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Texto inédito. Não reproduzir sem autorização dos autores UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA Pesquisa Social em Saúde: lições gerais de metodologia – a elaboração do plano de pesquisa como momento particular da trajetória teórico-metodológica Trabalho apresentado ao 2 º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde, ABRASCO/Depto de medicina Preventiva da EPM – UNIFESP, São Paulo, 7 a 10 de dezembro de 1999. Maria Josefina Leuba Salum Vilma Machado de Queiroz Cássia Baldini Soares SÃO PAULO 1999 1

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Texto inédito. Não reproduzir sem autorização dos autores

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOESCOLA DE ENFERMAGEM

DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA

Pesquisa Social em Saúde: lições gerais de metodologia – a elaboração

do plano de pesquisa como momento particular da trajetória teórico-metodológica

Trabalho apresentado ao 2º

Congresso Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde, ABRASCO/Depto de medicina Preventiva da EPM – UNIFESP, São Paulo, 7 a 10 de dezembro de 1999.

Maria Josefina Leuba SalumVilma Machado de QueirozCássia Baldini Soares

SÃO PAULO1999

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Texto inédito. Não reproduzir sem autorização dos autores

DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVAESCOLA DE ENFERMAGEM DA USP

Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - CEP 05403-000 São Paulo, BrasilTel: (011) 30667652/ Fonefax: (011) 30667662

Prof. Maria Josefina (Suzy) Leuba Salum ([email protected])Prof. Vilma Machado de Queiroz ([email protected])

Prof. Cássia Baldini Soares ([email protected])

Pesquisa Social em Saúde: lições gerais de metodologia - a elaboração do plano de pesquisa como momento particular da

trajetória teórico-metodológica1

I – Considerações iniciais

O pós-graduando, ao re-ingressar na universidade, e especialmente

numa universidade pública, se vê envolvido num percurso pedagógico

de estudo e renovação teórica que fundamenta a sua responsabilidade

de responder à exigência formal de realizar uma investigação científica:

se de um lado, esse trajeto lhe acrescentará conhecimentos e práticas,

de outro, deverá acrescentar conhecimento no campo em que pretende

se aperfeiçoar.

Nesse desenvolvimento, uma das tarefas a cumprir é a de apresentação

daquele que deve ser o seu plano de pesquisa. Como qualquer prática

social, a pesquisa não está livre das vicissitudes e problemas do

trabalho humano; no entanto, um plano de pesquisa bem elaborado

certamente favorece a realização de um percurso investigativo menos

conturbado.

Os textos de metodologia de pesquisa trazem as indicações para

organizar e sistematizar esse trabalho. O seu estudo não deve ser

1 Este trabalho reúne os conteúdos que vêm apoiando a discussão da temática “Bases para a elaboração do projeto de pesquisa”, durante o ensino de Metodologia de Investigação em Saúde Coletiva e a orientação de pesquisadores iniciantes ou pós-graduandos na Área de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. Resulta da experiência acumulada no ensino de metodologia de pesquisa, de 1993 a 1998, pelas professoras Vilma Machado de Queiroz e Maria Josefina Leuba Salum. Em 1998 e 1999, foi atualizado, sistematizado e reordenado pelas professoras Maria Josefina Leuba Salum, Vilma Machado de Queiroz e Cássia Baldini Soares que, em 1998, passou a integrar o grupo de professores responsáveis por esse ensino.

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dispensado com a apresentação deste trabalho, cujo intuito é o de dar

conhecimento das diretrizes ético-políticas e teórico-metodológicas sob

as quais vimos desenvolvendo esse momento particular da trajetória da

pesquisa no ensino e na orientação de projetos e, sob essas diretrizes,

orientar a elaboração do trabalho final – a edição do texto do plano de

pesquisa.

Assim é que, ao fornecer as pistas para a realização do plano de

pesquisa, trataremos de algumas questões que nos parecem

fundamentais para dar sentido ao cumprimento de uma tarefa que é

apenas o início de um trajeto denso e de significado social nem sempre

muito claro no momento em que o jovem pesquisador se vê diante do

apelo para produzir conhecimento na universidade pública.

O conteúdo aqui exposto foi sendo produzido ao longo de um tempo em

que, no interior da prática acadêmica, buscamos superar o movimento

pendular que tem feito a pesquisa sucumbir ao extremo de que

qualquer coisa serve ou tudo é relativo. Não tendo nenhum medo de

estar contra a corrente do nosso tempo2 (o relativismo absoluto dos

encaminhamentos pós-modernos na construção do conhecimento e a

banalização da abordagem qualitativa em ciência), não transigindo em

idéias, não aceitando nenhuma diluição de princípios (reafirmando a

pertinência do método como estruturador do trajeto da investigação, a

consistência, o rigor teórico-metodológico e o compromisso ético-

político do pesquisador, como ferramentas para a construção de uma

ciência humanizadora, e o trabalho de produção de conhecimento

inscrito no espaço que articula ensino/pesquisa e extensão de serviços)

e não aceitando nenhuma instituição estabelecida como imutável (a

utilização da pesquisa como instrumento do poder e da escalada

2 Esta e as demais frases de comando mencionadas nesse parágrafo têm sido a baliza para os nossos encaminhamentos; são as lições que aprendemos com o Prof. Perry Anderson na sua análise acerca da trajetória avassaladora da proposta do neoliberalismo (ANDERSON, 1995).

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burocrática na academia), estruturamos a discussão em quatro

momentos.

Num primeiro momento, dialogando com os autores que se

empenharam em integrar o projeto da ciência como parte das idéias

produzidas pelo homem para satisfazer suas necessidades materiais ao

longo do processo de hominização, (PINTO, 1979) empenhamo-nos em

evidenciar a complexidade e a densidade que caracterizou a construção

deste projeto, com a preocupação especial de levar ao reconhecimento

de que a ciência não é um nome: é um projeto histórico, construído sob

diretrizes ético-políticas e teórico-metodológicas.

Num segundo momento, priorizamos a discussão em torno do caráter

ético e político da pesquisa na universidade, em defesa da universidade

pública, a quem a sociedade conferiu a responsabilidade de produzir e

reproduzir o conhecimento que favoreça o pleno desenvolvimento

humano e social - a sociedade exige que o cientista lhe preste contas do

que faz (PINTO, 1979).

Num terceiro momento, priorizamos a discussão em torno da defesa

das prescrições teórico-metodológicas que o projeto da ciência tão bem

soube arquitetar, buscando, de um lado, superar a hipertrofia e o

engessamento do método científico e, de outro fazer a crítica do pós-

modernismo em ciência, posturas estas que, no nosso entender, abriram

brechas para a desqualificação inconseqüente das potencialidades e da

contribuição do método científico em pesquisa.

Num quarto momento - não como receita, mas como indicação -

estabelecemos um conjunto de lições para orientar a elaboração do

plano de pesquisa, no pressuposto de que, ao integrar a tríade ciência-

pesquisa-universidade, a produção de conhecimento, através da

pesquisa, deve se dispor como um dos instrumentos de emancipação

humana e social e de recomposição dos laços de solidariedade

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destruídos pelo projeto da globalização subordinada que invadiu as

últimas décadas do século XX (TAVARES, 1999).

Preparando-nos para ingressar no primeiro momento da discussão,

queremos que fique claro que a necessidade de fundamentar a pesquisa

numa dada concepção teórico-filosófica (que lhe confere um dado

sentido ético-político) e conduzi-la de modo sistemático e rigoroso (que

lhe confere o caráter teórico-metodológico) não é uma inovação ou

privilégio do campo da Saúde Coletiva, embora tais preocupações

tenham se disseminado neste campo através do debate sobre a história

do conhecimento e a epistemologia (a teoria do conhecimento) travado

contemporaneamente pelos pensadores do final deste século.

II - O primeiro momento: a ciência não é um nome, é uma prática histórica e submete-se a diretrizes ético-políticas e teórico-metodológicas

Olhemos com cuidado para o longo processo de constituição e de

negação do projeto da ciência, reconhecendo que este projeto

revolucionou a compreensão e a intervenção na realidade, do ponto de

vista lógico e, por conseqüência, do ponto de vista metodológico. Tal

investida poderá ser o primeiro passo para reconhecer que o trajeto da

investigação que se desencadeia na adesão a um curso de pós-

graduação ou a um processo de iniciação científica é um campo minado

por diretrizes teórico-metodológicas e ético-políticas.

Chamamos a atenção para a consideração de que as observações que

aqui se seguem devem ser tomadas apenas como referências que

localizam e introduzem preliminarmente o leitor aos aspectos mais

gerais que permitem evidenciar a complexidade histórica, o significado

social e a profundidade teórica que caracterizou a construção do

conhecimento a partir do nascimento da ciência. Para evitar

reducionismos na compreensão do processo de construção do

conhecimento, alertamos para que, minimamente, tomem como tarefa

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de estudo os textos dos autores em que nos baseamos para realizar

essa primeira incursão, entre eles especialmente os textos dos Profs.

Álvaro Vieira Pinto, considerado o primeiro representante da Filosofia

no Brasil (PINTO, 1985), Maria Amália Andery e outros da PUC-São

Paulo (ANDERY et al., 1988), Antônio Joaquim Severino da FEUSP

(SEVERINO, 1993).

Muito antes de a ciência despontar como um projeto de produção do

conhecimento, era a filosofia - sob a abordagem metafísica3 - a

disciplina que realizava esta tarefa. Nesse sentido, os filósofos clássicos

que, na antigüidade, rompiam com o pensamento mítico e religioso -

Sócrates, Platão e Aristóteles - já traziam à baila a função social do

conhecimento e a possibilidade de produção de conhecimento pelo

homem, desde que guiado por um método (o diálogo em Sócrates, o

diálogo e seus dois momentos - a refutação e a maiêutica - em Platão e

o raciocínio indutivo facultado pela razão intuitiva para o

estabelecimento do conhecimento científico na lógica clássica de

Aristóteles) (ANDERY et al., 1988).

A ruptura entre filosofia e ciência começou a ser gestada no período

helenístico no século IV a .C., quando da invasão da Grécia pela

Macedônia. Naquela época, as escolas filosóficas abandonaram “a

preocupação com a política e com a cidade e voltaram-se para o

indivíduo (...), [com o movimento do epicurismo, do estoicismo e do

ceticismo. Constituiu-se, porém, sob] a nova organização imperial (...),

pela primeira vez na história, uma instituição de caráter científico, [o

Museu de Alexandria], (...) organizada e financiada pelo Estado (...)

[que], (...) inicialmente, sofreu influências do pensamento aristotélico

3 "A explicação metafísica tem por base a convicção (...) de que (...) cada ser, cada indivíduo é do jeito que é, porque, ao existir, ele está realizando uma essência (...) [que,] (...) no caso do homem (...) terá conseqüências radicais (...) é essa essência que preestabelece qual deve ser o modo de agir do homem (...) [havendo] uma harmonia entre a razão que conhece e as essências que são conhecidas! Os homens estão aquinhoados, na sua essência com uma razão que lhes permite apreender, recorrendo apenas à sua luz natural (...) Pouco importava se eram essências criadas por Deus ou se existindo eternamente: elas eram imutáveis, servindo de modelo e de molde para as coisa concretas (...) (SEVERINO, 1993, 77-80)."

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(...) não abordou todas as áreas de conhecimento abarcadas no período

clássico, abandonou a preocupação dirigida para o social e concentrou-

se na investigação da natureza. (...) [No Museu a observação e a

experimentação como alternativas metodológicas conviviam com a

especulação do conhecimento abstrato] e a noção de que a base última

da ciência, o seu critério de verdade, estava fundado na consistência

das explicações e no seu rigor lógico. (...) Durou cerca de seiscentos

anos, sendo os dois primeiros os mais importantes (...) entrou em

decadência (...) quando o Estado deixou de patrociná-lo. (...) (ANDERY

et al., 1988, p. 111-7)”.4

O projeto da ciência foi se restaurar somente após o período medieval,

no século XVIII, com o movimento do Iluminismo, que definitivamente

colocou em xeque o conhecimento metafísico, puramente filosófico da

antigüidade. "Movimento filosófico, também conhecido como

Esclarecimento, Ilustração ou Século das Luzes, (...) [o Iluminismo foi

se aperfeiçoar] notadamente na França, Alemanha e Inglaterra no

século XVIII, caracterizando-se pela defesa da ciência e da

racionalidade crítica, contra a fé, a superstição e o dogma religioso

(JAPIASSÚ; MARCONDES, 1991)”. Insurgia-se contra a dominação da

Idade das Trevas, “contra as formas anteriores de controle ideológico

obscurantista (...) [contribuindo] significativamente (...) para o

desenvolvimento prático [revolucionário e transformador] da Revolução

Industrial. (...) (MÉSZÁROS, 1996, p. 240);” fazia a crítica da

organização social dominante durante 10 séculos – a organização feudal

- em que a Igreja, ocupando o topo da hierarquia social, detinha o poder

econômico e o monopólio do saber (ANDERY et al., 1988).

Nos séculos anteriores (sécs. XVI e XVII), que gestaram a rejeição ao

pensamento feudal, período de transição entre o período das trevas e o

nascimento do capitalismo, preparando o terreno para a consolidação

4 São representantes clássicos do Museu, Euclides, na matemática, Arquimedes na Física, Aristarco de Samos, Ptolomeu e Hiparco, na Astronomia, Herófiloe Galeno, na Medicina.

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do movimento iluminista, um conjunto de pensadores progressivamente

estabeleceram as bases do percurso sistematizador da construção do

conhecimento, defensores dos poderes da razão que eram, e atraídos

pelas possibilidades de ordenação do raciocínio que a matemática

oferecia. Estão elas representadas nas formulações de Bacon (que

propôs a indução como método de investigação e estabeleceu o método

experimental de pesquisa das causas naturais), de Galileu (que

protagonizou o nascimento da ciência moderna, defendendo a

relevância da observação e da experimentação e matematizando o

percurso de construção do conhecimento), Descartes (que estabeleceu

as regras metodológicas em torno de duas operações intelectuais: a

intuição e a dedução) e Newton (que propôs a dedução de hipóteses a

partir dos fenômenos, a observação como critério para a produção e a

aceitação do conhecimento; a possibilidade de quantificação dos

fenômenos; a utilização da análise e da síntese, através da indução,

para explicar os eventos naturais) (ANDERY et al., 1988, JAPIASSÚ;

MARCONDES, 1991).

Assim é que, sob a tutela dos encaminhamentos de Bacon, Galileu,

Descartes e Newton, marcado pelos conflitos que caracterizaram a

desagregação do sistema feudal e pelas intensas transformações

geradas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, o projeto

iluminista sistematizou o eixo da busca da verdade, do conhecimento

sobre o real, fundamentando-se no uso da razão, em oposição à

possibilidade de conhecer a realidade, sob as trevas (na perspectiva

essencialista da metafísica), sob a iluminação divina (representado pela

produção de Santo Agostinho) ou como possibilidade da razão em apoio

a verdades de Fé (representado pela produção de Santo Tomás de

Aquino) (ANDERY et al., 1988). De um lado, foi gestado na tradição do

subjetivismo (que se refere ao sujeito) idealista (que se refere a

consciência) de René Descartes e seus seguidores (Leibniz, Espinosa

Malebranche e Wolff), que advogaram a capacidade do sujeito de

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conhecer o real, dada a sua possibilidade de pensar e de uso da razão: o

real só é conhecido porque já “está presente no âmbito de nossa

consciência”. (SEVERINO, 1993, p. 102). De outro lado, esteve

presente na produção de Berkeley, Hume e Locke, inscritos na tradição

do subjetivismo (que se refere ao sujeito) empirista (que se refere ao

que procede da experiência imediata) que, contestando os

superpoderes da consciência, advogaram que ela – a consciência -

acumula o conhecimento através das idéias sim, mas que não são

inatas: constróem-se em nossa consciência a partir das “impressões

sensíveis [que nela] vêm registrar (...) [as] imagens [do real]

(SEVERINO, 1993, p. 102).

Enquanto corrente filosófica, o Iluminismo se aperfeiçoou com a

"unificação desses dois caminhos, [na figura de] Immanuel Kant,

pensador alemão, o nome mais representativo do Iluminismo (...). [Para

Kant] o conhecimento (...) [se constitui em] um ato único, com duas

dimensões, uma empírica e uma teórica (...); para conhecer, o homem

precisa da experiência sensível, única fonte do conteúdo empírico, mas

precisa também da estruturação lógica, independente da experiência

que organize esses dados empíricos (...) A conclusão [é a de] que só o

conhecimento científico tem sustentação, enquanto a metafísica não

tem nenhuma garantia. (...). Kant forneceu assim as bases teóricas do

conhecimento científico, o fundamento epistemológico da ciência e de

sua expressão filosófica na modernidade, o positivismo.” (SEVERINO,

1993, p. 104-5).

Augusto Comte, o pai do positivismo, “extrai as conseqüências

operacionais da filosofia de Kant e apresenta uma proposta de

sistematização das ciências (...) profundamente influenciado pelo êxito

concreto da ciência newtoniana (...) (SEVERINO, 1993, p. 107)". O

século XVIII assistia a expansão do modelo newtoniano, expansão esta

que, dadas as particularidades da investigação em outros campos de

conhecimento, era questionada por vários pensadores franceses, que

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pagaram pela sua insubordinação com o exílio ou com a proibição de

divulgação de suas obras: foi o caso de Voltaire, Diderot, Rousseau e La

Mettrie. O modelo newtoniano foi se consolidar com a sua adoção por

Augusto Comte que erigiu a matemática como base para todas as

ciências, propondo um método único, isto é, a “aplicação de

procedimentos [sejam de experimentação, comparação, classificação]

que levem à descoberta e descrição das leis que regem os fenômenos a

partir dos fatos e do raciocínio que permitem relacioná-los segundo

estas leis (...) (ANDERY et al., 1988, p. 394).

Na verdade, sob a influência de três pensadores que erigiram a ciência

como matriz do desenvolvimento da sociedade – Saint-Simon,

Condorcet e Montesquieu – Comte buscou no Iluminismo a força da

razão e a contraposição à metafísica, submetendo a análise dos

fenômenos sociais à lógica formal que rege as mesmas leis naturais da

física, sustentada pelo princípio da não-contradição do real.

Naturalizando o social, advogou que o progresso e a ordem social

estavam intimamente articulados ao desenvolvimento da ciência

(LÖWY, 1999).

Para a ciência positivista, o conhecimento só é válido se construído

através da observação metódica da ordem dos fatos “que só se

transformam em conhecimento científico porque os homens os

associam com hipóteses através do raciocínio (...) [estabelecendo assim]

(...) as leis gerais e invariáveis a que estes estão submetidos” (...)

relações [que] excluem tentativas de descobrir a origem, ou uma causa

subjacente aos fenômenos (...). [Dessa forma, chega-se a um]

conhecimento real, útil (...) positivo (...), [porque reconhece a ordem da

natureza e possibilita nela intervenção em seu benefício] (...), sempre

certo (...), que sempre tem algum grau de precisão (...), [porém ao

mesmo tempo] (...) relativo (...) [pois que é limitado] (...) pelo (...)

aparato sensorial [do homem] (ANDERY et al., 1988, p. 385-9)".

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Assim considerada, a ciência positivista preparou o terreno para o

progresso daquele que era o modo de organização social emergente, o

capitalismo, realizando o “(...) casamento da ciência com a tecnologia

produtiva (...) [que contaminou a produção de conhecimento no século

XX – já diagnosticado por Rousseau, muito antes de Marx.] O

positivismo acrítico (...) formulado nas doutrinas de Augusto Comte e

seus seguidores (...) foi elevado a um status ideal, eliminando

radicalmente a dimensão histórica da visão de mundo dominante. (...) O

grande sucesso que o positivismo (e o ‘neopositivismo’) vem gozando

desde então sob uma grande variedade de formas, de sua versão

original até as modas ideológicas recentes do funcionalismo estrutural

e do estruturalismo, deve mais a esta liquidação radical da dimensão

histórica – e logo, crítica – do que a qualquer outra coisa” (MÉSZÁROS,

1996, p. 240-5).5

Por isso mesmo é que o projeto da ciência, por referência ao projeto do

Iluminismo, deu conta de superar as limitações do conhecimento

filosófico metafísico, que deu sustentação ao projeto feudal, colocando

esse conhecimento a serviço do projeto revolucionário do capitalismo;

conservou os princípios formais de construção e interpretação do

conhecimento (a lógica formal, que explica “o mundo pela causalidade

linear, característica do mundo mecânico típico da ciência clássica

(ARANHA; MARTINS, 1993, p.90)”, e por conseqüência os “três

grandes pressupostos do conhecimento científico (...): o determinismo

universal, o naturalismo e o racionalismo (SEVERINO, 1993, p. 125)”.

Tais princípios passaram a ser questionados na sua pretensão de dar

conta da análise do real com Hegel que resgata, na verdade, o

pensamento de um filósofo pré-socrático, Heráclito, para quem o fogo

era o elemento central do mundo, expressando a sua contínua

5 A corrente funcionalista no campo da Saúde, representada principalmente por Talcott Parsons, influenciou durante muitos anos a produção nacional na área da Enfermagem e da Medicina Social (GARCIA, 1989).

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transformação e movimento, evidenciando um novo princípio lógico: o

princípio da contradição (SEVERINO, 1993), por oposição ao princípio

aristotélico da não-contradição, conservado no positivismo.

Questionaram-se as leis mecânicas e o princípio da regularidade,

linearidade e naturalidade do real, recorrendo-se a outras “leis que não

se situam no plano da determinação metafísica nem no plano da

necessidade científica e nem se formalizam mais na linearidade da

lógica formal (...) (SEVERINO, 1993, p. 138).”

Assim é que, se Kant influenciou decisivamente o projeto da ciência, foi

Hegel, filósofo alemão pós-kantiano,6 que liderou o movimento que a

ele se contrapôs, sem o negar totalmente, consolidando na

contemporaneidade “um esforço para instaurar um novo modo de

pensar de maneira a constituir uma imagem que integre os aspectos

válidos (...) [da metafísica e da ciência] (...) numa síntese que (...)

[compreenda a realidade] (...) nem como um conjunto de entidades

metafísicas, eternamente determinadas, nem como um conjunto de

entidades naturais, determinadas pelas leis mecânicas da natureza

física. Em verdade, (...) [a nova tradição, a tradição dialética afirma que

a realidade] (...) é tudo isso, mais ainda é muito mais: ela vai se

constituindo num processo histórico resultante a cada momento, de

múltiplas determinações e esse movimento de constituição decorre de

forças contraditórias que atuam no interior dessa própria realidade

(SEVERINO, 1993, p. 133).” Tomando a contradição como elemento

central, o pensamento hegeliano, ainda construído sob a concepção

idealista de homem - o pensamento (a idéia) precede a realidade (a

matéria) - deve ser compreendido no interior do movimento filosófico ao

qual se engajava, ao lado de intelectuais idealistas alemães

6 [Opondo-se à supremacia da razão (...) [do] (...) empirismo inglês (...) [e ao] (...) kantismo no que se refere à impossibilidade de conhecer a coisa-em-si (...) [Hegel postula que a lei do desenvolvimento histórico] (...) válida para todos os seres (...) [supõe] (...) permanente mudança (...) [num processo em que o pensamento contraditório se confronta com a natureza – matéria - resultando numa síntese em que o pensamento reinterioriza] (...) o mundo exterior (...) [superando suas contradições iniciais] (ANDERY et al., 1988, p. 375).

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entusiasmados com os ideais da Revolução Francesa, que buscava “a

libertação do homem como sujeito autônomo, capaz de dirigir seu

próprio desenvolvimento (ANDERY et al., 1988, p. 370-1).” 7

A obra de Hegel foi decisiva para estruturar a nova perspectiva de

produzir conhecimento engendrada por Karl Heinrich Marx que, como

homem do seu tempo, teve sua vida "marcada por um intenso trabalho

intelectual [gestado a partir da sua presença incondicional] (...) na cena

política, participando da organização e das reivindicações da classe

trabalhadora (...). [Integrado, pois, às] (...) propostas de transformação

econômica e política (...) vivendo nos centros nevrálgicos dos

acontecimentos (...), (...) tanto seu conceitual teórico como sua prática

política estão comprometidos com, e são colocados a serviço da classe

trabalhadora. (...) Poder-se-ia afirmar que na análise do capitalismo, das

leis que o constituem e o regem e que, em seu desenvolvimento, levarão

à sua superação, se encontra o cerne do trabalho e da contribuição de

Marx (ANDERY, 1989, p. 402-8)".

E, da mesma forma que o pensamento filosófico kantiano foi decisivo

para que Comte estruturasse o projeto da ciência - à época

revolucionário, pois que sustentava a consolidação da nova forma de

organização social, o capitalismo - o pensamento filosófico hegeliano foi

decisivo para Marx reordenar o projeto da ciência, não como uma nova

ciência (LÖWY, 1999), mas sob um novo engajamento, de modo a dar

suporte a construção de uma nova sociedade. A corrente marxista, tal

como Marx e Engels a encaminharam, colocou sob suspeita os

compromissos ético-políticos do projeto da ciência, vinculando-a a uma

reordenação da tríade ciência-tecnologia-sociedade. Se o positivismo se

comprometera com a ordem e o progresso social, criando tecnologia

7 A sua influência foi, no entanto, atingir tanto pensadores conservadores (de direita) quanto os pensadores revolucionários (de esquerda), os primeiros "campeões do liberalismo (...) [e os segundos] (...) defensores ardorosos da transformação da sociedade. Entre estes últimos, Feuerbach e Marx são os mais ilustres. Lenin dizia: para se compreender Marx, é preciso ter compreendido Hegel." (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1991, p. 116).

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(saberes e práticas) a partir das aspirações de uma dada classe social (a

burguesia) e, portanto, no sentido da manutenção da relações desiguais

entre capital e trabalho, o marxismo dispôs o processo de construção de

conhecimento no sentido da transformação do mundo, a partir das

aspirações das classes trabalhadoras e, portanto, da ruptura com a

exploração do homem no trabalho.

Por oposição ao positivismo em ciência, o marxismo debateu a

regularidade social, a linearidade dos fatos sociais e a perspectiva

burguesa em ciência como pressupostos inexoráveis da busca da

verdade: apropriando-se do princípio da contradição, Marx estruturou a

construção de conhecimento (nas suas análises econômicas) sob a

articulação entre lógica dialética e lógica formal, mas sob a concepção

de que a matéria precede a idéia (que extraiu do pensamento de

Feuerbach: Feuerbach critica o sistema hegeliano por integrar uma

concepção idealista e não materialista de homem), fazendo a crítica da

produção teórica dos economistas clássicos (Adam Smith e Ricardo,

entre outros) e integrando aspectos teóricos da produção daqueles que

faziam a crítica da sociedade burguesa (os socialistas utópicos -

Proudhon, Fourier e Saint-Simon). Contando com a interlocução

contínua com Engels, co-autor em várias obras, editor, companheiro de

lutas e amigo, Marx estruturou suas análises econômicas em um

trabalho meticuloso, rigorosamente conduzido do ponto de vista

metodológico, crítico do formalismo lógico, do reducionismo e da a-

historicidade na apreensão da realidade social (ANDERY et al., 1988).

Na dialética marxista não se julga a "lógica formal enquanto tal (...)

mas o formalismo lógico (...) [que congela o estudo da realidade] (...) no

momento da abstração (...) [regido pela] (...) lógica formal, lógica da

forma, (...) lógica da abstração. Quando nosso pensamento, após essa

redução [abstração] provisória do conteúdo [estudado], retorna a ele

para reaprendê-lo, então a lógica formal se revela insuficiente. É

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preciso substituí-la por uma lógica concreta, uma lógica do conteúdo,

da qual a lógica formal é apenas um elemento, um esboço válido em seu

plano formal, mas aproximativo e incompleto. Já que o conteúdo é feito

da interação de elementos opostos, como o sujeito e o objeto, o exame

de tais interações é chamado por definição de dialética: por

conseguinte, a lógica concreta ou lógica do conteúdo será a lógica

dialética. (...) sem se separar das ciências e dos seus métodos, deverá

ao contrário, elucidar esses métodos, inseri-los numa visão de conjunto

do trabalho e do pensamento da atividade humana (LEFEBVRE, 1975,

p. 83-4).”

Do que até aqui discorremos, podemos depreender que os projetos de

produção de conhecimento que, a partir do século XVI, “humanizaram”

a seu modo a possibilidade de fazer ciência se erigiram sob

determinados preceitos ético-políticos de emancipação social, cada um

no seu tempo e cada qual partidário de uma determinada parcela da

sociedade. Dessa realidade não escaparam nem os defensores da

ciência, nem aqueles que se insurgiram contra o projeto ético-político

que reuniu ciência, tecnologia e sociedade, propondo uma outra direção

para a produção de conhecimento; além disso, tanto num caso como no

outro, o percurso lógico e sistematizado da produção de conhecimento

assumiu papel fundamental.

III – O segundo momento: as diretrizes ético-políticas da

pesquisa

O vôo panorâmico até agora empreendido, como havíamos declarado no

início, teve a finalidade de levar-nos a reconhecer que, ao engajar-se

num centro de pesquisa em que o conhecimento se constitui na

instância nuclear, é preciso que nos empenhemos em compreender não

só o caráter teórico-metodológico da produção e da reprodução do

conhecimento, mas o seu o caráter ético-político, o que implica, no

nosso caso, em reconhecer as relações entre sociedade, universidade e

ciência.

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Implica especialmente em reconhecer a sociedade, a universidade e a

ciência que temos e a sociedade, a universidade e a ciência que

queremos.8 Sem esse cuidado, corremos o risco de empreender uma

viagem sem rumo ou, o que é pior, de enveredar por um rumo, cujo

traçado reforça o que a tríade ciência-tecnologia-sociedade, sob o

manto da tecnocracia e da tecnociência, lograram gerar ao submeter o

desenvolvimento do conhecimento às demandas do capitalismo liberal,

reordenado nas últimas décadas sob o projeto de globalização do

capital, refém do ideário neo-liberal que restaura a destruição e as

perversidades sociais.

“O conceito predominante de universidade, não só mas especialmente

no Brasil, lhe atribuiu uma multiplicidade de atividades-fim, como a

produção do saber de sentido universal ou de sentido aplicado, como a

formação superior de natureza cultural e profissional, assim como

colocar a serviço do interesse social os conhecimentos que desenvolve.

(...) Por décadas, as universidades brasileiras foram hegemônicas no

exercício conjunto dessas funções, mas não é certo que continuarão a

ser. Há quem ache que a universidade deva fazer pesquisa científica,

(...) e que as demais funções que hoje tenta exercer deveriam ser

executadas em outras partes. É possível que isso venha a acontecer, ou,

o seu oposto mais radical, as ciências acabem sendo investigadas em

outras instituições. Partiremos, no entanto, do pressuposto de que

nossa universidade, além das pesquisas científicas, ainda exercerá uma

variedade de funções associadas à educação, à produção e aos serviços

(...). Nossa sociedade, hoje, precisa reverter o processo globalmente

induzido de exclusão econômica e social. A evolução da universidade

está condicionada a essa e outras necessidades e objetivos da sociedade

que a mantém.” (MENEZES, 1996). Mas que sociedade é essa?

8 A esse respeito, remetemos à leitura do artigo publicado nos Anais do 48º Congresso Brasileiro de Enfermagem (QUEIROZ; SALUM, 1996) e ao livro de LUCKESI et al. (1998) em que os autores tratam da sociedade, (da saúde, da enfermagem) e da universidade que temos e que queremos.

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A avassaladora investida do projeto de globalização subordinada que se

fundamentou numa destruição não-criadora (TAVARES, 1999),

maquiada pela necessidade imperiosa do capital de impor

metamorfoses no mundo do trabalho (ANTUNES, 1995), rompeu

definitivamente com os laços de solidariedade social; fragmentou e

dualizou o mundo dos homens, condenando-os a viver décadas de

espanto (SANTOS, 1998) que prenunciam, num primeiro momento, o

extermínio dos que não são úteis ao novo projeto de expansão

financeira do capitalismo e, num segundo momento, o retorno vigoroso

"ao caos sistêmico de que partiu há seiscentos anos, e que foi

reproduzido em escala progressivamente maior a cada transição. [Resta

saber, se] isso significaria o fim apenas da história capitalista, ou de

toda a história humana (ARRIGHI, 1996, p. 371)."

Não se pode mais fechar a vista para a destruição do continente

africano e a progressão assustadora da exclusão social em nossa

sociedade, resultados desumanos do desmonte da nação (LEBAUSPIN,

1999) priorizado pelo projeto neo-liberal para dar sustentação à mão

invisível do mercado e à concentração do processo de acumulação na

circulação e na ciranda do capital financeiro (SADER; GENTILI, 1995).

Sob fogo cruzado, a classe-que vive-do-trabalho, desempregou-se,

fragmentou-se, precarizou-se, subproletarizou-se. (ANTUNES, 1995;

POCHMANN, 1999). A redução do Estado, que é mínimo para a

sociedade e é máximo para o mercado (Estado mini-max, segundo o

Prof. Wanderley Guilherme dos Santos), atingiu frontalmente os gastos

sociais públicos provocando um hiato sem precedentes no processo de

ampliação e extensão dos direitos sociais, representado nas disposições

legais do âmbito das Políticas Sociais Públicas (LAURELL, 1995). O

Brasil privatizou-se com a entrega do patrimônio público, ficou mais

pobre, sob o mito das forças de mercado, (BIONDI, 1999) e assistimos

hoje a "conformação de um padrão de sociedade dual entre aqueles que

se encontram plenamente incluídos por meio de uma ocupação regular

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e de boa qualidade, e os demais, os precariamente incluídos

(subemprego, ocupações atípicas e parciais) e os excluídos (sem

emprego por longa duração) (POCHMANN, 1999, p.22).

A perda da possibilidade de vincular-se à produção social resulta numa

"sociedade dos dois terços ou uma sociedade com duas velocidades (...)

um terço excluído e fatalmente condenado à marginalidade (...) sequer

reúnem, no final do século XX, as condições mínimas para se converter

em uma força de trabalho explorável: (...) ganham a vida vendendo

doces ou bugigangas nas esquinas das ruas, limando para-brisas ou

como trabalhadores ocasionais, em funções sem qualquer tipo de

qualificação; (...) não freqüentaram a escola, (...) nunca foram a um

médico, (...) mal falam a língua do país, (...) vivem em barracos de latas

e de cartão (BORÓN, 1995, p. 106). Aos que ficam no trabalho, a

corrosão do caráter, a perda de controle de suas vidas, os laços frouxos

nas comunicações on-line breves e apressadas nessa ordem de trabalho

aparentemente flexível, que lhes impõem uma vida social em que

ninguém mais se torna testemunha a longo prazo da vida de outra

pessoa. As qualidades desse bom trabalho não são as mesmas desse

bom caráter (SENNETT, 1999). Declina-se o indivíduo na mesma

fábrica da sociedade global em que se inseriu e que ajudou a criar e a

recriar continuamente: ela agora é o cenário em que desaparece

(IANNI, 1995, p. 20).

São os resultados perversos do Estado liberal que levou ao extremo, sob

o projeto da globalização subordinada, "a volta ao indivíduo com a

prevalência exclusiva do mercado como a única instituição reguladora,

auto-reguladora tanto da alocação dos recursos econômicos como das

relações sociais e da sociabilidade em sentido geral (OLIVEIRA, 1999,

p. 55).

É preciso, pois, que nos refaçamos dos sustos do final de século e

projetemos um sonho para o próximo que se avizinha (BUARQUE,

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1995): nós, que nos exercitamos no espaço público da

universidade, devemos estar preparados para driblar a

ambigüidade que nos assalta como produtores e reprodutores do

conhecimento: “por um lado, a profunda insatisfação com a

situação dominante e com o pensamento institucionalizado; por

outro lado, a reprodução de critérios comprometidos com a

ideologia contestada e com a estreiteza de horizontes” de uma

sociedade como a nossa que vem sucumbindo ao projeto de

desumanização inscrito nas bases da doutrina neoliberal

(KONDER, 1997, p.136). Mas que universidade é essa?

A universidade que nasceu no ambiente dogmático da Idade Média, se

instalou em nosso país "submetida aos interesses do colonizador, (...)

importando técnicas e recursos culturais (...) [convivendo com a

insatisfação] (...) das bases (...) [que] mantém acesa a esperança de que

seja revitalizado o processo de transformação da universidade

brasileira (...) (LUCKESI et al., 1998, p. 37). Sua submissão aos

preceitos liberais imprimiu um caráter de funcionalidade e, num

segundo momento, de operacionalidade ao trabalho universitário. “(...)A

universidade funcional estava voltada para a formação rápida de

profissionais requisitados como mão - de - obra altamente qualificada

para o mercado de trabalho (...) alterou seus currículos, programas e

atividades (...) separando cada vez mais docência e pesquisa. (...) [De

outro lado,] (...) a universidade operacional (...) está pulverizada em

microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus

estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. (...) A

docência é pensada como habilitação rápida para graduandos (...) a

pesquisa (...) posse de conhecimentos para intervir e controlar alguma

coisa. (...) [A universidade que ai está] (...) não forma e não cria

pensamento (...) destrói a curiosidade e a admiração que levam à

descoberta do novo, anula toda a pretensão histórica como ação

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consciente dos seres humanos em condições materialmente

determinadas (CHAUÍ, 1999a, p. 3).”

A tecnocracia universitária se sobrepôs à tarefa de ensinar e pesquisar.

A universidade - e a pesquisa nela realizada - projetou-se para o

atendimento das necessidades do mercado, deixando de estatuir-se

como instituição social a serviço dos interesses do público que a

financia, impulsionando uma condução personalista da pesquisa e da

carreira acadêmica, dissociando-as progressivamente de um projeto

humanizador que deveria articular a ciência ao projeto de

transformação social. Essa perversão da universidade - que vem sendo

seduzida a abandonar definitivamente seu papel crítico e transformador

– está nos planos do Estado neo-liberal que a tudo cede para beneficiar

o mercado. Destaque-se o recente debate público travado entre a Profa

Maria Sylvia de Carvalho Franco da UNICAMP e o Prof. José Aníbal,

Secretario de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, que, em

última análise, reivindica a articulação da pesquisa às demandas do

mercado. 9 "Toda universidade só tem o nome universidade se for um

lugar de pesquisa, criação de conhecimento. Quando você dá aula se é

um pesquisador suas aulas são diferentes das do outro que não é

pesquisador porque o que não é pesquisador vai procurar nos livros

poeirentos o que foi, e o pesquisador dá conhecimentos antigos,

clássicos, mas como ele pesquisa apresenta de uma maneira sempre

nova (LOPES, 1999, p. 12)".

Diante disso, é impraticável conceber que a pesquisa seja apenas e tão

somente mais uma tarefa a cumprir na carreira acadêmica para

obtenção de algum grau e poder.10 Temos nos alinhado àqueles que

9 A esse respeito, consultar os exemplares da Folha de São Paulo, dos meses de junho (13, 20 e 26/6) e julho (4/7) de 1999. Recomendamos também a leitura do excelente artigo do Professor Franklin Leopoldo e Silva do Departamento de Filosofia da FFLCH- USP, “A experiência universitária entre dois liberalismos”, publicada na Revista Tempo Social (SILVA, 1999).10 Vale consultar o texto de Hanna Arendt para se dar conta do peso conceitual do que se concebe como poder e autoridade, sob a perspectiva marxista: o poder, que se constrói sob a delegação do comando, implica em coação e dominação, ao passo que a autoridade se constrói sob o respeito e o “reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam;

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contestam o movimento que estatuiu a autoridade (ou o poder?) na

universidade sobretudo no espaço do apoio à produção/reprodução de

saber, hipertrofiado nas demandas da burocracia acadêmica, atendendo

ao projeto da universidade operacional, de que trata CHAUÍ (1999a). Os

colegiados e os outros órgãos de gerência do trabalho acadêmico vêm

se constituindo como espaços de afirmação do poder (e nem sempre de

autoridade), mais valorizados do que os espaços dos laboratórios, dos

serviços e das salas de aula. A responsabilidade que assumimos,

professores, pós-graduandos e iniciantes na pesquisa, não se limita ao

aperfeiçoamento individual, nem ao “reduzido” cumprimento de uma

exigência formal.

“O mais funesto dos erros que poderíamos cometer na discussão do

tema da pesquisa científica seria isolar esta atividade do processo a que

pertence e que a justifica; seria considerá-la à parte, tomando-a por

efeito da iniciativa individual, produto de uma vocação, feliz

casualidade, enfim, aspecto parcial, delimitado e desraizado do

processo contínuo e incessante de conquista do conhecimento do

mundo pelo homem, no qual unicamente o ato indagador encontra

explicação lógica e existencial (PINTO, 1979, p.14) ”.

Alertemo-nos também para o fato de que a pesquisa – estratégia de

produzir conhecimento eleita pela ciência - só é materialmente

exeqüível na universidade pública porque é financiada pela sociedade;

nesse sentido, deve voltar-se para os interesses do público que a

financia, estatuindo a autoridade/legitimidade (e não o poder) na

universidade pública. De outra parte, a sociedade deve exercer o

controle social sobre o conhecimento que a universidade produz,

exigindo soluções para seus problemas.

nem a coerção, nem a persuasão são necessárias” (ARENDT, 1994, p. 37). “A autoridade (...) supõe uma hierarquia cuja legitimidade os envolvidos reconhecem, e na qual encontram um lugar predeterminado e fixo” (ARENDT, apud ROMANELLI, 1995, p. 80).

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Aqueles que hoje integram a universidade e os demais serviços públicos

muitas vezes têm desconsiderado que devem respostas à sociedade

como um todo e que, portanto, devem ao público - que arca com este

financiamento – respostas para tal investimento. “Um equívoco da

universidade pública foi ter-se feito cativa da classe média brasileira.

(...) A universidade não [terá] (...) reconhecimento público porque não

se empenha [também] nos setores negativamente privilegiados

(ROMANO, 1999)”.

Com BOURDIEU (1998, p. 41), queremos expressar “uma solidariedade

real para com os que hoje lutam para mudar a sociedade (...) [a

universidade e a pesquisa, no entendimento de que] (...) só se pode

combater eficazmente a tecnocracia, nacional e internacional,

enfrentando-a em seu terreno privilegiado, o da ciência (...)”.11

Como preconiza o Prof. Demerval Saviani (SAVIANI, 1996), advogamos

que a universidade pública deva se constituir como centro de debates

que “abrace ‘a causa [d]a própria sobrevivência da humanidade’,

colocando-se como espaço privilegiado de produção e reprodução de

conhecimento crítico eticamente comprometido. Nossas instituições

universitárias públicas, como afirma o Prof. Pablo Gentili (GENTILI,

1996) foram invadidas pelos interesses do projeto de restabelecimento

da ‘hegemonia burguesa, apresentando-se como saída histórica para a

crise da acumulação originada a partir do começo dos anos 70’. De fato,

como bem assinala a Profa Zilda Iokoi (IOKOI, 1994), ‘as últimas

décadas demonstram como as universidades se afastaram dos

valores concernentes à construção da UTOPIA, consumindo-se

em reafirmar os elementos constitutivos da segregação e da

exclusão social” (SALUM; QUEIROZ; SOARES, 1998).

11 O texto de BOURDIEU (1998), bem como o de SADER; GENTILI (1996), entre outros, merecem ser estudados com cuidado para que o aluno amplie sua visão do significado social, tecnológico e científico do projeto contemporâneo de expansão financeira que, sob as rédeas da dominação norte-americana, “dissimularam a (...) [sua] (...) política de entrada econômica em outros países e tornar[am] respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causas de grandes problemas” (GALBRAITH, J. K., In: Folha de São Paulo, 7/11/97).

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Assim sendo, partindo da consideração de que a pesquisa na

universidade inscreve-se num dos dois grandes grupos de processos de

trabalho (processos de produção e reprodução de saber) o que a torna

indissociável do ensino e da extensão de serviços:12

1) reconhecemos que a pesquisa não é um fim em si mesma, articula-

se às demais práticas sociais da universidade, especialmente na

universidade pública: ensino, pesquisa e extensão são os trabalhos

centrais da vida acadêmica e a pesquisa ocupa um dos espaços que

vitaliza a produção de serviços na universidade;

2) defendemos que a pesquisa na universidade pública deva ser

enfrentada no interior de um projeto que recuse a submissão ao

projeto tecnocrático de escalada de poder na universidade e fazer

jus ao espaço de autoridade e de legitimidade que o investimento

público lhe destina;

3) reconhecemos, finalmente, que sendo uma prática social, a pesquisa

integrada aos conflitos gerais da sociedade e específicos da

universidade, é um dos trabalhos humanos que se preocupa em

oferecer respostas às indagações sobre a realidade: não é uma

atividade mecânica que, sob receitas modelares, se realiza sem

conexão com o mundo no qual vivemos e atuamos.

Só assim será possível assumir a pesquisa como um projeto que “nos

lança na interrogação, (...) nos pede reflexão, crítica, enfrentamento

12 Sob seus aspectos mais estruturais, partimos do entendimento de que na universidade pública se desenvolve um processo de produção de serviços educacionais cujo objeto, o estado da arte, se reproduz e se transforma com a mediação da atividade cotidiana de ensino, pesquisa e extensão. Dois grandes grupos de processos de trabalho estruturam a produção na universidade: a) os processos de produção/reprodução do saber propriamente ditos - processo de trabalho de pesquisa (que concentra sobretudo a produção de conhecimento), processo de trabalho de ensino (que concentra sobretudo a reprodução de conhecimento), e processo de trabalho de extensão de serviços à comunidade (que articula a produção e a reprodução de conhecimentos) – e b) os processos de apoio à produção/reprodução de saber. Estes últimos, devem assegurar a infra-estrutura acadêmica e a infra-estrutura administrativa, subordinando-se às demandas geradas pelos trabalhos nucleares da universidade - pesquisa, ensino e extensão - e não se consolidar como eixos centrais do trabalho acadêmico como vêm sendo levados adiante na universidade operacional (SALUM; QUEIROZ, 1994).

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com o instituído, descoberta, invenção e criação (...), trabalho do

pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi

pensado nem dito (...), uma visão compreensiva de totalidades e

sínteses abertas que suscitam a interrogação e a busca (...), ação

civilizatória contra a barbárie social e política (...) (CHAUÍ, 1999b)”.

Só assim poderemos nos valer da pesquisa para oferecer respostas para

“o que se pretende no mundo dos homens (...) em consonância com o

momento histórico vivido pela (...) sociedade concreta (...) [no sentido]

(...) de fazer avançar (...) [o] conhecimento (...)” (SEVERINO, 1996, p.

114-6), despojados da arrogância de quem se impõe pelo poder, mas

dispostos a exercer a autoridade lastreada pelo reconhecimento crítico

e ponderado da realidade social que nos circunda; portanto, não é por

acaso que advogamos que a pesquisa deva ser enfrentada como

estratégia eficaz no processo de independência científica e tecnológica

e autonomia social. 13

Essas considerações preliminares preparam o terreno para que se

compreenda o caráter da pesquisa em Saúde Coletiva. Tendo se

construído sob a vertente marxista das Ciências Sociais que retoma a

dimensão histórica do conhecimento, a pesquisa em Saúde Coletiva

“adquire, (...) o caráter de um conhecimento comprometido com a

transformação concreta do mundo, (...) [perdendo assim] (...) a

expectativa de se produzir conhecimento neutro, conhecimento que

serve igual e universalmente a todos, conhecimento que mantenha o

mundo tal como ele é" (ANDERY et al., 1988, p. 430). 14

13 A esse respeito, vale consultar o texto do Prof. José Murilo de Carvalho, publicado no Caderno Mais da Folha de São Paulo de 4/7/99, Crítica e masoquismo. Lá o autor considera que “cientistas sociais, como outros mortais, são sensíveis ao fascínio do poder. Não há nada de errado nisso. (...) Mas ninguém pode exercer o poder como cientista social. Os objetivos, os compromissos, os métodos, a ética são diferentes, como já nos lembrou Max Weber. O cientista social, enquanto tal, não pode abrir mão de sua liberdade de pesquisar, de analisar, de criticar, sobretudo em um país como o nosso, sob pena de se transformar em engenheiro social. O exercício da crítica é inseparável da natureza da profissão (...) (CARVALHO, 1999).”14 Esta frase está propositalmente truncada. Embora uma nota de rodapé não seja o melhor espaço para tratar desta questão – o tema consumiria horas de discussão – julgamos necessário expor aqui o nosso posicionamento a respeito. Marx postula a não neutralidade do conhecimento quando - como homem do seu tempo - apreende a subsunção da ciência aos

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Entendemos que a pesquisa no âmbito das práticas sociais, como são as

práticas de saúde, deve estar, sobretudo, mergulhada no compromisso

de produzir fatos e argumentos para transformar a realidade que

historicamente foi construída no setor da saúde: expansão e

naturalização do monopólio do setor privado, ao lado da redução dos

investimentos públicos – é o mercado que comanda o que e a quem

oferecer serviços de saúde – desqualificação da saúde como direito

social e público, ao lado da degradação das condições de trabalho, vida

e saúde – cabendo ao setor público ações paliativas destinadas aos

pobres.15

Considerando o caráter ético-político do investimento em pesquisa,

somos levadas a concluir que a pesquisa na universidade, no âmbito da

Saúde Coletiva, deve estar a serviço do projeto de instauração do

direito social à saúde como direito universal e equânime, sob a

responsabilidade do Estado (e não das necessidades do mercado ou de

projetos isolados no espaço burocrático-acadêmico). “Mesmo com

deficiências, a competência (...) de saúde pública brasileira ainda está

fortemente concentrada no meio universitário. (...) É essencial

interesses do capital (da burguesia) e encaminha que ele deve ser produzido em direção aos interesses e necessidades de uma classe social (o proletariado), encaminhamento que, no âmbito da Saúde Coletiva, é criticado por MELO F º (1994). Como MÉSZÁROS (1996, p. 266-7), (cujo texto deve ser estudado na sua totalidade para não se reduzir o sentido da afirmação), entendemos que a questão fundamental que se coloca diante da ciência que a universidade produz é: “que tipo de sociedade desejamos? A verdadeira questão é, portanto, dupla. Por um lado, consiste em se perguntar que tipos de desenvolvimentos sociais – em sua interação dialética com as práticas científicas e tecnológicas correspondentes - foram responsáveis pela criação da atual configuração da sociedade-ciência-tecnologia, dando motivo à mais profunda preocupação com relação a suas implicações para a simples sobrevivência da humanidade (...) e como manter a totalidade das práticas sociais – isto é, não exclusivamente, mas inclusive a ciência e a tecnologia – sob um controle social plenamente adequado? (...) A realização da muito necessária separação entre a ciência e as determinações capitalistas destrutivas só é concebível se a sociedade como um todo (grifos nossos) escapar da órbita do capital e configurar um novo campo – com princípios de orientação diferentes – em que as práticas científicas possam florescer a serviço dos objetivos humanos”, da hominização, a que se refere o Prof. Álvaro Vieira Pinto (PINTO, 1979), de todos os homens nas diferentes sociedades, contemporaneamente dominadas pelo projeto capitalista, que os diversifica, os exclui e os inclui em torno de diferentes classes sociais.15 A esse respeito, consultar EIBENSCHULTZ (1995) , especialmente a Parte I; LAURELL (1995), especialmente o capítulo 6; COHN; ELIAS (1996) e os textos que freqüentam o site da Conferência Nacional de Saúde on-line que debatem o Programa de Saúde da Família (http://www.datasus.gov.br.cns/)

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reconstituir nosso maltratado sistema público, partindo da competência

onde ele ainda existe (...) (MENEZES, 1996, p. 57).”

IV – O terceiro momento: as diretrizes teórico-metodológicas da

pesquisa

Orientar a pesquisa para outras finalidades ético-políticas que não

aquelas tradicionalmente impostas pelo projeto do capital - sob as

diversas feições que o liberalismo assumiu – não significa abandonar as

invenções e as estratégias que o projeto da ciência construiu. Em

outras palavras, não significa negar o receituário que o projeto da

ciência veio prescrevendo. Por isso é que, ainda que as diretrizes ético-

políticas imanentes a uma determinada relação ciência-universidade-

sociedade e à constituição do campo da Saúde Coletiva – a primeira

vista incompatíveis com o rumo que a ciência tomou com Augusto

Comte - nos levem a formular um novo projeto social para a pesquisa,

consideramos que não se pode e não se deve abrir mão das diretrizes

teórico-metodológicas que progressivamente foram sistematizadas e

aperfeiçoadas pelos projetos para a ciência.

Vale aqui a observação de MÉSZÁROS (1996, p. 251) de que o

cientificismo neopositivista adquiriu proeminência “principalmente

devido à sua eficácia incomparável para proporcionar a racionalização

exigida pelos interesses sócio-econômicos e políticos dominantes”. Esta

racionalização pode bem ser submetida aos interesses mais gerais da

sociedade, no sentido de avançar o conhecimento sob os princípios da

eqüidade, solidariedade e liberdade.

Acresce que nenhuma investigação “pode dispensar procedimentos. O

erro cometido durante muito tempo, aliás, foi o de exagerar esta

vinculação e associar a metodologia [da e na pesquisa] a procedimentos

de coleta de informações. (...) Eles [os procedimentos] presidem a

qualquer investigação científica (LUNA, 1989, p. 28-9).” O equívoco é

"identificar o caminho ao mapa do caminho (...) a superação não se faz

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pela simples rejeição do método anterior, e sim pelo seu

aperfeiçoamento, ainda que em certos casos, deva entender-se por

aperfeiçoamento a passagem às concepções, idéias ou técnicas opostas,

que contradizem as que lhe serviram de fundamento, o que de qualquer

modo representa ainda a conservação dos aspectos precedentes

(PINTO, 1979, p. 375-7)".

"Quem poderia negar, no caso da epidemiologia, a utilidade das

descobertas micro-bacteriológicas, dos avanços da imunologia, do

aperfeiçoamento das técnicas de análises quantitativas e de recursos

para o trabalho de campo, dos delineamentos preventivistas do modelo

ecológico-funcionalista de Leavell e Clark, etc., ainda que conhecendo

suas limitações e mesmo sabendo que surgiram em torno da expansão e

busca de equilíbrio do projeto capitalista? ..." (BREILH, 1991, p. 52).

A noção aqui implícita é a de que, no duelo entre o novo e o velho, “teoria

e prática se confrontam para superar as limitações do passado e do presente expressas na realidade apreendida

em direção à construção de um futuro que, mesmo transformado, resguarda e faz prevalecer as possibilidades

legadas pelo passado e pelo presente” (SALUM; QUEIROZ; SOARES, 1998, p. 8). Em

outras palavras, entendemos que, sob qualquer perspectiva ético-

política adotada no seu compromisso social de construção de

conhecimento na universidade, o pesquisador deve estruturar

metodologicamente o seu trabalho, tomando como referência os

encaminhamentos formais que a ciência, enquanto uma das

possibilidades de conhecer, interpretar e propor soluções para os

problemas da realidade, tão bem soube racionalizar. "No processo

metodológico há invenção permanente assim como conservação

contínua. (...) O cientista comporta-se ao mesmo tempo como um

revolucionário e um conservador; revolucionário não pelo que inventa

de novo mas ainda pelo que escolhe do velho para conservar, e também,

contraditoriamente, conservador pois não apenas o é pelos conteúdos

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humanistas, irrecusáveis, a que servem os próprios elementos, idéias ou

técnicas originais, que desconhece (PINTO, 1979, p. 378)."

O trabalho de pesquisa demanda sistematização sem o quê todo o

empenho ético-político do pesquisador será inócuo: a

instrumentalização em metodologia da pesquisa é, pois, absolutamente

imprescindível, o que nos remeterá a recorrer às formulações que a

ciência nos ensinou para estruturar a nossa prática metodológica. 16

Partimos dessas considerações, pois a racionalidade sobre a qual se

produz conhecimento em saúde guarda uma especificidade que deve

superar os estrangulamentos teórico-metodológicos implícitos à

racionalidade das ciências físicas e naturais, e não simplesmente negá-

los como fizeram os pós-modernos. 17

“Descoberta” nos anos 70, a partir da revisão e da crítica que o campo

das ciências sociais empreendeu acerca das “deformações” na

construção do conhecimento sob a orientação positivista - que

imprimiu ao social as mesmas leis das ciências naturais - a “nova”

racionalidade no campo da saúde não pode desvaler-se da "(...)

experiência acumulada durante três séculos de prática científica [que]

propiciou-nos uma série de princípios metodológicos mais ou menos

gerais – (...) – que podem ser justificados por argumentos racionais. (...)

Não afirmamos que esses princípios possam ser codificados em

definitivo nem que esta lista esteja completa. (...) As teorias científicas

bem estabelecidas são em geral sustentadas por bons argumentos,

embora a racionalidade desses argumentos precise ser analisada caso a

caso (SOKAL; BRICMONT, 1999, p. 66-7).”

16 A metodologia da pesquisa é a disciplina que teoriza a prática da pesquisa, aproxima o pesquisador dos paradigmas científicos, e prepara o pesquisador para realizar a metodologia na pesquisa, a prática metodológica. (LOPES, 1994).17 Estamos nos referindo aqui às correntes intelectuais reformistas que rejeitam implacavelmente a tradição racionalista do Iluminismo na qual se baseia tanto o pensamento crítico do positivismo (Escola Alemã) quanto o pensamento marxista, que não recusou os preceitos racionalistas, integrou-os mesmo à compreensão do real.

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Lamentavelmente, a contraposição à tradição positivista como única via

de conhecimento do real (que elege a quantificação da realidade e

afirma a supremacia da objetividade, negando a subjetividade como

componente do real), encaminhada pelas correntes compreensivistas

(como a fenomenologia, a etnomedotodologia e o interacionismo

simbólico, que não se voltam para a quantificação da realidade,

tomando a subjetividade como a essência do real) e pela dialética

marxista (que busca não dicotomizar quantidade e qualidade,

subjetividade e objetividade no reconhecimento do real) (MINAYO,

1992), abriu brechas para uma desqualificação inconseqüente das

potencialidades e da contribuição do método científico para

sistematizar a pesquisa. Tal desqualificação veio se expressando

especialmente em trabalhos que, na área da saúde, não aguardaram o

necessário distanciamento histórico, para integrar em suas

preocupações teórico-metodológicas os movimentos da pesquisa

qualitativa ou das correntes pós-modernas.

Parecem não se ter dado conta de que o conceito de “Metodologias

Qualitativas” foi introduzido para “aprofundar o caráter do social (...) [e

não para se constituir em] (...) alternativa ideológica às abordagens

quantitativas (...) [ou supor] (...) uma afirmação da qualidade contra a

quantidade (...)” (MINAYO, 1992, p. 12-3). “Há que considerar que esta

reação não represent[ou] um repúdio cabal às macroanálises e, sim, o

reconhecimento de que a (...) [a realidade social em oposição aos fatos

naturais da física, da química e da biologia] é constituída de

microprocessos que, em seu conjunto, configuram as estruturas

maciças, aparentemente invariantes, atuando e conformando

inexoravelmente a ação social individual (...) as metodologias

qualitativas (...) [se constituíram] não como alternativas aos modelos

quantitativos, oposição freqüente na literatura especializada que reflete

uma visão maniqueísta que é de certa forma normativa, ao asseverar as

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vantagens sumárias de um modelo e os defeitos congênitos do outro (...)

(HAGUETTE, 1992, p. 20).”

Não se deram conta também de que cedem, muitas vezes, às

prerrogativas do pós-modernismo que, partindo da observação de que

todas as metodologias têm suas limitações, caíram no extremo de que

qualquer coisa serve ou tudo é relativo (SOKAL; BRICMONT, 1999)18.

Não se deram conta, enfim, de que o pós-modernismo é um "subproduto

da ideologia neo-liberal que toma como o ser da realidade a

fragmentação econômico-social e a compressão espaço temporal gerada

pelas novas tecnologias e pelo percurso do capital financeiro (...)

fazendo da idéia de diferença o núcleo provedor de sentido da

realidade; preza a superfície do aparecer social ou as imagens (passa

da árvore cartesiana do saber ao rizoma de Deleuze) e sua velocidade

espaço-temporal; recusa que a linguagem tenha sentido e interioridade

para vê-la como construção, desconstrução e jogo, tomando-a

exatamente como o mercado de ações e dinheiros toma o capital;

privilegia a subjetividade como intimidade emocional e narcísica,

elegendo a esquizofrenia como paradigma do subjetivo, isto é, a

subjetividade fragmentada e dilacerada. A ideologia pós-moderna

realiza três grandes inversões ideológicas: substitui a lógica da

produção pela da circulação (donde nas universidades a avaliação ser

feita pelo número de publicações e não pela qualidade e importância da

pesquisa); substitui a lógica do trabalho pela lógica da comunicação

(donde a crença do Ministro da Educação de que, sem alterar o

processo de formação dos professores do ensino básico e sem alterar

18 SOKAL; BRICMONT, (1999) denunciam as “imposturas intelectuais” expressas por alguns pensadores respeitáveis deste século (Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigaray, Bruno Latour, Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze e Félix Guatari). Sob a vaga dos encaminhamentos do pós-modernismo (“corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que encara a ciência como nada mais que uma ‘narração’, um ‘mito’ ou uma construção social entre muitas outras” (p.15), tais pensadores cometeram, em algum momento de sua produção acadêmica, abusos teórico-metodológicos, que não colocam sua obra em julgamento, mas denunciam inconsistência e superficialidade ao enfrentar a construção de conhecimento nos seus campos de especialidade buscando, na interdisciplinaridade, a contribuição da física e da matemática.

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seus salários aviltantes, tudo irá bem na educação desde que haja

televisões e computadores nas escolas); e substitui a lógica da luta de

classes pela lógica da satisfação-insatisfação dos indivíduos no consumo

(CHAUÍ, 1999c, p. 32-3).

Seria uma temeridade então relegar as formulações do método

científico, sob a alegação de que se deve produzir conhecimento que dê

conta de uma complexidade que a ciência tradicional não resolveu.

Certamente, não podemos deixar de lado os princípios e diretrizes que

sistematizam e conferem rigorosidade à produção de conhecimento que

o positivismo crítico e bem feito foi capaz de erigir durante mais de 3

séculos. O fato de o positivismo lógico ter se renunciado “à penetração

na essência, no âmago do processo objetivo, (...) [fazendo da ciência]

(...) a boa gramática do mundo, expressa em fórmulas abstratas,

imitações do cálculo matemática legítimo (...) [não nos autoriza a

abandonar sua] (...) contribuição oportuna, que ficará definitivamente

adquirida por toda epistemologia que se constituir com pretensão de

validade. (...) seria injustiça e ingenuidade acreditar ser tudo falso e

imprestável no trabalho dos investigadores lógicos desta orientação.”

(PINTO, 1979, p.166-7)

Não cremos " (...) que estejamos obrigados a passar do rigor formal e

muitas vezes ilusório do cientificismo para algo tão limitado quanto

uma ‘busca interpretativa culturalmente contextuada’, uma

hermenêutica que se esgote em si mesma. As ciências sociais, (...)[e o

campo da Saúde Coletiva que delas se valem], não estão condenadas a

escolher entre teorias deterministas da estrutura e teorias voluntaristas

da consciência, sobretudo considerando tais posturas em suas

modalidades unilaterais e polares; nem a passar de uma ciência

freqüentemente mal conduzida – comprometida com teorias defeituosas

de causação e da determinação e com uma análise estrutural unilateral

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– às evanescências da desconstrução e ao império do relativismo e da

microanálise (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 23)".

V - O quarto momento: a prática metodológica e a elaboração do

plano de pesquisa

Tomando como referência o trajeto até aqui empreendido, propomos,

nas lições que se seguem, uma problematização do trabalho do

pesquisador. Nosso intuito é que não sejam tomadas como receitas e

muito menos como normas, mas como sugestões que favoreçam a tarefa

complexa e densa que nos é proposta.

1. Toda pesquisa exige método e deve estar fundamentada num plano

de pesquisa previamente elaborado, discutido e julgado.

2. Ao propor uma pesquisa, tenham clareza de que serão

“especialistas” num determinado tema. Tem-se que tomar

consciência de que é necessário conhecer com profundidade os

trabalhos e os autores de referência no campo de conhecimentos e

práticas da Saúde Coletiva, para não correr o risco de produzir

argumentações mancas ou navegar desnecessariamente sob as

sombras.

3. A elaboração do plano de pesquisa, como todo o trajeto

investigativo, exige rigor metodológico, seja no estudo cuidadoso da

bibliografia, seja na circunscrição minuciosa do problema e objeto

de estudo, seja na delimitação criteriosa da realidade a ser

investigada, na eleição dos métodos e técnicas de coleta ou de

análise das informações colhidas e/ou observadas.

4. O plano de pesquisa reflete assim o conjunto de decisões e opções

particulares que deverão nortear o longo processo de estudo e

aperfeiçoamento individual, que acompanha a atividade

investigativa. [Durante esse processo,] o fato de cada pesquisador

não ser um ‘metodólogo’ não deve eximi-lo de um necessário

domínio de conhecimentos de Metodologia da pesquisa em sua área

de estudo, condição sine qua non para poder realizar uma reflexão

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ativa e exercer a vigilância sobre as questões metodológicas

colocadas pela realidade de sua investigação (...) domínio [este que]

é parte fundamental das condições da produção científica de todo

investigador (LOPES, 1994, p. 81-6) ”.

5. O pesquisador deve necessariamente dominar os núcleos duros que

estruturam o campo de conhecimentos em que se circunscreve o

seu problema de estudo para elaborar o seu projeto de pesquisa: no

campo da Saúde Coletiva, que elegeu a teoria marxista como um dos

eixos teóricos para reconhecer, interpretar e intervir na realidade, é

indispensável o estudo dos autores marxistas que respondem pelo

conhecimento sobre o estado da arte, seja sob o aspecto mais

téorico-metodológico, seja sob o aspecto mais operacional: a) será

preciso entrar em contato com os autores contemporâneos que

tratam dos temas que são nucleares para entender a situação de

saúde e a situação da intervenção em saúde, quais sejam, o trabalho

na sociedade contemporânea, a reprodução social, a política pública

e o Estado, direitos sociais, as práticas sociais em saúde e os

projetos de organização da produção de serviços de saúde, opções

teórico-metodológicas e operacionais emancipatórias, entre outros;

b) não se deverá negligenciar a contribuição de teóricos das

Ciências Humanas e da Saúde Pública que, sob outras bases teórico-

metodológicas, foram e vêm sendo capazes de elucidar aspectos que

o marxismo não tomou como preocupação e que precisam ser

reapropriados pela Saúde Coletiva: vale a afirmação de que “não se

joga a criança com a água do banho”.

6. O pesquisador deve reconhecer que os métodos e as técnicas de

coleta ou de análise de dados formulados pelo projeto da ciência não

podem ser execrados porque apresentam limitações para apreender

as realidades sociais e em saúde com que se defrontam; ajustam-se

sim a apreender e analisar aspectos particulares da realidade

estudada e devem ser complementados com métodos e técnicas que

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possibilitem ampliar o reconhecimento e a interpretação da

complexidade do objeto eleito pelo pesquisador: qualidade e

quantidade se complementam e é preciso romper com a falácia da

compartimentalização da relação quantitativo versus qualitativo. "A

importância da abordagem teórico-metodológica reside no fato de

que nos encontramos diante de um problema, de tal forma colocado,

que requer uma formulação teórica com relação à maneira

dominante de conceituá-lo. Isto implica, por sua vez, um desafio

metodológico, especialmente porque existe uma série de técnicas a

utilizar, que pertencem aos diferentes campos disciplinares

envolvidos e que, no entanto, têm que ser rearticuladas numa nova

perspectiva (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 24). Valem, finalmente,

aqui as sábias advertências do Prof. Ricardo Bruno Mendes

Gonçalves: a abordagem quantitativa apresenta limitações - mutila

ou restringe a possibilidade de apreender o caráter histórico da

realidade social, desconhece o "acaso (...) [e os aspectos] que

poluem a verdadeira essência dos fenômenos (...) a vontade

humana, a subjetividade, a ação transformadora em fluxo - (...)

[que] (...) não (...) invalidam [a formalização matemática] no

essencial, no aspecto formal em que nenhuma diferença haverá

entre o estudo quantitativo e o qualitativo. (...) E em que consiste

então a via qualitativa, que se apresenta como alternativa quando

historicamente não o foi? Basicamente deverá consistir na mesma

coisa que se esconde por baixo do fetichismo da Matemática. Não

há evidentemente outro caminho para a apropriação cognitiva do

real senão a razão: que a razão se valha de abstrações matemáticas

para apreender o mundo, sempre que isso for possível, é não apenas

um procedimento simplificador, mas sobretudo um processo de

controle racional do procedimento. Quando não é possível, que ela

se valha então de sua capacidade não tão rigorosamente codificada -

e por isso a crítica intersubjetiva é tão fundamental aqui - de

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abstrair em si mesma o essencial do inessencial nos materiais de

que se apropria. A via qualitativa consiste assim na identificação

racional (através da razão) das características regulares e fortuitas

da realidade (ou do aspecto parcial da mesma sob exame) que

passa, pela exclusiva aplicação da razão, ao estabelecimento de

relações, à verificação de nexos, até mesmo à proposição de leis

(MENDES-GONÇALVES, 1994, p. 44-5)."

7. Dado o caráter interdisciplinar do campo da Saúde Coletiva, que

tem como disciplinas básicas "a epidemiologia, o

planejamento/administração de saúde e as ciências sociais em saúde

(...) [e como] (...) disciplinas complementares (...) a estatística, a

demografia, a clínica, a genética, as ciências biomédicas básicas,

entre outras" (PAIM; ALMEIDA-FILHO, 1998, p.310), é de todo

adequado tomar como referência as pertinentes advertências de

SOKAL; BRICMONT (1999, p.204-8), quando avaliam os abusos da

ciência por alguns dos pensadores que estão na origem do

pensamento pós-moderno: a)“É uma boa idéia saber do que se está

falando (...) isso pode parecer óbvio, porém, (...) tudo isso é amiúde

ignorado, até mesmo (ou especialmente) por renomados

intelectuais. (...) para falar de assuntos de forma sensata, é preciso

compreender as teorias científicas relevantes em nível bastante

profundo e inevitavelmente técnico (...): uma compreensão vaga, no

plano da vulgarização, não é suficiente; b) Nem tudo o que é

obscuro é necessariamente profundo. Existe uma enorme diferença

entre discursos que são difíceis em virtude da natureza inerente do

seu objeto e aqueles cuja vacuidade ou banalidade é

cuidadosamente escondida atrás de uma prosa deliberadamente

obscura. (...); c) A ciência não é um ‘texto’. As ciências (...) não são

um mero reservatório de metáforas prontas (...) ‘temas’ gerais que

podem ser reduzidos a palavras (...) e então analisadas de maneira

puramente verbal. (...) as teorias científicas não são romances; num

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contexto científico essas palavras têm significado específico, que

difere de modo sutil, mas crucial, dos seus significados costumeiros,

e só podem ser entendidos dentro de uma teia complexa de teoria e

experiência. Caso sejam usadas apenas como metáforas, pode-se ser

levado facilmente a conclusões sem sentido; d) Não macaquear as

ciências naturais. As ciências sociais [e o campo da Saúde Coletiva]

têm seus próprios problemas e seus próprios métodos; (...) [nem

num caso, nem no outro, somos obrigados] (...) a seguir cada

‘mudança de paradigma’ (...). (...) Em outras palavras, o tipo de

abordagem em cada domínio da pesquisa deveria depender dos

fenômenos específicos sob observação. (...) É perfeitamente legítimo

voltar-se para a intuição ou para a literatura a fim de obter uma

compreensão não-científica daqueles aspectos da experiência

humana que não podem, pelo menos até o momento, ser

enfrentados com mais rigor; e) Seja precavido com o argumento da

autoridade. Se quisermos tirar proveito dos êxitos de outras

ciências, não necessitamos "fazê-lo extrapolando mecanicamente

conceitos técnicos e científicos. (...) [Avaliemos] a validade de uma

proposição com base nos fatos e no raciocínio que a sustentam (...)

[e não] (...) nas qualidades pessoais ou [n]o status social dos seus

defensores ou detratores; f) Ceticismo específico não deve ser

confundido com ceticismo radical. [Policiem-se para elaborar

críticas que se fundamentem em argumentos específicos e não

críticas genéricas e sem fundamento que não admitam a contra-

argumentação]; g) Ambigüidade como subterfúgio. (...)

Ambigüidades (...) [podem ser] (...) deliberadas (...) [pois] (...)

oferecem uma grande vantagem nas disputas intelectuais: a

interpretação radical pode servir para atrair ouvintes ou leitores

relativamente inexperientes, e, se o absurdo dessa versão é exposto,

o autor pode sempre defender-se, alegando ter sido mal-entendido,

e recuar para a interpretação inócua.”

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8. O plano de pesquisa é apenas um dos momentos formais da prática

metodológica e ocupa um espaço particular neste trajeto: a) "define

e planeja para o próprio orientando o caminho a ser seguido (...)

explicitando as etapas (...), instrumentos (...) e estratégias (...) [o

que] possibilitará ao pós-graduando/pesquisador impor-se uma

disciplina de trabalho não só na ordem dos procedimentos lógicos

mas também em termos de organização do tempo, de seqüência de

roteiros e cumprimento de prazos; b) atende às exigências didáticas

dos professores, tendo em vista a discussão dos projetos de

pesquisa em seminários [muito freqüentes nos Cursos de

Metodologia de Pesquisa, como estratégia pedagógica] (...); c)

permite aos orientadores [e às bancas de qualificação aos quais

geralmente são submetidos] que aquilatem melhor o sentido geral

do trabalho de pesquisa e seu desenvolvimento futuro, (...)

[favorecendo] discutir, desde o início (...) possibilidades,

perspectivas e eventuais desvios. (...); d) subsidia a discussão e a

avaliação da banca examinadora das possibilidades do pós-

graduando (...) por ocasião do exame de qualificação; e) serve de

base para solicitação de bolsa de estudos ou de financiamento (...)

[e] (...) para a coordenação dos programas de pós-graduação decidir

quanto à aceitação de matrículas (...) (SEVERINO, 1996, p.127)”.

9. O texto do plano de pesquisa, como qualquer texto científico, deve

expressar com clareza os propósitos do pesquisador, coerentemente

descritos a partir de uma dada perspectiva teórica e revelar o

conhecimento do pesquisador sobre o tema a que se referem o

problema e o objeto de estudo. Vale a observação de que “(...) mais

do que o objeto em si (...), é importante a perspectiva sobre a qual é

tratado. (...) Exige-se consciência da problemática específica

relacionada com o tema abordado de determinada perspectiva, cuja

natureza especificará o tipo e o método de pesquisa e de reflexão a

serem utilizados no decorrer do trabalho.” (SEVERINO, 1996, p. 76).

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Sua elaboração exige empenho, disciplina intelectual, paciência e

humildade.

10.Dado o caráter descritivo e argumentativo do texto a ser elaborado,

se pressupõe o exercício do raciocínio pelo pesquisador, o que é

óbvio, mas merece ser comentado: o raciocínio é “um dos elementos

mais importantes da argumentação (...) [pois] o texto redigido é

simplesmente uma expressão lingüística. (...) Decorre daí a

prioridade lógica do raciocínio sobre a redação. (...) [O raciocínio] é

o momento amadurecido do pensamento (...) inicia-se com a

formação dos conceitos (...) [por isso exige o domínio do campo

teórico de conhecimento pelo qual se define o pesquisador, e assim]

(...) permite a elaboração da definição (...) [e da] classificação (...)

[que, por sua vez, permitem] (...) exata formulação das questões a

serem debatidas. (...) [Tais operações devem ser expressas de

acordo com o vocabulário técnico] (...) superando assim o

vocabulário comum (...) [e incorporando, quando for o caso] (...)

conceitos que adquirem um sentido específico no pensamento de

determinado autor ou sistema de idéias. (...) (SEVERINO, 1996,

p.147-154).

11.A exigência do orientador, do professor ou de qualquer outro acerca

da qualidade do plano de pesquisa não é, portanto, um capricho de

quem examina o texto. As dificuldades de argumentação não serão

superadas com a correção gramatical ou com um curso de língua.

Sem dúvida, estas iniciativas têm caráter complementar, mas nunca

central. Como assinala o Prof. Severino, um projeto bem elaborado

exige domínio de conhecimento o que possibilita o domínio do

vocabulário apropriado do campo teórico, seja para emitir novas

formulações, seja para selecionar os conceitos e as dimensões

teóricas de que o pesquisador se apropria para defender seu

problema e seu objeto de estudo e o percurso metodológico eleito.

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12.Editar o texto do plano de pesquisa, enfim, é apenas um dos

momentos de um trajeto em que o pesquisador, comprometido com

a sociedade que financia o seu desenvolvimento e dele demanda

respostas para a sua reordenação no sentido de superar suas

desigualdades e perversidades, volta-se para a realidade mais

particular onde localizou o seu problema e, sobre ela, lança

indagações - as suas questões de pesquisa - construídas

gradualmente, no mergulho teórico que vai se processando a partir

dos conhecimentos que acumulou nos seus estudos pessoais, na

revisão bibliográfica, no estudo realizado durante as disciplinas

freqüentadas e outros espaços de aprofundamento no tema (cursos

extra-curriculares, conferências, entre outros).

13.Instrumentalizando-se em metodologia na pesquisa, organizando e

sistematizando suas observações e as observações recolhidas na

literatura, passo a passo, aquela que era apenas uma resposta à

pergunta: “qual é o seu problema e o seu objeto de pesquisa?”,

tomará a feição de um conjunto estruturado em torno do sumário

formalmente reconhecido como demonstrativo das preocupações e

intenções do pesquisador: o plano de pesquisa.

14. Para cumprir a tarefa de descrever o problema e o objeto de

estudo, o pesquisador deve estruturar seu raciocínio, tomando como

referência a perspectiva teórico-filosófica adotada e, minimamente,

os textos clássicos sobre a temática a que se circunscreve o

problema/ objeto de estudo e os trabalhos levantados em uma

revisão bibliográfica cuidadosa, sobre a qual falaremos a seguir.

15.O pesquisador deve, por isso, progressivamente , entrar em contato

com atividades que propositalmente tratem de suas preocupações

de estudo: esse trajeto deve ser cumprido na maior extensão

possível, respeitando o seu próprio ritmo e o do orientador, não

dispensando porém o seu apoio e de tantas quantas forem as

autoridades no assunto. (Inscrevam-se em eventos científicos,

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freqüentem debates públicos, procurem outros professores,

busquem na rede on-line os autores de referência, procurem assistir

suas aulas e conferências e, se for possível o acesso, marquem

entrevistas, correspondam-se com eles. Da mesma forma,

constituam, entre os colegas, grupos de discussão e estudo conjunto

para fazer a ponte entre cada temática discutida e/ ou estudada em

sala de aula e o seu desenvolvimento como pesquisadores e,

sobretudo, com as suas preocupações de pesquisa.)

16.A revisão bibliográfica – levantamento, estudo e fichamento de

textos - abrange não só a temática eleita propriamente dita, mas

todos os aspectos que se refiram às dimensões de análise da

realidade investigada. Ela é nuclear na trajetória teórico-

metodológica: estrutura a delimitação do problema e do objeto de

estudo, orienta e/ou define a realidade a ser investigada, os métodos

e técnicas de estudo e de análise: a) busquem com seus

orientadores a indicação bibliográfica, especialmente dos clássicos,

considerando sempre que devem dar um tempo para que o

orientador possa reunir o que julgue mais conveniente; b) não

tomem a indicação do orientador como a mais completa, mas como

ponto de partida para sua aventura bibliográfica, pois os

orientandos terão muito a ensinar ao orientador na medida em que

expandem seus estudos a partir da sua preocupação mais particular,

localizando por vezes verdadeiras preciosidades bibliográficas que

nem sempre são do domínio de quem os orienta; c) prossigam,

revendo a bibliografia de trabalhos de especialistas na temática

estudada (procurem recolher tudo o que cada especialista publicou)

e ainda a bibliografia de trabalhos de revisão sobre o tema. O

estudo e a consulta a estes trabalhos são indispensáveis:

sistematizam as conclusões mais consagradas sobre o tema e as

referências bibliográficas colecionadas, de modo geral, se

constituem em conjunto exemplar de textos sobre o assunto; d) além

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das primeiras referências iniciais indicadas pelo orientador,

daquelas localizadas nos trabalhos de revisão e nas publicações

mais consagradas sobre o tema, sistematizem o trabalho de revisão

bibliográfica, colecionando os trabalhos encontrados: nos bancos de

dados informatizados; na revisão, mano a mano, dos periódicos que

mais publicam sobre o tema, o que exige percorrer um número

grande de bibliotecas; na consulta periódica a livrarias e núcleos de

pesquisa e/ ou discussão especializados e, como já dissemos, tomem

também, como material de revisão bibliográfica, a bibliografia

citada ao final de cada texto clássico, de cada tese ou dissertação

mais centrada no tema, cada artigo mais relevante. As palavras

chaves dos primeiros trabalhos indicados são boas pistas de

descritores para esta nova fase do estudo; e) a revisão só se esgota

quando o pesquisador se dá conta de que não há mais como correr

atrás no tempo: vale como recomendação preliminar que se preveja

uma revisão, no mínimo, das publicações dos últimos 5 anos; ir

“voltando para trás”, tanto quanto for necessário (se “não achou

nada”, se “achou pouco” , ou se “a temática começou a ser discutida

em 90 e, portanto, só vale a pena voltar até lá”, etc); f) usem

criticamente a bibliografia, não se incomodem em duvidar do autor

(desde que dêem conta de, consistentemente, analisar seus passos)

e descartar aqueles que, em conjunto com o seu orientador, julguem

ter percorrido um trajeto teórico-metodológico problemático e que,

portanto, foram levados a emitir conclusões equivocadas (lembrem-

se das lições de Alan Sokal e Jean Bricmont). O desprezo ou

descarte das publicações estudadas não deve ser generalizado: por

exemplo, não se descarta um texto se se constata que o autor

consultado se vale de outro sistema teórico-metodológico. Se suas

considerações são apropriadas, certamente a menção ao seu

trabalho deverá aparecer no conjunto de elementos descritos, desde

que se declare sob que orientação foram construídas tais conclusões

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e como o autor pretende integrar aquele conhecimento no seu

trajeto; g) atentem bem para esta consideração: o trabalho de

revisão é um trabalho sério de estudo e de domínio da bibliografia

publicada! Portanto, ele não se encerra ao término da redação do

projeto. O pesquisador continuará este trabalho no momento da

sistematização e análise de dados, quando a base empírica orientará

a ampliação da revisão bibliográfica e virão à tona novas

perspectivas de análise e interpretação não previstas no primeiro

esboço do projeto, levando-o a rever outros temas e, portanto,

outros trabalhos que mais especificamente auxiliá-lo-ão na

instigante tarefa de compreender o seu objeto de estudo.

17.O trabalho de edição do plano de pesquisa, tanto quanto todo o

percurso de estudo, discussão e observação, requer um cuidado

especial no que se refere à disciplina e ao rigor. A atenção

dispensada a estes requisitos será decisiva para que o trabalho final

expresse um ajuste entre forma (clareza, encadeamento e

articulação do pensamento) e conteúdo (consistência, profundidade,

extensão e densidade).

18.Ao editar o texto, o pesquisador já deverá ter pistas seguras do

sistema teórico-metodológico que elegeu, já deverá ter formulado

seu problema e seu objeto de estudo e ter eleito o conjunto de

procedimentos operacionais e de análise que estruturarão a

elucidação da realidade investigada sob os pressupostos do sistema

adotado. Todos estes aspectos a serem abordados já deverão estar

fichados. Não se pense, contudo, que serão eles transcritos

sumariamente da ficha; esta é uma possibilidade no primeiro

borrão, que será recortado, ampliado e redefinido durante todo o

processo de edição.

19.Uma boa dica para auxiliar na edição do texto é a descoberta do

caminho do outro. O outro será qualquer relatório de pesquisa,

artigo, tese, dissertação ou livro que vocês consultaram; ao mesmo

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tempo em que estudam os seus conteúdos, exercitem-se em

reconstruir o projeto de pesquisa que gerou a publicação,

decompondo sistematizadamente os capítulos ou itens que tratam

do quadro teórico/ problema/ objeto/ justificativa/ revisão

bibliográfica/ categorias e procedimentos operacionais e

metodológicos. Não é demais reiterar que esta deverá ser uma

regra para o estudo da bibliografia: estudem os textos,

preocupando-se em apreender o percurso teórico-metodológico

levado adiante pelos autores estudados, deles extraindo sugestões

de forma e conteúdo, inclusive sugestões acerca das dimensões de

análise, métodos e técnicas utilizados.

20.Outra boa dica no trabalho de edição do texto é a de que ilustrem-

se em projetos de pesquisa que seus orientadores, em certa medida,

julguem exemplares, para que possam pisar em terreno firme a

partir do que tem sentido para o orientador e não só pelo que ele

orienta e discute nas entrevistas com o orientando.

21.Façam tantas versões quantas forem necessárias: elas denotarão os

passos que foram sendo galgados à medida que vocês se

aprofundaram nos seus estudos e ampliam sua visão do problema,

de início ainda superficial, a respeito do tema de pesquisa.

22.Os tópicos do projeto de pesquisa não fogem aos tópicos

preconizados genericamente pelos textos de metodologia de

pesquisa, como já vimos propondo. O esquema anexo formulado

para orientar as discussões acerca dessa tarefa foi tomado como

referência para esta súmula: a) apresentem num capítulo que seria

o capítulo introdutório: o problema e o objeto de estudo,

justificativa, finalidades e/ou objetivos, tudo já “mergulhado” no

quadro teórico e na revisão bibliográfica.; b) um segundo item ou

capítulo deve ser referente ao quadro teórico específico – em geral,

dispensa-se um capítulo sobre o quadro teórico geral, a não ser que

orientador e orientando julguem pertinente - lembrando que o

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quadro teórico específico e as indicações de autores que trabalham

sob a mesma perspectiva darão conta de iluminar os primeiros

procedimentos metodológicos e operacionais, mas poderão não

necessariamente dar conta de instrumentalizar todo o processo de

análise dos dados; c) dediquem um terceiro item à explicitação da

questão orientadora ou “hipótese”- mais propriamente a tese que o

pesquisador busca construir; d) um quarto espaço do projeto deve

ser composto para tecer considerações sobre as categorias de

análise/ ou dimensões de análise, se elas emergirem com uma certa

facilidade. Não façam dessa tarefa um bicho de sete-cabeças:

pautem-se nos estudos consagrados sobre o tema e tomem por

referência categorias e dimensões utilizadas por outros autores.

Tentem minimamente compor um texto em que formulem

teoricamente os conceitos de que se valerão para estudar e explicar

a realidade. Vale a consideração de que às vezes o pesquisador só

“acerta” a categoria ou dimensão apropriada a partir do estudo do

material empírico; e) editem, finalmente, o item ou capítulo que

trate dos procedimentos metodológicos em que deverão descrever:

como procederão para apreensão da realidade - apontando as fontes

de coleta de dados ou formas de observação da realidade - definindo

e justificando os instrumentos que deverão ser utilizados - e como

procederão para sistematizar e analisar os dados colhidos -

incluindo aqui desde as abordagens de análise quantitativa e

qualitativa, quando for o caso, e também os procedimentos de

encaminhamento da revisão bibliográfica, elucidando os caminhos

que percorreram para estudar o tema; f) editem as referências

bibliográficas e, em anexo, um item para cronograma, prevendo

todo os momentos do trajeto, inclusive o de estudo e de revisão

teórico-metodológica, quase sempre necessária após a discussão

final, por exemplo, após o exame de qualificação.

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23.Para finalizar, advertimos que instruir-se com os “metodólogos” é

prerrogativa essencial na formulação do plano de pesquisa: estudem

as questões da Metodologia da Pesquisa, dedicando parcela de seu

tempo aos autores que discutem a teoria da pesquisa. Na área de

Saúde Coletiva, os textos da Profa. Maria Cecília Minayo são

exemplares e a eles se soma o texto da Profa. Maria Imacolatta

Vassalo Lopes da área de Comunicação. Busquem ainda outros

espaços formais (disciplinas de pós-graduação) ou informais

(palestras, artigos, entrevistas) de discussão acerca das questões

propriamente teórico-metodológicas que arquitetam o trajeto da

pesquisa. Leiam os capítulos dos livros de metodologia tantas vezes

quantas forem necessárias, buscando encontrar, em cada

recomendação, a orientação silenciosa do autor.

24.Não será necessariamente de uma vez que tomarão conta de tudo o

que se produziu. As disciplinas eletivas serão um bom caminho para

este empreendimento. Mas não somente elas. O estudo em grupo

deve ser buscado num esforço solidário e fertilizador dos

conhecimentos de todos e de cada um. A cada leitura, a cada

discussão, irão aparecendo buracos negros de conhecimento que

expressarão as “ignorâncias” acumuladas a respeito do campo da

Saúde Coletiva, das Ciências Sociais, da metodologia e do próprio

campo da Saúde Pública que forneceu a base para a nossa investida

no campo da Saúde Coletiva.

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