universidade do estado de são paulo. escola de ... · licenciatura em artes plásticas em um...

63
Universidade do Estado de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de artes Plásticas. Orientadora: Prof. Dr Dália Rosenthal. CPF___________________ Assinatura:____________________ Bolsista: Alice Arida Moraes. CPF____________________ Assinatura:__________________ Ateliê Nossa Casa: uma experiência transdisciplinar. Relatório Final da Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no curso de graduação de Licenciatura em Artes Plásticas. São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Upload: lehanh

Post on 30-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

Universidade do Estado de São Paulo.

Escola de Comunicações e Artes.

Departamento de artes Plásticas.

Orientadora: Prof. Dr Dália Rosenthal. CPF___________________

Assinatura:____________________

Bolsista: Alice Arida Moraes. CPF____________________

Assinatura:__________________

Ateliê Nossa Casa: uma experiência

transdisciplinar.

Relatório Final da Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no curso

de graduação de Licenciatura em Artes Plásticas.

São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Page 2: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

2

Alice Arida Moraes

Ateliê Nossa Casa: uma experiência

transdisciplinar.

"O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil".

São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Page 3: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

3

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO À PESQUISA----------------------------------------------------p.4

2. OBJETIVOS---------------------------------------------------------------------------p.5

3. TRANSDISCIPLINARIDADE----------------------------------------------------p.6

3.1 História e surgimento do termo Transdisciplinar

3.2 Monodisciplinaridade, Multidisciplinaridade,

Pluridisciplinaridade, Interdisiciplinaridade e transdisciplinaridade.

4. TRANSDISCIPLINARIDADE E ARTE---------------------------------------p.9

5. TEORIA DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLIDADE------p.11

6. METODOLOGIA --------------------------------------------------------------p.12

6.1 Pesquisa Documental--------------------------------------------------------p.12

6.2 Ateliê Nossa Casa------------------------------------------------------------p.21

6.3 Pesquisa-Ação ---------------------------------------------------------------p.22

7. RESULTADOS------------------------------------------------------------------ p.24

A casa

A Torre

A Bandeira

O Livro de Artista

O Jardim

8. O CAMINHO PARA AS CONCLUSÕES FINAIS----------------------p.45

8.1 Transitando no tempo

9. CONCLUSÕES----------------------------------------------------------------- p.52

10. ANEXOS

11. BIBLIOGRAFIA

Page 4: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

4

1. INTRODUÇÃO À PESQUISA

A iniciação científica de tema “Prática Transdisciplinar na formação do

professor de Arte” deu-se a partir da minha participação, na qualidade de estudante de

licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos.

Situado no departamento de Artes Plásticas da ECA-USP, o ateliê, chamado Ateliê

Nossa Casa, desenvolveu-se dentro da disciplina “Metodologias do Ensino das Artes

Visuais IV” ministrada pela professora doutora Dália Rosenthal.

Essa mesma disciplina, destinada aos alunos que seguem formação em

licenciatura em diferentes áreas, é também ensinada por outros professores do

departamento de Artes Plásticas, os quais coordenam outros ateliês, cada um com uma

metodologia própria. O Ateliê Nossa Casa, distingue-se pela metodologia

transdisciplinar.

A metodologia transdisciplinar não havia sido estudada em nenhuma outra

disciplina acadêmica durante a minha graduação em Licenciatura em Artes Plásticas.

Tanto nas matérias obrigatórias do departamento de Artes Plásticas quanto nas

matérias obrigatórias da Faculdade de Educação, discutiram-se os aspectos históricos

da educação escolar e seu cenário atual, a partir de diferentes visões de intelectuais,

sociólogos, pedagogos, historiadores e psicólogos. No entanto, em em nenhuma delas

foi apresentada a visão científica de um autor transdisciplinar.

A pesquisa aqui apresentada é fruto de uma vivência individual e coletiva em

um ambiente cujo pensamento fluiu simultaneamente entre as disciplinas, através das

disciplinas e além de qualquer disciplina- parafraseando Basarab Nicolescu1, autor

que diz: “A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo

que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e

além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o

qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento”.2

1 Basarab Nicolescu (nascido em 25 março 1942 ) é um físico francês, romeno e filósofo da França . Físico

teórico do Centro Nacional de la Recherche Scientifique ( CNRS ), da Universidade de Paris VI. Atualmente

professor na Babes-Bolyai de Cluj-Napoca .

2 (NICOLESCU, 1999)

Page 5: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

5

2. Objetivos

O objetivo específico da pesquisa “Prática Transdisciplinar na Formação do

Professor de Arte” é exercer a reflexão, a investigação e a prática da metologia

transdisciplinar a partir de um estudo de caso, do Ateliê Nossa Casa.

O objetvo geral é compreender e identificar na metodologia transdisciplinar o

que diferencia-a das outras metodologias de ensino da Arte - como a

monodisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a

interdisciplinaridade- e em que essa metodologia agrega na experiência de ensino e

aprendizagem artística.

Page 6: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

6

3. TRANSDISCIPLINARIDADE

3.1 HISTÓRIA E SURGIMENTO DO TERMO TRANSDISCIPLINAR

A abordagem transdisciplinar é relativamente nova na história do conhecimento

humano. O termo foi usado pela primeira vez pelo filósofo e psicólogo suíço Jean

Piaget (1896-1980) no I seminário Internacional sobre pluri- e interdisciplinaridade,

na Universidade de Nice,na França, em 1970, quando o autor disse que "...à etapa das

relações interdisciplinares, podemos esperar ver sucedê-la uma etapa superior que

seria „transdisciplinar‟, que não se contentaria em encontrar integrações ou

reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior

de um sistema total, sem fronteira estável entre essas disciplinas".

Esse pensador estimulou a reflexão acerca de uma interação otimizada entre as

diversas áreas do saber, chamadas disciplinas, sem que estas perdessem suas

especificidades.

A transdisciplinaridade tem sua origem no teorema de Gödel, autor que, em

1931, propôs distinguir vários níveis de realidade, e não apenas um nível, como

entende o dogma da lógica clássica. Com a comprovação na física quântica, tal

proposição provocou um escândalo quando demonstrou que o quantum é composto

simultaneamente de ondas e corpúsculos, e que, no nível do quantum a contradição

entre onda e corpúsculo desaparece, constituindo uma unidade. A partir dessa

descoberta, a lógica clássica entra em crise, abalada em seu fundamento centrado na

não contradição.

A transdisciplinaridade propõe-se a transcender a lógica clássica, a lógica do

“sim” ou “não”, do “é” ou “não é”, segundo a qual não cabem definições como “mais

ou menos” ou “aproximadamente”, expressões que ficam “entre linhas divisórias” e

“além das linhas divisórias”, considerando-se que há um terceiro termo no qual “é” se

une ao “não é”. E o que parecia contraditório em um nível da realidade, no outro, não

é. Implica uma colaboração para um saber comum, o mais completo possível, sem que

necessariamente se crie ou se refira a uma disciplina única. Quando falamos de

transdisciplinaridade estamos colocando em evidência uma nova atitude perante o

saber e um novo modo de ser.

Page 7: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

7

A transdisciplinaridade é considerada inovadora por não ser pensada como uma

hiperdisciplina superior às outras, mas sim complementar à elas (como à pluri, à inter

e também à mono disciplina).

Page 8: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

8

3.2 MONODISCIPLINARIDADE, MULTIDISCIPLINARIDADE E

INTERDISICIPLINARIDADE.

Para esclarecer bem o significado do conceito de transdisciplinaridade, é importante

diferenciá-la de outras metodologias com as quais é frequentemente confundida.

Apresento de forma sintética o que cada uma pretende.

MONODISCIPLINARIDADE:

A monodisciplinaridade limita-se ao ensino de um campo específico do

conhecimento, de acordo com seus próprios antecedentes de educação, treinamento,

procedimentos e conteúdos. No campo das Artes Visuais isso significaria ensinar

somente História da Arte, ou ainda, somente um período delimitado da História da

Arte, que implicaria em subdivisões da disciplina em outras mais específicas, como

por exemplo, História da Arte na Idade Média na Europa, História da Arte

Renascentista Italiana, História da Arte Moderna nos Estados Unidos da América etc.

MULTIDISCIPLINARIDADE:

Ocorre quando para a solução de um problema é necessário obter informação

de outra área envolvida, sem que as disciplinas relacionadas com o processo sejam

modificadas ou enriquecidas. Ocorre, segundo Piaget, quando “a solução de um

problema torna necessário obter informação de duas ou mais ci ncias ou setores do

conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas

modificadas ou enriquecidas”.

INTERDISCIPLINARIDADE:

Se entende quando disciplinas marcadamente diferentes, trocam interações

reais, devido a uma certa reciprocidade no intercâmbio, o que acaba produzindo um

enriquecimento mútuo. A interdisciplinaridade supõe um diálogo e uma troca de

conhecimentos, de análises, de métodos entre duas ou mais disciplinas. Ela implica

que haja interações e um enriquecimento mútuo entre vários especialistas. A

especificidade está marcada no prefixo inter-, que é uma preposição e um provérbio

latino que significa “no interior de dois; entre; no espaço de”. É o prefixo de palavras

como interlocução, interrelação, intermédio, intercâmbio.

Page 9: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

9

Segundo Piaget, o termo interdisciplinaridade deve ser reservado para designar “o

nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma

mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio

levando a um enriquecimento m tuo”3.

4. TRANSDISCIPLINARIDADE E ARTE

Cada pessoa, idealmente da infância à velhice, busca ocupações para o dia-a-

dia que serão realizadas pelo seu corpo e pelo seu intelecto em alguma forma de

trabalho. A arte é um território fértil para que cada indivíduo, em sua singularidade e

liberdade, possa expressar sua visão de mundo.

A profissão de professor, especificamente de Arte, implica em uma necessidade

constante de readequação do conteúdo a ser ensinado, como do próprio caminho, ou

método, pelo qual se ensina. É nesse caminho que entra a transdisciplinaridade, como

um percurso de vias múltiplas, num solo irrigado e em constante transformação.

Se pensarmos na pluralidade da Arte Contemporânea e nos vários materiais,

espaços, suportes, linguagens e mídias utilizadas e inventadas pelos artistas para

realizarem suas criações, nada me parece mais coerente do que o próprio ensino da arte

ser, desde os primeiros anos na escola, ensinado de forma abrangente e

transformadora, exigindo dos professores e alunos uma postura de acordo com um

mundo em constante transformação.

“É evidente que toda mudança nos traz medo, mas é preciso ousadia para

construir o novo e são as práticas educativas que vão demonstrar essas possibilidades

de mudanças”4

Acredito que seja importante fazer uma observação sobre o pensamento e a

metodologia transdisciplinar, para que esta não seja interpretada como uma fórmula

pronta para ser aplicada na sala de aula, mas sim compreendida como uma

3 (in: COMPLEXIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE: UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL DO

SETOR SAÚDE, Mário Chaves)

4(in: Educação Cidadão, Educação Integral, Ângela Antunes e Paulo Roberto Padilha)

Page 10: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

10

multiplicidade infinita de novas formulações, com diferentes componentes que

descortinam o conhecimento .

O pensamento transdisciplinar não exclui a singularidade das disciplinas e

tampouco pretende contemplar todas elas: “ A transdisciplinaridade é complementar da

aproximação disciplinar, ela faz emergir da confrontação das disciplinas novos dados

que as articulam entre si e que nos dão uma nova visão da realidade. A

Transdisciplinaridade não procura a dominação de várias disciplinas mas a abertura de

todas as disciplinas ao que as atravessa e as ultrapassa5”.

5 (CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE, Artigo 3)

Page 11: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

11

5. A TEORIA DA COMPLEXIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE

A teoria da complexidade e transdisciplinaridade surge em decorrência do

avanço do conhecimento e do desafio que a globalidade coloca para o século XXI.

Seus conceitos contrapõem-se aos princípios cartesianos de fragmentação do

conhecimento e ao modo de pensamento dicotômico da realidade (sujeito-objeto,

parte-todo, razão-emoção etc) proveniente da visão difundida por René Descartes no

século XVII . Descartes propôs chegar à verdade através da dúvida sistemática e da

decomposição do problema em pequenas partes, características que definiram a base

da pesquisa científica. A idéia é de que compreendendo-se os sistemas mais simples,

gradualmente se incorporem mais e mais variáveis, em busca da descrição do todo.

Pensa-se nas partes de um sistema qualquer, não no todo.

Não apenas recentemente a metodologia científica tem sido alvo de inúmeros

debates de ordem filosófica, criticada por vários pensadores contrários ao pensamento

cartesiano. Dentre estas críticas, estão as elaboradas pelo filósofo francês Edgar Morin

que propõe, no lugar da divisão do objeto de pesquisa em partes, uma visão sistêmica,

do todo. “Na visão clássica do mundo, a articulação das disciplinas era considerada

piramidal, sendo a base da pirâmide representada pela física. A complexidade

pulveriza literalmente esta pirâmide provocando um verdadeiro big-bang disciplinar6”

Esse novo paradigma é chamado de Teoria da Complexidade. Embora tal

paradigma não implique a rigor na nulidade do método científico em sua forma geral,

ele propõe uma nova forma de aplicá-lo no que se refere tanto às particularidades de

cada área quanto ao objetivo de compreender a realidade na melhor forma possível. A

teoria da complexidade e a transdisciplinaridade propõem outra forma de pensar os

problemas contemporâneos, marcada pela articulação.

6 (Basarab Nicolescu in: O MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE, 1999)

Page 12: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

12

6. METODOLOGIA

6.1 PESQUISA DOCUMENTAL

Figura 1: Fotografia tirada de documentos e referências bibliográficas da pesquisa.

Principais autores e textos que nortearam a pesquisa:

UBIRATAN D´AMBRÓSIO

Dentre os autores nacionais que nortearam esta pesquisa do começo ao fim,

destaco o Professor Doutor Ubiratan D´Ambrósio7. Reconhecendo as dimensões

sensorial, intuitiva, emocional e racional do conhecimento, o autor trata a

7 Ubiratan D´Ambrósio, figura atuante principalmente nos seguintes temas: História e Filosofia

da Matemática, História e Filosofia das Ciências, Etnomatemática, Etnociência, Educação Matemática e

Estudos Transdisciplinares.

Page 13: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

13

transdisciplinaridade como um enfoque holístico do conhecimento, recuperando essas

dimensões na compreensão do mundo em sua integridade.

Inquieto frente ao papel da escola e da universidade na formação das novas

gerações, Ubiratan D´Ambrósio escreveu o livro Transdisciplinaridade, publicado pela

Editora Palas Athena em 1997. Deste livro, cito um trecho extraído da página nove, o

qual foi o começo da minha compreensão sobre a transdisciplinaridade:

“A transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia. Nem uma nova

metafísica. Nem uma ciência das ciências e muito menos, como alguns dizem, uma

nova postura religiosa.... Repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e

humildade em relação a mitos, religiões, sistemas de explicações e conhecimento,

rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência. Na sua essência, a

transdisciplinaridade é transcultural. As reflexões transdisciplinares navegam por

idéias vindas de todas as regiões do planeta, de tradições culturais diferentes.

Repousam sobre as idéias de indivíduos de formação e experiências profissionais as

mais diversas. A essência de sua mensagem é o reconhecimento de que a atual

proliferação das disciplinas e especialidades, acadêmicas e não acadêmicas, conduz

a um crescimento incontestável do poder associado a detentores desses

conhecimentos fragmentados. Essa fragmentação agrava a crescente inequidade

entre indivíduos, comunidades, nações e países. Além disso, a transdisciplinaridade

entende que o conhecimento fragmentado dificilmente poderá dar a seus detentores

a capacidade de reconhecer e enfrentar as situações novas, que emergem de um

mundo a cuja complexidade natural acrescenta-se a complexidade resultante desse

próprio conhecimento- transformado em ação- incorpora novos fatos à realidade,

através da tecnologia”8

Seguindo o mesmo livro, que tem uma estrutura não linear, definida pelo seu autor-

“Este livro não é linear. As partes foram escritas em momentos diversos, sob

motivações diversas. É o mais próximo, escrito, a um estilo de pensamento não linear.

Assim, são inevitáveis algumas repetições”,-Ubiratan D´Ambrósio discorre sobre a

relação do homem com o conhecimento. Examina-a sobre o ponto de vista do poder e

do acúmulo que o conhecimento representa em nossa existência, podendo ser positivo

(e aqui acrescento, promissor),- ou negativo (e mais uma vez coloco-me: destruidor,

como uma bomba).

8 D´AMBRÓSIO, Ubiratan.In Transdisciplinaridade. Ed Palas Athena, 1991Pág. 9

Page 14: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

14

Segundo este autor, não basta que se acumule saberes cada vez mais detalhados

e minuciosos, pois uma vez que perdemos a visão do todo, perdemos a possibilidade de

vivermos integrados na totalidade cósmica, da qual somos e sempre seremos parte.

Ubiratan sugere que comecemos a nos integrar “na totalidade cósmica por etapas, a

começar pela nossa integração pessoal, como indivíduos. Mente e corpo, consciente e

inconsciente, naterial e espititual…9”

Da mesma forma que buscamos nossa integração individual, buscamos

integração na sociedade e como etapa seguinte a integração da humanidade como um

todo- nosso planeta.

O respeito pelo diferente, a solidariedade para com o outro, a cooperação do

patrimônio comum, são valores da transdisciplinaridade que devem estar sempre

presentes na forma de pensar de um sujeito.

“Eliminar a arrogância, a inveja e a prepotência, adotando em seu lugar o

respeito, a solidariedade, a cooperação, é o objetivo maior da

transdiciplinaridade. Nossa missão é nada mais nada menos que propor um

pacto moral entre todas as pessoas interessadas numa nova perspectiva de

futuro para a humanidade. A base dessa perspectiva é a identificação do

muito que pode ser ainda transformado10 ”.

Com as ideias de Ubiratan D´Ambrósio em vista, desenvolvemos propostas no

ateliê que refletiam essa horizontalidade dos saberes de diferentes culturas e pessoas.

Propusemos exercícios que exigiram dos alunos um olhar do interior para o exterior e

do exterior para o interior, em concomitância. Exercícios que demandaram soluções

individuais e coletivas para seu desenvolvimento, de maneira orgânica. Todas as

atividades desenvolvidas no ateliê tiveram, em sua essência e processo, a integração do

indivíduo com seu entorno, ou seja, a reintegração das partes com o todo.

9 D´AMBRÓSIO, Ubiratan.In Transdisciplinaridade. Ed Palas Athena, 1991Pág. 11

10 D´AMBRÓSIO, Ubiratan.In Transdisciplinaridade. Ed Palas Athena, 1991Pág. 14

Page 15: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

15

MOACIR GADOTTI

Figura 2: Aluna pintando uma árvore imaginária, durante uma aula no Ateliê Nossa Casa.

Outro autor de extrema importância para a pesquisa foi Moacir Gadotti11. No livro A

Carta da Terra na Educação, publicado pela Editora e Livraria Instituto Paulo Freire

em 2010, o autor aborda temas como:

1) a educação integral (aquela que forma o ser humano em sua integralidade e para a

sua emancipação, respeitando suas múltiplas dimensões e atendendo suas necessidades

educativas durante o processo formativo e em sua interação com a escola e

comunidade);

2) a ecopedagogia;

3) a educação e cidadania planetária para a paz;

11 Moacir Gadotti, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra, professor de Filosofia

da Educação da Universidade de São Paulo, diretor do Instituto Paulo Freire e autor de diversas publicações em que

desenvolve uma proposta educacional de formação crítica do educador em relação aos problemas do planeta.

Page 16: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

16

4) o equilíbrio dinâmico do ser humano e natureza;

5) a necessidade de revisão de currículos escolares e

6) uma reorientação de nossa visão de mundo da educação.

Na busca por um espaço educativo para a libertação, a reflexão e a ação, A

Carta da Terra na Educação é um documento referencial para aqueles que buscam

uma vida de respeito ao próximo, a si e ao meio ambiente . Todas as aulas do ateliê

desenvolveram-se tendo a natureza e o indivíduo integrados, de modo a despertar em

cada um a sensação de pertencimento e uma consciência ambiental, como sugere o

autor.

BASARAB NICOLESCU

Dentre os os autores internacionais que mais contribuiram para esta pesquisa,

está Basarab Nicolescu12. Na última década, Basarab Nicolescu tem produzido

diversos textos que procuram desvendar as relações entre arte, ciência e tradição,

propondo novos modelos de pensamento que possam resgatar à cultura e à sociedade

um ser humano mais completo, capaz de enfrentar os desafios da complexidade - a

intrincada teia de relações entre conhecimentos, disciplinas e sistemas que carateriza o

mundo contemporâneo.

12 (25 de março de 1942), físico romeno, presidente do CIRET, Centro Internacional de Pesquisas

e Estudos Transdisciplinares, fundado na França em 1987.

Page 17: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

17

O MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Figura 3: fotografia do texto "O Manifesto da Transdisciplinaridade"

“O Manifesto da Transdisciplinaridade”, escrito pelo autor em 2001, revela um

pensamento crítico em relação ao presente, assim como uma frustração em relação às

duas chamadas “revoluções” que atravessaram o século- a revolução quântica e a

revolução informática- mas que em nada apaziguaram nossas vidas ou mudaram de

fato nossas visões do mundo.

“Como se explica que quanto mais sabemos do que somos feitos, menos

compreendemos quem somos? Como se explica que quanto mais conheçamos o universo

exterior, mais o sentido de nossa vida e de nossa morte seja deixado de lado como

insignificante e até absurdo? A atrofia do ser interior seria o preço a ser pago pelo

conhecimento científico? A felicidade individual e social, que o cientificismo nos

prometia, afasta-se indefinidamente como uma miragem”

É notório que o ser humano se desenvolve e se transforma através do

conhecimento científico. Grande parte das diferenças entre as culturas reside na

maneira pela qual enfrentam as dificuldades impostas pela vida ou lutam pela

sobrevivência. A busca por soluções inteligentes para solucionar problemas de ordem

prática e concreta, que tornam a práxis do dia-a-dia menos penosa como- a criação de

um sistema de distribuição de água em uma cidade ao invés de uma busca diária

individual e incerta, a construção de uma moradia que proteja seus habitantes das

intempéries, a descoberta de um remédio que sane a dor ou cure uma doença-, são

exemplos muito básicos, se comparados aos avanços científicos e tecnológicos do

Page 18: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

18

mundo contemporâneo, mas que ainda assim, são critérios relevantes para que se

considere uma sociedade mais ou menos desenvolvida que outra. No entanto, mesmo

na sociedade mais desenvolvida, as questões existenciais individuais e as angústias

coletivas continuam existindo e sendo quase sempre as mesmas.

“No plano espiritual, as consequ ncias do cientificismo também foram consideráveis. A

objetividade, instituída como critério supremo de verdade, teve uma consequência

inevitável: a transformação do sujeito em objeto. A morte do homem, que anuncia outras

tantas mortes, é o preço a pagar por um conhecimento objetivo... No fundo, além da

imensa esperança que suscitou, o cientificismo nos legou uma ideia persistente e tenaz:

a da existência de um único nível da Realidade, no qual a única verticalidade concebível

é a da pessoa ereta numa Terra regida pela lei da gravidade universal”13

O autor, que opõe-se à ideia “persistente e tenaz” do legado cientificista de

existência de uma única realidade, propõe uma nova visão de mundo, a qual tem na

física quântica seu despertar, com a descoberta de Plank14.

A CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Em 1994, realizou-se o “I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade”, no Convento

de Arrábida, em Portugal. Por ocasião deste evento foi redigida por Edgar Morin,

Lima de Freitas e Basarab Nicolescu a “Carta da Transdisciplinaridade”, assinada por

62 participantes, de 14 países. Essa carta traz uma série de considerações que

registram a urgência de se pensar em um sistema de ensino abrangente e livre de

preconceitos em relação a determinadas áreas do conhecimento. Na sequência dessas

considerações, são postulados 14 artigos (dentre os quais destaco aqueles que

considero mais conectados à esta pesquisa*) e um “Artigo Final” que determina:

13 NICOLESCU, O Manifesto da Transdisciplinaridade, p.4

14 Plank. Max Karl Ernst Ludwing Plank. (23 de abril de 1858 – 4 de outubro de 1947), físico

alemão, considerado o pai da física quântica foi responsável pela descoberta da descontinuidade da

energia, contrariando a ideia de continuidade na qual se fundamenta a física clássica.

Page 19: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

19

A presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso

Mundial de Transdisciplinaridade, que não reinvindicam nenhuma outra autoridade

exceto a do seu próprio trabalho e de sua própria atividade. Segundo os processos que

serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os países, esta

Carta está aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover

nacional, internacional e transnacional as medidas progressistas para a aplicação destes

artigos na vida cotidiana (2002: 192).

*Artigos destacados:

Artigo 1

Toda e qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no

meio de estruturas formais, sejam quais forem, é incompatível com a visão

transdisciplinar.

Artigo 3

A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir novos

dados a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si; oferece-nos

uma nova visão da natureza da realidade. A transdisciplinaridade não procura a mestria

de várias disciplinas, mas a abertura de todas as disciplinas ao que as une e as

ultrapassa.

Artigo 4

A pedra angular da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das

acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta a um

novo olhar sobre a relatividade das noções de "definição" e de "objetividade". O

formalismo excessivo, a rigidez das definições e a absolutização da objetividade,

incluindo-se a exclusão do sujeito, conduzem ao empobrecimento.

Artigo 8

A dignidade do ser humano também é de ordem cósmica e planetária. O aparecimento

do ser humano na Terra é uma das etapas da história do universo. O reconhecimento da

Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem

direito a uma nacionalidade; mas com o título de habitante da Terra, ele é ao mesmo

Page 20: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

20

tempo um ser transnacional. O reconhecimento, pelo direito internacional, dessa dupla

condição - pertencer a uma nação e à Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa

transdisplinar.

Artigo 11

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve

ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o

papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão do

conhecimento.

Artigo 13

A ética transdisciplinar recusa toda e qualquer atitude que rejeite o diálogo e a

discussão, qualquer que seja a sua origem - de ordem ideológica, científica, religiosa,

econômica, política, filosófica. O saber compartilhado deve levar a uma compreensão

compartilhada, fundamentada no respeito absoluto às alteridades unidas pela vida

comum numa só e mesma Terra.

Artigo 14

Rigor, abertura e tolerância são as características fundamentais da visão

transdisciplinar. O rigor da argumentação que leva em conta todos os dados é o agente

protetor contra todos os possíveis desvios. A abertura pressupõe a aceitação do

desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do

direito a idéias e verdades diferentes das nossas.

Page 21: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

21

6.2 ATELIÊ NOSSA CASA

O Ateliê Nossa Casa propõe-se a ensinar Arte não somente através do viés da

História da Arte e da aprendizagem de técnicas artísticas milenares. Através de

propostas que tem elementos simples e tangíveis como ponto de partida- uma casa,

uma árvore, uma torre, um jardim-, busca-se trabalhar a dimensão simbólica do sujeito

e do seu entorno. Exercita-se um pensamento complexo, que integra saberes e

discursos de diferentes disiciplinas (escolares e acadêmicas), de modo que a

complexidade do mundo não seja encarada como um problema, mas como parte da

vida.

Além disso, permite que alunos de graduação e pós graduação tenham a

possibilidade de por em prática um pensamento e olhar que não hierarquiza tempos e

tampouco culturas como sendo soberanas. Permite-se igualmente que, alunos de

diferentes escolas de São Paulo, de 7 a 12 anos de idade, possam experimentar um

espaço de conhecimento que é múltiplo, que visa a unidade do conhecimento e não

fica restrito ao currículo de uma disciplina de Arte.

Assim, os alunos que pretendem lecionar Arte após a graduação, podem tanto ampliar

o olhar em relação a uma nova metodologia de ensino da Arte, quanto exercitar e

colocar em prática suas propostas e valores nas aulas do ateliê.

A prática transdisciplinar permite que cada aluno,como indivíduo e sujeito que

pensa e atua no mundo, busque a sua melhor forma de expressão. O que propõe-se,

mas não impõe-se, é a integração entre o Ensino das Artes (através do qual procura-se

exercitar a manifestação da parte sensível do indivíduo no fazer artístico), a Educação

Ambiental (da qual surge a consciência da importância da comunhão entre o sujeito e a

natureza) e a Cultura de Paz (refletida na busca por um diálogo que aceite e acolha as

diferenças entre discursos, formas e ideias sem tolher o sujeito).

A transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do

conhecimento. Desta forma, procuramos estimular uma nova compreensão da

realidade articulando nas propostas elementos que passavam entre, além e através das

disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade inerente à realidade.

Tendo em vista o pensamento de Edgar Morin já mencionado na parte

documental, guiamos-nos pela ideia de um pensamento ordenador, que está por trás de

toda prática transdisciplinar., que articula entre os diferentes saberes novos

Page 22: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

22

conhecimentos, capazes de nos dar uma nova visão da natureza e da realidade. Essa

busca esteve presente durante todas as aulas do ateliê.

Page 23: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

23

6.3 PESQUISA-AÇÃO

Assim que comecei a pesquisa sobre a “A prática transdisciplinar na formação

do professor de Arte”, comecei também a participar das aulas do ateliê Nossa Casa, às

terças feiras à tarde, no departamento de Artes Plásticas da USP. Como era o começo

do semestre e as aulas já haviam começado no ateliê, não participei em um primeiro

momento da elaboração das propostas e do cronograma das aulas. Observava as

atividades realizadas pelos alunos, fazendo registros escritos, fotográficos e

videográficos durante a aula. Prestava atenção em cada detalhe, em como estava

organizado o espaço do ateliê, em como era a interação dos alunos com as professoras,

como era a interação entre eles, como desenvolviam os trabalhos, como recebiam as

informações que a eles chegavam. Enfim, agia naquele momento como uma

observadora discreta, sem intervir no processo de criação dos alunos.

A compreensão do mundo contemporâneo e do espaço que nele ocupamos, foi

um dos desafios imperantes durante todo o tempo da pesquisa. A abordagem da Arte

que fizemos ao longo de um ano dentro do Ateliê Nossa Casa foi diversificada em

temas, técnicas, propostas e no tempo de realização de cada tarefa. Valorizamos os

processos de aprendizagem e os desdobramentos de cada proposta igualmente, tanto no

âmbito individual quanto no coletivo.

Interessava-nos mais a maneira como os alunos envolviam-se e relacionavam-se com o

novo conhecimento do que o objeto final produzido, avaliado em termos técnicos e

estéticos. Valorizamos as diferenças entre os resultados e não trabalhamos com a ideia

de padrão ideal.

O diálogo aberto entre as professoras e os alunos, a maleabilidade e adequação

das propostas aos tempos individuais e a possibilidade de seguir por diferentes

caminhos, são parte de “uma visão que é deliberadamente aberta na medida em que

ultrapassa o domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não

somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a

experi ncia interior” (<Carta da Transdisciplinaridade>, artigo 5º).

Page 24: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

24

7. RESULTADOS

“A CASA”

A primeira proposta do ateliê foi desenvolvida com base na ideia da casa, em

seu sentido amplo. Casa enquanto lugar ocupado pelo homem durante a vida, do útero

materno ao próprio planeta Terra. Abordamos também a casa na natureza, os animais e

suas casas: o joão de barro, as formigas, as abelhas, o canguru, o castor. O que

significa para um animal, ter uma casa? O que significa para uma pessoa, ter uma

casa? Essas perguntas todas foram propostas a todos os alunos e inclusive à mim,

como aluna de graduação.

A professora Dália solicitou-me que fizesse uma reflexão por escrito do que

era a casa para mim, a qual demorou um tempo para ser feita, por que a questão da

casa parecia-me e ainda parece demasiadamente grande. Faz-me pensar não na casa

como algo concreto e abstrato e é justamente nesse pensamento dualista que vem a

dificuldade, de dizer o que é a casa para mim. Aqui transcrevo minha reflexão sobre a

casa:

“M(eu) lugar, minha casa.”

Desde a infância, deixo minha imaginação fluir livremente sobre o significado e sentido da

minha casa: o que é, como é, porque é, como poderia ser, . Como toda crianca, sempre adorei as

brincadeiras de faz-de-conta e dentre estas, a mais recorrente era a que eu construia uma nova casa para

morar. Tudo que eu mais queria era um cantinho seguro, um lugar aconchegante onde eu pudesse

inventar e viver histórias fantásticas, só minhas, de mais ninguém.

Nas minhas casinhas- que já foram embaixo de uma mesa, dentro de uma caixa de papelão,

embaixo de um cobertor pendurado entre duas cadeiras, e até em uma garagem-, eu sentia-me totalmente

conectada ao mundo, de uma forma idescritível. Diferentemente de todos os outros espaços os quais eu

ocupava no meu dia-a-dia, ali sim, eu sentia que eu era eu. Ali e somente ali, eu sentia que existia de

verdade, que agia de acordo com as minha vontades e os meus quereres e que era, definitivamente, quem

eu queria ser.

Havia qualquer coisa de mágico nessas casas que eu habitava temporariamente na minha

infância, pois elas me faziam sentir ponderosa, capaz de transformar tudo ao meu redor. Eu vivia a casa

Page 25: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

25

em sua totalidade, em sua maior complexidade. Da mesma forma como eu dava vida a um lugar

imaginário, sentia-me capaz de dar vida a qualquer coisa que eu quisesse. Dentro da casa, eu projetava

foguetes, que me levavam à lua. E, voltando para casa, eu projetava uma nova casa, agora com

influências do espaço.

Conforme o tempo passou, as brincadeiras de faz-de-conta deram lugar à outras brincadeiras e

somente uma delas resistiu às mudanças do tempo e da idade, sendo ela a brincadeira da casa. É claro

que não se tratava de uma brincadeira que tinha um mesmo formato sempre, pois isso deixaria-a

monótona e ultrapassada, mas por outro lado, a brincadeira tinha sempre o mesmo personagem-lugar.

Esse personagem-lugar era a casa. E antes da casa, era eu.

Como eu, a casa estava sempre em transformação. Fazia-se e desfazia-se com rapidez e não

havia saudade daquilo que um dia foi, porque eu sabia que o mais importante era aquilo que estava por

vir. E dessa maneira, vivia o presente em transformação de uma forma fantástica. A minha casa real,

onde moravam meus pais e meu irmão, não tinha a menor graça perto das mil possibilidades que eu

encontrava naquela construção que era minha. Por mais que eu tentasse incluir outras pessoas, não havia

espaço para mais ninguém, somente para meus companheiros fictícios.

Passados muitos anos desde a última vez em que brinquei de casinha, me vejo diante de uma

sala de aula de arte onde as crianças são estimuladas a pensar sobre o conceito da casa, partindo de

exemplos da natureza, começando pela bolsa do canguru que é a primeira casa de seu filhote, até a

proposta de construção coletiva de uma torre, que seja uma grande casa coletiva da turma. Antes de

empenharem-se na construção das partes que fariam o todo da torre, eles desenharam suas casas, depois

seus quartos, escreveram e falaram sobre eles, como se falassem de alguém muito próximo. Ao falarem

de seus quartos, ou ilustrarem o espaço da casa que ocupam, os alunos inevitavelmente estavam a falar

sobre eles mesmos e o lugar que ocupam não só na casa, mas também no mundo.

Não há como separar o sujeito do lugar onde ele vive, pois sujeito e lugar estão em um processo

de troca ininterrupto. Trata-se de uma relação de dependência, como tantas outras existentes na natureza.

E isso acontece desde o começo das nossas vidas, considerando vida também os 9 meses que passamos

no útero materno. Assim, a nossa casa é sempre uma parte nossa, que começa no interior e depois se

projeta no exterior, como um reflexo nosso. A partir de determinado momento já não se sabe mais se a

casa é um reflexo do dono ou se o dono é um reflexo da casa, pois esta relação casa-sujeito acaba sendo

tal forma simbiótica que já não há sequer uma hierarquia que possa ser imediatamente identificada.

Tenho certeza que um sujeito quando tem a possibilidade de construir sua própria casa (num

plano concreto ou abstrato) ele o fará de acordo com a sua visão de mundo, a sua compreensão de

espaço, de beleza, conforto e funcionalidade. Ao projetar uma casa, independente de sua viabilidade,

uma pessoa deixará claro quais são as coisas mais importantes para ele, sendo este mesmo fato

observável no comportamento das crianças.

Ao desenharem seus quartos, destacaram aquilo que consideram de mais importante em seus

pequenos mundos, por outro lado, ao erguerem a Torre, escreveram palavras e colocaram coisas que

consideram importantes para o mundo. De árvores à foguetes, de casas de passarinhos à cena de um

boneco castigado publicamente, de palavras bonitas como “amizade, paz e amor” à palavras em ingl s,

os alunos criaram uma torre cheia de vida, de tramas, de elementos fantásticos, mundanos, da terra e de

Page 26: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

26

cada vida de cada um. Ao escolherem o que quer que fosse para ser colocado na Torre, os alunos tinham

a preocupação com o restante do grupo, pois cada gesto individual era visto por todos os alunos e

dependia, de uma maneira implícita, da aprovação coletiva.

A passagem portanto de um lugar extremamente particular e individual (o quarto/ a casa) para

um lugar coletivo, fez com que os alunos tivessem pelo menos duas experiências principais, no que diz

respeito ao olhar e a ação : 1) em um primeiro momento foram convidados à introspecção, direcionando

o olhar para eles mesmos, para então apresentarem-se para o mundo, a partir de uma construção já

existente; 2) foram convidados à extroversão, a um olhar para o olhar do outro, à uma construção

coletiva de algo inexistente, pré-projetado individualmente por cada um.

Acredito que a casa seja uma metáfora concreta do sujeito, a qual pode ser vista e revista,

transformada, reformada e renovada diversas vezes ao longo da vida. A complexidade de estar no

mundo e de relacionar-se com a vida pode ser amparada pela solidez de uma casa, mas esta quando

habitada torna-se frágil e viva, exigindo de seus habitantes cuidados e manutenções como qualquer

outra matéria viva.

A reflexão dos alunos sobre a casa: um caminho intelectual através da prática

artística.

Figura 4: desenho de uma aluna sobre o seu quarto

Page 27: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

27

Os alunos começaram fazendo desenhos dos quartos deles como são, depois

desenharam como eles gostariam que fosse o quarto deles. Isso fez com que eles

pensassem em valores que consideravam relevantes para a vida deles e a própria forma

como se projetavam no espaço. Após as apresentação dos desehos que fizeram

individualmente, foi proposto que eles pensassem em uma casa coletiva, que

desdobrou-se na proposta da torre. Começamos então a trabalhar na coletea de objetos

que pudessem construir uma torre, a qual seria a torre da classe.

“ A TORRE”

A torre foi construida em partes, utilizando materiais recicláveis e também

materiais orgânicos, que eles saiam para procurar fora da sala de aula, pelo

departamento de Artes Plásticas. Essa parte de coleta era uma forma de ampliar o olhar

deles sobre o que são as coisas e como elas podem ser usadas. Um dos objetivos

centrais era que entendessem que tudo depende de como a vemos as coisas.

Figura 5: aluna criando uma parte da torre com janelas feitas com slides

Page 28: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

28

Figura 6: Aluna durante a aula e a estagiária Vivian Palma, no jardim do Departamento de Artes

Plásticas

Materiais inusitados se tornavam rígidos como concreto de construção. Essa

proposta prolongou-se por mais aulas do que havíamos planejado. Acabou por

desenvolver-se durante quase o semestre inteiro, considerando-se que o desenho do

quarto já era o começo dessa proposta.

Para os alunos, a construção coletiva de uma torre foi um momento de grandes

descobertas, tanto de materiais, quanto de valores individuais e coletivos. A

criatividade era o que movimentava e dava origem a matéria e foi através da

criatividade que foi feita a torre.

Page 29: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

29

Figura 7: Aluno durante o processo de construção da torre.

Figura 8: Aluno segurando uma parte da torre, construída a partir de bubinas de rolos de papel higiênico.

Quando eles começaram a organizar as partes para subir a torre surgiram

conflitos de poder, todos disputavam o melhor local da torre, revelando um retrato dos

valores da sociedade que já estão incrustados nas crianças. A torre se tornou um lugar

concreto na sala de aula de sonhos e de medos que não são abordados com frequência

mas na torre eles projetavam isso. Um exemplo marcante foi de um aluno (e essa foi

uma das discussões entre os alunos) que queria por um boneco enforcado no topo da

torre, enquanto outro queria por uma nave espacial.

Page 30: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

30

Figura 9: aluno fazendo o boneco que gostaria de colocar no topo da torre, enforcado.

Figura 10: aluno montando a nave espacial, que faria parte da torre.

Foi pela observação das formas que cada aluno criava que constatei que de

certa forma a construção da torre virou uma projeção de medo e sonho ao permitir que

os indivíduo externalizassem ideias e emoções de qualquer natureza. Acabou por ser

um desafio plástico com um desfecho surpreendente, pois da torre que tanto tentavam

erguer, acabou por horizontalizar-se, sendo esta horizontalização uma solução coletiva,

Page 31: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

31

democrática. Antes dessa decisão, estavam tentando empilhar as partes que faziam na

torre de acordo com a altura deles, no alcance que eles tinham. Mas impunham metas

cada vez mais altas e a cada topo alcançado, um novo aluno queria erguer mais e

todos queriam ter o último andar, dando origem a disputa pelo topo.

Figura 11: A Torre em fase de verticalização

No final da proposta, foi natural a desconstrução da torre em partes, mostrando que as

pessoas são capazes de construir e desconstruir ideias com facilidade. Conceitos e

imagens muito eraizadas desmembram-se e prolongam-se em novas ideias criadas e

Page 32: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

32

em novos conceitos. Curiosamente, nenhum aluno achou que a torre “deu errado” por

ter ficado horizontal.

Figura 12: A torre e suas partes ao redor, no dia da exposição para os pais

Durante a proposta da construção da Tore no Ateliê Nossa Casa,a mestranda Vivian

Palma fez uma reflexão sobre esta, tal e qual eu havia feito sobre “ a casa”. Considero

o texto desta aluna relevante para uma melhor compreensão do processo.

“Sobre a Torre de Babel.”

Vivian Palma Braga dos Santos

A história da Torre de Babel é narrada no texto bíblico do Antigo Testamento, no livro de

Gêneses, capítulo 11, versículos 01 ao 09. Segundo o texto, após o dilúvio que destruiu a todos e

Page 33: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

33

preservou apenas a família de Noé, a terra era “toda duma mesma língua”, o que nos fazer ententer que

todos andavam juntos. Assim, todos partiram do Oriente (v. 02) e encontraram um vale onde habitar.

Neste, iniciaram a construção de uma cidade e de uma torre que tocasse os céus, a fim de fazerem um

nome e não serem espalhados pela terra.

Porém o Senhor, ao descer dos céus para ver as edificações desses homens, indignou-se contra

o objetivo por eles traçado e confundiu suas línguas, para que não se compreendessem. Por causa disto,

eles foram espalhados pela face da terra, deixando de construir a cidade e a torre.

Embora o acontecimento tenha sido denominado de Torre de Babel, nenhum registro de tal tipo

é referenciado no texto bíblico. A torre tomou este nome pois foi edificada na cidade de Babel,

localizada (supostamente) entre os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia.

A metáfora da torre de Babel passou então a ser empregada como sinônimo de discórdia, de

descompasso sobre uma opinião.

Por aperecer como evento isolado em meio as genealogias de Noé e de seus filhos, a interpretação do

signficado da destruição da torre que deveria chegar aos céus ganhou diversas explicações, bem como

diversas representações. Muitas destas, como no caso das de Bruegel perpassam por uma leitura da

arquitetura “original” peneirada por modelos clássicos vistos pelo pintor quando de sua viagem à Roma.

Apesar das diferenças imagéticas, o ponto crucial da torre era o fato de se tratar não apenas de

uma construção vertical, mas que possuia, em seu trajeto rumo ao céu, edificações de casas que a

compunham. Casas estruturadas sobre muros foram construções comuns na Mesopotâmia nos séculos

a.C. Da mesma maneira a Torre de Babel era formada por moradias sobrepostas, edificando uma torre.

É importante ressaltar ainda outras interpretações colocadas por Paul Zumthor, em Babel ou

L’inachèvement (1970), citado por Geraldo Souza Dias, em sua livre docência. O autor francês defende

que a separação das línguas diz respeito a abertura dos lábios, até o momento unidos. Outros, como

Foucault, em As Palavra e as Coisas, ressaltam que é nesse instante que dá-se a separação entre homem

e mundo. Argumento interessantíssimo quando nos voltamos aos trabalhos de Mircea Eliade quanto do

mito e o real, e a crença mesopotâmica de um mundo terrestre e um mundo celeste, que foram

separados, mas que certos pontos do plano perecível (terrestre) podem eventualmente restabelecer esse

contato perdido.

Tomando pra si esses ou outros argumentos, alguns artistas trarão a temática da Torre de Babel

em visualidade e significado. Escher, por exemplo, se debruçará no seu caráter quase irreal. Enquanto

Geraldo Dias opta pelo aspecto estrutural e também simbólico.

No tocante a essa temática direcionada ao trabalho que será realizado no Ateliê, tendo como

base a casa, proponho que todos esses amplos significados possam ser reservados, em favor de um

envolvimento diferenciado, levando em consideração, sobretudo, a faixa etária dos alunos. Sendo assim,

acredito que seria interessante incluir a história da construção da torre, partindo de outras várias sobre

como outras culturas habitam os lugares. Talvez por meios de questionamentos possamos refletir sobre

como é morar todos num mesmo lugar. Creio que essa proposta (da segunda aula) já nos fará pensar

sobre a possibilidade da construção de uma casa conjunta, posteriormente.

Pensando nisto, poderemos abordar também os cortiços, além das outras culturas,

possibilitando um pensamento de: como é morar numa casa onde não é apenas minha família próxima

Page 34: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

34

que mora? Como essa casa é organizada? Como ela é construída? A partir daí podemos propôr a

atividade da casa/torre dos alunos.

Figura 13: Fotografia de anotações e colagens que fiz no meu caderno durante a proposta da Casa e

da Torre. Na página da esquerda, uma torre de Babel feita de papel por um artista plástico.

Page 35: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

35

Figura 14: Na página da direita, uma reprodução de uma pintura deLucas van Valckenborch (1535-

1597). “A Torra de Babel”, 1595

Page 36: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

36

“A BANDEIRA”

Depois de feita torre, propusemos uma atividade para criar uma unidade na turma e

simultaneamente, trabalhar valores com eles. Mostramos em uma apresentação de

slides no power point, como muitos artistas já haviam trabalhado com o símbolo da

bandeira (Jasper Jonhs, Andy Warhol, Roerich, Beyus etc) e como esta era um simbolo

forte.

Figura 15 e 16: apresentação de bandeiras feitas por artistas

Figura 16

A bandeira que eles fizessem seria, portanto, da turma do ateliê e da torre. Foi feita em

grupo, porém antes cada aluno fez uma individualmente. Depois apreciamos todas.

Para definir a forma da bandeira utilizamos ideais como paz, natureza. Foi feita numa

tela de pintura e os pais acompanharam o processo, todos os alundos deram uma

contribuição na confecção da bandeira

Page 37: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

37

Figura 17: Perguntas-chave para a realização da bandeira

Page 38: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

38

Figura 18: Alunos pintando a bandeira e escrevendo nela seus valores

Page 39: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

39

Os resultados mais sobresalentes dessa atividade foram o fazer coletivo

construtivo e harmônico, a discussão de valores, o desenvolvimento da autonomia, e a

liberdade dos alunos para expressarem-se.

Figura 19: Bandeira sendo colocada na classe, após estar pronta.

Page 40: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

40

As propostas do segundo semestre:

“LIVRO DAS ÁRVORES” / “LIVRO DE ARTISTA”

Ao longo do meu segundo semestre no ateliê, pude participar do começo ao fim

da elaboração do cronograma de aulas e da execução das mesmas. Reuníamos (eu, a

professora Dália e a mestranda Fabrícia Jordão) para juntas criarmos propostas

criativas de aulas, que explorassem diversas técnicas, espaços, ideiais e temas.

Conseguimos em um semestre trabalhar técnicas como pintura da paisagem, desenho

cego, gravura em linólio, desenho de observação da natureza, desenho de memória,

desenho de imaginação e por fim, a parte simbólica de um jardim, dando continuidade

a reflexão feita na proposta da casa,agora de uma forma extendida.

Trouxemos livros de artistas que motivaram os alunos a criarem seus próprios

livros , encontrando soluções complexas para organizar o material que recolheram da

natureza e dos desenhos que fizeram ao longo das aulas. A partir da ideia de registro,

de pesquisa, observação da natureza, coleta de materiais e exercício de diferentes

técnicas artísticas, propusemos aos alunos que fizessem um livro das árvores.

Figura 20: alunos desenhando em diferentes superfícies, no jardim

Page 41: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

41

Figura 22: aluna fazendo desenho das árvores ao seu redor

Figura 21: aluno mostrando os 8 desenhos feitos das árvores que observara na natureza e que

constituiria seu livro das árvores/ livro de artista

Page 42: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

42

“O JARDIM”

Durante o segundo semestre trabalhamos a ideia do jardim, como espaço de

cultivo coletivo, como forma de integração do indivíduo com a natureza de uma forma

integral. Trabalhamos a ideia do cuidado necessário para se fazer um jardim, e do

tempo necessário para tal. Através da observação da natureza e do contato com a

mesma (desenhando ao ar livre, fazendo desenhos de observação) exercitamos o olhar

para o exterior e para o interior, criando paisagens imaginárias e reproduzindo

paisagens guardadas na memória.

No final da atividade, acabamos por criar um jardim coletivo, usando a técnica

de xilogravura, mas aplicada em linólio ao invés de madeira. Os instrumentos

utilizados, no entanto foram os mesmos. Para a realização do jardim coletivo, os

alunos usaram um longo papel, o qual tiveram que unir os trabalhos feitos

individualmente, mais uma vez criando um todo. O processo foi muito interativo e

exigiu dos alunos muita atenção e coordenação, para que o longo jardim coletivo fosse

possível.

Page 43: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

43

Figura 23: alunos fazendo as gravuras das partes do jardim, que depois seria um grande jardim para o

Ateliê Nossa Casa

Page 44: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

44

Figura 24: o jardim coletivo após ter sido feito, pendurado de um lado a outro da classe. As matrizes

com os desenhos em cima da mesa.

Page 45: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

45

7. O CAMINHO PARA AS CONCLUSÕES FINAIS

A fim de melhor transitar pelos capítulos e ideias organizadas ao longo desta

pesquisa, optei por fazer um intervalo neste relatório. Revelo nos próximos itens

algumas partes do meu percurso conclusivo, que fazem do próximo tópico um espaço

de transição importante entre esta e a próxima etapa do relatório.

Page 46: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

46

7.1 Transitando no tempo

( Uma reflexão sobre as disciplinas de Metodologias de Ensino das Artes Visuais com

Estágios Supervisionados I, II, III e IV.)

Os registros estiveram sempre muito presentes na minha forma de pensar e

compreender o mundo. Desde que aprendi a segurar um lápis, passei a deixar minha marca

em tudo que podia. De rabiscos nas paredes da casa, passando por desenhos feitos com giz

colorido em cadernos e chegando finalmente aos meus primeiros diários escritos, sempre

tive necessidade de registrar experiências para melhor compreendê-las. Fiz isso em quase

todas as aulas que tive ao longo da vida, da escola à faculdade. Anotações e mais

anotações, disiciplinas inteiras de professores transcritas em cadernos que depois

ajudavam-me a compreender melhor aquilo que havia sido ensinado. Ao final desta

pesquisa, foi importante reler meus relatos de aulas de outros ateliês, quando ainda não

havia começado a estudar a metodologia transdisciplinar. Uma série de medos e

inseguranças surgiam junto à tentativa de antever uma aula que seria dada. Os relatos por

escrito das minhas primeiras aulas em uma escola pública situada na Zona Oeste de São

Paulo, carregados de emoções, me fazem perceber uma mudança não na minha forma de

ser, mas na minha forma de ensinar. Apesar dos meus registros das aulas do ateliê serem

de difícil compreensão para qualquer pessoa , uma vez que seguem uma ordem visual

inventada por mim e portanto somente compreendida por mim, minha atuação no Ateliê

Nossa Casa foi muito mais desenvolta do que na escola pública. Antes eu ficava muito

presa aquilo que eu havia preparado para falar e não conseguia me desprender de um

roteiro pré elaborado que não saí como o previsto. Neste sentido, a experiência

transdisciplinar permitiu-me perceber nuances da relação ensino-aprendizagem que

tornaram tanto o preparo das aulas quanto a execução das mesmas mais simples e fluidas.

Page 47: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

47

“Minha primeira aula de Arte na E E Clorinda Danti. (7 de abril de 2011) ”

1º momento, o mais importante: o planejamento da aula.

Inseguranças. Ansiedade. Vontade de desistir, de bancar a criança e fingir que fiquei

doente, que não pude ir. Compromisso, responsabilidade, caráter- concluo que não sou

capaz de optar por uma mentira. Prefiro assumir minhas fraquezas, minhas dificuldades e

minhas inseguranças mais tolas, ao invés de escondê-las das pessoas à minha volta.

Exponho meus medos à professora, minha falta de organização, minha dificuldade em

fazer um bom plano de aula na véspera da aula, à meia noite, em e-mails desesperados.

Não consigo escrever um projeto da minha aula, não consigo acreditar que minha aula

possa dar certo. Escrevo o projeto às pressas, incompleto, sem fazer as tais divisões de

tempo, de importância fundamental para qualquer aula. Planejar uma aula de acordo com o

tempo que me é dado. Pensar no tempo para que a aula aconteça por completo e não fique

comprometida por uma má administração do tempo pela professora, no caso, eu. Mas essa

realização só ocorre-me agora, após dada a aula, porque até então eu acreditava que as

coisas aconteciam na liberdade do tempo, cada coisa a seu tempo, cada aula ao seu ritmo,

independente de marcações rígidas dos minutos e cronometragens das atividades. Ainda

falta-me humildade e sabedoria para saber ouvir um conselho de um professor, o que faz

com que eu aprenda as coisas da maneira mais complicada, mais cansativa, ao invés de

poupar-me de desgastes. Preciso confiar mais não só em mim, mas sobretudo nos

aconselhamentos que me são dados pelos meus mestres, por aqueles que tem muito mais

experiências de vida do que eu, e que por refletirem sempre sobre suas trajetórias, são

capazes de perceber aquilo que fariam de diferente, de modo a facilitar(-me) o caminho.

Vou dormir tomada pelo cansaço, com a cabeça cheia de preocupações e sem nenhuma

segurança em relação à aula que seria dada por mim algumas horas depois dessa crise.

2º momento: o que antecede a aula:

Chego na USP cedo pela manhã, para uma aula de fotografia. Não consigo pensar

em outra coisa senão a aula que me esperava pela tarde e então começo a perguntar para os

alunos de licenciatura que já tiveram essa experiência o que eles acham da minha proposta

Page 48: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

48

de aula. As duas primeiras respostas já me desanimaram um pouco, porque as pessoas para

as quais eu perguntei não tiveram experiências felizes na altura em que deram as aulas.

Saio no intervalo e procuro materiais pelo departamento de Artes Plásticas, que pudessem

enriquecer a proposta de composição e colagem que eu tinha planejado para os alunos. No

caminho encontro um dos funcionários do CAP, que pergunta-me o que eu estava

procurando e, após ouvir minha resposta de que estava em busca de materiais para dar uma

aula no Clorinda Danti, arregala os olhos e diz-me: “-Você vai dar aula no Clorinda

Danti????”, e ao ouvir-me dizer que sim, completa: “Boa sorte!”.

Eram tão díspares as reações e opiniões das pessoas quando eu mencionava essa

aula em relação àquilo que eu tinha observado e percebido no semestre passado na Escola,

que resolvi não falar no assunto com mais ninguém que me cruzasse o caminho.Eu e minha

mania de entrar em pânico e sair gritando socorro para deus e o mundo fazem-me ouvir

coisas à mais, coisas desnecessárias, palavras que não ajudam-me em nada.

Controlo-me até o Departamento de Artes Cênicas, onde eu estava determinada a

escrever umas últimas observações sobre a aula, sem ouvir mais ninguém. Após escrever os

primeiros itens no caderno, surgem mais alunos da licenciatura e vem me perguntar o que

estou fazendo. Quando digo que estou preparando a aula para o estágio no Clorinda Danti,

eles me perguntam sobre a minha proposta e me sabotam no primeiro material que cito,

como parte da aula.“-Madeira??? Imagina o que eles são capazes de fazer com esse

material...Transformam em paus, começam a bater uns nos outros! Ou se machucam com

as farpas.... melhor voc não usar madeira!”. Eu prossigo a lista citando outros materiais. “-

Corda? Barbante? Não... melhor você não usar essas coisas. Imagina se eles começam a

amarrar algum colega, ou se enroscam e se enforcam na corda enquanto você está ajudando

algum aluno. Pense que são mais de trinta alunos! Isso pode ser muito perigoso!!!!”. E por

aí em diante seguiram com seus comentários e previsões catastróficas em relação à minha

primeira aula de Arte na vida.

Ótimo. No quarto item citado, minha lista estava completamente vetada pelo julgo

dos alunos. Sugerem-me que eu proponha um auto-retrato simples, como forma de

conhecê-los melhor, nesse primeiro encontro. Tentam convencer-me de que a proposta é

simples e de que eles vão gostar, mas para mim não fazia o menor sentido chegar na

Page 49: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

49

primeira aula e já impor que eles fizessem um desenho deles sem saber qual é a relação que

eles tem com o desenho, se tem facilidade, se gostam, se detestam, se é uma atividade

prazerosa ou frustrante. Eu tinha pensado em algo mais amplo, uma aula em que eles

pudessem trabalhar livremente com os materiais que tivessem às mãos. Queria que eles

manuseassem diferentes materiais, que eles resolvessem com estes a questão compositiva

de uma forma tridimensional. Nada do que eu tinha ouvido até então convencia-me de que

eu devesse abrir mão da minha proposta, mas tampouco encorajavam-me a fazê-la.

Quando olho as horas, vejo que já falta muito pouco para encontrar-me com as

outras alunas para irmos juntas para a Escola. Conto um pouco das minhas últimas horas e

da minha angústia. Em poucos minutos ouço palavras extremamente motivadoras, que

conseguem aniquilar todos os meus medos criados e acumulados em vão. E o que mais

ecoou em mim naquele momento foi a frase que a Aline disse: “Confie naquilo que você

acha que vai ser bom para eles. Confie nas suas ideias, não em ideias alheias”. E de fato era

isso que eu precisava, confiar nas minhas ideias. Na noite anterior a professora Sumaya

tinha me dito algo muito parecido, mas que naquele momento não teve o impacto devido,

porque eu estava completamente bloqueada pelos meus medos. O que a professora disse na

véspera agora fazia muito sentido e movia-me em direção à escola, com confiança e

vontade: “ ...não deixe o medo e a insegurança atrapalharem seus planos. Se você não

fizer o que está com vontade, como poderá saber quais os pontos fortes e/ou menos fortes

da sua proposta e onde pode melhorá-la? Faça! Proponha o que tiver com vontade,

prepare-se para irealizá-la e encare os resultados com coragem. Tudo isso é natural e faz

parte do processo de aprendizagem.

Seguimos em direção à escola e no caminho já ocorriam-me algumas realizações,

alguns aprendizados, de extrema importância. Percebi naquele momento que eu deveria

concentrar-me naquilo que eu acreditava, independente do que os outros pensassem,

independente de experiências frustadas alheias eu deveria manter minha ideia original.

3º momento: a aula.

Como eu já previa e acreditava, a proposta foi muito bem acatada pela classe, que

mostrou-se interessada e extremamente capaz de criar coisas novas a partir de restos de

Page 50: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

50

coisas velhas e sem uso, como retalhos de madeira, sementes encontradas e recolhidas de

um jardim, brinquedinhos de plástico jogados no fundo de uma bolsinha antiga, estrelas

que brilham no escuro, fitas que antes prendiam medalhas dos meus tempos de escola, fitas

adesivas coloridas, linhas de costura coloridas, folhas secas, pétalas de flores secas

guardadas por anos em uma caixinha, gigantes cartas de um baralho onde faltavam cartas.

Todas essas coisas, aparentemente sem uso, paradas, abandonadas, transformaram-se em

objetos lindos, pelos quais os alunos deixaram-se levar completamente, como se

estivessem em outro mundo. Alguns meninos juntaram-se e construiram um aeroporto com

os maiores pedaços de madeira, com direito à uma pista inclinada de decolagem e sinais de

trânsito marcados na pista, meninas fizeram doces com pedaços de madeira (mini bolos e

tortas),surgiram naves espaciais comandadas por seres humanos e robôs, pequenos altares,

palcos, pipas, casas, camas, quadros. Não faltaram ideias para as crianças transformarem

aqueles materiais todos. Vê-los trabalhar com tanto empenho foi das coisas mais

gratificantes que poderiam ter acontecido. A única pena foi eu não ter conseguido controlar

o tempo como deveria e a aula terminou sem que eu tivesse tempo de fazer uma conclusão,

uma observação final, a qual terei que incluir no começo da próxima aula, para que assim

se torne possível o fechamento do ciclo e da experiência de transformação, de colagem e

composição. Fiquei feliz porque consegui durante a aula passar alguns valores que tenho e

fazê-los pensar na aula de Arte como uma possibilidade muito ampla de relacionar-se com

o mundo e com as pessoas ao nosso redor. Falei um pouco sobre a necessidade de

reduzirmos a quantidade de lixo por nós produzido e a extrema necessidade de

reaproveitarmos aquilo que temos e que não usamos, falei um pouco sobre as diferentes

formas como enxergamos o mundo, sobre o quanto somos diferentes uns dos outros e o

quanto isso é enriquecedor. Tentei incentivá-los a serem únicos, a deixarem-se levar por

aquilo de mais íntimo que impulsionasse-os, ao invés de copiarem uns aos outros. Falei da

importância da Arte e da beleza que é a imaginação na idade deles. Falei que se pudesse,

pegaria emprestada a imaginação deles por uns dias, depois devolveria em forma de Arte.

O fim da aula não poderia ter sido mais emocionante, graças à uma aluna muito

especial, que durante a aula inteira mostrou-se interessada na atividade e em cada palavra

que eu dizia. Enquanto eu ajudáva-a a colar seu objeto com cola quente, ela olhou uma

Page 51: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

51

porção de sementes que estavam juntas em cima da mesa da professora e disse: “Olha

professora, que lindo!”. Eu olhei para as sementes de pau- brasil vermelhas, amontoadas

em cima da mesa formando um círculo cheio, como se pegasse fogo e olhei para aquela

doçura de menina, chamada Larissa e direcionei-lhe um sorriso. Ela então continuou: “Às

vezes a gente não precisa nem tocar, né professora? Com os olhos a gente cria coisas

lindas!!!”. Eu parei o que estava fazendo e pedi que ela repetisse, porque mal podia

acreditar no que acabara de ouvir. A pequena Larissa, com seus dez anos de idade disse: “-

O que eu estou dizendo professora, é que as coisas às vezes sozinhas são muito lindas,

basta a gente olhar para elas, ou fechar os olhos e imaginar coisas bem lindas, que elas se

formam nos nossos olhos.”. Aquelas palavras tiveram em mim um efeito inenarrável. Foi

como se tivessem saído da boca de um mestre, de alguém de extrema sabedoria e

sensibilidade. E de fato foi isso que aconteceu. Larissa é uma criança muito sábia, sensível,

observadora e consegue articular muito bem suas ideias e sua visão de mundo. Talvez eu

comece a próxima aula dando de exemplo a frase que ela disse, mas sem dizer que foi ela,

para não causar ciúmes nos outros alunos. Ela saberá que a frase é dela e os outros ficarão

nela a pensar. Terminei a aula me sentindo cheia, alimentada por toda aquela sequência de

acontecimentos. Sentia-me realizada e agora sinto-me ainda mais animada para seguir

projetando aulas, cada vez com mais cuidado, cada vez com mais ideias.

Page 52: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

52

8. CONCLUSÕES:

Após reler minhas anotações dos estágios supervisionados nas disciplinas de

metodologias do Ensino das Artes Visuais I,II,II e IV, assim como os registros do ano

decorrido no ateliê Nossa Casa, chego à conclusão de que a prática transdisciplinar

permite e proporciona um olhar plural diante da realidade. O pensamento trans revisita

o conhecimento e questiona-o, de forma que cada indivíduo possa, à sua maneira,

encontrar a melhor forma de se relacionar com diferentes áreas do conhecimento que

atravessam a vida.

Na formação do professor de Arte a transdisiciplinaridade permite que se estimule

muito a criatividade e uma grande interação com o mundo, de forma complexa.

Trabalha-se com o fazer artístico mas sem distanciá-lo do presente e de tudo que

acontece no nosso entorno.

A transdisciplinaridade exige do professor de Arte um controle maior e uma

maturidade que se obtém através da experiência da própria metodologia aplicada em

aula. As aulas mostraram que a metodologia transdisciplinar estimula o pensamento

complexo e a busca por resolução de problemas de todas as ordens, podendo

transformar os sujeitos e suas formas tanto de ver quanto de agir sobre a realidade. O

olhar que amplia-se e consegue ver o outro como igual, assim como a compreensão de

pertencimento à Terra numa condição inseparável, aumentam a integração entre as

partes, entre os sujeitos e seu entorno e entre o corpo e as superfícies pelas quais

transita.

No ensino de qualquer disciplina, seja qual for a metodologia adotada, o respeito pelas

diferenças de qualquer natureza, a compreensão das dificuldades do outro e a ajuda

prestada para a ultrapassagem das mesmas é fundamental para a formação dos sujeitos.

A generosidade, a humildade e a construção coletiva de algo que permita ao sujeito

sentir-se parte, são pontos que devem estar muito claros e aplicados no cotidiano. Não

há cultura ou espécie que seja superior à qualquer outra . A alegria e a dor individuais

não são mais alegres ou mais dolorosas do que as coletivas. A necessidade individual e

autocentrada não é mais urgente do que a necessidade coletiva.

Page 53: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

53

A busca por uma convivência pacífica e uma vida harmônica para todos deve deixar de

ser vista como um sonho utópico. As mudanças interiores e exteriores devem ser

incessantes e imediatas pois,como disse Bassarab Nicolescu, amanhã será tarde demais.

Page 54: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

54

9. ANEXOS:

Figura 25: Banner criado para ser usado em eventuais publicações do Ateliê Nossa Casa.

Page 55: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

55

Figura 26: página do meu caderno de registros de aulas e ideias

Page 56: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

56

Figura 27: desenho de observação feito durante o começo da minha participação no ateliê, ainda como

observadora.

Page 57: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

57

Figura 28: aluna pintando a torre.

Page 58: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

58

Figura 29: ideia para um acordo de regras feito entre os alunos, tendo como referência o corpo e suas

capacidades como guia para estruturar esse “painel” de acordo. No desenho destaco a fala ( a palavra), a

(a visão), os sentimentos e emoções (na região do peito) e as ações (nas mãos).

Page 59: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

59

Figura 30: anotação após aula

Page 60: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

60

Figura 31: " A natureza humana é completamente desintegrada pela Educação através das disciplinas"

Page 61: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

61

Figura 32: As árvores abordadas em outros cursos, não somente no ateliê

Page 62: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

62

10. BIBLIOGRAFIA:

Antunes, Ângela / Padilha, Paulo Roberto. Educação cidadã, Educação Integral:

fundamentos e práticas. Editora Instituto Paulo Freire. São Paulo, 2010.

Centro de educação transdisciplinar (CETRANS) - Escola do Futuro – Universidade de

São Paulo (disponível em http://www.ctrans.futuro.up.br/)

CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE. In:Educação e transdisciplinaridade.

Brasília:UNESCO/USP, 2000. In:O manifesto da transdisciplinaridade.São Paulo: Triom,

2001.

D’AMBROSIO, U., Transdisciplinaridade, Palas Athena.1991

Gadotti, Moacir, A Carta da Terra na Educação. Editora Instituto Paulo Freire, São Paulo,

2010.

GADOTTI, Moacir. A Carta da Terra na educação. São Paulo: Editora e Livraria Instituto

Paulo Freire, 2010. -- (Cidadania planetária ; 3)

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Petrópolis, 2000.

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução do francês: Eliane Lisboa

- Porto Alegre: Ed. Sulina, 2005. 120 p.

MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In: O pensar complexo: Edgar Morin e a

crise da modernidade. Nascimento, Elimar Pinheiro do; Pena-Vega, Alfredo (orgs.). 3ª ed.

Rio de Janeiro:Garamond, 2001a

NICOLESCU, B. O manifesto da Trasdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.

Page 63: Universidade do Estado de São Paulo. Escola de ... · licenciatura em Artes Plásticas em um ateliê de arte para crianças de 7 a 12 anos. ... decomposição do problema em pequenas

63

Sites:

http://atelienossacasa.blogspot.com.br

ww.edgarmorin.org

www.earthcharter.org

http://www.cetrans.com.br/

http://www.sociologia.org.br/tex/ap40.htm