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Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 352, maio-agosto/2010 507 Identidade de gênero e Identidade de gênero e Identidade de gênero e Identidade de gênero e Identidade de gênero e identidade profissional no campo identidade profissional no campo identidade profissional no campo identidade profissional no campo identidade profissional no campo de trabalho de trabalho de trabalho de trabalho de trabalho Copyright © 2010 by Revista Estudos Feministas. Paula Viviane Chies Universidade de São Paulo Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução A entrada em grande escala das mulheres no campo de trabalho traz duas linhas de questionamentos básicos. No decorrer das transformações sociais que levaram as mulheres ao campo de trabalho assalariado foram criadas profissões específicas a elas, ou seja, foram desenvolvidas ocupações que detêm uma porcentagem maior de mulheres e, por vezes, são estereotipadas como femininas. Exemplos, desse caso, podemos visualizar em profissões, em primeira vista, não regulamentadas como bordadeiras, costureiras, babás etc., profissões que se apresentam como continuidade da vida doméstica, e que em alguns momentos assumem um caráter de mão de obra industrial como as tecedeiras. Essa é a primeira hipótese que pode ser gerada desse questionamento preliminar. Por outro lado, transformações sociais aliadas a mudanças no sistema produtivo levaram à construção de novos espaços, e ambos, homens e mulheres, passaram a ocupar setores de trabalho antes exclusivos ao mundo masculino. Nas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por importantes transformações demográficas, culturais e sociais que interferiram diretamente no aumento do trabalho Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O texto apresenta uma reflexão crítica sobre algumas teorias de gênero, buscando evidenciar as principais questões referentes às mulheres no mercado de trabalho. Este artigo também discute algumas das limitações de gênero com as quais as mulheres se deparam em sua inserção profissional e no desenvolvimento de suas carreiras. Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: mulheres; gênero; mercado de trabalho; discriminação.

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Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 352, maio-agosto/2010 507

Identidade de gênero eIdentidade de gênero eIdentidade de gênero eIdentidade de gênero eIdentidade de gênero eidentidade profissional no campoidentidade profissional no campoidentidade profissional no campoidentidade profissional no campoidentidade profissional no campo

de trabalhode trabalhode trabalhode trabalhode trabalho

Copyright © 2010 by RevistaEstudos Feministas.

Paula Viviane ChiesUniversidade de São Paulo

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A entrada em grande escala das mulheres no campode trabalho traz duas linhas de questionamentos básicos.No decorrer das transformações sociais que levaram asmulheres ao campo de trabalho assalariado foram criadasprofissões específicas a elas, ou seja, foram desenvolvidasocupações que detêm uma porcentagem maior demulheres e, por vezes, são estereotipadas como femininas.Exemplos, desse caso, podemos visualizar em profissões,em primeira vista, não regulamentadas como bordadeiras,costureiras, babás etc., profissões que se apresentam comocontinuidade da vida doméstica, e que em algunsmomentos assumem um caráter de mão de obra industrialcomo as tecedeiras. Essa é a primeira hipótese que podeser gerada desse questionamento preliminar. Por outro lado,transformações sociais aliadas a mudanças no sistemaprodutivo levaram à construção de novos espaços, e ambos,homens e mulheres, passaram a ocupar setores de trabalhoantes exclusivos ao mundo masculino.

Nas últimas décadas do século XX, o Brasil passoupor importantes transformações demográficas, culturais esociais que interferiram diretamente no aumento do trabalho

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O texto apresenta uma reflexão crítica sobre algumas teorias de gênero, buscandoevidenciar as principais questões referentes às mulheres no mercado de trabalho. Este artigotambém discute algumas das limitações de gênero com as quais as mulheres se deparam emsua inserção profissional e no desenvolvimento de suas carreiras.Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: mulheres; gênero; mercado de trabalho; discriminação.

PAULA VIVIANE CHIES

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feminino. Cristina Bruschini1 destaca que essas transforma-ções se manifestaram aliadas a mudanças nos padrõesculturais e nos valores relativos ao papel social da mulheradvindas, ao mesmo tempo, do acesso à escolaridade edo ingresso nas universidades. Esses fatores subsidiaram ocrescimento do trabalho feminino e as alterações no perfilde sua força de trabalho.

Nos anos 70, sobretudo, ocorreram mudanças nocontexto de profissões tradicionais como engenharia,medicina, arquitetura e direito, o que ocasionou a inserçãofeminina nesses campos de trabalho. Portanto, profissõescomo essas, que até então eram reduto exclusivo do mundomasculino, passaram a receber um percentual cada vezmaior de mulheres para uma carreira profissional.2

Mas a entrada das mulheres nessas profissões nãorepresentou uma transformação integral das diferenças deespaços entre homens e mulheres. Mesmo a engenharia,por exemplo, que apresentou em 1996,3 um acessorepresentativo de mulheres em especialidades comoEngenharia de Organização e Métodos, nas quais 25% dosempregos são ocupados por mulheres, e da EngenhariaQuímica, com 22%, essa profissão continua um redutomasculino, com especialidades que são negadas àsmulheres. Na Engenharia Civil, na Agronômica e na Minas eGeologia, nas atividades a céu aberto, a participaçãofeminina gira entre 10 e 14%. Nas especialidades daMecânica e Metalurgia, menos de 5% dos postos de trabalhosão ocupados por mulheres. As especialidades queapresentaram uma flexibilidade maior ao trabalho femininosão aquelas historicamente mais recentes em comparaçãoàs outras, onde parece haver um grupo de homens quecomanda de maneira tradicional a identidade daEngenharia como eminentemente masculina.

Na medicina também aparece uma segregação entreos sexos delimitada por especialidades que apresentam umespaço maior à presença feminina, esse é o caso da medicinasanitarista, pediatria, dermatologia, hemoterapia etc., queaparecem com 50% de representatividade das mulheres. Poroutro lado, nas especialidades (cirurgia, cardiologia,medicina esportiva, ortopedia, medicina legal e urologia)de maior prestígio da área e que possuem melhoresremunerações é menor o percentual de representatividadefeminina, somente 30%. Os estereótipos sociais criados emtorno dessas especialidades sinalizam conformações geraisde homens e mulheres na sociedade. A pediatra é a ‘donade casa da medicina’, assim o mito do instinto maternaltornaria a mulher mais calma, propícia à arte do ‘cuidar’,logo, apta a trabalhar com o tratamento de enfermos dedoenças crônicas – pacientes que necessitam de um

1 Cristina BRUSCHINI, 2007.

2 Cristina BRUSCHINI e Maria RosaLOMBARDI, 1999.

3 As autoras utilizaram como fonteMTB-Rais: 90, 93, 96.

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cuidado contínuo e próximo. Os homens, todos eles banhadospela postura agressiva e sem titubeios, seriam adequados àprecisão necessária em manobras cirúrgicas etc.

Bruschini4 retoma essa análise para uma fase maisrecente, constatando que nessas mesmas profissões houveum aumento da participação feminina. Como referênciaao ano de 2004,5 aparecem algumas diferenças entre opadrão masculino e feminino, primeiramente elas são maisjovens do que os homens em todas as profissõesconsideradas (engenharia, arquitetura, medicina e direito).Em termos de jornada de trabalho ou distribuição dos sexosem diferentes setores, como público e privado, os dadosaparecem sem muitas discrepâncias. No entanto, foiconstatado que em todas as carreiras persiste o diferencialde rendimentos entre um e outro sexo, assim, mulherescontinuam ganhando menos nas mesmas profissões.Diferencial que persiste desde 1990.6

As profissões tradicionais e que possuem prestígio nasociedade são profissões de origem masculina. Portanto, sepudermos utilizar o termo ‘identidade da profissão ou área’,chegaremos à conclusão que a ‘identidade da Medicina’,a ‘identidade da Engenharia’ etc. são identidades degênero masculino. Nessas profissões, o gradativo acessodas mulheres ocorreu com a ocupação de especialidadesespecíficas. O que demonstra que a própria conotaçãopresente na palavra ‘especialização’ evidencia que foramnecessárias transformações dessas áreas para que houvessea entrada de mulheres.

Há uma segregação feminina e masculina nasdiferentes especialidades e profissões. Baseado nasconstatações consistentemente argumentadas pelosestudos feministas nessa temática, o intuito do texto é discutirsob quais conotações essas relações entre as identidadesde gênero apresentam-se no campo do trabalho, e comoelas delimitam as identidades profissionais.

Mulheres e homens no campo doMulheres e homens no campo doMulheres e homens no campo doMulheres e homens no campo doMulheres e homens no campo dotrabalho: de profissões estereotipadastrabalho: de profissões estereotipadastrabalho: de profissões estereotipadastrabalho: de profissões estereotipadastrabalho: de profissões estereotipadasa uma situação diferenciala uma situação diferenciala uma situação diferenciala uma situação diferenciala uma situação diferencial

Em um mesmo campo profissional as identidades sãodiferenciadas entre os gêneros. O que nos leva a ‘aberturade outras portas’: se as identidades profissionais sãodiferentes entre os gêneros, até mesmo em uma mesmaprofissão, então poderíamos inferir que homens e mulheresapresentam papéis sociais amplos, determinados e, de certamaneira, universais na sociedade que, independente dequal campo de ação social observemos essa questão, essesserão os pontos de referência para as relações de poder.

4 BRUSCHINI, 2007.

5 A autora utilizou como fonteMTE-Rais: 1993 e 2004.

6 BRUSCHINI e LOMBARDI, 1999 e2000.

PAULA VIVIANE CHIES

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Se a subordinação da mulher ao homem é um pontofixo na mentalidade de uma sociedade, independente dequal profissão que esses venham a se confrontar no campodo trabalho, de médicos a funcionários de limpeza, a mulher,por via de regra social, será menos valorizada nesse quadro,o que inevitavelmente indica que homens e mulheres nãopodem ter a mesma identidade mesmo que atuantes emuma mesma profissão. Pontos em comum nessa relaçãosurgem, pois falamos de uma mesma profissão, mas existemdiferenciais marcados pela questão de gênero.

Saffioti,7 ao analisar o papel da mulher e do homemem diferentes instâncias da sociedade capitalista, ressaltaque esses ocupam uma relação entre a subordinação e adominação. As mulheres ao deterem relativa falta de poder,não somente na tomada de decisões que afetam o gruposocial, mas até mesmo em decisões que envolvemdiretamente o seu futuro em particular, ocupam o espaçoda subordinação. Os homens ao serem os protagonistas domais antigo sistema de dominação – o patriarcado –ocupam o espaço de maior poder na sociedade. Essessistemas de dominação e subordinação expressamdiferentes ramificações nos processos sociais. Paralelo aosistema de patriarcado, o capitalismo apresenta um “sistemade dominação” que se manifesta em campos político eideológico e um “sistema de exploração” vigente no campoeconômico. Assim, homens e mulheres assumem papéis dedominação ou subordinação diferentemente nessescampos. Pela identidade do homem como chefe de família,ele assume um papel de dominação, enquanto que, emseu trabalho, ele é explorado e subordinado dentro dosistema capitalista.

Entretanto, a mulher nos padrões de identidadefeminina definidos pela estrutura social brasileira – filha,mãe, dona de casa – assume papéis de subordinação: nacasa dos pais é subordinada ao pai e depois do casamentoé subordinada ao marido. Quando trabalhadoraassalariada, acumula duas jornadas de trabalho – em casae no emprego, além disso, recebe um salário menor ao dohomem para a realização das mesmas tarefas. Homens emulheres podem ser subordinados no campo econômicopela exploração de sua força de trabalho, no entanto, amulher é subordinada nas duas dimensões, tanto no “sistemade exploração” como no “sistema de dominação”.

As profissões construídas historicamente comomasculinas são mais valorizadas em comparação com oresquício da gama de profissões consideradas femininascomo, por exemplo, dançarina, enfermeira, cozinheira etc.Ao mesmo tempo, quando as mulheres ocupam um espaçoem profissões tidas como masculinas, não apenas pela sua

7 Heleieth SAFFIOTI, 1987.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

construção histórica, mas muitas vezes pela demarcaçãode pré-requisitos tidos como masculinos (força, resistência eliderança), a força de trabalho dessas mulheres é concebidacomo inferior. Essas diferenças impostas entre os gênerosque, na maioria das vezes, expressam um sentido deinferioridade à mulher são constituídas por um reforçoideológico que busca mascarar a realidade. Apesar dasdiferenças entre classes sociais, a responsabilidade últimapela casa e pelos filhos é imputada às mulheres: quandodonas de casa ou operárias, o cuidado com o lar faz partedo seu dia a dia, e quando recebem um salário mais alto,contratam serviçais para desempenharem no lar os trabalhosque lhes correspondem enquanto mulher.

Trabalhando em troca de um salário ou não, nafábrica, no escritório, na escola, no comércio, ou adomicílio, como é o caso de muitas mulheres quecosturam, fazem crochê, tricô, doces e salgados, amulher é socialmente responsável pela manutençãoda ordem na residência e pela criação e educaçãodos filhos. Assim, por maiores que sejam as diferençasde renda encontradas no seio do contingentefeminino, permanece esta identidade básica entretodas as mulheres.8

A mulher como dona de casa é uma identidaderigidamente imposta pela cultura brasileira, mas adeturpação da realidade está justamente em se pensar queessa identidade é natural, ou seja, o espaço domésticopertence ‘naturalmente’ à mulher. Essa identidade é umaconstrução social, mas a sociedade, como mecanismoideológico, naturaliza esse processo. Essa ‘naturalização’ocorre em certos momentos utilizando-se de um resultadoda história, difundindo a crença de que esse papel semprefoi desempenhado pelas mulheres, ou mesmo é umaatribuição inclusa na capacidade de ser mãe.

Se o ambiente privado, por exemplo o espaçodoméstico, foi historicamente remetido às mulheres e tambémdesvalorizado perante o espaço público, nota-se que acultura traz uma tradição que impõe ao elemento femininoa subordinação, a inferioridade. Essa inferioridade éconstruída no processo de socialização como estereótipos.Elas são frágeis, emotivas e irracionais, característicasconcebidas como inerentes às mulheres e que garantemuma identificação rígida às diferenças entre homens emulheres. Eles são racionais e fortes. A sociedade constróicaracterísticas rígidas que demarcam o padrão decomportamento do mundo masculino e do feminino: “[...] afixidez de um mesmo tipo de comportamento se relacionacom estereótipos oriundos da cultura [...].”9

8 SAFFIOTI, 1987, p. 9.

9 José León CROCHIK, 2006, p.12.

PAULA VIVIANE CHIES

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A inferioridade feminina é delineada pelos estereótiposremetidos às mulheres, visto que esses condizem com aspectosalheios ao poderio político e econômico, às lideranças.Todavia, esses estereótipos manifestam-se como instrumentosdo preconceito. O preconceito surge quando o indivíduo nãoconsegue se posicionar com senso crítico ou reflexão peranteas questões de sua própria cultura, assim não percebe que asua visão preconcebida da realidade é resultado justamentede sua incapacidade de reconhecer que essa realidadepode ser vista de outra maneira, ou mesmo, que sua relaçãocom a realidade pode ser pautada em outros elementosexperimentados em meio a situações novas.

Crochik salienta um aspecto fundamental paradiscorrermos acerca do preconceito e sua expressão nasociedade, da mesma forma esse aspecto pode direcionara nossa discussão em torno da questão ressaltada por Saffioticomo “naturalização” dos processos sociais:

Se o preconceito não é inato, a criança pode, defato, perceber que o outro é diferente dela, sem queisto impeça o seu relacionamento com ele. Contudo,esta percepção é dificultada, pois é sob a forma deameaça que o preconceito é introjetado. Ou seja,incorporamos os objetos, aos quais devemos reagirpreconceituosamente, através de nossas reaçõescom pessoas das quais dependemos, e osincorporamos por medo do que aconteceria, casoassim não o fizéssemos.10

O preconceito em relação às mulheres é introjetadopor medo de que a estrutura social, por mais tempo presenteem nossa sociedade como pilar da dominação entre osgêneros, se desmantele como um ‘castelo de areia’. Atransformação dos papéis sociais das mulheres leva àreformulação das relações sociais na família, no trabalho,na política etc. Os pilares da esfera pública e privada devemser repensados como construções arcaicas e inapropriadaspelas novas funções que essas passam a abrigar.

Bila Sorj11 levanta algumas questões fundamentaisem relação ao sexismo no mercado de trabalho. Para essaautora, a estrutura das posições de gênero no mercado detrabalho e na família colabora para a manutenção dasubordinação de gênero. O primeiro passo para compre-endermos a tese da autora é analisarmos o paradigmaeconômico, ou seja, o trabalho produtivo remunerado. Essaconcepção mascara o fato de que a maioria das mulherestrabalha, há muitos séculos, na esfera doméstica e otrabalho, por esse âmbito, não é considerado produtivo,enquanto que este assume uma posição primordial atémesmo para a estrutura do próprio mercado de trabalho naatualidade.

10 SAFFIOTI, 1987, p. 15.

11 Bila SORJ, 2004.

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“[...] A posição diferencial de homens e mulheres noespaço doméstico é um elemento central da determinaçãodas chances de cada um no mercado das carreiras, dospostos de trabalho e dos salários.”12 Os homens, pelajustificativa de assumirem o papel de provedores financeirosda família, estão isentos dos afazeres domésticos, no entanto,as mulheres que entram no trabalho remunerado nãoconseguem se desvencilhar da responsabilidadedoméstica. Esse é um contexto de subordinação da mulher,pois a ela é imposta culturalmente essa responsabilidademesmo que ela assuma, como o homem, outras responsa-bilidades como o rendimento mensal da família.

A posição de subordinação da mulher na família érefletida na posição de inferioridade feminina também nomercado de trabalho. Um exemplo visível disso são ascaracterísticas apresentadas pelo processo de reestrutu-ração produtiva pelos quais passaram as empresas nasúltimas décadas: empregos a tempo parcial, temporários,horários flexíveis etc., arranjos que foram adotados nomercado de trabalho encobertos pela ideia de‘responsabilidade familiar’, mas na verdade servem parajustificar os baixos salários, as poucas expectativas decarreira e outras precariedades que demonstram a situaçãodas mulheres no mercado de trabalho. Embora essaspolíticas de reestruturação produtiva se apresentem comoneutras em relação ao gênero, pesquisas como a de LaísAbramo13 mostram que são as mulheres os principais alvosdos arranjos laborais.

Os estereótipos acerca das profissões são geradospor questões básicas como ‘o que se espera de uma mulher’e ‘o que se espera de um homem’. A noção desenvolvidapor Joan Tronto14 traz uma perspectiva fundamental paraanalisarmos essas relações na sociedade: “engastadas emnossas noções de cuidados, podemos ver algumas dasdimensões mais profundas da diferenciação tradicional dosgêneros em nossa sociedade.”15 As noções de cuidados, àsquais a autora se refere, indicam uma diferenciação queimplica o fato de que as mulheres ‘cuidam de’ e os homenstêm ‘cuidado com’. Os homens se preocupam com odinheiro, carreira, ideias e progresso, enquanto as mulherescuidam de suas famílias, vizinhos, amigos, etc. Não somenteos homens se preocupam com aspectos mais valorizadosna sociedade e as mulheres com coisas de menorimportância, mas o ‘cuidar de’ subordina as mulheres àvida privada, aos cuidados das crianças e do idosoadoentado.

A situação diferencial de homens e mulheres nocampo de trabalho é explicada por essa construção depapéis de gênero que, historicamente, delimitaram às

12 Bila SORJ, 2004, p. 144.

13 ABRAMO, 2004.

14 TRONTO, 1997.

15 TRONTO, 1997, p. 186.

PAULA VIVIANE CHIES

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mulheres as responsabilidades e cuidados domésticos – oespaço privado; e aos homens, o provimento financeiro dafamília. Não somente em relação a essas determinações, asociedade não considerou e não considera até hoje as‘profissões’ relacionadas ao ‘cuidar de’ como merecedorasde uma rentabilidade. Assim, a dona de casa que cuidados afazeres domésticos, que cuida do idoso, das crianças,da pessoa enferma, não se insere no campo do trabalho,tendo este sido atrelado ao rendimento, à remuneração.Além disso, as profissões concebidas como femininaspossuem em seu cerne esse caráter do ‘cuidar de’, como,por exemplo, enfermeiras e professoras no ensino primário.No senso comum observamos essas profissões comoeminentemente femininas, mas vários estudos demonstramesse sexismo nas profissões citadas e também, historica-mente, essas profissões lutaram contra discriminações quedesvalorizaram as suas práticas frente às profissõesmasculinas.

Essa situação diferencial de homens e mulheres nasociedade, e em particular no campo do trabalho, pareceser justificada pela ideia de que o trabalho da mulher éalgo ‘secundário’ frente ao trabalho masculino. E nãosomente existem profissões que historicamente foramconcebidas como masculinas, mas a própria menção aotrabalho era algo em essência pertencente ao mundomasculino. Portanto, as mulheres tiveram que enfrentar umespaço na sociedade que, à primeira vista, já se concebiacomo um mundo masculino, e muitas profissões foramrelutantes, e algumas são até hoje, à ideia de mulheresatuando junto aos homens.

Abramo indica algumas considerações acerca doque se pode entender por “força de trabalho secundária”da mulher na América Latina. Primeiramente a ideia de“trabalho secundário” é estruturada pela imagem de umafamília nuclear, com a mulher como principal/exclusivaresponsável pelo cuidado doméstico, e o homem como oprincipal/exclusivo provedor da família. Dessa forma, oacesso e melhores condições a um trabalho é algopriorizado ao homem na sociedade. A inserção laboral deuma mulher é um aspecto concebido como secundário deseu projeto de vida, da constituição de sua identidade e desuas possibilidades reais, assim ela ocorre basicamente emduas situações: quando o homem não pode cumprir essepapel ou quando se trata da ausência de uma figuramasculina e a mulher deve assumir o papel de provedorapor falta de alternativa.

Em exemplo a essa perspectiva, pelos resultados deentrevistas realizadas em uma empresa de informática,Abramo ressalta que alguns entrevistados foram enfáticos

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

em suas concepções, esclarecendo que entre as mulheresque trabalhavam com eles as únicas realmente provedorasdo lar eram as divorciadas, sendo assim descritas como“hombres”, ou seja, mesmo sendo trabalhadoras, susten-tando sua família, estão realizando um papel que é dohomem, não há espaço para a mulher. Para justificar asdiferenças entre as contratações de homens e mulheres,foram levantados alguns aspetos: a) pelo fato do trabalhonão ser uma responsabilidade da mulher, elas aceitam umaremuneração mais baixa do que os homens; b) a mulhertem uma suposta dificuldade de se dedicar à empresa,como, por exemplo, limitações para fazer horas extras, poisprecisa cuidar do marido e dos filhos.

Essas justificativas foram confrontadas com algunsfatores da realidade. Muitas mulheres, inclusive em profissõestidas como femininas, possuem turno extenso, com períodosnoturnos como o caso das enfermeiras ou operadorastelefônicas. Nesse caso, as explicações por parte do gerenteda empresa referem-se à contratação exclusiva de mulheresjovens e solteiras. No entanto, uma entrevistada, executivada empresa, salienta que há algumas mulheres quetrabalham em áreas tradicionalmente masculinas, como noserviço técnico da empresa, e fazem seus turnos noturnosdesempenhando suas funções perfeitamente, mesmo sendocasadas e com filhos.

Essas limitações relativas à mulher no trabalhofortalecem a imagem dessas trabalhadoras comoproblemáticas, pouco adequadas ou diferentes do modelode trabalhador (modelo masculino) que pode se dedicarintegralmente ao trabalho porque tem maior disponibili-dade de tempo, sendo que alguém, uma mulher (esposa,companheira, mãe, irmã, filha), cuida dele. As limitaçõesatribuídas às mulheres no trabalho são traduzidas comoparte de uma “natureza feminina” menos apta ao trabalhoremunerado ou com a necessidade de privilegiar o homemno mercado de trabalho, mas essas são justificativas eartimanhas da organização de papéis de gênero construídade maneira discriminatória.

A “força de trabalho secundária” favorece aexploração capitalista, pois dentro da mentalidade socialproeminente, a mulher busca a inserção no trabalho emfases de crise econômica na família, quando o provedor(marido, pai, irmão etc.) está doente, desempregado, oumesmo quando seu salário não é suficiente para o sustentoda família, assim submete-se a um salário menor. Uma mulhernão possui, em princípio, o estímulo social a desenvolveruma carreira, o que poderia otimizar as suas possibilidadessalariais favorecendo o rendimento da família.

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Para Margareth Rago,16 essa condição social damulher no mercado de trabalho é articulada não somentepela citada ‘naturalização’ dos processos sociais, mastambém por um processo de eliminação da historicidade(‘des-historicização’) dos fenômenos sociais envolvidos emmovimentos como, por exemplo, o feminista. A esse respeito,a autora afirma:

Esse processo de eliminação da historicidade dosfenômenos, ou da naturalização pode ser claramentepercebido na relação estabelecida com váriosmovimentos sociais, entre o feminista, o hippie e oanarquista, entre outros é claro. Como se operasseum profundo corte entre as gerações imediatamentesucessivas, o que é proposto de maneira impactantee conflituosa por uma, é vivido pelas seguintes comnaturalidade, como ordem natural do mundo,esquecendo-se a dimensão da luta realizada parasua conquista e tachando-se o movimento origináriode “derrotado.”17

Atualmente não se destaca a importância dasfeministas nas lutas e conquistas que hoje as mulheresusufruem como um novo tempo que, assim, se entende tersurgido por ‘graça divina’, supondo que um dia o mundomudou, as portas se abriram para as mulheres e ponto final.Como articulação política para manter o status quo, os laçosde historicidade entre gerações de mulheres são desfeitospara se dispersarem os questionamentos e as reivindicações.As possibilidades de transformação do campo de trabalhopara a inserção definitiva e igualitária entre homens emulheres correm o risco de serem deixadas ‘à brisa do mar’,sem nenhuma atuação que seja considerada como funda-mental, que não somente se certifique da concretização depropostas de mudanças, mas que as acelere como elementoà cidadania.

Há a necessidade de uma atuação política naessência da palavra, e as mulheres como representantesde um grupo devem entender a historicidade das lutas ereivindicações em prol da conquista de seu espaço,compreendendo que essas não se esgotaram, pois aigualdade ainda não foi alcançada. Apenas busca-se aigualdade e não a supremacia. Como ressalta Rago, nãose pretende destronar o “rei” para colocar a “rainha”, masbusca-se a destruição da monarquia no pensamento e naspráticas sociais.

Além das questões levantadas até então no texto quedemonstraram as diferentes formas de discriminação eestereotipia que encontramos nas relações de gênero nocampo do trabalho, devemos salientar dois elementosfundamentais que merecem ser retomados: primeiro, as

16 RAGO, 2001.

17 RAGO, 2001, p. 60.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

mulheres recebem uma remuneração abaixo dos homenspara o mesmo trabalho; segundo, as mulheres possuemmenos possibilidades de ocuparem uma posição decomando no campo do trabalho, ou seja, as posições dechefia ainda são ocupadas pelos homens, mesmo que estestenham os mesmos ou menores anos de escolaridade, assimcomo se tiverem um currículo inferior ao delas.

Ciro Biderman18 e Nadya Guimarães,19 preocupadosem encontrar justificativas aos elevados patamares dedesigualdades nos rendimentos entre negros e brancos,homens e mulheres, analisaram o nível de discriminaçãocontrolando os efeitos de atributos individuais (escolaridadee idade) e de características dos espaços de trabalho(formalização da relação de trabalho, região geográfica eposição na hierarquia de ocupações). Nesse estudo foi deli-neado que o principal determinante do hiato salarial queatinge as mulheres brancas deve-se à discriminação nomercado; quanto aos homens negros, ele decorre da defasa-gem nos seus padrões de escolaridade; já quanto àsmulheres negras, o hiato resulta de ambos os fatores – tantoa discriminação sexual quanto a defasagem na escolarida-de. Assim como foi considerado evidente o fato de os homensbrancos estarem mais concentrados em ocupações demando do que as mulheres, mesmo se brancas; isso mesmocom uma qualificação média, o que expõe as dificuldadespara acesso das mulheres às posições de chefia.

[...] entre as mulheres brancas as desigualdadesgeradas no interior do mercado de trabalho (nasestratégias gerenciais de recrutamento, contrataçãoe mobilidade) são fatores decisivo para explicar a suadistância salarial vis-a-vis dos homens brancos. Nãosem razão, pois, como as mulheres (e especialmenteas brancas) são bem mais educadas em média, elasdeveriam receber salários bem maiores (também emmédia) do que os homens (inclusive brancos). 20

Algumas tendências, do meio acadêmico ou não,tendem a desprestigiar os estudos de gênero, pois acreditamque em primeiro lugar vem a questão da classe social e taisestudos não estariam demonstrando essa preocupação emsuas análises. Em tendências como a marxista, apesar dese conceber o caráter relacional dos estudos de gênero, aideia de causalidade econômica é concebida comoprincipal ponto de diferenciação social entre os sexos,constatando-se o capitalismo como imperante na socie-dade. Assim na perspectiva marxista, a categoria “classe”aparece com maior peso para explicar as relações sociais.

Margareth Rago21 ressalta que os marxistasprocuraram integrar a categoria de análise “gênero” em

18 BIDERMAN e GUIMARÃES, 2004.19 Autores utilizaram microdadosda PNAD de 1999, IBGE. Dadosestimados a partir do saláriohorário padronizado para umturno de 160 horas por mês.

20 BIDERMAN e GUIMARÃES, 2004,p. 186.

21 RAGO, 1998.

PAULA VIVIANE CHIES

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seu sistema de pensamento, mas sempre muito preocupadosem garantir o lugar do conceito de classe.

As feministas começaram a utilizar o termo “gênero”como uma maneira de se referir ao caráter relacional quandotratamos de distinções sociais fundadas no sexo, assimfugindo de análises que se desenvolviam sob um olharunidirecional às questões da mulher, sem se confrontaremcom o fato de que ambas as condições, seja da mulher oudo homem, são estruturadas no sentido relacional em nossasociedade.22 Entretanto, o objetivo dos estudos de gênero écompreender os sentidos dos papéis sexuais nas diferentessociedades e épocas e como eles foram implementadospara a manutenção da ordem social ou mesmo para a suaalteração.

O caráter relacional na epistemologia dos estudos degênero surge pela noção de que não se podem concebermulheres, exceto se elas forem concebidas em relação aoshomens. Além disso, pensarmos em relações nos permite lidarcom diferentes sistemas de gênero e analisar a diferençadentro da diferença, ou seja, como a discriminação sedesvela em outras categorias como etnia e classe. 23

Não se pode conceber, sob a mesma perspectiva, aanálise do contexto da mulher negra e da mulher brancaem nosso país, ou mesmo devemos ponderar ascomparações entre a condição discriminatória de umhomem negro e de uma mulher negra em nossa sociedade.É necessário perceber que a discriminação sexual vemacompanhada por preceitos atrelados à etnia, à classesocial, à formação educacional e a outros fatores.

A perspectiva relacional às questões de gêneropermite-nos perceber o contexto social, o preconceito, asdesigualdades sociais de maneira mais ampla, ressaltandoque ‘tudo aquilo que discrimina no plano socioeconômicoe cultural atinge sempre e mais duramente as mulheres.’Quando relacionamos a questão de gênero com etnia,como no caso da mulher negra, isso assume patamaresmaiores.

Com as discussões que foram desenvolvidas em tornoda questão das cotas para negros nas universidades,também se destacou algo semelhante. Ouvimos, muitasvezes, que há também brancos pobres que necessitariamde algum subsídio para o seu ingresso no ensino superior.Maria Victoria Benevides,24 nesse sentido, traz algumascolocações:

[...] temos de ‘atacar’ em muitas frentes ao mesmotempo, se quisermos atingir um mínimo do padrãocontemporâneo do direito universal à vida comdignidade. Todos aqueles e todas aquelas que secomprometem com o trabalho de mudança – e

22 SCOTT, 1990.

23 SCOTT, 1990 e 1992.

24 BENEVIDES, 2004.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

mudança, no Brasil, tem tudo a ver com a educação– e se preocupam com a questão da igualdade,tendem a considerar junto os dois movimentos: aquelede por maior igualdade no plano socioeconômico eaquele por maior igualdade quanto às especificidadesna questão de gênero.25

Desse modo, lutar por direitos de um grupo emparticular, como as mulheres, não indica que se estejanegando a defesa por direitos humanos universais. As açõesafirmativas agem de acordo com a especificidade desse ede outros grupos, mesmo porque o contexto de discriminaçãoé diferente de um para outro grupo, em distintos contextosagem diferentes variáveis como escolaridade, discriminaçãosexual etc. Portanto, se concebemos os direitos humanoscomo direitos comuns a todos os seres humanos, semdistinção de etnia, nacionalidade, sexo, orientação sexual,nível socioeconômico, religião, instrução, opinião política ejulgamento moral, é evidente que as questões de gêneromostram a necessidade de discussões particulares.

Os direitos humanos não são uma realidade, nemmesmo os direitos de cidadania. Somente uma fração doque chamamos de direitos humanos são concretizados. Oque é uma realidade é o fato de que todas as particula-ridades – etnia, classe social, orientação sexual e gênero –são alvos de discriminações forjadas em ‘brechas’ da lei,da expressão política de um grupo, em ‘brechas’ que seabrem quando deixamos de discutir e buscar transformaçõessob aquilo que ‘grita aos olhos’ com a diferença, com opreconceito etc.

O sexismo na construção da identidadeO sexismo na construção da identidadeO sexismo na construção da identidadeO sexismo na construção da identidadeO sexismo na construção da identidadeprofissionalprofissionalprofissionalprofissionalprofissional

A definição de identidade segue dois caminhos: a“identidade para si” e a “identidade para o outro”. De formasimples, podemos conceituar a “identidade para si” comoa maneira como nós mesmos nos reconhecemos e a“identidade para o outro” como as pessoas nos enxergam,nos caracterizam. Esses dois caminhos são inseparáveis eligados de maneira problemática, conforme Claude Dubar.26

Inseparáveis, pois a identidade é por si só subjetiva e umaconstrução social; e problemática pelo fato de que “Eu”nunca posso ter certeza de que a minha identidade paramim mesmo coincide com minha identidade para o “Outro”,e mesmo assim a nossa própria identidade (identidade parasi) necessita de uma constante consulta ao outro, às pessoasque nos cercam e delimitam configurações a nossaexistência, à interligação da nossa subjetividade com oentorno social.

25 BENEVIDES, 2004, p. 94.

26 DUBAR, 2005.

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Esses dois tipos de identidade como elementosdinâmicos, assim como as suas próprias relações, levam-nos a pensar que “[...] a identidade nunca é dada, elasempre é construída e deverá ser (re)construída [...].”27 Essamutabilidade na perspectiva desenvolvida por ClaudeDubar vai ao encontro das delimitações propostas porAntonio Ciampa28 que define identidade humana comoalgo também dinâmico, como uma metamorfose. Nessascondições, o indivíduo apresentaria várias identidades nodecorrer de sua vida. Como metamorfose, a identidade nãoapenas traz uma historicidade inerente ao decorrer da vidado indivíduo, mas, ao mesmo tempo, os padrões deidentidade por serem definidos pelas estruturas sociaisdiferenciar-se-iam pelos mesmos históricos.

Apesar de seu caráter dinâmico ou de metamorfose,na sociedade capitalista, a identidade pode ser vista comoum traço estático de que o indivíduo é dotado. As posiçõesque um indivíduo pode ocupar na sociedade, as relaçõesque pode manter dependem de sua identidade, portanto,“[...] retira-se o caráter de historicidade da mesma, aproxi-mando-a da noção de um mito que prescreve as condutascorretas, re-produzindo social”.29 Nessa perspectiva, aidentidade surge como algo dado, pressuposto.

Em torno das relações sociais, nunca podemos serrealmente o que somos como essência, porque as ativida-des dos indivíduos estão normatizadas, tendo em vistamanter a estrutura social, conservar as identidadesproduzidas: “a posição de mim [...] me identifica, discrimi-nando-me como dotado de certos atributos, de predicações,que me dão uma identidade considerada formalmentecomo atemporal”.30 Assim, a identidade é posta sob a formade personagem. Nas relações sociais, representamos aidentidade como personagens, desempenhamos papéissociais.

Para Claude Dubar, o processo que trabalha comestratégias identitárias para diminuir esse distanciamentoentre a “identidade para si” e a “identidade para o outro” éa chave para a construção das identidades sociais. Asestratégias identitárias podem assumir duas formas:

[...] ou de transações ‘externas’ entre o indivíduo e osoutros significativos, visando a tentar acomodar aidentidade para si à identidade para o outro (transaçãodenominada ‘objetiva’), ou a de transações ‘internas’ao indivíduo, entre a necessidade de salvaguardaruma parte de suas identificações anteriores(identidades herdadas) e o desejo de construir para sinovas identidades no futuro (identidades visadas), comvistas a tentar assimilar a identidade para-o-outro àidentidade-para-si.31

27 CIAMPA, 1999, p. 135.

28 CIAMPA, 1999.

29 CIAMPA, 1999, p.163.

30 CIAMPA, 1999, p. 63.

31 DUBAR, 2005, p. 140.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

As relações entre a “identidade para si” e a “identida-de para o outro” levam a situações de aceitação e recusaem diferentes graus. Nas transações consideradas objetivasnas quais se espera um ajuste da “identidade para si” à“identidade para o outro”, esse ajuste ou acomodação podenão ocorrer. Nas transações subjetivas, nas quais se esperaum ajuste entre minhas identificações anteriores (herdadas)e as novas identidades (visadas), muitas vezes, podem haverrecusas:

[...] A relação entre as identidades herdadas, aceitasou recusadas pelos indivíduos, e as identidades visadas,em continuidade às identidades precedentes ou emruptura com elas, depende dos modos dereconhecimento pelas instituições legítimas e porseus agentes que estão em relação direta com ossujeitos envolvidos. A construção das identidades serealiza, pois, na articulação entre os sistemas de ação,que propõem identidades virtuais, e as “trajetóriasvividas”, no interior das quais se forjam as identidades“reais” às quais os indivíduos aderem. Ela pode seranalisada em termos tanto de continuidade entre aidentidade herdada e identidade visada como deruptura implicando conversões subjetivas [...].32

A teoria sociológica de identidade proposta porDubar permeia um processo de socialização que se estruturanas diferentes relações entre o “Eu” e o “Outro”, estabele-cidas como configurações identitárias articuladas pelastransações objetivas (externas) e as transações subjetivas(internas). Lembrando que “[...] a transação subjetiva depen-de, de fato, das relações para com o outro, constitutivas datransação objetiva [...].”33 Portanto, existe um constante ajusteou acomodação entre “como eu me vejo”, “como as pessoasme vêem” e as expectativas advindas dessas relações. Alémdo processo de configurações da “identidade para si” e“identidade para o outro”, as transações objetivas (externas)e subjetivas (internas) também demonstram formasrelativamente estáveis, mas evolutivas, passíveis detransformações.

Apesar de sua capacidade de transformação aolongo do tempo, a identidade não é definida pelo o que oindivíduo é, mas sim pelo o que ele faz, pelo ‘fazer’, tomadapor predicativos. Antes de ser professor porque ministra aulas,aquele indivíduo é professor como um traço estático, suaidentidade será estruturada com base nesse determinante,pois há uma expectativa generalizada de que alguém deveagir de acordo com suas predicações, no caso, com “o quese espera de um professor”.34

Por esse caminho é que a identidade profissionalaparece sob predicativos associados ao que se espera de

32 DUBAR, 2005, p. 140 [grifomeu].

33 DUBAR, 2005, p. 140.

34 CIAMPA, 1999.

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determinados profissionais de acordo com a própriaidentidade de sua área de atuação e, particularmente, desua identidade de gênero. Em termos gerais, podemos definiridentidade profissional por questões envolvidas ‘ao que seespera de um profissional’, mas não confundam comsimplesmente a função social de determinado profissional.A identidade profissional vincula-se a um contexto maisamplo que envolve o processo histórico de desenvolvimentoda profissão em questão, o que em alguns casos como umaprofissão inserida em um meio acadêmico e científico gerarelações com a história da área, suas transformações perantea ciência e a sociedade. Amélia Lopes et al.35 delimitam aidentidade profissional como uma identidade socialparticular ligada ao lugar da(s) profissão(ões) e do trabalhono conjunto social.

Antonio Melucci36 apresenta pontos de semelhançacom a teoria de Dubar quando este discute o elo entre aautoidentificação e a necessidade de pertença a um grupo.Como afirma Melucci, temos necessidades específicas queforam inseridas em nosso comportamento, temos sede de Ae podemos vestir somente o B. O conjunto de necessidadesdo indivíduo é regulamentado pelo contexto no qual estáinserido, assim, para reconhecermos nossas necessidadescomo indivíduos, precisamos nos integrar às redescomunicativas que lhes dão origem: a família, o trabalho,as amizades etc. O grupo torna-se a regra obrigatória naqual precisamos nos inserir para saber quem somos.

Ao nos inserirmos em um grupo, esse deve ser referênciapara definirmos nossa identidade, diferenciando-nos dosoutros e permanecendo nós mesmos. A autoidentificaçãoparte de um reconhecimento intersubjetivo, ou seja, a possibi-lidade de distinguirmo-nos dos outros deve ser reconhecidapor esses ‘outros’. A nossa autoidentificação alicerça-se nogrupo ao qual pertencemos, nas possibilidades de situar-nos dentro de um sistema de relações. A construção daidentidade depende do retorno de informações vindas dosoutros. A idade adulta é o momento que conseguimos produzir,de modo autônomo, aquilo que antes necessitávamos receberdos outros. Na idade adulta temos a capacidade deproduzirmos novas identidades, integrando passado epresente, além dos múltiplos elementos do presente.37

[...] nossa identidade é, em primeiro lugar, umacapacidade autônoma de produção e de reconhe-cimento do nosso eu: situação paradoxal, porque setrata, para cada um de nós, de perceber-sesemelhante aos outros (portanto, de reconhecer-se eser reconhecido) e de afirmar a própria diferençacomo indivíduo. O paradoxo da identidade é que adiferença, para ser afirmada e vivida como tal, supõeuma certa semelhança e uma certa reciprocidade.38

35 LOPES et al., 2004.

36 Antonio MELUCCI, 2004.

37 MELUCCI, 2004.

38 MELUCCI, 2004, p. 46-47.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

As configurações identitárias e os processosdiscriminatórios sobrepõem-se no processo de socialização.O desenvolvimento de uma carreira profissional permite àsmulheres uma expressão identitária que, muitas vezes, nãoé compatível à identidade rigidamente imposta comomodelo feminino de comportamento e atuação no mercadode trabalho. Há um distanciamento entre a “identidade parasi” e a “identidade para o outro”. A partir desse questiona-mento, infere-se a emersão de conflitos originados porprocessos discriminatórios que levam muitas mulheres àimpossibilidade de acesso a determinadas carreiras ouinserção em certos escalões de sua própria área de trabalho.Devemos lembrar que, historicamente, as mulheres, assimcomo os homens, foram remetidas a campos de atuaçãoespecíficos, considerados adequados ao seu sexo, noentanto, diferentemente do caso do parâmetro masculino,essas funções estiveram associadas a um status profissionalabaixo dos homens.39

Como uma ponte entre as duas identidades expostaspor Claude Dubar, Joan Scott40 salienta a necessidade dediscutirmos uma terceira identidade que é representativade grupos. Para a autora, existem alguns paradoxos querodeiam a relação entre a “identidade do indivíduo” e a“identidade do grupo”. Em seu texto O enigma da igual-dade, ela busca decifrar esses paradoxos e explicá-los comexemplos concretos de como essas identidades permearama história da discriminação contra as mulheres.

Alguns defendem a ideia de que grupos impossibi-litam tratarmos os outros como indivíduos, pois esses devemser avaliados por eles mesmos e não por característicasatribuídas a eles como membros de um grupo. A Constituiçãoe a Carta dos Direitos legitimam a posição rígida de que aigualdade só pode ser implantada quando os indivíduossão julgados como indivíduos, no entanto, assumem aigualdade como sendo simplesmente a igualdade deindivíduos perante a lei. O outro lado diz que os indivíduosnão serão tratados com justiça até que os grupos com osquais eles são identificados sejam igualmente valorizados,sobretudo, porque enquanto o preconceito e a discriminaçãopermanecerem, os indivíduos não serão todos avaliadosde acordo com os mesmos critérios: “[...] a eliminação dadiscriminação requer atenção ao status econômico, políticoe social dos grupos [...]”41.

A questão está justamente em percebermos que a“identidade do grupo” traz vantagens e consequências à“identidade do indivíduo”. Primeiramente, como categorizaros grupos de forma que todas as diferenças individuais queos compõem sejam atendidas ou ao menos identificadas?Nenhuma categoria consegue abarcar os diferentes tipos

39 Elza NADAI, 1991; BRUSCHINI eLOMBARDI, 1999; e SORJ, 2004.40 SCOTT, 2005.

41 SCOTT, 2005, p.13.

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de pessoas que pertencem ao grupo. Todavia, a autonomiaindividual de uma mulher ou de um homem negro, ou deuma mulher ou homossexual depende do respeito assegu-rado pelos grupos que os representam, isso porque asreivindicações de igualdade envolvem um mecanismo deluta que procede coletivamente.

A identidade de grupo pode ser caracterizada porum campo de trabalho em comum, no qual as mesmascondições salariais, de status social etc., levam à busca dedireitos por reivindicações que irrompem a uma identidadeúnica, não mais como indivíduos, mas como profissionaisrepresentantes de uma classe. Na França, em 1848, quandotrabalhadores social-democratas exigiam o voto universalmasculino, era como trabalhadores e não como indivíduosque esses homens exigiam reconhecimento de seus direitosindividuais.

As identidades de grupo são um aspecto inevitávelda vida social e da vida política, e as duas sãointerconectadas porque as diferenças de grupo setornam visíveis, salientes e problemáticas em contextospolíticos específicos. É nesses momentos – quandoexclusões são legitimadas por diferenças de grupo,quando hierarquias econômicas e sociais favorecemcertos grupos em detrimento de outros, quando umconjunto de características biológicas ou religiosasou étnicas ou culturais é valorizado em relação aoutros – que a tensão entre indivíduos e gruposemerge. Indivíduos para os quais as identidades degrupo eram simplesmente dimensões de umaindividualidade multifacetada descobrem-setotalmente determinados por um único elemento: aidentidade religiosa, étnica, racial ou de gênero.42

Por essa via de argumentação, a autora deflagraque a identidade profissional é uma forma necessária deautoidentificação, por mais que essa, como uma identidadede grupo, também seja insuficiente para representar asdiferenças de interesses e expectativas individuais. Seperguntarmos a uma feminista os motivos de suas reivindi-cações, ela nos diria que simplesmente para superar omodelo de mulher determinado pela sociedade. No entanto,nas suas lutas por igualdade, como qualquer feminista, elareivindica direitos em nome do grupo Mulheres. Assim, aidentidade coletiva deve ser concebida como algoinevitável, pois a organização social engloba o indivíduo,e torna-se um meio de protesto contra a discriminação e, aomesmo tempo, um meio através do qual as identidadesindividuais são articuladas.

No decorrer da década de 60, a participaçãofeminina na carreira de historiadoras nos Estados Unidos

42 SCOTT, 2005, p. 18.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

mostrou um processo de reivindicações realizado pelasfeministas sob a acusação de que as historiadoras eramconsideradas diferentes dos historiadores no meioacadêmico-científico, a partir do momento que o seu sexoinfluenciava suas oportunidades profissionais. Essadiscriminação foi questionada como fator que não deveriaexistir quando se assume a profissão como uma práticaespecializada, baseada na posse de um extensivoconhecimento adquirido através da educação. No entanto,Scott43 salienta dois aspectos que são inseparáveis nadefinição de profissão. Um deles é a natureza doconhecimento produzido, nesse caso a história. O outroenvolve os requisitos necessários para ser um/a historiador/a, ou seja, a seleção dos/as capacitados/as, o que reforçaos padrões mantidos pelos membros da profissão.

Para os historiadores profissionais do século XX, ahistória envolve uma investigação desinteressada, imparciale universalmente disponível para quem quer que tenhadominado os procedimentos científicos requeridos, pois odomínio não pode ser uma questão de estratégia ou depoder, mas apenas de educação e treinamento. A qualida-de de membro na profissão histórica confere responsabili-dade aos indivíduos que se tornam guardiães daqueleconhecimento que é o seu campo de ação especial. Aguarda e o domínio são a base para o poder de determinaro que conta como conhecimento e quem o possui.

Não somente através desses requisitos de seleção,as profissões e as organizações profissionais são estruturadashierarquicamente, assim há padrões dominantes queoperam para incluir alguns e excluir outros da qualidadede membros. “O ‘domínio’ e a ‘excelência’ podem ambosexplicitar julgamentos de capacidade e desculpasimplícitas para tendências viciosas; na verdade, osjulgamentos de capacidade estão com frequênciaentrelaçados com avaliações de uma identidade socialdo indivíduo que são irrelevantes à competênciaprofissional.”44 O que Scott45 nos mostra é o fato de que asfeministas acusavam a presença da “discriminação”,dirigindo questões que deveriam ter uma neutralidade naprofissão, em si a própria ciência deveria ser neutra e ressaltara competência de indivíduos, indiferentemente de seu sexo,etnia ou classe social.

A partir do que foi exposto por Joan Scott percebemosque as questões envoltas à identidade profissional podemser visualizadas sob dois focos principais: a “identidade deuma profissão” e a “identidade profissional de um indivíduo”que desenvolva uma carreira, ressaltando que essasapresentam relações com a identidade de grupo e aidentidade do indivíduo. A identidade de uma profissão –

43 SCOTT, 1992.

44 SCOTT, 2005, p. 71.45 SCOTT, 2005.

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sua configuração histórica como área feminina ou mascu-lina, seu status adquirido, as suas transformações atuais etc.– é inseparável da identidade profissional que um indivíduopode expressar enquanto parte de um grupo representativodessa profissão.

Uma mulher que escolhe uma profissão, que teve emsua origem e desenvolvimento uma caracterizaçãomasculina, deverá possuir os atributos valorizados no contextode trabalho dessa carreira e a esses ela deverá se adaptar,pois esses aspectos normalmente são estimulados ou mesmodirigidos somente aos homens em sua educação. Especifica-mente estamos falando de uma linguagem própria quetambém é um veículo de segregação do mundo masculinoe feminino e que é transposto a esses ambientes de trabalhocomo uma forma de preservar aquela determinada atuaçãoprofissional como unicamente dos homens.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

A utilização dos termos ‘mundo masculino’ e ‘mundofeminino’ por vezes no decorrer do texto não visa a reduzir astensões entre os sexos a uma perspectiva binária, mas é uminstrumento importante para localizarmos onde ainda seformam os polos principais de tensão, portanto, essadiscussão não se exauriu e necessita ser lembrada ediscutida. Nas relações de gênero, sobretudo ao que tangeà discriminação sexual, existem diversos paradoxos econtradições que inviabilizariam o reducionismo binário depoder.

Apesar de todas as transformações sociais ocorridasnos últimos anos, os polos principais de tensão ainda semanifestam na discriminação dirigida à mulher. Saffiotisubsidia essa afirmação quando argumenta que apesardo capitalismo ter levado ambos, tanto homens comomulheres à subordinação no mercado de trabalho, ainda ésobre a mulher que recai o patriarcado mantido emdiferentes instituições. E algumas das contradições eparadoxos pertinentes a esse campo de tensão referem-seao fato que, mesmo frente à evidente inserção das mulheresno mercado de trabalho, ao acesso à escolaridade e àcapacitação profissional, ainda o que pesa nas relações éa questão de gênero.

Os homens ganham mais nas mesmas profissões queas mulheres.46 Na inserção do mercado de trabalho, comcurrículos melhores, elas são desclassificadas no páreo comoutros homens.47 Essa constância nas diferenças entrehomens e mulheres no mercado de trabalho demonstra quemuito há que se discutir, propor transformações e implantá-las com mudanças graduais.

46 BRUSCHINI e LOMBARDI, 1999 e2000; e BRUSCHINI, 2007.47 BIDERMAN e GUIMARÃES, 2004.

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IDENTIDADE DE GÊNERO E IDENTIDADE PROFISSIONAL NO CAMPO DE TRABALHO

Este texto buscou expor ideias e discutir algumas dasdiscrepâncias existentes entre homens e mulheres nomercado de trabalho, discussão consistentementedesenvolvida pelos estudos feministas. No entanto, essasdiscussões não podem ser deixadas para segundo tempo,devem ser relembradas e reavaliadas.

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[Recebido em fevereiro de 2008 e aceito para publicação em novembro de 2009]

Feminine and Masculine Professions do Exist: Gendered Obstacles to ProfessionalFeminine and Masculine Professions do Exist: Gendered Obstacles to ProfessionalFeminine and Masculine Professions do Exist: Gendered Obstacles to ProfessionalFeminine and Masculine Professions do Exist: Gendered Obstacles to ProfessionalFeminine and Masculine Professions do Exist: Gendered Obstacles to ProfessionalInsert ionInsert ionInsert ionInsert ionInsert ionAbstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: This paper presents an analytical reflection on several gender theories in an attemptto identify the main issues related to women in labor market. The article also discusses some ofthe gender limitations women have stumbled upon in their professional insertion and in theirascending in their careers.Key Words: Key Words: Key Words: Key Words: Key Words: Women; Gender; Labor Market; Discrimination.