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Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Departamento de Ciências Humanas – CAMPUS IV

Curso: Letras Vernáculas

Período Acadêmico: 3º Semestre

Componente Curricular: Construção do sentido no texto literário

Docente: Dr. Paulo César Garcia

Discente: Jamille Araújo

Análise de Como Proust mudou minha vida. Daniel Piza

Daniel Piza, em seu texto Como Proust mudou minha vida, publicado em O Estado

de São Paulo, em 15/01/2007, aborda perspectivas sobre a leitura de Proust. Segundo ele, os

escritos de Proust são dotados de atributos que levam o leitor ao prazer do texto, pois não se

trata de objetividade e não tem o desejo de explicar. Ele quer algo mais, o oculto, o que está

nas entrelinhas e trabalha com o além das coisas ditas. Seguindo a idéia de Piza, “sua ação é

lenta e a observação, detalhista.” O leitor torna-se um contra-herói no momento em que se

entrega ao desfrute, usufruindo do sentido empregado por Proust. Ocorre que, a pressa em

satisfazer-se rapidamente com a culminância do texto, faz com que o leitor passe muito rápido

pelas entrelinhas, causando assim, um estranhamento na leitura e a não observação no

discurso de cunho filosófico, estético e social empregado sabiamente por Proust.

“Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura,

não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele

que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar

as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gestos, de seus

valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem.”

(BARTHES,1973. p.21-22). Tomando por base estas definições de Barthes e contrapondo-as

com o pensamento de Piza à respeito de Proust, pode-se classificar seus romances como

textos de prazer, uma vez que, após as suas leituras, os romances convencionais perdem sua

platéia. Não se pode negar, porém, a importância da fruição em textos de romancistas

preferidos, no caso, Proust, pela sua contribuição gradativa a cada renovação de leitura em

que vai se descobrindo coisas novas e renovando outras, passando assim pela fruição até

atingir o ápice do prazer.

O fruir da leitura de Proust se renova a cada releitura, assim como Piza afirma ter

renovado seu espanto pelo cromatismo de seu estilo, principalmente quando se instaura a sua

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linguagem com a linguagem do texto. Surge a idéia de que, quanto mais se lê o texto, dele

queremos tirar algo que precisa ser dito.

A linguagem empregada por Proust é um sistema de conceitos utilizados para

prender a atenção do leitor e fazer com que ele se desvincule da linguagem romanesca

ultrapassada. Ele utiliza um tipo especial de linguagem, construindo maneiras diferenciadas

de tratar e usar a língua. Porém, há uma interferência da competência literária, uma vez que a

instigação para identificar o que está no texto e responder suas reações e interpretações,

dependerá da carga de conhecimento do leitor, o que também influenciará no sentido extraído

do texto. Tanto a linguagem, quanto a interpretação e o sentido, estão interligados à

hermenêutica.

“[...] Interpretar uma obra é contar uma história de leitura” (CULLER,1999. p.66)

Foi exatamente isso que Daniel Piza fez ao escrever Como Proust mudou minha vida. Com

base nas suas experiências leitoras, a respeito de Proust, ele pode expor sua interpretação a

partir das circunstâncias e do contexto histórico no qual ela figura. Quando Piza diz que

Proust, além de levar o tema da música e da pintura, usou recursos próprios na literatura,

entendemos o que vem a ser a liberdade de sentido na obra: “O sentido é uma noção

inescapável porque não é algo simples ou simplesmente determinado. É simultaneamente uma

experiência de um sujeito e uma propriedade de um texto. É tanto aquilo que compreendemos

como o que, no texto, tentamos compreender. [...] o sentido é impreciso, está sempre a ser

decidido, sujeito a decisões que nunca são irrevogáveis. (CULLER, 1999. p.69-70)

Para Culler, “[...] o sentido se baseia na diferença.” (IDEM, 1999. p.60) e é essa

diferença que podemos perceber em Proust, através da explicitação de Piza, onde o contexto

se materializa no sentido do texto como um todo, sendo aquele, ilimitado.

O fato de Piza ter produzido o seu texto com base em suas experiências leitoras de

Proust, revela a presença marcante da intertextualidade, apontando fatores como

circunstâncias sociais, históricas, conhecimento de mundo do interlocutor, intenção do locutor

e os papéis sociais desempenhados. Em seu discurso nota-se também, a presença da

interdiscursividade no momento em que dialoga com o poeta Paul Valéry acerca dos

romances enfadonhos, e Piza se coloca como resposta no que se refere às introduções de

Proust, cruzando superfícies textuais e dialogando por várias escrituras. O texto é isto, um

trabalho, uma produção que não se esgota.

Proust possui uma forma de abordar as questões estéticas, sociais e filosóficas de

maneira que se entrelaçam envolvendo a narrativa e o ensaio dialogicamente. O discurso

empregado por Piza dialoga com outros discursos, contrapondo o de Proust com os romances

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convencionais, exaltando sempre sua significação e sentido em contextualizar, utilizando

aspectos diversos na literatura. Ele descreve o dialogismo de Proust como meio de renovação,

o que pode ser confirmado em “[...] o dialogismo vai muito além dessas formas em que as

vozes entram na composição do enunciado, pois ele é o próprio modo de funcionamento real

do enunciado, o próprio modo de constituição.” (BRAIT, 2006. p.174)

A distinção entre discurso e texto é um elemento importante para a compreensão dos

conceitos de intertextualidade e interdiscursividade. Fiorin nos permite compreender o

discurso com a categoria semântica que sustenta o texto e contribui para a interpretação. “O

texto em Bakhtin, é uma unidade de manifestação: manifesta o pensamento, a emoção, o

sentido, o significado.” (BRAIT, 2006. p.179) Tendo em vista essa afirmação, pode-se dizer

que Piza estabelece uma crítica em relação ao ceticismo de Proust na natureza humana, o que

o impulsionava a lê-lo, uma vez que, para ele a idéia de felicidade é sempre questionada e

pluridimensionada pelo próprio Proust.

A intertextualidade apresentada em Piza, “[...] é o processo de incorporação de um

texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo.”

(FIORIN,1994. p.30)

REFERÊNCIAS:

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.

CULLER, Jonathan. Teoria Literária: uma introdução/ Jonathan Culler; tradução Sandra

Vasconcelos. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda., 1999.

BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chave/ Beth Brait, (org.). São Paulo: Contexto,

2006.