Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Douglas Guimarães Borges
Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém - PA
Belém - PA
2016
Douglas Guimarães Borges
Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas
públicas de Belém - PA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva
Belém – PA 2016
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA.
BORGES, Douglas Guimarães.
Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre
alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém. / Douglas Guimarães Borges, orientação de
Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva, 2016.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2016.
1. Música – Estudo e ensino. 2. Letramento. 3. Prática de ensino. I. Silva, Maria do Perpétuo
Socorro Cardoso e (orient.). II. Título.
CDD. 22º ed. 780.7
.
Douglas Guimarães Borges
Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas
públicas de Belém - PA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva
Data da Defesa: 25/10/2016
Banca Examinadora:
_____________________________________________ - Orientadora Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva Universidade do Estado do Pará – PPGED/UEPA _____________________________________________ - Membro Interno Prof. Dr. José de Anchieta de Oliveira Bentes Universidade do Estado do Pará – PPGED/UEPA ____________________________________________ - Membro Externo Profª. Dr. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral Universidade Federal do Pará – PPGARTES/UFPA
Belém – PA 2016
Aos meus pais, fonte e razão da minha força.
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador único de todas as coisas.
A minha família, José Hilário Borges (pai), Zilda Aparecida Guimarães Borges
(mãe), Éder Guimarães Borges, Jéssica Guimarães Borges e Igor Guimarães
Borges (irmãos) que, mesmo fisicamente distantes, foram, são e sempre serão meus
pilares de sustentação nos momentos difíceis.
Aos meus “pais postiços” Maria e Fernando, que me acolheram no seio de
sua família e, por sua imensa generosidade, jamais me sinto sozinho, mesmo longe
de casa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
da UEPA. A cada um de vocês, muito obrigado por me ensinarem que a dúvida e o
autoquestionamento são os melhores conselheiros do pesquisador. Aos meus
eternos professores do curso de Licenciatura Plena em Música, especialmente Lúcia
Couceiro e Claudio Trindade.
A minha orientadora, Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e Silva,
pela competência nos esclarecimentos, paciência nos direcionamentos e segurança
ao organizar minhas ideias (a você, todo meu carinho, respeito e admiração).
Aos gestores das escolas Pinto Marques e Deodoro de Mendonça, por
permitirem o desenvolvimento em campo desta pesquisa. As professoras Anne Mary
e Maria de Nazaré, por tantas colaborações e, principalmente, aos doze alunos
participantes da fase de coleta de dados (o intuito do meu trabalho é melhorar o seu
futuro educacional).
A toda a equipe técnica e de apoio do CCSE da UEPA: faxineiros, porteiros,
secretários, assistentes, monitores, recepcionistas, seguranças, bibliotecários,
técnicos em informática, operadores de fotocopiadoras, equipe do Restaurante
Universitário, pedreiros, pintores, motoristas, jardineiros, eletricistas etc. Sem vocês,
a construção do conhecimento nesse campus seria simplesmente impossível.
Aos meus companheiros de curso (valentes vencedores). Não me atreverei a
mencionar seus nomes, sob pena de esquecer algum, mas saibam que, com vocês,
essa jornada (que está longe de acabar) fica mais leve.
E finalmente, mas não menos importante, aos meus verdadeiros amigos
paraenses (eu sei quem vocês são).
RESUMO
BORGES, Douglas Guimarães. Letramento musical como elemento de auxílio à compreensão alfabética: uma análise sobre alunos do 6º ano de duas escolas públicas de Belém – PA. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2016, 203f. [Dissertação de Mestrado].
O presente trabalho investigativo é um estudo acerca das repercussões do letramento musical sobre o processo de alfabetização, desenvolvido com estudantes de duas escolas públicas. Os sujeitos da pesquisa são doze alunos do 6º ano, matriculados na rede pública estadual da cidade de Belém – PA, divididos em dois grupos: 6 na EEEFM Pinto Marques e 6 na EEEFM Deodoro de Mendonça e, além desses, duas professoras responsáveis pela parte de língua portuguesa (uma de cada instituição). O objetivo geral é investigar a relação entre os letramentos musical e alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da alfabetização. Já os específicos são: analisar o processo de aplicação do letramento musical no ensino regular; identificar, a partir de uma análise junto às professoras, a qualidade do letramento alfabético dos alunos, para que sirva como parâmetro de comparação estatística; avaliar a qualidade da produção e interpretação textual dos alunos, buscando a diagnose de repercussão do letramento musical sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita. A investigação apresenta enfoque predominantemente qualitativo, com a utilização, nos seus procedimentos, de dois questionários semiestruturados. O autor base elencado é Swanwick (1988, 2003), por apresentar concepções pedagógicas de utilização do ensino da música como ferramenta para o aprimoramento da aprendizagem em outras áreas. A principal abordagem de suas fundamentações é a Teoria Espiral, na qual os processos educacionais, em música, obedecem às etapas do desenvolvimento cognitivo. Neste sentido, apresento como questão problema: que aspectos didáticos-educacionais podem ser analisados entre as modalidades de letramentos musical e alfabético? O trabalho fundamenta-se, também, sob as égides conceituais de Suzigan (1986), França (2010), Souza (2008), Silva (2009) e Penna (2008), ao congregarem a educação musical, desenvolvida em instituições de ensino regular, e a otimização das habilidades de aprendizagem. As informações foram sistematizadas de acordo com três eixos temáticos: letramento musical em instituições públicas; qualidade da alfabetização dos alunos do 6º ano; repercussões do letramento musical sobre o processo de alfabetização. De acordo com os desdobramentos da pesquisa, bem como as análises dos dados produzidos, o letramento musical é a combinação dialética entre a aplicação social de saberes construídos e o ensino da música, praticado em instituições formais ou em âmbito empírico. A congruência entre as duas categorias, enquanto linguagens, está na compreensão e na possibilidade de representação gráfica dos efeitos sonoros, contidos tanto na fala quanto na música. Portanto, a relevância da presente pesquisa está baseada na necessidade de compreensão dos benefícios que o letramento musical podem produzir na aprendizagem e, mais especificamente, no desenvolvimento das habilidades relacionadas à linguagem escrita.
Palavras-Chaves: Letramento musical. Alfabetização. Ensino da música. Educação regular.
ABSTRACT
BORGES, Douglas Guimarães. Musical literacy as an aid to alphabetic understanding: an analysis about students of the 6th grade of two public schools in Belém - PA. Belém: University of Pará, 2016, 203f. [Masters dissertation]. The present investigative work is a study about the impact of musical literacy on the literacy process, developed with students from two public schools. The subjects are twelve students in the 6th grade, registered in public schools of the city of Belém - PA, divided into two groups: 6 of them, from EEEFM Pinto Marques and the others 6 from EEEFM Deodoro de Mendonça and, in addition, two teachers responsible for Portuguese Language (one from each institution). The overall objective is to investigate the relationship between music and alphabetic literacies, seeking instrumentalize the quality of literacy. And the specific objectives are: to analyze the application process of musical literacy in regular education; identify, through an analysis with the teachers, the quality of alphabetic literacy of the students, to serve as a statistical comparison parameter; evaluate the quality of production and textual interpretation of the students, seeking the diagnostic impact of musical literacy on the process of learning the written language. The research has predominantly qualitative approach, using in its procedures, two semi-structured questionnaires. The based author base listed is Swanwick (1988, 2003), for presenting pedagogical concepts about the use of musical education as a tool to improve learning in other areas. The main approach of its foundations is the Spiral Theory, in which the educational processes, in music, follow the stages of cognitive development. In this sense, I present as a problem question: what didactic-educational aspects can be analyzed between the modalities of musical and alphabetical literacy?The work is based also on the concept of Suzigan (1986), França (2010), Souza (2008), Silva (2009) and Penna (2008), when its congregating the musical education, developed in regular educational institutions, and the optimization of learning skills. The information was systematized according to three thematic axes: musical literacy in public institutions; literacy quality of students of the 6th grade; repercussions of musical literacy on the literacy process. According to the results of the research, and analysis of produced data, the musical literacy is the dialectical combination of social application built knowledge and the teaching of music, practiced in formal institutions or empirical level. The congruence between the two categories, as languages, is the understanding and the possibility of graphical representation of sound effects, contained in both speech and music. Therefore, the relevance of the present research is based on the need to understand the benefits that musical literacy can produce in learning and, more specifically, the development of skills related to written language. Key Words: Musical literacy. Literacy. Musical education. Regular education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADROS
Quadro 1 - Pesquisas sobre Letramento e Ensino da Música 22-23
Quadro 2 - Dissertações concluídas no PPGED/UEPA relacionadas à temática 24-25
Quadro 3 - Esquema de Boscardin e Moura para durações sonoras 79
Quadro 4 - Síntese analítica do questionário direcionado às professoras 108
Quadro 5 - Fragmento da matriz de referência em música (tema: duração) 112
Quadro 6 - Fragmento do teste avaliativo (tópico I – item D1) 115
Quadro 7 - Fragmento do teste avaliativo (tópico II – item D5) 116
Quadro 8 - Fragmento do teste avaliativo (tópico III – itens D8 e D12) 117
Quadro 9 - Fragmento do teste avaliativo (tópico IV – item D15) 118
Quadro 10 - Fragmento do teste avaliativo (tópico V – item D22) 119
Quadro 11 - Educação musical como elemento facilitador da alfabetização 142
FIGURAS
Figura 1 - EEEFM Pinto Marques 29
Figura 2 - EEEFM Deodoro de Mendonça 30
Figura 3 - Questionário direcionado às professoras 33
Figura 4 - Questionário direcionado aos alunos 34
Figura 5 - Keith Swanwick 37
Figura 6 - Flauta pré-histórica com cerca de 35 mil anos 54
Figura 7 - Rainha Shubab da Mesopotâmia 56
Figura 8 - Padre José Maurício Nunes Garcia 66
Figura 9 - Exemplos do instrumental Orff 74
Figura 10 - Esquema espiral de Swanwick 91
Figura 11 - Representação gráfica para a pulsação 146
Figura 12 – Relação entre o ritmo das palavras e a pulsação 148
GRÁFICOS
Gráfico 1 - Representação estatística do pré-teste 114
Gráfico 2 - Respostas dos alunos às questões objetivas 128
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Estágios e fases do desenvolvimento musical 88
Tabela 2 - Respostas do questionário fechado sobre interpretação textual 127
Tabela 3 - Relação entre elementos musicais e a linguagem verbal 143
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EEEFM Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC
MOBRAL
PCN
Ministério da Educação e Cultura
Movimento Brasileiro de Alfabetização
Parâmetros Curriculares Nacionais
PPGED
TECLA
TRI
Programa de Pós-Graduação em Educação
Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação
Teoria de Resposta ao Item
UEPA Universidade do Estado do Pará
UFPA
UFRJ
Universidade Federal do Pará
Universidade Federal do Rio de Janeiro
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 APORTES METODOLÓGICOS DA PESQUISA 21
2.1 Estado da arte 21
2.2 Metodologia: diretrizes utilizadas 26
2.3 Lócus da pesquisa 28
2.4 Instrumentos de coleta de dados 32
2.5 A fenomenologia como base epistêmica 35
2.6 Autor base: Keith Swanwick 37
3 REFERENCIAL TEÓRICO: LETRAMENTO, ENSINO DA MÚSICA E
ALFABETIZAÇÃO 40
3.1 Especificidades entre letramento e alfabetização 41
3.1.2 Letramento em mídias textuais como práticas sociais na escola 43
3.1.3 Leitura de mundo e leitura da palavra escrita 45
3.1.4 O letramento escolar compreendido em diferentes dimensões 47
3.1.5 Letramento e alfabetização: interações pedagógicas 51
3.2 A música e a aprendizagem 53
3.2.1 O legado das antigas civilizações para a educação musical 54
3.2.2 Educação musical: dos primórdios da era cristã até o século XIX 58
3.2.3 Contextualização histórica do ensino da música no Brasil 64
3.2.4 Métodos ativos em Educação Musical: Dolcroze, Orff, Suzuki e Kodály 71
3.2.5 Educação Musical infantil: especificidades pedagógicas 76
3.2.6 Lei 11.769/08: inserção da música no currículo educacional brasileiro 82
3.3 As concepções de Swanwick para o ensino da música como elemento
catalisador da aprendizagem 86
3.3.1 A música como categoria discursiva na perspectiva de Swanwick 87
3.3.2 Teoria espiral: aprendizagem em níveis progressivos 90
3.3.3 Parâmetros da experiência musical (T.E.C.L.A.) 92
3.3.4 Música e a aprendizagem significativa 94
3.4 Construindo o conceito de Letramento Musical 97
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: EFEITOS DO LETRAMENTO
MUSICAL SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO 102
4.1 Análise sobre as considerações das professoras 102
4.2 Diretrizes para o letramento musical na educação regular 108
4.2.1 Estrutura de testes avaliativos em música 113
4.3 Análise sobre o teste aplicado aos alunos 122
4.4 Subsídios para a análise e discussão dos dados: o ensino da música
como elemento catalizador da aprendizagem 137
4.4.1 Elementos do letramento musical na alfabetização 142
5 CONCLUSÃO 150
REFERÊNCIAS 157
ANEXO A - Questionário direcionado às professoras 162
ANEXO B - Questionário direcionado aos alunos 167
14
1 INTRODUÇÃO
Os caminhos de uma pesquisa podem apresentarem-se, muitas vezes,
equivocadamente claros em suas concepções iniciais. O termo equívoco aqui
empregado não deve ser, necessariamente, concebido como falha do pesquisador
ou algum tipo de precipitação metodológica, mas uma espécie de remédio que,
mesmo amargo em alguns momentos, é fundamental para o processo de catarse
epistemológica, naturalmente inerente ao trabalho investigativo baseado em pilares
científicos.
Gradativamente e, a partir do maior número possível de visitas à pesquisas já
realizadas acerca do objeto em questão, haverá a ampliação dos horizontes de
visualização dos idealizadores da investigação, outrora focados em um campo mais
reduzido ou restrito de ideias que, aos poucos, ganharão maiores e mais férteis
fundamentações.
Mudanças de direcionamentos, pontos de vista ou estratégias metodológicas
não são apenas saudáveis, mas indícios reais de que o pesquisador está, de fato,
envolvido com a pesquisa e disposto a apresentar resultados consistentes, ainda
que não sejam exatamente os mesmos idealizados na gênese do processo.
O trabalho aqui apresentado é o reflexo desse conjunto de mudanças
estratégicas e aquisição de novos parâmetros de investigação, os quais passaram
por diversas adaptações ao longo da pesquisa idealizada e desenvolvida. Neste
sentido, demonstrarei a pluralidade de nuances epistêmicas que nortearam todas as
etapas dessas construções (e desconstruções) ideológicas, no sentido de analisar
as repercussões do Letramento Musical sobre o desenvolvimento da alfabetização.
Durante o decorrer de algumas disciplinas, pertencentes à grade curricular do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará -
Mestrado, bem como diversas pesquisas relacionadas à temática em questão,
percebi que, dúvidas referentes à construção do conhecimento são, em muitos
casos, mais relevantes que certezas ofuscantes, capazes de cercear ou confundir a
percepção do pesquisador, comprometendo, assim, a credibilidade dos resultados
alcançados, seja por equívocos na coleta de dados ou em sua interpretação.
O constante exercício de autoquestionamento, em hipótese alguma, denota
falta de convicção ou firmeza por parte do pesquisador. Pelo contrário, ele
representa a diminuição das amarras no processo de observação científica,
15
tornando mais abrangentes os pontos de investigação e mais consistentes as
conclusões acerca do objeto observado.
Meu envolvimento com o Ensino da Música tem raízes familiares, a partir da
transmissão de conhecimentos (ainda que de forma não acadêmico/tradicional) em
um ambiente com forte presença musical. A partir de então e, no início da
adolescência, fui iniciado aos estudos sistematizados da arte dos sons, mais
especificamente voltados à formação técnico/instrumental em Contrabaixo Elétrico1,
no Conservatório Souza Lima (SP). Há que se salientar um fato importante,
percebido já neste primeiro período de educação musical estruturada: houve uma
significativa melhora em meu desempenho escolar regular.
Nos últimos anos do ensino médio, já era certa a opção por algum tipo de
instrução musical em nível superior. Entretanto, por razões financeiras, meu ingresso
à universidade só ocorreu efetivamente em 2007 (aos 26 anos de idade). Neste
período, transferi minha residência de São Paulo – SP (cidade natal) para Belém –
PA.
Durante a graduação em Licenciatura Plena em Música, desenvolvida na
Universidade do Estado do Pará (UEPA), teve início meu interesse mais direcionado
para a área de Educação Musical, a partir do contato com autores que defendem a
articulação dialética entre o Ensino da Música e o desenvolvimento do aluno, no
sentido de favorecer sua capacidade de aprendizagem. A música é um excelente
canal de interação para a educação, “a Educação Musical é um elemento
fundamental na construção do conhecimento humano”. (SUZIGAN, 1986, p. 42).
O período de Estágio Supervisionado, pertencente à grade curricular da
graduação supracitada, representou uma excelente oportunidade de contato real
com a educação regular, pois foi integralmente desenvolvido em instituições públicas
de ensino, situadas na região metropolitana da cidade de Belém – PA. Nessa
ocasião, pude constatar algo além da simples transmissão de conteúdos musicais: a
necessidade de utilização do Ensino da Música não como fim, mas como meio
educacional.
A partir dessa análise, de interferência positiva da música sobre a
aprendizagem de outras áreas do conhecimento (matemática, história, linguística
1 Instrumento musical eletroacústico de 4, 5 ou 6 cordas. Apesar de seu projeto mais moderno datar
de 1951 (desenvolvido pelo norte-americano Leo Fender), trata-se da evolução da viola contrabaixo, utilizada como acompanhamento de cordas friccionadas desde o início do século XVII.
16
etc.), passei a focar minhas atenções nos processos de desenvolvimento da
alfabetização, praticados nas escolas em questão. Posteriormente, houve um
gradativo interesse por investigar estratégias didáticas mais dinâmicas e capazes de
instrumentalizar o aluno para além da mera decodificação de símbolos, ou o
chamado Letramento Alfabético, o qual é mais abrangente e envolve as aplicações
sociais dos saberes relacionados à linguagem escrita.
Tal síntese formativa, em âmbito acadêmico, serviu como parte dos subsídios
que embasaram minha iniciativa de pesquisa, direcionada a um tipo de investigação
que buscasse uma análise dos efeitos do ensino da música sobre o
desenvolvimento da alfabetização, em alunos do 6º ano de duas escolas públicas da
rede Estadual de ensino, situadas na cidade de Belém – PA, as quais compreendem
o lócus do presente trabalho.
A principal razão para o referido enfoque investigativo está justamente na
busca pelas áreas intelectuais, cognitivas, sociais e criativas que, possivelmente,
podem ser desenvolvidas por meio da música e, consequentemente, auxiliar um
processo mais dinâmico e abrangente de alfabetização.
O simples ato de ler e escrever não significa, necessariamente, que o
indivíduo esteja apto a usufruir dos plenos benefícios sociais que a linguagem
escrita pode proporcionar. Neste aspecto, qualquer estratégia educacional que
otimize esse processo é bem vinda e, para os efeitos da presente pesquisa, busquei
analisar tais subsídios pedagógicos, presentes no ensino da música.
Ao identificar e analisar as relações didático/educacionais, existentes entre a
música e a alfabetização, busquei a diagnose relativa à como os elementos
estruturais da arte dos sons (ritmo, melodia, harmonia e timbre)2 podem contribuir
para que a compreensão dos alunos, acerca do processo de alfabetização, seja
otimizada, uma vez que tais elementos estão baseados em princípios de abstração,
ou seja, para além daquilo que é imediatamente percebido.
Os participantes selecionados foram duas professoras responsáveis pela
alfabetização (uma de cada instituição) e doze alunos do 6º ano (seis de cada
instituição). O foco investigativo foi a análise da possibilidade de interferência
2 Elementos musicais que, respectivamente, referem-se à: duração de sons e silêncios; notas
organizadas sucessivamente; notas organizadas simultaneamente; característica qualitativa do som que depende da fonte emissora (é pelo timbre que percebemos a diferença entre os instrumentos).
17
existente do letramento musical sobre o alfabético, no sentido da diagnose
resultante de sua (co) relação para a aprendizagem da linguagem escrita.
Como autor base (o qual será posteriormente abordado), fundamentando a
utilização do ensino da música com diversos propósitos, destaquei Swanwick (1988,
p. 89), ao confirmar que “a música pode ser usada para propostas não musicais”.
A combinação entre música e alfabetização apresenta-se como um caminho
de pesquisa que congrega a apropriação de diferentes códigos (verbais e não
verbais) com a mesma finalidade: a comunicação. Portanto, como objeto teórico,
elenquei a análise das possíveis repercussões dialéticas do Letramento Musical
sobre a qualidade do processo de alfabetização escolar, em prol da capacidade de
assimilação interpretativa do texto escrito, além do mero reconhecimento de códigos
letrários.
Para tanto, baseei as ações no âmbito da problemática referente à
necessidade de práticas educativas que congreguem a obrigatoriedade do Ensino
da Música na Educação Regular brasileira, como determina a Lei 11.769/20083, às
necessidades de aprimoramentos referentes aos processos de alfabetização, que
primem por sua evolução qualitativa. Neste sentido, apresento como questão
problema: que aspectos didáticos-educacionais podem ser analisados entre as
modalidades de letramentos musical e alfabético?
Como pilares epistemológicos de investigação, destaquei três destinos focais,
os quais podem ser traduzidos nas seguintes questões norteadoras: a) como se dá o
processo de Letramento Musical em uma instituição pública de ensino regular da
cidade de Belém – PA?; b) de acordo com os profissionais responsáveis pela
alfabetização escolar, como é a qualidade do Letramento Alfabético apresentado
pelos alunos?; c) que avaliação pode ser feita acerca da produção e interpretação
textual dos alunos, a partir de uma análise de repercussão do Letramento Musical
sobre a linguagem escrita?
O intuito é esclarecer “se”, “como” e até “em que nível” o Ensino da Música
pode interferir no processo de alfabetização, uma vez que as virtudes da música no
“desenvolvimento integral da sensibilidade e da criatividade do indivíduo, na
3 Sancionada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, altera a LDB de 1996 e determina que a
música deva ser conteúdo obrigatório na Educação Regular brasileira, inserida na disciplina Artes. O prazo limite para sua implementação foi o ano de 2012.
18
canalização de sua afetividade, no favorecimento de sua autoestima e na integração
do grupo já não são mais a comprovar”. (LEMOS, 2010, p. 117).
O objetivo geral da presente pesquisa é investigar a relação entre os
Letramentos Musical e Alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da
alfabetização. Já os específicos são: analisar o processo de aplicação do
Letramento Musical no ensino regular; identificar, a partir de uma análise junto às
professoras, a qualidade do Letramento Alfabético dos alunos, para que sirva como
parâmetro de comparação estatística; avaliar a qualidade da produção e
interpretação textual dos alunos, buscando a diagnose de repercussão do
Letramento Musical sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita.
De modo geral, a pesquisa aqui desenvolvida está baseada na
Fenomenologia, uma vez que a observação será direcionada à essência da
alfabetização escolar, buscando a compreensão das nuances capazes de congregar
sujeito e objeto em uma unidade dialética. A abordagem possui caráter
predominantemente qualitativo, do ponto de vista da análise da qualidade da
alfabetização entre indivíduos que dispõem de Letramento Musical e aqueles
desprovidos deste.
O método científico utilizado é o experimental, visto que o foco está no estudo
de causas e efeitos de um determinado fenômeno (Letramento Musical) e a
avaliação dos resultados dessa ação sobre a alfabetização. Já os procedimentos
para o alcance dos objetivos específicos seguiram a seguinte estrutura
organizacional:
a) As duas escolas selecionadas estão inseridas na rede pública e Estadual
de ensino, da cidade de Belém – PA. Uma delas conta com uma estrutura
relativamente adequada para a Educação Musical (instrumentos musicais,
professores com formação em música, carga horária constante, avaliações
definidas). Já a outra instituição, para os efeitos dessa pesquisa, não possui tal
estrutura.
b) A instituição que apresenta condições estruturais para o desenvolvimento
do Ensino da Música foi analisada a partir da observação das aulas de música e
seus elementos, como recursos materiais, capacitação dos professores, objetivos
alcançados e nível de aproveitamento dos alunos.
c) Às professoras responsáveis pela parte de leitura/escrita de cada
instituição, foi aplicado um questionário fechado. O intuito dessa ferramenta é
19
avaliar, a partir do ponto de vista das educadoras, o nível de aproveitamento dos
alunos e, consequentemente, a qualidade desse processo.
d) Com uma população estatística de doze alunos (seis de cada instituição),
realizei uma avaliação básica sobre produção e interpretação textual. O instrumento
utilizado foi um questionário semiaberto, com o intuito de verificar a apropriação e
utilização da linguagem escrita. A escolha da amostragem dos alunos, em cada
instituição, está dividida em três níveis, os quais foram determinados de acordo com
as considerações das professoras responsáveis pela alfabetização (02 com baixo
rendimento, 02 com rendimento mediano e 02 com rendimento bom).
A principal razão para o quantitativo de alunos analisados é a viabilidade de
realização da pesquisa, uma vez que um universo muito amplo seria, para os
propósitos do presente trabalho, um objetivo intangível. Com relação a separação
dessa população estatística em diferentes níveis de rendimento, justifico esse
processo, principalmente, pela possibilidade de observação científica mais
heterogênea, do ponto de vista educacional.
Após coletados, os dados foram compilados e confrontados na perspectiva
diagnóstica da influência do Letramento Musical sobre o processo de alfabetização.
A obtenção das informações (dados coletados) ocorreu em campo, já a
interpretação e análise contou com suportes bibliográficos.
Além dos aspectos introdutórios, aqui apresentados, o trabalho está
estruturado com as seguintes seções: Aportes Metodológicos da Pesquisa;
Referencial Teórico: letramento, ensino da música e alfabetização; Análise e
discussão dos dados: efeitos do letramento musical sobre o processo de
alfabetização; Conclusão.
A seção relacionada as aportes metodológicos é o detalhamento das
explanações científicas da pesquisa. Busquei uma abordagem, desde o estado da
arte, até aspectos epistemológicos, relacionados à estrutura do presente trabalho.
Há uma análise preliminar das observações empíricas, ocorridas nas duas
instituições selecionadas e analisadas, bem como os instrumentos de coleta de
dados. A culminância desta etapa é com a apresentação do autor base.
Na seção direcionada ao referencial teórico, o Letramento é abordado em
termos educacionais gerais. Apresento alguns conceitos relacionados a esta
terminologia, bem como dados inerentes a suas concepções direcionadas à escola.
20
Em uma análise combinatória com a alfabetização, busquei algumas distinções
conceituais, mas também interações no âmbito da educação.
Ainda nesta etapa, a música é explanada a partir de conceitos históricos. Seu
percurso evolutivo foi sintetizado, principalmente, do ponto de vista da inserção da
educação musical no currículo regular brasileiro. Além das determinações legais
vigentes para tal implementação, apresentei o detalhamento das concepções do
autor base para a área, bem como uma explanação de suas teorias educacionais.
Para o encerramento do referencial teórico da pesquisa, sugiro o descritor
Letramento Musical, como a combinação entre duas categorias educacionais
dialéticas: letramento e ensino da música. Os embasamentos foram estruturados a
partir das conceituações de usos e aplicações sociais de saberes adquiridos,
desenvolvidos e transmitidos em diferentes ambientes.
A última seção de desenvolvimento da pesquisa é dedicada à análise e
discussão dos dados produzidos e coletados. Nela, apresento as contribuições do
Letramento Musical sobre processos educacionais, principalmente àqueles
relacionados à alfabetização. Os questionários, aplicados tanto às professoras
quanto aos alunos das duas instituições selecionadas, foram detalhados e
analisados, sob a égide dos aportes e conceitos pesquisados no transcorrer do
trabalho.
Metodologias sistematizadas para o desenvolvimento do ensino da música na
educação regular, bem como sua articulação com outras áreas do conhecimento,
fazem parte de tais abordagens que, não direcionadas ao desenvolvimento de
habilidades exclusivamente artísticas, podem auxiliar a otimização da compreensão
da linguagem escrita.
Por fim, as conclusões foram baseadas na análise dos dados produzidos,
organizados ilustrativamente em quadros, gráficos e tabelas com percentuais
numéricos, os quais foram apreciados a partir da combinação entre a bibliografia
pesquisada e as informações coletadas entre alunos e professoras, envolvidos no
processo de alfabetização das duas instituições em questão.
21
2 APORTES METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A presente seção reúne o detalhamento da trajetória teórico-metodológica do
trabalho desenvolvido. Além do estado da arte, demonstraremos nossas
observações in loco, o tipo de pesquisa, a técnica selecionada para a coleta de
dados e a sistematização de sua análise.
2.1 Estado da Arte
Durante o período de construção do objeto teórico da presente pesquisa, fiz
um levantamento inicial de livros, teses, dissertações, monografias e artigos que
articulassem o Letramento Musical à alfabetização. Entretanto, mesmo com uma
ampla quantidade de publicações indiretamente relacionadas, não localizei nenhuma
produção específica com o descritor Letramento Musical.
A posteriori, optei pelo desmembramento das categorias da seguinte maneira:
(1) Letramento e (2) Ensino da Música. Dentre os trabalhos localizados, selecionei
dez publicações (de 2004 a 2015), as quais serão listadas a seguir:
1. BOTELHO, Laura Silveira; LEITE, Josieli Almeida de Oliveira. Letramentos múltiplos: uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e escrita. 10/06/2011. 21 f. Mestrado em Educação e Pedagogia. Instituição de Ensino: Faculdade Metodista Granbery. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital de teses e dissertações da Faculdade Metodista Granbery.
2. BRITO, Luiz Percival Leme. Letramento no Brasil. 01/07/2008. 20 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino - IESE Brasil S/A. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital IESE Brasil S/A. 3. KLEIMAN, Angela B. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. 02/12/2007. 25 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central da UNISC. 4. MELLO, Maria Cristina de; RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (Orgs.). Letramento: significados e tendências. 2004. 179 f. Mestrado acadêmico em Educação. Instituição de Ensino: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca do ISEP/RJ. 5. OLIVEIRA, Adriana Duarte de. A música no contexto escolar: o que dizem as professoras da educação infantil? In: Educação infantil e estudos da
22
infância na Amazônia 2007. 33 f. Graduação em Pedagogia. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Pará. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann. 6. OLIVEIRA, Janaina Sabino de; REZENDE, Daniela Silva de. Música como discurso segundo Swanwick, Sloboda e Serafine e a prática pedagógica da música. 25/03/2015. 12 f. Mestrado em Educação Musical e Performance. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital PPG/UNIRIO. 7. PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2008. 246 f. Mestrado em Educação. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central - UFRGS. 8. SEBBEN, Egon Eduardo; SUBTIL, Maria José. Concepções de adolescentes da 8ª série sobre música: possíveis implicações para a implementação das práticas musicais na escola. 2010. 10 f. Mestrado em Educação Musical. Instituição de Ensino: Universidade Estadual de Ponta Grossa. Biblioteca Depositária: Biblioteca Digital da Revista da Associação Brasileira de Educação Musical.
9. SILVA, Jaqueline Luzia da. Letramento: uma prática em busca da (re) leitura do mundo. 2009. 218 f. Mestrado em Educação. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Biblioteca Depositária: Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ. 10. SOUZA, Jusamara. Aprender e ensinar música no cotidiano. 2008. 287 f. Mestrado em Educação Musical. Instituição de Ensino: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca Depositária: Biblioteca Central - UFRGS.
As publicações selecionadas foram organizadas de acordo com os autores,
ano de publicação, título, objeto e direcionamento investigativo do Letramento ou
Ensino da Música. A seguir, o quadro 1 demonstra essa sistematização:
Quadro 1 - Pesquisas sobre Letramento e Ensino da Música
Autores
(ano)
Título Objeto Direcionamento investigativo
(Letramento ou Ensino da
Música)
Botelho; Leite
(2011)
Letramentos múltiplos: uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e escrita.
Letramento Associação de diferentes tipos de letramentos para o
desenvolvimento de práticas sociais em leitura e escrita.
23
Brito
(2008)
Letramento no Brasil. Letramento
Evolução histórica do conceito de letramento no Brasil e suas relações com a alfabetização.
Kleiman
(2007)
Letramento e suas implicações para o ensino de língua
materna.
Letramento
Relevância do conceito de letramento para a aprendizagem da língua materna em todos os ciclos do ensino fundamental e
médio.
Mello; Ribeiro (2004)
Letramento: significados e tendências.
Letramento
Entendimento sobre letramento e as implicações de tal
concepção para a prática pedagógica e as relações entre
linguagem e sociedade.
Oliveira
(2007)
A música no contexto escolar: o que dizem
as professoras da educação infantil?
Ensino da Música
Contribuições da musicalização infantil como linguagem
auxiliadora para a formação do raciocínio lógico, do falar e
escrever.
Oliveira; Rezende
(2015)
Música como discurso segundo Swanwick,
Sloboda e Serafine e a prática pedagógica da
música.
Ensino da Música
Perspectivas pedagógicas para o ensino da música com ênfase na capacidade discursiva dos
alunos.
Penna (2008)
Música(s) e seu ensino.
Ensino da Música
Pluralidades de práticas pedagógicas em música que
valorizem o processo de inserção social e educacional
dos alunos, bem como a democratização do acesso à
cultura e à arte.
Sebben; Subtil (2010)
Concepções de adolescentes da 8ª série sobre música:
possíveis implicações para a implementação das práticas musicais
na escola.
Ensino da Música
Discussão acerca da concepção de alunos do ensino
fundamental quanto aos usos e funções da educação musical na
escola regular.
Silva (2009)
Letramento: uma prática em busca da (re) leitura do mundo.
Letramento Relação dialética entre os termos letramento e
alfabetização, buscando instrumentalizar a leitura e a escrita como processos de
inserção social.
Souza
(2008)
Aprender e ensinar música no cotidiano.
Ensino da Música
Formas de ensinar e aprender música com ênfase na
sociabilidade pedagógica. Fonte: elaboração própria
24
Vale ressaltar que, por não haver publicações específicas sobre Letramento
Musical, selecionei cinco de cada descritor, separadamente (Letramento e Ensino da
Música), os quais compõem o quadro acima demonstrado. Também é importante
destacar que, nas dez pesquisas analisadas, há um denominador comum: a busca
por estratégias didáticas que instrumentalizem o aluno para a uma melhor inserção e
compreensão do convívio social. Entretanto, saliento a necessidade de congregar os
possíveis benefícios da musicalização4 sobre as práticas de leitura e escrita, fato
que não foi observado nas publicações até aqui verificadas.
Em termos mais específicos, realizei uma busca no banco de dados
relacionado às dissertações de Mestrado, produzidas no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. O referido programa
apresentou suas primeiras defesas de Mestrado em 2007 e, até a data de
28/08/2016, contava com um acervo de 169 dissertações concluídas e
disponibilizadas para consulta.
Do total de dissertações produzidas pelo PPGED da UEPA, três possuem
referência a Letramento e apenas uma contém uma abordagem direcionada ao
Ensino da Música, como representado no quadro 2:
Quadro 2 - Dissertações concluídas no PPGED/UEPA relacionadas à temática
Descritor Linha de
Pesquisa
Ano de
Publicação
Título da Dissertação
Letramento Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas
2007
A formação dos professores: saberes e práticas de letramento na
educação de jovens e adultos.
Letramento Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas
2011
Programa pró-letramento: a formação continuada de professores
nas escolas multisseriadas do Campo no Planalto em Santarém.
Letramento Saberes Culturais e
Educação na
2015
Cenas de letramento e multiletramento na educação de
crianças surdas em uma escola de
4 A musicalização é o processo de construção do conhecimento musical. Seu principal objetivo é
despertar e desenvolver o gosto pela música, estimulando e contribuindo com a formação global do ser humano. É feita por meio de atividades lúdicas, visando ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da percepção auditiva, imaginação, coordenação motora, memorização, socialização, expressividade, percepção espacial etc. O lúdico funciona como elemento motivador para o desenvolvimento da expressão musical, em um processo cujos principais elementos são a imitação, a percepção e a criação.
25
Amazônia Belém.
Ensino da
Música
Saberes Culturais e
Educação na Amazônia
2013
Bandas de música, escolas de saberes: identidade cultural e prática
de ensino da Banda 31 de Agosto
Fonte: coleta de dados do PPGED – UEPA
Em termos quantitativos, destaco a única ocorrência de pesquisa relacionada
ao Ensino da Música desenvolvida no Programa de Pós – Graduação em Educação
(PPGED), da Universidade do Estado do Pará até o presente momento (quadro 2).
Tal fato serve como mais um subsídio que justifica a importância do trabalho aqui
desenvolvido, no sentido de agregar diversidade temática às pesquisas
educacionais do referido programa.
Além do estado da arte aqui apresentado, sobre Letramento e Ensino da
Música, a pesquisa está fundamentada em autores que direcionam suas atenções,
mais especificamente, ao processo de alfabetização. Um importante enfoque está
em analisar que, isoladamente, esse processo não prepara o indivíduo para usufruir
dos benefícios plenos que a linguagem escrita pode proporcionar para o convívio em
sociedade.
Xavier (2007) é um exemplo desses autores, ao afirmar que:
Em outras palavras, o sujeito alfabetizado ainda não experimentou os totais benefícios que as práticas socioculturais lhe podem trazer, tais como: a) entender textos mais sofisticados, que exigem uma compreensão mais profunda cujos enunciados contam com informações implícitas, pressupostas ou subentendidas; b) elaborar com frequência relatórios detalhados de trabalho; c) escrever textos argumentativos que defendam seu ponto de vista de modo claro e persuasivo; d) descrever com precisão e sutileza pessoas e ambientes vistos ou imaginados por ele, entre outros usos mais complexos que podem ser feitos com a escrita. (XAVIER, 2007, p. 2).
Portanto, de acordo dom Xavier (2007), é possível inferir que o processo de
alfabetização deva ser uma prática social dotada de elementos que extrapolem a
decodificação letrária. Por outro lado, vale ressaltar o fato de que os termos
letramento e alfabetização não caracterizam, necessariamente, consequências
naturais um do outro. Silva (2009) relaciona essas terminologias da seguinte
maneira:
Ultimamente, em nossa prática, discutir a alfabetização requer uma análise sobre a questão do letramento. Alguns autores têm trabalhado o assunto,
26
por meio da oposição entre aqueles que sabem ler e escrever, mas que não relacionam adequadamente os textos com seus usos sociais, e os indivíduos que atuam na sociedade de maneira satisfatória, pois percebem e compreendem os usos sociais da leitura e da escrita, mesmo sem dominá-las. (SILVA, 2009, p. 12).
A associação entre Letramento e Alfabetização, a qual será mais
criteriosamente abordada nas etapas subsequentes da pesquisa, conta com amplo
quantitativo de produções publicadas.
O descritor “Letramento Musical”, aqui sugerido, não vem acompanhado da
pretensão de uma nova categoria educacional, mas como uma forma de análise que
compreenda o Ensino da Música para além da transmissão de conteúdos puramente
artísticos. Suas nuances podem contribuir com o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem em outras áreas e, na presente pesquisa, apresentarei a diagnose de
seus efeitos sobre o processo de alfabetização.
2.2 Metodologia: diretrizes utilizadas
A opção pelo detalhamento das diretrizes metodológicas utilizadas tem, como
principal objetivo, o esclarecimento dos procedimentos e instrumentos da presente
pesquisa. Cada elemento científico será, a seguir, contextualizado e relacionado, de
acordo com os propósitos gerais que serviram de base epistemológica para o
trabalho aqui apresentado.
Os princípios, ferramentas, direcionamentos e concepções metodológicas de
uma pesquisa representam, literalmente, os alicerces sobre os quais desenvolver-
se-ão as estruturas de investigação científica. Quanto mais consistentes, claras e
coerentes forem tais bases, maior será a credibilidade dos resultados alcançados.
A metodologia científica não pode ser concebida como um processo fechado,
incapaz de submeter-se a transformações. Trata-se de um conjunto de
procedimentos passíveis de eventuais flexibilizações, de acordo com os caminhos
traçados e os possíveis “imprevistos” vivenciados ou observados pelo pesquisador.
Rodrigues (2006) apresenta sua concepção, acerca dos elementos formadores
dessa gama de fatores:
Assim, pode-se dizer que a Metodologia Científica consiste no estudo, na geração e na verificação dos métodos, das técnicas e dos processos utilizados na investigação e resolução de problemas, com vistas ao
27
desenvolvimento do conhecimento científico. O conhecimento científico se constrói por meio da investigação científica, da pesquisa, utilizando-se a Metodologia. (RODRIGUES, 2006, p. 19).
Em educação, as análises epistemológicas requerem especial atenção por
parte do pesquisador, uma vez que a complexa trama de elementos, formada por
alunos, professores, instituições de ensino, projetos pedagógicos etc., encontra-se
em constante processo de transformações e/ou adaptações. Nesta área, as atuais
concepções de construção dos conhecimentos científicos apontam para um olhar
mais ampliado, sem dicotomias entre sujeito e objeto, além da valorização dos
diferentes saberes.
O rigor científico não deve estar, necessariamente, atrelado a hegemonias de
conhecimento, sejam elas geográficas ou ideológicas. Sobre a necessidade de uma
“pluralidade” metodológica, Santos (1997) ratifica que:
O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade. As condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local. Um conhecimento desse tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica. Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. (SANTOS, 1997, p. 48).
Minhas abordagens metodológicas foram gradativamente definidas, buscando
caminhos e diretrizes que não moldassem o objeto de estudo a teorias pré-definidas,
mas fornecessem subsídios que, de fato, fundamentassem os esclarecimentos
pretendidos e, principalmente, favorecessem à melhoria de processos educacionais
que, longe da pretensão de esgotar as possibilidades investigativas acerca do
Letramento Musical, sirvam como contribuição para futuros e mais amplos trabalhos
investigativos.
A presente pesquisa possui abordagem qualitativa, entretanto, não julgo
descartáveis algumas utilizações de elementos quantitativos. Normalmente, os
termos qualitativo e quantitativo são tratados como antagônicos, não sendo raras as
ocasiões em que a escolha por um, automaticamente, elimina a possibilidade do
outro. Rodrigues (2006) classifica a pesquisa quantitativa da seguinte maneira:
Pesquisa quantitativa: quando a abordagem está relacionada à quantificação, análise e interpretação de dados obtidos mediante pesquisa, ou seja, o enfoque da pesquisa está voltado para a análise e a interpretação dos resultados, utilizando-se da estatística. Portanto, empregam-se
28
recursos e técnicas estatísticas, como porcentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de progressão etc. Também são utilizados programas de computador capazes de quantificar e representar graficamente os dados. (RODRIGUES, 2006, p. 89).
Já com relação ao enfoque qualitativo, o mesmo autor segue afirmando:
Pesquisa qualitativa: quando não emprega procedimentos estatísticos ou não tem, como objetivo principal, abordar o problema a partir desses procedimentos. É utilizada para investigar problemas que os procedimentos estatísticos não podem alcançar ou representar, em virtude de sua complexidade. Entre esses problemas, podemos destacar aspectos psicológicos, opiniões, comportamentos, atitudes de indivíduos ou de grupos. Por meio da abordagem qualitativa, o pesquisador tenta descrever a complexidade de uma determinada hipótese, analisar a interação entre as variáveis e ainda interpretar os dados, fatos e teorias. (RODRIGUES, 2006, p. 90).
É possível observar, de acordo com os posicionamentos de Rodrigues (2006),
que há diferenças entre os enfoques mencionados. Entretanto, acredito na
ampliação dos campos de observação e análise e, neste sentido, o pesquisador
pode apropriar-se de um tipo de abordagem, mas sem excluir totalmente as
possibilidades do outro. Isso pode contribuir para maior alcance e flexibilização do
trabalho epistêmico, diminuindo a margem para eventuais falácias.
A quantificação de dados ou resultados pode contar com uma análise mais
aprofundada, para além da esfera numérica. Por outro lado, uma abordagem
qualitativa também é passível de elementos quantitativos, que embasem seus
procedimentos.
Em suma, por se tratar de uma investigação correlativa entre letramento
musical e o processo de alfabetização, considero que a abordagem da presente
pesquisa possui uma predominância qualitativa, ainda que contemple elementos
quantitativos, como a utilização dados numéricos em gráficos e tabelas,
posteriormente demonstrados.
2.3 Lócus da pesquisa
Como mencionado anteriormente, a escolha das instituições de ensino para
os efeitos dessa pesquisa teve, como critérios básicos, os seguintes elementos: a)
pertencerem à rede pública e Estadual de ensino; b) estarem localizadas na região
29
central da cidade de Belém – PA; c) uma instituição possui estrutura sistematizada
para o ensino da música, enquanto a outra, não; d) há proximidade física entre as
duas escolas (menos de trezentos metros de distância).
A primeira instituição selecionada foi a Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Pinto Marques. O nome é uma homenagem ao professor e ex-
secretário da Instituição Pública, no ano de 1878, Felipe Pinto Marques (1844 –
1883) que, mesmo não tendo concluído os estudos por conta de sua saúde frágil,
tornou-se um respeitado professor de língua Portuguesa e Francesa.
Inicialmente, o “Grupo Escolar” Pinto Marques funcionou no bairro do Souza.
No dia 19 de abril de 1944, por determinação do então interventor Joaquim de
Magalhães Cardoso Barata (1888 – 1959), foi transferido para a Avenida São
Gerônimo, nº427, atual Avenida Governador José Malcher, nº 861 (bairro Nazaré,
Belém – PA). A figura 1 representa a fachada da instituição:
Figura 1 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Pinto Marques
Fonte: http://escolapintomarques.blogspot.com.br/
Atualmente, sob a orientação da professora de música Raquel Veiga, a
EEEFM Pinto Marques funciona como constante campo de estágio para os
estudantes de graduação em Licenciatura Plena em Música (UEPA e UFPA),
preparando os futuros professores com atividades práticas, relacionadas à docência
musical. Dessa maneira, os alunos da instituição são incentivados a desenvolverem
ações direcionadas ao canto popular, flauta doce, violão e percussão.
As atividades ocorrem em aulas regulares de música, pertencentes à grade
curricular da instituição, inclusive com processos avaliativos pré-determinados, os
30
quais ocorrem de acordo com o calendário anual da escola5. Além disso, a Profª.
Raquel Veiga coordena diversos trabalhos artístico/musicais, como o grupo musical
“Maneiras”, formado por alunos das séries mais avançadas.
A segunda instituição selecionada foi a Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Deodoro de Mendonça. Situada no nº 1622 da Avenida
Governador José Malcher (bairro Nazaré, Belém – PA), foi fundada em 30 de janeiro
de 1970, durante a primeira gestão do então governador Alacid da Silva Nunes
(1924 – 2015). É considerada uma das principais escolas públicas da capital
paraense.
O patrono da instituição, Deodoro Machado de Mendonça (1889 – 1968), foi
bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e participou ativamente de importantes
projetos políticos e educacionais, como a fundação da Universidade Federal do
Pará. Foi integrante da Comissão Constitucional organizadora da Carta Magna de
19466 e aposentou-se como deputado federal. Abaixo, a figura 2 é a representação
da fachada atual da instituição:
Figura 2 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Deodoro de
Mendonça
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-i_70F5uBrOM/VMuv7
5 As atividades de educação musical, praticadas na instituição, são baseadas na sistematização
metodológica proposta pela professora Cecília Cavalieri França. Os detalhamentos de tais diretrizes constam nas etapas subsequentes da presente pesquisa. 6 A Constituição, ou Carta Magna de 1946, foi promulgada em 18 de setembro do mesmo ano, sendo
construída com um corpo principal de 218 artigos; somando-se mais 36 artigos em ADCTs (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
31
Apesar de contar com projetos de oficinas de música, direcionados a
apresentações em desfiles e comemorações cívicas, a EEEFM Deodoro de
Mendonça não oferece, em sua grade curricular, aulas regulares e sistematizadas
de música para os alunos na fase educacional que contempla o objeto da presente
pesquisa (6º ano).
As duas escolas selecionadas oferecem modalidades educacionais
relacionadas ao ensino fundamental e médio. Entretanto, de acordo com
informações fornecidas pela direção da EEEFM Deodoro de Mendonça, essa
instituição possui um projeto futuro de eliminação do direcionamento para a
educação “fundamental”, passando a oferecer apenas o ensino médio.
Minhas visitas às escolas analisadas foram iniciadas em agosto de 2015. No
primeiro contato, procurei as respectivas diretorias para apresentar o projeto,
esclarecendo os objetivos da pesquisa e seu enquadramento como investigação
científica. Observei boa receptividade por parte dos gestores, os quais, prontamente,
concederam permissão para o desenvolvimento do trabalho de coleta de dados.
A diretoria da EEEFM Pinto Marques esclareceu que as atividades musicais
eram regulares e desenvolvidas por profissionais licenciados em música ou artes,
atendendo a todos os alunos da instituição. Já na EEEFM Deodoro de Mendonça,
constatei que o foco baseava-se na formação de grupos musicais, voltados a
apresentações pontuais, como desfiles escolares e, dessa maneira, não
contemplava todos os discentes, apenas os interessados em compor tais formações
(normalmente oriundos das séries mais elevadas).
Após uma análise preliminar da grade de horários de cada instituição,
elenquei as duas turmas de 6º ano (antiga 5ª série) como foco das análises, bem
como as respectivas professoras responsáveis pela parte de leitura e escrita de
língua portuguesa. A partir de então, agendei a próxima visita, a qual seria destinada
ao início do processo de coleta de dados, baseado na aplicação de questionários
direcionados às discentes (demonstrados nas seções subsequentes).
A escolha das turmas foi aleatória, baseada apenas na adequação de
horários para que não houvesse grandes impactos sobre o decorrer das aulas
regulares, visto que o período letivo estava em pleno andamento. Optei pelo turno
matutino, pela maior concentração de alunos no nível de aprendizagem em questão.
Um fato interessante a ser mencionado foi minha observação do interesse,
por parte dos dois gestores, em contribuir com uma pesquisa educacional voltada a
32
investigação científica de saberes relacionados ao desenvolvimento da leitura e
escrita, bem como (co) relacionar isto a uma área aparentemente distinta, como a
música.
Reitero que a escolha do lócus da pesquisa buscou minimizar as possíveis
variáveis sociais e geográficas, uma vez que as escolas selecionadas pertencem à
rede pública de ensino e estão localizadas no mesmo bairro e rua da cidade de
Belém - PA, situadas, aproximadamente, a trezentos metros de distância uma da
outra.
A seguir, apresento o detalhamento do processo de coleta de dados, bem
como a demonstração dos instrumentos utilizados.
2.4 Instrumentos de coleta de dados
Como instrumentos de coleta de dados, utilizei dois questionários
semiestruturados. O primeiro, com o intuito de investigar a avaliação das professoras
quanto ao nível de leitura e escrita dos alunos, foi baseado no modelo desenvolvido
pela Prof.ª Adriana Lourenço7. Trata-se de um conjunto de sete perguntas fechadas,
com cinco possibilidades de respostas para cada uma (anexo A).
O segundo questionário, direcionado aos alunos, foi selecionado a partir de
uma avaliação diagnóstica de Língua Portuguesa para o 6º ano8. Contando com
quatro questões objetivas e uma dissertativa, tem como foco a análise do nível de
compreensão textual dos alunos, bem como um breve mapeamento do Letramento
Musical a partir de uma atividade que relacione a percepção auditiva e a produção
textual9 (anexo B).
As figuras 3 e 4, respectivamente, representam os referidos instrumentos de
coleta de dados:
7 Graduada em Pedagogia (UNIDAVI), com pós-graduações em: Pedagogia Gestora (AUPEX),
Educação Especial (AUPEX), Psicopedagogia Clinica e Institucional (UNIASSELVI), Mídias na Educação (UFRS). Além de ter ocupado diversos cargos de gestão educacional, atualmente, possui um site especializado em educação denominado “Ação Pedagógica”, com ênfase em propostas de atividades docentes e parâmetros avaliativos. 8 SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS, SUPERINTENDENCIA
REGIONAL DE ENSINO DE ITAJUBÁ, DIRETORIA EDUCACIONAL – Disponível em: [email protected]. Rua Tabelião Tiago Carneiro Santiago, 364 – BPS – Itajubá – MG. Extraído de um caderno de 16 questões baseadas na Matriz Curricular do Ciclo Complementar. 9 Baseada na atividade desenvolvida pelas professoras Jusamara Souza e Maria Cecília de Araújo
Torres (atividade 6 – “As Quatro Estações”, de Antônio Vivaldi), publicada no primeiro número da revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM - 2009).
33
Figura 3 – Questionário direcionado às professoras
Fonte: Lourenço (2015)
34
Figura 4 – Questionário direcionado aos alunos
Fonte: Souza e Torres (2009, p. 58)
35
2.5 A fenomenologia como base epistêmica
A Fenomenologia, como método científico, foi estruturada por Edmund Gustav
Albrecht Husserl (1859 – 1938). Nascido no antigo império austríaco, este
matemático e filósofo rompeu com o paradigma positivista de ciência, característico
de sua época. Sua principal crença para a criação de uma nova corrente epistêmica
é a premissa de que a essência de um objeto pode ser conhecida por meio da
experiência, sem, contudo, limitar o processo ao mero empirismo.
Vale ressaltar que o termo fenomenologia antecede as concepções filosóficas
de Husserl. As raízes etimológicas da palavra são de origem grega, a qual pode ser
dividida em duas partes: phainesthai, ou “aquilo que se mostra”; e logos, que
significa “estudo”.
A primeira utilização dessa descrição, como elemento de investigação
científica, data de meados do séc. XVIII, com o matemático suíço Johann Heinrich
Lambert (1728 – 1777). Rodrigues (2006) descreve o método fenomenológico da
seguinte maneira:
O método fenomenológico é o estudo dos fenômenos, em si mesmos, apreendendo sua essência, estrutura de sua significação. Pode-se dizer que é uma “volta às coisas mesmas”, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. É um método sem pressuposições. (RODRIGUES, 2006, p. 142).
Com as considerações do autor, é possível inferir que o foco não é a
explicação dos fenômenos com leis previamente estabelecidas, mas demonstrar o
que é dado e buscar esclarecimentos, a partir de como isto se apresenta à
consciência. A intenção é proporcionar uma descrição da experiência tal como ela
se apresenta.
É importante destacar uma das objeções a esse método: o questionamento
quanto a uma maneira, totalmente desprovida de pressuposições, de abordar o
mundo. Entretanto, a partir do paradigma pós-moderno de ciência10, essa
concepção mais “rígida” vem sendo modificada, com flexibilizações a esse respeito.
10 A ideia de Pós-Modernidade, também denominada Paradigma Emergente, é um conjunto de
atitudes que caracterizam uma nova forma de construção do conhecimento. Em termos gerais, poderíamos entender essas novas abordagens como uma espécie de flexibilização da ciência. Os primeiros anos do século XX caracterizam o marco da Pós-Modernidade, ainda que esta terminologia passasse a ser, de fato, empregada em meados dos anos 1950. Essa nomenclatura ficou comumente
36
A fenomenologia não dá forma ao objeto analisado. Pelo contrário, ela analisa
as manifestações a partir do próprio alvo de investigação, como afirma Josgrilberg
(2015):
A fenomenologia é uma evidenciação analítica e descritiva das condições fenomenológicas do objeto. A linguagem recolhe aspectos do sentido em significados o que possibilita a descrição, uma descrição que acontece à margem de toda explicação empírica. A fenomenologia não inventa ou constrói a coisa visada; é a coisa mesma que se manifesta. Não se trata de sobrepor nossa estrutura mental ou psicológica à coisa que se manifesta. O objeto intencional não se confunde com as condições psicológicas, históricas, científicas ou culturais. (JOSGRILBERG, 2015, p. 8).
No âmbito educacional, a fenomenologia pode apresentar-se como pilar de
investigação, desde que seus princípios estejam de acordo com os propósitos da
pesquisa em questão. Aspectos relacionados à observação do desempenho de
alunos, por exemplo, dependendo dos objetivos almejados, podem utilizar este
método como ferramenta científica.
Entendendo a educação como uma área indissociável do desenvolvimento
humano, a fenomenologia pode analisar a formação do homem a partir da revelação
das características de sua essência. Josgrilberg (2015) refere-se a essa relação da
seguinte maneira:
A vivência da educação é inseparável da vida e nos acompanha em cada passo. A experiência da educação nos abre a percepção de um ser humano que se desenvolve educando-se. A experiência da educação nos remete de imediato à fenomenologia genética que revela a constituição do ser humano em sua formação no tempo. O ser humano revela suas características essenciais em formação. O ser humano está sendo. A educação aparece na base da antropogenética. (JOSGRILBERG, 2015, p. 9).
Portanto, a partir da concepção onde o fenômeno educativo é, também, um
fenômeno da convivência humana, entendo que a fenomenologia busca a ambiência
social desse processo que, mesmo tendo um membro da natureza como objeto (o
homem), trata-se de algo com iminente intervenção. De acordo com Josgrilberg
(2015, p. 10) “podemos compreender que somos natureza, mas natureza
transformada culturalmente”.
conhecida entre especialistas das Ciências Sociais a partir de estudos sobre a modernidade, realizados entre os anos 1950 e 1960.
37
Com relação à aplicabilidade da fenomenologia à educação, Josgrilberg
(2015) segue afirmando que:
A educação implica em diferentes comportamentos e atitudes em face desses “mundos”. Pessoas e mundos implicam em diversidade na educação. Seguindo a fenomenologia freiriana podemos falar da necessidade de uma leitura do mundo, ou da leitura dos mundos, que acompanha a ação educativa. Os mundos com os quais a educação trabalha são formados em uma variedade de categorias que pode envolver idade, grupo social, interesse, necessidades, culturas, etc. Um princípio essencial que decorre dessa consideração dos mundos em que vivemos é: a educação acontece na relação entre diferentes mundos que são compartilhados. Esse princípio, a necessidade de leitura de mundos e de compartilhamento de diferentes mundos, já coloca a fenomenologia da educação no seu prolongamento hermenêutico. (JOSGRILBERG, 2015, p. 11).
Em suma, dentre outros métodos científicos, meu destaque à fenomenologia,
relacionada à referida pesquisa educacional, justifica-se pelo enfoque ao estudo da
essência do objeto a partir dos fenômenos originários das ações pedagógicas. O
presente trabalho visa à análise fenomenológica do letramento musical e suas
repercussões sobre o processo de alfabetização.
2.6 Autor base: Keith Swanwick
Minhas análises, acerca da influência do Letramento Musical sobre a
alfabetização, partem da premissa de que o ensino da música, não
necessariamente, deve estar exclusivamente atrelado ao objetivo artístico. Como
base para essa concepção, acerca da utilização da Educação Musical como auxílio
ao desenvolvimento da aprendizagem, busquei, entre outros autores, os estudos do
pesquisador e educador musical inglês Keith Swanwick (1931), representado pela
figura 3:
Figura 3 - Keith Swanwick
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/entrevista-keith-swanwick-sobre-ensino
38
O trabalho pedagógico integrado, congregando o fazer musical a outras áreas
do conhecimento, é um dos pilares defendidos por Swanwick. De acordo com suas
concepções, o próprio ato de ouvir música não deve ser compreendido como uma
atividade analítico/intelectual, mas uma relação dialética e fluente de combinação
entre diversas categorias. “Escutar sons como música exige que desistamos de
prestar atenção nos sons isolados e que experimentemos, em vez disso, uma ilusão
de movimento, um sentido de peso, espaço, tempo e fluência”. (Swanwick, 2003,
p.30).
Segundo o autor, “a música é uma forma de discurso tão antiga quanto a raça
humana” (Swanwick, 2003, p.18). Portanto, enquanto “discurso”, a música pode ser
considerada um processo de Transformação Metafórica, para o qual Swanwick
(2003) sugere uma divisão continuada em diferentes níveis:
- Notas são ouvidas como melodia. “Gestos musicais”: “MATERIAIS TRANSFORMAM-SE EM EXPRESSÃO”. - A partir de relações internas essas melodias assumem vida própria. “Forma Musical”: “EXPRESSÃO TRANSFORMA-SE EM FORMA”. - Melodias relacionam-se com o conhecimento prévio. “Sensibilidade para aprender o ser de outras pessoas”: “FORMA TRANSFORMA-SE EM VALOR”. (SWANWICK, 2003, p. 32).
Keith Swanwick parte do princípio de que qualquer conhecimento deve
obedecer a etapas, de acordo com o desenvolvimento psicológico de quem o
estuda. Neste sentido, mesmo que os propósitos do ensino da música estejam
direcionados ao desenvolvimento intelectual e, não necessariamente, voltados à
técnica instrumental, o educador deve adequar suas práticas às especificidades de
aprendizagem do aluno.
Por seus posicionamentos, diante dos caminhos e objetivos da Educação
Musical, os quais primam pela utilização do ensino da música como ferramenta
didática, em prol do desenvolvimento intelectual do indivíduo, elenquei o autor
supracitado como um dos pilares desta investigação científica.
Congregar dois tipos de letramentos, do ponto de vista analítico de suas (co)
relações, requer uma seleção bibliográfica baseada em autores que valorizem as
contribuições dialéticas entre diferentes áreas do conhecimento, buscando uma
educação integrada. Keith Swanwick é um exemplo desse tipo de concepção
pedagógica e, para os fins da presente pesquisa, serviu como autor base.
39
Suas concepções pedagógicas, acerca dos benefícios do ensino da música
sobre a aprendizagem, serão detalhadas nas etapas subsequentes do trabalho aqui
apresentado.
A seguir, a próxima seção refere-se ao desenvolvimento do referencial
teórico. O letramento, a alfabetização e a música serão abordados, desde suas
concepções conceituais até princípios histórico/evolutivos, bem como suas relações
dialéticas em processos educacionais.
40
3 REFERENCIAL TEÓRICO: LETRAMENTO, ENSINO DA MÚSICA E
ALFABETIZAÇÃO
Nesta seção, demonstrarei alguns conceitos acerca do termo letramento, bem
como sua relação com o processo alfabetizador. Além disso, algumas nuances
evolutivas e aplicativas da educação musical e, por fim, as possíveis repercussões
do letramento musical sobre os processos de aprendizagem da linguagem escrita.
As primeiras diretrizes estão baseadas em autores que defendem a
importância da leitura de mundo, leitura de lugar e do espaço existencial do
acontecer humano, em prol de uma alfabetização que, de fato, instrumentalize o
indivíduo para otimizar suas relações sociais por meio da leitura/escrita.
Na educação brasileira, o termo letramento foi utilizado pela primeira vez em
meados da década de 1980. Segundo Silva (2009):
O termo letramento chegou até nós em meados da década de 80, quando autoras, como Mary Kato, em 1986, Leda Verdiani Tfouni, em 1988, Ângela Kleiman, em 1995 e Magda Soares, em 1998, produziram artigos a respeito do termo e de seu significado. (SILVA, 2009, p. 12).
Essas autoras estabeleceram uma diferença e uma relação entre as comuns
associações do letramento com a alfabetização que, frequentemente, são tratados
como sinônimos. Apesar de uma conexão dialética, é importante desmembrar as
duas categorias, de acordo com as definições de Tfouni (2002):
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. [...] O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. [...] Desse modo, o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social. (TFOUNI, 2002, p. 9-10).
De acordo com minhas observações sobre a autora, uma das primeiras a
utilizar o termo no Brasil, o letramento é mais amplo que a alfabetização, pois está
mais relacionado com os efeitos sociais da aprendizagem do que, necessariamente,
ao ato de aquisição das habilidades para ler e escrever.
Em suma, a alfabetização refere-se ao ato educacional para a leitura e a
escrita, já o letramento tem como foco os resultados dessa ação, como afirma
Soares (2003):
41
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita. (SOARES, 2003, p. 18).
Os significados do termo letramento podem apresentar algumas variações, de
acordo com o autor que o emprega. Entretanto, as convergências estão no sentido
de sua importância para o meio social, para além da simples ação de leitura e/ou
escrita de determinada língua. As especificidades entre o letramento e a
alfabetização serão abordadas a seguir.
3.1 Especificidades entre letramento e alfabetização
Desde as primeiras ocorrências do descritor letramento, em publicações
educacionais brasileiras, seus precursores já se preocupavam com a dissociação,
em termos semânticos, da alfabetização. A esse respeito, Silva (2009) esclarece
que:
[...] há uma diferença clara entre aquisição da língua (oral e escrita) e o processo de desenvolvimento da língua. A alfabetização corresponde àquele sentido, visto que ela é o processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. A alfabetização é um processo de compreensão/expressão de significados expressos em uma língua escrita. [...] O conceito de letramento, como já foi destacado anteriormente, refere-se a um conjunto de comportamentos que se caracterizam por sua variedade e complexidade. [...] Há duas dimensões para o letramento: uma individual e outra social. A dimensão individual refere-se à posse individual de habilidades de leitura e escrita. [...] A dimensão social do letramento refere-se à prática social, ou o que as pessoas fazem com as habilidades e os conhecimentos de leitura e escrita, em determinado contexto. (SILVA, 2009, p. 79-81).
É importante salientar que, apesar das distinções no campo semântico, as
habilidades não estão dissociadas de seus usos. Ou seja, a dimensão social do
letramento relaciona a aprendizagem do código letrário para o convívio em
sociedade.
Observadas as relações intrínsecas e as diferenças semânticas entre
letramento e alfabetização, não é correto, contudo, afirmar que um seja a
consequência natural do outro. De acordo com Soares (2003, p. 18) é possível que
42
um indivíduo seja analfabeto, portanto, não saiba ler e escrever, mas, de certa
forma, seja letrado, pois realiza os usos sociais da leitura/escrita.
Ao analisar o fato de que o letramento não é condição sine qua non da
alfabetização, pude constatar, por outro lado, a importância da combinação entre
essas categorias em uma sociedade grafocêntrica11. Para ratificar essa perspectiva,
apresento as considerações de Silva (2009), ao afirmar que:
O analfabeto não é iletrado, pois ele envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Entretanto, em uma sociedade grafocêntrica, somente este envolvimento não basta. É relevante que o sujeito apreenda os mecanismos para que conquiste sua cidadania plena. (SILVA, 2009, p. 84).
Com relação ao papel da educação, em prol do desenvolvimento do indivíduo
frente às suas realidades, Silva (2009) apresenta seu posicionamento crítico,
sugerindo a revisão das bases tradicionais em processos educacionais da seguinte
maneira:
[...] A educação deve estar aberta para permitir que o indivíduo chegue a ser sujeito, construindo-se como pessoa, capaz de transformar o mundo, de estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, de criar a cultura e a história. Para isso, a educação precisa estar comprometida com a libertação, devendo rever profundamente os sistemas tradicionais, os programas e os métodos, que, muitas vezes, deixam de lado o educando, tornando-o objeto e ignorando sua realidade história. (SILVA, 2009, p. 83).
Entendo, portanto, que os processos educacionais devam considerar que,
mesmo enquadrados em categorias distintas (mas relacionadas), a alfabetização e o
letramento podem desenvolverem-se paralelamente. Ou seja, a aquisição das
habilidades referentes à linguagem escrita pode ser combinada aos aspectos sociais
da utilização desses saberes.
3.1.2 Letramento em mídias textuais como práticas sociais na escola
Em termos de desenvolvimento social, as habilidades de leitura e escrita
estão diretamente vinculadas à visão contemporânea de evolução qualitativa. De
acordo com Mello e Ribeiro (2004):
11 Sociedade que baseia seu desenvolvimento intelectual, social e cultural na leitura e escrita de
determinada língua, a partir do ordenamento de códigos e/ou símbolos.
43
As habilidades de ler e escrever passam a ser consideradas como condição essencial ao desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida. De certa forma, a escrita determina a própria existência dos sujeitos e o seu modo de viver. Assim, a ideia da necessidade e da essencialidade da leitura e da escrita para os sujeitos passa a ser lugar comum em todas as instâncias sociais. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 129).
O acesso a informação, por intermédio de veículos midiáticos essencialmente
vinculados à leitura (jornais, revistas, textos da internet etc.), representa uma
importante ferramenta para o letramento. Assim, letramento e alfabetização são
elementos mutuamente otimizadores, de maneira cíclica: as habilidades de leitura
facilitam a decodificação das informações que, quanto melhor compreendidas,
podem estimular a busca por novas leituras.
Na prática docente, atividades que envolvam leitura de jornais e revistas, por
exemplo, devem ocorrer de maneira criteriosa, desde a escolha dos títulos até a
compreensão dos enunciados. Sobre esses veículos de comunicação, Mello e
Ribeiro (2004) seguem esclarecendo que:
Acrescenta-se, pois, a necessidade de análises mais cuidadosas a respeito das contribuições, para a prática docente, da utilização de jornais e revistas. Na verdade, cabe investigar de que modo a utilização de jornais e revistas contribui para a constituição de um sujeito leitor. [...] Há, pois, que se destacar que a questão da leitura/escrita não pode ser restrita (apenas) a esta dimensão individual. É necessário ultrapassar a simples ideia de que “ler é bom”. Há, também, aí uma dimensão pragmática (que deve ser reconhecida) segundo a qual saber ler/escrever transforma-se em requisito, inclusive, para a organização da vida diária. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 130).
A inserção das autoras supracitadas serve como base para a concepção de
que o conteúdo direciona o sentido da leitura. Portanto, passa a ser o objetivo dessa
habilidade, fazendo com que o leitor, na busca pela compreensão do texto,
mantenha a concentração e tenha interesse pelo ato de ler.
A procura por estratégias que possibilitem o acesso a informação, enquanto
elemento propulsor do potencial de educabilidade, tem marcado o discurso e as
práticas pedagógicas da atualidade. Um dos conceitos é que, quanto mais prazerosa
a relação entre o aluno e o saber, mais efetivo será o processo de aprendizagem.
Neste sentido, a escola deve oferecer experiências didáticas que contextualizem o
aluno com suas realidades e seu cotidiano.
44
Para o letramento com ênfase em mídias textuais, mantendo o exemplo em
revistas e jornais, destaco o posicionamento de Mello e Ribeiro (2004) a respeito dos
títulos:
Os títulos ficam em destaque em relação à notícia. Desempenham algumas funções que caracterizam sua identidade, em termos do que pretendem informar como: - antecipa a informação, chamando a atenção do leitor e, ao mesmo tempo, oferecendo uma síntese sobre o assunto abordado; - indica a ideia central contida no texto, provocando no leitor a expectativa do que será relatado; - constitui o enfoque mais relevante da notícia; é também chamado de manchete; - auxilia na estética do jornal ou da revista. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 135).
Acerca do trabalho pedagógico/social com a leitura e compreensão de jornais
e revistas, tal ação possibilita que os alunos mantenham-se informados sobre
acontecimentos cotidianos, estimulando a participação em comentários ou
discussões referentes ao convívio social, acontecimentos da comunidade e opiniões
que reflitam as perspectivas dos discentes em relação ao futuro do ambiente em que
vivem.
Entretanto, o texto em questão deve representar mais que mera fonte de
informação, passando a assumir, também, um caráter de elemento estimulador de
outras fontes de leituras, além da produção textual por parte dos alunos. De acordo
com Mello e Ribeiro (2004):
[...] Em algumas escolas, um texto jornalístico é tomado apenas como fonte de informação e não como técnica para estimular formas de leitura mais complexa nem como recurso para estimular a produção de textos. Nesse sentido, o professor fará uso tanto das narrativas convencionais quanto das narrativas da imprensa, marcando em termos do texto jornalístico: - a concretude da narrativa; - a expressão das aparências e não da sugestão; - texto sintético; - limitação do repertório verbal; - redação na terceira pessoa. (MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 136-137).
Em termos gerais, a utilização de canais informativos, como ferramenta de
estímulo ao letramento, pode representar uma estratégia de estreitamento entre o
aluno, o hábito da leitura/escrita e o contato com as questões de seu meio social.
Para tanto, os critérios de inserção desses veículos midiáticos, na prática
pedagógica, devem ser cuidadosamente elaborados, com a observação
45
contextualizada em cada nível de aprendizagem e, sobretudo, a ênfase ao
desenvolvimento crítico do aluno.
3.1.3 Leitura de mundo e leitura da palavra escrita
O termo “leitura de mundo” pode apresentar-se como algo amplo, subjetivo e,
por vezes, intangível. De acordo com Perez (2004, p. 18) “ler o mundo significa
apreender a linguagem do mundo, traduzindo-o e representando-o”. A essa
concepção, acrescento a localidade do educando, com suas práticas sociais, sua
fala, seus saberes culturais, seu ambiente familiar e sua bagagem intelectual.
Associando o processo de alfabetização escolar à leitura de mundo, Silva
(2009) ressalta que:
Alfabetizar na perspectiva da leitura de mundo significa respeitar os saberes dos educandos, valorizando-se todas as potencialidades dos indivíduos, para que efetive um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades, em que todos tenham acesso a informações, manifestações culturais, trocas de experiências etc. [...] A leitura de mundo começa, então, pela leitura do lugar, do espaço existencial do acontecer humano. Parte, assim, das ideias de que o educando elaborou e de que não foram ensinadas pelo professor, mas construídas pelo aprendiz. E revela a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente construindo. (SILVA, 2009, p. 85-86).
A leitura de mundo não é, de acordo com a autora, algo estritamente
relacionado à dinâmica professor-aluno mas, principalmente, representa a
compreensão do educando acerca do ambiente geográfico, social e cultural em que
está inserido. Portanto, entendo que os processos de aquisição de conhecimentos
envolvem, além da escola, diversos atores sociais como os membros da família, os
amigos, os vizinhos etc.
Além disso, o ato de “ler o mundo” também envolve as iniciativas do próprio
educando, para a resolução de um possível problema. Tal esforço de autorreflexão
deve ser incentivado e valorizado, como ratifica Silva (2009):
O aluno faz um investimento a cada nova hipótese apresentada para a resolução de um problema, uma questão, um exercício. Este esforço precisa ser reconhecido, porque, caso contrário, poderá não haver mais investimento das próximas vezes. É preciso que haja um diálogo entre o que se quer que o estudante aprenda e o que ele pensa, uma lógica para onde se mova todo o seu esforço. (SILVA, 2009, p. 87).
46
Na análise apresentada pela autora, um importante aspecto a ser considerado
é a dinâmica entre a aprendizagem e as concepções do aluno. Sob esta égide, a
leitura de mundo passa pela combinação entre novos conceitos e os saberes já
estabelecidos.
[...] Torna-se cada vez mais necessário valorizar os conhecimentos trazidos pelo educando até à escola. Essa valorização dos saberes construídos fora das instituições escolares é condição para que os alunos tomem consciência do que sabem e de quanto sabem. (SILVA, 2009, p. 89).
Os conhecimentos adquiridos, aliados àqueles pré-existentes, não
representam, contudo, o único caminho para o desenvolvimento da leitura de
mundo. A contextualização da aprendizagem à vida prática também auxilia o aluno
no sentido de ampliar sua compreensão acerca da realidade educacional pretendida.
Baseio tal entendimento sobre as seguintes considerações de Silva (2009):
Estabelecer elos entre os conteúdos e a vida prática significa que a escola deve possibilitar vivências com a leitura e a escrita que tenham relevância e significado para a vida da criança, permitindo-lhe refletir sobre sua realidade e compreendê-la. Desta forma, o aprendizado da língua vai sendo conquistado em um processo de tentativas, aproximações, confrontos e conflitos, construindo conhecimentos e incorporando-os à sua atividade cotidiana. (SILVA, 2009, p. 88).
A alfabetização, compreendida como a leitura da palavra escrita, deve
abarcar conteúdos que envolvam o universo sociocultural dos alunos. Essa
abordagem, de acordo com Silva (2009, p. 89-90), está relacionada com a “forma
que eles leem o mundo e como compreendem a realidade social em que vivem.”
Portanto, apresento como fundamental a concepção em que, valorizar o contexto e
as realidades do educando, otimizam os resultados da aquisição de habilidades em
leitura/escrita.
Para tanto, os conteúdos escolares não devem priorizar o método em
detrimento ao sentido da aprendizagem. A esse respeito, Silva (2009) apresenta o
seguinte esclarecimento:
Os conteúdos precisam fazer sentido [...]. E fazer sentido é estabelecer relações, aproximar-se da realidade vivida, muito mais do que se preocupar simplesmente com a forma, na busca de um melhor método ou da melhor cartilha. (SILVA, 2009, p. 91).
47
Os apontamentos da autora indicam que o sentido da linguagem escrita pode
nortear a estruturação dos caminhos didáticos da alfabetização. A sintetização da
relação entre a leitura de mundo e a leitura da palavra escrita é, portanto,
organizada por Silva (2009, p. 92) a partir dos conteúdos, os quais devem “ser
extraídos da necessidade de a criança se conhecer e conhecer mais o mundo a sua
volta.”
Minhas representações, a esse respeito, foram construídas a partir da
compreensão de que as palavras não estão soltas. Pelo contrário, elas são
dialeticamente ligadas à realidade, na medida em que os alfabetizandos são
capazes de apresentar suas próprias descrições sobre sua realidade, associando-a
ao que leem ou escrevem.
3.1.4 O letramento escolar compreendido em diferentes dimensões
A concepção do letramento como um conjunto de práticas discursivas de uso
efetivo da linguagem, no que diz respeito à fala, à leitura e à escrita, compreende, na
sociedade brasileira, um contexto de diferenças sociais, econômicas e culturais.
Portanto, de acordo com Leal (2004, p. 53) “não é possível falar do alcance de um
determinado nível ou grau de letramento, mas que existem situações diferenciadas e
manifestações diferenciadas, frutos desse contexto desigual.”
A partir da observação dessas diferenças, é importante salientar que, no
espaço escolar, também apresentar-se-ão diversidades quanto aos resultados dos
processos educacionais de letramento, como sugere Leal (2004):
Se letrar, do ponto de vista social, é perceber o que acontece na sociedade quando esta se apropria das práticas de escrita, sabemos que a análise desse letramento em determinados espaços nos revelará resultados diferentes, porque, para além do que se aprende individualmente, os recursos ao letramento são profunda e marcadamente desiguais. (LEAL, 2004, p. 53).
Os diversos espaços sociais, nos quais os alunos estão inseridos, são
formadores das suas nuances de letramento. Entretanto, ao focalizarem a escola e,
mais especificamente, os processos de alfabetização, Leal (2004, p. 55) levanta o
seguinte questionamento: “o que seria hoje, alfabetizar para o letramento?”.
48
Considero que a resposta para esta questão deva ser formulada com uma
série de pluralidades sociais e econômicas, no contexto escolar brasileiro, as quais
não tenho a pretensão de desenvolver mais profundamente na pesquisa em
questão. Entretanto, a autora responde ao próprio questionamento, afirmando que
alfabetizar para o letramento:
Seria, partindo dos saberes já constituídos, desenvolver as habilidades das crianças, dos jovens e dos adultos, no sentido de promover o alcance, pelos sujeitos, de todas as competências comunicativas. Isto é, desenvolver as potencialidades de comunicação, no que diz respeito à fala, à capacidade de argumentação eficiente e, com isso, construir oportunidades reais de participação e de decisão nos diferentes contextos sociais. (LEAL, 2004, p. 55).
Esse desenvolvimento das potencialidades, de acordo com a autora
supracitada, pode ser compreendido com a perspectiva do letramento dividido em
diferentes dimensões, as quais, ainda segundo Leal (2004), são as seguintes:
dimensão cultural; dimensão discursiva; dimensão cognitiva; dimensão ética e
dimensão estética.
Dimensão cultural: o sujeito se desenvolve culturalmente com a aquisição de
habilidades relacionadas à fala, à leitura e à escrita. A base dessa concepção não é,
entretanto, um ideal cristalizado de cultura e de saber, mas o entendimento de que
esta categoria só ganha sentido quando integrada ao sujeito do conhecimento e
suas relações.
A integração cultural compreende assumir a diversidade, não como o
diferente ou o excluído, mas compreender que, além de aspectos linguísticos,
raciais, sociais ou étnicos, a condição humana é o elemento que nos iguala. De
acordo com Leal (2004):
Assim, não basta observar como as formas materiais são injustamente distribuídas: é preciso alterá-las, pensar alternativas, oferecer melhores e mais condições àqueles que precisam mais. O que a escola (a que deve promover) não pode é correr o risco de aumentar a distância cultural e, consequentemente, de produzir efeitos ao contrário (o de excluir). (LEAL, 2004, p. 57).
Dimensão discursiva: nossas diferentes formas de manifestações estão
baseadas na premissa de que somos sujeitos da linguagem. Nesta dimensão, o
49
sujeito letrado é aquele que, vivenciando práticas discursivas (orais ou escritas),
reconhece a força interlocutória de suas ações com a linguagem.
A linguagem promove o alcance de determinada intenção, produz efeitos
sobre os interlocutores (informar, esclarecer, criticar, sensibilizar etc.). Neste sentido,
reconhecer no discurso um efeito interlocutório representa uma forma de ação sobre
o mundo, independentemente do nível de consciência que se tenha dele. Entretanto,
Leal (2004) traz o seguinte alerta:
Usar esse conhecimento para enganar, ludibriar, desrespeitar, depreciar, não corresponde ao ideário de formação de um sujeito humano que, respeitando o outro, lança mão de recursos discursivos capazes de promover e não de destruir. (LEAL, 2004, p. 58).
Dimensão cognitiva: as ciências cognitivas são plurais e provocam impacto na
forma de compreensão do processo ensino/aprendizagem. Dentre elas, destaca-se
a noção de que o conhecimento é resultado de uma relação dialética entre quem
ensina e quem aprende.
Ensinar alguém a ler e escrever representa, portanto, a mobilização de um
conjunto diferenciado de operações mentais, que não são apenas linguísticas, mas
também relacionadas à produção de sentido. Tais capacidades, no entanto, não
surgem apenas do desejo de ler, mas especialmente dos esforções pedagógicos
que possam conduzir à aquisição e/ou desenvolvimento de habilidades como
interferências, contextualização, deduções, descoberta de pistas, entre outras.
Não se trata de uma espécie de treino ou exercício mecânico. Mas do ato
complexo de acionar e relacionar informações e conhecimentos. Ao referir-se a essa
organização de pensamentos, Leal (2004) segue esclarecendo que:
Ler e escrever inserem-se, portanto, no mundo simbolicamente construído, em que sujeitos leitores e produtores de texto constroem sentidos em suas existências. Tanto ler quanto escrever também são reveladores dos modos de expressar e organizar o pensamento, o que faz com que essas atividades se sustentem em capacidades, como já afirmamos não apenas linguísticas, mas cognitiva e psicológica. (LEAL, 2004, p. 59).
Dimensão ética: vai além do que se considera técnico ou cultural para as
habilidades de leitura e escrita. Um entrave está na concepção de que, para alguns,
a natureza ética é individual e subjetiva. Cabe ao produtor do texto escrever o que
bem entende? Se considerarmos que o letramento é uma prática social, é relevante
50
considerar que os valores e as referências dos processos de significação revelam
suas origens e, dessa forma, traz a consciência de pertencimento para além das
fronteiras da individualidade.
A partir dessa concepção, um sujeito, mesmo sendo individual, faz usos
coletivos do letramento. Por ser social, ele deve compreender que suas ações e
atitudes são produzidas socialmente e com efeitos sobre essa sociedade.
As referências éticas, no entanto, não estão aqui relacionadas à uma postura
passiva, de aceitação de uma realidade observada, como ratifica Leal (2004):
Não falamos aqui de uma ética que permita o imobilismo, a entrega, a aceitação passiva do que rodeia o homem, mas de uma ética criativa, capaz de mobilizar nos sujeitos sua “bondade”, de acreditar nas suas potencialidades, de fazer valer não só os seus direitos, mas também os dos outros. (LEAL, 2004, p. 60).
Dimensão estética: está relacionada ao conceito de completude. Ou seja,
dada a incompletude própria dos seres humanos, é o entendimento de que o “outro”
completa o “eu”. As buscas e descobertas por inovações, promovem o encontro
entre sujeitos diferentes em suas essências. Leitor e produtor são, nesse sentido,
elementos que se encontram e se completam.
A articulação entre discursos variados amplia as noções estéticas que,
constantemente, podem ser transformadas. Essa dinâmica de linguagens diversas e
complementares produz a constituição do sujeito e sua inserção na sociedade. A
visão do “outro” passa também pela visão de si próprio.
Há, portanto, uma espécie de entrecruzamento entre as dimensões ética e
estética, caracterizada por Leal (2004) da seguinte maneira:
Trata-se do cruzamento de discursos que permite uma articulação entre “mim” e o “outro” e entre o que eu tenho do outro e o outro tem de mim e traduz o que há de humanidade em cada um e do que cada um pode “ver” no outro. Articula-se aqui a singularidade de cada sujeito – ser incompleto que, em interação com o outro [...] pode se completar, ainda que esse seja um movimento contínuo e imprevisível. (LEAL, 2004, p. 61).
Baseado nas cinco dimensões acima apresentadas, percebo a necessidade
do letramento em prol da completude do sujeito. O intuito é fornecer subsídios que
auxiliem o aluno a ocupar seu lugar, não apenas no espaço econômico, mas,
também, no social, no político e no cultural.
51
Para sintetizar este tópico, acerca do letramento escolar, julgo, mais
pertinente do que conclusões fechadas, o questionamento de Leal (2004, p. 62) ao
problematizar: “o que adianta ter aprendido a identificar o código escrito, a
reconhecer o sistema de funcionamento da escrita, a decifrar as palavras, se não
sabe usá-las?”
3.1.5 Letramento e alfabetização: interações pedagógicas
Na história da educação brasileira, diversos programas governamentais foram
apresentados com a intenção de erradicação do analfabetismo, seja em seu sentido
mais tradicional (estado ou condição de quem não sabe ler e escrever, por não
dominar a tecnologia da escrita), ou para melhorar a condição dos chamados
analfabetos funcionais12.
Uma das ações mais recentes foi lançada pelo governo federal em meados
de 2003, denominada “Programa Brasil Alfabetizado”. De acordo com informações
do portal do Ministério da Educação (2016):
O MEC realiza, desde 2003, o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. O programa é uma porta de acesso à cidadania e o despertar do interesse pela elevação da escolaridade. O Brasil Alfabetizado é desenvolvido em todo o território nacional, com o atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. Desse total, 90% localizam-se na região Nordeste. Esses municípios recebem apoio técnico na implementação das ações do programa, visando garantir a continuidade dos estudos aos alfabetizandos. Podem aderir ao programa, por meio das resoluções específicas publicadas no Diário Oficial da União, estados, municípios e o Distrito Federal. (MEC, 2016, p.1).
As habilidades relacionadas ao letramento, concebido aqui como a
capacidade de aplicações sociais da leitura e da escrita, devem ser desenvolvidas
tanto nas bases da alfabetização quanto para aqueles já alfabetizados, mas que são
considerados analfabetos funcionais. Essa postura de “letramento permanente” é
defendida por Costa (2004), a partir de um posicionamento crítico, em relação a
outra ação governamental brasileira neste sentido:
12 Termo que se refere ao tipo de instrução em que a pessoa sabe ler e escrever, mas é incapaz de
interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair sentido das palavras nem colocar ideias no papel por meio do sistema de escrita. No Brasil, o analfabetismo funcional é atribuído às pessoas com mais de 20 anos de idade, que não completaram quatro anos no sistema de educação formal.
52
[...] Deve-se garantir uma política de letramento permanente para não se repetir o MOBRAL, pois a interação com portadores de gêneros textuais diversos, em práticas discursivas, individuais ou sociais e eventos de leitura e escrita, é essencial para garantir a melhoria no grau de letramento, ou seja, os efeitos diferenciados dessas práticas e eventos e a consequente inserção do cidadão no mundo letrado. (COSTA, 2004, p. 14).
O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)13, questionado pelo
autor, não contemplava a capacidade de posicionamento crítico diante da linguagem
escrita. De acordo com Costa (2004, p. 14) essa proposta representou um processo
estritamente “no sentido de ensinar o código [...]. Pesquisas mostraram que, um ano
depois, alfabetizados por esse programa educacional, estavam ‘desalfabetizados’.”
Diante do posicionamento crítico de Costa (2004), referindo-se à importância
de congregação entre alfabetização e letramento, em termos de interações
pedagógicas, compreendo as duas categorias no sentido em que o letramento passa
a ser uma qualidade da alfabetização: alfabetizar, letrando.
Esta condição de interação pedagógica entre as terminologias é descrita por
Costa (2004) da seguinte maneira:
ALFABETIZAR, LETRANDO, portanto, não é seguir uma perspectiva cognitivista descritivista que centraliza a aprendizagem no individual, nem voltar ao ensino cartilhesco ou ao uso de métodos tradicionais (fônico, silábico ou global), o que não seria um avanço, mas um retrocesso [...] Não retroceder significa, para nós, entre outras posições teóricas: I- repensar que ensinar o sistema alfabético de escrita (a correspondência letra/som) e algumas convenções ortográficas não garantem a aprendizagem da leitura e escrita. II- [...] repensar que dar exercícios de redação e exercícios gramaticais com objetivos, respectivamente, de aprimorar a capacidade de redigir textos e garantir o uso da língua padrão escolar na escrita e na fala, mediante a memorização e aplicação de regras, demonstra a concepção falsa de que a capacidade de fazer redação ou produzir textos depende da capacidade de grafá-los por si só. (COSTA, 2004, p. 36-39).
Os “retrocessos” educacionais, mencionados por Costa (2004), indicariam a
dissociação do letramento em relação a alfabetização. Portanto, as atividades ou
exercícios relacionados à alfabetização não podem representar apenas treinos
tecnicistas de uma habilidade, com uma visão reducionista/mecanicista do ato de
alfabetizar. Essas ações, ainda de acordo com Costa (2004, p. 45):
13 Uma proposta da educação brasileira implementada a partir de meados da década de 1970,
período enquadrado na ditadura militar. O principal intuito era a alfabetização técnica, no sentido de ensinar o código, ou seja, a tecnologia da escrita.
53
Não devem ser simples exercícios de codificação/decodificação de um sistema de escrita, mas práticas individuais ou sociais de leitura e escrita, que são eventos de letramento de que o/a participa, em que o letramento, como objetivo e processo, se constrói em práticas enunciativo-discursivas de fala, leitura ou escrita. (COSTA, 2004, p. 45).
Entendo, portanto, que a concepção do letramento e a alfabetização, em uma
integração pedagógica, promove a compreensão ativa da linguagem e contesta a
compreensão passiva, onde o reconhecimento das formas de leitura/escrita
predomina sobre o símbolo enunciado.
Os critérios ideológicos, valorizando mais o sentido da produção textual do
que sua estrutura gramatical, podem ser inseridos mesmo nos momentos iniciais da
apropriação do código escrito. Tal concepção seria, de acordo com as abordagens
de Costa (2004), a representação do ato de alfabetizar, letrando.
As etapas subsequentes são dedicadas à música e seu ensino. Serão
abordados, desde aspectos históricos, até suas relações diretas com a
aprendizagem, congregando a alfabetização à arte dos sons.
3.2 A música e a aprendizagem
A educação por intermédio das artes era defendida por Platão (428 – 347
a.C.), como uma das bases de formação do homem. O indivíduo possui,
naturalmente, uma necessidade artística dentro de si e, também por meio dela,
expressa suas emoções, interage com a sociedade na qual está inserido e deixa,
para as futuras gerações, um registro dos ideais e das realidades de seu tempo.
Portanto, considero difícil imaginarmos um processo formativo/educacional
totalmente desprovido de preceitos artísticos.
A música é a vertente artística abordada na presente pesquisa. As dimensões
relacionadas ao ensino e aprendizagem desse tipo de linguagem, ou seja, a
Educação Musical, congregam o desenvolvimento de habilidades técnicas, motoras,
sensoriais e intelectuais, visando aplicações em contextos sociais. Neste sentido,
optei por sintetizar essa estruturação pedagógica com o descritor Letramento
Musical.
Os aspectos históricos e evolutivos do ensino da música serão abordados a
seguir, desde algumas representações musicais entre o homem primitivo até as
54
principais nuances de inserção da música no currículo educacional brasileiro. Para
efeitos de compreensão, acerca dos métodos utilizados nesta área, demonstrarei,
também, alguns autores que desenvolveram metodologias específicas para a
Educação Musical.
3.2.1 O legado das antigas culturas para a educação musical
O homem primitivo já fazia música e, portanto, de alguma maneira, tinha a
necessidade de descobrir subterfúgios para repassar tal conhecimento. Esse
processo era feito de maneira totalmente empírica, basicamente, na tentativa de
imitar os sons da natureza. A esse respeito, Candé (2001, p.44) explica que “são
nossos hábitos de antropomorfismo que nos fazem qualificar de canto o grito dos
pássaros, de música o ruído da fonte ou do vento [...]”. Os sons da natureza foram
reproduzidos, organizados e encarados como música pelo homem moderno.
Em 2009, escavações feitas em uma caverna de Hohle Fels (Alemanha),
desvendaram algo surpreendente: a localização de um instrumento musical que,
acredita-se, ser o mais antigo encontrado até hoje.
O artefato é semelhante a uma flauta. Feito com um osso de pássaro, possui
cerca de 22 centímetros de comprimento, cinco furos e uma idade aproximada de 35
mil anos, além disso, estava em excelente estado de conservação quando
encontrado. Tal descoberta ilustra uma prática musical muito antiga entre nossos
antepassados e está representada pela figura 6:
Figura 6 - Flauta pré-histórica com cerca de 35 mil anos
Fonte: http://Flauta+prehistorica+e+mais+antigo+instrumento+musical.html
55
Considero importante ressaltar, porém, que as atividades musicais do homem
antecedem a descoberta acima citada. Muito antes de começar a produzir qualquer
tipo de instrumento emissor de som, o homem primitivo já explorava suas
capacidades vocais, como indica Candé (2001):
A emoção ou a intenção expressiva provoca variações na altura e no timbre da voz; o homem procura cultivá-las, e a voz se adapta progressivamente às variações voluntárias. Um Homo musicus emerge lentamente entre os ancestrais do Homo sapiens, à medida que aparece a experiência individual e, por conseguinte, a consciência (70.000 a 50.000 anos atrás). (CANDÉ, 2001, p. 46).
Os sumérios (8000 a.C.) constituíam um povo que habitava uma parte da
Mesopotâmia14. Representavam a cultura mais desenvolvida desse período e
influenciaram todos os povos da Ásia central (assírios, cananeus, egípcios,
babilônios e hebreus). Não há registros materiais do desenvolvimento musical desse
povo, porém, sabe-se que já era sistematizado, em termos de estruturação rítmica e
melódica15.
Entre os egípcios (4000 a.C.), há comprovações da transmissão de
conhecimentos musicais, graças às suas representações em templos, túmulos e
pirâmides. Uma pintura de cerca de 3800 anos a.C (figura 7), retrata Shubab, rainha
da Mesopotâmia, liderando um grupo de mulheres instrumentistas, aparentemente
lhes “mostrando” como tocar.
14 A Mesopotâmia é a denominação de um planalto de origem vulcânica, localizado no Oriente Médio, delimitado entre os vales dos rios Tigre e Eufrates, ocupado pelo atual território do Iraque e terras próximas. Os rios desembocam no Golfo Pérsico e a região toda é rodeada por desertos. 15 Ritmo: substantivo masculino com origem no grego rhythmos e que designa a sucessão regular
dos tempos, fortes e fracos, em uma frase musical. Indica a duração das notas e silêncios, de acordo com a intensidade e o tempo. Melodia: é uma sucessão coerente de sons e silêncios, que se desenvolvem em uma sequência linear com identidade própria. É a voz principal que dá sentido a uma composição e encontra apoio musical na harmonia e no ritmo. Na notação musical ocidental a melodia é representada no pentagrama de forma horizontal para a sucessão de notas musicais e de forma vertical para sons simultâneos.
56
Figura 7 - Rainha Shubab da Mesopotâmia
Fonte: http://f1colombohistoriando.blogspot.com.br/2012/04/musica-no-egito-antigo.html
Os hebreus deixaram a maior parte de seus registros musicais a partir do
reinado de Davi (1000 a 962 a.C.). As influências dos sumérios e dos egípcios
estavam presentes em sua cultura musical, como afirma Candé (2001):
De fato, as diferentes tribos nômades oriundas de Abraão, marcadas pela civilização sumeriana, devem ter herdado as ricas culturas musicais da Mesopotâmia. Foi certamente esse patrimônio, enriquecido pela influência egípcia, que o povo de Moisés introduziu em Canaã depois do Êxodo (1250 a.C.). A união das doze tribos, que se tornaram sedentárias, era então propícia a formação de uma tradição musical especificamente hebraica. (CANDÉ, 2001, p. 62).
Os assírios deixaram vasta documentação de suas atividades musicais na
forma de pinturas, esculturas e textos literários. Para eles, a transmissão dos
conhecimentos musicais era de suma importância, uma vez que esse é o primeiro
povo, do qual se tem notícias, a formar grandes grupos musicais, chegando a ter
cerca de 150 componentes, entre instrumentistas e cantores.
Na China, as primeiras sistematizações musicais, visando tanto a execução
como a transmissão mais precisa desse conhecimento, eram baseadas nos
fundamentos da escala pitagórica16, que os violinistas, por exemplo, empregam
instintivamente até hoje. O complexo sistema chinês envolve estruturas que vão
além da teoria musical pura e, na própria representação das notas musicais,
podemos perceber essa união de relações.
16 A escala pitagórica, devida ao grego Pitágoras (séc. V e VI a.C.), é a base da nossa escala
diatônica e esteve na origem da maioria dos sistemas de escalas que surgiram depois. Foi a escala mais usada na Europa nos séculos XIII e XIV e ainda estava em uso no século XVI. Era construída com base numa série de quintas perfeitas, que garantia também quartas perfeitas.
57
O sistema conta com cinco notas e cada uma carrega uma série de outras
representações simbólicas. Vejamos alguns desses significados (notas e
significados):
Kong (cor – amarelo, elemento – terra, número – cinco, representação política
– príncipe).
Chang (cor – branco, elemento – metal, número – nove, representação
política – ministro).
Kyo (cor – azul ou verde, elemento – madeira, número – oito, representação
política – povo).
Tchi (cor – vermelho, elemento – fogo, número – sete, representação política
– trabalhos e serviços).
Yu (cor – preto, elemento – água ou pedra, número – seis, representação
política – produtos e recursos).
Acerca da complexidade da sistematização musical chinesa, Candé (2001)
destaca que:
O coerentíssimo sistema musical dos chineses apresenta-se, em geral, sob uma forma bastante complicada, devido a numerosas relações com ideias morais ou cosmogônicas. Como na maior parte das tradições orientais, é dada grande importância a certas correspondências ou relações bem misteriosas para espíritos ocidentais. (CANDÉ, 2001, p. 110).
Na Grécia primitiva, a música atingiu um patamar além da eficácia religiosa,
mágica, terapêutica ou militar. Ela se tornou, também, arte, em outras palavras,
exprimindo uma maneira de ser e de pensar. Porém, é difícil estabelecer, com
precisão, a espécie de música que se praticava em 2000 a.C. na região de Creta. De
acordo com Candé (2001, p. 66), a “cultura musical da Grécia primitiva é-nos tão
pouco conhecida quanto a das outras civilizações pré-helênicas.”
Já na era clássica (séculos V e IV a.C.), a música grega estava bem
sistematizada e com suas funções definidas. Aristóteles (384 - 322 a.C.) e Platão
concordavam que a educação geral do indivíduo deveria estar baseada em dois
pilares: música e ginástica.
Determinadas estruturas rítmicas e melódicas deveriam ser adequadamente
utilizadas nesse processo educacional. Porém, na concepção de Aristóteles, a
determinação de ritmos e escalas específicas poderia ser menos restritiva e, ao
contrário de Platão, ele defendia a ideia de que a música também poderia ser
58
utilizada como fonte de prazer e divertimento particular, expandindo, assim, seu
caráter exclusivamente formador/educacional.
A seguir, apresento algumas nuances da Educação Musical ocidental, a partir
de uma síntese do período compreendido entre o início da era cristã e meados do
século XIX.
3.2.2 Educação musical: dos primórdios da era cristã até o século XIX
A música cristã primitiva estava baseada em três pilares:
1) Na civilização greco-romana, com uma música de teoria complexa e
distante da prática popular. Os patrícios romanos dedicavam-se a aprender música
para sentirem-se inseridos na cúpula do sistema imperial, durante o reinado de Nero
(37 – 68), que durou de 54 até sua morte.
2) Nas tradições célticas, com os cantos de longos poemas épicos
acompanhados por liras17.
3) Nas tradições orientais judaico-cristãs, com a cantilena (recitação
melódica), os salmos e os hinos.
Com relação aos instrumentos utilizados na prática musical desse período,
podemos citar flauta, saltério, lira, harpa entre outros. Mas o tempo levou quase
todos os registros relacionados a eles. Candé (2001, p. 223) ressalta o fato de que
“a iconografia constitui a única fonte de informação séria acerca desses
instrumentos, de que só nos chegaram raríssimos espécimes; as fontes literárias
não são numerosas e, em geral são imprecisas.”
Em Roma, Santo Ambrósio (340 – 397), bispo de Milão de 374 a 397, foi o
primeiro a introduzir o canto em sua diocese. De acordo com Ellmerich (1977, p. 27),
ele introduziu também “o hino de ação de graças que, com o decorrer do tempo, irá
se transformar em uso generalizado, como o Te Deum.”
Santo Agostinho (354 – 430) propagou os ensinamentos de cantos litúrgicos
de Santo Ambrósio, os quais, posteriormente, se chamariam “Salmos Ambrosianos”.
17 A lira é um instrumento de cordas conhecido pela sua vasta utilização durante a antiguidade. A
estrutura de uma lira consiste num oco - caixa de ressonância - do qual partem, verticalmente, dois braços (montantes), que, por vezes, também são ocos. Junto ao topo, os braços ficam ligados a uma barra - o jugo - que liga as cordas até outra saliência de madeira transversal - o cavalete - disposta junto à caixa de ressonância e que lhe transmite as vibrações das cordas. As cordas são percutidas com a ajuda de um plectro. O número de cordas variava, geralmente entre seis e oito
59
Além disso, publicou um tratado intitulado “De Música”, em 389, o qual é composto
por seis livros e escrito na forma de diálogo entre um mestre e seu discípulo.
O Papa São Gregório I (540 – 604) promoveu a reforma litúrgica, no século
VI. A partir de então, a Educação Musical é mais sistematizada metodologicamente
e praticada nos mosteiros com os ensinamentos do cantochão (prática monofônica
de canto, utilizada nas liturgias cristãs e, originalmente, desacompanhada de
instrumentos). De acordo com Bennett (1986, p.13) o cantochão “consistia em
melodias que fluíam livremente, quase sempre se mantendo dentro de uma oitava e
se desenvolvendo, de preferência com suavidade, através de intervalos de um tom.”
A Escolástica ou Escolasticismo foi a base do sistema de educação geral
europeu, instituída na idade média entre os séculos IX e XVI. Era baseada nos
valores cristãos e eclesiásticos, contando com uma estrutura, basicamente, dividida
em dois níveis de ensino: Trivium (gramática, retórica e dialética) e Quadrivium
(aritmética, geometria, astronomia e música). Um de seus maiores expoentes foi São
Tomás de Aquino (1225 – 1274), com sua filosofia baseada no equilíbrio entre a fé e
a razão.
No século XII, a Escola de Notre-Dame passa a ser conhecida graças ao
trabalho de Leonin ou Leoninus (1135 – 1201), compositor francês que escreveu o
“Magnus Liber Organi”, o qual se tratava de um conjunto de organa (plural de
organum). Organum é um tipo de composição vocal onde uma ou mais vozes se
sobrepõem a um cantochão alargado (cantado demoradamente).
Outra referência da Escola de Notre-Dame é Perrotin ou Perotinus (1160 –
1236). Também francês, tinha sua música executada na Catedral de Notre-Dame e
deixou vários registros de organa. Aleluia Nativitas é uma das mais famosas dessas
composições.
Guillaume de Machaut (1300 – 1377) revolucionou a Educação Musical da
idade média, ao estruturar um arranjo polifônico para uma Missa (forma de
composição musical para ornamentar cerimônias da igreja católica). Os cantores
precisariam “estudá-la”, com a consciência de que as vozes eram totalmente
independentes umas das outras. Segundo Bennett (1986):
Machaut foi o primeiro compositor de que se tem notícia a fazer um arranjo
polifônico completo da missa, forma composicional que logo se tornaria da
maior importância e continuaria a sê-lo nos séculos seguintes. Uma missa é
60
composta de cinco grandes partes: Kyrie, Glória, Credo Sanctus e Agnus
Dei. (BENNETT,1986, p. 20).
Nos séculos XV e XVI, com o advento da renascença, o homem passou por
várias transformações com relação à sua maneira de encarar o mundo. As
explorações marítimas de Cristóvão Colombo (1451 – 1506), Vasco da Gama (1460
– 1524) e Pedro Álvares Cabral (1468 – 1526), trouxeram mais do que uma nova
consciência geográfica, elas revolucionaram também as artes em geral. Com relação
a esses novos paradigmas, Bennett (1986) afirma que, nesse período:
O homem explorava igualmente os mistérios das suas emoções e do seu
espírito, desenvolvendo uma fina percepção de si próprio e do mundo ao
seu redor. Em vez de aceitar os fatos por sua aparência, passou a observar
e questionar e começou a deduzir coisas por conta própria. Todos esses
fatores tiveram forte impacto sobre pintores e arquitetos, escritores e
músicos; e, naturalmente, sobre aquilo que criavam. (BENNETT,1986, p.
23).
Na música, essa nova mentalidade veio traduzida com um maior interesse
pelas produções ditas “profanas” ou laicas (separadas de preceitos eclesiásticos).
As obras sacras continuaram sendo abundantemente produzidas, porém, com
algumas diferenças no que tange a técnicas composicionais e na transmissão
desses conhecimentos.
No ensino da música, os aprendizes de composição já eram instruídos a
escrever peças exclusivas para instrumentos, sem que esses estivessem,
necessariamente, atrelados ao papel de “acompanhantes” nas obras vocais, como
eram até então. Bennett (1986, p. 29) ressalta que “até o começo do século XVI, os
instrumentos eram considerados muito menos importantes do que as vozes”. Porém,
com a renascença, essa concepção começou a mudar.
A principal transformação nas peças vocais foi a adoção de canções
populares, exercendo a função de Cantus Firmus (do latim “canto fixo”, é a melodia
base para o arranjo), em substituição ao cantochão medieval.
Josquin des Prez (1450 – 1521) e Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525 –
1594) são dois expoentes da composição renascentista. Como eles, outros
compositores passaram a adotar novas técnicas, como explorar registros abaixo do
tenor, ou seja, eles criaram a linha melódica enquadrada na tessitura do “baixo”
(melodia grave).
61
Além disso, mesmo que a base das composições ainda fossem os modos18,
os alunos, orientados por seus mestres, passaram a ter mais liberdade na utilização
dos acidentes (símbolos grafados ao lado das notas com o intuito de alterar suas
alturas – sustenido e bemol). Sobre esse aspecto, Bennett (1986, p. 24) afirma que
“cada vez mais eram introduzidas notas ‘estranhas’ ou ‘acidentais’, ao que
chamavam ‘música ficta’.”
No século XVII, a igreja católica busca a reafirmação de suas doutrinas,
anteriormente abaladas com o pensamento renascentista. Nasce, então, o período
denominado barroco. Nas artes, essa concepção estética se reflete, basicamente,
em um grande apelo às ornamentações. A música barroca é o ponto de partida de
novas formas e gêneros, como a ópera (música e cênica), o oratório (cantos sacros),
a fuga (melodias imitativas), a suíte (musica baseada em danças), a sonata (música
exclusivamente instrumental) e o concerto (para instrumentos solistas).
Os estudantes dessa “nova música” passaram a ter uma visão diferenciada
acerca de composição, execução instrumental e vocal. O motivo para essa
transformação foi o gradativo abandono do sistema modal. Bennett (1986) afirma
que:
Foi durante o século XVII que o sistema de modos acabou por ruir de vez. Os compositores foram se acostumando a sustenizar e bemolizar as notas, daí resultando a perda de identidade dos modos, que, por fim, ficaram reduzidos a apenas dois: o jônio e o eólio. Daí se desenvolveu o sistema tonal maior-menor sobre o qual a harmonia iria basear-se nos dois séculos seguintes. (BENNETT, 1986, p. 35).
Dentre os ícones da música barroca, destacam-se os alemães Johann
Sebastian Bach (1685 – 1750) e Georg Friedrich Händel (1685 – 1759). Ambos
trouxeram grandes contribuições para a Educação Musical: Bach, com o grande
domínio técnico exigido para a execução da maioria de suas obras; e Händel, com o
equilíbrio presente em suas estruturas composicionais.
18 Na Grécia antiga, as diversas organizações sonoras (ou formas de organizar os sons) diferiam de
região para região, consoante as tradições culturais e estéticas de cada uma delas. Assim, cada uma das regiões da antiga Grécia deu origem a um modo (organização dos sons naturais) muito próprio, e que adaptou a denominação de cada região respectiva. Desta forma, aparece-nos o modo dórico (da região Dória), o modo frígio (da região da Frígia), o modo lídio (da região Lídia), o modo jónio (da região da Jónia) e o modo eólio (da Eólia). Também aparece um outro — que é uma mistura dos modos lídio e dórico — denominado modo mixolídio.
62
O chamado “classicismo musical” nasce na segunda metade do século XVIII.
A busca dos ideais estéticos da Grécia clássica trouxe, para a música desse
período, um caráter formal de equilíbrio, clareza e simplicidade. Além disso, opunha-
se, diretamente, ao excesso de ornamentos do período anterior (barroco).
O ensino da música, no classicismo, já contava com uma estrutura
relativamente evoluída. Porém, o acesso ainda estava restrito às altas classes
sociais. Um exemplo disso pode ser verificado com os filhos de J. S. Bach: Carl
Philip Emanuel Bach (1714 – 1788) e Johann Christian Bach (1735 – 1782) que,
além de compositores, atuaram, também, como professores de música exclusivos da
nobreza.
Johann Chrysostom Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791) foi um dos
maiores expoentes da música clássica. Sua vasta obra não trouxe,
necessariamente, grandes reformas para a música, porém, ele usou sua genialidade
para explorar ao máximo as estruturas vigentes. Três de suas grandes óperas, como
As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e A Flauta Mágica são exemplos disso. Bennett
(1986, p. 53) ressalta que “enquanto Gluck reformou a ópera, Mozart, com seu gênio
musical e seu instinto dramático, a transformou.”
Assim como Mozart, os estudantes de música do século XVIII eram
orientados e educados, de acordo com estruturas e formas composicionais rígidas.
Portanto, a Educação Musical desse período visava a reprodução de um modelo
estritamente estabelecido, sem grandes aberturas a novas ideias.
Essa obrigatoriedade de enquadramentos, em formas e regras, foi uma das
motivações para a revolução musical promovida por Ludwig van Beethoven (1770 –
1827). As características estéticas de sua obra são consideradas de transição, do
formalismo característico do período clássico para uma concepção diferente, iniciada
nos primeiros anos do século XIX, conhecido como romantismo musical (o qual
durou até o início do século XX).
Dentre várias inovações promovidas por Beethoven, podemos destacar a
grande utilização de acordes com tensões acrescentadas, raros até então. Além
disso, em sua “Nona Sinfonia”19, os críticos da época espantaram-se ao verem, pela
primeira vez, um coral inserido em uma obra desse gênero.
19 Sinfonia é um termo de origem italiana, com conotações que vão além do seu significado mais
divulgado e conhecido. Consolidado a partir do classicismo, se refere a uma peça originalmente instrumental, concebida para orquestras.
63
A música romântica é caracterizada por fortes apelos emocionais e
expressivos. Bennett (1986) afirma que:
Os compositores clássicos haviam objetivado atingir o equilíbrio entre a estrutura formal e a expressividade. Os românticos vieram desequilibrar a balança. Eles buscaram maior liberdade de forma e de concepção em sua música, e a expressão mais intensa e vigorosa de sua emoção, frequentemente revelando seus pensamentos e sentimentos mais profundos, inclusive suas dores. (BENNETT, 1986, p. 57).
Outros pontos importantes a serem frisados na música do século XIX são: a
união entre música e outras artes, como a literatura; nesse período nasce a
concepção de valorização ao instrumentista virtuose (dotado de grande domínio
técnico). Na Educação Musical, isso será observado com o aumento da demanda de
alunos interessados em instrumentos, especialmente o piano.
O polonês Frédéric Chopin (1810 – 1849) é, até hoje, uma das maiores
referências do piano. Os estudantes desse instrumento podem observar, em sua
vasta obra, inúmeros “Estudos”, que muito contribuíram para a Educação Musical,
como o Etude Nº 12, Op. 10 (Revolutionary).
Um dos exemplos da união entre música e outras artes pode ser observado
na Música Programática, ou seja, uma música baseada em uma história, ou
descrevendo imagens. De acordo com Bennett (1986, p. 60), ela é a “música que
‘conta uma história’ ou, de certo modo, é descritiva, evocando imagens na mente do
ouvinte.” Essa e outras representações dessa fusão artística, característica da
música romântica, incentivaram os estudantes a buscarem embasamentos em
âmbitos além das fronteiras da arte dos sons.
O nacionalismo foi outra vertente, muito presente, na arte em geral do século
XIX. Basicamente, trata-se da valorização e representação do patriotismo nas obras
produzidas. Com relação ao nacionalismo musical, Bennet (1986) esclarece que:
Um compositor é considerado “nacionalista” quando visa deliberadamente expressar, em sua música, fortes sentimentos por seu país, ou quando, de certo modo, nela imprime um caráter distintivo através do qual sua nacionalidade se torna facilmente identificável. (BENNETT, 1986, p. 64).
64
No Brasil, o século XIX foi um marco para a Educação Musical. Neste
período, surgiram os primeiros conservatórios de música por aqui e, a partir de
então, esse tipo de ensino passa a ser mais sistematizado.
As concepções educacionais e artísticas, estabelecidas no final do século
XIX, além de transformarem as produções daquele período, trouxeram
embasamentos para o surgimento de novas vertentes para o ensino da música. O
austríaco Émilie Jaques-Dalcroze (1869 – 1950), o húngaro Zoltán Kodály (1882 –
1967), o alemão Carl Orff (1895 – 1982) e o japonês Shin’ichi Suzuki (1898 – 1998)
desenvolveram importantes metodologias para o ensino da música, as quais serão
demonstradas, ainda que de maneira sintetizada, nas etapas subsequentes do
presente trabalho.
3.2.3 Contextualização histórica do ensino da música no Brasil
Em abril de 1500, após meses de navegação, embalado pelos ideais
renascentistas e em busca de uma nova rota em direção às índias, o português
Pedro Álvares Cabral (1468 – 1526), acidentalmente, encontra um enorme território,
o qual, anos mais tarde, chamaríamos de Brasil.
Ao desembarcarem por aqui, os portugueses depararam-se com povos
nativos, os quais denominaram índios. Esses povos, provavelmente, já tinham a
música entre suas atividades culturais, porém, é difícil descrever com precisão essa
música. Segundo Mariz (1994, p. 37), “os conhecimentos de que dispomos ainda
hoje sobre as atividades musicais no Brasil colonial são muito incompletos.”
Entretanto, os registros da época indicam que as primeiras atividades de
Educação Musical, depois da chegada de Cabral, foram desenvolvidas por religiosos
católicos, com a finalidade de catequizar os povos nativos, como ressalta Mariz
(1994):
Nos dois primeiros séculos de colonização portuguesa, a música que se fez no Brasil estava diretamente vinculada à Igreja e à catequese. Os franciscanos e sobretudo os jesuítas desempenharam papel importante, a partir de meados do século XVI. Em 1559, Francisco de Vaccas era o responsável pela música na catedral da Bahia e o cargo de mestre-de-capela no Brasil se estendia também às matrizes vizinhas. Esses músicos eram professores, dirigiam o coro, escreviam música e cantavam-na, além de tocarem vários instrumentos. (MARIZ, 1994, p. 37).
65
Os jesuítas utilizavam-se da Educação Musical como um instrumento de
conversão às doutrinas cristãs. Com o passar dos anos, vários elementos eram
agregados a esse processo. Mariz (1994, p. 38) afirma que eles “ensinavam as
crianças indígenas a cantar, a dançar, a tocar flautas, gaitas, tambores, viola e até
cravo”. Tal observação demonstra que, independente do objetivo almejado, quanto
mais variado o processo de musicalização, mais eficiente ele é. Os jesuítas
deduziram que conseguiriam melhores resultados de catequização por meio do
ensino da música.
Com a chegada dos escravos africanos por aqui (na primeira metade do
século XVI), houve a mistura de etnias e, consequentemente, a miscigenação
cultural. Na virada do século XVII para o XVIII, a musicalidade africana já havia sido,
inevitavelmente, integrada às práticas musicais brasileiras. Mariz (1994) segue
apontando que:
Os conjuntos de “charameleiros” de Pernambuco estão registrados em nossas crônicas do século XVIII, com muitos louvores à habilidade interpretativa dos negros músicos que aliás, eram, por vezes, luxuosamente vestidos por seus amos como prova de sua abastança. Até no Pará havia orquestra de doze músicos. (MARIZ, 1994, p.39).
No início do século XIX, mais especificamente em janeiro de 1808, sob
pressão das tropas de Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), a corte portuguesa,
representada pela figura do então príncipe regente Dom João VI (1767 – 1826),
desembarca em terras brasileiras. Neste período, o ensino da música no Brasil
passou a tomar novos rumos.
O padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), além de brasileiro nato,
era mulato. Filho de um alfaiate e uma descendente de escravos, desde cedo
demonstrou grande talento para a música e, aos 16 anos de idade, compôs sua
primeira obra, denominada Tota pulchra es Maria.
Impressionado por sua música, Dom João VI o nomeia Mestre da Capela
Real do Rio de Janeiro. Recém criada nos moldes da que existia na corte lisboeta e,
formada por músicos locais e europeus, essa instituição funcionava na “Igreja do
Carmo” da cidade, que passou a ser também a catedral local. Abaixo, a figura 8
ilustra um dos primeiros educadores musicais brasileiros deste período.
66
Figura 8 - Padre José Maurício Nunes Garcia
Fonte: http://laeti.photoshelter.com/image/I0000GeNJJf8GFWw
José Maurício Nunes Garcia dirigiu, durante três anos (de 1808 até 1811),
todas as atividades musicais da corte portuguesa no Rio de Janeiro. De acordo com
Mariz (1994, p. 55), é possível “afirmar sem hesitação que o Padre-Mestre foi
mesmo um homem culto, com educação humanista desusada para pessoas de sua
modesta origem, [...] além de grande compositor e notável intérprete também.”
Em 1811, o padre José Maurício foi substituído pelo compositor português
Marcos Portugal (1762 - 1830), em seu cargo de Mestre da Capela Real. Porém,
suas contribuições para a Educação Musical brasileira continuaram até o início da
regência do sucessor de Dom João VI, seu filho Dom Pedro I (1798 – 1834).
O nacionalismo (como citado anteriormente), também teve forte presença no
Brasil e, portanto, influenciou nossa Educação Musical. Mas essa nova consciência
encontrou algumas barreiras até se fundamentar por aqui, de acordo com Mariz
(1994):
No Brasil essa valorização das riquezas folclóricas nacionais encontrou resistência da parte de uma sociedade ainda demasiado dependente dos gostos tradicionais europeus. Como a parte mais rica e pitoresca de nosso populário musical vinha dos negros, que só obtiveram a abolição da escravatura em 1888, o público musical das sociedades de concertos olhava com certo desprezo tudo o que pudesse proceder do povo. (MARIZ, 1994, p. 115).
Em 1857, o maestro campineiro Antônio Carlos Gomes (1836 – 1896) compôs
uma peça para piano solo chamada A Cayumba. Considerada como a primeira obra
67
brasileira com inclinações nacionalistas, valoriza o folclore nacional e trata-se de
“uma dança de negros”, como afirma Mariz (1994, p. 116).
Outra forte referência ao nacionalismo brasileiro pode ser observada na ópera
“O Guarani” (1870) que, mesmo sendo composta na Itália por Carlos Gomes e, na
língua local, retrata o índio brasileiro no período colonial, com representações das
tribos dos Guaranis e Aimorés.
Nos primeiros anos do século XX, Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) destaca-
se por ter sido um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de uma
linguagem musical peculiarmente brasileira, sendo considerado o maior expoente da
música no modernismo brasileiro, compondo obras que enalteciam o espírito
nacionalista, onde incorporou elementos das canções folclóricas, populares e
indígenas.
Suas contribuiçãoes para o ensino da música podem ser observadas, por
exemplo, com a instauração, em âmbito nacional, do Canto Orfeônico (canto
executado por um grande efetivo). Amato (2007, p. 215) afirma que o método de
Educação Musical concebido por Villa-Lobos “foi o canto orfeônico, movimento
dentro do qual atuou como regente e organizador de grandes massas corais e como
compositor.”
As propostas educacionais de Villa-Lobos sofreram críticas por parte dos
opositores ao presidente em questão, Getúlio Dorneles Vargas (1882 – 1954). É
possível observar tal associação (música e política) na afirmação de Amato (2007):
Ademais, a concepção de educação musical em Villa-Lobos , baseando-se na incorporação de elementos muito fortes na cultura brasileira de sua época e concebendo a música como meio de renovação e formação moral, cívica e intelectual, tinha também o papel de legitimação e difusão da ideologia de quem a patrocinava, o governo de Getúlio Vargas. (AMATO, 2007, p. 219).
No âmbito das teorias filosóficas para a educação geral brasileira, as
concepções do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859 – 1952),
deu-se no movimento denominado Escola Nova, o qual teve, como um de seus
principais nomes, o educador Anísio Teixeira (1900 – 1971).
A Escola Nova enfatizava o processo de ensino voltado para o interesse do
educando, retirando do centro do processo o professor, como detentor e transmissor
de conhecimentos. Considerações relativas à motivação, incentivo e outros
68
recursos, passaram a fazer parte do universo dos educadores, refletindo, de certa
forma, nos avanços das concepções para o ensino da música.
Os paradigmas da educação no início do século XX tomaram outros rumos,
que iam de encontro aos tradicionalismos vigentes até então. De acordo com Freire
(1997):
No âmbito da educação geral, as teorias de Dewey, do pragmatismo aplicado à educação, são, provavelmente, o ponto de destaque das primeiras décadas do nosso século. O pragmatismo visa à eficiência, na educação, como uma necessidade do capitalismo moderno e, para isso, enfatiza a necessidade de se desenvolver um processo educativo que efetivamente contribua para a participação produtiva na sociedade. (FREIRE, 1997, p. 39).
Incentivados pelas doutrinas “escolanovistas”, outros nomes de suma
importância para a Educação Musical brasileira, no início do século XX, foram Liddy
Chiaffarelli Mignone (1891 – 1962), Gazzi de Sá (1901 – 1981) e Antônio Leal de Sá
Pereira (1888 – 1966).
Na década de 1930, a principal contribuição de Sá Pereira e Liddy Mignone,
para o ensino da música, foi a criação de cursos de iniciação musical, na Escola
Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje, Escola de Música da UFRJ) e
no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro. Nesses cursos, buscava-
se musicalizar a criança, introduzindo-a à percepção de alturas e ritmos de maneira
empírica, abandonando-se o enfoque de introduzi-la à música por intermédio de
conceitos demasiadamente teóricos.
Sobre o papel dessas novas diretrizes educacionais, o próprio Sá Pereira
(1937) ressalta que:
Já pois que a natureza da criança não lhe permite interessar-se senão por atividades com fim próximo, e que estas quando não são impostas (disciplina, estudo forçado) se manifestam espontaneamente sob forma de jogo, de brinquedo, nada mais racional do que tentar-se aproveitar essa tendência para brincar como iniciação ao trabalho sério, substituindo-se a “disciplina” da escola antiga pela espontaneidade da atividade lúdica. (PEREIRA, 1937, p. 70).
Sá Pereira rejeitou o tradicionalismo na educação musical e sugeriu um
encaminhamento para as aulas de música, onde a criança tivesse prazer em
69
aprender, desenvolvendo suas habilidades movida, sobretudo, pelo próprio
interesse.
O paraibano Gazzi de Sá criou uma proposta metodológica baseada no
solfejo relativo, ou seja, entoar qualquer escala a partir das estruturas de DÓ maior e
LA menor, utilizando números. Além disso, há a utilização da escala pentatônica20 e
a iniciação da escrita começa sobre um bigrama (duas linhas horizontais).
Em 1937, o alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915 – 2005) chegou ao Rio
de Janeiro e trouxe novas ideias para o cenário musical brasileiro. Além de professor
de música no Conservatório do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Orquestra
Sinfônica Brasileira, iniciou, em 1939, um movimento artístico denominado Música
Viva.
Com relação ao Música Viva, Porto (2001) relata que:
A história do Música Viva se confunde com a própria história de Koellreutter. Criado por ele juntamente com outros musicistas da época, expandiu novos horizontes, quebrou barreiras e deu a oportunidade de conhecermos obras modernas nunca antes tocadas em nosso país. A partir de encontros com músicos e intelectuais da loja de música Pinguim, na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, nasce o Música Viva brasileiro (a expressão é de Hermann Scherchen, movimento musical criado por ele em 1933). Suas atividades iniciaram-se em 1939 e prolongaram-se até 1952. (PORTO, 2001, p. 255).
Além de influenciar, direta ou indiretamente, uma grande massa de músicos
brasileiros, Koellreutter também foi um dos idealizadores do movimento Oficinas de
Música. Iniciado no Departamento de Música da Universidade de Brasília em 1968,
tratava-se de uma série de atividades educacionais desenvolvidas em curtos
períodos de duração. O termo “oficina” possui duas vertentes, como afirma Paz
(2000):
A primeira, enquanto metodologia de ensino, ou seja, uma proposta pedagógica, fortemente vinculada às correntes da música contemporânea; e ,a segunda, como um procedimento pedagógico, envolvendo uma atividade eminentemente prática, ligada a qualquer atividade docente e, não necessariamente, ao trabalho específico de música, ainda que, neste caso, tal prática encontrasse grande ressonância. (PAZ, 2000, p. 234).
20 Organização sonora a partir de cinco notas. Sua principal característica é a eliminação de
dissonâncias (frequências em desequilíbrio), produzindo estabilidade entre qualquer combinação harmônica. É bastante frequente na música oriental e, por ser facilmente entoada, comumente utilizada em processos iniciais de ensino da música.
70
O carioca César Guerra-Peixe (1914 – 1993), além de aluno de Koellreutter
(com o qual manifestou várias discordâncias anos mais tarde), foi fortemente
influenciado pelo folclore brasileiro. Como educador musical, atuou como professor
de composição na Escola de Música Villa-Lobos e de orquestração e composição,
na Universidade Federal de Minas Gerais.
Segundo Mariz (1994, p. 303), Guerra-Peixe foi “o grande nome da geração
pós-nacionalista”. Formou um grupo de músicos que ficou conhecido como Escola
Mineira de Composição, dentre os quais destaca-se Nelson Salomé (1950).
O paulista Osvaldo Lacerda (1927), além de respeitado compositor de
canções e peças orquestrais, atuou fortemente na Educação Musical a partir da
segunda metade do século XX: no Curso de Formação de Professores da Comissão
Estadual de Música (1961 – 1962); no Curso Internacional de Música do Paraná
(1966 – 1977); no I Seminário de Música de Sergipe (1967); no Curso de
Aperfeiçoamento de Professores de Música (1969 – 1970), entre outros. É autor do
método “Solfejo e Ditado Musical”, o qual, atualmente, encontra-se na 12ª edição.
A partir da década de 1960, o regime militar, instaurado no Brasil de 1964 até
1985, influenciou todo o sistema educacional vigente. A educação tecnicista e a
polivalência no ensino das artes determinavam que o mesmo profissional fosse
responsável por ensinar artes visuais, teatro, dança e música. Nesse período, o
ensino de música na rede pública educacional sofreu prejuízos, uma vez que os
conteúdos musicais não seguiam um esquema estruturado e/ou sistematizado.
O ensino da música, inserido na educação geral brasileira, não é algo
recente. Ele passou a vigorar desde o século XIX, como afirmam Marinho e Queiroz
(2009).
Entre as mais marcantes ações políticas relacionadas a propostas de implementação do ensino da música nas escolas podemos destacar: 1) a aprovação do Decreto n. 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854, primeiro documento que faz menção ao ensino de música na “instrucção pública secundária” do “Município da Corte” – cidade do Rio de Janeiro. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 61).
Ainda que a inserção da Educação Musical no ensino regular brasileiro seja
uma determinação com mais de um século, há algumas lacunas em sua
estruturação, verificadas, por exemplo, durante o período da ditadura militar, quando
71
o ensino da música estava, basicamente, direcionado à transmissão de hinos cíveis
ou ensaios de fanfarras para apresentações em datas comemorativas.
Essa realidade permaneceu, praticamente, inalterada até 2008 quando, em
18 de agosto, foi aprovada a lei 11.769 (detalhada posteriormente). Trata-se de uma
alteração da LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e determina que a música seja
um componente curricular obrigatório, na disciplina artes. Segundo Marinho e
Queiroz (2009):
Dessa maneira, é possível afirmar que no Brasil já temos uma trajetória histórica, educativa e cultural que nos permite uma reflexão crítica acerca de perspectivas e caminhos concretos que possam subsidiar a inserção da educação musical nas escolas. Mas, mesmo considerando a trajetória de mais de um século, é evidente que as questões relacionadas à presença da música na escola e o debate em torno da sua inserção real na estrutura curricular da educação básica ganharam maior visibilidade a partir da lei 11.769. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 62).
Entendo que ainda há um longo caminho a ser percorrido, rumo ao
aperfeiçoamento das estruturas para a Educação Musical brasileira. Entretanto,
creio que as experiências do passado, aliadas às conquistas atuais, podem servir
como subsídios para grandes avanços na área.
A constante atualização dos educadores musicais e a aplicação de
sistematizações metodológicas adequadas, constituem importantes ações rumo a
tais melhorias. A seguir, apresentarei uma explanação sintetizada sobre algumas
dessas metodologias e seus autores.
3.2.4 Métodos ativos em Educação Musical: Dolcroze, Orff, Suzuki e Kodály
A transição entre os séculos XIX e XX foi marcada por fortes transformações em
vários setores (artísticos, educacionais, filosóficos etc.). Goulart (2016, p.1) afirma
que “o homem, que acreditava em verdades absolutas, em códigos morais fixos e
inquestionáveis, começa a olhar tudo isso sob o prisma da dúvida.” Neste cenário de
intensas mudanças, surgem autores de novas correntes filosóficas e pedagógicas,
como John Dewey (1859 – 1952) e Jean Piaget (1896 – 1980).
No âmbito da Educação Musical, destaco quatro referências. Esses músicos e
educadores, utilizando-se de práticas pedagógicas inovadoras para a época,
72
lançaram metodologias e propostas de ensino que, de acordo com Goulart (2016, p.
1), são “as bases de toda a educação musical moderna.”
O suíço Émile Jaques-Dalcroze (1865 – 1950) realizou seus estudos musicais
em Paris e no conservatório de Genebra. Entre 1892 e 1910, período em que
lecionou harmonia no Conservatório de Genebra, desenvolveu uma metodologia que
ficou conhecida como Dalcroze Eurhythmics, tendo, como ideia básica, transformar o
ritmo em uma experiência física e/ou corporal.
A motivação para tal sistematização veio a partir de suas observações de que
os alunos não conseguiam “ouvir internamente” a música escrita na partitura21 e,
portanto, executavam-na de maneira mecânica, como afirma Goulart (2016):
Estas observações levaram Jaques-Dalcroze a compreender que faltava aos estudantes a coordenação entre olhos, ouvidos, mente e corpo necessária para aprender o repertório – e principalmente para tocar bem. Assim, percebeu que o primeiro instrumento musical que se deveria treinar era o corpo. Isto foi em 1887. (GOULART, 2016, p.2).
O termo Euritmia significa, literalmente, “bom ritmo”. A partir dele, Dalcroze
explorou os elementos da música partindo de três pressupostos: a) todos os
elementos da música podem ser experimentados ou vivenciados através do
movimento; b) todo som musical começa com um movimento, logo, o corpo produz
os sons; c) há um gesto para cada som e um som para cada gesto.
Os movimentos da Euritmia são improvisados pelos alunos e não constituem
uma coreografia ensaiada. Goulart (2016, p. 2) adverte que “muita gente pensa,
equivocadamente, que a Euritmia é uma espécie de dança, ou de ensino de
movimentos bonitos”.
Em suma, o professor que utiliza a metodologia de Dalcroze em suas aulas,
deve pedir a seus alunos: “mostrem-me o que vocês estão ouvindo” ao invés de:
“digam-me o que vocês estão ouvindo”. Transformando, assim, a experiência
musical em movimentos corporais concretos.
O húngaro Zoltán Kodály (1882 – 1967) realizou seus estudos em Budapest.
Em 1905, juntamente com o compositor Béla Bartók (1881 – 1945), iniciou um
21 Sistema utilizado para a grafia musical. A leitura e escrita dos elementos da música é realizada por
meio de um conjunto de símbolos, os quais são mundialmente padronizados e, apesar de não representar a única forma de registro da arte dos sons, é a mais difundida, principalmente na cultura ocidental.
73
trabalho de pesquisa que visava resgatar e popularizar a música folclórica húngara,
isso refletiu diretamente no estilo de suas composições.
A partir de 1945, Kodály desenvolveu um sistema de Educação Musical
direcionado às escolas públicas de seu país, baseado no folclore e na cultura local.
Para ele, a música ajudava a desenvolver o intelecto e deveria ser acessível a todos
e, para tanto, utilizou-se de elementos musicais simples, com harmonias
consonantes (sem tensões) e melodias de fácil assimilação.
O canto foi o principal foco de suas experiências. Goulart (2016) afirma que
Kodály:
Considerava o canto como fundamento da cultura musical: para ele, a voz é o modo mais imediato e pessoal de nos expressarmos em música. Mesmo o acompanhamento harmônico é feito por vozes, pois o método enfatiza o canto coral. O canto não é apenas um meio de expressão musical, mas ele ajuda no desenvolvimento emocional e intelectual também. Para ele, quem canta com freqüência obtém uma profunda experiência de felicidade na música. (GOULART, 2016, p. 2).
Kodály não escreveu uma teoria educacional sistematizada. O que é
apresentado hoje como “seu método” consiste, na verdade, em uma compilação de
suas concepções pedagógicas, organizada por seus seguidores. A base melódica
das propostas por ele elaboradas é a escala pentatônica, uma vez que, após
algumas pesquisas, constatou que as crianças têm dificuldades em reproduzir,
vocalmente, os semitons (que provocam tensões) e, só após o domínio dessa
estrutura, as outras notas poderiam ser acrescentadas.
Em suas concepções para o ensino da música, há a utilização do solfejo
relativo ou o chamado “DÓ móvel”. Em outras palavras, trata-se de qualquer escala
sendo cantada sobre a estrutura de DÓ maior. O comando da movimentação de
alturas, do grave para o agudo, é feito com o manosolfa (movimentos manuais que
determinam variações de altura, uma provável influência de Dalcroze).
Além disso, Kodály utilizava o sistema de leitura e escrita de John Curwen
(1816 – 1880), o qual dispensa o pentagrama tradicional22 e combina as letras
22 Também chamado de pauta musical, é um conjunto de cinco linhas paralelas e horizontais,
formando quatro espações entre si. Nessas linhas e espaços são grafadas as notas musicais.
74
iniciais das notas (DÓ = d; RÉ = r; MI = m; FA = f; SOL = s; LA = l; SI = s)) com os
valores rítmicos das figuras musicais23.
Carl Orff (1895 – 1982) nasceu e realizou seus estudos musicais em Munich.
Sempre esteve envolvido com outras expressões artísticas, como o teatro e a
literatura e, em 1924, juntamente com a dançarina Dorothea Günther (1896 - 1975),
fundou a Günther School, uma escola especializada em ensinar música, dança e
ginástica para crianças. Goulard (2016, p.2) esclarece que o método Orff “destina-se
a todas as crianças, não buscando os talentos privilegiados”. Ou seja, os alunos não
precisam ter qualquer conhecimento musical prévio para que o trabalho seja
iniciado.
A improvisação e as atividades lúdicas formam a base do trabalho de Orff.
Para ele o “fazer musical” deve preceder a leitura ou a escrita, exatamente como o
aprendizado da fala. A música folclórica faz parte desse processo educacional,
denominado Schulwerk (aprendizado através da criação). A proposta conta com
uma instrumentação específica. De acordo com Goulart (2016):
Existem também os instrumentos especiais para o método, que são xilofones de madeira e glockenspiels que oferecem como atrativo a facilidade de se controlar as notas disponíveis (é só remover uma ou mais placas) e também a produção imediata do som. (GOULART, 2016, p.2).
A figura 9 representa alguns instrumentos utilizados na metodologia de Orff:
Figura 9 - Exemplos do instrumental Orff
Fonte: http://aecmusica.blogspot.com.br/2010/03/o-instrumental-orff.html
23 Conjunto de símbolos que determinam as durações dos sons e silêncios. Para cada ícone que
representa um valor positivo (som), há um equivalente negativo (pausa), totalizando 14 símbolos.
75
O japonês Shin’ichi Suzuki (1898 – 1998) estudou violino no Japão e na
Alemanha. Por ser filho de um luthier (construtor de instrumentos musicais),
conhecia bem a estrutura física do instrumento. Em 1946, lançou o Movimento de
Educação para o Talento, no Japão, cuja ideologia principal estava baseada na
premissa de que todos os indivíduos possuem talentos que, podem ser
desenvolvidos através da orientação adequada.
O princípio do Método Suzuki está na observação da facilidade de
aprendizado da língua materna, por parte das crianças. Em outras palavras, a
aprendizagem musical deve ser tão natural quanto a aquisição de habilidades
básicas, relacionadas à capacidade de verbalização, desde as bases da infância. A
esse respeito, Goulart (2016) ressalta que:
“Toda criança japonesa fala japonês!”, constata Suzuki. Este é o exemplo mais bem sucedido de processos de aprendizagem, pois tem cem por cento de eficiência: não há quem não aprenda (exceto raros casos excepcionais patológicos). Referindo-se ao seu método, Suzuki afirma que não fez nada mais do que uma adaptação dos princípios de aprendizagem da língua materna à educação musical. (GOULART, 2016, p. 3).
Nas concepções pedagógicas de Suzuki, observações auditivas e visuais
devem prevalecer sobre explicações verbais e carregadas de conceitos teóricos. Só
depois de assimiladas as habilidades técnicas básicas, para a execução do
instrumento, é que as primeiras noções de teoria e leitura da música serão
introduzidas e, ainda assim, de acordo com a faixa etária e o nível do aluno em
questão.
Os pais exercem um papel fundamental nesse processo de aprendizagem
musical. Eles acompanham as aulas juntamente com seus filhos e recebem, por
meio de livros e apostilas, instruções para que possam auxiliar a continuidade dos
estudos em casa. Para Suzuki, o processo de musicalização deve ser intenso e
contínuo, o aluno deverá permanecer, constantemente, imerso no universo musical,
seja tocando ou ouvindo música.
Com relação ao repertório utilizado no “Método Suzuki”, Goulart (2016)
ressalta que:
A literatura é formada de peças ocidentais barrocas e clássicas (por oferecerem padrões claros), deixando de lado os autores contemporâneos. Pode-se também incluir o folclore nacional de cada país, ou até substituir por ele todo o repertório. (GOULART, 2016, p. 3).
76
O principal objetivo deste método é fazer com que o aluno execute, com
fluência e expressividade, cada nível alcançado, de modo que, pela própria
iniciativa, ele se interesse em evoluir para o próximo estágio e sinta prazer em tocar
para si ou para outras pessoas.
Em um quadro comparativo, constatei a existência de mais pontos em comum
do que divergências entre os quatro autores, aqui apresentados. Os métodos e
propostas foram desenvolvidos numa perspectiva de renovação, em relação aos
processos educacionais vigentes até então. Além disso, os alunos passaram a ser o
centro das atenções, tendo respeitadas suas necessidades e especificidades.
A seguir, o enfoque da pesquisa passará por algumas nuances do processo
de Educação Musical direcionado ao público infantil. A abordagem partirá das
particularidades de aquisição de conhecimento por parte das crianças, culminando
em estratégias de ensino da música, direcionadas e adequadas a este universo.
3.2.5 Educação Musical infantil: especificidades pedagógicas
O universo infantil pode ser, por vezes, algo particularmente complexo.
Considero que, para melhor compreendermos os processos de desenvolvimento da
aprendizagem entre crianças é preciso, em primeiro lugar, abandonarmos o mito de
que uma criança é um “adulto em miniatura”. De acordo com Goulart (2016, p. 5),
“um ponto fundamental é o reconhecimento da criança enquanto ‘ser visível’, dotado
de características próprias, e não um projeto de adulto, ou um adulto incompleto.”
As especificidades da educação infantil requer atenção, sensibilidade e
conhecimento didático/pedagógico por parte do educador. Cada fase do processo de
desenvolvimento intelectual possui suas próprias características, as quais devem ser
cuidadosamente observadas pelo professor.
O suíço Jean Piaget (1896 – 1980), além de zoologista, foi um psicólogo e
epistemologista de renome mundial. Ele dividiu o desenvolvimento cognitivo infantil
em quatro fases distintas:
Período sensório motor (0 a 2 anos) – aprendizagem da coordenação motora
elementar; aquisição da linguagem simples; preferências afetivas; noção de
permanência de objetos; início da compreensão de regras.
Período pré-operatório (2 a 7 anos) – domínio da linguagem; atuação dos
objetos sobre as pessoas; brincadeiras individuais; limitação em se colocar no lugar
77
do próximo; desenvolvimento da coordenação motora fina; início da consciência
moral.
Período das operações concretas (7 a 11 ou 12 anos) – início da consciência
lógica; operações matemáticas e compreensão de fatos históricos e geográficos;
compreensão dos próprios erros; compreensão das necessidades alheias;
coordenação de atividades como jogos em equipe; menor atenção à opinião dos
adultos.
Período das operações formais (11 ou 12 anos em diante) – abstração
matemática (álgebra); formação de conceitos abstratos (liberdade/justiça);
capacidade de trabalhar com hipóteses impossíveis ou irreais; reflexões quanto a
própria existência; capacidade crítica de valores morais e sociais; moral própria
baseada na moral de um grupo; busca por novas experiências; desenvolvimento da
sexualidade.
O processo educacional infantil pode ser iniciado desde o período sensório
motor, porém, é a partir da faixa etária de sete anos que a criança possui melhores
condições de receber uma aprendizagem mais sistematizada. De acordo com Piaget
(2001):
A idade média de sete anos, que coincide com o começo da escolaridade da criança, propriamente dita, marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental. Em cada um dos aspectos complexos da vida psíquica, quer se trate da inteligência ou da vida afetiva, das relações sociais ou da atividade propriamente individual, observa-se o aparecimento de formas de organizações novas, que completam as construções esboçadas no decorrer do período precedente, assegurando-lhes um equilíbrio mais estável e que também inauguram uma série ininterrupta de novas construções. (PIAGET, 2001, p. 40).
Outro avanço no desenvolvimento para a aprendizagem, o qual ocorre nesse
período (operações concretas), pode ser observado na capacidade da compreensão
verbal, sem a necessidade de outros recursos. Piaget (2001) ressalta que, nesta
fase:
As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito do ponto de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente na ação material. (PIAGET, 2001, p. 41).
78
A partir da afirmação do autor, entendo que o processo educacional, a partir
dos sete anos, pode ultrapassar o plano da materialidade concreta, uma vez que a
criança já compreende conceitos verbais abstratos.
No plano da Educação Musical, esses processos e fases de desenvolvimento
também podem ser observados, com o seguinte acréscimo: educar através de uma
expressão artística é mais que mera transmissão de conhecimentos teóricos,
podendo contribuir com a formação cultural do indivíduo. Com relação a essa
análise, Howard (1984) afirma que:
Um estudo especializado como o das relações entre a música e a criança deve necessariamente começar por uma análise geral da natureza da criança e suas reações, antes de se consagrar mais particularmente ao estudo das reações da criança diante da música. (HOWARD, 1984, p. 12).
Julgo pertinente, no processo de musicalização infantil, familiarizar a criança
com o ambiente musical, promovendo atividades prazerosas e associando cada
novo elemento introduzido a outro já conhecido. De acordo com Boscardin e Moura
(1989):
Os mais variados assuntos, ao serem trabalhados com crianças, devem partir de elementos ou situações já conhecidas e vivenciadas por elas. A música não é exceção. Quando o objetivo é sensibilizar ao fenômeno sonoro, todos os tipos de som, principalmente aqueles que fazem parte do dia-a-dia, devem ser explorados. (BOSCARDIN; MOURA, 1989, p. 12).
Acredito que o desenvolvimento da percepção rítmica deva fazer parte das
primeiras atividades em Educação Musical infantil. A duração dos sons e silêncios é
facilmente perceptível às crianças. Porém, conceitos teóricos são dispensáveis
nesta primeira fase, ou seja, o educador não diz o nome da “semibreve”24, mas
pronuncia um som longo (grande) e, em seguida, pede que o aluno o reproduza.
As pausas podem ser representadas com um simples movimento do dedo
indicador perto da boca (indicando silêncio). Boscardin e Moura (1989) ratificam
essa ideia da seguinte maneira:
24 Figura musical de maior valor no sistema tradicional de escrita. Normalmente, indica a duração de
um som longo.
79
Não se inicia o trabalho rítmico a partir da apresentação de conceitos teóricos, o que impossibilita a verdadeira compreensão do assunto. Ao contrário, é importante sentir o ritmo musical, de modo que a passagem do nível intuitivo ao nível consciente desse aprendizado se faça de maneira natural e consistente. (BOSCARDIN; MOURA, 1989, p. 31).
Uma interessante sugestão da representação (visual e auditiva) para a
duração dos sons, tanto longos quanto curtos, é apresentada por Boscardin e Moura
(1989), a qual organizei a partir do quadro 3:
Quadro 3 - Esquema de Boscardin e Moura para durações sonoras
TIPO DE SOM TIPO DE LINHA E
REPRESENTAÇÃO AUDITIVA
REPRESENTAÇÃO VISUAL
som longo e
contínuo
Uma linha horizontal, com a
representação do som de sinal
da linha telefônica
___________________________
sons curtos,
com interrupção regular
Linhas tracejadas de mesmo
tamanho, com a representação
do som de uma torneira
pingando
___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
sons curtos,
com interrupção
irregular
Linhas tracejadas de tamanhos
diferentes, com a representação
do som de pipocas estourando
___ _ _____ __ _ ___ __ _ _
Fonte: Boscardin e Moura (1989, p. 32).
Além da escolha por uma linguagem diferenciada, evitando excessos de
terminologias teóricas, considero importante ressaltar a necessidade de observação
do contexto cultural, no qual o aluno está inserido. A música não pode ser um
elemento impositivo de determinada cultura, em outras palavras, o educador musical
pode investigar o universo cultural de seus alunos e, dessa forma, escolher a
abordagem mais adequada. A esse respeito, Swanwick (2003) apresenta o seguinte
esclarecimento:
É óbvio que toda música nasce em um contexto social e que ela acontece ao longo e intercalando-se com outras atividades culturais, talvez com um grupo de pais atuando como agentes, ou talvez assegurando-nos da continuidade e do valor de nossa herança cultural – qualquer que seja -, ou ainda proporcionando um pouco de ânimo num jogo de bola. Quero argumentar que, embora escolhamos usar a música em ocasiões diferentes, para as pessoas envolvidas com educação a música tem de ser vista como
80
uma forma de discurso com vários níveis metafóricos. (SWANWICK, 2003, p. 38).
Além dos aspectos culturais, apontados por Swanwick (2003), entendo que o
repertório escolhido deva ter relação com o universo do aluno. Músicas folclóricas
(como nas propostas de Kodály ou Suzuki), produzem bons resultados nos
processos de musicalização infantil. Além disso, cantigas de roda ou, até mesmo,
aquelas usadas em jogos e brincadeiras, também podem ser utilizadas, pois são
mais próximas das vivências musicais dos estudantes e podem tornar as atividades
mais dinâmicas e atrativas.
Os seres humanos já nascem com algum tipo de consciência musical (exceto
em alguns casos de deficiência mental, os quais não serão aqui abordados). Howard
(1984, p. 56) ressalta que “é comum encontrar crianças que cantam afinado e têm
um senso exato de ritmo”. Porém, ao começarem a estudar um instrumento,
normalmente as noções de afinação e ritmo se desajustam. Isso não ocorre,
necessariamente, por conta de incapacidades do aluno, mas por uma razão muito
simples: ele está iniciando um contato com algo novo e externo ao seu corpo.
Ensinar uma criança a tocar um instrumento musical requer, além de um bom
domínio técnico por parte do professor, a consciência de que um elemento novo
estar-se-á inserido àquele universo e, portanto, é absolutamente normal o
surgimento de algumas dificuldades. Com relação a esses possíveis entraves
pedagógicos, enfrentados pelas crianças ao iniciarem o aprendizado sobre um
instrumento musical, Howard (1984) relata que:
É inacreditável até que ponto, diante desses fenômenos, a maior parte dos educadores tendem a esquecer por completo que a criança que lhes foi confiada cantava, no entanto, afinado e no tempo; logo falam dela como carente de dons musicais. No entanto, a pretensa “falta de dons”, tanto nas crianças como nos adultos, é simplesmente a dificuldade de se familiarizarem com as condições do jogo instrumental, as atitudes, os gestos, os movimentos de que eles necessitam. É essa dificuldade, a obsessão que ela suscita, os esforços que provoca, que obscurecem os dons para a música. (HOWARD, 1984, p. 56).
Nem sempre a sensibilidade musical está, necessariamente, associada à
capacidade técnica. As duas podem ser desenvolvidas e, ao educador musical, cabe
a incumbência de não confundi-las. Além disso, é necessário ser paciente na busca
por bons resultados, respeitando os limites e o tempo de aprendizagem, os quais
81
são diferentes de um indivíduo para outro. Sobre isso, Howard (1984) traz o seguinte
alerta:
Frequentemente os que possuem a sensibilidade musical mais refinada são os que experimentam maiores dificuldades em combinar essa sensibilidade com a sensibilidade técnica. A inútil atitude dos adultos consiste em exigir das crianças que exercitem, que toquem de uma maneira musical e tecnicamente adequada, terá apenas um efeito de um entrave mortal sobre elas. (HOWARD, 1984, p. 57).
No que se refere às legislações para o ensino infantil, o Brasil conta com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Neste documento, encontram-se
diretrizes educacionais de diversas áreas do conhecimento, inclusive direcionadas à
Educação Musical.
As orientações acerca do ensino da música, presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais envolvem:
- Comunicação e Expressão em Música: interpretação, improvisação e
composição.
- Apreciação Significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão
da linguagem musical.
- A Música como Produto Cultural e Histórico: música e sons do mundo.
Para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula. (P.C.N. – Arte 1ª a 4ª série, 1997, p.53).
Em termos didático/educacionais e, além de conteúdo previsto nos PCNs,
considero que a improvisação25 deva ser um elemento constante na Educação
Musical infantil. Ela estimula a criatividade e a espontaneidade do aluno, os
“pequenos músicos” podem ser incentivados a produzir, mais do que simplesmente
reproduzir.
Segundo Howard (1984, p. 59), “o ensino puramente mecânico da música tem
sido frequentemente condenado”. Ou seja, as atividades musicais apresentam
25 Improvisação musical é a arte de compor espontaneamente, ou seja, é “inventar na hora”. Pode
ser sobre uma harmonia, uma melodia, um solo ou um ritmo. Essa ação é a combinação entre a sensibilidades técnico/musical e a criatividade.
82
melhores resultados se forem flexíveis, dinâmicas e inovadoras, principalmente
quando direcionadas às crianças.
O próximo tópico da pesquisa se refere à legislação mais recente, relacionada
às determinações para o ensino da música na educação regular brasileira.
3.2.6 Lei 11.769/08: inserção da música no currículo educacional
brasileiro
Em 18 de agosto de 2008, o então presidente da república, Luís Inácio Lula
da Silva, sancionou a Lei 11.769/08, determinando o ensino da música como
conteúdo obrigatório na educação regular brasileira. Com relação ao prazo limite
para a efetiva implementação da referida legislação, Costa (2015) esclarece que:
O ano de 2012 é data limite para que todas as escolas públicas e privadas do Brasil incluam o ensino de música em suas grades curriculares. A exigência surgiu com a lei nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que determina que a música deve ser conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica. "O objetivo não é formar músicos, mas desenvolver a criatividade, a sensibilidade e a integração dos alunos" [...]. (COSTA, 2015, p.1).
Vale ressaltar que, de acordo com os termos legais, a música não deve ser,
obrigatoriamente, uma disciplina exclusiva, mas um dos conteúdos ou linguagens
pertencentes à grade curricular da disciplina artes, a qual também pode englobar
outras expressões como artes plásticas e cênicas.
Embora não seja uma exigência legal, algumas instituições de ensino
(principalmente privadas) oferecem a música como disciplina independente. Creio
que tal fato representa um elemento atrativo, nas disputas mercadológicas entre
esses estabelecimentos.
Apesar de uma conquista para a educação musical e, consequentemente,
para a cultura brasileira, ainda não há um consenso quanto à plenitude qualitativa da
Lei 11.769/2008. Um dos pontos mais questionados é a não obrigatoriedade da
formação específica dos professores de música. Acerca desse aspecto, Costa
(2015) faz a seguinte recomendação:
É necessário prestar atenção se o seu filho está tendo aulas de música com uma equipe adequada ou mesmo se esse tipo de aula está sendo oferecida
83
na escola dele, como diz a lei. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, só estão autorizados a lecionar na educação básica os professores com formação em nível superior, ou seja, profissionais que tenham cursado a licenciatura em Universidades e Institutos Superiores de Educação na área em que irão atuar. No entanto, há uma enorme carência de profissionais com formação superior em Música capacitados para lecionar. (COSTA, 2015, p.1).
De acordo com os pressupostos da Lei 11.769/08, principal objetivo do ensino
da música na educação brasileira é o desenvolvimento global do indivíduo, a partir
da compreensão e difusão de valores como senso estético, sociabilidade, sentido de
parceria e cooperação, expressividade, capacidade criativa, entre outros.
Os conteúdos programáticos não são direcionados ao “virtuosismo musical”
ou à busca de “grandes talentos”. Costa (2015) ressalta que:
O ensino de música não é como antigamente, quando se aprendia as notas musicais e canto orfeônico, mas o que as crianças devem aprender nas aulas? O MEC recomenda que, além das noções básicas de música, dos cantos cívicos nacionais e dos sons de instrumentos de orquestra, os alunos aprendam cantos, ritmos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos para, assim, conhecer a diversidade cultural do Brasil. A lei não especifica conteúdos, portanto as escolas terão autonomia para decidir o que será trabalhado. É muito complicado impor um conteúdo programático obrigatório para as aulas de música, quando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9294/96 privilegia a flexibilidade do ensino [...] o mais importante seria trabalhar a coordenação motora, o senso rítmico e melódico, o pulso interno, a voz, o movimento corporal, a percepção, a notação musical sob bases sensibilizadoras, além de um repertório que atinja os universos erudito, folclórico e popular. (COSTA, 2015, p.3).
O ensino de música pode envolver o capital simbólico e cultural da região em
que a escola está inserida. Considero importante o trabalho sobre uma perspectiva
que contemple os pais, os alunos e o contexto sociocultural em questão. As
estratégias didáticas devem ser norteadas pela ludicidade dinâmica. Segundo Brito
(2009, p. 12) “brincando as crianças apreendem aspectos de ordens diversas,
relativos à percepção de alturas, de ritmos, de estruturas formais, caráter etc.” Os
chamados brinquedos ou jogos musicais caracterizam uma excelente ferramenta
pedagógica.
Crianças são essencialmente seres musicais. As energias emanadas pelo
efeito sonoro são naturalmente assimiladas por elas e, consequentemente,
transformadas em movimentos ou gestos produtores de som, seja através de meios
vocais, corporais ou com a utilização de materiais diversos. A improvisação é outro
84
subsídio que deve estar constantemente presente nas aulas de música inseridas na
educação básica, uma vez que, de acordo com Brito (2009):
A improvisação como modo de realização musical se aproxima do pensamento musical infantil que prioriza o permanente movimento, em lugar da estabilidade do produto musical. No curso da experiência com a dinâmica transformação da consciência e também por força dos modelos que apreende e aprende nas aulas de música, as crianças internalizam as características de estabilidade do fato musical e, não raro, deixam de improvisar e de criar, enfim. É essencial, também por isso, que o relacionamento com a música inclua e estimule a criação, em todas as suas instâncias! (BRITO, 2009, p. 15).
A seguir, apresento duas propostas de atividades de musicalização para
educação básica, elaboradas por Brito (2009, p. 16):
1) Criação sonora – Pede-se às crianças que apresentem sons (vocais ou
corporais) que sabem fazer e que também inventem outros. Palmas, batidas, ruídos,
imitação de animais, estalos etc. serão realizados, estimulando as crianças a
desenvolverem a percepção auditiva de diferentes sons.
2) Improvisação - Propõe-se que cada criança escolha seu próprio “gesto
sonoro”. A partir de então, é iniciado o jogo de improvisação com a combinação de
alguns critérios (regência, entradas, variações de intensidade etc.). As crianças
também podem reger.
A autora ainda sugere que as atividades podem ser registradas (em áudio ou
vídeo) e, posteriormente, apresentadas e comentadas com as crianças, estimulando
suas próprias análises.
Outra interessante proposta de atividade, desenvolvida por Brito (2009), é a
construção de instrumentos musicais a partir de materiais recicláveis, como
podemos observar, detalhadamente, nas orientações a seguir:
- Com caixas de papelão duro ou com latas de diferentes tamanhos é possível produzir os tambores mais simples! Basta encontrar as baquetas (que um par de “palitos chineses” com rolhas presas nas pontas resolve) e sair tocando! - Utilizando bexigas (ou balões) para cobrir a borda da lata, os tambores contarão com uma membrana. Nesse caso, escolha as mais resistentes, verificando a compatibilidade (bexigas muito pequenas não cobrem a boca de uma lata de Nescau, por exemplo), cortem a parte afunilada e estiquem-na bastante na borda, prendendo com fita crepe ou durex colorido. - Latas, potes plásticos de iogurte, ou de Yakult etc., podem se transformar em maracas ou chocalhos (com pedrinhas, areias, grãos... em seu interior).
85
- Papelões ondulados transformam-se em reco-recos, podendo ser colados em tubos de papelão (de papel gordura, por exemplo) enquanto que algumas garrafas PET onduladas são espécies de reco-recos que já vêm prontos! Basta providenciar uma baqueta! - Se as crianças puderem decorar seus instrumentos, tanto melhor, lembrando que o importante é que a produção esteja o mais perto possível da capacidade de confecção de cada uma delas. Os adultos devem ajudar no que for preciso, sem fazer por elas, no entanto. Por isso, convém confeccionar coisas simples! - Elásticos de prender dinheiro colocados em volta de uma caixa de papelão firme (aberta, de preferência) transformam-na em um instrumento de cordas. Será possível constatar, com as crianças, que quanto mais esticado o elástico, mais agudo é o som (e vice versa). - Com um tubo de conduíte (usado para conduzir e proteger fios de eletricidade) é possível fazer uma “trompa”. É só enrolar o tubo (cerca de um metro) no formato do instrumento, prender com fita crepe e colocar algo na ponta para funcionar como uma campana (um cone de papelão, de plástico ou feito de cartolina, um funil etc.). Expirando e inspirando no bocal descubram diferentes sonoridades. (BRITO, 2009, p.18).
As aulas de música podem servir como base de compreensão de outros
aspectos, além da arte dos sons. A interdisciplinaridade é um termo amplamente
discutido atualmente, através da qual os alunos aprendem conceitos integrados, ao
invés de meramente fragmentados por disciplinas separadas umas das outras.
Culturas regionais, lendas folclóricas, hábitos sociais são apenas alguns
aspectos passíveis de serem abordados por meio da educação musical e, para
tanto, considero importante que o professor de música esteja articulado com
professores de outras áreas. Com relação à relevância da familiaridade com o
ambiente sonoro, Marinho e Queiroz (2009) afirmam que:
Na realização de um trabalho como o ilustrado pela música Feira de Cabedelo é possível envolver uma série de aspectos importantes para a educação musical, como, por exemplo: pesquisar o meio ambiente que será representado na composição, para descobrir as suas sonoridades e características culturais; experimentar diferentes alternativas e recursos para a produção de sons daquele ambiente; trabalhar os aspectos rítmicos e estruturais em geral, que servirão de base para a música; investigar, descobrir e explorar elementos culturais diversos empregados no ambiente sonoro (pregões, parlendas, gêneros musicais etc.); criar uma forma (des)organizada de apresentação dos sons para a estruturação da música, envolvendo elementos composicionais e de improvisação; etc. Outras possibilidades composicionais poderiam ser realizadas considerando paisagens sonoras de contextos culturais como rodoviárias, praças, centros urbanos, praias, florestas etc. (MARINHO; QUEIROZ, 2009, p. 63).
Tais elementos servem, em termos pedagógicos, não apenas para que os
alunos vivenciem as paisagens sonoras e características de sua região, mas
também conhecer outras expressões, culturas e contextos sociais. Ou seja, o ensino
86
da música amplia as possibilidades de integração social e/ou regional, auxiliando
outras disciplinas como a geografia, por exemplo.
Além disso, considero que a educação musical, a partir da transmissão de
habilidades relacionadas a estruturas de divisões métricas e rítmicas, também pode
auxiliar o desenvolvimento do raciocínio lógico e da compreensão de parâmetros
numéricos e espaciais, fundamentais para a aprendizagem de conceitos úteis à
matemática ou à física.
Em suma, compreendo que a inserção do ensino da música, no currículo
regular brasileiro, representa um salto qualitativo em nossa educação. Certamente,
um longo caminho ainda será percorrido até o aperfeiçoamento dessa ação
pedagógica, mas, com políticas públicas adequadas, que contemplem boas
condições físicas e de capacitação profissional, as futuras gerações poderão ser
amplamente beneficiadas pela Lei 11.769/2008.
3.3 As concepções de Swanwick para o ensino da música como
elemento catalisador da aprendizagem
Na atualidade, o pesquisador e educador musical britânico Keith Swanwick é
considerado uma das principais referências para o ensino da música. Além de
seguidor das teorias “piagetianas”, nas quais a aprendizagem deve seguir as etapas
de desenvolvimento do indivíduo, ele defende a utilização da música como uma
espécie de ferramenta, catalisadora da capacidade de assimilação de diferentes
conhecimentos.
Formado pela Royal Academy of Music, uma das mais renomadas instituições
de ensino musical da Europa, atua como professor emérito do Instituto de Educação
da Universidade de Londres. As pesquisas de Swanwick são baseadas em
pressupostos onde todos podem ter acesso ao ensino da música, uma vez que a
“música é uma forma de discurso tão antiga quanto a raça humana”. (Swanwick,
2003, p.18).
Para o autor, as práticas didáticas devem valorizar a experiência, acima de
conceitos teórico/musicais. “Escutar sons como música exige que desistamos de
prestar atenção nos sons isolados e que experimentemos, em vez disso, uma ilusão
de movimento, um sentido de peso, espaço, tempo e fluência”. (Swanwick, 2003,
p.30).
87
Com o intuito de embasar a ideia de que as nuances do ensino da música
podem contribuir para os processos de aprendizagem, apresentarei, a seguir,
algumas concepções pedagógicas de Keith Swanwick. Vale ressaltar que as
abordagens de suas teorias não serão, aqui, direcionadas à formação específica em
música, mas na perspectiva de aplicabilidade em outras áreas e, no caso da
presente pesquisa, para a alfabetização.
3.3.1 A música como categoria discursiva na perspectiva de Swanwick
A Educação Musical deve conceber a arte dos sons como discurso. Para
Swanwick, esse processo está dividido em três princípios, os quais são descritos por
Oliveira e Rezende (2015):
O primeiro princípio é assumir a música como um discurso. É importante destacar que, neste primeiro princípio, já estão presente os três níveis de transformação metafórica. [...] O segundo princípio é considerar o discurso dos alunos, relevando também sua a bagagem musical durante o processo de aprendizagem. Essa postura é uma forma de estimular o envolvimento e a integração dos alunos com o processo educativo e também uma maneira de estimular a manutenção da curiosidade, tão necessária à aprendizagem. O terceiro princípio retoma o primeiro na medida em que reafirma a importância da fluência do discurso musical do início ao fim. (OLIVEIRA; REZENDE, 2015, p. 80).
Para a concepção da música como discurso, Swanwick considera a evolução
de suas habilidades, um conjunto de transformações metafóricas. Em outras
palavras, o elemento musical será compreendido e desenvolvido pelo aluno em
diferentes níveis.
De acordo com os aportes teóricos de Swanwick (1986), apresento um
esquema organizador das principais características pertinentes a cada estágio de
evolução musical. Cada nível de desenvolvimento engloba a noção do crescimento
musical, envolvendo um padrão sequencial. Cada estágio possui duas fases e, a
partir das pesquisas realizadas pelo autor, é possível observar características
específicas para cada um desses estágios e fases. Tais etapas são cumulativas,
como demonstradas na tabela 1:
88
Tabela 1 - Estágios e fases do desenvolvimento musical
ESTÁGIO DESCRIÇÃO FASES CARACTERÍSTICAS
MATERIAIS
O sujeito focaliza o som, o prazer de
manipulá-lo.
Sensorial
Pulsação irregular, explora e experimenta os
instrumentos e sons vocais. Organização sonora espontânea.
Manipulativo
Possibilidade de controle do instrumento e pulsação regular. Compartilha uma
interação musical social.
EXPRESSÃO
É a expressão própria da música,
apresentando seus sentimentos, estados
de ânimo e movimentos.
Pessoal
Corresponde ao início das explorações de
mudanças de andamento e dinâmica, em frases elementares. Gestos
musicais.
Vernáculo
Os padrões rítmicos começam a surgir. Mais
organização na métrica e apresenta influências no
cantar, tocar e ouvir.
FORMA
Surge a consciência das relações
estruturais na música como tensão/repouso,
repetição e o contraste.
Especulativo
Refere-se ao aparecimento da
preocupação com a coerência estrutural da
música e a procura pelos contrastes de ideias
musicais.
Idiomático
O estilo é reconhecido em um idioma musical e
o controle técnico é maior.
VALOR
Surgem as ligações com valores pessoais
tornando a música uma atividade significativa.
Simbólico
Refere-se à atenção nas relações formais e no caráter expressivo em
forma de fusão. Domínio técnico com forte comprometimento
pessoal.
Sistemático
O compositor, intérprete ou ouvinte reflete sobre a
experiência musical. Baseado em seu
crescimento musical, acontece a expansão
sistemática das possibilidades do discurso musical.
Fonte: (SWANWICK, 1988; 2003).
89
No primeiro estágio de desenvolvimento, denominado Materiais, a resposta
do aluno é caracterizada pela impressão do som, particularmente considerando suas
propriedades: timbre (tipo de fonte emissora), intensidade (forte-fraco), altura
(agudo-grave) e duração (longo-curto), manipulados com pouca caracterização
expressiva e, portanto, com predomínio dos aspectos figurais sobre os operativos.
O segundo estágio, denominado Expressão, caracteriza-se pela
reorganização dos aspectos figurais, por meio da capacidade de explorar as
mudanças de andamento (velocidade da música) e dinâmica (força do som), que
estão para além das propriedades físicas do elemento sonoro. Nesse processo, o
indivíduo deixa de apenas responder às impressões do som, passando a oferecer
expressões pessoais.
O terceiro estágio do desenvolvimento musical, denominado Forma,
apresenta evolução em relação ao anterior, com a possibilidade de maior domínio,
não só das propriedades do som, mas de seu caráter expressivo. Esse estágio é
parecido com os aspectos operativos do pensamento, nos quais predominam
regulações mais complexas das relações parte-todo. Correspondem a especulação
da estrutura do discurso musical, a repetição intencional de padrões e a contestação
advinda da interpretação, além de controle técnico/expressivo e estrutural mais
consistente.
O quarto e último estágio, denominado Valor, indica crescente capacidade de
pensamento e de comunicação, possíveis por meio da representação simbólica.
Nesse estágio, os sujeitos não se prendem tanto às convenções da forma, mas
ampliam o senso afetivo da música, ou seja, suas produções emocionantes e
significativas. Tal processo, que engloba os estágios anteriores, permite reflexão
sobre sua própria experiência musical.
O processo metafórico, concebido por Swanwick, compreende o apreciador
como sujeito ativo do fazer musical, além de não promover incompatibilidade entre o
pensamento e o sentimento; entre a aprendizagem e as categorias afetivas.
De acordo com estas considerações, entendo que uma das funções da
apreciação musical é inserir o indivíduo social dentro de um diálogo, colocando-o em
contato com o discurso e a forma simbólica musicais, fazendo novas conexões
críticas e estéticas, reforçando a cultura e promovendo a aprendizagem de outras
áreas.
90
Música é discurso e, mesmo não necessariamente envolvendo elementos
textuais, pode desenvolver a capacidade discursiva de quem é nele inserido.
Swanwick (2003, p. 18) compara a experiência musical a uma conversação,
afirmando que “para aqueles que estão dentro (da conversação), tais experiências
podem, de tempos em tempos, ser insights poderosos”.
3.3.2 Teoria espiral: aprendizagem em níveis progressivos
A partir da teoria de desenvolvimento musical, descrita anteriormente, Keith
Swanwick sugere as análises recorrendo à imagem de uma espiral. Sua estrutura é
baseada em duas dimensões: o lado esquerdo e o direito, relativos à construção
pessoal e à interação social, respectivamente. O equilíbrio neste processo dialético,
entre assimilação e acomodação, é garantido pelas contínuas trocas entre a
estrutura de pensamento e as interações com o outro.
De acordo com Oliveira e Reis (2011):
Neste processo de conhecer, é revelado o papel do outro e dos objetos de conhecimento na estruturação cognitiva do sujeito, oferecendo resistência aos esquemas do sujeito e demonstrando a fragilidade ou insuficiência da estrutura de pensamento. Ao se deparar com a incompletude dos esquemas, a estrutura é convidada à transformação advinda da modificação dos esquemas existentes ou construção de novos esquemas. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 6).
Em consonância com as abordagens de Oliveira e Reis (2011), O lado
esquerdo da espiral enfatiza a maneira egocêntrica do indivíduo, de responder à
música em cada um dos quatro estágios, ao passo que, o lado direito, corresponde
ao movimento em direção a respostas socialmente compartilhadas. A figura 10
representa o esquema espiral de Swanwick:
91
Figura 10 - Esquema espiral de Swanwick
Fonte: http://studentbernhardsydow.blogspot.com.br/2008/11/o-verdadeiro-mtodo-de-estudar
O modelo espiral, como representação do desenvolvimento musical, resultou
das investigações de Swanwick sobre a origem teórica da evolução da experiência
musical, por meio do estudo do jogo, na perspectiva de Piaget (1978).
Nesta comparação, Swanwick entende a música como uma forma de jogo
ampliado, que consta de um triângulo de três partes, constituído pelos conceitos
“piagetianos” de: domínio (refere-se a controle dos materiais musicais), imitação
(corresponde aos momentos de representação, ou seja, quando há referências aos
eventos da vida; um ato de acomodação) e jogo imitativo (cria-se um mundo de
novas relações, além dos elementos ao nosso redor).
Atrelados à compreensão musical, estão os processos cognitivos, sociais e
afetivos, cuja evolução é gradativa e supõe um progresso que pode ser
representado nos dois aportes teóricos, por uma espiral indicando que, para todo
processo de crescimento, deve haver espaço para a reorganização e reflexão. De
acordo com Oliveira e Reis (2011, p. 8) “o desconhecimento ou o desrespeito a este
progresso paulatino, no ato de ensinar música ou qualquer outra disciplina escolar, é
prejudicial ao desenvolvimento do aluno.”
Tal perspectiva gradativa para a aprendizagem, que constitui a espiral,
permite a passagem dos aspectos figurativos aos operativos, na construção do
conhecimento. Enquanto os aspectos figurativos são responsáveis pelas sensações
92
e percepções, os operativos referem-se à lógica e à compreensão. No período pré-
operacional, são tarefas de desenvolvimento a constituição das classes e da
inclusão dos objetos nas mesmas, a capacidade de nomear e de incorporar as
informações advindas do meio social.
Essa evolução, dos aspectos figurativos para os operativos, é descrita por
Oliveira e Reis (2011) da seguinte maneira:
A evolução do pensamento que vai dos aspectos figurativos aos operativos, depende da interação que é o ponto alto do processo de aprendizagem e ocorre exatamente pela preservação da experiência individual inserida num contexto social. Em Piaget, o desenvolvimento cognitivo se interliga ao desenvolvimento social, tanto no início das atividades da criança sobre o meio, como no período das operações lógicas. Swanwick salienta o mesmo em sua teoria adotando em cada período uma fase mais pessoal e intuitiva e outra mais analítica, formal, onde há uma interação musical socialmente compartilhada. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 8-9).
Em síntese, para a aprendizagem e o desenvolvimento musical, “existe uma
sequência, um desdobramento metódico de comportamento musical, que existem
estágios cumulativos através dos quais o comportamento musical da criança pode
ser traçado.” (SWANWICK, 1988, p.53).
Keith Swanwick apresenta uma visão criativa que, nos últimos anos, vem
trazendo novas perspectivas em termos de educação musical. Tal abordagem
enfatiza a expressão, sentimento e envolvimento, representando uma trajetória por
meio da qual o professor estimula seu aluno a construir o conhecimento através da
exploração e da criatividade.
Sob a égide dessa concepção, o aluno é visto como um inventor, um
improvisador, um compositor. No mesmo sentido, o papel do professor passa de
“diretor musical” para o de intermediador/facilitador do processo de aprendizagem,
promovendo e estimulando as capacidades reflexivas e criativas do objeto da ação
pedagógica (estudante), o qual assume um caráter mais ativo na construção dos
conhecimentos.
3.3.3 Parâmetros da experiência musical (T.E.C.L.A.)
As concepções de Keith Swanwick, para o desenvolvimento da aprendizagem
em níveis e aplicadas ao ensino da música, são atreladas ao Modelo de Atividades
93
ou Parâmetros da Experiência Musical, definidos pela sigla CLASP26. Para o
português, a tradução aproximada consiste em (T)EC(L)A.
Trata-se de um modelo de parâmetros ou atividades musicais para a
construção curricular. Cada letra da sigla corresponde às seguintes categorias
didáticas: composição, execução e apreciação, sendo a técnica e a literatura
elementos que servirão de apoio para o processo. De acordo com Oliveira e Reis
(2011):
Os parâmetros de composição, execução e apreciação encontram-se na base da estruturação curricular, sendo que os parâmetros de técnica e literatura são considerados como complementares no processo de educação musical. A utilização da combinação desses dois modelos – de conhecimento e de atividade – justifica-se na medida em que ambos são complementares para o desenvolvimento musical do indivíduo. (OLIVEIRA; REIS, 2011, p. 12).
A partir dos esclarecimentos dos autores, acerca da sigla TECLA, considero
evidenciado que os principais parâmetros, para o desenvolvimento da aprendizagem
em música são composição (construção musical), execução (fazer prático,
instrumental ou vocal) e apreciação (experiência auditiva dos elementos estruturais
da música e reconhecimento de diferentes gêneros). Como ferramentas de
otimização desses procedimentos, há a técnica (relacionada a habilidades de
coordenação motora ou utilização da voz) e a literatura (contato com registros
escritos, seja em livros ou partituras).
Compreendendo as ideias de Swanwick, onde a aprendizagem ocorre em
diferentes níveis, Oliveira e Reis (2011) fazem uma relação dessa abordagem com
as propostas de Piaget:
Ao relacionarmos esses dois teóricos, Piaget e Swanwick, pudemos perceber que ambos levam em consideração o fato do sujeito transitar pelos estágios de desenvolvimento de forma dinâmica. Por exemplo, se o indivíduo na música apresentar conteúdo de desenvolvimento relacionado ao pensamento operatório formal, não significa que ele apresentará conteúdo de aprendizagem (operatório formal) em todas as áreas de conhecimento. Entretanto, a forma de raciocínio operatório formal está disponível para a aprendizagem de todos os conhecimentos com os quais o sujeito se deparar. Se o mesmo não desenvolveu o lado perceptivo, sensorial para música, este aplicará a estrutura que possui no seu desenvolvimento musical. (OLIVEIRA; REZENDE, 2011, p. 13).
26 Em inglês, refere-se a composition; literature studies; appreciation; skil aquisition e performance.
94
Os Parâmetros da Experiência Musical constituem elementos integrados,
onde todos podem ser desenvolvidos simultaneamente em cada nível da
aprendizagem. Em outras palavras, a composição, por exemplo, não deve ser
compreendida no sentido estrito de organizações sonoras complexas. Ela pode ser
estimulada a partir da criatividade, em um ambiente pedagógico onde o aluno sinta-
se à vontade para “brincar com os sons”.
A doutora em educação musical Cristina Grossi (2010)27, define as propostas
pedagógicas de Keith Swanwick como pilares utilizados por muitos profissionais da
área, na atualidade. Suas conclusões apontam que:
Para a apreciação musical ou para o desenvolvimento da “mente musical” através da audição, seu trabalho oferece orientações preciosas. Já são muitos os trabalhos na área cujos autores vem aplicando e ampliando seu modelo. [...] Nessa problemática, muitas das ideias e conceitos contidos na teoria do desenvolvimento musical de Swanwick proporcionam uma estrutura suficientemente ampla para um trabalho eficiente, que ajude no entendimento das complexidades envolvidas nas experiências musicais. (GROSSI, 2010, p. 38).
Baseado nessas perspectivas, considero que um dos aspectos mais
importantes das ideias de Keith Swanwick é o de oferecer fundamentos qualitativos,
para as ações dos educadores musicais, sistematizando, tanto a prática sobre a
teoria quanto o inverso. Tais Ideias contemplam a experiência musical real das
pessoas, onde o ensino da música deva ser, de fato, “musical”, além de ter relação
direta com as formas e contextos em que os estudantes tenham contato com essa
arte.
3.3.4 Música e a aprendizagem significativa
Aprendizagem Significativa é um conceito desenvolvido desde a década de
1960. David Paul Ausubel (1918 – 2008)28 foi o primeiro autor a utilizar essa
27 Doutora em Educação Musical pelo Instituto de Educação, Universidade de Londres (Inglaterra),
com orientação do Professor Doutor Keith Swanwick. É professora adjunta do Departamento de Música, Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Membro do Conselho Editorial da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) e associada a International Association for the Study of Popular Music. 28 Psicólogo da educação e pesquisador norte-americano. Defendeu a ideia de que, quanto mais
sabemos, mais aprendemos. Quando sua teoria foi apresentada, em 1963, as ideias behavioristas predominavam. Acreditava-se na influência do meio sobre o sujeito. O que os estudantes sabiam não era considerado e entendia-se que só aprenderiam se fossem ensinados por alguém. A concepção
95
terminologia, para indicar que os parâmetros lógicos da aprendizagem transformam-
se em eventos psicológicos, a partir de conhecimentos já estabelecidos. Segundo
Moreira (1999):
Ausubel insistia com uma “teoria de aprendizagem significativa” e dizia que é no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o aprendiz. (MOREIRA,1999, p.9).
Portanto, o conceito refere-se a um processo no qual uma nova informação é
relacionada a um tipo de saber relevante, já existente, da estrutura de conhecimento
de um indivíduo. Neste sentido, infiro que há uma interação entre os aspectos
pertinentes à estrutura sócio/cultural do aluno e os novos conhecimentos por ele
adquiridos.
Keith Swanwick também utilizou os ideais de Ausubel para o desenvolvimento
de suas teorias. Neste campo do ensino da música, suas relações com o conceito
de Aprendizagem Significativa indicam que as contextualizações culturais e sociais
dos alunos devem ser permanentemente inseridas no processo educacional. A esse
respeito, Campos (2006) enfatiza que:
Respeitar o universo cultural dos alunos e seus conhecimentos prévios exige, antes de tudo, conhecer os elementos e experiências que compõem esse universo. E se a prática pedagógica é condicionada por esse conhecimento, torna-se necessário considerá-lo como fundamental em uma abordagem de aprendizagem significativa. (CAMPOS, 2016, p. 150).
As abordagens de Swanwick (2003), atreladas aos conceitos da
Aprendizagem Significativa, indicam que os alunos não devem ser concebidos como
um “papel em branco”. Segundo ele, “não os introduzimos na música; eles são bem
familiarizados com ela, embora não a tenham submetido aos vários métodos de
análise que pensamos ser importantes para seu desenvolvimento futuro”. (2003, p.
66-67).
Considero importante salientar que, transpondo o conceito de Aprendizagem
Significativa para o campo do conhecimento musical, torna-se necessário partir do
princípio de que o aluno possui, em seu conjunto de saberes, experiências e ideias
de ensino e aprendizagem de Ausubel segue na linha oposta à dos behavioristas. Para ele, aprender significativamente é ampliar e reconfigurar ideias já existentes na estrutura mental e, com isso, ser capaz de relacionar e acessar novos conteúdos.
96
formuladas (mesmo antes de ser inserido na escola formal). Suas concepções de
ritmo e melodia, seu possível contato com instrumentos, ou ainda sua afinidade com
determinados gêneros musicais já possuem algum tipo de significado.
Dessa maneira, a falta de domínio técnico da linguagem musical – leitura e
escrita – ou a pouca familiaridade com termos mais específicos, não pode ser
entendida como um total desconhecimento com relação à música.
Os pressupostos analisados revelam a necessidade de associação
significativa para que a aprendizagem se realize. Portanto, julgo necessário
fundamentar os princípios do ensino da música em tais aportes. Sobre tal aspecto,
destaco o alerta de Moreira (1999):
Ao se procurar evidências de compreensão significativa, a melhor maneira de evitar uma “simulação da aprendizagem significativa” é formular questões e problemas de maneira nova e não familiar que requeira máxima transformação do conhecimento adquirido. (MOREIRA, 1999, p. 56).
Em uma concepção sintetizada dos pressupostos abordados, considero que,
seja nas aulas individuais de instrumento musical, em grupo, ou simplesmente
relacionadas a aspectos estéticos da música, o professor de pode promover
integração entre as informações e propiciar situações diversas para que os alunos
tenham a oportunidade de transformar (ou ressignificar) seu conhecimento. As
atividades de interpretação, apreciação e composição musical devem contribuir para
isso, apresentando algo significativo para os alunos, motivando-os a descobrir e
aprender em diversas situações.
Um dos aspectos importantes na reflexão sobre a Aprendizagem Significativa
em música é ressaltado por Moreira (1999), onde o autor admite a ligação entre
pensamentos, sentimentos e ações, afirmando que:
Atitudes e sentimentos positivos em relação à experiência educativa tem suas raízes na aprendizagem significativa e, por sua vez, a facilitam. À medida que o ensino propiciar experiências afetivas positivas, essa interligação ocorrerá também positivamente e gerará no aprendiz uma maior Predisposição para aprender. Essa predisposição juntamente com a estrutura cognitiva adequada e o significado lógico dos materiais educativos do currículo, é a condição indispensável para a aprendizagem significativa. (MOREIRA, 1999, p.53).
Os aportes que relacionam a importância dos saberes pré-existentes com a
aquisição de novos conhecimentos, evidenciados tanto por Keith Swanwick quanto
97
pelos autores até aqui mencionados, não são exclusivos da educação musical.
Minhas considerações a esse respeito estruturaram uma concepção mais ampla,
para além da arte dos sons.
A partir de tais interferências, entendo que os processos de aprendizagem
(independente da área), sejam compostos pela relevância dos saberes já
concebidos e, em uma dimensão dialética, componham as nuances intelectuais que
servirão de subsídio para a aquisição de novos conhecimentos e/ou habilidades.
3.4 Construindo o conceito de Letramento Musical
O letramento, apresentado anteriormente como um conjunto de habilidades
sociais que podem ser relacionadas aos usos e/ou aplicabilidades da linguagem
(escrita ou não), pode ser associado a diferentes áreas do conhecimento humano.
De acordo com, Botelho e Leite (2011, p. 4) “o termo letramento tornou-se foco de
muitos estudos e discussões na área da educação. Hoje, esse fenômeno é tema de
estudo em muitas bibliografias e também no meio acadêmico [...].”
Os conceitos artísticos, compreendidos como linguagem, refletem diferentes
categorias de expressão que, em termos didático/educacionais, podem ser
associados ao letramento. Penna (2008) restringe essa ideia de maneira ainda mais
específica, ao utilizar o termo “linguagem musical”:
Falamos, constantemente, das “linguagens artísticas” – ou especificamente da “linguagem musical”, por exemplo. Na área do ensino da música, tanto a tendência mais tradicional (de caráter técnico-profissionalizante) quanto aquela mais próxima das propostas da arte-educação utilizam com frequência o termo “linguagem”. (PENNA, 2008, p. 66).
A autora vai além, ao mencionar a linguagem musical descrita nos
Parâmetros Curriculares Nacionais:
A noção também aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a área de conhecimento de Artes no ensino fundamental, em que, especificamente na proposta para música, um dos blocos de conteúdos é denominado: “Apreciação significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical”. (PENNA, 2008, p. 66-67).
Compreendendo o letramento como utilização da linguagem e a música como
um “tipo de linguagem”, proponho a análise combinatória dessas categorias e, por
98
conseguinte, a concepção do Letramento Musical e suas relações com a
alfabetização.
A utilização de diferentes formas de linguagem pode caracterizar uma
ferramenta para a atuação pedagógica. As nuances artísticas, de maneira geral, já
fazem parte desse cenário, como afirma Penna (2008):
A noção de arte como linguagem tem sido útil, direcionando uma perspectiva de atuação pedagógica, na medida em que permite combater o mito do dom e colocar questões como as condições de familiarização com as linguagens artísticas e o acesso socialmente diferenciado à arte. (PENNA, 2008, p. 67, grifo nosso).
Destaco aqui um trecho das colocações da autora, relacionado ao “mito do
dom”. Isso enfatiza a ideia de que as concepções artísticas, compreendidas como
linguagens, não se limitam às analises individualizadas daqueles que, naturalmente,
demonstram maiores habilidades em determinadas expressões (pintura, escultura,
música etc.). O enfoque em questão, por outro lado, está em utilizar as diferentes
representações artísticas como elementos de socialização, proporcionando maior
inserção a este universo.
No campo da música, considero importante destacar que essa expressão
artística não é, para os efeitos desta pesquisa, aqui encarada como “texto cantado”
ou canção29. As análises relacionadas a este aspecto referem-se às combinações
sonoras e rítmicas e, não necessariamente, à palavra. Tal abstração, em termos
textuais, é abordada por Penna (2008, p. 68), ao afirmar que o modelo de
“linguagem verbal [...] acerca da arte é extremamente limitado, não sendo adequado
para a compreensão quer do uso da língua nas interações cotidianas, quer das
linguagens artísticas.”
Penna (2008, p. 67) segue ressaltando que “tradicionalmente, a música
sempre foi considerada uma linguagem, ligada, de algum modo, aos sentimentos e
às emoções.” Seu caráter, entretanto, não será aqui abordado na perspectiva das
29 Canção (do francês chanson) é uma composição musical para a voz humana, escrita, normalmente,
sobre um texto e, por vezes, acompanhada por instrumentos musicais. Coloquialmente, embora incorretamente, o termo é usado para se referir a qualquer composição musical, incluindo aquelas que não possuem canto. No âmbito acadêmico, o uso efetivo da palavra é considerado incorreto, onde "canção" só pode ser utilizado para descrever uma composição vocal/textual, salvo algumas exceções, por exemplo, nas “canções sem palavras” do período romântico musical (século XIX), que foram escritas por compositores como Mendelssohn e Tchaikovsky. Estas não são para a voz humana, mas para um instrumento (normalmente piano) e, ainda assim, são consideradas canções.
99
complexidades da linguística (enquanto ciência), acerca das questões sobre o papel
da linguagem na sociedade.
Com relação ao vasto campo que é objeto da linguística, Penna (2008)
ressalta que:
Acreditamos que as novas contribuições da linguística podem, num trabalho interdisciplinar, trazer relevantes contribuições para a revisão da noção de arte como linguagem. Entretanto, pela complexidade que as questões acerca da linguagem assumem na história do pensamento ocidental, optamos por nos centrar, neste momento, na noção de comunicação, que subjaz à de linguagem [...] (PENNA, 2008, p. 72-73).
De acordo com as abordagens supracitadas considero, portanto, que a
concepção da música enquanto linguagem está relacionada à um tipo de
expressividade comunicativa que, não necessariamente, diz respeito à palavra ou ao
texto escrito. A música, enquanto combinação sonora, pode “comunicar” uma
emoção (alegre, triste, etc.), uma localização geográfica (músicas regionais) ou uma
expressão cultural (hinos ou músicas comemorativas), mesmo sem o atrelamento
direto aos símbolos textuais.
Além disso, considero importante o posicionamento crítico de Silva (2009),
acerca da necessidade de concepção de letramento para além da aquisição de
habilidades relacionadas à leitura e à escrita. O objetivo é ampliar esse conceito,
relacionando-o, também, às práticas sociais de saberes adquiridos, inclusive os
artísticos.
O letramento extrapola o mundo da escrita e, por isso, foge da concepção da escola, que se preocupa apenas com um tipo de prática de letramento, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico) – geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária ao sucesso e à promoção na escola – e não com a prática social, daí resultando em uma diferenciação forte entre a prática do letramento escolar e as orientações de outros letramentos. (SILVA, 2009, p. 100-101).
Com relação à música e, para os efeitos desta pesquisa, não pretendo
desenvolver uma discussão técnica ou acadêmica acerca de suas definições mais
aprofundadas. Penna (2008) apresenta tal concepção, sob a perspectiva desta
diversidade terminológica:
O que é música? Esse é um tema aparentemente fácil, ou mesmo óbvio. Afinal, em nosso dia a dia convivemos com música e não temos muita
100
dificuldade em saber do que se trata. Ligamos o som para ouvir um pouco de música enquanto dirigimos; cantamos no chuveiro; dançamos ao som de música; o nosso mp3 nos dá a companhia de nossas músicas preferidas em diversos momentos do dia, e por aí vai. As manifestações musicais são extremamente diversificadas: um concerto de orquestra sinfônica, um grupo de rock, de rap, de pagode... um grupo de ciranda, de maracatu, de reisado... o coral da igreja, o canto da procissão... a roda de amigos que canta e batuca na mesa de bar, o violão na varanda da fazenda... São manifestações musicais diferenciadas: produções populares, eruditas (a chamada “música clássica”) ou da indústria cultural – todas são música. (PENNA, 2008, p. 19).
Em todas as concepções musicais apresentadas pela autora, há algo em
comum: são manifestações que ocorrem em determinado contexto social. Portanto,
envolvem experiências culturais e saberes diversificados, desenvolvidos em espaços
também diversos.
Essas diversidades, que envolvem, desde grupos sociais até momentos
históricos de cada povo, são abordadas por Penna (2008) da seguinte maneira:
Na medida em que alguma forma de música está presente em todos os tempos e em todos os grupos sociais, podemos dizer que é um fenômeno universal. Contudo, a música realiza-se de modos diferenciados, concretiza-se diferentemente, conforme o momento da história de cada povo, de cada grupo. Exemplificando: entre os sons possíveis de serem captados pelo ouvido humano, entre todos os sons da natureza e os possíveis de serem produzidos, cada grupo social seleciona, num determinado momento histórico, aqueles que são o seu material musical, estabelecendo o modo de articular e organizar esses sons. (PENNA, 2008, p. 22).
Em uma combinação de significados, unificando o conceito de Silva (2009), -
segundo o qual o letramento está mais associado às aplicações sociais dos saberes
do que, exclusivamente, ao universo da escrita – com as abordagens de Penna
(2008) acerca da música, – compreendida como um fenômeno social universal -
sugiro a possibilidade conceitual do Letramento Musical.
Sob este prisma, o letramento musical pode ser, portanto, um conjunto de
aquisições e aplicações sociais dos saberes musicais (acadêmicos ou empíricos)
que, de acordo com Penna (2008, p. 24) é utilizado como “linguagem artística,
culturalmente construída, que tem como material básico o som.”
Enquanto um fenômeno cultural e historicamente construído, o letramento
musical não deve seguir um caminho único ou uma “receita pronta” para seu
desenvolvimento, como ressalta Penna (2008):
101
Em lugar de se prender a um determinado “padrão” musical, faz-se necessário encarar a música em sua diversidade e dinamismo, pois sendo uma linguagem cultural e historicamente construída, a música é viva e está em constante movimento. (PENNA, 2008, p. 28).
Sem a pretensão de criar uma nova categoria discursiva, do ponto de vista
educacional, apresento a sugestão do conceito de Letramento Musical, baseado na
premissa de que ambas as expressões (letramento e música) tratam das aplicações
sociais dos saberes envolvidos em algum tipo de linguagem.
102
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: EFEITOS DO LETRAMENTO MUSICAL
SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A presente seção é dedicada às análises dos dados obtidos, tanto com os
questionários direcionados às professoras da duas instituições, referentes às suas
considerações acerca da qualidade da aprendizagem de leitura e escrita dos alunos
do 6º ano, bem como os instrumentos aplicados aos discentes, os quais
compreendem testes de interpretação e produção textuais.
Os aportes analíticos e discursivos dos dados da pesquisa serão balizados
sob a égide conceitual de autores que, para os efeitos do trabalho investigativo aqui
apresentado, serviram como embasamento científico/educacional. Entretanto,
considero importante salientar que não se tratam de conceitos fechados ou
determinismos ideológicos, mas apenas alguns indicativos sobre os efeitos do
ensino da música sobre a aprendizagem da linguagem escrita.
4.1 Análise sobre as considerações das professoras
Cada conjunto de questionário foi aplicado nas duas instituições analisadas,
durante o mesmo período (entre os dias 21 e 28 de setembro de 2015). O primeiro
instrumento, destinado às docentes, foi respondido pelas professoras Maria de
Nazaré Madeira (EEEFM Deodoro de Mendonça – turma com 25 alunos) e Anne
Mary Nemer Cruz (EEEFM Pinto Marques – turma com 20 alunos). As duas estavam
na condição de titulares pela parte de língua portuguesa das turmas analisadas (6º
ano – antiga 5ª série).
Após uma explanação sobre os objetivos do trabalho, contei com a
colaboração das professoras supracitadas, as quais concordaram prontamente em
responder as perguntas, permitindo, inclusive, a divulgação de seus nomes para os
efeitos desta pesquisa.
A estrutura do questionário fechado utilizado foi a seguinte: 07 (sete)
perguntas, cada uma com 05 (cinco) possibilidades de alternativas. As opções de
respostas selecionadas serão demonstradas a seguir:
Questão 1 – A primeira questão é referente ao interesse da turma pela
aprendizagem. Considero relevante este quesito para uma noção, ainda que sucinta,
sobre a receptividade dos alunos frente à aquisição de conhecimentos, uma vez
103
que, em muitos casos, a atividade alfabetizadora é distanciada da vivência docente,
tornando pouco atrativo esse processo. A esse respeito, Silva (2009) segue
afirmando que:
Verifica-se que alguns professores e escolas adotam uma postura alfabetizadora centrada na leitura de mundo do aluno e na contribuição para a formação de sujeitos conscientes de seu papel histórico no mundo e transformadores da realidade. Contudo, ainda é visível a postura tradicional de algumas escolas e professores que alfabetizam com a utilização de cartilhas distanciadas da vivência dos alunos, sem levar em consideração o que pensam e como agem na vida social. (SILVA, 2009, p. 15).
A partir da análise da autora, considero relevante a necessidade de uma
constante auto reflexão sobre o trabalho educativo, do ponto de vista analítico sobre
o interesse discente pela aprendizagem.
Neste momento da coleta de dados, identifiquei uma diferença entre as
opiniões das docentes: de acordo com a professora da EEEFM Pinto Marques, os
alunos de sua turma “participam quando solicitados, sob pressão, correspondendo
ao solicitado”. Já a professora da EEEFM Deodoro de Mendonça afirmou que seus
alunos “tentam realizar, mas não correspondem ao solicitado”.
De acordo com as respostas para a primeira pergunta do questionário,
verifiquei uma ligeira inclinação positiva, por parte dos alunos da EEEFM Pinto
Marques, em corresponderem às ações educacionais solicitadas, ainda que sob
intervenção da professora.
Questão 2 – O segundo questionamento é referente à observação quanto ao
nível de atenção e concentração em sala de aula. Tais aspectos são indicativos não
apenas da postura dos alunos, mas também sobre o posicionamento docente no
sentido de transformar sua atuação em algo dinâmico, atrativo.
As duas professoras indicaram a mesma opção de resposta, afirmando que
seus alunos “realizam as atividades, quando solicitados, mas com desvios de
atenção”. Diversos fatores podem ser relacionados ao desvio de atenção
mencionado, entretanto, vale destacar que, em nenhuma das duas instituições
analisadas, identifiquei a utilização de recursos diferenciados como ferramentas
didáticas para as aulas de língua portuguesa (vídeos ou áudios, por exemplo).
Souza (2008) esclarece a importância educacional desses recursos:
104
As mídias, consideradas aqui como meios de comunicação, estão cada vez mais presentes na vida das crianças e dos adolescentes. Na literatura alemã, o termo “mundo das mídias” (Medienwelten) já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias – iPods, CD-player, TV e computadores – e que estas representam componentes importantes de suas vidas: a busca de identidade e a socialização. (SOUZA, 2008, p. 8).
Sem qualquer pretensão de apresentar soluções prévias, descrevo o
processo acima observado, bem como as colocações da autora supracitada, apenas
como objeto de sondagem, relacionado às possíveis razões para os desvios de
atenção, apontados pelas professoras das duas escolas.
Vale destacar que, atualmente, crianças, jovens e adultos estão, cada vez
mais, inseridos e/ou conectados às tecnologias midiáticas digitais e, possivelmente,
a utilização desses elementos, no trabalho didático, representaria um instrumento
catalisador do foco de atenção dos alunos durante as aulas.
Questão 3 – A observação quanto à leitura de palavras é o foco da terceira
questão. Esta análise, referente ao pronunciamento linguístico a partir de palavras
escritas e isoladas de qualquer contexto, permitiu a verificação das impressões, por
parte das professoras, quanto à capacidade de seus alunos em verbalizar, com
fluência e inteligibilidade, aquilo que leem.
De acordo com a professora da EEEFM Deodoro de Mendonça, seus alunos
“leem as palavras, cometendo erros, mas compreendendo o significado”. Já a
professora da EEEFM Pinto Marques relatou que eles “leem corretamente as
palavras, mas com fragmentação silábica”. Observei, portanto, um problema comum
de fluência, mas com melhor aproveitamento por parte dos alunos da EEEFM Pinto
Marques quanto à leitura correta das palavras, ainda que de maneira fragmentada.
Questão 4 – A quarta questão possui um critério analítico semelhante ao
momento anterior, mas com ênfase na leitura de textos simples. Os textos em
questão referem-se a estruturas curtas, contendo, no máximo, dois parágrafos,
como anúncios de jornais ou pequenos informativos.
Segundo as concepções da professora da EEEFM Deodoro de Mendonça, os
alunos “tentam ler, mas cometem erros que comprometem a compreensão textual”.
A professora da EEEFM Pinto Marques assinalou a opção indicando que os
estudantes “leem as palavras, cometendo erros, mas compreendendo o significado
do texto”.
105
De acordo com este dado, observei uma melhor condição, acerca da
compreensão da leitura textual, por parte do segundo grupo de estudantes, mesmo
com o apontamento de erros.
A compreensão do texto lido é, acima do simples ordenamento de palavras,
um exercício social, em que os indivíduos passam a ser capazes de perceber e
discernir sobre o sistema (político, cultural etc.) em que está inserido, como afirma
Silva (2009):
A alfabetização, além de constituir-se no exercício da leitura e da escrita, é também redescoberta do mundo e, a partir dela, torna-se possível uma tomada de consciência das estruturas que dominam e excluem a população que se encontra à margem da sociedade, dominada por um sistema de poder que visa formar indivíduos programados para submeter-se à opressão. (SILVA, 2009, p. 19).
Acerca do papel social da alfabetização e, de acordo com as concepções de
Silva (2009), acima destacadas, ressalto a necessidade da constante análise do
nível de compreensão textual dos alunos, por parte dos professores, (re)adequando,
sempre que necessário, as práticas docentes a esse respeito.
Questão 5 – A quinta etapa de questionamentos foi direcionada às respostas
dos alunos diante da interpretação de textos simples. As professoras apresentaram
suas impressões acerca deste aspecto e, pela segunda vez, identifiquei uma
congruência em suas considerações, ao afirmarem que os alunos “respondem com
frases mal estruturadas, comprometendo o significado”.
A opção por essa alternativa de resposta ilustra que, na opinião das duas
professoras, há um problema quanto à organização e formulação fraseológica, por
parte dos estudantes analisados, frente ao ato de se posicionarem em relação à
interpretação de textos simples. A essa dificuldade verificada, Silva (2009) atribui
alguns fatores sociais:
É possível traçar uma análise sobre o papel da escola em nossa sociedade, tendo em vista que as condições privilegiadas ou não dos alunos têm uma forte relevância, pois o privilégio econômico está diretamente ligado ao capital cultural. O sistema de valores interiorizados que são eficazes para a legitimidade da escola são transmitidos de “cima para baixo” e mostram a linguagem da elite. É por este fato que as crianças da classe baixa têm de estudar muito mais do que as da classe alta, pois a origem social interfere na trajetória escolar do indivíduo. (SILVA, 2009, p. 19).
106
As análises socioeconômicas do sistema educacional brasileiro não estão
inseridas, de maneira aprofundada, nos propósitos investigativos da presente
pesquisa. Entretanto, é importante considerar alguns aspectos, relacionados às
dificuldades estruturais de nosso organograma público de ensino e, longe do
objetivo de mapeá-las, apenas mencionei algumas dessas considerações para
ampliar o leque de esclarecimentos, como os posicionamentos supracitados por
Silva (2009).
Questão 6 – Relacionada ao ditado de palavras, esta questão tem por
objetivo investigar, do ponto de vista das professoras, a capacidade dos alunos para
transcrever palavras reproduzidas oralmente. A da EEEFM Deodoro de Mendonça
respondeu que seus alunos “cometem alguns erros de trocas de letras,
comprometendo a compreensão”. Na concepção da professora da EEEFM Pinto
Marques, os estudantes “acertam as palavras, com alguns erros ortográficos, não
comprometendo a compreensão”.
Nos dois casos foram apontados erros ortográficos na transcrição de palavras
ditadas, mas, de acordo com os dados coletados, os alunos da EEEFM Deodoro de
Mendonça demonstram maiores dificuldades quanto à inteligibilidade de seus
escritos, enquanto que, na EEEFM Pinto Marques, as inadequações não chegam a
comprometer a compreensão.
A instrumentalização para o sentido da escrita, primando pela compreensão
daquilo que se escreve, deve perpassar pelo contato com gêneros diversificados,
como lendas folclóricas, notícias de jornal, contos ou expressões artísticas. Dessa
maneira, mesmo com algumas dificuldades no domínio do código alfabético formal,
o indivíduo é capaz de representar uma ideia. Abaixo, o posicionamento de Costa
(2004) reforça tal análise:
Desse modo, quando a criança entra em contato com gêneros diversos – histórias, lendas, notícias de jornal, poesias, etc -, mesmo que ainda não saiba escrever segundo as convenções do sistema de escritura de sua língua, estará se apropriando de um conjunto de instrumentos (os técnicos, o sistema de escritura e, sobretudo, os gêneros), essencial à construção de uma nova função psicológica: o letramento escolar (a escrita). (COSTA, 2004, p. 46).
Portanto, de acordo com o autor, é possível inferir que, quanto maior o
contato com diferentes gêneros expressivos e informativos, melhor a capacidade de
107
representação escrita de uma ideia ou palavra verbalizada, mesmo com a ocorrência
de “inadequações” à norma culta do sistema linguístico vigente.
Questão 7 – A sétima (e última) questão do referido instrumento de coleta de
dados refere-se à cópia da lousa, ou a capacidade dos alunos para transferir, de
forma fidedigna para o caderno, os textos apresentados pelas professoras, em sala
de aula. Os registros apontaram, mais uma vez, igualdade entre as respostas.
As duas professoras informaram que, em sua maioria, os alunos “copiam sem
erros, mas com velocidade reduzida”. A dificuldade aqui apontada refere-se à
coordenação motora para a escrita, uma vez que a prática manuscrita não é, na
atualidade, algo constante e frequente. Considero que tal fato não é observado,
apenas, entre a comunidade escolar, mas na sociedade de maneira geral.
Os recursos tecnológicos podem trazer alguns “efeitos colaterais”. Um deles
está na escrita cada vez mais digitalizada (em computadores, smartphones, tablets
etc.). É como se as pessoas estivessem, por falta de hábito, “perdendo a prática” da
escrita à mão. Contudo, é praticamente impossível negar ou recusar totalmente a
utilização de recursos tecnológicos modernos para a aprendizagem da escrita como,
infelizmente, algumas instituições de ensino ainda fazem.
Entendo, portanto, que é necessário um equilíbrio entre a utilização dos
recursos tecnológicos e as práticas manuscritas de escrita. A esse respeito, Diaz
(2004) afirma que:
Hoje, as crianças, independentemente da condição socioeconômica dispõem de aparelhos de vídeo, DVD, brinquedos eletrônicos e computadores com múltiplos recursos de som e vídeo, acesso à internet que facilitam a comunicação quase que instantânea com os outros que fisicamente estão distantes. Estas nascem mergulhadas nestas tecnologias e mostram-se abertas e desinibidas quanto ao uso das mesmas, porém a escola reluta em usar tais ferramentas que podem ser desencadeadoras de aprendizagens (algumas vezes por temor, outras por desconhecimento). (DIAZ, 2004, p. 160).
O desafio não está na tentativa de abolir o uso das tecnologias digitais, mas
em combiná-las, de maneira harmônica, às nuances manuais de escrita,
promovendo o desenvolvimento da coordenação motora e evitando os vícios do
chamado internetês30.
30 Neologismo (de: internet + sufixo ês) que designa a linguagem escrita utilizada no meio virtual, em
que as palavras são comumente abreviadas até o ponto de se transformarem em uma única expressão, com o uso reduzido de caracteres, valorizando a fonética em detrimento da etimologia.
108
Para sistematizar esta primeira fase de coleta de dados, utilizei a seguinte
organização: cada questão contou com 05 (cinco) possibilidades de respostas, com
as mesmas sendo dispostas em níveis (de menos satisfatório para mais satisfatório),
evoluindo em insuficiente; não satisfatório; pouco satisfatório; satisfatório;
plenamente satisfatório. A partir disso, ordenei a coleta destas informações com o
quadro 4:
Quadro 4 - Síntese analítica do questionário direcionado às professoras
QUESTÃO FOCO DE
ANÁLISE
INSTITUIÇÃO/CONCEITO
EEEFM Deodoro de Mendonça
INSTITUIÇÃO/CONCEITO
EEEFM Pinto Marques
1 Interesse da
turma pela
aprendizagem
NÃO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO
2 Atenção e
concentração
em sala de
aula
POUCO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO
3 Leitura de
palavras POUCO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO
4 Leitura de
textos simples NÃO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO
5 Interpretação
de textos
simples
POUCO SATISFATÓRIO POUCO SATISFATÓRIO
6 Ditado de
palavras POUCO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO
7 Cópia da lousa SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO
Fonte: coleta de dados
4.2 Diretrizes para o letramento musical na educação regular
Antes das análises dos dados coletados a partir do instrumento direcionado
aos alunos, optei por alguns esclarecimentos acerca de estruturações para o
letramento musical, praticado em instituições regulares de ensino, principalmente
referentes aos processos avaliativos na área. Tais esclarecimentos servem para
uma melhor compreensão das atividades de educação musical, desenvolvidas na
EEEFM Pinto Marques.
109
A inserção das concepções de letramento musical na educação regular, ou
seja, não relacionadas a instituições especícicas de ensino da música, é tema de
diversas discussões no âmbito acadêmico. A professora Cecília Cavalieri França
publicou, em 2010, um artigo intitulado Dizer o “dizível”: avaliação sistêmica em
música na escola regular31.
O referido estudo apresenta uma proposta metodológica para as diretrizes de
inserção do ensino da música na educação regular, mais especificamente no que se
refere aos processos avaliativos. Vale ressaltar que, na EEEFM Pinto Marques, as
atividades de educação musical são balizadas, entre outros aspectos, pelas
estruturações metodológicas apresentadas pela professora Cecília Cavalieri França.
Do ponto de vista de sua adequação ao currículo escolar, França (2010)
afirma que:
A consolidação da música no currículo escolar envolve uma longa agenda de discussão. Estamos começando a colher os frutos de esforços empreendidos pela construção da identidade epistemológica da nossa disciplina e pelo aperfeiçoamento da prática pedagógica, incluindo processos de construção curricular e avaliação. Vários autores têm revelado preocupação sobre a necessidade de se delinearem bases sobre as quais pautar o processo de avaliação na nossa área. (FRANÇA, 2010, p. 94).
Enquanto um conjunto de saberes relacionados ao fenômeno sonoro, o
letramento musical possui uma abordagem essenciamente prática. A metodologia
desenvolvida não deve ser baseada em conceitos demasiadamente teóricos, alheios
às percepções sensoriais ou movimentações corporais do aluno, como ressalta
França (2010):
A metodologia de trabalho parte da percepção sensorial, envolve o corpo e a plasticidade do movimento, a performance vocal, corporal e instrumental, a exploração criativa dos conteúdos, a formulação de hipóteses sobre o registro gráfico. Com isso, mobiliza a atitude corporal e psicológica, desenvolve a identidade musical e social do aluno e promove a construção de significados individuais e coletivos. (FRANÇA, 2010, p. 94).
De acordo com a autora, as conscientizações corporais, psicológicas e sociais
do aluno devem fazer parte do planejamento curricular do ensino da música e, nesse
sentido, promover o desenvolvimento de habilidades para além da mera esfera
31 FRANÇA, Cecília Cavalieri. Dizer o “dizível”: avaliação sistêmica em música na escola regular.
Porto Alegre: ABEM, v. 24, 2010 (p. 94 – 106).
110
teórica. A avaliação desse processo deve, ainda segundo França (2010, p. 95),
ocorrer “mediante a cuidadosa observação da prática, preferencialmente de forma
individual ou em pequenos grupos.”
Em termos educacionais, os conteúdos musicais são passíveis de avaliações
sistemáticas e objetivas, a partir da observação de conceitos relacionados a
habilidades e competências, comuns em outras áreas do conhecimento. França
(2010) descreve tais características, sem distinções, em comparação a outras
disciplinas:
[...] existem aspectos bastante concretos, cuja verificação objetiva nos possibilita detectar problemas de aprendizado de conteúdos específicos. Sim, nós temos conteúdos, habilidades e competências, assim como as demais áreas do conhecimento, que podem ser avaliados objetivamente sem que a integridade da experiência musical – que nos move, comove e arrepia – seja comprometida. (FRANÇA, 2010, p. 95).
Os processos avaliativos, como ressalta França (2010), podem ser objetivos e
representarem um ferramenta pedagógica de verificação, quanto à aquisição das
habilidades referentes ao letramento musical. Dessa maneira, o professor terá
condições de elaborar atividades mais direcionadas, buscando minimizar as
possíveis dificuldades demonstradas pelos alunos.
A detecção das dificuldades de aprendizagem, relacionadas à música, pode
variar de acordo com as especificidades de cada aluno. Neste sentido, uma das
propostas de França (2010), é a aplicação de um modelo avaliativo denominado
Avaliação Sistêmica.
O processo de avaliação sistêmica32 pode ser aplicado à música e, nesse
sentido, proporcionar, ao professor, uma espécie de mapeamento acerca da
qualidade de suas ações, bem como auxiliar em possíveis mudanças de
direcionamentos didáticos.
Com relação ao surgimento desse tipo de ferramenta no currículo educacional
brasileiro, no final da década de 1980, França (2010) esclarece que:
32 A avaliação sistêmica é um processo complexo de avaliação em larga escala por meio de testes
com questões fechadas e abertas, que permite o mapeamento do desempenho dos alunos e a conseguinte avaliação da qualidade do ensino. Ao contrário da avaliação convencional, esses testes não valem como pontuação ou classificação para os alunos, mas como diagnóstico sobre a eficácia e os eventuais problemas do ensino, visando o direcionamento de políticas públicas e estratégias pedagógicas corretivas. (FRANÇA, 2010, p. 95).
111
Programas de avaliação sistêmica surgiram no Brasil no final da década de 1980. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é aplicado em populações amostrais nas séries finais de cada segmento, ou seja, 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, em escola públicas e privadas. A Prova Brasil, criada em 2005 e de abrangência censitária, é aplicada aos alunos de 5º e 9º anos de escolas públicas urbanas. Outros programas nacionais de avaliação incluem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que certifica o aluno egresso da educação básica, e o Exame Nacional de Cursos (ENC), que avalia a qualidade do ensino superior. (FRANÇA, 2010, p. 95).
O principal intuito é avaliar a construção de competências que, de acordo com
França (2010, p. 95) “significa aprender a agir a partir do conhecimento adquirido.”
Portanto, entendo que a concepção de “competência”, a partir da abordagem da
autora, está diretamente relacionada ao letramento que, associada à música, analisa
o desenvolvimento do letramento musical.
A elaboração dos testes está de acordo com uma matriz de referência, a qual,
de acordo com França (2010):
Representa um mapa de possibilidades e deve ser utilizada a partir de uma concepção rizomática, na qual os diversos tópicos se interconectem, permitindo incursões recíprocas. É um mapeamento cuja visualização ajuda a sustentar o incrível corpus de experiências e conteúdos que nossa inesgotável área comporta. (FRANÇA, 2010, p. 96).
A matriz de referência em música, segundo as abordagens da autora, deve
explicitar conteúdos e habilidades, passíveis de aferição por meio de testes
objetivos. Com relação às temáticas, França (2010, p. 96) indica seis pilares básicos:
“duração; altura; timbre e intensidade; caráter expressivo e contexto; estruturação
musical; notação musical."
A estruturação, sugerida pela autora, divide cada tema em tópicos que, por
sua vez, possuem diferentes descritores, os quais representam a associação de
uma habilidade intelectual a um conteúdo mais específico. O quadro 5 é um exemplo
da matriz de referência sugerida por França (2010), relacionado à temática duração:
112
Quadro 5 - Fragmento da matriz de referência em música (tema: duração)
TEMA: DURAÇÃO
TÓPICOS DESCRITORES
Tópico I:
Curto e
longo.
D1: Identificar sons curtos e longos presentes nos ambientes social e natural.
D2: Associar sons curtos, longos e silêncio, medidos ou não, à representação
gráfica.
D3: Identificar padrões de sons curtos e longos medidos no repertório de
apreciação e performance.
Tópico II:
Modos
rítmicos
(pulso, apoio,
divisão e
ritmo real).
D4: Diferenciar música com e sem pulso regular.
D5: Distinguir entre os modos rítmicos básicos (pulso, apoio, ritmo, divisão).
D6: Compreender a relação entre os modos rítmicos.
D7: Associar modos rítmicos a timbres e outros parâmetros.
Tópico III:
Tempo.
D8: Compreender o conceito de andamento.
D9: Classificar elementos dos ambientes social e natural conforme o andamento.
D10: Identificar auditivamente variações de andamento (ex.: lento, moderado e
rápido).
D11: Associar variações de andamento a mudanças de caráter e de forma.
D12: Identificar indicações de andamento como rallentando, accelerando e outras.
Tópico IV:
Padrões
rítmicos
básicos.
D13: Reconhecer auditivamente sequências com pulsos de som e silêncio.
D14: Associar pulsos de som e silêncio à representação gráfica proporcional.
D15: Associar gráficos proporcionais à notação rítmica com colcheias, semínima,
pausa de semínima, mínima e pausa de mínima.
D16: Reconhecer auditivamente sequências rítmicas com colcheias, semínima,
pausa de semínima, mínima e pausa de mínima.
D17: Reconhecer auditivamente o padrão rítmico de quatro semicolcheias.
D18: Reconhecer auditivamente a síncope formada por semicolcheia, colcheia,
semicolcheia.
D19: Identificar o número de pulsações contido nas sequências rítmicas (base
semínima).
D20: Identificar as figuras rítmicas e suas pausas.
Tópico V:
Compassos
simples
(base
semínima).
D21: Classificar compassos (binário, ternário, quaternário) a partir da escuta.
D22: Realizar a divisão de compassos.
D23: Compreender o conceito de anacruse.
D24: Identificar auditivamente o anacruse.
Fonte: França (2010, p. 97).
113
A autora segue ressaltando que a matriz apresenta condições para a
elaboração de testes, os quais devem ser “compostos por questões fechadas, de
múltipla escolha, chamadas ‘itens’. Eles devem seguir uma formatação rigorosa em
cada um de seus componentes: enunciado, comando e alternativas.” (FRANÇA,
2010, p. 96).
A estrutura dos testes avaliativos será demonstrada a seguir.
4.2.1 Estrutura de testes avaliativos em música
A proposta de testes avaliativos de França (2010), para o letramento musical,
está relacionada com a matriz curricular anteriormente apresentada. As sugestões
da autora contemplam a seleção de itens que, a priori, devem ser “pré-testados” com
uma amostragem de alunos, da seguinte maneira:
À medida que os problemas de aprendizagem foram sendo identificados, passei a direcionar a elaboração e a seleção dos itens que deveriam compor os testes. Todos os itens são pré-testados da seguinte forma: uma amostra dos alunos realiza um pré-teste. Os resultados são processados estatisticamente e os itens que atingem um índice de acerto menor que 25% ou maior que 75%, aproximadamente, são eliminados por se revelarem muito fáceis ou muito difíceis. (FRANÇA, 2010, p. 96).
O intuito da autora, com a aplicação dos pré-testes, é organizar os itens que,
estatisticamente, serão passíveis de uma avaliação mais consistente. As
abordagens com índices de acertos maiores que 75% e menores que 25% são,
respectivamente, consideradas muito fáceis ou muito difíceis e, portanto, serão
descartadas do teste final. O gráfico 1 representa a ilustração dessa margem,
proposta por França (2010):
114
Gráfico 1 - Representação estatística do pré-teste
Ítens com acertos
Muito fáceis (acima de 75% de acertos)
Muito difíceis (abaixo de 25% de acertos)
Índice satisfatório
Fonte: França (2010, p. 96).
Os itens que estiverem dentro da margem considerada por França (2010, p.
96) “um índice satisfatório”, ou seja, acima de 25% e até 75% de acertos serão,
portanto, indicados a comporem o teste em sua forma final.
Com relação à estrutura do teste, a autora segue esclarecendo que:
O teste perpassa todos os temas da matriz curricular. Alguns itens incluem a escuta de trechos musicais, o que é confortador, já que pelo menos parte do conteúdo testado terá vínculo com a experiência musical ativa. Além desses itens com estímulo musical, procurei elaborar outros, baseados na memória ou na experiência musical prévia, portanto numa escuta internalizada. Uma parcela menor de itens trata especificamente de conteúdos “teóricos” ou dados baseados na memorização, como nome das figuras rítmicas, dos compositores, sinais gráficos etc. (FRANÇA, 2010, p. 96-97).
De acordo com a autora, a sugestão do teste enfatiza a experiência musical e,
ainda que os conteúdos teóricos sejam importantes, estes serão abordados com
menor ênfase. Entendo, portanto, que sua aplicabilidade está realmente voltada ao
ensino regular, uma vez que o letramento musical, não necessariamente direcionado
a instituições especializadas, prima pelos saberes aplicados e o desenvolvimento de
habilidades sociais relacionadas a arte dos sons.
O quadro 6 apresenta dois exemplos de questões do teste proposto por
França (2010). Ambas são relacionadas à avaliação direcionada ao primeiro tópico
115
(curto e longo), item “D1: identificar sons curtos e longos presentes no ambiente
social e natural.” (FRANÇA, 2010, p. 97):
Quadro 6 – Fragmento do teste avaliativo (tópico I – item D1)
AVALIAÇÃO: TÓPICO I – ÍTEM D1
Questão 1 Todas as opções apresentam exemplos de sons curtos, EXCETO:
A) Telefone ocupado.
B) Galo cantando.
C) Sinal do colégio.
D) Soluço.
Questão 2 Você ouvirá uma gravação feita no centro da cidade. Dos sons ouvidos, qual
deles é o mais longo?
A) Freio do ônibus.
B) Apito do guarda de trânsito.
C) Buzina de carro.
D) Moto passando.
Fonte: França (2010, p. 97-98).
Com relação às competências contidas nos exemplos de questões do quadro
6, França (2010) segue esclarecendo:
O primeiro envolve uma competência básica e se apoia na experiência de sons percebidos no cotidiano. O segundo exemplo deriva do mesmo descritor, mas avalia uma competência operacional, pois exige uma discriminação auditiva mais refinada, incluindo não apenas a identificação, mas também a comparação e a abstração de um entre vários sons, alguns deles simultâneos. (FRANÇA, 2010, p. 97).
Seguindo em seus exemplos de testes avaliativos e, agora, em relação ao
segundo tópico do tema “duração”, o qual contempla os modos rítmicos básicos
(pulso, apoio, divisão e ritmo real), França (2010) ressalta que:
Os modos rítmicos são elementos estruturantes do ritmo, cujo domínio subsidia o refinamento da percepção rítmica. Esses elementos interligam-se à percepção e à representação gráfica de sons curtos e longos medidos. No entanto, quando abordados separadamente, podem nos fornecer dados mais específicos sobre o desempenho dos alunos e apontar a necessidade de intervenções localizadas. (FRANÇA, 2010, p. 99).
116
O pulso é a referência para o trabalho, gradativo, relacionado aos modos
rítmicos. De acordo com França (2010, p. 99) “além da capacidade de distinguir
entre os modos rítmicos, testa-se a associação desses a timbres específicos dentro
de obras musicais”. Ou seja, além do elemento sonoro abstrato (ruído), também são
analisadas aplicações em músicas conhecidas pelos alunos.
Elementos relacionados ao item D 5, são avaliados nas duas questões
propostas por França (2010), a seguir, representadas pelo quadro 7:
Quadro 7 – Fragmento do teste avaliativo (tópico II – item D5)
AVALIAÇÃO: TÓPICO II – ÍTEM D5
Questão 1 Quando cantamos o Parabéns a você, as batidas realizadas com as palmas
correspondem:
A) Ao ritmo real.
B) À pulsação.
C) Ao apoio.
D) À divisão.
Questão 2 Você ouvirá a música Bamba-la-lão, realizada pela flauta. O que você ouviu
corresponde a qual aspecto da música?
A) Pulsação.
B) Apoio.
C) Ritmo real.
D) Divisão.
Fonte: França (2010, p. 99).
Em sua análise, acerca das questões representadas pelo quadro 7, as quais
estão relacionadas ao item D5, França (2010) faz os seguintes apontamentos:
O item [...] exemplifica o descritor “D5: Distinguir entre os modos rítmicos básicos (pulso, apoio, ritmo, divisão)”, valendo-se da experiência cotidiana do aluno [...]. O próximo exemplo é de um item com música que também envolve o mesmo descritor – a identificação de um dos modos rítmicos, no caso, o ritmo real. Na gravação, a canção é realizada pela flauta. O item revela se o aluno compreende o conceito em questão. (FRANÇA, 2010, p. 99).
117
O terceiro tópico, relacionado ao “tempo”, é direcionado às variações de
andamentos, ou velocidades de pulsação. Suas avaliações partem de pressupostos
sensoriais e corporais. De acordo com França (2010):
O tópico “Tempo” refere-se à percepção de diferenças e variações de andamento. Esses são aspectos musicais de apreensão intuitiva, trabalhados sensorial e corporalmente. [...] variações de andamento são vivenciadas em seu impacto sobre o caráter expressivo no repertório de apreciação, criação e performance. (FRANÇA, 2010, p. 100).
As questões propostas pela autora, relacionadas a este tópico, estão
demonstradas no quadro 8. Dois itens diferentes serão abordados: D8 (em que o
conceito de andamento pode ser compreendido com elementos do cotidiano) e D12
(com a associação da audição a terminologias técnicas):
Quadro 8 – Fragmento do teste avaliativo (tópico III – itens D8 e D12)
AVALIAÇÃO: TÓPICO III – ÍTENS D8 e D12
Questão 1
(D 8)
Todos os elementos abaixo podem variar o andamento, EXCETO:
A) Automóvel.
B) Avião.
C) Relógio.
D) Caixinha de música.
Questão 2
(D 12)
Você ouvirá um trecho musical. A variação de andamento neste trecho é
chamada de:
A) Ostinato.
B) Accelerando.
C) Fermata.
D) Rallentando.
Fonte: França (2010, p. 100).
O quarto tópico, relacionado aos “padrões rítmicos básicos”, é o ponto de
partida para a aquisição de habilidades referentes à notação musical. As noções
gráficas, utilizadas no sistema denominado partitura, devem ser associadas,
gradativamente, à símbolos já familiares ao aluno.
118
De acordo com França (2010, p. 100), “a identificação de figuras rítmicas e
suas pausas é uma competência básica apoiada na memorização.” Portanto, suas
sugestões de testes, relacionadas a tal aspecto, envolvem a associação de um
símbolo “novo” a outro já conhecido.
O quadro 9 representa um exemplo de questão em que, de maneira
comparativa, os elementos relacionados à simbologia rítmica são avaliados. O item
abordado é o D15, onde gráficos proporcionais devem ser associados às figuras
musicais:
Quadro 9 – Fragmento do teste avaliativo (tópico IV – item D15)33
AVALIAÇÃO: TÓPICO IV – ÍTENS D8 e D12
Relação entre símbolos preenchidos/vazios a sons e pausas
Fonte: França (2010, p. 101).
33 Cada figura musical de som possui a sua equivalência em silêncio. Portanto, embora as alternativas
“B” e “C” apresentem semelhanças sequenciais, espera-se que, neste momento da aprendizagem, o aluno compreenda que as correspondências entre som e silêncio das figuras demonstradas, sejam,
respectivamente: . Portanto, a alternativa correta é a “B”.
119
O quinto e último tópico, de acordo com a matriz de referência proposta por
França (2010), é direcionado à compreensão de compassos. Este aspecto envolve,
basicamente, o agrupamento de pulsos em fragmentos iguais, ou seja, em uma
comparação didática, a título de compreensão, se uma moeda de um real representa
um pulso, uma nota de cinco reais será um “compasso quinário”, formado por cinco
pulsos agrupados.
O item D22 que, de acordo com França (2010, p. 101), refere-se a “realizar a
divisão de compassos”, pode ser avaliado, ainda segundo suas concepções, pela
questão representada no quadro 10:
Quadro 10 – Fragmento do teste avaliativo (tópico V – item D22)34
AVALIAÇÃO: TÓPICO V – ÍTEM D22
Agrupamento de compassos a partir de figuras rítmicas
Fonte: França (2010, p. 101).
34 Um compasso binário é formado por dois pulsos e, no caso em questão, a figura representativa da
unidade de tempo é a semínima (preenchida). As figuras musicais possuem uma relação de proporcionalidade entre si, onde a figura vazia (mínima) tem o dobro da duração da anterior. Portanto, contando com suas pausas correspondentes e, em uma análise lógico/matemática, há um total de 12 pulsos na sequência simbólica apresentada. A alternativa que representa a resposta correta é a letra “B”, pois indica seis compassos binários.
120
De acordo com a autora, os conceitos relacionados à notação musical devem
ser desenvolvidos de maneira gradativa. A questão anteriormente representada,
referente à grafia de elementos rítmicos, está enquadrada em um momento
educacional em que o aluno, em tese, já tenha assimilado a compreensão de pulso,
som e silêncio. A esse respeito, França (2010) aponta que:
À medida que os alunos forem demonstrando capacidade de elaboração dos conceitos, deve-se procurar ampliar suas competências perceptivas, criativas e notacionais. Tão logo assimilados os conceitos de pulso, de som e de silêncio, podem ser apresentadas figuras de ritmo básicas: semínima e mínima com suas respectivas pausas e o padrão de duas colcheias. Os alunos devem ser capazes de transferir a realização cantada ou tocada dos gráficos para a escrita rítmica dos mesmos (ditados escritos ou jogos de cartões). Esses conteúdos devem ter aplicação musical imediata a partir de trechos de obras, canções e parlendas adequados ao trabalho [...] (FRANÇA, 2010, p. 103).
Os cinco tópicos analisados, do ponto de vista avaliativo, servem para ilustrar,
ainda que de maneira fragmentada, as concepções da autora para a aferição dos
resultados da aprendizagem musical. O intuito desta ferramenta metodológica é
fornecer feedback pedagógico, como ressalta França (2010):
O sentido da avaliação em larga escala é fornecer informações sobre a eficácia e as falhas do ensino. Os resultados repercutem, portanto, no cotidiano escolar. São revertidos em feedback pedagógico para os professores e coordenadores envolvidos, provocando constante revisão dos programas das séries, objetivando-se o melhor aproveitamento dos alunos. A partir dos dados, é possível localizar em qual nível cada aluno se encontra em relação aos diversos aspectos do conteúdo. Por exemplo: um aluno pode revelar uma proficiência avançada na nomeação das figuras rítmicas, mas situar-se no nível elementar quanto à percepção dos modos rítmicos. Em cada série letiva, são, então, retomados os descritores pertinentes, bem como os conceitos recorrentes e/ou cumulativos. Em alguns casos, são necessários ajustes, deslocamentos de conteúdos entre séries consecutivas e mudanças de estratégias pedagógicas visando a otimização da construção conceitual pelos alunos. São planejados trabalhos em níveis de dificuldade diferenciados para atender às necessidades deles, incluindo-se atividades do livro didático, materiais complementares, atividades extraclasse etc. (FRANÇA, 2010, p. 102).
A proposta da autora, para os testes avaliativos em música, contempla uma
sistematização para a análise dos resultados. Após a organização estatística (de
erros e acertos), a Escala de Proficiência é o instrumento utilizado para determinar a
relação entre conteúdos e competências.
Os dados coletados, a partir dos testes avaliativos propostos por França
(2010), são organizados estatisticamente de acordo com a Teoria de Resposta ao
121
Item (TRI)35. Trata-se de um conjunto de modelos estatisticos, em que as análises
não são baseadas em meros termos numéricos, mas, principalmente, qualitativos.
De acordo com França (2010):
A tecnologia dos testes é baseada na teoria de resposta ao item (TRI), um conjunto de modelos estatísticos aplicados em avaliações de habilidades em larga escala [...] A TRI permite comparar resultados de testes diferentes realizados por alunos diferentes. Nessa concepção de avaliação, importa quais questões o indivíduo acerta, e não quantas ele acerta. (FRANÇA, 2010, p. 98).
A partir dos dados estatísticos, organizados de acordo com a TRI, a autora
sugere a construção de um instrumento denominado Escala de Proficiência. Refere-
se ao nível de complexidade para a elaboração de um conceito ou, a grosso modo,
“a quantidade de competência necessária para se resolver determinado item.”
(FRANÇA, 2010, p. 98).
A combinação da TRI, com a escala de proficiência, tem por objetivo a
investigação do nível de aobsorção dos conteúdos musicais. Esse princípio
avaliativo pode proporcionar uma observação mais apurada, acerca da qualidade
dialética entre ensino e aprendizagem em música.
A materialização de determinados aspectos musicais em termos objetivos, do
ponto de vista avaliativo, não é uma tarefa simples, como afirma França (2010):
Materializar certos aspectos da música em testes objetivos não é uma tarefa simples. Trabalho continuamente na revisão da matriz de referência e na construção dos itens para que ambos alcancem um grau de validade satisfatório. Alguns aspectos ainda estão em processo de construção ou se mostram frágeis. Há muito mais coisas ainda encobertas do que as já reveladas. É um constante aprendizado que surpreende e movimenta todo o tempo. Vamos caminhando: o olhar macro dos testes estatísticos; o olhar próximo na sala de aula. (FRANÇA, 2010, p. 105).
Não pretendo, com a presente pesquisa, detalhar todos os aspectos da
metodologia avaliativa baseada na escala de proficiência, uma vez que, de acordo
com França (2010, p. 98), representa um conjunto de “estatísticas complexas [...],
elaborada por uma equipe de estatísticos.” Além disso, constatei que este modelo é
utilizado apenas como embasamento para as aulas de música desenvolvidas na
EEEFM Pinto Marques, não como uma regra rígida a ser seguida.
35 Um exemplo de teste que adota esta concepção avaliativa é o Toefl, um dos exames de proficiência
em língua inglesa mais aplicados no mundo, reconhecido em mais de 130 países.
122
O principal elemento deste processo, que realmente norteia os parâmetros
avaliativos na referida instituição, é a concepção qualitativa. Em outras palavras, o
desenvolvimento do letramento musical não é medido a partir da quantificação de
erros ou acertos nos testes aplicados, mas por meio da observação, relativa à
evolução dos alunos quanto à aquisição de habilidades musicais, descritas na matriz
de referência.
A seção secundária, a seguir, é referente à análise dos dados obtidos com o
questionário direcionado a seis alunos de cada instituição. O referido instrumento é,
basicamente, um teste de interpretação textual, contando, inclusive, com questões
relacionadas à produção de sentenças curtas.
O intuito é comparar as interpretações e produções textuais entre os alunos
da EEEFM Pinto Marques, que possuem o letramento musical inserido em suas
atividades curriculares, e os discentes da EEEFM Deodoro de Mendonça, os quais
não contam com o mesmo acesso.
4.3 Análise sobre o teste aplicado aos alunos
Como sondagem acerca da leitura e escrita dos alunos analisados, utilizei um
questionário na modalidade semiaberta, com quatro questões fechadas (objetivas) e
uma aberta (subjetiva).
Com vistas à viabilidade da pesquisa, a amostragem para aplicação
compreende 06 (seis) alunos de cada instituição. Os dois grupos foram divididos em
três níveis, indicados de acordo com os critérios avaliativos das professoras
responsáveis, as quais participavam do cotidiano educacional das turmas em
relação ao rendimento em sala de aula.
Não há qualquer tipo de informação que identifique os alunos, apenas
números de controle para referenciar os diferentes níveis que, por questões éticas,
não foram informados aos estudantes participantes. Os três graus de rendimento
são os seguintes: 1) Rendimento bom; 2) Rendimento mediano; 3) Rendimento
regular36.
36 As indicações relacionadas ao rendimento dos alunos, bem como a seleção dos participantes,
foram realizadas pelas professoras, que optaram por não informar seus critérios.
123
A primeira etapa do referido instrumento de coleta de dados é composta por
04 (quatro) questões objetivas, referentes à assimilação e interpretação textuais e,
cada uma, conta com quatro alternativas de respostas.
Os níveis de linguagem utilizada e/ou elementos simbólicos são condizentes
com o período educacional em questão (6º ano). A segunda etapa, referente a uma
questão subjetiva, tem o intuito de verificar a produção textual dos alunos, a partir da
audição simultânea de um evento musical. A obra utilizada foi “As Quatro
Estações”37, do compositor italiano Antonio Lucio Vivaldi (1678 – 1741).
Durante a atividade de audição musical, pedi aos alunos que, de acordo com
a música referente a cada estação do ano, escrevessem suas impressões acerca do
período (características, temperatura e elementos sonoros que os remetessem
àquilo). Os relatos deveriam ser curtos, contendo três linhas no máximo e, como
regra estabelecida, a música referente à próxima “estação” só seria executada
quando todos terminassem de dissertar sobre a anterior.
Vale ressaltar que não se tratou de um “teste musical”, com especificidades
técnicas. A utilização do elemento sonoro serviu apenas como ilustração auditiva
para a produção textual. A seguir, apresento as quatro questões objetivas do
referido instrumento, bem como as opções de respostas assinaladas pelos alunos.
A primeira questão, referente a uma dica para a prevenção de dores nas
costas, apresenta uma relação entre a palavra destacada e o texto enunciado.
Apesar de outras alternativas indicarem informações coerentes, apenas a opção “B”
tem relação direta com o comando determinado. Todos os alunos da EEEFM Pinto
Marques acertaram, enquanto que, na EEEFM Deodoro de Mendonça, um aluno
marcou a alternativa “C”.
QUESTÃO 1: Leia o texto abaixo:
Dicas Para Prevenir Dores nas Costas Para não agredir a coluna, é preciso evitar movimentos bruscos, ao levantar pela manhã. Espreguiçar e usar os braços para suspender o tronco, enquanto apoiam-se os pés no chão, são atividades indicadas.
37 Le quattro stagioni, conhecidos em português como As Quatro Estações, são quatro concertos para
violino e orquestra, compostos em 1723 e parte de uma série de doze, publicados em Amsterdã, em 1725, intitulada Il cimento dell'armonia e dell'inventione. Ao contrário da maioria dos concertos de Vivaldi, esses quatro têm um programa claro: vinham acompanhados por um soneto ilustrativo impresso na parte do primeiro violino, cada um sobre o tema da respectiva estação.
124
Essa “dica” aconselha o leitor a evitar: a) Andar de tamancos ou chinelos. b) Levantar-se da cama repentinamente. c) Engordar demais. d) Usar colchões muito duros ou macios demais.
Ainda que a indicação para evitar “engordar demais” seja relevante, em
termos da prevenção de dores nas costas, tal sentença não tem relação com o texto
enunciado e, a este respeito, entendo que faltou, para o aluno em questão, a leitura
correlacionada, entre o comando textual e as alternativas apresentadas.
A segunda questão, ilustrando um tipo de anúncio, apresenta o verbo
“vender” como a principal finalidade do possível autor. As alternativas indicam
diversos outros verbos ou ações mas, apenas a opção “D”, demonstra coerência
com o enunciado.
QUESTÃO 2: Leia o texto abaixo:
Passo Toda Uma Coleção Quase de Graça Quero vender minha coleção de selos antigos para quem possa continuar a colecionar. Foi herança do meu avô, mas eu não me interesso por isso. E também não quero deixa-la estragar. Aceito oferta, independente do preço. O que quero é que alguém dê continuidade à coleção dele e aproveite bem mais do que eu esta herança. Informações, ligue 4120-8954. O objetivo deste texto é: a) Discutir o preço dos selos. b) Fazer um leilão de selos. c) Doar a coleção de selos. d) Vender uma coleção de selos.
Neste momento, todos os alunos, das duas instituições, indicaram a
alternativa correta de resposta. Minha análise para o resultado generalizadamente
positivo, para a referida questão, está relacionada ao fato de que, normalmente, os
anúncios comerciais estão mais relacionados ao ato da “venda” do que, por
exemplo, à “doação”. Além disso, provavelmente, os alunos associaram a alternativa
ao verbo inicial do texto enunciado.
A terceira questão refere-se à interpretação de uma imagem. A ilustração é a
caricatura de uma professora, indicando, no quadro negro, uma sentença
matemática e, para tanto, utiliza representações de animais (gatos) para facilitar a
compreensão da operação de subtração.
125
QUESTÃO 3: Observe a imagem abaixo:
Fonte: http://vilavilaoviolaviola.blogspot.com.br/2010_04_01_archive.html
As imagens cômicas (divertidas) identificadas no quadrinho podem classificá-lo como uma: a) Linguagem culta (formal). b) Questão científica. c) Piada. d) Característica adequada à Educação.
O enunciado relaciona o tipo de linguagem utilizada (cômica) a um conteúdo
educacional, ou seja, uma estratégia didática em que os números foram substituídos
por figuras.
Os alunos da EEEFM Pinto marques, em sua totalidade, indicaram a
alternativa correta “D”, por entenderem que o recurso representando, apesar do
cunho cômico, não tem como finalidade principal a representação de uma piada, ao
contrário das indicações de dois alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça.
A quarta questão objetiva do referido instrumento, apresentada como notícia,
relata uma informação relacionada a testes científicos, acerca da possibilidade em
que os animais possam ter a capacidade de sonharem. O trecho destacado
evidencia claramente que, até o momento, tal tese ainda não foi confirmada.
QUESTÃO 4: Leia o quadro abaixo:
Testes como esses foram feitos com moscas, abelhas, escorpiões, baratas, peixes, cobras e outros bichos, dando, às vezes, resultados positivos, indicando que estes bichos têm uma forma primitiva de sono, embora até o momento, não se tenha nenhuma evidência de que sonhem.
126
No dicionário, encontramos os seguintes significados para apalavra evidência: 1. Qualidade ou caráter de evidente, atributo do que não dá margem à dúvida. 2. Condição de alguém ou algo que se destaca, que se sobressai, atraindo a atenção. 3. Aquilo que indica, com probabilidade, a existência de (algo); indicação, indício, sinal, traço. 4. Grau de clareza e distinção com que se apresenta ao espírito. 5. Descrição viva e minuciosa de um objeto. A expressão destacada na frase quer dizer que: a) Nunca se saberá se estes bichos sonham. b) Pode ser que um dia se descubra que esses bichos também sonham. c) Acredita-se que estes bichos sonhem como nós. d) É certo que estes bichos não sonham.
Ao analisar os dados, pude constatar que a questão supracitada gerou o
maior número de equívocos de interpretação, por parte dos alunos pesquisados. A
indicação de resposta correta é a letra “B”38, pois demonstra a falta de capacidade
dos animais para sonhar. Entretanto, de acordo com o contexto do enunciado, o qual
representa uma pesquisa ainda em andamento, não está eliminada a possibilidade
de descobertas futuras, principalmente pelo termo “até o momento”. Apenas um
aluno da EEEFM Pinto Marques não indicou esta alternativa como a correta.
Entre os alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça, mais da metade optaram
por outras alternativas mas, em nenhuma delas, a letra “D” que, a meu ver, poderia
sugerir, também, uma resposta coerente com a afirmação do enunciado.
A seguir, tabela 2 demonstra os dados coletados, acerca das questões
objetivas (primeira etapa). Indiquei apenas os acertos e erros, com a diferenciação
entre os níveis de rendimento (1, 2 e 3) e a especificação das duas instituições
analisadas (a íntegra do questionário consta em anexo).
38 De acordo com a fonte - caderno de 16 questões baseadas na Matriz Curricular do Ciclo
Complementar – a alternativa correta é a letra “B”.
127
Tabela 1 – Respostas do questionário fechado sobre interpretação textual
QUESTÃO 1 QUESTÃO 2 QUESTÃO 3 QUESTÃO 4
ESCOLA NÍVEIS CERTO ERRADO CERTO ERRADO CERTO ERRADO CERTO ERRADO
PIN
TO
MA
RQ
UE
S
1
X X X X
X X X X
2
X X X X
X X X X
3
X X X X
X X X X
DE
OD
OR
O D
E
ME
ND
ON
ÇA
1
X X X X
X X X X
2
X X X X
X X X X
3
X X X X
X X X X
Fonte: Coleta de dados.
De acordo com os dados coletados, em termos percentuais sobre
interpretação textual, houve 96% de aproveitamento entre os alunos da EEEFM
Pinto Marques. Já na EEEFM Deodoro de Mendonça, o índice é de 71%.
A seguir, o gráfico 2 ilustra tais informações, em termos comparativos entre os
alunos da EEEFM Pinto Marques e EEEFM Deodoro de Mendonça:
128
Gráfico 2 - Respostas dos alunos às questões objetivas
EEEFMPinto Marques
Acertos Erros
EEEFMDeodoro de Mendonça
Acertos Erros
Fonte: Coleta de dados.
A segunda parte do questionário, referente à produção textual alusiva às
quatro estações do ano, será descrita a seguir. Optei por transcrever as informações
fornecidas pelos alunos de maneira fidedigna, inclusive com eventuais “erros
ortográficos”. Para esta atividade, os alunos foram orientados a descreverem os
elementos de cada estação do ano, com o auxílio da audição da obra “As quatro
Estações”.
As atividades de associação, entre um evento musical e a produção textual,
podem ser embasadas pelas considerações de Sekeff (2007), ao descrever alguns
aspectos sensoriais, que podem ser estimulados por intermédio da música:
A música pode estimular na mente imagens sinestésicas, imagens de movimentos que parecem mesmo reais. Ao ouvir música podemos experimentar a sensação de executar movimentos. A música alimenta o poder da atenção prolongando essa capacidade, em pessoas predispostas, por períodos mais longos do que o provocado por determinadas drogas. (SEKEFF, 2007, p. 119).
Para uma melhor ambientação, demonstrarei as descrições textuais de uma
estação por vez, relacionando os alunos duas instituições. Ressalto ainda que, para
cada nível de rendimento, há dois estudantes, os quais não foram identificados
nominalmente.
129
PRIMAVERA (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Primavera é uma estação que me lembra folhas e é bastante rasoavél. - Aluno(a) nº2: Tem muitas coisas boas. Dias quentes e frios.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: No dia da primavera as árvore e as outras planta florese junta com a mãe natureza e os animais saem das tocas ou ninho para fora e espalham a legria. - Aluno(a) nº4: Diverção alegria tristeza felicidade.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Os pasaros cantam as flores nasce. - Aluno(a) nº6: Primavera onde as árvores mexem onde vento asopra as flores nascem no meu jardim.
PRIMAVERA (alunos da EEEFM Pinto Marques):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Pássaros cantando, árvores florindo, violinos imitando os sons de pássaros cantando, árvores com muitas frutas, cheiro de rosas, árvores brotando. - Aluno(a) nº2: Campos com flores, pássaros, árvores, cheiros de flores, árvores com frutas, violinos imitando pássaros.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: Primavera pra mim representa muitas flores, pássaros cantando, violino imitando pássaros. - Aluno(a) nº4: Pássaros cantando e árvores floridas.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
130
- Aluno(a) nº5: Perfume, música, muitas flores e pássaros cantando, pescina, calor agravél, perfume de flores, violino emitando os pássaros. - Aluno(a) nº6: Os passaro camtado os mares as árvóre floridas mas os violino tem som de passaro.
Na descrição da primavera, constatei que os doze alunos citaram elementos
pertinentes à estação. Entretanto, o grupo referente à EEEFM Deodoro de
Mendonça, além de apresentar mais erros ortográficos, também demonstrou menor
quantidade de elementos textuais, com informações menos detalhadas.
Vale salientar a observação dos alunos da EEEFM Pinto Marques, ao
perceberem um importante elemento musical presente na obra, quando os violinos
executam fragmentos melódicos que “simulam” o canto de pássaros. Além disso,
pude notar que, para cada item, esse grupo de estudantes demandava de mais
tempo para iniciar a produção textual, ouvindo um trecho da música antes de
começarem a escrever. Ribeiro (2004) analisa a postura do indivíduo, no momento
da produção textual:
No que diz respeito a alguns comportamentos do aluno no momento da produção textual ou oral, observa-se uma tendência a uma “postura mediúnica” diante da apresentação dos resultados de sua produção. Irrita-se, por exemplo, por “não conseguir escrever nada” em uma redação, sem perceber que dificilmente será bem sucedido se simplesmente pousar, com uma das mãos, o lápis sobre o papel e com a outra, apoiando a cabeça, aguardar uma inspiração para que, como em uma “atividade de psicografia”, a sua redação comece a surgir diante de seus olhos através de uma escrita fluída e correta. Mais uma vez reforça-se a necessidade de que alunos e professores dediquem-se a atividades preliminares à escrita (e também à leitura), a saber: planejar, executar, avaliar, re-planejar, fazendo adequações/interpretações coerentes com os contextos e objetivos. (RIBEIRO, 2004, p. 92-93).
As representações textuais sobre a primavera, de modo geral, contaram com
seus elementos básicos entre os dois grupos analisados (flores, pássaros, árvores
etc.). Identifiquei, entretanto, mais clareza, riqueza de detalhes e relações com
elementos musicais nos escritos dos alunos da EEEFM Pinto Marques.
131
VERÃO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Verão é uma estação que na minha opinião é muito bom para se divertir com aquele calor com a família em muitos lugares. - Aluno(a) nº2: O sol e quente mais é bom quando vamos para praia! e verão é muito bom tomar banho de sol e muito bom!
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: No verão e dia dos pais e filhos passarem um tempo junto e viajarem para lugares divertido como apraía, interior etc. - Aluno(a) nº4: Insolarado quente pipa para brincar no verão seco.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Não va chuver dia de brinca até tarde narrua porque to duente não podia pega chuva agora não vai mais chover. - Aluno(a) nº6: Onde o sol esta ardente as árvores crecem ainda mais as frutas caiem nossa terra ardente.
VERÃO (alunos da EEEFM Pinto Marques):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Calor, pessoas passeando nas praias, igarapés, picinas, biquínis, sorvetes, fazer muitas amizades, tomar água de côco, churrasco em família, boia na piscina, protetor solar. - Aluno(a) nº2: Calor, curtisão, picinas, praia, sorvete, garape, biquines, sungas, reprigerante, água camisetas, bermudas, férias, passeios, churrasco em pamília, tomo água de coco, proteto solar.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: Verão representa pra mim praia, piscina, igarapé e muito calor. - Aluno(a) nº4: Verão lembra praia, pisina, picolé, o sol escaudante, férias, igarapé.
132
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Tranquilo caumo, a gente pode observa o mar igarapé, viaja, rios, praia, tomar banho de piscina, tomar água de coco, sucos. - Aluno(a) nº6: Férias sombras águas de coco igarapé picinas praia amornia fala com amigos domim ater tarde acorda ater tarde e ser feliz verão e todo na vida. Assisti os prapalhoês.
Com relação às descrições do verão, constatei que os alunos fizeram
associações, tanto climáticas (sol e calor), quanto referentes ao período de férias
escolares que, no estado do Pará, ocorrem no mês de julho, coincidindo com a
época do ano que são registradas as mais elevadas temperaturas, com menores
incidências de chuvas. Por essa razão, tal recorte periódico é considerado o “verão
amazônico”.
As representações textuais, apesar de conterem indicações adequadas à
referida estação, apresentaram alguns erros que comprometem a compreensão,
como é possível observar no aluno nº 5, da EEEFM Deodoro de Mendonça, ao
utilizar termos como “Não va chuver dia de brinca até tarde narrua”. Ou ainda as
colocações sem conexão e com trocas de letras do aluno nº 6, da EEEFM Pinto
Marques, ao escrever “picinas praia amornia fala com amigos domim ater tarde
acorda ater tarde”.
Não abordarei, aqui, questões relacionadas aos conflitos entre normas padrão
e coloquial da linguagem escrita. Entretanto, o enfoque direcionado à construção
textual, envolve o conjunto de saberes necessários à compreensão clara das ideias
apresentadas. Silva (2009) descreve as “diferenças linguísticas”, ratificando a
importância do papel escolar em oferecer ferramentas técnicas para que o aluno
tenha condições de adequar suas representações textuais às diferentes
necessidades sociais. De acordo com esta a autora:
De acordo com a teoria das diferenças linguísticas, uma postura radical seria a mudança de atitudes dos professores e das escolas para se abrirem ao dialeto dos alunos e trabalharem com o uso deste, ao invés do dialeto-padrão. Para tanto, deveria ocorrer uma mudança da estrutura social, o que seria praticamente impossível, portanto, esta ideia foi amplamente criticada. A postura mais comumente adotada foi a do bidialetismo funcional, segundo o qual os falantes utilizam, alternativamente, de acordo com as situações, dois dialetos sociais diferentes. Assim, falantes de dialetos não padrões devem aprender o dialeto-padrão, para usá-lo em situações em que ele é requerido, ocorrendo uma adequação, dependente da comunicação verbal e
133
dos usos sociais. À escola, caberia ensinar o dialeto-padrão e seus usos, de acordo com o contexto, não assumindo uma postura preconceituosa com relação ao dialeto dos alunos. (SILVA, 2009, p. 30).
Os pontos positivos podem ser observados entre os escritos dos alunos nº 1,
das duas instituições, os quais, mesmo com algumas inadequações ortográficas,
organizaram claramente as ideias referentes ao verão.
OUTONO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Outono me lembra aquele vento que é ótimo. - Aluno(a) nº2: Caem as folas das árvores e a epoca de sua mais só as folhas que caem. e muito bonito. é também guase não chove!
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: No outono as folhas caem as arvore como são a perdem folha as plantas também. - Aluno(a) nº4: As folhas cai das arvore para terem folhas novas bunhitas belas flores plantas.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: As folhas cai as flores morrem todas as folhas do mundo vão cái. - Aluno(a) nº6: As folhas caiem e o sol esta para desaparece em as flores estão fracas a chuva atinge o meu jardim.
OUTONO (alunos da EEEFM Pinto Marques):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- (Aluno(a) nº1: Flores caindo no chão, tempo cinza, flores esperando pra nascer, árvores secas e feias, tempo triste, plantações secas, as árvores muchão e ficam desprotegidas e caem.
134
- Aluno(a) nº2: Clima meio cinza, folhas muchas, vouta a escola ou pro trabalho, árvores secas, tempo meio triste, um pouco de chuva, plantasones se acabando, árvores caindo.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: O outono pra mim representa árvores sem folhas, clima cinzento, flores mortas. - Aluno(a) nº4: Folhas no chão, árvores secas, folhas secas, não muito alegre, um clima cinzento, flores mortas, um clima nem sol nem chuva, clima triste.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Flores muchando, folhas caindo, tudo meio triste, clima meio cinzento. - Aluno(a) nº6: Árvore muchando folha caindo flores muchando vorta para escola nuves cinza flores no chão árvores caído.
As descrições sobre o outono apresentaram elementos condizentes, como a
“queda de folhas”. As ideias foram organizadas a partir da audição musical e, neste
caso, uma particularidade merece destaque: os estudantes da EEEFM Pinto
Marques demonstraram uma interessante capacidade de abstração, ao atribuírem
um caráter “cinzento” à estação.
O fenômeno musical é capaz de desenvolver, independentemente da vontade
do ouvinte, organizações internas que envolvem aspectos culturais e,
consequentemente, a abstração diante de elementos percebidos. A esse respeito,
Sekeff (2007) segue esclarecendo que:
Embora o gostar ou não gostar de determinada obra pareça manifestar uma opinião livre, pessoal, independente, ela não é absolutamente tão livre assim. Além do condicionamento primário à equação pessoal, a reação à escuta significa também uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro de nós, diante do complexo cultural que está fora de nós, isto é, a obra de arte. (SEKEFF, 2007, p. 49).
Além da capacidade de abstração, observada entre os alunos da EEEFM
Pinto Marques, ao relacionarem uma cor específica a um fenômeno climático,
destaco a utilização de adjetivos subjetivos como “feio” e “triste”, relatados apenas
pelos estudantes desta instituição.
135
INVERNO (alunos da EEEFM Deodoro de Mendonça):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Inverno é uma estação do ano que é fria demais, me lembra chuva. - Aluno(a) nº2: É uma epoca chovosa, em alguns lugares neva. é muito bonito é também pra quem gosta tem o papai noel. inverno e frio ainda mais quando chove. é também se comemora o aniversário de Jesus.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: No inverno é dia de os pais e os filhos se centarem na messa para um grande banquete esperando o natal felizes com os presente que eles vão ganhar. - Aluno(a) nº4: Frio e tambem se comemora o natal com muita alegria com e feites de natal e presentes.
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Começa a chuver dia e noite liguem sai pra rrua a chuva derrubar cassas afunda barcos derrubam árvore derrubam tudo. - Aluno(a) nº6: As árvores estão congelando a terra foi cobrida de neve o sol desapareceu os animais estão embora.
INVERNO (alunos da EEEFM Pinto Marques):
- Número de controle 1 (rendimento BOM):
- Aluno(a) nº1: Muita chuva, pessoas com agazalhos, carros caindo nos bueiros, muitas enchentes, pessoas comprando edredom, neblina, jaquetas. - Aluno(a) nº2: Chuva, neve, ropa de frio, edredom, alagamentos, vento, papai noel, cachecol, neblina, jaquetas, banho de água quente.
- Número de controle 2 (rendimento MÉDIO):
- Aluno(a) nº3: Inverno pra mim representa chuvas, neves e natal, presentes e muitas comidas. - Aluno(a) nº4: Lembra alagamento, papai noel que não existe, chocolate quente e muita chuva.
136
- Número de controle 3 (rendimento REGULAR):
- Aluno(a) nº5: Neve, frio, papai noel, alagamento, chuvas, natal, enchentes, presente, comida. - Aluno(a) nº6: Chuva, alagamento, estragamento, edredom, narta, papai noel, inverno leva neve não no Pará mas outros estados.
De modo geral, nas descrições acerca do inverno, os alunos relataram
especificidades da cidade de Belém – PA, como chuvas, alagamentos e enchentes.
Isso porque, de acordo com as características climáticas locais, não há,
necessariamente, registros de baixas temperaturas durante o referido período.
O grupo pertencente à EEEFM Deodoro de Mendonça apresentou maior
quantidade de erros ortográficos, como “centarem”, “messa”, “e feites”, “cassas” e
“cobrida”. Entre os participantes da EEEFM Pinto Marques, identifiquei mais
detalhamentos de itens, com atenção às observações do aluno nº 4, ao ratificar a
inexistência de “Papai Noel” e do aluno nº 6 que, mesmo com inadequações
normativas, fez questão de expressar o fato de não haver “neve” no Pará.
Considero que a expressividade de detalhes subjetivos, ou opiniões que
divergem de ideias pré-concebidas, são exemplos dos benefícios proporcionados
pelo letramento. A imaginação criativa é ferramenta indispensável para tal
capacidade e, sobre as contribuições dos efeitos educativos da música nesse
processo, Sekeff (2007) ressalta que:
O exercício da música alimenta o crescimento perceptual, emocional, social
e mental do educando, desde que o educador faça uso, com método,
conhecimento e pertinácia, de seus recursos. Ora, se educar é levar a conhecer, se educar é possibilitar sentir e refletir, o processo educativo acrescido dos usos e recursos musicais afiança conhecimento e sentimento, este último muitas vezes fora do alcance do pensamento e da linguagem verbal. A premissa de que se pode, com o auxílio dessa ferramenta, estimular as potencialidades cognitivas e criativas do educando até limites não suspeitados é particularmente fascinante, na medida em que a emoção musical pode colaborar na geração de um maior número de indivíduos altamente criativos. E isso porque elementos intangíveis como a música influem de algum modo em nossa bioquímica. (SEKEFF, 2007, p. 110).
De acordo com as observações e análises dos dados coletados, entre
docentes e discentes das duas instituições pesquisadas, identifiquei diversos
problemas relacionados à interpretação e produção textuais. Entretanto, as
137
informações apontam uma inclinação positiva entre os indivíduos da EEEFM Pinto
Marques.
Além dos aportes teóricos, apontados pelos autores supracitados,
apresentarei, como subsídio à análise e discussão dos dados obtidos na pesquisa,
algumas nuances educacionais, em que o Letramento Musical pode contribuir, de
maneira direta, sobre a qualidade do processo de alfabetização.
4.4 Subsídios para a análise e discussão dos dados: o ensino da
música como elemento catalizador da aprendizagem
As práticas musicais são diversas, seja do ponto de vista do lócus de sua
manifestação ou das fontes de aquisição dos conhecimentos e habilidades para
tanto. As categorias denominadas música erudita39 e música popular40 são,
constantemente, compreendidas em termos de oposição no âmbito educacional,
como ressalta Penna (2008):
Apontamos a pertinência, para o campo da educação musical, de colocar em discussão a oposição entre música erudita e música popular, que tem se mantido e reproduzido histórica e culturalmente, sedimentando práticas culturais e valores sociais distintos, assim como formas próprias de ensino-aprendizagem. Sem dúvida, essas práticas musicais e culturais, assim como seus processos educativos, interpenetram-se e entrecruzam-se dinamicamente, numa multiplicidade de formas possíveis. (PENNA, 2008, p. 50-51).
Muitos indivíduos, mesmo com práticas cotidianas e conhecimentos musicais
desenvolvidos, não se consideram “músicos”, pelo simples fato de não terem
adquirido algum tipo de instrução formal, ou estruturada de acordo com os padrões
da música denominada “erudita”. Penna (2008) apresenta essa discussão a partir de
cinco cenas, retratando vivências reais do fazer musical.
Os relatos possuem um ponto em comum: as relações cotidianas com a
música. Neste sentido, o Letramento Musical, enquanto um conjunto de saberes
39 De uma forma mais geral, pode-se afirmar que ela abrange toda concepção musical admitida nas
academias. Pesquisada e interpretada no âmago das convenções (técnicas e estruturais), e dos cânones previamente determinados pelos historiadores da música, é considerada a forma padronizada de ensino nas instituições mais tradicionais. 40 Considerada qualquer gênero musical acessível ao público em geral, sendo a evolução natural da música folclórica, que seria a cultura musical de um povo transmitida ao longo das gerações.
138
relacionados às práticas sociais dessa arte, são evidenciados, de acordo com as
observações da autora.
A primeira cena está relacionada ao relato de um construtor de instrumentos
que, mesmo sabendo tocar, não se considera músico. Penna (2008) descreve o fato
da seguinte maneira:
Cena 1: Em Belém do Pará, no ano de 2000, numa feira de artesanato em uma grande praça da cidade, havia uma barraca vendendo diversos instrumentos artesanais, interessantes e criativos, a maioria de percussão. Compramos alguns, conversando com o vendedor: - É você que constrói esses instrumentos? - Sim. - Você é músico? - Eu toco, mas não sou músico. - Como você não é músico, se você toca? - É que eu nunca estudei, e não sei ler [partitura]. E, por mais que insistíssemos que ele tinha uma verdadeira prática musical, ele continuava dizendo que não era músico. (PENNA, 2008, p. 51).
Em sua análise acerca da primeira cena, a autora enfatiza a tradição
“conservatorial”41 de formação musical na cidade de Belém – PA. Segundo Penna
(2008, p. 51) “a cidade de Belém tem uma forte tradição no campo da música erudita
e seu ensino, com instituições centenárias [...], em função da expansão econômica
proporcionada pela exportação da borracha no século XIX.”
Esta contextualização social e cultural, evidenciada pela autora, indica que a
construção histórica de um modelo dominante de ensino musical, baseada nos
padrões acadêmicos, faz com que os indivíduos, mesmo desenvolvendo práticas
musicais, não se reconheçam como atores inseridos nesse âmbito artístico. Sobre
tal aspecto, Penna (2008) segue com o seguinte posicionamento crítico:
Essa cena ilustra de maneira bem marcante a primazia da música notada, com a consequente noção de que “saber música” ou “ser músico” corresponde à capacidade de ler uma partitura. Esse tipo de concepção, dominante em muitos espaços sociais, desvaloriza a vivência musical cotidiana de quem não tem estudos formais na área: deslegitima, ainda, inúmeras práticas musicais que não se guiam pela pauta e não dependem
41 Formação musical desenvolvida em escolas específicas e tradicionais. Um exemplo desse tipo de
instituição – na cidade mencionada – é o Instituto Estadual Carlos Gomes que, em 1895, foi fundado com o título inicial de Seção de Música da Associação Paraense Propagadora de Belas Artes. O órgão embrionário do popularmente conhecido como “Conservatório Carlos Gomes” funcionava no atual prédio da Academia Paraense de Letras (Rua João Diogo). Mesmo sem desenvolver atividades práticas de direção, o próprio maestro, homônimo, foi designado para assumir o cargo, mas feleceu no ano seguinte.
139
de uma notação, encontradas em diversos grupos sociais, sendo muito comuns na música popular brasileira. (PENNA, 2008, p. 52).
A segunda cena, representando a uma pessoa tocando um instrumento
musical entre amigos, é descrita por Penna (2008):
Cena 2: O rapaz toca violão numa roda de amigos que cantam. “Catando” no braço do violão, acompanha uma canção que não conhecia. = Mas ele não sabe dizer qual é a tonalidade, qual acorde toca ou por que usa este e não qualquer outro. (PENNA, 2008, p. 56).
O termo “catando”, empregado pela autora, refere-se a uma certa falta de
habilidade técnica por parte do instrumentista que, sem alto domínio sobre o violão
ou a música executada, tenta acertar os acordes42 e a tonalidade.43
A cena evidencia um tipo de prática autodidata, em que o indivíduo
desenvolve, por conta própria, os saberes relacionados ao fazer musical de maneira
empírica. Popularmente, é conhecido como o ato de “tocar de ouvido”, como
esclarece Penna (2008):
O “violão de ouvido” é uma forma popular de aprendizagem prática da música, característico de pessoas que aprenderam por conta própria, observando os outros tocarem: olho no braço do violão + ouvido em ação. Nele, a relação básica é entre o resultado sonoro e a posição no violão (ou seja, a ação motora). (PENNA, 2008, p. 57).
A iniciativa pela busca de saberes musicais em ambientes não formais,
evidenciada pela autora, representa uma prática muito comum entre aqueles que,
mesmo sem a oportunidade de acesso a instituições especializadas, manifestam
interesse por cantarem ou tocarem determinado instrumento.
Em contrapartida à representação anterior, Penna (2008) demonstra, na
terceira cena, uma prática relacionada ao ensino-aprendizagem da música em um
contexto de educação formal:
42 Conjunto de notas executadas simultaneamente. Os acordes são concebidos a partir de
instrumentos musicais que possuem características harmônicas (capacidade de emitir mais de uma nota ao mesmo tempo), como violão, piano, guitarra etc. 43 A tonalidade ou o “tom”, consiste no tipo de escala (sequência de notas) sobre a qual a música foi
estruturada. Em termos mais contemporâneos, também pode ser concebida como uma “família” de sete acordes que, concatenados entre si, formam sequências harmônicas com sentido lógico/musical.
140
Cena 3: De olho na partitura, a menina “cata” as teclas do piano, “tirando” uma nova música. = Mas ela não é capaz de “imaginar” a música antes de fazer o piano soar; é a partitura que indica a ação motora sobre o instrumento, da qual os sons resultam. (PENNA, 2008, p. 58).
A autora alerta para o fato de que, mesmo em um ambiente acadêmico/formal
de ensino musical, a aluna não desenvolveu a capacidade perceptiva, dependendo
do instrumento para que as nuances sonoras tenham sentido. Penna (2008, p. 58)
classifica tal ação como “adestramento visual-motor: ‘bolinha ali (é nota tal), ponha o
dedo aqui’. Muitas vezes, é isso o que acontece quando o estudo do instrumento se
inicia através do contato simultâneo com o instrumento e a partitura.”
A quarta cena, também relacionada a uma forma acadêmica de aquisição de
conhecimentos musicais, representa uma atividade de leitura rítmica44. Penna (2008)
descreve uma turma de crianças que, de acordo com suas análises, estariam sob
um tipo de equívoco didático:
Cena 4: A turma de crianças realiza uma leitura rítmica, batendo com a mão o pulso nas carteiras e falando ta –taa – ta – ta – ta – ta – taa... (para o ritmo). = Mas sem que esta leitura de durações diferentes considere, por exemplo, as relações de impulso/apoio que caracterizam o ritmo musical. (PENNA, 2008, p. 59).
A crítica da autora à metodologia acima descrita é, portanto, direcionada a
uma tentativa de transmissão de conteúdos musicais “visando ao adestramento para
a leitura da partitura” (PENNA, 2008, p. 59). A alternativa a esse tipo de concepção
não é, entretanto, o abandono do sistema tradicional de leitura/escrita musical, mas
sua inserção gradativa e facilitada por outras estratégias didáticas, sugeridas por
Penna (2008, p. 59) como a utilização de “formas de representação mais analógicas
e simples [...] que, trabalhando sobre os elementos musicais básicos, procuram
formar conceitos musicais.”
Sobre a ideia de “conceito musical”, Penna (2008) esclarece que:
Por formar conceitos entendemos o desenvolvimento de referenciais de percepção internalizados que permitam identificar, no fato sonoro, os atributos que caracterizam os elementos musicais. Esse processo
44 Refere-se à compreensão das durações de sons e silêncios por meio do reconhecimento de
símbolos. Esse tipo de leitura é estruturado sobre as figuras musicais (descritas anteriormente) e, não necessariamente, representa as notas, mas seus valores rítmicos.
141
diferencia-se radicalmente, portanto, de fornecer e/ou decorar uma definição (verbal) preestabelecida, pois a definição é um recurso para expressar um conceito, mas não garante, por si só, o domínio do mesmo e a capacidade de aplica-lo em uma nova situação. (PENNA, 2008, p. 59).
A quinta cena, relacionada a um estágio mais avançado de aprendizagem
musical, aborda a problemática referente ao “caráter técnico-profissionalizante, em
que, muitas vezes, a partitura é tomada como música” (PENNA, 2008, p. 60).
Cena 5: Sentado à mesa, com lápis e papel de música, o estudante “calcula” qual deve ser o próximo acorde num exercício de harmonia. = Mas a harmonia é realizada como um perfeito exercício de bolas na pauta, sem a menor ideia de como soa o que está sendo grafado/representado; a “descoberta” de sua realidade sonora apenas se dá quando, depois de concluído, o exercício é tocado ao piano. (PENNA, 2008, p. 60).
Em sua análise da última cena, a autora alerta quanto à equivocada (porém
comum) concepção de música enquanto uma ciência exata, passível de ser
“calculada” ou meramente relacionada às representações de escrita, apartada do
fenômeno sonoro e suas combinações.
Guardadas as devidas relevâncias, presentes nas estruturações de leitura e
escrita musicais, importantes tanto para a compreensão dos processos
histórico/evolutivos quanto para a aprendizagem sistematizada, Penna (2008)
ressalta que a concepção de música deve ultrapassar as fronteiras de suas
representações simbólicas, ratificando que:
A notação musical é produto de uma abstração, permitindo registrar a estruturação musical, sendo útil para pensar a organização dos sons na sua ausência, mas não é música, pois esta só se realiza em sua concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música, como fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só; ela representa os sons. (PENNA, 2008, p. 61).
Em suma, os processos de desenvolvimento do letramento musical podem
ocorrer em diferentes espaços físicos e contextos sociais. As cenas descritas pela
autora, nas quais a música é aprendida, apresentada e desenvolvida no cotidiano,
evidenciam tal aspecto.
A partir do posicionamento crítico de Penna (2008), contrário à padronização
de um modelo de ensino musical atrelado às práticas acadêmicas, formais ou
“conservatoriais”, enfatizo a noção em que o letramento musical, enquanto
142
organização e aplicação de saberes, pode ser desenvolvido, também, a partir da
vivência cultural cotidiana. Penna (2008, p. 65) sugere que “deixemos para trás as
práticas fixas da tradição, buscando construir alternativas que atendam às
necessidades dos diferentes contextos em que a educação musical pode atuar.”
4.4.1 Elementos do letramento musical na alfabetização
As relações entre as habilidades desenvolvidas a partir da aquisição de
conhecimentos musicais e o processo de alfabetização, não representam um campo
recente na pesquisa educacional brasileira. Em 1986, por exemplo, os autores
Geraldo de Oliveira Suzigan e Maria Lúcia Cruz Suzigan publicaram um estudo
intitulado A Educação Musical como Elemento Facilitador da Alfabetização e do
Raciocínio Lógico Matemático.45
O quadro 11 é a representação esquemática das concepções de Suzigan
(1986), acerca dos efeitos da educação musical sobre a alfabetização:
Quadro 11 – Educação musical como elemento facilitador da alfabetização
Fonte: Suzigan (1986, p. 13)
45 SUZIGAN, Geraldo de Oliveira; _____, Maria Lúcia Cruz. In:______. Educação musical: um fator
preponderante na construção do ser. São Paulo: Balieiro, 1986. cap. 5, p. 13-15. (Série Cadernos Brasileiros de Educação).
143
Segundo as análises dessas concepções, ilustradas no quadro acima, o
processo de alfabetização pode ser influenciado pelo ensino da música, uma vez
que, de acordo com Suzigan (1986, p. 13) eles se relacionam “na formação das
palavras, na manipulação dos códigos gráficos, na manutenção das características
culturais e na prática de atividades em grupo.”
Além disso, os autores seguem correlacionando elementos da linguagem
verbalizada à aspectos da música. Segundo Suzigan (1986):
Os elementos que constituem a fala do indivíduo, desde as primeiras manifestações da criança, logo após o nascimento, são sempre compostos de: melodia, ritmo e dinâmica. Antes de que se estabeleça o significado e os códigos da cultura falada a criança consegue a comunicação verbal através desses elementos. (SUZIGAN, 1986, p. 13).
Os conceitos musicais, evidenciados por Suzigan (1986), podem ser
relacionados à linguagem verbal (fala) a partir das organizações propostas na tabela
3:
Tabela 3 - Relação entre elementos musicais e a linguagem verbal
ELEMENTO
MUSICAL
DESCRIÇÃO CARACTERÍSTICAS NA LINGUAGEM
VERBAL
MELODIA
Organização
sucessiva dos sons.
Entende-se como
melodia uma sequência
de notas executadas ou
percebidas uma após a
outra, podendo
apresentar variações
entre o grave e o agudo.
As palavras são
pronunciadas a partir
da combinação
sucessiva de sílabas.
Quanto melhor
articuladas, melhor
compreendidas.
RITMO
Duração de sons e
silêncios em uma
relação temporal.
O ritmo é a combinação
entre sons curtos e
longos. Está relacionado
também com os silêncios
(pausas), compreendidos
entre um som e o
próximo.
A organização sonora
das palavras está
relacionada com uma
concatenação
temporal (rápido ou
lento), com espaços
entre elas.
DINÂMICA
Intensidade da
produção do elemento
sonoro (força).
Equivocadamente
confundida com sons
altos e baixos, a
dinâmica classifica como
fortes e fracas as
produções sonoras. Pode
ser medida em decibéis
(dB).
As adequações quanto
à intensidade sonora
das palavras podem
ser: forte (para se
dirigir a um grupo
grande); fraca (em
ambientes que exijam
pouco ruído).
Fonte: Elaboração própria.
144
Os autores relacionam, diretamente, a importância dos elementos da fala à
aquisição de habilidades de leitura e escrita (alfabetização). Segundo suas
concepções, “essa condição é uma das mais importantes como base para a
posterior iniciação da cultura escrita, [...] ‘como falamos’ influi diretamente no ‘como
escrevemos’.” (SUZIGAN, 1986, p. 14).
A alfabetização está relacionada à manipulação de códigos gráficos, assim
como os aspectos de escrita musicais. A associação entre o som e a simbologia
gráfica é facilmente assimilada pela criança, como afirma Suzigan (1986):
Por ser a linguagem musical, uma das mais sintéticas e de qualidades comuns a todo o mundo, possui em seus códigos uma gama de possibilidades de manipulação ao nível do simples, onde a criança estabelece com grande facilidade a relação entre o som e sinais de representação gráfica. (SUZIGAN, 1986, p. 14).
Sob tal prisma e, a partir de uma comparação básica, constato que, tanto a
alfabetização quanto a grafia musical possuem, de alguma forma, um tipo de relação
com o fenômeno sonoro. Antes de atingir o estágio de linguagem escrita, a palavra é
também é uma representação sonora.
A associação sonora, entre a palavra que precede a cultura escrita e a
linguagem musical, é abordada por Suzigan (1986) do ponto de vista da estreita
similaridade:
Como a cultura escrita, no processo da alfabetização, passa por um estágio onde as palavras são quase que só sonoras, a similaridade de compreensão entre essa fase e a linguagem musical é muito estreita. Muitas considerações podem ser feitas a nível da manipulação do código gráfico [...]. (SUZIGAN, 1986, p. 14).
O elemento rítmico, associado às construções silábicas, também é abordado
pelo autor como um tipo de construção gráfica semelhante. A importância dessa
relação, do ponto de vista da aprendizagem alfabética, é apontada por Suzigan
(1986):
Em função da grande coincidência com uma fase da descoberta da escrita, quando a criança passa pelo momento silábico, onde símbolos gráficos representam sílabas que, de uma forma bastante rítmica, dão início à construção de palavras e sentenças e, principalmente, a descoberta da possibilidade da comunicação escrita. (SUZIGAN, 1986, p. 14).
145
A música pode ser, portanto, considerada uma ferramenta de ação pedagogia
no ato de alfabetizar. Diante deste foco de ação considero que, por meio de
atividades aonde se relacione símbolos a sons, o educador pode desenvolver, no
aluno, sua capacidade de memória auditiva, observação, discriminação e
reconhecimento de diferentes parâmetros sonoros, a partir da associação simbólica
entre som/escrita (linguagem musical) e palavra/escrita (alfabetização).
Entretanto, como ferramenta pedagógica, a música não deve ser um
elemento exclusivamente voltado à finalidade de “apoio educacional” e, a esse
respeito, Rubio e Soares (2012) destacam que:
Trabalhar a música na alfabetização não quer dizer que ela seja completamente voltada para essa finalidade, mas sim, ter o bom senso de utilizá-la de como ferramenta pedagógica, como mais um recurso auxiliador da prática e não como única fonte, fazendo dela, posteriormente, uma ação desgastada e já sem prazer. É fundamental, também que, a música seja apresentada e estudada como matéria em si, como linguagem artística, forma de expressão e um bem cultural, pois, o aluno tem direito de conhecer e construir uma visão sobre ela e, por meio dela, buscar sua identificação e lugar na sociedade, já que muitas vezes, a música representa um grupo, um espaço de manifestação social. (RUBIO; SOARES, 2012, p. 9-10).
Entendo, portanto, que a associação dos elementos musicais, com o
desenvolvimento das habilidades relacionadas ao processo de alfabetização,
representa uma combinação de similaridades intelectuais, uma vez que as duas
categorias congregam representações simbólicas, voltadas à compreensão de um
tipo de linguagem.
O desenvolvimento do senso rítmico nasce da noção de pulsação constante,
em determinado andamento46. Um exemplo de pulso intermitente, embora não
exatamente preciso, pode ser observado pelas batidas do coração. A importância
em iniciar o trabalho musical a partir deste aspecto é ressaltada por Suzigan (1986):
É muito importante começar trabalhando o sentido da pulsação. A criança deve perceber, através de várias atividades, que a pulsação ocorre a intervalos iguais, mantendo-se sempre o mesmo andamento inicial. Nesse sentido, pedimos à criança que sinta o próprio batimento do coração, colocando-se o dedo médio sobre o pulso ou ainda que compare os seus batimentos com os de outra criança. (SUZIGAN, 1986, p. 20).
46 O andamento musical está relacionado à velocidade constante de uma pulsação. Normalmente, é
medido em bpm (batidas por minuto) em que, por exemplo, 60bpm correspondem a um pulso por segundo. O metrônomo é um típico equipamento de referência para os andamentos, marcando os pulsos por meio de “estalos” sonoros ou, no caso dos mais modernos, indicações luminosas.
146
Relacionado ao processo de alfabetização, o desenvolvimento do senso
rítmico pode auxiliar na compreensão, por exemplo, da quantidade de sílabas
pertencentes à uma palavra que, pronunciada pausadamente, irá apresentar uma
determinada organização em termos de andamento.
Para o desenvolvimento desse aspecto, Suzigan (1986) sugere as seguintes
atividades:
Pedir para a criança: - Observar instrumentos, objetos, mecanismos que mantêm a mesma pulsação (metrônomo, pêndulo do relógio-de-parede, pisca-pisca do carro, alguns tipos de letreiros luminosos, uma torneira que pinga etc.). - Andar naturalmente. - Andar mais rápido. - Andar mais devagar. - Andar de acordo com batidas de um tambor. - Correr. - Bater palmas. - Tocar instrumentos de percussão. - Cantar. - Cantar acompanhando-se de palmas ou instrumentos de percussão. - Repetir estruturas rítmicas tocadas pelo professor ou por outra criança. - Improvisar ritmicamente (perguntas e respostas de estruturas rítmicas). - Ouvir um disco e acompanhar com palmas ou instrumentos de percussão. [...] (SUZIGAN, 1986, p. 20).
As atividades propostas acima primam pela constância de pulsação. De
acordo com Suzigan (1986), “devem ser realizadas tomando-se cuidado para que a
criança não mude o andamento inicial do exercício.”
A pulsação pode ser representada por sinais gráficos de simples assimilação,
com o intuito de associação entre um evento sonoro a outro visual. Um exemplo de
tal abordagem está representado na Figura 11, onde o pulso constante é indicado
pelos traçoes verticais numerados, os círculos determinam a ocorrência de sons
(palmas ou estalar de dedos) e o “X” é a indicação de silêncio:
Figura 11 – Representação gráfica para a pulsação
Fonte: Elaboração própria.
147
No exemplo de representação gráfica, proposto na figura anterior, há a
ocorrência de sete pulsos intermitentes. Os círculos indicam a execução sonora, por
palmas, estalar de dedos ou qualquer outro tipo de som, já no terceiro e quinto
pulsos, a indicação é de silêncio (pausa).
Vale ressaltar que, mesmo não havendo execução sonora em dois
momentos, a pulsação se mantém. Suzigan (1986, p. 22) destaca que “o importante
é levar o aluno a perceber que, mesmo quando existe silêncio (pausa), as pulsações
e o andamento inicial devem ser mantidos”.
De acordo com Suzigan (1986):
Quando trabalhamos com sinais gráficos simples, estamos preparando a criança para a leitura [...]. Muitas atividades deverão ser criadas pelo professor com o objetivo de desenvolver o sentido da pulsação e garantir um bom desempenho das crianças. (SUZIGAN, 1986, p. 21).
Os silêncios - ou pausas - musicais indicam a ausência de som, entretanto,
sobre uma constância pulsativa. Considero que, em uma relação com a
alfabetização, este fenômeno pode ser comparado, por exemplo, às vírgulas47, onde
o intervalo temporal não caracteriza a finalização da ideia, representada pela frase
escrita.
Outro exemplo de representação gráfica da linguagem escrita, que pode ser
comparado às pausas musicais é o ponto e vírgula48, o qual indica intervalos de
tempo maiores que a vírgula.
As palavras possuem um aspecto rítmico natural. Em termos
teórico/analíticos, a prosódia49, enquanto ramo da linguística, investiga propriedades
fônicas e rítmicas da linguagem falada. Mas, em uma abordagem empírica, é
possível identificar tal característica, por exemplo, em estruturas poéticas, mesmo
que os autores não dominem tais habilidades, do ponto de vista acadêmico.
A prosódia musical é o resultado da combinação entre os aspectos da
linguagem verbalizada e o elemento sonoro. Beduschi (2009) assim a define:
47 A vírgula é um sinal de pontuação (,) indicativo de pausa ligeira, usado com diversas finalidades:
isolar o vocativo, intercalar orações subordinadas adverbiais numa frase, separar elementos repetidos, etc. 48 O ponto e vírgula indica uma pausa maior que a vírgula e menor que o ponto. Quanto à melodia da
frase, indica um tom ligeiramente descendente, mas capaz de assinalar que o período não terminou. 49 A prosódia é um ramo da linguística que investiga as propriedades fônicas da cadeia da fala, que
contribuem para a interpretação do significado e determinam, entre outros aspectos, o ritmo da frase.
148
Prosódia Musical consiste na coordenação entre sílabas tônicas, das palavras, com os tempos fortes dos compassos musicais. A não coordenação dessas forças, causa um “descompasso” rítmico, desagradável ao ouvinte, sem que ele se dê conta do que acontece. Na música popular, há uma enormidade de compositores/composições, cuja letra trava uma verdadeira batalha com sua melodia, e vice-versa, mas, como são muito executadas pela mídia, acabam por fazer um imenso sucesso [...]. (BEDUSCHI, 2009, p. 1).
As referências da autora, acerca da prosódia musical, podem ser observadas,
por exemplo, em expressões artísticas populares como o repente, a embolada ou o
rap. Estas são apenas algumas indicações em que o elemento rítmico, contido nas
palavras, assume grande importância na métrica fraseológica, enfatizando seu
sentido.
Nos trabalhos de inicialização ao ensino da música, é importante que as
noções rítmicas sejam associadas às palavras e, a esse respeito, Suzigan (1986)
sugere as seguintes orientações:
Muitos exercícios poderão ser criados utilizando o nome das crianças, pequenos versos que elas conheçam, porém, é importante que tomemos muito cuidado para não mudarmos o sentido rítmico e a acentuação das palavras, enfim a “prosódia musical”, para adequarmos as palavras aos sinais gráficos [...]. Por outro lado é um aspecto muito importante de ser trabalhado, pois “como falamos” tem uma ligação muito grande com nossa cultura e irá preparar o “como escrevemos”. (SUZIGAN, 1986, p. 22).
Considero importante ressaltar a observação do autor, quanto a relação entre
a fala e a escrita. A figura 12 representa um exercício proposto por Suzigan (1986),
onde os sinais gráficos de pulsação são associados às métricas rítmicas dos sons
das palavras:
Figura 12 – Relação entre o ritmo das palavras e a pulsação
Fonte: Suzigan (1986, p. 22).
149
No exercício proposto por Suzigan (1986), ilustrado pela figura anterior, os
dois números sobrepostos representam a fórmula de compasso50, indicando que
cada fragmento métrico (separado pelas linhas verticais azuis) possui dois pulsos.
Há duas frases diferentes: “Ana Rosa tem boneca” “E Danilo tem peteca”. Por
apresentarem a mesma quantidade de sílabas, as sentenças podem ser executadas
tanto simultaneamente quanto separadamente.
O ritmo das palavras propostas está de acordo com sua métrica silábica
natural. Tal aspecto, relacionado a pulsos constantes, facilita a compreensão dos
elementos de leitura e escrita. De acordo com Suzigan (1986, p. 14) “na educação
musical, várias são as oportunidades de se trabalhar esse conhecimento, de forma
motivadora.”
De acordo com as abordagens e atividades propostas por Suzigan (1986),
considero que, as associações gráficas entre elementos musicais e a linguagem
falada facilitam, do ponto de vista pedagógico, a compreensão das habilidades
relacionadas à alfabetização, por representarem, simbolicamente, categorias
abstratas e, assim, tornarem “visíveis” os fenômenos sonoros, tanto da linguagem
escrita quanto da musical.
50 A fórmula de compasso é a referência métrica da grafia musical. Tratam-se de dois números
sobrepostos, onde o de cima (numerador) indica a quantidade de pulsos de cada compasso, já o de baixo (denominador) está relacionado à figura musical que será a unidade de tempo. Tomando como exemplo o compasso 2 por 4, também chamado de binário simples, há a ocorrência de dois tempos
(ou pulsos) em cada compasso, e a unidade te tempo será a semímima ( ), à qual corresponde o número quatro.
150
5 CONCLUSÃO
Após as explanações desenvolvidas, desde os aportes metodológicos,
norteadores da pesquisa, até as análises do letramento musical sobre a
alfabetização, apresento minhas considerações acerca de todas as etapas
abordadas, bem como as conclusões quanto aos resultados. Ressalto, entretanto,
que os aspectos elencados a seguir, em hipótese alguma, representam “verdades
absolutas” ou paradigmas definitivos, uma vez que congregam recortes
investigativos de universos mais extensos, passíveis de diferentes e/ou mais amplas
explorações futuras.
O termo letramento foi utilizado, pela primeira vez na educação brasileira, em
meados da década de 1980. Autoras como Mary Kato, Leda Verdiani Tfouni, Ângela
Kleiman e Magda Soares, são exemplos de pesquisadoras da área que, a partir de
então, ajudaram a difundir e desenvolver suas concepções iniciais por aqui.
Desde as primeiras publicações sobre o tema, já havia a preocupação com a
dissociação, no âmbito semântico, entre letramento e alfabetização. Entretanto,
mesmo com distinções de significados, as condições sociais das terminologias
apresentam relações intrínsecas.
Não é correta, contudo, a afirmação onde um é a consequência natural do
outro. Um indivíduo analfabeto, por exemplo, pode apresentar desenvolvimento de
certo tipo de letramento, enquanto aplicações socioculturais de saberes relacionados
à linguagem. O letramento, portanto, objetiva a investigação de saberes que, não
necessariamente, estão relacionados com as habilidades de leitura e escrita.
Em termos específicos de linguagem escrita, onde a utilização da terminologia
é, de fato, mais comum, considero que a alfabetização refere-se a um ato
educacional, direcionado à aprendizagem da tecnologia de leitura/escrita. Por outro
lado, o letramento tem como foco principal os resultados dessa ação, no contexto
social.
A partir das concepções conceituais, acerca do letramento, sugiro sua
interlocução com a música, inicialmente, por intermédio de uma abordagem
sintetizada dos aspectos históricos e evolutivos da educação musical brasileira, bem
como sua inserção no currículo educacional regular.
Desde a chegada das primeiras caravelas portuguesas no Brasil, no início do
século XVI, os jesuítas praticavam um tipo de educação musical, utilizando tal
151
prática com fins catequizadores entre os povos indígenas. Mas, foi só a partir do
século XIX, com o trabalho desenvolvido por músicos como o Padre José Maurício
Nunes Garcia, que o ensino da música passou a ser devidamente estruturado por
aqui. Na sequência, surgem as primeiras instituições especializadas, como o
Conservatório Carlos Gomes (inaugurado na cidade de Belém – PA, no ano de
1895).
Nas primeiras décadas do século XX, os principais nomes da educação
musical brasileira foram Liddy Chiaffarelli Mignone, Gazzi de Sá e Antônio Leal de
Sá Pereira. Dentre suas contribuições para a área, destaco a criação dos cursos de
Iniciação Musical, na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje,
Escola de Música da UFRJ), e no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de
Janeiro. No desenvolvimento dessas atividades, buscava-se musicalizar os alunos
de maneira prioritariamente empírica, sem o enfoque a conceitos demasiadamente
teóricos.
Com relação às diretrizes para o ensino da música na educação regular
brasileira, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apresentam as seguintes
orientações: comunicação e expressão em música (interpretação, improvisação e
composição); apreciação significativa em música: (escuta, envolvimento e
compreensão da linguagem musical); a música como produto cultural e histórico
(música e sons do mundo). O instrumento legal mais recente é a Lei 11.769/2008,
que altera a LDB 9.394/1996 e determina a música como conteúdo obrigatório, na
disciplina artes.
Portanto, em termos de legislação educacional, o ensino da música faz parte
do currículo regular brasileiro. Entretanto, algumas lacunas ainda são presentes no
desenvolvimento desse processo, a principal delas, a meu ver, é a ausência de uma
matriz de referência. Por esta razão, alguns professores/pesquisadores
desenvolvem trabalhos relacionados à propostas metodológicas mais definidas para
a área.
Um exemplo desses profissionais é a professora Cecília Cavalieri França, que
desenvolveu um método de avaliação sistêmica para o ensino da música, na
educação regular. O modelo é estruturado sobre uma matriz curricular, que abrange
conteúdos e habilidades musicais, os quais, de acordo com minhas análises,
apresentam um organograma objetivo e bem definido, passível de ser implementado
na escola comum.
152
A EEEFM Pinto Marques (Belém – PA), a partir das atividades desenvolvidas
pela professora de música Raquel Veiga, utiliza a metodologia proposta pela autora
supracitada. Já a EEEFM Deodoro de Mendonça, apesar de oferecer atividades
musicais direcionadas a apresentações pontuais, não possui uma estruturação
organizada e/ou sistematizada para a educação musical.
O professor de música e pesquisador inglês Keith Swanick, a partir de uma
concepção onde o ensino musical pode ser compreendido como uma forma de
discurso, apresenta uma proposta educacional guiada pelas diferentes fases de
desenvolvimento do aluno. Seus posicionamentos, diante dos caminhos e objetivos
da Educação Musical, os quais primam pela utilização do ensino da música como
ferramenta didática, em prol do desenvolvimento intelectual do indivíduo, constituem
as razões pelas quais elenquei o autor supracitado como um dos pilares dessa
investigação científica.
Em uma combinação dialética de significados, entre a música e o letramento,
optei pela unificação do conceito de Silva (2009), segundo o qual o letramento está
mais associado às aplicações sociais dos saberes do que, exclusivamente, ao
universo da escrita, com as abordagens de Penna (2008), onde a música deve ser
compreendida como um fenômeno social universal. A partir de então, passei a
sugerir a admissão conceitual de Letramento Musical.
Sob este prisma, o letramento musical pode ser, de acordo com minhas
considerações, um conjunto de aquisições e aplicações sociais dos saberes
musicais (acadêmicos ou empíricos) que, utilizado como linguagem artística,
culturalmente construída, tem, no elemento sonoro, seu material básico.
Minhas análises demonstraram que as relações, entre as habilidades
musicais e o processo de alfabetização, não representam um campo recente na
pesquisa educacional brasileira. Autores como Geraldo de Oliveira Suzigan e Maria
Lúcia Cruz Suzigan, desde a década de 1980, apresentam estudos a esse respeito.
A alfabetização está relacionada à manipulação de códigos gráficos, assim como os
aspectos de escrita musicais. A associação entre o som e a simbologia gráfica pode
representar um elemento facilitador, no processo de aquisição dos conhecimentos
relacionados à leitura e à escrita.
Além disso, os elementos que constituem a linguagem falada do indivíduo,
desde suas primeiras manifestações, logo após o nascimento, são compostos,
também, por parâmetros musicais, como melodia, ritmo e dinâmica. Neste sentido, a
153
alfabetização, por ser um tipo de representação gráfica da linguagem, pode ser
favorecida em uma associação com o elemento sonoro. Considero, portanto, que o
letramento musical, como ferramenta pedagógica, pode ser um elemento auxiliador
no processo de alfabetização.
Partindo para as análises do lócus da pesquisa, bem como seus participantes,
constatei que a EEEFM Pinto Marques, diferente da EEEFM Deodoro de Mendonça,
possui uma estrutura organizada para o desenvolvimento do letramento musical.
Ainda que, naturalmente, esta não seja a única condição analítica para a verificação
do desempenho alfabético entre seus alunos, apresento os dados a seguir como
indicativos que, em futuros trabalhos, poderão ser associados a outros critérios
investigativos.
Com relação ao questionário de sete perguntas fechadas, aplicado às
professoras, responsáveis pela parte de língua portuguesa dos alunos das duas
instituições (6º ano), pude extrair constatações, relacionadas aos seguintes
aspectos:
Ao interesse da turma pela aprendizagem: os alunos da EEEFM Pinto
Marques são mais participativos, em termos de atividades propostas ou solicitações
diversas das professoras.
Atenção e concentração em sala de aula: as duas professoras são
convergentes, ao afirmarem que os alunos realizam as atividades, mas com desvios
de atenção.
Leitura de palavras: os alunos da EEEFM Pinto Marques leem com
fragmentações silábicas, mas sem graves comprometimentos de compreensão. Já
os alunos a EEEFM Deodoro de Mendonça, demonstram mais erros, ao ponto de
comprometer a compreensão.
Leitura de textos simples: entre os dois grupos analisados há erros de leitura,
mas, entre os alunos da EEEFM Pinto Marques, o nível de compreensão textual é
ligeiramente maior.
Interpretação de textos simples: nova congruência de considerações entre as
professoras, ao indicarem que os alunos respondem com frases mal estruturadas,
que comprometem o significado das ideias interpretativas.
Ditado de palavras: na EEEFM Deodoro de Mendonça, os alunos cometem
erros de trocas de letras, comprometendo a compreensão da escrita. Já entre os
154
alunos da EEEFM Pinto Marques, há menos erros ortográficos e menores prejuízos
à identificação.
Cópia da lousa: mais uma vez, há igualdade entre as respostas das
professoras, indicando que os alunos demonstram velocidade reduzida para a
escrita e, portanto, um problema de ordem motora.
Com relação ao questionário direcionado aos alunos, em que a primeira parte
(com perguntas fechadas) é referente à interpretação textual, os indicativos
demonstraram que o aproveitamento da EEEFM Pinto Marques é superior (96%), se
comparado ao índice da EEEFM Deodoro de Mendonça (71%). Portanto, considero
que, mesmo com possíveis interferências de outras variáveis, é importante destacar
o maior desempenho, relacionado a este item, na instituição escolar com atividades
estruturadas de letramento musical.
Na segunda parte do questionário supracitado, direcionado à produção textual
dos alunos, a partir de um evento musical (a audição da obra As Quatro Estações),
constatei que os alunos da EEEFM Pinto Marques demonstraram maior criatividade,
ao associarem palavras escritas a um fenômeno musical instrumental apresentado
(sem texto cantado).
A questão problema, “que aspectos didáticos-educacionais podem ser
analisados entre as modalidades de letramentos musical e alfabético?”, foi
esclarecida a partir das análises e efeitos de três elementos musicais (melodia, ritmo
e dinâmica), sobre o processo de ordenamento das palavras para a alfabetização.
Minhas considerações foram estruturadas sobre as seguintes relações:
Melodia: Organização sucessiva dos sons. As palavras são pronunciadas a
partir da combinação ordenada de sílabas. Quanto melhor articuladas, melhor
compreendidas.
Ritmo: Duração de sons e silêncios em uma relação temporal. A organização
sonora das palavras está relacionada com uma concatenação temporal (rápido ou
lento), com espaços entre elas. Quanto aos “intervalos temporais”, estes podem ser
representados com a utilização de pontos ou vírgulas, por exemplo.
Dinâmica: Intensidade de produção do elemento sonoro (força). As
adequações quanto à intensidade sonora das palavras podem ser: forte (para se
dirigir a um grupo grande) ou fraca (em ambientes que exijam pouco ruído). Além
disso, uma única palavra pode conter diferentes intensidades sonoras, com as
sílabas tônicas ou por meio da utilização de acentuações.
155
Sobre o objetivo geral da presente pesquisa, “investigar a relação entre os
Letramentos Musical e Alfabético, buscando instrumentalizar a qualidade da
alfabetização”, considero que tal investigação, acerca da dinâmica educacional entre
estas duas categorias, demonstrou que as interferências do letramento musical
sobre a alfabetização são positivas, uma vez que instrumentaliza a aquisição das
habilidades de leitura/escrita, por meio de elementos musicais como melodia,
pulsação e dinâmica, além de estimular a socialização e a criatividade do aluno.
Com relação aos objetivos específicos, “analisar o processo de aplicação do
Letramento Musical no ensino regular”, além de uma determinação legal, auxilia o
desenvolvimento de outras áreas do conhecimento, desde que seja estruturado
sobre matrizes curriculares e processos avaliativos objetivos.
“Identificar, a partir de uma análise junto às professoras, a qualidade do
Letramento Alfabético dos alunos, para que sirva como parâmetro de comparação
estatística”, serviu como base, do ponto de vista das docentes, das condições de
seus alunos, referentes à aprendizagem da linguagem escrita e, consequentemente,
como subsídios comparativos entre as duas instituições verificadas. Neste aspecto,
os resultados demonstraram melhor desempenho entre os alunos da EEEFM Pinto
Marques.
“Avaliar a qualidade da produção e interpretação textual dos alunos,
buscando a diagnose de repercussão do Letramento Musical sobre o processo de
aprendizagem da linguagem escrita”, representou um conjunto de atividades
reveladoras, onde, mesmo que haja diversos outros fatores e/ou variáveis a serem
investigadas, a importância do letramento musical no ensino regular deve ser
destacada, uma vez que a produção textual dos alunos da EEEFM Pinto Marques,
ainda que demonstrasse uma série de desafios a serem vencidos, apresentou mais
criatividade e consistência, em comparação com as representações dos alunos da
EEEFM Deodoro de Mendonça.
Sem a pretensão de explanar todos os fatores responsáveis pelos resultados
observados com o desenvolvimento da presente pesquisa, reitero o recorte aqui
apresentado, referente à investigação dos efeitos positivos do letramento musical
sobre a alfabetização.
Ainda que outras variáveis possam ser pertinentes e/ou objetos de futuras
pesquisas em educação ou outras áreas, sugiro a concepção em que o ensino da
música represente um relevante elemento catalisador nos processos de educação
156
regular e, em termos mais específicos, concluo apontando sua importância
direcionada e aplicada à alfabetização.
157
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162
ANEXO A - Questionário direcionado às professoras
163
164
165
166
167
ANEXO B - Questionário direcionado aos alunos
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
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