universidade do estado do rio de janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp144496.pdf · ·...
TRANSCRIPT
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Júlia Ribeiro Junqueira
Jornal do Commercio: cronista da História do Brasil em 1922
Rio de Janeiro
2010
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Júlia Ribeiro Junqueira
Jornal do Commercio: cronista da História do Brasil em 1922
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Orientadora: Profª. Drª. Lucia Maria Paschoal Guimarães
Rio de Janeiro
2010
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A
J95 Junqueira, Júlia Ribeiro. Jornal do Commercio: cronista da História do Brasil em 1922/ Júlia
Ribeiro Junqueira. - 2010. 170 f. Orientadora: Lucia Maria Paschoal Guimarães.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia. 1. Jornal do Commercio (1827-) – Teses. 2. Brasil – História –
Independência, 1822 – Teses. 3. Brasil – História – Fontes – Teses. I. Guimarães, Lucia Maria Paschoal. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
CDU981”1822/1922”
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.
__________________________________ ___________________
Assinatura Data
Júlia Ribeiro Junqueira
Jornal do Commercio: cronista da História do Brasil em 1922
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Aprovada em 20 de maio de 2010. Banca Examinadora:
_______________________________________________ Profª. Drª. Lucia Maria Paschoal Guimarães (Orientadora)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________________ Profª. Drª. Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________________ Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo Universidade Federal de Ouro Preto
Rio de Janeiro
2010
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Carlos Antônio e Conceição,
pelo apoio incondicional ao meu ofício de
historiadora-professora.
AGRADECIMENTOS
A escrita da dissertação é sempre bastante solitária e penosa. Inicia com um projeto de
pesquisa que, ao longo do percurso de dois anos, amadurece nas buscas aos arquivos, nos
estudos das disciplinas freqüentadas no curso e nos encontros de orientação. Mas é também,
durante esse período intenso, que conhecemos pessoas, com as quais convivemos e que fazem
toda a diferença, deixando nosso caminho menos árduo. Assim sendo, fica aqui registrado
meu agradecimento a algumas destas pessoas. Muito obrigada!
À minha orientadora, a professora Drª. Lucia Maria Paschoal Guimarães, com quem
reaprendi a ler, a escrever e a ser perspicaz na apreensão com os documentos. Também por
estar sempre presente e ser uma leitora atenta dos meus textos, contribuindo com críticas e
sugestões pertinentes e valiosas. As horas de orientação se constituíram em verdadeiras aulas
e suas palavras de estímulo foram decisivas para que eu mantivesse o meu entusiasmo aceso.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa
de mestrado concedida.
Às duas cautelosas leitoras, Denise Tedeschi e Fernanda Flausino, que dispuseram de
tempo para ler o meu projeto de pesquisa, antes mesmo da sua aprovação pelo Programa de
Pós-Graduação em História (PPGH) da Uerj.
Aos meus queridos amigos e amigas do mestrado, Ana Luiza Falcão, Bruna Belchior,
Isadora Maleval, Jougi Yamashita e Paulo Henrique Pacheco, que acolheram,
maravilhosamente, uma mineirinha no Rio de Janeiro. Com eles desenvolvi parcerias de
trabalho e de afetividade, e tive a oportunidade de ter conversas instigantes, momentos de
alegria e de angústia, principalmente nos últimos meses quando dividimos as dificuldades da
elaboração de uma dissertação. Agradeço, também, aos colegas do Conselho Editorial da
Revista Dia-Logos com os quais compartilhei os problemas e os méritos na confecção de uma
revista acadêmica, sempre com longas horas de trocas de e-mails recheados de muito trabalho
e boas risadas.
Aos professores que participaram do meu exame de qualificação, Drª. Tânia M. T.
Bessone da C. Ferreira e Dr. Valdei Lopes de Araujo, que se mostraram atentos na leitura do
meu material e contribuíram com valiosas sugestões para a dissertação que ora apresento.
Às prestativas secretárias do PPGH/Uerj, Cristiane Baptista e Daniela Azevedo, sem
as quais não sobreviveria no mundo da burocracia. Agradeço, ainda, às funcionárias, Deize
Albernaz da Biblioteca Nacional e Jeane Coelho da Academia Brasileira de Letras, pela ajuda
no tratamento de alguns dos documentos das respectivas instituições.
Por fim, mas não menos importante, agradeço à minha mãe, por me apoiar nas minhas
escolhas e ao meu pai, que, mesmo com seus ambíguos palpites como “historiador”,
demonstra seu interesse pela história, deixando-me feliz.
Com todos vocês divido este momento tão especial da minha vida.
RESUMO
JUNQUEIRA, Júlia Ribeiro. Jornal do Commercio: cronista da história do Brasil em 1922. 170 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
O presente trabalho examina a edição comemorativa do primeiro centenário da Independência do Brasil do Jornal do Commercio, expondo a opinião dos redatores do periódico que declararam que suas coleções constituíam os “Grandes Anais da Nacionalidade”. Analisa como se deu a preparação do conteúdo, que representaria a síntese da história do Brasil, mostrando como os empreendedores do projeto lançaram mão de material anteriormente publicado, de documentos secundários e, até mesmo, de outras fontes da imprensa. Esclarece que, ao utilizar essa estratégia, os redatores do jornal, cuja fundação datava de 1827, buscavam dar conta do período compreendido desde a Independência até a República. Neste sentido, pretende demonstrar como a disposição das notícias foi montada de forma a compor um enredo coerente, no qual o diário assumiu as funções de um cronista, testemunho irrefutável da institucionalização do Estado brasileiro, enfatizando o regime imperial. Depreende ainda como os redatores do Jornal do Commercio codificaram, nas suas páginas, um artifício de forma a domar a descontinuidade do tempo ao elaborar uma história-memória da nação que poderia ser consultada no ano de 1922 e pelas gerações futuras.
Palavras-chave: Jornal do Commercio. Centenário da Independência. História do Brasil.
RÉSUMÉ
Le travail actuel examine l’édition comémorative du Jornal do Commercio sur le premier centenaire de l’Indépendance du Brésil en exposant le point de vue des éditeurs qui ont déclaré que leurs collections constituaient les “Grands Annales de la Nationalité”. Ce travail analyse aussi comment s’est déroulée la préparation du contenu qui représenterait la synthèse de l’histoire du Brésil, en décrivant comment les participants du projet ont utilisé des matériaux antérieurement publiés, des documents secondaires ainsi que d’autres sources de la presse .Il démontre qu’ en utilisant cette stratégie, les rédacteurs du journal, dont l'inauguration date de 1827, essayaient de présenter toute la période comprise entre l'Indépendance et la République. Dans ce sens, ce travail voudrait aussi démontrer comment la disposition des articles a été faite de façon à créer une histoire cohérente, dans laquelle le quotidien assumait les fonctions d’un choniqueur, témoin irréfutable de l’institutionnalisation de l ‘État brésilien, en insistant sur la période impériale. Il nous fait comprendre encore comment les rédacteurs du Jornal do Commercio ont codifié sur ses pages, un artifice de façon à contrôler la non continuité du temps lors de l’élaboration d’une histoire-mémoire de la nation qui pourrait être consultée en 1922 ainsi que par les générations futures. Mot-clé: Jornal do Commercio. Centenaire de l’Indépendance. Histoire du Brésil.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABL Academia Brasileira de Letras ACP Arquivos e Coleções Particulares IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1 – Periodização sugerida por Justiniano José da Rocha...................................... 140 Diagrama 2 – Periodização sugerida por Capistrano de Abreu............................................. 141 Diagrama 3 – Divisão cronologia na edição comemorativa do centenário da Independência a
partir do temas centrais abordados................................................................. 142
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Número de notícias e referências a autores (1822-1827) ................................... 118 Gráfico 2 – Número de notícias e referências à data original das publicações (1822-1825) 119 Gráfico 3 – Percentual das categorias nas notícias da edição comemorativa do centenário da
Independência do Brasil ................................................................................... 128 Gráfico 4 – Principais temas que se destacaram na edição comemorativa do centenário da
Independência do Brasil ................................................................................... 129
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Porta principal da Exposição Internacional do Centenário da Independência do
Brasil .............................................................................................................. 79 Ilustração 2 – Pavilhões Nacionais de Estatística e Caça e Pesca ......................................... 81 Ilustração 3 – Vista interior do Pavilhão Mexicano .............................................................. 82 Ilustração 4 – Medalha da Exposição Internacional de 1922-1923....................................... 83 Ilustração 5 – Capa do Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do
Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro ................................ 87 Ilustração 6 – Museu do Ipiranga em 1922 ........................................................................... 96 Ilustração 7 – Capa do Jornal do Commercio. Edição comemorativa do primeiro centenário
da Independência do Brasil............................................................................ 99 Ilustração 8 – Bloco do ano de 1822 do Jornal do Commercio. Edição comemorativa do
centenário da Independência do Brasil .......................................................... 101 Ilustração 9 – Bloco dos anos de 1841 a 1850 do Jornal do Commercio. Edição comemorativa
do centenário da Independência do Brasil ..................................................... 101 Ilustração 10 – Retrato de Félix Pacheco .............................................................................. 111 Ilustração 11 – Retrato do almoço festivo para celebrar a entrada de Félix Pacheco para o
Senado da República – Salão nobre do Jornal do Commercio...................... 116 Ilustração 12 – Retrato de D. João VI ................................................................................... 130 Ilustração 13 – Retrato de José Bonifácio ............................................................................. 131 Ilustração 14 – Retrato de D. Pedro I .................................................................................... 131 Ilustração 15 – Retrato da Imperatriz Leopoldina ................................................................. 131 Ilustração 16 – Retrato de D. Pedro II ................................................................................... 132 Ilustração 17 – Retrato de Epitácio da Silva Pessoa.............................................................. 132
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Data original em comparação aos anos dos blocos (1822 a 1825)..................... 119 Quadro 2 – Blocos dos anos de 1822 a 1829......................................................................... 123 Quadro 3 – Legenda das notícias da edição comemorativa do centenário da Independência do
Brasil .................................................................................................................. 124 Quadro 4 – Blocos dos anos de 1830 a 1840......................................................................... 125 Quadro 5 – Blocos dos anos de 1841 a 1890......................................................................... 127
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 16
1 UMA REPÚBLICA A NAVEGAR ........................................................................ 31
1.1 Nos bastidores da notícia: o Jornal do Commercio ............................................... 31
1.1.1 Os franceses à frente de uma tipografia..................................................................... 31
1.1.2 Um jornal e os desafios políticos dos primeiros anos republicanos .......................... 38
1.2 Papéis e canetas em prol de uma identidade nacional.......................................... 58
1.2.1 Legitimando a República........................................................................................... 58
1.2.2 Homens de letras e nacionalismo .............................................................................. 62
2 O RETORNO DE UMA PERSONAGEM: A INDEPENDÊNCIA .................... 72
2.1 As comemorações do centenário da Independência ............................................. 72
2.1.1 Os preparativos para o 7 de setembro........................................................................ 72
2.1.2 Os guardiões da História do Brasil e o Centenário de 1922 ...................................... 88
2.2 Um editorial, um enredo ......................................................................................... 97
3 O CRONISTA .......................................................................................................... 109
3.1 “Os Grandes Anais da Nacionalidade”................................................................. 109
3.1.1 As múltiplas faces de Félix Pacheco ......................................................................... 109
3.1.2 Nas entrelinhas de um projeto ambicioso.................................................................. 117
3.2 A crônica da História do Brasil .............................................................................. 133
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 149
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 153
Anexo A Relação dos assuntos que deveriam ser desenvolvidos para a composição dos trabalhos históricos que constituiriam o Livro do Centenário da Independência do Brasil..................................................................................................................... 161 Anexo B Relação dos assuntos que deveriam ser desenvolvidos para a composição de pequenos esboços a óleo para a celebração do centenário da Independência do Brasil.......................................................................................................................... 162 Anexo C Tabelas de distribuição das despesas para a celebração do primeiro centenário da Independência do Brasil ............................................................................................ 163 Anexo D Circular nº 5 de 30/1/1922. Ministério das Relações Exteriores ............................... 165
Anexo E Artigos publicados no Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro .............. 167 Anexo F Congressos e Conferências realizados durante as festividades do centenário da Independência do Brasil ............................................................................................ 169
16
INTRODUÇÃO
Há sete anos, chegava às mãos desta pesquisadora, a edição comemorativa do
centenário da Independência do Brasil do Jornal do Commercio1, coleção encontrada por seu
pai na Fazenda Bela Vista, no sul de Minas Gerais. Possivelmente, tal periódico pertencera ao
seu bisavô, João Ribeiro dos Reis Junqueira, que, no início do século XX, residia naquela
propriedade, localizada no município de São Vicente de Minas. João Ribeiro Junqueira,
freqüentemente, adquiria produtos diversos oriundos da Capital da República, entre eles,
muitos jornais e revistas. Certamente, o número especial de 1922 foi um destes artigos,
vendidos por mascates e viajantes, que esse antepassado pôde obter e que hoje é o alvo desta
pesquisa e insumo fundamental para produzir a dissertação que ora é apresentada. Pode-se até
dizer que foi o objeto que escolheu a historiadora e não o contrário.
A rápida trajetória descrita do encontro com a folha do centenário já elucida como o
então Jornal do Commercio era um órgão da imprensa de prestígio, pois alcançava um
público que ultrapassava os limites do território fluminense. Talvez esse fato tenha sido um
dos motivos que impulsionaram os redatores a elaborar um exemplar de cunho bastante
peculiar para as celebrações em torno da data nacional do dia 7 de setembro que, por certo, foi
um acontecimento singular na década de 1920. Infelizmente, porém, não há registros que
informem a tiragem da especial Edição.
***
Falar sobre comemorações e centenário implica o estabelecimento de uma abordagem
que se apóia nas noções de história-memória e de “lugares de memória”. A referência teórica
1 Daqui por diante, chamada de Edição.
17
e metodológica destes conceitos tem sua origem na historiografia francesa, a partir da
publicação em três tomos da obra Les lieux de mémoire dirigida por Pierre Nora. Com as
inquietações diante das mudanças ocorridas na segunda metade do século XX na França,
especificamente a partir das décadas de 1970 e 1980, o trabalho monumental de Nora expõe o
sentimento de angústia perante as teias da memória, buscando refletir sobre os festivais
revolucionários, a produção de monumentos cívicos e, claro, os “lugares de memória”2.
Para explicar todo o processo do fenômeno das comemorações, Nora valeu-se de duas
datas emblemáticas: o Bicentenário da Revolução Francesa e as celebrações de Maio de 68. A
última trazia, no seu âmago, lembranças que encarnavam o projeto de uma memória
comemorativa, devido ao momento especial que os franceses vivenciavam naquela década de
1960. A primeira, ao contrário, acontecia em um período delicado para a França, pois o
governo socialista, no poder desde 1981, a partir de 1983 introduziu uma política econômica
no molde neoliberal que se afastava daquela ideologia de esquerda. Como conseqüência,
houve um desencantamento por parte dos grupos intelectuais que enxergaram naquela nova
conjuntura histórica um esvaziamento do conteúdo e do sentido dos ideais políticos. Portanto,
a celebração dos 200 anos da Revolução esteve diante de um paradoxo: a lembrança de 1789
deveria ser fundamentada apenas na data específica, pois, se englobasse a totalidade do
período, entraria em colisão com o afastamento de uma historiografia revolucionária. Logo, o
mito da revolução, que antes estabelecia todo o vínculo entre o passado e o futuro da nação,
foi quebrado, permitindo que o presente se configurasse como imprevisível e fugindo da
coerência organizadora de uma história.
É neste momento que o instrumento da comemoração se apresenta dinâmico,
constituindo-se capaz de usufruir de um modelo memorial vinculado ao modelo histórico.
2 Lieu de mémoire, << unité significative, d’ordre matériel ou idéel, dont la volonté des hommes ou le travail du temps a fait um élément symbolique d’une quelconque communaté >>. Tradução: Lugar de memória: unidade significativa, de ordem material ou ideal, cuja vontade dos homens ou o trabalho do tempo criou um elemento simbólico de uma comunidade qualquer.
18
Como afirmou Pierre Nora, a história propõe, mas o presente é que dispõe, i.e., o presente
seria responsável por criar os mecanismos das celebrações, nos quais uma história-memória
representasse o elo com o passado, identificando, assim, os mitos de origem pátria. Michael
Pollak expôs tal questão, enfatizando como a referência ao passado tornou-se essencial para
não somente manter a coesão de grupos e instituições, mas também definir o seu lugar e suas
oposições.
No fundo, a história-memória substituiu, nas sociedades modernas, a memória baseada
na oralidade, nos ritos e lendas, na vivência, na tradição e na produção de uma continuidade
entre passado, presente e futuro. Mas se, por um lado, os homens modernos não utilizavam
mais a memória oral, por outro, devido à aceleração do tempo, eles tiveram a necessidade de
recorrer à história. Deste modo, a história-memória permaneceu associada às identidades
inventadas, que careciam de registro e, por conseguinte, da escrita da história, de forma a
construir uma linearidade capaz de domar a descontinuidade do tempo. Assim, de acordo com
François Hartog, o entrelaçamento do passado, do presente e do futuro merecem certa
atenção. Essas categorias auxiliam a compreender a relação entre a memória, presente e
passado em um novo regime de historicidade que combina diferentes temporalidades,
ordenando as expressões do tempo de forma a lhes dar sentido.
Ressalta-se que as temporalidades passado, presente e futuro modificaram-se ao longo
da própria história. Segundo Reinhart Koselleck, com a entrada do homem na Idade Moderna
houve um processo de diferenciação entre a experiência e a expectativa de vida do indivíduo,
ou seja, o horizonte de expectativa sofreu alterações com as transformações temporais, a partir
da experiência vivida. No período da Idade Média, a forma de relacionar-se com o passado
convergia para uma experiência de formato modelar. Buscava-se a visualização da história
como exemplo, com a finalidade de não incorrer nos mesmos erros que os antigos. O presente
se posicionou como o caminho imediato para a entrada no plano espiritual divino, sendo
19
essencial viver em conformidade com os preceitos religiosos. Já o futuro demonstrava-se
previsível pela perspectiva da chegada do Juízo Final. Para o homem do tempo moderno, o
passado perpetrou períodos de experiências diferentes que não se vincularam a uma história
como mestra da vida. Assim, o presente demandou uma intensidade de vivência singular, pois
o futuro tornou-se incerto. O tempo ficou cada vez mais breve e, ao mesmo tempo, o homem
tinha que assimilar novas experiências em uma velocidade acentuada. Esse processo,
denominado de aceleração temporal por Koselleck, é uma característica intrínseca à
modernidade, na qual o futuro adquiriu um caráter desconhecido, proporcionando um
aumento do horizonte de expectativa que, ao mesmo tempo, abreviou os campos de
experiência. E mais: observa-se que tanto a sociedade moderna como a contemporânea
buscaram constantemente um vínculo com o passado, de maneira a não perder suas
lembranças e domar a descontinuidade do tempo. As passagens comemorativas, os
monumentos, as festas, o folclore são bons exemplos de instrumentos utilizados como
tentativa de suprir as necessidades do homem na busca por uma história-memória.
Segundo Lúcia Lippi Oliveira, as comemorações de datas nacionais, normalmente, são
orientadas para destacar alguns elementos que respeitam determinadas trajetórias como a
organização de eventos cívicos, campanhas de esclarecimento patriótico, organização de
comissões executivas nacionais, montagem de exposição, inauguração de monumentos,
confecção de selos, medalhas, bandeiras e hinos, dentre inúmeras outras atividades. A
celebração do centenário da Independência do Brasil, em 1922, foi um desses momentos
propícios em que se reuniram tais recursos direcionados para a data festiva do 7 de setembro.
Entre tantas, a abordagem realizada pelo Jornal do Commercio sobre o respectivo
acontecimento, com a publicação de um número comemorativo dos cem anos da emancipação
política do país, chamou a atenção justamente porque os redatores pretenderam, por meio do
20
exemplar especial, constituir um documento importante de consulta para os leitores
interessados em conhecer a história pátria.
É certo que no decorrer do oitocentos e, posteriormente, no início do século XX,
homens de letras e políticos perceberam a importância de construir a identidade nacional de
um Estado que traçava novos caminhos. Foi através da criação de certas entidades, como o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que alguns desses homens iniciaram as
suas reflexões em torno da construção/legitimação da idéia do que viria a ser a nação
brasileira. Criada em 1838, final do período regencial, por um grupo de homens letrados da
corte do Rio de Janeiro, liderado pelo Marechal Raimundo José da Cunha Matos e pelo
cônego Januário da Cunha Barbosa, a instituição pretendeu metodizar, arquivar e publicar os
documentos necessários para a escrita da história do Brasil.
Guardadas as devidas proporções, projeto semelhante ao do IHGB seria formulado
pelos redatores do Jornal do Commercio em 1922. Vale lembrar que o periódico foi fundado
em 1º de outubro de 1827, pelo francês Pierre Plancher Seignot, que veio para o Brasil,
evitando as perseguições que sofria por suas tendências liberais. Ao abrir sua oficina na
Capital do Império, trouxe modernos equipamentos e alguns operários especializados. Criou
três jornais: o primeiro, denominado Spectador Brasileiro, circulou entre os anos de 1824 até
o dia 23 de maio de 1827; pela mesma época lançou o L’Indépendant — Feuille de
Commerce, Politique et Littéraire publicado em francês. Com a mudança do regime na França
— queda de Carlos X e a volta da liberdade de imprensa — Plancher retornou a Paris e
vendeu o jornal para Junius de Villeneuve e Reol de Mougenot. Posteriormente, Junius
comprou a parte que cabia a Mougenot, assumindo a direção do diário, que ficaria sob os
auspícios da família Villeneuve por mais de cinqüenta anos. A partir de 1890, o Jornal do
Commercio passou para as mãos de José Carlos Rodrigues, coadjuvado por Tobias Monteiro e
Félix Pacheco, futuro diretor e mais tarde proprietário da folha carioca.
21
Foi sob a direção de Félix que se programou a Edição. Nesse período, segundo Flora
Süssekind, a imprensa, juntamente com a publicidade, tornou-se interlocutora importante para
a nossa produção cultural. Aliás, na mesma linha de raciocínio, o historiador Marco Morel
argumenta que a imprensa, ao ser lida como fonte documental ou texto de época, adquire uma
dimensão que a investe como portadora de conteúdos, formulando projetos, idéias e
tendências.
Com as festividades do centenário, chegava a hora de anunciar um novo país para as
outras nações e, até mesmo, para os próprios cidadãos brasileiros, definindo as imagens
nacionais, delimitando o território, modelando as lembranças do passado para arquitetar os
modelos formadores da nacionalidade. Coerente com tal perspectiva, este trabalho busca
examinar de que modo se registra a história do Brasil no Jornal do Commercio,
especificamente na Edição. Neste sentido, não se almeja dar conta de todo arquivo jornalístico
sobre aquelas festividades e sequer referir-se a todos os periódicos daquele período. A
pesquisa possui recorte bem delimitado: contempla alguns exemplares do próprio objeto e de
outras fontes, consideradas as mais relevantes do ponto de vista desta abordagem que, na
essência, constitui um estudo sobre a reelaboração da memória histórica nacional sob a ótica
daqueles que norteavam o Jornal do Commercio.
Assim sendo, pretende-se demonstrar como os redatores codificaram nas páginas do
periódico um artifício de forma a domar a descontinuidade do tempo, ao elaborar uma
história-memória da nação que poderia ser consultada no ano de 1922 e pelas gerações
futuras. Na sua concepção, essa mesma lembrança se constituiria nos anais da história do
Brasil. Para tanto, a pesquisa em torno da coleção especial do Jornal do Commercio orienta-
se pelos seguintes objetivos: identificar qual foi a noção de história que os redatores adotaram
para a escrita da história do Brasil na Edição; examinar os vínculos sociais existentes entre os
redatores do diário com os sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que se
22
preocuparam em formatar e divulgar uma história geral do Brasil; e, por fim, averiguar a
ampla materialidade e as formas de produção do número especial, que foram capazes de
delinear determinados enredos para a obtenção de uma coerência interna da história do Brasil
que se noticiou na folha do centenário.
Ressalta-se que o vocábulo enredo, empregado no presente trabalho, se familiariza
com o conceito usado por Hayden White, em Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica
da cultura, no qual o autor deixa claro como a configuração de uma determinada situação
histórica depende da forma como o historiador harmoniza a estrutura de um enredo e/ou de
uma narrativa com o conjunto de acontecimentos históricos. Ou seja, através dessa relação se
obtém o sentido particular da narrativa. Ainda de acordo com White, tal operação se constitui
literária, na medida em que a codificação dos eventos em função das estruturas de enredo
converge para o entendimento do passado.
As comemorações dos cem anos da Independência constituem um tema que ainda
merece ser bastante explorado pelos historiadores. Nos seus mais diversos ângulos,
proporciona um amplo campo de pesquisa que compreende desde a história política renovada,
entrecruzada com os conceitos da história cultural, até os caminhos da própria historiografia
brasileira e, certamente, muitos outros tópicos que ficarão omissos nesta escrita. Embora o
assunto seja pertinente, durante um bom tempo nossos historiadores não se sentiam à vontade
em difundir estudos sobre comemorações. Uma das justificativas da supressão desse tipo de
pesquisa está relacionada à idéia de que os trabalhos em torno da temática eram vistos como
um meio de privilegiar a atuação da elite dominante na história do Estado. Tal argumentação
veiculou-se principalmente devido à influência da Escola dos Annales, combinada com um
viés marxista, que criticava a Escola Metódica de fazer certo tipo de história que elevava a
história política e as histórias nacionais. A partir da década de 1980, quando a história política
começou a ser revigorada com a influência de cunho cultural, o tema recebeu um impulso
23
ascendente e as pesquisas que permeavam esses campos ganharam novos espaços. Do mesmo
modo, a ampliação das fontes políticas e culturais permitiu que tópicos, anteriormente
negligenciados, pudessem desfrutar dos mesmos privilégios que outrora pertenciam ao terreno
da história econômica e social.
Por isto, durante certo tempo, os estudos sobre a Primeira República no Brasil se
direcionaram mais para outros fatos históricos, como o movimento Tenentista, a Semana de
Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista e o conflito na eleição presidencial de 1922.
A historiadora Marly Silva da Motta foi uma das primeiras pesquisadoras que se debruçou
sobre essas novas perspectivas historiográficas, contribuindo com dois trabalhos sobre a
passagem do centenário da nação: A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da
Independência, e o artigo: “Ante-sala do paraíso”, “vale das luzes”, “bazar de maravilhas”:
A Exposição Internacional do Centenário da Independência. Ambos os trabalhos
apresentaram a temática dos cem anos da emancipação política do Brasil como um elemento
chave, naquele momento, para se repensar e remodelar os rumos do país. Segundo a
pesquisadora, havia um interesse em desvendar a identidade da nação, bem como
problematizar sua origem, identificar os percalços do presente e apontar caminhos para o
futuro. Questões, aliás, que atraíram letrados de várias correntes como Jackson de Figueiredo,
Tristão de Ataíde, Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Oliveira Viana, Monteiro Lobato, Mário
de Andrade, Vicente Licínio Cardoso, dentre outros.
Nesta mesma linha de raciocínio, Noé Freire Sandes, em A invenção da nação: entre a
monarquia e a república, argumenta que este período provocou um novo momento de
reconstrução da nacionalidade, no qual a memória republicana ora se choca com as
lembranças monárquicas, ora se reconcilia com o Império. O historiador resgatou a produção
de diversas obras sobre a Independência, como as de Tobias Monteiro, de Oliveira Lima e dos
24
membros dos Institutos Históricos, para identificar a reelaboração da memória imperial no
contexto das festividades de 1922.
Já a pesquisadora Lúcia Lippi Oliveira procurou refletir sobre o emprego e os usos das
datas comemorativas no período republicano, especificamente com o artigo — As festas que a
República manda guardar. Neste trabalho, Lúcia Lippi demonstra que tanto monarquistas
como republicanos buscaram, no passado, uma tradição que validasse os regimes políticos.
Houve até um embate para saber em qual lado ficaria a imagem mítica de Tiradentes. Sabe-se
que os republicanos usufruíram, enfaticamente, da figura desse personagem como herói e que,
de acordo com eles, já se salientava os ideais da República no final do século XVIII. Contudo,
segundo Lúcia Lippi Oliveira, Taunay, em 1890, também resgatou o mártir da Inconfidência
Mineira como um símbolo para os monarquistas. De acordo com o visconde, os republicanos
não deteriam o direito exclusivo da imagem “glorificada” de Tiradentes, já que o “herói”
sonhou com a libertação da terra natal, algo alcançado somente pelos monarquistas. Sendo
assim, Taunay aproximou Tiradentes da memória monárquica.
Também não seria possível deixar de mencionar o trabalho de José Murilo de
Carvalho no livro, A formação das almas: o imaginário da República no Brasil, que estuda o
embate entre positivistas, jacobinos e liberais para impor novos símbolos para a República,
representando um artifício para fortalecer o nacionalismo e a nação. O autor evidencia como a
memória republicana foi construída de forma a se adequar a um passado que a corroborasse,
mas, em muitos momentos, viu-se diante das lembranças monárquicas que entravam em
colisão com as próprias imagens do regime proclamado em 1889.
Na abordagem de José Murilo de Carvalho, é perceptível a concepção de que duas
condições são significativas e essenciais para o conceito de nação: a primeira seria o fato de
os indivíduos partilharem muitos aspectos e lembranças em comum: a segunda, a questão da
perda de certa memória em relação à ocorrência de muitos acontecimentos do passado. Assim
25
como a lembrança, o esquecimento tornou-se fundamental para a consciência nacional que o
Estado desejava incorporar. Principalmente para as tradições inventadas, esquecer certos fatos
históricos era imprescindível para legitimar os novos símbolos ou representações coerentes
com um passado e um presente apropriados.
As reflexões em torno da nação e do Estado permitem perceber e entender a
construção da nacionalidade brasileira e como esta se adaptou às circunstâncias e
transformações que ocorriam. Tal foi o caso do regime implantado no final do oitocentos,
quando os republicanos precisaram legitimar sua história, invalidando as representações
monárquicas, para assim constituir uma tradição inventada própria da República. Isso
demonstrou que o Estado nacional torna-se totalmente adaptável a novas conjunturas e, como
disse Ernest Renan, uma nação é um plebiscito diário. Vale lembrar que a formação dos
Estados nacionais emaranhava-se com a produção de uma memória coletiva que enfatizava a
vontade política dos reformadores do Estado. O conceito moderno de Estado-nação surgiu em
fins do século XVIII, com a emergência da luta política e social dos povos europeus e que
marcaram igualmente a história do Novo Mundo.
Contudo, como definir o que constituiria a Nação? De acordo com Benedict Anderson,
a nação é uma comunidade política imaginada, uma vez que todos os seus membros nunca
conhecerão a maioria de seus compatriotas; limitada, pois há fronteiras definidas e finitas;
soberana, porque o conceito nasceu numa época em que o iluminismo e a revolução
destruíram a legitimidade do reino dinástico hierárquico, divinamente instituído. Isso elucida
que, embora os membros de um determinado território não se conhecessem, eles
permaneciam capazes de pensar como uma comunidade em função da articulação de
determinados símbolos nacionais e de um tipo de narrativa, a narrativa do romance,
que produzia a sensação de simultaneidade.
26
Na criação desses Estados, foi perceptível o entendimento de uma consciência
nacional, peça fundamental para legitimar as funções estatais, como uma ascendência, língua
e história comuns. Entretanto, como argumenta Jürgen Habermas, essas categorias, muitas
vezes, foram artifícios que projetavam a nação como uma entidade construída, ganhando uma
dimensão rotineira que permanecia intrínseca à própria existência daquele Estado. Ou seja,
pensar a consciência nacional como um artifício que acabou por se impor, naturalmente, como
foi explanado por Habermas, ajudará a compreender como se cristalizaram os símbolos
monárquicos e republicanos no imaginário da população brasileira, elucidando, assim, as
ações do Estado em tentar delinear um nacionalismo próprio que se diferenciasse do anterior.
Vale lembrar que inventar tradições constituiu um dos artifícios utilizados pelas
sociedades modernas, a partir de uma história-memória, para estabelecerem mitos de
fundação de seus Estados nacionais. De acordo com o historiador Eric Hobsbawm, tal termo
constitui-se em seu sentido mais amplo, embora nunca indefinido, incluindo as tradições
realmente construídas e institucionalizadas, como também aquelas que surgiram de maneira
mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo. Aquelas buscariam,
em um passado apropriado, a referência que permitiria estabelecer todo um elo com o
presente histórico. Desta forma, acabam por instituir uma continuidade artificial que, segundo
Hobsbawm, podem se referir a situações anteriores ou recriar sua própria lembrança.
Assim, percebe-se a relevância da questão dos Estados nacionais e suas variantes,
como a nação enquanto uma comunidade imaginada e o nacionalismo, para o debate acerca da
importância da imprensa como um mecanismo facilitador da disseminação da nacionalidade.
Como afirmou Benedict Anderson, apesar de os membros de uma nação não serem capazes de
se conhecerem por completo, haveria a produção de uma narrativa que promoveria a
percepção daqueles homens de se pensarem pertencentes a um mesmo território, em muitos
27
casos falando a mesma língua, subjugados pelas mesmas leis, exercendo os mesmos direitos e
adquirindo as mesmas lembranças pertinentes àquele Estado.
No ano de 1922, a nação brasileira foi levada a se repensar. As comemorações do
centenário constituíram uma oportunidade ímpar para os homens de letras, os republicanos,
enfim, todos os construtores da nacionalidade que configuraram, na sociedade, os símbolos,
as alegorias, as identidades que vinham sendo recriadas, estabelecendo, assim, novas matrizes
da consciência nacional. E mais: a própria aceleração do tempo implicava um amanhã cada
vez mais incerto, levando a uma intensa produção de história-memória que não se deixasse
perder diante de um futuro incerto.
Em relação ao método de investigação aplicado nesta pesquisa e considerando-se que
a principal fonte primária nela utilizada é um texto de natureza jornalística, usufruiu-se de
procedimentos específicos no processo analítico. Assim, trabalha-se com a prática utilizada
pela historiadora Lucia M. P. Guimarães, que empregou uma metodologia classificatória para
examinar a coleção da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro entre os anos de
1889 a 1938. Os resultados possibilitaram a compreensão da periodização, da quantificação,
da classificação e da seleção do material investigado que permanecem inseridos e descritos no
corpo do texto, à medida que se avança na respectiva análise. Por serem as notícias de
conteúdo bastante diversificado, foi importante a construção de um banco de dados para obter
os resultados quantitativos que permitiram as análises qualitativas. Deste modo, obtiveram-se
resultados que revelaram as categorias (cultura, economia, política e vida cotidiana) que se
inseriram em um maior número de publicações e depreendeu-se o método da escrita da
história pelo qual os redatores do periódico optaram. Além disso, evidenciaram-se quais os
acontecimentos nacionais valorizados na Edição.
A presente dissertação está dividida em três capítulos. Já no primeiro, o leitor pode ter
uma idéia da trajetória histórica do Jornal do Commercio que, em muitos momentos, se
28
confunde com a própria história política do país. Desde o tempo do Imperador D. Pedro I, que
autorizou o estabelecimento da Tipografia Imperial de Plancher, os proprietários e redatores
do periódico mantinham uma estrita relação de poder e sociabilidade com as autoridades do
governo, o que possibilitou, até mesmo, que o jornal publicasse, durante certo período, as
notícias do Correio Oficial. Vale acrescentar, ainda, que, no Segundo Reinado, o Jornal do
Commercio contava com uma lista prestigiada de colaboradores, um dos quais o próprio D.
Pedro II.
É oportuno destacar que um novo quadro se configurou na imprensa brasileira no
início do século XX. De acordo com Tania de Luca, no último quartel do oitocentos, algumas
modificações já se tornaram visíveis, como a própria produção que deixou de ser artesanal,
incorporando avanços técnicos. As primeiras transformações foram estabelecidas com a
especialização e divisão do trabalho no interior da oficina gráfica e a substituição de
habilidades manuais por máquinas modernas que configuraram um processo inovador nas
fases de compor e reproduzir textos e imagens. O meio estrutural das antigas oficinas
tipográficas perdeu espaço para uma composição organizacional que afetou o próprio
conteúdo dos jornais e sua ordenação interna. Devido à particularização funcional, exigiu-se
uma equipe que integrava redatores, articulistas, críticos, repórteres, revisores, desenhistas,
fotógrafos e outros mais que compunham a nova face da imprensa.
De qualquer modo, a Monarquia já havia se findado, e lá estavam, na redação do
Jornal do Commercio, José Carlos Rodrigues, Tobias Monteiro, Félix Pacheco, sempre
acompanhados por Prudente de Morais, Campos Sales, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes,
entre outros presidentes da República.
Aliás, Félix Pacheco acabou se tornando o legítimo representante do povo, ao ser
eleito deputado e senador e, mais tarde, convidado para assumir a pasta do Ministério das
Relações Exteriores. As correspondências, muitas dessas encontradas na seção Arquivos e
29
Coleções Particulares (ACP) do IHGB e nas salas de consulta da Academia Brasileira de
Letras, foram essenciais para estabelecer os vínculos sociais dos personagens.
A folha carioca, fundada por Pierre Plancher, testemunhou e noticiou um período bem
extenso da nossa história. A leitura das suas edições permite ter uma dimensão, por exemplo,
do alcance dos aspectos políticos da Primeira República. Esta, certamente, marcada por
incertezas e pela quebra de expectativa em relação ao novo regime implantado. Nesse
momento, também se destaca o esforço de homens letrados na configuração de uma
identidade para a nação que traçava novos caminhos e na re(leitura) que se fez sobre os anos
iniciais republicanos.
No segundo capítulo, abordam-se as comemorações do centenário da Independência,
especificamente os preparativos para o dia 7 de setembro de 1922 e aquelas atividades ligadas
ao evento. Neste sentido, a organização da Exposição Internacional do Rio de Janeiro
juntamente com o Livro de Ouro do Centenário serviram para demonstrar como algumas
instituições federais e governos estaduais estiveram envolvidos com tais festividades, cada
qual reelaborando, através de sua perspectiva, a memória dos cem anos da emancipação
política do Brasil. Desta forma, destaca-se a atuação dos membros do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, assim como a produção do objeto desta pesquisa, o número especial do
Jornal do Commercio, e o trabalho dos seus organizadores. Num olhar mais minucioso sobre
a Edição, por exemplo, seria possível identificar que os redatores se utilizaram não apenas do
seu material arquivado, mas também de outras fontes. Além disso, os editoriais apresentados,
nas primeiras páginas, já definem claramente a opção narrativa da folha do centenário.
Por fim, no terceiro capítulo, o personagem principal — o Jornal do Commercio, ou
melhor, sua Edição, salienta-se como um cronista especial da história do Brasil. Inicialmente,
por meio do artífice da obra, Félix Pacheco. Por conseguinte, ao colocar a folha do centenário
e o seu principal redator sob uma análise mais detalhada, foi possível demonstrar os
30
peculiares aspectos que a obra oferece como objeto e fonte. Tais elementos são retomados e
avaliados, no último tópico, no qual se realçam, principalmente, as influências historiográficas
que, de alguma forma, podem ter contribuído na orientação do exemplar de 1922.
O prestígio da antiga folha carioca, que na data do centenário da Independência
completava noventa e cinco anos, certamente autorizava seus redatores a elaborarem uma
edição tão especial e rica como a que se lançou em 1922. Acrescente-se que talvez a pretensão
em se qualificar como um dos grandes anais da história do Brasil não teria sido tão audaciosa,
pois o Jornal do Commercio era, e ainda é, o mais antigo periódico, sem interrupção, a
circular no território brasileiro.
31
1 UMA REPÚBLICA A NAVEGAR
O Jornal, como o entendem hoje em dia, é o mergulho absoluto na intensidade da vida. E, neste mar imenso e sem fundo, em que todos nós bracejamos como náufragos, de ouvido atento aos menores rumores e levados por correntes irresistíveis [...].
Félix Pacheco, 19131
1.1 Nos bastidores da notícia: o Jornal do Commercio
1.1.1 Os franceses à frente de uma tipografia
Ao desembarcar da fragata La Cécile no porto da cidade do Rio de Janeiro, no início
do ano de 1824, Pierre Plancher, um tipógrafo francês, ainda não tinha consciência das
grandes transformações que a sua chegada à sede da Coroa Portuguesa acarretaria. O futuro
permanecia incerto para este homem que, juntamente com sua mulher Jeanne Seignot e com
seu filho Émile Seignot, deixava para trás tanto as lembranças de sua primorosa carreira de
comerciante da cultura nos meios letrados parisienses, como os desgostos das desavenças
políticas2. O editor de livros e periódicos foi vítima de pressões políticas na França, não
somente pelas publicações que editava, mas também pela sua própria orientação política e
atitude pessoal, na qual aflorava o liberalismo que não se assentava com os moldes
absolutistas adotados por Carlos X no reinado francês.
1 Félix Pacheco. Discurso de recepção na Academia, seguido da reposta do Sr. Souza Bandeira. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1913, p. 19.
2 Cf. Idem. Um francês brasileiro “Pedro Plancher”: subsídios para a História do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1917, p. 15-20.
32
Quando Plancher embarcou para o Brasil, desfrutava do reconhecimento da fina flor
da intelectualidade francesa. Durante o período de 1815 a 1823, o editor detém uma intensa
produção com os mais importantes vultos políticos, literários e científicos daquele tempo,
como Madame de Staël, Royer Collard, abade de Pradt, Fraçois Guizot, entre outros3. Para se
ter uma idéia, foi Plancher que tomou a iniciativa de fazer uma edição num só conjunto das
obras completas de Voltaire4. Com esta reputação profissional e uma experiência
considerável, o estrangeiro teve um bom acolhimento para instalar sua tipografia no território
brasileiro, recebendo, até mesmo, a proteção do Imperador D. Pedro I. Foi assim que acabou
adquirindo um brevet de livreiro e obtendo o título de Impressor Imperial para si mesmo e de
Tipografia Imperial de Plancher para seu negócio5.
Sim, a minha gratidão para os benefícios de S. M. o Imperador e de muitos dos seus ministros não tem limites: vítima de uma intriga, para que não tendo dado motivo algum, achei-me desterrado do Brasil mesmo antes de minha chegada; porém, S. M. mandando informar o meu negócio, justiça me foi feita. Sem esta decisão eu me acharia arruinado para sempre, trazendo comigo a maior parte do que possuía e alguns obreiros franceses6.
Posteriormente, Pierre Plancher daria início à confecção de um diário que perduraria
até nossos dias — o Jornal do Commercio. O periódico foi fundado em 1º de outubro de
1827, e Plancher atuou também na edição e venda de livros. Para dar abertura aos seus
3 Pierre Plancher publicou e editou diversas obras. Segue uma lista com algumas destas produções do período no qual o tipógrafo ainda residia em Paris: Bossuet. Discours sur l’histoire universelle — avec un précis historique sur la vie de l’auteur par pottier. Paris: Plancher, 1816, 2 vols; La Fontaine. Fables choises mises em vers français. Paris: Plancher, 1818, 2 vols; Voltaire. Oeuvres completes, daprès l’édition de Beaumarchais, augmentées de pièces inédites ou inconnues et de la biographie de Voltaire. Paris: Plancher, 1817. E mais: O General Jubé e Chateaubriand; Os vae-e-vens da Política Francesa nos Cem Dias e nas duas Restaurações; Napoleão; Luís XVIII; As “Volte-Faces” de fouché; Marmet versus Chateaubriand, dentre outras. Cf. Idem. Ibidem, p. 25-31 e Idem. Plancheriana: anotações ao catálogo dos livros editados em Paris pelo fundador do Jornal do Commercio, antes de sua vinda para o Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1930, p. 33. 4 Cf. Marco Morel. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucetec, 2005, p. 26. 5 Cf. Idem. Ibidem, p. 25. 6 Pierre Plancher. Apud: Félix Pacheco. Um francês brasileiro “Pedro Plancher”: subsídios para a História do Jornal do Commercio. Op. cit., p. 39.
33
trabalhos, ainda em 1824, o francês se favoreceu das relações pessoais com D. Pedro I que lhe
abriu prerrogativas:
S. M. o Imperador ha por bem, atendendo ao que lhe representou o francês Plancher, livreiro encadernador, que veio estabelecer-se nesta corte, que sejam isentos de direitos na alfândega os instrumentos do seu ofício que ele houver de despachar, verificando-se que são para o seu uso, e não para o comércio. E assim o manda, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, para que nesta conformidade possa expedir os despachos necessários. (Palácio do Rio de Janeiro em 17 de maio de 1824 — João Severino Maciel da Costa)7.
Segundo Félix Pacheco, o tipógrafo era um amigo do trono, enquanto este se manteve
fiel à liberdade. Contudo, quando o Imperador enveredou pelo autoritarismo, o livreiro
francês ficou com a causa nacional brasileira e participou do movimento de 7 de abril de 1831
que resultou na abdicação de D. Pedro I8.
Pierre Plancher abriu, provisoriamente, uma loja na rua dos Ourives, em março de
1824. Mais tarde mudou-se para a famosa Rua do Ouvidor, número 95, onde consolidou seu
comércio de livreiro e tipógrafo. Antes da criação do famoso Jornal do Commercio, o francês
iniciou seu ofício imprimindo o Spectador Brasileiro que circulou entre 28 de junho de 1824
até 23 de maio de 18279. Após quatro meses sem imprimir nenhuma folha de destaque, a
oficina dos Plancher lançou um novo periódico que iria adquirir reputação considerável entre
os brasileiros. Juntamente com o seu filho, Émile Seignot, o médico francês, Joseph Sigaud,
criador do primeiro jornal médico do Brasil, Plancher fundou o Jornal do Commercio. Mais
tarde, a edição do periódico passou a contar com o concurso de Júlio César Muzzi e Francisco
de Paula Brito. A partir de 1828, o diário teve o seu aspecto visual melhorado com uma nova
disposição das matérias, as quais ganharam títulos bem visíveis e separadas em seções
7 Apud: Félix Pacheco. Um francês brasileiro “Pedro Plancher”: subsídios para a História do Jornal do Commercio. Op. cit., p. 42. 8 Cf. Idem. Ibidem, p. 18. 9 Cf. Idem. Ibidem, p. 19.
34
especiais10. O local onde estava instalado tornou-se ponto de referência e, certamente, o
cenário em que Plancher desenvolveu toda sua experiência francesa com jornais, no
intercâmbio com tipografias da França, na tradução de obras e outros trabalhos, tudo
circunscrito nas tramas de uma formidável publicidade que ele construiu. Obteve até o
reconhecimento, através do livro Brás Cubas, do notório Machado de Assis que escreveu:
“[...] estava na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia de Plancher [...]”11, ao fazer certa
menção a um dos seus personagens.
De acordo com o historiador Marco Morel, o francês teve diversos colaboradores em
seu jornal, dos quais se destacaram José Bonifácio de Andrada e Silva, José da Silva Lisboa,
Januário da Cunha Barbosa, Evaristo da Veiga, Diogo Feijó, marquês de Barbacena, visconde
de Jequitinhonha, dentre outros12. Percebe-se que, desde a sua fundação, o proprietário e os
homens que freqüentavam os corredores do Jornal do Commercio estavam intimamente
interligados com a política do Império, fato que se constituiria em uma de suas marcas
também durante o período republicano, ou seja, as relações pessoais e sociais dos donos,
redatores, jornalistas do periódico imbricadas com as redes de poder.
Com a volta da liberdade de imprensa na França, após a queda de Carlos X, Plancher
decidiu retornar para Paris e desfez-se do periódico. Em 9 de junho de 1832, o Jornal do
Commercio passou para as mãos de novos proprietários, Junius Villeneuve e Reol de
Mougenot que adquiriram a folha pela quantia de 52:664$000rs13. Contudo, o famoso
tipógrafo francês ainda permaneceria entre os brasileiros por mais dois anos após a venda, já
10 Cf. Cícero Sandroni. 180 anos do Jornal do Commercio — 1827-2007: de D. Pedro I a Luiz Inácio Lula da Silva. Rio de Janeiro: Quorum, 2007, p. 45. 11 Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Círculo do Livro, s/d, p. 89. 12 Cf. Marco Morel. Op. cit., p. 30. 13 Valor em libra esterlina: £ 2.007.815,000. Os cálculos em libras esterlinas para os valores em mil-réis, citados no presente trabalho, foram feitos a partir dos dados fornecidos pelo IPEA sobre a taxa de câmbio média mensal da libra esterlina (réis por pence), na praça do Rio de Janeiro, entre o período de 1808 a 1930. Fonte:http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=1373569362&Tick=1270681484804&VAR_FUNCAO=Ser_Hist%28126%29&Mod=M. Acesso dia 29/3/2010.
35
que Villeneuve e Mougenot não possuíam nenhuma experiência com esse tipo de comércio e,
no contrato de compra, havia uma cláusula que obrigava Plancher a permanecer na
administração, até que os atuais proprietários adquirissem certo conhecimento para dar
continuidade aos negócios.
Após residir dez anos em território brasileiro, Plancher deixou um importante legado,
contribuiu para o desenvolvimento da cultura letrada e para a renovação e modernização do
comércio de periódicos. Talvez, por isto o nome de Pierre Plancher seja um dos mais
destacados na história da imprensa do Brasil. Mesmo após sua partida para a França na galera
São Vicente, em 6 de fevereiro de 1834, ainda seria lembrado por um longo tempo como o
proprietário do Jornal do Commercio. Como afirmou Félix Pacheco: “[...] estava-se já longe,
na segunda metade do século, e ninguém dizia Tipografia do Jornal, mas do Plancher [...]”14.
Junius de Villeneuve e Reol de Mougenot assumiram a direção do Jornal do
Commercio em 1832. Posteriormente, a folha ficou somente nas mãos de Junius, já que em 15
de dezembro de 1834, a sociedade com Mougenot foi dissolvida15. Villeneuve contratou
novos redatores, criou outras seções para o periódico e conseguiu ampliar a venda das
assinaturas, que na época custava 1$000rs16 por mês. Assim como o antigo proprietário,
Junius era francês, e emigrou para o Brasil contratado para prestar serviços à Marinha
Imperial. Lutou nas guerras do Prata e, ao fim destas, deixou a Armada para permanecer em
um posto no consulado francês no Rio de Janeiro17. Seu nome ganhou destaque como diretor
do Jornal do Commercio, principalmente pelo caráter empreendedor. Por exemplo, em 1836,
Villeneuve aposentou os antigos prelos manuais trazidos por Plancher, substituindo-os por um
14 Félix Pacheco. Um francês brasileiro “Pedro Plancher”: subsídios para a História do Jornal do Commercio. Op. cit., p. 12. 15 Cf. Cícero Sandroni. Op. cit., p. 78. 16 O preço da assinatura do Jornal do Commercio era equivalente ao valor cobrado pelos demais periódicos da época. Valor em libra esterlina: £ 38, 250. 17 Cf. Cícero Sandroni. Op. cit., p. 75.
36
prelo mecânico importado da França, que imprimia cerca de duas mil folhas por dia18. Neste
período, o jornal diário circulava com quatro páginas, exceto aos domingos, quando crescia
para seis ou oito.
Durante o tempo em que esteve à frente do Jornal do Commercio, Junius pôde contar
com os serviços de um funcionário exemplar que se tornaria um dos homens de confiança da
família Villeneuve para dirigir o periódico. Francisco Picot ingressou no jornal, em 1832,
como revisor, sendo, mais tarde, promovido a colaborador e depois a redator. Cinco anos mais
tarde, assumia a direção dessa folha, momento no qual os romances em forma de folhetins
tornavam-se cotidianos nas páginas do Jornal do Commercio. Vale ressaltar que as primeiras
traduções publicadas em tais folhetins foram feitas por Justiniano José da Rocha e entre elas
se encontravam Os Assassinos Misteriosos, A Rosa Amarela, O Conde de Monte Cristo e Os
Miseráveis19. Também foi nesse período, precisamente em 15 de agosto de 1841, que se
iniciaram, nas páginas do diário, as publicações referentes aos atos oficiais do governo,
devido à interrupção da circulação do Correio Oficial que, até então, as divulgava. Segundo
nota que saiu no Jornal do Commercio:
Por ordem superior se faz público que, posto o Jornal do Commercio por um contrato se obrigou a publicar os atos oficiais do governo, contudo não é folha oficial, nem o governo responde pelas doutrinas, artigos ou correspondências da mesma folha, muitas das quais reprova, especialmente na parte em que são desfavoráveis a qualquer governo com quem está em relações de amizade20.
As responsabilidades administrativas de Francisco Picot aumentaram quando Junius
decidiu voltar para França, em 184421, deixando o Jornal do Commercio sob a custódia de
Picot. Ao que tudo indica, Villeneuve não se decepcionou. Aquele funcionário exemplar
18 Cf. Idem. Ibidem, p. 90. 19 Cf. Idem. Ibidem, p. 115. 20 Jornal do Commercio. Apud: Félix Pacheco. À Comissão de Verificação de Poderes do Senado da República e aos homens de bem do país inteiro. Rio de Janeiro, 1927, p. 14. 21 A título de curiosidade, neste mesmo ano, em 1844, morria, na França, o antigo proprietário fundador do Jornal do Commercio, Pierre Plancher, e nascia, em Cantagalo no Rio de Janeiro, José Carlos Rodrigues, que adquiriria a respectiva folha em 1890.
37
manteve o periódico como um dos mais prestigiados da capital do Império, até mesmo,
incluindo, na lista de seus colaboradores, nomes respeitáveis como o de José Maria da Silva
Paranhos, o visconde do Rio Branco, que a partir de 1850 começou a publicar, anonimamente,
nas folhas do jornal, as famosas Cartas ao amigo ausente. Sabe-se que o próprio D. Pedro II
escreveu editoriais para o periódico. Em 1852, mesmo partindo para a capital francesa,
Francisco Picot continuou dirigindo o Jornal do Commercio, colocando alguns funcionários à
frente da administração da folha. Luís de Castro foi um destes que, mais tarde, em 1868,
acabou assumindo a redação do mesmo.
Com a morte de Junius de Villeneuve, o Jornal do Commercio ficou sob o comando
do seu filho mais moço. Este, no entanto, preferia uma carreira diplomática aos corredores da
redação de um jornal. Assim sendo, Picot continuou na direção, mesmo à distância, até 1890.
Durante o período em que os Villeneuve foram proprietários, conseguiram, por volta de 1871,
que a folha alcançasse a tiragem de 15.000 exemplares22, conseqüência de outros
investimentos realizados ainda por Junius, inclusive a compra de impressoras mais modernas
que aumentaram o número de edições impressas em menor tempo. É importante registrar que,
antes de 1874, as notícias do exterior chegavam por carta, mas, a partir desse ano, a então
agência telegráfica Reuter-Havas instalou sua primeira sucursal no Rio de Janeiro e, três anos
mais tarde, o Jornal do Commercio, na edição de 1º agosto de 1877, começou a publicar os
primeiros telegramas distribuídos pela respectiva agência23.
No período compreendido entre o último quartel do século XIX e início do XX, a
imprensa sofreu grandes transformações, não apenas pelo aparecimento de máquinas de
composição mecânica e de rotativas cada vez mais velozes, mas também pelas alterações
promovidas no quadro permanente de funcionários dos periódicos. Com a divisão das funções
22 Cf. Laurence Hallewell. O livro no Brasil. Sua História. São Paulo: Edusp, 2005, p. 76. A década de 1890 correspondeu a um período no qual as inovações técnicas na imprensa brasileira aumentaram consideravelmente. Por exemplo, em 1895, apareceu o primeiro prelo Derriey italiano que imprimia cerca de 5.000 exemplares por hora. Cf. Nelson Werneck Sodré. História da Imprensa no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977, p. 304. 23 Cf. Nelson Werneck Sodré. Ibidem, p. 247.
38
jornalísticas, os diários deixaram de ser compostos de modo artesanal para se consolidarem,
futuramente, em grandes empresas do meio de comunicação. A publicidade ganharia mais
espaço, transformando-se em uma fonte essencial de recursos. Segundo Nelson Werneck
Sodré, o Jornal do Commercio, por exemplo, recebia tantos anúncios que se tornou necessário
criar um suplemento dentro da folha para suprir a demanda24.
Apesar dessas transformações operacionais, algumas características ainda
permaneciam, inclusive o fato de a imprensa continuar como um espaço no qual diferentes
segmentos da sociedade discutiam seus interesses. Além disso, por meio das causas que
abraçaram, os jornais refletiam as respectivas orientações ideológicas e o público que
pretendiam atingir25. No caso do Jornal do Commercio, observa-se que, em muitos
momentos, serviu à própria estrutura de poder e foi um veículo de manutenção da ordem
vigente. No período da Primeira República, essa postura pouco mudou e, conforme será visto,
a folha teve uma participação acentuada naquela conjuntura política.
1.1.2 Um jornal e os desafios políticos dos primeiros anos republicanos
Já nos primeiros anos após a proclamação da República, surgiram duas interpretações
distintas para a queda do Império e a ascensão do novo regime, elaboradas pelo viés
republicano e pelo monarquista. No primeiro caso, buscava-se salientar que a República fora
uma idéia acalentada desde a Inconfidência Mineira e que as ações do Poder Moderador
prejudicaram o desenvolvimento político do Brasil. Nas palavras de Felício Buarque: “[...] só
visou desprestigiar os caracteres insubmissos ao servilismo e elevar os que se curvam aos
acenos do poder supremo. Abusando das atribuições do Poder Moderador, D. Pedro aniquilou
24 Cf. Idem. Ibidem, p. 289. Igualmente ao Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias também criou um suplemento para alocar os anúncios. 25 Cf. Tania R. de Luca (org.). História da Imprensa no Brasil. v. 1. São Paulo: Contexto, 2008, p. 158.
39
a independência dos outros poderes políticos [...]”26. Numa crítica severa ao poder moderador
e à centralização imperial, os republicanos afirmaram sua rejeição à vitaliciedade do Senado e
a condenação à fraude eleitoral, entre outros julgamentos contra o regime monárquico. Neste
sentido, segundo eles, a forma mais apropriada de governo para acabar com os vícios
monarquistas, como a imposição do poder pessoal do Imperador, era a constituição de uma
república.
No segundo caso, a corrente monarquista, mesmo após o fim do regime, continuara a
expressar uma versão própria para a derrubada do Império. Na visão desses homens, a
proclamação de 1889 era vista como um levante militar, no qual a vontade do povo não foi
levada em consideração. Quebrava-se, assim, toda a unidade nacional, o progresso, a
liberdade e o prestígio internacional conquistados durante os quase setenta anos de
Monarquia27. A querela entre republicanos e monarquistas para impor a versão mais
apropriada dos fatos históricos sobre as transformações ocorridas no último quartel do
oitocentos ainda permaneceu por um extenso período na pauta de debates entre os homens
letrados.
Segundo Edgard Carone, o 15 de novembro de 1889 representou o clímax de um
processo que já vinha ocorrendo anteriormente28. O Ministério de Ouro Preto foi o momento
no qual as tensões políticas, econômicas e sociais repercutiram com maior dimensão.
Tendências federalistas, movimentos republicanos, crises religiosas, questões militares,
problemas escravagistas, sucessão imperial, predomínio político de uma aristocracia
decadente, ascensão de novas camadas oligárquicas e a lenta renovação das instituições
26 Felício Buarque. Apud: Emília Viotti da Costa. Da monarquia à república: momentos decisivos. 8ª ed. São Paulo: UNESP, 2007, p. 392. 27 Sobre o debate acerca das interpretações republicanas e monarquistas para a queda do Império e a ascensão do regime republicano, ver Idem. “Sobre as origens da República”. In: _____. Ibidem, p. 387-397. 28 Cf. Edgard Carone. A República Velha: evolução política. 2ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974, p. 7.
40
imperiais provocaram várias crises no Império. A alteração nesse cenário constituiu uma
conseqüência da própria evolução dos acontecimentos.
As mudanças políticas começaram com o manifesto republicano de 1870, lançado no
Rio de Janeiro, e com a fundação de um Clube em 3 de novembro. Quintino Bocaiúva,
jornalista e político, redigiu tal declaração pública, na qual se encontravam as propostas para
uma República Federativa. De acordo com Renato Lessa, a idéia federalista já se veiculava na
própria política do Segundo Reinado, uma vez que Joaquim Nabuco chegou a apresentar, em
1885, um projeto para uma Monarquia Federalista, na qual as províncias seriam
independentes do poder central29. Ressalta-se que o Partido Republicano da Província do Rio
de Janeiro foi fundado apenas em novembro de 1888, ou seja, às vésperas do fim do regime
monárquico30 e que, majoritariamente, se compôs por representantes das camadas urbanas.
Sua origem estava na queda do Gabinete Zacarias, quando o partido liberal se repartiu em
radicais e moderados, tendo a ala radical, em sua maioria, constituído o partido republicano
fluminense31. Já em São Paulo, o Partido Republicano Paulista, que se formou antes da
bancada do Rio de Janeiro, congregaria um maior número de adeptos, entre estes, médicos,
engenheiros, advogados, jornalistas, comerciantes e fazendeiros do Oeste Paulista. Alguns
autores, como George Boehrer, argumentaram que a implantação do novo regime se deu mais
pelo motor progressista do que pelos anseios políticos republicanos32. Contudo, Boehrer
esclareceu que a propaganda desenvolvida pelo partido republicano, divulgada na imprensa,
nos comícios e conferências, foi um veículo primordial para criar uma opinião pública
favorável à idéia de república.
29 Cf. Renato Lessa. “A invenção da República no Brasil: da aventura à rotina”. In: Maria Alice Rezende de Carvaho (org.). República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001, p. 16. 30 Cf. Marieta de Moraes Ferreira (coord.). A República na velha província. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1989, p. 14. 31 Cf. Emília Viotti da Costa. Op. cit., p. 481. 32 Cf. George C. A. Boehrer. Da Monarquia a República: história do Partido Republicano do Brasil (1870-1889). Tradução de Berenice Xavier. Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura, 1954, p. 287.
41
Neste mesmo cenário em que líderes republicanos se movimentaram para traçar
mudanças políticas, uma nova geração de militares foi seduzida pelas propostas de uma
república vinculada ao positivismo. Foram influenciados pela filosofia de Auguste Comte,
exposta nos discursos de Benjamin Constant, chamado de “fundador da República”, que
lecionou na Escola Militar, doutrinando seus alunos com forte inclinação dogmática e
disciplinar33. Atraídos pelo pensamento de que o progresso permanecia acoplado à ação de
um Estado forte e intervencionista, os jovens militares, em sua maioria, acreditavam que
poderiam resolver os problemas brasileiros34.
O Exército e os líderes republicanos tinham percepções distintas sobre a República a
ser implantada, devido aos próprios projetos que cada aliança quis alcançar com o novo
regime. Destacaram-se então três correntes: o jacobinisno à francesa, o liberalismo à
americana e o positivismo35. O jacobinismo planejou uma democracia clássica, na qual os
cidadãos teriam participação direta como intermediários com o governo. Já o liberalismo
assumiu a utopia de compor uma sociedade de indivíduos autônomos, com interferência
mínima do governo na vida dos cidadãos. A República permaneceu vislumbrada pelos
positivistas como a “[...] futura idade de ouro em que os seres humanos se realizariam
plenamente no seio de uma humanidade mitificada”36. Não houve uma proposta política que
se tornou hegemônica. As alianças adaptaram suas idéias conforme o caminho que o regime
republicano peregrinava.
Ao lado de Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório, composto pelo
Exército e pelo Partido Republicano Paulista, Campos Sales, Rui Barbosa e Quintino
Bocaiúva exerceram uma ampla influência nessa administração, em alguns momentos,
33 A título de curiosidade, Benjamim Constant foi professor de matemática dos filhos da Princesa Isabel. 34 Cf. José Murilo de Carvalho. “As forças armadas na Primeira República: o poder desestabilizador”. In: Boris Fausto (org.). O Brasil Republicano: sociedade e instituições (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t. III, v. 2, 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 183-234. 35 Cf. Idem. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 9. 36 Idem. Ibidem, p. 9.
42
ocasionando divergências que acabavam em ameaças de pedidos de demissão, mas que,
contudo, em grande parte, só passaram de prenúncios. Quando assumiu o cargo no Ministério
da Fazenda, Rui Barbosa concedeu emissão a diversos bancos, executando a política do
Encilhamento o que ocasionou uma crise econômica, fato pelo qual acabou recebendo
inúmeras críticas.
Ao contrário do que ocorreu com Rui Barbosa, Campos Sales, à frente do Ministério
da Justiça, teve ampla aprovação em suas ações, dentre elas o casamento civil obrigatório, a
organização da Justiça Federal e a separação da Igreja do Estado. Esta última chegou a ser
noticiada no Jornal do Commercio, como se pode ler pela seguinte nota:
O Dec. de 7 de janeiro de 1890 do Governo Provisório estabelece regime radicalmente contrário a esse, pois, logo em seu art. 1º estatue: — “É proibido a autoridade federal, assim como a dos Estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos estabelecendo alguma religião, ou vedando-a a criar diferença entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas [...]”. Em uma palavra, completa a separação da Igreja do Estado37.
Já a política exterior, tal como a econômica, também sofreu censura, principalmente
no que diz respeito ao tratado de reciprocidade comercial entre o Brasil e os Estados Unidos,
no qual estes se beneficiaram com cláusulas prioritárias que prejudicaram empresas nacionais.
Vários negociantes e industriais, por meio da imprensa, mostraram seu descontentamento e o
Jornal do Commercio transcreveu inúmeras dessas críticas38.
No cenário que emergiu a partir do final do século XIX e início do XX, como já foi
dito, a imprensa brasileira começou a deixar para trás o caráter artesanal para se transformar
em uma imprensa industrial. Com o Jornal do Commercio não foi diferente. Em 17 de
outubro de 1890, passou para as mãos de um novo proprietário, que iria contribuir
significamente para aumentar o prestígio da velha folha, José Carlos Rodrigues. Homem
37 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922, p. 410. 38 Cf. Emília Viotti da Costa. Op. cit., p. 400.
43
abastado, natural de Cantagalo (RJ), Rodrigues se formou em Direito pela Faculdade de São
Paulo e já atuava como correspondente do Jornal do Commercio desde 1868, uma vez que,
em 1867, fora para os Estados Unidos. Permaneceu em Nova York durante quinze anos,
transferindo-se para Londres, onde também atuou como agente financeiro e prestou serviços
ao governo do Brasil. Retornou ao país natal em agosto de 1890 e, em outubro desse mesmo
ano, comprou e assumiu a direção do Jornal do Commercio. Adquiriu o periódico em
conjunto com mais 23 associados pela quantia de três milhões e quinhentos contos de réis
(3.500:000$00039), tornando-se gerente e redator-chefe.
José Carlos Rodrigues foi considerado, em sua época, o maior bibliófilo brasileiro,
possuindo exemplares raríssimos de livros que, mais tarde, doou à Biblioteca Nacional40.
Dentre estes estavam o Liber Chronicarum de Hartman Schedel, de 1493; Itinerum
portugallensi e Lusitânia in indiam & indein occidentem & demun ad aqulo de Vespucio,
primeira tradução latina de 1508; Cronica de las índias de Oviedo, de 1535. Além dos
impressos, na coleção também havia manuscritos como as minutas submetidas pelo Conselho
das Índias a Felipe III, o roteiro de navegação para a Índia e o livro do termo das juntas de
missões41.
Com a experiência adquirida em Nova York, José Carlos Rodrigues trouxe métodos
modernos para a elaboração dos editoriais, importou linotipos, trazendo uma rapidez
extraordinária ao processo de produção. As páginas e a dimensão do periódico aumentaram,
39 Valor em libra esterlina: £ 78.970.500,000. 40 Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiros. Sócios falecidos entre 1921-1961. v. 3. Rio de Janeiro: IHGB, 1993, p. 136. José Carlos Rodrigues foi eleito, em 1907, sócio correspondente do IHGB, passou a honorário em 1914 e a benemérito em 1917. Era jornalista, bibliófilo, bibliógrafo e historiador. Ainda como estudante, publicou Constituição política do Império do Brasil e trabalhou, como estagiário, no escritório de advocacia do Conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcelos. Quando morava em Nova York, chegou a publicar dois jornais em português: o Novo Mundo (1870-1879) e a Revista Industrial (1878-1879). Outras obras também se destacaram, como Catálogo anotado dos livros sobre o Brasil e Projeto iniquo: série de artigos da redação do Jornal do Commercio contra o projeto apresentado à Câmara dos Deputados. Faleceu em Paris no dia 26 de junho de 1923. 41 Cf. Félix Pacheco. O valor imenso da biblioteca brasiliense do Dr. José Carlos Rodrigues. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1930, p. 21-29.
44
passando de dez a doze folhas, em formato de 73 cm de altura por 54 cm de largura42. Atraiu
novos colaboradores, a exemplo de José Veríssimo, do visconde de Taunay, de Alcindo
Guanabara, de Araripe Júnior, de Afonso Celso e de Rui Barbosa, que publicou as famosas
Cartas da Inglaterra sob o caso Dreyfus43.
Rodrigues mantinha, ainda, correspondência com um número considerável de
políticos, historiadores e homens de letras, dentre esses Joaquim Nabuco, Prudente de Morais,
Campos Sales, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Oliveira Lima, Manuel Vitorino e o barão do
Rio Branco44. Para se ter uma idéia, as trocas de cartas, telegramas, bilhetes e cartões entre o
barão e o proprietário do Jornal do Commercio foram constantes, abarcando o período de
1895 a 1902. Em muitas delas, Rio Branco pede conselhos a José Carlos, em outras, relata
questões políticas e de sua própria vida pessoal, como é possível perceber pela seguinte
mensagem.
[...] Desejo também que V. converse com o Campos Sales e me diga se nos círculos políticos não produzirá mau efeito a minha entrada para o governo. Indo para lá, eu só me ocuparei da nossa política externa, porque continuo no meu propósito de 1875 de não mais me envolver em coisas de política interna. Receio, porém, que no mundo político me atribuam arrière pensée e planos de ambição que não tenho. O Campos Sales e você poderiam nesse caso aconselhar o Dr. Rodrigues Alves a dispensar-me de ir para o ministério, como tanto pedi [...]. [...] Espero que no fim de ano e meio ou dois anos, o Rodrigues Alves consinta que eu volte para a Europa a fim de cuidar da minha saúde e de me ocupar de trabalhos interrompidos desde 1892. Não é só na política ou como ministro de Estado que se pode servir o país45.
Na mesma ocasião em que o Jornal do Commercio passava por uma acentuada
modernização interna, a presidência de Deodoro da Fonseca atravessava sucessivas crises, que
42 Cf. Cícero Sandroni. Op. cit., p. 319. 43 Alfred Dreyfus foi acusado pelo exército francês de espionagem e traição. O processo de seu julgamento mobilizou a opinião pública européia, uma vez que mais tarde se descobriram fraudes nas provas de acusação e, conseqüentemente, constatou-se sua inocência. 44 Cf. Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues, 1844-1923. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1971. 45 Carta do barão do Rio Branco a José Carlos Rodrigues, pedindo-lhe que interceda junto a Rodrigues Alves sobre a questão de sua nomeação para Ministro das Relações Exteriores. 12 de setembro de 1902. In: Ibidem, p. 33.
45
culminaram com o fechamento do congresso pelo chefe de governo. Inaugurou-se, assim, um
período de tensão política, censura à imprensa e a decretação do estado de sítio na capital e
em Niterói. Muitos jornais pararam de circular, enquanto outros foram obrigados a
eliminarem notícias políticas de suas colunas e vários jornalistas foram presos. Os grandes
periódicos, como o Jornal do Commercio e o Estado de São Paulo, fizeram campanha contra
as ações arbitrárias da lei que censurava a opinião sobre os fatos que ocorriam. Na sala de
redação do Jornal do Commercio, onde se reuniram os representantes da imprensa fluminense
para reflexão sobre as medidas empregadas pelo governo, foi feito um documento, no qual se
declarava:
[...] 1º — que não satisfaz a declaração, hoje publicada pelo Diário Oficial, por ser dúbia e frouxa; 2º — que espera sejam punidos, na forma das leis, os culpados do assalto, de que foi vítima a Tribuna, apontados pelo inquérito a que se está procedendo; 3º — que está resolvida, caso tal punição não se dê, ou não desapareça a falta de segurança em que se acha, a empregar todos os meios, dentro de suas funções, para assegurá-la, mesmo a suspender coletivamente a publicação dos jornais [...]46.
Em outro episódio, no qual se levantou a questão da legitimidade do novo regime,
novamente, a imprensa foi um veículo propagador dos debates. No caso, o Jornal do
Commercio publicou notícias estrangeiras desfavoráveis ao Governo Provisório, considerado
ilegal47. Apesar das tentativas de ocultar as críticas ao seu governo e procurar apaziguar os
ânimos, o Marechal Deodoro da Fonseca, pressionado por vários militares, inclusive Floriano
Peixoto, renunciou ao cargo de presidente.
Após a renúncia de Deodoro, os militares acalentaram a idéia de uma República
conduzida pela ditadura nacionalista. Floriano Peixoto assumiu o cargo de presidente em 23
de novembro de 1891. Sua primeira medida foi a constituição de um novo ministério, no qual
os únicos da bancada ligada aos republicanos históricos, foram o Contra-Almirante José
46 Declaração transcrita em Nelson Werneck Sodré. Op. cit., 291. 47 Cf. Edgard Carone. Op. cit., p. 29. O periódico Rio News também publicou algumas dessas notícias.
46
Custódio de Melo, da Marinha, e o General José Simeão de Oliveira, da Guerra. Entretanto, já
no início de seu governo, Floriano se viu pressionado tanto pelo Partido Republicano Paulista,
como pela maioria dos ministros para realizar eleições. Neste sentido, o Jornal do Commercio
publicou editoriais solicitando a realização do pleito48.
O Jornal do Commercio ainda noticiou fatos sobre outra questão que incomodava
Floriano Peixoto. O Almirante Eduardo Wandekolk iniciou, em 13 de abril de 1893, uma
campanha para o fim da guerra no Rio Grande do Sul e, após se dirigir para Buenos Aires,
acabou entrando em conflito com as forças do governo. Aquela folha carioca publicou um
manifesto deixado por Wandekolk, no qual ele incitou a Marinha a seguir o seu exemplo de
enfrentamento a Floriano e atacar o porto do Rio Grande que, naquele momento, era o mais
bem fortificado do sul do país. Entretanto, apesar da empreitada, Wandekolk foi aprisionado
em Santa Catarina e enviado à capital do país, permanecendo incomunicável na Fortaleza de
Santa Cruz49. Da mesma forma que ocorreu ao primeiro presidente, Floriano Peixoto sofreu
constantes abalos em seu governo, com movimentos de oposição, crises comerciais e
bancárias, críticas a sua política partidária nos estados, provocando o descontentamento
público.
O Partido Republicano Paulista, bem organizado a partir de abril de 1893, começou a
pensar na sucessão presidencial, apontando o nome de Prudente de Morais para presidente e
Manuel Vitorino para vice. Floriano recebeu essa notícia através de Francisco Glicério e
deixou explícito seu descontentamento. Contudo, sua insatisfação não foi considerada e,
mesmo adiando as eleições presidenciais de outubro de 1893 para março de 1894, os paulistas
não abriram mão da candidatura de Prudente de Morais que venceu as eleições, tornando-se o
primeiro presidente civil brasileiro em 1894.
48 Cf. Idem. Ibidem, p. 72-73. Segundo Edgard Carone, tanto o Jornal do Commercio como O País foram instigados por Custódio José de Melo e Quintino Bocaiúva a fazer tal campanha. 49 Sobre a a revolta de Wandenkolk, Cf. Idem. Ibidem, p. 95-99.
47
Após o governo turbulento dos militares, as oligarquias50 assumiram a liderança
política nacional entre os anos de 1894 a 1930, elegendo, majoritariamente, presidentes civis.
Semelhante aos anos iniciais republicanos, o período foi marcado por disputas políticas
acirradas e por revoltas regionais, apontando para a percepção de que os projetos para a nova
formação da nação ainda não se encontravam consolidados. As agitações provinham de
diversas camadas sociais51, além dos próprios militares, que se rebelaram constantemente em
seus quartéis, regimentos e fortalezas52. Tudo contribuiu para que as instituições republicanas
passassem por sérias turbulências nos seus primeiros tempos. Necessitava-se, portanto, de
ações e de idéias mais fundamentadas para o sucesso nos planos de se formatar a unidade do
país e recriar a identidade brasileira.
Os construtores do regime republicano não se preocuparam em buscar apoio junto às
forças populares, tal como apontaria a reflexão de Carneiro Leão, feita posteriormente, já na
década 1920: “Nação alguma é construída por forças estranhas. É da capacidade ou
incapacidade do seu povo que vai sair a sua fraqueza, ou a sua força, a sua importância, ou o
seu prestígio [...]”53. Daí se concluiu que a população ficou à margem das transformações
políticas que se operavam, sujeita à condição de espectadora e receptora das decisões tomadas
pelos governantes.
Prudente de Morais apesar do apoio do Partido Republicano Paulista, enfrentaria
vários problemas, já que muitos militares e alguns presidentes dos Estados eram florianistas.
O novo presidente herdara do governo de Floriano Peixoto uma conjuntura política de crise: a
Revolta Federalista no Rio Grande do Sul, na qual a disputa entre Gaspar Martins e Júlio de
50 Para uma melhor apreciação sobre as oligarquias no regime republicano, Cf. José Murilo de Carvalho. “Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual”. In: _____. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p. 130-153. 51 Houve insatisfações de operários, ferroviários, condutores de bondes e cocheiros que realizaram sucessivas paralisações na capital da República. 52 Cf. José Murilo de Carvalho. Os bestializados — o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Cia. das Letras, 1987, p. 23. 53 A. Carneiro Leão. “Os Deveres das Novas Gerações Brasileiras”. In: Vicente Licínio Cardoso (org.). À margem da história da República. t. I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 19.
48
Castilhos representava a própria rivalidade do castilhismo com o florianismo54. E nem havia
terminado a guerra civil mais longa da Primeira República, Prudente viu-se diante de outra
revolta durante seu governo. Agora, era a dita sombra monarquista que, segundo se dizia,
manifestava-se por meio de Canudos, sob a liderança de Antônio Conselheiro55. Todas essas
tensões, principalmente, os desentendimentos com o grupo jacobinista e o clima estremecido
na Câmara, devido à discórdia entre Francisco Glicério e Prudente de Morais, acarretaram o
enfraquecimento do governo que deságua na decretação do estado de sítio no Distrito Federal
e em Niterói. O Jornal do Commercio, ao que tudo indica, apoiava Prudente. Este chegou a
utilizar as páginas do diário para responder, anonimamente, às críticas perpetradas por
Glicério.
[...] julgamo-nos autorizados a declarar que o Sr. Francisco Glicério não interpreta perante o Congresso a política do Sr. Presidente da República, como se tem feito acreditar em certos grupos políticos. O discurso pronunciado ontem pelo Sr. Deputado por São Paulo [...] denuncia aliás a sua completa divergência dos atos que pretendeu praticar o Sr. Presidente da República [...]56.
De qualquer forma, sabe-se que o proprietário do Jornal do Commercio manteve uma
larga correspondência com Prudente de Morais. O chefe de governo demonstrava profundo
reconhecimento para com José Carlos Rodrigues, conforme suas próprias palavras: “Por isso
mesmo tanto maior é o meu reconhecimento e mais profunda a minha gratidão para o grande
órgão da nossa imprensa e seu digno redator-chefe, pela justiça que me fazem auxiliando-me
eficazmente no desempenho de minha tão difícil quanto patriótica tarefa [...]”57. A carta a
seguir, apesar de extensa, evidencia, claramente, como a afinidade entre ambos desencadeava
54 Sobre a Revolta Federalista no Rio Grande do Sul, ver Edgard Carone. Op. cit., p. 139-145. 55 Vale ressaltar que havia até quem percebesse Canudos como o avesso do republicanismo e do jacobinismo, transformando o movimento a pretexto de uma suposta conspiração contra o Estado republicano. Segundo Edgard Carone, homens como Alcindo Guanabara, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Guimarães Passos e jornais como a República, O País e A Federação são os maiores divulgadores da propaganda de Canudos como uma manifestação monarquista. Cf. Edgard Carone. Op. cit., p. 152. 56 Prudente de Morais. Apud: Idem. Ibidem, p. 158. 57 Prudente de Morais. Apud: Idem. Ibidem, p. 54.
49
um elo não somente pessoal, mas também de troca de favores, especificamente aqueles
relacionados à política.
Confidencial Amº. Dr. José Carlos, A vária do Jornal sobre o barracão da Lapa — afirmando que o Ministro da Fazenda ia vender esse barracão por 4:000 — quando o recebera do Banco da República por 50:000 — magoou profundamente o Dr. Bernardino a ponto de, reunindo esse a outros dissabores que tem tido na dificílima situação que atravessamos, vir falar-me com insistência em retirar-se do governo. Parece-me que ele tem razão para estar magoado — porque a vária o expõe ao odioso perante o público (sic) — por coisa que não foi feita por ele. [...] Na situação tristíssima que suportamos com enormes sacrifícios, quando devíamos contar com o apoio e concurso de todos os brasileiros amantes deste infeliz país, dói muito deparar-se com imputações como as dessa vária, especialmente pela influência do Jornal, que sabe que só mantemo-nos no governo fazendo enorme sacrifício. O Jornal foi injusto — e estou certo que procurará reparar essa injustiça [...]58”.
Após o turbulento período governamental de Prudente de Morais, outro paulista,
Campos Sales, aceitou a indicação para concorrer à presidência da República, tornando-se, em
1898, o segundo presidente civil do Brasil. Desenvolvendo a política dos governadores, na
qual promoveu o afastamento dos militares e o aumento do prestígio da república oligárquica,
o novo chefe de governo alcançou relativa calma no cenário político59. Vale lembrar que a
república oligárquica caracterizou-se pelas relações de clientelismo e favorecimento político
pelo governo central com os governadores nos estados60. Com esta política, Campos Sales
obteve apoio maciço da Câmara, o que o ajudaria na resolução das questões parlamentares. A
prova da adesão apareceria no Jornal do Commercio, em março de 1900, com a qual o artigo
assinado por Borges de Medeiros afirmou, apesar dos protestos dos comerciantes de Porto
58 Carta de Prudente de Morais a José Carlos Rodrigues. 17 de janeiro de 1898. In: Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues, 1844-1923. Op. cit., p. 65. 59 Cf. Emília Viotti da Costa. Op. cit., p. 399. 60 Para uma melhor apreciação sobre as relações de clientelismo durante o domínio político das oligarquias, Cf. Maria Isaura Pereira de Queiroz. “O Coronelismo numa interpretação sociológica”. In: Fernando Henrique Cardoso (et ali.). O Brasil Republicano: estrutura de poder e economia (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t. III, v. 1, 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 155-190.
50
Alegre contra uma das medidas econômicas de Campos Sales, seus elogios e apoio ao
governo do presidente61.
José Carlos Rodrigues também exerceu uma ampla influência no mandato de Campos
Sales, sendo considerado “homem de confiança do Presidente”. O proprietário do Jornal do
Commercio continuava, através da divulgação de notícias bem selecionadas, a favorecer a
política vigente, como é possível perceber pelo extrato do seguinte documento:
[...] Tive uma carta muito interessante do Luís Viana e dele fiz um extrato para as várias, se V. julgar que está em bons termos e sem inconvenientes. Está entendido que V. poderá fazer as alterações que quiser e até inutilizá-lo. Acho que neste momento de intrigas o pensamento do Luís Viana pode ser-me favorável62.
Além de José Carlos, Tobias Monteiro63, um dos redatores do Jornal do Commercio,
também tinha uma relação bem próxima com Campos Sales. Acompanhou-o em uma viagem
para a Europa, tornando-se seu secretário durante a excursão. De acordo com o próprio Tobias
Monteiro, foi no almoço oferecido ao então presidente da República, no Grande Hotel do Rio
de Janeiro, que Rodrigues falou-lhe acerca da missão de acompanhar Campos Sales em uma
viagem ao velho mundo. O convite foi aceito e resultou na publicação da obra O Presidente
Campos Sales na Europa64.
61 De acordo com Edgard Carone, as publicações sobre a atitude de Borges de Medeiros em continuar a apoiar o presidente Campos Sales, apesar dos protestos dos comerciantes de Porto Alegre contra a nova medida do governo federal, foram noticiadas no Jornal do Commercio entre os dias 4 e 6 de março de 1900. Cf. Edgard Carone. Op. cit., p. 178. A título de curiosidade, neste período, um dos melhores repórteres do Jornal do Commercio, com notoriedade perante a imprensa fluminense, era Ernesto Sena, conhecido por fazer prodígios em busca de informações. 62 Carta de Campos Sales a José Carlos Rodrigues solicitando-lhe a publicação de um texto no Jornal do Commercio. 15 de fevereiro de 1899. In: Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues, 1844-1923. Op. cit., p. 40 e 41. 63 Tobias Monteiro serviu no gabinete de Rui Barbosa na época em que este era Ministro da Fazenda, encarregando-se de toda a correspondência epistolar deste e foi secretário do Presidente Campos Sales. Entregou-se tanto à campanha da Abolição como à da República e publicou a obra: História do Império, dividida em vários volumes, independentes, o primeiro dos quais A elaboração da Independência e, em seguida, O Primeiro Reinado, depois As origens da Guerra. Foi eleito sócio honorário do IHGB em 14/4/1939, tendo falecido no Rio de Janeiro em 2 de agosto de 1952. Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiros. Op. cit., p. 106-107 e Arquivo Tobias Monteiro: Inventário Analítico. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007. 64 Cf. Tobias Monteiro. O Presidente Campos Sales na Europa. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2005.
51
Por meio do controle da inflação e de acordos com os credores estrangeiros, que
possibilitaram relativa valorização da moeda, Campos Sales conseguiu atenuar a crise
econômica que o país vinha sofrendo desde o Encilhamento. Contudo, essa política deixou
para a população urbana um encargo amplo de impostos sobre o consumo, que obviamente
gerou na insatisfação popular65.
O próprio Campos Sales se articulou para convencer vários líderes estaduais a apoiar a
candidatura de Rodrigues Alves e obteve sucesso na sua empreitada, pois, com o apoio de
seus correligionários, Rodrigues Alves e Silviano Brandão assumiram, em 1902,
respectivamente, os cargos de presidente e vice-presidente do governo brasileiro. No mandado
de Rodrigues uma política se destacou: os melhoramentos urbanos juntamente com o
saneamento da capital. Esta precisava se adequar aos parâmetros europeus de civilidade,
justamente para apagar a imagem de cidade insalubre e insegura66. Com a abertura dos
trabalhos das obras públicas, financiado com recursos externos, o médico Oswaldo Cruz,
nomeado diretor do Serviço de Saúde, começou uma política de saneamento rigorosa,
principalmente devido à implantação da vacina obrigatória contra a varíola, que ocasionou
uma revolta por parte da população67. Os protestos contra a obrigatoriedade da vacina foram
uma reação ampla, como noticiou uma publicação no Jornal do Commercio, afirmando que os
praças do Regimento de Cavalaria da Polícia na Bahia se recusaram a receber a vacinação68.
Neste momento, o Jornal do Commercio, ainda sob a direção de José Carlos
Rodrigues, já havia completado mais de setenta anos e continuava um dos grandes órgãos da
imprensa nacional. Duas seções se destacavam, divulgando notícias referentes ao governo: as
65 Cf. Roberto Moura. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Coleção Biblioteca Carioca, 1995, p. 45. 66 Cf. Nicolau Sevcenko. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 29. 67 Sobre a Revolta da Vacina, Cf. José Murilo de Carvalho. “Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina”. In: _____. Os bestializados — o Rio de Janeiro e a república que não foi. Op. cit., p. 91-139. 68 Segundo Edgard Carone a publicação do Jornal do Commercio datava do dia 8 de setembro de 1904. Cf. Edgard Carone. Op. cit., p. 203.
52
famosas “Várias” e a “Gazetilha”. Tobias Monteiro era o redator principal, responsável pelos
artigos de fundo69. Já Ernesto Sena, antigo repórter, passou para a redação, local também
freqüentado pelo barão do Rio Branco que colaborava com o jornal. No Palácio do Catete, o
repórter deste periódico era o de maior ascendência e as notas do governo passavam por ele,
para depois chegarem ao conhecimento dos outros jornalistas.
Rodrigues Alves saiu do governo com a popularidade em alta, pois obteve sucesso
tanto na questão das reformas urbanas na capital, como na da situação financeira. Em seu
lugar, tomou posse, em 25 de novembro de 1906, Afonso Pena, eleito através da “política do
café-com-leite”70. Em um Manifesto Político, lido no dia do lançamento oficial de sua
candidatura, publicado no Jornal do Commercio, Afonso Pena deixou claro sua posição em
relação ao legislativo, afirmando que “[...] Nem o Poder Executivo deve procurar legislar,
nem o Congresso governar: o contrário importaria na violação flagrante do regime em ponto
essencial”71. A frase resume um dos pontos conflituosos no novo governo, já que Afonso
Pena teve problemas com o Congresso que, naquele momento, era dominado por Pinheiro
Machado.
No dia 1º de novembro de 1909, o Jornal do Commercio começou a circular com sua
edição vespertina dirigida por Vitor Viana72. Neste mesmo ano, após a morte de Afonso Pena,
o vice-presidente Nilo Peçanha assumiu o governo e enfrentou agitações políticas, sobretudo
conflitos com as oligarquias estaduais de Minas Gerais e São Paulo, devido às discussões em
torno da sucessão presidencial marcada para 1º de março de 1910. Já há algum tempo, o
gaúcho Pinheiro Machado vinha articulando a candidatura de Hermes da Fonseca para a
69 Cf. Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 324. Além do Jornal do Commercio, Tobias Monteiro escreveu em O País e no Jornal do Brasil. Inquiriu várias personalidades do Império e da República a respeito dos importantes acontecimentos dos últimos e novos tempos dos dois regimes que acabou resultando em um livro, chamado Pesquisas e Depoimentos. 70 A denominação café-com-leite designou a alternância entre mineiros e paulistas para a sucessão presidencial. 71 Afonso Pena. Apud: Edgard Carone. Op. cit., p. 229. 72 Cf. Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 374.
53
presidência da República e o próprio Nilo Peçanha viu, neste evento, uma brecha para
consolidar seu poder no Estado do Rio de Janeiro73.
Na sucessão presidencial, em 1910, a disputa ficou entre um líder militar, Hermes da
Fonseca e um civil, Rui Barbosa. A imprensa se dividiu quando Rui Barbosa desencadeou a
sua campanha civilista. Ao seu lado, ficaram o Correio da Manhã, o Diário de Notícias, O
Século, A Notícia e a Careta. Por sua vez, tomaram posição a favor de Hermes da Fonseca, o
Jornal do Commercio, o Jornal do Brasil, O País, A Tribuna, e mais a Revista da Semana e O
Malho74.
Os militares entrariam em cena novamente com a vitória expressiva do marechal
Hermes da Fonseca que assumiu a presidência da República. Durante seu mandato, além das
disputas partidárias e a instabilidade de seus ministérios, ocorreu a Revolta da Chibata75.
Quatro anos mais tarde, Venceslau Braz era indicado a ocupar o cargo de presidente, proposta
que serviu como uma medida reconciliatória entre Minas Gerais e São Paulo. Assim sendo,
em 15 de novembro de 1914, Venceslau tomou posse como chefe de Estado e, assim como
aconteceu com os últimos presidentes, sofreu desgastes com revoltas, além do certo receio
mundial, devido ao início da Primeira Guerra. Recorreu-se novamente à implantação do
estado de sítio como tentativa de apaziguar os ânimos.
Foi durante o mandato de Venceslau Brás, mais especificamente em 1915, que José
Carlos Rodrigues deixou o Jornal do Commercio. Passou a sociedade para o português
73 Sobre a ascensão de Nilo Peçanha à presidência da República, Cf. Marieta de Moraes Ferreira (coord.). Op. cit., p. 171-185. O mandato de Peçanha foi marcado pela criação da Pasta da Agricultura e Comércio, cujo primeiro ocupante foi o engenheiro Cândido Rodrigues, e pela inauguração de alguns cursos para o ensino técnico. 74 Cf. Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 375. 75 A Revolta da Chibata ocorreu entre os dias 23 e 26 de novembro de 1910, quando marinheiros se rebelaram contra o uso da chibata por parte da Marinha brasileira. Mesmo após o término do motim, os conflitos não cessaram. O governo acabou traindo sua palavra e iniciou um processo de cassação aos marinheiros revoltosos, contribuindo para que novamente houvesse tumultos, ocasionando, mais uma vez, a decretação de estado de sítio no país. Sobre tal revolta, Cf. José Murilo de Carvalho. Pontos e bordados: escritos de história e política. Op. cit., p. 15.
54
Antônio Ferreira Botelho, que ocupava o cargo de gerente no periódico e desde bem moço ali
trabalhava76.
Por instrumento hoje assinado, o Sr. Dr. José Carlos Rodrigues cedeu ao outro sócio solidário da sociedade em comandita por ações, Rodrigues & C. — o Sr. Antônio Ferreira Botelho — os seus direitos na dita firma, retirando-se desta forma da sua gerência e da direção desta folha. (1º de maio de 1915)77.
Ferreira Botelho chegou ao Brasil, em 1888, no mesmo vapor em que viajava D. Pedro
II, de volta da sua última excursão à Europa. A princípio, trabalhou em um estabelecimento
de um patrício no Rio de Janeiro, mas insatisfeito, percorreu os anúncios do Jornal do
Commercio e acabou encontrando uma vaga para trabalhar nos serviços de limpeza do
periódico. Aos poucos foi subindo de cargo, chegando a atingir a chefia do escritório.
Conquistou a confiança de José Carlos Rodrigues e se ocupava, especificamente, da área
administrativa. Teve uma ascensão notável não somente no âmbito profissional, mas, também,
na vida social. Recebeu a Grã Cruz de Cristo, tornou-se Comendador da Legião de Honra da
Ordem de Leopoldo da Bélgica e foi membro honorário e benemérito das mais ilustres
associações78.
Quanto a Rodrigues, mesmo após a venda, continuou a colaborar no Jornal do
Commercio, não deixando de exercer certa influência na redação do diário. Em uma das
correspondências entre o antigo proprietário e Ferreira Botelho, o português esboçou um
convite: “[...] Não lhe queremos indicar a espécie de colaboração que poderia prestar-nos. Tal
não teria obrigações fixas e poderá ser-nos prestada aqui ou na Europa, como o amigo
entender melhor, quando queira, como queira, como possa, sem obrigações estritas, nem
76 Cf. Elmano Gomes Cardim. No sesquicentenário do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: ABI, 1978, p. 30. 77 Jornal do Commercio, 2/5/1915. Apud: Cícero Sandroni. Op. cit., p. 394. 78 Cf. Mário Guastini. Apud: Lavinia Madeira Ribeiro. Imprensa e Espaço Público: a institucionalização do jornalismo no Brasil 1808-1964. Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2004, p. 253 e 254.
55
fixação de assuntos [...]”79. José Carlos respondeu à carta de Botelho, primeiro referindo-se ao
seu afeto pelo periódico que, no seu entender, continuaria o mesmo e isto se estenderia aos
perpetuadores da sua obra e, em seguida, esclareceu que aceitaria o encargo se viesse a residir
na Europa80.
Em 1919, Epitácio Pessoa tornou-se o novo presidente. Seu governo passou por uma
intensa onda de conflitos devido às eleições presidenciais previstas para se realizarem no final
do seu mandato. Assim, o próprio Epitácio resolveu publicar no Jornal do Commercio uma
nota, informando a imparcialidade do governo em relação àquela disputa, envolvendo os dois
candidatos à presidência, Artur Bernardes e Nilo Peçanha, e a respeito das “cartas falsas”81. O
Jornal do Commercio chegou a publicar uma nota sobre o episódio das “cartas falsas” que
ficou bastante conhecida e citada:
[...] Ensaiam-se, porém, agora, na sombra, outras armas que não são propriamente políticas nem jornalísticas, mas de pura exploração, para ameaçar e extorquir dinheiro... É o caso, espalhado à surdina, de umas cartas manuscritas, que o seu possuidor assoalha serem do próprio punho do Sr. Artur Bernardes [...]. Essas cartas, apregoadas pelo seu portador como autógrafas, e oferecidas à venda nesse caráter, ora aos amigos do Sr. Bernardes, ora aos adversários da candidatura deste, puderam ser escritas em papel timbrado do gabinete do presidente de Minas e, consta, imitam muito bem a letra do mesmo82.
A não aceitação da vitória de Artur Bernardes, candidato oficial, na disputa com Nilo
Peçanha, da Reação Republicana, além da Revolta do Forte de Copacabana, o movimento
tenentista e o projeto da Lei de Imprensa, provocaram um clima de agitação nesse período.
Devido aos episódios ocorridos, mais uma vez foi decretado estado de sítio, jornalistas foram
79 Carta de Antônio Ferreira Botelho a José Carlos Rodrigues convidando-o a colaborar novamente no Jornal do Commercio. 29 de novembro de 1921. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues. 80 Carta de José Carlos Rodrigues ao Comendador Antônio Ferreira Botelho agradecendo o convite para colaborador do Jornal do Commercio. s/d. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues. 81 Cf. Edgard Carone. Op. cit., p. 348. A questão das “cartas falsas” foi um episódio ocorrido no período do lançamento das candidaturas de Artur Bernardes e Nilo Peçanha à presidência. O jornal Correio da Manhã, a favor de Nilo Peçanha, publicou cartas que, supostamente, seriam de Artur Bernardes para Raul Soares, criticando os militares. Mais tarde, verificou-se que as cartas eram falsas e foram forjadas por Oldemar Lacerda e Jacinto Guimarães. 82 Jornal do Commercio. Apud: Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 411.
56
presos e jornais de oposição fechados83. Mesmo sob o estado de sítio, o novo presidente,
Artur Bernardes, tomou posse no dia 15 de novembro de 1922. Um dos maiores problemas
enfrentados por Bernardes foi a “Revolução de 1924”, a segunda revolta tenentista.
Esses movimentos dos anos da década de 20 também foram reflexos do próprio
crescimento urbano que, a partir daquele momento, constituiu a consolidação das classes
média e operária que já lutavam contra o domínio absoluto das oligarquias agrárias. No
mandato de Artur Bernardes, especificamente em outubro de 1923, houve a promulgação da
Lei de Imprensa, conhecida por Lei Adolfo Gordo, nome do senador paulista redator do
projeto. Nela se estabeleceu: “[...] prisão e multas pecuniárias para o que qualificava como
abuso da imprensa; publicação de segredos de Estado; ofensas ao presidente da República;
além de vedar o anonimato de artigos [...]”, entre outras limitações84.
Vale a pena fazer uma pequena ressalva sobre a composição do Ministério de
Bernardes, já que Félix Pacheco foi convidado para ser ministro das Relações Exteriores de
tal governo e, pouco tempo depois, em 1923, se tornou o proprietário do Jornal do
Commercio85. Mais uma vez, a história do prestigiado periódico se entrelaçava com a
Primeira República. A relação, todavia, não agradava a todos, como é perceptível na nota que
saiu no jornal A Manhã em 29 de abril de 1927.
[...] Divulgada a certidão que exibiu a bandalheira do negócio do Banco do Brasil com o Jornal do Commercio, por ordem do governo Bernardes; demonstrando o assalto ao tesouro a benefício de um ministro, a quem a fala de escrúpulos de um presidente desonesto assegurou a fortuna a nossa custa; feita a prova provada de que, para o improvisado dono daquela folha, obtida em tais circunstâncias, não há senão o epíteto de ladrão, extensivo a chefe de Estado que autorizou e endossou a obra da gazua — a presença de Félix naquela casa do Congresso, a sua desfaçatez em agredir céus e terras, o cinismo do seu contra-libelo, em qualquer nação do globo não escapariam as pedradas definitivas [...]86.
83 Cf. Marly Silva da Motta. “Ante-sala do paraíso”, “vale das luzes”, “bazar de maravilhas” — A Exposição Internacional do Centenário da Independência (Rio de Janeiro – 1922)”. Rio de Janeiro: CPDOC, 1992, p. 13. 84 Tania R. de Luca. Op. cit., p. 164-165. 85 A trajetória completa de Félix Pacheco na política será abordada em capítulo à parte, especificamente no tópico “As múltiplas faces de Félix Pacheco”, p. 109-116. 86 A Manhã, 29/4/1927.
57
O Jornal do Commercio era acusado de ser um aliado tradicional de todos os
governos. As críticas aumentaram consideravelmente durante o exercício de Félix Pacheco na
pasta das Relações Exteriores. Félix respondeu a algumas dessas censuras, em 1927, ao se
dirigir à Comissão de Verificação de Poderes do Senado.
[...] Por ventura o Jornal do Commercio, por dever, como devia, ao Banco do Brasil, no tempo de Floriano, se curvou a Floriano? Mandaram acaso algum dia ali dentro Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo, Hermes, Venceslau? É essa situação de perfeita integridade moral da folha que irrita e desespera a imprensa noveleira e demagógica, e faz a delícia parva dos meus antigos e novos adversários políticos [...]87.
Mesmo com os percalços durante o governo de Artur Bernardes, o sistema oligárquico
se conservou no poder e, nas eleições de 1926, Washington Luís tomou posse como
presidente88. Apesar de, inicialmente, não sofrer graves problemas políticos, no final de seu
governo, as conturbações para a eleição presidencial já mostravam que, futuramente, uma
nova crise política emergiria: a chamada “Revolução de 1930”.
O período da Primeira República, portanto, sofreu com sucessivas tensões políticas,
que freqüentemente eclodiram em revoltas, insatisfação popular, afrontamentos partidários,
decretação de estado de sítio em vários momentos e, em outros, censura à imprensa. Isso
demonstrava que o regime implantado em 1889 não se havia consolidado e que ainda era
necessário conferir não apenas uma unidade política ao país, mas criar parâmetros de uma
consciência nacional que o legitimasse. Partindo dessa concepção, políticos e homens de
letras tentaram buscar uma identificação coletiva para o país, que contribuísse para a
estabilidade das frágeis instituições republicanas. O próprio regime utilizou-se da mobilização
simbólica para produzir uma experiência capaz de traduzir o sentimento coletivo, de expressar
87 Félix Pacheco. À Comissão de Verificação de Poderes do Senado da República e aos homens de bem do país inteiro. Op. cit., p. 16. 88 Sobre as disputas políticas e o próprio tenentismo na década de vinte que culminaram na revolta de 1930, Cf. Boris Fausto. “A crise dos anos vinte e a revolução de 1930”. In: _____ (org.). Op. cit., p. 403-426.
58
a emoção cívica dos membros de uma comunidade nacional89. Em muitos casos, a reflexão se
fez através de uma re(leitura) desses primeiros anos, apontando os erros e demonstrando os
dissabores causados pela insatisfação com a República vigente.
Envolto nesses conflitos um periódico marcou presença: a prestigiada folha fundada
por Pierre Plancher teve portas abertas, primeiro no Paço e, mais tarde, na sede do governo
republicano. Relações pessoais e sociais repercutiram nas colunas do jornal, ora favorecendo
a política que convinha aos redatores e jornalistas, ora acometendo aqueles que, de alguma
forma, não correspondiam aos conceitos e opiniões que se desejava imprimir no diário. Max
Fleiüss, amigo próximo de José Carlos Rodrigues, em certa crônica, revelou as proximidades
dos homens públicos com aqueles que colocavam os eventos mais importantes do dia
estampados nas folhas do Jornal do Commercio.
Quem não recorda do Jornal do Commercio, com o largo balcão que tomava todo o vasto pavimento, onde sempre se achavam o Cunha, o Barros, o Luright, o João Lopes, o Botelho, e onde começou o prestimoso Adão! À porta grupos de magnatas, especialmente da política; além deles o famoso repórter Tinoco, o Sena, e tempos depois, o Dr. José Carlos Rodrigues, sempre por tudo interessado, e a todos atendendo [...]. A redação estava no primeiro andar, uma mesa larga para consultas do Jornal e, junto às paredes, as escrivaninhas do Dr. Pederneiras, Caldas Viana, Tobias Monteiro, Soares de Souza e depois o saudosíssimo Félix Pacheco, sem esquecer o Baldoméro quase sempre metido num guarda-pó [...]90.
1.2 Papéis e canetas em prol de uma identidade nacional
1.2.1 Legitimando a República
89 Em relação à questão sobre a construção do imaginário coletivo de uma nação, Cf. Anderson Benedict. Nação e Consciência Nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, p. 25. 90 Max Fleiüss. Recordando: casos e perfis. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941, p, 82. Grifos meus.
59
A implantação da República não se apresentou de forma harmônica para grande parte
da população e, inclusive, para seus próprios adeptos, que enfrentavam dificuldades na
consolidação do novo regime. Já nos primeiros anos, alguns eventos foram vistos como
tentativas de restauração da Monarquia, como a Revolta da Armada, em 1893, na qual alguns
oficiais se rebelaram contra a posse de Floriano Peixoto e, com a adesão do monarquista
Saldanha da Gama, o movimento caracterizou-se como restaurador, segundo se verifica pela
própria historiografia sobre o tema91. Prontamente, os jacobinos se viram ameaçados e
incitaram Floriano a combater tal revolta, demonstrando que as intimidações monarquistas
ainda causavam algum receio. Não é demais lembrar que o movimento jacobino cultuava
Floriano e o nacionalismo, defendendo um projeto republicano diferente daquele dos liberais.
De certa forma, o medo desses republicanos tinha fundamento, pois o grupo
monarquista, composto por políticos influentes, jornalistas, ativistas, embora, após a
proclamação, já se dividisse entre restauradores e neo-republicanos, sempre estava envolto
com um possível retorno de um representante da família imperial.
Para minimizar as fragilidades dos primeiros anos pós-1889, os novos donos do poder
recorreram ao processo de construção da nacionalidade republicana, a partir da assimilação de
símbolos nacionais que pudessem auxiliar a formação de uma nova consciência nacional.
Dessa maneira, foram produzidos heróis como Tiradentes, símbolos como a bandeira e o
calendário cívico, possibilitando uma criação de tradição para a República. Os positivistas
destacaram-se nesta tarefa: detentores de uma metodologia “científica”, conduziram um
intenso trabalho de reconstrução da memória pátria, procurando situar o regime na
nacionalidade. Iniciaram os trabalhos com a constituição de um mito de origem, buscando no
passado a legitimação do governo92.
91 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. Op. cit., p. 176. 92 Cf. Marly Silva da Motta. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da Independência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992, p. 13.
60
Torna-se importante esclarecer que os republicanos usaram positivamente certas
memórias da Monarquia para estabelecer sua própria lembrança. D. Pedro I foi identificado
como uma parte da história que não mereceu lugar na recordação republicana. Contudo, a
figura de José Bonifácio — o Patriarca da Independência — foi resgatada como sendo a
representação do homem brasileiro, cientista, favorável ao fim da escravidão, que almejou a
ordem e representaria a síntese das correntes que construíram a nação brasileira. A
unanimidade era geral em torno do papel que o ex-ministro teria praticado na
Independência93. Na mesma amplitude, a imagem de D. Pedro II trazia boas memórias, o que
acarretou até o pedido da transladação dos seus restos mortais e de sua esposa para o Brasil.
Obtida autorização da antiga Família Imperial, a Comissão Comemorativa providenciará, da maneira que mais compatível julgar com a natureza do assunto, para que sejam transladados de São Vicente de Fora, em Lisboa, para o Rio de Janeiro, os restos mortais do ex-Imperador o Senhor Dom Pedro II, e de consorte, a ex-Imperatriz, a Senhora Dona Tereza Cristina, de modo que, até 7 de setembro de 1922, já se encontrem em repouso no seio da pátria que elevaram e dignificaram94.
No desenho do imaginário republicano, alguns jacobinos e positivistas se utilizaram da
simbologia da Revolução Francesa como empréstimo alegórico para a construção da
identidade do novo regime. Como exemplos, o uso da Marselhesa, hino oficial francês e da
alegoria feminina da República, que, de acordo com José Murilo de Carvalho, foi usada até
mesmo antes da proclamação95 como representante ideal da humanidade. Houve ainda uma
disputa sobre dois significantes símbolos: a bandeira e o hino. Com relação ao primeiro, após
alguns embates, terminou com a vitória dos positivistas, mas incorporando elementos da
tradição imperial. A frase “Ordem e Progresso” remetia aos ideais de Comte, mas as cores
verde-amarelo ainda permaneceram ligadas às do Império. No caso do hino, conservou-se o
93 Cf. Idem. Ibidem, p. 22. 94 Projeto de Lei de 1919 substitutivo ao da Câmara dos Deputados nº 278 de 1916 apresentando as bases para a realização das comemorações do centenário da Independência. Novembro de 1919. Art. 6º. Arquivo IHGB, coleção conde de Afonso Celso. 95 Cf. José Murilo de Carvalho. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Op. cit., p. 13.
61
antigo, o que foi um triunfo para os tradicionalistas. Apesar da tentativa da República de
elaborar uma música própria, manteve-se o velho hino monárquico de Francisco Manuel que,
posteriormente, sofreria uma mudança na letra, escrita por Osório Duque Estrada e
apresentada em 1922. Justificava-se, assim, o fato de os republicanos cantarem a Marselhesa,
pois, como não tinham hino próprio, a música francesa se constituía como o canto dos
revolucionários de todos os países. O hino, como afirmou Max Fleiüss, deveria criar uma
sensação de coletividade e ser a expressão musical da pátria.
O nosso hino, lembrando uma série sucessiva de fatos sociais, possui, portanto, feição essencial ao gênero, imprimindo em nosso espírito uma sensação de coletividade histórica. Não há ninguém que o desconheça por toda a vastidão do território brasileiro — É, pois, a expressão musical da pátria96.
Destacou-se também a figura dos heróis como símbolos poderosos, pontos de
referência da identidade coletiva, bastante usados por estadistas para legitimar o regime
político. José Murilo de Carvalho expressou como seria configurado o comportamento do
herói para se constituir como um panteão cívico: “[...] Herói que se preze tem de ter, de algum
modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir
algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo
coletivamente valorizado [...]”97. Os principais participantes do movimento do 15 de
novembro foram candidatos a heróis. Disputaram o cargo simbólico Deodoro da Fonseca,
Benjamin Constant e Floriano Peixoto. Entretanto, esses pretendentes ao posto não
apresentaram as características exatas daquela corporificação de um panteão cívico da nação.
Encontraram-se, na figura de Tiradentes, as exigências para atender à mitificação do herói. Na
visão de alguns dos construtores da nacionalidade, a Inconfidência Mineira foi um dos
acontecimentos que provava que o ideal republicano já era acalentado pela sociedade
96 Max Fleiüss. “Francisco Manuel e o Hino Nacional”. Conferência realizada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a 12 de outubro de 1916. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917, p. 7. 97 José Murilo de Carvalho. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Op. cit., p. 55.
62
brasileira. Assim, o dia 21 de abril, a partir de 1890, foi declarado feriado nacional juntamente
com o 15 de novembro.
Mas os republicanos esbarravam sempre na memória monarquista ao tentar impor sua
própria lembrança, como aconteceu no dia 21 de abril de 1923, conflito iniciado pelos
membros do Clube Tiradentes, que cobriram com tapumes a estátua do Imperador D. Pedro I.
A confusão terminou com a interferência do prefeito do Distrito Federal, Barata Ribeiro, que
manteve a estátua do Imperador no mesmo local, mas a praça onde se localizava a escultura
recebeu o nome de Praça Tiradentes.
Os construtores da nacionalidade se utilizaram principalmente da imprensa, da
educação e da oralidade como esferas públicas para propagarem suas idéias98. Alguns
letrados se destacaram nesta tarefa de traçar novos contornos para a identidade brasileira e na
reflexão de se pensar a nação em um período de incertezas99.
1.2.2 Homens de letras100 e nacionalismo
Pensar a questão da nacionalidade foi um movimento que se desenvolveu
desigualmente através do tempo e entre grupos e regiões sociais do país. Tratou-se de um
98 Cf. Marly Silva da Motta. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da Independência. Op. cit., p. 29. 99 Vale lembrar que segundo Reinhart Koselleck, a partir da Idade Moderna, a aceleração do tempo provocou o que se chama de descontinuidade temporal. O passado já não se constituía tão facilmente baseado em uma história consolidada. Havia sempre novas interpretações que acendiam outras luzes sobre o que já se passou e parecia tão imutável. Isso acabaria por impor um futuro que se revelava sempre imprevisível. Assim, freqüentemente, buscava-se uma maneira de não se deixar perder em tempos de tantas incertezas, referentes a um passado, presente e futuro que permaneciam constantemente nublados. O medo e a insegurança do desfalecimento das lembranças acarretaram uma intensa produção de história e memória. Cf. Reinhart Koselleck. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006, p. 37.
100 De acordo com Angela de Castro Gomes, o termo homens letrados é uma categoria ampla e heterogênea de eruditos que se dedicavam, além da escrita da história, a escrever sobre geografia, ao estudo das línguas indígenas, da fauna, flora, dos debates políticos, da crítica literária e de outros mais diversos assuntos. Normalmente, a primeira formação desses homens foi a de bacharéis em direito, literatos, engenheiros e médicos. Cf. Angela de Castro Gomes. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 75-76.
63
processo de autoconsciência de homens letrados que sentiram necessidade da procura pelos
elementos que permitiriam a identificação do ser brasileiro e da nação. Lúcia Lippi Oliveira
esclarece que esse tema já havia sido alvo de interesse e diálogo pela geração de 1870, cujo
projeto visava alocar o Brasil nos moldes do progresso, deixando distante o atraso cultural 101.
As três primeiras décadas republicanas foram encaradas pelos contemporâneos como
um período que não correspondeu às expectativas, provocando inúmeros questionamentos e
desapontamentos até mesmo por parte de republicanos convictos. Euclides da Cunha, por
exemplo, revelou estar: “[...] A ver navios! Nem outra coisa faço nessa adorável República,
loureira de espírito curto que me deixa sistematicamente de lado [...]”102. O autor de Os
Sertões, publicado em 1902, conseguiu, por meio da descrição geográfica de uma região,
inserir aspectos políticos e sociais, já desmascarando a falta de congruência que fazia parte da
sociedade brasileira, na qual ainda se entrelaçavam dois mundos: a Monarquia e a República,
o racional e o místico, o arcaico e o moderno, o urbano e o rural103. Segundo Alfredo Bosi, o
que constituía hesitação em Euclides, permaneceu como certeza em Lima Barreto. Este
enxergou a sociedade brasileira, naquele momento, como um simulacro de democracia, no
qual os desequilíbrios de raça e de classe eram escondidos por uma fachada de gesso
floreal104.
101 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 81. Ver também João Cruz Costa. Contribuição à História da Idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 315-419. 102 Euclides da Cunha. Apud: Lúcia Lippi Oliveira. Ibidem, p. 87. 103 Cf. João Almino. “De Machado a Clarice: a força da literatura”. In: Carlos Guilherme Mota (org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo: Senac, 2000, p. 53-54. 104 Cf. Alfredo Bosi. “As letras na Primeira República”. In: Boris Fausto (org.). Op. cit., 307. Por meio das obras de Lima Barreto, acompanhou-se não só o processo político do início da República, mas também a dimensão social ao traçar um painel da classe média do Rio de Janeiro e a urbanização que ganhava traços acentuados. Um personagem que se destacou foi Policarpo Quaresma, integrante de um nacionalismo de otimismo, que combatia a mentalidade europeizada e exacerbava o patriotismo. Pelo próprio título do livro — O triste fim de Policarpo Quaresma, sabe-se que os sonhos ufanistas de Policarpo não se realizariam e, assim, é possível perceber a crítica de Lima Barreto ao discurso ufanista e a qualquer tipo de nacionalismo, entre eles o conservador. Ressalta-se que o Triste Fim de Policarpo Quaresma foi publicado pelo Jornal do Commercio, em 1911, na forma de folhetim. Cf. Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 386.
64
Já Eduardo Prado e Afonso Celso pertenciam à corrente do nacionalismo conservador,
que elogiava as qualidades naturais do país, mas criticava a vida política republicana,
principalmente a atuação dos militares no novo regime. Eduardo Prado, no seu livro — Fasto
da ditadura militar no Brasil (1902), censurou o papel dos militares e o que ele definiu como
ditadura militar republicana, a seu ver, introdução do caudilhismo na política105.
Passado o período sob a presidência dos militares, os novos governos civis com os
paulistas Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves mudaram, de certa forma, o
caráter reflexivo em torno de como se pensar o Brasil. Apesar das críticas árduas dos
jacobinos à chamada “república dos conselheiros”106, os três presidentes conseguiram
recuperar as finanças e a imagem do Brasil no exterior, contribuindo para algumas
transformações no modo de vida, principalmente na capital. Novos hábitos de consumo e
moda eram incorporados pela sociedade carioca, e as reformas urbanas no governo de
Rodrigues Alves e no mandato municipal de Pereira Passos simbolizaram o ingresso do país
na belle époque. As revistas ilustradas do período, em suas propagandas e ilustrações, como
foi o caso da Fon-Fon! e da Kosmos, mostravam as mudanças ocorridas e contribuíram para
divulgar a imagem de uma cidade moderna107.
Os escritores ganharam distintos espaços com a produção de folhetins e de colunas
publicadas nos jornais. Estes ainda permaneciam como os principais veículos de divulgação
para os homens de letras que encontraram, nesse momento, condições para a
profissionalização do seu métier literário, já que muitos exerciam outras atividades: emprego
público, magistério e jornalismo. Além disso, por meio da imprensa, conseguiam mais
notoriedade e recursos financeiros do que pela publicação de livros. O Jornal do Commercio,
105 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. Op. cit., p. 103. 106 A denominação “república dos conselheiros” designou um período da política, no qual esta esteve nas mãos de uma elite vinda do Império, como Rui Barbosa, Oliveira Lima, Afonso Pena, Rio Branco, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves, entre outros. Cf. Idem. Ibidem, p. 111. 107 Cf. Claudia Oliveira. “Arqueologia: viagens ao passado da cidade”. Revista Senhor: modernidade e cultura na imprensa brasileira, Rio de Janeiro, 22:45-58, 2008, p. 45.
65
por exemplo, remunerava as colaborações com valores entre 30 e 60 mil réis108 e dava
bastante destaque às letras109. Como declarou o redator do Jornal do Commercio, Félix
Pacheco: “[...] Toda a melhor literatura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala
pela imprensa [...]”110. Nos folhetins desse periódico, escritores famosos assinavam seções
permanentes, como Ver, ouvir e contar por Jaime Séguier, as Dominicais de João Luso, Dia-
a-Dia com Constâncio Alves e ainda as colaborações de Urbano Duarte, Escragnolle Dória,
Araripe Júnior e José Veríssimo, que mantinham a seção A Semana Literária111. Segundo
Nicolau Sevcenko, Veríssimo, com sua coluna no Jornal do Commercio, dirigiu todo o
movimento literário da primeira década do século XX112.
Com a belle époque e sua reverência à Europa, houve o sentimento de pertencer à
civilização e de integrar-se à cultura ocidental. As transformações urbanísticas e sociais no
Rio de Janeiro constituíram uma síntese deste momento, em que não só a arquitetura
rebuscada da cidade saltava aos olhos, mas também os hábitos dos monsieurs que ostentavam
os paletós de casimira clara e chapéu de palha, e as vestimentas das mademoiseilles que
exibiam seus tecidos e modelos chic oriundos das melhores maisons francesas.
No aluir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo gemido. Era o gemido soturno e lamentoso do Passado, do Atraso, do Opróbrio. A cidade colonial, imunda, retrógrada, emperrada nas suas velhas tradições, estava soluçando [...]. Mas o hino claro das picaretas abafava esse protesto importante [...]. [...] elas diziam, no seu clamor incessante e rítmico, celebrando a vitória da higiene, do bom gosto e da arte!113
Mesmo com o cosmopolitismo vivenciado, letrados não deixaram de se indagar sobre
as circunstâncias políticas e sociais que afetavam a sociedade brasileira. Por exemplo, Manuel
Bonfim, participante habitual das conferências literárias, acreditava em um nacionalismo em
108 Cf. Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 334. Valores em libras esterlinas: £ 285.000,000 e £ 570.000,000. 109 Assim como o Jornal do Commercio, o Diário Mercantil, O País, A Imprensa, A Notícia também eram periódicos que abriam espaço nas suas folhas para a literatura em geral. 110 Félix Pacheco. Apud: Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 334. 111 Cf. Idem. Ibidem, p. 335. 112 Cf. Nicolau Sevcenko. Op. cit., p. 90. 113 Olavo Bilac. Apud: Idem. Ibidem, p. 31.
66
que o povo se erguesse contra os elementos estranhos, apresentando a educação como um
meio para se libertar dessas infiltrações no organismo social brasileiro114. Na obra A América
Latina: males de origem (1905), o autor atribui os males de origem dos países do continente à
exploração das colônias pelas metrópoles e dos escravos e trabalhadores pelos senhores e
proprietários115. O conceito-chave dessa exploração constituía o parasitismo, noção tirada da
biologia, o qual “[...] se realiza por meio do trabalho escravo, que gera formas desumanas de
convivência e incapacita a sociedade para os regimes que possam assegurar a liberdade e o
progresso, tornando permanente o caos político e social do continente”116. Bonfim iniciou um
tipo de interpretação que os homens de letras adotariam a partir da eclosão da Primeira Guerra
Mundial, em 1914, com novas reflexões para se pensar o Brasil e os brasileiros117.
Apesar do conflito se situar na Europa, a guerra desencadeou incertezas em grande
parte do mundo. O Brasil, em 1917, rompeu relações com a Alemanha e, posteriormente,
declarou guerra a esse país, afirmando sua posição a favor da França, Inglaterra, EUA e
Rússia, países que combateram, diretamente, a Alemanha e o Império Austro-Húngaro.
Homens eruditos como José Carlos Rodrigues, Tobias Monteiro, ambos do Jornal do
Commercio e Coelho Neto, Nestor Vitor, Miguel Lemos, Afrânio Peixoto, Pandiá Calógeras,
dentre outros, assumiram uma posição em defesa do grupo da Tríplice Entente118. Olavo Bilac
destacou-se nesta luta intelectual contra os alemães, discursando para estudantes da Faculdade
de São Paulo. Defendeu a importância do civismo e da educação para civilizar o povo,
considerando esses elementos como um processo de construção da consciência do cidadão.
Posteriormente, tais discursos comporiam um livro — A defesa nacional, publicado em 1917.
114 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. Op. cit., p. 117. 115 Para uma melhor apreciação sobre a obra de Manuel Bonfim, Cf. Roberto Ventura. “Manuel Bonfim. A América Latina: males de origem”. In: Lourenço Dantas Mota. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. v. 2. São Paulo: Senac, 2001, p. 239-258. 116 Idem. Ibidem, p. 242. 117 Cf. João Cruz Costa. Op. cit., p. 417. 118 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. Op. cit., p. 119.
67
As sociedades rurais e os grupos tradicionais também estiveram presentes na literatura
neste momento. Monteiro Lobato foi um representante dessas correntes, nas quais se
visualizavam os antagonismos da sociedade e suas precariedades119. Por meio do personagem
Jeca Tatu, destacou a educação como um elemento essencial para curar os males brasileiros e
acrescentou a questão da saúde como essencial para refutar a tese da inferioridade racial120.
A partir deste momento, houve a necessidade de uma re(leitura) da própria
interpretação histórica. Um representante dessa abordagem foi Graça Aranha, com o texto de
1912 — A estética da vida, que influenciou o modernismo brasileiro nas figuras de Menotti
Del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e Oswald de Andrade121. Nos anos 20, a
questão da nacionalidade teve que ir além daquele ufanismo e do sertanismo dos primeiros
anos republicanos. A intenção se projetou na superação do atraso para garantir o ingresso do
Brasil no tempo das modernidades.
Vários momentos da década de 1920 levaram a uma conjuntura histórica bastante
singular, na qual eventos, como as comemorações do centenário da Independência em 1922 e,
mais adiante, do nascimento do Imperador D. Pedro II, em 1925, e, ainda, o movimento
Tenentista, a fundação do Partido Comunista e a data dos trinta e cinco anos de existência da
República, em 1924, propiciaram um campo significativo para fazer uma avaliação das
instituições republicanas e do passado monárquico. Os fatos ocorridos em 1922 representaram
uma alteração significativa no plano político, social e cultural que correspondeu a outro ciclo
da história, no entender de Octavio Ianni122.
A República começaria a ser analisada em um movimento de questionamento sobre
suas realizações e expectativas, campo discursivo proporcionado, principalmente, pela
vigência dos seus trinta e cinco anos de existência em 1924. Com a perspectiva de refletir
119 Cf. Nicolau Sevcenko. Op. cit., p. 32. 120 Cf. Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. Op. cit., p. 146. 121 Cf. Idem. Ibidem, p. 182. 122 Cf. Octavio Ianni. A Idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 24.
68
sobre os nossos problemas, precariedades e deveres, letrados se debruçaram para escrever
vários artigos que fizeram parte da coletânea — À margem da historia da República sob a
organização de Vicente Licínio Cardoso123. No prefácio do livro, provavelmente escrito pelo
organizador, explicitou-se que os textos constituíam um depoimento daqueles homens que
nasceram com a República, que não viram o Imperador, não conheceram os escravos, não
herdaram títulos e, assim, ficaram mais isentos para realizar suas próprias idéias124.
Dos doze colaboradores, onze formaram-se bacharéis em direito, sendo Vicente
Licínio Cardoso, o único engenheiro civil, bastante influenciado pelos estudos sociológicos e
pelo pensamento positivista125. Nas palavras do próprio Vicente Licínio:
Compreendem, de outro lado, a gravidade de nosso momento histórico presente e procuram reagir. Mas reagir pelo progresso dentro da ordem, por isso que todos eles sabem que em Sociologia o caminho seguro para andar mais ligeiro é aquele que evita os desatinos das correrias revolucionárias perigosas e intempestivas126.
Neste período, muitos engenheiros não permaneceram direcionados apenas para os
problemas técnicos, mas foram atraídos em estudar e explicar as dificuldades sociais que a
sociedade acarretava. Vicente Licínio Cardoso chegou a exercer a função de prefeito do
município de São Gonçalo para ter uma experiência político-administrativa. Na coletânea,
escreveu dois artigos, ambos no segundo tomo, sendo o primeiro denominado Benjamin
Constant, o Fundador da República, no qual apresentou um estudo biográfico do professor de
matemática da Escola Militar e sua influência para os jovens oficiais. Segundo o autor, “A
idéia republicana existira sempre, latente no país como era, mas estou certo de que sem aquele
123 Para este estudo, utiliza-se a 2ª edição, de 1981, que foi dividida em dois tomos. No primeiro tomo estão os ensaios de Carneiro Leão, Celso Vieira, Gilberto Amado, Jonathas Serrano, José Antonio Nogueira, Nuno Pinheiro e Oliveira Viana. No tomo subseqüente, os ensaios de Pontes de Miranda, Ronald de Carvalho, Tasso da Silveira, Tristão de Ataíde e Vicente Licínio Cardoso. Cf. Vicente Licínio Cardoso. t. I e II. Op. cit. Para esta análise, foram escolhidos aqueles artigos que constituem os mais significativos na reflexão desses letrados em torno de se pensar o Brasil e a nacionalidade através da apreciação dos próprios problemas brasileiros. 124 Cf. Idem. Ibidem. t. I, p. 15-16. 125 Vale ressaltar que Vicente Licínio Cardoso era filho do médico homeopata, matemático e positivista Licínio Cardoso. Morreu bastante jovem e de maneira trágica, cometendo suicídio. 126 Vicente Licínio Cardoso. Op. cit., t. I, p. 16.
69
ambiente mental, preparado por Benjamin, seria difícil levar a efeito a República, ou pelo
menos, realizá-la dentro da ordem [...]”127. No outro artigo — À Margem da República, o
engenheiro apontou que a queda da Monarquia foi devido à falta de uma base social e,
seguindo esse raciocínio, a Proclamação da República era algo inevitável. Vicente Licínio
argumentou: “[...] Ao símbolo velho e gasto de uma Monarquia envelhecida, sucedia pois o
símbolo novo de uma República nova e esperançosa [...]”128. Entretanto, esclareceu que o
novo regime, até então, assim como o antigo, não atendeu as necessidades do país,
conservando-se semelhante à Monarquia em vários aspectos. O autor ilustrou bem essa idéia
na seguinte afirmação:
[...] a República não nos trouxe nenhum idealismo congênito. Conseqüência política da evolução social sob o ideal abolicionista, o novo regime fixou apenas na carta constitucional pequenas ideologias, sem deixar sequer esboçado o verdadeiro idealismo orgânico e construtor nacional129.
De acordo com Lucia M. P. Guimarães, para Vicente Licínio, o governante ideal seria
uma espécie de “salvador da pátria ilustrado”130, demonstrando que as soluções esboçadas
pelo engenheiro ainda se mostravam tímidas diante de um quadro acentuado de crise pela qual
o Brasil passava naquele momento.
Oliveira Viana também contribui com um artigo para a coletânea, chamado — O
idealismo da Constituição. Bacharel em Direito, este autor, assim como Vicente Licínio
Cardoso, demonstrou que o regime republicano não conseguiu adequar sua política à
organização das instituições. O autor chegou a essa conclusão, avaliando as Constituintes
Imperial e Republicana, tendo percebido que esta última apresentou uma inadequação: a falta
de opinião pública. Assim sendo, Viana afirmou: “[...] os republicanos da Constituinte
127 Idem. “Benjamim Constant, o Fundador da República”. In: _____. Ibidem, t. II, p. 83. 128 Idem. “À Margem da República”. In: _____. Ibidem, p. 95. 129 Idem. Ibidem, p. 109. 130 Cf. Lucia M. P. Guimarães. “Vicente Licínio Cardoso: um projeto positivista para regenerar a república brasileira”. In: Hugo Cancino; Rogelio de la Mora (coord.). Idéias, Intelectuais e Paradigmas Européios na América Latina, 1850-2000. México: Universidad Veracruzana, 2007, p. 348.
70
constituíram um regime político baseado no pressuposto da opinião pública organizada [...].
Ora, esta opinião não existia entre nós: logo, ao mecanismo idealizado pelos legisladores de
91 faltava o sopro inspirador do seu dinamismo. Daí a sua falência”131. Ressalta-se que o
escritor, em várias passagens do texto, elogiou a Constituição e seus princípios. Entretanto, o
que Oliveira Viana criticou e assinalou foi que não adiantava ter uma harmonia e beleza nesta
Constituição, sem que houvesse uma conveniência e adaptação para o povo brasileiro. Para
Viana, a ideologia nela presente era uma mistura de democratismo francês, liberalismo inglês
e do federalismo americano e, desta forma, embutia uma heterogeneidade que não era
simplesmente cópia, mas, principalmente, inadaptável às instituições brasileiras132.
Antonio Carneiro Leão escreveu o texto — Os deveres das novas gerações
brasileiras, ocupando-se das questões relativas à educação. Apontou os erros e assinalou
algumas ações que permaneciam pertinentes para reformular a instituição educacional que, no
seu entender, constituía a forma mais adequada para conhecer a alma da nação. “É mister
convençam-se todos, no Brasil, de que as questões de educação não são simplesmente
pedagógicas, porém, nacionais, na mais alta expressão do termo. Interessam ao futuro do país,
ao desenvolvimento de suas forças vivas [...]”133. Os demais autores da coletânea, organizada
por Vicente Licínio, fizeram outros balanços sobre as instituições, a política, a economia, a
cultura, entre outros assuntos, na tentativa de diagnosticar os problemas e as demandas que
afetavam a sociedade brasileira134.
Se é certo que, antes mesmo da proclamação de 1889, os homens de letras, através de
diferentes perspectivas, tentaram construir uma nacionalidade para o Império recém-
independente, o problema perduraria e se agravaria após a mudança do regime. Talvez, o ano
131 Oliveira Viana. “O Idealismo da Constituição”. In: Vicente Licínio Cardoso. Op. cit. t. I, p. 110. 132 Cf. Idem. Ibidem, p. 105-106. 133 Carneiro Leão. Op. cit., p. 20. 134 Por exemplo, Nuno Pinheiro escreveu sobre as finanças nacionais, Gilberto Amado se encarregou das instituições políticas, Tristão de Ataíde fez uma reflexão da política e das letras, e Ronald de Carvalho se debruçou sobre a questão da nacionalidade brasileira.
71
de 1922, especialmente devido às comemorações do centenário da Independência do Brasil,
tenha se tornado o período mais propício para que essas ponderações aflorassem, tornando
possível não só recordar o passado, inclusive a partir de uma reelaboração da memória
imperial, mas também delinear as perspectivas para o futuro.
72
2 O RETORNO DE UMA PERSONAGEM: A INDEPENDÊNCIA
A Exposição Internacional de 1922 e as comemorações que se inauguram, aproximando-os das demais potências civilizadas do globo e revelando-lhes, como a nós mesmos, o que somos, após um século de progresso como nação livre, se inscrevem ainda como um dos mais significativos padrões do zelo, patriotismo e amor às tradições nacionais [...].
Max Fleiüss, 19221
2.1 As comemorações do centenário da Independência
2.1.1 O preparativos para o 7 de setembro
As palavras acima do secretário perpétuo2 do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro ilustram perfeitamente o horizonte de expectativa, diante da celebração do dia 7 de
setembro de 1922. O primeiro centenário da Independência foi visto como um marco que
representaria a entrada do Brasil nos moldes do progresso e da civilização, conceitos que já
1 Max Fleiüss. “Cem anos de Independência, 1822-1922”. Anais do Congresso Internacional de História da América. v. 1. Rio de Janeiro: IHGB, 1925, p. 106.
2 Max Fleiüss nasceu no Rio de Janeiro em 2 de outubro de 1868, tendo falecido nesta mesma cidade em 31 de janeiro de 1943. Formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro, exercendo a carreira de professor na Escola Leonardo da Vinci e no Ginásio São Bento. Foi membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de História, da Sociedade dos Americanistas de Paris, entre outras. Eleito sócio efetivo do IHGB em 3/6/1900, passando a honorário em 1914, a benemérito em 1917 e a grande benemérito em 17/8/1920. Desde 1906 exercia a 1ª secretaria, sendo, posteriormente, proclamado secretário perpétuo. A obra deixada por Fleiüss é bem extensa e se divide entre livros, artigos, conferências e discursos, entre eles: Francisco Manuel e o Hino Nacional, 1916; Quadros da História Pátria, 1918; Páginas brasileiras, 1919; História Administrativa do Brasil, 1923; Esboço da História do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1931. Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiro, Op. cit., p. 67-68 e Cf. Lucia M. P. Guimarães. “Discurso de posse: Max Fleiüss (1868-1943): historiador e memorialista”. RIHGB, Rio de Janeiro, 168(434):121-132, jan./mar., 2007.
73
vinham sendo bastante explorados desde a segunda metade do século XIX3. E mais: era um
momento propício para fazer uma avaliação do passado, do presente e das perspectivas para o
futuro. Sendo assim, vários setores da sociedade, com distintas percepções, não deixaram de
participar das celebrações em torno dos cem anos de vida independente da ex-colônia de
Portugal.
O governo, desde 1916, já vinha discutindo questões referentes às festividades do
centenário e, até mesmo, trabalhando na elaboração de um projeto acerca das distintas
celebrações que permeariam a data comemorativa dos cem anos da Independência. Mas foi
somente três anos mais tarde que esse plano ganhou forma e um conteúdo mais consistente.
Substituindo o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados número 278 de 1916, o de 1919
continha cerca de cem artigos e estabelecia as bases para a constituição de uma Comissão
Comemorativa do Centenário e todos os processos legais para a realização do respectivo
evento. O principal objetivo era que, em todos os pontos do território nacional, se realizassem
demonstrações de patriotismo pela data em que se completava o primeiro século de
emancipação política do Brasil. Para atingir tal finalidade, o artigo 1º, parágrafo 4º do Projeto
decretava:
[...] a Comissão Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil interessar-se-á junto às comissões estaduais, assim como estas perante as comissões municipais, para que a comemoração desse acontecimento se faça principalmente com obras produtivas morais, intelectuais e materiais, visando sobretudo a instrução, a higiene das populações e o embelezamento das localidades [...]4.
A Comissão do Centenário foi composta por Carlos Sampaio, prefeito do Distrito
Federal; Joaquim Ferreira Chaves, Ministro da Justiça e Negócios Interiores; Alfredo
Niemeyer, Diretor Geral dos Serviços Estrangeiros; J. Pires do Rio, membro da Comissão da
Exposição Internacional do Rio de Janeiro; J. B. de Mello e Souza, secretário geral; Alencar
3 Cf. Margarida de Souza Neves. “As Arenas Pacíficas”. Gávea, Rio de Janeiro, 5:29-41, 1988, p. 29. 4 Projeto de Lei de 1919. Op. cit. Art. 1º/§ 4º.
74
Guimarães, tesoureiro e João Batista da Costa, diretor da Escola Nacional de Belas Artes5.
Além dos encargos estabelecidos no Projeto, o comitê deveria organizar e realizar, na época
do centenário da Independência, congressos científicos, literários, históricos, de belas artes, de
instrução primária, secundária, superior, técnica e profissional.
Foi a partir desse dispositivo legal que se estabeleceu o concurso público na Capital
Federal e nas demais sedes dos outros estados para a composição de trabalhos históricos que
constituiriam o Livro do Centenário da Independência do Brasil. As monografias deveriam
ter, no mínimo, cento e cinqüenta e, no máximo, duzentas páginas e dissertariam sobre
assuntos como o Brasil Colonial, a legislação e instrução brasileira, a evolução econômica do
país, o Primeiro Reinado, o comércio e a indústria, dentre outros variados temas6. Ulterior
concorrência estipulada pelo Congresso Nacional foi referente à realização de pequenos
esboços a óleo, com um metro de comprimento por 0,70 de altura, de quadros históricos e
alegorias sobre fatos da história do Brasil7. As telas premiadas seriam destinadas ao futuro
Museu Histórico Nacional a ser construído de acordo com o artigo 5º do Projeto de 1919. O
estabelecimento ainda guardaria, após a devida catalogação e estudo, quaisquer objetos de
importância histórica que tivessem relação próxima ou remota com o Brasil, permitindo
atestar a evolução da civilização brasileira e manter o culto da tradição através das lembranças
das glórias nacionais. Abriu-se, ainda, concurso para a composição de uma ópera histórica,
em torno da idéia de independência, que se referisse à vida nacional, em três ou quatro atos. O
autor da ópera classificada em primeiro lugar receberia o prêmio de vinte e cinco contos de
réis (25:000$0008) e a mesma seria solenemente exibida no dia 7 de setembro de 19229.
5 Cf. A Exposição de 1922, p. 7. 6 Cf. Projeto de Lei de 1919. Op. cit. Art. 3º. Ver a relação completa dos assuntos que deveriam ser desenvolvidos pelos candidatos para a composição dos trabalhos históricos no Anexo A, p. 161. 7 Cf. Ibidem. Art. 4º. Ver a relação dos assuntos a serem desenvolvidos pelos candidatos para a composição dos pequenos esboços a óleo no Anexo B, p. 162. 8 Valor em libra esterlina: £ 355.475,000. 9 Cf. Projeto de Lei de 1919. Art. 20º/§ 1º, 3º. Ainda referente a espetáculos, também se abriu concurso público para trabalhos teatrais, dos quais um deveria ser um drama histórico, em prosa ou verso, em três ou quatro atos,
75
Outros eventos também fizeram parte das festividades do centenário da Independência
e estavam estipulados no Projeto de Lei de 1919. Um deles constituiu a realização, entre os
dias 1º a 20 de setembro de 1922, do Campeonato Nacional do Remo no Rio de Janeiro. No
mesmo período, as duas sociedades hípicas da Capital — o Jockey Club e o Derby Club —
promoveriam duas grandes corridas, nas quais só poderia haver a participação de animais
brasileiros. Prêmio interessante foi o assentado pelo Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, nos valores de vinte contos de réis (20:000$000) e de quinze contos de réis
(15:000$00010), destinado àqueles que, até a presente data de 7 de setembro de 1922,
apresentassem maior área de replantio florestal11.
Dando início aos trabalhos, como estava previsto no artigo 38º do respectivo Projeto12,
umas das primeiras ações do Estado foram os melhoramentos na Capital do país, permitindo
que a cidade ficasse limpa, saneada e com um bom aspecto para receber a Exposição
Internacional de 1922, atividade programada para as comemorações do centenário, e os
estrangeiros que nos visitariam. Carlos Sampaio, em 1920, já havia contratado, com os grupos
Lord Belfour of Burleigh-Mitford-Teixeira Soraes, a realização de obras no Rio de Janeiro.
Em carta dirigida ao Prefeito do Distrito Federal, F. Adamczuk, representante do sindicato
anglo-brasileiro constituído pelos referidos grupos, esclareceu que as obras e serviços seriam
executados nos seguintes âmbitos: arrasamento do Morro do Castelo, abertura da Avenida do
sobre o mesmo tema tratado na ópera. O outro constituiria uma comédia de costumes nacionais, em prosa ou verso, em três atos, observando tanto quanto possível a linguagem do tempo e apresentando personagens da história ou da tradição. Cf. Ibidem. Art. 24º. 10 Valores em libras esterlinas: £ 284.380,000 e £ 213.285,000. 11 Cf. Projeto de Lei de 1919. Artigos 30º, 31º e 32º. Para a realização destes concursos e eventos, e também daqueles não mencionados no presente texto, as despesas ficaram a cargo do Governo Federal e da Comissão Comemorativa. Ver as tabelas de distribuição das despesas no Anexo C, p. 163 e 164. 12 Cf. Ibidem. Artigo 38º/§1º, no qual se encontram os dispositivos legais para a realização de obras com o objetivo de remodelar a Capital Federal. As principais demandas descritas no Projeto versavam o estudo racional e traçado de novas vias públicas, bem como da retificação das existentes, organizado de modo a satisfazer as múltiplas conveniências ou exigências da estética, da higiene e da facilidade de tráfego urbano; criação de novos parques e bosques; desenvolvimento da zona comercial do Rio de Janeiro; melhoramento e embelezamento dos morros encravados no centro da cidade, entre outras medidas.
76
Morro da Viúva, aterro da Praia do Caju, aterro da Lagoa Rodrigo de Freitas e abertura da
Avenida Maracanã13.
Os reparos na cidade causaram sérias discussões e a principal delas talvez tenha sido o
arrasamento do Morro do Castelo no centro da cidade. Debates infindáveis sobre a destruição
ou não do Morro repercutiram na imprensa, fruto de duas visões distintas. A primeira,
contrária às obras, especificamente o arrasamento, argumentava que a região do Castelo
constituía o marco histórico da fundação da cidade, local que abrigava as igrejas de São
Sebastião do Castelo e a de Santo Inácio. Sendo assim, afirmaram que era um sacrilégio
acabar com um lugar sagrado que guardava parte da memória histórica do Rio de Janeiro.
Por outro lado, havia as opiniões a favor que se embasaram nos procedimentos
civilizatórios e modernos para corroborar o argumento. Na visão desses, os melhoramentos na
capital eram necessários, e o Morro do Castelo representava a desorganização sanitária com
os surtos de varíola e febre amarela, o atraso, o contraste com a imponente Avenida Rio
Branco que ficava a apenas vinte metros de distância da visível barbárie que o Morro
simbolizava14. A disputa terminou com a vitória dos interesses modernistas e o então prefeito,
Carlos Sampaio, ordenou a demolição do Morro do Castelo.
Sobre parte da área demolida do Morro, rasgaram-se largas ruas, onde foram
construídos pavilhões para a Exposição Internacional do Centenário da Independência do
Brasil15. Assim como os melhoramentos, construções e obras na cidade do Rio de Janeiro, o
13 Cf. Carta de F. Adamczuk ao Prefeito do Distrito Federal apresentando as bases para a realização de obras, melhoramentos e construções na Capital Federal. 5 de setembro de 1920. Arquivo IHGB, coleção Carlos Sampaio. 14 Para ter uma melhor apreciação sobre as discussões em torno do arrasamento do Morro do Castelo em 1920, Cf. Marly Silva da Motta. “Arrasar ou não arrasar, eis a questão!”. In: _____. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da Independência. Op. cit., p. 54-65. 15 A princípio seria apenas uma exposição nacional como se verifica nas sugestões oferecidas nos documentos oficiais. Contudo, em junho de 1920, foi sugerida a realização de uma exposição internacional de comércio e indústria para a comemoração do centenário da Independência, título que só foi oficialmente colocado em vigor no ano de 1921. Por isto, é possível encontrar duas denominações para a Exposição de 1922.
77
certame também entrou no calendário oficial para as celebrações de 1922, como se pode ler
na notícia que saiu no Diário Oficial de 17 de novembro de 1920.
Atos do Poder Legislativo (decreto nº 4.175 de 11 de novembro de 1920) Artigo 1º: Fica o poder executivo autorizado a promover desde já e conforme melhor convier aos interesses nacionais, a comemoração do centenário da Independência política do Brasil, aceitando a cooperação ou concurso de todas as classes sociais, observadas as seguintes condições: 1ª – Constituição de uma comissão idônea, que ficará diretamente subordinada ao Presidente da República, para organizar o programa que resulta do exame e coordenação dos projetos que forem formulados pelos membros e comissões do congresso, ministérios, prefeitura do Distrito Federal, estados, municipalidades ou particulares; 2ª – Observação do critério de preferência para a realização de uma Exposição Nacional na Capital da República. Artigo 2º: O governo organizará o programa da comemoração, submetendo-o ao conhecimento do congresso, com o pedido do crédito necessário para a execução da presente lei16.
Era a primeira vez que se realizava uma exposição internacional no Brasil e não em
alguma capital do hemisfério Norte, o que acontecia freqüentemente, como foi a inaugurada
em Londres, em maio de 1851, que teve, como tema principal, a indústria. No famoso Palácio
de Cristal, a exibição das máquinas representava os ícones dos novos tempos. Tais exposições
acabam se tornando universais mesmo sem abarcar um número considerável de participantes,
adquirindo o título na medida em que nações como os Estados Unidos e alguns países
europeus, integrantes dos certames, se constituíam os portadores dos valores do progresso que
internacionalizavam os valores da civilização17.
O Brasil só passou a participar do evento a partir de 1862, especificamente na terceira
exposição, também na capital inglesa. Como preparatória para esta, em 1861, o governo
imperial realizou uma Exposição Nacional sediada no edifício da Escola Central do Largo de
São Francisco na cidade do Rio de Janeiro. No estrangeiro ainda se destacaram a Exposição
16 Diário Oficial, 17/11/1920. 17 Cf. Margarida de Souza Neves. Op. cit., p. 30 e 31.
78
Internacional de Paris em comemoração ao primeiro centenário da Revolução Francesa em
1889 e a Exposição Internacional de Chicago, no ano de 1893, para a celebração do IV
centenário da descoberta da América. Os brasileiros ainda tiveram a oportunidade de
presenciar outra Exposição Nacional, em 1908, que marcou outro momento — a República. O
novo regime investiu maciçamente na montagem desse certame que trouxe mudanças para o
Distrito Federal, como a moderna técnica do aterro hidráulico utilizado no bairro da Urca, o
término das obras na Escola Militar e a excêntrica estrada de ferro em miniatura que conduzia
o público, em pequenos vagões de trem, a percorrer a mostra18. Mas foi com a Exposição
Internacional de 1922, a primeira após a Guerra Mundial, que o Brasil ingressou no século
XX e o governo republicano afirmou uma nova ordem — o progresso. Tentavam, assim, se
distanciar cada vez mais de algumas lembranças do passado monárquico e afirmar uma
imagem de modernidade para o país.
A Comissão Organizadora da mostra do centenário foi composta pelo Ministro
Interino da Agricultura Indústria e Comércio, também Ministro da Viação e Obras Públicas,
José Pires do Rio; sendo Antônio Olintho dos Santos Pires, primeiro vice-presidente e
Antônio Assis de Pádua Rezende, segundo vice-presidente e diretor da Revista A Exposição
de 1922. Já Delfim Carlos B. da Silva ocupou o cargo de secretário geral e Mário Barbosa
Carneiro o de tesoureiro19.
De acordo com Thais Sant’Ana, de modo semelhante às Exposições Universais do
século XIX, na de 1922 houve a valorização de dois elementos: o trabalho e o progresso
técnico-industrial20. As seções escolhidas para refletir as imagens nacionais diversificaram-se
nas seguintes áreas: educação e ensino; instrumentos e processos gerais das letras, das
ciências e das artes; material e processos gerais da mecânica; eletricidade; engenharia civil e
18 Cf. Idem. Ibidem, p. 38. 19 Cf. A Exposição de 1922, p. 4. 20 Cf. Thais Rezende da S. de Sant’Ana. “A Exposição Internacional de 1922: nação e modernidade”. Anais de Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 40:95-112, 2008, p. 103.
79
meios de transporte; agricultura; horticultura e arboricultura; florestas e colheitas; indústria
alimentar; indústrias extrativas de origem mineral e metalurgia; decoração e mobiliário dos
edifícios públicos e das habitações; fios, tecidos e vestuários; indústria química; indústrias
diversas; economia social; higiene e assistência; ensino prático, instituições econômicas e
trabalho manual da mulher; comércio; economia geral; estatística; forças de terra e mar; e
esportes21. Também houve espaço para a cultura popular, focalizando ambientes como o
choro, as mulatas, os batuques, o malandro, a música sertaneja e o samba.
Ilustração 1: Porta principal da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil
Fonte: site - http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=837422. Acesso em 4/1/2010.
21 Cf. Programa para a comemoração do 1º Centenário da Independência Política do Brasil. A Exposição de 1922.
80
A porta principal da Exposição foi edificada sobre o eixo da Avenida Rio Branco,
entre o jardim do Palácio Monroe e um terreno particular que lhe ficava fronteiro. A elevação
era de 33 metros, abrindo-se num grande arco, cujo vão media cerca de 14 metros de altura.
Os autores do projeto foram os arquitetos Edgard Vianna e Mario Fortim. Já na outra
extremidade do certame, construiu-se uma porta em estilo colonial que dava entrada para a
seção brasileira. O projeto de tal obra pertencia ao arquiteto Rafael Galvão22.
O Palácio Monroe23 acomodou a Comissão da Exposição, funcionando como um
centro administrativo, em que, no andar térreo, instalou-se o escritório oficial de informações,
no primeiro pavimento, ficaram os escritórios do comitê e, no segundo, os salões de festas e
de recepções24.
Os demais prédios construídos serviram para abrigar os pavilhões, nacionais e
estrangeiros25. Estes estiveram presentes para que governos ou industriais das nações amigas
convidadas a participar do evento pudessem exibir os produtos originários de seus países,
dentre eles a Argentina, o Japão, o México, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a Itália, a
Dinamarca, a Noruega, a Bélgica, a França e Portugal26. A circular do dia 31 de março de
1921 do Ministério das Relações Exteriores esclarecia o então convite aos representantes
estrangeiros no Brasil para participar da Exposição Internacional do Centenário.
Às embaixadas e legações estrangeiras no Brasil Rio de Janeiro, 31 de março de 1921 Senhor...,
Tenho a honra de comunicar a V. ..., a fim de que se digne transmitir ao seu governo, à imprensa e aos demais interessados do seu país que, para a comemoração do centenário da independência do Brasil nesta capital, de setembro a novembro de 1922, o governo federal reservará, no recinto da
22 Cf. Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Edição Anuário do Brasil. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923, p. 308. 23 Ver Ilustração 1, p. 79. O Palácio Monroe é o prédio à esquerda. 24 Cf. Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 308. 25 Ver Ilustração 2, p. 81 e Ilustração 3, p. 82. 26 Cf. Maurício Tenório. “Um Cuauhtémoc carioca: comemorando o centenário da Independência do Brasil e a raça cósmica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 7(14):123-148, 1994, p. 125.
81
exposição nacional a ser realizada, uma área de terreno aos governos ou expositores estrangeiros que desejem construir pavilhões para a exibição de produtos originários dos seus países, conforme comunicação que acabo de receber do senhor ministro da Justiça e Negócios Interiores. [...] Transmito, assim, ao governo de V. Exa. este convite oficial do governo brasileiro, agradecendo o concurso que se dignar prestar a tão relevante cometimento [...]27.
Ilustração 2: Pavilhões Nacionais de Estatística e Caça e Pesca
Fonte: Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da
Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923, p. 46. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
27 Cicular nº 4 do Ministério da Relações Exteriores às embaixadas e legações estrangeiras no Brasil. 31 de março de 1921. In: Caderno do Centro de História e Documentação Diplomática. Circulares do Ministério das Relações Exteriores: 1912-1930. Ano V, nº 8. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2006, p. 86 e 87. Vale ressaltar que na circular do dia 30 de janeiro de 1922 do respectivo Ministério foram expostas regras por ocasião da importação dos artigos, objetos e materiais destinados à Exposição Comemorativa do Centenário da Independência. Para ter uma melhor apreciação sobre esses regulamentos, ver Anexo D, p. 165.
82
Ilustração 3: Vista interior do Pavilhão Mexicano
Fonte: Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Almanak
Laemmert, 1923, p. 178. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
De acordo com o Regulamento da Exposição Internacional, os expositores julgados
pelo júri seriam premiados com as distinções seguintes: Diploma de Grande Prêmio, Diploma
de Honra, Diploma de Medalha de Ouro, Diploma de Medalha de Prata e Diploma de
Medalha de Bronze. Haveria também a criação de uma Medalha Oficial do certame28 e a de
uma Moeda Comemorativa do Centenário que seriam escolhidas após o julgamento do melhor
projeto, ficando este a cargo da Casa da Moeda, devendo as vencedoras entrar em circulação a
partir do dia 1º de setembro de 1922. Além disso, realizou-se concurso público para a
composição de desenhos de Selos Postais para a celebração dos cem anos da Independência29.
28 Ver Ilustração 4, p. 83.
29 Cf. Projeto de Lei de 1919. Op. cit. Artigos 18º e 19º. Assim como as Moedas Comemorativas, os Selos Postais também seriam impressos na Casa da Moeda e postos em circulação pela Diretoria Geral do Correios a partir do dia 1º de setembro.
83
Ilustração 4: Medalha da Exposição Internacional de 1922-1923
Fonte: Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923, p. 372. Acervo da
Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
No final do mês de agosto de 1922, alguns dos convidados estrangeiros para a
celebração do centenário já desembarcavam no Porto da cidade do Rio de Janeiro, como foi
noticiado no Jornal do Commercio: “A bordo do Massila, chegaram ontem a esta capital,
vários membros da embaixada especial da França na comemoração do nosso centenário (sic),
que ficarão sob a chefia do Sr. A. Conty, investido no caráter de Embaixador Extraordinário
em Missão Especial [...]”30. Outros eventos ocorridos nos primeiros dias de setembro também
demonstravam a preparação para os festejos do dia sete. Ainda, nas reportagens no Jornal do
Commercio, informou-se sobre a sessão preparatória realizada pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro para o Congresso de História da América e o início dos trabalhos de
instalação dos mostruários brasileiros pelos expositores do Distrito Federal31. As cerimônias
da festa comemorativa começaram oficialmente no dia 6 de setembro de 1922 com a entrega, 30 Jornal do Commercio, 1º de setembro de 1922, p. 3.
31 Cf. Ibidem, 1º de setembro de 1922, p. 6 e 2 de setembro de 1922, p. 11. Na folha do dia 3/9/1922, a famosa seção Gazetilha foi dedicada ao centenário da Independência e tratou de assuntos como a representação mexicana, a homenagem da República argentina e do juramento à bandeira brasileira pelas crianças das escolas do país.
84
no Palácio do Catete, de credenciais ao Presidente da República por parte dos embaixadores e
ministros plenipotenciários em missão especial dos governos estrangeiros. Logo após este
evento, houve uma parada militar, na qual as tropas, que se estendiam numa linha de cerca de
oito quilômetros, desde a Avenida Rio Branco, passando pelo cais do porto, até a Avenida do
Mangue e ruas de São Cristovão e Escobar, davam as boas vindas ao centenário. Já por volta
das 12 horas, as crianças de todas as escolas primárias da Capital da República, como do
Brasil inteiro, realizaram a cerimônia do juramento de fidelidade e amor eternos à Bandeira
Nacional. Às 16 horas era inaugurada a Exposição Internacional do Rio de Janeiro com a
presença do Presidente da República, das embaixadas estrangeiras, dos ministros de Estado,
do Prefeito Municipal, dos membros da Comissão do certame, entre outros convidados
ilustres.
A propósito do certame, lançou-se a revista — A Exposição de 1922 — com a
incumbência de divulgar e promover tanto o planejamento da mesma, como anunciar os
diversos produtos a serem expostos não só pelo Brasil, mas pelas demais nações amigas que
participariam. No primeiro número da revista, lançado em julho de 1922, Pádua Resende
pontuou que a mostra, a ser inaugurada no dia 7 de setembro, constituiria a ocasião para
demonstrar o progresso brasileiro.
Promovendo este certame, teremos ocasião de apreciar o nosso progresso e o das nações amigas que a ele comparecerem, o que nos obriga à publicação de uma revista, na qual não só se encontre o repositório histórico destes últimos cem anos de atividade nacional, como se registre o que houvermos exposto ao público e, o que fizerem no mesmo sentido as nações amigas32.
Duas grandes festas ainda se realizaram: uma foi de caráter esportivo, com as corridas
no prado do Derby Club para a disputa do prêmio Sete de Setembro. A outra concerne ao
espetáculo de gala no Teatro Municipal com a apresentação da obra O Guarany de Carlos
Gomes. Além disso, houve um Te-Dum-Laudamos na Catedral Metropolitana proferido por S.
32 Pádua Resende. “A Exposição Nacional de 1922”. A Exposição de 1922.
85
Exª. Cardeal Arcoverde33. A princípio, as festividades do centenário poderiam ser prorrogadas
até março de 1923, mas acabaram se encerrando efetivamente só no dia 7 de setembro do
respectivo ano.
As festas e solenidades com que se celebrou a data de 7 de setembro em 1923, encerraram definitivamente as grandes comemorações do Centenário. Prolongaram-se, pois, pelo decurso de um ano inteiro as comovidas homenagens de amor e carinho do povo e do governo brasileiro à pátria estremecida. Não houve excesso de entusiasmo nessa demorada liturgia; houve apenas o legítimo arrebatamento que a visão da grandeza atingida pela pátria, em cem anos de vida livre, em todas as almas acendeu [...]34.
Mas, não foi somente na capital da República que a data do centenário da
emancipação política do Brasil seria festejada com entusiasmo. Outros estados também se
dedicaram à execução de projetos que colaboraram para as celebrações solenes da pátria. Em
Minas Gerais, por exemplo, as sugestões para um programa comemorativo se constituíram na
instalação, no dia 7 de setembro de 1922, de uma direção comum e organização regulamentar
do Museu Mineiro, criado em 20/7/1910, com o Arquivo Público. E mais: a impressão
gratuita de quatro memórias de diferentes autores mineiros, versando uma sobre a história de
Minas, outra focalizando a geografia da região, a terceira discorrendo sobre as riquezas
econômicas e uma última sobre ciências, letras e artes mineiras. Ainda seria feita a cunhagem
de uma Medalha Comemorativa do Centenário com desenhos e emblemas, acrescido de
dizeres alusivos a co-participação histórica de Minas Gerais na grande festa nacional com a
legenda obrigatória — Deus, Pátria e Liberdade35.
O encerramento das festividades dos cem anos da Independência ainda contou com a
publicação do Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da
33 Cf. Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 323-325. 34 Ibidem, p. 372. 35 Cf. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Projeto nº 97. 20 de agosto de 1921. Arquivo IHGB, coleção conde de Afonso Celso.
86
Exposição Internacional do Rio de Janeiro36, obra bem extensa, dividida em cinco partes, na
qual foram expostas, além das diversas temáticas que englobavam os assuntos científicos,
literários, históricos, geográficos, de belas artes e econômicos, aquelas referentes ao certame
realizado no Distrito Federal. Na primeira parte, encontram-se trinta artigos que fazem uma
retomada histórica da política, da sociedade, da cultura, da economia e de outros diversos
assuntos concernentes ao Brasil37. Já a segunda compõe-se de seis temas, a ser: A voz da
Imprensa, A Exposição Internacional, As grandes festas, Congressos e Conferências38,
Homenagens estrangeiras, Notas várias e Encerramento das festas. No tópico A voz da
Imprensa, tratou-se da abordagem dada por este meio de comunicação ao centenário, além das
várias edições especiais lançadas sobre o tema.
A data do primeiro centenário de nossa emancipação política foi comemorada pela imprensa brasileira de modo altamente condigno. Quase todos os jornais e revistas da capital da república, como dos diferentes Estados, publicaram no dia 7 de setembro grandes edições especiais [...]. Na patente impossibilidade de enfeixar por inteiro nestas páginas esse magnífico tesouro, damos, a seguir, resumos e extratos de alguns artigos mais importantes [...]39.
A primeira edição a ser mencionada foi justamente a do Jornal do Commercio,
seguindo-se a do Estado de São Paulo, cuja publicação se dividiu em diversos números.
Acrescentaram-se ainda as folhas especiais da América Brasileira que contou com o artigo
Raízes do Idealismo de Graça Aranha, a do Monitor Mercantil que registrou uma síntese da
economia brasileira, a do O Paiz, a do Jornal do Brasil com a publicação em dois números, a
da A Noite, do Mundo Literário, da Fon-Fon!, da A Federação, entre outras.
A terceira parte do livro dedica-se aos fundadores do Império e da República, ilustrada
com fotos de José Bonifácio de Andrada e Silva, D. Pedro I, Benjamin Constant, Marechal
36 Ver Ilustração 5, p. 87. 37 Ver a relação dos trinta artigos e seus respectivos autores no Anexo E, p. 167. 38 Ver a relação dos congressos e conferências realizados durante as festividades do centenário da Independência no Anexo F, p. 169. 39 Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 273.
87
Deodoro e os demais presidentes. A quarta desenvolve uma síntese de cada Estado brasileiro,
incluindo o Distrito Federal. Por último, arrematando o livro, apresenta-se um resumo sobre a
imprensa, no qual houve uma retomada histórica sobre o Jornal do Brasil, O Paiz, O Correio
da Manhã, o Imparcial e o Estado de São Paulo. Ainda, acrescido de um tópico, com o título
Saudações Portuguesas, na qual se apresentaram artigos escritos por Alberto d’Oliveira,
Antonio Baião, Lucio d’Azevedo, Visconde de Carnaxide, A. A. Mendes Corrêa, Alberto
Pimentel e D. João de Castro.
Ilustração 5: Capa do Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro
Fonte: Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e
da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Almanak
Laemmert, 1923. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
88
Contudo, as comemorações do centenário da Independência não se restringiram
apenas aos eventos mencionados até agora. Dando continuidade às festividades e aos projetos
mencionados anteriormente, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro se encarregou de
promover outras solenidades para a celebração dos cem anos da emancipação política do
Brasil. Para tal intuito, foi buscar na história e também na geografia uma forma de
materializar a passagem do centenário e o retorno de uma antiga personagem — a
Independência.
2.1.2 Os guardiões da História do Brasil e o Centenário de 1922
Fundado em 21 outubro de 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
deveria chamar para si o encargo de escrever uma história nacional única e coerente40. Foi a
principal instituição acadêmica do país até a proclamação da República, pois, posteriormente,
passou a dividir a proeminência nos meios culturais do país com a Academia Brasileira de
Letras, instituída em 1897, e a Academia Brasileira de Ciências, de 1916. A criação do
Instituto se originou no interior da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN),
criada em 1827, a propósito de incentivar o progresso do país recém-independente41. Vale
ressaltar que, apesar da iniciativa da Sociedade Auxiliadora na criação do IHGB, tal casa
organizava-se administrativamente independente da SAIN. De acordo com José Carlos Reis, o
projeto elaborado no interior do IHGB era geográfico e histórico, ou seja, teria a tarefa de
situar as cidades, vilas, portos, rios e de definir os limites do território; assim como, “[...]
40 Cf. Lucia M. P. Guimarães. “Debaixo da imediata proteção de sua majestade imperial: o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (1838-1889)”. RIHGB, Rio de Janeiro, 156(388):459-613, jul./set., 1995, p. 507.
41 Cf. Manoel L. S. Guimarães. “Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”. Estudos Históricos, (1):5-27. Rio de Janeiro, 1988, p. 8.
89
deveria eternizar os fatos memoráveis da pátria e salvar do esquecimento os nomes dos seus
melhores filhos [...]”42.
Durante o regime monárquico, o Instituto Histórico gozou dos favores imperiais e,
com o início do Segundo Reinado, tendo o próprio D. Pedro II como um freqüentador
assíduo, conseguiu se afirmar como referência acadêmica para os estudos históricos. Dentre
as inúmeras atividades realizadas pelo Instituto se incluía a organização de viagens para
pesquisadores ao exterior, com a finalidade de investigar e extrair cópias de manuscritos do
período colonial que se encontravam em arquivos estrangeiros. Além disso, a coleta e,
conseqüentemente, o procedimento arquivístico e de divulgação de fontes também do Brasil
Colônia e a realização dos famosos concursos de monografias, das quais até hoje, uma é
bastante lembrada: a dissertação Como se deve escrever a história do Brasil do naturalista
alemão Karl Friedrich Philipp von Martius 43.
Contudo, ao término destes gloriosos primeiros cinqüentas anos do IHGB, a
instituição iniciou um período tenso de sua história, especificamente, na primeira década após
a queda do regime imperial. Não sofreu apenas com a perda do patronato do Imperador, mas
com a escassez de benesses, assim como, de produção de novos trabalhos e dos debates
acadêmicos. A recuperação, em parte, do prestígio do Instituto só voltou na presidência de
Afonso Celso de Assis Figueiredo44 que formava com, Ramiz Galvão45 e Max Fleiüss,
42 José Carlos Reis. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000, p. 26. 43 Cf. Lucia M. P. Guimarães. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007, p. 21. 44 Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 31 de março de 1860, tendo falecido no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1938. Era filho do visconde de Ouro Preto que cumpriu a tarefa de ser o último presidente do Conselho de Ministros do Império. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo, exercendo a profissão de jurista e professor de Economia Política da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Além disso, foi reitor da Universidade do Brasil, membro da ABL e de outras importantes associações. Tornou-se sócio efetivo do IHGB em 1892, elevado a honorário em 1909, a benemérito em 1913 e a grande benemérito em 1917. Algumas de suas publicações foram: Vultos e fatos, O imperador no exílio, Visconde de Ouro Preto e Porque me ufano de meu país. Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiro. Op. cit., p. 16 e 17. 45 Benjamin Franklin de Ramiz Galvão nasceu no município de Rio Bardo, Rio Grande do Sul, falecendo no Rio de Janeiro em 9 de março de 1938. Veio para a então Capital do Império ainda garoto, onde estudou em boas
90
segundo definição da historiadora Lucia M. P. Guimarães, a Trindade do Silogeu46, durante o
período de 1912 a 1938, e realizou uma administração de mérito na Casa.
Alguns eventos e produções organizadas pelos membros do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro se destacaram neste período de vinte e seis anos sob os auspícios da
Trindade do Silogeu. Foram elas: as comemorações do Centenário da Imprensa em 1808, três
Congressos de História Nacional (1914, 1931 e 1938), a criação da Faculdade de Filosofia e
Letras que existiu entre 1916 e 1921, o Congresso Internacional de História da América e as
celebrações dos cem anos da Independência em 1922 e, em decorrência deste evento, a
publicação do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. Percebe-se que
dentre as realizações citadas, quatro delas tiveram uma relação direta ou indireta com as
festividades do centenário da Independência, uma das quais, pode-se até dizer, deu os
primeiros passos para a elaboração concreta de um projeto acerca das celebrações em torno da
data comemorativa 1822-1922.
No início do século XX, não somente no Brasil, mas se constituindo como fenômeno
mundial, os homens letrados vivenciavam uma fase de renovação dos sentimentos patrióticos,
na qual os interesses pelas questões nacionais ganharam uma dimensão acentuada,
principalmente devido à crise internacional causada pela Primeira Guerra Mundial. Por isto,
devido a esse ambiente de apelo nacionalista, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
escolas, como o Colégio Pedro II. Recebeu o título de bacharel em Ciências e Letras e, mais tarde, formou-se na Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Chegou a exercer esta profissão trabalhando para o Exército. Mas também procurou outros caminhos, por exemplo, sendo professor de grego, de retórica, de poética e de literatura nacional no Colégio Pedro II. Posteriormente, em 1870, assumiu a direção da Biblioteca Nacional deixando o cargo apenas em 1882. Dirigiu os trabalhos durante o 1º Congresso de História Nacional, em 1914, e no ano de 1920, tornou-se reitor da Universidade do Rio de Janeiro. Foi membro de várias instituições, dentre elas a ABL, sucedendo Carlos de Laet na Cadeira nº 32. Eleito sócio correspondente do IHGB em 16/8/1872, passando a honorário e benemérito em 1909 e a grande benemérito em 1917. Sua produção é extensa, das quais se destacam: O púlpito no Brasil, 1867; Memória histórica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1882; Cláudio Manuel da Costa, 1895 e Galeria de História Brasileira, 1900. Cf. Ibidem, p. 128-130. 46 Cf. Lucia M. P. Guimarães. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Op. cit., p. 59. Neste livro, a autora mostra as mudanças ocorridas no IHGB a partir da proclamação da República, espeficamente, as perdas nos primeiros dez anos, não só financeira mas também em relação à própria produção acadêmica. E a retomada do prestígio da instituição que só voltou com o mandato da Trindade do Silogeu e, posteriormente, com o retorno das benesses no governo de Getúlio Vargas.
91
resolveu voltar ao passado, redescobrindo-o, com uma maneira de reforçar os anseios da
nacionalidade.
Um exemplo concreto dessas manifestações de nacionalismo foi a realização pelo
IHGB, entre os dias 7 a 16 de setembro de 1914, do Primeiro Congresso de História
Nacional47, proposta sugerida por Max Fleiüss e Afonso Arinos e que teve, como presidente
da comissão executiva, Ramiz Galvão. Além do debate e produção dos trabalhos acadêmicos,
segundo o regulamento do encontro, ainda haveria uma excursão dos congressistas à cidade
de Ouro Preto que representaria a típica cidade colonial brasileira48. A temática sobre o Brasil
Colônia também foi privilegiada no Congresso, certamente porque o recorte temporal, de
1500 a 1871, colaborou para isso. De acordo com Lucia M. P. Guimarães, a data final pode
ser explicada segundo os próprios pressupostos do Instituto que, desde a sua fundação,
defendia a necessidade do distanciamento para que o historiador pudesse analisar os fatos com
a devida isenção e, nesse caso, evitava-se tratar dos acontecimentos compreendidos entre a
queda do Império e o advento da República49.
Outro ponto forte do evento foi que, pela primeira vez, se articularam algumas
propostas mais concretas para a realização do centenário da Independência em 1922. A partir
do encontro, proporcionado pelo Congresso de História Nacional, dos membros regionais dos
Institutos Históricos, dos representantes dos governos estaduais e do próprio presidente da
República, Hermes da Fonseca, deu-se início a um esboço de projeto para as comemorações e
a uma reflexão em torno da representação patriótica que os cem anos da Independência
poderiam oferecer. Novamente a questão nacional entrou no centro dos debates. Max Fleiüss
e Afonso Arinos sugeriram a convocação de um Congresso Internacional de História da
América que deveria reunir especialistas de todos os países do continente, a fim de se fazer
47 Para ter uma melhor apreciação sobre o Primeiro Congresso de História Nacional, Cf. Idem. “Contra o deserto do esquecimento”. In: _____. Ibidem, p. 79-94. 48 Cf. Idem. Ibidem, p. 81. 49 Cf. Idem. Ibidem, p. 82. Ver também a distribuição das comunicações publicadas nos Anais do Primeiro Congresso de História Nacional, p. 87.
92
uma reflexão conjunta acerca dos destinos do Novo Mundo50. A circular do dia 9 de agosto de
1916 do Ministério das Relações Exteriores já repassava para as embaixadas do Brasil na
América as instruções a propósito de tal Congresso.
Sr. Embaixador, Promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, deverá se reunir nesta cidade, em 7 de setembro de 1922, para comemorar o centenário da proclamação da independência do Brasil, um Congresso Internacional de História da América [...]. [...] rogo a Vossa Excelência que, com a maior solicitude, procure desde já interessar nessa reunião, por intermédio desse governo e pessoalmente, as aludidas instituições, a imprensa e os escritores daí, providenciando para que se organizem comissões regionais para a elaboração das teses sobre a história desse país. Essas teses podem ser moldadas pelas que foram elaboradas para a seção de história do Brasil, devendo os programas relativos a cada país conter as seguintes subseções: 1) história geral; 2) história das explorações geográficas; 3) história das explorações arqueológicas e etnográficas; 4) história constitucional e administrativa; 5) história parlamentar; 6) história econômica; 7) história militar; 8) história diplomática; 9) história literária e das artes [...]51.
Já a 23 de junho de 1917, também se davam os primeiros passos para a realização da
grande obra que seria a publicação do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do
Brasil. Naquela data, sob a presidência de Ramiz Galvão, reuniu-se um grupo de trabalho com
a finalidade de traçar a estrutura de tal projeto e de sugerir a equipe de colaboradores que
deveriam se encarregar da tarefa52. O planejamento original do Dicionário parecia inspirar-se
no Grand Dictionnaire Universel du Siècle XIX, do francês Pierre Larousse. Mas a proposta
dos brasileiros se mostrou menos ambiciosa do que o modelo de Larousse, excluindo a parte
dedicada ao idioma53. Os mentores do Dicionário contemplaram o recorte temporal de 1822-
1922, período certamente escolhido porque o lançamento de tal obra fez parte das
50 Cf. Idem. Ibidem, p. 133. 51 Circular nº 44 do Ministério da Relações Exteriores às legações do Brasil na América (exceto à legação no México). 9 de agosto de 1916. In: Caderno do Centro de História e Documentação Diplomática. Op. cit., p. 50 e 51. 52 Sobre o Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, Cf. Lucia M. P. Guimarães. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Op. cit. Especificamente o tópico — “O Brasil de A a Z: o Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil”, p. 95-104. 53 Cf. Idem. Ibidem, p. 96.
93
comemorações do centenário da Independência. O artigo 43º do Projeto de Lei de 1919
corroborava as atividades do IHGB programadas para a data festiva de 1922.
A Comissão Comemorativa, em tudo que for de seu alcance, facilitará ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a comemoração do Centenário da Independência do Brasil, nos termos do programa estabelecido por essa instituição, que, desde 1898, cuida da realização desse certame patriótico, cabendo-lhe por isso a prioridade. Fica mantida, por esta Lei, a verba vigente, como auxílio, para a publicação do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. O Governo Federal hospedará os estrangeiros que vierem ao Rio de Janeiro tomar parte no Congresso Internacional de História da América a realizar-se a 7 de setembro de 192254.
É importante ressaltar que desde 1898, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro já
vinha se preocupando com a realização das comemorações do centenário da Independência,
especificamente, quando o conselheiro Manuel Francisco Correia sugeriu à mesa diretora que
o IHGB se oferecesse aos poderes públicos para organizar o programa comemorativo de
1922. Contudo, foi a partir do Primeiro Congresso de História Nacional que os esforços em
torno das festividades dos cem anos da emancipação política do Brasil ganharam uma
estrutura mais consistente, principalmente pela sugestão de um Congresso Internacional de
História da América55.
A propósito desse encontro científico, o então presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Afonso Celso, nomeou uma comissão, coordenada por Ramiz Galvão,
que pudesse estudar todos os processos viáveis para a execução do evento, previsto para
ocorrer entre os dias 7 a 15 de setembro de 1922.
Materializar 1822 na passagem do seu centenário, implicava também lançar um novo
olhar sobre os fatos e os personagens. Talvez, Max Fleiüss tenha sido um dos membros do
54 Projeto de Lei de 1919. Op. cit. Artigo 43º. O respectivo Projeto ainda incluía a organização de um Congresso Brasileiro de Bibliotecários pela Biblioteca Nacional com a finalidade de estudar as diferentes questões que interessavam às bibliotecas do país, principalmente às que diziam respeito aos sistemas de classificação, às normas de catalogação, aos meios de conservação dos livros, entre outros procedimentos. Já o Arquivo Nacional deveria organizar uma exposição dos documentos mais importantes que possuía sobre a história do Brasil, publicando os resultados em um catálogo. Artigos 47º e 48º do respectivo projeto. 55 Cf. “Congresso Internacional de História da América (1922)”. RIHGB, Rio de Janeiro, v. 1, 1925, p. 9.
94
IHGB que mais se dedicou a essa empreitada, justamente por apresentar uma programação de
dezoito conferências que deveriam recordar todas as grandes datas do ano de 1822. Além
disso, integrou o júri que avaliou os projetos do monumento em homenagem aos irmãos
Andrada, a ser erigido na Praça José Bonifácio, na cidade de Santos, local em que nasceram.
Vale ressaltar que a figura de José Bonifácio deveria ter um destaque especial no conjunto da
obra, visto que o brasileiro ocupou o papel principal no movimento político que levou à
Independência56.
O IHGB não foi exceção, tendo em vista que quase todos os Institutos Históricos
celebraram o centenário. O de São Paulo, ao contrário das dimensões internacionais que o
nacional pretendeu oferecer, optou pela reverência à pátria a partir da ótica paulista, na qual,
tanto ao tratar da história da Independência ou nos discursos proferidos, houve a
proeminência da participação dos paulistas como primazia na condução do movimento
emancipacionista57. O discurso regional também fez parte do Instituto Arqueológico Histórico
e Geográfico de Pernambuco que optou por realçar mais o centenário da Revolução de 1817
que as comemorações referentes a 1822.
De acordo com Noé Freire Sandes, é perceptível que, em grande parte do conjunto de
eventos organizados pelo IHGB durante as festividades do centenário, houve uma retomada
enfática da memória imperial de forma a construir um eixo ordenador de interlocução entre a
tradição monárquica e o regime republicano58. As obras de Tobias Monteiro e Oliveira Lima
56 Cf. Carta de Antonio de Freitas Guimarães Sobrinho ao Sr. Max Fleiüss acerca do monumento a José Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco. s/d. Arquivo IHGB, coleção Max Fleiüss. 57 Cf. Noé Freire Sandes. A invenção da nação: entre a Monarquia e a República. Goiânia: Ed. da UFG/Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000, p. 90. Ver o capítulo — “Comemorando o centenário da Independência”, no qual o autor pontuou as óticas tanto do IHGB como do Instituto Histórico de São Paulo em relação às celebrações do centenário e a reelaboração da memória imperial. 58 Cf. Idem. Ibidem, p. 87-89. Como foi visto no tópico — “Os preparativos para o 7 de setembro” — do presente texto, vários jornais na época lançaram edições comemorativas ao centenário. No caso do número especial do Jornal do Commercio, referente à respectiva data, também se percebe um enredo, no qual a institucionalização do estado brasileiro perpassa a reelaboração da memória imperial em 1922. Sobre essa temática, Cf. Júlia Ribeiro Junqueira. “A edição comemorativa do Jornal do Commercio no primeiro centenário da Independência do Brasil: uma memória histórica”. Revista Eletrônica Cadernos de História, Mariana, 3(2):178-191, 2008.
95
constituem um exemplo de como a problematização do contexto da Independência se
configurou na tentativa de esmiuçar a formação da nacionalidade brasileira. O primeiro autor,
funcionário antigo do Jornal do Commercio, fugiu de uma narrativa épica, se dedicando às
minúcias da sociedade cortesã a partir da própria vida política do reinado de D. João. O
estudo sobre a emancipação política do Brasil, abordado no livro A Elaboração da
Independência, constituiu uma análise de que tal movimento insurgiu mais pelas atitudes da
cortes portuguesas do que pelas pressões internas no Brasil. Já Oliveira Lima59, na obra O
Movimento de Independência (1821-1822), se dedicou a enfatizar esse contexto como um
processo de transição entre o elemento nacional e o metropolitano, destacando a vinda da
Família Real para o Brasil como um ponto chave para a eclosão da Independência 60.
Outro marco das festividades de 1922 foi a reformulação do acervo do Museu do
Ipiranga pelo historiador Afonso de Escragnolle Taunay em 1917. Ressalta-se que o
monumento comemorativo do Ipiranga foi uma questão exposta pelo próprio D. Pedro I logo
após o movimento de 1822:
[...] o Imperador, por Portaria de 9 de abril declarou resolver que “não obstante as razões expostas, seja aquela memória inaugurada no próprio sítio do Piranga (sic), em que foi proclamada a Independência Política do Império, e onde por isso as gerações futuras devem celebrar a lembrança de tão extraordinário e feliz acontecimento61.
Até então, o Museu do Ipiranga62 representava o vínculo com o Império, não sendo
bem visto pela memória republicana, o que ocasionou certo esvaziamento simbólico. Com as
mudanças estabelecidas por Taunay, organizou-se a rica coleção de telas da casa, com a
59 Manuel de Oliveira Lima nasceu em 1867 em Recife e faleceu em 1928 em Washington, Estados Unidos. Além de escritor foi embaixador em diversos países e membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira nº 39, cujo patrono é Francisco Adolfo de Varnhagen. Foi eleito sócio corresponde do IHGB em 11/10/1895, passou a honorário em 1912 e a benemérito em 1917. Dentre suas obras, destacam-se: Dom João VI no Brasil, 1919; O movimento de Independência (1821-1822), 1922; Formação histórica da nacionalidade brasileira; Memória sobre o descobrimento do Brasil; História diplomática do Brasil e O papel de José Bonifácio no momento da Independência. Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiro. Op. cit., p. 114 e 115. 60 Para uma melhor apreciação sobre a obra de Oliveira Lima, Cf. Noé Freire Sandes. Op. cit., p. 158-163. 61 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 44. 62 Ver Ilustração 6, p. 96.
96
aquisição de outras tantas, o que proporcionou um ambiente favorável à rememoração. Assim
como o Instituto Histórico de São Paulo, o diretor do museu enfatizou a memória imperial
pela ótica paulista, enaltecendo o mito dos bandeirantes, com a exposição de estátuas do
escultor Luiz Brizzolara63.
Ilustração 6: Museu do Ipiranga em 1922
Fonte: Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição
Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
Na celebração do primeiro centenário da Independência, distintas entidades, como os
Institutos Históricos, museus, bibliotecas, arquivos e o próprio Estado, recorreram à história e
à reelaboração da memória imperial como parte integrante de suas atividades relacionadas à
data festiva. A imprensa também se manifestou nesse âmbito, e o prestigiado Jornal do
63 Cf. Noé Freire Sandes. Op. cit., p. 99.
97
Commercio não ficou de fora deste movimento que despertava o sentimento patriótico em
1922.
2.2 Um editorial, um enredo
O ato de comemorar perpassa a sacralização das representações comuns de uma nação.
Fundamentando-se juntamente com uma memória coletiva, as celebrações tornaram-se uma
temática usada para, por meio de uma encenação, constituir-se como um reforço da tradição,
do patrimônio, de configuração de um espaço aos locais de memória, outrora destinados
àquela memória associada à oralidade, à vivência e ao processo cíclico64.
[...] O centenário direciona os encontros aritméticos do calendário e constitui uma espécie de ponto de interseção, em que se entrecruzam a passagem sucessiva e linear dos anos e a divisão existencial do tempo vivido, o que lhe dá sentido. A geração, por si só, pela multiplicidade de percepções que concentra em torno de uma mesma data, vivifica aquele encontro aritmético. Sem esses dois instrumentos temporais não existe comemoração, já que são eles que determinam a intensidade do programa comemorativo e sua permanente renovação65.
Por isto, comemorar cem anos da emancipação política do Brasil era também um
movimento de ordem histórica, que carregava consigo o processo de amadurecimento de um
país que tinha a Independência como um momento que marcava a fundação da sua
nacionalidade66. Sob essa mesma perspectiva, foi que os redatores do Jornal do Commercio
organizaram a apresentação da Edição, já elucidando a narrativa que iria delinear a folha
especial lançada para as celebrações do centenário.
64 Cf. Pierre Nora. “L’ère de la commémoration”. In: _____ (org.). Les lieux de mémoire. Les France. t. 3. Paris: Gallimard, 1992. 65 Lucia M. P. Guimarães. Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Op. cit., p. 115. 66 Sobre a questão da Independência como momento que marcou a fundação da nossa nacionalidade, Cf. Valdei L. de Araujo; Bruno F. Medeiros. “A história de Minas como história do Brasil”. Revista do APM. Ano XLIII, (1):24-37, jan./jun., 2007, p. 25.
98
Como foi salientado na primeira parte deste capítulo, vários periódicos lançaram
edições especiais na passagem dos cem anos da emancipação política do Brasil. A do Jornal
do Commercio, todavia, chama a atenção não só por tratar-se de um exemplar volumoso, com
470 páginas, mas, principalmente, por permanecer como único órgão da imprensa que desde a
data da sua fundação, em 1827, ainda não tinha sofrido nenhuma interrupção e se constituía
uma folha que era apenas cinco anos mais moça que a Independência. Talvez, seja por isto,
que, no editorial da publicação comemorativa de 1922, se declarava:
O Jornal do Commercio, que saiu à publicidade cinco anos depois da Independência, que no início de sua própria existência cooperou com os que tinham fundado o Império, deles recebeu o influxo e as vibrações patrióticas [...]; [...] guarda nas suas coleções de noventa e cinco anos todos os influxos diretos e todos os ecos e todas as polêmicas da história do Brasil. Todos os acontecimentos, de toda espécie e ordem, foram consignados ou recordados nas nossas colunas. Por isso, os nossos destinos sempre estiveram vinculados aos destinos nacionais, e através das nossas coleções é possível reconstituir toda a história do Brasil67.
Em nota veiculada no dia 7 de setembro de 1922, o Jornal do Commercio informava,
junto aos leitores, o motivo por que não havia concluído a tempo, a Edição68. Na mesma
notícia, foi divulgada a ilustração da capa da futura folha do centenário69, acrescida da
introdução e dos primeiros capítulos da narrativa, relativos aos anos de 1822 e 182370. Vale
ressaltar que, de acordo com essa notificação, provavelmente o número especial não chegaria
a ser publicado tal como fora planejado. A previsão era de que a folha iria formar um grosso
volume de mais de quinhentas páginas, abrangendo toda a história do Brasil, desde a
Independência até a República. Entretanto, como foi mencionado, o exemplar alcançou 470
páginas, recaindo a ênfase no período imperial, ficando a história republicana restrita a uma
67 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 5. 68 Segundo a nota que saiu no períodico, o número especial não havia sido terminado a tempo de colocá-lo em circulação no dia 7 de setembro de 1922. Até o presente momento, não foi encontrada nenhuma fonte que fornecesse o valor da referida obra, mas sabe-se que as assinaturas das edições diárias do Jornal do Commercio, em 1922, custavam 60$000 por 12 meses, 40$000 por 9 meses, 32$000 por 6 meses e 17$000 por 3 meses. Ressalta-se que pelas assinaturas pagava-se adiantado. Valores em libras esterlinas: £ 434,040; £ 289,360; £ 231,488 e £ 122,978, respectivamente. 69 Ver Ilustração 7, p. 99. 70 Cf. Jornal do Commercio, 7/9/1922, p. 16.
99
espécie de apêndice, com a caracterização administrativa dos estados brasileiros. Ainda, a
título de curiosidade, na mesma publicação, veiculou-se que, em sinal de regozijo pela data
nacional, os funcionários do Jornal do Commercio ficariam de folga na data da Independência
e, por esse motivo, no dia 8, seria suspensa a edição ordinária.
Ilustração 7: Capa do Jornal do Commercio. Edição comemorativa do primeiro centenário da Independência do Brasil.
E o d .
Fonte: Jornal do Commercio. dição comemorativa do centenária Independência do Brasil, 1922
Acervo Particular.
A princípio, o exemplar comemorativo da Independência foi dividido em blocos
anuais até 184071, ou seja, o ano do “Golpe da Maioridade”, no Segundo Reinado. A partir
daí, o material seria organizado em decênios72, sob a seguinte alegação:
71 Ver Ilustração 8, p. 101. 72 Ver Ilustração 9, p. 101.
100
Para o acompanhar nesta nova fase de sua existência — o Segundo Império —, somos obrigados a modificar ligeiramente o método que temos até aqui seguido, tão numerosos e complexos os assuntos, fatos e questões que devemos revistar [...]. [...] A divisão em decênios, agora adotada, permitirá que os acompanhemos em sua origem e desenvolvimento, não de todos, o que seria impossível dentro do espaço de que podemos dispor, mas, tão somente, dos mais importantes ou mais significativos73.
A justificativa para a mudança decorreria do número expressivo de notícias e fatos que
se apresentavam a partir do Segundo Reinado. Entretanto, ao optar pela divisão em decênios,
muitos episódios ficaram excluídos na narrativa, o que acarretou uma quebra na composição
dos anais, que tem por característica o registro feito ano a ano.
Já as possíveis explicações para o recorte final, o ano de 1890, podem ser atribuídas a
um conjunto de fatores, como a dificuldade em tratar dos trinta anos que sucederam à queda
da Monarquia, por esse período se configurar como uma história que, naquele momento,
constituía-se muito recente, ainda agravado pelo fato de a Primeira República ser vista, na
época, como uma fase que não correspondeu às expectativas e que levantou inúmeros
questionamentos74. É importante lembrar que uma história do presente sofreu inúmeras
críticas desde o segundo quartel do século XIX, inclusive no Brasil. Defendia-se o necessário
afastamento temporal do historiador para melhor atender ao critério da imparcialidade.
Possivelmente, os redatores do Jornal do Commercio, no número especial de 1922,
comungavam dessa mesma visão. De acordo com o historiador Valdei Lopes de Araujo, ao
analisar as novas exigências para a escrita da história do Brasil a partir da fundação do IHGB,
[...] o afastamento temporal ganha uma produtividade que não possuía até então. Se permanece a figura do tempo como um devorador de documentos e memórias, ele também passa a ser reivindicado como antídoto para as
73 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 224. 74 Outros agravantes, mas de ordem secundária, talvez também tenham contribuído para tal recorte temporário, por exemplo, a falta de papel, muito recorrente naquele período, pois devido à carência de indústrias de celulose ainda se importava esse produto. E, até mesmo, a questão do tempo, já mencionada na publicação ordinária do dia 7 de setembro no Jornal do Commercio, sobre a impossibilidade de terminar toda a edição planejada para as festividades do centenário e, sendo assim, houve a necessidade de um recorte. São observações que podem ter comprometido a continuação dos anos subseqüentes depois de 1890, mas é preciso deixar claro que, no presente texto, trabalha-se com a hipótese mais provável de que ainda havia um receio ao se tratar da história republicana.
101
paixões e os interesses. Quanto mais distante a questão, mais facilmente o historiador pode atingir a imparcialidade e perspectiva correta [...]75.
Ilustrações 8 e 9: Blocos dos anos de 1822 e 1841 a 1850 do Jornal do Commercio.
Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil.
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil,
1922. Acervo Particular.
No entender dos redatores do Jornal do Commercio, a Edição buscava reconstruir a
história do Brasil, por meio de uma seleção das notícias publicadas no periódico durante os
noventa e cinco anos anteriores. No entanto, pode-se detectar um interstício no projeto do
número especial, visto que se iniciou a folha comemorativa a partir do ano de 1822 e como se
alegara são 95 anos de história. Ocorria, portanto, um hiato, já que, entre os anos de 1822 a
setembro de 1827, não havia ainda o Jornal do Commercio. Logo, um artifício foi utilizado
para abranger esses cinco anos após a Independência. Ao que tudo indica, para dar conta
daqueles anos, a folha, além de se apoiar em informações de várias origens, aproveitou como
75 Valdei Lopes de Araujo. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 152.
102
fonte, o Spectador Brasileiro, periódico do próprio Plancher, que antecede o Jornal do
Commercio, e que começara suas atividades em 1824, ano em que o francês chegou ao Brasil.
A Edição é introduzida por uma apresentação, abordando alguns personagens, eventos
e fatos da história brasileira, acrescida de uma espécie de explicação para o lançamento do
número especial. São onze artigos, dos quais dez foram escritos no ano de 1922 e um constitui
a republicação do editorial do cinqüentenário da Independência, em 1872. Dos artigos de
1922, apenas um não tem título, sendo os demais nomeados da seguinte forma: Os que
fizeram o Brasil, O que fez o Brasil, A Independência, Significação do 7 de setembro, A
evolução do Brasil livre, O Brasil de 1822 e o de 1922, a História do Brasil, Os grandes
anais e O nosso número do centenário. Os oito primeiros textos procuraram explanar aos
leitores a importância de festejar os cem anos da emancipação política, além de pontuar os
elementos catalisadores, que garantiram toda a glória da Independência e o sucesso nos anos
posteriores.
Nos outros dois artigos, Os Grandes Anais e O nosso número do centenário, os
redatores pretenderam entrelaçar a própria história do Jornal do Commercio com a história
pátria. Diziam que os historiadores encontrariam passagens inéditas da nossa história e, por
isto, o periódico permanecia como um museu histórico, uma enciclopédia, uma biblioteca
sobre o Brasil76. Ou seja, qualificaram o diário como um testemunho ocular da história
nacional, o que lhe daria autoridade para que ele fosse comparado até mesmo ao próprio
Michelet: “Nas 34.845 edições passadas do Jornal do Commercio a história é bem a
ressurreição de que falava Michelet”77. E também argumentaram da seguinte forma:
Assim, pareceu ao Jornal do Commercio que a melhor forma de comemorar a data do primeiro centenário da nossa independência política seria a que pôs em prática e que este número especial atesta e realiza: — o aproveitamento do próprio material que guarda. Poderíamos reconstituir a história com esses e outros documentos, mas, tendo o Jornal cabedal de tal ordem, seria
76 Cf. Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência, p. 5. 77 Ibidem, p. 5.
103
contraproducente ir buscar em outros lugares o que não falta nas suas coleções. [...] Se não é possível escrever a história do Brasil sem consultar as coleções do Jornal do Commercio, não caberia a nós escrever história senão fazendo uma seleção do que nos parece mais apropriado para reconstituir o século de vida independente do país que hoje confirma as alegres esperanças de seus grandes fundadores78.
A sucessão dos artigos é bastante elucidativa para se entender a montagem de um
enredo interno coerente com a proposta dos redatores de registrar “[...] a evolução econômica
e financeira do país, o seu progresso agrícola, industrial e comercial, a transformação dos
costumes, a evolução das idéias, as lutas políticas [...]”79. Um dos primeiros temas tratados na
apresentação refere-se, como ficou explícito na publicação, as riquezas do Brasil, a influência
do pensamento europeu, o passado pacífico sem grandes questionamentos e como esses
fatores contribuíram para que o país fosse predestinado pela geografia e pela história a
desempenhar um papel de primeira grandeza no mundo ocidental.
Ainda, deixou-se claro que nossa opulência continha preciosidades que o mundo
moderno buscava constantemente e, para o equilíbrio econômico dos países, a co-participação
do Brasil seria indispensável. Não menos importante, constituía a incipiente cultura intelectual
dos brasileiros que, universalizada, proporcionava ao país uma característica acolhedora80.
Além disso, as idéias européias estavam presentes desde o período colonial, i.e., “O Brasil foi
obra consciente de pioneiros obscuros, e acompanhou depois toda a evolução do pensamento
europeu que provocou a eclosão da liberdade da América”81. Mais adiante havia uma nota
extensa afirmando que toda a renovação intelectual dos séculos XVIII e XIX se repercutiu na
sociedade brasileira, desde Locke, passando por Adam Smith até Jean-Baptiste Say.
Acrescentaram-se também as obras de José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, atribuindo
78 Ibidem, p. 5. 79 Ibidem, p. 5. 80 Cf. Ibidem, p. 1. 81 Ibidem, p. 1.
104
ao autor a qualidade da clareza quando tratou dos temas da independência econômica e da
liberdade comercial82.
Um discurso análogo torna-se visível ao se comparar o artigo do ano de 1872 com os
de 1922, especificamente, em torno da idéia de um passado pacífico com a exaltação dos
“heróis” da nação e dos príncipes que aqui governaram. Assim como foi registrado no
editorial dos cinqüenta anos da Independência, o pensamento de que o Brasil conquistou sua
emancipação sem muito derramamento de sangue e que, apesar de alguns contratempos, tudo
ocorreu de forma tranqüila, vê-se o mesmo juízo ressurgir na apresentação de 1922.
[...] A nossa história é suave, e no meio das lutas para a conquista do território, na aquisição de direitos e liberdade, guardamos uma singularidade que nos honra. O Brasil, em quantidade, ostenta o maior território ininterrupto sob o mesmo governo uno e indivisível, e essa originalidade geográfica é completada por outra, de ordem histórica, que demonstra a brandura excepcional de costumes e o senso jurídico da raça83.
Nesta mesma citação, nota-se a utilização da noção de continuidade. No caso, a
ininterrupção do território e da unidade administrativa. Ainda no primeiro artigo de 1922
encontram-se as seguintes palavras: “Nenhum governador geral foi deposto; a independência
foi feita, não pela destituição da autoridade do antigo delegado da metrópole [...] mas, ao
contrário, pelo seu reforçamento. Houve transformação de expressão de sua autoridade, mas
não interrupção ou mudança”84. No editorial de 1872, localiza-se opinião similar:
O fato da conquista da sua independência o tem o Brasil em comum com todos os povos da América; do modo por que o houve pode, porém, mais do que ele, orgulha-se. A breve luta, cuja pouca porfia não prova senão quão maduro estava o fruto, sucedeu, apenas interrompida por ligeiras comoções, longa calma, que ainda veio provar quão digno era de entrar no seu gozo85.
82 Cf. Ibidem, p. 1. 83 Ibidem, p. 1. Grifos meus. 84 Ibidem, p. 1. 85 Ibidem, p. 7. Grifos meus.
105
Em um dos artigos de 1922, os redatores do periódico mencionaram que a República
representou a interpelação da unidade administrativa: “[...] em quatro séculos de história, só
uma vez (com a Proclamação da República) houve interrupção na transmissão pacífica e legal
do Poder Executivo [...]”86. Entretanto, eles deixaram claro que existia uma ressalva, já que
apesar de tal rompimento, houve elementos que permitiram o prosseguimento dos ideais
imperiais no regime republicano. A prova disso vem da seguinte declaração no periódico: “A
continuidade do Império na República está na própria Constituição Republicana. [...] ela é,
portanto, uma adaptação, uma continuação, uma tradição, e não a cópia de um código
estrangeiro”87.
Equivalente fala entre os editoriais Sete de setembro, de 1872, e os demais artigos do
centenário, também se torna perceptível no grau de importância dado a Independência. Esta se
constituiria como um divisor de águas na história do Brasil, marcando a fundação da
nacionalidade brasileira. E mais:
Melhor não pudera, por certo, o povo brasileiro, festejar o meio centenário da sua liberdade. Andam fogos de alegria, ouçam-se a voz do canhão e os festivos sons dos sinos, cânticos patrióticos, [...] milhares de luzes prolonguem pela noite a dentro tão faustoso dia, e saiba o mundo como temos gravado no coração a data em que nos inscrevemos no livro das nações livres88.
Ainda, nos textos de 1922, alguns elementos discursivos comuns se destacaram, por
exemplo, a noção de progresso. Em distintos momentos desses artigos, verificou-se que os
termos avanço, melhoria, desenvolvimento, evolução foram empregados para caracterizar o
Brasil desde o tempo colonial até a presente data do ano de 1922, pretendendo, assim,
demonstrar que tanto nos elementos políticos, econômicos e sociais havia uma seqüência
crescente de amadurecimento: “O progresso do Brasil, em três séculos, da primeira
86 Ibidem, p. 1. 87 Ibidem, p. 3 e 4, passim. 88 Ibidem, p. 7.
106
colonização à independência, foi notável [...]. E em um século de independência tomou um
impulso que se veio acelerando, num esplendor crescente, até aos nossos dias [...]”89. O
desenvolvimento teria sido conduzido principalmente pelos nossos líderes, a exemplo de D.
Pedro II, que, segundo as palavras no artigo A evolução do Brasil livre, cuidou
simultaneamente das coisas de espírito e do progresso material, com o início da construção
das estradas de ferro em 1854 e com o telegrafo elétrico em 186090.
No editorial Os que fizeram o Brasil, o traço de continuidade volta a se destacar. Os
portugueses são mencionados como aqueles que iniciaram a criação da grande pátria e que
trouxeram “as sementes e os gados adaptáveis para o território brasileiro”. A partir dessa
iniciativa, as entradas, as bandeiras e depois o tráfego de escravos eram os meios para obter a
mão-de-obra capaz de lavrar a terra que se oferecia tão cheia de riquezas. Foi assim que o
Brasil prosperou, plantando cana e exportando o açúcar, explorando o pau-brasil, as resinas e
gomas, o fumo, o algodão, o café e outros produtos. O artigo ainda acrescentou que, com a
chegada de D. João VI, o regime protecionista, até então bem sucedido e que trazia benefícios
para o Brasil, se deparou com o movimento libertador que atingia a colônia portuguesa após
sacudir a Europa. Logo, o então príncipe regente, já afinado com tais pensamentos, assinou a
carta régia de 28 de janeiro de 1808, abrindo os portos brasileiros às nações amigas e
permitindo ao país traçar novos caminhos para o seu desenvolvimento e amadurecimento.
D. João e D. Pedro foram desde então os instrumentos da intelectualidade brasileira despertada pela renovação intelectual do mundo. E foi nessa atmosfera de vida nova, que os dois Príncipes portugueses, com superioridade de espírito e compreensão perfeita da fundação de um grande Império, presidiram a elevação do Brasil a Reino, apenas unido a Portugal, à independência e finalmente a completa separação política da velha metrópole91.
89 Ibidem, p. 1. 90 Cf. Ibidem, p. 3. 91 Ibidem, p. 2.
107
No artigo que se segue — O que fez o Brasil — ainda se ressaltou bastante a influência
portuguesa. Vale destacar que em relação a D. João VI, afirmou-se a seguinte frase: “O Rei no
Rio de janeiro era já a independência, porque todos os negócios de lá eram dirigidos daqui
[...]”92. E, assim sendo, o texto deixou claro que as conseqüências da vinda da família real, em
1808, acabaram por proporcionar um ambiente favorável para que D. Pedro I se recusasse a
cumprir as ordens vindas de Lisboa, levando “[...] o Príncipe, moço, heróico, impulsivamente
belo e altivo, a arrancar o laço português que tinha no chapéu e a gritar: — É tempo.
Independência ou morte! Estamos separados de Portugal”93. Nota-se, pela respectiva oração,
que os editores ainda comungavam de uma historiografia que enaltecia as atuações de D.
Pedro I durante o processo emancipacionista.
A exaltação ao jovem monarca também esteve presente no texto Significação do 7 de
setembro que acrescentou à independência a característica de um movimento, no qual houve a
participação da imprensa, das sociedades maçônicas, das juntas governativas, dos homens
bons do Senado da Câmara e dos próprios ministros do Príncipe regente. E ainda se afirmou
que todos constituíam homens de cultura e de vasta ilustração, a exemplo de Frei Sampaio,
Januário Barbosa, os irmãos Ledo, os irmãos Andrada, que contribuíram para o
desenvolvimento da idéia de separação e estavam embebidos de toda a cultura de seu
tempo9
4.
No artigo O Brasil de 1822 e o de 1922, há um pequeno esboço histórico, enfatizando
a evolução política, econômica, social e cultural destes cem anos após a Independência. Já no
texto A História do Brasil, os redatores revelaram que a nossa história ainda estava em parte
por escrever, não pela falta de historiadores, mas porque não possuíamos cursos sistemáticos,
cátedras especializadas e escritores dedicados exclusivamente ao assunto, embora, fossem
92 Ibidem, p. 2. 93 Ibidem, p. 3. 94 Cf. Ibidem, p. 3.
108
II, como um dos principais incentivadores no processo de reconstituição do nosso
passad
distanciamento
tempor
r consultada. Ele se abre
omo um objeto e fonte de pesquisa para a própria história do Brasil.
enaltecidos nomes como de Varnhagen, Pereira da Silva, Southey, Martius, Macedo, Xavier
da Veiga e Fernandes Pinheiro, atribuindo-lhes o título de mestres da história brasileira.
Também não se deixou de mencionar o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a atuação
de D. Pedro
o95.
A Independência voltou a ser o centro das atenções em 1922 e ressurgiu com muito
brilho e esplendor. Revirar a história destes cem anos, ou parte dela, talvez tenha sido mais
fácil para aqueles homens que viviam no século XX e que já mantinham certo
al dos acontecimentos que marcaram a emancipação política do Brasil.
Percebe-se ainda, examinando os eventos direcionados para as festividades e da
própria Edição, que, a partir do centenário, tentou-se ora entrelaçar um arranjo harmônico
entre a história imperial e a republicana, ora evitar tratar desta última, por um certo receio que
ainda persistia e permeava o ambiente na época. Exatamente por isso, o número especial do
Jornal do Commercio se torna muito mais que uma mera coleção a se
c
95 Cf. Ibidem, p. 4.
109
3 O CRONISTA
Não é possível escrever, de um modo original, sem o decalque, a história do Brasil, sem consultar as coleções do Jornal do Commercio, mas é possível fazer a história do Brasil só com as coleções do Jornal do Commercio. Com justo orgulho podemos dizer que as coleções da nossa folha constituem os grandes anais da nacionalidade. No Brasil não há fonte mais abundante de informações.
Jornal do Commercio, 19221
3.1 “Os Grandes Anais da Nacionalidade”2
3.1.1 As múltiplas faces de Félix Pacheco
No dia primeiro de agosto de 1910, José Félix Alves Pacheco3 tornava-se sócio efetivo
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, passando a benemérito em julho de 1935, cinco
meses antes da sua morte. Foi o início de sua passagem por duas renomadas instituições
brasileiras, já que em 1913 entrou para o rol dos imortais ao ser eleito para a cadeira nº 16 da
1 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 5. 2 O vocábulo — anais — que foi empregado na edição comemorativa do Jornal do Commercio, corresponde à definição que Lucia M. P. Guimarães utilizou: “O vocábulo Anais deriva do termo latino annales, cujo significado primitivo é o registro de fatos históricos ou pessoais, organizados ano por ano. Entretanto, para os romanos, inicialmente, devido à influência grega, ao Anais correspondiam ao relato do que outros fizeram e que o escritor jamais havia visto [...]. [...] Para Sempronius Asello, Anais constituem uma compilação dos fatos que se sucedem a cada ano, devendo o escritor limitar-se à simples exposição do que ocorreu, tal como um cronista. Já o autor de um texto histórico deveria articular os fatos às circunstâncias em que eles se passaram, refletindo sobre causas, motivações e conseqüências. Cícero acentuaria essas diferenças, ao conceituar Anais como a memória dos acontecimentos [...]”. Cf. Lucia M. P. Guimarães “Anais do I Congresso de História Nacional: possibilidades de leitura e mapeamento de tendência de uma disciplina”. Livro de Resumos do 2º COHILILE, Campinas, 2003, p. 1. Neste sentido, “anais da nacionalidade” constituiu o registro dos fatos históricos nacionais, organizados ano a ano, através do olhar dos redatores do Jornal do Commercio. 3 Ver Ilustração 10, p. 111.
110
Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Gregório de Matos4. A posse na ABL, que
deveria ter ocorrido no mês de julho, teve de ser adiada por um motivo bem prosaico. Em uma
das diversas cartas e bilhetes dirigidos ao amigo conde de Afonso Celso, Félix solicitou-lhe
que mudasse o dia da posse para primeiro de agosto em virtude da impossibilidade de se
apresentar na segunda quinzena de julho, pois o seu alfaiate só poderia dar pronta a farda no
final do dito mês5.
Outro colega muito estimado por Félix era José Veríssimo, que não pode comparecer a
sua posse e o deixou muito desolado com a ausência, principalmente porque Veríssimo foi um
dos que votou no ingresso de Félix para a ABL6. A afinidade entre ambos já vinha de algum
tempo, pois José Veríssimo era colaborador do Jornal do Commercio e, pelas cartas, observa-
se que havia também uma relação pessoal bastante próxima, como se verifica na mensagem
abaixo.
Rio de Janeiro, 4 de maio de 1910 Meu caro e ilustre amigo Sr. José Veríssimo, Como não tenho tido o prazer de vê-lo, aqui lhe mando a nota de sua colaboração para receber no escritório a importância respectiva. Aproveito o ensejo para fazer-lhe um pequeno pedido. É sobre minha irmã Maria Luiza, que raríssimas vezes me solicita alguma coisa [...]. Como sabe, ela ficou presa no 1º ano pela cadeira de aritmética. Precisa ouvir as aulas do 2º para não perder tempo. Eu lhe seria muito grato se quisesse ter a bondade de deslocá-la para a turma de D. Amélia Riedel, pois ela preferirá deixar a escola a ter de estudar de novo com o professor Alemão [...]7.
Vários jornais da época como A Tribuna, O Imparcial, O Paiz, a Gazeta de Notícias e
o Estado de São Paulo publicaram notas com elogios sobre a recepção de Félix Pacheco na
Academia Brasileira de Letras. Na da A Ilustração Brasileira, Veiga Lima, chamaria a
4 Félix Pacheco foi precedido por Araripe Júnior e sucedido por Pedro Calmon. 5 Cf. Carta de Félix Pacheco ao Sr. conde de Afonso Celso, solicitando que este adiasse sua posse na Academia Brasileira de Letras. s/d. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco. 6 Cf. Carta de Félix Pacheco ao Sr. José Veríssimo, lamentando-se pela ausência do amigo no dia da sua posse, na Academia Brasileira de Letras. s/d. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco. 7 Carta de Félix Pacheco ao Sr. José Veríssimo, comunicando o pagamento de sua colaboração e pedindo-lhe um favor. 4 de maio de 1910. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
111
atenção justamente por carregar de louvores o trabalho como historiador do mais novo
acadêmico: “[...] Que outros digam do filósofo, do historiador, historiador completo como no
O Publicista da Regência, seguro do método escrupuloso de Niebuhr, e mais, unindo a
ciência à arte, realizando o ideal do historiador segundo Ranke [...]”8.
Ilustração 10: Retrato de Félix Pacheco
Fonte: Acervo da Academia Brasileira de Letras – Brasil
Félix Pacheco nasceu na cidade de Teresina, em dois de agosto de 1879, filho de
Gabriel Luiz Ferreira e Maria Benedita Cândida da Conceição Alves Pacheco. Aos onze anos
de idade, desembarcou na cidade do Rio de Janeiro, ao lado do seu tio, o Senador Teodoro
Alves Pacheco, com quem manteve uma afinidade paterna, incorporando, inclusive, o seu
8 A Ilustração Brasileira, 1/8/1913. Ambos os autores citados pertenceram à geração alemã de historiadores do século XIX, período no qual a história conquistou seu lugar junto às ciências naturais. De acordo com José Honório Rodrigues, tanto Niebuhr (1776-1831) como Leopold von Ranke (1795-1885) devem à ciência histórica uma contribuição de importância decisiva, que proveio do “[...] apuro do exame crítico das fontes e da grande e minuciosa colheita de documentos. A história se torna, definitivamente, no campo de seu método de trabalho e de investigação, uma ciência de indiscutível aceitação”. Cf. José Honório Rodrigues. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 5ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, p. 52.
112
sobrenome. Na Capital Federal, estudou no Colégio Militar e, ao completar dezoito anos, já
dava seus primeiros passos no ofício com a caneta e o papel, ao escrever Chicotadas —
versos revolucionários. Em 1899, começou a trabalhar em um dos mais respeitáveis jornais
da época — o Jornal do Commercio, que o abrigou profissionalmente durante trinta e seis
anos e do qual se tornou proprietário. Também fez parte de um ciclo literário de poetas
simbolistas, composto por Tibúrcio de Freitas, Saturnino Meireles, Carlos Dias Fernandes e
Maurício Jubin. Todos constituíam discípulos de Cruz e Souza e admiravam as obras de
Baudelaire, Verlaine e Mallarmé. Ressalta-se que a primeira tradução, no Brasil, de
Baudelaire foi realizada pelo próprio Félix9.
Ainda jovem, passou a se ocupar também da história, publicando a obra O Publicista
da Regência: Evaristo Ferreira da Veiga, que, de certa forma, marcou um novo momento na
vida de Félix, quando o piauiense começou a se dedicar a várias tarefas, oscilando entre a vida
jornalística, a literária e o gosto pela história10. Acabou bacharelando-se em Direito pela
Faculdade Nacional e chegou a ser Doutor pelo College of Journalison, Political Sciences &
Languages da Virgínia Ocidental11.
Em 1909 ingressou na política, eleito para o cargo de Deputado Federal pelo seu
Estado, reelegendo-se sucessivamente. Dentre algumas de suas ações políticas, uma se
destacou, como diretor do Gabinete de Identificação e Estatística do Distrito Federal que,
9 Ver sobre a relação de Félix Pacheco com a chamada segunda geração de poetas simbolistas em Cícero Sandroni. Op. cit., p. 409 e 410. 10 Félix Pacheco deixou uma vasta obra das quais se destacam: Via Crucis (versos), 1900; Mors-Amor (versos), 1904; Marquês de Paranaguá, 1907; Independência do Poder Judiciário e as prerrogativas do Supremo Tribunal Federal, 1913; Martha (versos), 1917; Um francês-brasileiro: Pedro Plancher. Subsídios para a História do Jornal do Commercio, 1917; O Brasil um só, 1919; Em louvor de Paulo Barreto, 1921; Plancheriana, 1930; O valor imenso da biblioteca brasiliense do Dr. José Carlos Rodrigues, 1930; A “Canaã” de Graça Aranha, 1931 e A vida inútil e gloriosa da Academia Brasileira de Letras e o amanhã da Língua Portuguesa encarado através da reforma ortográfica em andamento, 1932. Cf. Dicionário Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiros. Op. cit., p. 116. 11 Félix Pacheco obteve inúmeras condecorações das quais se destacaram: Oficial da Ordem Militar de São Thiago da Espada em Portugal, Grão Cordão da Ordem de Simon Bolívar na Venezuela e Grão Cruz da Real Ordem de Isabel, a Católica, na Espanha.
113
atualmente, tem o seu nome: Instituto Félix Pacheco12. Contudo, o Jornal do Commercio
continuava a ser sua prioridade, pois, ao que tudo indica, só aceitou concorrer ao cargo eletivo
após obter o consentimento do patrão, José Carlos Rodrigues, como se verifica na seguinte
mensagem: “Com relação a minha entrada para a Câmara, repito o que lhe disse de viva voz:
só aceito a deputação porque o Sr. consente. Se o Sr. pensando melhor, achar que o Jornal
perde com isso, é dizer-me com franqueza, porque não terei hesitação: renuncio”13.
Aos trinta e seis anos de idade, Félix Pacheco havia conquistado certo reconhecimento
público, não somente por pertencer ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, à Academia
Brasileira de Letras e por já ter uma vida política consistente, mas também por continuar
crescendo dentro do prestigiado Jornal do Commercio. Talvez, pressentindo as mudanças que
ocorreriam com a saída do então proprietário da folha carioca, Félix comunicou ao presidente
da ABL a sua renúncia ao cargo de 2º secretário da Academia em virtude de suas outras
ocupações14.
José Carlos Rodrigues, além de dono do periódico, também exerceu o cargo de
redator-chefe, muitas vezes, responsabilidade dividida com os jornalistas e redatores de sua
confiança, principalmente quando estava fora do Brasil. Félix Pacheco foi um desses homens
que, a partir de 1915, tornou-se o cérebro da redação do Jornal do Commercio. O periódico,
nesta época, foi adquirido por um dos seus antigos funcionários, o Comendador Antônio
Ferreira Botelho, que continuou a se ocupar da parte administrativa do diário. Em seu
discurso de recepção na Academia, Félix deixou transparecer toda sua gratidão para com
aquele órgão da imprensa que, certamente, colaborou para o incremento da sua carreira como
jornalista, como letrado, como político e, até mesmo, como historiador.
12 Com a criação do órgão, Félix introduziu o sistema datiloscópico no Brasil, método de identificação pelas impressões digitais. 13 Relatório de Félix Pacheco para José Carlos Rodrigues, descrevendo a atuação do Jornal do Commercio na campanha de lançamento dos futuros candidatos à presidência do país. 30 de junho de 1909. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues. 14 Cf. Carta de Félix Pacheco ao presidente da Academia Brasileira de Letras, comunicando sua renúncia ao cargo de 2º secretário da ABL. 12 de setembro de 1914. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
114
Foi alí (referindo-se ao Jornal do Commercio) que me disciplinei na experiência e aprendi a amar a tradição, que liga as almas no tempo e dignifica as idéias no espaço, fundindo os homens e as coisas, como expressões de um mesmo ambiente, que se altera e se modifica, mas que nunca desaparece ou se dissolve, antes cada vez mais se renova, se embeleza e se prolonga15.
Félix continuou exercendo suas distintas tarefas nos anos subseqüentes, até que, no
início da década de vinte, houve mudanças significativas em sua vida. Uma delas foi a
compra, em 1923, da propriedade do Jornal do Commercio16. A outra diz respeito à sua
carreira política que ganhou uma projeção maior, especificamente, por se eleger senador em
192117 e, no ano seguinte, por ser convidado a assumir a pasta do Ministério das Relações
Exteriores, no governo de Artur Bernardes. A aceitação do cargo de ministro só se
concretizou depois de muita insistência do presidente da República, pois Félix dizia não se
achar preparado para ocupar a função designada.
Sentindo que a responsabilidade era pesadíssima para os meus frágeis ombros, disse logo isso ao eminente Sr. Bueno Brandão, intermediário do convite, e não tardei que rogasse para declinar da insigne honra. O presidente eleito respondeu-me, textualmente, de Belo Horizonte, onde ainda se encontrava: “Sua modéstia o faz mau juiz em causa própria”. E pediu-me para que nada resolvesse antes de sua chegada à capital18.
Durante o período que ocupou o Ministério das Relações Exteriores, Félix sofreu
inúmeras críticas, que provinham de acusações sobre os altos gastos da respectiva secretaria e
da sua má administração, considerada, pelos oponentes, como uma gestão diplomática
desastrosa. Segundo nota de autoria de Mario Rodrigues, no periódico A Manhã, um dos
principais órgãos da imprensa de oposição ao ministro, este teria tido um dispêndio no valor
de 2:700:000$00019 com telegramas para o estrangeiro20. Vale ressaltar que o jornal,
15 Félix Pacheco. Discurso de recepção na Academia, seguido da resposta do Sr. Souza Bandeira. Op. cit., p. 13. 16 Vale lembrar que a partir de 1923, Vítor Viana assumiu a redação do Jornal do Commercio, certamente, porque as tarefas políticas de Félix Pacheco aumentaram consideravelmente com sua entrada no Ministério das Relações Exteriores. 17 Ver Ilustração 11, p. 116. 18 Félix Pacheco. À Comissão de Verificação de Poderes do Senado da República e aos homens de bem do país inteiro. Op. cit., p. 5. 19 Valor em libra esterlina: £ 16.621.200,000.
115
freqüentemente, se dirigia à pessoa de Félix por meio de apelidos como Félix Pepe e Pé-
choco. Outras censuras derivaram da dupla função que o jornalista exercia como proprietário
do Jornal do Commercio e gestor da pasta de Relações Exteriores. Especificamente
denunciavam que a respectiva folha obtinha benefícios por parte do governo federal21, como
se pode constatar pela seguinte citação.
Chanceler do governo nefando do réprobo de Viçosa, Félix Pacheco, o Pepe, foi uma das maiores calamidades que pesaram sobre o Brasil durante o quadriênio sinistro. Se de um lado Félix Pacheco se mostrava de uma burrice obtusa, destruindo com as suas numerosas gafes o que construíra Rio Branco, de outro, demonstrava a agudez da sua astúcia de Dom Ratão arquitetando e levando a efeito os mais audaciosos planos de assalto ao erário público [...]”22.
Félix chegou a responder aos críticos, como nesta passagem do seu discurso à
Comissão de Verificação de Poderes do Senado:
Sou, de fato, desde muito tempo, acionista, e, hoje, sócio solidário de uma firma com organização de comandita por ações, proprietária do Jornal do Commercio, onde trabalho há vinte e oito anos consecutivos, tendo subido ali de degrau a degrau, e, o que a crápula não me perdoa, havendo feito com brio e com honra toda a minha carreira profissional nesse órgão centenário, legítimo expoente da opinião conservadora do país23.
Não fugindo à regra de um homem público, que ainda pertencia a duas instituições
notórias e, além de proprietário, encabeçava a redação de um dos mais antigos e prestigiados
periódicos da época, Félix Pacheco, ao mesmo tempo em que tinhas bons e respeitáveis
amigos, também colecionava inimigos ferrenhos. Mas, apesar das críticas, não deixou de
exercer suas diversas atividades e continuou presente no Jornal do Commercio24, publicando
20 Cf. “Em desespero”. A Manhã, 29/4/1927. 21 Ver mais sobre algumas das críticas a Félix Pacheco e ao próprio Jornal do Commercio no tópico “Um jornal e os desafios políticos dos primeiros anos republicanos”, p. 56 e 57, do presente texto. 22 “Os remanescentes do Bernardismo: Félix Picareta foi estrondosamente derrotado”. A Manhã, 5/3/1927. 23 Félix Pacheco. À Comissão de Verificação de Poderes do Senado da República e aos homens de bem do país inteiro. Op. cit., p. 10. 24 Félix Pacheco só deixou o Jornal do Commercio, em 1935, devido ao seu falecimento no dia 16 de dezembro. Após a sua morte, a viúva de Félix doou parte das ações referentes à propriedade do periódico ao jornalista Elmano Cardim.
116
números que ficariam para a história, como o exemplar comemorativo do centenário da
Independência do Brasil que, segundo as palavras do próprio Félix:
[...] Vereis, a 7 do mês próximo, o número especial que estamos imprimindo para comemorar o centenário da nossa independência. Não há quase uma só palavra nossa nesse número. Vão falar as nossas coleções, velhas de noventa e cinco anos, ou seja, cinco anos apenas mais moça do que o Ipiranga, contando, com fidelidade, toda a longa e figurante história do Brasil dessas dez décadas. E tudo, nessa história, é anônimo. Há, entretanto, uma coisa que, ontem, como hoje, como amanhã, não é anônima: o povo, a opinião, a imprensa, formando o Brasil, o progresso do Brasil, a glória de seus governos, a fortuna de seu imenso porvir [...]25.
Ilustração 11: Retrato do almoço festivo para celebrar a entrada de Félix Pacheco para o Senado da República – Salão nobre do Jornal do Commercio26
Fonte: Félix Pacheco. Discurso pronunciado pelo Senador Félix Pacheco agradecendo o almoço que os seus colegas do Jornal do Commercio lhe ofereceram no dia 29 de maio de 1921. Rio de Janeiro: Tipografia do
Jornal do Commercio, 1921. Acervo da Academia Brasileira de Letras – Brasil.
25 Discurso de Félix Pacheco pronunciado na homenagem dos seus companheiros do Jornal do Commercio ao aniversário de Félix em 2 de agosto de 1922. Publicado no Jornal do Commercio, 3/8/1922. Grifos meus. 26 Sentados no canapé, à esquerda o Comendador Ferreira Botelho e à direita Félix Pacheco.
117
3.1.2 Nas entrelinhas de um projeto ambicioso
Alguns dias antes do centenário da Independência do Brasil, Félix Pacheco já
anunciava o lançamento de uma edição especial para celebrar a efeméride. Segundo o
jornalista, no número, que deveria conter mais de quinhentas páginas, estariam registrados
cem anos da história brasileira. Dizia ainda que a obra teria um ingrediente exclusivo, pois, na
sua elaboração, seriam usadas as próprias coleções do periódico, sem que houvesse uma só
interferência por parte dos redatores, constituindo-se, guardadas as devidas proporções, em
uma espécie de edição diplomática27.
Apesar de bem sucedido, o projeto ambicioso de Félix ficou aquém do que ele
planejava. A análise mais detalhada das notícias e do conjunto da obra tornaria possível
constatar algumas lacunas. Uma delas se encontra no discurso em torno do privilégio de
usufruir do próprio material do Jornal do Commercio na preparação do número especial. Ao
visualizar o Gráfico 128, fica perceptível que os redatores não aproveitaram somente as
coleções do Jornal do Commercio; utilizaram também as antigas edições do primeiro
periódico fundado por Pierre Plancher no Brasil, o Spectador Brasileiro. Ressalta-se que, do
ano de 1824 em diante, constataram-se referências ao Spectador, as quais permaneceram até
por volta de abril de 1827, data que se justifica facilmente pelo fim da publicação do
Spectador, em 23 de maio deste ano.
27 Este termo foi apropriado da definição que José Honório Rodrigues empregou para nomear uma das três maneiras de se reproduzir um material a ser utilizado como fonte histórica. Assim sendo, “[...] A diplomática é a reprodução, por meio da imprensa, do texto contido, de ordinário, em qualquer manuscrito, com todas as características que o texto apresenta, de modo que o estudioso possa ter diante de si alguma coisa de semelhante a uma reprodução fotográfica [...]”. Cf. José Honório Rodrigues. “Crítica de textos e a edição de documentos históricos”. Op. cit., p. 378-379. 28 Ver Gráfico 1, p. 118.
118
Gráfico 1: Número de notícias e referências a autores (1822 a 1827)29
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
Foram poucas as notícias que fizeram algum tipo de referência a autoria. Quando
houve algum registro específico, a maioria dizia respeito a algum discurso ou conferência do
autor, até porque, como deixou claro Félix Pacheco, a história escrita na Edição se constituiria
anônima.
Como já foi mencionado, entre 1822 e maio de 1824, não existiam ainda nem o
Spectador Brasileiro nem o Jornal do Commercio. Assim sendo, não havia a possibilidade de
os redatores usarem publicações dos respectivos periódicos referentes a tal período30. Infere-
se, que, possivelmente, recorreram a outras fontes para a elaboração histórica dos blocos
dessa época, das quais grande parte foi retirada de momentos bem distantes do período
focalizado, como é possível verificar pelas análises do Gráfico 2 e do Quadro 131. E mais:
constata-se que o número de notícias com referência a alguma data original é inferior ao
número de notícias sem a referência a data original, talvez, justamente, para manter a idéia de
29 É importante esclarecer que uma mesma notícia pode ter referência a mais de um autor, e que o termo “autor”, aqui empregado, constitui tanto a pessoa física como, também, outros periódicos, nos quais suas notícias serviram de referência para os redatores do Jornal do Commercio. 30 Ver, no presente texto, o tópico “Um editorial, um enredo”, p. 101 e 102. 31 Ver respectivamente Gráfico 2, p. 119 e Quadro 1, p. 119.
119
anonimato da obra. Ou seja, não houve a preocupação em deixar registrados tanto a autoria
das notas como o período em que foram realmente publicadas.
Gráfico 2: Número de notícias e referências à data original das publicações (1822 a 1825)
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
Quadro 1: Data original em comparação aos anos dos blocos (1822 a 1825)
Blocos dos anos
Data original com ano igual ao do bloco
Data original com ano diferente ao do bloco
1822 - 9
1823 1 6
1824 12 4
1825 7 -
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
A utilização de outras fontes para a elaboração dos principais eventos ocorridos nos
anos iniciais, após a Independência, fica mais evidente quando se analisam as datas originais
120
das notícias publicadas, que eram bem posteriores aos acontecimentos de que tratavam. A
prova disto é que, a partir do surgimento do Spectador Brasileiro , em junho de 1824, as datas
começaram a coincidir com o ano do bloco32. No caso do bloco de 1822, as datas originais
que mais apareceram foram 1841, 1854, 1862, 1908, 1914, 1918 e 1919. A passagem a seguir,
a respeito do Dia do Fico, exemplifica tal arranjo, justamente pelo período da notícia ser do
dia 25 de março de 1862, ou seja, quarenta anos depois de transcorrido o evento.
Nós rogamos, portanto, a V. A. R. com o maior fervor, ternura e respeito, haja de suspender a sua volta para a Europa, por onde o querem fazer viajar como um pupilo, rodeado de aios e espias; nós lhe rogamos que se confie corajosamente no amor e fidelidade dos seus brasileiros, e mormente dos seus paulistas, que estão todos prontos a verter até a última gota do seu sangue, e a sacrificar todos os seus haveres, para não perderem o príncipe idolatrado, em quem têm posto todas as esperanças bem fundadas da sua felicidade e da sua honra nacional33.
Como se mencionou, o Spectador Brasileiro foi uma das fontes para os redatores até
maio de 1827, quando se encerrou sua circulação. A partir de outubro desse ano, as próprias
coleções do Jornal do Commercio passaram a servir de referência. Entretanto, ao contrário do
que Félix Pacheco afirmara, não se constituiriam as únicas, apesar de maioria. No decorrer de
toda a Edição, encontraram-se notícias dos jornais como o Correio Oficial, a Gazeta
Comercial da Bahia, o Diário de Pernambuco, o Recopilador Liberal, o Universal, o Correio
Mercantil, o Observador Paulistano, a Aurora Fluminense, a Gazete de France, a Revista del
Plata, utilizados também como fonte. Por exemplo, a nota do Universal de 2 de novembro de
1836, sobre a proclamação de uma república pelos rebeldes rio-grandenses, que foi transcrita
no Jornal do Commercio, para a seção sobre revoltas e motins populares, no bloco do ano de
1836.
Aos 20 dias do mês de setembro do ano de 1836, 1º da Independência e Liberdade Rio-Grandense, nesta Vila do Jaguarão, às 4 horas da tarde, abriu-
32 Ver Quadro 1, p. 119. 33 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 11. Notícia originalmente publicada em 25 de março de 1862.
121
se a sessão com 5 vereadores e tomando assento o Presidente, disse haver convocado a Câmara para fazer-se público neste município a deliberação da maioria da Província respeito (sic) a ficar desligada da família brasileira, instituindo um Governo Republicano [...]34.
O Jornal do Commercio começou a ser publicado cinco anos após a proclamação da
Independência e, assim sendo, até a data do primeiro centenário desse movimento, foram
noventa e cinco anos ininterruptos, fornecendo variadas informações todos os dias aos
leitores. Entre 1827 a 1922 foram cerca de 34.845 edições lançadas, número bastante
expressivo que certamente justificava o seu prestígio como testemunha da história35. As
publicações, majoritariamente, se direcionaram para os assuntos políticos, como o leitor pode
observar, analisando os Quadros 2, 3 e 536. Contudo não se deixou de abarcar questões
referentes à economia, à cultura e à vida cotidiana, mesmo que de forma acanhada.
O período que se estende de 1822 a 1829 foi o que apresentou menor quantidade de
notícias, totalizando 29237, até porque foi o momento mais curto analisado, ou seja, oito anos.
Por outro lado, do ponto de vista temático, houve maior porcentagem de assuntos políticos
publicados, em torno de 73%38. Os redatores se preocuparam em registrar em tais matérias,
principalmente, a administração política do então Imperador proclamado, D. Pedro I, e todos
os fatos que, de alguma forma, se entrelaçavam com o seu governo. Assim sendo, as
declarações na Assembléia Constituinte, a confecção da Constituição do Império e os
percalços com a guerra na Cisplatina ganharam um destaque acentuado.
Compreendia o Código Constitucional de 1824, 8 títulos [...]. O Império do Brasil era a associação política de todos os cidadãos brasileiros, formando
34 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 160. Notícia originalmente publicada pelo Universal em 2 de novembro de 1836. 35 Cf. Ibidem, p. 5. 36 Para obter uma análise mais adequada de todo o conjunto de notícias publicadas na edição do centenário da Independência do Jornal do Commercio, houve a necessidade de dividi-las em três momentos. O primeiro diz respeito ao período que vai de 1822 a 1829, justamente porque a partir de 1830 apareceu um elemento novo no direcionamento das publicações, a atribuição de uma legenda. O segundo momento concerne ao intervalo entre 1830 a 1840, já que após 1841, os blocos dos anos se agruparam em decênios e, sendo assim, formaram o terceiro momento, ou seja, 1841 a 1890. Ver Quadros 2, 3 e 5, p. 123, p. 124 e p. 127, respectivamente. 37 Ver Quadro 2, p. 123. 38 Ver Gráfico 3, p. 128.
122
uma nação livre e independente não admitindo, com qualquer outra, laço algum de união ou federação. Seu território dividia-se em províncias [...]. Seu governo a Monarquia Hereditária, constitucional e representativa, com a dinastia de atual imperador D. Pedro I. A religião católica continuava como religião do Império sendo, entretanto, permitidas outras com seu culto doméstico ou particular em casas sem forma exterior de templo [...]39.
A partir do bloco do ano de 1830, o número de notícias aumentou consideravelmente,
perfazendo um total de 59840 entre 1830 a 1840. A ampliação na quantidade de matérias fez
com que os redatores apresentassem, no sumário do ano de 1830, uma espécie de legenda41
para facilitar a compreensão por parte dos leitores.
É tão abundante e variado, em comentários, informes, notícias e documentos, o material fornecido, a partir deste ano, pelas coleções do Jornal do Commercio, que, a bem da clareza de sua exposição, nos pareceu necessário distribuí-lo por grupos ou parágrafos, perfeitamente distintos, em que ficassem consignados fatos e assuntos tendo, entre si, relações de maior ou menor dependência. O seguinte quadro, que, desde já, vai nos servir de modelo na redação deste e dos subseqüentes capítulos do presente trabalho, dá perfeita idéia dessa distribuição; para ele solicitamos a benévola atenção do leitor42.
De certa forma, a legenda contribuiu para que a leitura fosse direcionada segundo as
intenções dos próprios redatores. Ou seja, na maioria dos sumários dos blocos compreendidos
entre 1830 a 1890, as notícias iniciais respeitaram a seguinte convenção: A — Apreciação
geral; breve notícia dos principais acontecimentos do ano. L — Eleições; assembléias geral,
provincial, municipal; códigos. C — Convenções e Tratados; relações internacionais;
incidentes diplomáticos. Já as publicações finais, normalmente, permaneceram direcionadas
para a cultura, artes em geral, história, geografia, religião e vida cotidiana.
39 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 30 e 31. 40 Ver Quadro 3, p. 124. 41 Ver a legenda no Quadro 4, p. 125. 42 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 74.
123
Quadro 2: Blocos dos anos de 1822 a 182943
PUBLICAÇÕES
Categorias Subcategorias
BL
OC
OS
Total
Bio
graf
ia
Cul
tura
Eco
nom
ia
Pol
ític
a
Rel
igiã
o
Vid
a co
tidia
na
Pol
ític
a E
xter
na
Pol
ític
a In
tern
a
Cul
tura
: A
rtes
em
ge
ral
Cul
tura
: C
iênc
ias
da v
ida
Cul
tura
: C
iênc
ias
natu
rais
Cul
tura
: G
eogr
afia
Cul
tura
: H
istó
ria
Cul
tura
: Im
pren
sa
Cul
tura
: L
iter
atur
a
Cul
tura
: M
úsic
a
1822 19 - 2 1 15 - 1 1 15 - - - - 1 1 - -
1823 41 - 1 - 40 - 1 - 40 - - - - - - 1 -
1824 35 - 6 3 24 - 2 1 23 4 - - - - 1 1 -
1825 24 - 3 - 17 - 4 10 11 2 - 1 - - - - -
1826 42 - 6 - 33 - 3 17 19 2 - - - 1 1 1 -
1827 46 - 7 6 29 2 2 16 24 2 1 - - - 4 - -
1828 42 - 4 4 32 - 2 20 19 1 - - - - 1 1 -
1829 43 - 5 7 25 - 7 4 22 2 - 1 - - 2 - -
Total 292 - 34 21 215 2 22 69 173 13 1 2 - 2 10 4 -
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
43 Vale lembrar que, no banco de dados construído para o procedimento analítico, todos os campos das categorias foram preenchidos. Contudo, os campos das subcategorias não foram preenchidos na sua totalidade, especificamente os relacionados à categoria cultura, pois algumas notícias não corresponderam aos requisitos do campo subcategoria. Também houve notícias que completaram no mesmo campo mais de uma categoria ou subcategoria.
124
Quadro 3: Blocos dos anos de 1830 a 1840
PUBLICAÇÕES
Categorias Subcategorias
BL
OC
OS
Total
B
iogr
afia
Cul
tura
Eco
nom
ia
Pol
ític
a
Rel
igiã
o
Vid
a co
tidia
na
Pol
ític
a E
xter
na
Pol
ític
a In
tern
a
Cul
tura
: A
rtes
em
ge
ral
Cul
tura
: C
iênc
ias
da v
ida
Cul
tura
: C
iênc
ias
natu
rais
Cul
tura
: G
eogr
afia
Cul
tura
: H
istó
ria
Cul
tura
: Im
pren
sa
Cul
tura
: L
iter
atur
a
Cul
tura
: M
úsic
a
1830 58 - 12 6 28 - 12 7 23 2 2 1 - - 4 2 1
1831 64 - 12 5 44 - 4 2 42 4 3 - - - 2 3 -
1832 38 - 3 2 29 - 5 1 28 2 - - - - 1 - -
1833 74 - 13 6 46 1 8 4 42 - 3 - 1 1 5 - -
1834 58 - 5 9 40 2 7 5 37 2 1 1 - - 1 - -
1835 56 - 5 3 39 4 6 3 38 1 1 - - - 3 - -
1836 44 - 6 3 31 - 5 1 30 3 1 - - - 2 - -
1837 47 - 7 1 38 1 4 1 37 - - - - 1 2 1 -
1838 51 - 19 5 25 3 2 3 24 4 2 3 1 2 1 2 -
1839 47 - 15 1 30 - 6 3 29 2 1 2 1 1 2 1 2
1840 61 - 9 1 41 2 8 5 38 2 1 - 1 3 3 - -
Total 598 - 106 42 391 13 67 35 368 22 15 7 4 8 26 9 3
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
125
Quadro 4: Legenda das notícias da edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil
Letra Assunto correspondente A Apreciação geral; breve notícia dos principais acontecimentos do ano, no Brasil e no estrangeiro. B Biografias. C Convenções e Tratados; relações internacionais; incidentes e reclamações diplomáticas. D Defesa nacional; exército e marinha; guerras externas. E Executivo (o poder). O Chefe de Estado; ministérios e ministros. Administração geral, provincial e municipal. F Finanças e medidas econômicas. Crédito público; alfândegas; caixas econômicas. Comércio; bancos e agências. Indústrias e manufaturas.
Agricultura; criação. Exposições. O elemento servil. G Geografia física e política. O território; explorações; viagens; a população; etnografia. Colonização; catequese; Estatísticas. H Higiene e saúde pública. Epidemias; hospitais. Cemitérios. Abastecimento de água; alimentação. Matadouros. Remoção de imundices.
Esgotos. I Instrução pública; ensino primário, secundário, profissional. Escolas. Academias; cursos e conferências. Obras didáticas. Bibliotecas e
livrarias. Bibliografia. J Judiciário (o poder). Tribunais e magistrados. Advogados. O júri. Penitenciárias. Execuções. L Legislativo (o poder). Eleições. Assembléias geral, provincial, municipal. Legislação. Códigos. M Melhoramentos materiais; obras públicas: pontes, canais, portos. Meios de comunicação e transporte: aéreos, terrestres, fluviais,
marítimos. Correio. Telegrafo. Descobertas e invenções; privilégios. N Necrologia. O Opiniões, sugestões, alvitres de diversos acolhidos nas colunas do Jornal do Commercio. P Publicações. Jornais, revistas, publicações diversas. Artes gráficas. R Religião; culto; clero; ordens religiosas; associações de caridade e beneficência. Maçonaria. Positivismo.
SLA Ciências. Letras, artes. Estabelecimentos e associações científicas, literárias, artísticas. Produções diversas. O teatro. T Tranqüilidade pública; rebeliões, revoltas, motins populares. A polícia. Calamidades; secas; inundações; incêndios; tempestades;
naufrágios. U Usos e costumes. A sociedade: hábitos sociais. Bailes, recepções. Vestuários, modas. Habitação. Hotéis. Festas e divertimentos
populares. V Variedades; anedotas; fatos diversos.
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
126
Os blocos dos anos entre 1830 a 1840 apresentaram uma maior diversificação entre as
categorias se comparados com os outros dois períodos analisados44. Mas os assuntos políticos
ainda continuaram a predominar, a exemplo da Aclamação de D. Pedro II: “Em época alguma
a Capital do Império apresentou um aspecto mais arrebatador do que no dia 9 do corrente, dia
em que o nosso jovem Imperador, o Sr. D. Pedro II, fez a sua entrada [...]. Jamais monarca ha
sido inaugurado debaixo de tão lisonjeiros auspícios (sic) [...]”45.
A partir de 1841, como já se disse, o método de exposição foi alterado46. Os redatores
do periódico optaram por agrupar os blocos por decênios, devido ao acúmulo de informações.
Entretanto, o que se verificou, ao fazer a análise quantitativa das notícias, durante o período
de 1841 a 1890, é que o número permaneceu abaixo, com 384 notas47, em comparação ao
momento anterior, 1830 a 1840.
O conteúdo político continuou a permanecer com o maior percentual nas publicações,
totalizando 71%48. As demais categorias como cultura, economia, religião e vida cotidiana,
mesmo tendo ficado com números inferiores aos dos anos de 1830 a 1840, apareceram mais
que na fase de 1822 a 1829. A novidade é que surgiu uma categoria que até então não havia
aparecido — a biografia. No caso, esta foi sobre John Armitage e assinada por alguém que se
denominava Justus, que se dispôs a responder a algumas das críticas feitas ao autor da obra
História do Brasil. Em um dos trechos da réplica se destaca a seguinte opinião:
[...] J. Armitage foi imparcial sem ser indiferente [...] e quando a geração atual desaparecer da superfície da terra, e a posteridade sentada sobre seu túmulo a quiser julgar, a história de Armitage, não deixará de influir sobre o conceito que de nós fizer. Exposição fácil, inteligência dos fatos, crítica segura, recomendam esta obra [...]49.
44 Ver Gráfico 3, p. 128. 45 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 88. Notícia originalmente publicada em 12 de abril de 1831. 46 Ver, no presente texto, o tópico “Um editorial, um enredo”, p. 99 e 100. 47 Ver Quadro 5, p. 127. 48 Ver Gráfico 3, p. 128. 49 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 266 e 267. Notícia originalmente publicada em 20 de setembro de 1842.
127
Quadro 5: Blocos dos anos de 1841 a 1890
PUBLICAÇÕES Categorias Subcategorias
BL
OC
OS
Total
Bio
graf
ia
Cul
tura
Eco
nom
ia
Pol
ític
a
Rel
igiã
o
Vid
a co
tidia
na
Pol
ític
a E
xter
na
Pol
ític
a In
tern
a
Cul
tura
: A
rtes
em
ge
ral
Cul
tura
: C
iênc
ias
da v
ida
Cul
tura
: C
iênc
ias
natu
rais
Cul
tura
: G
eogr
afia
Cul
tura
: H
istó
ria
Cul
tura
: Im
pren
sa
Cul
tura
: L
iter
atur
a
Cul
tura
: M
úsic
a
1841-1850
71 1 14 4 47 2 7 7 44 5 - 2 2 1 2 - 1
1851-1860
103 - 22 11 59 2 14 17 49 4 1 2 1 1 7 4 4
18611870
68 - 6 1 60 1 1 16 44 3 - - - - 1 - 1
1871-1880
62 - 7 4 42 6 4 6 37 4 - - 1 1 1 2 -
1881-1890
80 - 4 - 66 4 6 1 65 - - - 1 - 3 - -
Total 384 1 53 20 274 15 32 47 239 16 1 4 5 3 14 6 6
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
128
Gráfico 3: Percentual das categorias nas notícias da edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1822‐1829 1830‐1840 1841‐1890
Cultura
Economia
Política
Religião
Vida Cotidiana
129
Nitidamente, o conteúdo político predominou na Edição, o que não é de se estranhar,
uma vez que seus redatores privilegiaram os acontecimentos de tal área, e que esse tipo de
história e territórios correlatos eram ordinários nas principais tendências da historiografia
européia da época50. No levantamento que a historiadora Lucia M. P. Guimarães realizou
acerca dos temas que fizeram parte do Primeiro Congresso de História Nacional, realizado
pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1914, a história política também teve um
destaque acentuado, juntamente com as correspondentes: história militar, história diplomática,
história constitucional e administrativa, e história parlamentar51. Logo, os redatores do Jornal
do Commercio, ao elaborarem o número especial de 1922, demonstraram estar em sintonia
com a produção histórica vigente nestas primeiras décadas do século XX no Brasil,
especificamente com o tipo de historiografia que se veiculava no IHGB. Ao fazer a
distribuição dos temas no exemplar do centenário, verifica-se um número bastante superior de
matérias que se dedicaram à administração pública52, como é possível perceber pelo Gráfico
4.
Gráfico 4: Principais temas que se destacaram na edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
50 Cf. Lucia M. P. Guimarães. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Op. cit., p. 83. 51 Para efeito de comparação, ver os levantamentos de Idem. Ibidem, p. 82. 52 Ao fazer a distribuição do temário, o da administração pública englobou questões referentes à diplomacia, à economia, aos trabalhos parlamentares e, conseqüentemente, aos constitucionais e, claro, à própria administração do estado, que no caso foi basicamente a do Império.
130
Ao avaliar o elemento iconográfico da Edição, relativo à ilustração da família imperial
e de outras figuras de renome, como José Bonifácio de Andrada e Epitácio da Silva Pessoa53,
novamente houve uma semelhança com outra produção realizada pelos membros do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Isso ocorre em relação ao Dicionário Histórico, Geográfico
e Etnográfico do Brasil, obra também elaborada para as comemorações da data do dia 7 de
setembro de 1922. Tal afinidade torna-se perceptível ao analisar os retratos do número
especial do Jornal do Commercio, distribuídos ao longo da obra, cotejando-os com os do
Dicionário do IHGB, encontrados ao final da segunda parte do livro, juntamente com um
conjunto de biografias preparadas por Ramiz Galvão. Assim, como os critérios políticos
serviram como base para as ilustrações do Dicionário, a mesma orientação foi realizada no
Jornal do Commercio, com uma ressalva: no periódico, percebe-se certa omissão, pois se
evidenciou, claramente, um enaltecimento do Império, já que houve apenas a representação de
um presidente republicano que, ao contrário da Monarquia, teve seus mais ilustres
personagens em evidência.
Ilustração 12: Retrato de D. João VI
53 Ver a Ilustração 12, p. 130; Ilustrações 13, 14, 15, p. 131 e Ilustrações 16 e 17, p. 132.
131
Ilustração 13: Retrato de José Bonifácio
Ilustração 14: Retrato de Ilustração 15: Retrato da D. Pedro I Imperatriz Leopoldina
132
Ilustração 16: Retrato de Ilustração 17: Retrato de D. Pedro II Epitácio da Silva Pessoa
Fonte: Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922. Acervo
Particular.
Ainda foi possível encontrar outra semelhança entre a Edição e o Dicionário
Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil: o apêndice, que os redatores elaboraram para
retratar o período republicano ao final do exemplar. Ao contrário do que vinha sendo
realizado para o retrospecto histórico do Império, ou seja, o arranjo das notícias anualmente e
depois em decênios, a partir de 1890 houve uma quebra nesse formato. O ensaio sobre a
República ficou reduzido a cinqüenta e três páginas que se preocuparam, basicamente, em
oferecer uma visão panorâmica de alguns órgãos administrativos do Distrito Federal, bem
como, dos estados que então formavam a República dos Estados Unidos do Brasil. Da mesma
forma, os membros do IHGB também apresentaram um caráter mais informativo na
composição do Dicionário de 1922 que, segundo Lucia M. P. Guimarães, convergia mais para
133
a demonstração das energias nacionais e da coesão brasileira54. A introdução da nota que saiu
sobre o Conselho Municipal do Rio de Janeiro, no número do centenário, torna-se um
exemplo apropriado para entender como os redatores idealizaram os anos republicanos na
folha especial o que, de certa forma, serviu de modelo para as seções subseqüentes: “Não
pretendemos dar a este escrito a feição de um retrospecto histórico. Em despretensiosa
síntese diremos do Poder Legislativo municipal a impressão político-filosófica que dele temos
[...]”55. Fica evidente que os redatores se isentam da tarefa de elaborarem um arranjo histórico
sobre as primeiras décadas republicanas.
Valendo-se de alguns artifícios, como um adendo sobre os fatos ocorridos entre os
anos de 1822 e 1827, bem como o apêndice concernente ao período republicano, os redatores
dispuseram as notícias de maneira a compor um enredo coerente. Tal trama tornou a narrativa
muito mais conjuntural e, conseqüentemente, fez com que o periódico assumisse antes a
função de um cronista do que de um historiador.
3.2 A crônica da História do Brasil
Como se pôde acompanhar, Félix Pacheco exercia inúmeras atividades, além daquelas
relacionadas ao ofício de jornalista e à política. Pertencia ao Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, à Academia Brasileira de Letras, reunia-se com um grupo literário e, ainda, nas
horas vagas, praticava o métier de historiador, exercício que, certamente, o levou a elaborar
uma obra estimável — a Edição. É certo que o autor de O Publicista da Regência não fez tal
empreendimento sozinho; possivelmente, contou com a colaboração de outros estudiosos e
repórteres para idealizar tal projeto.
54 Cf. Lucia M. P. Guimarães. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Op. cit., p. 101. 55 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 417. Grifos meus.
134
Segundo o acadêmico Cícero Sandroni, a folha do centenário foi preparada sob a
orientação de Capistrano de Abreu e de Constâncio Alves56. O primeiro chegou ao Rio de
Janeiro, com 22 anos de idade, em 1875. Anteriormente havia tentado cursar Direito, contudo
não obteve sucesso e, assim, decidiu migrar para a Capital do Império. Trabalhou na Livraria
Garnier, foi professor no Colégio Aquino e, mais tarde, ministrou a disciplina de Corografia e
História do Brasil no Colégio Pedro II, mas não permaneceu por muito tempo na tradicional
escola, pois, devido à extinção de tal cadeira, em 1899, Capistrano se declarara incapacitado
para lecionar as aulas de História Geral57. Morreu aos 74 anos de idade, em 1927, deixando
publicada uma obra considerada pequena e constituída de textos curtos58. Justamente por isso,
segundo seus estudiosos, sua produção deixou a desejar, pois livros, artigos e cartas, que
demonstravam toda a argúcia desse historiador cearense, poderiam ter constituído um volume
maior de bons trabalhos. De acordo com Rebeca Gontijo, o autor de Capítulos de História
Colonial distinguia-se de seus antecessores e contemporâneos pela segurança da investigação,
pelo número considerável de informações que acumulava e pela profundidade do saber. O seu
mérito teria vindo, principalmente, da capacidade crítica empregada na análise de
documentos59.
Já o baiano Constâncio Alves, também, a princípio, tentou a carreira de Bacharel em
Direito, entretanto abandonou o curso ao ingressar na Faculdade de Medicina em Salvador.
Tornou-se médico em 1885 e, cinco anos mais tarde, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde
começou a exercer profissionalmente a carreira de jornalista no recém-criado Jornal do
56 Cf. Cícero Sandroni. Op. cit., p. XVIII. 57 Cf. Rebeca Gontijo. “O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador”. Tese de Doutorado. Departamento de História da UFF, Niterói, 2006, p. 32-38. Sobre Capistrano de Abreu, ver também José Honório Rodrigues. “Um historiador caboclo e sua obra: Capistrano de Abreu”. In: _____. História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 58 Cf. José Carlos Reis. Op. cit., p. 86. 59 Cf. Rebeca Gontijo. Op. cit., p. 39. Ver também Ricardo Benzaquen de Araújo. “Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu”. Estudos Históricos – Dossiê Caminhos da Historiografia, Rio de Janeiro, 1(1):28-54, 1988.
135
Brasil. Foi coordenador desse periódico e escrevia, aos domingos, a resenha semanal60. No
ano de 1896, ingressou no quadro de funcionários do Jornal do Commercio, dedicando-se, no
início, à seção Dia-a-Dia61 e, depois, aos assuntos culturais, permanecendo nessa folha por 36
anos. Foi funcionário da Biblioteca Nacional, chegando a ocupar o cargo de diretor da divisão
de manuscritos no período entre 1903 a 1913. No ano do centenário da Independência, foi
eleito terceiro ocupante da Cadeira nº 26 da Academia Brasileira de Letras, sendo recebido
pelo acadêmico Félix Pacheco, em 22 de agosto de 1922.
Percebe-se, portanto, que Félix Pacheco contou com excelentes colaboradores na
organização do número especial, o que conferiu a tal obra uma grandiosidade considerável, e
um conjunto bastante rico de elementos factuais da nossa história. Todavia, qual teria sido o
arranjo histórico vislumbrado, nas páginas da folha do centenário, por esses homens que,
certamente, detinham um arcabouço historiográfico considerável?
A crônica e a história são sempre narrativas que, de alguma forma, mantêm uma estrita
conexão com a realidade. Porém há diferenças intrínsecas que marcam cada uma delas e,
conseqüentemente, as distinguem. Segundo o historiador José Honório Rodrigues, na obra
História da História do Brasil, a crônica “[...] é um gênero, sem pretensão de obra acabada, e
por ser escrita por quem presenciou os acontecimentos é sempre testemunhal, viva, atual
[...]”62. E por isso, quase sempre permanece limitada a um episódio, a uma missão, se
constituindo como a apreensão narrativa no momento da produção, “[...] enquanto a história
generaliza, na particularidade do sucesso, os motivos da ação, as ligações com outros fatos, as
conseqüências [...]”63. Na primeira, a narrativa do instante do acontecimento se torna mais
presente do que uma recriação e/ou compreensão da estrutura factual e espiritual, tarefa da
qual a história se ocupa.
60 Cf. NelsonWerneck Sodré. Op. cit., p. 293 e 295. 61 Cf. Idem. Ibidem, p. 335. 62 José Honório Rodrigues. História da História do Brasil. Historiografia Colonial. São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1979, p. XVIII e p. 425 e 426. 63 Idem. Ibidem, p. XVIII.
136
A partir da definição que José Honório atribuiu à crônica64, percebe-se que a Edição
correspondeu mais à acepção de uma crônica da história do Brasil do que propriamente a uma
história do Brasil. Os redatores do periódico descreveram e narraram os episódios sem terem a
preocupação, certamente porque não era o intuito, de buscar as origens estruturais dos
acontecimentos descritos nas 470 páginas do exemplar, tarefa mais adequada à história.
Obviamente tal obra não se desqualifica por se constituir como crônica, já que, como José
Honório Rodrigues adverte, a narrativa histórica, tanto a crônica conjuntural como a história
estrutural “[...] é um produto final do empreendimento histórico de cada geração, e por isso
serve também para esclarecer as opiniões das minorias intelectuais e para compreender os
trabalhos e sacrifícios da gente brasileira”65.
Ao observar o método histórico66 empregado na elaboração da obra do centenário, é
possível perceber semelhanças com uma história Geral e mesmo com o formato encontrado
nos compêndios, livros que deveriam “[...] conter o resumo do mais substancial, ou das
noções elementares de alguma arte, ciência, preceitos [...]”67. Mesmo com as mudanças
efetuadas no decorrer do exemplar, como na passagem de séries anuais para o agrupamento
em décadas, o arranjo continua sendo clássico. A orientação das notícias representa a
recriação do momento que, por sua vez, se realiza em um processo contínuo68, no qual a
história política ganhou um destaque acentuado e, ainda, era o elo que entrelaçava as demais
narrativas como a história econômica, a história cultural, a história da religião e a história
cotidiana.
64 Vale lembrar que a definição de crônica empregada por José Honório Rodrigues foi utilizada para compreender as chamadas crônicas coloniais do período entre o século XVI e o início do XIX, no qual, até então, não haveria nenhuma produção que se enquadrasse aos preceitos da historiografia moderna. 65 José Honório Rodrigues. História da História do Brasil. Op. cit., p. XIX. 66 Ver, no presente texto, o tópico “Nas entrelinhas de um projeto ambicioso”, p. 117-133. 67 Dicionário Antonio de Moraes e Silva, p. 427. In: http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/2/compendio. Acesso dia 12/2/2010. Ver também Lúcia M. B. P. das Neves. “A história para uso da mocidade brasileira”. In: José Murilo de Carvalho (org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 68 Cf. José Honório Rodrigues. História da História do Brasil. Op. cit., p. 425. O autor aponta as semelhanças da crônica e da história gerais.
137
A crônica da história do Brasil, na versão oferecida pelos redatores do Jornal do
Commercio, tratava de um período delimitado. E, assim como nos compêndios, obras
destinadas aos estudos históricos e áreas correlatas, houve a necessidade de estabelecer uma
divisão cronológica. De acordo com Mateus Pereira, tanto a periodização como a cronologia,
se tornam necessárias à interpretação, sendo a primeira “[...] constituída de um elemento
factual e outro conceitual, na medida em que fatos são postos em correspondência, como
idade, período, era ou época [...]”69.
Determinar as verdadeiras épocas da história do Brasil e como deveriam ser suas
divisões já fazia parte de uma das primeiras questões levantadas na sessão inicial do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1º de dezembro de 183870. De acordo com José
Honório:
A periodização tem como fim descobrir a estrutura de uma época histórica e como método a formação de conceitos que exprimem o ser próprio da época. Dentro de cada um desses conceitos deve ajustar-se à série de fatos, até mesmo os antagônicos, que são também característicos da fase conceituada. A totalidade da época compreendida é, então, definida como uma categoria histórica. Só o verdadeiro historiador é capaz de sentir e compreender a essência de uma época71.
O cônego Januário da Cunha Barbosa, um dos fundadores do IHGB, fez a proposta
inicial para uma periodização da história do Brasil, propondo três épocas: a primeira, relativa
aos aborígenes; a segunda, compreendendo as eras do descobrimento pelos portugueses e a
administração colonial, e a terceira, abrangendo todos os acontecimentos nacionais desde a
Independência. Apesar de a questão não ter ficado definida, aprovou-se que o melhor seria
escrever antes a história particular de cada uma das províncias do Império e só depois redigir
uma história Geral cronológica. Entretanto, o problema em determinar as épocas da nossa
69 Mateus Henrique de Faria Pereira. A Máquina da Memória: o tempo presente entre a história e o jornalismo. Bauru: EDUSC, 2009, p. 162. 70 José Honório Rodrigues. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. Op. cit., p. 125 71 Idem. Ibidem, p. 112.
138
história não foi resolvido tão facilmente, ainda se constituiria como um dos temas mais
recorrentes nos debates entre os membros do Instituto Histórico.
Nos meados do século XIX, o general José Inácio de Abreu e Lima também se
aventurou a elaborar uma periodização para a história brasileira. Contudo, a tentativa foi
frustrada, já que o IHGB rechaçou sua obra e optou por adotar o modelo de Henrique Luís
Bellagarde. Abreu e Lima recebeu críticas por fazer a divisão dos períodos, partindo da teoria
para os fatos, quando o certo, segundo José Honório, deveria ser o contrário, dos fatos para a
teoria72. No entanto, as seis épocas adotadas por Bellagarde para decompor a história,
acabariam sendo substituídas pela proposta do alemão, Karl Friedrich Philipp von Martius, na
obra Como se deve escrever a História do Brasil. A monografia, publicada na Revista do
IHGB em 1845, obteve mais sucesso ou, pode-se dizer, teve a sua periodização mais bem
recebida dentro do Instituto Histórico daquela época73. Vale ressaltar que não fazia parte dos
objetivos de Martius, no referido livro, periodizar a história do Brasil, porém, o volume serviu
de ponto de partida para vários outros projetos que, posteriormente, seriam escritos sob o
método delineado pelo naturalista.
Alguns anos mais tarde, a obra História Geral do Brasil recebeu julgamentos em
relação à divisão adotada pelo seu autor, Francisco Adolfo de Varnhagen. Na verdade, diga-se
de passagem, alguns críticos argumentam que a periodização nem existiu no respectivo
livro74. Outros, como Justiniano José da Rocha e Ramiz Galvão também sugeriram novas
decomposições para a história. O primeiro valeu-se da cronologia, baseando-se nas ações e
reações da vida política75.
72 Cf. Idem. Ibidem, p.128 e 129. 73 Cf. Idem. Ibidem, p. 130. 74 Segundo José Honório Rodrigues, Varnhagen não poderia discutir o problema das épocas porque não possuiria base teórica e filosófica sobre tal matéria. E acrescentou: “[...] Varnhagen, na realidade, não teve a menor preocupação de periodizar [...]”. Cf. Idem. Ibidem, p. 132. 75 Cf. Idem. Ibidem, p. 133. Ver Diagrama 1, p. 140.
139
Ramiz Galvão, a propósito da realização da Exposição de História do Brasil da
Biblioteca Nacional, em 1881, utilizou-se de uma classificação cronológica, tendo como base
o material bibliográfico. No total foram adotadas oito épocas, assim distribuídas: 1500-1548,
1549-1639, 1640-1762, 1763-1807, 1808-1821, 1822-1831, 1831-1840, 1841-188176.
Novamente, fica visível que o caráter cronológico sobressaiu ao temático, fato que só iria
modificar-se com a divisão sugerida por Capistrano de Abreu e que, de acordo com José
Honório, teria sido a periodização mais correta e aplicável para a história do Brasil.
Não é à toa que o maior historiador brasileiro, não pela contribuição material, mas pela agudeza e capacidade crítica, tenha sido também quem melhor distinguiu os períodos de nossa história. [...] Sua periodização não é só objetiva, empiricamente baseada nas fontes materiais e nos fatos, mas sociológica. As construções periódicas passam a ser mais autônomas e completamente libertadas do esquematismo ou da simples distribuição das matérias [...]77.
Do mesmo modo que Capistrano, Joaquim Nabuco também foi considerado um
ilustrado que soube desenvolver uma classificação em que o espírito de uma época teria
prevalecido nos detalhes e nos fatos78. Nabuco aperfeiçoou a divisão daquele ao esmiuçar o
Segundo Reinado em seis períodos.
Tendo como base algumas destas periodizações mencionadas, verifica-se que a divisão
encontrada na Edição esteve mais próxima de uma exposição cronológica do que temática.
Especificamente, guardadas as devidas proporções, a metodologia do agrupamento dos fatos
seguiu o modelo proposto por Ramiz Galvão, no qual houve uma maior preocupação com a
distribuição das matérias do que com as delimitações periódicas. Por sua vez, do ponto de
vista interpretativo, o número especial se aproximou do método de Justiniano José da Rocha,
ao imprimir a seqüência: ação, Primeiro Reinado; reação, Período Regencial, e transação,
Segundo Reinado. Apesar da repartição anual entre 1822 a 1840 e, depois, do arranjo em
76 Cf. Idem. Ibidem, p. 133. 77 Idem. Ibidem, p. 133. Ver a periodização sugerida por Capistrano de Abreu no Diagrama 2, p. 141. 78 Cf. Idem. Ibidem, p. 144.
140
decênios de 1841 a 1890 no número do centenário, é possível identificar três decomposições a
partir dos temas centrais abordados durante os 68 anos de monarquia79. Os redatores do diário
partiram de um extenso material, as coleções do Jornal do Commercio, para, posteriormente
distribuí-lo cronologicamente, ao mesmo tempo que obedeciam a um critério temático
proposto, previamente, como marco em fixações de datas. É importante esclarecer que não
havia intenção por parte dos redatores em determinar uma nova periodização para a história
do Brasil, todavia a análise da divisão realizada na folha especial de 1922 permanece
interessante para observar as próprias orientações historiográficas que delinearam tal projeto.
Diagrama 1: Periodização sugerida por Justiniano José da Rocha
Justiniano José da Rocha
1822-1831 Período de inexperiência e de luta dos elementos
monárquico e democrático
1831-1836 Triunfo democrático incontestado
1836-1840 Luta de reação monárquica, acabando pela
maioridade
1852- Arrefecimento das paixões, quietação no presente, ansiedade do futuro, transação
1840-1852 Domínio democrático, que não sabe defender-se
senão pela violência e é esmagado
79 Ver Diagrama 3, p. 142.
141
Diagrama 2: Periodização sugerida por Capistrano de Abreu
Capistrano de Abreu
1500-1614
Ocupação do litoral
1614-1700
Início da internação; a exploração no interior
1700-1750
Dominação das minas e continuação do processo
de internação
1850-
Período centralista, imperialista ou industrial
1808-1850
Decomposição do Sistema Colonial
1750-1808
Consolidação do Sistema Colonial
142 Diagrama 3: Divisão cronológica na edição comemorativa do centenário da Independência a partir dos temas centrais abordados
1822-1890
1822-1831
Proclamação da Independência
Reinado de D. Pedro I
Abdicação do Imperador
1831-1840
O governo sob a Regência
Revoltas e Motins
O golpe da Maioridade
1841-1890
Reinado de D. Pedro II
Alternância dos Ministérios
Fim do Regime
Monárquico
143
Os redatores do Jornal do Commercio não se serviram apenas das coleções de noventa
e cinco anos do respectivo periódico na composição da obra do centenário. Isto ficou evidente
nas análises concernentes aos anos iniciais pós-proclamação da Independência e, de certa
forma, na apresentação veiculada nas primeiras páginas. Seguramente, Félix Pacheco possuía
conhecimento e capacidade suficientes para elaborar tanto a redação dos editoriais como para
preencher algumas lacunas da narrativa entre os anos de 1822 a maio de 1824. Mas, ao
mesmo tempo, na leitura de tais textos, também é possível encontrar algumas semelhanças
com notórias obras de história, deduzindo-se, então, que os próprios organizadores do número
especial, provavelmente, se utilizaram de livros consagrados da história do Brasil como
referência para prencher a lacuna de informações no período em que não havia ainda
exemplares do jornal. Ao que tudo indica, uma das possíveis orientações teria sido a História
da Independência do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen.
Considerado por muitos historiadores como o Heródoto brasileiro, Varnhagen era filho
de um oficial alemão com uma portuguesa, e nascera no interior paulista, em fevereiro de
1816. Passou sua vida mais tempo no exterior que no Brasil, residindo desde os seis anos de
idade em Portugal, onde concluiu seus estudos no Real Colégio da Luz em Lisboa e,
posteriormente, na Academia da Marinha. Apesar da formação mais militar e técnica, chegou
a cursar paleografia, diplomática e economia política. Sua obra mais conhecida — História
Geral do Brasil foi dividida em dois volumes, o primeiro lançado em 1854. Constitui-se um
marco no desenvolvimento da historiografia do país, dando início à pesquisa metódica nos
arquivos, que proporcionou um acúmulo expressivo de documentos inéditos relativos à
história do Brasil. Era a primeira vez que um brasileiro realizava um empreendimento
histórico de tal grandeza80, o que proporcionou ao visconde de Porto Seguro um prestígio
80 Da primeira metade do século XIX, anterior a publicação de História Geral do Brasil de Varnhagen, teve-se a Corografia História e o Compêndio das Eras do Pará, de Ladislau Monteiro Baena; o Compêndio Estatístico do Maranhão, de Gayoso; as Memórias Históricas de Pernambuco, de Fernandes Gama; as Memórias Históricas da Bahia de Accioly; as Memórias Históricas do Rio de Janeiro, de Monselhor Pizarro; os Anais do Rio de
144
considerável, em muitos momentos, reflexo das suas estreitas ligações com o poder, que o fez
se tornar diplomata e titular do Império81. Segundo José Carlos Reis, Varnhagen encontrou
um ambiente favorável para a escrita da História Geral, justamente porque as condições
históricas do Brasil, como o processo da Independência política e a constituição do Estado
nacional amadureceram neste período82. Acrescenta-se a isso, a institucionalização da
pesquisa no IHGB, lugar onde o discurso histórico era produzido, fator fundamental para o
aprimoramento da escrita da história do Brasil.83.
Quando à época da publicação do segundo volume de História Geral do Brasil,
pensava-se que Varnhagen iria abordar os fatos relativos ao episódio da emancipação política
em 1822, porém o historiador, no fim da seção LIV, declarou: “[...] A História deste grande
acontecimento, começando de 1820, fará objeto de uma obra especial [...]”84. Ainda, de
acordo com o autor, tal obra já se achava escrita, faltando apenas elucidar algumas dúvidas.
Embora terminada em 1876, dois anos antes do seu falecimento85, a História da
Independência foi somente publicada quatro décadas mais tarde, em 1916, pela Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que recebeu a doação do então ministro das
Relações Exteriores, Lauro Müller.
A 9 de maio de 1916, o Sr. Dr. Lauro Müller, muito digno ministro das Relações Exteriores, dirigiu ao Sr. conde de Afonso Celso, nosso presidente perpétuo, um ofício, em que declarava oferecer à venerada instituição, da qual S. Ex. é sócio honorário, os originais, acompanhados das respectivas cópias à máquina, da obra intitulada História da Independência, de Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, os quais foram
Janeiro de Balthazar da Silva Lisboa; as Memórias do Reino do Brasil, de Luiz Gonçalves dos Santos; os Anais da Província de São Pedro, do visconde de S. Leopoldo; a Memória Política de Santa Catarina, de Paulo José Miguel de Brito; e História do Brasil, de Francisco Solano Constâncio que, segundo Clado Ribeiro de Lessa, era uma compilação sem valor das obras de José da Silva Lisboa e de John Armitage. Cf. Clado Ribeiro de Lessa. “Vida e Obra de Varnhagen”. RIHGB, Rio de Janeiro, 224:109-315, jul./set., 1954, p. 116. 81 Cf. Arno Wehling. Estado, História, Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 48. 82 Cf. José Carlos Reis. Op. cit., p. 23 e 24. 83 Cf. Manoel Luís Salgado Guimarães. Op. cit., p. 5. 84 Francisco Adolfo de Varnhagen. Apud: RIHGB, Rio de Janeiro, tomo LXXIX, 1916, p. 9. 85 Varnhagen faleceu no dia 29 de junho de 1878, quando ocupava o cargo de ministro plenipotenciário perante o governo da Monarquia austro-húngara.
145
encontrados entre os papéis que formavam o arquivo do barão do Rio Branco, adquirido pelo governo do Brasil86.
A obra compõe-se de dez capítulos, iniciando-se com a Revolução Constitucional e o
regresso de D. João VI para Lisboa, e termina com o tratado de reconhecimento da
Independência em 29 de agosto de 1825. Fica evidente que Varnhagen não chegou a tratar do
período regencial, ficando restrito aos fatos relativos à emancipação política87. O conceito
pretendido pelo visconde de Porto Seguro era apresentar, a partir de um passado com
referências luso-brasileiras, os grandes vultos, os filhos distintos pelo saber e pelas
qualidades, e os fatos primordiais que marcaram o período de 1822. Parece haver o intuito de
realçar o que teria sido um passado brilhante, do qual as gerações futuras pudessem usufruir
como modelo e de que pudessem se orgulhar. Guardadas as devidas proporções, nos editoriais
da Edição, é possível encontrar opinião similar, como as afirmações de que os nossos
“heróis”, que vieram do Portugal portentoso, realizaram prodígios de bravura e
magnanimidade para que herdássemos o maior patrimônio territorial ininterrupto88 e que “[...]
O que realizamos no passado consagra o presente e é a melhor garantia do futuro”89.
Varnhagen identificou três momentos singulares, especificamente sob a governança de
D. João VI, que se constituiriam como marcadores da fundação da nacionalidade brasileira.
Seriam eles: a vinda da família Real em 1808, a elevação do país à categoria de Reino em
1815 e a partida do El-Rei para Portugal, ficando D. Pedro I como príncipe regente no Brasil.
Nas palavras do próprio visconde de Porto Seguro:
Sabemos que, desde 1645, começara a intitular-se Príncipe do Brasil o herdeiro da coroa portuguesa; que, em 1808, esta região, abrindo seus portos a todas as nações amigas, passou a sede do trono português, em virtude da invasão de Portugal pelos exércitos do César do século, filho da
86 RIHGB, Rio de Janeiro, tomo LXXIX. Op. cit., p. 7. 87 Vale ressaltar que segundo José Honório Rodrigues, a História da Independência de Varnhagen, assim como a História Geral do Brasil, tem uma divisão puramente cronológica. Cf. José Honório Rodrigues. “Varnhagen, Mestre da História Geral do Brasil”. In: _____. História e Historiografia. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 138. 88 Cf. Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 1, passim. 89 Ibidem, p. 1.
146
Córsega, — primeiro passo para fomentar a união da nação futura, pois que só desde então começaram os moradores do antigo Estado do Maranhão a acostumar-se a receber as ordens vindas não já da Europa, mas dos confins do Brasil. Sabemos também como, em 1815, foi toda a região, do Amazonas ao Prata, elevada à categoria de reino, e incluída no próprio ditado do monarca, — fato que, acolhido com entusiasmo por todos, veio a ser o segundo passo dado para formar das capitanias dos outros Estados uma só nação90.
No editorial — Os que fizeram o Brasil — da Edição, é possível encontrar o mesmo
juízo. Assim como Varnhagen o fez, o autor da apresentação, no exemplar de 1922 do Jornal
do Commercio91, apontou os três acontecimentos mencionados acima como também
primordiais para a constituição do que seria o Brasil nação92. Falou-se da importância de D.
João VI e D. Pedro I como próceres da fundação de um grande Império e que souberam, pela
superioridade de espírito, elevar o Brasil a Reino, apenas unido a Portugal e, posteriormente, a
completa separação da metrópole93.
D. João VI, vindo para o Brasil, abrindo os portos, abolindo os monopólios de produção e de comércio de Portugal, extinguiu o regime colonial. [...] O Brasil era já um reino unido, independente, mas a demagogia de Lisboa, com a louca pretensão de uma recolonização impossível, só despertou ainda mais o sentimento nacional. D. João partiu, mas, de acordo com o seu foro íntimo e com as necessidades políticas, deixou aqui como regente o príncipe real. O nosso grande amigo, para não perder a coroa de Portugal, se foi, mas, para não perder a do Brasil, conservou o filho aqui [...]. [...] Mas a verdade é que o Brasil se constituiu em nação94.
De acordo com o historiador José Carlos Reis, era um procedimento usual, no século
XIX, a centralização da história do Brasil no imperador e que, mesmo com as variedades
existentes no país, nos usos e costumes, no clima, no território e na economia, fosse
enfatizada a unidade95. Ora, semelhante idéia pode ser vislumbrada tanto na História da
90 Francisco Adolfo de Varnhagen. “História da Independência do Brasil”. RIHGB. Op. cit., p. 31 e 32. Grifos meus. 91 Os editoriais não são assinados, mas ao que tudo indica, foi o próprio Félix Pacheco, então redator-chefe do Jornal do Commercio, em 1922, que teria sido o autor da apresentação da edição comemorativa do centenário da Independência. 92 Ver, no presente texto, o tópico “Um editorial, um enredo”, p. 104-107. 93 Cf. Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 2. 94 Ibidem, p. 2, passim. 95 Cf. José Carlos Reis. Op. cit., p. 27.
147
Independência de Varnhagen, como na Edição. Durante todo o período em que se estende o
arranjo das notícias entre 1822 a 1890, os redatores entrelaçaram os acontecimentos, desde os
políticos até aqueles relacionados à vida cotidiana, focalizando as ações tanto de D. Pedro I,
como as de D. Pedro II, estas enfatizadas a partir de 1840. O exemplo a seguir, em que foi
noticiada a presença de D. Pedro I e sua cônjuge em uma noite de fogos de artifício,
demonstra como havia tal enredo. “[...] Na noite de 27 do corrente teve lugar com efeito no
Campo da Aclamação e na presença de SS. MM. II. e da Corte o grande fogo de artifício que
foi executado na forma que havia sido anunciado no programa. Reinou a melhor ordem
durante o divertimento [...]”96. A notícia relativa ao evento foi incluída, nas páginas do
número especial do Jornal do Commercio, justamente porque o Imperador se encontrava
presente na celebração.
De fato, o propósito de evidenciar a unidade do país na história do Brasil fica claro,
não apenas pela ordenação dos fatos nas 470 páginas da Edição, mas também pela
corroboração dos editoriais como se demonstrou anteriormente 97. A passagem da condição de
Colônia a Império teria ocorrido de forma suave e sem grandes interpelações, com os
percalços sendo bem administrados tanto por D. João VI como por D. Pedro I. As lutas
políticas, as revoltas e os entraves na disputa territorial, foram superados, principalmente pela
presença estável dos príncipes imperiais.
Vale ressaltar que Varnhagen tinha opinião similar, pois, acreditava que a distância
entre as capitanias e a não consonância entre os membros da elite só fora amenizada devido à
presença de uma Monarquia que possibilitou o desenvolvimento e, conseqüentemente, o
fortalecimento de um sentimento patriótico — a fidelidade ao soberano98. Ainda, segundo os
redatores, a passagem de Império a República, ainda que apresentada como uma ruptura,
96 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 82. Notícia originalmente publicada em 29 de janeiro de 1830. 97 Ver, no presente texto, o tópico “Um editorial, um enredo”, p. 97-108. 98 Cf. Martha Victor Vieira. “Varnhagen: um intelectual monarquista”. Revista Intellectus, Rio de Janeiro, 2(5):1-12, 2006, p. 6.
148
caracterizou-se pela ação pacífica, sem quebra das hierarquias sociais. De acordo com as
próprias palavras de um dos textos da apresentação de 1922, “[...] um país que apresenta tão
segura prova de estabilidade mostra como a nação é sólida, como o solo formidável, como o
grande bloco de ferro em que assenta (sic)”99.
É perceptível, como argumenta Manoel Salgado Guimarães, que a construção da idéia
de nação, no caso brasileiro, não vai de encontro à antiga metrópole, mas, ao contrário, a
nação brasileira se reconhece enquanto continuadora de certa tarefa iniciada pela colonização
portuguesa100. Na Edição, essa idéia de nação se perpetua e, desse modo, pode ser vista como
um dos eixos centrais organizadores da narrativa, que privilegiou uma história-memória do
período imperial.
99 Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, p. 1. 100 Cf. Manoel Luís Salgado Guimarães. Op. cit., p. 6.
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Uma República a Navegar”. Nesse cenário político, realizaram-se as comemorações
do primeiro centenário da Independência do Brasil, propiciando um momento de inflexão que
suscitou debates sobre a formação e o futuro da sociedade brasileira, recolocando, de forma
urgente, o dilema da salvação nacional. Desde a implantação do regime, em 1889, muitas das
expectativas com a nova forma de governo foram sucumbindo, diante da manutenção de
algumas das antigas estruturas monárquicas e, até mesmo, pela falta de comprometimento do
poder com os chamados princípios democráticos. Durante as primeiras décadas republicanas,
evidenciaram-se dois governos provisórios, um dos quais seria percebido como uma ditadura
nacionalista, e sucessivos presidentes exercendo seus mandatos sob estado de sítio. Além
disso, houve períodos de censura à imprensa, revoltas populares, levantes militares e
governantes mais preocupados com a hegemonia de uma elite dominante no poder, que com
os preceitos firmados na constituição republicana.
Nesse panorama, um periódico, fundado no Império, aumentava seu prestígio e, diga-
se de passagem, cultivava um relacionamento estreito com o governo. Era o Jornal do
Commercio, criado por Pierre Plancher, em 1827, e que se tornou um grande órgão da
imprensa a partir do final do século XIX, não apenas pela modernização industrial que
sofrera, mas, principalmente, pelo influente papel político que seus proprietários e redatores
exerceriam naquele período.
José Carlos Rodrigues, o “homem de confiança” dos presidentes e, ao mesmo tempo,
proprietário e diretor da conceituada folha carioca, dispunha de livre acesso ao Palácio do
Catete. As correspondências entre o redator-chefe do Jornal do Commercio e Prudente de
Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e o barão do Rio Branco confirmam como, em
muitos momentos, aquele diário, por meio de notícias bem selecionadas, favoreceu a política
150
vigente. Em tal circunstância, também se encontrava o redator Tobias Monteiro, convidado
para ser o próprio secretário de Campos Sales em sua excursão ao velho continente.
Mesmo após a saída de José Carlos Rodrigues do Jornal do Commercio , em 1915, a
linha editorial do diário não sofreu grandes transformações. Um antigo funcionário, Félix
Pacheco, tornou-se o cérebro da redação, preservando as antigas relações sociais imbricadas
com as redes de poder, inclusive, de forma mais definida, já que o acadêmico era deputado
pelo Estado do Piauí, e seria eleito, em seguida, senador; posteriormente assumiria o
Ministério das Relações Exteriores no governo de Artur Bernardes. Essas funções foram
exercidas concomitantemente com outras atividades como as de diretor e proprietário do
Jornal do Commercio, sócio atuante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e membro
da Academia Brasileira de Letras. Conseqüentemente, o relacionamento entre o grupo de
jornalistas daquele periódico e aqueles que estavam à frente do Estado brasileiro ocasionou,
além dos favores políticos e pessoais a ambos, críticas severas por parte da imprensa rival e
dos oposicionistas, que enxergavam, nessas relações, uma série de benefícios conquistados
pela antiga folha.
Vale lembrar que vultos como José Carlos Rodrigues, Félix Pacheco e Tobias
Monteiro, assim como muitos homens de letras que colaboravam naquele diário, além de
atuarem no jogo político, praticavam o métier de historiador. Por certo, o gosto pela disciplina
histórica foi uma das motivações que levou Félix a organizar uma obra tão ambiciosa como a
Edição.
As festividades em torno da data de 7 de setembro de 1922 carregavam consigo uma
orientação quase que obrigatória: um retrospecto histórico dos cem anos após a emancipação
política do país. Nesse intuito, várias instituições, inclusive órgãos do Governo Federal, a
partir das celebrações do centenário da Independência, somaram forças e articularam
iniciativas que, de alguma forma, suscitassem o sentimento patriótico. Félix Pacheco, não
151
fugiu à regra: fez do número especial do Jornal do Commercio um documento emblemático
que pudesse representar a história-memória da nação brasileira, mesclando-a com a própria
trajetória do diário, que completava, em 1922, noventa e cinco anos de circulação ininterrupta.
Essa peculiaridade conferia autoridade aos seus redatores para anunciarem que suas coleções
deveriam constituir os “Grandes Anais da Nacionalidade”.
Todavia, a narrativa construída pelos redatores, na Edição, desenvolveu-se segundo
um enredo particular, no qual alguns artifícios foram articulados à trama para que a história
do Império, principalmente dos seus aspectos políticos, ganhasse um destaque acentuado.
Assim, nos “Grandes Anais da Nacionalidade”, o período republicano ficara reduzido a um
mero apêndice, revelando, por meio do próprio silêncio, que Félix Pacheco e os demais
organizadores da folha especial demonstravam ainda certo receio ao tratar dos acontecimentos
dos últimos trinta anos que carregavam, no seu âmago, tantas inquietações e crises. A par
disso, como já era de se esperar, aqueles jornalistas se mostravam em consonância com um
tipo de historiografia, especificamente aquela orientada pelos membros do IHGB, na qual o
distanciamento temporal dos fatos evitava julgamentos precipitados e conferia maior
imparcialidade à narrativa histórica.
Também, fica perceptível que tal enredo ainda se valeu de estratégias retóricas para
que a história do Brasil divulgada na Edição se caracterizasse pela noção de continuidade, de
progresso e de desenvolvimento em toda sua trajetória, formatando, assim, uma orientação
que se conectava tanto com a periodização proposta por Ramiz Galvão, quanto com a
exposição de Justiniano José da Rocha. A do primeiro concerne ao método de divisão
empregado no exemplar de 1922, no qual a ordem cronológica prevalece. Em relação ao
segundo, identifica-se o mesmo viés interpretativo, ou seja, de ação no Primeiro Reinado; de
reação no Período Regencial, e de transação no Segundo Reinando, o qual, ao que tudo indica,
152
os redatores concebiam como um momento de amadurecimento e de consolidação do Estado
instituído em 1822.
Para dar conta de um projeto tão ambicioso, Félix Pacheco contou com excelentes
colaboradores, como foi o caso de Capistrano de Abreu e de Constâncio Alves. Além disso,
utilizou-se do imenso material arquivístico do próprio Jornal do Commercio, cuja coleção
perfazia mais de trinta mil edições em 1922. Esses testemunhos foram completados com
outras fontes, notadamente o Spectador Brasileiro, dentre outros tantos periódicos. Apoiou-
se, ainda, em obras de autores reconhecidos, o que se constata pela semelhança de certas
passagens na apresentação da Edição, com a interpretação proposta por Francisco Adolfo de
Varnhagen, na sua História da Independência do Brasil.
Contudo, apesar de se valer de um conjunto de fontes tão copioso e expressivo,
constata-se que os redatores, ao elaborarem o número do centenário, estabeleceram um tipo de
narrativa que privilegiou, sobretudo, a apreensão do momento em que os fatos ocorreram, em
detrimento de sua contextualização. A folha especial do Jornal do Commercio foi antes uma
crônica da história do Brasil do que propriamente uma obra histórica, já que se apresentou de
forma mais episódica e linear, distanciando-se de uma história estrutural.
Avaliando-se sob esse prisma, a Edição se constituiu em uma bem montada crônica,
em que o Jornal do Commercio procurava dialogar com os leitores, transmitindo-lhes a sua
visão dos fatos da história do Brasil, ao longo de cem anos. Ainda que pretendesse aflorar os
sentimentos cívicos, ou divulgar uma história-memória, voltada para reforçar a imagem
nacional que homens de letras, integrantes de espaços institucionais, como o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Brasileira de Letras e do próprio Estado,
buscavam projetar na passagem do centenário da Independência.
153
REFERÊNCIAS
ALMINO, João. “De Machado a Clarice: a força da literatura”. In: MOTA, Carlos Guilherme(Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo: Senac, 2000.
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989.
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. “Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu”. Estudos Históricos – Dossiê Caminhos da Historiografia, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.28-54, 1988.
ARAUJO, Valdei L. de; MEDEIROS, Bruno F. “A história de Minas como história do Brasil”. Revista do APM. Ano 43, n.1, p.24-37, jan./jun. 2007.
ARAUJO, Valdei L. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschilde, 2008.
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Círculo do Livro, s/d. BALAKRISHNAN, Gopal. “A imaginação nacional”. In: _____. Um mapa da questãonacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
BOEHRER, George C. A. Da Monarquia a República: história do Partido Republicano do Brasil (1870-1889). Tradução de Berenice Xavier. Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura, 1954.
BOSI, Alfredo. “As letras na Primeira República”. In: FAUSTO, Boris (Org.). O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t. 3, v. 2, 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
CARDIM, Elmano Gomes. No sesquicentenário do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: ABI, 1978.
CARONE, Edgard. A República Velha: evolução política. 2.ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
_____. “As forças armadas na Primeira República: o poder desestabilizador”. In: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t.3, v. 2. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
_____. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1998. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados — o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
154
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 8.ed. São Paulo: UNESP, 2007.
COSTA, João Cruz. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
DOSSE, François. A História. São Paulo: Edusc, 2003.
_____. A História à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Unesp, 1999.
FAUSTO, Boris. “A crise dos anos vinte e a revolução de 1930”. In: _____ (Org.). O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t. 3, v. 2. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). A República na velha província. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. GELLNER, Ernest. “O advento do nacionalismo e sua interpretação: os mitos da nação e da classe”. In: BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
GOMES, Angela Maria de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
GONTIJO, Rebeca. “O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador”. 2006. Tese (Doutorado em História) - Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.
_____. “Além do IHGB: Capistrano de Abreu e a escrita da história do Brasil”. In: LESSA, Mônica Leite; FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito (Org.). Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. “Vicente Licínio Cardoso: um projeto positivista para regenerar a república brasileira”. In: CANCINO, Hugo; LA MORA, Rogelio de (Coord.). Idéias, Intelectuais e Paradigmas Européios na América Latina, 1850-2000. México: Universidad Veracruzana, 2007.
_____. “Debaixo da imediata proteção de sua majestade imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889)”. RIHGB, Rio de Janeiro, v.156, n.388, p. 459-613, jul./set., 1995.
_____. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007.
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. “Discurso de posse: Max Fleiüss (1868-1943): historiador e memorialista”. RIHGB, Rio de Janeiro, v.168, n.434, p.121-132, jan./mar., 2007.
155
_____. “Anais do I Congresso de História Nacional: possibilidades de leitura e mapeamento de tendência de uma disciplina”. Livro de Resumos do 2º COHILILE, Campinas, 2003.
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, p.5-27, 1988.
HABERMAS, Jürgen. “Realizações e limites do Estado Nacional europeu”. In: BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. Sua História. São Paulo: Edusp, 2005.
HARTOG, François. “Memoire, histoire, présent”. In:_____. Regimes d’historicité. Paris: Éditons du Seuil, 2003. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução de Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 1990.
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Tradução de Celina Cardim Cavalcanti. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
IANNI, Octavio. A Idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992.
JUNQUEIRA, Júlia Ribeiro. “A edição comemorativa do Jornal do Commercio no primeiro centenário da Independência do Brasil: uma memória histórica”. Revista Eletrônica Cadernos de História, Mariana, v.3, n.2, p.178-191, 2008. KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006. LESSA, Clado Ribeiro de. “Vida e Obra de Varnhagen”. RIHGB, Rio de Janeiro, n.224, p.109-315, jul./set., 1954.
LESSA, Renato. “A invenção da República no Brasil: da aventura à rotina”. In: CARVALHO, Maria Alice Rezende de (Org.). República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001. LUCA, Tania Regina de; MARTINS, Ana Luiza (Org.). História da Imprensa no Brasil. v. 1. São Paulo: Contexto, 2008.
MOREL, Marco. “Independência no papel: a imprensa periódica”. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005.
_____. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
156
MOTTA, Marly Silva da. “Ante-sala do paraíso”, “vale das luzes”, “bazar de maravilhas” — A Exposição Internacional do Centenário da Independência (Rio de Janeiro – 1922). Rio de Janeiro: CPDOC, 1992.
_____. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da Independência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Coleção Biblioteca Carioca, 1995.
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. “A história para uso da mocidade brasileira”. In: CARVALHO, José Murilo de (Org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
NEVES, Margarida de Souza. “As Arenas Pacíficas”. Gávea, Rio de Janeiro, n.5, p. 29-41, 1988.
NORA, Pierre. “Entre mémoire et histoire”. In: _____ (Org.). Les lieux de mémoire. La Republique. t.1. Paris: Gallimard, 1984.
_____. Les lieux de mémoire. La Nation. t. 2. Paris: Gallimard, 1987.
_____. “L’ère de la commémoration”. In: _____ (Org.). Les lieux de mémoire. Les France. t. 3. Paris: Gallimard, 1992.
OLIVEIRA, Claudia. “Arqueologia: viagens ao passado da cidade”. Revista Senhor: modernidade e cultura na imprensa brasileira, Rio de Janeiro, n.22, p. 45-58, 2008.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. “As festas que a República manda guardar”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.4,p.172-189, 1989.
_____. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990.
PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. A Máquina da Memória: o tempo presente entre a história e o jornalismo. Bauru: EDUSC, 2009.
POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.3, p.3-15,1989.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. “O Coronelismo numa interpretação sociológica”. In: CARDOSO, Fernando Henrique (et ali.). O Brasil Republicano: estrutura de poder e economia (1889-1930). História Geral da Civilização Brasileira. t.3, v. 1, 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. RÉMOND, René (Org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.
157
RIBEIRO, Lavinia Madeira. Imprensa e Espaço Público: a institucionalização do jornalismo no Brasil 1808-1964. Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2004. RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 5.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
_____. História da História do Brasil. Historiografia Colonial. São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1979.
_____. “Um historiador caboclo e sua obra: Capistrano de Abreu”. In: _____. História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
_____. “Varnhagen, Mestre da História Geral do Brasil”. In: _____. História e Historiografia. Petrópolis: Vozes, 1970.
ROUANET, Maria Helena (Org.). Nacionalidade em questão. Rio de Janeiro: Cadernos da Pós/Letras-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1997.
SANDES, Noé Freire. A invenção da nação: entre a Monarquia e a República. Goiânia: UFG/Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000.
SANDRONI, Cícero. 180 anos do Jornal do Commercio — 1827-2007: de D. Pedro I a Luiz Inácio Lula da Silva. Rio de Janeiro: Quorum, 2007.
SANT’ANA, Thais Rezende da S. de. “A Exposição Internacional de 1922: nação e modernidade”. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v.40, p.95-112, 2008.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
SMITH, Anthony D. “O nacionalismo e os historiadores”. In: BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
SÜSSEKIND, Flora. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
TENÓRIO, Maurício. “Um Cuauhtémoc carioca: comemorando o centenário da Independência do Brasil e a raça cósmica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.7,n.14, 123-148, 1994.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. “História da Independência do Brasil”. RIHGB, Rio de Janeiro, t. 79, 1916. VENTURA, Roberto. “Manuel Bonfim. A América Latina: males de origem”. In: MOTA, Lourenço Dantas. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. v. 2. São Paulo: Senac, 2001.
158
VIEIRA, Martha Victor. “Varnhagen: um intelectual monarquista”. Revista Intellectus, Rio de Janeiro, v.2.n.5,p.1-12, 2006.
WEHLING, Arno. Estado, história, memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. FONTES Periódicos A Exposição de 1922, 1922-1923.
A Ilustração Brasileira, 1/8/1913.
A Manhã, março e abril de 1927. Diário Oficial, 17/11/1920.
Jornal do Commercio. Edição comemorativa do centenário da Independência do Brasil, 1922.
Jornal do Commercio, agosto e setembro de 1922.
RIHGB, Rio de Janeiro, tomo LXXIX,1916. RIHGB, Rio de Janeiro, v.1, 1925. Fontes Básicas Manuscritas ADAMCZUK, F. Carta de... ao Prefeito do Distrito Federal, datada de 5 de setembro de 1920. Arquivo IHGB, coleção Carlos Sampaio.
BOTELHO, Antônio Ferreira. Carta de... a José Carlos Rodrigues, datada de 29 de novembro de 1921. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues.
PACHECO, Félix. Carta de... ao Sr. conde de Afonso Celso, solicitando que este adiasse sua posse na Academia Brasileira de Letras. s/d. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
_____. Carta de... ao Sr. José Veríssimo, lamentando-se pela ausência do amigo no dia da sua posse na Academia Brasileira de Letras. s/d. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
_____. Carta de... ao Sr. José Veríssimo, datada de 4 de maio de 1910. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
159
PACHECO, Félix. Relatório de... para José Carlos Rodrigues, datado de 30 de junho de 1909. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues.
_____. Carta de... ao presidente da Academia Brasileira de Letras, datada de 12 de setembro de 1914. Arquivo ABL, Acadêmico Félix Pacheco.
RODRIGUES, José Carlos. Carta de... ao Comendador Antônio Ferreira Botelho agradecendo o convite para colaborador do Jornal do Commercio. s/d. Arquivo IHGB, coleção José Carlos Rodrigues. SOBRINHO, Antonio de Freitas Guimarães. Carta de... ao Sr. Max Fleiüss acerca do monumento a José Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco. s/d. Arquivo IHGB, coleção Max Fleiüss. Fontes Básicas Impressas CADERNO do Centro de História e Documentação Diplomática. Circulares do Ministério das Relações Exteriores: 1912-1930. Ano V, nº 8. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2006.
CARDOSO, Vicente Licínio (org.). À margem da história da República. t. I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
_____. À margem da história da República. t. II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
CORRESPONDÊNCIA passiva de José Carlos Rodrigues, 1844-1923. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1971.
FLEIÜSS, Max. Recordando: casos e perfis. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941.
_____. “Francisco Manuel e o Hino Nacional”. Conferência realizada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a 12 de outubro de 1916. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917.
_____. “Cem anos de Independência, 1822-1922”. Anais do Congresso Internacional de História da América. v. 1. Rio de Janeiro: IHGB, 1925.
IMPRENSA Oficial do Estado de Minas Gerais. Projeto nº 97. 20 de agosto de 1921. Arquivo IHGB, coleção conde de Afonso Celso.
LIVRO de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. 7 de setembro de 1822 a 7 de setembro de 1922 — 7 de setembro de 1923. Edição do Anuário do Brasil. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923. MONTEIRO, Tobias. O Presidente Campos Sales na Europa. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2005.
PACHECO, Félix. Discurso de recepção na Academia, seguido da resposta do Sr. Souza Bandeira. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1913.
160
_____. Um francês brasileiro “Pedro Plancher”: subsídios para a História do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commecio, 1917. PACHECO, Félix. Plancheriana: anotações ao catálogo dos livros editados em Paris pelo fundador do Jornal do Commercio, antes de sua vinda para o Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1930.
_____. À Comissão de Verificação de Poderes do Senado da República e aos homens de bem do país inteiro. Rio de Janeiro, 1927.
_____. O valor imenso da biblioteca brasiliense do Dr. José Carlos Rodrigues. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1930. PROJETO de Lei de 1919 substitutivo ao da Câmara dos Deputados nº 278 de 1916 apresentando as bases para a realização das comemorações do centenário da Independência, novembro de 1919. Arquivo IHGB, coleção conde de Afonso Celso.
Dicionários e obras de referência ARQUIVO Tobias Monteiro: Inventário Analítico. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007.
DICIONÁRIO Antonio de Moraes Silva. In: http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/. Acesso dia 12/2/2010.
DICIONÁRIO Biobibliográfico de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiros. Sócios falecidos entre 1921-1961. v. 3. Rio de Janeiro: IHGB, 1993.
DICIONÁRIO Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. (Comemorativo do Primeiro Centenário da Independência). Rio de Janeiro: IHGB, 1922.
161
ANEXO A
Relação dos assuntos que deveriam ser desenvolvidos para a composição dos trabalhos
históricos que constituiriam o Livro do Centenário da Independência do Brasil
1. Os Aborígenes do Brasil
2. O Brasil Colonial. A Obra dos Bandeirantes
3. A Independência do Brasil. Seus Pródomos. A Ação de José Bonifácio
4. O Primeiro Reinado
5. A Regência
6. O Segundo Reinado
7. A Fundação da República, desde os primórdios da propaganda republicana até a
Constituição de 24 de fevereiro de 1891
8. O Exército e a Armada do Brasil
9. A Diplomacia do Brasil
10. A evolução Econômica e Financeira do Brasil
11. As Belas Artes no Brasil (desenho, pintura, gravura, escultura, arquitetura, artes gráficas,
caricatura e indumentária)
12. A Música no Brasil
13. A Arte Dramática do Brasil
14. A Literatura do Brasil
15. As Ciências no Brasil
16. As Religiões no Brasil
17. A Legislação do Brasil
18. As Explorações Geográficas no Brasil. A Formação Histórica das Fronteiras Nacionais
19. O Comércio e a Indústria no Brasil
20. A Viação Férrea do Brasil
21. A Construção Naval e Navegação no Brasil
22. A Assistência Pública e Instituições de Previdência no Brasil
23. A Instrução Pública no Brasil
24. A Higiene no Brasil
25. A Imprensa no Brasil
162
ANEXO B
Relação dos assuntos que deveriam ser desenvolvidos para a composição dos pequenos
esboços a óleo para a celebração do centenário da Independência do Brasil
1. Quadros históricos:
1.1 Desembarque do Príncipe Regente D. João na Bahia (23 de janeiro de 1808)
1.2 O Fico (9 de janeiro de 1822)
1.3 A Proclamação da Independência (7 de setembro de 1822)
1.4 A Abdicação de Dom Pedro I (7 de abril de 1831)
2. Alegorias
2.1 A Fundação do Império
2.2 Aos Heróis do Exército e da Armada, que mais hajam contribuído para a glorificação
nacional
2.3 As três raças — aborígene, européia e africana — sintetizando o concurso desses
elementos étnicos na formação da nacionalidade brasileira
2.4 A Lei Áurea de 13 de maio de 1888
2.5 A Proclamação da República a 15 de novembro de 1889
2.6 A Unidade da Pátria através do primeiro século da sua emancipação política
163
ANEXO C
Tabelas de distribuição das despesas para a celebração do primeiro centenário da
Independência do Brasil
Tabela 1: Despesas a cargo do Governo Federal
Evento/Concurso
Valor (mil réis)
Construção do Museu Histórico e do Panteão Nacional 3.500:00$000 Exposição Nacional 16.000:000$000 Exposição de Arte Retrospectiva 200:000$000 Moeda Comemorativa. Prêmios 700$000 Selos Postais Comemorativos. Prêmios 3:000$000 Replantio Florestal. Prêmios 35:000$000 Remodelação da Cidade do Rio de Janeiro. Prêmios 260:000$000 Recepção e hospedagem de Membros do Congresso de História da América 50:000$000 Edifício do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 500:000$000 Biblioteca Nacional 300:000$000 Arquivo Nacional 20:000$000 Museu Nacional 150:000$000 Monumenta Brasiliae Histórica 110:000$000 Atlas Geográfico e Hidrográfico 100:000$000 Atlas Geral 50:000$000 Carta Geral das Vias de Comunicação 10:000$000 Ministério das Relações Exteriores, Catálogo da Mapoteca 20:000$000 Congresso Ferro-Viário e de Estradas de Rodagem 30:000$000 Jardim Botânico 30:000$000 Recepção e hospedagem de Membros do Congresso Americano de Medicina 50:000$000 Quedas d’Água do Brasil 50:000$000 Regimento de Dragões da Independência 120:000$000 Documentos Parlamentares do Império 90:000$000 Teatro Nacional 1.500:000$000 Obras na cidade de Santos 5.000:000$000 Escola José Bonifácio em Paquetá 100:000$000 Palácio do Congresso Nacional 12.000:000$000 Palácio Itamaraty 650:000$000 Escola Nacional de Belas Artes 300:000$000 Recepção e hospedagem de estrangeiros ilustres 1.000:000$000 Execução de trabalhos gráficos e aparelhamentos da Imprensa Nacional 1.000:000$000 Eventuais 900:000$000 Total 44.128:700$0001
1 Valor em libra esterlina: £ 627.465.985,300.
164
Tabela 2: Despesas a cargo da Comissão Comemorativa
Evento/Concurso
Valor (mil réis)
Expediente da Comissão Comemorativa 500:00$000 Monumento Comemorativo 2.011:000$000 Livro do Centenário 112:500$000 Quadros históricos e alegorias 230:000$000 Hino do Centenário 6:000$000 Cortejo histórico 104:600$000 Medalha comemorativa 10:700$000 Ópera histórica. Prêmios. Organização de uma companhia. Desempenho 440:000$000 Poema lírico, poema sinfônico e sinfonia execução 85:500$000 Drama e comédia. Prêmios 14:000$000 Opereta. Prêmios 11:500$000 Representação do drama, da comédia e da opereta 350:000$000 Cenografia e indumentária para a ópera, o drama, comédia e a opereta 173:000$000 Poema histórico 4:500$000 Resumo da história do Brasil 13:000$000 Execução da película cinematográfica de história do Brasil 800:000$000 Federação Brasileira das Sociedades do Remo 20:000$000 Jockey Club e Derby Club 80:000$000 Monumento ao Trabalho 305:000$000 Decoração artística da Capital Federal 100:000$000 Eventuais 500:000$000 Total 5.871:300$0002
2 Valor em libra esterlina: £ 83.484.014,700.
165
ANEXO D
Circular nº 5 de 30/1/1922. Ministério das Relações Exteriores
Índice: “Circular aos consulados brasileiros relativa ao regime de importação dos artigos,
objetos e materiais destinados à exposição comemorativa do centenário da independência”.
Diretoria-Geral dos Negócios
Políticos e Diplomáticos
Seção do Protocolo
Circular
Nº 5
Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1922
Para que fiquem os consulados a par das regras que serão observadas por ocasião da
importação dos artigos, objetos e materiais destinados à exposição comemorativa do
centenário da independência, rogo a atenção de Vossa Senhoria para que [sic] o seguinte
artigo 53º da lei nº 4.440, de 31 de dezembro de 1921:
Artigo 53 A importação de materiais, artigos ou objetos destinados à exposição
comemorativa do centenário da independência obedece às seguintes regras:
I Os volumes virão com a marca “Exposição Brasileira” e com a contra
marca do importador ou recebedor no Rio de Janeiro. II No recinto da exposição, que será considerado alfândega, será feito o
serviço de conferência dos volumes e conferência do conteúdo deles. III A abertura dos volumes só poderá ser feita presentes os funcionários da
alfândega encarregados da conferência. IV Feita a conferência e calculados os direitos, serão todos os objetos
arrolados em relação, em duplicata, assinada pelo conferente e pela pessoa que tiver a responsabilidade da guarda dos mesmos objetos durante a exposição.
V Serão isentos de direitos de consumo e de expediente e do imposto de consumo os objetos, artigos ou produtos destinados a figurar na exposição e bem os materiais e artigos de construção e ornamentação
166
dos pavilhões, mobiliários e mostruários e tudo mais quanto necessário for ao certame.
VI Encerrada a exposição, os objetos que não forem reexportados dentro do prazo fixado pela comissão diretora da exposição, ficarão sujeitos ao pagamento dos direitos, de conformidade com o cálculo feito por ocasião da conferência de entrada.
VII Ficarão isentos desse pagamento: a) os objetos ou artigos que forem doados a instituições públicas
oficiais ou a estabelecimentos de instrução popular ou superior da república;
b) os materiais de construção dos pavilhões, quando esses pavilhões passarem para o domínio da União, do Distrito Federal ou de instituições de caridade ou de ensino popular ou superior oficial;
c) os objetos ou artigos que, por sua natureza ou qualidade, se inutilizarem no decurso da exposição, uma vez comprovada essa inutilização por atestado da comissão diretora;
d) os objetos ou artigos destinados a reclames e com esse intuito distribuídos gratuitamente aos visitantes da exposição.
VIII Os objetos ou artigos que, por ocasião de serem vendidos, apresentarem grande deterioração, ficarão sujeitos ao pagamento de direitos, segundo o valor que tiverem e sob a razão para eles estabelecidos na tarifa.
IX As faturas consulares relativas aos volumes destinados à exposição serão livres do selo ou emolumentos.
Peço aos senhores chefes de serviço comunicarem essas regras a todos os interessados
na exposição do centenário.
Azevedo Marques
167
ANEXO E
Artigos publicados no Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do
Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro
1. Vaz de Caminha e a sua carta por Capistrano de Abreu
2. Confins territoriais do Brasil por Mário de Vasconcelos
3. Notícia história por Rocha Pombo
4. A propaganda republicana por Júlio Carmo
5. A literatura brasileira por Ronald de Carvalho
6. As artes plásticas por R. de C.
7. A caricatura no Brasil de 1822 a 1922 por Raul Pederneiras
8. Ensaio sobre a música brasileira por Renato Almeida
9. O Teatro no Brasil (sem referência ao autor)
10. A evolução religiosa no Brasil por Nestor Victor
11. Organização religiosa por Jackson de Figueiredo e Perillo Gomes
12. O pensamento filosófico no Brasil por Renato Almeida
13. A Escola médica brasileira por A. Austregesilo
14. Evolução da Arquitetura no Brasil por A. Morales de los Rios
15. Cem anos de Engenharia (sem referência ao autor)
16. O Ensino público no Brasil por Afrânio Peixoto
17. Aspectos da Sociedade brasileira por Elysio de Carvalho
18. As bases genéticas do nosso Direito constitucional por Heitor Lyra
19. A diplomacia da independência por Hildebrando Accioly
20. O padre Cícero e o folclore por Gustavo Barroso
21. A evolução econômica do Brasil por Victor Viana
22. Finanças do Brasil por Elysio de Carvalho
23. A imprensa na independência por Barbosa Lima Sobrinho
24. Academia Brasileira de Letras (sem referência ao autor)
25. A viação férrea no Brasil (sem referência ao autor)
26. Cem anos de Comércio exterior (sem referência ao autor)
27. O Exército Brasileiro por Cel. Dr. Joaquim Marques da Cunha
28. Síntese histórica da marinha de guerra Brasileira por Raul Tavares, Cap. Frag.
29. Em 1822 por Rodrigo Octavio Filho
168
30. O Brasil de hoje (sem referência ao autor)
169
ANEXO F
Congressos e Conferências realizados durante as festividades do centenário da
Independência do Brasil
1. O Congresso Internacional de História da América, convocado pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, sendo presidente da respectiva Comissão Executiva, o Dr. B. F. Ramiz
Galvão
2. O XX Congresso Internacional de Americanistas realizado entre os dias 20 a 30 de agosto
3. O 2º Congresso Ferro-viário Sul Americano entre os dias 17 a 30 de setembro
4. O Congresso de Ensino Secundário e Superior, sob os auspícios da Universidade do Rio de
Janeiro
5. O Congresso Jurídico promovido pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros,
sendo o presidente o Dr. João M. de Carvalho Mourão, entre os dias 16 a 31 de outubro
6. O Primeiro Congresso Americano da Criança, sob a presidência do Dr. Aloysio de Castro,
entre os dias 27 de agosto a 5 de setembro
7. O 2º Congresso Nacional de Estradas de Rodagem, sob os auspícios do Automóvel Club
Brasileiro, entre os dias 5 a 10 de novembro
8. O 1º Congresso Nacional dos Práticos, sob os auspícios da Sociedade de Medicina e
Cirurgia do Rio de Janeiro
9. O Congresso Internacional de Engenharia
10. O 3º Congresso Nacional de Agricultura e Pecuária
11. O 2º Congresso Americano de Expansão Econômica e Ensino Comercial
12. A Conferência Internacional Algodoeira
13. O 1º Congresso de Inspetores Agrícolas
14. O Congresso de Química
15. O Congresso de carvão e outros combustíveis nacionais
16. O Congresso Internacional de febre aftosa
17. O Congresso Internacional dos estudantes
18. O 1º Congresso Brasileiro de Farmácia
19. O 1º Congresso das Associações Comerciais do Brasil
20. O 1º Congresso Nacional de Operários em Fábricas de tecidos do Brasil
21. A Conferência Americana da Lepra
170
22. O Congresso dos Estudantes das Escolas Secundárias do Brasil
23. O 17º Congresso Espírita Internacional
24. O Congresso Regional Evangélico
25. O Congresso Eucarístico
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo