yara tupynambÁ

31
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE PROJETOS CULTURAIS YARA TUPYNAMBÁ Trabalho apresentado ao curso de Pós - Graduação em Gestão de Projetos Culturais IEC - da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, referente à Disciplina História da Arte Moderna e Contemporânea, ministrada pela Professora Luciana Bicalho Piacenza. Alunas: Ana Maria Simonetti de Oliveira Gilsimara Peixoto do Nascimento Semíranes Oliveira Theodoro Belo Horizonte 2012

Upload: guilherme-campos-dos-santos

Post on 26-Mar-2016

289 views

Category:

Documents


14 download

DESCRIPTION

Trabalho apresentado ao curso de Pós - Graduação em Gestão de Projetos Culturais – IEC/ PUC-MG. - Histria da Arte II prof.: Luciana B. Piacenza. Alunas: Ana Maria Simonetti de Oliveira Gilsimara Peixoto do Nascimento Semíranes Oliveira Theodoro

TRANSCRIPT

Page 1: YARA TUPYNAMBÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE PROJETOS CULTURAIS

YARA TUPYNAMBÁ

Trabalho apresentado ao curso de Pós - Graduação em Gestão de Projetos Culturais – IEC - da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, referente à Disciplina História da Arte Moderna e Contemporânea, ministrada pela Professora Luciana Bicalho Piacenza.

Alunas:

Ana Maria Simonetti de Oliveira Gilsimara Peixoto do Nascimento Semíranes Oliveira Theodoro

Belo Horizonte 2012

Page 2: YARA TUPYNAMBÁ

Tupynambá, Yara Gordilho Santos. Pintora,

gravadora, desenhista, muralista e professora. Tem seu

primeiro emprego aos 17 anos de idade como

concursada em datilografia, na Caixa Econômica

Estadual. Lá permanece por dois anos e, por

datilografar com agilidade, faz um acordo com o chefe

e consegue mais tempo livre, o qual utiliza para

desenhar. Inicia-se nos estudos de arte com Guignard

(1896-1962), em 1950, em Belo Horizonte, além de

estudar gravura com Misabel Pedrosa (1927), em 1954,

e aperfeiçoar-se posteriormente com Oswaldo Goeldi

(1895-1961), no Rio de Janeiro. Cursa a Faculdade de

Artes Visuais da Universidade Federal de Minas

Gerais - UFMG e, em 1967, defende tese sobre Albert

Dürer.

Page 3: YARA TUPYNAMBÁ

PORQUE YARA

Yara, a muralista, não é a artista de apenas um painel. Ela percorre a história de

Minas através de várias obras, incluindo o Rio São Francisco, as nossas Bandeiras e os

Bandeirantes, o Ciclo do Ouro, nossas tradições católicas de santos e procissões, festas

do Divino, festas juninas e os congados, todos registrados também em quadros de

pequenos formatos. Há ainda alguns murais confeccionados com o cimento como

suporte, fixados em paredes externas de prédios públicos, ou ainda aqueles em madeira

e telas, espalhados pelas entradas de edifícios particulares construídos por uma geração

que começa a dar importância à cultura e à arte. Em todos eles há sempre a preocupação

em expor nosso Estado, nossa gente, flora, montanhas e pedras, rios e lagos, formadoras

de um acervo que fazem de Yara uma das maiores produtoras de arte do país.

A aluna da segunda geração do mestre Guignard reconhece a importância dele e

o tanto que aprendeu com o imortal de Ouro Preto, sobretudo a aplicação da

apaixonante técnica da transparência, na qual Guignard era um mestre. Nas telas de

Yara a transparência pode estar presente nas roupas de Bárbara Heliodora ou nas águas

do São Francisco. Dos discípulos de Guignard apenas ela, Maria Helena Andrés, Sara

Ávila e Vicente Abreu utilizaram melhor essa técnica nas suas próprias obras. Yara

declara que, dos alunos do mestre fluminense de nascimento e mineiro de coração, a sua

geração foi a que mais aproveitou as lições de Guignard.

“A primeira geração foi constituída de alunos de estratificação social elevada

na Belo Horizonte de então. A nossa veio das classes média e pobre ou ainda

de filhos de imigrantes; precisávamos aprender e produzir. Além disso,

vivíamos momentos políticos históricos importantes. Éramos preocupados

com a justiça social e tínhamos entre nós intelectuais do porte de Guy de

Almeida, Edmur Fonseca e Vicente Abreu, todos de esquerda, nos ajudando a

forjar uma opinião política sobre o país. Se tinha sensibilidade, era

impossível não ter influência deles”.

A presença desse pensamento pode ser vista também nas obras de seu

contemporâneo e amigo, Álvaro Apocalypse, retratando nossa gente com sua

musicalidade. Quem conhece Yara de perto sabe bem o que estamos dizendo. Procurada

para esclarecer-nos acerca do destino de uma obra que realizou para a Prefeitura de Belo

Horizonte e que estava em uma das escolas da Rede Municipal de Belo Horizonte, Yara

Page 4: YARA TUPYNAMBÁ

nos brindou com informações riquíssimas acerca das suas obras, do seu fazer e da

importância social da sua arte.

Esse mural foi encomendado pela Prefeitura de Belo Horizonte, através da

Secretaria Municipal de Educação, na década de 70. Quatorze escolas receberam painéis

de artistas diferentes. A escola municipal José Maria Alkimim foi contemplada com a

artista Yara Tupynambá.

Luiz Verano, à época prefeito de Belo Horizonte, afirmou que “a arte pode ser

instrumento de profunda transformação do homem e da sociedade”. E, por acreditar

nisso, ofereceu uma oportunidade ímpar para que as crianças e a comunidade

conhecessem as obras de tão talentosos artistas.

Para o então Secretário de Educação, Orlando Vaz Filho, as cores e as sensações

visuais fazem parte do universo da mente infantil. Os murais nas escolas seriam uma

contribuição para o seu desenvolvimento mental, por estimular a percepção e a

criatividade. A escola também seria uma nova frente de divulgação do trabalho de

artistas plásticos mineiros e se transformaria numa verdadeira galeria de arte.

Na execução desse mural, Yara foi fiel à sua pequena aldeia, Minas Gerais.

Optou por uma linha horizontal de desenvolvimento do tema que pudesse permitir

acréscimos, uma composição em aberto, um jogo de linhas inclinadas para a esquerda e

para a direita, provocando uma tensão, acentuada pelas curvas além das formas. Nele,

Yara representa aspectos de Minas que ela considera fundamentais. São eles: a visão

poética, a força criadora concretizada na formação das cidades históricas, a herança

cultural negra e a religião com seus santos, estandartes, a fé e as montanhas.

Durante muito tempo, esse mural ficou exposto na escola. Segundo relatos dos

profissionais que lá trabalham, com o tempo veio a deterioração. A escola passou por

reformas, pediu a intervenção da Secretaria da Cultura e o quadro foi retirado da escola.

Como aconteceu? Duas versões foram ditas. Primeiro, durante o mandato do

prefeito Fernando Pimentel, o painel foi recolhido. Segundo José Wilson, a Yara esteve

na escola, recortou duas partes do mural e queimou o restante, alegando que ninguém

deu a importância devida à sua criação.

Esse fato, impeliu - nos a conhecer a obra da Yara e a desvendar o mistério que

se formou ao redor do mural exibido durante anos pela escola José Maria Alkimim.

Page 5: YARA TUPYNAMBÁ

Que relação se estabeleceu entre a escola e a obra da artista? Foi uma questão

que nos inquietou durante a realização desse trabalho.

Onde está o mural da EM José Maria Alkimim?

A Prefeitura de Belo Horizonte através de um projeto muito especial e singular

selecionou algumas escolas de Belo Horizonte para receber murais de artistas mineiros.

Assim sendo, tomamos como foco do desenvolvimento do nosso texto o mural da

Escola Municipal José Maria Alkimim por ser a escola que recebeu o mural da artista

Yara Tupynambá.

Ocorre que por volta do ano de 2006 o mural desapareceu da escola Municipal

José Maria de Alkimim. Durante a pesquisa, percebemos certa falta de informação de

funcionários da escola acerca da retirada do mural da escola. Por isso, resolvemos ir

atrás de tais informações até para esclarecer para a escola o resultado - solicitação feita

pelo bibliotecário da escola, Ivo Funghi Baia.

Procuramos o professor José Wilson de Rezende e ele nos disse que:

...[o mural da Yara veio para a escola através de um projeto da

Prefeitura Municipal de Belo Horizonte na inauguração da escola em 24 de

julho de 1976 e permaneceu na escola durante 30 anos. Com o tempo, o

mural foi apresentando danificações na borda. A escola passou por reformas e

solicitou ajuda da Secretaria de Cultura pois as danificações poderiam

comprometer a obra inteira. Não sei que fim levou a obra, pois quando foi

recolhida eu não me encontrava em exercício na escola. Há controvérsia em

relação ao que aconteceu. Há quem afirma que a prefeitura recolheu e

devolveu o painel para a artista. Há quem diga que a Yara ficou sabendo do

estado do quadro, veio, deu bronca por ele estar destruído, recolheu duas

cenas e queimou o restante. (José Wilson, Ex Diretor da EMJMA).

A atual diretora da escola, professora Andrea Reis e Lima, contou-nos também a

mesma versão já contada pelo ex – diretor José Wilson. A de que a própria Yara teria

recolhido a parte que restou do mural. Afirmou que a equipe estranhou o

comportamento da Yara, pois a obra era propriedade da escola, uma vez que

encomendada pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Page 6: YARA TUPYNAMBÁ

O bibliotecário Ivo Funghi Baia questionou se a artista teria esse direito de

recolher a obra. Disse que, quando soube do fato, ficou decepcionado com a Yara.

Mostrou-nos um livro com o título “Exposição dos Murais das Escolas Municipais de

Belo Horizonte”, patrocinado pela Prefeitura de Belo Horizonte, Universidade Federal

de Minas Gerais e Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais.

Nele, encontramos o mural de autoria da Yara Tupynambá. Um mural belíssimo

com cores em tom azul, amarelo, vermelho e rosa. Cores vivas. Em sua composição

momentos de Minas, construção das cidades, igrejas, a mistura de raças, a fé do povo.

Yara não dá título a esse trabalho, mas percebe-se que ela conta parte da história de

Minas.

Tendo em vista a fala do diretor procuramos a artista Yara Tupynambá no seu

atelier para maiores esclarecimentos. Fomos muito bem recebidos por ela. Procuramos

a partir dai conhecer um pouco mais da artista embasados nesse compromisso de saber o

final dessa obra tão rica (Mural da EMJMA).

Nossa conversa com Yara começou com a leitura de um texto que ela mesma

escreveu e pediu para que lêssemos:

Um olhar mineiro

Minas é minha pequena aldeia, como Vitebsk para Chagall, cuja pintura,

mesmo durante sua longa vida em Paris, incorporou as raízes, as tradições e

os sonhos de seu povo. Em meu trabalho vagueiam, sempre, lembranças de

minha infância e adolescência vividas em pequenas e poéticas cidades do

interior, com ruas silenciosas e suas festas religiosas, onde marcam presença

os santos, os anjos, os arabescos dourados dos altares.

Também povoam o meu imaginário as matas e florestas por onde andei, os

campos rupestres, tudo aquilo que pertenceu a minha história e ao meu

passado vivido nas terras de Minas.

Assim, ela justifica toda a sua obra. Yara expressa nas telas a sua história, o que

está em seu entorno e a história de Minas. Acredita que o artista tem que se identificar

com seu mundo, sua realidade, seu entorno.

Cita Rivière para expressar sua predileção por murais. “O mural é um livro

aberto onde lê o povo”. Afirma que através do mural pode chegar a um número maior

de expectadores, que é ainda hoje o seu desejo. Destaca o mural da Assembleia

Legislativa, que se encontra em processo de restauração, e da Reitoria da Universidade

Page 7: YARA TUPYNAMBÁ

Federal de Minas Gerais, Inconfidência Mineira (segunda a própria Yara é, na verdade, a

História da Liberdade Humana).

Yara é como Minas: são muitas. A primeira é representada pela brilhante

oradora quando fala sobre a arte e a sua história. Com dicção de fonoaudióloga,

pronuncia cada palavra com segurança, construindo frases que nos encantam pela

associação das ideias. Foi assim durante toda a entrevista que realizamos com ela. Por

isso, se o leitor acha que tem algo para aprender na especialidade dela e tem a

humildade e interesse de ouvi-la, prepare-se para alegrias intelectuais. A grande dama

do mural e da gravura em Minas tem um pensamento sequencial fácil de seguir e é

armadilha certa para a sedução espiritual. Procuraremos no decorrer dessa conversa

maiores informações acerca do paradeiro do mural da EMJMA.

EQUIPE: Quando foi que você descobriu esse seu gosto pela Arte? Quem te chamou?

Yara: ...[Meu gosto pela Arte começou muito menina ainda. Eu, na escola, já desenhava muito. Tanto que eu tive um curso especial de desenho, quando estava com 11 para 12 anos, a minha professora mandou meus desenhos para a Secretaria e pedindo que eu não fizesse aquela coisa só geométrica que era o que dava na época de fazer faixa, mas que eu fizesse desenho livre. E eu tive essa autorização. Então, eu comecei assim, muito cedo, já fazendo desenho livre. Depois com 17 anos, quando eu vim para Belo Horizonte definitivamente, eu comecei a fazer pintura no Sacré Coeur, quando eu fui estudar e, rapidamente, a irmã chamou meu pai e falou ‘Olha,aqui ela não tem mais nada a aprender, ela sabe tudo o que eu posso ensinar. O senhor deve levá-la para um professor chamado Guignard que tem um curso aí’. Foi assim que eu fui direcionada para a escola Guignard.]

EQUIPE: Como a sua arte se tornou conhecida? Você seguiu algum caminho para se fazer conhecer?

Yara: ...[pois é. Na minha vida, então, é claro que você não tem uma visão clara desde a juventude, desde o começo para saber o que quer. Mas duas coisas nortearam muito e permanecem na minha vida. Primeiro, a vontade de comunicar com muita gente. Eu sempre estive querendo chegar a um público maior. Por isso, eu fui para a gravura, que é uma possibilidade de divulgação do trabalho através de imagens. A gravura, eu permito que um trabalho meu seja reproduzido cinquenta vezes, por exemplo. Então, eu divulgo isso. Isso foi uma tendência que foi confirmada, sem que eu percebesse, é lógico, no começo, pela presença dos painéis, porque o painel, já falava Rivière, é um livro aberto onde lê o povo. Então, desde o começo, eu percebi a importância do painel, do mural como um processo de comunicação de massa. Então, eu sempre tive essa preocupação. E hoje, se você me vê aqui, eu hoje dou aula de História da Arte para formação de público. Eu ensino as pessoas a ver uma obra de arte através de quinze aulas. E encontro frequentemente já alunos antigos em exposições (essa semana mesmo, encontrei um) que fala ‘Yara, você me despertou para a Arte e eu já sou um colecionador. Eu já tenho comprado Bianco, tenho comprado fulano...’ Então, a pessoa já sentiu a necessidade e a vontade de ter quadro porque fez um curso e aprendeu].

Page 8: YARA TUPYNAMBÁ

EQUIPE: Na sua opinião o que falta para o público em geral para compreender as obras de arte?

Yara: A educação do olhar é que é fundamental. Então, vocês não têm que ler, não, é frequentar galeria, é ir as exposições, é ir em leilões para vocês aprenderem a ver, especialmente a arte brasileira porque o que eu noto, vem muita professora aqui, de Ensino Médio, e que começam com os coitados dos meninos fazendo-os copiar e falar sobre Picasso. Por que Picasso? Não é? Ele não é nossa realidade. Ele está fora do nosso mundo. Então, porque não com Portinari? Porque não com Di Cavalcanti? Porque não Guignard? Entende? Nós temos mestres na pintura, mas vocês pegam o Picasso que é que tem mais livro, tem mais divulgação e aí entra a deficiência cultural brasileira.

EQUIPE: Seu mural é uma aula?

Yara: Sim, deve ser. Porque como disse Rivière ‘o mural é um livro aberto onde lê o povo’. Então, a minha linguagem tem que ser clara, quando eu faço o mural. Quando eu faço o Inconfidência Mineira, que na verdade é a História da Liberdade Humana, eu começo com o primeiro fato político que é Felipe dos Santos sendo arrastado pelo chão do vilarejo, porque ele quis que não tivesse tanto imposto sobre os produtos de Minas. Depois vem o encontro dos inconfidentes, os decretos de Maria I empobrecendo o país, depois a denúncia ao Visconde de Barbacena, depois as prisões, depois o processo todo, depois as figuras principais de Tiradentes como símbolo que vai ser mártir, depois ele sendo esquartejado. Então, eu tenho que ter essas cenas claras, entende? Eu não posso pegar o esquartejamento e falar assim e pôr escrito ‘esquartejamento’. Não! Isso é muito fácil. Ou eu fingir isso. Não! Eu tenho que pôr pedaços de Tiradentes. Então, isso é uma história que tem que ser contada para que a leitura seja possível e, assim mesmo, a maioria do povo não sabe ler. Porque não sabe o fato histórico.

EQUIPE: E além do seu talento, a que você atribui seu sucesso como artista?

Yara: Meu sucesso, minha filha, todo mundo fala que é dez por cento de inspiração e noventa de transpiração. Eu trabalho muitíssimo, eu trabalho minuciosamente, fazendo estudos, meu trabalho nunca é executado sem um estudo prévio, são vários estudos, onde eu vou levar em conta, aí sim, os valores estéticos de composição, de espaço. Isso eu levo em conta no estudo. Entende? Porque toda obra de arte, ela tem duas facetas. Ela tem a faceta do conteúdo e a faceta do técnico. Você, como gestora cultural, tem que ter um duplo olhar quando vê um projeto que vai abranger artes plásticas. Primeiro, todo quadro tem dois aspectos: tem o técnico e tem o conteúdo. O que é que é isso? O técnico é se eu sei pintar ou não, se eu sei usar tinta ou não, que técnica que eu uso, se é empastamento ou transparência, como eu componho o quadro, qual é minha noção de espaço vazio, de espaço cheio, de tensão, de linha de ouro. Todas essas coisas que são necessárias para que eu construa e estrutura um trabalho. Então, tudo isso é a parte técnica.

EQUIPE: Nesse sentido aí, a senhora usa uma técnica específica ou usa de todas?

Yara: Não. Cada um cria, com o tempo, a sua própria técnica, mas é claro que é a partir de heranças que você teve nos seus ensinamentos. Bom, a segunda coisa é o conteúdo ou o tema, se você quiser chamar isso de tema, que é o que eu quero dizer com aquilo. É a parte, vamos dizer, intelectual do trabalho. O que eu quero dizer quando, por exemplo, eu pego esses símbolos

Page 9: YARA TUPYNAMBÁ

de Minas que eu uso: os oratórios que vocês estão vendo aí, os santos, os mastros de São João. O que eu quero dizer com isso? O que eu quero dizer que eu sou mineira, que esses são símbolos que pertencem ao nosso imaginário e que nos caracteriza. Se eu falar que toda casa mineira, quase, tem um oratório, eu não estou mentindo. Todo mundo tem um pequeno, um médio, um oratório que é uma tradição que vem dos nossos avós, dos nossos pais. Então, essas coisas são simbólicas. Quando, por exemplo, pro Picasso foi a tourada, o touro. Foi simbólico para ele. Foram os meninos, de Velazques. São símbolos da Espanha. Então, cada país, cada lugar tem seus próprios símbolos. E isso é o que nós chamamos de conteúdo. É com ele que eu vou falar o que eu quero sobre a vida, a minha filosofia de vida, o que eu quero. Então, esses dois aspectos têm que ser vistos em cada quadro. Na verdade, um quadro não significa nada. Ele significa dentro de uma obra, dentro de um contexto. Entende? De uma fase. Aí, ele vai ter um significado. Ele isolado, não tem um significado. Ele precisa de estar dentro de um contexto filosófico, dentro de um pensar meu sobre o que eu quero dizer. Por exemplo, eu tenho uma frase bonita que você vai encontrar aí no fim (referência ao livro que nos deu) que são as matas e que é toda uma fase que eu trabalhei sobre as reservas ecológicas de Minas. Então, eu fui a Serra do Cipó, eu fico acampada junto com o pessoal do IBAMA, eu vou para a Vale do Rio Doce, eu fico acampada dentro da reserva para sentir, ver e depois pensar.

EQUIPE: Então, é a paixão pela Arte que te move, não é? E na mesma reportagem ela cita o seu desejo de ser compreendida pelo público jovem, desde a década de setenta. Qual que é o retorno que este público te dá?

Yara: Muito pouco, em termos de conhecimento, em termos de vontade de aprender. Eu acho, por exemplo, esses cursos que eu faço, curiosamente, são frequentados por pessoas com mais de trinta e cinco anos. O interesse pela cultura não atingiu uma geração de 20 a 30 anos, não atingiu. Isso é a coisa mais lamentável desse país. Porque não atingindo, eles vão para bebedeira, para futilidades, para o consumismo e para a droga. É isso que está acontecendo nesse país. Por falta de políticas culturais, os jovens não querem aprender, não interessam por aprender nada. Não é só comigo, não.

EQUIPE: Ficamos sabendo que, na década de setenta, foram encomendadas a você, e a outros artistas, obras para serem expostas nas escolas. Conte-nos um pouco sobre o mural. Você se lembra dele?

Yara: Lembro. Lembro de todos. Foi totalmente destruído. Esse mural foi totalmente destruído. Sobrou dele isso aqui (aponta para o oratório no livro que mostramos a ela com os murais das escolas) Só.

EQUIPE: Só o oratório?

Yara: [Só, o que está com o Geraldo. Só. A única coisa que sobrou. Desses, à exceção do Eduardo de Paula que eles penduraram no alto, então não teve..., não sei porque puseram grudado no teto, mas sem consciência nenhuma de que era para guardar, praticamente quase tudo foi destruído, detonado, estragado. O meu, teve menino que cortou pedaço de cara, arrancou pedaço de cara, o outro deixou a infiltração. subiu aquela infiltração, comeu pedaço do quadro. Não houve o menor cuidado dos dirigentes, das diretoras com

Page 10: YARA TUPYNAMBÁ

aquilo que recebeu. Elas receberam sem saber o que significavam. Então, isso foi totalmente destruído.]

EQUIPE: Você acha que isso tem relação com a falta de educação do olhar para a Arte?

Yara: Claro, claro, claro que sim. Elas não sabiam o que eram porque que os alunos iam saber? Se elas próprias não sabiam. E destruíram!

EQUIPE: E você guardou essa parte do oratório porque foi a única que ficou preservada?

Yara: Foi a única que ficou preservada. EQUIPE: Ou ela tinha um valor especial?

Yara: Não, não. Foi a única que ficou preservada. O resto foi destruído. Rabiscado, arrancado pedaço, mofo que entrou porque entrou infiltração e ninguém tomou providência, a água que subiu e que.... Foi tudo destruído. O mural da sala, a árvore, encontrei em pedaços dentro de um saco, plástico de lixo preto.

EQUIPE: Essas obras foram encomendadas pela Prefeitura?

Yara: Foi. Através do doutor Orlando Vaz, secretário de cultura, que hoje é presidente da Academia Mineira de Letras.

EQUIPE: Vocês acompanharam esse processo? Como chegaram até você informações sobre a questão da conservação do quadro?

Yara: Não, não. Na medida que você entregou, você não vai fiscalizar seu trabalho o tempo todo. Imagino se eu saio, eu tenho 100 murais, imagine se eu tiver que fiscalizar um mural meu. Subentende-se que as pessoas tenham o cuidado devido. Por exemplo, eu vou citar um exemplo que é o SERPRO. O SERPRO tem um painel meu muito bonito que é Entradas e Bandeiras. Eles têm o maior cuidado. Se tem uma pessoa que chega e enfia a mão para atacar, a moça que toma conta da portaria, ela fala imediatamente ‘não, não pode por a mão; não estraga, não.’ Eles têm o maior cuidado. De dez em dez anos, eu vou lá para tirar a poeira.

EQUIPE: Então, você tem esse contato com as obras no sentido de estar ajudando na conservação?

Yara: Vinte anos após, eu lavei agora o painel da Federação do Comércio. Vinte anos! Entende? Eu fui, limpei, arrumei por que era sujo do tempo, a poeira que deposita, um que vem, põe a mão e marca. Mas são coisas, não são destruições. Entende? Então, essa coisa você faz quando eu sou chamada. A pessoa fala ‘acho que o mural está um pouco sujo, não era bom você dar uma olhada?’ Então, eu vou olhar, entende? E ver o que é que tem, mas são pequenas coisas. Agora, aí não. Ele foi destruído.

EQUIPE: Você foi chamada para ver esse mural?

Yara: Nunca!

Page 11: YARA TUPYNAMBÁ

EQUIPE: Como ele chegou até você?

Yara: Chegou a mim porque um dia eu tive notícias disso e eu fui lá e vi destruído.

EQUIPE: Você foi na própria escola?

Yara: Fui. Eu fui e vi. EQUIPE: E nós assistimos também agora, recente, uma reportagem da restauração lá da assembleia. Vai mudar de um lugar e passar para outro. Que sentimentos são esses? Um mural...

Yara: Olha, a assembleia, quando eu fiz esse mural, ele foi feito em duas partes que era no lugar mais nobre da assembleia que era o restaurante que era aberto à noite. Era chique ir ao restaurante da assembleia porque você via os deputados. Todo mundo queria jantar lá na assembleia. Bom, com o correr do tempo, isso caiu de moda e alguém veio ‘vamos aproveitar esse espaço e vamos fazer...’ E meteram aqui um gabinete, meteram outro gabinete ali, meteram outro gabinete e foi seccionado. Não foi estragado. Mas ficou mutilado no seu sentido, não é? Porque ficou no meio de, aqui põe uma cadeira, põe uma mesa, funcionário em cima. Agora, com Diniz Pinheiro, ele quis que isso voltasse a ter uma dignidade. Então, isso já foi retirado. Foi um processo fantástico de restauração, de minuciosismo que Minas nem tinha tecnologia para isso. Foi preciso vir uma equipe de Recife para poder ensinar e trabalhar com o pessoal do SECCOR. Tem um processo todo que foi estudado pelo IEPHA. O tempo todo foi o SECCOR, que é o instituto hoje de maior credibilidade da Universidade em restauração. Já tiraram tudo, já limparam quase tudo por trás porque a limpeza da parte de trás é minuciosa, é muito difícil porque ficou agarrado o restauro de cimento, essas coisas todas, já está acabando o restauro, já para ser colocado numa coisa que chama colmeia, que nem eu sei o que é que é, que veio da Itália. Não é uma colocação direta na parede. Não vai ser colocado com cimento mais. Chama colmeia. Não sei o que é que é, não sei como é que é, mas é uma técnica que esse pessoal de Recife que trabalhou muito na Itália, fez curso, está trazendo para aqui.

EQUIPE: Então, são duas emoções antagônicas, não é? Uma de ver um mural exposto atingindo um público que você queria atingir.

Yara: Exatamente! EQUIPE: E o outro degradado, num lugar onde você também queria atingir aquela juventude.

Yara: Exatamente, exatamente. São duas coisas. Por exemplo, esse mural da Assembleia, ele tem quinze metros por três. Então, ele é um mural que abrange desde a chegada das caravelas no Brasil, passando pela entrada por Minas, norte e sul. A gente só pensa nos bandeirantes, mas a entrada pelo norte foi super importante também, pelo São Francisco. E depois vem a história de Minas, a entrada, a descoberta do ouro, o trabalho escravo, a guerra dos emboabas, a construção das cidades, as arcádias mineiras, o encontro dos inconfidentes, Tiradentes pagando a palavra e termina com o ciclo do café que foi a primeira economia nossa, a partir do século vinte.

Page 12: YARA TUPYNAMBÁ

EQUIPE: Na sua opinião, como que a Arte pode contribuir com a educação?

Yara: A Arte contribui em primeiro lugar porque ela torna o homem melhor. Isso é a primeira qualidade. Para que serve a Arte? A Arte serve para tornar o homem melhor. Você nunca ouviu dizer que alguém saísse de um concerto maravilhoso, de um espetáculo de teatro maravilhoso, de uma exposição maravilhosa e matasse alguém. Você nunca ouviu falar isso. As pessoas que frequentam a vida artística se tornam melhores emocionalmente, espiritualmente. A Arte é um exercício espiritual e, por isso, ela toca a presença mais espiritual das coisas. Elas tornam mais espiritual. E ela ainda traz a alegria da beleza, que é outra coisa. Não é? A alegria do belo é algo muito bom para a alma humana. Muito bom para a alma.

EQUIPE: E com relação às leis de incentivo à cultura, você já se beneficiou delas?

Yara: Já! Claro que sim. Eu já tive meu primeiro livro editado pela lei de cultura. Agora eu tive meu grande trabalho da maturidade, sobre Drummond, foi meu amigo pessoal. Eu tive um livro publicado sobre um grande poema dele ‘A Mesa’, que um poema de amadurecimento, de perdas e de angústias. Eu fiz um mural de dezenove metros por um e meio, segmentado, mas consegui trazer a Belo Horizonte o ano passado, fim de ano. Enfim, as leis são importantíssimas porque elas nos permitem o trabalho, mas é difícil, viu, fazer projeto. As leis são muito importante, apesar de muito complexas e, muitas vezes, o ministério não entende bem o que está saindo. E processo vai, e processo volta, etc, etc. Por isso, vocês estão formando gestores culturais. A gestão compreende, em primeiro lugar, vocês entenderem o que é a lei. E não adianta vocês virem me conversar sem saber o que estão fazendo. Então, se vocês não sabem sobre todas essas coisas sobre as quais falamos, você terá dificuldade em fazer um projeto e não vai fazer um projeto mal feito que não passa. Segundo, você tem que entender de finanças porque você tem que ter um organograma orçamentário que às vezes é complexo. E você tem de orientar o artista que é sempre um inocente e nunca sabe mexer com isso. É um bocó.

EQUIPE: E patrocínio? Você recebe patrocínio?

Yara: Recebi dessas leis, através leis de incentivo. Nunca pedi um patrocínio sem ser de lei porque um empresário não quer dar um patrocínio sem lei É difícil um patrocínio.

EQUIPE: Faça um pequeno comentário a respeito da importância da Arte para os dias atuais e para sempre.

Yara: Olha, nesse mundo angustiado, globalizado, consumista e de difícil alcance da alma humana, a Arte é a única forma de você tocar no coração dos homens. Não, no órgão, mas no coração emocional, naquilo que a gente tem de melhor que é a personalidade humana.

EQUIPE: É muito diferente o trabalho através dos azulejos com o de madeira?

Yara: É muito diferente. Madeira, o que você fala?

EQUIPE: Por exemplo, o painel que estava na José Maria Alkimim era de madeira, não era?

Page 13: YARA TUPYNAMBÁ

Yara: A madeira ou a tela é a mesma peça. Agora, o trabalho com o azulejo é mais complexo. Primeiro porque você tem que aprender a usar a tinta que não é uma tinta comum. É uma tinta que escorre. Então, você tem que saber a dosagem certa e ela demanda queima. Então, você tem todo um processo de queima. E não sou eu que faço a queima, tem que ter forno industrial para fazer isso, mas que vai queimando tem que ter o controle da temperatura porque se passa, queima a tinta, torra e fica tudo marrom. Então, o controle da queima é muito importante e o controle da tinta. Muito diferente.

EQUIPE: Então, nós temos que estudar as técnicas mesmo?

Yara: Vocês têm que aprender.

EQUIPE: Sobre a Arte, nós não sabemos nada.

Yara: Vocês não sabem nada.

Percebe-se nos depoimentos da Yara, com relação ao mural da EMJMA, um

lamento por faltar à escola um olhar para a arte que fomentasse um cuidado por sua

obra. Entendemos que o projeto da Prefeitura, embora muito rico, não integrou ações de

conscientização e sensibilização nas escolas.

Em sua entrevista, ela afirma que é preciso educar o olhar e isso se faz visitando

galerias, frequentando leilões e bienais, apreciando as obras e, não, por teoria.

Sobre o mural, ela afirma ter recolhido o que sobrou e que o restante estava todo

destruído. O pedaço que resistiu à destruição foi o oratório aberto que, segundo Yara, é

“a porta por onde se pode penetrar para atingir Minas, Minas dos santos populares,

Minas de fé, Minas céu – montanha - estandarte, a porta para a qual confluem todos os

nossos caminhos, todos os caminhos de Minas.”

Informou-nos que esse pedaço está com o Geraldo, alguém que trabalha com ela.

Admite que o artista, depois que entrega sua obra, não tem como acompanhar e

fiscalizar. Que quem recebe a obra deve cuidar, preservar. Que ela é chamada de vez em

quando, por pessoas e / ou instituições quem têm a posse de seus quadros, para limpá-

los de poeiras, não para a conservação em si.

Transcrevemos abaixo depoimentos de Yara sobre a proposta de colocação de

murais nas escolas municipais.

Page 14: YARA TUPYNAMBÁ

“Esta ideia é apenas uma pedra no grande muro que tem de ser construído,

também por outras pessoas e com outras iniciativas. Sei que muitas pessoas

criticaram: a ideia é que o dinheiro para a confecção do mural deveria ser

empregado na merenda escolar. Acho que o povo precisa de um mundo de

fantasias e a arte alimenta o espírito e todos nós vivemos de sonhos e a arte é

uma forma de sonhar.”

“Acredito que um povo não vive somente de tecnologia, ele precisa de raízes

e tradições para ser povo e a arte guarda e marca essas tradições.”

“A ideia irá atingir as crianças desde que os responsáveis saibam transmitir a

importância daquilo que estão recebendo.” (Trechos transcritos do Estado de

Minas, 23/07/1976)

Eis o painel...

Ao executar o mural encomendado pela Secretaria de Educação da Prefeitura

de Belo Horizonte, duas preocupações se nos apresentam de princípio: qual a

linha composicional a ser adotada e qual o tema a abordar.

Optamos por uma linha “horizontal” de desenvolvimento do tema, que

permitiria “acréscimos”, inclusive por se tratar de uma composição em aberto,

um jogo de linhas inclinadas ora para a direita, ora para a esquerda, que poderia

se prolongar indefinidamente.

Page 15: YARA TUPYNAMBÁ

A tensão proporcionada pelas linhas inclinadas cria a dinâmica, que é

acentuada pelas curvas que se prolongam além das formas e se apresenta como

característica permanente de meu trabalho.

Quanto ao tema, procuramos sintetizar no espaço dado alguns aspectos que

achamos fundamentais no caráter mineiro: a visão poética herdada da Arcádia

Mineira, a força criadora concretizada pela formação das cidades históricas, a

herança cultural negra, advinda do africano que aqui aportou e a religião com

seus santos, seus estandartes e sua fé, marca profunda nas montanhas de Minas.

A Arcádia e as liras de amor de seus poetas, simbolizadas pelas duas figuras

femininas, abrem o painel. Em seguida “pedaços” de cidades históricas situam

o cenário onde Marília e Bárbara Heliodora - musas estrelas - flutuam nos ares

de nossas montanhas, do clima poético que envolve nossas pequenas cidades.

Chico Rei e sua máscara congolesa - encamando a permanência da crença

africana disfarçada sob a forma religiosa – simboliza as raízes negras que vem

enriquecer e alimentar nossa cultura de fantasias e mitos.

O oratório aberto é a porta por onde se pode penetrar para atingir Minas, Minas

dos santos populares, Minas de fé, Minas céu – montanha-estandarte, a porta

para a qual confluem todos os nossos caminhos, todos os caminhos de Minas.

Yara Tupynambá

Page 16: YARA TUPYNAMBÁ

Considerações Finais

Numa combinação de escalas cromáticas de rara delicadeza – que tem como

fonte todo um apuro técnico advindo da mais refinada herança guignardiana – Yara

Tupynambá transita em um mundo onde apenas contam pontos as coisas da grande arte.

Essa grande arte que, nela, e dela aos nossos olhos, transforma o encanto em realidade.

Foi nesse lugar que o nosso grupo insatisfeito com o desfecho de uma das suas obras

resolveu fazer uma pesquisa que culminou em um resultado triste. Tudo aconteceu

quando fomos informadas de que uma de suas obras expostas em uma escola da rede

ficou deteriorada por causa da falta de cuidados. Assim sendo, procuramos pessoas da

escola para falar sobre essa obra. Não tendo o esclarecimento devido procuramos a

própria artista, Yara Tupynambá.

Tendo em vista os depoimentos do José Wilson (escola) e da Yara (artista) e

leituras realizadas percebe-se de um lado uma preocupação da Secretaria Municipal de

Educação em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura em oferecer bens culturais

de qualidade e de artistas mineiros de renome aos alunos da rede pública municipal.

Assim sendo, o prefeito daquela época encomendou a artistas mineiros algumas obras

para as escolas inauguradas na década de 70.

Infelizmente como não houve a mesma preocupação na manutenção de tais

obras, ficou claro para nós que esse bem cultural não foi absorvido de forma eficiente

pelos professores, funcionários e que, não acontecendo a absorção primeira, o alunado

também não foi estimulado e, dessa forma, beneficiado.

Sabendo da situação precária em que encontrava a sua obra, Yara, indignada, foi

até a já referida escola e retirou a parte que sobrou da sua obra. Essa parte foi restaurada

por ela e se encontra no seu atelier. A falta de acompanhamento foi tão grosseira que

apesar de ser encomendada pela própria Prefeitura, a artista buscou essa obra e a

Prefeitura não questionou essa ação. O que era de se esperar uma vez que não foi dada à

obra o seu devido valor.

Ocorre que, a partir do momento em que foi proposto esse projeto (Mural na

escola) faltou o planejamento de ações que levassem as pessoas a consumirem de forma

eficiente esse bem cultural. Acontecendo isso, acreditamos que essa obra estaria bem

cuidada e hoje poderia estar na escola, sendo apreciada por todos que a frequentam.

Page 17: YARA TUPYNAMBÁ

No mural criado para a escola, Yara demonstra mais uma vez toda sua

admiração pelo seu reduto inspirador. “A nossa Minas Gerais”. Como referência à

simplicidade do interior mineiro ela, mais uma vez, conta sua história, dá a sua aula,

através de um belo oratório, parte que sobrou dessa magnífica obra, assim como, um

entorno marcado pela religiosidade e a herança cultural negra mineira.

Vendo as fotografias dessa obra tão bela sentimos com muita tristeza a falta da

educação do olhar para a cultura, fala da Yara. Ao contrário, esse mural não teria tido o

final que teve.

Page 18: YARA TUPYNAMBÁ

APÊNDICE

Page 19: YARA TUPYNAMBÁ

19

ENTREVISTA COM YARA TUPYNAMBÁ

Roteiro

• Yara, você é considerada um dos grandes nomes da arte moderna brasileira. Quando foi que você descobriu a “arte ‘ na sua vida?

• Quais as suas maiores influências recebidas? • Percebemos que seus murais nos contam histórias, muitas delas de Minas

Gerais. O que Minas Gerais representa para você? • Das suas obras, qual a que te tocou ou toca mais? • Yara, além do seu talento, a que você atribui seu sucesso como artista? Fale-

nos um pouco sobre seus processos de criação e a técnica utilizada. • Em sua última entrevista a VEJA, você declarou o seu interesse de não parar.

Como você consegue manter esse ritmo de trabalho? • A mesma reportagem cita o seu desejo de ser compreendida pelo público

jovem. Fale-nos um pouco sobre o retorno que você tem desse público. • Somos da RME e temos o conhecimento de trabalhos que foram

encomendados pela prefeitura a alguns artistas, na década de 70, para as escolas, inclusive a você. Conte-nos um pouco sobre esse mural.

• Assistimos a uma reportagem sobre a restauração do mural da Assembleia,

feito por você. Faça um paralelo entre o sentimento da restauração e preservação presentes nessa ação e o da destruição do mural da escola.

• Em sua opinião, como a “arte” pode contribuir com a educação? • O que você pode falar sobre as leis de incentivo à cultura? Já se beneficiou de

alguma delas? Como? Você recebe algum patrocínio? • Como você gostaria de ser lembrada? • Faça-nos um último comentário sobre a importância da arte para os dias

atuais.

Page 20: YARA TUPYNAMBÁ

20

ENTREVISTA

PERGUNTAS FEITAS AO EX - DIRETOR JOSÉ WILSON de REZENDE

Roteiro

• José Wilson, gostaríamos de saber sobre o mural da Yara Tupynambá que

estava nessa escola. Como se deu a chegada dele aqui?

• Por que ele não se encontra mais nessa escola?

• Onde ele está agora?

• Por que ele estragou?

Page 21: YARA TUPYNAMBÁ

21

Transcrição da entrevista com a artista Yara Tupinambá, realizada em 29/06/2012 (Na íntegra). Mostrou-nos seu atelier, usa um prato de louça como palheta (lava toda hora), faz seus trabalhos, muitas vezes, a partir do que tem em casa, recebeu o livro que ela ilustrou esse ano, do Projeto 100 bibliógrafos – livro artesanal, manuscrito, tipográfico, trabalho com 16 desenhos, uma para cada conto, clicheria, tracejado, não tem meio tom. Pediu-nos para ler um depoimento dela sobre “Um olhar mineiro”, para iniciar a conversa. Yara: Então, você vê aí, já eu defino minha obra. Ou seja, minha obra vai girar em torno daquilo que eu sou, daquilo que eu fui. Um artista só pode trabalhar com o coração e com sinceridade. Então, é preciso que eu vá buscar essas raízes, essas tradições. E isso tudo vai aparecer em fragmentos dentro do meu trabalho. Eu sou uma artista essencialmente mineira, minha obra gira em torno de Minas. Uma Minas erudita e uma Minas popular. Uma Minas geográfica e uma Minas folclórica. Se você for olhar, meus painéis todos fazem a história de Minas. Eu tenho toda a história de Minas em painéis, desde a entrada das Bandeiras, vindo de São Paulo, a entrada pelo Rio São Francisco, que é outro painel vindo dos baianos, o desbravamento dos rios, a entrada na sela, a presença dos bandeirantes, a implantação das primeiras vilas, da descoberta do ouro e a luta pela posse do ouro, ciclo dos diamantes. Depois, a Inconfidência Mineira e, depois, o ciclo moderno: a construção civil, a siderurgia, o comércio. Isso tudo, eu tenho painéis. Então, eu tenho uma visão histórica muito grande de Minas. Eu estudei muito para fazer tudo isso. Equipe: Quando foi que você descobriu esse seu gosto pela Arte? Quem te chamou? Yara: Meu gosto pela Arte começou muito menina linda. Eu, na escola, já desenhando muito. Tanto que eu tive um curso especial de desenho, quando estava com 11 para 12 anos, a minha professora mandou meus desenhos para a Secretaria e pedindo que eu não fizesse aquela coisa só geométrica que era o que dava na época de fazer faixa, mas que eu fizesse desenho livre. E eu tive essa autorização. Então, eu comecei assim, muito cedo, já fazendo desenho livre. Depois com 17 anos, quando eu vim para Belo Horizonte definitivamente, eu comecei a fazer pintura no Sacré Coeur, quando eu fui estudar e, rapidamente, a irmã chamou meu pai e falou ‘Olha,aqui ela não tem mais nada a aprender, ela sabe tudo o que eu posso ensinar. O senhor deve levá-la para um professor chamado Guinar que tem um curso aí’. Foi assim que eu fui direcionada para a escola Guinar Equipe: Sua principal influência foi a de Minas. E na arte? Yara: Pois é. Na minha vida, então, é claro que você não tem uma visão clara desde a juventude, desde o começo para saber o que quer. Mas duas coisas nortearam muito e permanecem na minha vida. Primeiro, a vontade de comunicar com muita gente. Eu sempre tive querendo chegar a um público maior. Por isso, eu fui para a gravura, que é uma possibilidade de divulgação do trabalho através de imagens. A gravura, eu permito que um trabalho meu seja reproduzido cinquenta vezes, por exemplo. Então, eu divulgo isso. Isso foi uma tendência que foi confirmada, sem que eu percebesse, é lógico, no começo, pela presença dos paineis, porque o painel, já falava Riviere, é um livro aberto

Page 22: YARA TUPYNAMBÁ

22

onde lê o povo. Então, desde o começo, eu percebi a importância do painel, do mural como um processo de comunicação de massa. Então, eu sempre tive essa preocupação. E hoje, se você me vê aqui, eu hoje dou aula de História da Arte para formação de público. Eu ensino as pessoas a ver uma obra de arte através de quinze aulas. E encontro frequentemente já alunos antigos em exposições (essa semana mesmo, encontrei um) que fala ‘Yara, você me despertou para a Arte e eu já sou um colecionador. Eu já tenho comprado Bianco, tenho comprado fulano...’ Então, a pessoa já sentiu a necessidade e a vontade de ter quadro porque fez um curso e aprendeu. Equipe: E realmente é um aprendizado, não é? Yara: É um aprendizado. Eu não sei como vocês fazem curso de gestão sem conhecer o processo criador, o processo histórico e o processo de criação. Isso é fundamental para vocês. Equipe: Nós temos lá duas matérias, uma, Introdução a História da Arte, que foi dada por Rodrigo Faleiro, (Yara interrompe para perguntar o que ele deu) Ele deu aquela linha do tempo, mesmo, a história, os períodos. Equipe: Ele deu o Barroco e um pouquinho do Romantismo, não foi? Equipe: Ele ficou muito no Barroco. E agora, com a professora Luciana Piacenza,estamos aprendendo o Pós Moderno e o Moderno. Yara: Então, vocês estão tendo essa noção. Tem que ter. Equipe: Mas o que falta para nós mesmos é leitura. Nós precisamos nos debruçar sobre os livros, de visitar os ateliês...(Yara interrompe mais uma vez) Yara: Não, não. É o contrário. Vocês precisam ver. A educação do olhar é que é fundamental. Então, vocês não tem que ler, não, é frequentar galeria, é ir as exposições, é ir em leilões para vocês aprenderem a ver, especialmente a arte brasileira porque o que eu noto, vem muita professora aqui, de Ensino Médio, e que começam com os coitados dos meninos fazendo-os copiar e falar sobre Picasso. Porque Picasso? Não é? Ele não é nossa realidade. Ele está fora do nosso mundo. Então, porque não com Portinari? Porque não com Di Cavalcanti? Porque não Guinar? Entende? Nós temos mestres na pintura, mas vocês pegam o Picasso que é que tem mais livro, tem mais divulgação e aí entra a deficiência cultural brasileira. Equipe: Do professor também? Yara: Tudo. Brasileira, porque vocês têm dificuldades de encontrar livros. Os livros aqui são muito caros. Toda essa coisa que não devia ter, que deveria fazer parte de uma política cultural e não existe no Brasil, não existe. Um livro de arte é muito caro. Equipe: Das suas obras, tem alguma que te toca mais? Que tem um olhar especial seu? Yara: Na verdade, eu trabalho por temas, entende. Equipe: Seu mural é uma aula?

Page 23: YARA TUPYNAMBÁ

23

Yara: Sim, deve ser. Porque como disse Riviera ‘o mural é um livro aberto onde lê o povo’. Então, a minha linguagem tem que ser clara, quando eu faço o mural. Quando eu faço o Inconfidência Mineira, que na verdade é a História da Liberdade Humana, eu começo com o primeiro fato político que é Felipe dos Santos sendo arrastado pelo chão do vilarejo vingadores, porque ele quis que não tivesse tanto imposto sobre os produtos de Minas. Depois vem o encontro dos inconfidentes, os decretos de Maria I empobrecendo o país, depois a denúncia ao Visconde de Barbacena, depois as prisões, depois o processo todo, depois as figuras principais de Tiradentes como símbolo que vai ser martir, depois ele sendo esquartejado. Então, eu tenho que ter essas cenas claras, entende? Eu não posso pegar o esquartejamento e falar assim e pôr escrito ‘esquartejamento’. Não! Isso é muito fácil. Ou eu fingir isso. Não! Eu tenho que por pedaços de Tiradentes. Então, isso é uma história que tem que ser contada para que a leitura seja possível e, assim mesmo, a maioria do povo não sabe ler. Porque não sabe o fato histórico Equipe: E além do seu talento, a que você atribui seu sucesso como artista? Yara: Meu sucesso, minha filha, todo mundo fala que é dez por cento de inspiração e noventa de transpiração. Eu trabalho muitíssimo, eu trabalho minuciosamente, fazendo estudos, meu trabalho nunca é executado sem um estudo prévio, são vários estudos, onde eu vou levar em conta, aí sim, os valores estéticos de composição, de espaço. Isso eu levo em conta no estudo. Entende? Porque toda obra de arte, ela tem duas facetas. Ela tem a faceta do conteúdo e a faceta do técnico. Você, como gestora cultural, tem que ter um duplo olhar quando vê um projeto que vai abranger artes plásticas. Primeiro, todo quadro tem dois aspectos: tem o técnico e tem o conteúdo. O que é que é isso? O técnico é se eu sei pintar ou não, se eu sei usar tinta ou não, que técnica que eu uso, se é empastamento ou transparência, como eu componho o quadro, qual é minha noção de espaço vazio, de espaço cheio, de tensão, de linha de ouro. Todas essas coisas que são necessárias para que eu construa e estrutura um trabalho. Então, tudo isso é a parte técnica. Equipe: Nesse sentido aí, a senhora usa uma técnica específica ou usa de todas? Yara: Não. Cada um cria, com o tempo, a sua própria técnica, mas é claro que é a partir de heranças que você teve nos seus ensinamentos. Bom, a segunda coisa é o conteúdo ou o tema, se você quiser chamar isso de tema, que é o que eu quero dizer com aquilo. É a parte, vamos dizer, intelectual do trabalho. O que que eu quero dizer quando, por exemplo, eu pego esses símbolos de Minas que eu uso: os oratórios que vocês estão vendo aí, os santos, os mastros de São João. O que que eu quero dizer com isso? O que eu quero dizer que eu sou mineira, que esses são símbolos que pertencem ao nosso imaginário e que nos caracteriza. Se eu falar que toda casa mineira, quase, tem um oratório, eu não estou mentindo. Todo mundo tem um pequeno, um médio, um oratório que é uma tradição que vem dos nossos avós, dos nossos pais. Então, essas coisas são simbólicas. Quando, por exemplo, pro Picasso foi a tourada, o touro. Foi simbólico para ele. Foram os meninos, de Velazques. São símbolos da Espanha. Então, cada país, cada lugar tem seus próprios símbolos. E isso é o que nós chamamos de conteúdo. É com ele que eu vou falar o que que eu quero sobre a vida, a minha filosofia de vida, o que que eu quero. Então, esses dois aspectos têm que ser vistos em cada quadro. Na verdade, um quadro não significa nada. Ele significa dentro de uma obra, dentro de um contexto. Entende? De uma fase. Aí, ele vai ter um

Page 24: YARA TUPYNAMBÁ

24

significado. Ele isolado, não tem um significado. Ele precisa de estar dentro de um contexto filosófico, dentro de um pensar meu sobre o que que eu quero dizer. Por exemplo, eu tenho uma frase bonita que você vai encontrar aí no fim (referência ao livro que nos deu) que são as matas e que é toda uma fase que eu trabalhei sobre as reservas ecológicas de Minas. Então, eu fui a Serra do Cipó, eu fico acampada junto com o pessoal do IBAMA, eu vou para a Vale do Rio Doce, eu fico acampada dentro da reserva para sentir, ver e depois pensar. Equipe: É fruto de uma vivência!?. Yara: Fruto de uma vivência, e um vivência porque é que eu estou fazendo isso? Porque mais do que nunca nós estamos preocupados com o meio ambiente. Esse é o meu discurso. Ao invés de subir num palanque e ficar falando é preciso preservar a natureza, eu mostro a beleza da natureza e te faço pensar que é importante conservar isso. Equipe: Em sua última entrevista à VEJA, a senhora falou do seu interesse em não parar. Yara: É claro! Equipe: E como é que a senhora consegue manter esse ritimo de trabalho? Yara: Olha, eu levantei hoje às cinco horas da manhã e fiz a última aula que eu vou dá, que começa com os movimentos modernos, (Já deixei o cubismo para trás) que começo com o Fovismo alemão, depois eu entro no Surrealismo, depois eu entro no Dadaísmo, todas as consequências de depois da primeira guerra, especialmente que o mundo não sabia que existia aviação, bomba. Essa coisa toda que, de repente caiu na cabeça de todo mundo e dos artistas mais sensíveis, principalmente, que mudaram os conceitos totalmente, todos os conceitos foram mudados. Em consequência das desgraças da guerra. Entendeu? Essa coisa fez com que valores, não valores fossem apontados. Por exemplo, a nova objetividade da Alemanha, é uma escola, que mostra a decadência e corrupção política da Alemanha, depois da primeira grande guerra até o nazismo, tanto que eles têm mais de cinco mil obras queimadas pelo nazismo porque eles consideraram uma arte degenerada, elas faziam denúncias sociais e políticas. Então, o mundo deu uma reviravolta, deu o Dadaísmo que nada vale, vamos ser loucos porque a loucura é a única saída para essa situação do mundo. Então, eu hoje, desde cinco horas da manhã, estudando tudo isso para fazer minha última aula e estou recebendo vocês aqui. Daqui há pouco vou sair para fazer uma série de coisas. Equipe: Então, é a paixão pela Arte que te move, não é? E a mesma reportagem, ela cita o seu desejo de ser compreendida pelo público jovem, desde a década de setenta. Qual que é o retorno que este público te dá? Yara: Muito pouco, em termos de conhecimento, em termos de vontade de aprender. Eu acho, por exemplo, esses cursos que eu faço, curiosamente, são frequentados por pessoas por mais de trinta e cinco anos. O interesse pela cultura não atingiu uma geração de 20 a 30 anos, não atingiu. Isso é a coisa mais lamentável desse país. Porque não atingindo, eles vão para bebedeira, para futilidades, para o consumismo e para a droga. É isso que está acontecendo nesse país. Por falta de políticas culturais, os jovens

Page 25: YARA TUPYNAMBÁ

25

não querem aprender, não interessam por aprender nada. Não é só comigo, não. Não interessa para aprender nada. Muito pouco participantes da vida social e política, muito pouco participantes. Eles querem consumir, ter carro, ter roupa, ir para a balada e sexo.É isso que esse pessoal está fazendo, infelizmente. Equipe: Nós, como já havia te dito, somos professoras da Rede Municipal de Educação... Yara: Imagine, vocês! Nós sabemos disso porque nós tivemos o Instituto Yara Tupinambá trabalha com processos culturais e trabalho com processos de educação, nós somos especializados em educação e formação de mão-de-obra para pessoas mais humildes, exatamente para terem um ofício. Nós tivemos agora cursos de, que foi dado até como projeto da Secretaria de Cultura, você não imagina as dificuldades que nós tivemos com jovens de quatorze a dezessete anos. As dificuldades; agressivos, querendo drogas dentro da sala, pegamos alunos fazendo sexo dentro de banheiro. Vocês não calculam os problemas que nós tivemos. Enormes! Equipe: Esses cursos foram específicos para esse público? Yara: Foram específicos e pouquíssimos interessaram pela profissão. Porque nós estávamos dando profissões. Entendeu? A grade de profissões era muito grande, muito pouco interesse. A não ser um grupo que se interessou por mecânica de carro e que fez o curso de mecânica, muito pouco. Mulheres, especialmente, nós oferecemos um curso de costura, que é básico, não teve uma inscrição. Equipe: Retomando essa questão da prefeitura, nós ficamos sabendo que na década de setenta, foi encomendada a você, e a uns outros artistas, obras para serem expostas nas escolas. Conte-nos um pouco sobre o mural. Você lembra dele? Yara: Lembro. Lembro de todos. Equipe: O mural é maravilhoso. Yara: Foi totalmente destruído. Esse mural foi totalmente destruído. Sobrou dele isso aqui (aponta para o oratório no livro que mostramos a ela com os murais das escolas) Só. Equipe: Só o oratório? Yara: Só, que está com o Geraldo. Só. A única coisa que sobrou. Desses, à exceção do Eduardo de Paula que eles penduraram no alto, então não teve..., não sei o porquê puseram grudado no teto, mas sem consciência nenhuma de que era para guardar, praticamente quase tudo foi destruído, detonado, estragado. O meu, teve menino que cortou pedaço de cara, arrancou pedaço de cara, o outro deixou a infiltração. Subiu aquela infiltração, comeu pedaço do quadro. Não houve o menor cuidado dos dirigentes, das diretoras com aquilo que recebeu. Elas receberam sem saber o que significavam. Então, isso foi totalmente destruído. Equipe: Você acha que isso tem relação com a falta de educação do olhar para a Arte?

Page 26: YARA TUPYNAMBÁ

26

Yara: Claro, claro, claro que sim. Elas não sabiam o que que eram porque que os alunos iam saber? Se elas próprias não sabiam. E destruíram! Equipe: E você guardou essa parte do oratório porque foi a única que ficou preservada? Yara: Foi a única que ficou preservada. Equipe: Ou ela tinha um valor especial? Yara: Não, não. Foi a única que ficou preservada. O resto foi destruído. Rabiscado, arrancado pedaço, mofo que entrou porque entrou infiltração e ninguém tomou providência, a água que subiu e que.... Foi tudo destruído. O mural da sala, a árvore, encontrei em pedaços dentro de um saco, plástico de lixo preto. Equipe: Essas obras foram encomendadas pela prefeitura? Yara: Foi. Através do doutor Orlando Vaz, secretário de cultura, que hoje é presidente da Academia Mineira de Letras. Equipe: Vocês acompanharam esse processo? Como chegou até você informações sobre a questão da conservação do quadro? Yara: Não, não. Na medida que você entregou, você não vai fiscalizar seu trabalho o tempo todo. Imagino se eu saio, eu tenho 100 murais, imagine se eu tiver que fiscalizar um mural meu. Subentende-se que as pessoas tenham o cuidado devido.Por exemplo, eu vou citar um exemplo que é o SERPRO. O SERPRO tem um painel meu muito bonito que é Entradas e Bandeiras. Eles têm o maior cuidado. Se tem uma pessoa que chega e enfia a mão para atacar, a moça que toma conta da portaria, ela fala imediatamente ‘não, não pode por a mão; não estraga, não.’ Eles têm o maior cuidado. De dez em dez anos, eu vou lá para tirar a poeira. Equipe: Então, você tem esse contato com as obras no sentido de estar ajudando na conservação? Yara: Vinte anos após, eu lavei agora o painel da Federação do Comércio. Vinte anos! Entende? Eu fui, limpei, arrumei por que era sujo do tempo, a poeira que deposita, um que vem, põe a mão e marca. Mas são coisas, não são destruições. Entende? Então, essa coisa você faz quando eu sou chamada. A pessoa fala ‘acho que o mural está um pouco sujo, não era bom você dar uma olhada?’ Então, eu vou olhar, entende? E ver o que é que tem, mas são pequenas coisas. Agora, aí não. Eles foram destruídos. Equipe: Você foi chamada para ver esse mural? Yara: Nunca! Equipe: Como ele chegou até você? Yara: Chegou a mim porque um dia eu tive notícias disso e eu fui lá e vi destruído. Equipe: Você foi na própria escola?

Page 27: YARA TUPYNAMBÁ

27

Yara: Fui. Eu fui e vi. Equipe: E nós assistimos também agora, recente, uma reportagem da restauração lá da assembleia. Vai mudar de um lugar e passar para outro. Que sentimentos são esses? Um mural... Yara: Olha, a assembleia, quando eu fiz esse mural, ele foi feito em duas partes que era no lugar mais nobre da assembleia que era o restaurante que era aberto à noite. Era chique ir ao restaurante da assembleia porque você via os deputados. Todo mundo queria jantar lá na assembleia. Bom, com o correr do tempo, isso caiu de moda e alguém veio ‘vamos aproveitar esse espaço e vamos fazer...’ E meteram aqui um gabinete, meteram outro gabinete ali, meteram outro gabinete e foi seccionado. Não foi estragado. Mas ficou mutilado no seu sentido, não é? Porque ficou no meio de, aqui põe uma cadeira, põe uma mesa, funcionário em cima. Agora, com Diniz Pinheiro, ele quis que isso voltasse a ter uma dignidade. Então, isso já foi retirado. Foi um processo fantástico de restauração, de minuciosismo que Minas nem tinha tecnologia para isso. Foi preciso vir uma equipe de Recife para poder ensinar e trabalhar com o pessoal do SECCOR. Tem um processo todo que foi estudado pelo IEPHA. O tempo todo foi o SECCOR, que é o instituto hoje de maior credibilidade da Universidade em restauração. Já tiraram tudo, já limparam quase tudo por trás porque a limpeza da parte de trás é minuciosa, é muito difícil porque ficou agarrado o restauro de cimento, essas coisas todas, já está acabando o restauro, já para ser colocado numa coisa que chama colmeia, que nem eu sei o que é que é, que veio da Itália. Não é uma colocação direta na parede. Não vai ser colocado com cimento mais. Chama colmeia. Não sei o que é que é, não sei como é que é, mas é uma técnica que esse pessoal de Recife que trabalhou muito na Itália, fez curso, está trazendo para aqui. Equipe: Então, são duas emoções antagônicas, não é? Uma de vê um mural exposto atingindo um público que você queria atingir. Yara: Exatamente! Equipe: E o outro degradado, num lugar onde você também queria atingir aquela juventude. Yara: Exatamente, exatamente. São duas coisas. Por exemplo, esse mural da assembleia, ele tem quinze metros por três. Então, ele é um mural que abrange desde a chegada das caravelas no Brasil, passando pela entrada por Minas, norte e sul. A gente só pensa nos bandeirantes, mas a entrada pelo norte foi super importante também, pelo São Francisco. E depois vem a história de Minas, a entrada, a descoberta do ouro, o trabalho escravo, a guerra dos emboabas, a construção das cidades, as arcádias mineiras, o encontro dos inconfidentes, Tiradentes pagando a palavra e termina com o ciclo do café que foi a primeira economia nossa, a partir do século vinte. Equipe: Na sua opinião, como que a Arte pode contribuir com a educação? Yara: A Arte contribui em primeiro lugar porque ela torna o homem melhor. Isso é a primeira qualidade. Para que serve a Arte? A Arte serve para tornar o homem melhor. Você nunca ouviu dizer que alguém saísse de um concerto maravilhoso, de um

Page 28: YARA TUPYNAMBÁ

28

espetáculo de teatro maravilhoso, de uma exposição maravilhosa e matasse alguém. Você nunca ouviu falar isso. As pessoas que frequentam a vida artística se tornam melhores emocionalmente, espiritualmente. A Arte é um exercício espiritual e, por isso, ela toca a presença mais espiritual das coisas. Elas tornam mais espiritual. E ela ainda traz a alegria da beleza, que é outra coisa. Não é? A alegria do belo é algo muito bom para a alma humana. Muito bom para a alma. Equipe: E com relação às leis de incentivo à cultura, você já se beneficiou delas? Yara: Já! Claro que sim. Eu já tive meu primeiro livro editado pela lei de cultura. Agora eu tive meu grande trabalho da maturidade, sobre Drummond, foi meu amigo pessoal. Eu tive um livro publicado sobre um grande poema dele ‘A Mesa’, que um poema de amadurecimento, de perdas e de angústias. Eu fiz um mural de dezenove metros por um e meio, segmentado, mas consegui trazer a Belo Horizonte o ano passado, fim de ano. Enfim, as leis são importantíssimas porque elas nos permitem o trabalho, mas é difícil, viu, fazer projeto. As leis são muito importante, apesar de muito complexas e, muitas vezes, o ministério não entende bem o que está saindo. E processo vai, e processo volta, etc., etc. Por isso, vocês estão formando gestores culturais. A gestão compreende, em primeiro lugar, vocês entenderem o que é a lei. E não adianta vocês virem me conversar sem saber o que estão fazendo. Então, se vocês não sabem sobre todas essas coisas sobre as quais falamos, você terá dificuldade em fazer um projeto e não vai fazer um projeto mal feito que não passa. Segundo, você tem que entender de finanças porque você tem que ter um organograma orçamentário que às vezes é complexo. E você tem de orientar o artista que é sempre um inocente e nunca sabe mexer com isso. É um bocó. Equipe: E patrocínio? Você recebe patrocínio? Yara: Recebi dessas leis, através leis de incentivo. Nunca pedi um patrocínio sem ser de lei porque um empresário não quer dar um patrocínio sem lei É difícil um patrocínio. Equipe: Faça um pequeno comentário a respeito da importância da Arte para os dias atuais e para sempre. Yara: Olha, nesse mundo angustiado, globalizado, consumista e de difícil alcance da alma humana, a Arte é a única forma de você tocar no coração dos homens. Não, no órgão, mas no coração emocional, naquilo que a gente tem de melhor que é a personalidade humana. Equipe: É muito diferente o trabalho através dos azulejos com o de madeira? Yara: É muito diferente. Madeira, o que você fala? Equipe: Por exemplo, o painel que estava na José Maria Alkimim era de madeira, não era? Yara: A madeira ou a tela é a mesma peça. Agora, o trabalho com o azulejo é mais complexo. Primeiro porque você tem que aprender a usar a tinta que não é uma tinta comum. É uma tinta que escorre. Então, você tem que saber a dosagem certa e ela demanda queima. Então, você tem todo um processo de queima. E não sou eu que faço a queima, tem que ter forno industrial para fazer isso, mas que vai queimando tem que

Page 29: YARA TUPYNAMBÁ

29

ter o controle da temperatura porque se passa, queima a tinta, torra e fica tudo marrom. Então, o controle da queima é muito importante e o controle da tinta. Muito diferente. Equipe: Então, nós temos que estudar as técnicas mesmo? Yara: Vocês têm que aprender. Equipe: Sobre a Arte, nós não sabemos nada. Yara: Vocês não sabem nada Agradecemos a Yara pela entrevista.

Page 30: YARA TUPYNAMBÁ

30

REFERÊNCIAS

AYALA, Walmir ; CAVALCANTI, Carlos (orgs.). Dicionário brasileiro de artistas

plásticos - Q - Z. Brasilia: MEC : INL, 1973. v. 4, pt. 1, il. p&b. (Dicionário

especializado, 5).

PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Textos de Mário Barata,

Lourival Gomes Machado, Roberto Pontual, Carlos Cavalcanti, Flávio Mota, Aracy

Amaral, Walter Zanini, Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

559 p., il. p&b, color.

PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção

Gilberto Chateaubriand. Rio de Janeiro: Edições Jornal do Brasil, 1987. 585 p., il. color.

TUPYNAMBÁ, Yara. Yara Tupynambá. Texto de Morgan da Motta e Pierre Santos.

Belo Horizonte: AMI Galeria de Arte, 1973. folha dobrada, il. p&b.

VIEIRA, Ivone Luzia. A Escola Guignard na cultura modernista de Minas: 1944-1962.

Pedro Leopoldo: CESA, 1988. 162 p., il. color.

ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 1106 p., il. color. 2v.

SMED, Exposição dos murais das escolas municipais de Belo Horizonte: 1976

Page 31: YARA TUPYNAMBÁ

31