universidade do estado do pará centro de ciências...

204
Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado Douglas Guimarães Borges Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém - PA Belém - PA 2016

Upload: dokhue

Post on 01-Dec-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado

Douglas Guimarães Borges

Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém - PA

Belém - PA

2016

Page 2: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

Douglas Guimarães Borges

Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas

públicas de Belém - PA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientadora: Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva

Belém – PA 2016

Page 3: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA.

BORGES, Douglas Guimarães.

Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre

alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém. / Douglas Guimarães Borges, orientação de

Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva, 2016.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2016.

1. Música – Estudo e ensino. 2. Letramento. 3. Prática de ensino. I. Silva, Maria do Perpétuo

Socorro Cardoso e (orient.). II. Título.

CDD. 22º ed. 780.7

.

Page 4: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

Douglas Guimarães Borges

Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas

públicas de Belém - PA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientadora: Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva

Data da Defesa: 25/10/2016

Banca Examinadora:

_____________________________________________ - Orientadora Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva Universidade do Estado do Pará – PPGED/UEPA _____________________________________________ - Membro Interno Prof. Dr. José de Anchieta de Oliveira Bentes Universidade do Estado do Pará – PPGED/UEPA ____________________________________________ - Membro Externo Profª. Dr. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral Universidade Federal do Pará – PPGARTES/UFPA

Belém – PA 2016

Page 5: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

Aos meus pais, fonte e razão da minha força.

Page 6: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

AGRADECIMENTOS

A Deus, criador único de todas as coisas.

A minha família, José Hilário Borges (pai), Zilda Aparecida Guimarães Borges

(mãe), Éder Guimarães Borges, Jéssica Guimarães Borges e Igor Guimarães

Borges (irmãos) que, mesmo fisicamente distantes, foram, são e sempre serão meus

pilares de sustentação nos momentos difíceis.

Aos meus “pais postiços” Maria e Fernando, que me acolheram no seio de

sua família e, por sua imensa generosidade, jamais me sinto sozinho, mesmo longe

de casa.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado

da UEPA. A cada um de vocês, muito obrigado por me ensinarem que a dúvida e o

autoquestionamento são os melhores conselheiros do pesquisador. Aos meus

eternos professores do curso de Licenciatura Plena em Música, especialmente Lúcia

Couceiro e Claudio Trindade.

A minha orientadora, Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva,

pela competência nos esclarecimentos, paciência nos direcionamentos e segurança

ao organizar minhas ideias (a você, todo meu carinho, respeito e admiração).

Aos gestores das escolas Pinto Marques e Deodoro de Mendonça, por

permitirem o desenvolvimento em campo desta pesquisa. As professoras Anne Mary

e Maria de Nazaré, por tantas colaborações e, principalmente, aos doze alunos

participantes da fase de coleta de dados (o intuito do meu trabalho é melhorar o seu

futuro educacional).

A toda a equipe técnica e de apoio do CCSE da UEPA: faxineiros, porteiros,

secretários, assistentes, monitores, recepcionistas, seguranças, bibliotecários,

técnicos em informática, operadores de fotocopiadoras, equipe do Restaurante

Universitário, pedreiros, pintores, motoristas, jardineiros, eletricistas etc. Sem vocês,

a construção do conhecimento nesse campus seria simplesmente impossível.

Aos meus companheiros de curso (valentes vencedores). Não me atreverei a

mencionar seus nomes, sob pena de esquecer algum, mas saibam que, com vocês,

essa jornada (que está longe de acabar) fica mais leve.

E finalmente, mas não menos importante, aos meus verdadeiros amigos

paraenses (eu sei quem vocês são).

Page 7: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

RESUMO

BORGES, Douglas Guimarães. Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém – PA. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2016, 203f. [Dissertação de Mestrado].

O presente trabalho investigativo é um estudo acerca das repercussões do letramento musical sobre o processo de alfabetização, desenvolvido com estudantes de duas escolas públicas. Os sujeitos da pesquisa são doze alunos do 6º ano, matriculados na rede pública estadual da cidade de Belém – PA, divididos em dois grupos: 6 na EEEFM Pinto Marques e 6 na EEEFM Deodoro de Mendonça e, além desses, duas professoras responsáveis pela parte de língua portuguesa (uma de cada instituição). O objetivo geral é investigar a relação entre os letramentos musical e alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da alfabetização. Já os específicos são: analisar o processo de aplicação do letramento musical no ensino regular; identificar, a partir de uma análise junto às professoras, a qualidade do letramento alfabético dos alunos, para que sirva como parâmetro de comparação estatística; avaliar a qualidade da produção e interpretação textual dos alunos, buscando a diagnose de repercussão do letramento musical sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita. A investigação apresenta enfoque predominantemente qualitativo, com a utilização, nos seus procedimentos, de dois questionários semiestruturados. O autor base elencado é Swanwick (1988, 2003), por apresentar concepções pedagógicas de utilização do ensino da música como ferramenta para o aprimoramento da aprendizagem em outras áreas. A principal abordagem de suas fundamentações é a Teoria Espiral, na qual os processos educacionais, em música, obedecem às etapas do desenvolvimento cognitivo. Neste sentido, apresento como questão problema: que aspectos didáticos-educacionais podem ser analisados entre as modalidades de letramentos musical e alfabético? O trabalho fundamenta-se, também, sob as égides conceituais de Suzigan (1986), França (2010), Souza (2008), Silva (2009) e Penna (2008), ao congregarem a educação musical, desenvolvida em instituições de ensino regular, e a otimização das habilidades de aprendizagem. As informações foram sistematizadas de acordo com três eixos temáticos: letramento musical em instituições públicas; qualidade da alfabetização dos alunos do 6º ano; repercussões do letramento musical sobre o processo de alfabetização. De acordo com os desdobramentos da pesquisa, bem como as análises dos dados produzidos, o letramento musical é a combinação dialética entre a aplicação social de saberes construídos e o ensino da música, praticado em instituições formais ou em âmbito empírico. A congruência entre as duas categorias, enquanto linguagens, está na compreensão e na possibilidade de representação gráfica dos efeitos sonoros, contidos tanto na fala quanto na música. Portanto, a relevância da presente pesquisa está baseada na necessidade de compreensão dos benefícios que o letramento musical podem produzir na aprendizagem e, mais especificamente, no desenvolvimento das habilidades relacionadas à linguagem escrita.

Palavras-Chaves: Letramento musical. Alfabetização. Ensino da música. Educação regular.

Page 8: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

ABSTRACT

BORGES, Douglas Guimarães. Musical literacy as an aid to alphabetic understanding: an analysis about students of the 6th grade of two public schools in Belém - PA. Belém: University of Pará, 2016, 203f. [Masters dissertation]. The present investigative work is a study about the impact of musical literacy on the literacy process, developed with students from two public schools. The subjects are twelve students in the 6th grade, registered in public schools of the city of Belém - PA, divided into two groups: 6 of them, from EEEFM Pinto Marques and the others 6 from EEEFM Deodoro de Mendonça and, in addition, two teachers responsible for Portuguese Language (one from each institution). The overall objective is to investigate the relationship between music and alphabetic literacies, seeking instrumentalize the quality of literacy. And the specific objectives are: to analyze the application process of musical literacy in regular education; identify, through an analysis with the teachers, the quality of alphabetic literacy of the students, to serve as a statistical comparison parameter; evaluate the quality of production and textual interpretation of the students, seeking the diagnostic impact of musical literacy on the process of learning the written language. The research has predominantly qualitative approach, using in its procedures, two semi-structured questionnaires. The based author base listed is Swanwick (1988, 2003), for presenting pedagogical concepts about the use of musical education as a tool to improve learning in other areas. The main approach of its foundations is the Spiral Theory, in which the educational processes, in music, follow the stages of cognitive development. In this sense, I present as a problem question: what didactic-educational aspects can be analyzed between the modalities of musical and alphabetical literacy?The work is based also on the concept of Suzigan (1986), França (2010), Souza (2008), Silva (2009) and Penna (2008), when its congregating the musical education, developed in regular educational institutions, and the optimization of learning skills. The information was systematized according to three thematic axes: musical literacy in public institutions; literacy quality of students of the 6th grade; repercussions of musical literacy on the literacy process. According to the results of the research, and analysis of produced data, the musical literacy is the dialectical combination of social application built knowledge and the teaching of music, practiced in formal institutions or empirical level. The congruence between the two categories, as languages, is the understanding and the possibility of graphical representation of sound effects, contained in both speech and music. Therefore, the relevance of the present research is based on the need to understand the benefits that musical literacy can produce in learning and, more specifically, the development of skills related to written language. Key Words: Musical literacy. Literacy. Musical education. Regular education.

Page 9: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

Quadro 1 - Pesquisas sobre Letramento e Ensino da Música 22-23

Quadro 2 - Dissertações concluídas no PPGED/UEPA relacionadas à temática 24-25

Quadro 3 - Esquema de Boscardin e Moura para durações sonoras 79

Quadro 4 - Síntese analítica do questionário direcionado às professoras 108

Quadro 5 - Fragmento da matriz de referência em música (tema: duração) 112

Quadro 6 - Fragmento do teste avaliativo (tópico I – item D1) 115

Quadro 7 - Fragmento do teste avaliativo (tópico II – item D5) 116

Quadro 8 - Fragmento do teste avaliativo (tópico III – itens D8 e D12) 117

Quadro 9 - Fragmento do teste avaliativo (tópico IV – item D15) 118

Quadro 10 - Fragmento do teste avaliativo (tópico V – item D22) 119

Quadro 11 - Educação musical como elemento facilitador da alfabetização 142

FIGURAS

Figura 1 - EEEFM Pinto Marques 29

Figura 2 - EEEFM Deodoro de Mendonça 30

Figura 3 - Questionário direcionado às professoras 33

Figura 4 - Questionário direcionado aos alunos 34

Figura 5 - Keith Swanwick 37

Figura 6 - Flauta pré-histórica com cerca de 35 mil anos 54

Figura 7 - Rainha Shubab da Mesopotâmia 56

Figura 8 - Padre José Maurício Nunes Garcia 66

Figura 9 - Exemplos do instrumental Orff 74

Figura 10 - Esquema espiral de Swanwick 91

Figura 11 - Representação gráfica para a pulsação 146

Figura 12 – Relação entre o ritmo das palavras e a pulsação 148

GRÁFICOS

Gráfico 1 - Representação estatística do pré-teste 114

Gráfico 2 - Respostas dos alunos às questões objetivas 128

Page 10: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Estágios e fases do desenvolvimento musical 88

Tabela 2 - Respostas do questionário fechado sobre interpretação textual 127

Tabela 3 - Relação entre elementos musicais e a linguagem verbal 143

Page 11: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

EEEFM Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC

MOBRAL

PCN

Ministério da Educação e Cultura

Movimento Brasileiro de Alfabetização

Parâmetros Curriculares Nacionais

PPGED

TECLA

TRI

Programa de Pós-Graduação em Educação

Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação

Teoria de Resposta ao Item

UEPA Universidade do Estado do Pará

UFPA

UFRJ

Universidade Federal do Pará

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Page 12: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 APORTES METODOLÓGICOS DA PESQUISA 21

2.1 Estado da arte 21

2.2 Metodologia: diretrizes utilizadas 26

2.3 Lócus da pesquisa 28

2.4 Instrumentos de coleta de dados 32

2.5 A fenomenologia como base epistêmica 35

2.6 Autor base: Keith Swanwick 37

3 REFERENCIAL TEÓRICO: LETRAMENTO, ENSINO DA MÚSICA E

ALFABETIZAÇÃO 40

3.1 Especificidades entre letramento e alfabetização 41

3.1.2 Letramento em mídias textuais como práticas sociais na escola 43

3.1.3 Leitura de mundo e leitura da palavra escrita 45

3.1.4 O letramento escolar compreendido em diferentes dimensões 47

3.1.5 Letramento e alfabetização: interações pedagógicas 51

3.2 A música e a aprendizagem 53

3.2.1 O legado das antigas civilizações para a educação musical 54

3.2.2 Educação musical: dos primórdios da era cristã até o século XIX 58

3.2.3 Contextualização histórica do ensino da música no Brasil 64

3.2.4 Métodos ativos em Educação Musical: Dolcroze, Orff, Suzuki e Kodály 71

3.2.5 Educação Musical infantil: especificidades pedagógicas 76

3.2.6 Lei 11.769/08: inserção da música no currículo educacional brasileiro 82

3.3 As concepções de Swanwick para o ensino da música como elemento

catalisador da aprendizagem 86

3.3.1 A música como categoria discursiva na perspectiva de Swanwick 87

3.3.2 Teoria espiral: aprendizagem em níveis progressivos 90

3.3.3 Parâmetros da experiência musical (T.E.C.L.A.) 92

3.3.4 Música e a aprendizagem significativa 94

3.4 Construindo o conceito de Letramento Musical 97

Page 13: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: EFEITOS DO LETRAMENTO

MUSICAL SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO 102

4.1 Análise sobre as considerações das professoras 102

4.2 Diretrizes para o letramento musical na educação regular 108

4.2.1 Estrutura de testes avaliativos em música 113

4.3 Análise sobre o teste aplicado aos alunos 122

4.4 Subsídios para a análise e discussão dos dados: o ensino da música

como elemento catalizador da aprendizagem 137

4.4.1 Elementos do letramento musical na alfabetização 142

5 CONCLUSÃO 150

REFERÊNCIAS 157

ANEXO A - Questionário direcionado às professoras 162

ANEXO B - Questionário direcionado aos alunos 167

Page 14: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

14

1 INTRODUÇÃO

Os caminhos de uma pesquisa podem apresentarem-se, muitas vezes,

equivocadamente claros em suas concepções iniciais. O termo equívoco aqui

empregado não deve ser, necessariamente, concebido como falha do pesquisador

ou algum tipo de precipitação metodológica, mas uma espécie de remédio que,

mesmo amargo em alguns momentos, é fundamental para o processo de catarse

epistemológica, naturalmente inerente ao trabalho investigativo baseado em pilares

científicos.

Gradativamente e, a partir do maior número possível de visitas à pesquisas já

realizadas acerca do objeto em questão, haverá a ampliação dos horizontes de

visualização dos idealizadores da investigação, outrora focados em um campo mais

reduzido ou restrito de ideias que, aos poucos, ganharão maiores e mais férteis

fundamentações.

Mudanças de direcionamentos, pontos de vista ou estratégias metodológicas

não são apenas saudáveis, mas indícios reais de que o pesquisador está, de fato,

envolvido com a pesquisa e disposto a apresentar resultados consistentes, ainda

que não sejam exatamente os mesmos idealizados na gênese do processo.

O trabalho aqui apresentado é o reflexo desse conjunto de mudanças

estratégicas e aquisição de novos parâmetros de investigação, os quais passaram

por diversas adaptações ao longo da pesquisa idealizada e desenvolvida. Neste

sentido, demonstrarei a pluralidade de nuances epistêmicas que nortearam todas as

etapas dessas construções (e desconstruções) ideológicas, no sentido de analisar

as repercussões do Letramento Musical sobre o desenvolvimento da alfabetização.

Durante o decorrer de algumas disciplinas, pertencentes à grade curricular do

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará -

Mestrado, bem como diversas pesquisas relacionadas à temática em questão,

percebi que, dúvidas referentes à construção do conhecimento são, em muitos

casos, mais relevantes que certezas ofuscantes, capazes de cercear ou confundir a

percepção do pesquisador, comprometendo, assim, a credibilidade dos resultados

alcançados, seja por equívocos na coleta de dados ou em sua interpretação.

O constante exercício de autoquestionamento, em hipótese alguma, denota

falta de convicção ou firmeza por parte do pesquisador. Pelo contrário, ele

representa a diminuição das amarras no processo de observação científica,

Page 15: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

15

tornando mais abrangentes os pontos de investigação e mais consistentes as

conclusões acerca do objeto observado.

Meu envolvimento com o Ensino da Música tem raízes familiares, a partir da

transmissão de conhecimentos (ainda que de forma não acadêmico/tradicional) em

um ambiente com forte presença musical. A partir de então e, no início da

adolescência, fui iniciado aos estudos sistematizados da arte dos sons, mais

especificamente voltados à formação técnico/instrumental em Contrabaixo Elétrico1,

no Conservatório Souza Lima (SP). Há que se salientar um fato importante,

percebido já neste primeiro período de educação musical estruturada: houve uma

significativa melhora em meu desempenho escolar regular.

Nos últimos anos do ensino médio, já era certa a opção por algum tipo de

instrução musical em nível superior. Entretanto, por razões financeiras, meu ingresso

à universidade só ocorreu efetivamente em 2007 (aos 26 anos de idade). Neste

período, transferi minha residência de São Paulo – SP (cidade natal) para Belém –

PA.

Durante a graduação em Licenciatura Plena em Música, desenvolvida na

Universidade do Estado do Pará (UEPA), teve início meu interesse mais direcionado

para a área de Educação Musical, a partir do contato com autores que defendem a

articulação dialética entre o Ensino da Música e o desenvolvimento do aluno, no

sentido de favorecer sua capacidade de aprendizagem. A música é um excelente

canal de interação para a educação, “a Educação Musical é um elemento

fundamental na construção do conhecimento humano”. (SUZIGAN, 1986, p. 42).

O período de Estágio Supervisionado, pertencente à grade curricular da

graduação supracitada, representou uma excelente oportunidade de contato real

com a educação regular, pois foi integralmente desenvolvido em instituições públicas

de ensino, situadas na região metropolitana da cidade de Belém – PA. Nessa

ocasião, pude constatar algo além da simples transmissão de conteúdos musicais: a

necessidade de utilização do Ensino da Música não como fim, mas como meio

educacional.

A partir dessa análise, de interferência positiva da música sobre a

aprendizagem de outras áreas do conhecimento (matemática, história, linguística

1 Instrumento musical eletroacústico de 4, 5 ou 6 cordas. Apesar de seu projeto mais moderno datar

de 1951 (desenvolvido pelo norte-americano Leo Fender), trata-se da evolução da viola contrabaixo, utilizada como acompanhamento de cordas friccionadas desde o início do século XVII.

Page 16: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

16

etc.), passei a focar minhas atenções nos processos de desenvolvimento da

alfabetização, praticados nas escolas em questão. Posteriormente, houve um

gradativo interesse por investigar estratégias didáticas mais dinâmicas e capazes de

instrumentalizar o aluno para além da mera decodificação de símbolos, ou o

chamado Letramento Alfabético, o qual é mais abrangente e envolve as aplicações

sociais dos saberes relacionados à linguagem escrita.

Tal síntese formativa, em âmbito acadêmico, serviu como parte dos subsídios

que embasaram minha iniciativa de pesquisa, direcionada a um tipo de investigação

que buscasse uma análise dos efeitos do ensino da música sobre o

desenvolvimento da alfabetização, em alunos do 6º ano de duas escolas públicas da

rede Estadual de ensino, situadas na cidade de Belém – PA, as quais compreendem

o lócus do presente trabalho.

A principal razão para o referido enfoque investigativo está justamente na

busca pelas áreas intelectuais, cognitivas, sociais e criativas que, possivelmente,

podem ser desenvolvidas por meio da música e, consequentemente, auxiliar um

processo mais dinâmico e abrangente de alfabetização.

O simples ato de ler e escrever não significa, necessariamente, que o

indivíduo esteja apto a usufruir dos plenos benefícios sociais que a linguagem

escrita pode proporcionar. Neste aspecto, qualquer estratégia educacional que

otimize esse processo é bem vinda e, para os efeitos da presente pesquisa, busquei

analisar tais subsídios pedagógicos, presentes no ensino da música.

Ao identificar e analisar as relações didático/educacionais, existentes entre a

música e a alfabetização, busquei a diagnose relativa à como os elementos

estruturais da arte dos sons (ritmo, melodia, harmonia e timbre)2 podem contribuir

para que a compreensão dos alunos, acerca do processo de alfabetização, seja

otimizada, uma vez que tais elementos estão baseados em princípios de abstração,

ou seja, para além daquilo que é imediatamente percebido.

Os participantes selecionados foram duas professoras responsáveis pela

alfabetização (uma de cada instituição) e doze alunos do 6º ano (seis de cada

instituição). O foco investigativo foi a análise da possibilidade de interferência

2 Elementos musicais que, respectivamente, referem-se à: duração de sons e silêncios; notas

organizadas sucessivamente; notas organizadas simultaneamente; característica qualitativa do som que depende da fonte emissora (é pelo timbre que percebemos a diferença entre os instrumentos).

Page 17: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

17

existente do letramento musical sobre o alfabético, no sentido da diagnose

resultante de sua (co) relação para a aprendizagem da linguagem escrita.

Como autor base (o qual será posteriormente abordado), fundamentando a

utilização do ensino da música com diversos propósitos, destaquei Swanwick (1988,

p. 89), ao confirmar que “a música pode ser usada para propostas não musicais”.

A combinação entre música e alfabetização apresenta-se como um caminho

de pesquisa que congrega a apropriação de diferentes códigos (verbais e não

verbais) com a mesma finalidade: a comunicação. Portanto, como objeto teórico,

elenquei a análise das possíveis repercussões dialéticas do Letramento Musical

sobre a qualidade do processo de alfabetização escolar, em prol da capacidade de

assimilação interpretativa do texto escrito, além do mero reconhecimento de códigos

letrários.

Para tanto, baseei as ações no âmbito da problemática referente à

necessidade de práticas educativas que congreguem a obrigatoriedade do Ensino

da Música na Educação Regular brasileira, como determina a Lei 11.769/20083, às

necessidades de aprimoramentos referentes aos processos de alfabetização, que

primem por sua evolução qualitativa. Neste sentido, apresento como questão

problema: que aspectos didáticos-educacionais podem ser analisados entre as

modalidades de letramentos musical e alfabético?

Como pilares epistemológicos de investigação, destaquei três destinos focais,

os quais podem ser traduzidos nas seguintes questões norteadoras: a) como se dá o

processo de Letramento Musical em uma instituição pública de ensino regular da

cidade de Belém – PA?; b) de acordo com os profissionais responsáveis pela

alfabetização escolar, como é a qualidade do Letramento Alfabético apresentado

pelos alunos?; c) que avaliação pode ser feita acerca da produção e interpretação

textual dos alunos, a partir de uma análise de repercussão do Letramento Musical

sobre a linguagem escrita?

O intuito é esclarecer “se”, “como” e até “em que nível” o Ensino da Música

pode interferir no processo de alfabetização, uma vez que as virtudes da música no

“desenvolvimento integral da sensibilidade e da criatividade do indivíduo, na

3 Sancionada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, altera a LDB de 1996 e determina que a

música deva ser conteúdo obrigatório na Educação Regular brasileira, inserida na disciplina Artes. O prazo limite para sua implementação foi o ano de 2012.

Page 18: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

18

canalização de sua afetividade, no favorecimento de sua autoestima e na integração

do grupo já não são mais a comprovar”. (LEMOS, 2010, p. 117).

O objetivo geral da presente pesquisa é investigar a relação entre os

Letramentos Musical e Alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da

alfabetização. Já os específicos são: analisar o processo de aplicação do

Letramento Musical no ensino regular; identificar, a partir de uma análise junto às

professoras, a qualidade do Letramento Alfabético dos alunos, para que sirva como

parâmetro de comparação estatística; avaliar a qualidade da produção e

interpretação textual dos alunos, buscando a diagnose de repercussão do

Letramento Musical sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita.

De modo geral, a pesquisa aqui desenvolvida está baseada na

Fenomenologia, uma vez que a observação será direcionada à essência da

alfabetização escolar, buscando a compreensão das nuances capazes de congregar

sujeito e objeto em uma unidade dialética. A abordagem possui caráter

predominantemente qualitativo, do ponto de vista da análise da qualidade da

alfabetização entre indivíduos que dispõem de Letramento Musical e aqueles

desprovidos deste.

O método científico utilizado é o experimental, visto que o foco está no estudo

de causas e efeitos de um determinado fenômeno (Letramento Musical) e a

avaliação dos resultados dessa ação sobre a alfabetização. Já os procedimentos

para o alcance dos objetivos específicos seguiram a seguinte estrutura

organizacional:

a) As duas escolas selecionadas estão inseridas na rede pública e Estadual

de ensino, da cidade de Belém – PA. Uma delas conta com uma estrutura

relativamente adequada para a Educação Musical (instrumentos musicais,

professores com formação em música, carga horária constante, avaliações

definidas). Já a outra instituição, para os efeitos dessa pesquisa, não possui tal

estrutura.

b) A instituição que apresenta condições estruturais para o desenvolvimento

do Ensino da Música foi analisada a partir da observação das aulas de música e

seus elementos, como recursos materiais, capacitação dos professores, objetivos

alcançados e nível de aproveitamento dos alunos.

c) Às professoras responsáveis pela parte de leitura/escrita de cada

instituição, foi aplicado um questionário fechado. O intuito dessa ferramenta é

Page 19: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

19

avaliar, a partir do ponto de vista das educadoras, o nível de aproveitamento dos

alunos e, consequentemente, a qualidade desse processo.

d) Com uma população estatística de doze alunos (seis de cada instituição),

realizei uma avaliação básica sobre produção e interpretação textual. O instrumento

utilizado foi um questionário semiaberto, com o intuito de verificar a apropriação e

utilização da linguagem escrita. A escolha da amostragem dos alunos, em cada

instituição, está dividida em três níveis, os quais foram determinados de acordo com

as considerações das professoras responsáveis pela alfabetização (02 com baixo

rendimento, 02 com rendimento mediano e 02 com rendimento bom).

A principal razão para o quantitativo de alunos analisados é a viabilidade de

realização da pesquisa, uma vez que um universo muito amplo seria, para os

propósitos do presente trabalho, um objetivo intangível. Com relação a separação

dessa população estatística em diferentes níveis de rendimento, justifico esse

processo, principalmente, pela possibilidade de observação científica mais

heterogênea, do ponto de vista educacional.

Após coletados, os dados foram compilados e confrontados na perspectiva

diagnóstica da influência do Letramento Musical sobre o processo de alfabetização.

A obtenção das informações (dados coletados) ocorreu em campo, já a

interpretação e análise contou com suportes bibliográficos.

Além dos aspectos introdutórios, aqui apresentados, o trabalho está

estruturado com as seguintes seções: Aportes Metodológicos da Pesquisa;

Referencial Teórico: letramento, ensino da música e alfabetização; Análise e

discussão dos dados: efeitos do letramento musical sobre o processo de

alfabetização; Conclusão.

A seção relacionada as aportes metodológicos é o detalhamento das

explanações científicas da pesquisa. Busquei uma abordagem, desde o estado da

arte, até aspectos epistemológicos, relacionados à estrutura do presente trabalho.

Há uma análise preliminar das observações empíricas, ocorridas nas duas

instituições selecionadas e analisadas, bem como os instrumentos de coleta de

dados. A culminância desta etapa é com a apresentação do autor base.

Na seção direcionada ao referencial teórico, o Letramento é abordado em

termos educacionais gerais. Apresento alguns conceitos relacionados a esta

terminologia, bem como dados inerentes a suas concepções direcionadas à escola.

Page 20: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

20

Em uma análise combinatória com a alfabetização, busquei algumas distinções

conceituais, mas também interações no âmbito da educação.

Ainda nesta etapa, a música é explanada a partir de conceitos históricos. Seu

percurso evolutivo foi sintetizado, principalmente, do ponto de vista da inserção da

educação musical no currículo regular brasileiro. Além das determinações legais

vigentes para tal implementação, apresentei o detalhamento das concepções do

autor base para a área, bem como uma explanação de suas teorias educacionais.

Para o encerramento do referencial teórico da pesquisa, sugiro o descritor

Letramento Musical, como a combinação entre duas categorias educacionais

dialéticas: letramento e ensino da música. Os embasamentos foram estruturados a

partir das conceituações de usos e aplicações sociais de saberes adquiridos,

desenvolvidos e transmitidos em diferentes ambientes.

A última seção de desenvolvimento da pesquisa é dedicada à análise e

discussão dos dados produzidos e coletados. Nela, apresento as contribuições do

Letramento Musical sobre processos educacionais, principalmente àqueles

relacionados à alfabetização. Os questionários, aplicados tanto às professoras

quanto aos alunos das duas instituições selecionadas, foram detalhados e

analisados, sob a égide dos aportes e conceitos pesquisados no transcorrer do

trabalho.

Metodologias sistematizadas para o desenvolvimento do ensino da música na

educação regular, bem como sua articulação com outras áreas do conhecimento,

fazem parte de tais abordagens que, não direcionadas ao desenvolvimento de

habilidades exclusivamente artísticas, podem auxiliar a otimização da compreensão

da linguagem escrita.

Por fim, as conclusões foram baseadas na análise dos dados produzidos,

organizados ilustrativamente em quadros, gráficos e tabelas com percentuais

numéricos, os quais foram apreciados a partir da combinação entre a bibliografia

pesquisada e as informações coletadas entre alunos e professoras, envolvidos no

processo de alfabetização das duas instituições em questão.

Page 21: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

21

2 APORTES METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A presente seção reúne o detalhamento da trajetória teórico-metodológica do

trabalho desenvolvido. Além do estado da arte, demonstraremos nossas

observações in loco, o tipo de pesquisa, a técnica selecionada para a coleta de

dados e a sistematização de sua análise.

2.1 Estado da Arte

Durante o período de construção do objeto teórico da presente pesquisa, fiz

um levantamento inicial de livros, teses, dissertações, monografias e artigos que

articulassem o Letramento Musical à alfabetização. Entretanto, mesmo com uma

ampla quantidade de publicações indiretamente relacionadas, não localizei nenhuma

produção específica com o descritor Letramento Musical.

A posteriori, optei pelo desmembramento das categorias da seguinte maneira:

(1) Letramento e (2) Ensino da Música. Dentre os trabalhos localizados, selecionei

dez publicações (de 2004 a 2015), as quais serão listadas a seguir:

1. BOTELHO, Laura Silveira; LEITE, Josieli Almeida de Oliveira. Letramentos múltiplos: uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e escrita. 10/06/2011. 21 f. Mestrado em Educação e Pedagogia. Instituição de Ensino: Faculdade Metodista Granbery. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital de teses e dissertações da Faculdade Metodista Granbery.

2. BRITO, Luiz Percival Leme. Letramento no Brasil. 01/07/2008. 20 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino - IESE Brasil S/A. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital IESE Brasil S/A. 3. KLEIMAN, Angela B. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. 02/12/2007. 25 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central da UNISC. 4. MELLO, Maria Cristina de; RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (Orgs.). Letramento: significados e tendências. 2004. 179 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca do ISEP/RJ. 5. OLIVEIRA, Adriana Duarte de. A música no contexto escolar: o que dizem as professoras da educação infantil? In: Educação infantil e estudos da

Page 22: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

22

infância na Amazônia 2007. 33 f. Graduação em Pedagogia. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Pará. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann. 6. OLIVEIRA, Janaina Sabino de; REZENDE, Daniela Silva de. Música como discurso segundo Swanwick, Sloboda e Serafine e a prática pedagógica da música. 25/03/2015. 12 f. Mestrado em Educação Musical e Performance. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital PPG/UNIRIO. 7. PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2008. 246 f. Mestrado em Educação. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central - UFRGS. 8. SEBBEN, Egon Eduardo; SUBTIL, Maria José. Concepções de adolescentes da 8ª série sobre música: possíveis implicações para a implementação das práticas musicais na escola. 2010. 10 f. Mestrado em Educação Musical. Instituição de Ensino: Universidade Estadual de Ponta Grossa. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital da Revista da Associação Brasileira de Educação Musical.

9. SILVA, Jaqueline Luzia da. Letramento: uma prática em busca da (re) leitura do mundo. 2009. 218 f. Mestrado em Educação. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ. 10. SOUZA, Jusamara. Aprender e ensinar música no cotidiano. 2008. 287 f. Mestrado em Educação Musical. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central - UFRGS.

As publicações selecionadas foram organizadas de acordo com os autores,

ano de publicação, título, objeto e direcionamento investigativo do Letramento ou

Ensino da Música. A seguir, o quadro 1 demonstra essa sistematização:

Quadro 1 - Pesquisas sobre Letramento e Ensino da Música

Autores

(ano)

Título Objeto Direcionamento investigativo

(Letramento ou Ensino da

Música)

Botelho; Leite

(2011)

Letramentos múltiplos: uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e escrita.

Letramento Associação de diferentes tipos de letramentos para o

desenvolvimento de práticas sociais em leitura e escrita.

Page 23: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

23

Brito

(2008)

Letramento no Brasil. Letramento

Evolução histórica do conceito de letramento no Brasil e suas relações com a alfabetização.

Kleiman

(2007)

Letramento e suas implicações para o ensino de língua

materna.

Letramento

Relevância do conceito de letramento para a aprendizagem da língua materna em todos os ciclos do ensino fundamental e

médio.

Mello; Ribeiro (2004)

Letramento: significados e tendências.

Letramento

Entendimento sobre letramento e as implicações de tal

concepção para a prática pedagógica e as relações entre

linguagem e sociedade.

Oliveira

(2007)

A música no contexto escolar: o que dizem

as professoras da educação infantil?

Ensino da Música

Contribuições da musicalização infantil como linguagem

auxiliadora para a formação do raciocínio lógico, do falar e

escrever.

Oliveira; Rezende

(2015)

Música como discurso segundo Swanwick,

Sloboda e Serafine e a prática pedagógica da

música.

Ensino da Música

Perspectivas pedagógicas para o ensino da música com ênfase na capacidade discursiva dos

alunos.

Penna (2008)

Música(s) e seu ensino.

Ensino da Música

Pluralidades de práticas pedagógicas em música que

valorizem o processo de inserção social e educacional

dos alunos, bem como a democratização do acesso à

cultura e à arte.

Sebben; Subtil (2010)

Concepções de adolescentes da 8ª série sobre música:

possíveis implicações para a implementação das práticas musicais

na escola.

Ensino da Música

Discussão acerca da concepção de alunos do ensino

fundamental quanto aos usos e funções da educação musical na

escola regular.

Silva (2009)

Letramento: uma prática em busca da (re) leitura do mundo.

Letramento Relação dialética entre os termos letramento e

alfabetização, buscando instrumentalizar a leitura e a escrita como processos de

inserção social.

Souza

(2008)

Aprender e ensinar música no cotidiano.

Ensino da Música

Formas de ensinar e aprender música com ênfase na

sociabilidade pedagógica. Fonte: elaboração própria

Page 24: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

24

Vale ressaltar que, por não haver publicações específicas sobre Letramento

Musical, selecionei cinco de cada descritor, separadamente (Letramento e Ensino da

Música), os quais compõem o quadro acima demonstrado. Também é importante

destacar que, nas dez pesquisas analisadas, há um denominador comum: a busca

por estratégias didáticas que instrumentalizem o aluno para a uma melhor inserção e

compreensão do convívio social. Entretanto, saliento a necessidade de congregar os

possíveis benefícios da musicalização4 sobre as práticas de leitura e escrita, fato

que não foi observado nas publicações até aqui verificadas.

Em termos mais específicos, realizei uma busca no banco de dados

relacionado às dissertações de Mestrado, produzidas no Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. O referido programa

apresentou suas primeiras defesas de Mestrado em 2007 e, até a data de

28/08/2016, contava com um acervo de 169 dissertações concluídas e

disponibilizadas para consulta.

Do total de dissertações produzidas pelo PPGED da UEPA, três possuem

referência a Letramento e apenas uma contém uma abordagem direcionada ao

Ensino da Música, como representado no quadro 2:

Quadro 2 - Dissertações concluídas no PPGED/UEPA relacionadas à temática

Descritor Linha de

Pesquisa

Ano de

Publicação

Título da Dissertação

Letramento Formação de Professores e

Práticas Pedagógicas

2007

A formação dos professores: saberes e práticas de letramento na

educação de jovens e adultos.

Letramento Formação de Professores e

Práticas Pedagógicas

2011

Programa pró-letramento: a formação continuada de professores

nas escolas multisseriadas do Campo no Planalto em Santarém.

Letramento Saberes Culturais e

Educação na

2015

Cenas de letramento e multiletramento na educação de

crianças surdas em uma escola de

4 A musicalização é o processo de construção do conhecimento musical. Seu principal objetivo é

despertar e desenvolver o gosto pela música, estimulando e contribuindo com a formação global do ser humano. É feita por meio de atividades lúdicas, visando ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da percepção auditiva, imaginação, coordenação motora, memorização, socialização, expressividade, percepção espacial etc. O lúdico funciona como elemento motivador para o desenvolvimento da expressão musical, em um processo cujos principais elementos são a imitação, a percepção e a criação.

Page 25: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

25

Amazônia Belém.

Ensino da

Música

Saberes Culturais e

Educação na Amazônia

2013

Bandas de música, escolas de saberes: identidade cultural e prática

de ensino da Banda 31 de Agosto

Fonte: coleta de dados do PPGED – UEPA

Em termos quantitativos, destaco a única ocorrência de pesquisa relacionada

ao Ensino da Música desenvolvida no Programa de Pós – Graduação em Educação

(PPGED), da Universidade do Estado do Pará até o presente momento (quadro 2).

Tal fato serve como mais um subsídio que justifica a importância do trabalho aqui

desenvolvido, no sentido de agregar diversidade temática às pesquisas

educacionais do referido programa.

Além do estado da arte aqui apresentado, sobre Letramento e Ensino da

Música, a pesquisa está fundamentada em autores que direcionam suas atenções,

mais especificamente, ao processo de alfabetização. Um importante enfoque está

em analisar que, isoladamente, esse processo não prepara o indivíduo para usufruir

dos benefícios plenos que a linguagem escrita pode proporcionar para o convívio em

sociedade.

Xavier (2007) é um exemplo desses autores, ao afirmar que:

Em outras palavras, o sujeito alfabetizado ainda não experimentou os totais benefícios que as práticas socioculturais lhe podem trazer, tais como: a) entender textos mais sofisticados, que exigem uma compreensão mais profunda cujos enunciados contam com informações implícitas, pressupostas ou subentendidas; b) elaborar com frequência relatórios detalhados de trabalho; c) escrever textos argumentativos que defendam seu ponto de vista de modo claro e persuasivo; d) descrever com precisão e sutileza pessoas e ambientes vistos ou imaginados por ele, entre outros usos mais complexos que podem ser feitos com a escrita. (XAVIER, 2007, p. 2).

Portanto, de acordo dom Xavier (2007), é possível inferir que o processo de

alfabetização deva ser uma prática social dotada de elementos que extrapolem a

decodificação letrária. Por outro lado, vale ressaltar o fato de que os termos

letramento e alfabetização não caracterizam, necessariamente, consequências

naturais um do outro. Silva (2009) relaciona essas terminologias da seguinte

maneira:

Ultimamente, em nossa prática, discutir a alfabetização requer uma análise sobre a questão do letramento. Alguns autores têm trabalhado o assunto,

Page 26: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

26

por meio da oposição entre aqueles que sabem ler e escrever, mas que não relacionam adequadamente os textos com seus usos sociais, e os indivíduos que atuam na sociedade de maneira satisfatória, pois percebem e compreendem os usos sociais da leitura e da escrita, mesmo sem dominá-las. (SILVA, 2009, p. 12).

A associação entre Letramento e Alfabetização, a qual será mais

criteriosamente abordada nas etapas subsequentes da pesquisa, conta com amplo

quantitativo de produções publicadas.

O descritor “Letramento Musical”, aqui sugerido, não vem acompanhado da

pretensão de uma nova categoria educacional, mas como uma forma de análise que

compreenda o Ensino da Música para além da transmissão de conteúdos puramente

artísticos. Suas nuances podem contribuir com o desenvolvimento da capacidade de

aprendizagem em outras áreas e, na presente pesquisa, apresentarei a diagnose de

seus efeitos sobre o processo de alfabetização.

2.2 Metodologia: diretrizes utilizadas

A opção pelo detalhamento das diretrizes metodológicas utilizadas tem, como

principal objetivo, o esclarecimento dos procedimentos e instrumentos da presente

pesquisa. Cada elemento científico será, a seguir, contextualizado e relacionado, de

acordo com os propósitos gerais que serviram de base epistemológica para o

trabalho aqui apresentado.

Os princípios, ferramentas, direcionamentos e concepções metodológicas de

uma pesquisa representam, literalmente, os alicerces sobre os quais desenvolver-

se-ão as estruturas de investigação científica. Quanto mais consistentes, claras e

coerentes forem tais bases, maior será a credibilidade dos resultados alcançados.

A metodologia científica não pode ser concebida como um processo fechado,

incapaz de submeter-se a transformações. Trata-se de um conjunto de

procedimentos passíveis de eventuais flexibilizações, de acordo com os caminhos

traçados e os possíveis “imprevistos” vivenciados ou observados pelo pesquisador.

Rodrigues (2006) apresenta sua concepção, acerca dos elementos formadores

dessa gama de fatores:

Assim, pode-se dizer que a Metodologia Científica consiste no estudo, na geração e na verificação dos métodos, das técnicas e dos processos utilizados na investigação e resolução de problemas, com vistas ao

Page 27: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

27

desenvolvimento do conhecimento científico. O conhecimento científico se constrói por meio da investigação científica, da pesquisa, utilizando-se a Metodologia. (RODRIGUES, 2006, p. 19).

Em educação, as análises epistemológicas requerem especial atenção por

parte do pesquisador, uma vez que a complexa trama de elementos, formada por

alunos, professores, instituições de ensino, projetos pedagógicos etc., encontra-se

em constante processo de transformações e/ou adaptações. Nesta área, as atuais

concepções de construção dos conhecimentos científicos apontam para um olhar

mais ampliado, sem dicotomias entre sujeito e objeto, além da valorização dos

diferentes saberes.

O rigor científico não deve estar, necessariamente, atrelado a hegemonias de

conhecimento, sejam elas geográficas ou ideológicas. Sobre a necessidade de uma

“pluralidade” metodológica, Santos (1997) ratifica que:

O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade. As condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local. Um conhecimento desse tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica. Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. (SANTOS, 1997, p. 48).

Minhas abordagens metodológicas foram gradativamente definidas, buscando

caminhos e diretrizes que não moldassem o objeto de estudo a teorias pré-definidas,

mas fornecessem subsídios que, de fato, fundamentassem os esclarecimentos

pretendidos e, principalmente, favorecessem à melhoria de processos educacionais

que, longe da pretensão de esgotar as possibilidades investigativas acerca do

Letramento Musical, sirvam como contribuição para futuros e mais amplos trabalhos

investigativos.

A presente pesquisa possui abordagem qualitativa, entretanto, não julgo

descartáveis algumas utilizações de elementos quantitativos. Normalmente, os

termos qualitativo e quantitativo são tratados como antagônicos, não sendo raras as

ocasiões em que a escolha por um, automaticamente, elimina a possibilidade do

outro. Rodrigues (2006) classifica a pesquisa quantitativa da seguinte maneira:

Pesquisa quantitativa: quando a abordagem está relacionada à quantificação, análise e interpretação de dados obtidos mediante pesquisa, ou seja, o enfoque da pesquisa está voltado para a análise e a interpretação dos resultados, utilizando-se da estatística. Portanto, empregam-se

Page 28: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

28

recursos e técnicas estatísticas, como porcentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de progressão etc. Também são utilizados programas de computador capazes de quantificar e representar graficamente os dados. (RODRIGUES, 2006, p. 89).

Já com relação ao enfoque qualitativo, o mesmo autor segue afirmando:

Pesquisa qualitativa: quando não emprega procedimentos estatísticos ou não tem, como objetivo principal, abordar o problema a partir desses procedimentos. É utilizada para investigar problemas que os procedimentos estatísticos não podem alcançar ou representar, em virtude de sua complexidade. Entre esses problemas, podemos destacar aspectos psicológicos, opiniões, comportamentos, atitudes de indivíduos ou de grupos. Por meio da abordagem qualitativa, o pesquisador tenta descrever a complexidade de uma determinada hipótese, analisar a interação entre as variáveis e ainda interpretar os dados, fatos e teorias. (RODRIGUES, 2006, p. 90).

É possível observar, de acordo com os posicionamentos de Rodrigues (2006),

que há diferenças entre os enfoques mencionados. Entretanto, acredito na

ampliação dos campos de observação e análise e, neste sentido, o pesquisador

pode apropriar-se de um tipo de abordagem, mas sem excluir totalmente as

possibilidades do outro. Isso pode contribuir para maior alcance e flexibilização do

trabalho epistêmico, diminuindo a margem para eventuais falácias.

A quantificação de dados ou resultados pode contar com uma análise mais

aprofundada, para além da esfera numérica. Por outro lado, uma abordagem

qualitativa também é passível de elementos quantitativos, que embasem seus

procedimentos.

Em suma, por se tratar de uma investigação correlativa entre letramento

musical e o processo de alfabetização, considero que a abordagem da presente

pesquisa possui uma predominância qualitativa, ainda que contemple elementos

quantitativos, como a utilização dados numéricos em gráficos e tabelas,

posteriormente demonstrados.

2.3 Lócus da pesquisa

Como mencionado anteriormente, a escolha das instituições de ensino para

os efeitos dessa pesquisa teve, como critérios básicos, os seguintes elementos: a)

pertencerem à rede pública e Estadual de ensino; b) estarem localizadas na região

Page 29: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

29

central da cidade de Belém – PA; c) uma instituição possui estrutura sistematizada

para o ensino da música, enquanto a outra, não; d) há proximidade física entre as

duas escolas (menos de trezentos metros de distância).

A primeira instituição selecionada foi a Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Pinto Marques. O nome é uma homenagem ao professor e ex-

secretário da Instituição Pública, no ano de 1878, Felipe Pinto Marques (1844 –

1883) que, mesmo não tendo concluído os estudos por conta de sua saúde frágil,

tornou-se um respeitado professor de língua Portuguesa e Francesa.

Inicialmente, o “Grupo Escolar” Pinto Marques funcionou no bairro do Souza.

No dia 19 de abril de 1944, por determinação do então interventor Joaquim de

Magalhães Cardoso Barata (1888 – 1959), foi transferido para a Avenida São

Gerônimo, nº427, atual Avenida Governador José Malcher, nº 861 (bairro Nazaré,

Belém – PA). A figura 1 representa a fachada da instituição:

Figura 1 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Pinto Marques

Fonte: http://escolapintomarques.blogspot.com.br/

Atualmente, sob a orientação da professora de música Raquel Veiga, a

EEEFM Pinto Marques funciona como constante campo de estágio para os

estudantes de graduação em Licenciatura Plena em Música (UEPA e UFPA),

preparando os futuros professores com atividades práticas, relacionadas à docência

musical. Dessa maneira, os alunos da instituição são incentivados a desenvolverem

ações direcionadas ao canto popular, flauta doce, violão e percussão.

As atividades ocorrem em aulas regulares de música, pertencentes à grade

curricular da instituição, inclusive com processos avaliativos pré-determinados, os

Page 30: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

30

quais ocorrem de acordo com o calendário anual da escola5. Além disso, a Profª.

Raquel Veiga coordena diversos trabalhos artístico/musicais, como o grupo musical

“Maneiras”, formado por alunos das séries mais avançadas.

A segunda instituição selecionada foi a Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Deodoro de Mendonça. Situada no nº 1622 da Avenida

Governador José Malcher (bairro Nazaré, Belém – PA), foi fundada em 30 de janeiro

de 1970, durante a primeira gestão do então governador Alacid da Silva Nunes

(1924 – 2015). É considerada uma das principais escolas públicas da capital

paraense.

O patrono da instituição, Deodoro Machado de Mendonça (1889 – 1968), foi

bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e participou ativamente de importantes

projetos políticos e educacionais, como a fundação da Universidade Federal do

Pará. Foi integrante da Comissão Constitucional organizadora da Carta Magna de

19466 e aposentou-se como deputado federal. Abaixo, a figura 2 é a representação

da fachada atual da instituição:

Figura 2 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Deodoro de

Mendonça

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-i_70F5uBrOM/VMuv7

5 As atividades de educação musical, praticadas na instituição, são baseadas na sistematização

metodológica proposta pela professora Cecília Cavalieri França. Os detalhamentos de tais diretrizes constam nas etapas subsequentes da presente pesquisa. 6 A Constituição, ou Carta Magna de 1946, foi promulgada em 18 de setembro do mesmo ano, sendo

construída com um corpo principal de 218 artigos; somando-se mais 36 artigos em ADCTs (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Page 31: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

31

Apesar de contar com projetos de oficinas de música, direcionados a

apresentações em desfiles e comemorações cívicas, a EEEFM Deodoro de

Mendonça não oferece, em sua grade curricular, aulas regulares e sistematizadas

de música para os alunos na fase educacional que contempla o objeto da presente

pesquisa (6º ano).

As duas escolas selecionadas oferecem modalidades educacionais

relacionadas ao ensino fundamental e médio. Entretanto, de acordo com

informações fornecidas pela direção da EEEFM Deodoro de Mendonça, essa

instituição possui um projeto futuro de eliminação do direcionamento para a

educação “fundamental”, passando a oferecer apenas o ensino médio.

Minhas visitas às escolas analisadas foram iniciadas em agosto de 2015. No

primeiro contato, procurei as respectivas diretorias para apresentar o projeto,

esclarecendo os objetivos da pesquisa e seu enquadramento como investigação

científica. Observei boa receptividade por parte dos gestores, os quais, prontamente,

concederam permissão para o desenvolvimento do trabalho de coleta de dados.

A diretoria da EEEFM Pinto Marques esclareceu que as atividades musicais

eram regulares e desenvolvidas por profissionais licenciados em música ou artes,

atendendo a todos os alunos da instituição. Já na EEEFM Deodoro de Mendonça,

constatei que o foco baseava-se na formação de grupos musicais, voltados a

apresentações pontuais, como desfiles escolares e, dessa maneira, não

contemplava todos os discentes, apenas os interessados em compor tais formações

(normalmente oriundos das séries mais elevadas).

Após uma análise preliminar da grade de horários de cada instituição,

elenquei as duas turmas de 6º ano (antiga 5ª série) como foco das análises, bem

como as respectivas professoras responsáveis pela parte de leitura e escrita de

língua portuguesa. A partir de então, agendei a próxima visita, a qual seria destinada

ao início do processo de coleta de dados, baseado na aplicação de questionários

direcionados às discentes (demonstrados nas seções subsequentes).

A escolha das turmas foi aleatória, baseada apenas na adequação de

horários para que não houvesse grandes impactos sobre o decorrer das aulas

regulares, visto que o período letivo estava em pleno andamento. Optei pelo turno

matutino, pela maior concentração de alunos no nível de aprendizagem em questão.

Um fato interessante a ser mencionado foi minha observação do interesse,

por parte dos dois gestores, em contribuir com uma pesquisa educacional voltada a

Page 32: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

32

investigação científica de saberes relacionados ao desenvolvimento da leitura e

escrita, bem como (co) relacionar isto a uma área aparentemente distinta, como a

música.

Reitero que a escolha do lócus da pesquisa buscou minimizar as possíveis

variáveis sociais e geográficas, uma vez que as escolas selecionadas pertencem à

rede pública de ensino e estão localizadas no mesmo bairro e rua da cidade de

Belém - PA, situadas, aproximadamente, a trezentos metros de distância uma da

outra.

A seguir, apresento o detalhamento do processo de coleta de dados, bem

como a demonstração dos instrumentos utilizados.

2.4 Instrumentos de coleta de dados

Como instrumentos de coleta de dados, utilizei dois questionários

semiestruturados. O primeiro, com o intuito de investigar a avaliação das professoras

quanto ao nível de leitura e escrita dos alunos, foi baseado no modelo desenvolvido

pela Prof.ª Adriana Lourenço7. Trata-se de um conjunto de sete perguntas fechadas,

com cinco possibilidades de respostas para cada uma (anexo A).

O segundo questionário, direcionado aos alunos, foi selecionado a partir de

uma avaliação diagnóstica de Língua Portuguesa para o 6º ano8. Contando com

quatro questões objetivas e uma dissertativa, tem como foco a análise do nível de

compreensão textual dos alunos, bem como um breve mapeamento do Letramento

Musical a partir de uma atividade que relacione a percepção auditiva e a produção

textual9 (anexo B).

As figuras 3 e 4, respectivamente, representam os referidos instrumentos de

coleta de dados:

7 Graduada em Pedagogia (UNIDAVI), com pós-graduações em: Pedagogia Gestora (AUPEX),

Educação Especial (AUPEX), Psicopedagogia Clinica e Institucional (UNIASSELVI), Mídias na Educação (UFRS). Além de ter ocupado diversos cargos de gestão educacional, atualmente, possui um site especializado em educação denominado “Ação Pedagógica”, com ênfase em propostas de atividades docentes e parâmetros avaliativos. 8 SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS, SUPERINTENDENCIA

REGIONAL DE ENSINO DE ITAJUBÁ, DIRETORIA EDUCACIONAL – Disponível em: [email protected]. Rua Tabelião Tiago Carneiro Santiago, 364 – BPS – Itajubá – MG. Extraído de um caderno de 16 questões baseadas na Matriz Curricular do Ciclo Complementar. 9 Baseada na atividade desenvolvida pelas professoras Jusamara Souza e Maria Cecília de Araújo

Torres (atividade 6 – “As Quatro Estações”, de Antônio Vivaldi), publicada no primeiro número da revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM - 2009).

Page 33: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

33

Figura 3 – Questionário direcionado às professoras

Fonte: Lourenço (2015)

Page 34: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

34

Figura 4 – Questionário direcionado aos alunos

Fonte: Souza e Torres (2009, p. 58)

Page 35: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

35

2.5 A fenomenologia como base epistêmica

A Fenomenologia, como método científico, foi estruturada por Edmund Gustav

Albrecht Husserl (1859 – 1938). Nascido no antigo império austríaco, este

matemático e filósofo rompeu com o paradigma positivista de ciência, característico

de sua época. Sua principal crença para a criação de uma nova corrente epistêmica

é a premissa de que a essência de um objeto pode ser conhecida por meio da

experiência, sem, contudo, limitar o processo ao mero empirismo.

Vale ressaltar que o termo fenomenologia antecede as concepções filosóficas

de Husserl. As raízes etimológicas da palavra são de origem grega, a qual pode ser

dividida em duas partes: phainesthai, ou “aquilo que se mostra”; e logos, que

significa “estudo”.

A primeira utilização dessa descrição, como elemento de investigação

científica, data de meados do séc. XVIII, com o matemático suíço Johann Heinrich

Lambert (1728 – 1777). Rodrigues (2006) descreve o método fenomenológico da

seguinte maneira:

O método fenomenológico é o estudo dos fenômenos, em si mesmos, apreendendo sua essência, estrutura de sua significação. Pode-se dizer que é uma “volta às coisas mesmas”, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. É um método sem pressuposições. (RODRIGUES, 2006, p. 142).

Com as considerações do autor, é possível inferir que o foco não é a

explicação dos fenômenos com leis previamente estabelecidas, mas demonstrar o

que é dado e buscar esclarecimentos, a partir de como isto se apresenta à

consciência. A intenção é proporcionar uma descrição da experiência tal como ela

se apresenta.

É importante destacar uma das objeções a esse método: o questionamento

quanto a uma maneira, totalmente desprovida de pressuposições, de abordar o

mundo. Entretanto, a partir do paradigma pós-moderno de ciência10, essa

concepção mais “rígida” vem sendo modificada, com flexibilizações a esse respeito.

10 A ideia de Pós-Modernidade, também denominada Paradigma Emergente, é um conjunto de

atitudes que caracterizam uma nova forma de construção do conhecimento. Em termos gerais, poderíamos entender essas novas abordagens como uma espécie de flexibilização da ciência. Os primeiros anos do século XX caracterizam o marco da Pós-Modernidade, ainda que esta terminologia passasse a ser, de fato, empregada em meados dos anos 1950. Essa nomenclatura ficou comumente

Page 36: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

36

A fenomenologia não dá forma ao objeto analisado. Pelo contrário, ela analisa

as manifestações a partir do próprio alvo de investigação, como afirma Josgrilberg

(2015):

A fenomenologia é uma evidenciação analítica e descritiva das condições fenomenológicas do objeto. A linguagem recolhe aspectos do sentido em significados o que possibilita a descrição, uma descrição que acontece à margem de toda explicação empírica. A fenomenologia não inventa ou constrói a coisa visada; é a coisa mesma que se manifesta. Não se trata de sobrepor nossa estrutura mental ou psicológica à coisa que se manifesta. O objeto intencional não se confunde com as condições psicológicas, históricas, científicas ou culturais. (JOSGRILBERG, 2015, p. 8).

No âmbito educacional, a fenomenologia pode apresentar-se como pilar de

investigação, desde que seus princípios estejam de acordo com os propósitos da

pesquisa em questão. Aspectos relacionados à observação do desempenho de

alunos, por exemplo, dependendo dos objetivos almejados, podem utilizar este

método como ferramenta científica.

Entendendo a educação como uma área indissociável do desenvolvimento

humano, a fenomenologia pode analisar a formação do homem a partir da revelação

das características de sua essência. Josgrilberg (2015) refere-se a essa relação da

seguinte maneira:

A vivência da educação é inseparável da vida e nos acompanha em cada passo. A experiência da educação nos abre a percepção de um ser humano que se desenvolve educando-se. A experiência da educação nos remete de imediato à fenomenologia genética que revela a constituição do ser humano em sua formação no tempo. O ser humano revela suas características essenciais em formação. O ser humano está sendo. A educação aparece na base da antropogenética. (JOSGRILBERG, 2015, p. 9).

Portanto, a partir da concepção onde o fenômeno educativo é, também, um

fenômeno da convivência humana, entendo que a fenomenologia busca a ambiência

social desse processo que, mesmo tendo um membro da natureza como objeto (o

homem), trata-se de algo com iminente intervenção. De acordo com Josgrilberg

(2015, p. 10) “podemos compreender que somos natureza, mas natureza

transformada culturalmente”.

conhecida entre especialistas das Ciências Sociais a partir de estudos sobre a modernidade, realizados entre os anos 1950 e 1960.

Page 37: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

37

Com relação à aplicabilidade da fenomenologia à educação, Josgrilberg

(2015) segue afirmando que:

A educação implica em diferentes comportamentos e atitudes em face desses “mundos”. Pessoas e mundos implicam em diversidade na educação. Seguindo a fenomenologia freiriana podemos falar da necessidade de uma leitura do mundo, ou da leitura dos mundos, que acompanha a ação educativa. Os mundos com os quais a educação trabalha são formados em uma variedade de categorias que pode envolver idade, grupo social, interesse, necessidades, culturas, etc. Um princípio essencial que decorre dessa consideração dos mundos em que vivemos é: a educação acontece na relação entre diferentes mundos que são compartilhados. Esse princípio, a necessidade de leitura de mundos e de compartilhamento de diferentes mundos, já coloca a fenomenologia da educação no seu prolongamento hermenêutico. (JOSGRILBERG, 2015, p. 11).

Em suma, dentre outros métodos científicos, meu destaque à fenomenologia,

relacionada à referida pesquisa educacional, justifica-se pelo enfoque ao estudo da

essência do objeto a partir dos fenômenos originários das ações pedagógicas. O

presente trabalho visa à análise fenomenológica do letramento musical e suas

repercussões sobre o processo de alfabetização.

2.6 Autor base: Keith Swanwick

Minhas análises, acerca da influência do Letramento Musical sobre a

alfabetização, partem da premissa de que o ensino da música, não

necessariamente, deve estar exclusivamente atrelado ao objetivo artístico. Como

base para essa concepção, acerca da utilização da Educação Musical como auxílio

ao desenvolvimento da aprendizagem, busquei, entre outros autores, os estudos do

pesquisador e educador musical inglês Keith Swanwick (1931), representado pela

figura 3:

Figura 3 - Keith Swanwick

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/entrevista-keith-swanwick-sobre-ensino

Page 38: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

38

O trabalho pedagógico integrado, congregando o fazer musical a outras áreas

do conhecimento, é um dos pilares defendidos por Swanwick. De acordo com suas

concepções, o próprio ato de ouvir música não deve ser compreendido como uma

atividade analítico/intelectual, mas uma relação dialética e fluente de combinação

entre diversas categorias. “Escutar sons como música exige que desistamos de

prestar atenção nos sons isolados e que experimentemos, em vez disso, uma ilusão

de movimento, um sentido de peso, espaço, tempo e fluência”. (Swanwick, 2003,

p.30).

Segundo o autor, “a música é uma forma de discurso tão antiga quanto a raça

humana” (Swanwick, 2003, p.18). Portanto, enquanto “discurso”, a música pode ser

considerada um processo de Transformação Metafórica, para o qual Swanwick

(2003) sugere uma divisão continuada em diferentes níveis:

- Notas são ouvidas como melodia. “Gestos musicais”: “MATERIAIS TRANSFORMAM-SE EM EXPRESSÃO”. - A partir de relações internas essas melodias assumem vida própria. “Forma Musical”: “EXPRESSÃO TRANSFORMA-SE EM FORMA”. - Melodias relacionam-se com o conhecimento prévio. “Sensibilidade para aprender o ser de outras pessoas”: “FORMA TRANSFORMA-SE EM VALOR”. (SWANWICK, 2003, p. 32).

Keith Swanwick parte do princípio de que qualquer conhecimento deve

obedecer a etapas, de acordo com o desenvolvimento psicológico de quem o

estuda. Neste sentido, mesmo que os propósitos do ensino da música estejam

direcionados ao desenvolvimento intelectual e, não necessariamente, voltados à

técnica instrumental, o educador deve adequar suas práticas às especificidades de

aprendizagem do aluno.

Por seus posicionamentos, diante dos caminhos e objetivos da Educação

Musical, os quais primam pela utilização do ensino da música como ferramenta

didática, em prol do desenvolvimento intelectual do indivíduo, elenquei o autor

supracitado como um dos pilares desta investigação científica.

Congregar dois tipos de letramentos, do ponto de vista analítico de suas (co)

relações, requer uma seleção bibliográfica baseada em autores que valorizem as

contribuições dialéticas entre diferentes áreas do conhecimento, buscando uma

educação integrada. Keith Swanwick é um exemplo desse tipo de concepção

pedagógica e, para os fins da presente pesquisa, serviu como autor base.

Page 39: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

39

Suas concepções pedagógicas, acerca dos benefícios do ensino da música

sobre a aprendizagem, serão detalhadas nas etapas subsequentes do trabalho aqui

apresentado.

A seguir, a próxima seção refere-se ao desenvolvimento do referencial

teórico. O letramento, a alfabetização e a música serão abordados, desde suas

concepções conceituais até princípios histórico/evolutivos, bem como suas relações

dialéticas em processos educacionais.

Page 40: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

40

3 REFERENCIAL TEÓRICO: LETRAMENTO, ENSINO DA MÚSICA E

ALFABETIZAÇÃO

Nesta seção, demonstrarei alguns conceitos acerca do termo letramento, bem

como sua relação com o processo alfabetizador. Além disso, algumas nuances

evolutivas e aplicativas da educação musical e, por fim, as possíveis repercussões

do letramento musical sobre os processos de aprendizagem da linguagem escrita.

As primeiras diretrizes estão baseadas em autores que defendem a

importância da leitura de mundo, leitura de lugar e do espaço existencial do

acontecer humano, em prol de uma alfabetização que, de fato, instrumentalize o

indivíduo para otimizar suas relações sociais por meio da leitura/escrita.

Na educação brasileira, o termo letramento foi utilizado pela primeira vez em

meados da década de 1980. Segundo Silva (2009):

O termo letramento chegou até nós em meados da década de 80, quando autoras, como Mary Kato, em 1986, Leda Verdiani Tfouni, em 1988, Ângela Kleiman, em 1995 e Magda Soares, em 1998, produziram artigos a respeito do termo e de seu significado. (SILVA, 2009, p. 12).

Essas autoras estabeleceram uma diferença e uma relação entre as comuns

associações do letramento com a alfabetização que, frequentemente, são tratados

como sinônimos. Apesar de uma conexão dialética, é importante desmembrar as

duas categorias, de acordo com as definições de Tfouni (2002):

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. [...] O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. [...] Desse modo, o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social. (TFOUNI, 2002, p. 9-10).

De acordo com minhas observações sobre a autora, uma das primeiras a

utilizar o termo no Brasil, o letramento é mais amplo que a alfabetização, pois está

mais relacionado com os efeitos sociais da aprendizagem do que, necessariamente,

ao ato de aquisição das habilidades para ler e escrever.

Em suma, a alfabetização refere-se ao ato educacional para a leitura e a

escrita, já o letramento tem como foco os resultados dessa ação, como afirma

Soares (2003):

Page 41: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

41

Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita. (SOARES, 2003, p. 18).

Os significados do termo letramento podem apresentar algumas variações, de

acordo com o autor que o emprega. Entretanto, as convergências estão no sentido

de sua importância para o meio social, para além da simples ação de leitura e/ou

escrita de determinada língua. As especificidades entre o letramento e a

alfabetização serão abordadas a seguir.

3.1 Especificidades entre letramento e alfabetização

Desde as primeiras ocorrências do descritor letramento, em publicações

educacionais brasileiras, seus precursores já se preocupavam com a dissociação,

em termos semânticos, da alfabetização. A esse respeito, Silva (2009) esclarece

que:

[...] há uma diferença clara entre aquisição da língua (oral e escrita) e o processo de desenvolvimento da língua. A alfabetização corresponde àquele sentido, visto que ela é o processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. A alfabetização é um processo de compreensão/expressão de significados expressos em uma língua escrita. [...] O conceito de letramento, como já foi destacado anteriormente, refere-se a um conjunto de comportamentos que se caracterizam por sua variedade e complexidade. [...] Há duas dimensões para o letramento: uma individual e outra social. A dimensão individual refere-se à posse individual de habilidades de leitura e escrita. [...] A dimensão social do letramento refere-se à prática social, ou o que as pessoas fazem com as habilidades e os conhecimentos de leitura e escrita, em determinado contexto. (SILVA, 2009, p. 79-81).

É importante salientar que, apesar das distinções no campo semântico, as

habilidades não estão dissociadas de seus usos. Ou seja, a dimensão social do

letramento relaciona a aprendizagem do código letrário para o convívio em

sociedade.

Observadas as relações intrínsecas e as diferenças semânticas entre

letramento e alfabetização, não é correto, contudo, afirmar que um seja a

consequência natural do outro. De acordo com Soares (2003, p. 18) é possível que

Page 42: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

42

um indivíduo seja analfabeto, portanto, não saiba ler e escrever, mas, de certa

forma, seja letrado, pois realiza os usos sociais da leitura/escrita.

Ao analisar o fato de que o letramento não é condição sine qua non da

alfabetização, pude constatar, por outro lado, a importância da combinação entre

essas categorias em uma sociedade grafocêntrica11. Para ratificar essa perspectiva,

apresento as considerações de Silva (2009), ao afirmar que:

O analfabeto não é iletrado, pois ele envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Entretanto, em uma sociedade grafocêntrica, somente este envolvimento não basta. É relevante que o sujeito apreenda os mecanismos para que conquiste sua cidadania plena. (SILVA, 2009, p. 84).

Com relação ao papel da educação, em prol do desenvolvimento do indivíduo

frente às suas realidades, Silva (2009) apresenta seu posicionamento crítico,

sugerindo a revisão das bases tradicionais em processos educacionais da seguinte

maneira:

[...] A educação deve estar aberta para permitir que o indivíduo chegue a ser sujeito, construindo-se como pessoa, capaz de transformar o mundo, de estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, de criar a cultura e a história. Para isso, a educação precisa estar comprometida com a libertação, devendo rever profundamente os sistemas tradicionais, os programas e os métodos, que, muitas vezes, deixam de lado o educando, tornando-o objeto e ignorando sua realidade história. (SILVA, 2009, p. 83).

Entendo, portanto, que os processos educacionais devam considerar que,

mesmo enquadrados em categorias distintas (mas relacionadas), a alfabetização e o

letramento podem desenvolverem-se paralelamente. Ou seja, a aquisição das

habilidades referentes à linguagem escrita pode ser combinada aos aspectos sociais

da utilização desses saberes.

3.1.2 Letramento em mídias textuais como práticas sociais na escola

Em termos de desenvolvimento social, as habilidades de leitura e escrita

estão diretamente vinculadas à visão contemporânea de evolução qualitativa. De

acordo com Mello e Ribeiro (2004):

11 Sociedade que baseia seu desenvolvimento intelectual, social e cultural na leitura e escrita de

determinada língua, a partir do ordenamento de códigos e/ou símbolos.

Page 43: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

43

As habilidades de ler e escrever passam a ser consideradas como condição essencial ao desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida. De certa forma, a escrita determina a própria existência dos sujeitos e o seu modo de viver. Assim, a ideia da necessidade e da essencialidade da leitura e da escrita para os sujeitos passa a ser lugar comum em todas as instâncias sociais. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 129).

O acesso a informação, por intermédio de veículos midiáticos essencialmente

vinculados à leitura (jornais, revistas, textos da internet etc.), representa uma

importante ferramenta para o letramento. Assim, letramento e alfabetização são

elementos mutuamente otimizadores, de maneira cíclica: as habilidades de leitura

facilitam a decodificação das informações que, quanto melhor compreendidas,

podem estimular a busca por novas leituras.

Na prática docente, atividades que envolvam leitura de jornais e revistas, por

exemplo, devem ocorrer de maneira criteriosa, desde a escolha dos títulos até a

compreensão dos enunciados. Sobre esses veículos de comunicação, Mello e

Ribeiro (2004) seguem esclarecendo que:

Acrescenta-se, pois, a necessidade de análises mais cuidadosas a respeito das contribuições, para a prática docente, da utilização de jornais e revistas. Na verdade, cabe investigar de que modo a utilização de jornais e revistas contribui para a constituição de um sujeito leitor. [...] Há, pois, que se destacar que a questão da leitura/escrita não pode ser restrita (apenas) a esta dimensão individual. É necessário ultrapassar a simples ideia de que “ler é bom”. Há, também, aí uma dimensão pragmática (que deve ser reconhecida) segundo a qual saber ler/escrever transforma-se em requisito, inclusive, para a organização da vida diária. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 130).

A inserção das autoras supracitadas serve como base para a concepção de

que o conteúdo direciona o sentido da leitura. Portanto, passa a ser o objetivo dessa

habilidade, fazendo com que o leitor, na busca pela compreensão do texto,

mantenha a concentração e tenha interesse pelo ato de ler.

A procura por estratégias que possibilitem o acesso a informação, enquanto

elemento propulsor do potencial de educabilidade, tem marcado o discurso e as

práticas pedagógicas da atualidade. Um dos conceitos é que, quanto mais prazerosa

a relação entre o aluno e o saber, mais efetivo será o processo de aprendizagem.

Neste sentido, a escola deve oferecer experiências didáticas que contextualizem o

aluno com suas realidades e seu cotidiano.

Page 44: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

44

Para o letramento com ênfase em mídias textuais, mantendo o exemplo em

revistas e jornais, destaco o posicionamento de Mello e Ribeiro (2004) a respeito dos

títulos:

Os títulos ficam em destaque em relação à notícia. Desempenham algumas funções que caracterizam sua identidade, em termos do que pretendem informar como: - antecipa a informação, chamando a atenção do leitor e, ao mesmo tempo, oferecendo uma síntese sobre o assunto abordado; - indica a ideia central contida no texto, provocando no leitor a expectativa do que será relatado; - constitui o enfoque mais relevante da notícia; é também chamado de manchete; - auxilia na estética do jornal ou da revista. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 135).

Acerca do trabalho pedagógico/social com a leitura e compreensão de jornais

e revistas, tal ação possibilita que os alunos mantenham-se informados sobre

acontecimentos cotidianos, estimulando a participação em comentários ou

discussões referentes ao convívio social, acontecimentos da comunidade e opiniões

que reflitam as perspectivas dos discentes em relação ao futuro do ambiente em que

vivem.

Entretanto, o texto em questão deve representar mais que mera fonte de

informação, passando a assumir, também, um caráter de elemento estimulador de

outras fontes de leituras, além da produção textual por parte dos alunos. De acordo

com Mello e Ribeiro (2004):

[...] Em algumas escolas, um texto jornalístico é tomado apenas como fonte de informação e não como técnica para estimular formas de leitura mais complexa nem como recurso para estimular a produção de textos. Nesse sentido, o professor fará uso tanto das narrativas convencionais quanto das narrativas da imprensa, marcando em termos do texto jornalístico: - a concretude da narrativa; - a expressão das aparências e não da sugestão; - texto sintético; - limitação do repertório verbal; - redação na terceira pessoa. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 136-137).

Em termos gerais, a utilização de canais informativos, como ferramenta de

estímulo ao letramento, pode representar uma estratégia de estreitamento entre o

aluno, o hábito da leitura/escrita e o contato com as questões de seu meio social.

Para tanto, os critérios de inserção desses veículos midiáticos, na prática

pedagógica, devem ser cuidadosamente elaborados, com a observação

Page 45: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

45

contextualizada em cada nível de aprendizagem e, sobretudo, a ênfase ao

desenvolvimento crítico do aluno.

3.1.3 Leitura de mundo e leitura da palavra escrita

O termo “leitura de mundo” pode apresentar-se como algo amplo, subjetivo e,

por vezes, intangível. De acordo com Perez (2004, p. 18) “ler o mundo significa

apreender a linguagem do mundo, traduzindo-o e representando-o”. A essa

concepção, acrescento a localidade do educando, com suas práticas sociais, sua

fala, seus saberes culturais, seu ambiente familiar e sua bagagem intelectual.

Associando o processo de alfabetização escolar à leitura de mundo, Silva

(2009) ressalta que:

Alfabetizar na perspectiva da leitura de mundo significa respeitar os saberes dos educandos, valorizando-se todas as potencialidades dos indivíduos, para que efetive um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades, em que todos tenham acesso a informações, manifestações culturais, trocas de experiências etc. [...] A leitura de mundo começa, então, pela leitura do lugar, do espaço existencial do acontecer humano. Parte, assim, das ideias de que o educando elaborou e de que não foram ensinadas pelo professor, mas construídas pelo aprendiz. E revela a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente construindo. (SILVA, 2009, p. 85-86).

A leitura de mundo não é, de acordo com a autora, algo estritamente

relacionado à dinâmica professor-aluno mas, principalmente, representa a

compreensão do educando acerca do ambiente geográfico, social e cultural em que

está inserido. Portanto, entendo que os processos de aquisição de conhecimentos

envolvem, além da escola, diversos atores sociais como os membros da família, os

amigos, os vizinhos etc.

Além disso, o ato de “ler o mundo” também envolve as iniciativas do próprio

educando, para a resolução de um possível problema. Tal esforço de autorreflexão

deve ser incentivado e valorizado, como ratifica Silva (2009):

O aluno faz um investimento a cada nova hipótese apresentada para a resolução de um problema, uma questão, um exercício. Este esforço precisa ser reconhecido, porque, caso contrário, poderá não haver mais investimento das próximas vezes. É preciso que haja um diálogo entre o que se quer que o estudante aprenda e o que ele pensa, uma lógica para onde se mova todo o seu esforço. (SILVA, 2009, p. 87).

Page 46: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

46

Na análise apresentada pela autora, um importante aspecto a ser considerado

é a dinâmica entre a aprendizagem e as concepções do aluno. Sob esta égide, a

leitura de mundo passa pela combinação entre novos conceitos e os saberes já

estabelecidos.

[...] Torna-se cada vez mais necessário valorizar os conhecimentos trazidos pelo educando até à escola. Essa valorização dos saberes construídos fora das instituições escolares é condição para que os alunos tomem consciência do que sabem e de quanto sabem. (SILVA, 2009, p. 89).

Os conhecimentos adquiridos, aliados àqueles pré-existentes, não

representam, contudo, o único caminho para o desenvolvimento da leitura de

mundo. A contextualização da aprendizagem à vida prática também auxilia o aluno

no sentido de ampliar sua compreensão acerca da realidade educacional pretendida.

Baseio tal entendimento sobre as seguintes considerações de Silva (2009):

Estabelecer elos entre os conteúdos e a vida prática significa que a escola deve possibilitar vivências com a leitura e a escrita que tenham relevância e significado para a vida da criança, permitindo-lhe refletir sobre sua realidade e compreendê-la. Desta forma, o aprendizado da língua vai sendo conquistado em um processo de tentativas, aproximações, confrontos e conflitos, construindo conhecimentos e incorporando-os à sua atividade cotidiana. (SILVA, 2009, p. 88).

A alfabetização, compreendida como a leitura da palavra escrita, deve

abarcar conteúdos que envolvam o universo sociocultural dos alunos. Essa

abordagem, de acordo com Silva (2009, p. 89-90), está relacionada com a “forma

que eles leem o mundo e como compreendem a realidade social em que vivem.”

Portanto, apresento como fundamental a concepção em que, valorizar o contexto e

as realidades do educando, otimizam os resultados da aquisição de habilidades em

leitura/escrita.

Para tanto, os conteúdos escolares não devem priorizar o método em

detrimento ao sentido da aprendizagem. A esse respeito, Silva (2009) apresenta o

seguinte esclarecimento:

Os conteúdos precisam fazer sentido [...]. E fazer sentido é estabelecer relações, aproximar-se da realidade vivida, muito mais do que se preocupar simplesmente com a forma, na busca de um melhor método ou da melhor cartilha. (SILVA, 2009, p. 91).

Page 47: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

47

Os apontamentos da autora indicam que o sentido da linguagem escrita pode

nortear a estruturação dos caminhos didáticos da alfabetização. A sintetização da

relação entre a leitura de mundo e a leitura da palavra escrita é, portanto,

organizada por Silva (2009, p. 92) a partir dos conteúdos, os quais devem “ser

extraídos da necessidade de a criança se conhecer e conhecer mais o mundo a sua

volta.”

Minhas representações, a esse respeito, foram construídas a partir da

compreensão de que as palavras não estão soltas. Pelo contrário, elas são

dialeticamente ligadas à realidade, na medida em que os alfabetizandos são

capazes de apresentar suas próprias descrições sobre sua realidade, associando-a

ao que leem ou escrevem.

3.1.4 O letramento escolar compreendido em diferentes dimensões

A concepção do letramento como um conjunto de práticas discursivas de uso

efetivo da linguagem, no que diz respeito à fala, à leitura e à escrita, compreende, na

sociedade brasileira, um contexto de diferenças sociais, econômicas e culturais.

Portanto, de acordo com Leal (2004, p. 53) “não é possível falar do alcance de um

determinado nível ou grau de letramento, mas que existem situações diferenciadas e

manifestações diferenciadas, frutos desse contexto desigual.”

A partir da observação dessas diferenças, é importante salientar que, no

espaço escolar, também apresentar-se-ão diversidades quanto aos resultados dos

processos educacionais de letramento, como sugere Leal (2004):

Se letrar, do ponto de vista social, é perceber o que acontece na sociedade quando esta se apropria das práticas de escrita, sabemos que a análise desse letramento em determinados espaços nos revelará resultados diferentes, porque, para além do que se aprende individualmente, os recursos ao letramento são profunda e marcadamente desiguais. (LEAL, 2004, p. 53).

Os diversos espaços sociais, nos quais os alunos estão inseridos, são

formadores das suas nuances de letramento. Entretanto, ao focalizarem a escola e,

mais especificamente, os processos de alfabetização, Leal (2004, p. 55) levanta o

seguinte questionamento: “o que seria hoje, alfabetizar para o letramento?”.

Page 48: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

48

Considero que a resposta para esta questão deva ser formulada com uma

série de pluralidades sociais e econômicas, no contexto escolar brasileiro, as quais

não tenho a pretensão de desenvolver mais profundamente na pesquisa em

questão. Entretanto, a autora responde ao próprio questionamento, afirmando que

alfabetizar para o letramento:

Seria, partindo dos saberes já constituídos, desenvolver as habilidades das crianças, dos jovens e dos adultos, no sentido de promover o alcance, pelos sujeitos, de todas as competências comunicativas. Isto é, desenvolver as potencialidades de comunicação, no que diz respeito à fala, à capacidade de argumentação eficiente e, com isso, construir oportunidades reais de participação e de decisão nos diferentes contextos sociais. (LEAL, 2004, p. 55).

Esse desenvolvimento das potencialidades, de acordo com a autora

supracitada, pode ser compreendido com a perspectiva do letramento dividido em

diferentes dimensões, as quais, ainda segundo Leal (2004), são as seguintes:

dimensão cultural; dimensão discursiva; dimensão cognitiva; dimensão ética e

dimensão estética.

Dimensão cultural: o sujeito se desenvolve culturalmente com a aquisição de

habilidades relacionadas à fala, à leitura e à escrita. A base dessa concepção não é,

entretanto, um ideal cristalizado de cultura e de saber, mas o entendimento de que

esta categoria só ganha sentido quando integrada ao sujeito do conhecimento e

suas relações.

A integração cultural compreende assumir a diversidade, não como o

diferente ou o excluído, mas compreender que, além de aspectos linguísticos,

raciais, sociais ou étnicos, a condição humana é o elemento que nos iguala. De

acordo com Leal (2004):

Assim, não basta observar como as formas materiais são injustamente distribuídas: é preciso alterá-las, pensar alternativas, oferecer melhores e mais condições àqueles que precisam mais. O que a escola (a que deve promover) não pode é correr o risco de aumentar a distância cultural e, consequentemente, de produzir efeitos ao contrário (o de excluir). (LEAL, 2004, p. 57).

Dimensão discursiva: nossas diferentes formas de manifestações estão

baseadas na premissa de que somos sujeitos da linguagem. Nesta dimensão, o

Page 49: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

49

sujeito letrado é aquele que, vivenciando práticas discursivas (orais ou escritas),

reconhece a força interlocutória de suas ações com a linguagem.

A linguagem promove o alcance de determinada intenção, produz efeitos

sobre os interlocutores (informar, esclarecer, criticar, sensibilizar etc.). Neste sentido,

reconhecer no discurso um efeito interlocutório representa uma forma de ação sobre

o mundo, independentemente do nível de consciência que se tenha dele. Entretanto,

Leal (2004) traz o seguinte alerta:

Usar esse conhecimento para enganar, ludibriar, desrespeitar, depreciar, não corresponde ao ideário de formação de um sujeito humano que, respeitando o outro, lança mão de recursos discursivos capazes de promover e não de destruir. (LEAL, 2004, p. 58).

Dimensão cognitiva: as ciências cognitivas são plurais e provocam impacto na

forma de compreensão do processo ensino/aprendizagem. Dentre elas, destaca-se

a noção de que o conhecimento é resultado de uma relação dialética entre quem

ensina e quem aprende.

Ensinar alguém a ler e escrever representa, portanto, a mobilização de um

conjunto diferenciado de operações mentais, que não são apenas linguísticas, mas

também relacionadas à produção de sentido. Tais capacidades, no entanto, não

surgem apenas do desejo de ler, mas especialmente dos esforções pedagógicos

que possam conduzir à aquisição e/ou desenvolvimento de habilidades como

interferências, contextualização, deduções, descoberta de pistas, entre outras.

Não se trata de uma espécie de treino ou exercício mecânico. Mas do ato

complexo de acionar e relacionar informações e conhecimentos. Ao referir-se a essa

organização de pensamentos, Leal (2004) segue esclarecendo que:

Ler e escrever inserem-se, portanto, no mundo simbolicamente construído, em que sujeitos leitores e produtores de texto constroem sentidos em suas existências. Tanto ler quanto escrever também são reveladores dos modos de expressar e organizar o pensamento, o que faz com que essas atividades se sustentem em capacidades, como já afirmamos não apenas linguísticas, mas cognitiva e psicológica. (LEAL, 2004, p. 59).

Dimensão ética: vai além do que se considera técnico ou cultural para as

habilidades de leitura e escrita. Um entrave está na concepção de que, para alguns,

a natureza ética é individual e subjetiva. Cabe ao produtor do texto escrever o que

bem entende? Se considerarmos que o letramento é uma prática social, é relevante

Page 50: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

50

considerar que os valores e as referências dos processos de significação revelam

suas origens e, dessa forma, traz a consciência de pertencimento para além das

fronteiras da individualidade.

A partir dessa concepção, um sujeito, mesmo sendo individual, faz usos

coletivos do letramento. Por ser social, ele deve compreender que suas ações e

atitudes são produzidas socialmente e com efeitos sobre essa sociedade.

As referências éticas, no entanto, não estão aqui relacionadas à uma postura

passiva, de aceitação de uma realidade observada, como ratifica Leal (2004):

Não falamos aqui de uma ética que permita o imobilismo, a entrega, a aceitação passiva do que rodeia o homem, mas de uma ética criativa, capaz de mobilizar nos sujeitos sua “bondade”, de acreditar nas suas potencialidades, de fazer valer não só os seus direitos, mas também os dos outros. (LEAL, 2004, p. 60).

Dimensão estética: está relacionada ao conceito de completude. Ou seja,

dada a incompletude própria dos seres humanos, é o entendimento de que o “outro”

completa o “eu”. As buscas e descobertas por inovações, promovem o encontro

entre sujeitos diferentes em suas essências. Leitor e produtor são, nesse sentido,

elementos que se encontram e se completam.

A articulação entre discursos variados amplia as noções estéticas que,

constantemente, podem ser transformadas. Essa dinâmica de linguagens diversas e

complementares produz a constituição do sujeito e sua inserção na sociedade. A

visão do “outro” passa também pela visão de si próprio.

Há, portanto, uma espécie de entrecruzamento entre as dimensões ética e

estética, caracterizada por Leal (2004) da seguinte maneira:

Trata-se do cruzamento de discursos que permite uma articulação entre “mim” e o “outro” e entre o que eu tenho do outro e o outro tem de mim e traduz o que há de humanidade em cada um e do que cada um pode “ver” no outro. Articula-se aqui a singularidade de cada sujeito – ser incompleto que, em interação com o outro [...] pode se completar, ainda que esse seja um movimento contínuo e imprevisível. (LEAL, 2004, p. 61).

Baseado nas cinco dimensões acima apresentadas, percebo a necessidade

do letramento em prol da completude do sujeito. O intuito é fornecer subsídios que

auxiliem o aluno a ocupar seu lugar, não apenas no espaço econômico, mas,

também, no social, no político e no cultural.

Page 51: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

51

Para sintetizar este tópico, acerca do letramento escolar, julgo, mais

pertinente do que conclusões fechadas, o questionamento de Leal (2004, p. 62) ao

problematizar: “o que adianta ter aprendido a identificar o código escrito, a

reconhecer o sistema de funcionamento da escrita, a decifrar as palavras, se não

sabe usá-las?”

3.1.5 Letramento e alfabetização: interações pedagógicas

Na história da educação brasileira, diversos programas governamentais foram

apresentados com a intenção de erradicação do analfabetismo, seja em seu sentido

mais tradicional (estado ou condição de quem não sabe ler e escrever, por não

dominar a tecnologia da escrita), ou para melhorar a condição dos chamados

analfabetos funcionais12.

Uma das ações mais recentes foi lançada pelo governo federal em meados

de 2003, denominada “Programa Brasil Alfabetizado”. De acordo com informações

do portal do Ministério da Educação (2016):

O MEC realiza, desde 2003, o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. O programa é uma porta de acesso à cidadania e o despertar do interesse pela elevação da escolaridade. O Brasil Alfabetizado é desenvolvido em todo o território nacional, com o atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. Desse total, 90% localizam-se na região Nordeste. Esses municípios recebem apoio técnico na implementação das ações do programa, visando garantir a continuidade dos estudos aos alfabetizandos. Podem aderir ao programa, por meio das resoluções específicas publicadas no Diário Oficial da União, estados, municípios e o Distrito Federal. (MEC, 2016, p.1).

As habilidades relacionadas ao letramento, concebido aqui como a

capacidade de aplicações sociais da leitura e da escrita, devem ser desenvolvidas

tanto nas bases da alfabetização quanto para aqueles já alfabetizados, mas que são

considerados analfabetos funcionais. Essa postura de “letramento permanente” é

defendida por Costa (2004), a partir de um posicionamento crítico, em relação a

outra ação governamental brasileira neste sentido:

12 Termo que se refere ao tipo de instrução em que a pessoa sabe ler e escrever, mas é incapaz de

interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair sentido das palavras nem colocar ideias no papel por meio do sistema de escrita. No Brasil, o analfabetismo funcional é atribuído às pessoas com mais de 20 anos de idade, que não completaram quatro anos no sistema de educação formal.

Page 52: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

52

[...] Deve-se garantir uma política de letramento permanente para não se repetir o MOBRAL, pois a interação com portadores de gêneros textuais diversos, em práticas discursivas, individuais ou sociais e eventos de leitura e escrita, é essencial para garantir a melhoria no grau de letramento, ou seja, os efeitos diferenciados dessas práticas e eventos e a consequente inserção do cidadão no mundo letrado. (COSTA, 2004, p. 14).

O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)13, questionado pelo

autor, não contemplava a capacidade de posicionamento crítico diante da linguagem

escrita. De acordo com Costa (2004, p. 14) essa proposta representou um processo

estritamente “no sentido de ensinar o código [...]. Pesquisas mostraram que, um ano

depois, alfabetizados por esse programa educacional, estavam ‘desalfabetizados’.”

Diante do posicionamento crítico de Costa (2004), referindo-se à importância

de congregação entre alfabetização e letramento, em termos de interações

pedagógicas, compreendo as duas categorias no sentido em que o letramento passa

a ser uma qualidade da alfabetização: alfabetizar, letrando.

Esta condição de interação pedagógica entre as terminologias é descrita por

Costa (2004) da seguinte maneira:

ALFABETIZAR, LETRANDO, portanto, não é seguir uma perspectiva cognitivista descritivista que centraliza a aprendizagem no individual, nem voltar ao ensino cartilhesco ou ao uso de métodos tradicionais (fônico, silábico ou global), o que não seria um avanço, mas um retrocesso [...] Não retroceder significa, para nós, entre outras posições teóricas: I- repensar que ensinar o sistema alfabético de escrita (a correspondência letra/som) e algumas convenções ortográficas não garantem a aprendizagem da leitura e escrita. II- [...] repensar que dar exercícios de redação e exercícios gramaticais com objetivos, respectivamente, de aprimorar a capacidade de redigir textos e garantir o uso da língua padrão escolar na escrita e na fala, mediante a memorização e aplicação de regras, demonstra a concepção falsa de que a capacidade de fazer redação ou produzir textos depende da capacidade de grafá-los por si só. (COSTA, 2004, p. 36-39).

Os “retrocessos” educacionais, mencionados por Costa (2004), indicariam a

dissociação do letramento em relação a alfabetização. Portanto, as atividades ou

exercícios relacionados à alfabetização não podem representar apenas treinos

tecnicistas de uma habilidade, com uma visão reducionista/mecanicista do ato de

alfabetizar. Essas ações, ainda de acordo com Costa (2004, p. 45):

13 Uma proposta da educação brasileira implementada a partir de meados da década de 1970,

período enquadrado na ditadura militar. O principal intuito era a alfabetização técnica, no sentido de ensinar o código, ou seja, a tecnologia da escrita.

Page 53: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

53

Não devem ser simples exercícios de codificação/decodificação de um sistema de escrita, mas práticas individuais ou sociais de leitura e escrita, que são eventos de letramento de que o/a participa, em que o letramento, como objetivo e processo, se constrói em práticas enunciativo-discursivas de fala, leitura ou escrita. (COSTA, 2004, p. 45).

Entendo, portanto, que a concepção do letramento e a alfabetização, em uma

integração pedagógica, promove a compreensão ativa da linguagem e contesta a

compreensão passiva, onde o reconhecimento das formas de leitura/escrita

predomina sobre o símbolo enunciado.

Os critérios ideológicos, valorizando mais o sentido da produção textual do

que sua estrutura gramatical, podem ser inseridos mesmo nos momentos iniciais da

apropriação do código escrito. Tal concepção seria, de acordo com as abordagens

de Costa (2004), a representação do ato de alfabetizar, letrando.

As etapas subsequentes são dedicadas à música e seu ensino. Serão

abordados, desde aspectos históricos, até suas relações diretas com a

aprendizagem, congregando a alfabetização à arte dos sons.

3.2 A música e a aprendizagem

A educação por intermédio das artes era defendida por Platão (428 – 347

a.C.), como uma das bases de formação do homem. O indivíduo possui,

naturalmente, uma necessidade artística dentro de si e, também por meio dela,

expressa suas emoções, interage com a sociedade na qual está inserido e deixa,

para as futuras gerações, um registro dos ideais e das realidades de seu tempo.

Portanto, considero difícil imaginarmos um processo formativo/educacional

totalmente desprovido de preceitos artísticos.

A música é a vertente artística abordada na presente pesquisa. As dimensões

relacionadas ao ensino e aprendizagem desse tipo de linguagem, ou seja, a

Educação Musical, congregam o desenvolvimento de habilidades técnicas, motoras,

sensoriais e intelectuais, visando aplicações em contextos sociais. Neste sentido,

optei por sintetizar essa estruturação pedagógica com o descritor Letramento

Musical.

Os aspectos históricos e evolutivos do ensino da música serão abordados a

seguir, desde algumas representações musicais entre o homem primitivo até as

Page 54: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

54

principais nuances de inserção da música no currículo educacional brasileiro. Para

efeitos de compreensão, acerca dos métodos utilizados nesta área, demonstrarei,

também, alguns autores que desenvolveram metodologias específicas para a

Educação Musical.

3.2.1 O legado das antigas culturas para a educação musical

O homem primitivo já fazia música e, portanto, de alguma maneira, tinha a

necessidade de descobrir subterfúgios para repassar tal conhecimento. Esse

processo era feito de maneira totalmente empírica, basicamente, na tentativa de

imitar os sons da natureza. A esse respeito, Candé (2001, p.44) explica que “são

nossos hábitos de antropomorfismo que nos fazem qualificar de canto o grito dos

pássaros, de música o ruído da fonte ou do vento [...]”. Os sons da natureza foram

reproduzidos, organizados e encarados como música pelo homem moderno.

Em 2009, escavações feitas em uma caverna de Hohle Fels (Alemanha),

desvendaram algo surpreendente: a localização de um instrumento musical que,

acredita-se, ser o mais antigo encontrado até hoje.

O artefato é semelhante a uma flauta. Feito com um osso de pássaro, possui

cerca de 22 centímetros de comprimento, cinco furos e uma idade aproximada de 35

mil anos, além disso, estava em excelente estado de conservação quando

encontrado. Tal descoberta ilustra uma prática musical muito antiga entre nossos

antepassados e está representada pela figura 6:

Figura 6 - Flauta pré-histórica com cerca de 35 mil anos

Fonte: http://Flauta+prehistorica+e+mais+antigo+instrumento+musical.html

Page 55: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

55

Considero importante ressaltar, porém, que as atividades musicais do homem

antecedem a descoberta acima citada. Muito antes de começar a produzir qualquer

tipo de instrumento emissor de som, o homem primitivo já explorava suas

capacidades vocais, como indica Candé (2001):

A emoção ou a intenção expressiva provoca variações na altura e no timbre da voz; o homem procura cultivá-las, e a voz se adapta progressivamente às variações voluntárias. Um Homo musicus emerge lentamente entre os ancestrais do Homo sapiens, à medida que aparece a experiência individual e, por conseguinte, a consciência (70.000 a 50.000 anos atrás). (CANDÉ, 2001, p. 46).

Os sumérios (8000 a.C.) constituíam um povo que habitava uma parte da

Mesopotâmia14. Representavam a cultura mais desenvolvida desse período e

influenciaram todos os povos da Ásia central (assírios, cananeus, egípcios,

babilônios e hebreus). Não há registros materiais do desenvolvimento musical desse

povo, porém, sabe-se que já era sistematizado, em termos de estruturação rítmica e

melódica15.

Entre os egípcios (4000 a.C.), há comprovações da transmissão de

conhecimentos musicais, graças às suas representações em templos, túmulos e

pirâmides. Uma pintura de cerca de 3800 anos a.C (figura 7), retrata Shubab, rainha

da Mesopotâmia, liderando um grupo de mulheres instrumentistas, aparentemente

lhes “mostrando” como tocar.

14 A Mesopotâmia é a denominação de um planalto de origem vulcânica, localizado no Oriente Médio, delimitado entre os vales dos rios Tigre e Eufrates, ocupado pelo atual território do Iraque e terras próximas. Os rios desembocam no Golfo Pérsico e a região toda é rodeada por desertos. 15 Ritmo: substantivo masculino com origem no grego rhythmos e que designa a sucessão regular

dos tempos, fortes e fracos, em uma frase musical. Indica a duração das notas e silêncios, de acordo com a intensidade e o tempo. Melodia: é uma sucessão coerente de sons e silêncios, que se desenvolvem em uma sequência linear com identidade própria. É a voz principal que dá sentido a uma composição e encontra apoio musical na harmonia e no ritmo. Na notação musical ocidental a melodia é representada no pentagrama de forma horizontal para a sucessão de notas musicais e de forma vertical para sons simultâneos.

Page 56: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

56

Figura 7 - Rainha Shubab da Mesopotâmia

Fonte: http://f1colombohistoriando.blogspot.com.br/2012/04/musica-no-egito-antigo.html

Os hebreus deixaram a maior parte de seus registros musicais a partir do

reinado de Davi (1000 a 962 a.C.). As influências dos sumérios e dos egípcios

estavam presentes em sua cultura musical, como afirma Candé (2001):

De fato, as diferentes tribos nômades oriundas de Abraão, marcadas pela civilização sumeriana, devem ter herdado as ricas culturas musicais da Mesopotâmia. Foi certamente esse patrimônio, enriquecido pela influência egípcia, que o povo de Moisés introduziu em Canaã depois do Êxodo (1250 a.C.). A união das doze tribos, que se tornaram sedentárias, era então propícia a formação de uma tradição musical especificamente hebraica. (CANDÉ, 2001, p. 62).

Os assírios deixaram vasta documentação de suas atividades musicais na

forma de pinturas, esculturas e textos literários. Para eles, a transmissão dos

conhecimentos musicais era de suma importância, uma vez que esse é o primeiro

povo, do qual se tem notícias, a formar grandes grupos musicais, chegando a ter

cerca de 150 componentes, entre instrumentistas e cantores.

Na China, as primeiras sistematizações musicais, visando tanto a execução

como a transmissão mais precisa desse conhecimento, eram baseadas nos

fundamentos da escala pitagórica16, que os violinistas, por exemplo, empregam

instintivamente até hoje. O complexo sistema chinês envolve estruturas que vão

além da teoria musical pura e, na própria representação das notas musicais,

podemos perceber essa união de relações.

16 A escala pitagórica, devida ao grego Pitágoras (séc. V e VI a.C.), é a base da nossa escala

diatônica e esteve na origem da maioria dos sistemas de escalas que surgiram depois. Foi a escala mais usada na Europa nos séculos XIII e XIV e ainda estava em uso no século XVI. Era construída com base numa série de quintas perfeitas, que garantia também quartas perfeitas.

Page 57: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

57

O sistema conta com cinco notas e cada uma carrega uma série de outras

representações simbólicas. Vejamos alguns desses significados (notas e

significados):

Kong (cor – amarelo, elemento – terra, número – cinco, representação política

– príncipe).

Chang (cor – branco, elemento – metal, número – nove, representação

política – ministro).

Kyo (cor – azul ou verde, elemento – madeira, número – oito, representação

política – povo).

Tchi (cor – vermelho, elemento – fogo, número – sete, representação política

– trabalhos e serviços).

Yu (cor – preto, elemento – água ou pedra, número – seis, representação

política – produtos e recursos).

Acerca da complexidade da sistematização musical chinesa, Candé (2001)

destaca que:

O coerentíssimo sistema musical dos chineses apresenta-se, em geral, sob uma forma bastante complicada, devido a numerosas relações com ideias morais ou cosmogônicas. Como na maior parte das tradições orientais, é dada grande importância a certas correspondências ou relações bem misteriosas para espíritos ocidentais. (CANDÉ, 2001, p. 110).

Na Grécia primitiva, a música atingiu um patamar além da eficácia religiosa,

mágica, terapêutica ou militar. Ela se tornou, também, arte, em outras palavras,

exprimindo uma maneira de ser e de pensar. Porém, é difícil estabelecer, com

precisão, a espécie de música que se praticava em 2000 a.C. na região de Creta. De

acordo com Candé (2001, p. 66), a “cultura musical da Grécia primitiva é-nos tão

pouco conhecida quanto a das outras civilizações pré-helênicas.”

Já na era clássica (séculos V e IV a.C.), a música grega estava bem

sistematizada e com suas funções definidas. Aristóteles (384 - 322 a.C.) e Platão

concordavam que a educação geral do indivíduo deveria estar baseada em dois

pilares: música e ginástica.

Determinadas estruturas rítmicas e melódicas deveriam ser adequadamente

utilizadas nesse processo educacional. Porém, na concepção de Aristóteles, a

determinação de ritmos e escalas específicas poderia ser menos restritiva e, ao

contrário de Platão, ele defendia a ideia de que a música também poderia ser

Page 58: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

58

utilizada como fonte de prazer e divertimento particular, expandindo, assim, seu

caráter exclusivamente formador/educacional.

A seguir, apresento algumas nuances da Educação Musical ocidental, a partir

de uma síntese do período compreendido entre o início da era cristã e meados do

século XIX.

3.2.2 Educação musical: dos primórdios da era cristã até o século XIX

A música cristã primitiva estava baseada em três pilares:

1) Na civilização greco-romana, com uma música de teoria complexa e

distante da prática popular. Os patrícios romanos dedicavam-se a aprender música

para sentirem-se inseridos na cúpula do sistema imperial, durante o reinado de Nero

(37 – 68), que durou de 54 até sua morte.

2) Nas tradições célticas, com os cantos de longos poemas épicos

acompanhados por liras17.

3) Nas tradições orientais judaico-cristãs, com a cantilena (recitação

melódica), os salmos e os hinos.

Com relação aos instrumentos utilizados na prática musical desse período,

podemos citar flauta, saltério, lira, harpa entre outros. Mas o tempo levou quase

todos os registros relacionados a eles. Candé (2001, p. 223) ressalta o fato de que

“a iconografia constitui a única fonte de informação séria acerca desses

instrumentos, de que só nos chegaram raríssimos espécimes; as fontes literárias

não são numerosas e, em geral são imprecisas.”

Em Roma, Santo Ambrósio (340 – 397), bispo de Milão de 374 a 397, foi o

primeiro a introduzir o canto em sua diocese. De acordo com Ellmerich (1977, p. 27),

ele introduziu também “o hino de ação de graças que, com o decorrer do tempo, irá

se transformar em uso generalizado, como o Te Deum.”

Santo Agostinho (354 – 430) propagou os ensinamentos de cantos litúrgicos

de Santo Ambrósio, os quais, posteriormente, se chamariam “Salmos Ambrosianos”.

17 A lira é um instrumento de cordas conhecido pela sua vasta utilização durante a antiguidade. A

estrutura de uma lira consiste num oco - caixa de ressonância - do qual partem, verticalmente, dois braços (montantes), que, por vezes, também são ocos. Junto ao topo, os braços ficam ligados a uma barra - o jugo - que liga as cordas até outra saliência de madeira transversal - o cavalete - disposta junto à caixa de ressonância e que lhe transmite as vibrações das cordas. As cordas são percutidas com a ajuda de um plectro. O número de cordas variava, geralmente entre seis e oito

Page 59: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

59

Além disso, publicou um tratado intitulado “De Música”, em 389, o qual é composto

por seis livros e escrito na forma de diálogo entre um mestre e seu discípulo.

O Papa São Gregório I (540 – 604) promoveu a reforma litúrgica, no século

VI. A partir de então, a Educação Musical é mais sistematizada metodologicamente

e praticada nos mosteiros com os ensinamentos do cantochão (prática monofônica

de canto, utilizada nas liturgias cristãs e, originalmente, desacompanhada de

instrumentos). De acordo com Bennett (1986, p.13) o cantochão “consistia em

melodias que fluíam livremente, quase sempre se mantendo dentro de uma oitava e

se desenvolvendo, de preferência com suavidade, através de intervalos de um tom.”

A Escolástica ou Escolasticismo foi a base do sistema de educação geral

europeu, instituída na idade média entre os séculos IX e XVI. Era baseada nos

valores cristãos e eclesiásticos, contando com uma estrutura, basicamente, dividida

em dois níveis de ensino: Trivium (gramática, retórica e dialética) e Quadrivium

(aritmética, geometria, astronomia e música). Um de seus maiores expoentes foi São

Tomás de Aquino (1225 – 1274), com sua filosofia baseada no equilíbrio entre a fé e

a razão.

No século XII, a Escola de Notre-Dame passa a ser conhecida graças ao

trabalho de Leonin ou Leoninus (1135 – 1201), compositor francês que escreveu o

“Magnus Liber Organi”, o qual se tratava de um conjunto de organa (plural de

organum). Organum é um tipo de composição vocal onde uma ou mais vozes se

sobrepõem a um cantochão alargado (cantado demoradamente).

Outra referência da Escola de Notre-Dame é Perrotin ou Perotinus (1160 –

1236). Também francês, tinha sua música executada na Catedral de Notre-Dame e

deixou vários registros de organa. Aleluia Nativitas é uma das mais famosas dessas

composições.

Guillaume de Machaut (1300 – 1377) revolucionou a Educação Musical da

idade média, ao estruturar um arranjo polifônico para uma Missa (forma de

composição musical para ornamentar cerimônias da igreja católica). Os cantores

precisariam “estudá-la”, com a consciência de que as vozes eram totalmente

independentes umas das outras. Segundo Bennett (1986):

Machaut foi o primeiro compositor de que se tem notícia a fazer um arranjo

polifônico completo da missa, forma composicional que logo se tornaria da

maior importância e continuaria a sê-lo nos séculos seguintes. Uma missa é

Page 60: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

60

composta de cinco grandes partes: Kyrie, Glória, Credo Sanctus e Agnus

Dei. (BENNETT,1986, p. 20).

Nos séculos XV e XVI, com o advento da renascença, o homem passou por

várias transformações com relação à sua maneira de encarar o mundo. As

explorações marítimas de Cristóvão Colombo (1451 – 1506), Vasco da Gama (1460

– 1524) e Pedro Álvares Cabral (1468 – 1526), trouxeram mais do que uma nova

consciência geográfica, elas revolucionaram também as artes em geral. Com relação

a esses novos paradigmas, Bennett (1986) afirma que, nesse período:

O homem explorava igualmente os mistérios das suas emoções e do seu

espírito, desenvolvendo uma fina percepção de si próprio e do mundo ao

seu redor. Em vez de aceitar os fatos por sua aparência, passou a observar

e questionar e começou a deduzir coisas por conta própria. Todos esses

fatores tiveram forte impacto sobre pintores e arquitetos, escritores e

músicos; e, naturalmente, sobre aquilo que criavam. (BENNETT,1986, p.

23).

Na música, essa nova mentalidade veio traduzida com um maior interesse

pelas produções ditas “profanas” ou laicas (separadas de preceitos eclesiásticos).

As obras sacras continuaram sendo abundantemente produzidas, porém, com

algumas diferenças no que tange a técnicas composicionais e na transmissão

desses conhecimentos.

No ensino da música, os aprendizes de composição já eram instruídos a

escrever peças exclusivas para instrumentos, sem que esses estivessem,

necessariamente, atrelados ao papel de “acompanhantes” nas obras vocais, como

eram até então. Bennett (1986, p. 29) ressalta que “até o começo do século XVI, os

instrumentos eram considerados muito menos importantes do que as vozes”. Porém,

com a renascença, essa concepção começou a mudar.

A principal transformação nas peças vocais foi a adoção de canções

populares, exercendo a função de Cantus Firmus (do latim “canto fixo”, é a melodia

base para o arranjo), em substituição ao cantochão medieval.

Josquin des Prez (1450 – 1521) e Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525 –

1594) são dois expoentes da composição renascentista. Como eles, outros

compositores passaram a adotar novas técnicas, como explorar registros abaixo do

tenor, ou seja, eles criaram a linha melódica enquadrada na tessitura do “baixo”

(melodia grave).

Page 61: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

61

Além disso, mesmo que a base das composições ainda fossem os modos18,

os alunos, orientados por seus mestres, passaram a ter mais liberdade na utilização

dos acidentes (símbolos grafados ao lado das notas com o intuito de alterar suas

alturas – sustenido e bemol). Sobre esse aspecto, Bennett (1986, p. 24) afirma que

“cada vez mais eram introduzidas notas ‘estranhas’ ou ‘acidentais’, ao que

chamavam ‘música ficta’.”

No século XVII, a igreja católica busca a reafirmação de suas doutrinas,

anteriormente abaladas com o pensamento renascentista. Nasce, então, o período

denominado barroco. Nas artes, essa concepção estética se reflete, basicamente,

em um grande apelo às ornamentações. A música barroca é o ponto de partida de

novas formas e gêneros, como a ópera (música e cênica), o oratório (cantos sacros),

a fuga (melodias imitativas), a suíte (musica baseada em danças), a sonata (música

exclusivamente instrumental) e o concerto (para instrumentos solistas).

Os estudantes dessa “nova música” passaram a ter uma visão diferenciada

acerca de composição, execução instrumental e vocal. O motivo para essa

transformação foi o gradativo abandono do sistema modal. Bennett (1986) afirma

que:

Foi durante o século XVII que o sistema de modos acabou por ruir de vez. Os compositores foram se acostumando a sustenizar e bemolizar as notas, daí resultando a perda de identidade dos modos, que, por fim, ficaram reduzidos a apenas dois: o jônio e o eólio. Daí se desenvolveu o sistema tonal maior-menor sobre o qual a harmonia iria basear-se nos dois séculos seguintes. (BENNETT, 1986, p. 35).

Dentre os ícones da música barroca, destacam-se os alemães Johann

Sebastian Bach (1685 – 1750) e Georg Friedrich Händel (1685 – 1759). Ambos

trouxeram grandes contribuições para a Educação Musical: Bach, com o grande

domínio técnico exigido para a execução da maioria de suas obras; e Händel, com o

equilíbrio presente em suas estruturas composicionais.

18 Na Grécia antiga, as diversas organizações sonoras (ou formas de organizar os sons) diferiam de

região para região, consoante as tradições culturais e estéticas de cada uma delas. Assim, cada uma das regiões da antiga Grécia deu origem a um modo (organização dos sons naturais) muito próprio, e que adaptou a denominação de cada região respectiva. Desta forma, aparece-nos o modo dórico (da região Dória), o modo frígio (da região da Frígia), o modo lídio (da região Lídia), o modo jónio (da região da Jónia) e o modo eólio (da Eólia). Também aparece um outro — que é uma mistura dos modos lídio e dórico — denominado modo mixolídio.

Page 62: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

62

O chamado “classicismo musical” nasce na segunda metade do século XVIII.

A busca dos ideais estéticos da Grécia clássica trouxe, para a música desse

período, um caráter formal de equilíbrio, clareza e simplicidade. Além disso, opunha-

se, diretamente, ao excesso de ornamentos do período anterior (barroco).

O ensino da música, no classicismo, já contava com uma estrutura

relativamente evoluída. Porém, o acesso ainda estava restrito às altas classes

sociais. Um exemplo disso pode ser verificado com os filhos de J. S. Bach: Carl

Philip Emanuel Bach (1714 – 1788) e Johann Christian Bach (1735 – 1782) que,

além de compositores, atuaram, também, como professores de música exclusivos da

nobreza.

Johann Chrysostom Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791) foi um dos

maiores expoentes da música clássica. Sua vasta obra não trouxe,

necessariamente, grandes reformas para a música, porém, ele usou sua genialidade

para explorar ao máximo as estruturas vigentes. Três de suas grandes óperas, como

As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e A Flauta Mágica são exemplos disso. Bennett

(1986, p. 53) ressalta que “enquanto Gluck reformou a ópera, Mozart, com seu gênio

musical e seu instinto dramático, a transformou.”

Assim como Mozart, os estudantes de música do século XVIII eram

orientados e educados, de acordo com estruturas e formas composicionais rígidas.

Portanto, a Educação Musical desse período visava a reprodução de um modelo

estritamente estabelecido, sem grandes aberturas a novas ideias.

Essa obrigatoriedade de enquadramentos, em formas e regras, foi uma das

motivações para a revolução musical promovida por Ludwig van Beethoven (1770 –

1827). As características estéticas de sua obra são consideradas de transição, do

formalismo característico do período clássico para uma concepção diferente, iniciada

nos primeiros anos do século XIX, conhecido como romantismo musical (o qual

durou até o início do século XX).

Dentre várias inovações promovidas por Beethoven, podemos destacar a

grande utilização de acordes com tensões acrescentadas, raros até então. Além

disso, em sua “Nona Sinfonia”19, os críticos da época espantaram-se ao verem, pela

primeira vez, um coral inserido em uma obra desse gênero.

19 Sinfonia é um termo de origem italiana, com conotações que vão além do seu significado mais

divulgado e conhecido. Consolidado a partir do classicismo, se refere a uma peça originalmente instrumental, concebida para orquestras.

Page 63: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

63

A música romântica é caracterizada por fortes apelos emocionais e

expressivos. Bennett (1986) afirma que:

Os compositores clássicos haviam objetivado atingir o equilíbrio entre a estrutura formal e a expressividade. Os românticos vieram desequilibrar a balança. Eles buscaram maior liberdade de forma e de concepção em sua música, e a expressão mais intensa e vigorosa de sua emoção, frequentemente revelando seus pensamentos e sentimentos mais profundos, inclusive suas dores. (BENNETT, 1986, p. 57).

Outros pontos importantes a serem frisados na música do século XIX são: a

união entre música e outras artes, como a literatura; nesse período nasce a

concepção de valorização ao instrumentista virtuose (dotado de grande domínio

técnico). Na Educação Musical, isso será observado com o aumento da demanda de

alunos interessados em instrumentos, especialmente o piano.

O polonês Frédéric Chopin (1810 – 1849) é, até hoje, uma das maiores

referências do piano. Os estudantes desse instrumento podem observar, em sua

vasta obra, inúmeros “Estudos”, que muito contribuíram para a Educação Musical,

como o Etude Nº 12, Op. 10 (Revolutionary).

Um dos exemplos da união entre música e outras artes pode ser observado

na Música Programática, ou seja, uma música baseada em uma história, ou

descrevendo imagens. De acordo com Bennett (1986, p. 60), ela é a “música que

‘conta uma história’ ou, de certo modo, é descritiva, evocando imagens na mente do

ouvinte.” Essa e outras representações dessa fusão artística, característica da

música romântica, incentivaram os estudantes a buscarem embasamentos em

âmbitos além das fronteiras da arte dos sons.

O nacionalismo foi outra vertente, muito presente, na arte em geral do século

XIX. Basicamente, trata-se da valorização e representação do patriotismo nas obras

produzidas. Com relação ao nacionalismo musical, Bennet (1986) esclarece que:

Um compositor é considerado “nacionalista” quando visa deliberadamente expressar, em sua música, fortes sentimentos por seu país, ou quando, de certo modo, nela imprime um caráter distintivo através do qual sua nacionalidade se torna facilmente identificável. (BENNETT, 1986, p. 64).

Page 64: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

64

No Brasil, o século XIX foi um marco para a Educação Musical. Neste

período, surgiram os primeiros conservatórios de música por aqui e, a partir de

então, esse tipo de ensino passa a ser mais sistematizado.

As concepções educacionais e artísticas, estabelecidas no final do século

XIX, além de transformarem as produções daquele período, trouxeram

embasamentos para o surgimento de novas vertentes para o ensino da música. O

austríaco Émilie Jaques-Dalcroze (1869 – 1950), o húngaro Zoltán Kodály (1882 –

1967), o alemão Carl Orff (1895 – 1982) e o japonês Shin’ichi Suzuki (1898 – 1998)

desenvolveram importantes metodologias para o ensino da música, as quais serão

demonstradas, ainda que de maneira sintetizada, nas etapas subsequentes do

presente trabalho.

3.2.3 Contextualização histórica do ensino da música no Brasil

Em abril de 1500, após meses de navegação, embalado pelos ideais

renascentistas e em busca de uma nova rota em direção às índias, o português

Pedro Álvares Cabral (1468 – 1526), acidentalmente, encontra um enorme território,

o qual, anos mais tarde, chamaríamos de Brasil.

Ao desembarcarem por aqui, os portugueses depararam-se com povos

nativos, os quais denominaram índios. Esses povos, provavelmente, já tinham a

música entre suas atividades culturais, porém, é difícil descrever com precisão essa

música. Segundo Mariz (1994, p. 37), “os conhecimentos de que dispomos ainda

hoje sobre as atividades musicais no Brasil colonial são muito incompletos.”

Entretanto, os registros da época indicam que as primeiras atividades de

Educação Musical, depois da chegada de Cabral, foram desenvolvidas por religiosos

católicos, com a finalidade de catequizar os povos nativos, como ressalta Mariz

(1994):

Nos dois primeiros séculos de colonização portuguesa, a música que se fez no Brasil estava diretamente vinculada à Igreja e à catequese. Os franciscanos e sobretudo os jesuítas desempenharam papel importante, a partir de meados do século XVI. Em 1559, Francisco de Vaccas era o responsável pela música na catedral da Bahia e o cargo de mestre-de-capela no Brasil se estendia também às matrizes vizinhas. Esses músicos eram professores, dirigiam o coro, escreviam música e cantavam-na, além de tocarem vários instrumentos. (MARIZ, 1994, p. 37).

Page 65: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

65

Os jesuítas utilizavam-se da Educação Musical como um instrumento de

conversão às doutrinas cristãs. Com o passar dos anos, vários elementos eram

agregados a esse processo. Mariz (1994, p. 38) afirma que eles “ensinavam as

crianças indígenas a cantar, a dançar, a tocar flautas, gaitas, tambores, viola e até

cravo”. Tal observação demonstra que, independente do objetivo almejado, quanto

mais variado o processo de musicalização, mais eficiente ele é. Os jesuítas

deduziram que conseguiriam melhores resultados de catequização por meio do

ensino da música.

Com a chegada dos escravos africanos por aqui (na primeira metade do

século XVI), houve a mistura de etnias e, consequentemente, a miscigenação

cultural. Na virada do século XVII para o XVIII, a musicalidade africana já havia sido,

inevitavelmente, integrada às práticas musicais brasileiras. Mariz (1994) segue

apontando que:

Os conjuntos de “charameleiros” de Pernambuco estão registrados em nossas crônicas do século XVIII, com muitos louvores à habilidade interpretativa dos negros músicos que aliás, eram, por vezes, luxuosamente vestidos por seus amos como prova de sua abastança. Até no Pará havia orquestra de doze músicos. (MARIZ, 1994, p.39).

No início do século XIX, mais especificamente em janeiro de 1808, sob

pressão das tropas de Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), a corte portuguesa,

representada pela figura do então príncipe regente Dom João VI (1767 – 1826),

desembarca em terras brasileiras. Neste período, o ensino da música no Brasil

passou a tomar novos rumos.

O padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), além de brasileiro nato,

era mulato. Filho de um alfaiate e uma descendente de escravos, desde cedo

demonstrou grande talento para a música e, aos 16 anos de idade, compôs sua

primeira obra, denominada Tota pulchra es Maria.

Impressionado por sua música, Dom João VI o nomeia Mestre da Capela

Real do Rio de Janeiro. Recém criada nos moldes da que existia na corte lisboeta e,

formada por músicos locais e europeus, essa instituição funcionava na “Igreja do

Carmo” da cidade, que passou a ser também a catedral local. Abaixo, a figura 8

ilustra um dos primeiros educadores musicais brasileiros deste período.

Page 66: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

66

Figura 8 - Padre José Maurício Nunes Garcia

Fonte: http://laeti.photoshelter.com/image/I0000GeNJJf8GFWw

José Maurício Nunes Garcia dirigiu, durante três anos (de 1808 até 1811),

todas as atividades musicais da corte portuguesa no Rio de Janeiro. De acordo com

Mariz (1994, p. 55), é possível “afirmar sem hesitação que o Padre-Mestre foi

mesmo um homem culto, com educação humanista desusada para pessoas de sua

modesta origem, [...] além de grande compositor e notável intérprete também.”

Em 1811, o padre José Maurício foi substituído pelo compositor português

Marcos Portugal (1762 - 1830), em seu cargo de Mestre da Capela Real. Porém,

suas contribuições para a Educação Musical brasileira continuaram até o início da

regência do sucessor de Dom João VI, seu filho Dom Pedro I (1798 – 1834).

O nacionalismo (como citado anteriormente), também teve forte presença no

Brasil e, portanto, influenciou nossa Educação Musical. Mas essa nova consciência

encontrou algumas barreiras até se fundamentar por aqui, de acordo com Mariz

(1994):

No Brasil essa valorização das riquezas folclóricas nacionais encontrou resistência da parte de uma sociedade ainda demasiado dependente dos gostos tradicionais europeus. Como a parte mais rica e pitoresca de nosso populário musical vinha dos negros, que só obtiveram a abolição da escravatura em 1888, o público musical das sociedades de concertos olhava com certo desprezo tudo o que pudesse proceder do povo. (MARIZ, 1994, p. 115).

Em 1857, o maestro campineiro Antônio Carlos Gomes (1836 – 1896) compôs

uma peça para piano solo chamada A Cayumba. Considerada como a primeira obra

Page 67: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

67

brasileira com inclinações nacionalistas, valoriza o folclore nacional e trata-se de

“uma dança de negros”, como afirma Mariz (1994, p. 116).

Outra forte referência ao nacionalismo brasileiro pode ser observada na ópera

“O Guarani” (1870) que, mesmo sendo composta na Itália por Carlos Gomes e, na

língua local, retrata o índio brasileiro no período colonial, com representações das

tribos dos Guaranis e Aimorés.

Nos primeiros anos do século XX, Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) destaca-

se por ter sido um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de uma

linguagem musical peculiarmente brasileira, sendo considerado o maior expoente da

música no modernismo brasileiro, compondo obras que enalteciam o espírito

nacionalista, onde incorporou elementos das canções folclóricas, populares e

indígenas.

Suas contribuiçãoes para o ensino da música podem ser observadas, por

exemplo, com a instauração, em âmbito nacional, do Canto Orfeônico (canto

executado por um grande efetivo). Amato (2007, p. 215) afirma que o método de

Educação Musical concebido por Villa-Lobos “foi o canto orfeônico, movimento

dentro do qual atuou como regente e organizador de grandes massas corais e como

compositor.”

As propostas educacionais de Villa-Lobos sofreram críticas por parte dos

opositores ao presidente em questão, Getúlio Dorneles Vargas (1882 – 1954). É

possível observar tal associação (música e política) na afirmação de Amato (2007):

Ademais, a concepção de educação musical em Villa-Lobos , baseando-se na incorporação de elementos muito fortes na cultura brasileira de sua época e concebendo a música como meio de renovação e formação moral, cívica e intelectual, tinha também o papel de legitimação e difusão da ideologia de quem a patrocinava, o governo de Getúlio Vargas. (AMATO, 2007, p. 219).

No âmbito das teorias filosóficas para a educação geral brasileira, as

concepções do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859 – 1952),

deu-se no movimento denominado Escola Nova, o qual teve, como um de seus

principais nomes, o educador Anísio Teixeira (1900 – 1971).

A Escola Nova enfatizava o processo de ensino voltado para o interesse do

educando, retirando do centro do processo o professor, como detentor e transmissor

de conhecimentos. Considerações relativas à motivação, incentivo e outros

Page 68: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

68

recursos, passaram a fazer parte do universo dos educadores, refletindo, de certa

forma, nos avanços das concepções para o ensino da música.

Os paradigmas da educação no início do século XX tomaram outros rumos,

que iam de encontro aos tradicionalismos vigentes até então. De acordo com Freire

(1997):

No âmbito da educação geral, as teorias de Dewey, do pragmatismo aplicado à educação, são, provavelmente, o ponto de destaque das primeiras décadas do nosso século. O pragmatismo visa à eficiência, na educação, como uma necessidade do capitalismo moderno e, para isso, enfatiza a necessidade de se desenvolver um processo educativo que efetivamente contribua para a participação produtiva na sociedade. (FREIRE, 1997, p. 39).

Incentivados pelas doutrinas “escolanovistas”, outros nomes de suma

importância para a Educação Musical brasileira, no início do século XX, foram Liddy

Chiaffarelli Mignone (1891 – 1962), Gazzi de Sá (1901 – 1981) e Antônio Leal de Sá

Pereira (1888 – 1966).

Na década de 1930, a principal contribuição de Sá Pereira e Liddy Mignone,

para o ensino da música, foi a criação de cursos de iniciação musical, na Escola

Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje, Escola de Música da UFRJ) e

no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro. Nesses cursos, buscava-

se musicalizar a criança, introduzindo-a à percepção de alturas e ritmos de maneira

empírica, abandonando-se o enfoque de introduzi-la à música por intermédio de

conceitos demasiadamente teóricos.

Sobre o papel dessas novas diretrizes educacionais, o próprio Sá Pereira

(1937) ressalta que:

Já pois que a natureza da criança não lhe permite interessar-se senão por atividades com fim próximo, e que estas quando não são impostas (disciplina, estudo forçado) se manifestam espontaneamente sob forma de jogo, de brinquedo, nada mais racional do que tentar-se aproveitar essa tendência para brincar como iniciação ao trabalho sério, substituindo-se a “disciplina” da escola antiga pela espontaneidade da atividade lúdica. (PEREIRA, 1937, p. 70).

Sá Pereira rejeitou o tradicionalismo na educação musical e sugeriu um

encaminhamento para as aulas de música, onde a criança tivesse prazer em

Page 69: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

69

aprender, desenvolvendo suas habilidades movida, sobretudo, pelo próprio

interesse.

O paraibano Gazzi de Sá criou uma proposta metodológica baseada no

solfejo relativo, ou seja, entoar qualquer escala a partir das estruturas de DÓ maior e

LA menor, utilizando números. Além disso, há a utilização da escala pentatônica20 e

a iniciação da escrita começa sobre um bigrama (duas linhas horizontais).

Em 1937, o alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915 – 2005) chegou ao Rio

de Janeiro e trouxe novas ideias para o cenário musical brasileiro. Além de professor

de música no Conservatório do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Orquestra

Sinfônica Brasileira, iniciou, em 1939, um movimento artístico denominado Música

Viva.

Com relação ao Música Viva, Porto (2001) relata que:

A história do Música Viva se confunde com a própria história de Koellreutter. Criado por ele juntamente com outros musicistas da época, expandiu novos horizontes, quebrou barreiras e deu a oportunidade de conhecermos obras modernas nunca antes tocadas em nosso país. A partir de encontros com músicos e intelectuais da loja de música Pinguim, na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, nasce o Música Viva brasileiro (a expressão é de Hermann Scherchen, movimento musical criado por ele em 1933). Suas atividades iniciaram-se em 1939 e prolongaram-se até 1952. (PORTO, 2001, p. 255).

Além de influenciar, direta ou indiretamente, uma grande massa de músicos

brasileiros, Koellreutter também foi um dos idealizadores do movimento Oficinas de

Música. Iniciado no Departamento de Música da Universidade de Brasília em 1968,

tratava-se de uma série de atividades educacionais desenvolvidas em curtos

períodos de duração. O termo “oficina” possui duas vertentes, como afirma Paz

(2000):

A primeira, enquanto metodologia de ensino, ou seja, uma proposta pedagógica, fortemente vinculada às correntes da música contemporânea; e ,a segunda, como um procedimento pedagógico, envolvendo uma atividade eminentemente prática, ligada a qualquer atividade docente e, não necessariamente, ao trabalho específico de música, ainda que, neste caso, tal prática encontrasse grande ressonância. (PAZ, 2000, p. 234).

20 Organização sonora a partir de cinco notas. Sua principal característica é a eliminação de

dissonâncias (frequências em desequilíbrio), produzindo estabilidade entre qualquer combinação harmônica. É bastante frequente na música oriental e, por ser facilmente entoada, comumente utilizada em processos iniciais de ensino da música.

Page 70: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

70

O carioca César Guerra-Peixe (1914 – 1993), além de aluno de Koellreutter

(com o qual manifestou várias discordâncias anos mais tarde), foi fortemente

influenciado pelo folclore brasileiro. Como educador musical, atuou como professor

de composição na Escola de Música Villa-Lobos e de orquestração e composição,

na Universidade Federal de Minas Gerais.

Segundo Mariz (1994, p. 303), Guerra-Peixe foi “o grande nome da geração

pós-nacionalista”. Formou um grupo de músicos que ficou conhecido como Escola

Mineira de Composição, dentre os quais destaca-se Nelson Salomé (1950).

O paulista Osvaldo Lacerda (1927), além de respeitado compositor de

canções e peças orquestrais, atuou fortemente na Educação Musical a partir da

segunda metade do século XX: no Curso de Formação de Professores da Comissão

Estadual de Música (1961 – 1962); no Curso Internacional de Música do Paraná

(1966 – 1977); no I Seminário de Música de Sergipe (1967); no Curso de

Aperfeiçoamento de Professores de Música (1969 – 1970), entre outros. É autor do

método “Solfejo e Ditado Musical”, o qual, atualmente, encontra-se na 12ª edição.

A partir da década de 1960, o regime militar, instaurado no Brasil de 1964 até

1985, influenciou todo o sistema educacional vigente. A educação tecnicista e a

polivalência no ensino das artes determinavam que o mesmo profissional fosse

responsável por ensinar artes visuais, teatro, dança e música. Nesse período, o

ensino de música na rede pública educacional sofreu prejuízos, uma vez que os

conteúdos musicais não seguiam um esquema estruturado e/ou sistematizado.

O ensino da música, inserido na educação geral brasileira, não é algo

recente. Ele passou a vigorar desde o século XIX, como afirmam Marinho e Queiroz

(2009).

Entre as mais marcantes ações políticas relacionadas a propostas de implementação do ensino da música nas escolas podemos destacar: 1) a aprovação do Decreto n. 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854, primeiro documento que faz menção ao ensino de música na “instrucção pública secundária” do “Município da Corte” – cidade do Rio de Janeiro. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 61).

Ainda que a inserção da Educação Musical no ensino regular brasileiro seja

uma determinação com mais de um século, há algumas lacunas em sua

estruturação, verificadas, por exemplo, durante o período da ditadura militar, quando

Page 71: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

71

o ensino da música estava, basicamente, direcionado à transmissão de hinos cíveis

ou ensaios de fanfarras para apresentações em datas comemorativas.

Essa realidade permaneceu, praticamente, inalterada até 2008 quando, em

18 de agosto, foi aprovada a lei 11.769 (detalhada posteriormente). Trata-se de uma

alteração da LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e determina que a música seja

um componente curricular obrigatório, na disciplina artes. Segundo Marinho e

Queiroz (2009):

Dessa maneira, é possível afirmar que no Brasil já temos uma trajetória histórica, educativa e cultural que nos permite uma reflexão crítica acerca de perspectivas e caminhos concretos que possam subsidiar a inserção da educação musical nas escolas. Mas, mesmo considerando a trajetória de mais de um século, é evidente que as questões relacionadas à presença da música na escola e o debate em torno da sua inserção real na estrutura curricular da educação básica ganharam maior visibilidade a partir da lei 11.769. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 62).

Entendo que ainda há um longo caminho a ser percorrido, rumo ao

aperfeiçoamento das estruturas para a Educação Musical brasileira. Entretanto,

creio que as experiências do passado, aliadas às conquistas atuais, podem servir

como subsídios para grandes avanços na área.

A constante atualização dos educadores musicais e a aplicação de

sistematizações metodológicas adequadas, constituem importantes ações rumo a

tais melhorias. A seguir, apresentarei uma explanação sintetizada sobre algumas

dessas metodologias e seus autores.

3.2.4 Métodos ativos em Educação Musical: Dolcroze, Orff, Suzuki e Kodály

A transição entre os séculos XIX e XX foi marcada por fortes transformações em

vários setores (artísticos, educacionais, filosóficos etc.). Goulart (2016, p.1) afirma

que “o homem, que acreditava em verdades absolutas, em códigos morais fixos e

inquestionáveis, começa a olhar tudo isso sob o prisma da dúvida.” Neste cenário de

intensas mudanças, surgem autores de novas correntes filosóficas e pedagógicas,

como John Dewey (1859 – 1952) e Jean Piaget (1896 – 1980).

No âmbito da Educação Musical, destaco quatro referências. Esses músicos e

educadores, utilizando-se de práticas pedagógicas inovadoras para a época,

Page 72: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

72

lançaram metodologias e propostas de ensino que, de acordo com Goulart (2016, p.

1), são “as bases de toda a educação musical moderna.”

O suíço Émile Jaques-Dalcroze (1865 – 1950) realizou seus estudos musicais

em Paris e no conservatório de Genebra. Entre 1892 e 1910, período em que

lecionou harmonia no Conservatório de Genebra, desenvolveu uma metodologia que

ficou conhecida como Dalcroze Eurhythmics, tendo, como ideia básica, transformar o

ritmo em uma experiência física e/ou corporal.

A motivação para tal sistematização veio a partir de suas observações de que

os alunos não conseguiam “ouvir internamente” a música escrita na partitura21 e,

portanto, executavam-na de maneira mecânica, como afirma Goulart (2016):

Estas observações levaram Jaques-Dalcroze a compreender que faltava aos estudantes a coordenação entre olhos, ouvidos, mente e corpo necessária para aprender o repertório – e principalmente para tocar bem. Assim, percebeu que o primeiro instrumento musical que se deveria treinar era o corpo. Isto foi em 1887. (GOULART, 2016, p.2).

O termo Euritmia significa, literalmente, “bom ritmo”. A partir dele, Dalcroze

explorou os elementos da música partindo de três pressupostos: a) todos os

elementos da música podem ser experimentados ou vivenciados através do

movimento; b) todo som musical começa com um movimento, logo, o corpo produz

os sons; c) há um gesto para cada som e um som para cada gesto.

Os movimentos da Euritmia são improvisados pelos alunos e não constituem

uma coreografia ensaiada. Goulart (2016, p. 2) adverte que “muita gente pensa,

equivocadamente, que a Euritmia é uma espécie de dança, ou de ensino de

movimentos bonitos”.

Em suma, o professor que utiliza a metodologia de Dalcroze em suas aulas,

deve pedir a seus alunos: “mostrem-me o que vocês estão ouvindo” ao invés de:

“digam-me o que vocês estão ouvindo”. Transformando, assim, a experiência

musical em movimentos corporais concretos.

O húngaro Zoltán Kodály (1882 – 1967) realizou seus estudos em Budapest.

Em 1905, juntamente com o compositor Béla Bartók (1881 – 1945), iniciou um

21 Sistema utilizado para a grafia musical. A leitura e escrita dos elementos da música é realizada por

meio de um conjunto de símbolos, os quais são mundialmente padronizados e, apesar de não representar a única forma de registro da arte dos sons, é a mais difundida, principalmente na cultura ocidental.

Page 73: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

73

trabalho de pesquisa que visava resgatar e popularizar a música folclórica húngara,

isso refletiu diretamente no estilo de suas composições.

A partir de 1945, Kodály desenvolveu um sistema de Educação Musical

direcionado às escolas públicas de seu país, baseado no folclore e na cultura local.

Para ele, a música ajudava a desenvolver o intelecto e deveria ser acessível a todos

e, para tanto, utilizou-se de elementos musicais simples, com harmonias

consonantes (sem tensões) e melodias de fácil assimilação.

O canto foi o principal foco de suas experiências. Goulart (2016) afirma que

Kodály:

Considerava o canto como fundamento da cultura musical: para ele, a voz é o modo mais imediato e pessoal de nos expressarmos em música. Mesmo o acompanhamento harmônico é feito por vozes, pois o método enfatiza o canto coral. O canto não é apenas um meio de expressão musical, mas ele ajuda no desenvolvimento emocional e intelectual também. Para ele, quem canta com freqüência obtém uma profunda experiência de felicidade na música. (GOULART, 2016, p. 2).

Kodály não escreveu uma teoria educacional sistematizada. O que é

apresentado hoje como “seu método” consiste, na verdade, em uma compilação de

suas concepções pedagógicas, organizada por seus seguidores. A base melódica

das propostas por ele elaboradas é a escala pentatônica, uma vez que, após

algumas pesquisas, constatou que as crianças têm dificuldades em reproduzir,

vocalmente, os semitons (que provocam tensões) e, só após o domínio dessa

estrutura, as outras notas poderiam ser acrescentadas.

Em suas concepções para o ensino da música, há a utilização do solfejo

relativo ou o chamado “DÓ móvel”. Em outras palavras, trata-se de qualquer escala

sendo cantada sobre a estrutura de DÓ maior. O comando da movimentação de

alturas, do grave para o agudo, é feito com o manosolfa (movimentos manuais que

determinam variações de altura, uma provável influência de Dalcroze).

Além disso, Kodály utilizava o sistema de leitura e escrita de John Curwen

(1816 – 1880), o qual dispensa o pentagrama tradicional22 e combina as letras

22 Também chamado de pauta musical, é um conjunto de cinco linhas paralelas e horizontais,

formando quatro espações entre si. Nessas linhas e espaços são grafadas as notas musicais.

Page 74: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

74

iniciais das notas (DÓ = d; RÉ = r; MI = m; FA = f; SOL = s; LA = l; SI = s)) com os

valores rítmicos das figuras musicais23.

Carl Orff (1895 – 1982) nasceu e realizou seus estudos musicais em Munich.

Sempre esteve envolvido com outras expressões artísticas, como o teatro e a

literatura e, em 1924, juntamente com a dançarina Dorothea Günther (1896 - 1975),

fundou a Günther School, uma escola especializada em ensinar música, dança e

ginástica para crianças. Goulard (2016, p.2) esclarece que o método Orff “destina-se

a todas as crianças, não buscando os talentos privilegiados”. Ou seja, os alunos não

precisam ter qualquer conhecimento musical prévio para que o trabalho seja

iniciado.

A improvisação e as atividades lúdicas formam a base do trabalho de Orff.

Para ele o “fazer musical” deve preceder a leitura ou a escrita, exatamente como o

aprendizado da fala. A música folclórica faz parte desse processo educacional,

denominado Schulwerk (aprendizado através da criação). A proposta conta com

uma instrumentação específica. De acordo com Goulart (2016):

Existem também os instrumentos especiais para o método, que são xilofones de madeira e glockenspiels que oferecem como atrativo a facilidade de se controlar as notas disponíveis (é só remover uma ou mais placas) e também a produção imediata do som. (GOULART, 2016, p.2).

A figura 9 representa alguns instrumentos utilizados na metodologia de Orff:

Figura 9 - Exemplos do instrumental Orff

Fonte: http://aecmusica.blogspot.com.br/2010/03/o-instrumental-orff.html

23 Conjunto de símbolos que determinam as durações dos sons e silêncios. Para cada ícone que

representa um valor positivo (som), há um equivalente negativo (pausa), totalizando 14 símbolos.

Page 75: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

75

O japonês Shin’ichi Suzuki (1898 – 1998) estudou violino no Japão e na

Alemanha. Por ser filho de um luthier (construtor de instrumentos musicais),

conhecia bem a estrutura física do instrumento. Em 1946, lançou o Movimento de

Educação para o Talento, no Japão, cuja ideologia principal estava baseada na

premissa de que todos os indivíduos possuem talentos que, podem ser

desenvolvidos através da orientação adequada.

O princípio do Método Suzuki está na observação da facilidade de

aprendizado da língua materna, por parte das crianças. Em outras palavras, a

aprendizagem musical deve ser tão natural quanto a aquisição de habilidades

básicas, relacionadas à capacidade de verbalização, desde as bases da infância. A

esse respeito, Goulart (2016) ressalta que:

“Toda criança japonesa fala japonês!”, constata Suzuki. Este é o exemplo mais bem sucedido de processos de aprendizagem, pois tem cem por cento de eficiência: não há quem não aprenda (exceto raros casos excepcionais patológicos). Referindo-se ao seu método, Suzuki afirma que não fez nada mais do que uma adaptação dos princípios de aprendizagem da língua materna à educação musical. (GOULART, 2016, p. 3).

Nas concepções pedagógicas de Suzuki, observações auditivas e visuais

devem prevalecer sobre explicações verbais e carregadas de conceitos teóricos. Só

depois de assimiladas as habilidades técnicas básicas, para a execução do

instrumento, é que as primeiras noções de teoria e leitura da música serão

introduzidas e, ainda assim, de acordo com a faixa etária e o nível do aluno em

questão.

Os pais exercem um papel fundamental nesse processo de aprendizagem

musical. Eles acompanham as aulas juntamente com seus filhos e recebem, por

meio de livros e apostilas, instruções para que possam auxiliar a continuidade dos

estudos em casa. Para Suzuki, o processo de musicalização deve ser intenso e

contínuo, o aluno deverá permanecer, constantemente, imerso no universo musical,

seja tocando ou ouvindo música.

Com relação ao repertório utilizado no “Método Suzuki”, Goulart (2016)

ressalta que:

A literatura é formada de peças ocidentais barrocas e clássicas (por oferecerem padrões claros), deixando de lado os autores contemporâneos. Pode-se também incluir o folclore nacional de cada país, ou até substituir por ele todo o repertório. (GOULART, 2016, p. 3).

Page 76: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

76

O principal objetivo deste método é fazer com que o aluno execute, com

fluência e expressividade, cada nível alcançado, de modo que, pela própria

iniciativa, ele se interesse em evoluir para o próximo estágio e sinta prazer em tocar

para si ou para outras pessoas.

Em um quadro comparativo, constatei a existência de mais pontos em comum

do que divergências entre os quatro autores, aqui apresentados. Os métodos e

propostas foram desenvolvidos numa perspectiva de renovação, em relação aos

processos educacionais vigentes até então. Além disso, os alunos passaram a ser o

centro das atenções, tendo respeitadas suas necessidades e especificidades.

A seguir, o enfoque da pesquisa passará por algumas nuances do processo

de Educação Musical direcionado ao público infantil. A abordagem partirá das

particularidades de aquisição de conhecimento por parte das crianças, culminando

em estratégias de ensino da música, direcionadas e adequadas a este universo.

3.2.5 Educação Musical infantil: especificidades pedagógicas

O universo infantil pode ser, por vezes, algo particularmente complexo.

Considero que, para melhor compreendermos os processos de desenvolvimento da

aprendizagem entre crianças é preciso, em primeiro lugar, abandonarmos o mito de

que uma criança é um “adulto em miniatura”. De acordo com Goulart (2016, p. 5),

“um ponto fundamental é o reconhecimento da criança enquanto ‘ser visível’, dotado

de características próprias, e não um projeto de adulto, ou um adulto incompleto.”

As especificidades da educação infantil requer atenção, sensibilidade e

conhecimento didático/pedagógico por parte do educador. Cada fase do processo de

desenvolvimento intelectual possui suas próprias características, as quais devem ser

cuidadosamente observadas pelo professor.

O suíço Jean Piaget (1896 – 1980), além de zoologista, foi um psicólogo e

epistemologista de renome mundial. Ele dividiu o desenvolvimento cognitivo infantil

em quatro fases distintas:

Período sensório motor (0 a 2 anos) – aprendizagem da coordenação motora

elementar; aquisição da linguagem simples; preferências afetivas; noção de

permanência de objetos; início da compreensão de regras.

Período pré-operatório (2 a 7 anos) – domínio da linguagem; atuação dos

objetos sobre as pessoas; brincadeiras individuais; limitação em se colocar no lugar

Page 77: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

77

do próximo; desenvolvimento da coordenação motora fina; início da consciência

moral.

Período das operações concretas (7 a 11 ou 12 anos) – início da consciência

lógica; operações matemáticas e compreensão de fatos históricos e geográficos;

compreensão dos próprios erros; compreensão das necessidades alheias;

coordenação de atividades como jogos em equipe; menor atenção à opinião dos

adultos.

Período das operações formais (11 ou 12 anos em diante) – abstração

matemática (álgebra); formação de conceitos abstratos (liberdade/justiça);

capacidade de trabalhar com hipóteses impossíveis ou irreais; reflexões quanto a

própria existência; capacidade crítica de valores morais e sociais; moral própria

baseada na moral de um grupo; busca por novas experiências; desenvolvimento da

sexualidade.

O processo educacional infantil pode ser iniciado desde o período sensório

motor, porém, é a partir da faixa etária de sete anos que a criança possui melhores

condições de receber uma aprendizagem mais sistematizada. De acordo com Piaget

(2001):

A idade média de sete anos, que coincide com o começo da escolaridade da criança, propriamente dita, marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental. Em cada um dos aspectos complexos da vida psíquica, quer se trate da inteligência ou da vida afetiva, das relações sociais ou da atividade propriamente individual, observa-se o aparecimento de formas de organizações novas, que completam as construções esboçadas no decorrer do período precedente, assegurando-lhes um equilíbrio mais estável e que também inauguram uma série ininterrupta de novas construções. (PIAGET, 2001, p. 40).

Outro avanço no desenvolvimento para a aprendizagem, o qual ocorre nesse

período (operações concretas), pode ser observado na capacidade da compreensão

verbal, sem a necessidade de outros recursos. Piaget (2001) ressalta que, nesta

fase:

As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito do ponto de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente na ação material. (PIAGET, 2001, p. 41).

Page 78: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

78

A partir da afirmação do autor, entendo que o processo educacional, a partir

dos sete anos, pode ultrapassar o plano da materialidade concreta, uma vez que a

criança já compreende conceitos verbais abstratos.

No plano da Educação Musical, esses processos e fases de desenvolvimento

também podem ser observados, com o seguinte acréscimo: educar através de uma

expressão artística é mais que mera transmissão de conhecimentos teóricos,

podendo contribuir com a formação cultural do indivíduo. Com relação a essa

análise, Howard (1984) afirma que:

Um estudo especializado como o das relações entre a música e a criança deve necessariamente começar por uma análise geral da natureza da criança e suas reações, antes de se consagrar mais particularmente ao estudo das reações da criança diante da música. (HOWARD, 1984, p. 12).

Julgo pertinente, no processo de musicalização infantil, familiarizar a criança

com o ambiente musical, promovendo atividades prazerosas e associando cada

novo elemento introduzido a outro já conhecido. De acordo com Boscardin e Moura

(1989):

Os mais variados assuntos, ao serem trabalhados com crianças, devem partir de elementos ou situações já conhecidas e vivenciadas por elas. A música não é exceção. Quando o objetivo é sensibilizar ao fenômeno sonoro, todos os tipos de som, principalmente aqueles que fazem parte do dia-a-dia, devem ser explorados. (BOSCARDIN; MOURA, 1989, p. 12).

Acredito que o desenvolvimento da percepção rítmica deva fazer parte das

primeiras atividades em Educação Musical infantil. A duração dos sons e silêncios é

facilmente perceptível às crianças. Porém, conceitos teóricos são dispensáveis

nesta primeira fase, ou seja, o educador não diz o nome da “semibreve”24, mas

pronuncia um som longo (grande) e, em seguida, pede que o aluno o reproduza.

As pausas podem ser representadas com um simples movimento do dedo

indicador perto da boca (indicando silêncio). Boscardin e Moura (1989) ratificam

essa ideia da seguinte maneira:

24 Figura musical de maior valor no sistema tradicional de escrita. Normalmente, indica a duração de

um som longo.

Page 79: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

79

Não se inicia o trabalho rítmico a partir da apresentação de conceitos teóricos, o que impossibilita a verdadeira compreensão do assunto. Ao contrário, é importante sentir o ritmo musical, de modo que a passagem do nível intuitivo ao nível consciente desse aprendizado se faça de maneira natural e consistente. (BOSCARDIN; MOURA, 1989, p. 31).

Uma interessante sugestão da representação (visual e auditiva) para a

duração dos sons, tanto longos quanto curtos, é apresentada por Boscardin e Moura

(1989), a qual organizei a partir do quadro 3:

Quadro 3 - Esquema de Boscardin e Moura para durações sonoras

TIPO DE SOM TIPO DE LINHA E

REPRESENTAÇÃO AUDITIVA

REPRESENTAÇÃO VISUAL

som longo e

contínuo

Uma linha horizontal, com a

representação do som de sinal

da linha telefônica

___________________________

sons curtos,

com interrupção regular

Linhas tracejadas de mesmo

tamanho, com a representação

do som de uma torneira

pingando

___ ___ ___ ___ ___ ___ ___

sons curtos,

com interrupção

irregular

Linhas tracejadas de tamanhos

diferentes, com a representação

do som de pipocas estourando

___ _ _____ __ _ ___ __ _ _

Fonte: Boscardin e Moura (1989, p. 32).

Além da escolha por uma linguagem diferenciada, evitando excessos de

terminologias teóricas, considero importante ressaltar a necessidade de observação

do contexto cultural, no qual o aluno está inserido. A música não pode ser um

elemento impositivo de determinada cultura, em outras palavras, o educador musical

pode investigar o universo cultural de seus alunos e, dessa forma, escolher a

abordagem mais adequada. A esse respeito, Swanwick (2003) apresenta o seguinte

esclarecimento:

É óbvio que toda música nasce em um contexto social e que ela acontece ao longo e intercalando-se com outras atividades culturais, talvez com um grupo de pais atuando como agentes, ou talvez assegurando-nos da continuidade e do valor de nossa herança cultural – qualquer que seja -, ou ainda proporcionando um pouco de ânimo num jogo de bola. Quero argumentar que, embora escolhamos usar a música em ocasiões diferentes, para as pessoas envolvidas com educação a música tem de ser vista como

Page 80: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

80

uma forma de discurso com vários níveis metafóricos. (SWANWICK, 2003, p. 38).

Além dos aspectos culturais, apontados por Swanwick (2003), entendo que o

repertório escolhido deva ter relação com o universo do aluno. Músicas folclóricas

(como nas propostas de Kodály ou Suzuki), produzem bons resultados nos

processos de musicalização infantil. Além disso, cantigas de roda ou, até mesmo,

aquelas usadas em jogos e brincadeiras, também podem ser utilizadas, pois são

mais próximas das vivências musicais dos estudantes e podem tornar as atividades

mais dinâmicas e atrativas.

Os seres humanos já nascem com algum tipo de consciência musical (exceto

em alguns casos de deficiência mental, os quais não serão aqui abordados). Howard

(1984, p. 56) ressalta que “é comum encontrar crianças que cantam afinado e têm

um senso exato de ritmo”. Porém, ao começarem a estudar um instrumento,

normalmente as noções de afinação e ritmo se desajustam. Isso não ocorre,

necessariamente, por conta de incapacidades do aluno, mas por uma razão muito

simples: ele está iniciando um contato com algo novo e externo ao seu corpo.

Ensinar uma criança a tocar um instrumento musical requer, além de um bom

domínio técnico por parte do professor, a consciência de que um elemento novo

estar-se-á inserido àquele universo e, portanto, é absolutamente normal o

surgimento de algumas dificuldades. Com relação a esses possíveis entraves

pedagógicos, enfrentados pelas crianças ao iniciarem o aprendizado sobre um

instrumento musical, Howard (1984) relata que:

É inacreditável até que ponto, diante desses fenômenos, a maior parte dos educadores tendem a esquecer por completo que a criança que lhes foi confiada cantava, no entanto, afinado e no tempo; logo falam dela como carente de dons musicais. No entanto, a pretensa “falta de dons”, tanto nas crianças como nos adultos, é simplesmente a dificuldade de se familiarizarem com as condições do jogo instrumental, as atitudes, os gestos, os movimentos de que eles necessitam. É essa dificuldade, a obsessão que ela suscita, os esforços que provoca, que obscurecem os dons para a música. (HOWARD, 1984, p. 56).

Nem sempre a sensibilidade musical está, necessariamente, associada à

capacidade técnica. As duas podem ser desenvolvidas e, ao educador musical, cabe

a incumbência de não confundi-las. Além disso, é necessário ser paciente na busca

por bons resultados, respeitando os limites e o tempo de aprendizagem, os quais

Page 81: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

81

são diferentes de um indivíduo para outro. Sobre isso, Howard (1984) traz o seguinte

alerta:

Frequentemente os que possuem a sensibilidade musical mais refinada são os que experimentam maiores dificuldades em combinar essa sensibilidade com a sensibilidade técnica. A inútil atitude dos adultos consiste em exigir das crianças que exercitem, que toquem de uma maneira musical e tecnicamente adequada, terá apenas um efeito de um entrave mortal sobre elas. (HOWARD, 1984, p. 57).

No que se refere às legislações para o ensino infantil, o Brasil conta com os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Neste documento, encontram-se

diretrizes educacionais de diversas áreas do conhecimento, inclusive direcionadas à

Educação Musical.

As orientações acerca do ensino da música, presentes nos Parâmetros

Curriculares Nacionais envolvem:

- Comunicação e Expressão em Música: interpretação, improvisação e

composição.

- Apreciação Significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão

da linguagem musical.

- A Música como Produto Cultural e Histórico: música e sons do mundo.

Para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula. (P.C.N. – Arte 1ª a 4ª série, 1997, p.53).

Em termos didático/educacionais e, além de conteúdo previsto nos PCNs,

considero que a improvisação25 deva ser um elemento constante na Educação

Musical infantil. Ela estimula a criatividade e a espontaneidade do aluno, os

“pequenos músicos” podem ser incentivados a produzir, mais do que simplesmente

reproduzir.

Segundo Howard (1984, p. 59), “o ensino puramente mecânico da música tem

sido frequentemente condenado”. Ou seja, as atividades musicais apresentam

25 Improvisação musical é a arte de compor espontaneamente, ou seja, é “inventar na hora”. Pode

ser sobre uma harmonia, uma melodia, um solo ou um ritmo. Essa ação é a combinação entre a sensibilidades técnico/musical e a criatividade.

Page 82: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

82

melhores resultados se forem flexíveis, dinâmicas e inovadoras, principalmente

quando direcionadas às crianças.

O próximo tópico da pesquisa se refere à legislação mais recente, relacionada

às determinações para o ensino da música na educação regular brasileira.

3.2.6 Lei 11.769/08: inserção da música no currículo educacional

brasileiro

Em 18 de agosto de 2008, o então presidente da república, Luís Inácio Lula

da Silva, sancionou a Lei 11.769/08, determinando o ensino da música como

conteúdo obrigatório na educação regular brasileira. Com relação ao prazo limite

para a efetiva implementação da referida legislação, Costa (2015) esclarece que:

O ano de 2012 é data limite para que todas as escolas públicas e privadas do Brasil incluam o ensino de música em suas grades curriculares. A exigência surgiu com a lei nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que determina que a música deve ser conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica. "O objetivo não é formar músicos, mas desenvolver a criatividade, a sensibilidade e a integração dos alunos" [...]. (COSTA, 2015, p.1).

Vale ressaltar que, de acordo com os termos legais, a música não deve ser,

obrigatoriamente, uma disciplina exclusiva, mas um dos conteúdos ou linguagens

pertencentes à grade curricular da disciplina artes, a qual também pode englobar

outras expressões como artes plásticas e cênicas.

Embora não seja uma exigência legal, algumas instituições de ensino

(principalmente privadas) oferecem a música como disciplina independente. Creio

que tal fato representa um elemento atrativo, nas disputas mercadológicas entre

esses estabelecimentos.

Apesar de uma conquista para a educação musical e, consequentemente,

para a cultura brasileira, ainda não há um consenso quanto à plenitude qualitativa da

Lei 11.769/2008. Um dos pontos mais questionados é a não obrigatoriedade da

formação específica dos professores de música. Acerca desse aspecto, Costa

(2015) faz a seguinte recomendação:

É necessário prestar atenção se o seu filho está tendo aulas de música com uma equipe adequada ou mesmo se esse tipo de aula está sendo oferecida

Page 83: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

83

na escola dele, como diz a lei. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, só estão autorizados a lecionar na educação básica os professores com formação em nível superior, ou seja, profissionais que tenham cursado a licenciatura em Universidades e Institutos Superiores de Educação na área em que irão atuar. No entanto, há uma enorme carência de profissionais com formação superior em Música capacitados para lecionar. (COSTA, 2015, p.1).

De acordo com os pressupostos da Lei 11.769/08, principal objetivo do ensino

da música na educação brasileira é o desenvolvimento global do indivíduo, a partir

da compreensão e difusão de valores como senso estético, sociabilidade, sentido de

parceria e cooperação, expressividade, capacidade criativa, entre outros.

Os conteúdos programáticos não são direcionados ao “virtuosismo musical”

ou à busca de “grandes talentos”. Costa (2015) ressalta que:

O ensino de música não é como antigamente, quando se aprendia as notas musicais e canto orfeônico, mas o que as crianças devem aprender nas aulas? O MEC recomenda que, além das noções básicas de música, dos cantos cívicos nacionais e dos sons de instrumentos de orquestra, os alunos aprendam cantos, ritmos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos para, assim, conhecer a diversidade cultural do Brasil. A lei não especifica conteúdos, portanto as escolas terão autonomia para decidir o que será trabalhado. É muito complicado impor um conteúdo programático obrigatório para as aulas de música, quando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9294/96 privilegia a flexibilidade do ensino [...] o mais importante seria trabalhar a coordenação motora, o senso rítmico e melódico, o pulso interno, a voz, o movimento corporal, a percepção, a notação musical sob bases sensibilizadoras, além de um repertório que atinja os universos erudito, folclórico e popular. (COSTA, 2015, p.3).

O ensino de música pode envolver o capital simbólico e cultural da região em

que a escola está inserida. Considero importante o trabalho sobre uma perspectiva

que contemple os pais, os alunos e o contexto sociocultural em questão. As

estratégias didáticas devem ser norteadas pela ludicidade dinâmica. Segundo Brito

(2009, p. 12) “brincando as crianças apreendem aspectos de ordens diversas,

relativos à percepção de alturas, de ritmos, de estruturas formais, caráter etc.” Os

chamados brinquedos ou jogos musicais caracterizam uma excelente ferramenta

pedagógica.

Crianças são essencialmente seres musicais. As energias emanadas pelo

efeito sonoro são naturalmente assimiladas por elas e, consequentemente,

transformadas em movimentos ou gestos produtores de som, seja através de meios

vocais, corporais ou com a utilização de materiais diversos. A improvisação é outro

Page 84: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

84

subsídio que deve estar constantemente presente nas aulas de música inseridas na

educação básica, uma vez que, de acordo com Brito (2009):

A improvisação como modo de realização musical se aproxima do pensamento musical infantil que prioriza o permanente movimento, em lugar da estabilidade do produto musical. No curso da experiência com a dinâmica transformação da consciência e também por força dos modelos que apreende e aprende nas aulas de música, as crianças internalizam as características de estabilidade do fato musical e, não raro, deixam de improvisar e de criar, enfim. É essencial, também por isso, que o relacionamento com a música inclua e estimule a criação, em todas as suas instâncias! (BRITO, 2009, p. 15).

A seguir, apresento duas propostas de atividades de musicalização para

educação básica, elaboradas por Brito (2009, p. 16):

1) Criação sonora – Pede-se às crianças que apresentem sons (vocais ou

corporais) que sabem fazer e que também inventem outros. Palmas, batidas, ruídos,

imitação de animais, estalos etc. serão realizados, estimulando as crianças a

desenvolverem a percepção auditiva de diferentes sons.

2) Improvisação - Propõe-se que cada criança escolha seu próprio “gesto

sonoro”. A partir de então, é iniciado o jogo de improvisação com a combinação de

alguns critérios (regência, entradas, variações de intensidade etc.). As crianças

também podem reger.

A autora ainda sugere que as atividades podem ser registradas (em áudio ou

vídeo) e, posteriormente, apresentadas e comentadas com as crianças, estimulando

suas próprias análises.

Outra interessante proposta de atividade, desenvolvida por Brito (2009), é a

construção de instrumentos musicais a partir de materiais recicláveis, como

podemos observar, detalhadamente, nas orientações a seguir:

- Com caixas de papelão duro ou com latas de diferentes tamanhos é possível produzir os tambores mais simples! Basta encontrar as baquetas (que um par de “palitos chineses” com rolhas presas nas pontas resolve) e sair tocando! - Utilizando bexigas (ou balões) para cobrir a borda da lata, os tambores contarão com uma membrana. Nesse caso, escolha as mais resistentes, verificando a compatibilidade (bexigas muito pequenas não cobrem a boca de uma lata de Nescau, por exemplo), cortem a parte afunilada e estiquem-na bastante na borda, prendendo com fita crepe ou durex colorido. - Latas, potes plásticos de iogurte, ou de Yakult etc., podem se transformar em maracas ou chocalhos (com pedrinhas, areias, grãos... em seu interior).

Page 85: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

85

- Papelões ondulados transformam-se em reco-recos, podendo ser colados em tubos de papelão (de papel gordura, por exemplo) enquanto que algumas garrafas PET onduladas são espécies de reco-recos que já vêm prontos! Basta providenciar uma baqueta! - Se as crianças puderem decorar seus instrumentos, tanto melhor, lembrando que o importante é que a produção esteja o mais perto possível da capacidade de confecção de cada uma delas. Os adultos devem ajudar no que for preciso, sem fazer por elas, no entanto. Por isso, convém confeccionar coisas simples! - Elásticos de prender dinheiro colocados em volta de uma caixa de papelão firme (aberta, de preferência) transformam-na em um instrumento de cordas. Será possível constatar, com as crianças, que quanto mais esticado o elástico, mais agudo é o som (e vice versa). - Com um tubo de conduíte (usado para conduzir e proteger fios de eletricidade) é possível fazer uma “trompa”. É só enrolar o tubo (cerca de um metro) no formato do instrumento, prender com fita crepe e colocar algo na ponta para funcionar como uma campana (um cone de papelão, de plástico ou feito de cartolina, um funil etc.). Expirando e inspirando no bocal descubram diferentes sonoridades. (BRITO, 2009, p.18).

As aulas de música podem servir como base de compreensão de outros

aspectos, além da arte dos sons. A interdisciplinaridade é um termo amplamente

discutido atualmente, através da qual os alunos aprendem conceitos integrados, ao

invés de meramente fragmentados por disciplinas separadas umas das outras.

Culturas regionais, lendas folclóricas, hábitos sociais são apenas alguns

aspectos passíveis de serem abordados por meio da educação musical e, para

tanto, considero importante que o professor de música esteja articulado com

professores de outras áreas. Com relação à relevância da familiaridade com o

ambiente sonoro, Marinho e Queiroz (2009) afirmam que:

Na realização de um trabalho como o ilustrado pela música Feira de Cabedelo é possível envolver uma série de aspectos importantes para a educação musical, como, por exemplo: pesquisar o meio ambiente que será representado na composição, para descobrir as suas sonoridades e características culturais; experimentar diferentes alternativas e recursos para a produção de sons daquele ambiente; trabalhar os aspectos rítmicos e estruturais em geral, que servirão de base para a música; investigar, descobrir e explorar elementos culturais diversos empregados no ambiente sonoro (pregões, parlendas, gêneros musicais etc.); criar uma forma (des)organizada de apresentação dos sons para a estruturação da música, envolvendo elementos composicionais e de improvisação; etc. Outras possibilidades composicionais poderiam ser realizadas considerando paisagens sonoras de contextos culturais como rodoviárias, praças, centros urbanos, praias, florestas etc. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 63).

Tais elementos servem, em termos pedagógicos, não apenas para que os

alunos vivenciem as paisagens sonoras e características de sua região, mas

também conhecer outras expressões, culturas e contextos sociais. Ou seja, o ensino

Page 86: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

86

da música amplia as possibilidades de integração social e/ou regional, auxiliando

outras disciplinas como a geografia, por exemplo.

Além disso, considero que a educação musical, a partir da transmissão de

habilidades relacionadas a estruturas de divisões métricas e rítmicas, também pode

auxiliar o desenvolvimento do raciocínio lógico e da compreensão de parâmetros

numéricos e espaciais, fundamentais para a aprendizagem de conceitos úteis à

matemática ou à física.

Em suma, compreendo que a inserção do ensino da música, no currículo

regular brasileiro, representa um salto qualitativo em nossa educação. Certamente,

um longo caminho ainda será percorrido até o aperfeiçoamento dessa ação

pedagógica, mas, com políticas públicas adequadas, que contemplem boas

condições físicas e de capacitação profissional, as futuras gerações poderão ser

amplamente beneficiadas pela Lei 11.769/2008.

3.3 As concepções de Swanwick para o ensino da música como

elemento catalisador da aprendizagem

Na atualidade, o pesquisador e educador musical britânico Keith Swanwick é

considerado uma das principais referências para o ensino da música. Além de

seguidor das teorias “piagetianas”, nas quais a aprendizagem deve seguir as etapas

de desenvolvimento do indivíduo, ele defende a utilização da música como uma

espécie de ferramenta, catalisadora da capacidade de assimilação de diferentes

conhecimentos.

Formado pela Royal Academy of Music, uma das mais renomadas instituições

de ensino musical da Europa, atua como professor emérito do Instituto de Educação

da Universidade de Londres. As pesquisas de Swanwick são baseadas em

pressupostos onde todos podem ter acesso ao ensino da música, uma vez que a

“música é uma forma de discurso tão antiga quanto a raça humana”. (Swanwick,

2003, p.18).

Para o autor, as práticas didáticas devem valorizar a experiência, acima de

conceitos teórico/musicais. “Escutar sons como música exige que desistamos de

prestar atenção nos sons isolados e que experimentemos, em vez disso, uma ilusão

de movimento, um sentido de peso, espaço, tempo e fluência”. (Swanwick, 2003,

p.30).

Page 87: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

87

Com o intuito de embasar a ideia de que as nuances do ensino da música

podem contribuir para os processos de aprendizagem, apresentarei, a seguir,

algumas concepções pedagógicas de Keith Swanwick. Vale ressaltar que as

abordagens de suas teorias não serão, aqui, direcionadas à formação específica em

música, mas na perspectiva de aplicabilidade em outras áreas e, no caso da

presente pesquisa, para a alfabetização.

3.3.1 A música como categoria discursiva na perspectiva de Swanwick

A Educação Musical deve conceber a arte dos sons como discurso. Para

Swanwick, esse processo está dividido em três princípios, os quais são descritos por

Oliveira e Rezende (2015):

O primeiro princípio é assumir a música como um discurso. É importante destacar que, neste primeiro princípio, já estão presente os três níveis de transformação metafórica. [...] O segundo princípio é considerar o discurso dos alunos, relevando também sua a bagagem musical durante o processo de aprendizagem. Essa postura é uma forma de estimular o envolvimento e a integração dos alunos com o processo educativo e também uma maneira de estimular a manutenção da curiosidade, tão necessária à aprendizagem. O terceiro princípio retoma o primeiro na medida em que reafirma a importância da fluência do discurso musical do início ao fim. (OLIVEIRA; REZENDE, 2015, p. 80).

Para a concepção da música como discurso, Swanwick considera a evolução

de suas habilidades, um conjunto de transformações metafóricas. Em outras

palavras, o elemento musical será compreendido e desenvolvido pelo aluno em

diferentes níveis.

De acordo com os aportes teóricos de Swanwick (1986), apresento um

esquema organizador das principais características pertinentes a cada estágio de

evolução musical. Cada nível de desenvolvimento engloba a noção do crescimento

musical, envolvendo um padrão sequencial. Cada estágio possui duas fases e, a

partir das pesquisas realizadas pelo autor, é possível observar características

específicas para cada um desses estágios e fases. Tais etapas são cumulativas,

como demonstradas na tabela 1:

Page 88: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

88

Tabela 1 - Estágios e fases do desenvolvimento musical

ESTÁGIO DESCRIÇÃO FASES CARACTERÍSTICAS

MATERIAIS

O sujeito focaliza o som, o prazer de

manipulá-lo.

Sensorial

Pulsação irregular, explora e experimenta os

instrumentos e sons vocais. Organização sonora espontânea.

Manipulativo

Possibilidade de controle do instrumento e pulsação regular. Compartilha uma

interação musical social.

EXPRESSÃO

É a expressão própria da música,

apresentando seus sentimentos, estados

de ânimo e movimentos.

Pessoal

Corresponde ao início das explorações de

mudanças de andamento e dinâmica, em frases elementares. Gestos

musicais.

Vernáculo

Os padrões rítmicos começam a surgir. Mais

organização na métrica e apresenta influências no

cantar, tocar e ouvir.

FORMA

Surge a consciência das relações

estruturais na música como tensão/repouso,

repetição e o contraste.

Especulativo

Refere-se ao aparecimento da

preocupação com a coerência estrutural da

música e a procura pelos contrastes de ideias

musicais.

Idiomático

O estilo é reconhecido em um idioma musical e

o controle técnico é maior.

VALOR

Surgem as ligações com valores pessoais

tornando a música uma atividade significativa.

Simbólico

Refere-se à atenção nas relações formais e no caráter expressivo em

forma de fusão. Domínio técnico com forte comprometimento

pessoal.

Sistemático

O compositor, intérprete ou ouvinte reflete sobre a

experiência musical. Baseado em seu

crescimento musical, acontece a expansão

sistemática das possibilidades do discurso musical.

Fonte: (SWANWICK, 1988; 2003).

Page 89: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

89

No primeiro estágio de desenvolvimento, denominado Materiais, a resposta

do aluno é caracterizada pela impressão do som, particularmente considerando suas

propriedades: timbre (tipo de fonte emissora), intensidade (forte-fraco), altura

(agudo-grave) e duração (longo-curto), manipulados com pouca caracterização

expressiva e, portanto, com predomínio dos aspectos figurais sobre os operativos.

O segundo estágio, denominado Expressão, caracteriza-se pela

reorganização dos aspectos figurais, por meio da capacidade de explorar as

mudanças de andamento (velocidade da música) e dinâmica (força do som), que

estão para além das propriedades físicas do elemento sonoro. Nesse processo, o

indivíduo deixa de apenas responder às impressões do som, passando a oferecer

expressões pessoais.

O terceiro estágio do desenvolvimento musical, denominado Forma,

apresenta evolução em relação ao anterior, com a possibilidade de maior domínio,

não só das propriedades do som, mas de seu caráter expressivo. Esse estágio é

parecido com os aspectos operativos do pensamento, nos quais predominam

regulações mais complexas das relações parte-todo. Correspondem a especulação

da estrutura do discurso musical, a repetição intencional de padrões e a contestação

advinda da interpretação, além de controle técnico/expressivo e estrutural mais

consistente.

O quarto e último estágio, denominado Valor, indica crescente capacidade de

pensamento e de comunicação, possíveis por meio da representação simbólica.

Nesse estágio, os sujeitos não se prendem tanto às convenções da forma, mas

ampliam o senso afetivo da música, ou seja, suas produções emocionantes e

significativas. Tal processo, que engloba os estágios anteriores, permite reflexão

sobre sua própria experiência musical.

O processo metafórico, concebido por Swanwick, compreende o apreciador

como sujeito ativo do fazer musical, além de não promover incompatibilidade entre o

pensamento e o sentimento; entre a aprendizagem e as categorias afetivas.

De acordo com estas considerações, entendo que uma das funções da

apreciação musical é inserir o indivíduo social dentro de um diálogo, colocando-o em

contato com o discurso e a forma simbólica musicais, fazendo novas conexões

críticas e estéticas, reforçando a cultura e promovendo a aprendizagem de outras

áreas.

Page 90: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

90

Música é discurso e, mesmo não necessariamente envolvendo elementos

textuais, pode desenvolver a capacidade discursiva de quem é nele inserido.

Swanwick (2003, p. 18) compara a experiência musical a uma conversação,

afirmando que “para aqueles que estão dentro (da conversação), tais experiências

podem, de tempos em tempos, ser insights poderosos”.

3.3.2 Teoria espiral: aprendizagem em níveis progressivos

A partir da teoria de desenvolvimento musical, descrita anteriormente, Keith

Swanwick sugere as análises recorrendo à imagem de uma espiral. Sua estrutura é

baseada em duas dimensões: o lado esquerdo e o direito, relativos à construção

pessoal e à interação social, respectivamente. O equilíbrio neste processo dialético,

entre assimilação e acomodação, é garantido pelas contínuas trocas entre a

estrutura de pensamento e as interações com o outro.

De acordo com Oliveira e Reis (2011):

Neste processo de conhecer, é revelado o papel do outro e dos objetos de conhecimento na estruturação cognitiva do sujeito, oferecendo resistência aos esquemas do sujeito e demonstrando a fragilidade ou insuficiência da estrutura de pensamento. Ao se deparar com a incompletude dos esquemas, a estrutura é convidada à transformação advinda da modificação dos esquemas existentes ou construção de novos esquemas. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 6).

Em consonância com as abordagens de Oliveira e Reis (2011), O lado

esquerdo da espiral enfatiza a maneira egocêntrica do indivíduo, de responder à

música em cada um dos quatro estágios, ao passo que, o lado direito, corresponde

ao movimento em direção a respostas socialmente compartilhadas. A figura 10

representa o esquema espiral de Swanwick:

Page 91: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

91

Figura 10 - Esquema espiral de Swanwick

Fonte: http://studentbernhardsydow.blogspot.com.br/2008/11/o-verdadeiro-mtodo-de-estudar

O modelo espiral, como representação do desenvolvimento musical, resultou

das investigações de Swanwick sobre a origem teórica da evolução da experiência

musical, por meio do estudo do jogo, na perspectiva de Piaget (1978).

Nesta comparação, Swanwick entende a música como uma forma de jogo

ampliado, que consta de um triângulo de três partes, constituído pelos conceitos

“piagetianos” de: domínio (refere-se a controle dos materiais musicais), imitação

(corresponde aos momentos de representação, ou seja, quando há referências aos

eventos da vida; um ato de acomodação) e jogo imitativo (cria-se um mundo de

novas relações, além dos elementos ao nosso redor).

Atrelados à compreensão musical, estão os processos cognitivos, sociais e

afetivos, cuja evolução é gradativa e supõe um progresso que pode ser

representado nos dois aportes teóricos, por uma espiral indicando que, para todo

processo de crescimento, deve haver espaço para a reorganização e reflexão. De

acordo com Oliveira e Reis (2011, p. 8) “o desconhecimento ou o desrespeito a este

progresso paulatino, no ato de ensinar música ou qualquer outra disciplina escolar, é

prejudicial ao desenvolvimento do aluno.”

Tal perspectiva gradativa para a aprendizagem, que constitui a espiral,

permite a passagem dos aspectos figurativos aos operativos, na construção do

conhecimento. Enquanto os aspectos figurativos são responsáveis pelas sensações

Page 92: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

92

e percepções, os operativos referem-se à lógica e à compreensão. No período pré-

operacional, são tarefas de desenvolvimento a constituição das classes e da

inclusão dos objetos nas mesmas, a capacidade de nomear e de incorporar as

informações advindas do meio social.

Essa evolução, dos aspectos figurativos para os operativos, é descrita por

Oliveira e Reis (2011) da seguinte maneira:

A evolução do pensamento que vai dos aspectos figurativos aos operativos, depende da interação que é o ponto alto do processo de aprendizagem e ocorre exatamente pela preservação da experiência individual inserida num contexto social. Em Piaget, o desenvolvimento cognitivo se interliga ao desenvolvimento social, tanto no início das atividades da criança sobre o meio, como no período das operações lógicas. Swanwick salienta o mesmo em sua teoria adotando em cada período uma fase mais pessoal e intuitiva e outra mais analítica, formal, onde há uma interação musical socialmente compartilhada. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 8-9).

Em síntese, para a aprendizagem e o desenvolvimento musical, “existe uma

sequência, um desdobramento metódico de comportamento musical, que existem

estágios cumulativos através dos quais o comportamento musical da criança pode

ser traçado.” (SWANWICK, 1988, p.53).

Keith Swanwick apresenta uma visão criativa que, nos últimos anos, vem

trazendo novas perspectivas em termos de educação musical. Tal abordagem

enfatiza a expressão, sentimento e envolvimento, representando uma trajetória por

meio da qual o professor estimula seu aluno a construir o conhecimento através da

exploração e da criatividade.

Sob a égide dessa concepção, o aluno é visto como um inventor, um

improvisador, um compositor. No mesmo sentido, o papel do professor passa de

“diretor musical” para o de intermediador/facilitador do processo de aprendizagem,

promovendo e estimulando as capacidades reflexivas e criativas do objeto da ação

pedagógica (estudante), o qual assume um caráter mais ativo na construção dos

conhecimentos.

3.3.3 Parâmetros da experiência musical (T.E.C.L.A.)

As concepções de Keith Swanwick, para o desenvolvimento da aprendizagem

em níveis e aplicadas ao ensino da música, são atreladas ao Modelo de Atividades

Page 93: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

93

ou Parâmetros da Experiência Musical, definidos pela sigla CLASP26. Para o

português, a tradução aproximada consiste em (T)EC(L)A.

Trata-se de um modelo de parâmetros ou atividades musicais para a

construção curricular. Cada letra da sigla corresponde às seguintes categorias

didáticas: composição, execução e apreciação, sendo a técnica e a literatura

elementos que servirão de apoio para o processo. De acordo com Oliveira e Reis

(2011):

Os parâmetros de composição, execução e apreciação encontram-se na base da estruturação curricular, sendo que os parâmetros de técnica e literatura são considerados como complementares no processo de educação musical. A utilização da combinação desses dois modelos – de conhecimento e de atividade – justifica-se na medida em que ambos são complementares para o desenvolvimento musical do indivíduo. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 12).

A partir dos esclarecimentos dos autores, acerca da sigla TECLA, considero

evidenciado que os principais parâmetros, para o desenvolvimento da aprendizagem

em música são composição (construção musical), execução (fazer prático,

instrumental ou vocal) e apreciação (experiência auditiva dos elementos estruturais

da música e reconhecimento de diferentes gêneros). Como ferramentas de

otimização desses procedimentos, há a técnica (relacionada a habilidades de

coordenação motora ou utilização da voz) e a literatura (contato com registros

escritos, seja em livros ou partituras).

Compreendendo as ideias de Swanwick, onde a aprendizagem ocorre em

diferentes níveis, Oliveira e Reis (2011) fazem uma relação dessa abordagem com

as propostas de Piaget:

Ao relacionarmos esses dois teóricos, Piaget e Swanwick, pudemos perceber que ambos levam em consideração o fato do sujeito transitar pelos estágios de desenvolvimento de forma dinâmica. Por exemplo, se o indivíduo na música apresentar conteúdo de desenvolvimento relacionado ao pensamento operatório formal, não significa que ele apresentará conteúdo de aprendizagem (operatório formal) em todas as áreas de conhecimento. Entretanto, a forma de raciocínio operatório formal está disponível para a aprendizagem de todos os conhecimentos com os quais o sujeito se deparar. Se o mesmo não desenvolveu o lado perceptivo, sensorial para música, este aplicará a estrutura que possui no seu desenvolvimento musical. (OLIVEIRA; REZENDE, 2011, p. 13).

26 Em inglês, refere-se a composition; literature studies; appreciation; skil aquisition e performance.

Page 94: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

94

Os Parâmetros da Experiência Musical constituem elementos integrados,

onde todos podem ser desenvolvidos simultaneamente em cada nível da

aprendizagem. Em outras palavras, a composição, por exemplo, não deve ser

compreendida no sentido estrito de organizações sonoras complexas. Ela pode ser

estimulada a partir da criatividade, em um ambiente pedagógico onde o aluno sinta-

se à vontade para “brincar com os sons”.

A doutora em educação musical Cristina Grossi (2010)27, define as propostas

pedagógicas de Keith Swanwick como pilares utilizados por muitos profissionais da

área, na atualidade. Suas conclusões apontam que:

Para a apreciação musical ou para o desenvolvimento da “mente musical” através da audição, seu trabalho oferece orientações preciosas. Já são muitos os trabalhos na área cujos autores vem aplicando e ampliando seu modelo. [...] Nessa problemática, muitas das ideias e conceitos contidos na teoria do desenvolvimento musical de Swanwick proporcionam uma estrutura suficientemente ampla para um trabalho eficiente, que ajude no entendimento das complexidades envolvidas nas experiências musicais. (GROSSI, 2010, p. 38).

Baseado nessas perspectivas, considero que um dos aspectos mais

importantes das ideias de Keith Swanwick é o de oferecer fundamentos qualitativos,

para as ações dos educadores musicais, sistematizando, tanto a prática sobre a

teoria quanto o inverso. Tais Ideias contemplam a experiência musical real das

pessoas, onde o ensino da música deva ser, de fato, “musical”, além de ter relação

direta com as formas e contextos em que os estudantes tenham contato com essa

arte.

3.3.4 Música e a aprendizagem significativa

Aprendizagem Significativa é um conceito desenvolvido desde a década de

1960. David Paul Ausubel (1918 – 2008)28 foi o primeiro autor a utilizar essa

27 Doutora em Educação Musical pelo Instituto de Educação, Universidade de Londres (Inglaterra),

com orientação do Professor Doutor Keith Swanwick. É professora adjunta do Departamento de Música, Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Membro do Conselho Editorial da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) e associada a International Association for the Study of Popular Music. 28 Psicólogo da educação e pesquisador norte-americano. Defendeu a ideia de que, quanto mais

sabemos, mais aprendemos. Quando sua teoria foi apresentada, em 1963, as ideias behavioristas predominavam. Acreditava-se na influência do meio sobre o sujeito. O que os estudantes sabiam não era considerado e entendia-se que só aprenderiam se fossem ensinados por alguém. A concepção

Page 95: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

95

terminologia, para indicar que os parâmetros lógicos da aprendizagem transformam-

se em eventos psicológicos, a partir de conhecimentos já estabelecidos. Segundo

Moreira (1999):

Ausubel insistia com uma “teoria de aprendizagem significativa” e dizia que é no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o aprendiz. (MOREIRA,1999, p.9).

Portanto, o conceito refere-se a um processo no qual uma nova informação é

relacionada a um tipo de saber relevante, já existente, da estrutura de conhecimento

de um indivíduo. Neste sentido, infiro que há uma interação entre os aspectos

pertinentes à estrutura sócio/cultural do aluno e os novos conhecimentos por ele

adquiridos.

Keith Swanwick também utilizou os ideais de Ausubel para o desenvolvimento

de suas teorias. Neste campo do ensino da música, suas relações com o conceito

de Aprendizagem Significativa indicam que as contextualizações culturais e sociais

dos alunos devem ser permanentemente inseridas no processo educacional. A esse

respeito, Campos (2006) enfatiza que:

Respeitar o universo cultural dos alunos e seus conhecimentos prévios exige, antes de tudo, conhecer os elementos e experiências que compõem esse universo. E se a prática pedagógica é condicionada por esse conhecimento, torna-se necessário considerá-lo como fundamental em uma abordagem de aprendizagem significativa. (CAMPOS, 2016, p. 150).

As abordagens de Swanwick (2003), atreladas aos conceitos da

Aprendizagem Significativa, indicam que os alunos não devem ser concebidos como

um “papel em branco”. Segundo ele, “não os introduzimos na música; eles são bem

familiarizados com ela, embora não a tenham submetido aos vários métodos de

análise que pensamos ser importantes para seu desenvolvimento futuro”. (2003, p.

66-67).

Considero importante salientar que, transpondo o conceito de Aprendizagem

Significativa para o campo do conhecimento musical, torna-se necessário partir do

princípio de que o aluno possui, em seu conjunto de saberes, experiências e ideias

de ensino e aprendizagem de Ausubel segue na linha oposta à dos behavioristas. Para ele, aprender significativamente é ampliar e reconfigurar ideias já existentes na estrutura mental e, com isso, ser capaz de relacionar e acessar novos conteúdos.

Page 96: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

96

formuladas (mesmo antes de ser inserido na escola formal). Suas concepções de

ritmo e melodia, seu possível contato com instrumentos, ou ainda sua afinidade com

determinados gêneros musicais já possuem algum tipo de significado.

Dessa maneira, a falta de domínio técnico da linguagem musical – leitura e

escrita – ou a pouca familiaridade com termos mais específicos, não pode ser

entendida como um total desconhecimento com relação à música.

Os pressupostos analisados revelam a necessidade de associação

significativa para que a aprendizagem se realize. Portanto, julgo necessário

fundamentar os princípios do ensino da música em tais aportes. Sobre tal aspecto,

destaco o alerta de Moreira (1999):

Ao se procurar evidências de compreensão significativa, a melhor maneira de evitar uma “simulação da aprendizagem significativa” é formular questões e problemas de maneira nova e não familiar que requeira máxima transformação do conhecimento adquirido. (MOREIRA, 1999, p. 56).

Em uma concepção sintetizada dos pressupostos abordados, considero que,

seja nas aulas individuais de instrumento musical, em grupo, ou simplesmente

relacionadas a aspectos estéticos da música, o professor de pode promover

integração entre as informações e propiciar situações diversas para que os alunos

tenham a oportunidade de transformar (ou ressignificar) seu conhecimento. As

atividades de interpretação, apreciação e composição musical devem contribuir para

isso, apresentando algo significativo para os alunos, motivando-os a descobrir e

aprender em diversas situações.

Um dos aspectos importantes na reflexão sobre a Aprendizagem Significativa

em música é ressaltado por Moreira (1999), onde o autor admite a ligação entre

pensamentos, sentimentos e ações, afirmando que:

Atitudes e sentimentos positivos em relação à experiência educativa tem suas raízes na aprendizagem significativa e, por sua vez, a facilitam. À medida que o ensino propiciar experiências afetivas positivas, essa interligação ocorrerá também positivamente e gerará no aprendiz uma maior Predisposição para aprender. Essa predisposição juntamente com a estrutura cognitiva adequada e o significado lógico dos materiais educativos do currículo, é a condição indispensável para a aprendizagem significativa. (MOREIRA, 1999, p.53).

Os aportes que relacionam a importância dos saberes pré-existentes com a

aquisição de novos conhecimentos, evidenciados tanto por Keith Swanwick quanto

Page 97: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

97

pelos autores até aqui mencionados, não são exclusivos da educação musical.

Minhas considerações a esse respeito estruturaram uma concepção mais ampla,

para além da arte dos sons.

A partir de tais interferências, entendo que os processos de aprendizagem

(independente da área), sejam compostos pela relevância dos saberes já

concebidos e, em uma dimensão dialética, componham as nuances intelectuais que

servirão de subsídio para a aquisição de novos conhecimentos e/ou habilidades.

3.4 Construindo o conceito de Letramento Musical

O letramento, apresentado anteriormente como um conjunto de habilidades

sociais que podem ser relacionadas aos usos e/ou aplicabilidades da linguagem

(escrita ou não), pode ser associado a diferentes áreas do conhecimento humano.

De acordo com, Botelho e Leite (2011, p. 4) “o termo letramento tornou-se foco de

muitos estudos e discussões na área da educação. Hoje, esse fenômeno é tema de

estudo em muitas bibliografias e também no meio acadêmico [...].”

Os conceitos artísticos, compreendidos como linguagem, refletem diferentes

categorias de expressão que, em termos didático/educacionais, podem ser

associados ao letramento. Penna (2008) restringe essa ideia de maneira ainda mais

específica, ao utilizar o termo “linguagem musical”:

Falamos, constantemente, das “linguagens artísticas” – ou especificamente da “linguagem musical”, por exemplo. Na área do ensino da música, tanto a tendência mais tradicional (de caráter técnico-profissionalizante) quanto aquela mais próxima das propostas da arte-educação utilizam com frequência o termo “linguagem”. (PENNA, 2008, p. 66).

A autora vai além, ao mencionar a linguagem musical descrita nos

Parâmetros Curriculares Nacionais:

A noção também aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a área de conhecimento de Artes no ensino fundamental, em que, especificamente na proposta para música, um dos blocos de conteúdos é denominado: “Apreciação significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical”. (PENNA, 2008, p. 66-67).

Compreendendo o letramento como utilização da linguagem e a música como

um “tipo de linguagem”, proponho a análise combinatória dessas categorias e, por

Page 98: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

98

conseguinte, a concepção do Letramento Musical e suas relações com a

alfabetização.

A utilização de diferentes formas de linguagem pode caracterizar uma

ferramenta para a atuação pedagógica. As nuances artísticas, de maneira geral, já

fazem parte desse cenário, como afirma Penna (2008):

A noção de arte como linguagem tem sido útil, direcionando uma perspectiva de atuação pedagógica, na medida em que permite combater o mito do dom e colocar questões como as condições de familiarização com as linguagens artísticas e o acesso socialmente diferenciado à arte. (PENNA, 2008, p. 67, grifo nosso).

Destaco aqui um trecho das colocações da autora, relacionado ao “mito do

dom”. Isso enfatiza a ideia de que as concepções artísticas, compreendidas como

linguagens, não se limitam às analises individualizadas daqueles que, naturalmente,

demonstram maiores habilidades em determinadas expressões (pintura, escultura,

música etc.). O enfoque em questão, por outro lado, está em utilizar as diferentes

representações artísticas como elementos de socialização, proporcionando maior

inserção a este universo.

No campo da música, considero importante destacar que essa expressão

artística não é, para os efeitos desta pesquisa, aqui encarada como “texto cantado”

ou canção29. As análises relacionadas a este aspecto referem-se às combinações

sonoras e rítmicas e, não necessariamente, à palavra. Tal abstração, em termos

textuais, é abordada por Penna (2008, p. 68), ao afirmar que o modelo de

“linguagem verbal [...] acerca da arte é extremamente limitado, não sendo adequado

para a compreensão quer do uso da língua nas interações cotidianas, quer das

linguagens artísticas.”

Penna (2008, p. 67) segue ressaltando que “tradicionalmente, a música

sempre foi considerada uma linguagem, ligada, de algum modo, aos sentimentos e

às emoções.” Seu caráter, entretanto, não será aqui abordado na perspectiva das

29 Canção (do francês chanson) é uma composição musical para a voz humana, escrita, normalmente,

sobre um texto e, por vezes, acompanhada por instrumentos musicais. Coloquialmente, embora incorretamente, o termo é usado para se referir a qualquer composição musical, incluindo aquelas que não possuem canto. No âmbito acadêmico, o uso efetivo da palavra é considerado incorreto, onde "canção" só pode ser utilizado para descrever uma composição vocal/textual, salvo algumas exceções, por exemplo, nas “canções sem palavras” do período romântico musical (século XIX), que foram escritas por compositores como Mendelssohn e Tchaikovsky. Estas não são para a voz humana, mas para um instrumento (normalmente piano) e, ainda assim, são consideradas canções.

Page 99: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

99

complexidades da linguística (enquanto ciência), acerca das questões sobre o papel

da linguagem na sociedade.

Com relação ao vasto campo que é objeto da linguística, Penna (2008)

ressalta que:

Acreditamos que as novas contribuições da linguística podem, num trabalho interdisciplinar, trazer relevantes contribuições para a revisão da noção de arte como linguagem. Entretanto, pela complexidade que as questões acerca da linguagem assumem na história do pensamento ocidental, optamos por nos centrar, neste momento, na noção de comunicação, que subjaz à de linguagem [...] (PENNA, 2008, p. 72-73).

De acordo com as abordagens supracitadas considero, portanto, que a

concepção da música enquanto linguagem está relacionada à um tipo de

expressividade comunicativa que, não necessariamente, diz respeito à palavra ou ao

texto escrito. A música, enquanto combinação sonora, pode “comunicar” uma

emoção (alegre, triste, etc.), uma localização geográfica (músicas regionais) ou uma

expressão cultural (hinos ou músicas comemorativas), mesmo sem o atrelamento

direto aos símbolos textuais.

Além disso, considero importante o posicionamento crítico de Silva (2009),

acerca da necessidade de concepção de letramento para além da aquisição de

habilidades relacionadas à leitura e à escrita. O objetivo é ampliar esse conceito,

relacionando-o, também, às práticas sociais de saberes adquiridos, inclusive os

artísticos.

O letramento extrapola o mundo da escrita e, por isso, foge da concepção da escola, que se preocupa apenas com um tipo de prática de letramento, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico) – geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária ao sucesso e à promoção na escola – e não com a prática social, daí resultando em uma diferenciação forte entre a prática do letramento escolar e as orientações de outros letramentos. (SILVA, 2009, p. 100-101).

Com relação à música e, para os efeitos desta pesquisa, não pretendo

desenvolver uma discussão técnica ou acadêmica acerca de suas definições mais

aprofundadas. Penna (2008) apresenta tal concepção, sob a perspectiva desta

diversidade terminológica:

O que é música? Esse é um tema aparentemente fácil, ou mesmo óbvio. Afinal, em nosso dia a dia convivemos com música e não temos muita

Page 100: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

100

dificuldade em saber do que se trata. Ligamos o som para ouvir um pouco de música enquanto dirigimos; cantamos no chuveiro; dançamos ao som de música; o nosso mp3 nos dá a companhia de nossas músicas preferidas em diversos momentos do dia, e por aí vai. As manifestações musicais são extremamente diversificadas: um concerto de orquestra sinfônica, um grupo de rock, de rap, de pagode... um grupo de ciranda, de maracatu, de reisado... o coral da igreja, o canto da procissão... a roda de amigos que canta e batuca na mesa de bar, o violão na varanda da fazenda... São manifestações musicais diferenciadas: produções populares, eruditas (a chamada “música clássica”) ou da indústria cultural – todas são música. (PENNA, 2008, p. 19).

Em todas as concepções musicais apresentadas pela autora, há algo em

comum: são manifestações que ocorrem em determinado contexto social. Portanto,

envolvem experiências culturais e saberes diversificados, desenvolvidos em espaços

também diversos.

Essas diversidades, que envolvem, desde grupos sociais até momentos

históricos de cada povo, são abordadas por Penna (2008) da seguinte maneira:

Na medida em que alguma forma de música está presente em todos os tempos e em todos os grupos sociais, podemos dizer que é um fenômeno universal. Contudo, a música realiza-se de modos diferenciados, concretiza-se diferentemente, conforme o momento da história de cada povo, de cada grupo. Exemplificando: entre os sons possíveis de serem captados pelo ouvido humano, entre todos os sons da natureza e os possíveis de serem produzidos, cada grupo social seleciona, num determinado momento histórico, aqueles que são o seu material musical, estabelecendo o modo de articular e organizar esses sons. (PENNA, 2008, p. 22).

Em uma combinação de significados, unificando o conceito de Silva (2009), -

segundo o qual o letramento está mais associado às aplicações sociais dos saberes

do que, exclusivamente, ao universo da escrita – com as abordagens de Penna

(2008) acerca da música, – compreendida como um fenômeno social universal -

sugiro a possibilidade conceitual do Letramento Musical.

Sob este prisma, o letramento musical pode ser, portanto, um conjunto de

aquisições e aplicações sociais dos saberes musicais (acadêmicos ou empíricos)

que, de acordo com Penna (2008, p. 24) é utilizado como “linguagem artística,

culturalmente construída, que tem como material básico o som.”

Enquanto um fenômeno cultural e historicamente construído, o letramento

musical não deve seguir um caminho único ou uma “receita pronta” para seu

desenvolvimento, como ressalta Penna (2008):

Page 101: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

101

Em lugar de se prender a um determinado “padrão” musical, faz-se necessário encarar a música em sua diversidade e dinamismo, pois sendo uma linguagem cultural e historicamente construída, a música é viva e está em constante movimento. (PENNA, 2008, p. 28).

Sem a pretensão de criar uma nova categoria discursiva, do ponto de vista

educacional, apresento a sugestão do conceito de Letramento Musical, baseado na

premissa de que ambas as expressões (letramento e música) tratam das aplicações

sociais dos saberes envolvidos em algum tipo de linguagem.

Page 102: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

102

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: EFEITOS DO LETRAMENTO MUSICAL

SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

A presente seção é dedicada às análises dos dados obtidos, tanto com os

questionários direcionados às professoras da duas instituições, referentes às suas

considerações acerca da qualidade da aprendizagem de leitura e escrita dos alunos

do 6º ano, bem como os instrumentos aplicados aos discentes, os quais

compreendem testes de interpretação e produção textuais.

Os aportes analíticos e discursivos dos dados da pesquisa serão balizados

sob a égide conceitual de autores que, para os efeitos do trabalho investigativo aqui

apresentado, serviram como embasamento científico/educacional. Entretanto,

considero importante salientar que não se tratam de conceitos fechados ou

determinismos ideológicos, mas apenas alguns indicativos sobre os efeitos do

ensino da música sobre a aprendizagem da linguagem escrita.

4.1 Análise sobre as considerações das professoras

Cada conjunto de questionário foi aplicado nas duas instituições analisadas,

durante o mesmo período (entre os dias 21 e 28 de setembro de 2015). O primeiro

instrumento, destinado às docentes, foi respondido pelas professoras Maria de

Nazaré Madeira (EEEFM Deodoro de Mendonça – turma com 25 alunos) e Anne

Mary Nemer Cruz (EEEFM Pinto Marques – turma com 20 alunos). As duas estavam

na condição de titulares pela parte de língua portuguesa das turmas analisadas (6º

ano – antiga 5ª série).

Após uma explanação sobre os objetivos do trabalho, contei com a

colaboração das professoras supracitadas, as quais concordaram prontamente em

responder as perguntas, permitindo, inclusive, a divulgação de seus nomes para os

efeitos desta pesquisa.

A estrutura do questionário fechado utilizado foi a seguinte: 07 (sete)

perguntas, cada uma com 05 (cinco) possibilidades de alternativas. As opções de

respostas selecionadas serão demonstradas a seguir:

Questão 1 – A primeira questão é referente ao interesse da turma pela

aprendizagem. Considero relevante este quesito para uma noção, ainda que sucinta,

sobre a receptividade dos alunos frente à aquisição de conhecimentos, uma vez

Page 103: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

103

que, em muitos casos, a atividade alfabetizadora é distanciada da vivência docente,

tornando pouco atrativo esse processo. A esse respeito, Silva (2009) segue

afirmando que:

Verifica-se que alguns professores e escolas adotam uma postura alfabetizadora centrada na leitura de mundo do aluno e na contribuição para a formação de sujeitos conscientes de seu papel histórico no mundo e transformadores da realidade. Contudo, ainda é visível a postura tradicional de algumas escolas e professores que alfabetizam com a utilização de cartilhas distanciadas da vivência dos alunos, sem levar em consideração o que pensam e como agem na vida social. (SILVA, 2009, p. 15).

A partir da análise da autora, considero relevante a necessidade de uma

constante auto reflexão sobre o trabalho educativo, do ponto de vista analítico sobre

o interesse discente pela aprendizagem.

Neste momento da coleta de dados, identifiquei uma diferença entre as

opiniões das docentes: de acordo com a professora da EEEFM Pinto Marques, os

alunos de sua turma “participam quando solicitados, sob pressão, correspondendo

ao solicitado”. Já a professora da EEEFM Deodoro de Mendonça afirmou que seus

alunos “tentam realizar, mas não correspondem ao solicitado”.

De acordo com as respostas para a primeira pergunta do questionário,

verifiquei uma ligeira inclinação positiva, por parte dos alunos da EEEFM Pinto

Marques, em corresponderem às ações educacionais solicitadas, ainda que sob

intervenção da professora.

Questão 2 – O segundo questionamento é referente à observação quanto ao

nível de atenção e concentração em sala de aula. Tais aspectos são indicativos não

apenas da postura dos alunos, mas também sobre o posicionamento docente no

sentido de transformar sua atuação em algo dinâmico, atrativo.

As duas professoras indicaram a mesma opção de resposta, afirmando que

seus alunos “realizam as atividades, quando solicitados, mas com desvios de

atenção”. Diversos fatores podem ser relacionados ao desvio de atenção

mencionado, entretanto, vale destacar que, em nenhuma das duas instituições

analisadas, identifiquei a utilização de recursos diferenciados como ferramentas

didáticas para as aulas de língua portuguesa (vídeos ou áudios, por exemplo).

Souza (2008) esclarece a importância educacional desses recursos:

Page 104: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

104

As mídias, consideradas aqui como meios de comunicação, estão cada vez mais presentes na vida das crianças e dos adolescentes. Na literatura alemã, o termo “mundo das mídias” (Medienwelten) já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias – iPods, CD-player, TV e computadores – e que estas representam componentes importantes de suas vidas: a busca de identidade e a socialização. (SOUZA, 2008, p. 8).

Sem qualquer pretensão de apresentar soluções prévias, descrevo o

processo acima observado, bem como as colocações da autora supracitada, apenas

como objeto de sondagem, relacionado às possíveis razões para os desvios de

atenção, apontados pelas professoras das duas escolas.

Vale destacar que, atualmente, crianças, jovens e adultos estão, cada vez

mais, inseridos e/ou conectados às tecnologias midiáticas digitais e, possivelmente,

a utilização desses elementos, no trabalho didático, representaria um instrumento

catalisador do foco de atenção dos alunos durante as aulas.

Questão 3 – A observação quanto à leitura de palavras é o foco da terceira

questão. Esta análise, referente ao pronunciamento linguístico a partir de palavras

escritas e isoladas de qualquer contexto, permitiu a verificação das impressões, por

parte das professoras, quanto à capacidade de seus alunos em verbalizar, com

fluência e inteligibilidade, aquilo que leem.

De acordo com a professora da EEEFM Deodoro de Mendonça, seus alunos

“leem as palavras, cometendo erros, mas compreendendo o significado”. Já a

professora da EEEFM Pinto Marques relatou que eles “leem corretamente as

palavras, mas com fragmentação silábica”. Observei, portanto, um problema comum

de fluência, mas com melhor aproveitamento por parte dos alunos da EEEFM Pinto

Marques quanto à leitura correta das palavras, ainda que de maneira fragmentada.

Questão 4 – A quarta questão possui um critério analítico semelhante ao

momento anterior, mas com ênfase na leitura de textos simples. Os textos em

questão referem-se a estruturas curtas, contendo, no máximo, dois parágrafos,

como anúncios de jornais ou pequenos informativos.

Segundo as concepções da professora da EEEFM Deodoro de Mendonça, os

alunos “tentam ler, mas cometem erros que comprometem a compreensão textual”.

A professora da EEEFM Pinto Marques assinalou a opção indicando que os

estudantes “leem as palavras, cometendo erros, mas compreendendo o significado

do texto”.

Page 105: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

105

De acordo com este dado, observei uma melhor condição, acerca da

compreensão da leitura textual, por parte do segundo grupo de estudantes, mesmo

com o apontamento de erros.

A compreensão do texto lido é, acima do simples ordenamento de palavras,

um exercício social, em que os indivíduos passam a ser capazes de perceber e

discernir sobre o sistema (político, cultural etc.) em que está inserido, como afirma

Silva (2009):

A alfabetização, além de constituir-se no exercício da leitura e da escrita, é também redescoberta do mundo e, a partir dela, torna-se possível uma tomada de consciência das estruturas que dominam e excluem a população que se encontra à margem da sociedade, dominada por um sistema de poder que visa formar indivíduos programados para submeter-se à opressão. (SILVA, 2009, p. 19).

Acerca do papel social da alfabetização e, de acordo com as concepções de

Silva (2009), acima destacadas, ressalto a necessidade da constante análise do

nível de compreensão textual dos alunos, por parte dos professores, (re)adequando,

sempre que necessário, as práticas docentes a esse respeito.

Questão 5 – A quinta etapa de questionamentos foi direcionada às respostas

dos alunos diante da interpretação de textos simples. As professoras apresentaram

suas impressões acerca deste aspecto e, pela segunda vez, identifiquei uma

congruência em suas considerações, ao afirmarem que os alunos “respondem com

frases mal estruturadas, comprometendo o significado”.

A opção por essa alternativa de resposta ilustra que, na opinião das duas

professoras, há um problema quanto à organização e formulação fraseológica, por

parte dos estudantes analisados, frente ao ato de se posicionarem em relação à

interpretação de textos simples. A essa dificuldade verificada, Silva (2009) atribui

alguns fatores sociais:

É possível traçar uma análise sobre o papel da escola em nossa sociedade, tendo em vista que as condições privilegiadas ou não dos alunos têm uma forte relevância, pois o privilégio econômico está diretamente ligado ao capital cultural. O sistema de valores interiorizados que são eficazes para a legitimidade da escola são transmitidos de “cima para baixo” e mostram a linguagem da elite. É por este fato que as crianças da classe baixa têm de estudar muito mais do que as da classe alta, pois a origem social interfere na trajetória escolar do indivíduo. (SILVA, 2009, p. 19).

Page 106: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

106

As análises socioeconômicas do sistema educacional brasileiro não estão

inseridas, de maneira aprofundada, nos propósitos investigativos da presente

pesquisa. Entretanto, é importante considerar alguns aspectos, relacionados às

dificuldades estruturais de nosso organograma público de ensino e, longe do

objetivo de mapeá-las, apenas mencionei algumas dessas considerações para

ampliar o leque de esclarecimentos, como os posicionamentos supracitados por

Silva (2009).

Questão 6 – Relacionada ao ditado de palavras, esta questão tem por

objetivo investigar, do ponto de vista das professoras, a capacidade dos alunos para

transcrever palavras reproduzidas oralmente. A da EEEFM Deodoro de Mendonça

respondeu que seus alunos “cometem alguns erros de trocas de letras,

comprometendo a compreensão”. Na concepção da professora da EEEFM Pinto

Marques, os estudantes “acertam as palavras, com alguns erros ortográficos, não

comprometendo a compreensão”.

Nos dois casos foram apontados erros ortográficos na transcrição de palavras

ditadas, mas, de acordo com os dados coletados, os alunos da EEEFM Deodoro de

Mendonça demonstram maiores dificuldades quanto à inteligibilidade de seus

escritos, enquanto que, na EEEFM Pinto Marques, as inadequações não chegam a

comprometer a compreensão.

A instrumentalização para o sentido da escrita, primando pela compreensão

daquilo que se escreve, deve perpassar pelo contato com gêneros diversificados,

como lendas folclóricas, notícias de jornal, contos ou expressões artísticas. Dessa

maneira, mesmo com algumas dificuldades no domínio do código alfabético formal,

o indivíduo é capaz de representar uma ideia. Abaixo, o posicionamento de Costa

(2004) reforça tal análise:

Desse modo, quando a criança entra em contato com gêneros diversos – histórias, lendas, notícias de jornal, poesias, etc -, mesmo que ainda não saiba escrever segundo as convenções do sistema de escritura de sua língua, estará se apropriando de um conjunto de instrumentos (os técnicos, o sistema de escritura e, sobretudo, os gêneros), essencial à construção de uma nova função psicológica: o letramento escolar (a escrita). (COSTA, 2004, p. 46).

Portanto, de acordo com o autor, é possível inferir que, quanto maior o

contato com diferentes gêneros expressivos e informativos, melhor a capacidade de

Page 107: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

107

representação escrita de uma ideia ou palavra verbalizada, mesmo com a ocorrência

de “inadequações” à norma culta do sistema linguístico vigente.

Questão 7 – A sétima (e última) questão do referido instrumento de coleta de

dados refere-se à cópia da lousa, ou a capacidade dos alunos para transferir, de

forma fidedigna para o caderno, os textos apresentados pelas professoras, em sala

de aula. Os registros apontaram, mais uma vez, igualdade entre as respostas.

As duas professoras informaram que, em sua maioria, os alunos “copiam sem

erros, mas com velocidade reduzida”. A dificuldade aqui apontada refere-se à

coordenação motora para a escrita, uma vez que a prática manuscrita não é, na

atualidade, algo constante e frequente. Considero que tal fato não é observado,

apenas, entre a comunidade escolar, mas na sociedade de maneira geral.

Os recursos tecnológicos podem trazer alguns “efeitos colaterais”. Um deles

está na escrita cada vez mais digitalizada (em computadores, smartphones, tablets

etc.). É como se as pessoas estivessem, por falta de hábito, “perdendo a prática” da

escrita à mão. Contudo, é praticamente impossível negar ou recusar totalmente a

utilização de recursos tecnológicos modernos para a aprendizagem da escrita como,

infelizmente, algumas instituições de ensino ainda fazem.

Entendo, portanto, que é necessário um equilíbrio entre a utilização dos

recursos tecnológicos e as práticas manuscritas de escrita. A esse respeito, Diaz

(2004) afirma que:

Hoje, as crianças, independentemente da condição socioeconômica dispõem de aparelhos de vídeo, DVD, brinquedos eletrônicos e computadores com múltiplos recursos de som e vídeo, acesso à internet que facilitam a comunicação quase que instantânea com os outros que fisicamente estão distantes. Estas nascem mergulhadas nestas tecnologias e mostram-se abertas e desinibidas quanto ao uso das mesmas, porém a escola reluta em usar tais ferramentas que podem ser desencadeadoras de aprendizagens (algumas vezes por temor, outras por desconhecimento). (DIAZ, 2004, p. 160).

O desafio não está na tentativa de abolir o uso das tecnologias digitais, mas

em combiná-las, de maneira harmônica, às nuances manuais de escrita,

promovendo o desenvolvimento da coordenação motora e evitando os vícios do

chamado internetês30.

30 Neologismo (de: internet + sufixo ês) que designa a linguagem escrita utilizada no meio virtual, em

que as palavras são comumente abreviadas até o ponto de se transformarem em uma única expressão, com o uso reduzido de caracteres, valorizando a fonética em detrimento da etimologia.

Page 108: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

108

Para sistematizar esta primeira fase de coleta de dados, utilizei a seguinte

organização: cada questão contou com 05 (cinco) possibilidades de respostas, com

as mesmas sendo dispostas em níveis (de menos satisfatório para mais satisfatório),

evoluindo em insuficiente; não satisfatório; pouco satisfatório; satisfatório;

plenamente satisfatório. A partir disso, ordenei a coleta destas informações com o

quadro 4:

Quadro 4 - Síntese analítica do questionário direcionado às professoras

QUESTÃO FOCO DE

ANÁLISE

INSTITUIÇÃO/CONCEITO

EEEFM Deodoro de Mendonça

INSTITUIÇÃO/CONCEITO

EEEFM Pinto Marques

1 Interesse da

turma pela

aprendizagem

NÃO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO

2 Atenção e

concentração

em sala de

aula

POUCO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO

3 Leitura de

palavras POUCO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO

4 Leitura de

textos simples NÃO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO

5 Interpretação

de textos

simples

POUCO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO

6 Ditado de

palavras POUCO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO

7 Cópia da lousa SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO

Fonte: coleta de dados

4.2 Diretrizes para o letramento musical na educação regular

Antes das análises dos dados coletados a partir do instrumento direcionado

aos alunos, optei por alguns esclarecimentos acerca de estruturações para o

letramento musical, praticado em instituições regulares de ensino, principalmente

referentes aos processos avaliativos na área. Tais esclarecimentos servem para

uma melhor compreensão das atividades de educação musical, desenvolvidas na

EEEFM Pinto Marques.

Page 109: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

109

A inserção das concepções de letramento musical na educação regular, ou

seja, não relacionadas a instituições especícicas de ensino da música, é tema de

diversas discussões no âmbito acadêmico. A professora Cecília Cavalieri França

publicou, em 2010, um artigo intitulado Dizer o “dizível”: avaliação sistêmica em

música na escola regular31.

O referido estudo apresenta uma proposta metodológica para as diretrizes de

inserção do ensino da música na educação regular, mais especificamente no que se

refere aos processos avaliativos. Vale ressaltar que, na EEEFM Pinto Marques, as

atividades de educação musical são balizadas, entre outros aspectos, pelas

estruturações metodológicas apresentadas pela professora Cecília Cavalieri França.

Do ponto de vista de sua adequação ao currículo escolar, França (2010)

afirma que:

A consolidação da música no currículo escolar envolve uma longa agenda de discussão. Estamos começando a colher os frutos de esforços empreendidos pela construção da identidade epistemológica da nossa disciplina e pelo aperfeiçoamento da prática pedagógica, incluindo processos de construção curricular e avaliação. Vários autores têm revelado preocupação sobre a necessidade de se delinearem bases sobre as quais pautar o processo de avaliação na nossa área. (FRANÇA, 2010, p. 94).

Enquanto um conjunto de saberes relacionados ao fenômeno sonoro, o

letramento musical possui uma abordagem essenciamente prática. A metodologia

desenvolvida não deve ser baseada em conceitos demasiadamente teóricos, alheios

às percepções sensoriais ou movimentações corporais do aluno, como ressalta

França (2010):

A metodologia de trabalho parte da percepção sensorial, envolve o corpo e a plasticidade do movimento, a performance vocal, corporal e instrumental, a exploração criativa dos conteúdos, a formulação de hipóteses sobre o registro gráfico. Com isso, mobiliza a atitude corporal e psicológica, desenvolve a identidade musical e social do aluno e promove a construção de significados individuais e coletivos. (FRANÇA, 2010, p. 94).

De acordo com a autora, as conscientizações corporais, psicológicas e sociais

do aluno devem fazer parte do planejamento curricular do ensino da música e, nesse

sentido, promover o desenvolvimento de habilidades para além da mera esfera

31 FRANÇA, Cecília Cavalieri. Dizer o “dizível”: avaliação sistêmica em música na escola regular.

Porto Alegre: ABEM, v. 24, 2010 (p. 94 – 106).

Page 110: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

110

teórica. A avaliação desse processo deve, ainda segundo França (2010, p. 95),

ocorrer “mediante a cuidadosa observação da prática, preferencialmente de forma

individual ou em pequenos grupos.”

Em termos educacionais, os conteúdos musicais são passíveis de avaliações

sistemáticas e objetivas, a partir da observação de conceitos relacionados a

habilidades e competências, comuns em outras áreas do conhecimento. França

(2010) descreve tais características, sem distinções, em comparação a outras

disciplinas:

[...] existem aspectos bastante concretos, cuja verificação objetiva nos possibilita detectar problemas de aprendizado de conteúdos específicos. Sim, nós temos conteúdos, habilidades e competências, assim como as demais áreas do conhecimento, que podem ser avaliados objetivamente sem que a integridade da experiência musical – que nos move, comove e arrepia – seja comprometida. (FRANÇA, 2010, p. 95).

Os processos avaliativos, como ressalta França (2010), podem ser objetivos e

representarem um ferramenta pedagógica de verificação, quanto à aquisição das

habilidades referentes ao letramento musical. Dessa maneira, o professor terá

condições de elaborar atividades mais direcionadas, buscando minimizar as

possíveis dificuldades demonstradas pelos alunos.

A detecção das dificuldades de aprendizagem, relacionadas à música, pode

variar de acordo com as especificidades de cada aluno. Neste sentido, uma das

propostas de França (2010), é a aplicação de um modelo avaliativo denominado

Avaliação Sistêmica.

O processo de avaliação sistêmica32 pode ser aplicado à música e, nesse

sentido, proporcionar, ao professor, uma espécie de mapeamento acerca da

qualidade de suas ações, bem como auxiliar em possíveis mudanças de

direcionamentos didáticos.

Com relação ao surgimento desse tipo de ferramenta no currículo educacional

brasileiro, no final da década de 1980, França (2010) esclarece que:

32 A avaliação sistêmica é um processo complexo de avaliação em larga escala por meio de testes

com questões fechadas e abertas, que permite o mapeamento do desempenho dos alunos e a conseguinte avaliação da qualidade do ensino. Ao contrário da avaliação convencional, esses testes não valem como pontuação ou classificação para os alunos, mas como diagnóstico sobre a eficácia e os eventuais problemas do ensino, visando o direcionamento de políticas públicas e estratégias pedagógicas corretivas. (FRANÇA, 2010, p. 95).

Page 111: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

111

Programas de avaliação sistêmica surgiram no Brasil no final da década de 1980. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é aplicado em populações amostrais nas séries finais de cada segmento, ou seja, 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, em escola públicas e privadas. A Prova Brasil, criada em 2005 e de abrangência censitária, é aplicada aos alunos de 5º e 9º anos de escolas públicas urbanas. Outros programas nacionais de avaliação incluem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que certifica o aluno egresso da educação básica, e o Exame Nacional de Cursos (ENC), que avalia a qualidade do ensino superior. (FRANÇA, 2010, p. 95).

O principal intuito é avaliar a construção de competências que, de acordo com

França (2010, p. 95) “significa aprender a agir a partir do conhecimento adquirido.”

Portanto, entendo que a concepção de “competência”, a partir da abordagem da

autora, está diretamente relacionada ao letramento que, associada à música, analisa

o desenvolvimento do letramento musical.

A elaboração dos testes está de acordo com uma matriz de referência, a qual,

de acordo com França (2010):

Representa um mapa de possibilidades e deve ser utilizada a partir de uma concepção rizomática, na qual os diversos tópicos se interconectem, permitindo incursões recíprocas. É um mapeamento cuja visualização ajuda a sustentar o incrível corpus de experiências e conteúdos que nossa inesgotável área comporta. (FRANÇA, 2010, p. 96).

A matriz de referência em música, segundo as abordagens da autora, deve

explicitar conteúdos e habilidades, passíveis de aferição por meio de testes

objetivos. Com relação às temáticas, França (2010, p. 96) indica seis pilares básicos:

“duração; altura; timbre e intensidade; caráter expressivo e contexto; estruturação

musical; notação musical."

A estruturação, sugerida pela autora, divide cada tema em tópicos que, por

sua vez, possuem diferentes descritores, os quais representam a associação de

uma habilidade intelectual a um conteúdo mais específico. O quadro 5 é um exemplo

da matriz de referência sugerida por França (2010), relacionado à temática duração:

Page 112: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

112

Quadro 5 - Fragmento da matriz de referência em música (tema: duração)

TEMA: DURAÇÃO

TÓPICOS DESCRITORES

Tópico I:

Curto e

longo.

D1: Identificar sons curtos e longos presentes nos ambientes social e natural.

D2: Associar sons curtos, longos e silêncio, medidos ou não, à representação

gráfica.

D3: Identificar padrões de sons curtos e longos medidos no repertório de

apreciação e performance.

Tópico II:

Modos

rítmicos

(pulso, apoio,

divisão e

ritmo real).

D4: Diferenciar música com e sem pulso regular.

D5: Distinguir entre os modos rítmicos básicos (pulso, apoio, ritmo, divisão).

D6: Compreender a relação entre os modos rítmicos.

D7: Associar modos rítmicos a timbres e outros parâmetros.

Tópico III:

Tempo.

D8: Compreender o conceito de andamento.

D9: Classificar elementos dos ambientes social e natural conforme o andamento.

D10: Identificar auditivamente variações de andamento (ex.: lento, moderado e

rápido).

D11: Associar variações de andamento a mudanças de caráter e de forma.

D12: Identificar indicações de andamento como rallentando, accelerando e outras.

Tópico IV:

Padrões

rítmicos

básicos.

D13: Reconhecer auditivamente sequências com pulsos de som e silêncio.

D14: Associar pulsos de som e silêncio à representação gráfica proporcional.

D15: Associar gráficos proporcionais à notação rítmica com colcheias, semínima,

pausa de semínima, mínima e pausa de mínima.

D16: Reconhecer auditivamente sequências rítmicas com colcheias, semínima,

pausa de semínima, mínima e pausa de mínima.

D17: Reconhecer auditivamente o padrão rítmico de quatro semicolcheias.

D18: Reconhecer auditivamente a síncope formada por semicolcheia, colcheia,

semicolcheia.

D19: Identificar o número de pulsações contido nas sequências rítmicas (base

semínima).

D20: Identificar as figuras rítmicas e suas pausas.

Tópico V:

Compassos

simples

(base

semínima).

D21: Classificar compassos (binário, ternário, quaternário) a partir da escuta.

D22: Realizar a divisão de compassos.

D23: Compreender o conceito de anacruse.

D24: Identificar auditivamente o anacruse.

Fonte: França (2010, p. 97).

Page 113: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

113

A autora segue ressaltando que a matriz apresenta condições para a

elaboração de testes, os quais devem ser “compostos por questões fechadas, de

múltipla escolha, chamadas ‘itens’. Eles devem seguir uma formatação rigorosa em

cada um de seus componentes: enunciado, comando e alternativas.” (FRANÇA,

2010, p. 96).

A estrutura dos testes avaliativos será demonstrada a seguir.

4.2.1 Estrutura de testes avaliativos em música

A proposta de testes avaliativos de França (2010), para o letramento musical,

está relacionada com a matriz curricular anteriormente apresentada. As sugestões

da autora contemplam a seleção de itens que, a priori, devem ser “pré-testados” com

uma amostragem de alunos, da seguinte maneira:

À medida que os problemas de aprendizagem foram sendo identificados, passei a direcionar a elaboração e a seleção dos itens que deveriam compor os testes. Todos os itens são pré-testados da seguinte forma: uma amostra dos alunos realiza um pré-teste. Os resultados são processados estatisticamente e os itens que atingem um índice de acerto menor que 25% ou maior que 75%, aproximadamente, são eliminados por se revelarem muito fáceis ou muito difíceis. (FRANÇA, 2010, p. 96).

O intuito da autora, com a aplicação dos pré-testes, é organizar os itens que,

estatisticamente, serão passíveis de uma avaliação mais consistente. As

abordagens com índices de acertos maiores que 75% e menores que 25% são,

respectivamente, consideradas muito fáceis ou muito difíceis e, portanto, serão

descartadas do teste final. O gráfico 1 representa a ilustração dessa margem,

proposta por França (2010):

Page 114: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

114

Gráfico 1 - Representação estatística do pré-teste

Ítens com acertos

Muito fáceis (acima de 75% de acertos)

Muito difíceis (abaixo de 25% de acertos)

Índice satisfatório

Fonte: França (2010, p. 96).

Os itens que estiverem dentro da margem considerada por França (2010, p.

96) “um índice satisfatório”, ou seja, acima de 25% e até 75% de acertos serão,

portanto, indicados a comporem o teste em sua forma final.

Com relação à estrutura do teste, a autora segue esclarecendo que:

O teste perpassa todos os temas da matriz curricular. Alguns itens incluem a escuta de trechos musicais, o que é confortador, já que pelo menos parte do conteúdo testado terá vínculo com a experiência musical ativa. Além desses itens com estímulo musical, procurei elaborar outros, baseados na memória ou na experiência musical prévia, portanto numa escuta internalizada. Uma parcela menor de itens trata especificamente de conteúdos “teóricos” ou dados baseados na memorização, como nome das figuras rítmicas, dos compositores, sinais gráficos etc. (FRANÇA, 2010, p. 96-97).

De acordo com a autora, a sugestão do teste enfatiza a experiência musical e,

ainda que os conteúdos teóricos sejam importantes, estes serão abordados com

menor ênfase. Entendo, portanto, que sua aplicabilidade está realmente voltada ao

ensino regular, uma vez que o letramento musical, não necessariamente direcionado

a instituições especializadas, prima pelos saberes aplicados e o desenvolvimento de

habilidades sociais relacionadas a arte dos sons.

O quadro 6 apresenta dois exemplos de questões do teste proposto por

França (2010). Ambas são relacionadas à avaliação direcionada ao primeiro tópico

Page 115: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

115

(curto e longo), item “D1: identificar sons curtos e longos presentes no ambiente

social e natural.” (FRANÇA, 2010, p. 97):

Quadro 6 – Fragmento do teste avaliativo (tópico I – item D1)

AVALIAÇÃO: TÓPICO I – ÍTEM D1

Questão 1 Todas as opções apresentam exemplos de sons curtos, EXCETO:

A) Telefone ocupado.

B) Galo cantando.

C) Sinal do colégio.

D) Soluço.

Questão 2 Você ouvirá uma gravação feita no centro da cidade. Dos sons ouvidos, qual

deles é o mais longo?

A) Freio do ônibus.

B) Apito do guarda de trânsito.

C) Buzina de carro.

D) Moto passando.

Fonte: França (2010, p. 97-98).

Com relação às competências contidas nos exemplos de questões do quadro

6, França (2010) segue esclarecendo:

O primeiro envolve uma competência básica e se apoia na experiência de sons percebidos no cotidiano. O segundo exemplo deriva do mesmo descritor, mas avalia uma competência operacional, pois exige uma discriminação auditiva mais refinada, incluindo não apenas a identificação, mas também a comparação e a abstração de um entre vários sons, alguns deles simultâneos. (FRANÇA, 2010, p. 97).

Seguindo em seus exemplos de testes avaliativos e, agora, em relação ao

segundo tópico do tema “duração”, o qual contempla os modos rítmicos básicos

(pulso, apoio, divisão e ritmo real), França (2010) ressalta que:

Os modos rítmicos são elementos estruturantes do ritmo, cujo domínio subsidia o refinamento da percepção rítmica. Esses elementos interligam-se à percepção e à representação gráfica de sons curtos e longos medidos. No entanto, quando abordados separadamente, podem nos fornecer dados mais específicos sobre o desempenho dos alunos e apontar a necessidade de intervenções localizadas. (FRANÇA, 2010, p. 99).

Page 116: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

116

O pulso é a referência para o trabalho, gradativo, relacionado aos modos

rítmicos. De acordo com França (2010, p. 99) “além da capacidade de distinguir

entre os modos rítmicos, testa-se a associação desses a timbres específicos dentro

de obras musicais”. Ou seja, além do elemento sonoro abstrato (ruído), também são

analisadas aplicações em músicas conhecidas pelos alunos.

Elementos relacionados ao item D 5, são avaliados nas duas questões

propostas por França (2010), a seguir, representadas pelo quadro 7:

Quadro 7 – Fragmento do teste avaliativo (tópico II – item D5)

AVALIAÇÃO: TÓPICO II – ÍTEM D5

Questão 1 Quando cantamos o Parabéns a você, as batidas realizadas com as palmas

correspondem:

A) Ao ritmo real.

B) À pulsação.

C) Ao apoio.

D) À divisão.

Questão 2 Você ouvirá a música Bamba-la-lão, realizada pela flauta. O que você ouviu

corresponde a qual aspecto da música?

A) Pulsação.

B) Apoio.

C) Ritmo real.

D) Divisão.

Fonte: França (2010, p. 99).

Em sua análise, acerca das questões representadas pelo quadro 7, as quais

estão relacionadas ao item D5, França (2010) faz os seguintes apontamentos:

O item [...] exemplifica o descritor “D5: Distinguir entre os modos rítmicos básicos (pulso, apoio, ritmo, divisão)”, valendo-se da experiência cotidiana do aluno [...]. O próximo exemplo é de um item com música que também envolve o mesmo descritor – a identificação de um dos modos rítmicos, no caso, o ritmo real. Na gravação, a canção é realizada pela flauta. O item revela se o aluno compreende o conceito em questão. (FRANÇA, 2010, p. 99).

Page 117: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

117

O terceiro tópico, relacionado ao “tempo”, é direcionado às variações de

andamentos, ou velocidades de pulsação. Suas avaliações partem de pressupostos

sensoriais e corporais. De acordo com França (2010):

O tópico “Tempo” refere-se à percepção de diferenças e variações de andamento. Esses são aspectos musicais de apreensão intuitiva, trabalhados sensorial e corporalmente. [...] variações de andamento são vivenciadas em seu impacto sobre o caráter expressivo no repertório de apreciação, criação e performance. (FRANÇA, 2010, p. 100).

As questões propostas pela autora, relacionadas a este tópico, estão

demonstradas no quadro 8. Dois itens diferentes serão abordados: D8 (em que o

conceito de andamento pode ser compreendido com elementos do cotidiano) e D12

(com a associação da audição a terminologias técnicas):

Quadro 8 – Fragmento do teste avaliativo (tópico III – itens D8 e D12)

AVALIAÇÃO: TÓPICO III – ÍTENS D8 e D12

Questão 1

(D 8)

Todos os elementos abaixo podem variar o andamento, EXCETO:

A) Automóvel.

B) Avião.

C) Relógio.

D) Caixinha de música.

Questão 2

(D 12)

Você ouvirá um trecho musical. A variação de andamento neste trecho é

chamada de:

A) Ostinato.

B) Accelerando.

C) Fermata.

D) Rallentando.

Fonte: França (2010, p. 100).

O quarto tópico, relacionado aos “padrões rítmicos básicos”, é o ponto de

partida para a aquisição de habilidades referentes à notação musical. As noções

gráficas, utilizadas no sistema denominado partitura, devem ser associadas,

gradativamente, à símbolos já familiares ao aluno.

Page 118: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

118

De acordo com França (2010, p. 100), “a identificação de figuras rítmicas e

suas pausas é uma competência básica apoiada na memorização.” Portanto, suas

sugestões de testes, relacionadas a tal aspecto, envolvem a associação de um

símbolo “novo” a outro já conhecido.

O quadro 9 representa um exemplo de questão em que, de maneira

comparativa, os elementos relacionados à simbologia rítmica são avaliados. O item

abordado é o D15, onde gráficos proporcionais devem ser associados às figuras

musicais:

Quadro 9 – Fragmento do teste avaliativo (tópico IV – item D15)33

AVALIAÇÃO: TÓPICO IV – ÍTENS D8 e D12

Relação entre símbolos preenchidos/vazios a sons e pausas

Fonte: França (2010, p. 101).

33 Cada figura musical de som possui a sua equivalência em silêncio. Portanto, embora as alternativas

“B” e “C” apresentem semelhanças sequenciais, espera-se que, neste momento da aprendizagem, o aluno compreenda que as correspondências entre som e silêncio das figuras demonstradas, sejam,

respectivamente: . Portanto, a alternativa correta é a “B”.

Page 119: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

119

O quinto e último tópico, de acordo com a matriz de referência proposta por

França (2010), é direcionado à compreensão de compassos. Este aspecto envolve,

basicamente, o agrupamento de pulsos em fragmentos iguais, ou seja, em uma

comparação didática, a título de compreensão, se uma moeda de um real representa

um pulso, uma nota de cinco reais será um “compasso quinário”, formado por cinco

pulsos agrupados.

O item D22 que, de acordo com França (2010, p. 101), refere-se a “realizar a

divisão de compassos”, pode ser avaliado, ainda segundo suas concepções, pela

questão representada no quadro 10:

Quadro 10 – Fragmento do teste avaliativo (tópico V – item D22)34

AVALIAÇÃO: TÓPICO V – ÍTEM D22

Agrupamento de compassos a partir de figuras rítmicas

Fonte: França (2010, p. 101).

34 Um compasso binário é formado por dois pulsos e, no caso em questão, a figura representativa da

unidade de tempo é a semínima (preenchida). As figuras musicais possuem uma relação de proporcionalidade entre si, onde a figura vazia (mínima) tem o dobro da duração da anterior. Portanto, contando com suas pausas correspondentes e, em uma análise lógico/matemática, há um total de 12 pulsos na sequência simbólica apresentada. A alternativa que representa a resposta correta é a letra “B”, pois indica seis compassos binários.

Page 120: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

120

De acordo com a autora, os conceitos relacionados à notação musical devem

ser desenvolvidos de maneira gradativa. A questão anteriormente representada,

referente à grafia de elementos rítmicos, está enquadrada em um momento

educacional em que o aluno, em tese, já tenha assimilado a compreensão de pulso,

som e silêncio. A esse respeito, França (2010) aponta que:

À medida que os alunos forem demonstrando capacidade de elaboração dos conceitos, deve-se procurar ampliar suas competências perceptivas, criativas e notacionais. Tão logo assimilados os conceitos de pulso, de som e de silêncio, podem ser apresentadas figuras de ritmo básicas: semínima e mínima com suas respectivas pausas e o padrão de duas colcheias. Os alunos devem ser capazes de transferir a realização cantada ou tocada dos gráficos para a escrita rítmica dos mesmos (ditados escritos ou jogos de cartões). Esses conteúdos devem ter aplicação musical imediata a partir de trechos de obras, canções e parlendas adequados ao trabalho [...] (FRANÇA, 2010, p. 103).

Os cinco tópicos analisados, do ponto de vista avaliativo, servem para ilustrar,

ainda que de maneira fragmentada, as concepções da autora para a aferição dos

resultados da aprendizagem musical. O intuito desta ferramenta metodológica é

fornecer feedback pedagógico, como ressalta França (2010):

O sentido da avaliação em larga escala é fornecer informações sobre a eficácia e as falhas do ensino. Os resultados repercutem, portanto, no cotidiano escolar. São revertidos em feedback pedagógico para os professores e coordenadores envolvidos, provocando constante revisão dos programas das séries, objetivando-se o melhor aproveitamento dos alunos. A partir dos dados, é possível localizar em qual nível cada aluno se encontra em relação aos diversos aspectos do conteúdo. Por exemplo: um aluno pode revelar uma proficiência avançada na nomeação das figuras rítmicas, mas situar-se no nível elementar quanto à percepção dos modos rítmicos. Em cada série letiva, são, então, retomados os descritores pertinentes, bem como os conceitos recorrentes e/ou cumulativos. Em alguns casos, são necessários ajustes, deslocamentos de conteúdos entre séries consecutivas e mudanças de estratégias pedagógicas visando a otimização da construção conceitual pelos alunos. São planejados trabalhos em níveis de dificuldade diferenciados para atender às necessidades deles, incluindo-se atividades do livro didático, materiais complementares, atividades extraclasse etc. (FRANÇA, 2010, p. 102).

A proposta da autora, para os testes avaliativos em música, contempla uma

sistematização para a análise dos resultados. Após a organização estatística (de

erros e acertos), a Escala de Proficiência é o instrumento utilizado para determinar a

relação entre conteúdos e competências.

Os dados coletados, a partir dos testes avaliativos propostos por França

(2010), são organizados estatisticamente de acordo com a Teoria de Resposta ao

Page 121: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

121

Item (TRI)35. Trata-se de um conjunto de modelos estatisticos, em que as análises

não são baseadas em meros termos numéricos, mas, principalmente, qualitativos.

De acordo com França (2010):

A tecnologia dos testes é baseada na teoria de resposta ao item (TRI), um conjunto de modelos estatísticos aplicados em avaliações de habilidades em larga escala [...] A TRI permite comparar resultados de testes diferentes realizados por alunos diferentes. Nessa concepção de avaliação, importa quais questões o indivíduo acerta, e não quantas ele acerta. (FRANÇA, 2010, p. 98).

A partir dos dados estatísticos, organizados de acordo com a TRI, a autora

sugere a construção de um instrumento denominado Escala de Proficiência. Refere-

se ao nível de complexidade para a elaboração de um conceito ou, a grosso modo,

“a quantidade de competência necessária para se resolver determinado item.”

(FRANÇA, 2010, p. 98).

A combinação da TRI, com a escala de proficiência, tem por objetivo a

investigação do nível de aobsorção dos conteúdos musicais. Esse princípio

avaliativo pode proporcionar uma observação mais apurada, acerca da qualidade

dialética entre ensino e aprendizagem em música.

A materialização de determinados aspectos musicais em termos objetivos, do

ponto de vista avaliativo, não é uma tarefa simples, como afirma França (2010):

Materializar certos aspectos da música em testes objetivos não é uma tarefa simples. Trabalho continuamente na revisão da matriz de referência e na construção dos itens para que ambos alcancem um grau de validade satisfatório. Alguns aspectos ainda estão em processo de construção ou se mostram frágeis. Há muito mais coisas ainda encobertas do que as já reveladas. É um constante aprendizado que surpreende e movimenta todo o tempo. Vamos caminhando: o olhar macro dos testes estatísticos; o olhar próximo na sala de aula. (FRANÇA, 2010, p. 105).

Não pretendo, com a presente pesquisa, detalhar todos os aspectos da

metodologia avaliativa baseada na escala de proficiência, uma vez que, de acordo

com França (2010, p. 98), representa um conjunto de “estatísticas complexas [...],

elaborada por uma equipe de estatísticos.” Além disso, constatei que este modelo é

utilizado apenas como embasamento para as aulas de música desenvolvidas na

EEEFM Pinto Marques, não como uma regra rígida a ser seguida.

35 Um exemplo de teste que adota esta concepção avaliativa é o Toefl, um dos exames de proficiência

em língua inglesa mais aplicados no mundo, reconhecido em mais de 130 países.

Page 122: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

122

O principal elemento deste processo, que realmente norteia os parâmetros

avaliativos na referida instituição, é a concepção qualitativa. Em outras palavras, o

desenvolvimento do letramento musical não é medido a partir da quantificação de

erros ou acertos nos testes aplicados, mas por meio da observação, relativa à

evolução dos alunos quanto à aquisição de habilidades musicais, descritas na matriz

de referência.

A seção secundária, a seguir, é referente à análise dos dados obtidos com o

questionário direcionado a seis alunos de cada instituição. O referido instrumento é,

basicamente, um teste de interpretação textual, contando, inclusive, com questões

relacionadas à produção de sentenças curtas.

O intuito é comparar as interpretações e produções textuais entre os alunos

da EEEFM Pinto Marques, que possuem o letramento musical inserido em suas

atividades curriculares, e os discentes da EEEFM Deodoro de Mendonça, os quais

não contam com o mesmo acesso.

4.3 Análise sobre o teste aplicado aos alunos

Como sondagem acerca da leitura e escrita dos alunos analisados, utilizei um

questionário na modalidade semiaberta, com quatro questões fechadas (objetivas) e

uma aberta (subjetiva).

Com vistas à viabilidade da pesquisa, a amostragem para aplicação

compreende 06 (seis) alunos de cada instituição. Os dois grupos foram divididos em

três níveis, indicados de acordo com os critérios avaliativos das professoras

responsáveis, as quais participavam do cotidiano educacional das turmas em

relação ao rendimento em sala de aula.

Não há qualquer tipo de informação que identifique os alunos, apenas

números de controle para referenciar os diferentes níveis que, por questões éticas,

não foram informados aos estudantes participantes. Os três graus de rendimento

são os seguintes: 1) Rendimento bom; 2) Rendimento mediano; 3) Rendimento

regular36.

36 As indicações relacionadas ao rendimento dos alunos, bem como a seleção dos participantes,

foram realizadas pelas professoras, que optaram por não informar seus critérios.

Page 123: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

123

A primeira etapa do referido instrumento de coleta de dados é composta por

04 (quatro) questões objetivas, referentes à assimilação e interpretação textuais e,

cada uma, conta com quatro alternativas de respostas.

Os níveis de linguagem utilizada e/ou elementos simbólicos são condizentes

com o período educacional em questão (6º ano). A segunda etapa, referente a uma

questão subjetiva, tem o intuito de verificar a produção textual dos alunos, a partir da

audição simultânea de um evento musical. A obra utilizada foi “As Quatro

Estações”37, do compositor italiano Antonio Lucio Vivaldi (1678 – 1741).

Durante a atividade de audição musical, pedi aos alunos que, de acordo com

a música referente a cada estação do ano, escrevessem suas impressões acerca do

período (características, temperatura e elementos sonoros que os remetessem

àquilo). Os relatos deveriam ser curtos, contendo três linhas no máximo e, como

regra estabelecida, a música referente à próxima “estação” só seria executada

quando todos terminassem de dissertar sobre a anterior.

Vale ressaltar que não se tratou de um “teste musical”, com especificidades

técnicas. A utilização do elemento sonoro serviu apenas como ilustração auditiva

para a produção textual. A seguir, apresento as quatro questões objetivas do

referido instrumento, bem como as opções de respostas assinaladas pelos alunos.

A primeira questão, referente a uma dica para a prevenção de dores nas

costas, apresenta uma relação entre a palavra destacada e o texto enunciado.

Apesar de outras alternativas indicarem informações coerentes, apenas a opção “B”

tem relação direta com o comando determinado. Todos os alunos da EEEFM Pinto

Marques acertaram, enquanto que, na EEEFM Deodoro de Mendonça, um aluno

marcou a alternativa “C”.

QUESTÃO 1: Leia o texto abaixo:

Dicas Para Prevenir Dores nas Costas Para não agredir a coluna, é preciso evitar movimentos bruscos, ao levantar pela manhã. Espreguiçar e usar os braços para suspender o tronco, enquanto apoiam-se os pés no chão, são atividades indicadas.

37 Le quattro stagioni, conhecidos em português como As Quatro Estações, são quatro concertos para

violino e orquestra, compostos em 1723 e parte de uma série de doze, publicados em Amsterdã, em 1725, intitulada Il cimento dell'armonia e dell'inventione. Ao contrário da maioria dos concertos de Vivaldi, esses quatro têm um programa claro: vinham acompanhados por um soneto ilustrativo impresso na parte do primeiro violino, cada um sobre o tema da respectiva estação.

Page 124: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

124

Essa “dica” aconselha o leitor a evitar: a) Andar de tamancos ou chinelos. b) Levantar-se da cama repentinamente. c) Engordar demais. d) Usar colchões muito duros ou macios demais.

Ainda que a indicação para evitar “engordar demais” seja relevante, em

termos da prevenção de dores nas costas, tal sentença não tem relação com o texto

enunciado e, a este respeito, entendo que faltou, para o aluno em questão, a leitura

correlacionada, entre o comando textual e as alternativas apresentadas.

A segunda questão, ilustrando um tipo de anúncio, apresenta o verbo

“vender” como a principal finalidade do possível autor. As alternativas indicam

diversos outros verbos ou ações mas, apenas a opção “D”, demonstra coerência

com o enunciado.

QUESTÃO 2: Leia o texto abaixo:

Passo Toda Uma Coleção Quase de Graça Quero vender minha coleção de selos antigos para quem possa continuar a colecionar. Foi herança do meu avô, mas eu não me interesso por isso. E também não quero deixa-la estragar. Aceito oferta, independente do preço. O que quero é que alguém dê continuidade à coleção dele e aproveite bem mais do que eu esta herança. Informações, ligue 4120-8954. O objetivo deste texto é: a) Discutir o preço dos selos. b) Fazer um leilão de selos. c) Doar a coleção de selos. d) Vender uma coleção de selos.

Neste momento, todos os alunos, das duas instituições, indicaram a

alternativa correta de resposta. Minha análise para o resultado generalizadamente

positivo, para a referida questão, está relacionada ao fato de que, normalmente, os

anúncios comerciais estão mais relacionados ao ato da “venda” do que, por

exemplo, à “doação”. Além disso, provavelmente, os alunos associaram a alternativa

ao verbo inicial do texto enunciado.

A terceira questão refere-se à interpretação de uma imagem. A ilustração é a

caricatura de uma professora, indicando, no quadro negro, uma sentença

matemática e, para tanto, utiliza representações de animais (gatos) para facilitar a

compreensão da operação de subtração.

Page 125: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

125

QUESTÃO 3: Observe a imagem abaixo:

Fonte: http://vilavilaoviolaviola.blogspot.com.br/2010_04_01_archive.html

As imagens cômicas (divertidas) identificadas no quadrinho podem classificá-lo como uma: a) Linguagem culta (formal). b) Questão científica. c) Piada. d) Característica adequada à Educação.

O enunciado relaciona o tipo de linguagem utilizada (cômica) a um conteúdo

educacional, ou seja, uma estratégia didática em que os números foram substituídos

por figuras.

Os alunos da EEEFM Pinto marques, em sua totalidade, indicaram a

alternativa correta “D”, por entenderem que o recurso representando, apesar do

cunho cômico, não tem como finalidade principal a representação de uma piada, ao

contrário das indicações de dois alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça.

A quarta questão objetiva do referido instrumento, apresentada como notícia,

relata uma informação relacionada a testes científicos, acerca da possibilidade em

que os animais possam ter a capacidade de sonharem. O trecho destacado

evidencia claramente que, até o momento, tal tese ainda não foi confirmada.

QUESTÃO 4: Leia o quadro abaixo:

Testes como esses foram feitos com moscas, abelhas, escorpiões, baratas, peixes, cobras e outros bichos, dando, às vezes, resultados positivos, indicando que estes bichos têm uma forma primitiva de sono, embora até o momento, não se tenha nenhuma evidência de que sonhem.

Page 126: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

126

No dicionário, encontramos os seguintes significados para apalavra evidência: 1. Qualidade ou caráter de evidente, atributo do que não dá margem à dúvida. 2. Condição de alguém ou algo que se destaca, que se sobressai, atraindo a atenção. 3. Aquilo que indica, com probabilidade, a existência de (algo); indicação, indício, sinal, traço. 4. Grau de clareza e distinção com que se apresenta ao espírito. 5. Descrição viva e minuciosa de um objeto. A expressão destacada na frase quer dizer que: a) Nunca se saberá se estes bichos sonham. b) Pode ser que um dia se descubra que esses bichos também sonham. c) Acredita-se que estes bichos sonhem como nós. d) É certo que estes bichos não sonham.

Ao analisar os dados, pude constatar que a questão supracitada gerou o

maior número de equívocos de interpretação, por parte dos alunos pesquisados. A

indicação de resposta correta é a letra “B”38, pois demonstra a falta de capacidade

dos animais para sonhar. Entretanto, de acordo com o contexto do enunciado, o qual

representa uma pesquisa ainda em andamento, não está eliminada a possibilidade

de descobertas futuras, principalmente pelo termo “até o momento”. Apenas um

aluno da EEEFM Pinto Marques não indicou esta alternativa como a correta.

Entre os alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça, mais da metade optaram

por outras alternativas mas, em nenhuma delas, a letra “D” que, a meu ver, poderia

sugerir, também, uma resposta coerente com a afirmação do enunciado.

A seguir, tabela 2 demonstra os dados coletados, acerca das questões

objetivas (primeira etapa). Indiquei apenas os acertos e erros, com a diferenciação

entre os níveis de rendimento (1, 2 e 3) e a especificação das duas instituições

analisadas (a íntegra do questionário consta em anexo).

38 De acordo com a fonte - caderno de 16 questões baseadas na Matriz Curricular do Ciclo

Complementar – a alternativa correta é a letra “B”.

Page 127: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

127

Tabela 1 – Respostas do questionário fechado sobre interpretação textual

QUESTÃO 1 QUESTÃO 2 QUESTÃO 3 QUESTÃO 4

ESCOLA NÍVEIS CERTO ERRADO CERTO ERRADO CERTO ERRADO CERTO ERRADO

PIN

TO

MA

RQ

UE

S

1

X X X X

X X X X

2

X X X X

X X X X

3

X X X X

X X X X

DE

OD

OR

O D

E

ME

ND

ON

ÇA

1

X X X X

X X X X

2

X X X X

X X X X

3

X X X X

X X X X

Fonte: Coleta de dados.

De acordo com os dados coletados, em termos percentuais sobre

interpretação textual, houve 96% de aproveitamento entre os alunos da EEEFM

Pinto Marques. Já na EEEFM Deodoro de Mendonça, o índice é de 71%.

A seguir, o gráfico 2 ilustra tais informações, em termos comparativos entre os

alunos da EEEFM Pinto Marques e EEEFM Deodoro de Mendonça:

Page 128: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

128

Gráfico 2 - Respostas dos alunos às questões objetivas

EEEFMPinto Marques

Acertos Erros

EEEFMDeodoro de Mendonça

Acertos Erros

Fonte: Coleta de dados.

A segunda parte do questionário, referente à produção textual alusiva às

quatro estações do ano, será descrita a seguir. Optei por transcrever as informações

fornecidas pelos alunos de maneira fidedigna, inclusive com eventuais “erros

ortográficos”. Para esta atividade, os alunos foram orientados a descreverem os

elementos de cada estação do ano, com o auxílio da audição da obra “As quatro

Estações”.

As atividades de associação, entre um evento musical e a produção textual,

podem ser embasadas pelas considerações de Sekeff (2007), ao descrever alguns

aspectos sensoriais, que podem ser estimulados por intermédio da música:

A música pode estimular na mente imagens sinestésicas, imagens de movimentos que parecem mesmo reais. Ao ouvir música podemos experimentar a sensação de executar movimentos. A música alimenta o poder da atenção prolongando essa capacidade, em pessoas predispostas, por períodos mais longos do que o provocado por determinadas drogas. (SEKEFF, 2007, p. 119).

Para uma melhor ambientação, demonstrarei as descrições textuais de uma

estação por vez, relacionando os alunos duas instituições. Ressalto ainda que, para

cada nível de rendimento, há dois estudantes, os quais não foram identificados

nominalmente.

Page 129: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

129

PRIMAVERA (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Primavera é uma estação que me lembra folhas e é bastante rasoavél. - Aluno(a) nº2: Tem muitas coisas boas. Dias quentes e frios.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: No dia da primavera as árvore e as outras planta florese junta com a mãe natureza e os animais saem das tocas ou ninho para fora e espalham a legria. - Aluno(a) nº4: Diverção alegria tristeza felicidade.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Os pasaros cantam as flores nasce. - Aluno(a) nº6: Primavera onde as árvores mexem onde vento asopra as flores nascem no meu jardim.

PRIMAVERA (alunos da EEEFM Pinto Marques):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Pássaros cantando, árvores florindo, violinos imitando os sons de pássaros cantando, árvores com muitas frutas, cheiro de rosas, árvores brotando. - Aluno(a) nº2: Campos com flores, pássaros, árvores, cheiros de flores, árvores com frutas, violinos imitando pássaros.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: Primavera pra mim representa muitas flores, pássaros cantando, violino imitando pássaros. - Aluno(a) nº4: Pássaros cantando e árvores floridas.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

Page 130: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

130

- Aluno(a) nº5: Perfume, música, muitas flores e pássaros cantando, pescina, calor agravél, perfume de flores, violino emitando os pássaros. - Aluno(a) nº6: Os passaro camtado os mares as árvóre floridas mas os violino tem som de passaro.

Na descrição da primavera, constatei que os doze alunos citaram elementos

pertinentes à estação. Entretanto, o grupo referente à EEEFM Deodoro de

Mendonça, além de apresentar mais erros ortográficos, também demonstrou menor

quantidade de elementos textuais, com informações menos detalhadas.

Vale salientar a observação dos alunos da EEEFM Pinto Marques, ao

perceberem um importante elemento musical presente na obra, quando os violinos

executam fragmentos melódicos que “simulam” o canto de pássaros. Além disso,

pude notar que, para cada item, esse grupo de estudantes demandava de mais

tempo para iniciar a produção textual, ouvindo um trecho da música antes de

começarem a escrever. Ribeiro (2004) analisa a postura do indivíduo, no momento

da produção textual:

No que diz respeito a alguns comportamentos do aluno no momento da produção textual ou oral, observa-se uma tendência a uma “postura mediúnica” diante da apresentação dos resultados de sua produção. Irrita-se, por exemplo, por “não conseguir escrever nada” em uma redação, sem perceber que dificilmente será bem sucedido se simplesmente pousar, com uma das mãos, o lápis sobre o papel e com a outra, apoiando a cabeça, aguardar uma inspiração para que, como em uma “atividade de psicografia”, a sua redação comece a surgir diante de seus olhos através de uma escrita fluída e correta. Mais uma vez reforça-se a necessidade de que alunos e professores dediquem-se a atividades preliminares à escrita (e também à leitura), a saber: planejar, executar, avaliar, re-planejar, fazendo adequações/interpretações coerentes com os contextos e objetivos. (RIBEIRO, 2004, p. 92-93).

As representações textuais sobre a primavera, de modo geral, contaram com

seus elementos básicos entre os dois grupos analisados (flores, pássaros, árvores

etc.). Identifiquei, entretanto, mais clareza, riqueza de detalhes e relações com

elementos musicais nos escritos dos alunos da EEEFM Pinto Marques.

Page 131: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

131

VERÃO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Verão é uma estação que na minha opinião é muito bom para se divertir com aquele calor com a família em muitos lugares. - Aluno(a) nº2: O sol e quente mais é bom quando vamos para praia! e verão é muito bom tomar banho de sol e muito bom!

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: No verão e dia dos pais e filhos passarem um tempo junto e viajarem para lugares divertido como apraía, interior etc. - Aluno(a) nº4: Insolarado quente pipa para brincar no verão seco.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Não va chuver dia de brinca até tarde narrua porque to duente não podia pega chuva agora não vai mais chover. - Aluno(a) nº6: Onde o sol esta ardente as árvores crecem ainda mais as frutas caiem nossa terra ardente.

VERÃO (alunos da EEEFM Pinto Marques):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Calor, pessoas passeando nas praias, igarapés, picinas, biquínis, sorvetes, fazer muitas amizades, tomar água de côco, churrasco em família, boia na piscina, protetor solar. - Aluno(a) nº2: Calor, curtisão, picinas, praia, sorvete, garape, biquines, sungas, reprigerante, água camisetas, bermudas, férias, passeios, churrasco em pamília, tomo água de coco, proteto solar.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: Verão representa pra mim praia, piscina, igarapé e muito calor. - Aluno(a) nº4: Verão lembra praia, pisina, picolé, o sol escaudante, férias, igarapé.

Page 132: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

132

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Tranquilo caumo, a gente pode observa o mar igarapé, viaja, rios, praia, tomar banho de piscina, tomar água de coco, sucos. - Aluno(a) nº6: Férias sombras águas de coco igarapé picinas praia amornia fala com amigos domim ater tarde acorda ater tarde e ser feliz verão e todo na vida. Assisti os prapalhoês.

Com relação às descrições do verão, constatei que os alunos fizeram

associações, tanto climáticas (sol e calor), quanto referentes ao período de férias

escolares que, no estado do Pará, ocorrem no mês de julho, coincidindo com a

época do ano que são registradas as mais elevadas temperaturas, com menores

incidências de chuvas. Por essa razão, tal recorte periódico é considerado o “verão

amazônico”.

As representações textuais, apesar de conterem indicações adequadas à

referida estação, apresentaram alguns erros que comprometem a compreensão,

como é possível observar no aluno nº 5, da EEEFM Deodoro de Mendonça, ao

utilizar termos como “Não va chuver dia de brinca até tarde narrua”. Ou ainda as

colocações sem conexão e com trocas de letras do aluno nº 6, da EEEFM Pinto

Marques, ao escrever “picinas praia amornia fala com amigos domim ater tarde

acorda ater tarde”.

Não abordarei, aqui, questões relacionadas aos conflitos entre normas padrão

e coloquial da linguagem escrita. Entretanto, o enfoque direcionado à construção

textual, envolve o conjunto de saberes necessários à compreensão clara das ideias

apresentadas. Silva (2009) descreve as “diferenças linguísticas”, ratificando a

importância do papel escolar em oferecer ferramentas técnicas para que o aluno

tenha condições de adequar suas representações textuais às diferentes

necessidades sociais. De acordo com esta a autora:

De acordo com a teoria das diferenças linguísticas, uma postura radical seria a mudança de atitudes dos professores e das escolas para se abrirem ao dialeto dos alunos e trabalharem com o uso deste, ao invés do dialeto-padrão. Para tanto, deveria ocorrer uma mudança da estrutura social, o que seria praticamente impossível, portanto, esta ideia foi amplamente criticada. A postura mais comumente adotada foi a do bidialetismo funcional, segundo o qual os falantes utilizam, alternativamente, de acordo com as situações, dois dialetos sociais diferentes. Assim, falantes de dialetos não padrões devem aprender o dialeto-padrão, para usá-lo em situações em que ele é requerido, ocorrendo uma adequação, dependente da comunicação verbal e

Page 133: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

133

dos usos sociais. À escola, caberia ensinar o dialeto-padrão e seus usos, de acordo com o contexto, não assumindo uma postura preconceituosa com relação ao dialeto dos alunos. (SILVA, 2009, p. 30).

Os pontos positivos podem ser observados entre os escritos dos alunos nº 1,

das duas instituições, os quais, mesmo com algumas inadequações ortográficas,

organizaram claramente as ideias referentes ao verão.

OUTONO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Outono me lembra aquele vento que é ótimo. - Aluno(a) nº2: Caem as folas das árvores e a epoca de sua mais só as folhas que caem. e muito bonito. é também guase não chove!

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: No outono as folhas caem as arvore como são a perdem folha as plantas também. - Aluno(a) nº4: As folhas cai das arvore para terem folhas novas bunhitas belas flores plantas.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: As folhas cai as flores morrem todas as folhas do mundo vão cái. - Aluno(a) nº6: As folhas caiem e o sol esta para desaparece em as flores estão fracas a chuva atinge o meu jardim.

OUTONO (alunos da EEEFM Pinto Marques):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- (Aluno(a) nº1: Flores caindo no chão, tempo cinza, flores esperando pra nascer, árvores secas e feias, tempo triste, plantações secas, as árvores muchão e ficam desprotegidas e caem.

Page 134: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

134

- Aluno(a) nº2: Clima meio cinza, folhas muchas, vouta a escola ou pro trabalho, árvores secas, tempo meio triste, um pouco de chuva, plantasones se acabando, árvores caindo.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: O outono pra mim representa árvores sem folhas, clima cinzento, flores mortas. - Aluno(a) nº4: Folhas no chão, árvores secas, folhas secas, não muito alegre, um clima cinzento, flores mortas, um clima nem sol nem chuva, clima triste.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Flores muchando, folhas caindo, tudo meio triste, clima meio cinzento. - Aluno(a) nº6: Árvore muchando folha caindo flores muchando vorta para escola nuves cinza flores no chão árvores caído.

As descrições sobre o outono apresentaram elementos condizentes, como a

“queda de folhas”. As ideias foram organizadas a partir da audição musical e, neste

caso, uma particularidade merece destaque: os estudantes da EEEFM Pinto

Marques demonstraram uma interessante capacidade de abstração, ao atribuírem

um caráter “cinzento” à estação.

O fenômeno musical é capaz de desenvolver, independentemente da vontade

do ouvinte, organizações internas que envolvem aspectos culturais e,

consequentemente, a abstração diante de elementos percebidos. A esse respeito,

Sekeff (2007) segue esclarecendo que:

Embora o gostar ou não gostar de determinada obra pareça manifestar uma opinião livre, pessoal, independente, ela não é absolutamente tão livre assim. Além do condicionamento primário à equação pessoal, a reação à escuta significa também uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro de nós, diante do complexo cultural que está fora de nós, isto é, a obra de arte. (SEKEFF, 2007, p. 49).

Além da capacidade de abstração, observada entre os alunos da EEEFM

Pinto Marques, ao relacionarem uma cor específica a um fenômeno climático,

destaco a utilização de adjetivos subjetivos como “feio” e “triste”, relatados apenas

pelos estudantes desta instituição.

Page 135: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

135

INVERNO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Inverno é uma estação do ano que é fria demais, me lembra chuva. - Aluno(a) nº2: É uma epoca chovosa, em alguns lugares neva. é muito bonito é também pra quem gosta tem o papai noel. inverno e frio ainda mais quando chove. é também se comemora o aniversário de Jesus.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: No inverno é dia de os pais e os filhos se centarem na messa para um grande banquete esperando o natal felizes com os presente que eles vão ganhar. - Aluno(a) nº4: Frio e tambem se comemora o natal com muita alegria com e feites de natal e presentes.

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Começa a chuver dia e noite liguem sai pra rrua a chuva derrubar cassas afunda barcos derrubam árvore derrubam tudo. - Aluno(a) nº6: As árvores estão congelando a terra foi cobrida de neve o sol desapareceu os animais estão embora.

INVERNO (alunos da EEEFM Pinto Marques):

- Número de controle 1 (rendimento BOM):

- Aluno(a) nº1: Muita chuva, pessoas com agazalhos, carros caindo nos bueiros, muitas enchentes, pessoas comprando edredom, neblina, jaquetas. - Aluno(a) nº2: Chuva, neve, ropa de frio, edredom, alagamentos, vento, papai noel, cachecol, neblina, jaquetas, banho de água quente.

- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):

- Aluno(a) nº3: Inverno pra mim representa chuvas, neves e natal, presentes e muitas comidas. - Aluno(a) nº4: Lembra alagamento, papai noel que não existe, chocolate quente e muita chuva.

Page 136: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

136

- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):

- Aluno(a) nº5: Neve, frio, papai noel, alagamento, chuvas, natal, enchentes, presente, comida. - Aluno(a) nº6: Chuva, alagamento, estragamento, edredom, narta, papai noel, inverno leva neve não no Pará mas outros estados.

De modo geral, nas descrições acerca do inverno, os alunos relataram

especificidades da cidade de Belém – PA, como chuvas, alagamentos e enchentes.

Isso porque, de acordo com as características climáticas locais, não há,

necessariamente, registros de baixas temperaturas durante o referido período.

O grupo pertencente à EEEFM Deodoro de Mendonça apresentou maior

quantidade de erros ortográficos, como “centarem”, “messa”, “e feites”, “cassas” e

“cobrida”. Entre os participantes da EEEFM Pinto Marques, identifiquei mais

detalhamentos de itens, com atenção às observações do aluno nº 4, ao ratificar a

inexistência de “Papai Noel” e do aluno nº 6 que, mesmo com inadequações

normativas, fez questão de expressar o fato de não haver “neve” no Pará.

Considero que a expressividade de detalhes subjetivos, ou opiniões que

divergem de ideias pré-concebidas, são exemplos dos benefícios proporcionados

pelo letramento. A imaginação criativa é ferramenta indispensável para tal

capacidade e, sobre as contribuições dos efeitos educativos da música nesse

processo, Sekeff (2007) ressalta que:

O exercício da música alimenta o crescimento perceptual, emocional, social

e mental do educando, desde que o educador faça uso, com método,

conhecimento e pertinácia, de seus recursos. Ora, se educar é levar a conhecer, se educar é possibilitar sentir e refletir, o processo educativo acrescido dos usos e recursos musicais afiança conhecimento e sentimento, este último muitas vezes fora do alcance do pensamento e da linguagem verbal. A premissa de que se pode, com o auxílio dessa ferramenta, estimular as potencialidades cognitivas e criativas do educando até limites não suspeitados é particularmente fascinante, na medida em que a emoção musical pode colaborar na geração de um maior número de indivíduos altamente criativos. E isso porque elementos intangíveis como a música influem de algum modo em nossa bioquímica. (SEKEFF, 2007, p. 110).

De acordo com as observações e análises dos dados coletados, entre

docentes e discentes das duas instituições pesquisadas, identifiquei diversos

problemas relacionados à interpretação e produção textuais. Entretanto, as

Page 137: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

137

informações apontam uma inclinação positiva entre os indivíduos da EEEFM Pinto

Marques.

Além dos aportes teóricos, apontados pelos autores supracitados,

apresentarei, como subsídio à análise e discussão dos dados obtidos na pesquisa,

algumas nuances educacionais, em que o Letramento Musical pode contribuir, de

maneira direta, sobre a qualidade do processo de alfabetização.

4.4 Subsídios para a análise e discussão dos dados: o ensino da

música como elemento catalizador da aprendizagem

As práticas musicais são diversas, seja do ponto de vista do lócus de sua

manifestação ou das fontes de aquisição dos conhecimentos e habilidades para

tanto. As categorias denominadas música erudita39 e música popular40 são,

constantemente, compreendidas em termos de oposição no âmbito educacional,

como ressalta Penna (2008):

Apontamos a pertinência, para o campo da educação musical, de colocar em discussão a oposição entre música erudita e música popular, que tem se mantido e reproduzido histórica e culturalmente, sedimentando práticas culturais e valores sociais distintos, assim como formas próprias de ensino-aprendizagem. Sem dúvida, essas práticas musicais e culturais, assim como seus processos educativos, interpenetram-se e entrecruzam-se dinamicamente, numa multiplicidade de formas possíveis. (PENNA, 2008, p. 50-51).

Muitos indivíduos, mesmo com práticas cotidianas e conhecimentos musicais

desenvolvidos, não se consideram “músicos”, pelo simples fato de não terem

adquirido algum tipo de instrução formal, ou estruturada de acordo com os padrões

da música denominada “erudita”. Penna (2008) apresenta essa discussão a partir de

cinco cenas, retratando vivências reais do fazer musical.

Os relatos possuem um ponto em comum: as relações cotidianas com a

música. Neste sentido, o Letramento Musical, enquanto um conjunto de saberes

39 De uma forma mais geral, pode-se afirmar que ela abrange toda concepção musical admitida nas

academias. Pesquisada e interpretada no âmago das convenções (técnicas e estruturais), e dos cânones previamente determinados pelos historiadores da música, é considerada a forma padronizada de ensino nas instituições mais tradicionais. 40 Considerada qualquer gênero musical acessível ao público em geral, sendo a evolução natural da música folclórica, que seria a cultura musical de um povo transmitida ao longo das gerações.

Page 138: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

138

relacionados às práticas sociais dessa arte, são evidenciados, de acordo com as

observações da autora.

A primeira cena está relacionada ao relato de um construtor de instrumentos

que, mesmo sabendo tocar, não se considera músico. Penna (2008) descreve o fato

da seguinte maneira:

Cena 1: Em Belém do Pará, no ano de 2000, numa feira de artesanato em uma grande praça da cidade, havia uma barraca vendendo diversos instrumentos artesanais, interessantes e criativos, a maioria de percussão. Compramos alguns, conversando com o vendedor: - É você que constrói esses instrumentos? - Sim. - Você é músico? - Eu toco, mas não sou músico. - Como você não é músico, se você toca? - É que eu nunca estudei, e não sei ler [partitura]. E, por mais que insistíssemos que ele tinha uma verdadeira prática musical, ele continuava dizendo que não era músico. (PENNA, 2008, p. 51).

Em sua análise acerca da primeira cena, a autora enfatiza a tradição

“conservatorial”41 de formação musical na cidade de Belém – PA. Segundo Penna

(2008, p. 51) “a cidade de Belém tem uma forte tradição no campo da música erudita

e seu ensino, com instituições centenárias [...], em função da expansão econômica

proporcionada pela exportação da borracha no século XIX.”

Esta contextualização social e cultural, evidenciada pela autora, indica que a

construção histórica de um modelo dominante de ensino musical, baseada nos

padrões acadêmicos, faz com que os indivíduos, mesmo desenvolvendo práticas

musicais, não se reconheçam como atores inseridos nesse âmbito artístico. Sobre

tal aspecto, Penna (2008) segue com o seguinte posicionamento crítico:

Essa cena ilustra de maneira bem marcante a primazia da música notada, com a consequente noção de que “saber música” ou “ser músico” corresponde à capacidade de ler uma partitura. Esse tipo de concepção, dominante em muitos espaços sociais, desvaloriza a vivência musical cotidiana de quem não tem estudos formais na área: deslegitima, ainda, inúmeras práticas musicais que não se guiam pela pauta e não dependem

41 Formação musical desenvolvida em escolas específicas e tradicionais. Um exemplo desse tipo de

instituição – na cidade mencionada – é o Instituto Estadual Carlos Gomes que, em 1895, foi fundado com o título inicial de Seção de Música da Associação Paraense Propagadora de Belas Artes. O órgão embrionário do popularmente conhecido como “Conservatório Carlos Gomes” funcionava no atual prédio da Academia Paraense de Letras (Rua João Diogo). Mesmo sem desenvolver atividades práticas de direção, o próprio maestro, homônimo, foi designado para assumir o cargo, mas feleceu no ano seguinte.

Page 139: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

139

de uma notação, encontradas em diversos grupos sociais, sendo muito comuns na música popular brasileira. (PENNA, 2008, p. 52).

A segunda cena, representando a uma pessoa tocando um instrumento

musical entre amigos, é descrita por Penna (2008):

Cena 2: O rapaz toca violão numa roda de amigos que cantam. “Catando” no braço do violão, acompanha uma canção que não conhecia. = Mas ele não sabe dizer qual é a tonalidade, qual acorde toca ou por que usa este e não qualquer outro. (PENNA, 2008, p. 56).

O termo “catando”, empregado pela autora, refere-se a uma certa falta de

habilidade técnica por parte do instrumentista que, sem alto domínio sobre o violão

ou a música executada, tenta acertar os acordes42 e a tonalidade.43

A cena evidencia um tipo de prática autodidata, em que o indivíduo

desenvolve, por conta própria, os saberes relacionados ao fazer musical de maneira

empírica. Popularmente, é conhecido como o ato de “tocar de ouvido”, como

esclarece Penna (2008):

O “violão de ouvido” é uma forma popular de aprendizagem prática da música, característico de pessoas que aprenderam por conta própria, observando os outros tocarem: olho no braço do violão + ouvido em ação. Nele, a relação básica é entre o resultado sonoro e a posição no violão (ou seja, a ação motora). (PENNA, 2008, p. 57).

A iniciativa pela busca de saberes musicais em ambientes não formais,

evidenciada pela autora, representa uma prática muito comum entre aqueles que,

mesmo sem a oportunidade de acesso a instituições especializadas, manifestam

interesse por cantarem ou tocarem determinado instrumento.

Em contrapartida à representação anterior, Penna (2008) demonstra, na

terceira cena, uma prática relacionada ao ensino-aprendizagem da música em um

contexto de educação formal:

42 Conjunto de notas executadas simultaneamente. Os acordes são concebidos a partir de

instrumentos musicais que possuem características harmônicas (capacidade de emitir mais de uma nota ao mesmo tempo), como violão, piano, guitarra etc. 43 A tonalidade ou o “tom”, consiste no tipo de escala (sequência de notas) sobre a qual a música foi

estruturada. Em termos mais contemporâneos, também pode ser concebida como uma “família” de sete acordes que, concatenados entre si, formam sequências harmônicas com sentido lógico/musical.

Page 140: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

140

Cena 3: De olho na partitura, a menina “cata” as teclas do piano, “tirando” uma nova música. = Mas ela não é capaz de “imaginar” a música antes de fazer o piano soar; é a partitura que indica a ação motora sobre o instrumento, da qual os sons resultam. (PENNA, 2008, p. 58).

A autora alerta para o fato de que, mesmo em um ambiente acadêmico/formal

de ensino musical, a aluna não desenvolveu a capacidade perceptiva, dependendo

do instrumento para que as nuances sonoras tenham sentido. Penna (2008, p. 58)

classifica tal ação como “adestramento visual-motor: ‘bolinha ali (é nota tal), ponha o

dedo aqui’. Muitas vezes, é isso o que acontece quando o estudo do instrumento se

inicia através do contato simultâneo com o instrumento e a partitura.”

A quarta cena, também relacionada a uma forma acadêmica de aquisição de

conhecimentos musicais, representa uma atividade de leitura rítmica44. Penna (2008)

descreve uma turma de crianças que, de acordo com suas análises, estariam sob

um tipo de equívoco didático:

Cena 4: A turma de crianças realiza uma leitura rítmica, batendo com a mão o pulso nas carteiras e falando ta –taa – ta – ta – ta – ta – taa... (para o ritmo). = Mas sem que esta leitura de durações diferentes considere, por exemplo, as relações de impulso/apoio que caracterizam o ritmo musical. (PENNA, 2008, p. 59).

A crítica da autora à metodologia acima descrita é, portanto, direcionada a

uma tentativa de transmissão de conteúdos musicais “visando ao adestramento para

a leitura da partitura” (PENNA, 2008, p. 59). A alternativa a esse tipo de concepção

não é, entretanto, o abandono do sistema tradicional de leitura/escrita musical, mas

sua inserção gradativa e facilitada por outras estratégias didáticas, sugeridas por

Penna (2008, p. 59) como a utilização de “formas de representação mais analógicas

e simples [...] que, trabalhando sobre os elementos musicais básicos, procuram

formar conceitos musicais.”

Sobre a ideia de “conceito musical”, Penna (2008) esclarece que:

Por formar conceitos entendemos o desenvolvimento de referenciais de percepção internalizados que permitam identificar, no fato sonoro, os atributos que caracterizam os elementos musicais. Esse processo

44 Refere-se à compreensão das durações de sons e silêncios por meio do reconhecimento de

símbolos. Esse tipo de leitura é estruturado sobre as figuras musicais (descritas anteriormente) e, não necessariamente, representa as notas, mas seus valores rítmicos.

Page 141: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

141

diferencia-se radicalmente, portanto, de fornecer e/ou decorar uma definição (verbal) preestabelecida, pois a definição é um recurso para expressar um conceito, mas não garante, por si só, o domínio do mesmo e a capacidade de aplica-lo em uma nova situação. (PENNA, 2008, p. 59).

A quinta cena, relacionada a um estágio mais avançado de aprendizagem

musical, aborda a problemática referente ao “caráter técnico-profissionalizante, em

que, muitas vezes, a partitura é tomada como música” (PENNA, 2008, p. 60).

Cena 5: Sentado à mesa, com lápis e papel de música, o estudante “calcula” qual deve ser o próximo acorde num exercício de harmonia. = Mas a harmonia é realizada como um perfeito exercício de bolas na pauta, sem a menor ideia de como soa o que está sendo grafado/representado; a “descoberta” de sua realidade sonora apenas se dá quando, depois de concluído, o exercício é tocado ao piano. (PENNA, 2008, p. 60).

Em sua análise da última cena, a autora alerta quanto à equivocada (porém

comum) concepção de música enquanto uma ciência exata, passível de ser

“calculada” ou meramente relacionada às representações de escrita, apartada do

fenômeno sonoro e suas combinações.

Guardadas as devidas relevâncias, presentes nas estruturações de leitura e

escrita musicais, importantes tanto para a compreensão dos processos

histórico/evolutivos quanto para a aprendizagem sistematizada, Penna (2008)

ressalta que a concepção de música deve ultrapassar as fronteiras de suas

representações simbólicas, ratificando que:

A notação musical é produto de uma abstração, permitindo registrar a estruturação musical, sendo útil para pensar a organização dos sons na sua ausência, mas não é música, pois esta só se realiza em sua concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música, como fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só; ela representa os sons. (PENNA, 2008, p. 61).

Em suma, os processos de desenvolvimento do letramento musical podem

ocorrer em diferentes espaços físicos e contextos sociais. As cenas descritas pela

autora, nas quais a música é aprendida, apresentada e desenvolvida no cotidiano,

evidenciam tal aspecto.

A partir do posicionamento crítico de Penna (2008), contrário à padronização

de um modelo de ensino musical atrelado às práticas acadêmicas, formais ou

“conservatoriais”, enfatizo a noção em que o letramento musical, enquanto

Page 142: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

142

organização e aplicação de saberes, pode ser desenvolvido, também, a partir da

vivência cultural cotidiana. Penna (2008, p. 65) sugere que “deixemos para trás as

práticas fixas da tradição, buscando construir alternativas que atendam às

necessidades dos diferentes contextos em que a educação musical pode atuar.”

4.4.1 Elementos do letramento musical na alfabetização

As relações entre as habilidades desenvolvidas a partir da aquisição de

conhecimentos musicais e o processo de alfabetização, não representam um campo

recente na pesquisa educacional brasileira. Em 1986, por exemplo, os autores

Geraldo de Oliveira Suzigan e Maria Lúcia Cruz Suzigan publicaram um estudo

intitulado A Educação Musical como Elemento Facilitador da Alfabetização e do

Raciocínio Lógico Matemático.45

O quadro 11 é a representação esquemática das concepções de Suzigan

(1986), acerca dos efeitos da educação musical sobre a alfabetização:

Quadro 11 – Educação musical como elemento facilitador da alfabetização

Fonte: Suzigan (1986, p. 13)

45 SUZIGAN, Geraldo de Oliveira; _____, Maria Lúcia Cruz. In:______. Educação musical: um fator

preponderante na construção do ser. São Paulo: Balieiro, 1986. cap. 5, p. 13-15. (Série Cadernos Brasileiros de Educação).

Page 143: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

143

Segundo as análises dessas concepções, ilustradas no quadro acima, o

processo de alfabetização pode ser influenciado pelo ensino da música, uma vez

que, de acordo com Suzigan (1986, p. 13) eles se relacionam “na formação das

palavras, na manipulação dos códigos gráficos, na manutenção das características

culturais e na prática de atividades em grupo.”

Além disso, os autores seguem correlacionando elementos da linguagem

verbalizada à aspectos da música. Segundo Suzigan (1986):

Os elementos que constituem a fala do indivíduo, desde as primeiras manifestações da criança, logo após o nascimento, são sempre compostos de: melodia, ritmo e dinâmica. Antes de que se estabeleça o significado e os códigos da cultura falada a criança consegue a comunicação verbal através desses elementos. (SUZIGAN, 1986, p. 13).

Os conceitos musicais, evidenciados por Suzigan (1986), podem ser

relacionados à linguagem verbal (fala) a partir das organizações propostas na tabela

3:

Tabela 3 - Relação entre elementos musicais e a linguagem verbal

ELEMENTO

MUSICAL

DESCRIÇÃO CARACTERÍSTICAS NA LINGUAGEM

VERBAL

MELODIA

Organização

sucessiva dos sons.

Entende-se como

melodia uma sequência

de notas executadas ou

percebidas uma após a

outra, podendo

apresentar variações

entre o grave e o agudo.

As palavras são

pronunciadas a partir

da combinação

sucessiva de sílabas.

Quanto melhor

articuladas, melhor

compreendidas.

RITMO

Duração de sons e

silêncios em uma

relação temporal.

O ritmo é a combinação

entre sons curtos e

longos. Está relacionado

também com os silêncios

(pausas), compreendidos

entre um som e o

próximo.

A organização sonora

das palavras está

relacionada com uma

concatenação

temporal (rápido ou

lento), com espaços

entre elas.

DINÂMICA

Intensidade da

produção do elemento

sonoro (força).

Equivocadamente

confundida com sons

altos e baixos, a

dinâmica classifica como

fortes e fracas as

produções sonoras. Pode

ser medida em decibéis

(dB).

As adequações quanto

à intensidade sonora

das palavras podem

ser: forte (para se

dirigir a um grupo

grande); fraca (em

ambientes que exijam

pouco ruído).

Fonte: Elaboração própria.

Page 144: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

144

Os autores relacionam, diretamente, a importância dos elementos da fala à

aquisição de habilidades de leitura e escrita (alfabetização). Segundo suas

concepções, “essa condição é uma das mais importantes como base para a

posterior iniciação da cultura escrita, [...] ‘como falamos’ influi diretamente no ‘como

escrevemos’.” (SUZIGAN, 1986, p. 14).

A alfabetização está relacionada à manipulação de códigos gráficos, assim

como os aspectos de escrita musicais. A associação entre o som e a simbologia

gráfica é facilmente assimilada pela criança, como afirma Suzigan (1986):

Por ser a linguagem musical, uma das mais sintéticas e de qualidades comuns a todo o mundo, possui em seus códigos uma gama de possibilidades de manipulação ao nível do simples, onde a criança estabelece com grande facilidade a relação entre o som e sinais de representação gráfica. (SUZIGAN, 1986, p. 14).

Sob tal prisma e, a partir de uma comparação básica, constato que, tanto a

alfabetização quanto a grafia musical possuem, de alguma forma, um tipo de relação

com o fenômeno sonoro. Antes de atingir o estágio de linguagem escrita, a palavra é

também é uma representação sonora.

A associação sonora, entre a palavra que precede a cultura escrita e a

linguagem musical, é abordada por Suzigan (1986) do ponto de vista da estreita

similaridade:

Como a cultura escrita, no processo da alfabetização, passa por um estágio onde as palavras são quase que só sonoras, a similaridade de compreensão entre essa fase e a linguagem musical é muito estreita. Muitas considerações podem ser feitas a nível da manipulação do código gráfico [...]. (SUZIGAN, 1986, p. 14).

O elemento rítmico, associado às construções silábicas, também é abordado

pelo autor como um tipo de construção gráfica semelhante. A importância dessa

relação, do ponto de vista da aprendizagem alfabética, é apontada por Suzigan

(1986):

Em função da grande coincidência com uma fase da descoberta da escrita, quando a criança passa pelo momento silábico, onde símbolos gráficos representam sílabas que, de uma forma bastante rítmica, dão início à construção de palavras e sentenças e, principalmente, a descoberta da possibilidade da comunicação escrita. (SUZIGAN, 1986, p. 14).

Page 145: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

145

A música pode ser, portanto, considerada uma ferramenta de ação pedagogia

no ato de alfabetizar. Diante deste foco de ação considero que, por meio de

atividades aonde se relacione símbolos a sons, o educador pode desenvolver, no

aluno, sua capacidade de memória auditiva, observação, discriminação e

reconhecimento de diferentes parâmetros sonoros, a partir da associação simbólica

entre som/escrita (linguagem musical) e palavra/escrita (alfabetização).

Entretanto, como ferramenta pedagógica, a música não deve ser um

elemento exclusivamente voltado à finalidade de “apoio educacional” e, a esse

respeito, Rubio e Soares (2012) destacam que:

Trabalhar a música na alfabetização não quer dizer que ela seja completamente voltada para essa finalidade, mas sim, ter o bom senso de utilizá-la de como ferramenta pedagógica, como mais um recurso auxiliador da prática e não como única fonte, fazendo dela, posteriormente, uma ação desgastada e já sem prazer. É fundamental, também que, a música seja apresentada e estudada como matéria em si, como linguagem artística, forma de expressão e um bem cultural, pois, o aluno tem direito de conhecer e construir uma visão sobre ela e, por meio dela, buscar sua identificação e lugar na sociedade, já que muitas vezes, a música representa um grupo, um espaço de manifestação social. (RUBIO; SOARES, 2012, p. 9-10).

Entendo, portanto, que a associação dos elementos musicais, com o

desenvolvimento das habilidades relacionadas ao processo de alfabetização,

representa uma combinação de similaridades intelectuais, uma vez que as duas

categorias congregam representações simbólicas, voltadas à compreensão de um

tipo de linguagem.

O desenvolvimento do senso rítmico nasce da noção de pulsação constante,

em determinado andamento46. Um exemplo de pulso intermitente, embora não

exatamente preciso, pode ser observado pelas batidas do coração. A importância

em iniciar o trabalho musical a partir deste aspecto é ressaltada por Suzigan (1986):

É muito importante começar trabalhando o sentido da pulsação. A criança deve perceber, através de várias atividades, que a pulsação ocorre a intervalos iguais, mantendo-se sempre o mesmo andamento inicial. Nesse sentido, pedimos à criança que sinta o próprio batimento do coração, colocando-se o dedo médio sobre o pulso ou ainda que compare os seus batimentos com os de outra criança. (SUZIGAN, 1986, p. 20).

46 O andamento musical está relacionado à velocidade constante de uma pulsação. Normalmente, é

medido em bpm (batidas por minuto) em que, por exemplo, 60bpm correspondem a um pulso por segundo. O metrônomo é um típico equipamento de referência para os andamentos, marcando os pulsos por meio de “estalos” sonoros ou, no caso dos mais modernos, indicações luminosas.

Page 146: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

146

Relacionado ao processo de alfabetização, o desenvolvimento do senso

rítmico pode auxiliar na compreensão, por exemplo, da quantidade de sílabas

pertencentes à uma palavra que, pronunciada pausadamente, irá apresentar uma

determinada organização em termos de andamento.

Para o desenvolvimento desse aspecto, Suzigan (1986) sugere as seguintes

atividades:

Pedir para a criança: - Observar instrumentos, objetos, mecanismos que mantêm a mesma pulsação (metrônomo, pêndulo do relógio-de-parede, pisca-pisca do carro, alguns tipos de letreiros luminosos, uma torneira que pinga etc.). - Andar naturalmente. - Andar mais rápido. - Andar mais devagar. - Andar de acordo com batidas de um tambor. - Correr. - Bater palmas. - Tocar instrumentos de percussão. - Cantar. - Cantar acompanhando-se de palmas ou instrumentos de percussão. - Repetir estruturas rítmicas tocadas pelo professor ou por outra criança. - Improvisar ritmicamente (perguntas e respostas de estruturas rítmicas). - Ouvir um disco e acompanhar com palmas ou instrumentos de percussão. [...] (SUZIGAN, 1986, p. 20).

As atividades propostas acima primam pela constância de pulsação. De

acordo com Suzigan (1986), “devem ser realizadas tomando-se cuidado para que a

criança não mude o andamento inicial do exercício.”

A pulsação pode ser representada por sinais gráficos de simples assimilação,

com o intuito de associação entre um evento sonoro a outro visual. Um exemplo de

tal abordagem está representado na Figura 11, onde o pulso constante é indicado

pelos traçoes verticais numerados, os círculos determinam a ocorrência de sons

(palmas ou estalar de dedos) e o “X” é a indicação de silêncio:

Figura 11 – Representação gráfica para a pulsação

Fonte: Elaboração própria.

Page 147: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

147

No exemplo de representação gráfica, proposto na figura anterior, há a

ocorrência de sete pulsos intermitentes. Os círculos indicam a execução sonora, por

palmas, estalar de dedos ou qualquer outro tipo de som, já no terceiro e quinto

pulsos, a indicação é de silêncio (pausa).

Vale ressaltar que, mesmo não havendo execução sonora em dois

momentos, a pulsação se mantém. Suzigan (1986, p. 22) destaca que “o importante

é levar o aluno a perceber que, mesmo quando existe silêncio (pausa), as pulsações

e o andamento inicial devem ser mantidos”.

De acordo com Suzigan (1986):

Quando trabalhamos com sinais gráficos simples, estamos preparando a criança para a leitura [...]. Muitas atividades deverão ser criadas pelo professor com o objetivo de desenvolver o sentido da pulsação e garantir um bom desempenho das crianças. (SUZIGAN, 1986, p. 21).

Os silêncios - ou pausas - musicais indicam a ausência de som, entretanto,

sobre uma constância pulsativa. Considero que, em uma relação com a

alfabetização, este fenômeno pode ser comparado, por exemplo, às vírgulas47, onde

o intervalo temporal não caracteriza a finalização da ideia, representada pela frase

escrita.

Outro exemplo de representação gráfica da linguagem escrita, que pode ser

comparado às pausas musicais é o ponto e vírgula48, o qual indica intervalos de

tempo maiores que a vírgula.

As palavras possuem um aspecto rítmico natural. Em termos

teórico/analíticos, a prosódia49, enquanto ramo da linguística, investiga propriedades

fônicas e rítmicas da linguagem falada. Mas, em uma abordagem empírica, é

possível identificar tal característica, por exemplo, em estruturas poéticas, mesmo

que os autores não dominem tais habilidades, do ponto de vista acadêmico.

A prosódia musical é o resultado da combinação entre os aspectos da

linguagem verbalizada e o elemento sonoro. Beduschi (2009) assim a define:

47 A vírgula é um sinal de pontuação (,) indicativo de pausa ligeira, usado com diversas finalidades:

isolar o vocativo, intercalar orações subordinadas adverbiais numa frase, separar elementos repetidos, etc. 48 O ponto e vírgula indica uma pausa maior que a vírgula e menor que o ponto. Quanto à melodia da

frase, indica um tom ligeiramente descendente, mas capaz de assinalar que o período não terminou. 49 A prosódia é um ramo da linguística que investiga as propriedades fônicas da cadeia da fala, que

contribuem para a interpretação do significado e determinam, entre outros aspectos, o ritmo da frase.

Page 148: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

148

Prosódia Musical consiste na coordenação entre sílabas tônicas, das palavras, com os tempos fortes dos compassos musicais. A não coordenação dessas forças, causa um “descompasso” rítmico, desagradável ao ouvinte, sem que ele se dê conta do que acontece. Na música popular, há uma enormidade de compositores/composições, cuja letra trava uma verdadeira batalha com sua melodia, e vice-versa, mas, como são muito executadas pela mídia, acabam por fazer um imenso sucesso [...]. (BEDUSCHI, 2009, p. 1).

As referências da autora, acerca da prosódia musical, podem ser observadas,

por exemplo, em expressões artísticas populares como o repente, a embolada ou o

rap. Estas são apenas algumas indicações em que o elemento rítmico, contido nas

palavras, assume grande importância na métrica fraseológica, enfatizando seu

sentido.

Nos trabalhos de inicialização ao ensino da música, é importante que as

noções rítmicas sejam associadas às palavras e, a esse respeito, Suzigan (1986)

sugere as seguintes orientações:

Muitos exercícios poderão ser criados utilizando o nome das crianças, pequenos versos que elas conheçam, porém, é importante que tomemos muito cuidado para não mudarmos o sentido rítmico e a acentuação das palavras, enfim a “prosódia musical”, para adequarmos as palavras aos sinais gráficos [...]. Por outro lado é um aspecto muito importante de ser trabalhado, pois “como falamos” tem uma ligação muito grande com nossa cultura e irá preparar o “como escrevemos”. (SUZIGAN, 1986, p. 22).

Considero importante ressaltar a observação do autor, quanto a relação entre

a fala e a escrita. A figura 12 representa um exercício proposto por Suzigan (1986),

onde os sinais gráficos de pulsação são associados às métricas rítmicas dos sons

das palavras:

Figura 12 – Relação entre o ritmo das palavras e a pulsação

Fonte: Suzigan (1986, p. 22).

Page 149: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

149

No exercício proposto por Suzigan (1986), ilustrado pela figura anterior, os

dois números sobrepostos representam a fórmula de compasso50, indicando que

cada fragmento métrico (separado pelas linhas verticais azuis) possui dois pulsos.

Há duas frases diferentes: “Ana Rosa tem boneca” “E Danilo tem peteca”. Por

apresentarem a mesma quantidade de sílabas, as sentenças podem ser executadas

tanto simultaneamente quanto separadamente.

O ritmo das palavras propostas está de acordo com sua métrica silábica

natural. Tal aspecto, relacionado a pulsos constantes, facilita a compreensão dos

elementos de leitura e escrita. De acordo com Suzigan (1986, p. 14) “na educação

musical, várias são as oportunidades de se trabalhar esse conhecimento, de forma

motivadora.”

De acordo com as abordagens e atividades propostas por Suzigan (1986),

considero que, as associações gráficas entre elementos musicais e a linguagem

falada facilitam, do ponto de vista pedagógico, a compreensão das habilidades

relacionadas à alfabetização, por representarem, simbolicamente, categorias

abstratas e, assim, tornarem “visíveis” os fenômenos sonoros, tanto da linguagem

escrita quanto da musical.

50 A fórmula de compasso é a referência métrica da grafia musical. Tratam-se de dois números

sobrepostos, onde o de cima (numerador) indica a quantidade de pulsos de cada compasso, já o de baixo (denominador) está relacionado à figura musical que será a unidade de tempo. Tomando como exemplo o compasso 2 por 4, também chamado de binário simples, há a ocorrência de dois tempos

(ou pulsos) em cada compasso, e a unidade te tempo será a semímima ( ), à qual corresponde o número quatro.

Page 150: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

150

5 CONCLUSÃO

Após as explanações desenvolvidas, desde os aportes metodológicos,

norteadores da pesquisa, até as análises do letramento musical sobre a

alfabetização, apresento minhas considerações acerca de todas as etapas

abordadas, bem como as conclusões quanto aos resultados. Ressalto, entretanto,

que os aspectos elencados a seguir, em hipótese alguma, representam “verdades

absolutas” ou paradigmas definitivos, uma vez que congregam recortes

investigativos de universos mais extensos, passíveis de diferentes e/ou mais amplas

explorações futuras.

O termo letramento foi utilizado, pela primeira vez na educação brasileira, em

meados da década de 1980. Autoras como Mary Kato, Leda Verdiani Tfouni, Ângela

Kleiman e Magda Soares, são exemplos de pesquisadoras da área que, a partir de

então, ajudaram a difundir e desenvolver suas concepções iniciais por aqui.

Desde as primeiras publicações sobre o tema, já havia a preocupação com a

dissociação, no âmbito semântico, entre letramento e alfabetização. Entretanto,

mesmo com distinções de significados, as condições sociais das terminologias

apresentam relações intrínsecas.

Não é correta, contudo, a afirmação onde um é a consequência natural do

outro. Um indivíduo analfabeto, por exemplo, pode apresentar desenvolvimento de

certo tipo de letramento, enquanto aplicações socioculturais de saberes relacionados

à linguagem. O letramento, portanto, objetiva a investigação de saberes que, não

necessariamente, estão relacionados com as habilidades de leitura e escrita.

Em termos específicos de linguagem escrita, onde a utilização da terminologia

é, de fato, mais comum, considero que a alfabetização refere-se a um ato

educacional, direcionado à aprendizagem da tecnologia de leitura/escrita. Por outro

lado, o letramento tem como foco principal os resultados dessa ação, no contexto

social.

A partir das concepções conceituais, acerca do letramento, sugiro sua

interlocução com a música, inicialmente, por intermédio de uma abordagem

sintetizada dos aspectos históricos e evolutivos da educação musical brasileira, bem

como sua inserção no currículo educacional regular.

Desde a chegada das primeiras caravelas portuguesas no Brasil, no início do

século XVI, os jesuítas praticavam um tipo de educação musical, utilizando tal

Page 151: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

151

prática com fins catequizadores entre os povos indígenas. Mas, foi só a partir do

século XIX, com o trabalho desenvolvido por músicos como o Padre José Maurício

Nunes Garcia, que o ensino da música passou a ser devidamente estruturado por

aqui. Na sequência, surgem as primeiras instituições especializadas, como o

Conservatório Carlos Gomes (inaugurado na cidade de Belém – PA, no ano de

1895).

Nas primeiras décadas do século XX, os principais nomes da educação

musical brasileira foram Liddy Chiaffarelli Mignone, Gazzi de Sá e Antônio Leal de

Sá Pereira. Dentre suas contribuições para a área, destaco a criação dos cursos de

Iniciação Musical, na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje,

Escola de Música da UFRJ), e no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de

Janeiro. No desenvolvimento dessas atividades, buscava-se musicalizar os alunos

de maneira prioritariamente empírica, sem o enfoque a conceitos demasiadamente

teóricos.

Com relação às diretrizes para o ensino da música na educação regular

brasileira, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apresentam as seguintes

orientações: comunicação e expressão em música (interpretação, improvisação e

composição); apreciação significativa em música: (escuta, envolvimento e

compreensão da linguagem musical); a música como produto cultural e histórico

(música e sons do mundo). O instrumento legal mais recente é a Lei 11.769/2008,

que altera a LDB 9.394/1996 e determina a música como conteúdo obrigatório, na

disciplina artes.

Portanto, em termos de legislação educacional, o ensino da música faz parte

do currículo regular brasileiro. Entretanto, algumas lacunas ainda são presentes no

desenvolvimento desse processo, a principal delas, a meu ver, é a ausência de uma

matriz de referência. Por esta razão, alguns professores/pesquisadores

desenvolvem trabalhos relacionados à propostas metodológicas mais definidas para

a área.

Um exemplo desses profissionais é a professora Cecília Cavalieri França, que

desenvolveu um método de avaliação sistêmica para o ensino da música, na

educação regular. O modelo é estruturado sobre uma matriz curricular, que abrange

conteúdos e habilidades musicais, os quais, de acordo com minhas análises,

apresentam um organograma objetivo e bem definido, passível de ser implementado

na escola comum.

Page 152: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

152

A EEEFM Pinto Marques (Belém – PA), a partir das atividades desenvolvidas

pela professora de música Raquel Veiga, utiliza a metodologia proposta pela autora

supracitada. Já a EEEFM Deodoro de Mendonça, apesar de oferecer atividades

musicais direcionadas a apresentações pontuais, não possui uma estruturação

organizada e/ou sistematizada para a educação musical.

O professor de música e pesquisador inglês Keith Swanick, a partir de uma

concepção onde o ensino musical pode ser compreendido como uma forma de

discurso, apresenta uma proposta educacional guiada pelas diferentes fases de

desenvolvimento do aluno. Seus posicionamentos, diante dos caminhos e objetivos

da Educação Musical, os quais primam pela utilização do ensino da música como

ferramenta didática, em prol do desenvolvimento intelectual do indivíduo, constituem

as razões pelas quais elenquei o autor supracitado como um dos pilares dessa

investigação científica.

Em uma combinação dialética de significados, entre a música e o letramento,

optei pela unificação do conceito de Silva (2009), segundo o qual o letramento está

mais associado às aplicações sociais dos saberes do que, exclusivamente, ao

universo da escrita, com as abordagens de Penna (2008), onde a música deve ser

compreendida como um fenômeno social universal. A partir de então, passei a

sugerir a admissão conceitual de Letramento Musical.

Sob este prisma, o letramento musical pode ser, de acordo com minhas

considerações, um conjunto de aquisições e aplicações sociais dos saberes

musicais (acadêmicos ou empíricos) que, utilizado como linguagem artística,

culturalmente construída, tem, no elemento sonoro, seu material básico.

Minhas análises demonstraram que as relações, entre as habilidades

musicais e o processo de alfabetização, não representam um campo recente na

pesquisa educacional brasileira. Autores como Geraldo de Oliveira Suzigan e Maria

Lúcia Cruz Suzigan, desde a década de 1980, apresentam estudos a esse respeito.

A alfabetização está relacionada à manipulação de códigos gráficos, assim como os

aspectos de escrita musicais. A associação entre o som e a simbologia gráfica pode

representar um elemento facilitador, no processo de aquisição dos conhecimentos

relacionados à leitura e à escrita.

Além disso, os elementos que constituem a linguagem falada do indivíduo,

desde suas primeiras manifestações, logo após o nascimento, são compostos,

também, por parâmetros musicais, como melodia, ritmo e dinâmica. Neste sentido, a

Page 153: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

153

alfabetização, por ser um tipo de representação gráfica da linguagem, pode ser

favorecida em uma associação com o elemento sonoro. Considero, portanto, que o

letramento musical, como ferramenta pedagógica, pode ser um elemento auxiliador

no processo de alfabetização.

Partindo para as análises do lócus da pesquisa, bem como seus participantes,

constatei que a EEEFM Pinto Marques, diferente da EEEFM Deodoro de Mendonça,

possui uma estrutura organizada para o desenvolvimento do letramento musical.

Ainda que, naturalmente, esta não seja a única condição analítica para a verificação

do desempenho alfabético entre seus alunos, apresento os dados a seguir como

indicativos que, em futuros trabalhos, poderão ser associados a outros critérios

investigativos.

Com relação ao questionário de sete perguntas fechadas, aplicado às

professoras, responsáveis pela parte de língua portuguesa dos alunos das duas

instituições (6º ano), pude extrair constatações, relacionadas aos seguintes

aspectos:

Ao interesse da turma pela aprendizagem: os alunos da EEEFM Pinto

Marques são mais participativos, em termos de atividades propostas ou solicitações

diversas das professoras.

Atenção e concentração em sala de aula: as duas professoras são

convergentes, ao afirmarem que os alunos realizam as atividades, mas com desvios

de atenção.

Leitura de palavras: os alunos da EEEFM Pinto Marques leem com

fragmentações silábicas, mas sem graves comprometimentos de compreensão. Já

os alunos a EEEFM Deodoro de Mendonça, demonstram mais erros, ao ponto de

comprometer a compreensão.

Leitura de textos simples: entre os dois grupos analisados há erros de leitura,

mas, entre os alunos da EEEFM Pinto Marques, o nível de compreensão textual é

ligeiramente maior.

Interpretação de textos simples: nova congruência de considerações entre as

professoras, ao indicarem que os alunos respondem com frases mal estruturadas,

que comprometem o significado das ideias interpretativas.

Ditado de palavras: na EEEFM Deodoro de Mendonça, os alunos cometem

erros de trocas de letras, comprometendo a compreensão da escrita. Já entre os

Page 154: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

154

alunos da EEEFM Pinto Marques, há menos erros ortográficos e menores prejuízos

à identificação.

Cópia da lousa: mais uma vez, há igualdade entre as respostas das

professoras, indicando que os alunos demonstram velocidade reduzida para a

escrita e, portanto, um problema de ordem motora.

Com relação ao questionário direcionado aos alunos, em que a primeira parte

(com perguntas fechadas) é referente à interpretação textual, os indicativos

demonstraram que o aproveitamento da EEEFM Pinto Marques é superior (96%), se

comparado ao índice da EEEFM Deodoro de Mendonça (71%). Portanto, considero

que, mesmo com possíveis interferências de outras variáveis, é importante destacar

o maior desempenho, relacionado a este item, na instituição escolar com atividades

estruturadas de letramento musical.

Na segunda parte do questionário supracitado, direcionado à produção textual

dos alunos, a partir de um evento musical (a audição da obra As Quatro Estações),

constatei que os alunos da EEEFM Pinto Marques demonstraram maior criatividade,

ao associarem palavras escritas a um fenômeno musical instrumental apresentado

(sem texto cantado).

A questão problema, “que aspectos didáticos-educacionais podem ser

analisados entre as modalidades de letramentos musical e alfabético?”, foi

esclarecida a partir das análises e efeitos de três elementos musicais (melodia, ritmo

e dinâmica), sobre o processo de ordenamento das palavras para a alfabetização.

Minhas considerações foram estruturadas sobre as seguintes relações:

Melodia: Organização sucessiva dos sons. As palavras são pronunciadas a

partir da combinação ordenada de sílabas. Quanto melhor articuladas, melhor

compreendidas.

Ritmo: Duração de sons e silêncios em uma relação temporal. A organização

sonora das palavras está relacionada com uma concatenação temporal (rápido ou

lento), com espaços entre elas. Quanto aos “intervalos temporais”, estes podem ser

representados com a utilização de pontos ou vírgulas, por exemplo.

Dinâmica: Intensidade de produção do elemento sonoro (força). As

adequações quanto à intensidade sonora das palavras podem ser: forte (para se

dirigir a um grupo grande) ou fraca (em ambientes que exijam pouco ruído). Além

disso, uma única palavra pode conter diferentes intensidades sonoras, com as

sílabas tônicas ou por meio da utilização de acentuações.

Page 155: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

155

Sobre o objetivo geral da presente pesquisa, “investigar a relação entre os

Letramentos Musical e Alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da

alfabetização”, considero que tal investigação, acerca da dinâmica educacional entre

estas duas categorias, demonstrou que as interferências do letramento musical

sobre a alfabetização são positivas, uma vez que instrumentaliza a aquisição das

habilidades de leitura/escrita, por meio de elementos musicais como melodia,

pulsação e dinâmica, além de estimular a socialização e a criatividade do aluno.

Com relação aos objetivos específicos, “analisar o processo de aplicação do

Letramento Musical no ensino regular”, além de uma determinação legal, auxilia o

desenvolvimento de outras áreas do conhecimento, desde que seja estruturado

sobre matrizes curriculares e processos avaliativos objetivos.

“Identificar, a partir de uma análise junto às professoras, a qualidade do

Letramento Alfabético dos alunos, para que sirva como parâmetro de comparação

estatística”, serviu como base, do ponto de vista das docentes, das condições de

seus alunos, referentes à aprendizagem da linguagem escrita e, consequentemente,

como subsídios comparativos entre as duas instituições verificadas. Neste aspecto,

os resultados demonstraram melhor desempenho entre os alunos da EEEFM Pinto

Marques.

“Avaliar a qualidade da produção e interpretação textual dos alunos,

buscando a diagnose de repercussão do Letramento Musical sobre o processo de

aprendizagem da linguagem escrita”, representou um conjunto de atividades

reveladoras, onde, mesmo que haja diversos outros fatores e/ou variáveis a serem

investigadas, a importância do letramento musical no ensino regular deve ser

destacada, uma vez que a produção textual dos alunos da EEEFM Pinto Marques,

ainda que demonstrasse uma série de desafios a serem vencidos, apresentou mais

criatividade e consistência, em comparação com as representações dos alunos da

EEEFM Deodoro de Mendonça.

Sem a pretensão de explanar todos os fatores responsáveis pelos resultados

observados com o desenvolvimento da presente pesquisa, reitero o recorte aqui

apresentado, referente à investigação dos efeitos positivos do letramento musical

sobre a alfabetização.

Ainda que outras variáveis possam ser pertinentes e/ou objetos de futuras

pesquisas em educação ou outras áreas, sugiro a concepção em que o ensino da

música represente um relevante elemento catalisador nos processos de educação

Page 156: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

156

regular e, em termos mais específicos, concluo apontando sua importância

direcionada e aplicada à alfabetização.

Page 157: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

157

REFERÊNCIAS

AMATO, Rita de Cássia Fucci. Villa-Lobos, nacionalismo e canto orfeônico: projetos musicais e educativos no governo Vargas. Campinas: HISTEDBR On-Line nº 27, 2007. BARRETO, Eric. Considerações sobre apreciação musical a partir da concepção de música como linguagem metafórica: Disponível em: https://ericbarreto.wordpress.com/2010/02/09/consideracoes-sobre-apreciacao- musical-a-partir-da-concepcao-de-musica-como-linguagem-metaforica/ Acesso em: 11 ago. 2016. BARTON, D & HAMILTON, M. Local Literacies: reading and writing in one community. London: Routledge,1998. BEDUSCHI, Cristina. Prosódia musical e sintaxes. Disponível em: http://musicaseprosodias.blogspot.com.br/2009/10/prosodia-consiste-na-pronuncia-correta_03.html Acesso em: 01 set. 2016. BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. BOTELHO, Laura Silveira; LEITE, Josieli Almeida de Oliveira. Letramentos múltiplos: uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e escrita. Juiz de Fora: Granbery, 2011. BOSCARDIN, Maria Tereza Trevisan; MOURA, Ieda Camargo de. Musicalizando crianças: teoria e prática da educação musical. São Paulo: Ática, 1989. BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lex: coletânea de legislação: edição federal, Brasília, DF: DOU, 1996. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. 2. Arte: ensino de primeira à quarta série. 1. Título. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. BRITO, Luiz Percival Leme. Letramento no Brasil. Curitiba: IESDE, 2008. BRITO, Teca Alencar de. A barca virou: o jogo musical das crianças. In: Música na educação básica. v. 1. Porto Alegre: Abem, 2009 (p. 11 – 22). CAMPOS, Nilceia Protásio. O ensino de música e a teoria da aprendizagem significativa: uma análise em contraponto. In: Periódico do mestrado em educação da UCD. Campo Grande: UCDB, 2006 (p. 145 – 153). CANDÉ, Roland de. História universal da música. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Page 158: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

158

CONDURÚ, Marise Teles; MOREIRA, Maria da Conceição Ruffeil. Produção científica na universidade: normas para apresentação. 2. ed. rev. e atual. Belém: EDUEPA, 2007. COSTA, Cynthia (Org.). Ensino da música na educação básica. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/musica-escolas-432857.shtml Acesso em: 03 out. 2015. COSTA, Sérgio Roberto. Interação, alfabetização e letramento: uma proposta de/para alfabetizar, letrando. In: Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004 (p. 13 – 49). DIAZ, Simone da Cunha. A escola na sociedade da informação: tecnologias, ferramentas e criatividade... em busca de uma alfabetização digital. In: Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004 (p. 159 – 179). ELLMERICH, Luis. História da música. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Fermata do

Brasil, 1977.

FARES, Josebel Akel; RODRIGUES, Venize Nazaré Ramos. (Orgs.). In: Saberes Culturais, Interculturais e Intertextuais. Belém: Eduepa, 2013. Cap. 4 - (p. 209 - 279). FRANÇA, Cecília Cavalieri. Dizer o “dizível”: avaliação sistêmica em música na escola regular. Porto Alegre: ABEM, v. 24, 2010 (p. 94 – 106). FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. FREIRE, Vanda Lima Bellard. Ensino de música e pós-modernismo. Londrina:

ABEM, 1997.

GOULART, Diana. Dalcroze, Orff, Kodály e Suzuki: semelhanças, diferenças e especificidades. Disponível em: http://www.dianagoulart.com/Canto_Popular/Educadores.html Acesso em: 15 jun. 2016. GROSSI, Cristina. As ideias de Keith Swanwick aplicadas na percepção musical. In: Comunicação em tópicos especiais e seminários II em música e educação do PPGM/UNIRIO. Rio de Janeiro: EDUNIRIO, 2010 (p. 23 – 38). HOWARD, Walter. A música e a criança. São Paulo: Summus, 1984. JOSGRILBERG, Rui. Fenomenologia e educação. Porto: Feusp, 2015. KLEIMAN, Angela B. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. Santa Cruz do Sul: Signo, 2007.

Page 159: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

159

LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Sujeito letrado, sujeito total: implicações para o letramento escolar. In: Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004 (p. 51 – 64). LEMOS, Maya Suemi. Música nas escolas: ações da Funarte em prol da implementação da Lei 11.769. Revista da Abem, Porto Alegre, v. 24, 117 – 120, set. 2010. LOURENÇO, Adriana. Questionário para diagnóstico de alfabetização. Disponível em: http://educacaoemacaorsl.blogspot.com.br/p/psicopedagogia.html Acesso em: 01 ago. 2015. MARINHO, Vanildo Mousinho; QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva. Práticas para o ensino da música nas escolas de educação básica. Porto Alegre: ABEM, 2009. MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. MARTINIC, Sérgio. Saber popular e identidade. In: Educação popular: utopia latino-americana. São Paulo: Cortez; EDUSP, 1994 (p. 101 – 134). MEC. Ministério da educação e cultura. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194-secretarias112877938/secad-educacao-continuada-223369541/17457-programa-brasil-alfabetizado-novo Acesso em: 07 de set. 2016 MELLO, Maria Cristina de; RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (Orgs.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004. MOREIRA, Marco Antônio. Aprendizagem significativa. Brasília: EdUNB, 1999. OLIVEIRA, Adriana Duarte de. A música no contexto escolar: o que dizem as professoras da educação infantil? In: Educação infantil e estudos da infância na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2007. Cap. 4 - (p. 97 - 130). OLIVEIRA, Francismara Neves de; REIS, Leandro Augusto dos. Processos cognitivos e aprendizagem de música: uma análise de aspectos figurativos e operativos na formação de conceitos musicais. Maringá: CONPE, 2011. OLIVEIRA, Janaina Sabino de; REZENDE, Daniela Silva de. Música como discurso segundo Swanwick, Sloboda e Serafine e a prática pedagógica da música. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2015. PAZ, Ermelinda A. Pedagogia musical brasileira no Séc. XX: metodologias e

tendências. Brasília: Musimed, 2000.

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Sulina, 2008.

Page 160: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

160

PEREIRA, Antônio Leal de Sá. Psicotécnica do ensino elementar da música. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937. PEREZ, Carmen Lúcia Vidal. O prazer de descobrir e conhecer. In: Alfabetização dos alunos das classes populares. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002 (p. 18 - 32). PIAGET, Jean. Fazer e compreender. São Paulo: Melhoramentos, 1978. ______. Seis estudos de psicologia. 24. ed. rev. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2001.

PORTO, Nélio Tanios. O processo criativo de H. J. Koellreutter em Acronon. São

Paulo: PUC, 2001.

RIBEIRO, Alexandre do Amaral. Desconstruindo a pergunta “É possível ensinar a ler?”: anotações a partir da psicopedagogia da linguística ou “não adianta trocar o espelho se não for trocada a imagem”. In: Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004 (p. 65 – 103). RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia científica: completo e essencial para a vida universitária. São Paulo: Avercamp, 2006. RUBIO, Juliana de Alcântara Silveira; SOARES, Maura Aparecida. A utilização da música no processo de alfabetização. In: Saberes da educação. São Roque, v. 3, p. 01 -14, 2012. SANTOS, Boaventura de Sousa. O paradigma emergente: um discurso sobre as ciências. 9. ed. Porto: Afrontamento, 1997. SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. In: Cadernos de Sociologia. Porto Alegre, v. 9, p. 49 - 87, 1998. SEBBEN, Egon Eduardo; SUBTIL, Maria José. Concepções de adolescentes da 8ª série sobre música: possíveis implicações para a implementação das práticas musicais na escola. In: Associação brasileira de educação musical n. 23. Porto Alegre: ABEM, 2010 (p. 48 – 57). SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música: seus usos e recursos. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2007. SILVA, Jaqueline Luzia da. Letramento: uma prática em busca da (re) leitura do mundo. Rio de Janeiro: Wak, 2009. SILVA, Maria do P. Socorro Cardoso da. In: Sentidos da cultura. Belém: EDUEPA, 2013 (p. 23 – 42). SOARES. Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

Page 161: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

161

SOUZA, Jusamara (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. 2. ed. rev. Porto Alegre: Sulina, 2008. SOUZA, Jusamara; TORRES, Maria Cecília de Araújo. Maneiras de ouvir música: uma questão para a educação musical com jovens. In: Música na educação básica. v. 1. Porto Alegre: ABEM, 2009 (p. 46 – 58).

SUZIGAN, Geraldo de Oliveira; _____, Maria Lúcia Cruz. Educação musical: um

fator preponderante na construção do ser. São Paulo: Balieiro, 1986.

SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003. ______. Música, mente e educação. Londres: Routledge, 1988. TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002. XAVIER, Antonio C. dos Santos. Letramento Digital e Ensino. Disponível em: http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento%20digital%20e%20ensino.pdf Acesso em: 01 mai. 2016.

Page 162: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

162

ANEXO A - Questionário direcionado às professoras

Page 163: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

163

Page 164: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

164

Page 165: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

165

Page 166: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

166

Page 167: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

167

ANEXO B - Questionário direcionado aos alunos

Page 168: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

168

Page 169: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

169

Page 170: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

170

Page 171: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

171

Page 172: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

172

Page 173: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

173

Page 174: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

174

Page 175: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

175

Page 176: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

176

Page 177: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

177

Page 178: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

178

Page 179: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

179

Page 180: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

180

Page 181: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

181

Page 182: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

182

Page 183: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

183

Page 184: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

184

Page 185: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

185

Page 186: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

186

Page 187: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

187

Page 188: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

188

Page 189: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

189

Page 190: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

190

Page 191: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

191

Page 192: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

192

Page 193: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

193

Page 194: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

194

Page 195: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

195

Page 196: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

196

Page 197: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

197

Page 198: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

198

Page 199: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

199

Page 200: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

200

Page 201: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

201

Page 202: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

202

Page 203: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

203

Page 204: Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências ...ccse.uepa.br/mestradoeducacao/wp-content/uploads/dissertacoes/10/... · por apresentar concepções pedagógicas de utilização

204

Centro de Ciências Sociais e Educação – CCSE Curso de Licenciatura Plena em Música

Rua do Una, 156 - Telégrafo 66113-200 Belém-PA

www.uepa.br