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PRÁTICAS E CONCEITUAÇÃO DE COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS EDSON SENDIN MAGALHÃES (FEUDUC) Compreensão A gramática de Port Royal, alinhada à lógica da Compréhensi- on (al. “Inhalt und Verstehen”; ingl. “understanding and comprehen- sion”) especializou o termo. Distinguiu entre compreensão e exten- são do conceito. Para expressar a distinção que a lógica de Port-Royal fizera entre o par “compreensão-extensão”, o alemão Leibniz introduziu os termos “intensão-extensão” (francês: intension et extension; inglês: intension and extension; alemão: Sinn und Bedeutung), e a lógica de Stuart Mill expressara com o par “conotação-denotação” (latim: connotatio; inglês: connotation-denotation; francês: connotation et dénotation; alemão: Begriffsvermögen und Bezeichnung oder Deno- tation). Stuart Mill, ao distinguir, na sua Lógica (Logic, 1, 2, parág. 5) a conotação da denotação, esta ganha o significado de que “sempre que os nomes dados aos objetos veiculam alguma informação, ou sempre que esses, propriamente, têm um significado, a significação contextualizada na frase (o significado) não está naquilo que deno- tam, mas ele se internaliza ou se acopla naquilo que eles conotam”.

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PRÁTICAS E CONCEITUAÇÃO DE COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS

EDSON SENDIN MAGALHÃES (FEUDUC)

Compreensão

A gramática de Port Royal, alinhada à lógica da Compréhensi-

on (al. “Inhalt und Verstehen”; ingl. “understanding and comprehen-

sion”) especializou o termo. Distinguiu entre compreensão e exten-

são do conceito.

Para expressar a distinção que a lógica de Port-Royal fizera

entre o par “compreensão-extensão”, o alemão Leibniz introduziu os

termos “intensão-extensão” (francês: intension et extension; inglês:

intension and extension; alemão: Sinn und Bedeutung), e a lógica de

Stuart Mill expressara com o par “conotação-denotação” (latim:

connotatio; inglês: connotation-denotation; francês: connotation et

dénotation; alemão: Begriffsvermögen und Bezeichnung oder Deno-

tation).

Stuart Mill, ao distinguir, na sua Lógica (Logic, 1, 2, parág. 5)

a conotação da denotação, esta ganha o significado de que “sempre

que os nomes dados aos objetos veiculam alguma informação, ou

sempre que esses, propriamente, têm um significado, a significação

contextualizada na frase (o significado) não está naquilo que deno-

tam, mas ele se internaliza ou se acopla naquilo que eles conotam”.

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Os nomes próprios nada conotam, pois não têm significado estrito

(pode haver mais de um Antônio e mais de uma Antônia diferentes e

nada têm de relação com anta, quem sabe antanho ou ante?). Os atri-

butos se nomeiam conotam (são conotativos). A palavra “preto” não

denota todos os objetos pretos; conota – isso sim – o atributo do pre-

tume (no Brasil, registram-se também as formas “pretura” e o regio-

nalismo “pretidão” – consultem-se, a respeito, os filólogos e suas

fontes lexicográficas). Ainda se alistam como nomes conotativos “o

poeta dos escravos”, “o autor de Dom Casmurro”, “o águia de Haia”,

entre outros desse tipo apostrofado. Keynes (J. N.), na sua Lógica

Geral [I, 2] e Globot, no seu Tratado de Lógica, restringem o senti-

do da conotação, e ampliam a definição convencional de compreen-

são para compreensão total: nesta incluem todas as determinações

que a definição não excluíra. Resulta, porém, disso tudo o moderno

termo “intenção” (proairese, desde a Grécia antiga).

Intenção traduz o significado tanto de compreensão quanto de

conotação, como fora proposto.

Para Arnauld, importa distinguir, nas idéias universais, a com-

preensão e a extensão. Ele chamou compreensão da idéia os atributos

que ela inclui em si e que não podem ser retirados sem que se destrua

o todo.

Assim: A compreensão da idéia de triângulo contém extensão,

figura, três linhas, três ângulos e a igualdade desses três ângulos a

dois retos, e incluem-se, claro, as analogias de outras áreas do saber.

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A extensão, ato ou efeito de estender, faz-se aumento, amplia-

ção, dimensão, tamanho, duração, importância, alcance, desenvolvi-

mento, alargamento, aplicação extensiva do sentido de uma pala-

vra, locução ou frase, curta seqüência de caracteres opcionalmente

adicionada ao final do nome de um arquivo segundo sua função ou

seu formato, ampliação ou aplicação extensiva da letra ou do sentido

de uma lei, de uma cláusula, conjunto dos objetos designados por um

termo e dos quais o conceito é atributo comum; denotação: compre-

ensão, generalização e classe; acepção.

Arnauld denominou extensão da idéia os sujeitos aos quais

convém essa idéia: uns se chamam inferiores; em relação a estes, um

termo é chamado superior. (Está aberto o caminho para o que viría-

mos a compreender como a relatividade einsteiniana e para o sistema

que se passou a chamar perspectivismo, recentemente, no nietzsche-

anismo).

A distinção feita por Arnauld é precedida por algumas expres-

sões da lógica medieval. A aproximação se percebe no século XVI,

através das observações de Cajetanus, 1.579 e de Hamilton, 1.866.

A articulação da distinção se operava a relacionar inversamen-

te a compreensão e a extensão. Como se definia essa articulação?

� um relativismo de relação geral vai se implicar num outro possível

de caráter específico: à proporção em que a compreensão se em-

pobrece, torna-se mais geral (lógica geral), a extensão se enrique-

ce, o conceito se aplica a mais coisas, a mais mensagens, e vice-

versa.

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� Tais distinções vão expressar-se na retomada da lógica, no século

XIX, especialmente se vê com mais clareza esse fenômeno na o-

bra de Logik (1843), de Lotze. Também em notações permane-

cem-se constantes. Expressam-se também mediante o par conota-

ção-denotação, que às vezes se tomam como sinônimos.

Para a Escolástica tardia, o adjetivo connotativus comparece

na lógica a fim de distinguir os nomes absolutos e os conotativos.

Para Ocham, se conformam nomes absolutos, primários, e se referem

a uma só coisa; e significam secundariamente alguma outra coisa,

como cavalo: primariamente, animal; secundariamente, outra coisa

(uno, bem, verdadeiro, intelectual, potente, e outros valores de

[“símbolo”]).

Posteriormente, mais para o século XIX, conotação faz refe-

rência a uma outra coisa. Em Mill (Stuart), e já no século XVIII de

Leibniz, corresponde a conotação ao par intensão-extensão.

Para Keynes [J. N.], a conotação abrange o significado mais

amplo da compreensão total que “inclua todas as determinações e

não exclua a própria definição” (Tratado de Lógica).

Segue-se que se passou a compreender a conotação como o

termo moderno de “intenção”. Este propõe compreensão e conota-

ção, ambos os significados.

A intenção refere-se a uma atividade prática do seu próprio

objeto. A referência expõe modo de vida experimental ou que leve à

experiência: desejo, aspiração, vontade.

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As boas intenções não nos livram da má fé: exprimem a opini-

ão da ética hodierna.

O valor da intenção cessou de ser a única determinante do juí-

zo moral, em contraposição à pregação ética contida na exaltação da

“boa vontade”. Com a exaltação da “boa vontade”, a Fundamenta-

ção da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant, trata de insistir

no valor da intenção. O princípio da “boa vontade” com que Kant

começa a Fundamentação exalta a intenção. A cessação do não obje-

tivo valor da intenção de Kant se manifestou na ética moderna e con-

temporânea. A ética moderna e contemporânea faz prevalecer o se-

gundo postulado denominado por Max Weber. Max Weber bem ex-

pressou a ética objetiva: a ética, na base dos seus próprios pressupos-

tos, não tem poder de resolver específicos problemas éticos, sob a

esfera do comportamento pessoal. E, hoje, na ética de Edgar Morin,

expressa no seu Método 6. Ética (2005) concluímos que a compreen-

são é um objeto da ética, objetiva e paradigmaticamente, no contexto

da complexidade. Não se compreende por motivo de inteligência ou

apenas porque temos ciência. É preciso que a ciência se mescle com

a consciência. E cumpre-se a ética da compreensão. A ética da com-

preensão compromete-se com outros princípios também éticos ou

eticizáveis: neste contexto, dentre tais princípios, avultam-se dois,

como o pensamento e a religação dos saberes. A “ética do pensamen-

to” garante “a revolução do pensamento”, com base no caráter de

“ecologia do espírito”, afirmada na religação. A “ética da religação”

apoiará com mais sustentação conjunta a resistência. A “ética da

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resistência” viabilizará a regeneração. A “ética da regeneração” se

oporá, ao lado da aceitação do outro, da multiplicidade, da ordem

planetária e da pátria-mãe integrada nesta, à degeneração e à violên-

cia, que não são éticas. A falta de ética começa pelo desapego à poe-

sia, à música, ao amor. Quando este fizer parte das políticas públicas,

então estaremos no reino do outro e da multiplicidade, em que cada

um pode ser o “Big Brother”: nesse projeto ético, a utopia se encon-

tra com todas as concepções de realidade que não partiram do ho-

mem de ciência com consciência, comprovada na prática cósmica,

ecológica do diálogo. E faz-se necessário também que o princípio da

dialógica se aparente com a prática de dois outros princípios básicos

e gerais: o princípio da recursividade e o princípio do hologramatis-

mo (depois trataremos, oportunamente desses três princípios, ao falar

da produção, no próximo capítulo).

Já a denotação corresponde a sinal. Ela age na indicação. O

ato de denotar estende-se, opõe-se à conotação: luta contra esta. O

caráter da denotação é, pois, contrário à sugestão, ao significado do

jogo de máscaras, da simulação e do simulacro. Não metaforiza, não

faz aforismo, quando não se trata de máxima ou princípio moral sério

ou na consciência moral, de dever. Não funciona, portanto, etiologi-

camente, na base das possíveis variações semânticas e figurativas,

por excelência: inclui-se, enfim, a denotação na compreensão; nunca

ao contrário, pois a compreensão pode ter outras vias de significado.

Estilo e contexto, geração na situação, circunstâncias concretas, a via

da paixão, que não se define quer como denotação, quer como cono-

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tação, a menos que se tratasse de uma conotação que se aproximasse

da inteligibilidade e da coletivização do sistema de significação da

língua.

A lógica contemporânea assume a compreensão. Faz a analo-

gia da denotação ou extensão. A compreensão, nesse contexto, não é,

contudo, análoga à conotação ou intenção. Segue a seqüência da

noção de classema (universo intrínseco da classificação de todas as

coisas pensáveis), de modo coerente. Esse modo livra a asserção da

existência do que implicaria contradição.

Conclui-se que a compreensão pode estender-se como ato de

compreender e entrar na área da percepção, da sensação, da intelec-

tualização. Implicaria subsumir o intelecto. Uma de suas proprieda-

des é a tendência de universalização. Uma noção não corresponderia

necessariamente a uma específica aparência momentânea, geracional,

mensurável a dada situação e a dado contexto. A compreensão de

uma figura geométrica inclui não só todas aquelas especificadas figu-

ras existentes, mas todas possíveis e todas as imagináveis.

Quanto ao ato ou à capacidade de compreender, diríamos, de

início, que sem ele qualquer atitude fada-se ao fracasso sobretudo à

perda da ética e, daí, ao vazio do nada a que se reduz o espaço do

significado, da mensagem, do conteúdo, do signo pleno. O signo

pleno só se poderia separar (S.nte S.do), sem maiores danos contra o

significado, se fosse para um comportamento analítico específico e

artificioso. Logo esquecido, a volta à integração do signo facultaria

modelo para todas as demais metas integradoras. Num mundo inte-

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grado, os mundos possíveis descreveriam suas órbitas pelos canais de

integração. Nos canais de integração, canais semânticos preliminar e

necessariamente, estariam todos os possíveis espaços livres, da razão

livre, para amalgamarem-se as “profundezas da gramática”: para-

digma/ sintagma; diacronia/ sincronia; significante/significado; sele-

ção/combinação; metáfora/metonímia; vida/ciência com consciência,

sob a fórmula: – um pouco mais de masculinização da mulher (pre-

servada a feminilidade); – um pouco de feminização do mundo (inte-

grado ou em vias de integração); e – a politeização de todos os valo-

res, para todos.

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Referências Bibliográficas

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ROCHA, G. e SOARES, M. Português: uma proposta para o letra-mento alfabetização. “Livro de Professor”. São Paulo: Moderna, 1999.

SILVA, E. O ato de ler. São Paulo: Cortez, 1987.

SILVA, M. Construindo a leitura e a escrita. São Paulo: Ática, 1988.

SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabeti-zação como processo discursivo. 10. ed. São Paulo: Cortez/ Campi-nas: Universidade Estadual de Campinas, 2001.

SOARES, M. A reinvenção da alfabetização. In: Presença Pedagó-gica. Belo Horizonte: v.. 9, n. 52, jul./ ago., 2.003.

SOUSA, Luís Marques de. Compreensão e Produção de Textos. 3. ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 2001.

VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. Lisboa: Antídoto, 1979.

Produção

Enquanto “poiésis” (gr.), “productio” (lat.), “production”

(ingl.), “production” (fr.) e “Production” (al.), a produção se define

em dar o ser a algo que não o seria se o ser não fosse dado, na possi-

bilidade de não ser.

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Há uma tendência da definição do termo produção seguir o

princípio aristotélico, já que foi um dos autores antigos mais experi-

mentados em produzir textos em profusão: há uma implicação idea-

lista, que pode ser modificada a outras preferências de máximas.

Aristóteles (1987) distinguia a produção da ação e do saber,

pois a tarefa era própria da arte. Eis seu ponto de vista, como até hoje

influi, desde o século IV a. C., na sua maravilhosa obra da razão, a

Ética Nicomaquéia (VI, 4, 1140 e segs.): a produção se entende nes-

tes termos: “toda arte concerne à geração e procura os instrumentos

técnicos e teóricos para produzir uma coisa que poderia ser e não ser

e cujo princípio reside naquele que a produz e não no objeto produ-

zido” , segundo N. Abbagnano (1970).

Para teoria da complexidade, desde os estóicos (Diógenes), o

que não é, nunca foi e poderá continuar não sendo; se produzido, será

obra da compossibilidade. Edgar Morin dissera que sempre há possi-

bilidade na improbabilidade – lei primordial e geral da Teoria da

Complexidade (Morin, 1989; 2.005).

A produção efetivamente está pré-condicionada. Tende a vetar

a criação e limitar a ação. Limita a via complexa. Esvaziada, essa via

empobrece sua criatividade, sua ética do pensamento, de compreen-

são, de resistência, de religação. Em conseqüência, verifica-se até o

juízo atrapalhado pela coação. No juízo, desde Kant, sistematiza-se a

doutrina do direito e a doutrina do gosto, na terceira crítica, desde

1.790, A Crítica da Faculdade de Julgar ou Crítica da Faculdade do

Juízo (Kant, 1998). A produção pré-condicionada volta-se redução

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como simples; barra a complexidade. E esta se desenvolve na cons-

ciência, para além do símbolo, para além da invenção e reinvenção,

que até pode ser uma reprodução, da qual falaremos um pouco no

próximo tópico, intitulado reprodução.

Platão definia arte produtiva “qualquer possibilidade que se

transforme em causa de geração das coisas que antes não existiam”

(Platão, 1969). O platonismo diminuiu a diferença estabelecida pelo

aristotelismo de Santo Tomás, que opõe a produção à ação. Um pla-

tônico, como Plotino, afirmara que para a natureza “ser aquilo que é,

significa produzir; a natureza é contemplação e objeto de contempla-

ção porque é razão; e, como ela é contemplação e objeto de contem-

plação e de razão, ela produz. A produção não é outra coisa senão

contemplação” (Plotino, 1924; 1989).

Nas notações tomistas, Summa Teologicae, II, I, q. 3, a. 2 (A-

quino, 1986), tende-se a reconhecer a superioridade da ação chamada

imanente, que se consuma no interior do sujeito operante. Diz Tomás

de Aquino que apenas a ação imanente é “a perfeição e o ato do a-

gente”. Já, entretanto, a ação transitiva é preferivelmente a perfeição

do termo que sofre a ação”. Na ação voluntária, manifestam-se: a

comandada (ordenada) e a elícita.

A produção dicionarizável

O que se diz produção do texto pode ser o que já Platão, na sua

obra República (VI, 510 b), chamava de DIANÓIA: o conhecimento

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discursivo; o discurso procede por derivação, das conclusões de

premissas. Aristóteles, já na sua obra Metafísica (V, 1, 1.025 b 25),

define o discursivo da dianóia como o conhecimento científico, en-

quanto se refere a “causas e princípios”. A palavra dianóia equivale

ao que entendemos por razão, objetivamente. Implica um certo con-

traste com o sentido de intelecto (nous). O intelecto designa a facul-

dade, considerada superior, de intuir os princípios de que partem os

próprios procedimentos racionais. A efetiva demonstração dos pro-

cedimentos racionais é que são discursivos. O discursivo é que será

interpretado como o que alguns autores passaram a chamar de texto,

do qual falaremos mais adiante, dentro do tópico da reprodução.

Na tradição filológica, gramaticológica, glotológica e lexico-

lógica da língua portuguesa, produção, em gr. PARAGOGE (gram.

Derivação), em lat. “productione”, derivado de “productus” (particí-

pio passado de “producere”), representa o processo de produzir, cri-

ar, gerar, elaborar, realizar. A produção corresponde ao que é produ-

zido.

Alistam-se as principais significações:

� A produção da empresa é a atividade empresarial; linha de ativi-

dade equivale à linha de produção, ao volume produzido, ao quan-

to resultante.

� A produção caiu à metade: a condução do trabalho se mitigou.

O poema é uma produção: uma edificação. As peças construti-

vas da “poiésis” vinculam-se à contemplação tomasiana, de caráter

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aristotélico. A produção da lavoura associou a razão da condição

humana com a natureza da terra, da qual teria vindo o primeiro ho-

mem. O homem, porém como sujeito fora kantianamente substituído

pela ciência. Retoma-se no século XVIII a produção barroca e trans-

forma-se em neoclassicismo: o que era destinado (produção – produ-

to) ao “bicho da terra” indivíduo humano isolado, agora se passa a

considerar para todos e todos iluminados. No século XVII, a produ-

ção é barroca, da terra subordinada à ordem celestial. Inverte-se na

produção neoclássica.

A produção do espetáculo é montada com encenação, seja na

produção do rádio, do vídeo, do teatro e dos demais tipos de meios

de difusão da arte ou “poiésis”. Essa produção transmite-se, disponi-

biliza-se. Pode gerar produção econômica.

A produção econômica gera a economia, e a agência de produ-

ção é que a agencia e a executa, peça por peça.

A produção da TV, que também pode ser artística e econômi-

ca, apresenta-se.

Na produção do par, apela-se para a organização do par. Pode

ser cada par estruturalista: diacronia/ sincronia e os demais pares; na

física: pode-se assistir à produção de um fóton transformado ou ma-

terializado em um elétron e um pósito (o mesmo pósitron).

Também se produzem os modelos; preparam-se os modelos.

Produzem-se pessoas; são pessoas com produção, produzidas, arru-

madas, ajeitadas, postas de acordo com os imperativos midiológicos

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Várias pessoas formam times – produção de time – escalação e or-

denação das disposições de cada peça para a atuação em causa final.

Publica-se o resultado na produção editorial como processo de

desenvolvimento. Mas essa publicação depende da impressão – da

produção gráfica. Esta transforma um trabalho – produção escrita ou

produção plástica, icônica – de criação em obra impressa, que abran-

ge da composição até o acabamento.

Tanta produção dá fome; necessita-se de ingerir uns legumes

para saciá-la. Então torna-se mister a produção da horta, o nascimen-

to das plantas, das leguminosas. As plantas ainda se vendem para a

produção do capital – quantidade por unidade resultante de trabalho,

neste regime – é claro! Agrava-se a fome com a produção de filhos

em excesso – gravidez e parto de crianças excessivos.

Já se produz a beleza, depois de suprida a fome, cuida-se do

corpo, cujas fronteiras se entrecruzam com as fronteiras do espaço,

no terceiro signo de Foucault.

Vira signo ou semiose a produção de qualidade: aplicação de

estilo caprichoso.

O signo da beleza faz produção de renda, de rendimento, de e-

ficiência; passa-se – num ritual de passagem – do interno ao externo

dos valores, dos acontecimentos. Antes, produzira-se a moeda para a

produção da política monetarista.

Tudo que signo produz é produção de palavra, mesmo que se

amplie, para tanto, o conceito desta. Deriva-se a palavra; a derivação

é uma formação, ao lado da composição e suas classificações.

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A produção de força acumula energia, potencial, de poder e de

vontade de poder.

No geral da sociedade industrial, gera-se a produção fabril: o

que se fabrica. Pode ser a produção de eletrodomésticos: a fabricação

de peças elétricas para casa. Mas, se não se usar a imaginação, o

imaginário social instituinte, de que nos fala Cornelius Castoriadis,

nas suas As Encruzilhada do Labirinto (1.978 – 2.004) e A Institui-

ção imaginária da Sociedade (1.978), não se produz a invenção:

condição para a produção da invenção.

A fábrica degenerou-se em doenças. Consultado, o especialista

dá a receitas. A produção da receita do paciente – preenchimento do

receituário –, transmutada em valores, faria aparecer a produção da

receita do próprio consultório, como empresa. Entretanto, foi pri-

mordialmente vital a produção de trabalho: resultado da aplicação da

mão-de-obra.

Uma vez saudável, o cidadão industriário vai à produção do

festival – organiza-se a apresentação de um espetáculo ou de vários

“shows”, seja de gastronomias, de modas, de filmes cinematográfi-

cos, de teatro e de outras possíveis expressões culturais e artísticas.

Depois de tanto excesso, a pessoa pode cair numa produção do

enfarte do miocárdio: resultado do ataque do coração. Ou se vitimará

de uma produção de derrame (AVC ou AVE): ocorrência de um

Acidente Vascular Cerebral ou Encefálico. Precisará da produção ou

da regeneração de órgãos. Pode mesmo se inclinar à produção de

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novos órfãos: a matança ou a morte dos pais. Tal fenômeno aumenta-

rá a produção de indigentes: o abandono de humanos.

Além das genéricas produções, dispomos diferencial e inte-

gralmente da chamada “produção interna”, ou seja, do cálculo esca-

lar: cálculo vetorial. Este se usa com variadas finalidades: na produ-

ção de pagamentos: efetivação das quitações de débitos; na produção

de sangue, do ponto de vista biológico ou hemodinâmico. A elevação

de algumas taxas e desequilíbrio de alguns fatores desse bioproduto

fatalizará o portador, no seu organismo, com a produção de escorri-

mento: a secreção: pode tratar-se de uma hemorragia ou de um feri-

mento.Saudável ou não nossa personagem pessoa, o homem, tem que

se abrigar, morar; vai à produção de residências, de prédios; logo,

depende da construção civil. Pensa na produção de saúde, zelando

pelo asseio e por outros cuidados a favor da vida.

Cuida-se, ao mesmo tempo, da produção do pensamento sadio,

íntegro, coerente, coeso: a reflexão. E, bem disposto, ama, produz o

amor: namora. Esperançoso e otimista, apela para a produção da

amizade (na mais salutar versão ou concepção da filia grega).

Distante do seu logos de percepção imediata, a doce compa-

nhia, precipita-se a produção da saudade, intraduzível: o distancia-

mento incompensado. Se ele trouxer à cena outro forte sentimento,

pode-se acometer a produção da tristeza: o entristecimento.

Haja treinamento para tanto sentimento e tanta resistência ao

abatimento! Ele é fortalecido pela produção de treino!

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Muito treinamento esgota as reservas orgânicas e desidrata al-

guns tecidos histológicos: dá-se, por falta de reposição, perda da

produção de líquidos, da liquefação. As propriedades líquidas ainda

têm a capacidade ou a condição de possibilidade para a produção de

sólido: a solidificação, ou produção do estado pastoso: a pasteuriza-

ção.

Liqüefeita, solidificada, pasteurizada, enfim, não importa o

estado, a língua prevalece produzida, realizada pelo discurso:

produção da língua; e, contingentemente, a língua concomitante

possibilita o discurso, a dianóia, e se manifesta a produção do

discurso. É a chamada produção dianoética: trata-se da expressão

“virtudes dianoéticas”, virtudes intelectuais. Na Ética a Nicômaco (I,

13, 1102 b), Aristóteles (1965) distingue as virtudes: – dianoética,

cada virtude própria da parte intelectual da alma; – virtudes éticas ou

morais, que pertencem à parte da alma que pode obedecer à própria

razão, em “justo meio ou justa medida”, apesar de que cada virtude

ética ou moral seja desprovida de razão. No livro VI da Ética a

Nicômaco (Op. cit.) de Aristóteles, este apresenta as virtudes

dianoéticas: a arte, a ciência, a sabedoria ,a sapiência, o intelecto,

todas vastos conceitos.

Com se concebem os vastos conceitos, subsumem-se descen-

dentes, filhos: produzem-se a um só esforço, a uma só escolha, cópu-

la e filho – produção de escolha, esforço, cópula e filho. Nessa pro-

fundeza do fenômeno da “proaírese”, vem tal qual a concepção do

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texto oral: a retórica, a produção do texto oral, da oralidade, da orató-

ria.

Se, atentamente, somarem-se leituras e mais algumas técnicas

de produção de texto à oratória, como oralidade, compõem-se textos

escritos: efetiva-se a produção da escrita sobre o letramento (veja-se

a bibliografia, ao final da parte relativa ao tópico de “Compreensão”

deste trabalho).

Resta a produção do argumento: o contexto. Basta produzir a

coerência entre o coesão externa (o exóforo) e a coesão interna (o

endóforo). Ingedore Villaça Grundfeld Koch organiza a produção do

endóforo em anterioridade do contexto, chamada anáfora, e em pos-

terioridade do contexto ou argumento, que se denomina catáfora

(Koch, 2005).

Produzida a coerência e a coesão na linguagem, no discurso,

no contexto, no efeito, enfim, da argumentação, contamos com o

feliz e pacificador princípio da ordem. A ordem passa do cosmo para

as anotações, para as profundezas da gramática. Segue-se a desor-

dem. Entra a produção da “mais-valia”: o capital, de que nos fala o

sábio Karl Marx (1990; 1997).

A produção do capital, por sua vez, sobretudo dentro das es-

truturas do Capitalismo, constitui crime contra a vida. Produz a pau-

perização dos trabalhadores, o egoísmo exacerbado, patológico, pre-

cisamente esquizofrênico. Compreendemos como Gilles Deleuze

(1980) que o Capitalismo é um regime sistêmico patogênico, esqui-

zofrênico.

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Sob o jugo do capital, a produção nacional resulta da exclusão

de valor remetido ao exterior para pagamento de fatores de produção

(Produto Interno; daí se registra a sigla PIB – Produto Interno Bruto,

para a real avaliação da produção; e PNB – Produto Nacional Bruto,

a parte já deduzida, conforme referência, para chegar-se a um líquido

real), incluindo os gastos de depreciação e, suplementarmente, os

numerários decorrentes da questão cambial operada.

Reprodução

De acordo com a descrição da vida ética e com a diferença da

vida estética, a pessoa vai procurar evitar nesta última hipótese de

concessão a reprodução como repetição. Em ambas as hipóteses,

cabe considerar que jamais seria estético nem penderia para o ético

faltar com a perspectiva crítica contra o primado da repetição e, daí,

da reprodução – adverte-nos Karl Raimund Popper (filósofo e epis-

temólogo austríaco: 1902; 1994), na sua plausível e primeira obra

monumental, Lógica da Descoberta Científica, no capítulo da “Teo-

ria da Indução”, apresentada nas páginas 420 e seguintes, na edição

de língua inglesa, de 1959, The Logic of Scientific Discovery. A edi-

ção de língua alemã, original, data de 1934: Forschung: Zur Er-

kenntnistheorie der modernen Naturwissenschafti (Investigação:

Para uma teoria do conhecimento da ciência natural moderna); Pop-

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per questiona em crítica o “dedutivismo” das puras repetições (acu-

mulações) das observações empíricas; contesta a validade de estabe-

lecer com base nessas reproduções como possibilidade de estabelecer

definitivamente a validade de uma teoria. Popper afiança que é, pelo

contrário, a “falsificabilidade” ou a possibilidade de ser falsificada

pela experiência, que nos permitirá fazer a triagem entre os enuncia-

dos que são científicos e aqueles que o não são: “Um sistema que faz

parte da ciência empírica deve poder ser refutado pela experiência”.

Porém, um enunciado do tipo “Aqui, amanhã, choverá ou não cho-

verá” é infalsificável. Por causa da impossibilidade de falsificá-lo na

sua própria perspectiva lógica, não empírica, nenhuma experiência é

suscetivelmente capaz de invalidá-lo. Na edição francesa, de 1984,

La Logique de la découverte scientifique (trad. N. Thyssen e PH.

Devaux, Paris: Payot), prevalecem as abstrações da perspectiva teu-

to-austríaca, mais contundente na tese da refutabilidade popperiana,

mas tem alguma pouca influência do empirismo inglês da edição que

lhe é anterior. Sobretudo por causa da tese da refutabilidade de Pop-

per, adotam-se as orientações da busca da edição autêntica, por via

de uma disciplina filológica denominada “Crítica Textual”, legenda

de subtítulo indicado como “reprodução”, neste trabalho. Agora vê-

se um pouco mais da consciência conceitual do termo “reprodução” e

repetição, e esta com a finalidade de se trabalhar uma tese do “repa-

rabilismo” como disciplina crítico-refutacionista do perspectivismo,

de algumas interpretações que não contemplem a lógica defendida e

contida neste trabalho.

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Em Heidegger, a repetição (ou réplica de possibilidade, como

decisão fundada na historicidade da existência humana, ressalvada a

questão da experiência em si) é a transmissão explícita, isto é, o re-

torno a possibilidades do “Ser aqui que já foi”. A autêntica repetição

(entenda-se também reprodução textual, na lógica do texto ou do

argumentante meio de comunicação lingüístico-discursivo) de uma

possibilidade de existência já realizada considera o fato de que o

“Ser aqui” escolha para si seus heróis e de que se baseia existencial-

mente na decisão antecipadora; (porque) é nela que a escolha prima-

riamente se efetiva; essa escolha torna tal consideração dos dois ‘fa-

tos’ como livres, quer para a luta sucessiva, quer para a fidelidade

àquilo que deve ser repetido. O dever de retomar, para o porvir, as

possibilidades que já foram no passado só se justifica na hipótese de

passar da angústia para a libertação motivada por esta. Essa liberta-

ção tem a transformadora potência de derivar as possibilidades

autênticas, das possibilidades nulas (ou adversas).

Aqui a proposta é de repetir a versão mais autêntica e depois

fazer a refutação com respeito à autencidade e aos princípios “repa-

rabilistas”, que ainda não se defenderam. Pela edição crítico-textual

(questão da textologia de Roger Laufer), autentica-se a repetição;

pelo refutabilismo popperiano, seriam feitos os reparos, pois a exis-

tência do “Ser aqui que já foi” heideggeriano interessa para novas

escolhas com consideração aos dois fatos apontados no parágrafo

anterior (releia-se todo o parágrafo, agora).

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Então, a reprodução, genericamente, pode ser uma cópia, uma

paticidade (o que é próprio do indivíduo pático, devasso), uma repe-

tição (ato que pede total fidelidade à única fonte, sem a perspectiva

crítica da textualidade ou da discursividade do estilo da obra-fonte)

sob o risco da subjetiva petição do olhar intercessor. Essa subjetiva-

ção pode inclinar-se aos recursos do plágio, do indivíduo pático.

Inclui-se a facticidade, que é de todos, artificiosos.

A reprodução significativamente pode adulterar a fonte pri-

meira. Como sabê-lo? – Somente se responde ao objeto motivador

dessa pergunta, com instrumentais ecdóticos e exegéticos da estilísti-

ca plena, de modo a desenvolver a crítica textual aplicada.

Ainda pode ser a reprodução biologizada. Biologicamente, sai-

se do aspecto fotográfico, do fac-símile, da facticidade do artificioso,

do pático, do plagiador e elege-se o rizoma como símbolo interdisci-

plinar de seres que têm uma parte exposta, aérea, e outra parte camu-

flada, radical, subterrânea, como a arnica o exemplifica, e o gengibre

e o bambu o têm. Disciplinarmente, a especificidade biológica dita

modelo: capacidade que possui um organismo de originar outro se-

melhante ao atingir certa fase de desenvolvimento. Ainda se concebe

e se subclassifica a reprodução sob duas qualidades: - a assexuada; e

a sexuada.

A reprodução assexuada se define na formação de novos indi-

víduos a partir de um único indivíduo, sem que haja a fusão de game-

tas, e que pode ocorrer mediante gemulação, divisão celular e frag-

mentação.

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A reprodução sexuada entende-se a formação de novos indi-

víduos duma espécie pela fusão de dois gametas normalmente ha-

plóides (que têm típico número de cromossomos dos gametas nor-

mais: núcleo haplóide), para formar um zigoto diplóide (célula-ovo,

resultante da fertilização de um óvulo por espermatozóide, que tem o

dobro do número cromossomos típico de um gameta – célula de re-

produção feminina ou masculina normal). Os gametas nesse caso

podem-se originar do mesmo indivíduo pelo fenômeno denominado

autogamia (autofecundação, fusão de gametas do próprio indivíduo),

ou de indivíduos deferentes, chamados alogâmicos (relativos ao fe-

nômeno da alogamia: fecundação cruzada, fecundação de uma flor

pelo pólen de outra).

Não há, pois, fronteira entre a textualização e a textualidade e

as diversas áreas do saber. Quer pela produção, quer também pelos

diversos e complexos vieses da reprodução do texto como escritura,

como composição e recomposição do potencial da língua e seus dis-

cursos, sobretudo quando bem citada, havemos de incluir todos os

gêneros textuais: advertências, anotações, anedotário, anúncios, arti-

gos, atas, avisos, bilhetes, boletins, bulas de remédios, cantigas, car-

tas, circulares, charadas, conferências, contos, crônicas, currículos,

debates, dissertações, editoriais, efemérides, ensaios, entrevistas,

exortações, fatos diversos como jornais e revistas (incluem-se os

jornais e as revistas e quaisquer periódicos criativos, folhas de in-

formações diárias ou semanais), guias de turismo ou de orientações

institucionais, humorismo, informativos, interrogatórios, jogos de

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palavras (adivinhações, caça-palavras; palavras cruzadas e outros),

ladainhas, lembretes, letras de músicas em geral, mensagens especi-

ais de datas, monografias, murais, ofícios, orações, petições, piadas

curtas, planos, poemas, portfólios, pregações, projetos, quebra-

cabeça, recados, receitas médicas e culinárias, relatórios, reporta-

gens, requerimentos, romances, sermões, telegramas, entre os gêne-

ros existentes e documentados e outros, inclusive os que cabem ser

criados no espaço da nossa conjunta emergência de humanidades,

sinônimo de Letras, de sempre, em qualquer idioma, em qualquer

variação, seja dialetal, seja de falares.

Nas múltiplas variáveis e variações escondem-se as individua-

lidades do ente, do ser, dos grupos, seus ideais, suas potências, seus

poderes, os seus valores, o conjugado de recursos para a desastrosa

pletora dos ideais acoplados a mitos (falas), “étios”/ étimos (origens),

teleos (distâncias/ finalidades), a morte (o grande medo, o grande

fim), os áxios (valores), o cronos (medida do inexistente sob interes-

se), esses fatores mudam a linguagem.

A mudança na linguagem, que provém de inevitáveis e possí-

veis transformações até do código da língua ou da língua como códi-

go, altera normas, leis, faz transmutação de todos os valores. Esta é

uma questão de linguagem, força de metáfora, força de metamorfose,

de novos estágios. Faz futuros no seu ineditismo ou no seu eterno

retorno do mesmo, o retorno para a vontade de poder. Apela-se para

o aprendizado com o passado para não se entregar ao caráter aleató-

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rio do futuro em consolos proféticos do não-ser, ainda que podendo

vir-a-ser.

E na relação dessa transmutação de todos os valores e no eter-

no retorno, a relação som/ sentido reclama contexto, igualmente re-

clama estilo, e diferencia identidades e repetições. Estas se convali-

dam, representam a “vontade de saber” na versão foucaultiana para

além das pretensões de validade, todas as condições de possibilida-

des para retomar o passado e descodificar o não do “não-ser” e ficar

com o ser do estilo, decodificá-lo. O ser do estilo é o grande sujeito:

já foi o homem; a partir do final do século XVIII, tornou-se a própria

ciência; já se tomou o sujeito como estilo, embora o estilo seja o

homem – e essa questão tem complexidade que se afunda nas rela-

ções do tecido da linguagem com a trama da sociedade e os jogos do

discurso, os atos de fala, a análise e a ética do discurso. Nesse con-

texto, não nos faltam complexas questões de retórica, de hermenêuti-

ca, de ectódica, de exegese, de antropolingüística, de etnolingüística,

de neurolingüística, de psicolingüística, de sociolingüística e de todas

as disciplinas e artes que cercam os fenômenos da linguagem, quer

pensando o mundo da vida, quer reflexionando sobre o mundo da

linguagem, em qualquer concepção de espaço.

Crítica textual

Todas essas questões, dentro ou fora do espaço da linguagem,

podem subsumir o espaço-tempo, o espaço-objeto, e as diversas con-

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dições dos espaços subjetivos e intersubjetivos, em múltiplos campos

físicos, biológicos e do imaginário, já sem fronteiras rígidas. Tal

tomada de consciência na ciência enseja o exame dos documentos

originais ou autênticos. É mister que haja técnicas e se aperfeiçoem

ou se adeqüem estratégias, a fim de se apurarem as concepções de

textos. Dessa apuro, emerge o engrandecimento e a imprescindibili-

dade específica, interdisciplinar e multicultural da Crítica Textual,

que já também chamada de Textologia. É ainda essa ciência/arte

integradora de saberes. A religação dos saberes se viabiliza também

pela estilística filológica quando seu nome é mulher, ou seja, quando

seu nome é Crítica Textual. E a mulher entra sempre nas situações e

nos contextos de humanidades, até como símbolo do próprio saber,

da origem, da razão, da potência, do poder e da própria motivação

“teolingüística” (divindade na linguagem).

A crítica textual envolve aspectos que devem ser discernidos:

além do gênero de texto, de que falaremos mais um pequeno trecho,

enumeram-se a leitura e compreensão textual, razão e discurso, con-

cordância (verbal, sobretudo) e cada fato da língua, gramática filosó-

fica ou concepção filosófica da gramática, e os aspectos que nortei-

am o conceito de autoria na tarefa da Filologia como Crítica Textual

e nossas conexões para além da noção de tempo, e muito mais a ser

pensado e traduzido para a efetiva escritura. E, acima de todos esses

e outros desafios, fica mesmo a excelência da escritura!

Os professores Sousa da Silveira, Artur Machado Paupério e

outros, como citamos Celso Ferreira da Cunha, apresentam-se “in

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memoriam” no discurso de Maximiano de Carvalho e Silva (2005),

em defesa dos fundamentos da Crítica Textual, como matéria básica

na formação dos pesquisadores e professores de Letras: esses “fun-

damentos precisam ser conhecidos por todos os que se dedicam ao

estudo de uma língua de cultura, como é a Língua Portuguesa”. En-

tão, cabe compreender os argumentos e toda a argumentação do Prof.

Dr. Maximiano, membro do Instituto de Língua Portuguesa. Seus

argumentos, que apóiam a tal argumentação, resumem-se na com-

provação – como se já não fosse evidente por si mesma a importân-

cia dos estudos da estilística aplicada na filológica unidade do cha-

mado “texto”, mas que tomamos aqui na concepção de um complexo

conjunto de medidas ecdóticas, exegéticas, de espaços subsumidos a

contextos e intersituações e outras possibilidades de inter-relações,

visando à religação sempre, para se evitarem fragmentações do saber

e, daí, reducionismo nos princípios e na constituição da comunidade

moral de comunicação de argumentantes. Essa nova moeda das rela-

ções – comunidade de comunicação de argumentantes – é que vai, no

jogo da linguagem (análise e ética do discurso), assegurar o perma-

nente caráter dialógico dos meios e dos processos de criação das

normas e suas formas procedimentais de preservação, transformação

e mudança do mundo da vida, mundo da ciência e, nestes, já integra-

dos pelo modelo de Morin (2001), os mundos possíveis, sob critérios

coletivos e públicos, com consenso democrático e eqüidade. Esse

preceito da comunidade de comunicação está desenvolvido em ter-

mos de um “ideal”, em Apel (2001) e de um “real”, em Habermas

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(1962; 1981), seu discípulo assumido, desde o conceito d’ O Espaço

Público (1962)e de empiria dos processos reais de comunicação na

Teoria do Agir Comunicativo (1981).

Esta argumentação nos volta para a ciência dos textos com Ál-

varo Ferdinando de Sousa da Silveira, Gládstone Chaves de Melo,

Serafim da Silva Neto, com estudos de Fundamentos da Crítica Tex-

tual nos currículos de graduação e de pós-graduação em Letras. De-

vem-se arrolar também outros cursos superiores, como, entre os

quais: Biblioteconomia, Documentação, Editoração, Metodologia da

Pesquisa e ARPPI; Biologia; Comunicação; Direito; Engenharias

operacionais e outras; Filosofia; Física; Geografia; História; Informá-

tica; Matemática; Medicina; Meio Ambiente; Química; Sistemas de

pensamento e outros, como Teoria de sistemas; Técnicas de relações

internacionais e suas teorias.

Toda a área humanística depende, em CONCLUSÃO, da de-

fesa e ilustração dos textos como parte do nosso sempre ameaçado

patrimônio histórico-cultural. A ameaça, como falta de proteção tan-

to da sociedade quanto do poder público, faz garantir a continuação

do sofrimento do processo de descaracterização e mesmo destruição

do material do passado. E este termina sem merecer sequer uma clas-

sificação de sua unidade.

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nômade representa a fundamental alteridade à sedentariedade. O Estado convida a ela. A filosofia e a psicanálise passam a mover-se uma sobre a outra em placas, ou seja à maneira das placas evocadas pelos autores. Outra novidade: a escrita filosófica solitária a quatro mãos. A voz é nela única.

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