igualdade de oportunidades entre as pessoas. No entanto, cabe

considerar que de acordo com o texto legal Art. 196 CF (BRASIL, 1988) “A saúde é direito

de todos e dever do Estado [...] que visa o acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação”. Vasconcelos e Pache (2006) relacionam o

princípio de equidade com a prioridade na oferta de ações e serviços de saúde aos segmentos

populacionais que enfrentam maiores riscos de adoecer e morrer em decorrência da

distribuição de renda, bens e serviços. Neste sentido, destaca-se a primeira fala, onde o

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profissional afirma a existência de prioridades de atendimento baseadas na urgência que cada

caso requeira.

Não cabe deixar de pontuar que os profissionais de saúde incorporaram a idéia de

inclusão social, presente neste princípio. Sendo assim, faz-se presente nas representações

destes atores sociais um sistema baseado em uma ideologia equânime com vistas a diminuir

as desigualdades presentes em nossa sociedade e ofertar acesso às ações e serviços de saúde

de qualidade a toda população.

Na primeira periferia, quadrante superior direito, identificamos os seguintes elementos:

não funciona, atende a todos e saúde. Estes elementos são definidos pela alta frequência de

evocação e por uma ordem média de evocação não suficiente para integrar o núcleo central.

Na segunda periferia, quadrante inferior direito, foram identificados os seguintes elementos:

desatenção, idealismo, atendimento- bom, atuação-profissional, dificuldade, fila e mentira. A

posição destes elementos é definida com base na baixa frequência de evocação e ordem média

de evocação baixa, sendo os elementos menos importantes na representação, mais flexíveis e

susceptíveis ao contexto imediato que vive o indivíduo, constitui a interface mais próxima

com as práticas sociais dos sujeitos.

Destaca-se que na periferia da representação deste subgrupo, o único princípio do SUS

encontrado foi atende a todos, com uma freqüência de 8 e com ordem média de evocação de

3,000, padrão semelhante ao encontrado entre profissionais de nível médio. Diante de tal fato

observa-se que o princípio de universalidade ainda não foi totalmente incorporado nas

construções simbólicas dos profissionais de saúde que atuam no hospital, estando atrelado à

idéia da abertura de portas para a população de baixa renda.

No quadrante inferior esquerdo, denominado de zona de contraste, observam-se os

léxicos bom e unificação, apontando para uma atitude positiva diante do sistema, uma

dimensão avaliativa positiva, bem como de um princípio organizacional do SUS. Estes

termos configuram-se como elementos de contraste em relação ao núcleo central. Apesar de

ambas as zonas, de contraste e central, apresentarem elementos positivos e a incorporação de

princípios do SUS, o núcleo central apresenta elementos com significados negativos que

conferem uma atitude negativa relacionada ao sistema, enquanto que dentre os elementos de

contraste todos os elementos possuem significados positivos.

Esta representação apresenta características que lhe são específicas como, por

exemplo, a contradição existente na zona de núcleo central e a ausência dos princípios na

segunda periferia. No entanto, apresenta a incorporação de elementos positivos à

representação e um princípio doutrinário do SUS à zona de núcleo central, bem como a

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presença de um princípio doutrinário na primeira periferia e outro dentre os elementos de

contraste. Dessa forma, configura-se como uma representação que possui diferenças da

representação geral, mas que não pode ser considerada como uma representação diferente,

uma vez que seus núcleos centrais são semelhantes, mas não idênticos.

Observa-se ainda a presença de um conteúdo mais disperso entre os profissionais que

atuam no hospital, com a incorporação de diversos elementos relacionados à organização do

sistema, ao posicionamento dos profissionais, aos princípios e aos objetivos do SUS. Neste

sentido, pode-se inferir que as representações construídas por estes profissionais diferenciam

o SUS do sistema anterior, entretanto, os princípios presentes no arcabouço teórico do novo

sistema foram apenas parcialmente incorporados ao sistema cognitivo deste subgrupo.

A figura 13 apresenta a estrutura representacional do SUS construída por profissionais

de saúde que atuam nos Centros Municipais de Saúde (n=61). Foram evocadas 294 palavras,

dentre as quais 71 eram diferentes. A freqüência mínima definida foi de 6, sendo excluídas da

composição do quadro de quatro casas, as palavras evocadas em número menor que esse pelos

sujeitos. Após a definição da freqüência mínima foi calculada a freqüência média, tendo como

resultado 8. A ordem média de evocação (OME) foi 2,9, numa escala de 1 a 5.

Com base nos dados expostos foi construído o quadro de quatro casas abaixo.

O.M.E. <<<< 2,9 ≥≥≥≥ 2,9 Freq. Med.

Termo evocado Freq. O.M.E. Termo evocado Freq. O.M.E.

≥≥≥≥ 8

atende-a-todos atendimento não-funciona desorganização idealismo saúde unificação

14 13 13 10 9 9 8

2,857 2,308 2,308 2,800 2,889 2,333 2,250

dever-estado acesso assistência-integral hierarquização

14 10 8 8

3,000 3,800 3,375 3,500

<<<< 8

dificuldade caos equidade falta-atendimento sistema-único-de-saúde

7 6 6 6 6

1,429 1,833 2,333 2,833 2,333

atendimento-bom capacitação atendimento-pobres bom desatenção

7 7 6 6 6

3,286

4,143 3,333 3,167 3,500

Legenda: Foram destacados os termos equivalentes aos princípios do SUS (azul) e à hipótese de ancoragem (verde) Figura 13– Quadro de Quatro Casas ao termo indutor “SUS” entre profissionais de saúde que atuam no CMS. Rio de Janeiro, 2009. (n=61)

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No provável núcleo central, aparecem as palavras atende a todos, atendimento, não

funciona, desorganização, idealismo, saúde e unificação. Desta maneira, pode-se dizer que

tais elementos possuem, em parte, um caráter mais normativo, uma vez que este apresenta

uma dimensão social, determinada pelas condições históricas e ideológicas do objeto, além de

uma atitude negativa fortemente marcada (ABRIC, 2003a). Estes elementos indicam uma

dimensão social, avaliativa, ideológica e organizacional do SUS.

Os léxicos presentes no núcleo central da representação em tela apresentam

significados positivos (atende a todos, atendimento, idealismo, unificação), negativos

(desorganização e não funciona) e neutros (saúde), constata-se que existe uma predominância

de elementos considerados positivos, o que confere uma atitude positiva dos profissionais de

saúde que atuam no CMS frente ao sistema de saúde.

O termo atende a todos apresentou a maior freqüência dentre os elementos do núcleo

central, sendo caracterizado como princípio doutrinário do SUS, remete a questão ideológica

do sistema, de inclusão social e diminuição das desigualdades sociais. Este fato é reforçado

pelo léxico equidade presente na zona de contraste. Assim, percebe-se que a universalização

da assistência de forma igualitária se faz presente no sistema cognitivo dos profissionais de

saúde que atuam nos Centros Municipais de Saúde.

Ele [o SUS] garante acesso para todo mundo. Todo mundo tem direito a ser atendido. Não é como era antigamente, que eram grupos populacionais (Ent 24).

Previsto em lei é o acesso para todos. Com dificuldade, o crescimento populacional, com a pouca oferta dos serviços. Têm muitos pacientes com convênio que é atendido nas unidades de emergência. Exames especializados, ressonâncias, tomografias. Esses exames quem faz é o serviço público (Ent 29). A proposta do SUS é a universalização: você garantir direitos a todos (ent 33). Garantindo que todos tivessem saúde (Ent 28).

Um acesso universal para todos (Ent 36)

Neste sentido, destaca-se que os profissionais que atuam no CMS incorporaram a

universalidade como garantia de atenção à saúde a todos os indivíduos. Por meio deste

princípio, todas as pessoas, independente de possuírem vínculo empregatício ou não,

adquiriram o direito de acesso a todas às ações e serviços públicos de saúde e, ainda, àqueles

privados conveniados ao SUS, em todos os níveis de assistência, de forma integral e

equânime.

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) entende por universalidade a garantia de todo

cidadão, trabalhador ou não, ao direito de acesso aos serviços públicos de saúde ou, quando

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estes se encontram inexistentes, aos conveniados complementares ao SUS. A universalidade,

desta maneira, caracteriza-se, basicamente, pelo acesso dos indivíduos às instituições de saúde

e aos serviços que estão presentes em seu interior, em qualquer nível de atenção indispensável

ao atendimento da necessidade sentida (RAMOS, 2007).

O léxico unificação possui a freqüência mais baixa do Núcleo Central. No entanto, foi

o termo mais prontamente evocado, com uma ordem média de evocação de 2,250, o que

demonstra sua importância na representação em tela.

Pode-se dizer, com base nos parâmetros acima, que o léxico em questão foi

incorporado à representação destes profissionais. Neste contexto, destaca-se que o núcleo

central é a base consensual de uma representação, que possui raízes na memória coletiva e no

sistema de normas que o grupo se insere. Assim, cabe salientar que ao solicitar aos sujeitos

que evocassem palavras ao termo indutor “SUS”, os mesmos o associaram com uma

importante característica administrativa e organizacional, pois, assim como, a universalização

do acesso rompeu com as políticas de saúde anteriores, a unificação também o fez.

As políticas de saúde anteriores ao SUS atuavam com a noção de Programas de Saúde

Pública, intervindo apenas em algumas doenças infecciosas de caráter epidêmico ou

endêmico, dentre outras questões preventivas. Não existia a idéia da rede pública, de Centros

de Saúde como porta de entrada do sistema de saúde, já que na prática não havia uma rede

integrada de serviços de saúde ou tampouco havia comando ou coordenação unificada

possível. Ao contrário, havia uma divisão entre atenção médico hospitalar individual, sob

comando dos serviços privados e os programas de saúde pública, sob comando do Ministério

da Saúde e Secretarias de Estado (CAMPOS, 2006)

Assim, após a implantação do SUS, ocorreu a unificação entre as instâncias

governamentais e a saúde passou a ser gerida por meio de um comando único, descentralizado

em cada esfera de governo, tendendo a municipalização dos serviços. Nos trechos de fala a

seguir é possível observar o posicionamento dos profissionais que atuam no Centro Municipal

de Saúde:

É a tentativa de unificar o serviço, dar para a administração municipal toda a gerência do atendimento da área da saúde à população (Ent 21). No atendimento eu não noto muita diferença, porque ele foi implantado para unificar tudo . Anteriormente os hospitais eram do INAMPS, eram hospitais do município e integrou tudo (Ent 39). A gente fazia isso independentemente, cada unidade fazia o seu. Hoje com a descentralização, o processo que está se iniciando agora, as coordenações locais estão unificando as unidades, as prestações de contas e encaminhando para o órgão central da secretaria. Isso melhorou em termos de agilidade desse repasse (Ent 32).

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165

Todo um contexto de saúde unificado em uma única política (Ent 25).

Com a implantação do SUS, a mudança foi grande, ocorreu a unificação do comando

representada pela transferência ao Ministério da Saúde de toda a responsabilidade pela saúde

no plano federal, enquanto que nos estados e municípios a responsabilidade ficaria a cargos

das secretarias municipais e estaduais (BRASIL, 2000a). Neste sentido, a organização do

sistema a partir do princípio de descentralização inverteu a relação de poder e de comando

que até então existia no País, redistribuindo responsabilidades, funções, importâncias, verbas

e poder decisório. Era necessário, portanto, implantar uma lógica política e administrativa que

fornecesse uma diretriz única ao sistema e evitasse que surgissem tantos sistemas quantos

fossem os níveis decisórios (RAMOS, 2007).

A palavra atendimento, presente no núcleo central, possui alta freqüência (13) e ordem

média de evocação baixa (2,308) sendo um importante elemento na estrutura desta

representação. Apresenta-se atrelado ao princípio de universalidade, conferindo a identidade

do sistema e se configurando como seu principal objetivo e ação.

É um espaço muito grande, você tem vários tipos de atendimentos pelo SUS. É pediatria, clínica médica e outros atendimentos (Ent 23) O perfil do atendimento vem mudando e foi ficando mais abrangente. Nós passamos a atender todas as pessoas (Ent 28).

O médico, hoje em dia, não faz uma anamnese boa no paciente, um exame físico. Nós passamos a ser semiologia e os médicos, eu acho, esqueceram. Só querem saber de tomografia, ressonância magnética. Não perguntam. Eu não sei se pela falta de tempo, ou se não sabe. Porque nessa situação de hoje em dia, tem que ter mais de dois empregos, um só não te segura. É como a gente brinca, ortopedia só trata de osso, não é médico. É difícil (Ent 38). O SUS seria um conglomerado de técnicos envolvidos com a saúde, com uma proposta e a proposta é fazer o atendimento que é preconizado, ou seja, médico, dezesseis pacientes em quatro horas e tenha um vínculo muito intenso com o cliente (Ent 25). O atendimento em si ao paciente, não só pelo lado da medicação (Ent 33).

Percebe-se que os profissionais do CMS associam o atendimento com ações mais

relacionais entre trabalhador da saúde e usuário, baseado na utilização de tecnologias leves e

leve-duras. Neste sentido, Merhy (2006) afirma que a idéia das relações como integrante do

processo de trabalho, humaniza o profissional de saúde, uma vez que acrescenta uma

dimensão humana para compor os atos de saúde.

Diante do exposto, cabe considerar que as práticas desenvolvidas pelos profissionais

que atuam no CMS possuem, principalmente, relação com os saberes profissionais e com a

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interação desenvolvida entre o mesmo e o usuário, permeadas de subjetividades e interação,

pautadas no acolhimento e na humanização da assistência.

Na primeira periferia encontram-se os seguintes elementos acesso, assistência

integral, dever estado e hierarquização. Estes elementos se caracterizam pela alta freqüência,

entretanto não possuem uma OME que permita sua inclusão no núcleo central, sendo

caracterizados como os mais importantes, dentre os periféricos. Destaca-se a presença de dois

princípios do SUS, quais sejam: assistência integral (doutrinário) e hierarquização

(organizativo), além de dever estado que faz parte do aparato legal do sistema. Todos os

elementos da primeira periferia possuem significados positivos, reforçando a positividade do

núcleo central.

O termo dever estado apresenta a maior freqüência de evocação da periferia e possui a

OME (3,000) muito próxima da definida pelo software (2,9). Neste sentido, pode-se levantar

a hipótese de sua centralidade. Cabe considerar que este léxico reforça atendimento a todos

que é um elemento central na representação apresentada. O Estado é reconhecido pelos

profissionais como o ente responsável em prover as condições necessárias para que os

princípios e as diretrizes do SUS sejam efetivados e, consequentemente, o sistema seja de fato

implantado. Nos estratos a seguir é possível observar estas considerações:

A própria constituição de 88 fala isso: saúde é um direito de todos e um dever do estado. Quanto a um dever do estado, você tem que ligar à saúde, garantir a minha saúde (Ent 22). O SUS foi implantado aqui logo depois da constituição que promulgou a saúde como um direito de todos e dever do estado (Ent 28)

Os Centros Municipais de Saúde se caracterizam por prestar atendimento primário e

secundário para a população, responsável, em parte, pela promoção, prevenção e reabilitação

da saúde. Deve ser reconhecido como a porta de entrada do sistema, onde os casos mais

complexos são referenciados para unidades com maiores níveis de complexidade, atuando

com uma equipe multiprofissional capacitada, a fim de esgotar todas as possibilidades de

atuação da rede básica, antes que esta referencia seja efetuada.

Este fato se relaciona com os princípios da integralidade e da hierarquização, uma vez

que a assistência integral é baseada em um sistema articulado de cuidados em diversos níveis

hierarquizados de atuação e complexidades. A integralidade começa pela organização dos

processos de trabalho na atenção básica, por meio de uma assistência prestada por uma equipe

multiprofissional, com vistas a evitar o reducionismo do usuário a um determinado sinal ou

sintoma ou a um problema de saúde (FRANCO; MAGALHÃES JUNIOR, 2007).

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Estes mesmos autores reforçam que tais princípios devem caminhar juntos,

valorizando a assistência em torno de uma equipe multiprofissional a fim de evitar uma

demanda excessiva nos níveis mais complexos de casos que poderiam ser resolvidos nos

níveis básicos, pois “parte dos encaminhamentos feitos por médicos da rede básica a

especialistas, não esgotam todos os recursos da Unidade Básica” (FRANCO; MAGALHÃES,

2007, p.126). Complementam ainda reforçando a idéia de que referenciar os usuários aos

serviços mais complexos sem esgotar as possibilidades de resolução na rede básica reflete na

falta de solidariedade com o serviço, uma vez que acarreta em uma superlotação dos serviços

mais complexos, e na falta de responsabilidade no cuidado ao usuário.

O fato exposto acima, atrelado ao exercício hegemônico centrado na prática prescrita e

na produção de procedimentos, em detrimento à ação multiprofissional caracterizam a baixa

resolutividade da rede básica (FRANCO; MAGALHÃES, 2007). Neste sentido, os

profissionais de saúde que atuam no Centro Municipal de Saúde reconhecem a importância da

equipe multiprofissional no alcance do princípio da integralidade, a fim de oferecer uma

atenção baseada nas necessidades individuais e da coletividade:

Na verdade, antes se trabalhava apenas com a queixa individual. Por exemplo, chega numa unidade de saúde com história de febre, você era medicado e só [...] simplesmente só atendia o que chegava, era aquela visão centrada na parte médica mesmo sem integrar serviços e profissionais. Não havia acompanhamento daquele indivíduo. Ele iria voltar de novo com a história de febre. Não havia um nível de resolutividade de forma que pudesse resolver ou intervir no processo da doença daquela pessoa (Ent 36). Com o SUS, a gente aumentou, diversificou mais esse tipo de atendimento. Tem até a Aids, antes não tinha a Aids. Com a Aids existiu uma demanda e uma ação diferenciada. Tem o suporte da psicóloga, tem o suporte do serviço social que tem todo um envolvimento de toda as clínicas, já que vou precisar do atendimento de todas as clínicas. Então, eu já modifiquei um pouquinho o meu perfil. Ante eu só ficava fechada no meu programa. Agora, eu já tenho que abrir mais um pouco (Ent 32) . Iniciamos um trabalho com uma visão mais coletiva, predominantemente, não com um enfoque só individual. É claro que você tem que satisfazer necessidades individuais, mas tem um enfoque coletivo, de tentar trabalhar com ações de saúde de forma a causar um impacto para a coletividade. E esse modelo é exatamente isso, é promover saúde e prevenir doenças (Ent 21). Temos indicadores que a gente compartilha onde tentamos buscar um entendimento, a capacitação dos diversos profissionais para que tenha essa visão coletiva um pouco mais integrada. Na verdade, o nosso sistema é uma pirâmide onde a atenção básica tem que pelo menos resolver 80 por cento dos problemas de saúde dessa população. Tem que garantir isso. A gente tem falha, mas precisamos ter é essa lógica de assistência (Ent 24).

Com base nos discursos acima, observa-se que os profissionais reconhecem a

importância da rede básica resolutiva na concretização do princípio de integralidade, bem

como a necessidade de uma equipe multiprofissional, voltada para atenção à saúde da

coletividade, com vistas a desenvolver ações preventivas e curativas. Reforçando a idéia de

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que este princípio está sendo incorporado na representação social do SUS entre profissionais

que atuam nos Centros Municipais de Saúde.

As unidades básicas inovaram as práticas assistenciais, combinando atividades

clássicas, como a consulta médica, com atividades de novo caráter, voltada para atuação

multiprofissional, como associação da consulta de enfermagem, psicologia, serviço social,

dentre outras. Estas, ora mais pendentes ao diagnóstico precoce, ora a educação em saúde,

baseadas em ações individuais e grupais (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 1996).

Estas práticas são referidas pelos profissionais que atuam nos centros municipais de

saúde, que reconhecem a rede básica como resolutiva e possuem uma dimensão imagética do

sistema, pois o caracterizam como uma pirâmide, onde a rede básica é definida como a base

que oferece sustentação e suporte, evitando o estrangulamento dos níveis mais complexos da

assistência (OLIVEIRA et al., 2008).

Complementar a esta idéia destaca-se que o princípio de hierarquização se caracteriza

por ser uma forma organizativa do sistema através de uma rede onde os diversos níveis de

complexidade, representados aqui como base, corpo e ápice da pirâmide, encontram-se

interligados e atuantes, promovendo e concretizando o princípio da integralidade, da

universalidade e da equidade. Assim, este princípio faz parte das construções simbólicas do

profissional de saúde que reconhece sua importância para concretização das ações e para o

alcance do atendimento integral.

Aqui no centro de saúde, uma unidade básica, de atendimento primário, alguns secundários, mas daqui a pouco a gente está vendo que tem tanta dificuldade em referenciar, de encaminhar, que a gente acaba fazendo um atendimento que poderia ser feito num outro lugar, com equipamentos específicos, com profissionais mais capacitados. A gente acaba fazendo aqui o que tinha que fazer lá. Mas em nível de legislação está ótimo, está certo, está bem escrito. Mas não funciona tão bem (Ent 40). Quando você passa a depender de outras unidades, isso é muito complicado, você tem um cliente com hepatite medicamentosa e não tem para onde mandá-lo. A orientação é, manda para um hospital-geral. O cliente vai lá e diz que não tem internação (Ent 37). A contra-referência não existe. Referência ainda existe. Você manda, o cara examina e aceita. Agora, ele não dá um retorno. Eu não sei o que a unidade de maior complexidade indicou, norteou para aquele indivíduo. A gente manda e ele não volta. Ou quando volta, volta com uma guia de contra-referência em branco e você não fica sabendo de nada (Ent 26). Pelo crescimento populacional, pela demanda por serviços assistenciais, esse novo modelo [referência e contra referência] faz com que a gente consiga obter melhores resultados no que diz respeito aos níveis de prevenção primária, secundária e até mesmo a questão da prevenção terciária (Ent 34). Existe uma integração em relação ao serviço, a integração é por serviço. Nível secundário, nível terciário porque dispõe de vagas, de agendamento, da mesma forma que os hospitais têm em relação à rede básica. Nós temos referência para colo de mama no Hospital Carmela Dutra. As crianças que nascem no Hospital Carmela Dutra vêm já com agendamento prévio para o nosso apontamento de recém nato. Essa hierarquização

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acontece de uma forma que não está ainda funcionando, não tem uma função, mas já temos muito serviço, muita forma onde você consegue atender o paciente e encaixá-lo de acordo com o seu nível de complexidade e ter garantia disso, desse serviço nos níveis de complexidade (Ent 22).

Observa-se que os princípios da integralidade e da hierarquização encontram-se

diretamente associados, pois a concretização do primeiro depende do funcionamento

adequado e bem estruturado do segundo, garantindo ao usuário do SUS o atendimento a todas

as suas necessidades individuais e, ainda, possibilitando a promoção e a prevenção da saúde

na coletividade. No entanto, com base nos estratos dos profissionais, o sistema de referência e

contra referência, que põe em prática o princípio de hierarquização, não está funcionando

adequadamente, uma vez que existe dificuldade em referenciar para o nível terciário e, ainda,

quando acontece a referência não ocorre o retorno do usuário para a unidade de origem.

Dentre os elementos da segunda periferia destaca-se atendimento aos pobres, que

possui uma baixa freqüência de evocação e alta OME. Com base nas características da

periferia destaca-se a proximidade com a realidade imediata do individuo, assim, acredita-se

que a busca acentuada de pessoas de baixa renda por estes serviços possam contribuir para a

posição deste elemento na periferia da representação. Outro ponto de contribuição centra-se

na exposição da mídia acerca da população usuária do SUS, ao transmitir a imagem de que o

serviço público de saúde é direcionado ou procurado pela população de baixa renda e os

serviços privados por pessoas de poder aquisitivo mais alto.

No quadrante inferior esquerdo encontram-se os elementos de contaste, quais sejam:

dificuldade, caos, equidade, falta atendimento, sistema único de saúde. Destaca-se a presença

de três léxicos negativos (dificuldade, caos e falta atendimento), um positivo (equidade) e um

neutro (sistema único de saúde). Neste sentido, é possível inferir que apesar da presença de

um princípio doutrinário na zona de contraste, estes elementos contrastam com o núcleo

central da representação em tela, pois o mesmo possui uma atitude mais positiva e a zona de

contraste uma atitude majoritariamente negativa.

A palavra equidade é um princípio doutrinário do SUS e presente entre os elementos

de contraste reforça atende a todos presente no núcleo central. Neste sentido, destaca-se a

incorporação pelos profissionais que atuam nos Centros Municipais de Saúde acerca da

ideologia do sistema, caracterizada pela inclusão social, objetivando a diminuição de

desigualdades, por meio de respostas aos problemas sociais e as necessidades de saúde da

população, considerando as diversidades locais e regionais presentes no Brasil.

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O SUS veio com uma proposta governamental de trazer uma certa equidade da saúde de todos (Ent 24). É um sistema de saúde que vem inovar o modelo assistencial, onde você precisa levar em conta alguns princípios, principalmente o da igualdade (Ent 35). O SUS, para mim, ainda é uma tentativa de igualdade mesmo (Ent 28).

Nesta representação os princípios do SUS aparecem em todos os quadrantes, com

exceção da segunda periferia e, de uma forma geral, os profissionais que atuam nos Centros

Municipais de Saúde possuem uma atitude positiva relacionada ao SUS, com a incorporação

dos princípios em sua estrutura representacional, bem como, no seu núcleo central. Estas

características distanciam a representação em tela, da representação geral do grupo estudado e

a aproxima do subgrupo com nível de escolaridade superior. Ao mesmo tempo em que

confirma a hipótese de mudança representacional, segundo esquema apresentado na figura 3

(folha 123), com a incorporação dos princípios da periferia para o centro e introdução de

elementos positivos à representação.

4.2.3.1 A comparação da incorporação dos princípios aos conteúdos e às estruturas

representacionais do SUS para profissionais que atuam nas unidades hospitalares e nos

Centros Municipais de Saúde

Neste tópico, será realizada a comparação da incorporação dos princípios do SUS à

estrutura representacional dos subgrupos relacionados à variável local de atuação,

considerando seus respectivos quadrantes.

Neste sentido, com base na figura 14, a seguir, observa-se a síntese dos resultados da

análise dos núcleos centrais das representações do SUS pelos dois subgrupos analisados, por

meio de uma comparação esquemática, identificando por suas intercessões, os elementos que

lhes são comuns e aqueles pertencentes apenas ao núcleo de uma ou de outra representação.

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Figura 14 – Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde que atuam no hospital e no CMS. Rio de Janeiro, 2009 (N=125). Adaptado da fonte: PECORA (2007)

Figura 15 – Comparação global dos núcleos centrais da representação do SUS, por profissionais de saúde que atuam no hospital e no CMS e geral. Rio de Janeiro, 2009 (N=125). Adaptado da fonte: PECORA (2007)

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Com base na figura 14, observa-se que os únicos elementos comuns aos núcleos

centrais das representações em tela são atendimento e desorganização. Ao analisarmos o

núcleo dos profissionais do hospital observa-se a incorporação de um princípio doutrinário do

SUS, bem como a presença de um elemento neutro, três elementos positivos, três elementos

negativos, ao considerarmos atendimento como um léxico positivo e atendimento pobres

como negativo, após análise de suas conexões a partir da árvore de similitude do grupo geral.

No núcleo dos profissionais do CMS ocorreu a incorporação de um princípio doutrinário e um

organizativo do SUS, destaca-se a existência de quatro elementos positivos, um neutro e dois

negativos, ao considerarmos que atendimento possui significado positivo após análise da

árvore de similitude. Dessa forma, a representação dos profissionais do CMS se aproxima à

representação dos profissionais de nível superior.

Com base na figura 15, podemos observar que os elementos comuns as representações

em tela são atendimento e desorganização. Destaca-se que o núcleo central da representação

dos profissionais do hospital e do CMS não são idênticos ao núcleo do grupo geral, uma vez

que existem três elementos distintos e quatro elementos comuns, porém não se caracterizam

como representações diferentes, uma vez que seus núcleos são semelhantes, apesar das

diferenças encontradas. No que diz respeito à atitude observam-se outras diferenças, pois no

núcleo central geral identificam-se três elementos negativos e três neutros. No núcleo central

dos profissionais do hospital observam-se três elementos positivos, um neutro e três

negativos. No núcleo dos profissionais do CMS observam-se quatro elementos positivos, dois

negativos e um neutro.

Destaca-se, portanto, que as representações dos profissionais que atuam no hospital e

no CMS podem ser consideradas diferentes, uma vez que seus núcleos centrais são distintos,

pois de acordo com Abric (2003a) duas representações podem ter o mesmo conteúdo e serem

completamente diferentes se a organização deste conteúdo for diferente. Assim, duas

representações são consideradas iguais, se estiverem organizadas em torno do mesmo núcleo

central, situação que não ocorre nesta comparação.

Dessa forma, pode-se afirmar que as zonas de núcleo central apresentam-se distintas,

com a presença, entre profissionais do hospital, dos elementos atendimento pobres,

atendimento, desorganização, equidade, organização, ruim, sistema único de saúde e, entre

os profissionais do CMS, atende a todos, atendimento, desorganização, idealismo, não

funciona, saúde e unificação. Assim, o primeiro subgrupo é marcado pela avaliação,

funcionalidade, finalidade, pela imagem atribuída ao sistema e pela incorporação de um

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173

princípio doutrinário e, o segundo, permeado pela funcionalidade, ideologia e incorporação de

princípios doutrinários e organizativos à estrutura.

Os profissionais do hospital possuem uma representação caracterizada pela negação ao

princípio de universalidade, por um sistema criado para possibilitar o acesso à população de

baixa renda, com vistas a diminuir as diferenças sociais e proporcionar a igualdade que não

existia no sistema anterior, é possível perceber ainda uma tensão com relação à organização

do sistema. Os profissionais do CMS representam o SUS a partir de um sistema universal e

unificado, que possui problemas organizacionais, mas que busca garantir acesso a todos, com

idéias que atendem as necessidades da população. Esta questão nos remete a pensar que a

representação dos profissionais do CMS se adéqua a ideologia do SUS, que se caracteriza

como um sistema ÚNICO que objetiva proporcionar acesso universal a TODOS.

O atendimento aos pobres está localizado na periferia da estrutura do profissional do

CMS, com uma freqüência de evocação consideravelmente menor que a observada entre os

profissionais do hospital. Já o termo atende a todos está localizada na periferia hospital, com

uma freqüência menor que a observada no CMS. As palavras hierarquização, assistência

integral e dever estado encontram-se somente no quadro construído para profissionais que

atuam no CMS. Entretanto ambos os termos estão presentes nos dois corpora analisados.

Nos elementos da primeira periferia podemos identificar semelhanças, uma vez que

entre os profissionais do CMS existe uma dimensão ideológica, com a incorporação dos

princípios do SUS e do aparato legal do sistema (assistência integral, hierarquização e dever

estado), e entre os profissionais do hospital existe uma dimensão ideológica e imagética

(atende a todos, não funciona e saúde). A presença do princípio de universalidade (atende a

todos) neste quadrante apresenta-se com uma freqüência elevada, porém com uma OME

distante da OME definida como ponto de corte, o que confere a este termo menor importância

estabelecida pelo subgrupo hospitalar.

A segunda periferia guarda diferenças significativas, no quadrante do CMS os termos

evocados fazem menção a questões mais avaliativas positivas como bom, atendimento bom, e

capacitação. Enquanto que, no quadrante do hospital, encontram-se questões avaliativas

negativas dificuldade, fila, mentira.

Dentre os elementos de contraste observam-se diferenças que merecem ser destacadas.

A primeira delas é que nesta zona, entre os profissionais do CMS, existe a incorporação de

um princípio doutrinário do SUS, qual seja: equidade, fato que não ocorre na estrutura dos

profissionais que atuam no hospital, que possui a incorporação de elemento do aparato legal

do SUS que se aproxima com um princípio organizativo (unificação), outra diferença refere-

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174

se à presença de elementos positivos no quadrante dos profissionais do hospital (bom e

unificação), já no CMS destacam-se elementos negativos (caos, dificuldade, falta

atendimento), por fim, a zona de contraste em ambas as análises são contrárias aos seus

núcleos centrais.

Ao finalizar a comparação da incorporação dos princípios ao conteúdo e à estrutura do

SUS para os profissionais que atuam na rede básica e na rede hospitalar, observa-se que as

representações podem ser consideradas distintas, pois seguindo a proposição da abordagem

estrutural constatou-se que seus possíveis núcleos centrais são diferentes, além de todas as

zonas presente no quadrante apresentarem particularidades e diferenças para cada subgrupo

estudado.

Os profissionais do hospital possuem uma representação mais negativa do sistema,

com a negação de um princípio doutrinário (universalidade) e com a incorporação de um

princípio doutrinário (equidade). Esta representação está focada no atendimento como

identidade do sistema, sendo mais imagética e pragmática, apresentando caráter funcional.

Destaca-se a presença de poucos princípios do SUS na estrutura representacional deste

subgrupo e a existência de uma tensão no núcleo central relacionada à organização do

sistema, caracterizando um conteúdo mais disperso entre estes profissionais.

Os profissionais que atuam no CMS possuem uma representação mais positiva do

sistema, com a incorporação de todos os princípios ético-doutrinários e alguns organizativos à

representação. Outro fato que chama atenção é que a organização da estrutura

representacional para este grupo está assim estabelecida: Núcleo central mais positivo, com

caráter normativo, ligado aos princípios, aos aspectos ideológicos e legais do SUS, além de

aspectos negativos ancorados no papel do Estado, elementos de contraste com a presença de

princípio doutrinário e elementos que contrastam com núcleo central, primeira periferia

associada aos princípios organizativos do sistema, apresentando uma dimensão mais

pragmática e segunda periferia com ausência de princípios, com elementos positivos

incorporados à representação.

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175

4.3 A análise de conteúdo teórico-analítica entre os profissionais de saúde do SUS: uma

breve descrição

Conforme destacado no capítulo da metodologia, a análise de conteúdo realizada com

base nas entrevistas dos profissionais de saúde foi utilizada para complementar e

contextualizar a análise do quadro de quatro casas. Dessa forma, a mesma aconteceu de forma

transversal a toda discussão apresentada anteriormente, sendo exposta associada à análise dos

quadrantes.

No entanto, o princípio de participação popular, apesar de estar presente no corpus de

análise das evocações livres, não apresentou freqüência suficiente para ser incorporado à

estrutura da representação social do SUS, sendo excluído da mesma, nas técnicas

anteriormente apresentadas. Considerando que o mesmo se fez presente na análise de

conteúdo manual, acreditamos ser necessária uma consideração especial ao mesmo.

Apresentaremos, a seguir, uma breve descrição dos conteúdos extraídos das

entrevistas, seguindo a proposição de Moscovici apud Bardin (2000) de que tudo que é escrito

ou falado pode ser submetido à análise de conteúdo. Neste sentido, foram identificadas 2.835

unidades de registro (UR) distribuídas em sete categorias teórico-analíticas nomeadas como:

universalidade, equidade, integralidade, descentralização, hierarquização, regionalização e

participação popular.

Com base na figura 16, podemos observar a distribuição do número de URs por cada

categoria definida.

18%

4%

12%

5%

10%6%

45%

DESCENTRALIZAÇÃO

EQUIDADE

HIERARQUIZAÇÃO

INTEGRALIDADE

PARTICIPAÇÃOPOPULAR

REGIONALIZAÇÃO

UNIVERSALIDADE

Figura 16 - distribuição percentual das URs por categoria teórico-analítica. Rio de Janeiro, 2009.

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Destaca-se que a primeira categoria, referente ao princípio da universalidade, possui

1277 URs (45%) do total da análise, o que demonstra a importância quantitativa na

caracterização deste princípio como central do sistema. A categoria 2 se refere ao princípio da

descentralização e possui 523 URs (18%); a categoria 3, princípio de hierarquização, possui

349 URs (12%); a categoria 4, participação popular, possui 277 URs (10%); a categoria 5,

regionalização, possui 164 URs (6%); a categoria 6, integralidade, possui 131 URs (5%); e a

categoria 7, equidade, possui 114 URs (4%).

Neste sentido, cabe considerar a presença de conteúdos indicativos da alteração do

cotidiano dos profissionais de saúde, determinadas pela implantação do SUS, por meio de um

discurso com características práticas que são determinadas a partir das representações

assumidas por estes atores sociais sobre os princípios norteadores de tal sistema. Observou-se

que os princípios são representados por meio do acesso ao atendimento a toda população, com

inserção das classes sociais menos favorecidas, bem como a organização deste atendimento

em diversos níveis de complexidade e a distribuição em diversas áreas regionais.

As representações expressam atitudes contraditórias destes atores sociais diante dos

princípios do SUS, que se expressam por meio da positividade e da negatividade como, por

exemplo, apesar de afirmarem ser a saúde um direito de todos, como um aspecto positivo,

enfatizam as diversas dificuldades existentes relacionadas ao acesso.

A abertura de portas foi citada como característica da universalidade da assistência,

bem como a inclusão social. Referiram-se ao SUS como um sistema pautado na justiça social,

percepção esta que vai ao encontro da definição do princípio da equidade. No entanto, a

maioria representa esse princípio como igualdade de oportunidades.

A prevenção foi referida como enfoque do novo sistema de saúde e se faz presente

entre os profissionais, que caracterizam o princípio de integralidade ligado aos programas de

saúde e às ações de promoção e prevenção. De forma geral, destacam a municipalização dos

serviços de saúde e a distribuição de recursos e responsabilidades entre as diversas esferas de

governo como aspectos positivos. Caracterizam o sistema a partir da unificação destas esferas

com comando único. Representam o princípio de hierarquização por meio de imagens

relacionadas ao sistema de referência e contra referência e o atendimento nos diversos níveis

de atenção, que foi nomeado como uma forma de organização da assistência.

O princípio de participação popular é representado pela maioria dos profissionais

como conscientização da população, enquanto que, uma minoria o associa com os conselhos e

as conferências de saúde, caracterizando um discurso marcado pela contradição entre a busca

por direitos e os direitos já adquiridos. De forma marcante na análise realizada observa-se que

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o princípio de participação popular foi retraduzido pelos profissionais de saúde como

consciência adquirida pela população sobre seus direitos, uma vez que poucos profissionais se

referem aos conselhos e às conferências de saúde, bem como, a participação da população na

gestão e nas decisões que envolvem o sistema.

Dessa forma, os sujeitos reduzem tal princípio à busca pela assistência e aos

questionamentos realizados por usuários aos profissionais que realizam as triagens

hospitalares, aos profissionais de saúde que atuam na assistência e aos diretores dos hospitais

e dos CMS. Os profissionais reconhecem que as pessoas estão mais informadas e conscientes

de seus direitos, porém não incorporaram ainda a magnitude e a importância de tal conquista

alcançada pela população brasileira, representada na Constituição Federal como um princípio

organizativo da nova política de saúde brasileira vigente a partir de 1988.

Entre os profissionais de nível superior foi possível observar a presença do discurso

reificado sobre os princípios do SUS como, por exemplo, o princípio da universalidade, que é

caracterizado, em grande parte, como direito de todos e dever do Estado, conforme texto

constitucional. No que se refere aos profissionais de nível médio, foi possível observar um

discurso voltado para questões mais pragmáticas e que interferem na qualidade ou nos

aspectos quantitativos da assistência prestada.

Por fim, destaca-se que os princípios do SUS são representados a partir de imagens

relacionadas com o aumento da demanda, abertura de portas, com a igualdade de direitos e

com a distribuição de recursos e serviços entre as diversas esferas de governo. Diante do

exposto, pode-se afirmar que tais representações interferem nas práticas dos profissionais de

saúde e as práticas interferem na formação de representações, a partir da integração entre os

conhecimentos adquiridos e a comunicação social estabelecida dentro dos serviços, e

determinam, ainda, a identificação destes profissionais, enquanto agentes de mudança, de

execução e de concretização de tais princípios.

4.4 A relação existente entre a incorporação dos princípios do SUS e as práticas

profissionais

O dinamismo do setor saúde brasileiro requer dos profissionais de saúde, da sociedade

civil organizada e do Estado uma interatividade constante. As políticas de saúde direcionam a

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organização das práticas, as formas de acesso à saúde, suas características efetivadas e a

conformação de estratégias e tecnologias para a atenção em saúde.

Merhy et al. (2006, p.120) expõe que “o trabalho em saúde é centrado no trabalho vivo

em ato [...] não pode ser globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos

equipamentos e nos saberes estruturados”, uma vez que a abordagem assistencial de um

trabalhador de saúde junto a um usuário é baseada em um processo de relações e de encontros

de subjetividades, que envolve tecnologia de relações.

Neste sentido, destaca-se que as tecnologias envolvidas no processo de trabalho são

classificadas em leves, tecnologia das relações com produção de vínculo e permeada pela

subjetividade; leves-duras, compostas por saberes estruturados como as clínicas que operam

os serviços de saúde; e duras, constituídas por equipamentos tecnológicos do tipo máquinas e

estruturas organizacionais (MERHY et al., 2006; MERHY, 2006).

No processo de produção do trabalho as três tecnologias se fazem presentes, porém

ocorre uma hegemonia das tecnologias duras impostas pelo modelo médico hegemônico,

contra a hegemonia das tecnologias leves, sugerida por modos de produção da saúde que

propõe centralidade no usuário e suas necessidades (MERHY; FRANCO, 2007). O trabalho

em saúde produz atos de saúde que têm a capacidade de intervir em sua problemática,

modificando-a e levando à produção de um resultado que é a satisfação de uma

necessidade/direito do usuário. (MERHY, 1998)

O ato de atender, referido em todo estudo como a identidade do sistema, é percebido

pelos profissionais a partir de diversas facetas e com alcances diferenciados. Pode-se inferir

que nas práticas relacionadas ao atendimento, as três tecnologias estão presentes, pois a

relação é estabelecida entre o profissional e o usuário (tecnologia leve); o conhecimento

técnico, os saberes estruturados (tecnologia leve-dura) são necessários para definição de

diagnósticos e das condutas terapêuticas e a alta tecnologia, caracterizada pelos tomógrafos,

por exemplo, são utilizadas como apoio para a atuação do profissional (tecnologia dura). No

entanto, observa-se que as tecnologias duras e leve-duras predominam em todo o processo e,

principalmente, a dura que deveria ter a função de suporte, muitas vezes é a tecnologia

definidora utilizada pelos profissionais. Esse processo de julgamento sobre o que é

fundamental na definição e ordenação das prioridades para o atendimento, também é

observado na constituição das representações do SUS.

Destaca-se que entre os profissionais de saúde que atuam na rede hospitalar esse

predomínio se faz presente e estável. Tais profissionais reconhecem que a universalidade da

assistência possibilitou o acesso do usuário a tecnologias duras e leve-duras, o que

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proporciona melhores possibilidades terapêuticas e, consequentemente, a reabilitação. Estes

profissionais referem, constantemente, o acesso a medicações e exames de alta tecnologia

proporcionados pelo novo sistema de saúde.

Já os profissionais que atuam no Centro Municipal de Saúde reconhecem a

importância da inserção de tecnologias leves ao cotidiano profissional, mas enfatizam que esta

ainda se apresenta como uma dificuldade que se faz presente no seio do sistema. No entanto,

também associam o uso de tecnologias leve-duras e leves como fundamentais para a

realização da assistência.

Com relação ao princípio da equidade, destaca-se que os profissionais o relacionam

com igualdade de oportunidades e reconhecem que tal mudança ocorreu nos serviços, com o

acesso disponibilizado a qualquer cidadão que busque as ações e os serviços públicos de

saúde de forma igualitária e sem discriminação. As ações de prevenção e promoção da saúde

desenvolvidas no âmbito dos serviços foram verbalizadas pelos profissionais como uma

forma de atingir o princípio da integralidade, assim, da atenção focada nas necessidades

individuais, passou-se a focar na coletividade, com atuação de uma equipe multiprofissional.

A comunicação entre os serviços traduzida como ações de referência e contra-

referência também fazem parte do cotidiano profissional, apesar de nem sempre serem

resolutivas e eficazes. No entanto, existe como uma forma de organizar o serviço em torno de

uma rede hierarquizada, baseada nos diversos níveis de complexidades existentes. Dentre as

ações encontram-se a referência para os serviços mais complexos, porém verbalizam a

dificuldade de concretização da contra referência. Resultado semelhante foi encontrado no

estudo de Pontes e Cesso (2008), onde os usuários do SUS não identificaram a existência da

contra-referência no seio do sistema e se referiram à referência como uma forma de facilitar o

acesso aos níveis mais complexos de assistência.

Neste contexto, as alterações trazidas ao cotidiano do profissional relacionadas aos

princípios do SUS interferem no desenvolvimento de suas práticas e são fatores que

contribuem para o processo de mudança representacional que pôde ser observado a partir da

análise dos dados. Conforme expõe Rouquette (2000), aquilo que pensamos depende daquilo

que fazemos e aquilo que fazemos, depende daquilo que pensamos, assim, de forma recíproca,

se as representações se transformam, as práticas também se alteram.

O aumento da demanda caracterizado pelo excesso de pessoas que buscam os serviços,

a universalização do acesso, a diminuição das desigualdades dentro dos serviços, a unificação

das três esferas de governo, a autonomia conquistada pelos municípios, o foco preventivo do

novo sistema, a organização da rede básica como porta de entrada articulada com os serviços

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de maiores complexidades, as ações de referência e contra-referência, bem como a

distribuição espacial dos serviços de saúde norteada pelas áreas programáticas são elementos

que se fazem presentes nas construções simbólicas dos profissionais, traduzidos em seus

discursos como uma realidade do atual sistema de saúde brasileiro, mesmo que não

alcançados em sua totalidade.

Pode-se fazer uma analogia entre o SUS e um jogo de tabuleiro, onde os princípios

atuam como as regras do jogo. É sabido que o desconhecimento das regras por parte dos

jogadores, aqui representados pelos profissionais, impede o desenvolvimento de um bom

jogo. Dessa forma, conclui-se que a incorporação dos princípios do SUS ao sistema cognitivo

dos profissionais de saúde torna-se um ponto importante para o alcance de avanços em torno

da assistência à saúde da população.

Por fim, a influência recíproca entre representações e práticas é compreendida como

condição e como determinação. Condição, pois diz respeito ao papel que as representações

exercem no desenvolvimento da conduta e determinação, pois se trata da ação das práticas

sobre as modalidades de conhecimento (ROUQUETTE, 2000). Dessa forma, percebe-se que

representações e práticas se influenciam mutuamente e permitem os processos de mudanças

representacionais observados neste estudo, fazendo vislumbrar o desenvolvimento de práticas

mais afeitas com as preconizações do Sistema Único de Saúde.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde e a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que culminou com a criação do SUS, o conceito de saúde

deixou de estar relacionado apenas com a ausência de doenças e passou a ser considerado

como bem estar físico, mental e social, assumindo, portanto, um caráter mais abrangente.

Neste sentido, os profissionais de saúde passaram a atuar como agentes de mudança nos

serviços públicos de saúde por meio do trabalho coletivo entre os próprios profissionais e

outros seguimentos da sociedade.

O SUS, desde sua criação até os dias atuais, tem sido analisado como uma inovação no

campo das políticas sociais, uma vez que seus princípios e diretrizes possuem uma dimensão

ideológica voltada para a democratização das ações de saúde. Com base nos princípios

doutrinários e organizativos do SUS busca-se uma assistência integral, de caráter universal e

igualitário, sendo os serviços hierarquizados e regionalizados com uma gestão descentralizada

e acessível à participação da comunidade.

A partir dos resultados observados neste estudo pode-se concluir que os profissionais

de saúde incorporaram, mesmo que de forma parcial, tais princípios em suas construções

psicossociais. Neste contexto, cabe destacar que foi possível identificar os diferentes

conteúdos constituintes da representação social do SUS entre profissionais de saúde, com

níveis de escolaridades distintos e que atuam na rede básica e hospitalar e, consequentemente,

a incorporação dos princípios doutrinários e organizativos à estrutura representacional em

tela.

Destaca-se que, para tal alcance, foi utilizada a abordagem estrutural das

representações sociais, com base no objetivo de analisar a estrutura, bem como o conteúdo

representacional e, ainda, por permitir comparações entre subgrupos distintos. De forma

complementar, foi utilizada a abordagem processual das representações com o objetivo de

contextualizar o significado dos elementos presentes nas estruturas representacionais

caracterizadas.

Identificou-se que a representação do SUS foi elaborada, pelo grupo geral de

profissionais, tendo como elemento central o atendimento, uma vez que além da alta

frequência e da prontidão com que foi evocado, tal léxico apresenta-se como irradiador de

significados na análise de similitude realizada, pois possui conexão com diversos elementos

representacionais. Neste sentido, esta palavra caracteriza a finalidade do SUS e define a

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identidade do mesmo para o grupo estudado, uma vez que se relaciona com diversos

princípios, dentre eles, o de universalidade da assistência. Destacam-se como demais

elementos centrais desorganização, não funciona e atendimento aos pobres.

Cabe considerar a constatação realizada com relação ao léxico atendimento aos

pobres, que possui dois contextos semânticos neste estudo, quais sejam: a inclusão da

população de baixa renda e sem vínculos empregatícios ao sistema de saúde e o papel de

protecionismo aos pobres que o Estado Brasileiro assumiu ao longo da história das políticas

públicas. No entanto, a associação dos três termos supracitados reforça a ancoragem desta

representação no papel assistencialista do Estado barsileiro, associado à imagem de

desorganização e não funcionalidade dos serviços públicos.

Na primeira periferia observa-se a presença da expressão atende a todos,

demonstrando que os profissionais de saúde incorporaram o princípio de universalidade em

suas construções psicossociais e reconhecem que a saúde passou a ser assegurada como

direito de toda a população, cabendo ao Estado a garantia da mesma.

Destaca-se que os termos hierarquização e integralidade encontram-se na segunda

periferia e os profissionais referem-se à integralidade da assistência com base nos diversos

níveis de complexidade, atrelado às ações curativas e preventivas. No entanto, ao realizar as

comparações entre os subgrupos institucionais e por nível de formação foram observadas

diferenças significativas. Dessas se destaca que os profissionais de nível superior e aqueles

que atuam no CMS apreenderam o sentido ampliado de integralidade, que valoriza o cuidado

desenvolvido por uma equipe multiprofissional e se opõe ao reducionismo biomédico.

Cabe destacar que dentre as inovações trazidas com o novo sistema de saúde,

encontra-se a atuação multidisciplinar, realizada por uma equipe multiprofissional. No

entanto, muitas vezes, observam-se, no serviço público, profissionais de áreas diversas de

conhecimento que atuam desarticuladamente no interior das instituições.

O princípio da equidade, presente nos elementos de contraste, é referido como

igualdade de oportunidades. Assim, o sistema é percebido, por uma parcela minoritária, mas

de forma destacada dos profissionais, como aquele que fornece atendimento igualitário para

toda população. Ainda nessa mesma condição, percebeu-se que esse grupo de profissionais

incorporou o princípio da descentralização como redistribuição de responsabilidades entre as

esferas de governo, através da unificação das mesmas, uma vez que tal termo também se

encontra neste quadrante. Observa-se, portanto, que os dois princípios referidos – equidade e

descentralização (unificação) – traduzem-se como conteúdos ainda não participantes da

representação do grupo geral estudado, no entanto a sua presença como elemento de contraste

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aponta para um processo de incorporação progressiva dos mesmos, portanto de mudança da

representação.

Assim, pode-se inferir que existe uma incorporação recente dos princípios à

representação social analisada, pois os princípios se fazem presentes em todos os quadrantes

da estrutura representacional, à exceção do núcleo central, o que confirma a presença de um

processo de mudança representacional da periferia em direção ao centro.

Com base na análise de similitude realizada pôde-se identificar a presença das

conexões existentes entre os termos evocados. Com isso, percebemos que a evocação

atendimento foi a que mais estabeleceu conexões com as demais, seguida de atende a todos.

Com base no exposto e em função do segundo critério de centralidade, a conexidade, atende a

todos passou a ser considerado central na representação analisada, enquanto referência ao

princípio de universalidade

Foi possível perceber que os elementos de contraste se associam e reforçam a primeira

periferia da representação, contrastando com o núcleo central, por meio da presença de

elementos positivos e da incorporação de princípios do SUS. Neste sentido, de acordo com a

abordagem estrutural das representações, foi possível considerar a existência de um subgrupo

com uma representação social distinta do grupo geral. No caso deste estudo, foi identificado, a

partir da comparação da variável escolaridade, que o subgrupo discordante é caracterizado

pelos profissionais de nível superior.

De acordo com os elementos presentes no núcleo central da representação dos

profissionais de saúde com nível de escolaridade superior, que diferem do núcleo central do

grupo geral, pode-se inferir que existe uma representação distinta para este subgrupo,

caracterizada pelos princípios de universalidade (atende a todos) e de equidade, enquanto

elementos distintivos dessa nova representação.

Por fim, ao analisar a estrutura da representação social dos profissionais com nível de

escolaridade superior, as expressões atende a todos e equidade estão presentes no provável

núcleo central, além de outros elementos positivos, fato este que permite inferir que este é o

subgrupo de profissionais responsáveis pela incorporação dos princípios do SUS e pela

atitude positiva frente ao sistema de saúde na representação geral do grupo estudado. Outra

característica presente na representação deste subgrupo, e que colabora com esta afirmação, é

o fato de existirem princípios em todos os quadrantes da estrutura representacional.

Outro ponto conclusivo diz respeito à representação dos profissionais de nível médio

de escolaridade, uma vez que tal representação é semelhante à do grupo geral, com a

predominância de elementos negativos e neutros no núcleo central, bem como negação do

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princípio de universalidade por meio da expressão atendimento aos pobres. No entanto,

destaca-se que tal estrutura encontra-se em processo de mudança, pois dentre os elementos

centrais observa-se a presença do termo unificação, que possui relação com o princípio de

descentralização.

Ainda relacionado à estrutura representacional dos profissionais de nível médio

evidencia-se a presença do léxico regionalização dentre os elementos da segunda periferia.

Observa-se uma dimensão organizacional e pragmática do sistema associada a este princípio,

uma vez que os profissionais atribuem ao mesmo um novo sentido (talvez uma distorção) de

acordo com suas práticas cotidianas, sendo assim, a regionalização é caracterizada com base

no deslocamento de usuários por diversas regiões da cidade em busca da assistência.

No que diz respeito à comparação entre profissionais que atuam nos CMS e nos

hospitais observou-se que os profissionais que atuam no hospital possuem uma representação

caracterizada pela negação do princípio de universalidade, atrelada ao léxico atendimento aos

pobres, foi possível perceber ainda uma tensão/contradição com relação à organização do

sistema. Os profissionais do CMS representam o SUS a partir de um sistema universal e

unificado, com a identificação de problemas estruturais e organizacionais. No entanto,

incorporaram em suas construções mentais aspectos ideológicos do sistema associado a

universalização.

Destaca-se a presença de um discurso pragmático dos profissionais que atuam no

hospital, relacionado com a utilização de tecnologias duras, estando a qualidade e a

efetividade da assistência associadas à disponibilidade de recursos materiais, como máquinas

e equipamentos. Já os profissionais do CMS possuem um discurso voltado para as ações

relacionadas com as tecnologias leve-duras e leves, priorizando as relações entre profissional-

usuário e entre profissional-profissional, valorizando a atuação da equipe multiprofissional.

No entanto, observa-se, que de uma forma geral, os profissionais de saúde se referem a um

predomínio de tecnologias duras e leve-duras em suas práticas cotidianas, o que de certa

forma vai de encontro com as propostas do novo sistema de saúde, que prioriza o esgotamento

de tecnologias leves, a fim de evitar a necessidade de utilização indiscriminada das duras.

Cabe considerar que na estrutura representacional dos profissionais que atuam no

CMS, os princípios do SUS estão presentes em todos os quadrantes, enquanto que na estrutura

dos profissionais que atuam nos hospitais tal incorporação não ocorre. Com base na análise

realizada pode-se concluir que a incorporação dos princípios entre os profissionais que atuam

no hospital ocorre de forma discreta e fragmentada, com a permanência de muitos elementos

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negativos à estrutura da representação e poucos princípios (atende a todos, unificação e

equidade) presentes na mesma.

Como resultado deste estudo destaca-se a existência de um processo de mudança

representacional em curso com a inserção, à estrutura representacional, de novos conteúdos

indicativos de princípios e de elementos positivos ainda não presentes nessa representação em

nível central. Observou-se uma representação ancorada no papel assistencialista do Estado,

associado à imagem de desorganização e não funcionalidade dos serviços públicos, focada no

atendimento e com significados negativos, transformando-se, por meio de um movimento

convergente, em uma representação com significados positivos e ancorada nos princípios

ético-doutrinários do SUS. Esta proposição foi reforçada pela presença de elementos positivos

e de princípios na periferia da representação e nos elementos de contraste.

Este movimento de mudança representacional foi caracterizado como convergente,

uma vez que os elementos partem da periferia representacional e dos elementos de contraste

para o núcleo central, caracterizando dois movimentos convergentes de significados

complementares. Assim, destaca-se que a periferia está organizada em torno do núcleo central

e possui, dentre outras funções, protegê-lo. No entanto, quando existe uma pressão exercida

pelos elementos periféricos neste núcleo, observam-se mudanças representacionais, conforme

foi constatado neste estudo.

ATUAL NOVA Figura 17 - Figura ilustrativa da pressão exercida pelo sistema periférico no núcleo central com a incorporação de elementos positivos e de princípios. Rio de Janeiro, 2009.

Desta forma, de acordo com a figura 17, que ilustra a pressão exercida pelo sistema

periférico no núcleo central, observa-se a presença de um movimento progressivo de mudança

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representacional. Assim, ao longo dos 20 anos de implantação do SUS, os profissionais de

saúde vêm interagindo constantemente com os demais, com os usuários e com o próprio

sistema. Essas interações, bem como as mudanças impostas às práticas cotidianas e a

circulação de informações sobre o sistema de saúde atual, estão contribuindo com este

processo de mudança.

Neste sentido, atribui-se a este estudo a construção de uma hipótese de que as práticas

determinam as representações sociais dos profissionais de saúde e, consequentemente, são

determinantes no processo de transformação representacional observado. Desta forma,

identificamos cinco elementos que podem estar contribuindo para essas alterações, quais

sejam: a imposição de novas práticas por força de lei; o novo tipo de clientela que passou a ter

acesso ao sistema; a relação cotidiana entre os profissionais já inseridos no sistema de saúde e

os novos profissionais (recém-formados) que chegam ao sistema trazendo uma bagagem de

informações prévias sobre o SUS; a incorporação dos profissionais no sistema também

enquanto usuários do SUS e a inserção dos profissionais nos dois universos de pensamento

(reificado e consensual).

A alteração das práticas profissionais realizadas no cotidiano do sistema de saúde foi

imposta a estes profissionais que tiveram que se adaptar e executá-las de acordo com os

princípios e diretrizes do SUS, definidos nas leis orgânicas de saúde (8080/90 e 8142/90) e,

posteriormente, nas leis complementares NOBs e NOAS, transformando a dinâmica

assistencial e toda a estrutura organizacional. Sendo assim, com base em uma mudança brusca

de práticas, observam-se alterações nas representações que passaram a incorporar os

conteúdos presentes nas novas práticas e no cotidiano profissional e, consequentemente,

observa-se uma alteração nas imagens e nas atitudes destes profissionais relacionadas ao

sistema.

Outro aspecto relevante para as alterações destas representações é o novo perfil de

usuários, uma vez que com a implantação do SUS os profissionais se depararam com uma

nova clientela no interior das instituições de saúde, bem como com a necessidade de se

adaptar ao que se caracteriza como atendimento universal. Em um primeiro momento,

observou-se a inserção da população dita marginalizada nos serviços e, após, destaca-se a

procura da classe média pelos serviços do SUS, associada ao menor acesso aos planos

privados de saúde.

A inserção de novos profissionais no interior dos serviços e a interação destes com os

antigos contribuem para a troca de informações e conhecimentos sobre o sistema de saúde,

uma vez que os novos profissionais chegam com o conhecimento teórico adquirido durante a

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formação e que, muitas vezes, faltam aos profissionais antigos. Este menor domínio teórico

pode ser atribuído pela falta de interesse dos profissionais em aperfeiçoar o seu conhecimento

sobre o sistema de saúde no qual atuam, ou ainda estar associado à falta de incentivo dos

serviços em oferecer cursos de atualizações sobre o tema.

A inserção do grupo de profissionais como usuários do sistema também vem

contribuindo para a mudança da representação. O seu acesso à atenção à saúde foi

modificado, uma vez que anteriormente possuíam instituições específicas de atendimento e

com a criação o SUS passaram a ser atendidos nos mesmos serviços e com os mesmos

direitos que qualquer usuário, compartilhando, portanto, das mesmas dificuldades de

assistência e das mesmas percepções que os demais usuários .

Neste contexto, considera-se que os profissionais vivenciam dois universos de

pensamento: o universo consensual (a representação em si) e o universo reificado (a ciência).

Essa dupla filiação coloca os profissionais em permanente dissonância cognitiva, ora agindo

segundo os preceitos ideológicos do SUS, ora conduzindo suas ações a partir da lógica do

senso comum. Dessa forma, a interação entre os profissionais novos e antigos e,

consequentemente, a troca de informações e as novas práticas vivenciadas contribuem para o

processo de mudança representacional.

Cabe considerar que as práticas desenvolvidas pelos profissionais de saúde podem ser

classificadas em dois tipos, em função do grau de liberdade e autonomia nelas implicadas:

práticas de saúde ativa e passiva.

A prática de saúde ativa diz respeito à execução de ações de saúde pelo profissional no

interior das instituições que guarda certo grau de autonomia. Já a prática de saúde passiva se

refere à busca dos profissionais por serviços de saúde, enquanto usuários sendo submetidos às

regras institucionais do sistema. Ambas as ações contribuem para a formação de

representações e, ainda, para as mudanças representacionais, uma vez que tais práticas estão

presentes no cotidiano profissional e influenciam na sua percepção e nas simbolizações que os

mesmos constroem relacionadas ao sistema. A figura 18, a seguir, ilustra a relação entre as

práticas ativa e passiva desenvolvidas pelos profissionais nas instituições de saúde e a

transformação representacional.

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Figura 18 - Figura ilustrativa das práticas ativa e passiva desenvolvidas por profissionais nas instituições de saúde e a relação com a transformação representacional. Rio de Janeiro, 2009

Neste sentido, conforme exposto anteriormente, a alteração de ambas as práticas

contribui para as mudanças representacionais observadas neste estudo, com a inserção de

novos elementos na periferia representacional em processo de migração para o núcleo central

da representação. Com base nesta constatação, destaca-se que a transformação

representacional identificada se aproxima do conceito de transformação resistente, uma vez

que as novas práticas impostas são contraditórias com o núcleo central permitindo a

implantação de mecanismos de defesa com a incorporação de novos elementos à periferia da

representação. Esse mecanismo de defesa, no entanto, ao longo do tempo acaba por pressionar

e mudar o núcleo central com a persistência das novas práticas.

A partir dos resultados encontrados neste estudo, destaca-se que a relação contínua

entre representações e práticas foi um fator importante para a compreensão das representações

que estes profissionais construíram acerca do sistema de saúde brasileiro. Neste sentido, cabe

pontuar que os profissionais de saúde são responsáveis pela operacionalização do SUS por

meio da compreensão e da implementação dos seus princípios e diretrizes no interior das

instituições de saúde, proporcionando ao usuário que busca os serviços do SUS para sanar

suas necessidades, a possibilidade de uma assistência de qualidade de acordo com os preceitos

teóricos deste sistema.

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No entanto, observa-se que esta ainda não é uma realidade. Este fato nos leva a

concluir que existe uma necessidade de capacitação constante dos profissionais de saúde, não

somente no que diz respeito à execução de técnicas, procedimentos, definição de diagnósticos

e implementação de cuidados, mas sim com relação aos aspectos teóricos e conceituais do

SUS, além da conscientização dos mesmos sobre a importância da inserção de tais

conhecimentos na sua prática cotidiana. Dessa forma, os profissionais poderão desenvolver

suas atividades e se inserirem nos serviços como agentes de mudança, buscando o alcance dos

princípios na prática e melhorias na assistência oferecida aos usuários, ao aproximá-la de uma

ação mais democrática e pautada na justiça social.

Acreditamos que este estudo acerca da incorporação dos princípios à representação do

SUS, pelos profissionais de saúde, caracteriza-se como um material que permitirá uma melhor

compreensão dos aspectos teóricos, práticos e ideológicos que possuem relação com a

execução, o cumprimento e o alcance dos princípios e diretrizes propostos no arcabouço

teórico do sistema, influenciando assim na construção do sistema de saúde brasileiro.

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APÊNDICE A - Questionário de caracterização sócio-econômica e instrumento de coleta de

evocações livres

1. IDENTIFICAÇÃO

No. ENTREV. ______/200__ Unidade de Saúde: _________________________________ Nome: ___________________________________________ Sexo: M ( ) F ( ) Idade_______ Função: __________________ Tempo de trabalho na Instituição: ___________ Nível de Escolaridade: ______________________ Renda Mensal:_____________ 2. EVOCAÇÃO LIVRE

Fale as cinco primeiras palavras que lhe vem à cabeça a partir da expressão abaixo:

SUS

( 1 ) __________________________________________

( 2 ) __________________________________________

( 3 )___________________________________________

( 4 ) __________________________________________

( 5 ) ___________________________________________

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APÊNDICE B - Roteiro temático de entrevista

1. O que é o SUS para você e quando foi implantado na sua unidade?

2. Qual a relação existente entre o SUS e o Sistema de Saúde da cidade do Rio de

Janeiro?

3. Como o SUS se expressa no atendimento da população da cidade do Rio de

Janeiro?

4. Como você avalia a atenção à saúde na cidade do Rio de Janeiro ontem e hoje?

(buscar conceitos avaliativos, explorando os tópicos abaixo, dentro de uma

dimensão temporal)

a. Recursos financeiros (quantidade, forma de repasse, etc)

*Para unidade de saúde

*Para a cidade

b. Recursos Humanos (participação no gerenciamento das ações nas

unidades de saúde e na cidade – comissões e conselhos)

*Salário

*Capacitação Profissional

*Quantidade

*Sistema de promoção (cargos)

*Sistema de supervisão do trabalho

c. Recursos materiais

*qualidade

*quantidade

*disponibilidade

d. Clientela

*acesso aos serviços

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*acesso às ações

*perfil social

*tipos de problemas de saúde

*direito da clientela à saúde

*participação na gestão

*consciência da clientela

e. Assistência prestada (ações de saúde desenvolvidas)

*quantidade

*qualidade

*disponibilidade

*tipo

*sistema de referência e contra-referência

*hierarquização das ações

*relacionamento profissional-clientela

*resolutividade/resultado da assistência

*distribuição n clientela (universalidade)

f. Organização do serviços

*relação entre SUS e convênio

*organização administrativa do serviço

*organização dos recursos humanos

*organização dos recursos materiais

*organização dos recursos financeiros

*relacionamento do serviço com a clientela

g. Políticas de Saúde

*organização da saúde na cidade do Rio de Janeiro

*organização da saúde no estado

*organização da saúde no país

*modelo assistencial

*perfil de saúde da população

*democratização do sistema

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5. Diferenças entre o previsto em lei para as ações de saúde e o que é

implementado hoje no município do Rio de Janeiro.

6. Síntese das dificuldades e das propostas de melhoria do atendimento no Rio de

Janeiro

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APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada “POLÍTICAS E PRÁTICAS DE SAÚDE NO CONTEXTO DO SUS: Memórias e Representações das Instituições, Usuários e Profissionais de Saúde na Cidade do Rio de Janeiro”, que se propõe a analisar as percepções dos profissionais e dos usuários dos serviços de saúde sobre o sistema de saúde do município do Rio de Janeiro, bem como as mudanças ocorridas na saúde pública nos últimos anos. Para tanto, estou realizando esta entrevista. Sua participação é de fundamental importância para a realização deste estudo. Não haverá riscos, nem desconfortos, nem gastos de qualquer natureza. Você poderá solicitar qualquer esclarecimento quando sentir necessidade e poderá interromper sua participação a qualquer momento, sem nenhum ônus, de qualquer natureza. Asseguro que o que for dito, registrado e escrito será respeitosamente utilizado, e que serão mantidos o sigilo e o anonimato das informações aqui contidas.

Eu, ____________________________________________________ autorizo o registro das informações fornecidas por mim, em forma escrita ou com o uso do gravador, para que sejam utilizadas integralmente ou em partes, sem restrições de prazos ou citações, a partir da presente data. Da mesma forma, autorizo a sua audição o e uso das citações a terceiros, ficando vinculado o controle e a guarda da mesma a Profa. Denize Cristina de Oliveira, pesquisadora da Faculdade de Enfermagem/UERJ, com o objetivo de realizar a pesquisa intitulada “Políticas e Práticas de Saúde no Contexto do SUS: Memórias e Representações das Instituições, Usuários e Profissionais de Saúde na Cidade do Rio de Janeiro”

Rio de Janeiro, __/__/2008

_______________________________________________

Dra. Denize Cristina de Oliveira, Faculdade de Enfermagem/UERJ

Coordenadora do Projeto

_________________________________________

Assinatura do Entrevistado

Desde já agradeço a sua colaboração, e para qualquer outra informação ou esclarecimentos sobre esta pesquisa você poderá entrar em contato através dos seguintes dados: Denize Cristina de Oliveira - Tel.: 2587-6335. Ramal: 211. E-mail: [email protected] Celso Pereira de Sá – Tel: 2587-7284. E-mail: [email protected] Antonio Marcos Tosoli Gomes – Tel : .: 2587-6335. Ramal: 217. E-mail: [email protected] Sonia Acioli de Oliveira – Tel: 25876335. E-mail: [email protected] Ana Paula Munhen de Pontes – Tel: 2587-6335. Ramal: 217. E-mail: [email protected]

Contato do Comitê de Ética da Prefeitura do RJ End.: Rua Afonso Cavalcanti, 455 – Sl. 701 Cidade Nova. Tel: 2503-2024 E-mail: [email protected]

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APÊNDICE D – Dicionário de padronização EVOC

TERMO PADRONIZADO TERMOS EVOCADOS acesso Acessibilidade, acesso, acesso dos profissionais ao

sistema, acesso fácil, central de vagas, emergência, operei-minha-vista, o SUS é certo garantido, população

adolescente adolescente ajuda Ajuda expressiva, amparo, aquele que serve, troca,

solução alta-tecnologia cartão-informatizado, informatização, aparelhos de

última geração amor amor assistência-aposentados aposentado-sem-direito-ao-benefício, aposentados

perderam seus direitos no INPS, aposentadoria, aposentado sem direito à medicação, assistência aos aposentados

assistência-integral saúde-integral, atende todas as necessidades, assistência total e integral, assistência integral, atendimento global, atenção total, atendimento integrado de saúde, atendimento no posto e no hospital, integralidade, promoção e prevenção da saúde, abrange todas as necessidades

atende-a-todos abrange-geral, ampliação, atenção pacientes necessitam, atende a todos, atender população independente de classe social, atender qualquer pessoa, atendimento para todos, atendimento população brasileira, igualdade para todos, oportunidade para todos, saúde direito para todos, todo mundo ser abrangido, todos tem direito, universal, universalidade, universalização, universalização do atendimento, multidão

atendimento atendimento , atendimento assistencial, assistência, atenção, consulta, para atender a população, serviço, tratamento, tratar o cliente

atendimento-bom Maior facilidade na assistência, atender a clientela o melhor possível, atender melhor, atendimento mais ágil, boa qualidade, bom atendimento, bom serviço, eficiência no atendimento, elitizou o atendimento, fazer bonito, satisfazer a população em termos de saúde

atendimento-médico Atendimento médico, assistência médica atendimento-pobres Acesso das minorias, ajuda ao mais necessitado,

ajuda ao pobre, ajudar as pessoas carentes, atendimento pessoas pouca renda, carente, classe pobre, para o povo, para pessoas baixa renda, pobre, pobreza, povão, povo, público carente, socorro para a população, socorro para o povo, o povo precisa, condição para quem vai tem nada

(continua)

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atendimento-ruim Atendimento de qualidade regular, falta de preocupação com a qualidade

atuação-profissional

Desmotivação, enfermagem, médicos, profissionais competentes, profissional, profissionalismo, setor onde trabalha, bons profissionais, capacidade

bom Boa idéia, bom, com honestidade vale a pena, conforto, conquista, eficiência, enorme benefício para a população, espetacular, forma correta, gratidão, a melhor coisa que aconteceu, boa idéia

burocracia Burocracia, burocrático, caminho longo estruturalmente burocrática

caos Fariseus, perverso, absurdo, caos, catástrofe

decrépto, desgraça

capacitação Aprimoramento, capacitação, capacitação profissional, despreparo, desqualificação, falta reciclagem, qualificação, qualificação profissional, treinamento profissionais

cidadania Cidadania, democracia corrupção Forma de ganhar dinheiro, método de roubar os

outros, corrupção cuidado Cuidado, cuidados, cuida da saúde desarticulado Desintegração, falta de articulação com o

atendimento primário, desarticulado desassistência Desassistência, desatenção Desatenção, maneira de um passar a bola para o

outro, não abrangente, pouco caso, saúde muito abandonada, se está dando pouco, abandono, as pessoas que dependem dele ficam a ver navios, ausência universal, descaso, desconforto, desproteção

descentralização descentralização , descentralizado, municipalização da saúde, estadualização

desorganização Falta de visão, falta gerenciamento, indefinição, má organização, poderia ser melhor organizado, tudo mal elaborado, bagunça, desorganização, desorganizado, desorganizado no Rio de Janeiro, desperdício, dispersão com a saúde, não funciona administrativamente

dever-estado Centralização, conscientização do estado, cooperação dos setores governamentais, crescimento político, dever do estado, governo, governo federal, órgão federal, proposta de governo, pública, saúde pública, serviço no município, serviço público, articulação pública, federal, dever atendimento

dificuldade Complicar, dificuldade, dificuldade precária, dificuldades

direito Direito, direito à vida, direito de todos os

(continuação)

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indivíduos, direitos humanos, é o direito da população, paciente com propriedade

doença Cura, diabetes, hipertensão, doença educação Educação, pesquisa científica, projetos,

aprendizado, ensino equidade Equidade, igualdade, igualdade de direito,

igualdade de tratamento, não discriminação, sem-distinção tratamento, seria sistema igualitário, socialização, uma única maneira de tratar a saúde das pessoas, deveria ser atendimento igualitário

esforço esforço estatística estatística exames-laboratoriais exames-laboratoriais facilidade facilidade falido Falido, não está legal falido, não existe, não foi

para frente falta-atendimento Carência de atendimento, falta atendimento, não

atende a população, não consegue atendimento especializado, não consegue encaminhar paciente, sobrecarga, dificuldade de atendimento, falta-atendimento

falta-informação Falta de informação da população, falta-informação

falta-recursos Falta, falta investimento, falta medicação, falta tudo, carência, carência de recursos

fila Demora, espera, fila, término de fila, aprazamento gratuito Não tem pagamento, pagamento hierarquização Referência, referência e contra-referência,

atendimento em todos os níveis, fluxo entre unidades, hierarquia no atendimento, hierarquização, transferir paciente, encaminhamento, intercâmbio entre unidades

hospital Ambiente do hospital, assistência hospitalar, centralização de todos os hospitais, hospital

humanização Humanidade, humanização

idealismo Idealismo, idéia excelente, utopia, pretensão, proposta ideal, tudo que a gente pretende, um desejo, implantação real, a idéia é boa, compromisso, criatividade, dedicação, diversidade de idéias

importante importante

incompetência incompetência

indiferença indiferença

informação informação

(continuação)

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injustiça Injustiça, injusto

integração Integração, integração município estado e federal irresponsabilidade irresponsabilidade

já-passei-por-isso Já passei por isso

justiça Justiça social

leis Legislação, leis, leis bem elaboradas, constituição-

cidadã mágoa Mágoa medicamentos Medicamentos melhoria Melhoras, melhoria, melhorou o serviço inteiro,

melhor receptividade pacientes funcionários, precisa ser revisado

mentira Contradição, enganação, factício, ironia, mentira, não acontece

mudanças Antes e depois, já foi melhor antes, mudança, mudanças

não-funciona Não é cumprido, não está dando certo, não implantado satisfatoriamente, resistência à implantação, sistema falho, aplicação é falha, assunto de piada, deficiência de rede, deficitário, deixa a desejar, deixa muito a desejar, desacreditado, está deficiente, funcionalidade deficiente, ineficiência, inoperância, omissão, não funciona, não funciona para o usuário, não há benefícios, não posso contar com ele

não-integração Não-integração não-sei Não-sei necessário Utilidade, é necessário necessidade Necessidade, necessidade urgente, o brasileiro

depende organização Organização, organização administração,

planejamento, priorizar cada gestor, protocolo, tentativa de organização, gestão, gestores, não faltar nada

paciente Paciente participação-social Participação da comunidade, conscientiza a

população, movimento popular paternalismo Paternalismo praticidade Praticidade precário Precariedade, precário precisa-ser-conhecido Precisa ser conhecido prevenção Prevenção, prevenção doenças, promoção da

saúde privatização Saída da atenção pública da saúde qualidade Padrão, qualidade, qualidade do sistema

(continuação)

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qualidade-de-vida Qualidade de vida recursos Repasse recursos-materiais material-satisfatório regionalização Tanto faz nas grandes capitais ou não, assistência

em qualquer região, atender em qualquer região, atendimento por região, atendimento próximo residência, parceria, regionalização, sem distinção de área

resolução resolução retorno retorno ruim Retrocedeu na saúde do usuário, ruim, sucateado,

estresse, insatisfação, muita merda, o que é pior estou dentro dele, péssimo, porcaria

salário Baixo vencimento, diferenças de salário, isonomia, salário

saúde Saúde, mais-saúde, condições de saúde adequadas para a população, saúde da pessoa

segurança Credibilidade, segurança, tranqüilidade sistema-único-de-saúde Sigla, sistema, Sistema de saúde da população

brasileira, sistema único, sistema único de saúde, SUS

sociedade Sociedade sofrimento Tristeza, sofrimento susto Susto trabalho Trabalho, trabalho sério unificação União, único, unificação, unificação governos,

uniu estado e município, gestão municipal estadual e federal, responsabilidade do município e do estado

vai-acontecer Desafio, em estruturação, eu defendo, evolução, possibilidade, acredito que ainda vai dar certo, acontecer, ainda não inserido

valores Respeito ao usuário, responsabilidade, valores, valorização, valoriza mal, ética

viável Viabilidade, viável vontade-política Maior necessidade de políticas de saúde, política,

falta de vontade política

(conclusão)

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APÊNDICE E – Relatório Rangmot geral DISTRIBUTION TOTALE : 569 : 125* 125* 124* 102* 91* RANGS 6 ... 15 2* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 96 Nombre total de mots cites : 569 moyenne generale : 2.85 moyenne generale : 2.85 moyenne generale : 2.85 moyenne generale : 2.85 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 26 26 4.6 % 569 100.0 % 2 * 11 48 8.4 % 543 95.4 % 3 * 8 72 12.7 % 521 91.6 % 4 * 6 96 16.9 % 497 87.3 % 5 * 8 136 23.9 % 473 83.1 % 6 * 7 178 31.3 % 433 76.1 % 7 * 3 199 35.0 % 391 68.7 % 8 * 5 239 42.0 % 370 65.0 % 9 * 2 257 45.2 % 330 58.0 % 11 * 2 279 49.0 % 312 54.8 % 12 * 7 363 63.8 % 290 51.0 % 13 * 1 376 66.1 % 206 36.2 % 14 * 1 390 68.5 % 193 33.9 % 15 * 1 405 71.2 % 179 31.5 % 16 * 1 421 74.0 % 164 28.8 % 17 * 1 438 77.0 % 148 26.0 % 18 * 1 456 80.1 % 131 23.0 % 19 * 1 475 83.5 % 113 19.9 % 20 * 1 495 87.0 % 94 16.5 % 22 * 1 517 90.9 % 74 13.0 % 25 * 1 542 95.3 % 52 9.1 % 27 * 1 569 100.0 % 27 4.7 %

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APÊNDICE F – Relatório Rangmot nível superior DISTRIBUTION TOTALE : 328 : 70* 70* 69* 61* 56* RANGS 6 ... 15 2* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 87 Nombre total de mots cites : 328 moyenne generale : 2.91 moyenne generale : 2.91 moyenne generale : 2.91 moyenne generale : 2.91 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 31 31 9.5 % 328 100.0 % 2 * 15 61 18.6 % 297 90.5 % 3 * 9 88 26.8 % 267 81.4 % 4 * 4 104 31.7 % 240 73.2 % 5 * 8 144 43.9 % 224 68.3 % 6 * 3 162 49.4 % 184 56.1 % 7 * 5 197 60.1 % 166 50.6 % 8 * 5 237 72.3 % 131 39.9 % 9 * 1 246 75.0 % 91 27.7 % 10 * 1 256 78.0 % 82 25.0 % 12 * 1 268 81.7 % 72 22.0 % 13 * 1 281 85.7 % 60 18.3 % 14 * 1 295 89.9 % 47 14.3 % 15 * 1 310 94.5 % 33 10.1 % 18 * 1 328 100.0 % 18 5.5 %

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APÊNDICE G – Relatório Rangmot nível médio DISTRIBUTION TOTALE : 241 : 55* 55* 55* 41* 35* RANGS 6 ... 15 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 66 Nombre total de mots cites : 241 moyennmoyennmoyennmoyenne generale : 2.78e generale : 2.78e generale : 2.78e generale : 2.78 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 17 17 7.1 % 241 100.0 % 2 * 12 41 17.0 % 224 92.9 % 3 * 10 71 29.5 % 200 83.0 % 4 * 8 103 42.7 % 170 70.5 % 5 * 9 148 61.4 % 138 57.3 % 6 * 1 154 63.9 % 93 38.6 % 7 * 2 168 69.7 % 87 36.1 % 8 * 1 176 73.0 % 73 30.3 % 9 * 2 194 80.5 % 65 27.0 % 10 * 1 204 84.6 % 47 19.5 % 11 * 1 215 89.2 % 37 15.4 % 13 * 2 241 100.0 % 26 10.8 %

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APÊNDICE H – Relatório Rangmot hospital DISTRIBUTION TOTALE : 275 : 64* 64* 64* 45* 37* RANGS 6 ... 15 1* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 81 Nombre total de mots cites : 275 moyenne generale : 2.75 moyenne generale : 2.75 moyenne generale : 2.75 moyenne generale : 2.75 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 26 26 9.5 % 275 100.0 % 2 * 16 58 21.1 % 249 90.5 % 3 * 10 88 32.0 % 217 78.9 % 4 * 10 128 46.5 % 187 68.0 % 5 * 6 158 57.5 % 147 53.5 % 6 * 3 176 64.0 % 117 42.5 % 7 * 1 183 66.5 % 99 36.0 % 8 * 4 215 78.2 % 92 33.5 % 10 * 1 225 81.8 % 60 21.8 % 11 * 1 236 85.8 % 50 18.2 % 12 * 1 248 90.2 % 39 14.2 % 13 * 1 261 94.9 % 27 9.8 % 14 * 1 275 100.0 % 14 5.1 %

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APÊNDICE I – Relatório Rangmot CMS DISTRIBUTION TOTALE : 294 : 61* 61* 60* 57* 54* RANGS 6 ... 15 1* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 71 Nombre total de mots cites : 294 moyenne generale : 2.95 moyenne generale : 2.95 moyenne generale : 2.95 moyenne generale : 2.95 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 24 24 8.2 % 294 100.0 % 2 * 7 38 12.9 % 270 91.8 % 3 * 6 56 19.0 % 256 87.1 % 4 * 6 80 27.2 % 238 81.0 % 5 * 7 115 39.1 % 214 72.8 % 6 * 7 157 53.4 % 179 60.9 % 7 * 3 178 60.5 % 137 46.6 % 8 * 3 202 68.7 % 116 39.5 % 9 * 2 220 74.8 % 92 31.3 % 10 * 2 240 81.6 % 74 25.2 % 13 * 2 266 90.5 % 54 18.4 % 14 * 2 294 100.0 % 28 9.5 %

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APÊNDICE J – Comparação Complex entre nível médio e superior fichier initial 1 : médio.IDE fichier initial 2 : sup.IDE Nombre de mots differents : 66 87 Decompte des mots n'appartenant qu'a un fichier Nombre de mots uniquement dans le fichier 1 : 9 Nombre de mots uniquement dans le fichier 2 : 30 Nombre de mots commun aux deux fichiers : 57 Nombre de mots de frequence > 5 uniquement dans le fichier 1 : 5 Nombre de mots de frequence > 5 uniquement dans le fichier 2 : 13 Nombre de mots de frequence > 5 commun aux deux fichiers : 13 CALCUL DES SPECIFICITES mots commun aux deux listes : mot : acesso 5 7 mot : assistência-integral 5 6 mot : atende-a-todos 13 9 mot : atendimento 13 14 mot : atendimento-pobres 11 8 mot : bom 5 7 mot : desorganização 5 15 difference superieure a 10% t de Student = 1.74 desorganização mot : dever-estado 5 13 mot : dificuldade 6 6 mot : idealismo 5 10 mot : não-funciona 7 18 difference superieure a 10% t de Student = 1.64 não-funciona mot : saúde 9 7 mot : sistema-único-de-saúde 9 8 fin de la comparaison nombre des evocations des fichiers initaux : 241 328

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APÊNDICE K- Tabela de co-ocorrências geral

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APÊNDICE L- Tabela de co-ocorrências nível superior

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223

APÊNDICE M- Tabela de co-ocorrências nível médio

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224

APÊNDICE N - Quadro análise de conteúdo

Categorias Teórico-analíticas

Nº URs /categorias

% URs/ categorias

Universalidade

1277

45,04%

Equidade

114

4,02%

Integralidade

131

4,62%

Descentralização

523

18,45%

Hierarquização

349

12,31%

Regionalização

164

5,78%

Participação popular

277

9,77%

TOTAL

2835

100%

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ANEXO A - Autorização do Comitê de Ética 1

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ANEXO B - Autorização do Comitê de Ética 2

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