universidade de sÃo paulo escola de educaÇÃo … · pedagogia do movimento do corpo humano...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE VALÉRIA MONTEIRO MENDES As práticas corporais e a Clínica Ampliada: a Educação Física na atenção básica São Paulo 2013

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ESCOLA DE EDUCAO FSICA E ESPORTE

    VALRIA MONTEIRO MENDES

    As prticas corporais e a Clnica Ampliada: a Educao Fsica na

    ateno bsica

    So Paulo

    2013

  • VALRIA MONTEIRO MENDES

    As prticas corporais e a Clnica Ampliada: a Educao Fsica na

    ateno bsica

    V.1

    Dissertao apresentada Escola de

    Educao Fsica e Esporte da

    Universidade de So Paulo para obteno

    do ttulo de Mestre em Educao Fsica

    rea de concentrao:

    Pedagogia do Movimento do Corpo

    Humano

    Orientador:

    Prof Dr Yara Maria de Carvalho

    So Paulo

    2013

  • Nome: MENDES, Valria Monteiro

    Ttulo: As prticas corporais e a Clnica Ampliada: a Educao Fsica na ateno bsica

    Dissertao apresentada Escola de Educao

    Fsica e Esporte da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em Educao

    Fsica

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ______________________________Instituio: ______________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ______________________

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: __________________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. ______________________________Instituio: ______________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ______________________

  • Dedico este trabalho ao meu pai, Maurlio Mendes.

  • Agradecimentos

    A hora de agradecer , sem dvida, um dos momentos mais agradveis de uma

    trajetria como esta, justamente pelo fato de remeter celebrao, ao fechamento de um ciclo

    e abertura de outros, junto a tantas pessoas que me acompanharam, sua maneira, ao longo

    do mestrado.

    Assim, no h como iniciar esta celebrao sem agradecer Nazinha, como boa

    paraense que sou, por ela ter guiado meus passos, assim como aos meus pais, in memoriam,

    Maurlio e Adelaide, que, em virtude do amor do qual apenas ns trs conhecemos a

    intensidade, me mobilizaram, independentemente da presena fsica, at esta conquista.

    Um obrigado muito especial vai para meu companheiro, Fernando, que esteve de

    modo incondicional ao meu lado me ajudando a sonhar.

    Agradeo tambm minha famlia, especialmente minha irm Marcia, pelo

    incentivo, acolhida e apoio, antes e ao longo do mestrado. Preciso tambm agradecer a outras

    pessoas importantes: Nbia, Michele, Marcelo, Tia Dora. Agradeo ainda, imensamente, s

    minhas outras duas famlias: os Martins Virglio (paizinho), Vera (mezinha) e minhas

    maninhas Adriana, Paula Lcia e Daniela, que, ao me adotarem de corao, me tornaram

    uma pessoa mais forte e os Moraes Sr. Moraes, D. Iracema, Carla, Sheila, Marco e Goretti

    (minha amiga-irm) que, assim como Wilza, estiveram sempre por perto nos momentos de

    sorrisos e de angstia, ainda que a mais de 2800 quilmetros em minha cidade, Belm.

    Agradeo ainda aos meus amigos que no me deixaram fraquejar, alguns de longa data

    que reencontrei em So Paulo: Suzana Esteves, Roberta e Fabrcio Silva turma que durante

    este perodo ganhou mais um componente, o lindo Joo Victor. Tambm no poderia deixar

    de agradecer queles que tive a alegria de encontrar ao longo do mestrado: Mariana Nasser

    amiga que muito me ensinou e me apoiou, sobretudo, nos momentos mais difceis , os

    colegas do grupo de pesquisa Educao Fsica & Sade Coletiva & Filosofia Andrezza

    Moretti, Flvio Alves, Gedielson Teixeira, Marcos Warschauer, Mariana Prado, Tatiana dos

    Anjos, Rodrigo Amancio, Marlia Rubino, Regiane Souza, Andreia Alonso, Alessandro Prado

    e os estudantes dos grupos PET e PPIC, com os quais pude, de fato, exercitar o tal do

    trabalho coletivo. Dentre todos, agradeo especialmente amiga Fabiana Freitas, que me

    ajudou e me potencializou com sua inteligncia e serenidade no decorrer de toda esta jornada.

    Agradeo ainda aos docentes das disciplinas da FSP e da Medicina Preventiva da USP,

    bem como aos pesquisadores e colegas dos grupos de pesquisa Polticas de Formao em

  • Educao Fsica e Sade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e do Laboratrio de

    Estudos da Educao Fsica, da Universidade Federal do Esprito Santo, pelo incentivo a

    continuar trabalhando por um SUS melhor.

    Cabe finalmente dizer muito obrigado aos funcionrios e aos usurios do CSE Paula

    Souza, que compartilharam comigo momentos singulares de suas vidas e, nesse sentido, me

    ensinaram sobre outras formas de caminhar como profissional da sade.

    Contudo, no celebraria estas relaes e este conjunto de aprendizados se Yara, minha

    orientadora, pessoa de grande inteligncia, coragem e sensibilidade, no tivesse h quatro

    anos acolhido meus desejos, meus sonhos e, sobretudo, meus limites, me dando a alegria e a

    honra de fiar com ela tantos momentos, no apenas no campo da Sade Coletiva, mas tambm

    no plano da vida.

    S tenho a agradecer...

  • Resumo

    MENDES, V.M. As prticas corporais e a Clnica Ampliada: a Educao Fsica na

    ateno bsica. 2013. 178 f. Dissertao (Mestrado) Escola de Educao Fsica e Esporte,

    Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    Nos ltimos anos tem sido possvel observar o aumento das experincias relacionadas

    implementao de prticas corporais/atividade fsica no mbito dos servios de sade, como

    uma estratgia voltada ampliao dos nveis de sade da populao, especialmente em

    funo de trs iniciativas do Ministrio da Sade: a Poltica Nacional de Promoo da Sade

    (PNPS), a criao do Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF) e o Programa Academia

    da Sade. No entanto, ainda que possam ser identificados avanos no desenvolvimento destas

    experincias, torna-se evidente o desafio apresentado aos profissionais da Educao Fsica no

    tocante produo de aes condizentes com as necessidades de sade dos sujeitos no mbito

    da na ateno bsica, sobretudo considerando o distanciamento entre formao e interveno

    e tambm o modo de intervir tradicional/reduzido sobre o processo sade-doena-interveno

    nesta rea especfica. Sob esta perspectiva impe-se a pertinncia de uma reorientao

    terico-metodolgica que contribua para potencializar o trabalho com as prticas corporais,

    visando sade da populao em perspectiva ampliada. neste contexto que se insere o

    presente estudo, que teve como objetivo implementar um projeto de interveno de prticas

    corporais para usurios do Centro de Sade Escola (CSE) Geraldo Horcio de Paula Souza,

    da Faculdade de Sade Pblica da USP, para a experimentao da teoria da Clnica

    Ampliada, a fim de contribuir com o debate sobre a qualificao das aes dos profissionais

    de Educao Fsica no servio pblico de sade. A abordagem era de natureza qualitativa,

    fundamentada no Mtodo da Roda, metodologia voltada reformulao terico-conceitual e

    organizacional do trabalho em sade, utilizando como instrumentos a observao participante

    e as narrativas. A interveno, aberta a diferentes faixas etrias, gneros e estados clnicos,

    ocorreu por meio de encontros semanais realizados no perodo de um ano e contou com 51

    sujeitos. Os encontros privilegiaram a oferta de atividades em sintonia com as necessidades,

    desejos e interesses que emergiam do contato com o grupo, utilizando como recursos de

    interveno as prticas corporais e as rodas de conversa entre os participantes do grupo e os

    profissionais do CSE. A experincia no CSE Paula Souza mostrou que a teoria da Clnica

    Ampliada permite a produo de prticas de sade para alm da perspectiva hegemnica da

    Educao Fsica, mas tambm que premente continuar avanando na formao dos

    profissionais da rea, considerando o desafio de propor aes que dialoguem com as

    necessidades de sade das pessoas e que sejam coerentes com os princpios do SUS.

    Palavras chave: Prticas corporais, Clnica Ampliada, Ateno bsica, Formao em sade,

    Sade pblica.

  • Abstract

    MENDES, V.M. The corporal practices and the Amplified Clinic": Physical Education

    in primary health care. 2013. 178 f. Dissertao (Mestrado) Escola de Educao Fsica e

    Esporte, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    In recent years it has been possible to observe an increase in the number of experiences

    related to the introduction of corporal practices/physical activity in the context of health

    services, as a strategy aimed towards the improvement of the populations health, notably as a

    consequence of three initiatives of the Brazilian Ministry of Health: the National Policy for

    Health Promotion (PNPS), the establishment of the Support Centers for Family Healthcare

    (NASF) and the Academy of Health Program. However some progress may be perceived in

    the development of these experiments, it is evident the challenge presented to Physical

    Education professionals regarding the production of interventions consistent with the health

    needs of individuals in the context of primary health care, especially considering the gap

    between the professional education and the intervention, but also the traditional/reduced

    modes of intervention on the health-disease-intervention process in this particular field. From

    this perspective a theoretical-methodological shift imposes its pertinence, one that contributes

    to potentiate the work with corporal practices, aiming the populations health in an

    amplified perspective. It is in this context that the present study was conducted with the

    purpose of implementing an intervention project of corporal practices for the users of the

    Health School Center (CSE) Geraldo Horcio de Paula Souza, of the Faculty of Public Health

    of the University of So Paulo, to experience the Amplified Clinic" theory in order to

    contribute to the debate on the qualification of the contribution of physical education

    professionals in the public health service. The approach was qualitative in nature, based on

    Method of the Wheel, a methodology focused on theoretical, conceptual and organizational

    reformulation of healthcare work, using tools such as participant observation and narratives.

    The intervention, open to people of different ages, genders and clinical states, occurred

    through weekly meetings held throughout one year and included 51 subjects. The meetings

    concentrated on the provision of activities in line with the needs, desires and interests that

    emerged from contact with the group, using as intervention tools the corporal practices and

    the "wheels of discussion" among group members and professionals of the CSE. The

    experience in the CSE showed that the theory of Amplified Clinic allows the production of

    health practices beyond the hegemonic perspective of physical education, but it showed also

    that it is urgent to continue advancing in the professional training in this field, considering the

    challenge of proposing actions that communicate with the health needs of the people while

    being consistent with the principles of the Brazilian Unified Health System (SUS).

    Keywords: Corporal practices, Amplified Clinic", Primary health care, Professional health

    education, Public health.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Fachada do CSE Geraldo Horcio de Paula Souza 67

    Figura 2: Prdio anexo do CSE Geraldo Horcio de Paula Souza 68

    Figura 3: Sala onde sala onde ocorriam os encontros de prticas corporais localizada no

    prdio anexo do CSE Geraldo Horrio de Paula Souza

    70

    Figura 4: Jardim da Faculdade de Sade Pblica, onde pode ser observada a trilha utilizada

    para caminhadas e, ao fundo, a instituio.

    71

    Figura 5: A figura mostra os caminhos que percorri em relao interveno no CSE

    (vermelho) e os percorridos pelo grupo de prticas corporais (azul). Os caminhos

    comearam de forma paralela e foram se entrelaando no decorrer do processo.

    87

    Figura 6: Material produzido no encontro a partir do tema cuidado com o corpo. 134

    Figura 7: Rolos de massagem produzidos a partir da estrutura de papelo dos lenis

    descartveis utilizados no CSE.

    137

    Figura 8: Bolas de meia produzidas por participantes do grupo de prticas corporais 139

    Figura 9: Rolo para massagem produzido por participante do grupo de prticas corporais 140

    Figura 10: Flores de papel crepom (esquerda) e de garrafas plsticas (direita) produzidas por

    participantes do grupo de prticas corporais para Festa da Primavera

    143

    Figura 11: Canos de plsticos que foram recolhidos em um supermercado e oferecidos ao

    grupo por uma participante

    144

    Figura 12: Locais onde foram realizadas prticas de caminhada pelo grupo 147

    LISTA DE QUADROS

    Quadro1: Sntese do planejamento para os encontros de prticas corporais no CSE Geraldo

    Horcio de Paula Souza

    77

    Quadro 2: Sntese de outros encontros desenvolvidos junto ao grupo de prticas corporais

    79

  • SUMRIO

    INTRODUO 11

    CAPTULO 1

    REFLEXES SOBRE A RELAO ENTRE EDUCAO FSICA E A PRODUO DE SADE

    21

    1.1 A bioEducao Fsica 21

    1.2 As prticas corporais 27

    1.3 Pesquisa e interveno na Ateno Bsica: duas tendncias 33

    1.3.1 Primeira tendncia: nfase na racionalidade biomdica 34

    1.3.2 Segunda tendncia: nfase no dilogo com a Sade Coletiva 47

    1.4 A Clnica Ampliada 55

    CAPTULO 2

    METODOLOGIA

    66

    2.1 O Projeto de Prticas Corporais no Centro de Sade Escola Geraldo Horcio de Paula

    Souza

    66

    2.2 DAS EXPERINCIAS NO CSE 75

    2.2.1 Com os participantes do grupo 75

    2.2.2 Com os profissionais do servio 80

    CAPTULO 3

    RESULTADOS

    85

    3.1 Caminhos de passagem 85

    3.1.1 Os caminhos que percorri 88

    3.1.2 Os caminhos percorridos pelo grupo de prticas corporais 125

    CONSIDERAES FINAIS 157

    REFERNCIAS 175

    ANEXOS 181

  • 11

    INTRODUO

    Investigaes tm mostrado o aumento das experincias relacionadas

    implementao de prticas corporais/atividade fsica no mbito dos servios de sade. Nesse

    contexto pode-se constatar que o tema atividade fsica e sade figura no nvel primrio da

    ateno como um elemento mobilizador de aes relacionadas promoo de maiores nveis

    de sade da populao. Ao serem consideradas as caractersticas da ateno bsica destacadas

    por Starfield (2002), a longitudinalidade ou continuidade, que atua como moduladora da

    prtica clnica; a acessibilidade, que permite ateno se constituir como uma importante

    porta de acesso ao sistema de sade; a integralidade, que diz respeito responsabilidade por

    todos os problemas de sade da populao adscrita de determinado territrio; e a

    coordenao, que se refere capacidade de responsabilizao por um determinado sujeito de

    modo integrado com os outros nveis da ateno; compreende-se a importncia desse tipo de

    interveno.

    Nesse sentido, podem ser apontadas trs iniciativas do Ministrio da Sade que

    inserem as prticas corporais no conjunto de suas aes: a primeira, a Poltica Nacional de

    Promoo da Sade (PNPS) que apresenta as diretrizes e estratgias de organizao das aes

    de promoo da sade nos trs nveis de gesto do Sistema nico de Sade (SUS) visando

    garantir a integralidade do cuidado e que teve como uma das aes especficas para o binio

    2006-2007 o incentivo implementao das prticas corporais/atividade fsica na rede bsica

    de sade e na comunidade; a segunda, foi a criao por meio da Portaria GM n 154, de 24 de

    janeiro de 2008, do Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF) que incluiu as atividades

    fsicas/prticas como uma das nove reas estratgicas e, alm disso, previu a participao do

    profissional de Educao Fsica na equipe mnima de sade1; e, mais recentemente, a

    instituio do Programa Academia da Sade, atravs da Portaria n 719, de 7 de abril de 2011,

    que busca contribuir para a promoo da sade da populao por meio da implantao de

    plos de prticas corporais/atividade fsica, de lazer e modos de vida saudveis denominados

    1

    H duas modalidades de NASF. O NASF1 deve ser composto por pelo menos cinco profissionais de modo no

    coincidente que podem ser das reas de psicologia, assistncia social, farmcia fisioterapia, fonoaudiologia,

    educao fsica, nutrio, terapia ocupacional, ginecologia, homeopatia, acupuntura (mdico), pediatria e

    psiquiatria. Em relao ao NASF2, deve ser composta por pelo menos trs profissionais, tambm no

    coincidentes, das reas de Assistncia Social, Educao fsica, Farmcia Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrio,

    Terapia Ocupacional, psicologia. http//:portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Portaria_N_154_GMMS.pdf.

    Acesso em: set2010.

  • 12

    de Plos da Academia da Sade2, os esto sendo implantados pelas Secretarias de Sade do

    Distrito Federal e dos Municpios com o apoio das Secretarias Estaduais de Sade e do

    Ministrio da Sade.

    No mbito da localidade em que este trabalho foi desenvolvido, podem ser

    identificadas propostas de incentivo implementao de prticas corporais nos servios de

    sade. No municpio de So Paulo, em 1991, houve a iniciativa da Secretaria de Sade de So

    Paulo3

    que incluiu, predominantemente, as Prticas da Medicina Tradicional Chinesa nas

    UBS. A esse respeito, destaca-se o estudo realizado pelo grupo de pesquisa Educao Fsica

    & Sade Coletiva & Filosofia da Escola de Educao Fsica e Esporte da Universidade de So

    Paulo4 (EEFE-USP), em parceria com a Faculdade de Sade Pblica tambm da Universidade

    de So Paulo (FSP-USP), que ao mapear e avaliar como as prticas corporais estavam sendo

    promovidas no Distrito do Butant, bem como os problemas, as necessidades e interesses dos

    profissionais do servio, identificaram importantes aspectos: por um lado, a existncia de

    prticas corporais em nove Unidades Bsicas de Sade (UBS) das treze UBS avaliadas e, por

    outro, a reduzida articulao entre os profissionais responsveis pelas prticas e o servio,

    assim como problemas de impacto e de adeso aos programas, apontando para a necessidade

    de uma maior aproximao dos valores, interesses e desejos das comunidades atendidas

    (WARSCHAUER et al, 2007).

    A respeito do tema, Moretti et al (2009) apontam aes desenvolvidas pela

    Secretaria Municipal de Sade de So Paulo (SMS/SP), que desde 2001 tem como um dos

    focos de atuao a implantao de prticas corporais abertas aos usurios em unidades de

    sade, cujo objetivo a produo de sade, especialmente no que se refere composio de

    2

    Com a portaria que institui a criao do Programa Academia da Sade houve a publicao de uma segunda

    portaria, Portaria n 1.401, de 15 de junho de 2011, que dispe sobre o incentivo para a implementao dos plos

    da Academia da Sade no mbito da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB). Foram definidas trs

    modalidades de plos: bsica, intermediria e ampliada. Para todas as modalidades est prevista a construo de

    espaos multiusos e de vivncia, sendo acrescido terceira uma sala de acolhimento, um depsito, sanitrios e

    rea de circulao e um espao destinado a um jardim. Os plos devero ser construdos prximos a escolas e

    UBS, mas no devem caracterizar a ampliao do espao fsico das unidades de sade. Alm disso, para que o

    Ministrio da Sade homologue o incentivo para a construo dos plos, os municpios devero possuir

    programa previamente implantado publicao da portaria n 1.401 com caractersticas semelhantes ao

    Programa Academia da Sade, os quais podem ter ou no NASF implantado. Disponvel

    em>http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/108543-1401.html. Acesso em set 2011. 3 A Secretaria de Sade de So Paulo, em 1991, ofereceu um curso de agentes multiplicadores de Tai Chi Pai Lin

    para os profissionais da rede municipal de sade e agentes comunitrios do Programa Sade da Famlia (PSF) a

    partir do qual houve a difuso, de modo predominante, nos servios de prticas corporais orientais embora

    tambm tenham sido incorporadas, em menor proporo, as prticas de alongamento, caminhada e ginstica. A

    iniciativa abarcou todo o municpio de So Paulo e foi responsvel por determinar, em vrias UBS, o modelo de

    prtica corporal a ser oferecido para a populao. 4 O Grupo de Pesquisa Educao Fsica & Sade Coletiva & Filosofia est cadastrado no CNPQ desde o ano de

    1999 e liderado pela Prof. Yara M. de Carvalho da EEFE.

  • 13

    relaes sociais e melhoraria da qualidade de vida da populao. De acordo com as autoras,

    a proposta esteve inicialmente baseada na oferta de prticas corporais teraputicas da

    Medicina Tradicional Chinesa, em funo do reconhecimento de tais atividades pela

    populao e pelos profissionais de sade. Nesse sentido, segundo o Caderno Temtico de

    Medicina Tradicional Chinesa da Prefeitura de So Paulo, o trabalho tinha como objetivo

    inicial: a) implantar e difundir distintas prticas da Medicina Tradicional Chinesa na rede de

    sade do municpio de So Paulo; b) capacitar, treinar e formar profissionais de sade com

    tcnicas simples e seguras; c) oferecer populao outras abordagens teraputicas

    comprovadamente eficazes e eficientes, especialmente no mbito da ateno primria; d) criar

    novas perspectivas de ensino e aprendizagem no campo das prticas da sade pblica; e)

    reduzir os custos dos tratamentos, com o uso de tecnologias simples e praticamente sem

    efeitos colaterais, entre outros.

    Disso decorreu um investimento anual mdio de R$ 50.000 da SMS/SP para a

    capacitao de profissionais e para o estabelecimento de parcerias, visando expanso da rea

    de abrangncia da iniciativa. Dentre as prticas oferecidas havia a Medicina Tradicional

    Chinesa (Lian Gong em 18 Terapias, Tai Chi Pai Lin, Meditao, Lien Chi, Xian Gong, Tai

    Ji Qi Gong), caminhada, alongamento, relaxamento, danas circulares e shantala. Estas

    formas de mobilizao corporal e comunitria tm, segundo as autoras, uma capacidade de

    adaptao s necessidades e ao contexto de cada polo de atuao (Zonas Leste, Sul, Sudeste,

    Norte e Centro-Oeste), favorecendo o uso de aproximadamente 70% dos equipamentos da

    rede pblica, embora a meta da Prefeitura fosse implementar esta iniciativa em todos os

    servios (MORETTI et al, 2009).

    Nesse sentido, as autoras reiteram que h muito a ser trabalhado tanto no que se

    refere ao desenvolvimento de polticas pblicas que possibilitem a continuidade da iniciativa,

    no sentido de interferirem na mudana cultural que afeta o comportamento dos indivduos,

    quanto na necessidade de criao de cargos pblicos com pessoal especializado para a

    interveno com prticas corporais na rede municipal de sade, o que favoreceria o

    seguimento, o monitoramento e avaliao das aes implantadas (MORETTI et al, 2009).

    Para tanto, consideram fundamental a implementao de um programa de prtica

    corporal/atividade fsica tendo como mote um processo educativo que permita o

    enfrentamento das distintas dificuldades enfermidade, incapacidade e/ou limitao scio-

    ambiental de forma coletiva, para que tais iniciativas possam atuar para alm dos modelos

    que priorizam a transmisso de conhecimentos e o aumento do nvel de atividade fsica e/ou

  • 14

    aquisio de componentes da aptido pela populao. Faz-se imprescindvel o entendimento e

    o comprometimento da administrao pblica nos nveis federal, estadual e municipal,

    especialmente por parte dos gestores encarregados da elaborao e efetivao de Polticas

    Pblicas de Promoo da Sade (MORETTI et al, 2009).

    Ainda que possam ser identificados avanos no que diz respeito implementao

    de iniciativas de prticas corporais/atividade fsica nos servios de sade, destaca-se a

    necessidade de uma orientao terico-metodolgica que favorea uma atuao mais coerente

    com as caractersticas da ateno bsica, sobretudo, revendo a ideia de promoo sade

    centrada em critrios prescritivos, culpabilizantes e moralizadores. Com isso, torna-se

    evidente a relevncia de ampliar as aes dos profissionais de sade para alm da oferta de

    grupos que enfatizam o componente tcnico da prtica e a atuao sobre a doena.

    Especificamente no campo da Educao Fsica, apresenta-se o desafio de pensar a

    incorporao de referenciais que contribuam para aes mais articuladas com os saberes e

    prticas dos outros profissionais de sade e mais sintonizadas com as necessidades da

    populao atendida.

    Meu interesse em contribuir para a qualificao do trabalho dos profissionais de

    Educao Fsica na ateno bsica decorreu de um conjunto de experincias acadmico-

    cientficas que podem ser situadas a partir da realizao do curso de Licenciatura em

    Educao Fsica na Universidade do Estado do Par (UEPA), entre os anos de 1996 e 1999,

    at o encontro com os saberes e prticas do campo da Sade Coletiva, na condio de

    membro do grupo de pesquisa Educao Fsica & Sade Coletiva & Filosofia da EEFE/USP,

    em 2008.

    Ao resgatar o percurso acadmico que trilhei na tentativa de caracterizar os

    motivos que me conduziram a escolha do tema de investigao, destaco alguns aspectos

    relacionados ao perodo de minha graduao em Educao Fsica. No referido curso, embora

    houvesse nos anos iniciais as disciplinas de Filosofia da Educao, Sociologia e Psicologia da

    Educao, as disciplinas que predominavam eram orientadas pelas cincias naturais e, o

    pensamento entre os docentes associava a atividade fsica e o esporte com a promoo da

    sade, seja no mbito escolar ou fora deste, segundo uma perspectiva centralmente

    biologicista.

    Em decorrncia, aprendamos a olhar e a compreender o corpo como uma

    mquina perfeita, que se adequadamente treinada, conforme os preceitos de disciplinas

    como higiene, fisiologia do exerccio e treinamento desportivo, agregaria sade. Este

  • 15

    entendimento focado no corpo biolgico encontrava eco nas demandas dos discentes que

    reclamavam por uma formao que atendesse as distintas possibilidades de atuao

    profissional, mas preferencialmente, academias, clubes e clnicas.

    Ainda que tenha vivenciado experincias junto comunidade por meio de

    atividades associadas Educao Fsica Escolar, Educao Fsica para Portadores de

    Necessidades Especiais e Projeto de Extenso de Condicionamento Fsico, essas iniciativas

    foram marcadas pela nfase na reproduo de um conjunto de conhecimentos das cincias

    naturais com reduzida tematizao sobre os sentidos e significados de sua aplicao. Minha

    graduao, portanto, esteve fundamentalmente voltada ao aprendizado do fazer, bem como

    aos distintos modos de aprimoramento da capacidade fisiolgica atravs das incurses nos

    laboratrios de anatomia, biologia e fisiologia, momento em que era possvel manipular o

    corpo como um autntico objeto.

    Foi nessa direo que meus primeiros passos profissionais foram dados. Meu foco

    voltou-se para a possibilidade de atuar junto a outros profissionais da sade no atendimento

    de pessoas com doenas crnico-degenerativas e do aparelho locomotor, perodo em que me

    senti impulsionada a cursar especializao em cinesiologia5.

    Nesse sentido, tive maior

    aproximao com os pressupostos hegemnicos do campo da sade em decorrncia do curso

    ser predominantemente composto por mdicos e fisioterapeutas, cujas abordagens estavam

    mais dirigidas para a cura e reabilitao.

    No entanto, um novo caminho estava prestes a ser trilhado em decorrncia do

    contato com uma realidade completamente distante das vivncias na graduao: a

    aproximao com o Sistema nico de Sade. Embora essa experincia tenha ocorrido junto a

    Unidade de Ensino e Assistncia de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, vinculada ao Centro

    de Sade (CSE) Escola da Universidade do Estado do Par, o acesso ao servio no foi

    viabilizado por iniciativas acadmicas, mas por meio de uma profissional da sade6 que

    ingressou na referida Unidade, com quem j atuava no setor privado. Cabe destacar que era

    restrita a interlocuo entre os cursos da sade e os cursos de Educao Fsica e, no caso da

    instituio, tal realidade se tornava mais evidente medida que os alunos do curso especfico

    eram os nicos que no frequentavam o CSE como campo de estgio.

    5

    Essa especializao foi promovida pelo curso de Fisioterapia da Universidade do Estado do Par (UEPA) no

    ano de 2000. Os docentes eram das reas mdica, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Educao Fsica. Destaca-

    se que a participao do docente da rea de educao fsica ocorreu na disciplina de fisiologia do exerccio.

    Quanto aos alunos, a predominncia era de profissionais das duas primeiras reas, mas tambm havia dois

    terapeutas ocupacionais e trs educadores fsicos. 6 Graduada em fisioterapia pela UEPA, nosso contato se deu quando cursvamos especializao em cinesiologia.

  • 16

    As experincias junto ao servio favoreceram no apenas o contato com a

    dinmica de organizao do processo de trabalho, mas principalmente a aproximao entre os

    diferentes atores profissionais, usurios e gerncia como contriburam para despertar o

    interesse em compreender os motivos da no incluso da Educao Fsica naquele contexto.

    Os relatos dos profissionais justificavam a ausncia da Educao Fsica no SUS em funo da

    rea no estar voltada assistncia como as demais profisses da sade.

    A partir destas vivncias dei incio a uma nova trajetria acadmico-cientfica no

    campo da sade por me sentir fortemente mobilizada para atuar junto ateno bsica. A

    aproximao com o contexto do SUS foi responsvel por suscitar uma srie de

    questionamentos que se relacionavam tanto minha atuao profissional, como em relao ao

    papel da Educao Fsica no mbito da sade pblica. Dentre vrias questes que surgiram,

    priorizo duas aqui: Seria possvel a efetiva participao da Educao Fsica junto ao servio

    pblico de sade? Qual seria a funo da Educao Fsica no SUS?

    Para respond-las, busquei aproximaes com o campo da sade por meio da

    participao em cursos de formao, cujas discusses estavam relacionadas aos temas do

    cuidado em sade, das prticas corporais, da humanizao da ateno e da promoo em

    sade; e, em projetos de pesquisa voltados investigao de questes ainda pouco

    tematizadas na rea especfica como: as prticas corporais. Em relao aos projetos, destaco a

    Avaliao qualitativa dos programas de reduo de sedentarismo e promoo da sade:

    Academia da Cidade e CuritibAtiva7, desenvolvido no ano de 2008, cujo propsito era

    implementar uma avaliao qualitativa do programa desenvolvido pela Secretaria de Esporte e

    Lazer em distintos bairros da cidade; Caminhos da Integralidade: levantamento e anlise de

    tecnologias de cuidado integral sade em servios de ateno primria8, do qual participei

    no ano de 2009, voltado para o estudo sobre o modo como o princpio da integralidade

    operado nas Unidades Bsicas do distrito do Butant, So Paulo, e assim contribuir para o

    planejamento e a sistematizao de arranjos tecnolgicos para o campo da ateno primria; o

    projeto As prticas corporais e a ateno primria em sade: avaliando os cuidados com o

    7

    O projeto Academia da Cidade realizado na cidade de Recife-PE, e o CuritibaAtiva, do qual participei da fase

    realizada na cidade de Curitiba /PR no ano de 2008. 8

    O projeto Caminhos da Integralidade: levantamento e anlise de tecnologias de cuidado integral sade em

    servios de ateno primria, foi iniciado no ano de 2006 e coordenado do Prof. Dr. Jos Ricardo de Carvalho

    Mesquita Ayres, mdico sanitarista, Titular do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina

    da USP.

  • 17

    corpo nas unidades bsicas do Distrito Butant em So Paulo9, o qual integrei no ano de

    2010, atuando como uma das coordenadoras do trabalho de campo, tinha como objetivo

    avaliar a implementao das prticas corporais em duas Unidades Bsicas de Sade, Vila

    Dalva e So Jorge, e no Parque Previdncia no Distrito Butant; e, em andamento, o projeto

    Polticas de Formao em Educao Fsica e Sade Coletiva: atividade fsica/prticas

    corporais no SUS, iniciado em novembro de 2010, em parceria com dois grupos de pesquisa:

    um vinculado Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outro, Universidade

    Federal do Esprito Santo (UFES), que investiga temas relacionados s polticas de formao

    no campo da Educao Fsica em interface com as reas da Educao e da Sade Coletiva.

    Alm da participao nos projetos que determinaram a constituio de meu objeto de

    investigao no mestrado, destaco a aproximao com o projeto Prticas corporais e

    comunidade10

    , junto ao Centro de Sade Escola Samuel Barnsley Pessoa da USP, sob

    responsabilidade do Grupo de Pesquisa Educao Fsica & Sade Coletiva & Filosofia da

    Escola de Educao Fsica da USP.

    Foi dessa maneira que meus questionamentos e o conjunto de experincias

    vivenciadas com a aproximao da Sade Coletiva permitiram que identificasse no apenas

    o problema da pesquisadora, mas, sobretudo, o problema da rea que coloca o desafio de

    pensar a composio de modos de intervir mais condizentes junto ao SUS, especialmente,

    considerando as intervenes reduzidas sobre o processo sade-doena-interveno

    implementadas de modo predominante pelos profissionais especficos. Foi partindo dessa

    perspectiva que busquei investigar o trabalho com as prticas corporais no servio pblico por

    meio de um projeto de interveno em um Centro de Sade Escola. A proposta era

    experimentar formas para operacionalizar conceitos que ajudassem na qualificao do

    trabalho com as prticas corporais como prticas capazes de produzir junto populao

    atendida outros olhares sobre a gestualidade, a sade e, em ltima instncia a vida.

    Meu interesse, com a interveno, era reafirmar o carter de prtica social da

    Educao Fsica, no que diz respeito produo de sade da populao. Parto do pressuposto

    que ainda h um distanciamento entre a formao em Educao Fsica e o servio. Tal

    9 O projeto As prticas corporais e a ateno primria em sade: avaliando os cuidados com o corpo nas

    unidades bsicas do Distrito Butant em So Paulo, coordenado pela Prof Dra. Yara Maria de Carvalho,

    Professora Associada da Escola de Educao Fsica e Esporte da USP, foi realizado de 1997 a 2010. 10

    Este projeto teve incio em 2001como um desdobramento de uma iniciativa, em 1999, de aproximao entre os

    graduandos do 4 ano da EEFE e o CSE Butant. Foi nesse sentido que a atuao junto ao grupo de pesquisa

    contribuiu para demarcar o processo de ressignificao sobre o trabalho em sade e possibilitou a minha

    investigao na ateno bsica

    .

  • 18

    realidade foi evidenciada por Luz quando afirmou que [...] a presena das atividades

    corporais ligadas educao fsica no SUS ainda incipiente [...] (LUZ, 2007, p.15), e que

    para a superao deste cenrio cabe a conscientizao e apropriao do papel social da

    Educao Fsica por parte dos gestores, profissionais e estudantes. Torna-se, portanto,

    fundamental tematizar a formao em sade na rea especfica que, tradicionalmente,

    enfatizou a atuao em mbito privado.

    Outra questo que merece destaque diz respeito ao referencial terico que

    fundamenta as iniciativas, o qual tende a produzir intervenes que valorizam a dimenso do

    orgnico, da doena e da mecanizao das prticas em detrimento dos aspectos subjetivos e

    sociais que permeiam o trabalho em sade. Nesse sentido h que se atuar em direo

    inveno de aes que possibilitem recomposio do trabalho no sentido de prosseguir com

    a aproximao entre a formao em sade e a atuao no cotidiano dos servios, o que j vem

    sendo proposto atravs de recentes iniciativas como a do PET-Sade119

    (Programa de

    Educao pelo Trabalho pela Sade), especialmente considerando que:

    o profissional de sade necessita de conhecimento cientfico e tecnolgico,

    mas tambm de conhecimento de natureza humanstica e social relativo ao

    processo de cuidar, de desenvolver projetos teraputicos singulares de

    formular e avaliar polticas e de coordenar e conduzir sistemas e servios de

    sade (CARVALHO E CECCIM, 2007, p. 157).

    Ao buscar aporte terico que contribusse para responder esse desafio, encontrei o

    referencial da Clnica Ampliada12

    ,9que prope [...] uma clnica centrada nos Sujeitos

    concretos, nas pessoas reais, em sua existncia concreta, tambm considerando a doena

    como parte dessas existncias (CAMPOS, 2003, p. 56). E, o Mtodo da Roda139

    que ofereceu

    11

    Trata-se de uma iniciativa dos Ministrios da Sade e da Educao (Portaria Interministerial MS/MEC n

    1.802/2008; Portaria Interministerial MS/MEC n 421/2010) que tem a finalidade promover a formao de

    grupos de aprendizagem tutorial para o desenvolvimento de atividades educacionais em reas estratgicas do

    Sistema nico de Sade (SUS) com base nos princpios do SUS e nas necessidades da populao. As aes

    esto dirigidas para a qualificao em servio dos profissionais da sade, bem como para a iniciao no trabalho

    em sade dos estudantes de graduao. Podem participar do Programa Instituies de Educao Superior (IES), pblicas ou privadas sem fins lucrativos, que tenham parceria com a Secretaria Municipal de Sade e/ou a

    Secretaria Estadual de Sade de sua regio, selecionadas por meio de editais publicados pelo Ministrio da

    Sade para desenvolvimento de grupos PET nas reas de Sade da Famlia, Vigilncia em Sade e Sade

    Mental. O Programa constitudo por docentes das instituies de ensino superior (tutores), profissionais dos

    servios de sade (preceptores) e estudantes de graduao das reas da sade (Medicina, Enfermagem,

    Odontologia, Farmcia, Psicologia, Educao Fsica, Terapia Ocupacional, Nutrio e Fisioterapia). Disponvel

    em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=35306. Acesso em ago 2012.

    De acordo com dados do Ministrio da Sade dos 545 PET-Sade/Sade da Famlia desenvolvidos nos anos

    2010/201143 projetos eram de cursos Educao Fsica, dentre os quais o grupo PET-Sade Educao Fsica da

    USP-Capital.

    12 O termo Clnica Ampliada ser grafado neste texto em itlico por se tratar de um referencial-terico.

    13 O termo Mtodo da Roda ser grafado neste texto em itlico por se tratar de um referencial-terico.

    http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=35306

  • 19

    embasamento em funo da teoria reconhecer [...] os espaos coletivos tambm como lugar

    de reflexo crtica, produo de subjetividade e constituio de sujeitos (CAMPOS, 2000,

    p.14).

    A aproximao com as teorias foi desenvolvida em funo da necessidade de

    experimentar um referencial que ajudasse a lidar com o desafio para o qual estamos sendo

    convocados que diz respeito necessidade de formar profissionais capazes de criar aes

    sintonizadas e coerentes com as dimenses individual e coletiva do cuidado para alm do

    modelo hospitalocntrico da clnica que orienta as diferentes subreas da sade. Ao trabalhar

    com o conceito de Clinica Ampliada e Compartilhada, no busquei a criao de uma clnica

    para a Educao Fsica tampouco propor que os profissionais da rea atuem com os mesmos

    referenciais da rea mdica.

    Quis chamar ateno para a necessidade do profissional de sade recompor o seu

    objeto de interveno para alm do foco na doena ou no componente tcnico, reconhecendo

    as implicaes desse modelo da bioEducao Fsica14

    ,9analogamente ao modelo biomdico,

    que atua de forma medicalizante e excludente sobre a vida dos atores envolvidos com a

    produo de sade. Torna-se, portanto, a premncia do reconhecimento das dimenses

    relativas subjetividade, afetividade e ao mbito social das prticas dos profissionais de

    sade. Mas, para tanto h que se enfrentar o desafio de assumir como objeto as noes de

    problemas de sade, de vulnerabilidade, de trabalho em rede e de composio de grupos no

    centrados na doena, afim de ressignificar as iniciativas de cuidado implementadas nos

    14

    A utilizao do termo bioEducaoFsica foi adotada neste trabalho seguindo as orientaes do Prof. Dr.

    Gasto Campos durante o exame de qualificao do mestrado, quando o docente fez meno s duas escolas da

    Educao Fsica apresentadas no item REFLEXE SOBRE A RELAO ENTRE EDUCAO FSICA E A

    PRODUO DE SADE. Em sua fala o Prof. Gasto reiterou que a relao da Educao Fsica com a sade

    est baseada em uma lgica tradicional, reduzida e limitada sobre o processo sade-doena-interveno, cuja

    nfase tem sido a doena e a fisiologia sem que seja considerada a complexidade da vida, incluindo os fatores

    subjetivos e sociais. Nessa perspectiva apontou para a existncia de uma bioEducao Fsica, tal como existem

    em outras reas da sade a bioMedicina, a bioEnfermagem e etc. O docente destacou ainda que a proposta de um

    trabalho com o referencial da Clnica Ampliada na Educao Fsica, como trazido por esta pesquisa, quer chamar

    ateno para o desafio para o qual os educadores e profissionais da sade, incluindo os da Educao Fsica, esto

    sendo chamados, no que se refere ao trabalho em sade, seja junto ao NASF, em um Centro de Sade ou em um

    Servio Traumatologia e Reabilitao. Para o Prof. Gasto a discusso desenvolvida nesta investigao tem o

    sentido de ressaltar que cabe aos profissionais de Educao Fsica desenvolver modos de intervir baseados em

    problemas de sade e em vulnerabilidades, ampliando a compreenso de promoo da sade, que concebe a

    atividade fsica como capaz de produzir sade do ponto de vista da antecipao de problemas e da mudana de

    hbitos. [udio do exame de qualificao do projeto de mestrado As prticas corporais e a Clnica Ampliada

    ocorrido na Escola de Educao Fsica e Esporte da USP em 05/12/11 cuja banca foi composta pelos docentes

    prof. Dr. Gasto Wagner de Souza Campos, sanitarista, Titular do Departamento de Sade Coletiva da Faculdade

    de Cincias Mdicas da Unicamp; Alex Branco Fraga, licenciado em Educao Fsica, docente da Escola de

    Educao Fsica (ESEF) e do Programa de Ps-Graduao em Cincias do Movimento Humano (PPGCMH) da

    UFRGS; e pela profa. Dra. Yara Maria de Carvalho, Professora Associada da Escola de Educao Fsica e

    Esporte da USP].

  • 20

    servios de sade por meio da ampliao da responsabilizao e do vnculo entre

    trabalhadores e a populao atendida.

    Nesse sentido, seguindo a trilha dos dilemas da pesquisadora e dos problemas

    do campo, busquei a aproximao com um referencial que permitisse experimentar uma

    maneira para operacionalizar o trabalho com as prticas corporais na ateno bsica buscando

    contribuir com a discusso sobre o papel social do profissional de Educao Fsica no campo

    da ateno.

    O intuito era reafirmar a importncia de qualificar as aes do profissional de

    Educao Fsica na ateno bsica na direo da construo de projetos de cuidado capazes de

    dialogar com as necessidades das pessoas e com os princpios do SUS. Ao olhar o trabalho

    em sade sob esta perspectiva, ressalto que a experincia reforou a premncia do profissional

    especfico investir na inveno de metodologias de trabalho a fim de que novos caminhos de

    cuidado possam ser trilhados junto ao SUS no somente para a superao da lgica tradicional

    de pensar a sade no campo, mas sobretudo para responder as demandas apresentadas pela

    populao e pelos servios de sade ao campo da Educao Fsica.

  • 21

    CAPTULO 1

    REFLEXES SOBRE A RELAO ENTRE EDUCAO FSICA E A PRODUO

    DE SADE

    Neste captulo tratarei, inicialmente, sobre a relao Educao Fsica e sade

    situando a existncia de duas tendncias no campo. A primeira, a bioEducao Fsica, que

    define o papel do profissional como relacionado preveno de doenas e ao combate ao

    sedentarismo por estar fundamentada nos referenciais da biomedicina, e a segunda tendncia

    baseada nas prticas corporais que privilegia o desenvolvimento de aes em sade a partir de

    um olhar mais amplo sobre o processo sade-doena-interveno, seguindo os referencias das

    Cincias Humanas e Sociais e da Sade Coletiva. Aps apresentar as tendncias da Educao

    Fsica no que se refere ao tema do trabalho em sade, trago o que tem sido produzido no

    mbito da pesquisa e interveno na ateno bsica com o objetivo de favorecer a

    compreenso sobre a importncia de o profissional especfico redefinir seu objeto de trabalho,

    bem como sua maneira de intervir em sade.

    1.1 A bioEducao Fsica

    A atuao do profissional Educao Fsica no contexto da Sade tem sido

    tradicionalmente associada com a implementao de aes que sejam capazes de

    promover a sade da populao por meio de programas de exerccios fsicos, os quais ao

    se fundamentarem na racionalidade biomdica privilegiam a dimenso biolgica do ser

    humano em detrimento do conjunto de fatores relacionados ao processo sade-doena-

    interveno. Neste sentido, a discusso sobre os modos de agir e pensar predominantes na

    rea pode ser compreendida com base nas palavras de Carvalho (2005, p.19) ao afirmar

    que:

    A educao fsica esteve historicamente voltada para a rea da sade, de

    um modo geral. Entretanto, para uma sade que se fixa em dados

    estatsticos, que reduz o fenmeno a uma relao causal determinada

  • 22

    biologicamente, que desconsidera a histria da sociedade, e que tende a

    responsabilizar, nica e exclusivamente, o indivduo por sua condio de

    vida. Assim, a pesquisa e a interveno dirigidas a pessoas e comunidades

    margem do acesso ao trabalho, ao lazer, educao e sade, por

    exemplo, tm sido pouco priorizadas.

    A assertiva evidencia a maneira de pensar e intervir pouco ampliada que

    predomina entre os profissionais do campo decorrente da fundamentao nos preceitos

    biomdicos, bem como suscita a reflexo sobre a influncia de outros aspectos que

    contribuem para a produo de modelos de interveno homogeneizadores e medicalizantes

    do cuidado. De acordo com Soares (2001) este modelo de interveno teve incio entre o final

    do sculo XVIII e incio do XIX por influncia dos saberes da rea mdica e da instituio

    militar. No perodo, o propsito das aes era atender as exigncias de eugenizao e

    disciplinarizao dos sujeitos visando produo de subjetividades que pudessem ser

    enquadradas no modo de produo recm-constitudo com a Modernidade.

    Conforme destacado por Luz (2007), apesar da tradio dos saberes e prticas da

    Educao Fsica relacionados ao treinamento e ao adestramento do corpo anteceder a

    medicina moderna e a clnica de especialidades, foi a partir dos sculos XIX e XX que os

    profissionais da rea especifica se lanaram em busca de legitimao cientfica perante a

    autoridade e o poder da biomedicina. Em decorrncia da influncia do saber cientfico e da

    medicina, houve a reestruturao no discurso dos profissionais da rea no que se refere aos

    modos de intervir em sade.

    Ao constatar este cenrio, Luz (2007) chama a ateno que o objeto de trabalho

    da Educao Fsica, o corpo em movimento, no deve ser desconsiderado nem mesmo

    colocado em segundo plano diante dos saberes da racionalidade cientfica justamente por

    agregar diferentes tradies e prticas que vo desde o esporte at a ginstica, bem como a

    herana circense. Nesse sentido, a autora afirma que a formao no campo da Educao Fsica

    vem assumindo maior nvel de complexidade de maneira tambm proporcional sua

    complexificao. Contudo, considera que mesmo tendo havido uma ampliao da funo da

    rea especfica na grande rea da sade, tal crescimento no vem sendo observado no

    contexto do servio pblico de sade.

    A afirmao da autora nos remete reflexo sobre a necessidade de o profissional

    especfico trabalhar para a recuperao do sentido social da rea com o propsito de ampliar e

    garantir a construo de intervenes responsveis nos servios de sade frente s demandas

    da sociedade porque apesar da atuao dos profissionais da Educao Fsica estar voltada para

  • 23

    o sujeito e sua gestualidade, conforme considera Luz (2007), a nfase das aes tem

    focalizado o aspecto dos efeitos das prticas nos componentes fsico-biolgicos.

    Esta realidade j havia sido destacada por Carvalho como relacionada ao processo

    de adjetivao que a rea especfica vem desenvolvendo sobre os corpos, que tende no

    somente a adjetivar, como tambm deformar o corpo em sedentrio. Do que decorre a

    desvalorizao dos desejos, das vontades e dos sentimentos dos sujeitos envolvidas na relao

    com o profissional especfico, sobretudo porque as noes de [...] disciplina, produo,

    organizao, docilidade e administrao do desejo so elementos presentes no modo de

    pensar, escrever e intervir no corpo (CARVALHO, 2001, p.93).

    Neste sentido, torna-se importante o profissional da rea considerar que o

    processo de adjetivao, fortemente influenciado pela lgica capitalista no que diz respeito

    produo de comportamentos visando o consumo de bens e servios relacionados ao cuidado

    com o corpo, tende a no ser to negativo, segundo a autora, quando a referncia ocorre

    apenas no plano do aparente e do superficial em comparao com a [...] desvalorizao que

    se situa no mbito profundo, dos valores, dos pensamentos, dos sentimentos, das emoes,

    das vontades e dos desejos (CARVALHO, 2001, p.92). As consideraes nos remete a pouca

    reflexo sobre as implicaes deste modo de intervir na vida dos sujeitos vinculados aos

    programas de atividade fsica, assim como reafirma a necessidade de discusso, no apenas

    com os profissionais, mas tambm com os alunos, no mbito da graduao.

    Ao considerar o modo como os profissionais do campo enfatizam os aspectos da

    forma, da aparncia, do rendimento e da moral, pode-se compreender as palavras de Carvalho

    (1995, p.95) quando ressalta que o termo Educao Fsica no neutro, o que evidencia a

    forte influncia do contexto histrico e social especfico na constituio da rea. Disso

    decorre que tanto o significado presente nas diferentes concepes remete o termo Educao

    Fsica prtica de atividade fsica, quanto compreenso das pessoas sobre os contedos da

    rea se torna restrita. , portanto, a partir desse contexto que a Educao Fsica passa a ser

    entendida como o ato de praticar uma determinada modalidade e o profissional assume

    como objetivo o trabalho com a aptido fsica em detrimento da compreenso da atuao em

    sade na rea como uma prtica social.

    No entanto, alm desse discurso que contribui para difundir a atividade fsica

    como produtora de sade e a Educao Fsica como sinnimo de atividade fsica, a exemplo

    da expresso fazer fsica com o objetivo de se referir s aulas de Educao Fsica escolar,

    h outro que busca questionar a capacidade da atividade fsica de combater a ocorrncia de

  • 24

    doenas por ela mesma, como ressalta Carvalho (1995). Discurso que, segundo a autora, atua

    no sentido de [...] mascarar outros determinantes da sade e do quadro social brasileiro

    (CARVALHO, 1995, p.63).

    A esse respeito Fraga (2006) considera que houve uma espcie de atualizao do

    discurso sobre a relao entre Educao Fsica e sade, pois hoje a nfase est mais dirigida

    para a produo e difuso de informaes dos benefcios da atividade fsica, em detrimento da

    prpria prtica da atividade. Para o autor, que investigou o exerccio da informao relativo

    ao discurso de vida ativa do Programa Agita So Paulo, a atuao dos profissionais do campo

    tem se vinculado de modo predominante a modelos prescritivos com o propsito de incutir na

    populao uma nova crena fsico-sanitria sobre os benefcios da atividade tendo como

    base uma estratgia pedaggico-sanitria. Esse modo de agir e pensar a sade tem

    influenciado amplamente a atuao dos profissionais da rea que tem privilegiado modelos de

    interveno de carter prescritivo e culpabilizador, visando imprimir na populao um modo

    de pensar e agir que faz parte de [...] uma racionalidade fsico-sanitria, dentro de uma rede

    mundial de disseminao da atividade fsica como fator de proteo contra o sedentarismo

    (FRAGA, 2006, p.8).

    De acordo com Fraga (2006), como parte dessa estratgia desenvolve-se uma

    espcie de mapeamento das identidades marginais, quando as pessoas passam a

    enquadradas em classificaes que induzem o reconhecimento como sedentrio, gordo,

    fumante, estressado, drogado, que tem por finalidade criar mecanismos para a determinao

    de normas sobre uma vida saudvel. nessa perspectiva que h uma disseminao do

    discurso sobre a importncia da conscientizao da prtica da atividade fsica por meio

    tanto da responsabilizao de cada pessoa pela conduo da prpria da sade quanto pela

    propagao de informaes das consequncias da no adeso a esse modelo de pensar a

    sade.

    Em outras palavras, o modelo tem efetivamente se dirigido dominao do

    imaginrio social, em detrimento de aes voltadas ampliao do nmero de sujeitos

    praticantes de atividade fsica e da produo de sade segundo uma noo mais ampla sobre a

    sade. Ainda segundo Fraga (2006) torna-se fundamental que os profissionais da Educao

    Fsica compreendam a lgica universalista e as articulaes poltico-econmicas que

    fundamentam os modelos com o propsito de empreenderem uma anlise sobre as

    implicaes do exerccio da informao no que diz respeito ao processo de regulao e

    governo dos corpos no mercado da vida ativa.

  • 25

    As afirmaes do autor chamam ateno para os modos de intervir

    descontextualizados e restritos ao componente biolgico dos profissionais de Educao Fsica

    que tendem a atuar por meio de um processo baseado na culpa e no medo ao associarem a

    prtica de atividade fsica pela populao aos planos da vontade e do acesso informao

    (FRAGA, 2006). Percebe-se que os modos de agir e pensar a sade predominantes entre os

    profissionais de Educao Fsica remetem a ideia de uma atuao baseada na lgica do

    ativismo, que de acordo com Almeida e Fensterseifer caracterizado por [...] atividades no

    refletidas, com um fim em si mesma e determinadas por uma rotina j consagrada

    (ALMEIDA E FENSTERSEIFER, 2006, p.7).

    Torna-se evidente a necessidade da compreenso por parte do profissional sobre a

    diferena de propor uma interveno baseada na lgica da mudana de estilos de vida e na

    doena ou na lgica que reconhece o processo sade-doena-interveno. Neste sentido, h

    que se pensar nos mltiplos aspectos relacionados produo de sade com o propsito de

    que as aes no sejam dirigidas para a doena que embora no deva ser desconsiderada

    quando colocada como aspecto central das intervenes pode contribuir para estigmatizar o

    sujeito (CARVALHO, 2006). As consideraes da autora chamam a ateno sobre como os

    modos de intervir podem contribuir para que as pessoas sejam reconhecidas e classificadas a

    partir de uma determinada doena ou de seus modos de vida, ou seja, como o diabtico, o

    hipertenso, o obeso ou o sedentrio, o preguioso.

    Em relao discusso sobre os estilos de vida supostamente adotados pela

    populao e suas consequncias para a sade, Palma et al (2010) afirmam que o tema traz

    para a Educao Fsica questes de natureza tica acerca do imperativo naturalizante

    relacionado s noes de causa-consequncia relativos escolha de comportamentos de

    risco. De acordo com os autores, que investigaram a relao do culto ao corpo na mdia

    especializada, pode ser constatado a reiterao do discurso da prtica de atividade fsica e do

    consumo de bens e servios como relacionados conquista da sade perfeita pelo uso de

    tcnicas, que se apresentam como solues rpidas e milagrosas, embora inacessveis para a

    maioria da populao. Outra forma de reiterao desta retrica se d por meio do processo de

    culpabilizao dos sujeitos que no se enquadram em tal perspectiva para conduzir a prpria

    vida. Ainda segundo os autores, a constituio da sade segundo essa mesma perspectiva no

    privilegia os fatores subjetivos, sociais e econmicos justamente porque a inteno

    sintonizar a produo de novas subjetividades com os interesses corporativos e

    mercadolgicos que a acompanham (PALMA et al, 2010).

  • 26

    Essa realidade j havia sido evidenciada por Carvalho (1995) ao afirmar que a

    massificao dos estilos de vida contribua para a transformao da atividade fsica em bem

    de consumo, assim como pelas mudanas tecnolgicas e pela poltica de mercado que

    imputavam aos sujeitos um processo de responsabilizao do cuidado com o corpo por meio

    da indstria cultural e da beleza. Alm disso, a autora ressaltou a constante criao de valores

    e conceitos junto populao relacionados com uma suposta necessidade de ateno ao corpo

    que tem como propsito favorecer o consumo de produtos relativos a essas mesmas

    necessidades (CARVALHO, 2001).

    Nessa linha, Freitas (2007) afirma que, embora a atividade fsica seja a expresso

    predominante dos contedos da Educao Fsica, torna-se fundamental o reconhecimento por

    parte do profissional de que a maneira como lida com o tema em questo pode determinar a

    maneira como a populao se apropria do trabalho realizado. A esse respeito afirma que: [...]

    falar apenas em atividade fsica diz respeito a uma tarefa, uma atividade, com o intuito de

    verificar os efeitos provocados por ela. E, nesse sentido, reitera que pensar na Educao

    Fsica, demanda:

    [...] considerar a formao, o profissional que vai refletir sobre o grupo ou

    indivduo com o qual trabalha, a sociedade nos planos histrico, econmico

    e social para, a partir de ento, pensar, elaborar e propor contedos e

    estratgias (p.33).

    A reviso sobre a tendncia de interveno predominante na Educao Fsica

    permite compreender a constituio de uma espcie de bioEducao Fsica, que intervem

    sobre a sade da populao de maneira prescritiva, culpabilizadora e homogeneizante em

    decorrncia do referencial que orienta as aes dos profissionais ser os da racionalidade

    biomdica. Percebe-se, portanto, que est uma questo presente no apenas no campo da

    Educao Fsica, mas tambm nas profisses da sade que so formadas segundo

    pressupostos hegemnicos da objetividade, neutralidade e cientificidade da biomedicina. Da

    a utilizao do termo bioEducao Fsica que pode ser estendido para outras reas,

    bioMedicina, a bioFisioterapia, a bioEnfermagem, etc., considerando o olhar reduzido e

    fragmentado para o trabalho em sade.

    Diante disso reafirma-se a importncia de avanar na discusso, na maneira de

    intervir, no que diz respeito aos papis almejados e assumidos pela Educao Fsica no

    contexto da formao e da atuao em sade. Isso significa trabalhar na construo de aes

    que dialoguem com outras questes tais como a construo de vnculo positivo e

    corresponsabilidade entre os sujeitos envolvidos nas aes de sade, a atuao com

  • 27

    vulnerabilidades em vez da atuao somente pela lgica da riscologia, bem como a

    construo de um trabalho compartilhado, especialmente porque no desejvel e nem

    aceitvel que estudantes e profissionais de sade permaneam supondo de maneira pouco

    crtica que basta saber ou basta querer para que os problemas de sade da populao sejam

    facilmente resolvidos. H, portanto, que prosseguir na abertura de outros caminhos de

    interlocuo, especialmente pelo esmaecimento das fronteiras das cincias humanas e

    biolgicas, com a finalidade de produzir novos encontros que possam ajudar os profissionais

    da Educao Fsica a ressignificar o sentido atribudo ao trabalho em sade.

    1.2 As prticas corporais

    Ao considerar a existncia de um modelo de interveno hegemnico na rea

    especfica, traduzido como uma bioEducao Fsica, torna-se evidente que o encontro entre

    Educao Fsica e Sade Coletiva se apresenta como estratgico para o campo, conforme

    afirma Carvalho (2005), medida que contribui para que a sade seja compreendida para

    alm da mera oferta de programas de exerccio fsico ou de servios de mdicos-assistenciais.

    De acordo com a autora, o carter interdisciplinar de ambas as reas pode favorecer a

    articulao entre saberes e prticas, embora ressalte que ainda existem dificuldades de

    composio em decorrncia de os profissionais da Educao Fsica as cincias mdicas com a

    realizao de procedimentos e como distantes da populao. Para tanto considera ser

    fundamental que os profissionais especficos compreendam que a Sade Coletiva um campo

    de saberes e prticas que assume como objeto as necessidades sociais de sade com o

    propsito de elaborar e propor novas possibilidades interpretativas e explicativas sobre o

    processo sade-doena, tendo como horizonte a ampliao de significados e maneiras de

    intervir quando o tema a sade de pessoas e comunidades.

    Nesse sentido, Carvalho (2005) traz algumas questes que tornam evidente que a

    compreenso sobre a constituio do campo da Sade Coletiva sob a perspectiva de

    processo pode ajudar os profissionais da Educao Fsica a reconhecer outros modos de

    pensar e agir na produo de sade. Para a autora, portanto, o movimento da Educao Fsica

    em direo Sade Coletiva traz questes de natureza tica, tratando-se, sobretudo, de

    [...] uma questo de princpio: o profissional especfico precisa estar atento

    ao fato de que para que as populaes alcancem nveis adequados de sade

  • 28

    necessrio ir alm do acesso a servios mdico-assistenciais ou da prtica de

    atividade fsica. Implica, por exemplo, enfrentar a questo da produo de

    conhecimentos dirigida aos grupos sem acesso informao relativa aos

    cuidados com o corpo, de um lado, e de outro com as polticas pblicas

    comprometidas com a com as repercusses na sade. No conseguiremos

    interferir no processo sade-doena se a Educao Fsica no ouvir, analisar

    e avaliar o que se pensa e se faz em sade hoje, especialmente na sua

    dimenso coletiva. Escrevemos em prol da sade, da qualidade de vida e do

    bem-estar mas no conseguimos explicar porque no construmos vnculos,

    por exemplo, com o servio pblico de sade (p.22).

    Freitas et al (2006) consideram que a aproximao entre as referidas reas

    possibilita uma atuao mais alinhada por parte da Educao Fsica no que se refere ao

    atendimento dos interesses e necessidades da populao. De acordo com as autoras, nessa

    aproximao, o objeto de trabalho, no mbito das prticas, passa a ser orientado para o

    atendimento das necessidades sociais de sade, utilizando diferentes saberes, disciplinas e

    tecnologias de ordem material e no-material.

    O encontro significa um contraponto ao padro de sade da rea justamente por

    compreender o corpo a partir de outra perspectiva, mais ampliado. O que no significa

    desconsiderar os saberes e prticas do campo biomdico, mas reconhecer que a atuao em

    sade demanda a incorporao de outros referenciais. E, nesse sentido, Carvalho (2006)

    prope o trabalho a partir e com as prticas corporais em detrimento da atividade fsica.

    Embora o conceito de prticas corporais apresente diversidade de sentidos e significados,

    como apontado por Lazzarotti Filho et al (2010) em artigo que investiga o uso do termo na

    literatura cientfica brasileira e sua repercusso no campo da Educao Fsica, na presente

    investigao adota-se o de Carvalho (2006; 2007), que compreende as prticas corporais

    como modos de expresso [...] da cultura corporal de determinado grupo, e que carregam

    sentidos e significados que as pessoas lhes atribuem (CARVALHO, 2007, p.65).

    Ao considerar a necessidade de propor modos de intervir que reconhecem desejos,

    interesses e necessidades da populao, Carvalho (2006) sugere transpor fronteiras entre

    diferentes reas: cincias humanas e sociais e artes e, ao mesmo tempo, outros saberes. A

    atuao com os sujeitos e as comunidades, a partir dessa perspectiva, abre novas

    possibilidades de experincia com o corpo e com a produo de cuidado em contraste com a

    lgica da atividade fsica e exerccio fsico. As investigaes15

    tm possibilitado aprofundar a

    15

    Dentre as investigaes, cabe destacar a tese de livre docncia de Carvalho, defendida no ano de 2010 na FSP

    da USP, intitulada: As prticas corporais como prticas de sade e de cuidado no contexto da promoo da

    sade que traz a reflexo, do ponto de vista filosfico, sobre a contribuio das prticas corporais para a

    ressignificao da promoo da sade, considerando o desenvolvimento de aes mais prximas dos interesses,

    necessidades e desejos dos indivduos e grupos, no que diz respeito ao cuidado, humanizao das relaes e s

  • 29

    discusso sobre as prticas corporais como prticas de sade, como modo potente de

    produo de sade, assim como tm contribudo para avanar diante do desafio de

    experimentarmos aes mais coerentes com os princpios do SUS.

    As prticas corporais concebem a gestualidade do ser humano a partir das

    manifestaes da cultura corporal como as danas, as lutas, os esportes, os jogos e as

    ginsticas. Agregam as prticas ocidentais e as orientais (CARVALHO, 2006). Destacam-se

    os sentidos, os significados e os valores das prticas corporais no que se refere produo de

    cuidado segundo aes autnomas e compartilhadas.

    Parte-se do pressuposto que as prticas corporais podem encontrar na ateno

    bsica e no programa sade da famlia um espao para a composio de aes voltadas ao

    cuidado e a ateno, medida que elas podem privilegiar o encontro, a escuta e a ateno

    de pessoas adoecidas visando construo de relaes de vnculo, de corresponsabilidade, de

    autonomia no processo de cuidado com o corpo e tambm a apropriao dos espaos pblicos

    para a produo de sade (CARVALHO, 2006 p.33).

    Freitas et al (2006) reiteraram a questo apontando que pensar a Educao Fsica

    no servio pblico de sade torna-se importante no apenas porque contribui com a ampliao

    do campo de interveno para a Educao Fsica, mas principalmente porque pode ajudar aos

    profissionais da rea a rever a maneira de selecionar e tratar os contedos, assim como de

    lidar com as pessoas envolvidas nas intervenes quando o assunto a sade. Para as autoras,

    tal atitude se faz necessria em funo do aumento das demandas de diferentes ordens

    apresentadas pela populao aos servios como relacionadas aos cuidados do profissional de

    Educao Fsica, o que destaca a premncia de se avaliar no apenas os trabalhos

    desenvolvidos junto aos servios, quanto formao prestada aos alunos de graduao no que

    se refere interface com a sade. Outro aspecto fundamental que acompanha o processo de

    avaliao, segundo as autoras, diz respeito reflexo crtica sobre o que se pensa na Educao

    Fsica acerca das possibilidades de atuao, qual a concepo terica adotada e como ocorre a

    integrao com as outras profisses e com a comunidade, cujo propsito no apenas trazer

    outras questes para discutir o tema da sade na rea especfica, mas, sobretudo favorecer

    com que cada profissional seja mais um sujeito a buscar a integralidade da sade das pessoas

    atendidas em suas intervenes.

    Nesse sentido, Freitas et al (2006) reforam que o dilogo entre a Educao Fsica

    e a Sade Coletiva apresenta-se como uma via de mo dupla, pois contribui para o

    aes desenvolvidas no SUS, bem como no que se refere possibilidade das prticas corporais contriburem para

    a ampliao da pesquisa em sade entre os campos que tm o corpo como objeto de investigao.

  • 30

    desenvolvimento de contrapontos aos referenciais que enfatizam a homogeneizao, o

    individualismo e a excluso das pessoas, bem como ajuda a ampliao dos significados

    atribudos s prticas corporais, que [...] so compreendidas como manifestaes humanas,

    construdas coletivamente e culturalmente, assim como a sade (p.174), o que por sua vez

    tende a favorecer uma atuao mais prxima dos interesses e necessidades das pessoas,

    muitas vezes pouco privilegiadas em pesquisas e intervenes da rea especfica, alm de

    levar novas questes para os servios que se abrem para os contedos da cultura corporal.

    Tais proposies remetem ao fato de que o profissional de sade precisa

    reconhecer que a implementao de abordagens mais prximas das necessidades das pessoas

    exige a composio de intervenes transversais, bem como pressupe a constituio de graus

    diferenciados de responsabilizao e vnculo entre os sujeitos envolvidos com as prticas em

    questo, uma vez que a produo do cuidado em perspectiva ampliada se estabelece apenas

    quando h um movimento de mo dupla entre aquele que oferta e aquele que demanda o

    cuidado (CAMPOS, 2003).

    nesse contexto que a constituio de tal movimento exige do profissional uma

    compreenso ampliada sobre seu papel no campo da sade, conforme destacam Onocko

    Campos e Campos (2007), especialmente pelo reconhecimento de que pode [...] atuar sobre

    pessoas ou comunidades ou junto com pessoas e comunidades (CAMPOS, 2003, p.157).

    Cabendo, portanto, a compreenso de que a funo do profissional de sade no a de

    promover a sade para as pessoas, segundo uma postura verticalizada e impositiva, mas sim

    de produzir sade de modo conjunto com cada pessoa e com cada comunidade. O que

    aponta para uma noo cara no campo da Sade Coletiva que a de produo. A esse

    respeito, Onocko Campos (2006) traz algumas questes que podem ajudar os profissionais de

    Educao Fsica a refletir de forma mais ampla sobre o tema da promoo da sade:

    Promover a sade ou trabalhar em prol da produo de sade, que o termo

    que prefiro, demanda-nos uma outra atitude como cidados, como

    professores, como membros da equipe de sade. Tenho pensado que a nossa

    funo colocar-nos a servio da defesa da vida, mas como agentes que se

    deixam tocar, interferir pela vida que a pulsa. Colocar nossa dimenso

    tcnica do trabalho a servio das estratgias de vida dos prprios usurios

    [...] (p.69).

    As consideraes da autora mostram-se fundamentais neste processo de

    compreenso sobre o papel esperado para o profissional de Educao Fsica na ateno

    bsica, principalmente no que diz respeito implementao de grupos de prticas corporais.

  • 31

    nesse contexto, portanto, que se coloca a premncia do profissional de Educao Fsica

    ressignificar seus modos de agir e pensar sobre a questo da sade.

    Considerando essa perspectiva, Carvalho (2006) destaca que embora as prticas

    corporais tenham conquistado mais espao na ateno bsica, grande parte das propostas

    ainda enfatiza a composio de grupos pela doena, (caminhada para hipertensos e diabticos,

    por exemplo), modelos excludentes que no exploram os componentes didtico-pedaggicos

    da Educao Fsica, o que remete ao tema da formao no campo da Educao Fsica que seja

    capaz de enfatizar o trabalho no SUS.

    Em recente artigo sobre o projeto interinstitucional denominado Polticas de

    Formao em Educao Fsica e Sade Coletiva: atividade fsica/prticas corporais no SUS

    cujo foco inicial de investigao o Programa de Educao pelo Trabalho em Sade (PET-

    Sade). Fraga et al (2012) destacaram os investimentos dos Ministrios da Educao e da

    Sade no desenvolvimento de polticas intersetoriais voltadas qualificao da ateno e do

    cuidado em sade, como as aes relativas ao PET-Sade, que so dirigidas promoo de

    aes mais integradas entre ensino (docentes e estudantes), servio (profissionais e gestores

    da sade) e comunidade (usurios do servio), com vistas a ampliar o reconhecimento e o

    fortalecimento do trabalho no SUS. Nesse sentido, os autores destacaram as diferentes

    estratgias que tm sido propostas no que diz respeito s aes de formulao,

    implementao, monitoramento e avaliao do programa desenvolvidas por meio de parcerias

    entre as diferentes instituies e rgos, dentre os quais a Secretaria de Gesto do Trabalho e

    da Educao na Sade (SGTES), a Secretaria de Ateno Sade (SAS/MS), a Secretaria de

    Vigilncia em Sade (SVS/MS), o Fundo Nacional de Sade (FNS/SE/MS), o

    Datasus/SE/MS, o Conselho Nacional de Secretrios de Sade (Conass), o Conselho Nacional

    de Secretrios Municipais de Sade (Conasems), a Secretaria Nacional de Polticas sobre

    Drogas (Senad/GSI/PR) e a Secretaria de Educao Superior (Sesu/MEC) j tm produzido

    discretos efeitos na formao em diferentes reas, por meio da incluso de disciplinas e de

    estgios nos currculos de graduao.

    Especificamente em relao Educao Fsica, Fraga et al (2012) destacaram que

    esta tem sido contemplada de modo reiterado pela iniciativa (a exemplo dos 43 projetos da

    rea que foram selecionados dentre os 545 relativos ao PET-Sade/SF no binio 2010/2011,

    conforme apontam os dados do Ministrio da Sade) ainda que possam ser percebidas

    resistncias ao processo de reformulao dos currculos e das prticas, em decorrncia das

    tradies de carter tcnico-esportivo e mdico-cientfico que tm determinado uma formao

  • 32

    profissional centrada na epidemiologia do risco, no modelo clnico/prescritivo e na viso

    biomdica do processo sade-doena, bem como um silncio sobre o SUS, especialmente no

    que concerne s Diretrizes Curriculares para os cursos de graduao institudas por meio da

    resoluo n. 7/2004 do Conselho Nacional de Educao (CNE).

    , portanto, com base nesse contexto que Fraga et al (2012) reforaram que se

    torna apropriado pensar a produo de polticas de formao em educao fsica e sade

    coletiva tomando como referncia o conceito de prtica corporal, justamente porque a referida

    noo est mais alinhada com a humanizao do cuidado e com a ateno integral sade do

    que a ideia de atividade fsica, o que por sua vez pode contribuir para a ressignificao de

    competncias e habilidades necessrias ao desenvolvimento de um trabalho intersetorial e

    multiprofissional, no sentido de potencializar a insero das prticas corporais nos servios,

    tendo por objetivo a promoo da sade segundo um enfoque mais participativo e

    democrtico.

    O cenrio apresentado por Fraga et al (2012) sobre a graduao em Educao

    Fsica, que, no mbito da formao e das pesquisas, enfatiza a lgica da atividade fsica sem

    contribuir para a experincia com as prticas corporais como possibilidade de pensar o

    cuidado da populao no SUS, tambm foi identificado por Manoel e Carvalho (2011), que

    problematizaram a constituio acadmica da Educao Fsica no Brasil a partir dos

    programas de ps-graduao da rea. H, de acordo com os autores, uma hegemonia da rea

    de concentrao denominada biodinmica, cujas linhas de investigao so fundamentadas

    nas cincias naturais, em detrimento das outras subreas pedaggica e sociocultural, que

    tm suas pesquisas orientadas pelas cincias humanas e sociais o que aponta para uma

    fundamentao na concepo anglo-sax e uma aproximao entre a Educao Fsica

    brasileira e a norte-americana, cuja matriz epistemolgica a cinesiologia e a natureza

    disciplinar.

    O levantamento desenvolvido por Manoel e Carvalho (2011) evidencia as

    distores na forma de valorizar as diferentes atividades de pesquisa, bem como da produo

    intelectual, tendo em vista que a avaliao dos programas fortemente orientada pela

    quantidade de artigos publicados em peridicos com fator de impacto. Disso decorre uma

    desvalorizao da produo em revistas nacionais, independente do impacto cientfico e

    relevncia social, bem como uma fixao pela internacionalizao das instituies brasileiras,

    que tendem a desvalorizar o que produzido em mbito local pelas subreas pedaggica e

    sociocultural, que buscam responder a questes nos mbitos da educao e sade. Os autores

  • 33

    consideram que a poltica cientfica desenvolvida no pas, indutora da internacionalizao das

    instituies de ensino superior, traduz a adoo de critrios avaliativos com pouca

    considerao sobre a diversidade do campo e uma poltica centralizadora: considerando os 21

    programas recomendados pela Capes, a concentrao dos cursos de ps-graduao nas regies

    Sul e Sudeste (os programas com conceito 3 predominam em todo o Brasil, mas os com

    conceito 4,5,e 6 pertencem regio Sudeste) e a alta incidncia de docentes (de um total de

    293 docentes 60,7% eram da biodinmica, 22,52% da sociocultural e 17% da pedaggica) e

    de linhas e projetos de pesquisa vinculados s cincias biolgicas (de 135 linhas de pesquisa,

    50% eram vinculadas biodinmica, 33% sociocultural e 17% da pedaggica e de 860

    projeto 67,4% pertenciam biodinmica).

    A problemtica que envolve a ps-graduao no Brasil a desqualificao da

    produo, a presso dos rgos de fomento a partir dos critrios de avaliao para a produo,

    o distanciamento crescente entre as questes da sociedade e as prioridades das instituies e

    que, portanto, atinge os docentes das subreas no hegemnicas, evidencia o prejuzo do

    modelo de tal estruturao para a Educao Fsica, conforme ressaltaram os autores,

    especialmente em relao ao que a rea compreende e agrega acerca da possibilidade de

    interlocuo entre distintos saberes e prticas como campo de conhecimento e como prtica

    social.

    Neste sentido preciso ousar e investir em novos dilogos sobre a compreenso

    do trabalho em sade, por exemplo, por meio da interlocuo com o campo da Sade

    Coletiva.

    1.3 Pesquisa e interveno na Ateno Bsica: duas tendncias

    As duas tendncias relacionadas ao campo da Educao Fsica tm produzido

    diferentes aes no contexto da pesquisa e da interveno na ateno bsica. Tornou-se

    fundamental a compreenso desses movimentos, sobretudo considerando as proposies do

    presente estudo. O levantamento dos trabalhos desenvolvidos por ambas as vertentes teve dois

    objetivos: primeiro, buscar outros estudos que se aproximassem do ponto de vista terico-

    conceitual de minhas proposies e, em segundo lugar, conhecer o que est sendo produzido

    na ateno bsica pela rea especfica. A reviso foi realizada em peridicos nacionais das

  • 34

    reas da Educao Fsica (Movimento, Motriz, Pensar a Prtica, Revista Brasileira de

    Atividade Fsica e Sade, Revista Brasileira de Cincias do Esporte, Movimento, Revista

    Brasileira de Cincia e Movimento, Revista Brasileira de Medicina do Esporte), da rea

    mdica (Revista Brasileira de Medicina do Esporte) e da Sade Coletiva (Cadernos de Sade

    Coletiva, Cadernos de Sade Pblica, Physis: Revista de Sade Coletiva, Sade e Sociedade,

    Interface). Foram adotados como critrios de busca as seguintes palavras-chaves: prticas

    corporais/ateno bsica, Educao Fsica/ateno bsica, Educao Fsica/SUS,

    atividade fsica/ateno bsica, Educao Fsica/Clnica Ampliada, Educao

    Fsica/Mtodo da Roda. A seguir so apresentados os trabalhos identificados. Inicialmente

    h os estudos da primeira vertente, a bioEducao Fsica, e, posteriormente, as investigaes

    com as prticas corporais. E, ao final do captulo so desenvolvidas algumas consideraes

    sobre o panorama identificado.

    1.3.1 Primeira tendncia: nfase na racionalidade biomdica

    Dentre as investigaes relacionadas primeira tendncia h o estudo

    desenvolvido por Monteiro et al (2007) que avaliaram a efetividade de um programa de

    exerccios para as populaes de baixa renda por meio da implantao de um projeto de

    condicionamento fsico individualizado para hipertensos vinculados Unidade Bsica Sade

    Otvio Rasi na cidade de Bauru, So Paulo. Com a investigao, dezesseis mulheres

    hipertensas (56 3 anos) sob tratamento farmacolgico regular, foram submetidas a quatro

    meses de exerccios aerbios e de alongamento (3 sesses/semana, 90 min/sesso, 60% de

    VO2max.) com o propsito de comparar os efeitos do programa no condicionamento fsico,

    perfil metablico e nveis de presso. O desenvolvimento dos exerccios seguiu as

    recomendaes do American College of Sports Medicine (ACSM). Com o desenvolvimento

    do estudo os pesquisadores consideraram que a efetividade de programas de exerccios dessa

    natureza ainda controversa, carecendo de outras anlises em populaes de baixa renda,

    embora reafirmem que os efeitos j conhecidos dos exerccios aerbios para a reduo da

    presso arterial e tambm descrevam que o estudo realizado na UBS Otvio Rasi se mostrou

    efetivo em relao aos objetivos. Sobre os resultados do estudo, os autores demostraram que o

    treinamento fsico foi responsvel pela reduo da presso arterial sistlica (PAS, 6%) e

  • 35

    pela melhora do condicionamento cardiorrespiratrio (+42% do VO2max), da flexibilidade

    (+11%) e do contedo de glicose plasmtica ( 4%) da populao testada. Os autores tambm

    relataram que houve correlaes significativas entre os valores do pr-teste e ps-teste no que

    se refere ao nvel de colesterol total (CT), lipoprotena de alta densidade (HDL-C) e

    lipoprotena de baixa densidade (LDL-C), porm no houve alteraes no ndice de massa

    corporal e no percentual de gordura dos sujeitos avaliados. Ao final do estudo os autores

    consideraram que o programa foi efetivo em relao presso arterial, o condicionamento

    fsico, a flexibilidade e o perfil lipdico dos pacientes e que, por este motivo, os programas de

    exerccios podem ser desenvolvidos de modo personalizado na UBS Otvio Rasi. Neste ponto

    h que se destacar que a proposta de desenvolvimento de intervenes voltadas ao

    treinamento da populao nas UBS pode contribuir para a compreenso, por parte da

    comunidade e dos prprios trabalhadores, de que pensar a sade por meio do movimento se

    aproxima deste modelo, o que favorece uma compreenso limitada e mecnica sobre o

    cuidado com o corpo. Torna-se patente a importncia de aproximar as fronteiras entre os

    saberes e prticas das cincias biolgicas e das humanas para que estudos dessa natureza no

    incentivem uma protocolizao do cuidado. Percebe-se a importncia de investir na

    renovao das propostas de interveno para que dados sobre os nveis de sade da populao

    sejam utilizados de modo coerente com as necessidades de sade das pessoas, valendo-se de

    uma caracterstica da ateno bsica, que a potencialidade para a produo de novos padres

    de responsabilidade entre os profissionais e a populao atendida.

    Outro estudo, que segue as mesmas caractersticas metodolgicas da pesquisa em

    Bauru, foi desenvolvida por Mello et al (2010) no municpio de Picos, Piau com o objetivo

    de avaliar os efeitos de um programa de caminhada sobre parmetros biofsicos em mulheres

    com sobrepeso pertencentes ao Programa de Sade da Famlia (PSF). A investigao foi do

    tipo experimental, sendo as participantes divididas aleatoriamente em grupo experimental

    (GE) e grupo controle (GC). O protocolo de pesquisa previa inicialmente avaliaes

    antropomtrica, de condicionamento fsico, da presso arterial e de sangue. Posteriormente, as

    participantes foram submetidas a um treinamento de doze semanas com frequncia semanal

    de trs dias, durao cinquenta minutos e de intensidade entre 60%70% da frequncia

    cardaca mxima. Ao final do estudo os pesquisadores afirmaram que o programa de

    caminhada foi capaz de evitar os efeitos deletrios do sedentarismo no que diz respeito ao

    consumo mximo de oxignio, colesterol total, colesterol de baixa densidade, glicose e

    tambm na concentrao de triglicerdeos. A anlise do presente artigo mostrou que a

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    compreenso dos autores sobre a promoo da sade est baseada em critrios tradicionais

    que preconizam a prtica regular de exerccios como um meio para mudana de estilos de

    vida e para a reduo de fatores de risco. Cabe refletir que tal modo de lidar com o corpo pode

    se tornar ainda mais problemtico quando o cenrio de prtica a ateno bsica,

    considerando as iatrogenias de diferentes ordens que tal modelo de interveno pode

    favorecer, tais como, a medicalizao e a culpabilizao dos sujeitos que no aderem s

    orientaes da equipe.

    De modo semelhante a investigao anterior Guimares et al (2008) avaliaram os

    efeitos de um programa de atividade fsica sobre o nvel de autonomia de idosos vinculados

    ao Programa Sade da Famlia (PSF) do municpio de Santa Cruz de Minas, Minas Gerais. Os

    sujeitos selecionados, homens e mulheres, foram divididos em grupo experimental (GE),

    idade mdia de 68,665,93 anos (n=35), e em grupo controle (GC) idade mdia de

    69,808,05 anos (n=35). A avaliao da autonomia foi realizada segundo protocolo do Grupo

    de Desenvolvimento Latino-Americano para a Maturidade (GDLAM) por meio dos testes de:

    caminhar 10m (C10m), levantar-se da posio sentada (LPS), levantar-se da posio decbito

    ventral (LPDV), levantar-se da cadeira e locomover-se pela casa (LCLC) e o teste de vestir e

    tirar uma camiseta (VTC). Os resultados na fase do pr-teste demonstraram um valor fraco

    para a autonomia funcional em todos os avaliados. A concluso sobre os resultados do ps-

    teste revelou que o grupo controle apresentava um valor fraco no teste LPS, regular nos testes

    LCLC e IG e bom nos testes LPDV, C10m e VTC. Tal como nos outros estudos, percebe-se

    que a investigao est dirigida para a identificao de parmetros fsico-fisiolgicos sobre a

    autonomia. Em que pese a importncia de estudos dessa natureza, tambm h que se

    considerar o sentido do uso dos resultados das investigaes, que podem tanto voltar-se para a

    produo de aes medicalizan