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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CLÉIA MÁRCIA GOMES AMARAL Organização e tratamento da informação nos arquivos: estudo crítico São Paulo 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

CLÉIA MÁRCIA GOMES AMARAL

Organização e tratamento da informação nos arquivos: estudo crítico

São Paulo

2017

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CLÉIA MÁRCIA GOMES AMARAL

Organização da informação nos arquivos: estudo crítico

Versão corrigida

Tese apresentada à Escola de Comunicação e Artes da

Universidade de São Paulo – USP, para a obtenção do título

de Doutora em Ciência da Informação

Área de concentração: Cultura e Informação

Orientadora: Nair Yumiko Kobashi

São Paulo

2017

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou

eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes

da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pela autora

Amaral, Cléia Márcia Gomes

Organização e tratamento da informação nos arquivos: estudo crítico /

Cléia Márcia Gomes Amaral; orientadora, Nair Yumiko Kobashi. - 2017.

202 f.

Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da

Informação - Escola de Comunicações e Artes, ECA / Universidade de São

Paulo. São Paulo, 2017.

Versão corrigida

Bibliografia 1. Tratamento da informação 2. Arquivística 3. Arquivos I.

Kobashi, Nair Yumiko, oriente. II. Título.

CDD 21.ed. - 020

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Nome: Cléia Márcia Gomes Amaral

Título: Organização e tratamento da Informação: estudo crítico

Tese apresentada à Escola de Comunicação e Artes da Universidade

de São Paulo para a obtenção do titulo de Doutor em Ciência da

Informação

Profa. Dra. Georgete Medleg Rodrigues

Instituição: Universidade de Brasília, UnB

Julgamento: Aprovado

Prof. Dr. Daniel Flores

Instituição: Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

Julgamento: Aprovado

Profa. Dra. Ligia Maria Arruda Café

Instituição:Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC

Julgamento: Aprovado

Profa. Dra. Marilda Lopes Ginez de Lara

Instituição: Universidade de São Paulo, USP

Julgamento: Aprovado

Profa. Dra. Nair Yumiko Kobashi (Orientadora)

Instituição: Universidade de São Paulo, USP

Julgamento: Aprovado

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DEDICATÓRIA

Ás minhas avós Maria Ferreira de Oliveira e Joana Soares Alkimim pela existência.

Os meus sobrinhos Isabela, João Antônio, Mariana e Miguel pela alegria de viver.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Professora Doutora Nair Yumiko Kobashi por este

tempo de prazerosa e feliz convivência. Sinto-me profundamente agradecida e

honrada por ter sido recebida como sua orientanda. Os ensinamentos serão eternos.

Agradeço as professoras do Curso de Graduação em Biblioteconomia da UFMG

Márcia Milton Viana e Mônica Cardoso Pitella que me apresentaram o caminho da

pesquisa e da educação.

Agradeço a Professora Doutora Christine Nougaret que me recebeu para um estágio

de doutorado na École Nationale de Chartes, onde pude ampliar os meus horizontes

do conhecimento sobre os arquivos.

Agradeço aos professores da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de

São Paulo pela grata convivência e pelos ricos ensinamentos.

Agradeço a todos os meus alunos da Pontifica Universidade Católica de Minas

Gerais por me fazer ter a certeza de que a minha escolha pelo aprendizado contínuo

foi a melhor.

Agradeço em especial aos colegas do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte

onde iniciei a minha caminhada pelos arquivos. Foi com eles que aprendi a me

deslumbrar todos os momentos com o mundo dos arquivos, o que me fez chegar até

aqui.

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RESUMO

AMARAL, C. M. G. Organização da informação nos arquivos: estudo crítico. Tese

(Doutorado em Ciência da Informação – Escola de Comunicação e Artes.

Universidade de São Paulo), São Paulo, 2017. 201f.

A organização e tratamento da informação nos arquivos é um processo essencial na

prática arquivística, que comporta um conjunto de atividades encadeadas para

propiciar pesquisas e acesso aos documentos nela abrigados. O objetivo inicial da

presente pesquisa foi compreender as teorias e métodos subjacentes a esse

conjunto de processos. A hipótese inicial foi a de observar as teorias e práticas

arquivísticas de organizar e tratar documentos e apontar suas interações com a

Ciência da Informação. A pesquisa, de natureza qualitativa, utilizou o método

hipotético dedutivo como ponto de partida, tendo como objeto empírico um corpus

de artigos científicos da área da arquivística, do período de 2000-2015. Foi possível

identificar nesse corpus as mudanças propostas para a realização de atividades de

classificação, indexação, descrição arquivística, normalização e diplomática, ao

longo desse período. Ao final, foi possível constatar que a arquivística é uma

disciplina com fundamentos teóricos e práticos sedimentados, conta com um

conjunto de métodos, procedimento e instrumentos específicos para organizar e

tratar a informação. Foi possível identificar conceitos comuns entre a Ciência da

Informação e a Arquivística, tais como classificação, análise de informação e

indexação, entre outros. No entanto, não há ligação teórica ou prática explícita entre

as duas áreas, visto que esses conceitos, na arquivística, são utilizados atrelados

aos princípios arquivísticos da proveniência, da ordem original e do ciclo de vida dos

documentos. Com base nesses princípios, a arquivística responde adequadamente,

aos problemas contemporâneos relacionados ao complexo problema da

autenticidade dos documentos digitais. Trata-se, portanto, de uma área em contínuo

desenvolvimento, que constrói teorias, métodos e procedimentos próprios que

respondem satisfatoriamente às demandas sociais de busca e acesso a informações

para garantir os direitos dos cidadãos e a gestão de políticas públicas.

Palavras chave. Arquivística. Organização da informação. Classificação. Indexação.

Descrição arquivística.

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ABSTRACT

AMARAL, C. M. G. Information organization in archives: a critical approach. 190f.

Dissertation (Doutorado em Ciência da Informação – Escola de Comunicação e

Artes. Universidade de São Paulo), São Paulo, 2017, 201f.

The organization and information processing in archives is an essential process in

archival practices and includes a set of linked activities to facilitate the search and

access to documents. The initial objective of this research was to understand the

fundamental theories and methods that support this process. The initial hypothesis

was to explore the relations of the archival practices of document processint and

organization to point out their interactions with Information Science. This research

has qualitative approach, used the hypothetical deductive method as a starting point

and the content analysis of a corpus of scientific articles presented in serials

dedicated to archival sciences, published in 2000-2015. It was possible to identify

common concepts used in Archival science and Information Science, such as

classification, analysis and indexing, but this does not denote an explicit theoretical

and practical connection between the two domains, since these concepts are used in

the archival science coupled with the archival principles of provenance, original order

and the document life cycle. Based in these principles, the Archival Science present

solutions, to the contemporary questions as the complex problems related to the

authenticity of digital documents. It was possible to identify the changes that occurred

in the activities of classification, indexing, archival description, normalization and

diplomatics throughout this period. Archival Science is a domain that develops

reflecting and constructing specific theories, methods and procedures to promote

satisfactory responses to social demands of access to information to the citizens and

to the management of public policies.

Key words. Archival science. Organization of information. Classification. Indexing.

Archival description.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Fases de evolução da arquivística ........................................ 34

Figura 2. Termo “Classification”: definição e relações.......................... 116

Figura 3. Termo Classification............................................................... 124

Figura 4. Termo Indexing...................................................................... 139

Figura 5. Termo Archival description .................................................... 151

Figura 6. Termo Diplomatic .................................................................. 172

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LISTA DE QUADROS

Pag.

Quadro 1 – Normas de descrição – resumo .......................................................

81

Quadro 2 - Composição da amostra por periódicos nacionais e internacionais. ....................................................................................................

121

Quadro 3 - Artigos sobre “Classificação” ............................................................

126

Quadro 4 – Artigos sobre “Indexação” ................................................................ 141

Quadro 5 – Artigos sobre “Descrição arquivística – definição” ...........................

152

Quadro 6 – Artigos sobre “Descrição arquivística – princípios arquivísticos”...

150

Quadro 7 – Artigos sobre “Descrição arquivística – aplicação” ........................

161

Quadro 8 – Artigos sobre “Descrição arquivística – normalização” ...................

164

Quadro 9 – Artigos sobre “Diplomática” .............................................................. 173

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LISTA DE SIGLAS

AACR2 – The anglo-American Cataloguing Rules, Second Edition

AFNOR - Association Française de Normalisation

CONARQ – Conselho Nacional de Arquivos

CPBS – Comitê de Boas Práticas para Normalização

DACS - Describing Archives: A Content Standard

EAC (CPF) - Encoded Archival Context – Corporate Bodies, Person, Families)

EAD - Encoded Archival Description

ICA – International Council Archives

IFLA - International Federation of Library Associations and Institutions

ISAAR (CPF) - Standard Archival Authority Record for Corporate Bodies, Persons

and Families

ISAD (G) - The General International Standard Archival Description

ISDF - The International Standard for Describing Functions

ISDIAH - The International Standard for Describing Institutions with Archival Holdings

ISO – International Organization for Standarization

NOBRADE - Norma Brasileira de Descrição Arquivística

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 15

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO ............................................................................ 20

1.2 HIPÓTESE DE TRABALHO ................................................................... 21

1.3 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS ................................................ 24

1.4 JUSTIFICATIVA ..................................................................................... 24

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................

26

2.1 OS ARQUIVOS E A ARQUIVÍSTICA .................................................... 26

2.2 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO .................................................... 35

2.3 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO NOS ARQUIVOS ........................ 38

2.4 DEFINIÇÃO DE DOCUMENTO ............................................................. 41

2.4.1 As bases de Paul Otlet e Suzanne Briet ............................................ 41

2.4.2 O documento nas ciências sociais e da informação ........................ 44

2.4.3 A teoria do documento ........................................................................ 46

2.5 DOCUMENTO NA ARQUIVÍSTICA ....................................................... 49

2.6 PRINCÍPIOS DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRÁTICA ARQUIVÍSTICA .. 53

2.6.1 Princípio da territorialidade ................................................................ 53

2.6.2 Princípio da proveniência ................................................................... 54

2.6.3 Abordagem das três idades ou ciclo de vida dos documentos ....... 57

2.7 GESTÃO DE DOCUMENTOS ............................................................... 60

2.7.1 A Gestão de documentos e o ciclo de vida dos documentos ......... 62

2.7.2 Normas do records management ...................................................... 66

2.7.3 Implantação da gestão de documentos.............................................. 69

2.7.4 Avaliação de documentos ................................................................... 70

2.8 DESCRIÇÃO DE DOCUMENTOS ARQUIVÍSTICOS ........................... 71

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2.8.1 A normalização da descrição ............................................................. 76

2.8.2 As normas de descrição arquivística – Histórico de criação .......... 78

2.9 DIPLOMÁTICA ARQUIVÍSTICA ............................................................ 83

2.9.1 INTERPARES.......................................................................................... 88

2.10 CLASSIFICAÇÃO NOS ARQUIVOS ...................................................... 90

2.11 REGIME DE INFORMAÇÃO .................................................................. 94

2.12 TEORIAS DE LINGUAGEM ................................................................... 96

3 METODOLOGIA DE PESQUISA ......................................................... 104

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................. 108

3.2 COLETA DOS DADOS PARA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS ............ 108

3.2.1 Gazette des Archives ........................................................................... 108

3.2.2 Archival Science ................................................................................. 109

3.2.3 The American Archivist ....................................................................... 110

3.2.4 Archivaria .............................................................................................. 110

3.2.5 Acervo ................................................................................................... 111

3.3 PERÍODO DE COBERTURA ................................................................. 112

3.4 COMPOSIÇÃO DO CORPUS ................................................................ 112

3.5 DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE .................................... 114

4 ANÁLISE DO CORPUS ......................................................................... 122

4.1 CATEGORIA CLASSIFICAÇÃO ........................................................... 122

4.1.1 Definições de classificação nos arquivos ......................................... 126

4.1.2 As bases teóricas de elaboração de classificações ......................... 132

4.1.3 Os produtos da classificação ............................................................. 133

4.1.4 Críticas ao uso da classificação nos arquivos ................................. 134

4.2 CATEGORIA INDEXAÇÃO .................................................................... 137

4.2.1 Definição de indexação ....................................................................... 141

4.2.2 Aplicação da indexação ...................................................................... 142

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4.2.3 Críticas à indexação ............................................................................ 146

4.3 CATEGORIA DESCRIÇÃO ARQUIVISTICA E NORMALIZAÇÃO ................... 149

4.3.1 Descrição arquivística – definição ..................................................... 151

4.3.2 Descrição arquivística – princípios arquivísticos ............................. 155

4.3.3 Descrição arquivística – função ......................................................... 160

4.3.4 Descrição arquivística – normalização .............................................. 163

4.3.4.1 Importância da normalização nos arquivos ............................................ 164

4.3.4.2 Normas de descrição arquivística específicas ....................................... 167

4.3.4.3 As normas de descrição para o meio digital .......................................... 168

4.4 CATEGORIA DIPLOMÁTICA ................................................................. 171

4.4.1 A diplomática de Luciana Duranti....................................................... 173

4.4.2 A diplomática e o conceito de evidência............................................ 177

4.4.3 Análise arquivística.............................................................................. 178

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 182

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 189

APENDICE – Lista dos artigos analisados 199

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1 INTRODUÇÃO

A arquivística contemporânea tem sido objeto de estudos de vários

pesquisadores que discutem seu papel enquanto ciência ou disciplina do

conhecimento, sua função, suas práticas. Tais estudos podem ser sistematizados

em categorias: a) em uma primeira categoria, encontram-se autores que tratam dos

fundamentos da disciplina e seus desafios paradigmáticos, como Terry Cook

(1996,1997), Ketellar & Thomassen (1998), Dahlin (2000), Bruno Delmas (2010); b)

uma segunda categoria é constituída de estudos que abordam a relação entre a

Hstória e a Arquívistica, como o de Duchein (1992) e Devriese (2014); c) uma

terceira categoria pode reunir estudos que apontam a necessidade de elevar o

estatus da disciplina dentro das ciência sociais, tal como o de Bertram Muller (2011);

d) em uma quarta categoria, podem ser incluídos textos de natureza epistemológica,

os quais interrogam direta ou indiretamente o conceito e a noção de arquivo e, em

decorrência, cobram mudanças em relação ao seu papel científico, social e político.

Os autores principais dessa corrente são Michel Foucault, com seu livro

“Arqueologia do saber” (1969), Paul Ricoeur, autor de Temps et récit, (1983) e La

mémoire, l’histoire, l’oubli, (2003) e Jacques Derrida, com “Mal de arquivos. Uma

impressão freudiana”.

Os impactos tecnológicos na área da arquivística, como as mídias digitais, a

digitalização, a internet, as ferramentas de aceso à informação em suas variadas

formas constituem uma quinta categoria. Nesse contexto, são destacados os

desafios teóricos e práticos colocados para a área, chamando-se atenção para os

limites tênues entre dados, documentação, documento e arquivo. São exemplos

dessa categoria autores como Luciana Duranti (2001), Bertram Muller (2008),

Christine Nougaret e Françoise Banat-Berger (2014) e Céline Guyon (2015).

Finalmente, em uma sexta categoria, encontram-se estudos recentes que

indicam a necessidade de renovar o campo por meio de rupturas, cujo cerne é a

proposição de novas alternativas de organização e tratamento de informações,

contrapostas às concepções tradicionais, em face dos novos usos dos arquivos. Os

autores que se destacam nessa vertente são Anne Klein, Yvon Lemay (2013,2014) e

Bénédicte Grailles (2014).

As obras desses autores possibilitam compreender a arquivística

contemporânea, disciplina que se constituiu a partir de duas ações fundadoras: a

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publicação do Manual de arranjo e descrição de arquivos dos holandeses (1898) e

do Manual de Jenkinson, dos ingleses (1922). Ambos são trabalhos oriundos de

contextos históricos específicos e de tradições arquivísticas distintas. Os holandeses

estão ligados ao império austro-húngaro, agora desmembrado, com a necessidade

de organizar e tratar os arquivos herdados do império desfeito. O referido manual

privilegia a organização dada pelo arquivista, responsável por colocar ordem na

desordem presente, para preservar a ordem original dada pelo órgão administrativo

no qual o documento foi produzido, interessante para a pesquisa histórica. Mas

deixa aberta a possibilidade de o arquivista “refazer” a ordem original.

Jenkinson, por sua vez, confere o papel central na organização ao produtor

do documento, não privilegiando, portanto, a visão do historiador, mas a do criador e

do provável usuário. Aqui, a ordem original deve ser seguida à risca. Essa

abordagem traduz uma recusa radical a todo tipo de interversão subjetiva no

tratamento e classificação dos documentos de arquivo. Segundo Devriese (2014,

p.27), Jenkison considera o documento e não o seu conteúdo, cita que “Jenkison ne

considère que le <documento> (record) et non pas <ce qui il documente>>”. É a

aplicação do princípio da neutralidade axiológica de Max Weber1 no tratamento do

documento de arquivo.

A arquivística contemporânea e o Records Management se desenvolvem

nesse contexto e se sustentam na obediência ao princípio da neutralidade. Pode-se

afirmar, nesse sentido, que essas linhas de pensamento e de ação procuram

desconectar o documento de sua função histórica, por ser ele uma peça resultante

de uma ação, ou utilizada para praticá-la, e não propriamente uma fonte de

informação. Assim se dá a separação entre arquivo histórico, que tem como base o

manual dos holandeses, em que o arquivista interpreta e organiza, e o Records

management, em que prevalece a neutralidade na organização dos documentos. A

separação entre a arquivística clássica, histórica e a contemporânea se dá não

apenas nos princípios de partida adotados, mas principalmente nos métodos de

organização dos documentos arquivísticos.

1 Segundo Lessa (2013) O termo axiologia (do grego axiologos, digno de ser dito) começou a ser

empregado no começo para designar o estudo dos valores que até então se estruturava nos valores morais. Max Weber utiliza o termo no sentido amplo e consiste em estabelecer uma distinção entre o registro dos fatos e as avaliações de valor. Na Metodologia das Ciências Sociais de Max Weber, e uma das principais categorias empregadas por ele na concepção da atividade de pesquisa e na construção teórica do seu objeto, a ação social.

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Em forma de síntese, pode-se afirmar que a arquivística vem sendo

impactada por questões de natureza teórica, metodológica e tecnológica. As ideias

criadas no pós-estruturalismo ou pós-modernismo2 e as tecnologias da informação e

comunicação, com o surgimento de documentos digitais, são expressões desses

impactos. Um dos principais autores dos questionamentos teóricos é o filósofo

francês Michel Foucault, que apresenta seus argumentos em seu livro Arquelologia

do saber (2014). A principal característica desse pensamento é a desconstrução das

ideias totalitaristas vigentes e o retorno do sujeito como protagonista das ações. A

realidade social é uma construção subjetiva em constante movimento. Os estudos

do pós-estruturalismo se deslocam em direção aos estudos dos problemas da

consciência que os homens têm dos seus atos. Os sistemas sociais são analisados

também sob o prisma das motivações insconscientes, ou seja, as novas abordagens

partem dos fenômenos das ações significantes e não aparentes, para explicar a

consciência dos atores. Portanto, o estudo das ações humanas é o foco para

compreender a realidade e conhecer as intenções conscientes dos atores. Isso

provoca mudanças nas metodologias de busca de conhecimentos científicos.

A área da arquivística é profundamente afetada por essas ideias, cujos

impactos mais significativos se expressam nas concepções sobre os processos de

organização e tratamento de documentos. Os documentos de arquivo organizados

segundo o princípio de respeito aos fundos, ou principio da proveniência definida

pelo produtor, ou pela interpretação subjetiva do arquivista são contestados como

elementos únicos para retratar ações e atividades dentro das organizações. Assim, a

comprovação dos elementos de evidência necessita de intervenção interpretativa

humana para ter o status de documento arquivístico. A neutralidade arquivística é,

portanto, posta à prova.

Disciplinas de áreas afins da arquivística contribuem para criar as bases de

fundamentação para novas práticas. A diplomática medieval, por exemplo, tem sua

base disciplinar incorporada à diplomática contemporânea, para tratar documentos

em meio eletrônico (Luciana Duranti, 1989) e os métodos de análise arquivística

2 Para este trabalho, compreendemos o conceito de pós-estruturalismo como sendo o movimento intelectual de

reação de pensadores alemães e franceses do século XX que procuraram refletir e compreender o fenômeno

da progressiva opressão da vida humana exercida de forma planejada, racional e científica e a impotência do

indivíduo perante o poder anônimo das grandes organizações burocráticas. São reflexões sobre a sociedade

do pós-guerra e dos regimes totalitaristas. São representados pelos filósofos frankfurtianos Adorno,

Horkheimer e Marcuse e Foucault e Deleuze. A idéia pós-estruturalista pensam o papel e a importância da

ação do individuo na sociedade. No contexto dos arquivos aborda o questionamento dos arquivos como

instrumento de poder de regimes totalitários. BUENO (2015).

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propostas por Gérard Naud (1989, 2012) são reconhecidos e incorporados às

Normas Internacionais de Descrição Arquivística ISAD (G) (2006).

É possível pensar o campo da arquivística como um “avatar polymorphe”

(Devriese, 2014) proveniente do Direito positivo, da História, das teorias da

informação e da documentação. Um objeto híbrido que, a partir da ciência

administrativa, se constitui segundo dois braços maiores: de um lado para servir

contra ou a favor do poder público e, de outra parte, para a construção das

identidades coletivas.

Em 1994, o filósofo francês Jacques Derrida proferiu uma conferência no

colóquio internacional Memória: a questão dos arquivos, em que refletiu sobre a

natureza dos arquivos históricos. A conferência foi publicada em 1995, sob o título

Mal de Arquivo: uma impressão Freudiana. Derrida (2001) desenvolveu sua reflexão

por meio da analogia entre os arquivos e a psicanálise. Admitia o arquivo como o fio

condutor para a formação da memória, a partir de seu estoque de “impressões”, e

ressaltava que, não por acaso, privilegia as figuras da marca e da tipografia, a

“censura e o recalcamento, a repressão e a leitura dos registros” (p. 9), como forma

de criar espaços e retratar ações. Essa reflexão dá início a uma nova abordagem

dos estudos arquivísticos e à estruturação dos arquivos na contemporaneidade.

Essa conferência de Derrida deu origem a trabalhos que discutem as

mudanças nos arquivos, tais como o de Cook (1997, 2001); Eric Ketelaar (1999,

2001); Fredriksson (2003), Tom Nesmith (1999), Brietn Brothman (1999) e outros.

Essas publicações abordam explicitamente o papel dos arquivos como instituições

responsáveis pela formação da memória oficial e exploram, também, os impactos

das tecnologias digitais no conceito de arquivo e sua função nesta nova

configuração. Referidos trabalhos chamam a atenção para a instabilidade dos

documentos de arquivo no meio digital, porque eles podem sofrer alterações ou

serem eliminados; discutem também a importância do texto do documento e sua

relação com a linguagem e a escrita.

Terry Cook (2001), em um artigo histórico, Archival Science and

postmodernism: new formulations for old concepts, publicado no primeiro número do

periódico Archival Science, aborda a ocorrência de uma mudança paradigmática na

área. Ele pontua os vários elementos que podem ser identificados nas alterações

operadas na ciência arquivística, principalmente em relação aos documentos. Nessa

nova visão, os documentos não mais são vistos como produto passivo da atividade

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19

humana ou administrativa, mas como “agentes ativos na formação da memória

humana e organizacional” (p.4). Segundo Cook (2001), o discurso teórico

arquivístico modifica ênfases: de produto para processo, de estrutura para função,

de arquivos para arquivamento, de registro para contexto de registro, de resíduo

“natural” ou subproduto passivo da atividade administrativa para memória social

construída conscientemente e mediada ativamente.

No prefácio do livro dos canadenses, Rousseau e Couture (1998) e F. Evans

(1998) também ressalta a ampliação do conceito de documento como consequência

das alterações ocorridas na administração públicas: “Assim, os arquivistas devem

reexaminar os seus conceitos tradicionais, os seus princípios e métodos e modificar

ou substituir as práticas herdadas que já não se coadunam com as necessidades

actuais (sic)” (p. 18). Também Eastwood (1993), citado por Cook (2001) observou

que “é necessário entender o meio político, econômico, social e cultural de qualquer

sociedade para entender seus arquivos” (apud COOK, 2001), assim como suas

práticas e funções na sociedade contemporânea.

A estruturação da arquivística como disciplina fundamentou-se na

admissibilidade do documento, enquanto suporte, como seu objeto prioritário. Pode-

se afirmar que as mudanças provocadas nessa disciplina estão largamente

relacionadas àquelas sofridas pelo conceito de documento de arquivo. Em

decorrência, a arquivística descritiva cria os instrumentos essenciais para a

organização de acervos documentais, sustentada pelo Princípio da Proveniência e

pelas disciplinas Diplomática, História e Administração.

Pode-se observar que a função clássica do arquivo remete à concepção de

que os documentos, enquanto instrumentos de prova de ação (DURANTI, 1994),

devem ser resguardados para preservar e retratar as instâncias de poder das

organizações e contribuir para o resgate da memória organizacional. Na arquivística

tradicional, portanto, o foco da atividade centra-se na descrição do documento,

nascido naturalmente, e na preservação dos seus elementos originais.

Desse modo, a organização da informação nos arquivos, na visão tradicional,

fundamenta-se no Princípio da Proveniência e o Princípio da Manutenção da Ordem

Original. São esses princípios que definem as regras de organização dos

documentos. A não alteração da ordem é, portanto, um princípio básico,

fundamental; e sua desobediência provoca vários riscos: a perda dos vínculos e

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laços do documento com o criador e a perda das funções de prova e verdade que

deve resguardar.

Porém, a função dos arquivos, como instituição social, se modifica no tempo e

evolui baseada na ideia de que contribuem para a construção da memória coletiva e

social, a partir das ações de indivíduos socialmente envolvidos em diferentes

contextos. Nessa medida, os profissionais que atuam em arquivos começam a

desenvolver novas atividades e instrumentos de organização, tratamento e

recuperação. Portanto, nas atividades arquivísticas contemporâneas, as práticas

anteriores, restritas à descrição física, classificação e ordenação dos documentos,

tornam-se insuficientes para atender a esses novos papéis. Os documentos passam

a ter novos atributos, sendo dada maior importância às necessidades informacionais

dos usuários. Assim, o documento, na nova concepção, é um objeto informacional

complexo, com características que precisam ser interpretadas para terem uso social

mais amplo. Essa ideia fundamenta a arquivística funcional, na qual as práticas de

organizar informação assumem a função de dizer sobre os contextos em que o

conteúdo do documento é produzido, bem como de mostrar as relações com outros

documentos. Nessa configuração, ganham importância as teorias sociais e o

conhecimento interdisciplinar para fundamentar teórica e metodologicamente a área.

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO

Na sociedade contemporânea, ampliam-se as condições de criar, armazenar

e acessar informações em meio digital. Diversas áreas que lidam com a informação,

como o jornalismo, a publicidade, a Ciência da Informação, a museologia e a

arquivística são afetadas por essa configuração. Essas mudanças têm provocado,

necessariamente, a revisão de teorias, métodos e as práticas dos profissionais que

lidam com o fenômeno informacional. De fato, as atividades de organizar a

informação e o conhecimento têm incorporado cada vez mais em seu fazer a

realidade do meio digital, os contextos dos usuários da informação e, principalmente,

as relações interdisciplinares com outras áreas do conhecimento. Esse contexto

suscita diversas questões. Esta pesquisa limitou-se a duas indagações: 1) quais são

os traços que caracterizam a arquivística, na contemporaneidade? 2) Quais são as

principais modificações teóricas e metodológicas que incidiram ou influenciou o fazer

arquivístico?

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1.2 HIPÓTESE DE TRABALHO

Pode-se levantar a hipótese de que o contexto social provocou alterações nas

teorias e métodos arquivísticos. Nessa medida, houve modificações em diversos

conceitos próprios do campo da arquivística, como seu objeto – o documento de

arquivo –, nos princípios teóricos que fundamentam a prática de organização da

informação e na caracterização dos usuários dos documentos de arquivo. O

documento de arquivo é, em princípio, visto como um elemento informacional

materializado, resultante de processos sociais, construído com intenções

específicas. Assim, ele é complexo, passível de interpretações e suscetível aos

elementos do contexto de criação e dos possíveis usos enquanto um produto social.

Para organizar, tratar, analisar e criar representações desse documento, a

arquivística necessita de um arcabouço teórico que fundamente de forma adequada

a sistematização das atividades, os processos e a criação de ferramentas e produtos

que possibilitem atender a uma ampla diversidade de usos que o documento de

arquivo pode ter no contexto atual.

A Arquivística, nesses processos de renovação de suas concepções,

estabeleceu novos diálogos, como, por exemplo, com a Ciência da Informação,

disciplina que se preocupa com a organização do conhecimento humano para

disseminação de informações sobre esse saber. Nesse contexto, pode-se indagar: é

possível utilizar os métodos discutidos e propostos pela Ciência da Informação para

tratar e organizar documentos de arquivo? A Ciência da Informação recorre aos

conhecimentos teóricos de várias áreas para responder às necessidades de lidar

com o trabalho de organização da informação e do conhecimento, tais como a

comunicação, as ciências da computação, as ciências da linguagem e as ciências

sociais. Os conceitos de regime informacional e as teorias da linguagem são

exemplos de conhecimentos que vêm trazendo importantes contribuições para a

Ciência da Informação.

O conceito de regime de informação de Bernd Frohmann (1995), em

particular, possibilita a análise dos aspectos públicos e sociais da informação para

entender o complexo universo da produção dessa informação na atualidade para

obter os efeitos que respondam a interesses diversos. Nessa medida, entender

como esses processos afetam o indivíduo nos contextos público, privado, social e

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político torna-se fundamental. As teorias da linguagem, por sua vez, apresentam um

arcabouço teórico e metodológico capaz de auxiliar na tarefa de analisar e descrever

e interpretar os registros de informação em sua enorme diversidade. Os conceitos

de símbolo, signo, forma, sentido e significado, bem como os de semântica e

pragmática são utilizados em vários estudos relacionados ao processo de

organização e recuperação da informação.

Se o documento de arquivo for compreendido como um registro de

informação produzido em contextos informacionais complexos, pode-se, por

analogia, considerar que os conceitos de regime informacional e as teorias da

linguagem podem contribuir para a definição de atividades de organização da

informação em arquivos.

Em texto sobre a Organização da Informação, Gonzáles de Gómez (1993)

ressalta que o contexto social atual demanda que esta área adote modelos

analíticos descritivos, relacionais e construtivistas que possibilitem, nos produtos da

organização da informação, refletir ou retratar a complexa matriz de relações entre

atores e as práticas sociais de comunicação e informação. Os avanços nos estudos

da Ciência da Informação, com a incorporação de perspectivas linguísticas,

possibilitaram a criação de formas de representação do conhecimento específicas.

Por analogia, pode-se considerar que os estudos da linguagem podem ser

importantes para atender às demandas de informações acumuladas em arquivos.

Com efeito, Bondia (2002) parte da convicção de que “as palavras produzem

sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de

subjetivação" (p. 21). As experiências e as incertezas são também coletivas e

externas ao homem, o que gera o acúmulo de conhecimentos, difíceis de serem

absorvidos, lidos e gerenciados. As palavras são usadas para registrar, dar

materialidade e fisicalidade aos documentos de arquivo, sendo igualmente um

mecanismo de subjetivação, sugerindo, portanto, a impossibilidade de organizá-los

como veículos exatos e objetivos de comprovação das ações humanas. Pode-se,

nessa medida, questionar os princípios tradicionais que fundamentam a organização

da informação dos documentos de arquivo e perguntar se esses instrumentos

tradicionais possibilitam expressar realidades e experiências e ressaltar a riqueza de

informação neles contida.

Com base nessas reflexões, foram adotadas como referenciais teóricos, as

teorias da linguagem e o conceito de regime informacional, tidos como fundamentos

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para a análise dos discursos sobre a organização e tratamento de documentos de

arquivos.

As respostas para os questionamentos colocados apontam, portanto, para a

necessidade de abordagem epistemológica da arquivística que, na configuração

contemporânea, rompe e propõe o distanciamento das visões teóricas e práticas

tradicionais, porque essas visões a impedem de fundamentar o seu fazer prático, em

particular no que se refere à organização da informação arquivística.

Na perspectiva abordada, a arquivística sai do âmbito de uma ciência

fundamentada no racionalismo científico e positivista para o de uma disciplina

científica fundamentada em teorias sociais, de análise e adaptação de contextos, de

visões, de interpretações e de subjetividade. O seu objeto, até então o documento

de arquivo, algo real, único e concreto, produzido naturalmente em função das

ações do homem em seus domínios e nas organizações, passa a considerar o

documento como um registro informacional, construído intencionalmente. Essa

concepção é responsável por mudanças significativas nas teorias arquivísticas, fato

que poderá ser identificado quando da análise dos discursos apresentados em

periódicos científicos da área, o que permitirá sistematizar as mudanças

epistemológicas operadas no campo. O diagnóstico dessa literatura permitirá

mapear as principais mudanças relativas ao conceito de documento e as novas

propostas voltadas para a criação, manutenção e gerenciamento desse objeto.

Partiu-se da compreensão de que a renovação das teorias e métodos de

organização da informação nos arquivos foi determinada por seus diálogos com as

ciências da linguagem e pelo seu entendimento das relações sociais, que são

determinantes na construção do seu objeto, o documento de arquivo, e,

consequentemente, nas práticas para o seu tratamento e organização. Assim sendo,

se estabeleceu como hipótese inicial, que a compreensão do processo de

organização e tratamento da informação está no cerne da renovação do saber

teórico e prático da arquivística. Este estudo buscou, por meio da análise de

conteúdo de um corpus representativo da literatura de Arquivística, a compreensão

desse processo, bem como as bases para sustentar a hipótese de trabalho.

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1.3 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS

O objetivo geral deste estudo é analisar os aspectos epistemológicos, teóricos

e metodológicos da organização e tratamento de informação propostos pela

arquivística contemporânea, veiculada em artigos de periódicos selecionados da

produção científica na área, a fim de se verificar o papel das teorias e metodologias

de organização da informação em arquivos contemporâneos, identificar as teorias

que vêm contribuindo para a renovação das concepções e práticas da área da

arquivística e mostrar elementos que justifiquem a metodologia de organização e

tratamento da informação.

Um dos objetivos específicos desta pesquisa é estudar a evolução da prática

de organização e tratamento da informação nos arquivos apresentados pelos

estudiosos, para entender em que medida essas mudanças influenciam a atividade

prática da arquivística.

Outro objetivo específico é avaliar a evolução da prática de organização e

tratamentos dos documentos nos arquivos, pelo exame dos elementos teóricos que

fundamentam essa prática, e perceber como essas teorias são expressas em

processos e atividades para o tratamento dos documentos nos arquivos.

Por último, pretende-se analisar a existência ou não de elementos teóricos ou

práticos que possam comprometer a qualidade da atividade de organização e

tratamento de documentos nos arquivos.

Após o estudo do corpus e análise do conteúdo, foi possível a identificação e

sistematização dos princípios de organização e tratamento da informação

tradicionais e seu julgamento por meio dos princípios adotados

contemporaneamente.

1.4 JUSTIFICATIVA

A organização da informação em arquivos e sua classificação, em especial, é

processo central na arquivística. O Princípio da Proveniência foi criado para coibir

práticas de classificação que pudessem comprometer a organização e a integridade

do arquivo. Sousa (2007) destaca que “uma função tão importante merece estudos

mais aprofundados, não apenas descritivos. Precisamos de trabalhos que

verticalizem teoricamente a questão” (p. 79). Por parte da Ciência da Informação, a

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organização da informação é considerada uma área nuclear, em torno da qual se

estruturam as questões relacionadas ao fenômeno informacional, como produção,

recuperação e acesso a conteúdos informacionais.

Estudos sobre a atividade de organização da informação são fundamentais na

Ciência da Informação e nas ciências que têm o fenômeno informacional como

objetos de reflexão e de práticas. No caso dos arquivos, essa organização implica

certificação dos documentos produzidos no interior das instituições.

Considerando a Arquivística como uma Ciência da Informação, muitos são os

autores que enfatizam a necessidade de estudos que caracterizem ou aproximem as

duas áreas (Fonseca, 2005; Silva, 2002; Lopes, 2000).

Rousseau e Couture (1998), por exemplo, destacam a importância do papel

social do arquivísta, enfatizando que ela deve maximizar a sua eficácia

administrativa e profissional “através da instauração, manutenção e desenvolvimento

de uma gestão saudável da informação (...) e permitir a emergência de pontos de

concentração com os outros técnicos das ciências da informação a fim de servir

ainda melhor a sociedade” (p. 24). Eles se referem à visão global e integrada dos

arquivos. Eles ressaltam, ainda, “o papel contemporâneo que é de uma gestão

saudável da informação orgânica”.

Assim como a Ciência da Informação – uma ciência social aplicada, a

Arquivística tem suas raízes fundamentadas nos fenômenos sociais e institucionais.

Portanto, seus processos e atividades são afetados pelo contexto em função da

intencionalidade de criação dos registros de dados, de informação, dos documentos

e pela inserção das tecnologias digitais. Desse modo, estudos que visam investigar

sua fundamentação teórica, seus objetos e seus métodos – enquanto Ciência da

Informação social – podem contribuir para o fortalecimento da identidade da

arquivística e para a sociedade como um todo.

Os resultados desta pesquisa poderão colaborar com o fortalecimento das

bases teóricas que fundamentam a atividade de tratamento e organização da

informação nos arquivos, e assim auxiliar para que os estudos na área evoluam na

busca por sanar os problemas teórico-metodológicos novos ou aqueles que

persistem no tocante a organização e tratamento da informação em arquivos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O objetivo deste capítulo foi o de resumir a história de transição dos arquivos

na contemporaneidade, para dar suporte à problemática desta pesquisa e definir

pontos importantes para o desenvolvimento do trabalho.

2.1 OS ARQUIVOS E A ARQUIVÍSTICA

A existência dos arquivos está apoiada na história da civilização humana. O

desejo do homem de capturar, dominar ou vencer o tempo, preservar sua história,

suas memórias e o percurso de sua existência no espaço e no tempo está

intimamente relacionado ao nascimento da escrita e das formas de registrar

acontecimentos. A escrita permite ao homem organizar seu mundo, seus afazeres,

ordenar os acontecimentos, possibilitar lembrar e reconstruir eventos.

De acordo com o historiador Jean Favier (1975), a Arquivística tem seu

nascimento moderno definido pela instituição do princípio de respeito aos fundos e à

abordagem das três idades, que a definem como uma disciplina singular. Em uma

obra sobre a história dos arquivos, o autor expõe o que vem a ser um fundo de

arquivo, originário do princípio de respeito aos fundos. Esses tópicos foram

discutidos nos princípios de fundamentação da prática arquivística em outro ponto

deste referencial teórico.

Um texto fundamental, que mostra a evolução das teorias e seus impactos

nas práticas arquivísticas, elencando os elementos de transição da área, é o de

Terry Cook (1997; 2001). A escolha justificou-se pelo fato de o autor abordar a

evolução da arquivística fundamentada em análise da literatura da área e fornecer

uma relevante fonte de informação para aprofundamento de pontos importantes da

Arquivística e dos arquivos.

Cook (2001) expõe a evolução da arquivística tradicional com foco na

descrição do documento como o objeto principal do arquivo; com base nesta

concepção, são construídos os princípios que regem o processo de trabalho com os

documentos de arquivo. Este último, como instituição, desempenha sua função de

lugar de guarda e preservação do objeto documental em um espaço definido, único

e estático, sacralizado. Essa concepção, ao longo da evolução da arquivística,

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caminha para um modelo de arquivo funcional, dinâmico, que acompanha a

evolução da sociedade, incorporando elementos que o fazem mais próximo dela, do

cidadão e, em decorrência, mais comprometido com a funcionalidade das

instituições.

Para compreender melhor como se dá a transição da concepção de arquivo

descritivo para o arquivo funcional, apresenta-se a seguir um resumo da evolução da

disciplina, a partir da arquivística tradicional, passando pela moderna até chegar à

chamada arquivística contemporânea ou pós-moderna.

A arquivística tradicional nasceu com base no positivismo lógico e no

racionalismo científico. O arquivo é compreendido como um conjunto de documentos

orgânicos, produzidos naturalmente no exercício das atividades das instituições. O

documento, por sua vez, é instrumento de fé e prova de verdade, que nasce como

consequência da atividade institucional. O suporte mais comum do documento

arquivístico é o papel e suas variações. O foco da prática arquivística, neste

contexto, é a preservação do documento para servir como prova. Os estudiosos que

fundamentam a arquivística tradicional são os holandeses S. Muller, J. A. Feith e R.

Fruin, autores do Manual de Arranjo e Descrição de Arquivos, publicado pela

primeira vez em 1898, e que apresenta um conjunto de regras práticas sobre como

organizar os arquivos. Dita obra se firma, ao longo do tempo, como um arcabouço

de princípios fundamentais da arquivística.

Outro autor que consolida a prática arquivística moderna e seus fundamentos

é o inglês Hilary Jenkinson, com a obra A Manual of Archive Administration,

publicada pela primeira vez em 1922. Essas e outras obras são disseminadas como

manuais práticos de rotinas de organização dos documentos de arquivos, em âmbito

internacional, constituindo-se em fundamentos da disciplina arquivística. O autor

promove o fortalecimento da arquivística nos países da Europa, principalmente por

compartilhar contextos evolutivos semelhantes de natureza histórica, política e

social.

Com a arquivística tradicional, nasce o Princípio da Proveniência ou de

Respeito aos Fundos, concebidos como dois parâmetros de normas aplicáveis de

forma universalizada em todos os contextos. O historiador francês Natalis de Wailly

emitiu uma circular, em 24 de abril de 1841, na qual propõe reunir em fundos “todos

os títulos (documentos) provenientes de um corpo, de um estabelecimento, de uma

família ou de um indivíduo, e dispô-los segundo uma determinada ordem”

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(ROSSEAU e COUTURE, 1998, p. 80), ou seja, defendia a ideia segundo a qual a

organização dos documentos, nos arquivos, deveria seguir a estrutura hierárquica

de funcionamento da instituição que os produziu. Essa ordem estrutural de

organização de fundos arquivísticos não deveria ser modificada, isto é, os fundos

não deveriam ser reclassificados ou reordenados.

Essa concepção, sendo o principal fundamento da disciplina arquivística,

determina toda a lógica de formação, funcionamento e gestão, principalmente das

atividades de organização e tratamento dos documentos integrantes do arquivo.

Esses princípios pretendem assegurar a função primeira do documento de

arquivo como instrumento de prova das atividades realizadas nas instituições. Aliada

ao Princípio de Respeito aos Fundos e à Preservação da Ordem Original do

documento, a Proveniência estabelece modelos e regras rígidas de organização e

tratamento de documentos que perduram na arquivística ao longo de décadas.

Nasce desse modelo a arquivística descritiva, com foco na fisicalidade do

documento, em seu formato e nas relações com os demais componentes do

conjunto documental. A Diplomática e a História são as ciências que dão suporte

aos processos da arquivística tradicional. Os produtos decorrentes da organização

dos documentos arquivísticos são os arranjos de fundos arquivísticos e as

classificações de fundo, com base na estrutura dos organismos produtores dos

documentos. Nesse contexto, os principais usuários são o historiador e os

administradores de instituições.

A evolução da arquivística tradicional para a moderna tem como

representantes os norte-americanos T. R. Schellenberg (autor do Modern Archives)

e Charles M. Dollar, com seus trabalhos de preservação digital de documentos

eletrônicos, do NARA (National Archives and Records Administration), dos Estados

Unidos. Para eles, a arquivística procura apresentar soluções para os problemas da

produção crescente de documentos e suas consequências para os arquivos,

principalmente os históricos. O conceito de documento de arquivo se firma como o

registro documental de processos, criado naturalmente, com a função de retratar as

atividades de processos orgânicos, apresentado em diversas formas, inclusive no

formato digital. Conforme a tese desses autores, a prática arquivística privilegia a

racionalidade da produção de documentos e a gestão do processo de criação dos

mesmos, que agora contam com o auxílio das tecnologias de informação e

comunicação.

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Aliada ao Princípio da Proveniência e Respeito aos Fundos tem-se a

“abordagem das três idades” (ROUSSEAU E COUTURE, 1998, p.126, 127)3, da qual

derivam os conceitos de “ciclo de vida” ou das 3 idades. Nessa perspectiva, têm-se

os arquivos correntes, intermediários e permanentes, que fundamentam as práticas

da produção e gestão de documentos. Cria-se e difunde-se, nesse contexto, o

conceito de Records Management, que propõe a adoção de práticas de avaliação e

seleção de documentos.

Para a organização dos documentos de arquivo são elaboradas ferramentas

de auxílio, tais como Políticas de Gestão de Documentos, Políticas de Seleção e

Avaliação e as Quadros de Temporalidade e Destinação de Documentos. A

classificação, antes estrutural, passa a ser também funcional e baseada nas

atividades orgânicas para acompanhar a dinâmica das mudanças nas estruturas das

organizações. Além dos tradicionais usuários dos arquivos, o historiador, os

membros das organizações, a administração pública e os órgãos dos Poderes

Executivo, Legislativo, Judiciário, o corpo administrativo de cada órgão passa a se

servir dos arquivos em busca da eficiência da administração pública, inclusive dos

processos legislativos e judiciais.

Nas décadas de 1950 e 1960, o campo da arquivística passa por uma fase de

transição entre o modelo tradicional e o modelo de organização iniciado no pós-

guerra. Schellenberg, em sua obra “Modern archives: principles and techniques”, de

1956, é um representante das mudanças que influenciaram a literatura e a prática

arquivísticas, nesse período.

A Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, países que não vivenciaram

historicamente a organização/reorganização de documentos permanentes do

período pós-guerra, começam a lidar com a produção documental no contexto das

novas tecnologias da informática. Nesses países, a organização dos acervos

documentais enfrenta as questões relativas dos arquivos modernos, período

caracterizado pela produção crescente de documentos, facilidades de reprodução e

necessidade de seleção e avaliação. Schellenberg (1956/2002) denomina esses

novos arquivos de arquivos correntes, distintos dos permanentes ou históricos que,

3 No A Glossary of Archival and Records Terminology, SAA, (2005) adota o termo “Life cycle” para a língua

inglesa e refere-se às distintas fases de um documento, desde de a sua criação até a sua destinação final.

Rousseau e Couture (1998) preferem utilizar o termo “Abordagem” das três idades em lugar de “teoria” das

três idades. O termo “teoria das três idades” é utilizado na França. Para este trabalho adotaremos o termo

“abordagem das três idades”, por entendermos que não se trata de uma teoria, mas um processo de

organização.

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por sua vez, têm características e necessitam de práticas específicas de

organização.

Com efeito, as administrações públicas necessitam implantar medidas de

controle, como as chamadas políticas de Paperwork Reduction Act, para regular a

produção documental das instâncias governamentais e das empresas. Algumas

soluções propostas não são absorvidas de forma unânime. Os conceitos de arquivo

ativo e inativo e, mais tarde, a criação do conceito de arquivística integrada,

propostos por Rousseau e Couture (1998), sugerem soluções que possam se

moldar a contextos. Da mesma forma, os australianos Upward (1996) e Reed (2007)

criam o conceito de arquivo contínuo ou Records Continuum, como solução para a

apropriação das dimensões e dos contextos de produção dos arquivos, bem como

para assegurar e capturar a representação de ações dispostas em documentos,

desde sua origem.

A evolução da arquivística para um novo paradigma, como ressaltam Cook

(1984, 1997, 2001) e Ketelaar (2001), provoca o rompimento com os princípios

tradicionais e modernos. A nova arquivística se fundamenta em teorias sociais, em

que não mais prevalece a noção de verdade absoluta e universal, com base no

racionalismo científico. Dito de outro modo, nada é totalmente objetivo, pois a

realidade pode ser moldada, apresentada e reapresentada. O foco na fisicalidade do

documento se contrapõe à ideia de interpretação de elementos simbólicos. Isso

provoca um novo entendimento do documento de arquivo, sendo ele considerado

um registro informacional, dependendo do contexto definido pelo tratamento a ele

dado.

Entende-se, portanto, que o documento de arquivo não tem criação natural e

neutra. “Nenhum texto é um mero e inocente subproduto da ação” (COOK, 2001,

p.7). Tudo pode ser moldado em função de interesses. O criador do documento é o

dono da ação e isso pode causar impactos no futuro, seja qual for a função que esse

documento venha a desempenhar. O documento é uma evidência não neutra, “é um

sinal, um significante, uma construção mediada e em constante mudança, não um

receptáculo vazio no qual atos e fatos são derramados”. (COOK, 2001, p.7). Citando

Le Goff, Cook (2001) afirma que o documento não é objetivo, nem constitui matéria

prima inocente, mas expressa o poder passado ou presente da sociedade sobre a

memória e sobre o futuro, “o documento é o que fica” (COOK, 2001, p.8) de todos os

acontecimentos.

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Em consequência dessa mudança conceitual do objeto documento de

arquivo, novos elementos podem ser incorporados ao fazer arquivístico, tais como a

necessidade de visão de processo, dependência de contextos, análise da

linguagem, presença de metáforas, análise de padrões discursivos. Se antes o

documento era criado naturalmente, agora ele é “descoberto” como um documento

de arquivo em uma teia de registros de dados.

Os instrumentos de organização da informação evoluem para poderosos

sistemas automatizados de busca e recuperação, com a possibilidade de mostrar

relações entre documentos. O usuário pode ser o historiador, o gestor, o

pesquisador e qualquer cidadão que necessita recuperar documentos e o seu

contexto de criação.

Como consequência dessas mudanças, surgem os diálogos da Arquivística

com outros campos de conhecimento, como a Computação, a Ciência da

Informação, a Administração, o Direito, a Sociologia, a Filosofia. A arquivística

descritiva, ligada ao princípio da proveniência e ao respeito aos fundos, evolui para a

arquivística funcional, com base em domínios de conhecimentos e contextos

organizacionais e sociais em que a instituição arquivística está inscrita.

A interdisciplinaridade nas ciências se torna evidente também na descoberta

dos registros de informação interconectados, de diversas áreas, que podem resultar

em um documento de arquivo. Isso pode ser observado em casos de investigação

de crimes, situações em que se produzem dados decorrentes de testes de

laboratório, de análise de imagens, de transcrição de vozes, ou seja, conjugam-se

várias áreas de conhecimento para atingir um objetivo comum: elucidar o crime por

meio de registros documentais variados.

A evolução dos arquivos e da arquivística envolve alguns pontos

convergentes e divergentes entre suas fases evolutivas.

O primeiro deles se encontra no conceito de documento, que é único,

insubstituível e incontestável. São definidos princípios, processos, atividades no

sentido de assegurar que o documento de arquivo não seja contestado. No modelo

tradicional, ele é concebido como objeto único, nascido naturalmente, capaz de

conceder ou não algo a alguém, simplesmente pelo fato de existir. Nessa

perspectiva, o foco principal está na forma, na simbologia que este representa. Na

Modernidade, são desenvolvidas práticas de racionalização da produção para

garantir essa concepção de objeto único, sagrado e que não pode nunca ser

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confundido ou misturado a cópias, anexos ou versões. Na pós-Modernidade, mesmo

com o intenso uso das tecnologias de informação, procura-se identificar o que pode

ser realmente considerado documento original, a despeito da importância dada ao

processo de criação coletiva e social e da intencionalidade da sua criação com um

fim. Ou seja, prevalece a ideia da necessidade de entender o processo para, por

meio dele, certificar o que é e o que não é documento dentro de uma infinidade de

tipos de registros de informação e dados. O documento de arquivo é “descoberto”

como tal, em meio aos variados registros de informação e as relações que são

possíveis entre eles para, então, compô-lo.

Outro ponto de convergência se refere à existência de um “usuário” ou um

indivíduo que tem interesse pelo documento. A organização da informação nos

arquivos se desenvolve no sentido de atender às suas demandas, criando-se

classificações, inventários, índices, sistemas de busca. Ao longo dessa evolução, o

usuário é centrado em administradores, juristas, gestores, historiadores e passa a

incorporar também o cidadão comum.

A conjugação dos modelos da arquivística descritiva e da arquivística

funcional pode funcionar, sem que uma elimine a prática da outra, o que constitui

mais um ponto convergente na sua evolução histórica. Ambas são usadas com o

intuito de trazer eficiência ao processo de organização dos documentos, com foco

no resultado final, quer seja a organização deles ou as necessidades dos usuários

de arquivo.

Já em relação aos pontos divergentes no processo evolutivo dos arquivos e

da arquivística, o primeiro aspecto que pode ser observado é relativo aos processos

de organização e tratamento dos documentos de arquivo, que podem se diferenciar

principalmente em função de diversos elementos que o qualificam, os tipos de

documentos, as instituições às quais os arquivos estão subordinados ou ligados e

respectiva instituição depositária. A despeito da existência de princípios, leis, normas

criadas para disciplinar e padronizar a organização dos documentos, tais

normativos, na realidade, convivem com várias contingências e particularidades que

levam a práticas que divergem muito umas das outras, como no caso da gestão de

documentos correntes, difundida nos Estados Unidos, mas que encontram

resistências nos países europeus.

Quanto às funções dos arquivos, também existem divergências sobre as

fases evolutivas da arquivística. Há instituições arquivísticas que veem os arquivos

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como partes não integradas em um todo, ou seja, eles não são concebidos como

sistemas. Isso provoca discrepâncias no desempenho das funções de preservar,

resguardar, de dar suporte ao processo de criação e gestão, com a decorrente

criação de ações e práticas que têm puramente a finalidade de resolver o problema

de parte do arquivo, em detrimento do todo. Podem ser citadas como exemplos as

políticas de seleção e descarte aplicadas aos arquivos correntes, que podem afetar

as políticas de preservação da história e da memória. As fases da evolução podem

ser verificadas na Fig. 1.

Figura 1 – As fases de evolução da Arquivística

Fonte: Elaborado pela autora, com base na fundamentação teórica.

Pré e Modernidade

Positivismo lógico

Racionalismo Cientificismo

Arquivística tradicional (Holandeses, Jankison)

Documento arquivístico: conjunto de documentos orgânicos, produzidos naturalmente no exercício das atividades. Formato papel e suas variações

Princípio da proveniência

Obediência a ordem natural

Neutralidade e objetividade

Doc. prova/verdade/Fe

Visão atomista Diplomática

Arranjo de Fundo

Organização

Classificação

Arquivística Descritiva

Índices, Inventário, Plano de classificação. Usuário Historiador, Administrador. Prova documental

Modernidade

Estruturalismo

Formalismo

Arquivística Modena

(Schelemberg)

Estruturas Funcionais e Gerenciais, Records Management, Teoria das três idades, Avaliação e Seleção

Documento arquivístico:. Registro documental de processos. Formas diversas e meio digital

Produtos: Gestão de documentos, Quadros de temporalidade

Sistema de registro. Controle de Acesso. Protocolo. Usuário: Historiador, Gestor. Precisão e gestão do processo.

Pós Modernidade

Teoria Contextual Social

Humanismo

Arquivística

Pós Moderna Funcional

(Terry Cook, Delmas, Estwood, etc. Canadenses, Ingleses, Australianos)

Visão de Processo, Dependência do contexto, Análise da Linguagem, Métaforas, Padrões dos discursos das palavras.

Documento arquivístico: registro informacional. Formato digital. Imagem, Vídeo. Documento contínuo. Arquivística pós-custodial.

Registro de informação e suas relações contextuais. O documento arquivístico é descoberto.

Sistema de informação / Usuário: todos. Necessidade de informação para o conhecimento.

Arquivística Funcional

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2.2 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Neste tópico, foram abordados os conceitos de organização da informação, a

análise desses processos na arquivística e os elementos teóricos que norteiam os

estudos recentes da área.

A atividade de organização da informação e do conhecimento é central no

contexto da Ciência da Informação. Muitos são os autores que alertam para a

importância desses estudos, em parte, pelo fato de a organização da informação

estar por trás dos processos de comunicação da informação, de assimilação de

conteúdos compreensíveis, de assimilação da informação e de “como entender as

diversas (quase infinitas...) formas de conhecer” (RODRIGUES E LOPES, 2003, p.

18) e, em parte, em função das mudanças que vêm ocorrendo nos processos de

produção, divulgação e uso da informação na contemporaneidade.

Taylor e Joudrey (2009), a partir da definição do Merriam-Webster’s Collegiate

Dictionary, entendem organização da informação como aquilo que é realizado para

formar uma unidade coerente de funcionamento de um todo integrado. Isso é feito

para organizar elementos em um todo composto de partes independentes. O

processo de organizar é inerente ao ser humano e está relacionado à sua

capacidade de reconhecer o mundo, entender o funcionamento das coisas, obter e

dominar os mecanismos de sobrevivência. Decorrem daí os sistemas de

organização do conhecimento.

A informação registrada ou fonte de informação é estruturada por um sistema

de organização do conhecimento, sendo inscrita em itens como texto verbal escrito,

imagem fixa e em movimento, áudio, representações cartográficas e páginas web.

Os atributos básicos desses documentos são: título, autor ou criador, conteúdo e

outros elementos, nomeados aqui de metadados. Os metadados conferem valor

informacional aos documentos e potencializam seu uso.

Algumas das atividades mais comuns executadas em um sistema de

organização da informação são:

a) identificar a existência dos tipos de informação;

b) identificar trabalhos que contenham fontes de informação ou parte delas;

c) mapear as fontes de informação de coleções e de instituições depositárias,

tais como bibliotecas, arquivos, museus;

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d) produzir listas das fontes de informação capturadas; e) identificar nome, título,

assunto e outros pontos de acesso para busca das fontes; f) providenciar os

meios de localização e acesso.

É possível afirmar que existem duas orientações sobre os processos de

organização da informação. Uma compreende o processo de organizar aspectos

materiais dos objetos informacionais. A outra é orientada pelos pressupostos da

organização do conhecimento, que trata de explicitar as relações conceituais de

informações de um domínio de conhecimento.

Hjorland (2008) entende a organização do conhecimento sob duas

perspectivas: de um lado, como atividade e, de outro, como área de conhecimento

ou campo de estudos. Como atividade, a organização do conhecimento ocupa-se da

descrição, indexação e classificação de documentos em espaços como bibliotecas,

arquivos, museus e instituições de memória. Como um campo de estudos, se ocupa

da natureza e qualidade dos processos de organização do conhecimento e dos

sistemas de organização do conhecimento.

A organização da informação pode ser distinguida da organização do

conhecimento. Para Brascher e Café (2008, p. 4), a organização da informação é

“um processo que envolve a descrição física e de conteúdo dos objetos

informacionais”, que compreende também a organização de um conjunto deles para

arranjá-los sistematicamente em coleções. Trata-se de um processo que se aplica

às ocorrências isoladas, ou seja, a separação e a individuação de um item dentro de

um vasto número de objetos informacionais.

Segundo Brascher e Café (2008), o produto do processo de organização da

informação é a representação da informação, compreendida como o conjunto de

atributos, compactados, que representam o conteúdo e a origem de determinado

objeto informacional, obtido por processos de descrição física e de conteúdo. O

objetivo da organização da informação é possibilitar o acesso e a recuperação de

objetos informacionais. O objeto-alvo do processo de organização da informação

são os registros informacionais, que podem ser: livros, mapas, fotos, filmes, paginas

web, documentos ou objetos.

A organização do conhecimento, ainda conforme Brascher e Café (2008), é

um processo que se aplica a unidades do pensamento (conceitos), cujo objetivo é

construir modelos de representação, abstrações da realidade, e permitem ao

indivíduo descrever e fornecer explicações sobre os fenômenos que observa. O

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processo visa à construção de sistemas de representação do conhecimento de um

domínio específico, baseado na “análise do conceito e de suas características para o

estabelecimento da posição que cada conceito ocupa num determinado domínio,

bem como das suas relações com os demais conceitos que compõem esse sistema

nocional”. (BRASCHER e CAFÉ, 2008, p. 8).

As autoras citam a definição de Dahlberg (1993, p. 211) sobre a organização

do conhecimento fundamentadas na teoria de conceito, como sendo "a ciência que

estrutura e organiza sistematicamente unidades do conhecimento (conceitos)

segundo seus elementos de conhecimento (características) inerentes e a aplicação

desses conceitos e classes de conceitos ordenados a objetos/assuntos". Ainda

citando Dahlberg, as autoras esclarecem que o objeto da organização do

conhecimento é o conceito, suas características, suas relações e seus significantes

semânticos (termos, nomes e códigos).

O resultado do processo de organização do conhecimento é a representação

deste, feita por meio de diferentes tipos de sistemas de organização a ele relativos,

que são conceituais e representam determinado domínio por meio da sistematização

dos conceitos e das relações semânticas que se estabelecem entre eles. Citam-se

como exemplos de produtos da representação do conhecimento: sistemas de

classificação, cabeçalhos de assunto, listas de autoridade, redes semânticas e

ontologias, dicionários, glossários, taxonomias e tesauros.

Quanto aos objetivos da organização do conhecimento, Brascher e Café

(2008) citam Soergel (1999), que destaca os seguintes:

a) prover um mapa semântico para domínios individuais e para os

relacionamentos entre domínios, fornecendo orientação para servir como um

instrumento de referência;

b) melhorar a comunicação e o ensino;

c) prover uma base conceitual para a boa execução e implementação de uma

pesquisa;

d) prover classificação para a ação, isto é, para o uso prático dos sistemas de

organização do conhecimento em diferentes atividades profissionais, como a

classificação de doenças para diagnósticos médicos e de mercadorias para

comércio;

e) apoiar a recuperação da informação;

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f) prover uma base conceitual para sistemas baseados em conhecimento e para

a definição de elementos de dados e hierarquias de objetos na engenharia de

software;

g) servir como um dicionário mono, bi ou multilíngue, para uso pelo homem ou

por sistemas automáticos de processamento da linguagem natural.

(BRASCHER E CAFÉ, 2008, p. 8).

Outro autor que trata dos objetivos da organização do conhecimento é Hodge

(2000). Em bibliotecas, museu e arquivos, os sistemas e organização do

conhecimento devem servir como ferramentas para auxiliar o processo de

organização da informação, principalmente a descrição de conteúdos; nessa

medida, cumprem a função de padronizar a representação da informação para

identificação de assuntos de documentos.

Em síntese, a organização da informação, ou organização da informação e do

conhecimento, no domínio da Ciência da Informação, pode ser compreendida como

uma série de atividades processuais, cuja finalidade é descrever conteúdos

documentais para serem representados em sistemas de recuperação da informação.

Criam-se, por esses processos, representações de informação registrada, seja do

seu contexto ou do seu conteúdo, em diferentes âmbitos institucionais: arquivos,

bibliotecas e museus. Cada instituição, de acordo com seus objetivos, define o

domínio da organização da informação.

2.3 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO NOS ARQUIVOS

Segundo Couture e Rousseau (1998), a disciplina Arquivística desenvolveu-

se a partir de ações práticas de organização e tratamento de documentos. Os

primeiros instrumentos de organização foram criados entre a Idade Média e a

Revolução Francesa. Eram listas para identificar os documentos de certas comunas,

os “cartulários”: Essas listas arrolavam títulos, privilégios e atos administrativos. São

considerados os primeiros instrumentos de descrição documental de acesso a

documentos para consultá-los. Iniciam-se, nesse período, as primeiras tentativas de

uso da classificação como forma de construir listas. Surgem, também, os primeiros

problemas relativos ao uso da classificação em arquivos, aspecto que foi detalhado

em tópico específico.

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As mudanças na forma de organizar documentos em arquivos têm início a

partir da Revolução Francesa, quando aparecem as primeiras “discussões em torno

dos princípios de base que devem presidir a classificação dos arquivos”

(ROUSSEAU e COUTURE, 1998, p. 49), tema que foi significativamente influenciado

pelos enciclopedistas e pela ciência positivista nascente. Segundo Elio Ludolini,

citado por Rosseau e Couture (1998), tem início, nesse período, a aplicação do

princípio da pertinência para proceder à organização.

Porém, apenas no século XIX, quando é formulado o princípio de respeito aos

fundos, por Natalis de Wally em 1841, é que se desenvolvem efetivamente os

“métodos que permitiram uniformizar a classificação de um fundo em particular”.

(ROUSSEAU e COUTURE, 1998, p. 53). O princípio da proveniência passa a ser a

base fundamental da principal atividade de organização da informação em arquivos,

a organização de documentos arquivísticos em fundos. Esta última dá origem à

descrição física dos documentos para a elaboração de índices de acesso. Em

alguns arquivos são utilizados, ainda, instrumentos de controle, como as listas de

autoridades, de instituições, de funções administrativas e de tipologias documentais,

para subsidiar o processo de análise e descrição física dos documentos.

A prática de organização de documentos de arquivo tem origem nos

chamados “arquivos históricos”, ou “arquivos definitivos”, quando eles chegam às

instituições arquivísticas depois de cessado seu uso na instituição ou órgão que

criou o conjunto documental. Até sua permanência na instituição, a organização dos

documentos é dada pelo produtor do documento, responsável pelo uso e acesso a

ele. A organização deve ser feita em função da utilização do documento, de acordo

com a estrutura funcional ou departamental da instituição produtora. Em geral, a

classificação criada no órgão de origem é transferida para o arquivo definitivo para

compor os fundos arquivísticos.

No processo de avaliação e seleção dos documentos executado nos arquivos,

para racionalizar sua produção, estabelecem-se critérios de valor. Assim, muitos

documentos se perdem ao longo do tempo e os que restam podem perder os

aspectos relativos ao contexto de produção, o que dificulta o resgate dos elementos

de origem e proveniência tanto para garantir seu valor de evidência de prova quanto

para resgatar o patrimônio cultural.

Segundo Terry Cook (2000), que critica o princípio da proveniência como

forma de garantia da evidência de prova do documento, é difícil para o arquivista

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ficar neutro neste processo de atribuição de valor ao documento com base na

descrição das evidências. Para ele, o valor do documento pode estar não nele

próprio, mas no contexto da sua produção ou em evidências que estão fora do

contexto do arquivo ou da instituição. Este ponto de crítica ao princípio da

proveniência foi analisado em tópico específico.

A atividade de indexação temática de documentos de arquivo não encontra

respaldo significativo, principalmente de arquivistas que adotam o princípio da

proveniência como eixo norteador.

Nesse caso, o arquivista deve ser neutro no processo de organizar e tratar

documentos e se eximir de toda e qualquer atividade interpretativa que implique

juízo de valor. Segundo essa visão, a classificação temática, por ser subjetiva, pode

comprometer a função do documento de arquivo.

Mudanças nesta concepção surgem, em larga medida, com a adoção das

tecnologias da informação e comunicação nos processos arquivísticos. O

documento arquivístico digital, em virtude de suas características específicas, requer

a manutenção de sua forma física original, como forma de manter sua estabilidade

(RONDINELLI, 2013).

Na perspectiva de garantir acesso aos documentos tradicionais e digitais,

reveste-se de atenção a elaboração de instrumentos de pesquisa, que são os

produtos principais de qualquer processo de organização e tratamento da

informação em arquivos e, conforme atesta Nougaret (1999), são tão antigos quanto

os arquivos. Esses instrumentos tradicionais possibilitam aos usuários saberem o

que existe nos arquivos e como acessá-los.

O princípio de respeito aos fundos, a identificação de documentos por

tipologia e a organização temática foram os elementos norteadores da criação dos

instrumentos de pesquisa.

As estratégias e ferramentas adotadas nos arquivos, ao longo de sua história,

são muitas, mas este estudo se ateve à descrição de documentos arquivísticos,

sobretudo às normas de descrição arquivística e à diplomática contemporânea,

elementos que fundamentam este fazer, que tanto podem servir à fase de gestão de

documentos correntes e intermediários quanto aos arquivos históricos.

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2.4 DEFINIÇÃO DE DOCUMENTO

Iniciou-se a abordagem do conceito de documento a partir de estudos

realizados no campo da Ciência da Informação, porque eles podem contribuir para

discutir o conceito de documento arquivístico. Muitos autores abordam o tema no

intuito de clarear a complexidade conceitual do termo. O enfoque do conceito de

documento se deu a partir da revisão de literatura de Lund (2009), publicada no

Annual Review of Information Science and Technology (ARIST), que cobre o período

de 1903 a 2009, por uma breve análise histórica, a fim de demonstrar como

evoluíram os diferentes entendimentos sobre o assunto.

Lund (2009) recupera da Antiguidade Clássica o termo Documentum, em

latim, que faz referência a algo feito à mão, uma evidência construída, cujo conceito

está relacionado ao ensino e à instrução. No século XVII, com o fortalecimento do

Estado burocrático e o nascimento do estado moderno, o documento passou a

significar um objeto escrito, usado para afirmar e provar transações, acordos e

decisões tomadas por cidadãos. Também era entendido como um escrito que

fornece provas ou informações sobre qualquer assunto, como o manuscrito, o título

de domínio, a lápide, a moeda e a imagem. Este conceito constituía a base do

Direito escrito, em oposição ao costumeiro. Aqui, documento é um elemento de

prova.

Ainda segundo Lund (2009), o conceito de autenticidade é crucial para a

existência do conceito de documento. Em outra acepção, nesse período, tem-se o

documento como base para a emissão de informação na concepção educacional,

uma peça escrita que diz alguma coisa, um escrito que reflete o verdadeiro

conhecimento.

2.4.1 As bases de Paul Otlet e Suzanne Briet

No século XVIII, segue-se a tradição legal. A prova empírica é apoiada por

documentos. Na base do desenvolvimento do conhecimento positivista, no século

XIX, surge o termo “documentação”, derivado de “documentar” e de “documento”. A

qualidade do trabalho científico depende da documentação que os pesquisadores

podem apresentar a seus colegas e ao público, como base para suas reivindicações

e argumentos. O documento é o elemento base para a prova empírica do

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conhecimento descoberto. Nesse quadro, nasce a primeira concepção da teoria do

documento, criada por Paul Otlet, o que Lund (2009) chama de “primeiro movimento

da documentação”.

Paul Otlet (1868-1944) foi o primeiro a pensar o documento teoricamente,

com o fim de concretizar o objetivo prático de organizar um catálogo bibliográfico

universal da documentação científica: Repertoire Bibliographique Universel. O autor

explica a definição de documento a partir do conceito de “ciência da bibliografia”,

que estuda as questões comuns a diferentes tipos de documentos: produção,

fabricação, distribuição, inventário, estatísticas, preservação e uso de documentos

bibliográficos.

Paul Otlet (1934), no Traité de documentation, desenvolveu um conceito

amplo de documento, com foco em livros e em outros tipos de textos impressos. Ele

buscava a definição de documento com vistas à organização e preservação do

conhecimento humano. O objetivo da definição de Otlet é a funcionalidade do

documento.

Lund (2009) aborda as contribuições de Suzanne Briet (1894–1998),

documentalista francesa que criou os serviços de referência da Biblioteca Nacional

da França. Briet (1951) trata o conceito de documento a partir da funcionalidade dos

serviços de referência. Ela percebe a necessidade de formular princípios teóricos

para as atividades práticas da documentação, a nova ciência do documento. Em

1951, publicou “Qu´est-ce que la documentation?”, obra na qual reuniu várias

definições de documento:

a) documento é uma prova de sustentação de um fato;

b) documento é toda a base de conhecimento fixada materialmente que pode

ser usada para consulta, estudo e prova;

c) é um objeto que informa qualquer que seja sua forma material;

d) toda indicação concreta simbólica, conservada ou registrada, com a finalidade

de representar, de reconstituir ou de prova de um fenômeno físico ou

intelectual.

As definições de Briet ressaltam o documento como um objeto físico e

material, que registra algo, que mostra algo, que é recuperado, que é acessado.

Para explicar o conceito de documento, Briet (1951) pergunta: Uma estrela é um

documento? Um cascalho rolado por uma enxurrada é um documento? Um animal

vivo é um documento? Ela responde que não. Mas as fotografias no catálogo sobre

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estrelas, as pedras de um museu de mineralogia e os animais catalogados e

expostos em um jardim zoológico são documentos.

Briet (1951) classifica os documentos em primário e secundário. Cita o caso

de um antílope de uma nova espécie encontrada na África, capturado e exposto no

Jardin des Plantes, em Paris. Este fato gera uma publicação na imprensa, uma

notícia no rádio e na televisão, uma nota publicada pela sociedade científica. Um

professor, ao ensinar sobre o novo animal, produz trabalhos científicos. Este animal,

quando morto, será empalhado e exposto no museu. As obras sobre o animal, como

livros, enciclopédias e tratados serão catalogados, indexados e classificados e

estarão disponíveis na biblioteca para consulta. Briet (1951) explica que o animal

capturado é o documento primário e os outros documentos derivados desse evento

são secundários.

A autora acolhe as influências da semiótica de Charles Peirce (1939-1914),

filósofo, matemático e lógico americano que teorizou os signos, a construção de

significados e as circunstâncias de construção dos significados pelos indivíduos

envolvidos em um processo de comunicação. Briet (1951) adota os conceitos de

signo, índice, símbolo, signo concreto e signo simbólico. O objeto (animal)

catalogado é o signo concreto, documento primário. Os demais documentos criados

a partir dele são secundários (o catálogo da exposição, o ingresso, a foto, o artigo do

jornal e a reportagem). A produção documentária são os signos simbólicos

derivados da subjetividade, os quais não têm ligação física direta com o documento

primário, sendo, porém, subjetivamente dependentes dele.

Também é possível perceber neste exemplo do antílope a ideia de

intencionalidade na criação dos documentos e a explicitação de sua organicidade,

para compreender sua definição e função e possibilitar seu uso. Os documentos

são, portanto, resultantes da manipulação de signos.

Outro aspecto relacionado ao conceito de documento, enfatizado por Briet

(1951), diz respeito à proliferação da documentação decorrente do desenvolvimento

das tecnologias de produção dos registros e das necessidades informacionais dos

usuários. Ressalta a função das bibliografias, das bibliografias retrospectivas e dos

catálogos de documentos como instrumentos para possibilitar o acesso e a

divulgação da grande produção documentária. Para a elaboração das bibliografias e

dos catálogos de acesso é necessário estabelecer critérios de seleção e realizar

operações que organizem e descrevam esses documentos. Enfatiza o papel da

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organização da informação como elemento essencial ao acesso e à comunicação

dos documentos de um determinado repositório.

É significativa a influência das ideias de Briet na Ciência da Informação norte-

americana, segundo os estudos de Buckland (1991 e 1997). Mostram que o trabalho

de Briet modernizou a disciplina técnica da documentação, tendo influenciado mais

tarde a construção das bases da Ciência da Informação, com a delimitação de seus

objetos de estudo, a compreensão dos fluxos de produção e comunicação de

documentação secundária, a formalização das atividades de organização da

informação e dos sistemas de recuperação da informação.

2.4.2 O documento nas ciências sociais e da informação

Lund (2009), em sua revisão sobre o conceito de documento, explica que

após a Segunda Guerra, a documentação era considerada fora de moda nos países

anglófonos, acontecendo o contrário nos países latino-francófonos. Nos estudos

sobre o documento, é enfatizada a relação entre informação, comunicação e

documentação. No arquivo, um documento refere-se a um evento, um processo, um

ato administrativo ou ato legal que foi expresso em algum meio, por qualquer deles

pode ter sido criado. Na biblioteca, um documento pode ser a cópia de um livro ou a

expressão de um pensamento humano em algum meio, sendo, portanto, a memória

humana materializada.

As discussões na Ciência da Informação avançam no sentido de esclarecer o

que é o documento em seu próprio âmbito. São explorados o conceito de valor de

documento, dado pelo seu criador, gestor e usuário, e os elementos da semiótica

peirceana que o definem como um ícone, ou mensagem simbólica,

permanentemente incorporado em um meio e usado pelo emissor, o mediador ou o

receptor da informação.

Segundo Lund (2009), na busca por uma teoria geral do documento, nas

décadas de 1960 e 1970, a teoria da documentação latino francófona perde lugar

para as teorias da informação do mundo anglófono, e os estudos sobre a teorização

da informação fazem a transformação da ciência da documentação em Ciência da

Informação. Uma nova teoria documental nasce fora da disciplina da documentação

como uma teoria crítica do documento, ou teoria crítica documental. Autores da

sociologia, filosofia e antropologia focalizam as discussões sobre o papel do

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documento na construção social e na construção do conhecimento, a chamada

“pesquisa sociológica”. Alguns autores citados por Lund. (2009) como exemplos

dessa vertente são:

Karl Mannheim (1893-1947). Sociologia das ideias ou Sociologia do

conhecimento. O documento é tido como objeto natural e objeto cultural e

possui três tipos de significado: objetivo, expressivo e documentário. A função

social do documento não é expressa. O significado do documento é expresso.

O documento é interpretado.

Harold Garfinkel and Dorothy E. Smith. (1960/70). Etnometodologia, que

estuda como os documentos são construídos a fim de desempenhar um papel

fundamental na vida social. São construídos para validar um poder, para

governar por meio de documentos.

Bruno Latour e Steve Woolgar. Antropologia. Estudam o fato científico e os

diferentes documentos gerados a partir dele.

John Seely Brow e Paul Duguid (1996). Estudam a vida social do documento

e questionam a noção generalizada do documento como uma espécie de

transporte em papel das ideias ou informações pré-formadas através do

espaço e do tempo. Destacam que as novas tecnologias trazem maior poder

de transformação aos meios que usam o documento e tornam-se cada vez

mais importantes. Autores do século XX ressaltam a importância, para as

ciências sociais, das abordagens baseada nos documentos e a necessidade

de teorizar sobre isso.

Destacam-se nesse cenário as ideias de Michel Foucault (1926–1984),

filósofo francês, um dos principais historiadores críticos da Modernidade. Seus

estudos abordam as relações entre poder e conhecimento e como eles são usados

pelas instituições sociais para manter o controle social, justificar e constituir as ações

de domínio e poder. Foucault desenvolve uma teoria geral do documento como base

para seus estudos sobre o poder e a criação do conhecimento:

A história transforma o documento em monumento, para “memorizar” o

passado.

O documento é elemento de construção de uma história totalitária.

Demonstra como a teoria do documento pode ser usada não somente para

os estudos históricos, mas também como ferramenta de análise crítica em

relação à sociedade moderna em geral.

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Os principais escritos de Foucault, nesta área, são as obras As palavras e as

coisas e Arqueologia do saber. Em As palavras e as coisas (2011), aborda a função

discursiva da literatura, mais fortemente a partir do século XVIII. O autor realiza um

estudo histórico da evolução da linguagem, dos signos e do significado e interpreta

as linguagens a partir do que ele chama “configuração epistêmica”, nos séculos XVI

(Renascimento), XVII e XVIII (Idade Clássica) e no século XVIII (Modernidade).

Nesse trabalho, o autor aprofunda a análise do papel da linguagem na construção

dos documentos e atribuição de significado, destacando que, ao longo da história, a

conjuntura é o elemento que atribui significação ao signo linguístico. A partir da

conjuntura específica em que um signo está inserido, é possível ver nele as marcas

e os sinais que apontam para seu significado.

Somente na Modernidade é que a linguagem, enquanto teoria que se ocupa

dos signos, deixa de ser vista como criação divina e passa a ser considerada uma

criação humana. Agora, sua interpretação deixa de ser um ato divinatório, sendo ela

guiada por um método para a interpretação dos signos, a hermenêutica. Então, os

signos devem ser conhecidos para serem interpretados e o ato de saber e conhecer

são facultativos ao ser humano que faz parte dessa conjuntura ou contexto do signo.

Segundo Foucault (2011), é o homem que conhece o signo por meio de

processos cognitivos, com base no método hermenêutico.

Suas ideias sobre a interpretação dos signos reforçam a mudança sobre a

noção do documento de arquivo criado naturalmente para a percepção moderna do

documento criado intencionalmente, em uma dada conjuntura social. O documento

será reconhecido pelo indivíduo e seu grupo social a partir da interpretação do signo

linguístico que o compõe. Essas ideias reforçam, ainda, a importância da linguagem

e os códigos linguísticos na criação do documento e, consequentemente, em sua

organização intelectual; semelhante organização contribui para a devida

interpretação dos signos.

2.4.3 A teoria do documento

Lund (2009) aponta que os estudos sobre o documento pelos autores da

Ciência da Informação levam à criação do que ele chama de “Teoria do documento”.

Na busca por uma teoria, ocorre a valorização das ideias de Otlet e Briet, que são

traduzidos, citados e estudados como alternativas de respostas para as questões

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atuais relacionadas à definição de documento na biblioteconomia e na Ciência da

Informação, com destaque para os trabalhos de Buckand e Hahn (1998, 1997),

Buckland e Liu (1995) e Frohmann (2000). Esses trabalhos, por um lado, refletem a

procura por um conceito contemporâneo de documento e documentação, no âmbito

da Ciência da Informação e, de outro, nos estudos que abordam as tecnologias da

informação. A era do computador possibilitou, em larga medida, a concretização do

sonho de Otlet.

Na busca por uma teorização do conceito de documento, podem ser citados

os trabalhos de Buckland, com destaque para o artigo Information as thing (1991),

em que o autor questiona o foco dado à dimensão subjetiva da informação.

Estabelece distinção entre a informação considerada como processo, conhecimento

e coisa, destacando este último aspecto como o mais significativo para a Ciência da

Informação, em especial porque é referida condição que justifica a existência dos

sistemas de recuperação da informação. Buckland destaca claramente a influência

de Otlet e Briet na construção de sua argumentação. De fato, quem primeiro tratou o

documento como objeto ou coisa foi Briet, em seu livro sobre a documentação.

Em outro trabalho de Buckland, What is a document? (1997), são revistos

vários conceitos de documento que apontam também para as questões relacionadas

à sua criação. O autor afirma que o documento é uma construção social e que a

percepção dos seus elementos e componentes não pode ser dela dissociada.

Na visão contemporânea, portanto, enfatiza-se a construção social de sentido,

fato que pode evidenciar o caráter do documento como prova. Essa mudança de

olhar, da fisicalidade do documento para o contexto social de sua criação, evidencia

a importância da linguagem e da tradição semiótica de interpretação dos signos.

No trabalho Document theory: an introduction, Buckland (2013) destaca as

bases da teoria documental, em que o documento é percebido e reconhecido por

seus vários aspectos:

a) aspectos fenomenológicos − os documentos são entendidos, enquanto

objetos, como algo que significa, e o estado de ser documento não é inerente,

próprio ou essencial, mas atribuído a um objeto (documento), sendo o

significado sempre construído pelo espectador;

b) os códigos culturais − todas as formas de expressão comunicativa dependem

de entendimento compartilhado pelo grupo social, as quais podem ser

pensadas como linguagem em sentido lato;

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c) tipos de mídia – as formas de expressão variam: podem ser textos, imagens,

números, diagramas, arte, música, dança, etc.;

d) mídia física − tabuletas de argila, papel, filme, fita magnética analógica,

cartões perfurados, mídia digital, e assim por diante.

Assim, para ser um documento, ele deve ser considerado por alguém como

tal, no interior de um código cultural, com os aspectos físicos de tipo e gêneros e

suas combinações culturais e históricas definidas.

Buckland identifica, ainda, três aspectos que precisam ser explorados na

definição de documento, na Ciência da Informação:

a) Visão convencional, ou visão material − rotineiramente, muitos objetos tornam-se

documentos, materializados em registros gráficos, em textos, feitos em papel ou

similar que, identificados como relevantes, são armazenados, distribuídos e

acessados.

b) Visão funcional − quase tudo pode ser documento: maquetes, brinquedos

educativos, coleções de história natural. Vestígios arqueológicos podem ser

incluídos nesta categoria. Existe a preocupação do acesso aos elementos de prova

para que os objetos possam tornar-se documentos.

c) Visão semiótica − qualquer coisa pode ser considerada documento se for

evidência de algo, independentemente da vontade do criador. Assim, os aspectos

simbólicos, de significação e interpretativos são necessários para a efetiva criação,

organização e uso do objeto que se torna documento.

Buckland (2013) enfatiza que a literatura sobre o tema destaca os aspectos

inerentes ao documento, sendo necessário, porém, ter uma visão geral em relação

aos documentos. Para isso, pode-se recorrer à retórica, à semiótica e a campos

mais especializados, como a psicologia educacional, a hermenêutica. Destaca,

ainda, os estudos relacionados à comunicação e os aspectos que envolvem o

documento e o processo de comunicação.

Lund (2009) finaliza sua revisão citando os aspectos que ainda merecem ser

abordados quando se fala de documento e da definição da teoria social do

documento, como segue:

a) a teoria do documento pode ter uma definição ampla e incorporar diferentes

tipos de mídias e situações sociais, tendo a sociologia e a filosofia como

bases de sustentação;

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b) pode-se ter uma definição estrita, considerando os aspectos linguísticos da

mensagem escrita ou falada, o que é relevante para o desenvolvimento das

bases teórica para o gerenciamento de documentos na Ciência da Informação

(inspirados na disciplina Documentação e na análise e crítica dos trabalhos

de Briet e Otlet);

c) os processos documentais são coletivos e necessitam de diferentes meios e

tecnologias para existirem;

d) intensificar os estudos interdisciplinares entre Documentação e Comunicação;

e) estudar a diversidade de materiais e a vasta gama de problemas relacionados

aos processos de documentação e registros resultantes do trabalho com o

documento: o nível geral, o específico e o de conteúdo.

Com relação à teoria do documento na era digital, os aspectos a serem

enfatizados são:

a) as discussões em torno da garantia de materialidade e da estabilidade do

documento digital para promover a comunicação, a acessibilidade, a

recuperação, seus usos ou reusos;

b) a definição de documento em meio digital passa pela compreensão de

diferentes níveis de materialidade: o trabalho de fazer o documento digital

(computação), o texto em si e o documento;

c) as questões relacionadas à definição de documento original, tendo em vista

as ligações possíveis a partir das tecnologias e as diversas intervenções que

um texto pode ter a partir do uso e interpretações;

d) o foco no documento como um produto semiótico transcrito ou registrado em

uma estrutura perene, que o carrega com atributos específicos para facilitar

as práticas associadas com a sua utilização em uma estrutura que permite as

transações de comunicação e distribuição através do espaço e do tempo.

2.5 DOCUMENTO NA ARQUIVÍSTICA

O documento arquivístico, ou documento de arquivo, entendido inicialmente

por autores da arquivística como sinônimo da palavra arquivo, definição ambígua,

distingue-o da definição de documento (document) genérico, entendido como

informação registrada, independente do suporte ou de suas características (ICA,

2000), distinto de documento de arquivo (record).

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Para a definição de documento de arquivo, os autores da área de arquivística

compartilham algumas concordâncias, dentre as quais que o elemento principal que

distingue um documento qualquer de um documento de arquivo é a função para a

qual foi criado ou a razão de seu emprego. Isso determina a distinção entre

documento e outros tipos de registros de informação.

Tal pensamento é compartilhado por Muller, Feith e Fruin (1898), Hilary

Jenkinson (1937), Eugenio Casanova (1928), Adolf Brenneke (1953), Elio Lodolini

(1990), Rousseau e Couture (1998) e Schellenberg (2002). Este último, no livro

“Arquivos Modernos”, faz um histórico dos elementos comuns que definem um

documento de arquivo, com base nos manuais de arquivística mais conhecidos.

Schllenberg (2002) resume esses elementos em:

a) a razão pela qual os materiais (arquivos) foram criados, entendendo “material”

o documento de arquivo quando este é visto como um objeto preservado ao

longo do tempo;

b) os valores pelos quais os arquivos (documentos) são preservados, que vão

desde razões oficiais (administrativas e comprobatórias) até culturais e

históricos. Neste tópico, vale destacar as razões elencadas por Jenkison, que,

em 1937, afirmava que os arquivos são documentos criados para “sua própria

informação” ou “para referência”, ressaltando o documento de arquivo como

algo que tem a função de objeto de comunicação da informação e

preservação para a posteridade;

c) sua origem, ou custódia, ligada a uma instituição, pessoa ou órgão. O

documento deve comprovar essa custódia original. Este elemento presente

no documento de arquivo garante a função de comprovação de ação ou a

materialidade do fato e a ligação orgânica do fato ou ação com o seu criador

ou gerador.

Nesta pesquisa, adotou-se como definição de documento de arquivo aquela

disseminada pelo Conselho Internacional de Arquivos, que serve como fonte para

diversos autores nacionais e internacionais da arquivística (Schllenberg (2002),

Belloto (2004), Paes (2007), Rousseau e Couture (1998) e pelos Archives de

France, Australian Archives, National Archives USA e NARA em diversos

documentos administrativos), bem como pelos documentos normativos adotados

internacionalmente, editados pelo ICA, tais como a Norma Geral Internacional de

Descrição Arquivística, ISAD (G) (2001) e a Norma Internacional de Registro de

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Autoridades Arquivísticas, ISAAR (2004) e o Dicionário de Terminologia Arquivística,

todos com traduções e versões em português (2005).

O Internacional Council on Archives – ICA - define documento de arquivo

(record) como “informação registrada, independente da forma ou suporte, produzida

ou recebida e mantida por uma instituição ou pessoa no decurso de suas atividades

públicas ou privadas” (ICA, 2002). Nessa definição podem ser incorporados os

elementos de razão, função, valor e origem, que caracterizam e distinguem um

document de um record.

De modo aliado à definição de documento de arquivo, faz-se necessário

promover o entendimento dos conceitos de fidedignidade e autenticidade que, na

arquivística, são seus elementos qualificadores. Os elementos que asseguram a

fidedignidade e a autenticidade comportam um conjunto de evidências formadas por

dados, estudados e definidos pela diplomática a partir do estudo da forma, estrutura

e tipologia do documento.

A diplomática é uma área interdisciplinar da arquivística voltada para a análise

dos documentos quanto às suas formas e tipos. Ela visa assegurar o cumprimento

das funções de comprovação de fato ou ação e os elementos que dão materialidade

e valor ao documento, razão da criação e origem do documento de arquivo

(RONDINELLI, 2005).

Duranti (2009) e MacNeil (2002), (apud Rondinellii (2013), definem

diplomática como um corpo de conceitos e métodos que tem por objetivo “provar a

fidedignidade e a autenticidade dos documentos”, que evolui para um sistema

sofisticado de ideias sobre sua natureza, origem, composição e suas relações com

as ações, pessoas a eles conectados e com o contexto organizacional, social e

legal, evidenciando a organicidade da informação neles representada ou no seu

conjunto. Para que o documento de arquivo seja aceito e entendido como tal, nas

ações da sociedade, é necessário que tenha sua confiabilidade garantida, para que

as ações judiciais e a compreensão do passado ocorram, ou seja, para que a

informação contida em documentos seja estabelecida e aceita como uma verdade

para os seus intérpretes ou as ações sejam carregadas de elementos verossímeis.

Duranti (2009) (apud Rondinelli 2013) explica que o documento de arquivo é

fonte de prova, e não prova em si. Neste ponto, ressalta-se a importância

fundamental do tratamento da informação na arquivística, pois a descrição e a

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análise dos elementos e signos contidos no documento podem evidenciar um fato ou

ação.

Em síntese, para a definição do documento de arquivo tem-se um conjunto de

elementos concretos (origem) e abstratos (razão, valor) ou tangíveis e intangíveis

que, agregados a outros elementos, tais como suporte e estrutura, o caracterizam

como tal e portador dos elementos qualificadores de autenticidade, fidedignidade e

organicidade.

A Diplomática mostra os elementos identificadores dos documentos de

arquivo para que eles se constituam em evidência de um fato ou ação. Para a

discussão deste trabalho, entendeu-se que os elementos adotados pela arquivística,

para definir documento de arquivo, podem ser entendidos como signos ou dados

que, ao serem analisados pelo observador, tornam-se um objeto de informação

qualquer, document, em documento de arquivo record. Considerando-se

preliminarmente que um dado, ou um signo, pode ser compreendido como o

elemento principal para o estabelecimento de um processo de comunicação e

entendimento de significados e como elemento de compreensão e expressão da

informação, entende-se que existe uma clara ligação do objeto “documento de

arquivo” com as teorias de significação, com as teorias da linguagem, em especial

com a semiótica e as ciências de interpretação de signos (ECO, 2004; 2008;2009); .

Tal como destaca a literatura das áreas de arquivística e diplomática, a

definição de documento de arquivo e sua qualificação procuram evidenciar a

presença de dados e signos que fazem com que ele seja entendido em sua natureza

essencial. O dado e o signo são considerados elementos de análise essencial da

teoria de significação e das análises semióticas. Esses conceitos serão abordados

de forma mais específica no capítulo sobre as teorias de linguagem.

A revisão dos conceitos de documento, tanto na Ciência da Informação

quanto na arquivística, enfatiza os elementos que procuram evidenciá-lo como um

registro de informação, como instrumento de prova, enquanto objeto portador de

algo e, mais recentemente, como resultante de um processo social, do qual não

pode ser dissociado para ser compreendido. O documento apresenta elementos

fenomenológicos, culturais e físicos; é utilizado pelas pessoas como objeto

informacional, como documento de arquivo e como elemento do processo de

comunicação.

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A necessidade de enfatizar as relações sociais do documento e seus

aspectos linguísticos para a definição e interpretação de conteúdos é útil para

esclarecer sua definição na Ciência da Informação e nos domínios onde também é

objeto, como na arquivística.

As transformações contemporâneas e o intenso uso das tecnologias de

informação e comunicação evidenciam a necessidade da realização de estudos que

possam ressaltar o papel, a função e a constituição do documento em contextos

sociais e culturais.

2.6 PRINCÍPIOS DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRÁTICA ARQUIVÍSTICA

A criação de instituições públicas delimita um novo paradigma de gestão

administrativa tanto geral quanto arquivística. Essa nova ordem política e social

implica criação de instituições e processos para que o Estado possa funcionar. Este

momento é o marco para o desenvolvimento dos princípios que norteiam a prática

da arquivística moderna. São os princípios de fundamentação da disciplina que

norteiam as práticas executadas na área e, em geral, são delimitados a partir de

uma prática existente, sendo formulados como conceituais e epistêmicos. A

organização da informação nos arquivos é norteada por esses princípios. Entender a

organização dos arquivos implica entender os princípios que as fundamentam.

Segundo Couture e Rousseau (1998), existem três princípios que constituem

o fundamento da disciplina arquivística, nos quais se apoiam as intervenções feitas

com os documentos de arquivo: o princípio da territorialidade; o princípio de respeito

aos fundos, ou princípio da proveniência, e a abordagem das três idades.

2.6.1 Princípio da territorialidade

O princípio de territorialidade assegura que os documentos públicos de um

país ou território pertencem a ele. Foi criado pelo Direito para resguardar a

propriedade dos vencedores que, para garantirem sua posse, devem ter também a

posse dos documentos desse território. Foi fortalecido oficialmente por meio dos

acordos da Convenção Internacional das Nações Unidas. Os documentos

produzidos em uma instância governamental, um país ou instituição, por direito,

pertencem a ela e devem ser por ela mantidos e resguardados. Assim, cada

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instância de governo deve responsabilizar-se pela produção, guarda e acesso ao

documento por ela produzido ou recebido.

Este princípio foi utilizado para a restituição de fundos de arquivos após a

divisão de países e territórios. Tem sua fundamentação principalmente no Manual de

Arranjo e Descrição de Arquivos, dos holandeses Muller, Feith e Fruin (1898). O

manual dos holandeses não é uma obra sobre os princípios teóricos de

fundamentação da arquivística. Este manual estabele um conjunto de regras de

trabalho e de soluções práticas para a atividade de organização dos arquivos, que

até então, era feito de acordo com as circunstâncias de cada instituição, o que

poderia provocar a dispersão de acervos arquivisticos em função da interpretação de

quem o organizava. O trabalho dos arquivistas holandeses é considerado um marco

para o tratamento e organização de documentos nos arquivos contemporâneos.

Segundo os autores Muller, Feith e Fruin (1898), a obra tem um conjunto de

regras a serem seguidas para se obter “uniformidade no tratamento dos inventários"

produzidos nas instituições arquivísticas que estavam nascendo. Ela é de

fundamental importância para a área, pois unifica as práticas aplicadas e seguidas

internacionalmente.

A partir das regras práticas e das sugestões de solução dos problemas

encontrados na organização dos arquivos, torna-se possível a formalização de

alguns dos principais princípios da arquivística.

2.6.2 Princípio da proveniência

O princípio da proveniência é atribuído a Natalis de Wailly, historiador francês,

chefe administrativo dos Arquivos Departamentais do Ministério do Interior da

França, por meio de uma circular para o governo, em 1841.

Define que os documentos produzidos por um órgão administrativo devem ser

“agrupados, sem misturar a outros arquivos provenientes de outro órgão

administrativo, de um estabelecimento ou de uma pessoa” (DUCHEIN, 1985). Os

documentos devem ser agrupados e constituir fundos de arquivo ou fundos

arquivísticos. É complementar ao princípio da territorialidade, mas alguns autores os

separam.

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Este princípio foi criado para disciplinar a prática de organização e descrição

de documentos. Já o princípio da territorialidade trata da formalização de um

aspecto de Direito Internacional.

A proveniência é um princípio norteador para elaborar os planos de

classificação de fundos com base na estrutura da organização que o originou, e não

de acordo com a classificação em assuntos ou temas (COUTURE e ROUSSEAU,

1998).

Duchein (1985), um dos principais estudiosos desse princípio, argumenta que

a justificativa para seu estabelecimento é resguardar o direito às evidências, com

base na crença de que o documento de arquivo é produzido naturalmente a partir da

atividade do organismo, devendo ser resguardadas as evidências para manter a

qualidade dos arquivos e seus elementos legais e de prova. Segundo o autor, essas

evidências não eram respeitadas até o começo do século XIX pelos administradores

e arquivistas, os quais não temiam dividir e dispersar documentos de uma mesma

origem nem reagrupar ou misturar documentos de proveniências diferentes quando

fosse necessário, por razões práticas. Um prova disso é que as antigas

classificações de documentos foram construídas agrupando-se documentos por

material, assunto e lugar.

Foi “desfeita”, portanto, uma ordem original para realizar uma nova ordem

decorrente de uma avaliação subjetiva. Isso parece não ser problemático para

conjuntos documentais pequenos, mas pode ser problemático em grandes depósitos

de documentos do século XVIII. Após esse período, cresceram as práticas

administrativas fundamentadas em documentos e aumentaram as possibilidades de

sua produção e reprodução. Nascem, assim, os grandes conjuntos documentais que

devem ser organizados em depósitos para posterior localização. É o caso da França

que, após a Revolução Francesa, criou o Archives Nationale, que agrupam

documentos originários de diversos órgãos governamentais.

A aplicação do princípio de proveniência fez surgir as primeiras classificações

de documentos segundo a tendência do desenvolvimento científico imperante nos

séculos XVIII e XIX. Nesse período, nasceram também as classificações de Linné

(biologia, da zoologia, da botânica) e da física. A ideologia cientificista procura

organizar, descrever e classificar para ordenar o universo e as coisas dentro dele.

Esse espírito parece também ter chegado aos arquivos e essa concepção ideológica

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de classificação foi difundida nos arquivos com base no princípio da proveniência e

na noção de fundo de arquivo.

Segundo Duchein (1985), agrupar documentos em fundos significa reunir

títulos de documentos que provêm de um corpo ou de um estabelecimento, de uma

família ou de um indivíduo, e dispor, após colocá-los em certa ordem, em diferentes

fundos, denominados pela origem da estrutura do corpo que os originou.

Mais tarde, Natalis de Wailly (citado por DUCHEIN, 1985), respondendo às

críticas provocadas por essa nova noção de desenvolver e conceber a classificação,

explicou que a classificação geral por fundos é a única verdadeiramente própria para

assegurar a pronta realização de uma ordem regular e uniforme. Sem isso, a

organização dos arquivos pode gerar o caos, correndo-se o risco de perder os

documentos dentro do arquivo.

O princípio de respeito aos fundos, ou princípio da proveniência, é admitido

como base da arquivística teórica e prática. As críticas existentes referem-se à sua

aplicação, e não necessariamente ao princípio, que pode ser considerado de

fundamentação teórica definitiva na arquivística (DUCHEIN, 1985). Este princípio

auxilia os arquivistas a visualizarem a ideia sistêmica de arquivo, com base na qual

um conjunto de documentos é considerado no todo (fundo de arquivo), embora seja

um todo feito de partes, uma vez que os documentos são analisados em partes para

serem reconhecidos e classificados como pertencentes a um fundo, e não a outro.

Isso permite construir classificações de documentos, elaborar inventários e sistemas

de descrição e recuperação de documentos e de conjuntos documentais. Para o

usuário, possibilita estabelecer conexões com outros documentos que possam ter

relação com o documento por ele buscado.

O respeito aos fundos possibilita que o trabalho do profissional de arquivo

possa ser feito com assertividade, desprovido de subjetividades, uma vez que,

seguindo uma ordem orgânica e predefinida em sua criação, ele não incorre em

erros que possam não refletir o estado real de construção do documento.

Duchein (1985) aponta alguns problemas que interferem na prática da

organização dos arquivos pela aplicação do princípio de respeito aos fundos:

a) o uso da definição de fundo como referência à hierarquia dos organismos

produtores dos arquivos. O risco existe, porque as instituições são dinâmicas,

podendo mudar as nomenclaturas das estruturas dos órgãos ou deixarem de

existir. Este passa a ser um problema para os fundos arquivísticos, os

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inventários e as classificações oriundas dessas estruturas (estruturação

hierárquica);

b) as repercussões sobre a composição dos fundos derivadas das competências

dos organismos produtores, que podem mudar, serem unidas ou

desmembradas (estruturação funcional);

c) a definição da noção de proveniência em fundo aberto e fechado, para

quando uma organização funcional deixar de existir. Como se constituem os

fundos para os órgãos que mudam? Devem ser incorporados a outros ou

devem permanecer como foram criados?

d) respeito à integridade dos fundos dada pelas classificações existentes nos

organismos produtores de arquivos, respeitando divisões internas em

situações particulares. Como atender às questões particulares da

classificação em detrimento de uma organização de documentos que, a priori,

tem o organismo como usuário direto desses documentos?

Os estudos mais recentes sobre a proveniência demonstram a utilidade do

princípio, principalmente em virtude do modelo de produção do documento em meio

digital, em que o produtor não tem o domínio completo do processo.

Os elementos de identificação da proveniência são evidenciados como forma

de garantir autenticidade e permitem a sua rastreabilidade no meio eletrônico. Os

críticos ao princípio salientam que, no meio eletrônico, com as possibilidades de

rastreabilidade e os metadados dos documentos, é possível reconstituir o seu

processo de construção ao longo da vida do documento, não importando a

obediência a uma origem inicial, uma vez que é possível reconstruir essa origem a

partir dos dispositivos computacionais.

2.6.3 Abordagem das três idades ou ciclo de vida dos documentos

A abordagem das três idades divide o tempo de vida do documento em três

fases e se baseia em dois valores que os arquivos têm ou podem ter: o valor

administrativo e o valor de testemunho histórico, e considera ainda a frequência de

uso deles na instituição que os criou (COUTURE e ROUSSEAU, 1998).

Os canadenses denominam as fases de “ativos”, “semiativos” e “inativos” e,

os norte-americanos, de “correntes”, “intermediários” e “permanentes”. Os

documentos que cumprem valor administrativo, por terem um tempo de vida definido

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por sua validade legal, são chamados “correntes”. Os documentos que, cessado o

valor administrativo, são selecionados por seu valor de testemunho histórico são

recolhidos aos arquivos permanentes.

Os norte-americanos criaram a expressão Records Management para as

práticas de organização e uso dos documentos na fase corrente. Também são

utilizados os termos gestão de documentos, gestão de arquivos e gestão de

arquivos vivos. Os franceses demoraram a aceitar a divisão dos documentos em

ciclos de vida. Assim que o documento é criado, usam o termo arquivo

contemporâneo para as atividades de seleção, triagem e recolhimento em arquivos

permanentes.

Os documentos intermediários são aqueles que ainda podem ter valor

administrativo ou que ainda precisam de avaliação antes de ser considerado seu

valor de testemunho. Na prática, o documento intermediário é uma criação para a

fase intermediária; é uma solução econômica e de contingência para evitar o

excesso de documentos em arquivos permanentes. O conceito nasceu nos Estados

Unidos, a partir dos anos de 1940, como alternativa para gerenciar e controlar a

grande quantidade de documentos produzidos pelos setores administrativos,

fenômeno conhecido como “explosão documental”.

As tecnologias informatizadas influenciam o processo de produção e

reprodução da informação e possibilitam, também, a democratização do acesso à

informação; têm sua fundamentação na criação dos trabalhos do inglês Hilary

Jenkison e do norte-americano T.R. Schellenberg, que propõem a separação entre

arquivo administrativo e arquivo histórico como solução moderna para o problema do

acúmulo de documentos.

Schellenberg (2002) define arquivos correntes e destaca sua importância para

a formação dos arquivos permanentes. Ressalta a importância dos processos de

seleção e avaliação na transposição de um ciclo para outro. Com isso, nascem

alguns dos importantes instrumentos da administração dos arquivos, como os

instrumentos de Quadros temporalidade e destinação dos documentos e as políticas

de seleção e avaliação.

Ao longo do desenvolvimento da arquivística, muitos autores passaram a

estudar a funcionalidade desses princípios aplicados às práticas de organização da

informação. Elas sofreram críticas, mas o que se pode perceber é que nenhuma foi

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capaz de refutar completamente esses princípios norteadores das atividades dos

arquivos.

Alguns autores, como Luciana Duranti (2001), Bruno Delmas (2001),

Fernanda Ribeiro (2001), Terry Cook (2001), Paulo Conway (2015) e Jennifer

Meehan (2009), partem do princípio de que na contemporaneidade, as tecnologias

da informação e comunicação trazem desafios que precisam ser considerados nas

práticas da Arquivística. Desse modo, muitos elementos definidos pelos princípios

de fundamentação da arquivística precisam ser revistos. Eles são unânimes em

afirmar que a contemporaneidade provocou mudanças na natureza dos arquivos, na

criação dos documentos, na utilização e nas formas de acesso.

Luciana Duranti (2001) ressalta a importância crucial que a ciência

arquivística deve ter com a produção do conhecimento atual, por seu papel de

preservar e possibilitar o uso dos documentos hoje criados e acessados em meio

digital. A autora sustenta que os arquivos devem ser vistos como sistemas

integrados ao processo de produção do conhecimento, e não instituições passivas à

espera de receber o que restar do processo de criação do conhecimento. Ela

defende a intervenção neste processo, principalmente a partir dos princípios da

diplomática, que podem assegurar o registro do conhecimento e, também, seu papel

enquanto registro das ações humanas.

Os estudos de Duranti (2001) consideram que os processos hoje acontecem

na sociedade digital, principalmente na web, que é dinâmica e opera em termos de

processo. Destaca que a arquivística deve considerar os aspectos relacionados ao

modo de vida sistêmico, que requer a identificação das partes, das estruturas e dos

processos, devendo ser capaz de descrever os relacionamentos existentes. Essa

nova visão deve afetar todo o modo de fazer arquivístico.

Posição parecida tem o arquivista francês Bruno Delmas (2001), que destaca

que a arquivística vive o contexto da sociedade da informação, deve conhecer os

processos de comunicação existentes e entender que eles são determinantes para a

prática atual. A produção, a troca e a conservação de informações, conhecimentos e

dados tornaram-se elementos essenciais desse sistema nervoso mundial. Ele

defende a aplicação dos tradicionais princípios da diplomática como forma de

garantir o resgate da existência dos registros do conhecimento produzidos hoje.

Destaca que os arquivos devem assumir novas funções neste contexto de criação

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de registros e assumir uma posição mais ativa para assegurar que tenhamos uma

sociedade com memória.

Fernanda Ribeiro (2001) defende o avanço da arquivística enquanto Ciência

da Informação e, como tal, a área deve lidar com a informação social ou informação

como produto social, dinâmico, às vezes imaterial. Para ela, a arquivística deve

utilizar os recursos da teoria sistêmica como ferramenta de interpretação do

fenômeno social.

Angelica Menne-Haritiz (2001), ao discutir as questões da contemporaneidade

relacionadas aos aspectos de armazenamento e acesso, destaca que as

possibilidades de acesso aos arquivos demandam mudanças nas práticas de

organização e descrição dos documentos, antes centradas no objetivo da

preservação; atualmente, porém, devem voltar-se para atender às diferentes

possibilidades de acesso, tanto fisicamente quanto por meio das tecnologias de

informação.

Esses autores apontam que as mudanças que vêm ocorrendo na área dos

arquivos são importantes e merecem estudos sobre seus reflexos, tanto do ponto de

vista teórico quanto metodológico, para fortalecer a arquivística como uma área de

conhecimento científico consolidada. A história da concepção do percurso do

documento foi abordada novamente no item sobre a Gestão de Documentos.

2.7 GESTÃO DE DOCUMENTOS

A gestão de documentos ou records management ou ainda gestion de

documents delimita um marco na história da Arquivística contemporânea; a gestão

dos documentos administrativos nas organizações é uma prática que acompanha a

história administrativa dos governos, como aborda Duranti (1989) no artigo “The

odissey of records managers”. Nesse artigo, ela descreve as práticas de

gerenciamento de documentos nas várias instâncias administrativas, desde tempos

antigos, no período medieval e moderno, o que demonstra que sua organização e a

gestão de documentos sempre foi uma preocupação, mesmo que os objetivos e as

circunstâncias motivadoras tenham mudado ao longo do tempo.

Couture e Rousseau (1994) também analisam o panorama histórico de

desenvolvimento da gestão de documentos com destaque para os ciclos de vida do

documento.

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O conceito de Gestão de Documentos começa a fazer parte da literatura dos

Estados Unidos a partir da década de 1950, como forma de racionalizar a produção

documental e facilitar o acesso. Uma das principais consequências da introdução

deste conceito foi a elaboração a partir da abordagem das três idades, ou ciclo vital,

isto é, os documentos de arquivo têm uma idade ou fase, de acordo com as

necessidades do órgão que o produziu.

O objetivo aqui não foi discutir o conceito de Gestão de Documentos e suas

implicações. A Gestão de Documentos é um tema amplo na arquivística e que

merece estudo específico e aprofundado. O objetivo desta pesquisa foi o de buscar

evidências dessa aproximação da gestão de documentos com o processo de

organização e tratamento e o ciclo de vida, pois se acredita que os processos para o

tratamento e organização do documento iniciam-se com o seu nascimento e o

acompanham no seu ciclo evolutivo.

Segundo Yves Peròtin (1962), a concepção de gestão de documentos nasce

nos Estados Unidos em 1948, quando foi criada a Commission Hoover, destinada a

melhorar o funcionamento da administração pública do pais, após a Segunda Guerra

Mundial. Essa comissão criou uma força tarefa, coordenada por J. Leahy, antigo

funcionário do Arquivo Nacional, que se dedicou ao chamado Records management.

No relatório final, entregue à Comissão Hoover em 14 de outubro de 1948,

recomenda-se a criação do “Federal Records Administration”, que englobaria o

Arquivo Nacional e os depósitos intermediários (records centers) existentes nos

setores governamentais e definiria as obrigações e as responsabilidades dos

“Records Center Officer”, criados para conduzir o programa. As recomendações da

força tarefa são reforçadas e colocadas no relatório final da Comissão Hoover, em

1949.

Uma segunda Comissão Hoover é criada entre 1953 e 1955. Ela fará outras

recomendações sobre as tarefas de gestão de papéis ou paperwork management.

Essas medidas visavam gerenciar o fluxo dos documentos e sua crescente

quantidade nos setores administrativos do governo. Desde o início, as atividades de

Records management passam a existir em todos os países onde a atividade

administrativa e econômica é acompanhada da produção em massa de documentos,

conservados por seu valor de prova ou seu valor de informação dentro dessas

organizações.

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Segundo Chabin e Watel (2006) a maneira de executar essa tarefa difere de

um país para outro, por razões culturais e pelo histórico do desenvolvimento da

gestão da informação e de documentos, que resulta em concepções e práticas

diversas.

Os países europeus que já vêm com uma forte tradição de organização dos

documentos em arquivos e têm sedimentada uma prática arquivística, sentem o

impacto da adoção do novo conceito em suas atividades de gerenciamento. Países

como a França, a Bélgica, a Suíça e a Alemanha desenvolvem novas práticas de

organização. A gestão dos documentos, em alguns casos, é separada dos arquivos,

ficando a cargo dos documentalistas das empresas. Mas, outros países, como

Estados Unidos, Canadá, Austrália, ditos países novos, incorporam o conceito de

gestão de documentos, muito em função do histórico de suas práticas de gestão de

registros documentais e da informação, pois não têm a tradição de organizar e tratar

documentos antigos e medievais. A adoção da gestão dos documentos

administrativos, correntes e intermediários é considerada mais adequada à realidade

desses países. Isso provoca uma grande movimentação na área de arquivos com

defensores do modelo e a busca de alternativas de gerenciamento do documento.

Chabin e Watel (2006) descrevem as dificuldades enfrentadas pelos membros

da Association Française de Normalisation - AFNOR, órgão francês de normalização

e representante da International Organization for Standartization – ISO, fato que

contribui para a elaboração de normas internacionais, pois ficaram hesitantes com

relação à adoção de um termo correspondente na língua francesa para records

management. Por fim, optaram por não traduzir o termo, mas adotaram o modelo

adaptado à realidade do país. Mais do que uma tentativa de separar os arquivos

tradicionais da gestão de documentos, as discussões fortalecem a área e um grande

passo dado é a criação da norma ISO 15489, em 20014.

2.7.1 A gestão de documentos e o ciclo de vida dos documentos

4 Norma ISO 15489:2001 Information and Documentation – Records Management. Publicada pela

International Organization for Standardization (ISO). Regula a gestão de documentos produzidos nas organizações públicas ou privadas. A primeira versão foi publicada em 2001. Em 2016 foi publicada uma atualização.

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A abordagem da três idades, ou ciclo de vida dos documentos, assim

nomeada por alguns, surge em 1961, na França, a partir da visão de Yves Pérotin

(“L´administration et les trois âges des archives”). Trata-se de um relatório para o

diretor do arquivo nacional da França, após uma visita aos arquivos americanos a

fim de conhecer a processo de gestão de documentos (KERN, HOLGADO, COTTIN,

2015).

A abordagem das três idades é uma modelo operacional que não é admitido

universalmente como um princípio arquivístico. Parece ter uma melhor aceitação na

arquivística norte-americana e nos países da América Latina. Segundo Kern,

Holgado e Cottin (2015), que fazem uma revisão sobre a história do ciclo de vida dos

documentos e seu alcance mundial, o termo “ciclo de vida” surge na América do

Norte nos anos 1980. A abordagem é baseada na ideia de que um documento tem

vida similar à de um organismo biológico: ele nasce (fase de produção), vive (fase

de conservação e utilização) e morre (destino final), considerando ou não a fase de

arquivamento definitivo.

Nos anos 1970, a representação do ciclo de vida do documento, que ainda

não era conhecido com essa nomenclatura, era uma forma de os gestores

controlarem os documentos provenientes do mundo digital e, assim, garantir sua

integridade e autenticidade. Com esse contexto de nascimento dos documentos

digitais, carregado de muitas dúvidas em relação à preservação, guarda,

originalidade, autenticidade e outras questões, pareceu adequado adotar um modelo

em que fosse possível ou necessário acompanhar todo o ciclo de vida do

documento, para se tenha um visão do seu percurso.

A adoção do modelo de ciclo de vida parece ser uma solução no emaranhado

de dúvidas que os gestores de documentos tinham até então. Embora seja

controvertida a sua adoção em muitos arquivos, é um modelo referendado nas

normas de gestão de documentos. Não obstante seja possível considerar um maior

número de fases do documento, além das três, a aplicação do ciclo de vida tem mais

impacto de aplicação prática do que conceitual, como atesta o trabalho de Kern,

Holgado e Cottin (2015). O maior impacto assinalado pelos autores diz respeito ao

papel e responsabilidade dos atores intervenientes na gestão do ciclo (produtores,

profissionais da gestão documental, arquivistas, usuários, etc.).

Neste trabalho de revisão conceitual, com mais de 50 definições de ciclo de

vida dos documentos, em diferentes autores e culturas, considerou-se pertinente à

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abordagem feita pelos autores desse conceito atrelado à origem da gestão de

documentos, o que levou à compreensão da relação entre os dois conceitos, que a

seguir tentou-se explicar.

Os autores apresentam algumas conclusões já sedimentadas sobre o ciclo de

vida dos documentos. Kern, Holgado e Cottin (2015) constatam que a origem do

ciclo de vida ou abordagem das três idades não tem necessariamente origem no

relatório norte-americano da Comisão Hoover (1948-1949), nem no manual de

Schellenberg (1956). Essa abordagem tem origem na tradição do Registrature, ou

Registratum, que se baseia na tradição arquivística clássica até a Revolução

Francesa. Nessa época, o arquivo era o lugar de registro de atos notariais que

serviam primeiramente às instituições e às pessoas, para provar seus direitos.

Ocorria, então, a eliminação de documentos considerados desnecessários e eram

conservados aqueles ainda úteis, sem que tivessem necessariamente uma função

histórica.

Com a concepção histórica da arquivística do século XIX, a gestão de

documentos nas entidades produtoras é proposta por administradores ou

secretários, uma vez que somente a gestão dos arquivos ditos históricos fora

proposta pela arquivística nas administrações. O fosso entre produtores de

documentos e arquivistas se amplia: estes ignoram o que fazem aqueles e vice-

versa. (KERN, HOLGADO E COTTIN, 2015).

A partir da segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento das

técnicas administrativas e de reprodução, aumentou consideravelmente a massa

documental. Os arquivos se veem repletos e sem espaço suficiente para abrigá-los.

A gestão de documentos nasce para administrar o espaço de conservação e

proceder às eliminações de maneira racional, para desafogar os depósitos dos

arquivos, ainda que a realidade dos arquivos intermediários funcione, em alguns

casos, como debeladores do processo de eliminação racional ditada pela gestão dos

documentos.

Kern, Holgado e Cottin (2015) afirmam que o primeiro a abordar o conceito de

percurso do documento é Jósef Paczkowski, arquivista polonês, em 1928, que

apresenta um artigo sobre o assunto na administração moderna e sua importância

para a ciência histórica. Porém, Paczkowski cita Eugenio Casanova, arquivista

italiano que, em seu manual de 1928, afirma que o os arquivos são uma realidade

que nasce de uma fonte comum e que vive a sua própria vida e depois morre.

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Alguns anos mais tarde, o arquivista norte-americano Philip Coolidge Brooks,

em 1940, faz referência às diferentes etapas da história de vida de um conjunto de

documentos. Ainda, nesse documento de 1940, Brooks conclui que quanto mais

cedo for realizado o processo de seleção na história de vida de um documento,

melhor é para todas as pessoas envolvidas; assim, a cooperação entre o produtor e

o arquivista pode ser estabelecida mais cedo e o trabalho de cada um será

facilitado.

Outro autor citado por Kern, Holgado e Cottin (2015) sobre o percurso do

documento é Adolf Brenneke que, em 1953, descreve que “O percurso de vida dos

dossiês” é conduzido da chancelaria para o registratum.

Em 1956, Schellenberg, diretor do Arquivo Nacional dos Estados Unidos,

menciona na obra “Arquivos modernos: princípios e técnicas” a duração de vida dos

documentos. Ele afirma que a gestão de documentos compreende toda a duração

de vida de grande parte dos documentos. Schellenberg teoriza a visão diferenciada,

porém englobante, de gestão de documentos (records management) e arquivos

(archives management).

Schellenberg também se atém aos vários critérios que permitem distinguir os

documentos de arquivos, a saber, o valor primário e o valor secundário de

informação para avaliá-los. Ele evidencia dois períodos do documento: o da

administração (valor primário) e o da história (valor secundário).

Outro autor importante a discutir o percurso do documento é Yves Pérotin,

que publica “L’adminstration et les trois âges des archives”, em 1961, destinado aos

administradores da França. Pérotin estabelece distinção entre documento corrente

da administração e documento permanente, do arquivo histórico. A importância

dessa distinção é o fato de chamar a atenção para a fase corrente do documento a

fim de garantir a criação dos arquivos permanentes de qualidade. O autor

sistematiza as bases da abordagem das três idades instituída no modelo de

administração de arquivos da França. Porém, os franceses demoram a aceitar a

ideia de ciclo de vida do documento e a gestão de documentos.

Contudo, a necessidade prática demanda a criação do Centre des archives

contemporaines, em 1969, para receber os arquivos da administração, antes de

serem recolhidos definitivamente ao Arquivo Nacional da França.

Em síntese, o que se pode destacar da revisão de Kern, Holgado e Cottin

(2015) quanto ao ciclo de vida e a gestão de documentos é:

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Há unanimidade na compreensão de que o ciclo de vida é constituído de

etapas da existência de um documento desde sua criação até a sua

função/destinação final. O conceito de ciclo de vida não aborda, porém, o

arquivamento definitivo, que vem após a definição da sua destinação final

(destruição ou conservação final).

Os norte-americanos se referem ao ciclo de vida da informação ou ciclo de

vida do registro, mas não do documento.

Os australianos adotam records continum e registrum continum e documento

continuum em lugar do termo ciclo de vida, mas consideram de maneira

particular a existência de etapas na vida do documento.

Para os franceses, a noção de ciclo de vida confunde-se com a “teoria” das

três idades. Ao se buscar o termo ciclo de vida no dicionário terminológico do

Arquivo Nacional da França, o leitor é redirecionado para o termo “Teoria das

três idades”, definido como a noção fundamental sobre a qual repousa a

arquivística contemporânea. Desse modo, todos os documentos passam por

três períodos: corrente, intermediário e definitivo ou permanente.

As normas ISO 15489 (2001) e ISO 30300 (2011) não definem o termo ciclo

de vida, embora incorpore os seus preceitos.

As bases do ciclo de vida dos documentos e a teoria das três idades são a

principal sustentação teórica da arquivística contemporânea, por

considerarem, de maneira completa, a trajetória do documento do nascimento

até a extinção definitiva.

As concepções básicas do ciclo de vida e da gestão de documentos

sustentam as atividades necessárias à gestão dos documentos digitais,

complexos e em constante evolução.

2.7.2 Normas do records management

A International Organization for Standartization - ISO, na busca de consensos

conceituais e práticos, iniciou, desde a década de 1980, o desenvolvimento de

normas para promover melhorias no funcionamento das organizações, por meio da

implantação de sistemas de gestão.

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As normas internacionais ISO 9001 a 14001 apontam, entre outras

recomendações, a necessidade de organizar corpus de documentos de qualidade

nas empresas para que estas tenham documentos representativos das ações de

seus negócios. Embora recomendem a busca de qualidade dos documentos, essas

normas não especificam o que vem a ser “documento com qualidade”. As

recomendações obrigam as empresas e instituições arquivísticas a pensarem as

questões relacionadas à conservação, tratamento e comunicação dos documentos

que nascem de atividades diversas. Para isso, recomendam ações que visam

controlar o tempo de vida dos documentos (DUCOL, 2006).

A norma ISO 15489A precisa as diretrizes de como deve ser uma gestão de

documentos voltada para a qualidade.

A primeira edição da norma ISO 15489 Information and documentation,

“records manangement” foi lançada em 2001. Esta teve origem na norma AS 4390

“records management”, criada pelo governo da Austrália, em 1996, proposta pela

ISO como norma internacional.

Segundo Couture e Roy (2006), a adoção dessa norma pelos arquivos não foi

pacífica, pois as questões a respeito de vocabulário, histórico e modelos de gestão a

dificultaram, sendo criado um comitê técnico para avaliar os problemas e realizar

adaptações para sua admissão como norma internacional “records management”.

Em 2001, foi lançada a sua primeira edição, com as diretrizes para normalizar

as práticas de gestão da informação no ambiente de multiplicação crescente de

documentos e uso da informática na criação, tratamento, armazenamento e

conservação dos documentos. O acolhimento de uma norma internacional é

necessário no contexto da mundialização, em que as relações comerciais, de

produção e fusões entre as empresas têm consequências importantes na gestão dos

documentos por elas produzidos (White-Dollmann 2004).

Em 2016 foi publicada uma atualização da norma. Após mais de dez anos de

apresentação da primeira edição, constata-se a necessidade de mudanças,

principalmente em relação aos conteúdos digitais.

Para Convery (2016), a principal atualização refere-se aos metadados, um

importante mecanismo de controle dos documentos. Apesar de não especificar a

adoção de nenhum modelo, destaca a necessidade de interoperabilidade dos

documentos com os diversos agentes.

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Outra mudança relaciona-se aos comentários a serem acrescentados para

acompanhar a avaliação contínua do documento nos negócios.

A definição de records management, apresentada na norma ISO 14589-1

2016 (ISO, 2016), estabelece o campo da gestão como responsável pelo controle

sistemático e eficiente da criação, recebimento, manutenção, uso e comunicação

dos documentos; inclui, ainda, processos para a captura e manutenção das

evidências e informações sobre as atividades e transações comerciais sob a forma

de documentos.

O objetivo da gestão de documentos é gerenciar a produção e a conservação

dos mesmos, com os critérios de autenticidade, confiabilidade e integridade, para

que possam ser utilizados a fim de promover eficiência e eficácia aos negócios.

O conceito de autenticidade de um documento está relacionado à sua

capacidade em ser prova de algo, enquanto a confiabilidade está relacionada à sua

capacidade de representar completamente e de forma precisa as atividades ou

operações nele retratadas. A integridade relaciona-se à sua proteção contra

alterações não autorizadas. A interoperabilidade deve garantir que o documento

possa ser usado em todos os momentos e ser identificado, recuperável e

comunicado sempre que necessário. O formato ou o meio no qual ele é mantido

deve permitir a sua reutilização pelo tempo necessário.

A norma de gestão de documentos não especifica ações, operações ou

ferramentas a serem usadas na gestão de documentos, mas identifica cinco

características específicas para controle do processo do sistema de gestão, desde a

produção do documento até o seu uso efetivo ou descarte, após cessada sua

necessidade na organização. São elas:

Confiabilidade: o sistema deve garantir que os documentos produzidos como

partes de uma atividade devem ser criados de modo a serem fonte de

informação. Para tanto, deve informar e dar acesso aos documentos e às

informações nele contidas, incluindo os metadados, que precisam ser

integrados ao sistema e organizados de modo a refletir as operações do

produtor, preservando o máximo de informações sobre seu contexto de

produção. O sistema deve acompanhar a trajetória do documento sem afetar

suas características básicas, sem necessidade de alterá-las no caso de

transferência ou migração,

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Integridade: o sistema deve prover medidas de controle sobre a identidade

dos usuários, como os direitos de acesso, modificação e remoção de

documentos. Mecanismos de segurança em geral devem ser desenvolvidos e

implementados para evitar o uso não autorizado do sistema.

Conformidade: o sistema deve atender aos requisitos decorrentes das

atividades de negócios com base nas legislações, regulamentos, normas e

práticas a ele referentes.

Âmbito de aplicação: deve ser definido no sistema o alcance e a

determinação das atividades que serão integradas. A integração pode ser

feita em etapas e por processo ou setor, ou definida em função do negócio.

Caráter sistemático: a gestão de documentos, assim como seus processos e

procedimentos, devem ser implementados em conjunto, a fim de sistematizar

os métodos de produção e conservação. Os processos e procedimentos

devem ser específicos e aplicados em todos os casos.

2.7.3 Implantação da gestão de documentos

As atividades da gestão de documentos estão relacionadas ao controle do

seu ciclo de vida, no período de tempo em que ficarão sob a custódia da

organização. O ciclo de vida compreende: a criação e recepção, a manutenção, o

uso, a disponibilidade e a comunicação do documento.

Para cumprir as funções da gestão, é necessário que a organização defina

métodos, atividades e papéis de suporte ao processo de organização dos

documentos. De acordo com a norma ISO 14589-1(ISO 2016), esse conjunto de

medidas deve compreender as seguintes funções:

a) criação, aprovação e reforço das diretrizes de armazenamento, incluindo

sistemas de classificação e uma política de conservação de documentos,

desde seu nascimento;

b) criação e manutenção de um plano de classificação de documentos que

inclua a localização a curto, médio e longo prazo dos arquivos físicos e

digitais;

c) identificação dos documentos existentes e aqueles recém-criados, sua

classificação e armazenamento, segundo os procedimentos em vigor.

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d) coordenação do acesso aos documentos de arquivos e sua circulação, dentro

da organização;

e) eliminação de documentos dos arquivos, segundo as orientações,

necessidades operacionais, funções e critérios jurídicos.

De acordo com a norma ISO 14589-1 (ISO, 2016), os elementos que devem

ser contemplados em uma política ou diretriz da gestão de documentos são:

a) o ciclo de vida dos documentos: definição, função, regras de criação, de

tramitação, localização física, armazenamento, manuseio;

b) a definição dos instrumentos de controle do ciclo de vida dos documentos:

TDD, plano de classificação. Regras de elaboração, atualização, inclusão e

responsabilidades pela gestão desses instrumentos;

c) definir regras de avaliação dos documentos e dos instrumentos da GD:

câmara técnica de documentos, câmara técnica de avaliação de documentos;

d) definir modelos de formulários de gerência da GD: formulários de

transferência, recolhimento, eliminação, acesso;

e) definir políticas de preservação e conservação dos documentos em toda a

cadeia de uso e em todos os meios;

f) definição de sistemas de recuperação da informação: escolha de

equipamentos computacionais de hardware e software, participação da

elaboração de políticas de gestão da tecnologia de informação do sistema;

g) equipe de trabalho: profissional da informação, historiadores, conservadores,

profissionais de informática, do direito.

2.7.4 Avaliação de documentos

A avaliação, seleção e destinação de documentos talvez sejam as mais

complexas atividades de gestão. Desenvolve-se mediante a análise e avaliação dos

documentos acumulados, com vistas a estabelecer prazos de guarda, arquivamento

permanente e eliminação, por terem perdido seu valor de prova e de informação

para a instituição.

Le tri, (le triage), “separação do trigo do joio”, como denominam os franceses,

é a operação que implica uma enorme responsabilidade para o arquivista, na

medida em que um documento destruído jamais poderá ser reconstituído.

(MALHEIROS DA SILVA, 2000). Compreende um trabalho interdisciplinar que

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consiste em identificar valores para os documentos (imediato e mediato) e analisar

seu ciclo de vida, com vistas a estabelecer prazos para sua guarda ou eliminação,

contribuindo para a racionalização dos arquivos e eficiência administrativa, bem

como para a preservação do patrimônio documental.

Tem também o objetivo de refletir sobre a produção documental; racionalizar

espaço, estabelecer valor ao documento e contribuir para a criação do arquivo

histórico ou arquivo permanente.

Como vantagens da aplicação da avaliação, Bernardes (1998) aponta que a

redução da massa documental é o principal objetivo alcançado por ela, além de

outros como: agilidade na recuperação e nas informações, eficiência administrativa,

melhor conservação dos documentos de guarda permanente, racionalização da

produção e do fluxo de documentos.

A tabela de temporalidade é a principal ferramenta usada na gestão para

proceder à seleção e descarte racional, e resulta de avaliação administrativa e

científica dos documentos dos arquivos. É o ponto de junção que permite à

arquivística contemporânea intervir sobre todos os documentos de arquivos, desde a

sua criação até a sua eliminação ou guarda permanente. (Rousseau; Couture,

1998) .‏

2.8 DESCRIÇÃO DE DOCUMENTOS ARQUIVÍSTICOS

A descrição arquivística constitui-se na representação intelectual e material,

que identifica precisamente uma unidade arquivística e permite a sua localização e

utilização. (NOUGARETH, 1999).

A arquivística tradicional, nos manuais de prática de organização dos

documentos, reconhece na atividade de descrição o caminho e os procedimentos a

serem seguidos para a elaboração dos instrumentos de pesquisa. Esses

procedimentos são norteados pelos princípios arquivísticos da territorialidade, da

proveniência e do ciclo de vida dos documentos.

A arquivística contemporânea busca tratar a atividade de descrição como um

processo acima da classificação tipológica e a vê como uma atividade pertinente a

qualquer tipo de arquivo, seja na gestão dos documentos que nascem na

organização, seja em massas de documentos recolhidos aos arquivos permanentes.

Ao longo da evolução arquivística, a descrição vem sendo progressivamente

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regulamentada, o que possibilita afirmar, atualmente, que se trata de uma atividade

consolidada, principalmente por possuir um conjunto de normas internacionais que a

regulamentam.

O objetivo neste trabalho, ao se discorrer sobre a descrição arquivística, não

foi o de reproduzir os diferentes manuais adequados às tipologias de arquivos e

tipologias de documentos, mas a tentativa de se conhecer um pouco mais as

implicações decorrentes da descrição nos arquivos e as diretrizes importantes que

podem ser observadas sobre esta temática.

Um primeiro ponto observado é a definição dos elementos de descrição que

atendem aos princípios arquivísticos. O que é preciso informar sobre cada unidade

de descrição? O que é pertinente identificar para as diversas instâncias

administrativas? De que forma? Qual a ordem lógica adequada? O que informa

sobre o documento para os usuários? Essa preocupação por parte dos arquivistas é

tão antiga quanto os arquivos e remonta ao registro e controle de índices, da

antiguidade clássica até a contemporaneidade.

A necessidade de registrar as informações sobre os documentos existentes

nos arquivos é fundamental para a própria prática arquivística. Conforme apontam

Rousseau e Couture (1998) são “unidades de trabalho” ou meios de abordar a tarefa

de tratar os documentos que, segundo os autores “situa-se, pois, no coração dos

próprios fundamentos da disciplina. Aplicam-se ao conjunto das suas funções, pouco

importando a idade, a natureza ou o suporte dos documentos” (p. 132).

A arquivística moderna nasce da tradição dos manuais de trabalho, do

manual dos holandeses. A publicação de 1898, de Muller, Faith e Fruin, nasce da

inquietação dos arquivistas holandeses com os rumos que a organização da

informação nos arquivos estava tomando. Cada qual, independentemente e

isoladamente, fazia sua interpretação de como realizar a organização das

informações em arquivo. A tradição manualista denota justamente a tentativa de

impor um método de trabalho, principalmente quando cada um pensava a

organização do seu acervo de forma própria.

Hornsman, Ketelaar, Thomassen (2003) retomam a história de nascimento do

manual dos holandeses para entender como se deu a evolução da elaboração das

regras nele contidas e a formulação dos princípios que regem a arquivística

moderna. Com o manual dos holandeses, surgem as bases para o princípio da

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preservação da ordem original como fundamento para a organização e o tratamento

dos documentos.

Em outra tentativa, vem da escola arquivística tradicional francesa, os

prenúncios do princípio de respeito aos fundos, quando é publicado o decreto de 24

de abril de 1841, com instruções ministeriais para colocar em ordem e classificar os

arquivos departamentais e de comunas, de modo a formar coleções provenientes de

um mesmo corpus, de um mesmo estabelecimento, de uma mesma família ou

indivíduo, sem misturá-los. (DIRECTION DES ARCHIVES DE FRANCE, 1999).

Assim como a teoria das três idades ou ciclo de vida dos documentos, que

regulamenta o tratamento dos documentos correntes, obedecendo ao seu ciclo de

vida na organização, com base no valor, que é definido pela identificação de

produtor, origem, data, intenção, conhecidos com a descrição desses elementos nos

diversos instrumentos de busca dos arquivos.

Nasceram dos manuais de prática da organização de descrição dos

documentos os princípios fundamentais da arquivística, corroborando a afirmativa de

Rousseau e Couture (1998) sobre ser essa atividade o coração da arquivística

moderna.

Quanto à descrição nos arquivos, vários elementos da fundamentação da

disciplina arquivística são retomados, o que demonstra a característica nuclear do

tema. Conforme Rousseau e Couture (1998):

Com efeito, a noção de ciclo de vida, de valor primário ou secundário dos documentos, de cadeia documental, de dossiê, de classificação interna e externa dos fundos, até mesmo a de avaliação, tornam-se todas, por uma razão ou por outra, corolário do conceito de unidade de trabalho, ele próprio ligado ao princípio da universalidade. (p.132).

No modelo de descrição dos canadenses, segundo Rousseau e Couture

(1998), para desenvolver qualquer atividade normativa de descrição de documentos

de arquivos, é necessário reconhecer uma hierarquia de instâncias que se inicia com

o que eles chamam de patrimônio arquivística, até chegar ao dado informacional. A

descrição é o processo de situar e reconhecer as várias instâncias nas quais o

documento, ou conjunto de documentos, está inserido, para conferir a noção de

pertencimento; explicita as relações do documento com outras instâncias ou

tipologias documentais, dentro e fora do arquivo ao qual pertence.

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Com isso, cumpre-se a função primária da descrição arquivística, a de

reconhecer um registro de informação como um documento de arquivo com as suas

características e funções. No modelo de Rousseau e Couture (1998) constam os

seguintes conceitos:

a) patrimônio arquivístico comum: é a instância máxima onde se situa o arquivo

(arquivo nacional, estadual, municipal, central), dependendo da

particularidade de cada instância. O reconhecimento de identidade para

proceder à descrição vem dessa instância; portanto, as regras, normas e leis

que devem ser respeitadas na descrição são definidas, regulamentadas e

atualizadas por essas instâncias;

b) arquivos de um estado: esta é a instância arquivística do governo, seja

estado, federação ou município ao qual o arquivo pode estar ligado;

c) arquivos de um organismo: a instituição ou órgão que tem objetivos comuns e

onde se situa ou a quem pertencem os fundos arquivísticos;

d) grupo de arquivos: conjuntos de fundos arquivísticos de natureza idêntica ou

da mesma área temática;

e) fundo de arquivo: conjunto organizado de documentos resultante da aplicação

do princípio da proveniência, que pode conter subdivisões;

f) série: organização da estrutura interna do fundo. É a organização de

unidades de informação com base na função, atividade, assunto, conforme

estabelecido por um plano de classificação. Pode ter subdivisões;

g) unidade de instalação: é o local ou a estrutura ou o modo como se faz a

junção das peças arquivísticas; pode ser caixa, registro, processo, disco,

volume, etc. O dossiê é um conjunto de peças, documentos ou dados,

constituído organicamente com base no assunto;

h) peça: a unidade arquivística indivisível, que integra o dossiê. Pode conter

vários documentos;

i) documento: um suporte ou peça com conteúdo de informação registrado;

j) dado informacional: a menor parte de representação informacional lógica ou

digital, que pode ser um nome, um número, um fato, um conceito. O dado é o

menor elemento da descrição arquivística, que em conjunto compõe o registro

de descrição arquivística.

A decisão quanto ao modelo de organização de conjuntos documentais é

baseada em vários fatores: a classificação do arquivo, os tipos de documentos, o

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histórico de recolhimento do documento, os objetivos da organização do conjunto

documental. Os dois modelos mais comuns tomam como base o fundo e a coleção.

No modelo denominado fundo arquivístico, a organização segue o princípio

da proveniência, sendo os fundos constituídos com base na estrutura organizacional

ou em função ou atividade. Fundo é definido no Dicionário Brasileiro de Terminologia

Arquivística (2005) como “o conjunto de documentos de uma mesma proveniência.

Termo que equivale a arquivo” (p.97).

Aqui, denominou-se fundo de arquivo a um conjunto de documentos de toda

natureza, constituído de maneira orgânica por uma pessoa física ou moral (o

produtor do fundo) no exercício das suas atividades (NOUGARET, 1999). Por

exemplo, “Arquivo da Secretaria Municipal de Cultura”, equivale a dizer que dentro

de um arquivo municipal da cidade, onde se encontra essa secretaria, há um fundo

arquivístico onde são localizados fisicamente os documentos da referida Secretaria,

para onde são recolhidos os documentos dentro do seu processo de gestão. Essa

mesma informação será descrita nos conjuntos de documentos tratados nesse

fundo.

Segundo Nougaret (1999), o fundo de arquivo não é uma reunião artificial de

documentos, nem uma criação da arquivística para facilitar o trabalho. Ele resulta

das atividades de uma pessoa física ou moral que produz e recebe documentos. O

quadro de fundo, que é uma ferramenta que retrata a estrutura dos fundos

arquivísticos, serve como instrumento para entender a organização e como

ferramenta de localização de fundos e documentos. Os franceses o denominam

Quadro de Classificação de Fundos ou “Cadres de classement”, entendido como um

plano preestabelecido da repartição de fundos no interior dos arquivos e as

correspondentes divisões e subdivisões em séries e subséries, quando for o caso.

Outro modelo de organização é a “coleção”, como “conjunto de documentos

com características comuns, reunidos intencionalmente” (DICIONÁRIO BRASILEIRO

DE TERMINOLOIGA ARQUIVISTICA, 2005, p.52), cuja definição é mesma da

norma ISAD (G) (2006). Esse modelo se aplica a diversas situações, sendo usado

predominantemente naquelas em que o fundo arquivístico é desconhecido ou de

difícil determinação.

Para manter a organicidade dos documentos, o modelo de organização por

coleção apresenta-se como solução viável. O assunto organização com base na

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coleção foi analisado no item sobre a descrição arquivística e serve como

instrumento para conhecer e acessar o conjunto documental.

Em ambos os modelos, o arquivista deve decidir, com base em evidências

que justifiquem e fundamentem sua decisão, criar e nomear fundos e coleções. Os

modelos são decisões interpretativas que, ao longo do tempo, podem se sustentar

enquanto modelos de organização ou podem sofrer revisões e alterações, como no

caso de fundos fechados, quando cessam as atividades de um setor ou este muda

de nome ou estrutura e decide-se por encerrar o recolhimento de documentos para

aquele fundo e abrir outro. Esses dois modelos são motivo constante de discussões

e interpretações que afetam diretamente o processo de organização e tratamento de

arquivos.

Os modelos de descrição arquivística a serem adotados nos arquivos em

geral utilizam as hierarquias de instâncias de identificação dos documentos,

realizando as devidas adaptações ou traduções da nomenclatura mais adequadas a

cada arquivo.

Os profissionais de arquivo devem adotar modelos genéricos ou específicos

de descrição, de acordo com cada instituição, tipo de acervo, ciclo de vida do

documento, mas, em geral, esse modelo acompanha as diretrizes da descrição

arquivística, por retratarem os princípios que regem os procedimentos da

organização e tratamento dos arquivos.

2.8.1 A normalização da descrição

Um segundo tema abordado nos estudos sobre a descrição arquivística é a

padronização ou normalização das atividades de descrição arquivística.

A padronização internacional de descrição arquivística ficou a cargo do ICA,

Conselho Internacional de Arquivos. Em 1994, publicou a primeira edição da Norma

Internacional de Descrição Arquivística (ISAD-G), cuja versão brasileira é a

NOBRADE. Essa norma contém parâmetros de descrição de “documentos em todo

e qualquer suporte, respaldada em procedimentos metodológicos já implementados,

bem como definindo um universo de elementos de descrição para registro de

informações tradicionalmente recuperadas” (NOBRADE, 2006, p.7).

A norma ISAD (G) tem como objetivo: “identificar e explicar o contexto e o

conteúdo de documentos de arquivo, a fim de promover o acesso a eles. Isso é

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alcançado pela criação de representações precisas e adequadas e organização

dessas representações de acordo com modelos predeterminados” (NOBRADE,

2006p. 11).

A Norma esclarece, ainda, que os "processos relacionados à descrição

podem começar na, ou, antes, da produção dos documentos e continuar durante a

vida” (NOBRADE, 2006p. 11). Isso mostra a relação da normalização com as

atividades de gestão e controle do ciclo de vida dos documentos.

A gestão de documentos dispõe de um instrumento que pode auxiliá-la a

garantir a integridade e autenticidade dos mesmos, por meio das informações neles

descritas, desde sua criação. Isso pode ser confirmado na introdução da norma, que

aponta que em qualquer estágio de sua vida, “as informações sobre o documento

permanecem dinâmicas e podem ser submetidas a alterações à luz de maior

conhecimento de seu conteúdo ou do contexto de sua criação” (ISAD (G), 2006, p.

11). Portanto, à medida que o documento sofre alterações físicas, de uso ou de

conteúdo, a descrição arquivística também é alterada.

Habitualmente, a descrição arquivística procede do geral para o específico, ou

do fundo para o item documental. A norma pode ser adotada para qualquer nível de

descrição.

Na versão brasileira da ISAD (G), são definidos 28 elementos de descrição

para descrever os fundos arquivísticos, uma série, subsérie, um dossiê, um

documento ou toda unidade descritiva e de gestão de documentos,

independentemente da natureza ou tipo de arquivo.

Esses elementos são agrupados em oito áreas: identificação,

contextualização, conteúdo, condição de acesso, fontes relacionadas, notas,

controle da descrição e pontos de acesso.

Dos 28 elementos, sete são obrigatórios para qualquer nível de descrição:

código de referência, título, datas, nível de descrição, dimensão e suporte, nome do

produtor e condições de acesso.

A norma ISAAR (CPF), Norma Internacional de Registro de Autoridade

Arquivística, complementar à primeira, ISAD (G), regula a descrição do produtor,

entidade fundamental para identificar o contexto dos documentos. O objetivo é

estabelecer regras para descrever os produtores dos documentos de maneira

independente, mas ligada à descrição prevista na norma ISAD (G). Essa tática

auxilia os eventuais rearranjos e reagrupamentos de documentos e suas ligações

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com o produtor; auxilia a controlar as mudanças erráticas de nomenclatura de

órgãos e entidades; auxiliam na adoção de nomenclatura comum de entidades,

produtores, órgãos e famílias e toda a hierarquia administrativa a que o arquivo

possa estar ligada.

A norma não define regras específicas de criação de nomes ou formas

autorizadas de nomes; ela se refere às regras de conversão nacional e internacional

para registros de entidades e autoridades.

A segunda edição da ISAAR (CPF) tem o objetivo de facilitar os processos de

interoperabilidade entre os sistemas com a preocupação de estabelecer ligação

entre os itens autorizados, para facilitar as trocas de informação entre os arquivos e

as entidades a eles ligadas.

Foram publicadas posteriormente a versão da ISAAR (CPF) para entidades

coletivas, pessoas e famílias (ISAAR-CFG) e a Norma Internacional para Descrição

de Funções (ISDF), com os mesmos objetivos de complementaridade da norma

ISAAR (CPF) para as funções administrativas. Depois, vieram as normas EAD

(Encoded Archival Description) e a EAC – CPF (Encoded Archival Context –

Corporate Bodies, Person, Families) para documentos em meio digital, que foi

desenvolvida inicialmente pela Associação dos arquivistas norte-americanos. Segue

o mesmo princípio da ISAD (G) de padronização da descrição, mas o principal

objetivo é codificar os instrumentos de pesquisa em linha, para que as relações

hierárquicas entre as diferentes unidades de documentos que compõem um fundo

possam ser relacionadas com outras unidades nas redes de computadores.

A descrição arquivística, em termos de instrumentalização prática, caminha

para a adoção de padrões de normalização cada vez mais unificados

internacionalmente. Como pontua Fonseca (2010), “a visão atual não é a criação de

mais normas, mas sim de divulgação e treinamento dos profissionais naquelas

existentes, bem com a explicitação das relações entre todas essas ferramentas

existentes” (p.259).

O uso das tecnologias de informação para a construção de sistemas de

recuperação de informação em arquivos auxilia a popularizar o uso de normas de

descrição, mas as peculiaridades das instituições arquivísticas e a diversidade de

tipologias documentais é uma barreira na busca de padronização, uma vez que esta

nem sempre atende às especificidades de cada arquivo.

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2.8.2 As normas de descrição arquivística – Histórico de criação

O Conselho Internacional de Arquivos (ICA) é o órgão responsável

mundialmente por discutir e propor a criação de normas internacionais de arquivo.

Esse trabalho teve início em 1988, em Ottawa, a convite de Harold Naugler,

responsável pelo ICA Automation Committee, juntamente com o Arquivo Nacional do

Canadá. Foi constituído um grupo de especialistas de arquivos, de vários países,

para discutir a criação de uma norma internacional de descrição arquivística (ICA,

2015), conforme descrito na história de criação do comitê.

O principal motivador para o início das discussões sobre a criação de uma

norma internacional foi o processo de automação dos arquivos que, na década de

1980, começam a adotar as tecnologias de informação e comunicação em larga

escala. Tal fato provocou o surgimento de várias iniciativas de projetos de

desenvolvimento de sistemas informatizados para a gestão e descrição em arquivos.

Isso cria a necessidade de troca de informações para o trabalho com as tecnologias

emergentes, como o desenvolvimento de bancos de dados e criação de ferramentas

de recuperação da informação. Devido às experiências de automação em outros

equipamentos como bibliotecas e museus, sabe-se que a automação exige

consistência na abordagem e nos procedimentos a serem automatizados.

Outro motivador para a criação de normas internacionais de padronização da

descrição surgiu da necessidade de troca de informações descritivas sobre os

acervos arquivísticos, principalmente para beneficiar arquivistas e usuários que

lidam com as possibilidades de ampliar as fontes de pesquisa, por meio do acesso

às informações descritivas de outros acervos. Para que as informações sobre outras

acervos possam ser devidamente intercambiadas, é necessário adotar um padrão

da descrição que possibilite a comunicação entre os acervos de diferentes arquivos.

Vários países buscaram soluções para o uso de sistemas informatizados nos

arquivos, fato que provocou o surgimento de uma diversidade de modelos de

descrição. Países como o Canadá e a Austrália são exemplos de iniciativas próprias

de desenvolvimento de normas e padrões de descrição de seus acervos

arquivísticos. São países com práticas de gestão de acervos correntes, concretos e

efetivos.

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Definidas as necessidades e questões pertinentes sobre o tema, o grupo

defendeu a criação de um comitê internacional para estudar a criação das normas, o

ICA, juntamente com a UNESCO, que sediou em 1989 o encontro em Paris.

Em 1990, em reunião na Alemanha, os integrantes desenvolveram uma

Declaração de Princípios de Descrição Arquivística, que foi revisada posteriormente

em 1992, em uma reunião realizada na Espanha, tendo sido oficialmente aprovada

em setembro de 1992, em reunião anual do ICA, em Montreal.

Em meio a discussões e divergências, principalmente em relação ao ponto de

partida, foi criada uma subcomissão composta por Wendy Duff, do Canadá, Michael

Cook, Reino Unido, Sharon Thibodeau, Estados Unidos, e Hugo Stibbe, do Canadá

para elaborar a primeira versão da norma ISAD (G). O projeto da norma foi

apresentado e aprovado em uma reunião em Madri em 1992 e traduzido em cinco

línguas.

Em 1993, em uma reunião em Estocolmo, foram acolhidas críticas e opiniões.

Em 1993, em Madri, o ICA publicou o documento com o título de ISAD(G): General

International Standard Archival Description, adotada pela Comissão Ad Hoc sobre

Padrões Descritivos, em Estocolmo, Suécia, aprovado no Canadá em 1994.

No prefácio da norma está prevista a revisão a cada cinco anos. Desde 1997,

a comissão ad hoc passou a ser um comitê permanente que se ocupa da revisão

constante das normas, no ICA.

Em 1996, no congresso internacional do ICA, em Pequim, foi publicada a

ISAAR (CPF), norma internacional de registro de autoridade arquivística para

entidades coletivas, pessoas e famílias.

Durante o desenvolvimento da ISAD (G), percebeu-se que não somente a

descrição do material arquivístico ou da unidade arquivística necessitava ser

padronizada. A norma oferece os pontos de acesso que são os produtores do

documento (pessoa ou entidade). Estava claro que a descrição dessa entidade

também poderia ser alvo de padronização. Foi com esse intuito que a norma ISAAR

(CPF) foi criada, para estabelecer padrões de descrição de pessoas e entidades

produtoras dos documentos.

A norma ISAD (G) menciona a necessidade de controle de autoridade como

ferramenta para padronizar a descrição desses pontos de acesso. Segundo o ICA

(2015), para o desenvolvimento de uma norma internacional, o comitê de elaboração

de normas baseou-se em pesquisas relacionadas a registros de autoridade

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arquivística, em andamento no Canadá e nos Estados Unidos, bem como registros

internacionais de autoridade que foram realizados pela Federação Internacional de

Bibliotecas Associações e Instituições (IFLA), nos anos 1970 e 80, como fontes de

orientação para entradas de autoridade e de referência (IFLA, 1984).

Após o processo de definição de um documento prévio, houve a

incorporação de sugestões e modificações à norma ISAAR (CPF): Norma

Internacional de registro de autoridade arquivística para entidades coletivas,

pessoas e famílias, em Paris, em novembro de 1995.

Como forma de continuar a atualização das normas arquivísticas, o ICA criou

em 2004 o Comitê de Boas Práticas e Normas (CPBS). Esse comitê centralizou

todas as discussões sobre a criação e atualização de normas dentro do ICA. O

órgão constatou que existem, dentro dos vários comitês do ICA, projetos e

discussões relacionadas à criação de normas, mas eram iniciativas dispersas. Com

a criação do CPBS, a tarefa de estudar e elaborar normas para toda a área de

arquivos, e não somente da descrição, ficou sob responsabilidade desse comitê.

Em seguida, foram publicadas as atualizações da ISAAR (CPF), em 2004. Foi

criada a norma ISDF, Norma internacional para descrição de funções e a ISDIAH,

Norma Internacional para descrição de instituições com acervo arquivístico. Essas

duas normas complementam o princípio de criação da ISAAR (CPF) de direcionar a

normalização de nomes de funções e instituições, principalmente como ferramentas

de apoio à criação de catálogos de acervos arquivísticos em linha e a troca de

informações via sistemas de descrição em linha.

Em resumo, as normas destinadas à descrição e o histórico de sua criação

demonstram a preocupação com que o ICA vem tratando este tema, de suma

importância, principalmente com o crescimento da quantidade de documentos, dos

sistemas de informação nos arquivos, dentre outros, que demandam um trabalho

compartilhado de padronização.

Quadro 1 – Normas de descrição elaborado pelo ICA – (1989-2008)

NORMA EDIÇÃO DESENVOLVIMENTO PUBLICAÇÃO

DECLARAÇÃO DE

PRINCÍPIOS

1989-1992 1992

ISAD (G) 1.ed. 1990-1993 1994

ISAAR (CPF) 1.ed. 1993-1995 1996

ISAD (G) 2.ed. 1996-2000 1999

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ISAAR (CPF0 2.ed 2000-2004 2004

ISDF 1.ed 2005-2007 2007

ISDIAH 1.ed 2005-2008 2008

FONTE: adaptado de Gueguen, et al. 2013

A discussão sobre os benefícios da adoção de normas internacionais pelos

arquivos apresenta defensores e críticos. Uma autora, entre os que defendem os

benefícios, é Sibille de Grimouard (2012), que ressalta que os profissionais de

arquivo encontram nas normas um modelo de representação de entidades

arquivísticas na concepção de sistemas de descrição arquivística.

O modelo é baseado nos princípios fundamentais da arquivística como o

princípio de proveniência e de respeito aos fundos e, o mais importante, possibilita a

descrição em diferentes níveis, realizados separadamente, porém, ligados aos

contextos de produção dos documentos. A autora destaca que a adoção das normas

auxilia o trabalho do profissional de arquivo em âmbito nacional e internacional,

elevando o nível de qualidade do trabalho e possibilitando a melhoria do processo

de comunicação entre os profissionais, os arquivos e os usuários.

Outros autores, a exemplo de Cook (2007), em análise sobre a descrição

arquivística e a crítica textual, apontam que a descrição para definir a autenticidade

do documento, de acordo com norma ISAD (G), que separa a informação de

contexto da informação de conteúdo “falha em apoiar o processo integralmente ao

não lidar especificamente com a informação que estabeleceria a autenticidade”

quando essa informação está fora dos elementos de forma ou conteúdo.

Grailles e Ducol (2012), por sua vez, apontam a necessidade de treinamento

de profissionais para trabalhar com as normas. Destacam a dependência do

profissional de uma rede de sustentação para a descrição, que se configura como

uma atividade a mais a ser incorporada à administração dos arquivos.

A gestão de documentos apresenta problemas de implantação porque afeta

toda a hierarquia institucional; necessita, portanto, da adesão de toda a organização

nos aspectos relativos aos recursos financeiros, cultura organizacional e barreiras

tecnológicas. (Bruebach, 2007).

O que pode ser inferido sobre a descrição de arquivos é que não é possível

pensar em item documental sem necessariamente conectar esse item a uma cadeia

maior que, segundo Rousseau e Couture (1998), e também Nougareth (1990)

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contempla a ideia de patrimônio arquivístico comum. Toda concepção de descrição

procura conectar os dois elementos básicos, o item e o patrimônio arquivístico

comum, compostos pelos arquivos que formam o patrimônio nacional dos

documentos de um estado, de uma entidade administrativa ou governamental.

Assim, a descrição pode conectar um grupo de arquivos, um fundo de

arquivo, uma série, uma unidade de instalação ou o lugar que deve ocupar o dossiê,

a peça, o documento, o dado informacional. Para viabilizar essas conexões, a

Arquivística se desenvolve enquanto disciplina científica com suas ferramentas e

princípios, enquanto a normalização promove a integração de arquivos sem limites

de acesso.

2.9 DIPLOMÁTICA ARQUIVÍSTICA

Os documentos de arquivo antigos ou contemporâneos devem ser tratados

levando-se em conta a sua natureza, a finalidade, os objetivos e a função. Quando o

assunto tratamento dos documentos de arquivo é abordado, deve-se falar da

Diplomática, que compõe o arcabouço de conhecimentos para estudos da forma e

escrita utilizados, na prática, para assegurar as evidências e os atos dos

documentos de arquivo.

Duranti (1989), afirma que a Diplomática nasce no contexto da Reforma e

Contra-Reforma do século XVII como um método sistemático, que foi desenvolvido

para determinar a autenticidade dos registros. A publicação de De Re Diplomatica

em 1681 - O tratado de Dom Jean Mabillon, religioso beneditino e históriador

francês, fornece os instrumentos para avaliar a conformidade dos elementos de um

documento estabelecendo assim a sua autenticidade. A diplomática surge no

contexto do empirismo e torna-se um instrumento de apoiou à filosofia do empirismo

racionalista. A diplomática preparou o caminho para o desenvolvimento do conceito

de evidência como inferência de regras do direito. Com essa regra, os documentos

apresentados como prova no tribunal são boatos, pois contêm afirmações de fora do

tribunal. No entanto, em circustâncias em que não existem evidências concretas dos

atos em julgamento, os documentos recebidos ou mantidos no curso de atividades

ou eventos podem ser admitidos e considerados como prova. O trabalho de Dom

Jean Mabillon inaugura a crítica do documento de arquivo.

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Segundo Duranti (1987), a escola arquivística europeia tem sua

fundamentação teórica na Diplomática e na Paleografia, embora tenha incorporado

também a História, a Administração e o Direito. Já a escola arquivística norte-

americana tem suas bases na história e na história administrativa, embora ao longo

do seu desenvolvimento tenha dado especial atenção à diplomática e à paleografia,

pela necessidade de compreender o arquivo como um todo, composto de partes que

devem ser compreendias e controladas.

Os princípios, os conceitos e os métodos da diplomática são válidos e

reconhecidos universalmente e podem trazer a necessária sistematização,

objetividade e cientificidade para as pesquisas arquivísticas no tocante à forma, à

natureza e características dos documentos. Esta pesquisa ateve-se ao estudo da

diplomática nos aspectos relativos ao tratamento de documentos em arquivos

contemporâneos, que têm como objetos documentos da era moderna com suas

características próprias. Não se abordou a paleografia por ser uma disciplina

utilizada no tratamento de documentos históricos antigos, que são objetos de

tratamento em arquivos históricos.

No Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (2005), que apresenta

equivalências com os termos do Dictionnary of Archival Terminology, do Conselho

Internacional de Arquivos, CIA (1984, 1988, 2002), encontra-se a definição do termo

diplomática como sendo a “Disciplina que tem como objeto o estudo da estrutura

formal e da autenticidade dos documentos” (p.79). Uma definição bastante sucinta

que não esclarece os elementos de composição da diplomática.

Na definição do Vocabulaire International de Diplomatique (1997), elaborado

pela Commission Internationale de diplomatique da Europa, com termos que

abrangem preferencialmente a Idade Média e o início da Idade moderna, a

diplomática é definida como a ciência que estuda a tradição, a forma e a elaboração

dos atos escritos, com a finalidade de criticar, de julgar a veracidade e a qualidade

dos textos, de realçar fórmulas e os elementos do conteúdo suscetíveis de serem

utilizados por historiadores para datá-los.

A diplomática é considerada a ciência dos atos escritos e estuda sua

respectiva elaboração, forma e transmissão para julgar sua autenticidade e avaliar a

qualidade do texto escrito. A diplomática atua no exame crítico dos documentos para

compreender a história de sua elaboração e julgar sua autenticidade.

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A disciplina é dividida em diplomática clássica, que nasceu na época medieval

para se ocuparem dos pergaminhos, papéis antigos e raros e a diplomática

contemporânea, que se ocupa dos documentos atuais em suportes diferenciados, às

vezes instáveis e frágeis.

A diplomática contemporânea vem ao longo dos anos sendo fonte para a

definição dos elementos de descrição de documentos em meio digital, por meio da

definição e descrição dos metadados de documentos digitais.

Nos últimos anos, os estudos acerca da diplomática ganharam destaque na

literatura sobre a arquivística, dada a sua tradicional função de estudar a criação dos

documentos e dos desafios que a arquivística contemporânea vem encontrando

para tratar documentos de arquivo.

Um destaque dessa literatura é a publicação de Luciana Duranti, em 1989, no

periódico Archivaria, que pode ser considerado um marco nos estudos recentes

sobre a Diplomática. A publicação compõe-se de uma série de seis artigos que

examinam teoricamente a diplomática do ponto de vista da arquivística

contemporânea. O tema aparece com especial destaque na arquivística

contemporânea relacionada aos estudos com o documento digital para identificar

elementos de evidência, de forma, de qualidade dos documentos, de confiabilidade

e autenticidade (NOUGARET, 2016; DELMAS, 2010; DURANTI & THIB (2001);

DURANTI (1989). Para estes autores, a diplomática se constitui no corpo de

conhecimentos que define a identidade da arquivística contemporânea que,

juntamente com a paleografia, se constituem a base dos estudos de forma e de

escrita dos documentos.

Os princípios, os conceitos e os métodos da diplomática, validados

universalmente, trazem qualidade científica para a arquivística, como campo de

estudos, assim como outras áreas do conhecimento como a História, a

Administração, o Direito.

Segundo Delmas (2010), a finalidade da diplomática clássica “é facilitar aos

medievalistas o acesso aos documentos pela crítica, a autenticação, a análise

descritiva dos documentos de um conjunto.” (p.141). Na época clássica, as

dificuldades para se obter uniformidade em escritos, ou mesmo uma forma definida

e estruturada de documentos não era possível em virtude de vários fatores:

diversidade linguística, diferentes modelos de governo, a incipiente noção de direito,

cidadania e identidade cultural. Apesar das variações, a forma permaneceu bastante

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semelhante, sendo esta a fundamentação da diplomática clássica, o estudo da

forma escrita. Portanto, os documentos, para serem reconhecidos como autênticos e

aceitos como retratos de fatos e ações de governo, necessitam ser transcritos,

editados, traduzidos, certificados.

A diplomática define forma como um conjunto de regras de representação

utilizadas para enviar mensagens. A forma considera os elementos físicos e os

elementos intelectuais. “A forma física refere-se ao layout externo do documento (...)

e a forma intelectual refere-se à sua articulação interna” (DURANTI, 2015, p.197).

Os elementos da forma física são denominados elementos externos ou extrínsecos

e os elementos da forma intelectual, internos ou intrínsecos.

Segundo Nougaret (2016), os atos escritos são encontrados na realização de

um ato jurídico. Em outras palavras, em um ato jurídico, qualquer elemento escrito

de uma forma que lhe dê validade, que assegure a sua confiabilidade. Um ato

escrito autêntico é um ato que atende à forma requisitada e que possui as marcas

de validação necessárias para darem-lhe plena fé do conteúdo à pessoa que tem o

direito reconhecido de assinar e de reconhecer a sua autenticidade.

Na França se distingue a diplomática medieval, que se ocupa dos atos

escritos até o século XV, da diplomática contemporânea, que se atém aos tempos

atuais. O que caracteriza a mudança para a diplomática contemporânea é a

revolução documentária, em que o modo de produção do documento muda e

provoca uma avalanche de documentos nos arquivos. Como consequência desse

fato, e para que ele seja tratado, o modo de arranjo privilegia a organização por

grupo de documento e não por item documental.

A arquivística começa a se destacar em relação à diplomática enquanto área

que se ocupa do documento, em planejá-lo e prospectá-lo na sua respectiva criação.

A diplomática passa a ser uma ferramenta subordinada àquela, que vai auxiliar na

tarefa de coletar, tratar e comunicar os documentos.

Na fase de coleta, auxilia no reconhecimento de documentos autênticos e

válidos. Na fase do tratamento, contribui no reconhecimento dos elementos externos

e internos do documento. Se os arquivistas se enganarem no reconhecimento dos

elementos, os historiadores também se enganarão. Na fase de comunicar, vai

coadjuvar na identificação de documentos que podem e não podem ser acessados.

(NOUGARET, 2006).

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Segundo Duranti (2015), a diplomática se ocupa da forma física e de

conteúdo dos atos escritos. Forma é compreendida como um conjunto de regras de

representação utilizadas para enviar mensagens. A forma do documento considera

os elementos físicos e os elementos intelectuais. “A forma física refere-se ao layout

externo do documento (...) e a forma intelectual refere-se à sua articulação interna”

(p.197).

Os elementos da forma física são denominados externos ou extrínsecos e os

elementos da forma intelectual são denominados internos ou intrínsecos.

Os elementos externos são o suporte (papel), a apresentação do suporte

(folha, rolo, impresso, telegrama, carta, encadernado), a escrita, a disposição do

conteúdo.

Os elementos internos são a língua, o estilo, a organização interna do

discurso. O estilo pode revelar o nível de educação, o estilo administrativo.

A organização revela o modelo da escrita, por exemplo, uma carta que tem

um modelo de organização para apresentar os elementos: remetente, destinatário,

data, local, inicio, fim. Os elementos a serem identificados são:

a) o protocolo inicial: data, autor, destinatário;

b) o corpo do texto: motivo da escrita; objetivo do documento; discurso;

c) o protocolo final: assinatura, carimbo, que são os elementos de validade do

documento;

d) carimbo de chegada, mensagem de recebido;

e) itens que ficam à margem do documento: comentários, aceite, observações,

carimbo de origem. (NOUGARET, 2016).

A diplomática estuda a presença dos elementos internos e externos do

documento para elaborar um estudo da gênese ou origem dos atos escritos, com o

objetivo de reconhecer-lhe a validade jurídica e conferir-lhe autenticidade. A

diplomática analisa o documento ou conjunto de documentos na busca de

evidências que lhe confiram o caráter de autêntico.

Na busca por evidências, a diplomática estuda o conjunto detalhado e

minucioso dos traços de autoria, dos instrumentos de escrita, das formas de

transmissão dos atos para reconstituir o contexto, as distinções de cópia e original.

A arquivística, quando esbarrou na necessidade de tratar e organizar os

documentos em meio digital, se deparou com diversos problemas complexos e

difíceis de serem solucionados.

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Os estudos para resolver essas questões sobre como validar um documento

digital e como reconhecer a validade jurídica de documentos, para definir o que é

autêntico ou não, buscaram na arquivística elementos que pudessem ser usados

nessa tarefa. (NOUGARET, 2016).

A diplomática digital se ocupa em reconhecer os mesmos elementos externos

e internos para avaliar e assegurar a validade do documento digital. (VASSEUR,

2016). Os mesmos elementos externos e internos do documento físico são passíveis

de serem localizados no documento digital, porém, no caso deste, eles não são

suficientes para o estudo da sua autenticidade e validade no meio digital. Este vem

sendo o grande desafio da arquivística contemporânea, qual seja, o de estabelecer

os elementos que garantam a autenticidade do documento.

Os metadados digitais são os dados do documento que dizem respeito à sua

composição, estrutura, origem no meio digital. Os metadados digitais, quando

identificados, permitem traçar o percurso do documento no meio digital e reconhecer

os diversos elementos internos e externos. O conceito de rastreabilidade é essencial

para verificar a autenticidade do documento digital. Rastrear quer dizer ser capaz de

entender claramente o percurso de um documento no meio digital, para conhecer

sua origem, as alterações nele ocorridas, de onde partiu e aonde chegou, o tempo

de execução das ações nele envolvidas, as ligações com os outros documentos, ou

seja, traçar um histórico fidedigno da vida do documento.

Na diplomática digital entende-se que o tratamento do documento começa na

sua origem, uma vez que nesse meio todas as ações ocorridas com o documento

vão sendo descritas pelos metadados, que passam a ser os elementos que

identificam e representam o dado digital. A partir dos metadados é possível acessar

o dado em meio digital.

2.9.1 INTERPARES.

INTERPARES, The International Research on Permanent Authentic Records

in Electronic Systems, é um projeto coordenado pela pesquisadora Luciana Duranti.

Teve início em 1994 na universidade de British Columbia, Canadá. O projeto tem o

objetivo de desenvolver conhecimento teórico metodológico sobre a preservação de

conteúdos em meio digital e tem na diplomática digital e nos conhecimentos da

arquivística

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A primeira fase do projeto - INTERPARES 1 - aconteceu entre 1999 e 2001 e

teve como foco principal desenvolver pesquisas e estudos com os documentos

produzidos e mantidos em bases de dados e nos sistemas de gestão de

documentos. A fase 2, de 2002 a 2006, - INTERPARES 2 -. foco nos documentos

produzidos e/ou mantidos em programas interativos, experimentais e em ambientes

dinâmicos. O INTERPARES 3 denominado TEAM, “Theoretical Elaborations into

Archival Management: Implementing the theory of preservation of authentic records

in digital systems in small and medium-sized archival organizations”, tem o objetivo

de ampliar os conhecimento em projeto desenvolvidos pelos países participantes.

Na primeira fase do projeto, os pesquisadores exploraram o conceito de

documento para determinar as características de um documento digital com base na

arquivística e na diplomática. Segundo Duranti (2006) as duas áreas são

complementares: enquanto a diplomática examina registros como itens, permitindo a

identificação das características incorporadas aos documentos ao longo da sua vida,

a arquivística trata o documento como parte de conjuntos, examinando suas

relações com outros registros, com pessoas envolvidas na sua criação, as atividades

relacionadas e como e porque eles foram criados e usados. Ao final foi possível

elaborar um conjunto de características que identificam o documento digital que são:

Uma forma fixa onde o documento é armazenado de modo que permaneça

completo e inalterado;

Um conteúdo imutável

Ligação explicita com outros registros dento ou fora do sistema digital através

de um código de classificação ou identificador único

Uma identificação administrativa do contexto

Um autor, um destinatário e um escritor.

Uma ação em que o registro participa ou que o registro apoie como parte do

processo de tomada de decisão

Ao longo dos anos, o projeto definiu conceitos importantes relacionados aos

documentos digitais, tais como os elementos do documento autêntico, os elementos

de evidência no meio digital, os parâmetros de metadados para identificar e validar

documentos digitais, os parâmetros para uma disciplina que se ocupe da gestão dos

dados digitais da Diplomática digital forense. Todos os estudos procuram assegurar

o princípios arquivísticos para os documentos em meio digital.

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2.10 CLASSIFICAÇÃO NOS ARQUIVOS

A classificação é uma atividade que nasceu com a criação dos arquivos e

acompanha a evolução da prática arquivística. Sousa (2007) afirma que “uma função

tão importante merece estudos mais aprofundados, não apenas descritivos.

Precisamos de trabalhos que verticalizem teoricamente a questão” (p.79).

A classificação era praticada nos primórdios para gerar listas de documentos,

de títulos e de atos, organizadas cronologicamente ou por origem. Por vezes, o

resultado da classificação imprimia uma ordem subjetiva e interpretativa própria de

cada classificador. Alguns arquivistas eram partidários da ordenação cronológica, ou

temática, ou de lugar, o que poderia dispersar os conjuntos documentais.

Para corrigir o problema da dispersão, foi instituído o princípio de

proveniência, que se desdobrou no princípio de respeito à ordem original. Tais

medidas visavam coibir a prática da classificação temática, que poderia ocasionar

interpretações diferentes dos conjuntos documentais e provocar o caos no processo

de recolhimento de documentos.

Essa preocupação veio após a Revolução Francesa, quando se concretizou a

ideia de Estado moderno. Muitos dos novos Estados eram oriundos de reinos da

Monarquia que se dividiram ou se fundiram para criar o moderno Estado europeu.

Nesse novo modelo, o Estado passou a reconhecer o “novo” cidadão, com direitos e

deveres assegurados mediante a prática de regulamentação burocrática de registros

de todas as suas funções e obrigações.

Também foi criada uma grande quantidade de novas instituições de

administração do Estado, cujas funções estavam amparadas por registros em

documentos. Nesse panorama, o documento desempenhava a importante função de

certificar e garantir direitos aos cidadãos, além de servir de instrumento de

comprovação de ações das instituições, do Estado e dos cidadãos. Organizar os

documentos provenientes desse novo modelo de organização e lidar com a

quantidade crescente de documentos não era tarefa fácil. A classificação deveria,

pois, ser uma atividade facilitadora do uso dos documentos de arquivo.

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O princípio da proveniência visa disciplinar o processo de organização dos

documentos nos arquivos por meio de regras para executar a principal atividade

neles praticada, a de classificar os documentos. Com a adoção deste princípio, a

classificação passa a ser executada com base na função das atividades das quais

se originava ou das funções do documento no arquivo a que pertence.

A partir desse momento, a classificação tornou-se um processo feito “para

representar a atividade intelectual de construção de instrumentos para organização

dos documentos, independente da idade à qual eles pertençam”. (SOUSA, 2007, p.

85). O produto principal da classificação é o arranjo, expresso no plano de

classificação do arquivo ou no quadro de arranjo arquivístico. A nomenclatura pode

variar de acordo com a terminologia arquivística adotada.

O processo de classificação e os produtos dele resultantes objetivam imprimir

transparência, compreensão e conhecimento sobre o percurso das instituições,

facilitar a tomada de decisões e auxiliar na preservação e resgate da memória

institucional.

A classificação vem, entretanto, sendo instrumentalizada com escasso

ferramental teórico: o princípio da proveniência e a ordem original (SOUSA, 2003,

2007). Em função dos avanços das tecnologias de informação e da dinâmica das

mudanças da sociedade, estes princípios são atualmente bastante questionados.

Por exemplo, Boles (1982) e Duchein (1985) destacam a impossibilidade do uso do

princípio da ordem original para organizar acervos de documentos particulares,

porque, via de regra, as informações sobre a coleta e a criação são escassas. Esses

autores levantam ainda outras questões: será que esses princípios são suficientes

para fundamentar uma prática essencial da área? É possível manter a ordem

original em todos os tipos de arquivos? Qual é a ordem original a ser seguida, no

caso do documento digital? Como ficam a atividade de classificação e o processo de

organização da informação diante das possibilidades de uso das ferramentas da

tecnologia da informação, que expandem as possibilidades de criar diferentes

formas de organização da informação para arquivos e usuários?

Para Sousa (2007), a classificação é uma preocupação antiga. Sua

importância não teve reflexos no estabelecimento de um instrumental teórico-

metodológico consolidado. Fala-se, por exemplo, em criar sistemas de classificação

sem agregar ao desenvolvimento desse conceito as contribuições da filosofia. Sem

discutir os meios necessários para fazê-lo, a classificação nos arquivos será sempre

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intuitiva. O autor aponta alguns elementos que justificam o aprofundamento dos

estudos na área, uma vez que o arcabouço teórico atual da arquivística não parece

ser suficiente para:

a) lidar com grande quantidade de documentos acumulados diariamente pelo

modo de produção das organizações atuais;

b) promover o uso consistente das tecnologias da informação em todo o ciclo de

produção, armazenamento e uso dos documentos digitais;

c) promover o envolvimento do indivíduo cidadão em todo o processo de criação

e uso do documento.

Sousa (2007) afirma, ainda, que a ausência de estudos sobre a classificação

nos arquivos decorre dos seguintes fatores:

a) do fato de a organização da informação com fins documentários ser recente,

isto é, os elementos estão em construção;

b) da especificidade do documento arquivístico;

c) da indefinição e imprecisão do objeto de estudo da arquivística;

d) do caráter positivista das práticas e intervenções na produção do

conhecimento da área;

e) da ausência de procedimentos metodológicos para coletar dados necessários

à construção de instrumentos de classificação.

Sousa (2007) aponta, ainda, o problema gerado pela divisão, na arquivística,

entre a gestão de documentos e o arquivo histórico, ou permanente. Semelhante

desvinculação do documento com a sua origem pode fazê-lo perder elementos de

sua trajetória, aspecto essencial ao trabalho da classificação.

Em síntese, a organização da informação é compreendida como um processo

que visa disponibilizar e gerar conhecimentos. A representação do conhecimento

requer, por sua vez, o domínio de um vasto campo teórico capaz de subsidiar as

ações do campo da informação.

Gómez (1993) aborda as questões da organização e representação do

conhecimento na conjuntura atual e as questões teóricas e práticas envolvidas

nesse processo:

Hoje, a busca de uma informação que seja uma resposta pertinente e relevante às nossas perguntas requer a reconstrução de um complexo cenário onde sejam agregadas as populações de fontes e canais de informação, de modo a permitir processos seletivos, organizados e econômicos de busca e recuperação. (GÓMEZ, 1993, p.15).

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O modelo a ser praticado na organização da informação e representação do

conhecimento, diante dos problemas existentes, “abre espaço a modelos analíticos

descritivos, relacionais, construtivistas, que permitem focalizar o papel dos atores e

as práticas sociais de comunicação e informação” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1993).

O histórico de representação do conhecimento ocidental, ainda de acordo

com a autora, passou por três momentos. No primeiro, o conhecimento é ontológico,

representando o homem e suas relações de mundo. No segundo, ocorre a

representação de mundo consciente. No terceiro, “o elemento representado do

conhecimento em sua investidura semiótica, manifesta-se como autônomo,

independente do sujeito e do objeto do conhecimento” (p. 17). A linguagem é o

“sistema de significados ou matéria sinalética” (p.17); é um campo a se conhecer e

entender para a realização do processo de organizar e representar informação e

conhecimento nos arquivos.

A linguagem, dotada de características variadas, diversas, dispersas e

múltiplas, faz proliferar uma quantidade de signos e significados. Nesse aspecto, é

necessário promover a articulação de teorias mais amplas que deem conta do

caráter particular da informação e do sujeito envolvido no processo, devendo-se

produzir soluções variadas aptas a atender as diferentes demandas sociais.

No caso dos arquivos, especificamente, apesar de as normas de descrição

arquivística fornecerem os elementos que denotam as noções de uso das teorias de

linguagem na organização dos documentos, ainda são poucos os estudos que

exploram essa vertente. Ressalva deve ser feita para alguns trabalhos que abordam

essas questões, tais como, os de Fernanda Ribeiro (1996), que estudou a indexação

aplicada aos arquivos, e os de Renato Tarcísio Barbosa de Sousa (2012), que

apresenta vários estudos teóricos sobre a classificação em arquivos. Os novos

trabalhos dos canadenses, com destaque para Yvon Lemay Anne Klein (2012) e

autores, como Terry Cook (1985, 2001, 2007), Bruno Delmas (2001), Angelika

Menne-Haritz, (2001) e Berndt Fredriksson (2003) já destacaram a relevância e a

necessidade de estudos sobre a mudança do paradigma da arquivística, na pós-

modernidade. Chamam a atenção para os aspectos organizacionais dos arquivos

em função do contexto digital, das tecnologias de informação e da inserção do

usuário cidadão no arquivo.

Os novos trabalhos dos canadenses, com realce para Yvon Lemay e Anne

Klein (2012, 2013), que desenvolveram estudos sobre o uso dos arquivos como

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fontes de criação artística, apontam a importância de atender às necessidades de

recuperação da informação nos arquivos, e para isso ressaltam a importância da

organização da informação.

Na mesma direção, Luciana Duranti (2001) salienta os impactos das

tecnologias digitais na arquivística, principalmente na preservação dos elementos de

prova, além de alertar para a necessidade de organizar e tratar o documento que

tem o meio digital como lugar de existência.

Podem ser citados também o trabalho de Banat-Berger e Nougaret (2013),

que chamam a atenção para a mudança epistemológica do termo arquivo nas

organizações, o qual vem perdendo seu uso, para o termo dado, atualmente

adotado. E é sob este termo que se desenvolvem muitas das atividades de

organização do registro de informação e do documento de arquivo.

Diante do exposto, realizar estudos que investiguem a fundamentação teórica

da prática de organização da informação nos arquivos é útil e necessário para obter

melhores resultados nos processos de disseminação.

2.11 REGIME DE INFORMAÇÃO

O conceito de regime de informação foi tomado como importante base teórica

no desenvolvimento da presente tese. Neste item apresentou-se a definição

proposta por Frohmann e por outros autores que estudam a aplicação do conceito.

Segundo Frohmann (1995), regime de informação é todo meio estável ou

sistema ou rede na qual a informação flui através de canais determinados, por

produtores específicos, por meio de estruturas organizacionais próprias, para

alcançar consumidores ou usuários que lhe são peculiares.

Como elementos do regime de informação, o autor cita o rádio, a televisão, a

distribuição de filmes, as publicações acadêmicas, as bibliotecas e os fluxos de

dados em fronteiras.

Os diferentes tipos de regimes de informação nasceram, muitas vezes, à

revelia de ações de governos formais e não seguem critérios claros. Eles decorrem

do desenvolvimento das organizações, dos processos, das necessidades de

usuários individuais, governos e setores sociais e culturais, compondo os diversos

fluxos de informação que nos rodeiam: cultural, social financeira, científica,

industrial, acadêmica.

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González de Gómez (2012), na mesma direção de Frohmann, define regime

de informação como:

o modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012, p.43).

Para essa autora, o regime de informação está sujeito às condições culturais,

políticas e econômicas. O regime de informação está relacionado aos aspectos

públicos e sociais da informação atualmente; muitas vezes não se tem uma noção

clara de como isso opera e quais são as intenções que os diferentes regimes de

informação buscam expressar, influenciar ou manipular na sociedade, por meio das

suas ações práticas.

A ferramenta de ação do regime de informação é ela mesma, que, em função

da sua complexidade teórico-conceitual, adquire diversas formas e fluxos para

atender aos diferentes regimes.

Ainda segundo Frohmann (2006), para lidar com o universo complexo dos

diferentes regimes de informação, é preciso conceber a informação como algo

material, e não como algo abstrato, presente apenas na mente dos indivíduos. Para

o autor, o indivíduo não é um agente isolado dos processos de informação, pois

estes são resultantes de ações sociais. O conceito de materialidade da informação é

uma abordagem importante para estudar o caráter público e social da informação,

na atualidade.

Em defesa da materialidade da informação, como modo de entender os

aspectos complexos do regime de informação que permeia a sociedade atual,

Frohmann (2006) defende que o documento é um objeto que expressa a

materialidade da informação e afirma que “se a materialidade é importante para o

entendimento dos aspectos públicos e sociais da informação, então os estudos da

documentação tornam-se importantes para os estudos da informação “(p.21).

O referido autor recorre a Foucault para refletir sobre o valor dos enunciados

dos documentos como forma de compreender estes últimos. Destaca que os

enunciados dos documentos são importantes porque “estimulam as investigações

específicas e detalhadas sobre como os enunciados são estabilizados, como são

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mantidos, como exercem poder e força, que efeitos específicos provêm deles, como

são desestabilizados e como deixam de existir” (FROHMANN, 2006, p.22).

Os estudos de Foucault sobre os enunciados se compõem na argumentação

de Frohmann para analisar a criação dos regimes de informação, sua influência, seu

poder e seu modo de agir e conhecer. O objetivo é estabelecer a documentação

como forma de materialização da informação e ter assim recursos teóricos para

analisar o caráter público e social da informação nos regimes de informação.

Nessas circunstâncias, sublinha a importância dos princípios propostos por

Otlet e Briet, que pensavam a documentação como recurso para coordenar e

controlar o processo de produção de registros de informação em diferentes níveis. A

documentação possibilitaria a reestruturação de toda a produção documental sobre

um determinado tema, dispersa em diferentes instituições e formatos.

A partir do conceito de regime de informação e dos estudos de Frohmann

(2006), que propõe a abordagem dos contextos públicos e sociais da informação por

meio da materialidade do documento, admite-se ser possível considerar a

importância do papel dos arquivos e dos documentos de arquivos na viabilização

dos estudos de regimes de informação.

De fato, o modelo de organização dos arquivos é construído de forma a

garantir a materialidade dos documentos e, também, para retratar seus contextos de

criação. Sendo assim, aqui se presume a possibilidade de adoção do conceito de

regime de informação nos arquivos para melhor compreensão das práticas de

organização dos documentos, buscando expressar os diferentes elementos que

compõem o regime de informação.

2.12 TEORIAS DA LINGUAGEM

As teorias da linguagem são necessárias para construir, com o conceito de

regime de informação, o arcabouço teórico da pesquisa.

Cultura é o universo das práticas sociais humanas que diz respeito a tudo o

que o homem acrescentou à natureza, por meio de seu trabalho e do que foi

aprendido por ele no curso da vida. A linguagem é um produto da cultura e os

processos informacionais ocorrem por meio daquela; assim, a produção da

informação, do documento, sua organização, interpretação e uso são feitos pela

linguagem.

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A linguagem se estabelece por meio de um sistema de signos, utilizado

pelos indivíduos para a aprendizagem, conservação, transformação e transmissão

da cultura (LOPES, 2008). A semiologia ou semiótica é a ciência que estuda os

sistemas de signos.

A semiótica é definida por Saussure (1916), citado por Eco (2009), como

“uma ciência que estuda a vida dos signos no quadro da vida social”. Eco (2009)

esclarece que o signo está presente em todos os sistemas utilizados pelo homem

para exprimir suas ideias. A semiótica estuda a realidade cultural de uma

comunidade, todas as espécies de sistemas sígnicos que o homem construiu ao

longo dos séculos e seu objeto de estudo é o conhecimento da realidade dos

sistemas linguísticos que criam e recriam a realidade. A relação entre o homem e

outro homem, dentro da sociedade, é mediada pelos signos. (LOPES, 2008).

Segundo Eco (2009), Peirce (Charles Sanders Peirce), filósofo, lógico e

matemático norte-americano (1839-19140), oferece a melhor compreensão de

semiótica: doutrina da natureza essencial das variedades fundamentais de cada

semiose, isto é, a doutrina da natureza essencial e das variedades fundamentais de

cada semiose possível” (Eco, p. 10, 2009).

Peirce define semiose como “uma ação, uma influência que seja, que envolva

a cooperação de três sujeitos, como, por exemplo, um signo, o seu objeto e o seu

interpretante, tal influência “tri-relativa” não sendo jamais passível de resolução em

uma ação entre duplas” (p. 10). Diante dessas definições, entende-se que o homem

está envolvido no processo semiótico de produção semiótica, em que ele usa a

informação (objeto/signo) e produz outras informações (objetos/signos) para dizer

coisas sobre o passado ou o futuro ou sobre o estado de coisas.

A semiose é uma ação ou coevolução, em que o signo gera outro signo,

processo ao qual Peirce chama de interpretante: “aquilo que o signo produz na

quase-mente que é o intérprete” (Eco, p. 58, 2009). Assim, o signo, o intérprete e o

interpretante formam os elementos da relação “tri-relativa”. Dessa forma, o signo e o

interpretante estão em constante geração, o que implica o processo denominado

semiose ilimitada, em que o signo-interpretante sempre se referirá ao anterior como

seu objeto para gerar outro signo-interpretante. Ou seja, a geração de signos é

ilimitada nesse contexto de representação da informação.

A semiose ilimitada mostra como a significação e a comunicação “por meio de

deslocamentos contínuos, que referem um signo a outros signos ou a outras cadeias

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de signos, circunscrevem as unidades culturais de modo assintótico, sem conseguir

jamais tocá-las diretamente, mas tornando-as acessíveis através de outras unidades

culturais” (Eco, 2009, p.60).

O signo interpretante gera significados continuamente, influenciando e

orientando a geração de significados. Assim, o signo/informação é uma ação, um

processo que continua, uma vez que um signo pode gerar ilimitados interpretantes.

Moura (2002) se refere à concepção semiósica como sendo “a consciência que o

homem tem da ação de seu interpretante em outra mente e o movimento que esse

homem implementa, consciente ou inconscientemente, para influenciar essa outra

mente” (p.17). Em outra obra, Lector in fabula, Eco (2008) explica que a semiose

peirciana vai ao encontro da necessidade anterior do homem de encontrar um signo

que tenha relação direta com seu objeto, numa relação concreta de denotação.

A semiose necessita, então, de um entendimento pragmático, e o

pragmatismo de Peirce explica a semiose por nosso modo de agir in natura. “Depois

de receber uma sequência de signos, o nosso modo de agir no mundo é

permanentemente ou transitoriamente alterado. Essa nova atitude é o interpretante

final” (Eco, 2008, p.29). O autor sustenta, ainda, que, dados os hábitos e as

regularidades da natureza, o significado último de um signo é “concebido como regra

geral”, que produz entendimentos regulares de signos, que permite ao indivíduo

avaliar os signos e gerar interpretantes. Eco observa que no pragmatismo peirceano

é possível entender que “a semiose morre a todo o momento, mas, como morre,

ressurge das próprias cinzas” (p. 30). Ele ressalta que com a visão do pragmatismo

de Peirce é possível entender que

[...] o círculo da semiose se fecha a todo instante e jamais se fecha. O sistema dos sistemas semióticos, que poderia parecer um universo cultural idealisticamente separado da realidade, de fato leva a agir sobre o mundo e a modificá-lo; mas cada ação modificadora se converte, por sua vez, num signo e dá origem a um novo processo semiótico. (ECO, 2008, p. 30).

Um documento pode ser entendido com um signo compreendido e aceito para

expressar uma ação. A partir da aceitação e do entendimento desse

signo/interpretante de uma ação, o documento pode ser compreendido e aceito

como tal. Por outro lado, o documento não morre em si, enquanto resultante de uma

ação. Assim como no processo de semiose, ele renasce quando acessível aos

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indivíduos que o reconhecem como signo e passa a ser o signo criador de signos

interpretantes, sucessivamente.

Em seguida, os signos interpretantes gerados inserem-se no contexto de

desencadeadores de ações de negação ou de assertividade de ações, como, por

exemplo, no momento em que um documento é reconhecido como atestador de uma

ação em um tribunal e aceito como prova. Ilustra o caso, um exame de tipo

sanguíneo em um tribunal, que confirma ser igual ao sangue da vítima o sangue da

mão do suposto assassino. O signo que habitualmente é conhecido para expressar

o tipo sanguíneo (Fator Rh, positivo, negativo, tipo A, B, AB, O) pode ser entendido e

interpretado pelo leitor por ser resultante de uma ação de semiose contínua e passa

a fazer parte de um contexto de interpretação, juntamente com outros signos, para

evidenciar o que o documento atesta.

O signo, segundo Pinto (1996), “é a interface que estabelece a mediação

entre um usuário e os objetos que o usuário quer manipular” (p. 88). “Os signos são

objetos e os objetos são signos”. Portanto, objeto não é coisa, mas a coisa

significada (p. 89). Essa coisa significada pode ser entendida como a informação

captada pelos interpretantes do signo. O conhecimento apreendido a partir dessa

informação, por sua vez, gera mais signos para compor o processo de significação e

sentido.

Na semiótica peirceana, o signo é entendido como coisa que representa algo

para alguém. Portanto, estabelece a interface de significação entre um usuário e os

objetos. Sendo assim, “um signo é algo que está no lugar de algo para alguém, em

algum aspecto ou capacidade. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente daquela

pessoa um signo equivalente ou, talvez, um signo mais desenvolvido” (Pinto, 1993,

p.89).

Pode-se afirmar que o mesmo ocorre quando o arquivista descreve um

documento de arquivo e disponibiliza a informação para que o usuário entenda o

que contém o referido documento. O documento não está presente. O que está

presente é um signo que deve significar algo para o usuário que busca o documento

e deseja saber o que ele contém, sem que ele esteja em suas mãos.

A semiótica peirceana estabelece uma lógica para explicar a relação de

mediação entre um sujeito e o objeto através de um signo respectivo, denominada

de relação triádica, ou seja, a compreensão do objeto por meio do signo

(estabelecer a compreensão da informação por intermédio da informação ou do

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documento mediante a sua descrição e representação). São as categorias

peirceanas de primeiridade, secundidade e terceiridade, chamadas de “as três

categorias da experiência de percepção do signo”.

Segundo Pinto (1993), a primeiridade refere-se às emoções iniciais, aos

instantâneos da mente sobre o objeto, às primeiras percepções sem reflexão.

Refere-se aos aspectos qualitativo, formal e sensorial do objeto, atendo-se aos

aspectos da lógica básica.

A secundidade trata da reação diante da percepção inicial. É a formação do

objeto na nossa mente. Nesse momento, a partir da referência de passado, tem-se a

noção do presente e da relação com o objeto.

A terceiridade é a mediação entre o sujeito e o objeto. É a percepção do

objeto como um signo, que passa a ter um significado. O objeto torna-se signo,

portanto, um significado. Com o afastamento do objeto é possível generalizar coisas

sobre ele, mas nunca dizer tudo.

Com a interpretação do objeto e o acesso ao signo inicia-se o processo de

informação, que é dinâmico, incompleto, vago e impreciso, pois a percepção de um

signo equivale a encadear o processo de semiose que vai sempre gerar

interpretante a partir de signos, encadeando, assim, um processo infinito, capaz de

gerar informação. Tal é entendida, inicialmente, como representação de signos por

parte do indivíduo, constantemente, a partir de um contexto ou campo de domínio.

A análise dos conceitos de semiótica, semiose e signo, permite concluir:

Signo é coisa significada.

O homem produz signos e novos signos para compreendê-lo a partir dos objetos.

O signo não pode ser percebido integralmente; pode sempre gerar interpretante.

O fluxo de entendimento e produção de signos é dinâmico e infinito.

O processo de semiose gera signos que evoluem, “O signo não signi-fica ele

signi-vai” (Pinto, 1993, p. 21).

O entendimento do signo faz gerar hábitos que fazem com que novos signos

sejam criados e interpretados.

O signo gerado, o interpretante, é usado para interpretar ou dizer algo sobre o

signo/objeto.

A informação é resultante da interpretação de signos continuamente e pode ser

alterada.

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Diante desse entendimento, pode-se estabelecer relação entre os conceitos

envolvidos na teoria semiótica e a atividade de descrição de documentos de arquivo.

Para tanto, entende-se que:

a) a análise do documento de arquivo configura-se como a manipulação de um

conjunto de signos, que pode ser visto como um processo de produção

semiótica, pois no procedimento de análise do documento é gerada a

interpretação de um conjunto de signos contidos no documento analisado

isoladamente e/ou em conjunto, ou seja: (texto, logomarcas, assinaturas,

fotos, estrutura e forma do documento e datas);

b) são gerados outros signos, informações resultantes da análise e da

compreensão, no entendimento do documento de arquivo, tais como, ficha de

descrição, registro em um banco de dados, catálogo e índice, ocorrendo

diferentes representações para diferentes contextos e indivíduos que se

deseja atingir (este processo é compreendido como uma concepção

semiótica, pois quem descreve seleciona e utiliza um conjunto de signos,

previamente conhecidos, mas nunca em sua totalidade, a partir daquilo que

se pode ou se quer dizer sobre o documento para um usuário daquele

documento);

c) a não totalidade da apreensão dos signos durante o processo de análise do

documento de arquivo é uma característica do processo de compreensão dos

signos e isso pode determinar a alteração do processo de descrição como

algo nunca acabado ou definitivo, tendo em vista a dinâmica dos significados,

que podem mudar ao longo do tempo, e das ocorrências de fatos que podem

ser evidenciados no documento.

Para explicar melhor o entendimento do processo semiótico, pode-se dizer

que quem descreve o documento tem domínio sobre a ação do interpretante, gerado

a partir do signo observado no documento. Essa ação pode ser consciente ou

inconsciente. Consciente, por exemplo, quando alguém observa o conjunto de

signos no documento de arquivo e deixa de mencionar algo presente no documento,

imaginando que aquilo pode interessar a determinado usuário que não se quer

atingir ou que aquela informação pode desencadear uma ação não desejada pelo

indivíduo ou organização ligada ao documento. Por exemplo, em determinado

arquivo histórico de um país onde ocorrem disputas territoriais, um documento, um

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registro de posse e propriedade especifica os limites territoriais de uma região.

Qualquer referência a essa informação na descrição do documento comunicada ao

público usuário pode desencadear o interesse em acessar o documento específico e

provocar uma ação judicial não desejada por um indivíduo (o arquivista) ou grupo (o

Estado, uma organização). Assim, propositalmente, o signo não se torna um

interpretante e, por conseguinte, não se torna informação.

De outro lado, a ação pode ser inconsciente quando se negligencia a

existência de um símbolo em um documento ou, mesmo, quando o indivíduo que o

observa não possui conhecimento anterior que lhe permita compreender o

significado daquele símbolo ou, ainda, não aconteceram os fatos que façam com

que aquele signo possa tornar-se outro signo. Considerem-se os exemplos descritos

a seguir.

Em um primeiro exemplo, tem-se uma situação em que as anotações em uma

prova tipográfica de um manuscrito de autor, que podem ou não ser importantes,

não são reconhecidas por quem está procedendo à descrição, por ser uma área de

conhecimento que o sujeito não domina ou por outros motivos. Essas anotações de

correção tipográfica podem ser descartadas ou reconhecidas como documentos

únicos e raros. Citam-se as anotações de Guimarães Rosa nos manuscritos dos

seus livros.

Em um segundo exemplo, têm-se as anotações em um documento de um

economista ganhador de um prêmio, que representa um cálculo de um problema de

economia. As anotações do cálculo contábil podem ser notadas na descrição do

documento ou mesmo serem descartadas em um processo de avaliação, se o autor

ainda não foi reconhecido em seu campo de domínio. Pode acontecer, ainda, de que

quem descreve os documentos não perceba tais informações de cálculos (signos)

presentes na margem do documento.

Em ambos os casos, na concepção semiótica, é possível alterar a ação do

interpretante. No primeiro caso, tal fato pode ocorrer à medida que se dá a aquisição

de novos significados simbólicos do signo ou, mesmo, gerar novos interpretantes

pela ação do tempo, exceto nas situações em que o documento foi descartado por

não ter mais valor administrativo.

Na Ciência da Informação são muitos os trabalhos que exploram os estudos

de linguagem na organização da informação, como o de ALMEIDA (2009), Peirce e

a organização da informação: contribuições teóricas da Semiótica e do

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Pragmatismo. A partir da constatação da existência de vínculos da semiologia com a

organização da informação e do conhecimento, o autor se pergunta sobre as

interrelações teóricas e aplicadas entre a organização da informação e do

conhecimento e a filosofia e semiótica peirceanas. O estudo, uma investigação

epistemológica com abordagem plural, dá conta do caráter interdisciplinar que

norteia a Ciência da Informação, em particular a área de organização da informação.

A teoria peirceana abordada no estudo não está desvinculada dos estudos da

fenomenologia, da lógica e do pragmatismo, que reunidos buscam esclarecer o

fenômeno da linguagem, de fundamental importância para entender o processo de

organização da informação e do conhecimento.

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3. METODOLOGIA DE PESQUISA

O presente estudo é de natureza qualitativa. A pesquisa qualitativa é um

campo de investigação característico das ciências humanas e sociais. Uma definição

genérica é feita por Denzin e Lincoln (2006) que afirmam que pesquisa qualitativa “é

uma atividade situada que localiza o observador no mundo” (p.17), composta por um

conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo.

Segundo os autores, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa

em que os pesquisadores buscam entender, ou interpretar, os fenômenos em

termos dos significados que as pessoas a eles conferem. A pesquisa qualitativa

possibilita que o pesquisador utilize uma variedade de práticas interpretativas

interligadas para compreender melhor o tema de estudo.

Para construir uma abordagem qualitativa é necessário construir um objeto de

investigação e um método. Todo método pressupõe a existência de um objeto e

também um caminho que nos conduz a ele, com a intenção de conhecê-lo. Método,

termo de origem grega, significa o caminho do conhecimento. Mais que um caminho

consiste em um conjunto de passos, procedimentos e etapas de formulação de

problemas, execução de recortes e seleção de aspectos do objeto a ser conhecido.

O foco da abordagem pode ser amplo, o todo da ciência, ou restrito, a

especialização, no conhecimento moderno, dependendo da perspectiva do

observador ou do sujeito. (DOMINGUES, 2005).

A presente pesquisa utilizou como método para obter conhecimento o

hipotético dedutivo. Os estudos que se baseiam no método de argumentação

indutivo e dedutivo fundamentam-se em premissas, ou conhecimento prévio.

Segundo Marconi e Lakatos (2003), se, por um lado, os argumentos dedutivos

são premissas verdadeiras que levam inevitavelmente à conclusão verdadeira, os

indutivos conduzem apenas a conclusões prováveis. O objetivo dos métodos

indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das

premissas nas quais se basearam.

A argumentação hipotético-dedutiva busca testar a falsidade de uma

proposição. Ou seja, a partir de uma hipótese de estudo inicial estabelecida, busca,

por meios de procedimentos metodológicos, negar a hipótese. Neste método, a

verdade se mostra por meio da busca por eliminar o que é falso. Com a eliminação

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do falso busca-se estabelecer de hipóteses alternativas que fundamentem o

conhecimento novo.

Karl Popper (1902-1994) é o criador do método hipotético dedutivo. Segundo

ele, existem etapas no processo investigativo: a primeira é o problema, que é

explicitado por meio do conhecimento prévio e inicial. Em seguida, a solução é

propor uma nova teoria por meio de proposições a serem testadas por um

procedimento metodológico. E por fim, a etapa de testes de falseamento que são as

tentativas de refutação por meio da observação e experimentação. Se a hipótese

não supera os testes, ela é falsa e será refutado, o que exige nova reformulação do

problema e da hipótese, que, se superar os testes rigorosos, estará

corroborada, confirmada provisoriamente, mas não definitivamente como no

pensamento indutivo. (MARCONI e LAKATOS, 2003).

O conhecimento novo, confirmado pela hipótese, sinaliza a evolução do

conhecimento cientifico na área pesquisada e nova hipótese implica na formulação

de novos problemas e de novas pesquisas.

O método hipotético dedutivo exige rigor nos processos de coleta e análise do

conjunto de dados, por meio da experimentação ou observação. Neste estudo,

optou-se por utilizar a análise de conteúdo como técnica de análise de dados por

meio da observação do tema “tratamento e organização de documentos nos

arquivos” presente em artigos científicos da área de arquivística.

A análise de um corpus, composto de artigos científicos selecionados nos

periódicos de diferentes partes do mundo, foi detalhada em tópico adiante. O

objetivo da apreciação proposta nesse corpus foi a melhor compreensão dos

aspectos do processo de tratamento e organização de informações de documentos

de arquivo.

A análise de conteúdo é definida por Laurence Bardin (2011) como um

método, composto por um “conjunto de técnicas de análise das comunicações”

(p.37) que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo

das mensagens. O objetivo é diminuir as incertezas por meio da leitura dos dados

coletados. Segundo Bardin (2011), qualquer comunicação de um emissor para um

receptor, em qualquer veículo, pode ser analisada pelas técnicas de análise de

conteúdo. Sendo assim, considerou-se que os artigos de periódicos científicos

constituem-se em um tipo de comunicação científica, no caso, da área de

arquivística e que será nosso objeto de exame. Para a aplicação da análise de

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conteúdo, adotaram-se as bases definidas por Bardin (2011) de execução do

método de análise de conteúdo.

De acordo com Bardin (2011), a primeira etapa da análise do conteúdo é a

interpretação, ou seja, o que é possível ser dito com base no conteúdo analisado.

Em seguida, foram elaboradas inferências sobre o universo de escritos

analisados. Em certos conteúdos estudados não interessou necessariamente a

respectiva descrição, mas sim o que pôde ser dito sobre eles após serem tratados,

ou seja, as “outras coisas” que puderam ser mencionadas sobre o tema pesquisado,

por meio das inferências.

A inferência é a dedução lógica de um conhecimento, que pode ser sobre o

emissor da mensagem ou sobre o meio ou sobre o comportamento do tema

estudado, em relação a todo o conteúdo ou em relação às categorias escolhidas

para estudo.

Segundo Bardin (2011), o método de análise de conteúdo compreende a

execução de três etapas: a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos

resultados.

A fase de pré-análise corresponde à exploração do material a ser analisado,

implica a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das

hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentem a

interpretação final.

Esta fase tem por objetivo a organização do material, adequada aos

contingentes da pesquisa, tais como, gênero do documento, acesso físico, definição

do corpus, que é o “conjunto dos documentos tidos em conta para serem

submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, p.126).

Uma vez definido o tipo de documento que constitui o corpus, o pesquisador

deve definir as regras de seleção. Algumas dessas regras citadas por Bardin (2011)

são:

a) exaustividade, não pode ser deixado de lado nenhum elemento de acordo

com o definido para a seleção;

b) representatividade, diz respeito à composição da amostragem para que essa

possa representar o todo; critérios de cobertura, tempo, quantidade;

c) homogeneidade, os documentos selecionados devem obedecer aos critérios

estabelecidos para a escolha;

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d) pertinência, os documentos definidos devem ser adequados enquanto fonte

de informação para os objetivos do estudo.

A etapa de exploração do material corresponde à aplicação dos critérios

estabelecidos na pré-analise. Em alguns casos, realiza-se a correção de algum

critério. Segue-se o que foi estabelecido e coleta-se o material, de acordo com esses

critérios.

A fase de tratamento dos resultados obtidos e a interpretação compreendem

a execução de atividades com os documentos coletados de modo que estes tenham

significados válidos para construir uma resposta para os objetivos da pesquisa.

Após a execução das três fases é necessário definir as técnicas de análise

dos resultados obtidos. Um das técnicas é a categorização que se constitui em uma

“operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por

diferenciação, e em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com

os critérios previamente definidos” (BARDIN, p.145).

Os critérios de categorização podem ser semântico, sintático, léxico e

expressivo. De acordo com os critérios semânticos, a categorização é feita com base

no tema tratado no documento.

A categorização sintática é feita de acordo com classes de palavras (verbos,

adjetivos). A categorização por léxico é feita pelo sentido da palavra, agrupadas a

seus sinônimos. A categorização “expressiva” agrupa as diversas formas de

expressão da linguagem.

A classificação dos documentos em categorias possibilita a análise dos

elementos comuns entre eles. Com a categorização é possível obter a condensação

de dados, com representação simplificada dos dados brutos, para construir as

análises e inferências. A categorização dos documentos para análise de conteúdos

deve seguir critérios para garantir a qualidade do agrupamento em categorias.

Bardin (2001) sugere os critérios de exclusão mútua, onde cada elemento não

pode existir em mais de uma categoria; homogeneidade, onde um único princípio

deve governar a categorização; pertinência quando o material categorizado se

adapta os critérios estabelecido; objetividade e a fidelidade, onde os critérios de

pertencimento do elemento a categoria devem ser bem claros; a produtividade, onde

um conjunto de elementos categorizados pode fornecer dados significativos para a

análise.

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No presente estudo, optou-se por descrever os critérios de categorização no

item que contém a análise dos dados, dadas as especificidades do conjunto

analisado. Para a nomeação das categorias de análise, foi utilizado como base de

definição o Glossário especializado de arquivística da Associação dos Arquivistas

dos Estados Unidos.

Na categorização, foi necessário realizar adequações. Por exemplo, nem

todos os periódicos atribuem palavras-chave aos artigos. Nestes casos, os artigos

foram lidos para definir sua inclusão em categorias. Os procedimentos realizados

foram explicitados a seguir.

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Organizar documentos é, de fato, um dos processos centrais da atividade

arquivística. Partiu-se do pressuposto de que o tratamento e a organização de

documentos não são atividades que possam ser observadas isoladamente ou de

maneira direta. Sendo assim, um estudo sobre o tema “organização e tratamento de

documentos de arquivo” implicou ater-se inicialmente aos processos macro. Para

isso, o tema foi abordado sob o ponto de vista de um conjunto de processos. Os

processos de organizar e tratar documentos determinam, em larga medida, a forma

como a Arquivística se estrutura como disciplina científica. Porém, como tantas

outras disciplinas, a arquivística criou suas bases teóricas a partir de experiências

práticas.

O objetivo geral, na presente pesquisa, como afirmado na Introdução da tese,

foi o de analisar os discursos sobre a organização da informação na Arquivística.

Assim sendo, procurou-se compreender os significados da atividade de organização

e tratamento dos documentos em arquivos por meio do diagnóstico da produção

científica da área. Tratou-se, em suma, de analisar, compreender e contrastar o que

diferentes autores escreveram sobre o tema.

Como técnica de estudo ou procedimento de pesquisa, definiu-se um corpus

constituído da literatura científica de artigos de periódicos produzidos principalmente

por pesquisadores da arquivística. A seleção de artigos foi feita de maneira

sistêmica, descrita a seguir.

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3.2 COLETA DOS DADOS PARA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

O critério inicial para constituir o corpus da pesquisa foi identificar e selecionar

as fontes de dados, ou seja, a fase de pré-análise definida por Bardin (2011). As

fontes para seleção dos artigos foram quatro periódicos científicos da área da

arquivística, do exterior, de abrangência internacional, que abordam a evolução

teórica e prática da área e suas principais correntes de pensamento.

São eles: Gazette des Archives; Archival Science; The American Archivist,

Archivaria. Foi selecionado também um periódico nacional, específico da área de

arquivos, a Revista Acervo, do Arquivo Nacional. As fontes foram completadas com

mais duas revistas do campo da Ciência da Informação – Perspectiva em Ciência da

Informação, Informação e Sociedade e Ciência da Informação, que publicam artigos

sobre a arquivística. São periódicos de prestígio e abrangência internacional, que

representam diferentes vertentes da arquivística mundial, norte-americana, francesa,

canadense, europeia, de acordo com a bibliografia básica do International Council of

Archives, ICA (ICA, 2016).

Esses periódicos, exceto Archival Science, são editados por associações de

arquivistas dos países correspondentes, com linhas editoriais que privilegiam

trabalhos teóricos e práticos. Divulgam também resultados de pesquisas

acadêmicas tanto da área de arquivos quanto de áreas correlatas.

Archival Science, inicialmente, em 2000, teve sua publicação ligada à

Associação dos Arquivistas da Holanda, mas depois foi vinculada à Springer, editora

mundial de periódicos científicos.

A seguir, foi apresentada uma breve descrição dessas fontes. Optou-se por

periódicos publicados em língua inglesa, francesa e publicações em português, para

as publicações brasileiras.

3.2.1 La Gazette des Archives

Este periódico, editado pela Associação dos Arquivistas Franceses, iniciou

sua publicação em 1933. É considerado o primeiro periódico científico da área de

arquivística. Sua linha editorial privilegia a publicação de artigos de arquivistas

franceses, com abertura para profissionais de áreas vizinhas, como informação e

comunicação, além de atas de reuniões das seções da associação e anais dos

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eventos científicos organizados pela associação. Publica também artigos de

historiadores, genealogistas e agentes administrativos que utilizam fontes e técnicas

de arquivos, trabalhos de participantes de associações e de organismos

internacionais de profissionais de arquivos de diferentes países. É editada

trimestralmente (quatro números por ano), cujos fascículos são sempre temáticos,

publicados exclusivamente em língua francesa. A quantidade de artigos por número

varia entre cinco a 15 artigos. O periódico não é indexado em bases de dados ou

serviços de indexação e não possui sistema de recuperação de informação para

buscas. Os artigos não possuem palavras-chave, não dispondo, portanto, de um

índice temático. O site disponibiliza o sumário de cada número e um índice por autor

(archivistes.org/-La-Gazette-des-archives). A seleção foi feita acessando cada

volume e número publicado de 2000 a 2015 na biblioteca da École Nationale de

Chartes.

3.2.2 Archival Science

A publicação teve início em 2001. O primeiro grupo de editores foi composto

por Peter Horsman, Eric Keteeplar, Theo Thomassen, pesquisadores da arquivística

contemporânea e professores da escola arquivística holandesa. Foi publicada uma

primeira versão em holandês em 1995/1996. Nasceu no contexto da arquivística

pós-moderna e dos novos paradigmas da área. Expressa, sobretudo, a visão

arquivística europeia contemporânea, que acompanha a tendência das escolas

americanas, canadense e australiana, em contraponto com a tradição arquivística

europeia, ligada à escola francesa. A linha editorial do periódico busca promover o

desenvolvimento da ciência arquivística como uma disciplina científica autônoma. Os

artigos cobrem todos os aspectos das teorias, metodologias e práticas da ciência

arquivística e retratam as visões de diferentes culturas, promovem a troca e a

comparação de conceitos e procedimentos.

A Archival Science adota abordagem integrada, interdisciplinar e intercultural,

abarca o campo da informação registrada, retratando o processo, a forma, a

estrutura e o contexto de criação dos mesmos. Os artigos tratam da função dos

registros de informação, da forma como são criados, preservados e recuperados, o

contexto em que são gerados, gerenciados e usados, tanto quanto o ambiente social

e cultural de produção dos registros em diferentes épocas e lugares. Desde seu

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lançamento, o periódico vem crescendo em importância na área, principalmente pela

qualidade dos artigos publicados e corpo editorial, formado por pesquisadores

influentes da área de arquivística. A revista está disponível no portal de periódicos

da Capes. Os artigos possuem palavras-chave. A publicação é trimestral (quatro

números por ano).

3.2.3 The American Archivist

É publicada desde 1938 pela Associação dos arquivistas americanos. Tornou-

se referência na área de arquivos, sobretudo como fonte de expressão da

arquivística norte-americana. Os trabalhos são caracterizados por reflexões teóricas,

resultados de pesquisas, estudos de caso, revisões de literatura, uso de tecnologias

em arquivos.

A linha editorial destaca que o periódico busca refletir sobre o

desenvolvimento teórico e prático da profissão de arquivista; as relações entre os

arquivistas e os criadores e usuários de arquivos; as questões culturais, sociais,

legais e tecnológicas que afetam a natureza da informação registrada e a

necessidade de criá-la e mantê-la.

As linhas de publicação são: artigos de pesquisa; estudos de caso;

perspectivas, que são comentários e opiniões sobre a prática arquivística; cenário

internacional; recursos profissionais; fórum de discussão com leitores e resenhas de

publicações. Pode ser pesquisada na plataforma de busca do periódico

(americanarchivist.org). Os artigos não possuem palavras-chave. A publicação é

semestral. A pesquisa neste periódico foi feita no site do periódico, analisando o

sumário de cada número, dentro do período coberto da pesquisa.

3.2.4 Archivaria

Periódico publicado pela Associação dos Arquivistas Canadenses. Começou

a ser publicada em 1975. A linha editorial define como política do periódico a

publicação de pesquisas científicas acadêmicas sobre a arquivística no Canadá e

em outros países.

Os temas publicados exploram a história, a natureza da teoria arquivística e a

utilização dos arquivos. Segundo a linha editorial, o periódico visa tornar-se uma

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ferramenta de comunicação entre os arquivistas e os usuários de arquivos. A linha

editorial, embora não declare a publicação como interdisciplinar, enfatiza os

trabalhos de áreas correlatas tais como a História, Ciência da Informação, Ciência

Política, Sociologia, Direito, Antropologia Cultural, História da Arte, Geografia e

Estudos de Mídia e Comunicação, como áreas que dão suporte às pesquisas em

Arquivística.

São temas abordados nos artigos: a história dos arquivos, dos arquivistas e

da Arquivística; a evolução e características das diversas mídias; os novos campos

de estudos históricos; os novos tipos de documentos; as novas tecnologias

utilizadas em arquivos; as questões legais e éticas; a análise das práticas de gestão

dos documentos no tempo e espaço; a ligação entre os arquivistas e os outros

profissionais da gestão da informação. A publicação é semestral e está disponível

em um portal de busca específico (archivaria.ca). A pesquisa neste periódico foi feita

no site do periódico, analisando o sumário de cada número, dentro do período

coberto da pesquisa.

3.2.5 Acervo

Periódico corrente publicado pelo Arquivo Nacional do Brasil, desde 1986,

cujo objetivo é divulgar estudos e fontes nas áreas de ciências humanas e sociais

aplicadas, especialmente Arquivística.

Apresenta diferentes seções: a secção de dossiê temático apresenta artigos

sobre um mesmo tema. Outra seção são os artigos livres sobre temas variados. A

seção Documento destina-se à publicação de documentos relevantes do acervo do

Arquivo Nacional.

A temática predominante é de trabalhos com os resultados de pesquisas

históricas da arquivística brasileira, mas é também o principal periódico nacional que

contempla a publicação de trabalhos teóricos da área. A publicação é semestral e

está disponível online (revista.arquivonacional.gov.br/), onde é possível acessar seu

sumário e proceder à busca de artigos por ano, volume, número.

A escolha desse periódico para compor a amostra deu-se para ter

representatividade da literatura nacional no corpus. Este é um dos únicos periódicos

correntes que representam a Arquivística nacional. Existem outros periódicos

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nacionais onde são publicados trabalhos de Arquivística, mas devido à dispersão

dessa literatura, optou-se por não utilizá-los no corpus da pesquisa.

Para efeito de organização da amostra, junto ao grupo de artigos da Revista

Acervo, foram acrescentados três trabalhos selecionados da revista Perspectiva em

Ciência da Informação; três trabalhos da revista Ciência da Informação e da revista

Informação e Sociedade.

Os trabalhos desses quatro periódicos visam exemplificar a literatura nacional

brasileira sobre o tema da organização da informação nos arquivos. Foram

selecionados os periódicos de Ciência da Informação com avaliação A1, no índice

Qualis da Capes. O periódico Transinformação também foi pesquisado, mas não

foram encontrados artigos que atendessem aos critérios estabelecidos para a

composição da amostra.

3.3 PERÍODO DE COBERTURA

O segundo passo foi a definição do período de cobertura: de 2000 a 2015.

Um período de 15 anos da literatura da área possibilita observar como as

transformações ocorridas nos arquivos na contemporaneidade podem ser refletidas

na literatura e como esses reflexos podem ser observados nas experiências vividas

nos arquivos e nos trabalhos publicados sobre a organização e tratamento do

documento de arquivo.

Esse espaço de tempo corresponde a mudanças significativas nos arquivos,

mais precisamente nas formas de criação de registros de informação, em virtude da

adoção das tecnologias de informação nas atividades das organizações. Acredita-se

que essas mudanças também provocaram alterações nas instituições e nas formas

de organização funcional.

3.4 COMPOSIÇÃO DO CORPUS

As regras de seleção do corpus, segundo Bardin (2011) devem ser

estabecidas após uma leitura “flutuante”, que consiste em um contato prévio com as

fontes de seleção das amostras que comporão o corpus. Os critérios definidos por

Bardin (2011) para a seleção do corpus são a exaustividade, a representatividade, a

homogeneidade e pertinência, descritos no item sobre a metodologia.

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113

Para operacionalizar a coleta de dados e seleção, ao critério de

exaustividade, definiu-se que o artigo deveria conter, no título, no resumo e no corpo

do texto termos ligados ao processo de “organização e o tratamento dos

documentos de arquivo”. Seguindo o critério da exaustividade, obtive-se uma

amostra representativa sobre o tema, em todos os periódicos analisados.

Os critérios de homogeneidade e pertinência da amostra tornaram-se

possíveis a partir do cumprimento do critério de exaustividade. Como são periódicos

em línguas distintas, foi necessário realizar a leitura dos artigos para fazer a devida

correspondência de termos em inglês, francês e português.

A coleta e a seleção de artigos para o corpus foram realizadas entre março a

setembro de 2016. Nos periódicos Gazette des Archives e Archival Science foi feita

a consulta à coleção física, na biblioteca da École de Chartes (França). O periódico

Archival Science foi consultado no portal de periódicos da Capes para a captura dos

artigos selecionados. Os artigos selecionados da Gazette des Archives foram

digitalizados, pois o periódico não possui versão eletrônica. Nos periódicos American

Archivist, Archivaria e Acervo a consulta foi feita na versão digital do periódico,

através do portal dos próprios periódicos.

Os artigos das revistas Archival Science e Acervo possuem palavras-chave.

Os outros periódicos não possuem palavras-chave atribuídas pelos autores dos

artigos.

Em virtude de a busca ter sido feita em periódicos editados em três línguas

diferentes, no início, foi possível a percepção de que existe uma variação de

linguagens utilizadas quando se referem ao tema de organização e tratamento em

documentos. Sendo assim a busca somente pelo título e por palavras-chave,

quando essas existiam, não foi o suficiente para compor uma amostra consistente e

uniforme. Além da leitura de título, palavras-chave, introdução, foi necessária uma

leitura previa de todos os artigos para confirmar a sua participação na amostra ou

não. Esse processo se repetiu para a procura em todos os periódicos.

Os termos utilizados como norteadores da busca, inicialmente, foram:

organização e tratamento, classificação, indexação, processamento, descrição

arquivística, arranjo e descrição, normas de descrição arquivística, diplomática,

gestão de documentos. O objetivo foi manter o foco no processamento da

informação nos documentos.

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114

Ao longo da seleção percebeu-se a ocorrência de outros termos que

poderiam fazer parte do escopo de termos de busca, em virtude do melhor

entendimento do contexto temático. Por exemplo, nos periódicos The American

Archivist, Archival Science e Archivaria, o termo “evidence” apareceu em várias

situações aliados aos termos diplomática e descrição arquivística. O mesmo

aconteceu com o periódico Gazette des Archives, com o termo “traitement” e

“classament”, que têm significados específicos na arquivística francesa. A solução

encontrada para essas questões de variação linguística foi a leitura do artigo para o

entendimento da conotação do termo e para a decisão sobre se eles fariam parte ou

não da amostra. Outra solução foi a procura nos dicionários especializados da área

para certificar da compreensão do termo.

3.5 DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE

Para guiar a seleção dos artigos para compor o corpus utilizou-se o “A

Glossary of archival and records terminology” de autoria de Richard Pearce-Moses,

editado pela Associação dos Arquivistas Americanos (Society of American Archivists,

SAA, 2005). Esse glossário é um vocabulário controlado sobre arquivística, que

apresenta a definição dos termos e suas relações. Essa ferramenta foi útil na

compreensão dos conceitos e sua estrutura hierárquica, sendo a única, dentre as

terminologias consultadas, que apresenta os termos em estrutura hierárquica, o que

facilitou a compreensão do tema dentro da área. Para efeitos práticos a referência a

esta obra no corpo do texto será feita por Glossário da SAA.

Diferentemente da primeira edição publicada pela SAA, em 1990, voltada

para profissionais arquivistas, curadores de manuscritos e gestores de documentos,

a versão de 2005 busca ampliar a compreensão dos termos utilizados na

arquivística para um público mais amplo. A principal característica dessa ferramenta

é a atualização do vocabulário da arquivística. Incorpora, nessa medida, expressões

atualizadas utilizadas na arquivística contemporânea, apresentando definições e

relações entre os conceitos. A ferramenta apresenta ainda a contextualização dos

termos, agregando citações de obras que utilizam o termo.

O glossário contém mais de 2000 entradas definidas e mais

de 600 termos com entradas controladas, tais como sinônimos ou termos não

usados. Apresenta cerca de 700 citações de 280 fontes. Incorpora 2500 referências

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115

cruzadas, apresetando, ainda, uma estrutura sintética que mostra as relações entre

termos, recurso que auxilia na compreensão e uso do conceito.

A Fig.2. exemplifica como o termo aparece na publicação. Neste exemplo, o

termo “Classificação”, apresenta as definições e relações entre os termos, tal como

em um dicionário especializado.

Figura 2 – Termo “Classification”: definição e relações

classification, n. (classify, v.) ~ 1. The organization of materials into categories according to a scheme that identifies, distinguishes, and relates the categories. – 2. The process of assigning materials a code or heading indicating a category to which it belongs; see code. – 3. The process of assigning restrictions to materials,la limiting access to specific individuals, especially for purposes of national security; security classification. DF: arrangement NT: business activity structure classification system, class, class code, coded classification, faceted classification, functional classification, security classification, subject classification, synthetic classification RT: access, code, controlled vocabulary, decimal filing system, declassification, taxonomy Notes: Classification may involve physically arranging the materials or use of a class code to index and retrieve documents stored in a different order. For electronic documents, classification may involve assigning a class code used to index and retrieve the document. In some schemes, documents may be assigned to more than one class. – Classification2 in libraries refers to the process of assigning a Dewey, Library of Congress, or other code to indicate where a book is to be shelved.

Fonte: Reproduzido de “A Glossary of archival and records terminology”, SAA, 2015.

O terceiro passo foi a escolha dos termos utilizados para a busca na

classificação dos artigos selecionados. Optou-se por escolher o termo principal e os

relacionados a este, tal como apresentado no glossário. Para a seleção dos termos

foi feita uma leitura detalhada do Glossário e escolhidos os termos ligados ao

processo de tratamento e organização de documentos de arquivo, tendo como base

a fundamentação teórica sobre a atividade de organização e tratamento de

documentos de arquivo, construída para a pesquisa.

Em linhas gerais, considerou-se como termo inicial que caracteriza a atividade

de organização da informação o termo “processing”, que se traduziu por

“processamento”. De acordo com o A Glossary of archival and records terminology

(2005), processamento é o arranjo, descrição e a organização do material

arquivístico para armazenagem e uso. Também pode ser utilizado o termo

processamento arquivístico, mas, de acordo com as notas explicativas do Glossário,

a literatura da área comumente utiliza o termo mais curto “processamento” quando

se trata da organização de material arquivístico.

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116

O termo “tratamento” também é usado em alguns casos para abordar o

processo de organização de material arquivístico, principalmente na língua francesa,

“traitement”, mas esse termo aparece mais associado a atividades de preservação e

conservação de documentos de arquivo, quando se aplicam técnicas próprias para

restaurar e conservar os documentos fisicamente. Assim sendo, o termo

“processamento” é o mais adequado para o caso.

De acordo com a literatura arquivística e a fundamentação teórica da

pesquisa, entende-se que os produtos provenientes da atividade de processamento

são o arranjo e a descrição arquivística.

O arranjo compreende a atividade de organização do material, respeitando a

sua proveniência e ordem original para proteger o contexto e preservar a integridade

física e intelectual de todo o material recolhido.

A descrição arquivística compreende o processo de análise, organização e

registro dos detalhes acerca dos elementos formais de um documento de arquivo ou

de uma coleção de documentos de arquivo tais como produtor, título, datas, medidas

e conteúdo, para facilitar o trabalho de identificação, gestão e compreensão do

conteúdo.

No processamento para a criação do arranjo e descrição são executadas

atividades que têm como bases a classificação, a análise de conteúdo e a

indexação. As principais ferramentas utilizadas são as normas de descrição

arquivística, como a ISAD (G), ISAAR, e normas específicas do arquivo em questão

ou do país em questão. Nos arquivos americanos e canadenses também é utilizado,

na descrição de arquivos especiais, o Manual de Catalogação AACR2.

Nas atividades de classificação podem ser construídas ou utilizadas

ferramentas de controle de vocabulário, tais como tesauros, listas de cabeçalhos de

assuntos temáticos, planos de classificação, quadros de arranjo sistemático, dentre

outros.

A arquivística também utiliza como base para a organização e tratamento dos

documentos os princípios da diplomática, que se referem à criação, à forma e à

transmissão dos documentos, tanto quanto a relação com os fatos nele

representados para identificar, avaliar e comunicar sua natureza e autenticidade.

Dessa forma, o termo diplomática também foi selecionado para guiar a

composição do corpus. No caso do termo “análise arquivística”, adotou-se o termo

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117

tal como aparece nos artigos de língua francesa, apesar de o mesmo não figurar no

glossário ou no dicionário brasileiro de Arquivística.

A análise arquivística, segundo a literatura, compreende a etapa de análise do

conjunto documental ou do item documental para compreender as relações

hierárquicas dos documentos, ou do item documental, para classificação e para a

atribuição de termos de indexação, dependendo das circunstâncias.

Os princípios arquivísticos que fundamentam a atividade de processamento

de documentos: princípio da proveniência, princípio da ordem original e a teoria das

três idades ou ciclo de vida, assim como o conceito de gestão de documentos, não

foram utilizados como termos para a busca direta dos artigos. Foram, porém,

considerados no momento de fazer a seleção de itens do corpus, uma vez que são

esses os princípios que norteiam a atividade de organização da informação em

arquivos.

De acordo com a literatura analisada, esses conceitos são nela tratados em

função de características próprias, tais como a história, a função e os objetivos, que

não são o foco específico da pesquisa. Por isso, não foram utilizados diretamente

como termos de busca. Mas os mesmos são considerados e contemplados nos

termos específicos na seleção do material. Por exemplo, se um artigo que contempla

a atividade de descrição arquivística foi selecionado e se a questão ou o problema

abordado tivesse relação com o princípio da proveniência, ele foi tratado no artigo.

Dessa forma, foi contemplada e analisada a relação de um conceito com

outro, ou seja, examinando-se a descrição arquivística, abordaram-se as questões

que se relacionam com o princípio da proveniência, quando esta era questão ou o

problema em estudo. Entendeu-se, portanto, que esses conceitos, quando

relacionados à atividade de organização e tratamento dos documentos de arquivo,

estavam contemplados na amostra selecionada que compôs o corpus.

De posse dessa compreensão, foi feita a escolha dos termos do Glossário

para guiar a seleção e organização do corpus. Decidiu-se pela tradução dos termos

para o português, apesar de os artigos serem expressos, em sua maioria, nas

línguas inglesa e francesa. Para auxiliar na tradução dos termos utilizou-se como

ferramenta o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (CONARQ, 2005) e o

Dicionário Collins Cobuild, English Dictionary, 2008.

Os termos selecionados apresentados, a seguir, em ordem alfabética, são

acompanhados dos seus termos específicos, que também serviram de guia para a

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118

seleção dos textos. Fizeram-se algumas adaptações dos termos encontrados no

Glossário da SAA para que o objetivo de agrupar assuntos semelhantes fosse

alcançado. Por exemplo, no Glossário consta o termo “descrição”, termo genérico

para descrição bibliográfica, descrição hierárquica e níveis de descrição; o termo

específico “descrição arquivística”, por sua vez, aborda especificamente a descrição

de documentos de arquivo e suas questões. Para atender aos objetivos da pesquisa

e não dispersar o conteúdo optou-se por agrupar os dois termos em um único,

“descrição arquivística” uma vez que estava se tratando especificamente da

descrição de documentos de arquivo a partir de trabalhos da arquivística.

Finalmente, foram escolhidos os termos de seleção dos artigos e agrupados

nas categorias temáticas. Essas mesmas categorias foram utilizadas para

apresentar os resultados da análise dos dados. Seguem os termos utilizados na

seleção e análise do corpus5:

Análise – ou análise de assunto, análise arquivística, análise de conteúdo,

significado, sentido, significação, linguagem;

Arranjo – arranjo arquivístico; princípio da proveniência, ordem original;

Classificação – arranjo, sistema de classificação de atividade, classe, código

de classificação, classificação facetada, classificação funcional, classificação

por assunto, classificação sintética, controle de vocabulário, taxonomia;

Descrição arquivística – história administrativa, manual de descrição

arquivística, regras para descrição arquivística; notas de escopo, notas de

conteúdo; sistema de descrição de série; descrição bibliográfica, descrição

coletiva, descrição hierárquica, nível de descrição, representação;

Diplomática – autenticidade, confiabilidade, veracidade;

Indexação – indexação por conceito, indexação por atribuição, indexação

automática;

Metadados – metadado administrativo, metadado descritivo, Dublin Core,

Marc, preservação de metadados, metadado estrutural;

Normas de descrição – normalização em arquivos, normas de descrição

arquivística; regras para descrição arquivística; AACR2 ou Anglo American

Cataloguing Rules; EAD ou Encoded Archival Description; ISAD ou

5 Vale salientar que esta são as categorias de seleção da amostra, as categorias de analise serão

apresentadas no item 4. Análise de Corpus.

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International Standart Archival Description; MARC Format for Archival and

Manuscripts Control; Documentos pessoais e manuscritos;

Vocabulário controlado – linguagem, linguagem natural, linguagem

controlada, controle de autoridade, classificação, descritor; índice, termo de

índice, thesaurus, thesaurus de nomes geográficos, ontologia, folksonomia.

De posse desses conceitos, foi feita a seleção dos artigos dos periódicos da

área de Arquivística do período de 2000 a 20015. Para fazer parte do corpus era

indispensável que o tema principal do artigo apresentasse um ou mais termos

definidos para a seleção.

Nos periódicos Gazette des Archives, The American Archivist e Archivaria os

artigos não possuem palavras-chave atribuídas pelos autores. Foi necessário,

portanto, atribuí-los a esses artigos.

Os periódicos Acervo e Archival Science possuem palavras-chave atribuídas

pelos autores e que foram utilizadas como guias e adaptadas, em alguns casos,

para os termos selecionados na indexação dos artigos e, assim, definir-se a temática

do artigo. Essa tarefa foi executada unicamente com o objetivo de organizar a

amostra para posterior análise de conteúdo.

Não foi estabelecido um limite de palavras-chave para indexar os artigos.

Considerou-se o grau de profundidade com que o tema era tratado após a leitura e

análise de cada artigo.

Ao longo da análise serão apresentados os artigos dentro de cada categoria

ou subcategoria. O conjunto final de artigos pesquisados será apresentado no

APENDICE – Lista de artigos analisados.

Ao final, a composição da amostra teve como universo de partida cerca de

378 artigos. Após várias etapas de leituras para então compor a amostra e seguindo

os critérios estabelecidos, para a pesquisa, destes, 80 artigos foram selecionados

para compor a amostra pesquisada. A seleção foi feita seguindo os critérios para a

análise de conteúdo, definidos por Bardin (2011) e descritos na Seção 3.4

composição do corpus. Na seleção da amostra foi feita preferencialmente de

trabalhos teóricos em detrimento de relatos ou estudos de caso, embora, alguns

trabalhos de cunho teórico às vezes utilizam relatos de casos como exemplo ou

explicação da teoria. A preferência por trabalhos teóricos deu-se em função de

cumprir o objetivo da pesquisa que foi compreender a fundamentação teórica da

atividade de organização e tratamento da informação nos arquivos do ponto de vista

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da literatura produzida na área de Arquivística específicamente. A seleção final é

apresentado no Quadro 2.

Quadro 2 – Composição da amostra por periódicos nacionais e internacionais (2000-2015).

TITULO PERIÓDICO NUMERO DE ARTIGOS

Internacionais

Archival Science 17

Archivaria 11

La Gazette des Archives 23

The American Archivist 11

Total 62 artigos

Nacionais

Acervo – Revista do Arquivo Nacional 13

Ciência da Informação 2

Informação e Sociedade 1

Perspectiva em Cin. Info. 2

Total 18 artigos

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa com base nos artigos selecionados da amostra

A distribuição dos artigos dentro das grandes categorias estabelecidas, que

serão detalhadas dentro da analise de cada uma, ficou assim distribuida:

• Categoria Classificação: 19 artigos

• Categoria Indexação: 7 artigos

• Categoria Descrição arquivística e normalização: 37 artigos

• Categoria Diplomática: 16 artigos

Algumas observações que podem ser feitas sobre composição da amostra,

em relação aos números, uma vez que análise de conteúdo evidenciará as

observações do conteúdo. São elas:

a) predominância da literatura internacional nos trabalhos teóricos

relacionados ao tratamento da informação. Destaque dado ao periódico La Gazette

des Archives, onde se destacam trabalhos nas categorias de Classificação (10

artigos) e Descrição arquivística – normalização (10) artigos. Isso reflete a influência

da Arquivística francesa nestas duas categorias de assunto. Também se destaca o

periódico Archival Science (17 artigos), que é um periódico novo na área de

Arquivística, mas que possui uma característica editorial com predomínio de

trabalhos teórico.

b) O periódico Acervo publicou um número especial em 2007 sobre normas e

terminologias em arquivos, com destaque para as normas de descrição arquivística.

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São 12 artigos, dentre estes 8 são de autores estrangeiros que escrevem sobre o

tema ou são traduções de trabalhos publicados em periódicos internacionais.

Acontece também com o artigo de Duranti (2015), sobre Diplomática, que é a

tradução do artigo publicado no periódico Archivaria em 1991. O que mostra que,

mesmo sendo um periódico nacional, e tendo artigos na amostra, os autores não

são nacionais e os trabalhos não refletem um pensamento teórico nacional sobre o

tema. O que mostra que a representatividade da literatura brasileira sobre o tema é

pouco expressiva na amostra coletada. Mas não é possível afirmar que isso reflete

em toda a literatura nacional em função dos requisitos definidos para compor a

amostra e em função das fontes pesquisadas.

c) A amostra evidencia uma predominância de trabalhos na categoria de

“Descrição Arquivística e normalização”, (37 artigos). Isso evidência uma

preocupação da área com o tema no período coberto da pesquisa (2000-2015) e

reflete o período de criação das normas arquivística e o início da adoção das

mesmas nos arquivos.

d) Por outro lado, a amostra evidencia um número pequeno de trabalhos

sobre o tema Indexação (7 artigos), em relação a outros temas dentro da área de

tratamento e organização da informação nos arquivos.

e) As categorias “Classificação” (19 artigos) e “Diplomática” (16 artigos),

evidenciando um equilíbrio no número de artigos sobre o tema.

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4 ANÁLISE DO CORPUS

Adotou-se, como exposto na metodologia, o método de análise de conteúdo

(BARDIN, 2011). Para a operacionalização, foram escolhidas as categorias de

temas selecionadas a partir do Glossário da SAA (2005).

Quando necessário, certos conceitos foram agrupados para obter uma ordem

lógica de classificação. Quando um documento abordava mais de um tema, foi ele

classificado em mais de uma categoria. Por exemplo, descrição arquivística e

normalização: em trabalhos que abordam a “descrição arquivística”, aborda-se, via

de regra, também a “normalização”. Preferiu-se separar o tema para obter um

conhecimento verticalizado e aprofundado sobre o mesmo. Quando necessário,

foram também agrupados elementos de análise, como foi o caso dos temas “análise”

e “análise arquivística”, porque esses termos se referem a um mesmo conteúdo sob

denominações distintas.

Em síntese, as grandes categorias de análise de conteúdo utilizadas foram:

Classificação, Indexação, Descrição arquivística, Diplomática . A estes termos foram

subsumidos outros mais específicos, processo explicitado em cada item da análise

realizada .

4.1 CATEGORIA CLASSIFICAÇÃO

A classificação é um processo de organização abstrato cognitivo para

conhecer algo. É também um instrumento para obtenção de conhecimentos

essenciais sobre uma coisa, objeto ou informação.

Segundo Lalande (1993) a classificação é a maneira de ordenar entre si os

conceitos, segundo certas relações que se querem pôr em evidência; relação de

gênero com a espécie; relação do todo com a parte; relação de genealogia, de

hierarquia. O processo de classificação pode ser compreendido, portanto, como

ação de identificar conceitos e suas relações, com a finalidade de compreender um

conjunto de conceitos e suas relações; o instrumento “sistema de classificação” é o

parâmetro utilizado para entender, organizar, representar um conhecimento

existente, de forma sistemática.

O processo de classificação se estrutura com base na linguagem, que se

constitui no instrumento de comunicação das ideias, de externalização do

pensamento. A linguagem é o instrumento de comunicação entre os seres vivos, e

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também o produto da comunicação entre eles. “Linguagem constitui a capacidade

do homem de designar os objetos que o circundam assim como de comunicar-se

com os seus semelhantes”. (DAHLBERG, 1979, p.101). O processo de classificação

implica reconhecer uma determinada forma de linguagem, representada por signos,

e assim estabelecer ou reconhecer as relações expressas por essa linguagem por

meio dos conceitos.

Classificar é um processo humano carregado de subjetividade e

intencionalidade e por isso sujeito a contradições. Foucault (2007) refere-se às

dificuldades do processo de classificar as coisas do mundo; o ato em si de classificar

algo é complexo e controvertido:

Inútil voltar aos pressupostos de tal método. Basta mostrar aqui suas consequências: a dificuldade de apreender a rede capaz de ligar, umas às outras, pesquisas tão diversas como as tentativas de taxonomia e as observações microscópicas; a necessidade de registrar como fatos de observação os conflitos entre os fixistas e os que não são, ou entre os partidários do sistema; a obrigação de dividir o saber em duas tramas que se imbricam, embora estranhe uma à outra: a primeira, definida pelo saber já acumulado (a herança aristotélica ou escolástica, o peso do cartesianismo, o prestígio de Newton), a segunda pelo que ainda se ignorava (a evolução, a especificidade da vida, a noção de organismo); e, sobretudo, a aplicação de categorias que são rigorosamente anacrônicas em relação a esse saber. (Foucault, 2007, p. 174).

O termo classificação é apresentado no Glossário da SAA da seguinte forma:

Figura 3 – Termo Classification

classification, n. (classify, v.) ~ 1. The organization of materials into categories according to a scheme that identifies, distinguishes, and relates the categories. – 2. The process of assigning materials a code or heading indicating a category to which it belongs; see code. – 3. The process of assigning restrictions to materials, limiting access to specific individuals, especially for purposes of national security; security classification. DF: arrangement NT: business activity structure classification system, class, class code, coded classification, faceted classification, functional classification, security classification, subject classification, synthetic classification RT: access, code, controlled vocabulary, decimal filing system, declassification, Taxonomy

Fonte: Reproduzido de “A Glossary of Archival and Records Terminology”, SAA, 2005.

Conforme o Glossário, a classificação é o processo de organizar materiais em

categorias, de acordo com parâmetros que as identificam, distinguem e relacionam.

O termo é definido como arranjo e agrupa como termos específicos, os sistemas de

classificação de estrutura, de atividades empresariais, classe, código de classe,

classificação codificada, classificação facetada, classificação funcional, classificação

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de segurança, classificação de assunto, classificação sintética. Os termos

relacionados são, acesso, código, controle de vocabulário, sistema de classificação

decimal, desclassificação, taxonomia.

Observa-se que o termo “classificação” aparece na literatura da arquivística

como denominação dos processos para organizar documentos de acordo com um

plano de classificação pré-estabelecido, como também em atividades relacionadas

ao processo de criar planos ou esquemas de classificação.

Para a análise do corpus da presente pesquisa, o termo “classificação” foi

tratado tanto como atividade própria de classificar quanto como a concepção e

criação de instrumentos de classificação.

Para tanto, considerou-se “classificação” como um termo geral, subordinando

a ele o termo “arranjo”, tal como apresentado no Glossário, ou seja, foram

agrupados os documentos que abordam a classificação genericamente falando e os

documentos que se referem aos sistemas de classificação de atividades, classes,

códigos de classificação, classificação facetada, classificação funcional,

classificação por assunto, classificação sintética, controle de vocabulário e sistema

de classificação decimal e taxonomia.

A classificação nos arquivos é a atividade inicial do processo de organizar

documentos, sendo essencial para a identificação de itens de descrição arquivística

para a organização de fundos e análise de conteúdo dos documentos de arquivo,

tanto para avaliação e seleção, quanto para localização e acesso.

O corpus aponta uma produção representativa sobre classificação. Foi

identificado um total de 18 trabalhos, sendo três publicações nacionais e 15

publicações do exterior.

O periódico Gazette des Archives, apresentou o maior número de trabalhos.

Os trabalhos deste periódico, como também os trabalhos da Archival Science e

Archivaria são principalmente caracterizados como relatos de caso.

São detalhados o contexto do caso e as atividades ocorridas e, nessa

perspectiva, apresentada também uma abordagem teórica sobre o tema

classificação.

Os artigos selecionados dos periódicos brasileiros são estudos teóricos sobre

o tema ou revisões de literatura.

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Quadro 3 – Artigos sobre “Classificação” em periódicos nacionais e internacionais (2001- 2013)

AUTOR TITULO PERIODICO ANO

1 Maria Guercio Principles, Methods, and Instruments for the Creation, Preservation, and Use of Archival Records in the Digital Environment

The American Archivist

2001

2 Paul Sabourin Constructing a Function-Based Records Classification System: Business Activity Structure Classification System

Archivaria 2001

3 Claire Sibille Le fonds Dampierre aux Archives nationales (archives familiales et de fiefs)

La Gazette des Archives

2005

4 Elizabeth Verry Le fonds Lionel Chretien aux Archives Departamentales de Maine-et-Loire

La Gazette des Archives

2005

5 Myriam Drouhard, et al

Les outils de la conservation et du classement (par les auteurs du Petit guide)

La Gazette des Archives

2006

6 Luiz Carlos Ribeiro Et Al

Descrição arquivística do acervo documental do conselho regional de desporto do Paraná Acervo

2007

7 Elaine Rosa Rios, Rosa Inês Novais Cordeiro

Plano de classificação de documentos arquivísticos e a teoria da classificação:

Pers. em Ciência da Inf.

2010

8 Jean-Baptiste Auzel Décrire les relations entre les fonds. Analyses et propositions à la lumière des archives napoléoniennes

La Gazette des Archives

2011

9 Sabine Mas, Dominique Maurel, And Inge Alberts

Applying Faceted Classification to the Personal Organization of Electronic Records: Insights into the User Experience

Archivaria 2011

10 Aude Collet Le plan de classement des documents dans un environnement électronique : concepts et repères

La Gazette des Archives

2012

11 Florence Beaume Externaliser le classement : une approche pragmatique

La Gazette des Archives

2012

12 Greg Bak Continuous classification: capturing dynamic relationships among information resources

Archival Science 2012

13 Maria Izabel De Oliveira

Classificação e avaliação de documentos. Normalização dos procedimentos técnicos de gestão de documentos

Pers. Ciência da Inf.

2012

14 Anne Citeau-Berg Du plan d’archivage au système documentaire numérique: le records management en pratique à CUS Habitat

La Gazette des Archives

2012

15 Bénédicte Grailles La fonction archives à l’UNESCO, entre exemplarité et controverses (1947-1971)

La Gazette des Archives

2013

16 Émilie Charrier; Sylvie Le Goëdec

Décrire et conditionner le fonds du service central photographique du ministère de l’Intérieur : un exemple de classement d’images sans paroles

La Gazette des Archives

2013

17 Julie Lauvernier Mettre en ordre les archives des départements : genèse et élaboration du cadre de classement des Archives départe-mentalês

La Gazette des Archives

2013

18 Murilo Billig Schäfer, Eliseu Do Santos Lima

A classificação e a avaliação de documentos: análise de sua aplicação em um sistema de gestão de documentos arquivísticos digitais

Ciência da Informação

2013

19 Patricia Garcia Documenting and classifying labor: the effect of legal discourse on the treatment of H-2A workers

Archival Science 2015

Fonte: Elaborado pela autora com base amostra selecionada de artigos

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126

Para a analise, definiram-se os seguintes itens, dentro da categoria

classificação:

a) definição de classificação nos arquivos;

b) as bases teóricas de elaboração de classificações;

c) os produtos da classificação;

d) as críticas quanto ao uso da classificação nos arquivos.

4.1.1 Definições de classificação nos arquivos

A discussão sobre a definição de classificação aplicada aos arquivos é uma

constante nos documentos consultados. Embora os processos sejam comuns, a

função e os objetivos da classificação são adaptados ao contexto dos arquivos.

Drouhard et al (2006) destacam que a classificação é uma operação

complexa e delicada, que consiste em compreender a estrutura de um fundo

documental e identificar uma ordem lógica dos documentos por meio de um exame

objetivo. Classificar é dar valor aos documentos.

Schafer e Lima (2012) citando Lopes (1997) esclarecem que a classificação é

a “sequência de operações que, de acordo com as estruturas organizacionais,

funções e atividades, visam distribuir os documentos em classes e subclasses”.

(p.141).

Para a arquivística francesa, o termo “Classement” é uma das etapas do

recolhimento de documentos, sendo o conjunto documental levado ao arquivo para

ser tratado e descrito, alocado no fundo arquivístico a que pertence, por meio do

“quadre de classement” ou quadro de fundo (PIAF, 2015). Trata-se da escolha do

local do fundo arquivístico, ao qual o conjunto documental pertence.

O fundo é estabelecido, a princípio, no quadre de classement, com a definição

de série e subsérie do arquivo. O processo de classificação ocorre na elaboração a

priori do fundo arquivístico, levando em consideração as atribuições e missão do

arquivo e a história de constituição do organismo ao qual ao arquivo está ligado.

Para Sousa e Araújo Junior (2013), a classificação nos arquivos tem o

objetivo de “manter o vínculo arquivístico, fundamentar a avaliação e a descrição e

possibilitar a recuperação da informação contida nos documentos” (p.132).

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A classificação nos arquivos é um processo que considera todo o ciclo de

existência do documento; é base, portanto, das atividades de gestão de documentos

até sua incorporação aos arquivos definitivos. A seguir, foram apresentadas as

principais funções presentes na amostra estudada.

Uma das funções da classificação é conhecer o conjunto documental e

estabelecer o valor do documento para as operações de avaliação, seleção e

gestão. Aplica-se também à identificação de elementos para a descrição e para a

criação de instrumentos de recuperação da informação.

Drouhard et al (2006) afirmam que, para estabelecer o valor do documento,

faz-se necessário um preâmbulo ao ato de conhecer os documentos, que é

conhecer a história do acervo. Faz-se isso para atribuir-lhe uma ordem,

classificando-o, para depois descrever ou inventariar o acervo.

Sibille (2006) descreve a organização do arquivo do fundo Dampierre, família

de marqueses da França e seus aliados. O trabalho de recolhimento do fundo ao

Arquivo Nacional da França é um exemplo de classificação utilizado como

instrumento para conhecer a história do arquivo e entender o valor dos documentos.

A autora destaca que, por meio da classificação, foi possível encontrar

documentos que estavam dispersos em três fundos, em função das mudanças

ocasionadas pelas decisões que a família tomou ao longo do tempo. As primeiras

tentativas de organizar o acervo tiveram início em 1933, mas somente em 2002 foi

possível juntar os vários fundos e identificar documentos que enriqueceram o

acervo. A classificação possibilitou a localização de documentos que estavam

dispersos em diferentes fundos. Isso fez os documentos adquirirem valor e

importância a partir da identificação da relação dos mesmos dentro dos fundos.

Nesse caso, com o processo de classificação, também foi possível identificar o

percurso de conjuntos documentais.

Esse exemplo mostra como a classificação escolhida pode explicitar as

diferentes visões de diferentes organizadores, arquivistas, ao longo de um processo

de tratamento. Isso é recorrente nos processos de organização de arquivos que

possuem grande quantidade de itens e levam anos para serem organizados e,

consequentemente, passam por profissionais diferentes e com diversas visões. A

classificação pode ajudar a estabelecer o real valor do documento ao longo do

processo de tratamento.

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Sabourin (2001); Schafer e Lima (2012); Rios e Cordeiro (2010) e Sousa e

Araújo Junior (2013) apontam uma série de benefícios que a classificação pode

proporcionar na obtenção de eficiência na avaliação e gestão de documentos.

A gestão de documentos arquivísticos envolve ações de controle das

informações sobre o documento, desde a sua criação até a destinação final, por

meio da avaliação do valor informacional que ele possui e que “para atingir esse

objetivo, as adoções de instrumentos voltados à classificação e avaliação tornam-se

indispensáveis” (SOUSA, ARAUJO JUNIOR, 2013, p.143).

O plano de classificação e a Quadro de temporalidade são os instrumentos

empregados no processo de avaliar o valor do documento na gestão de

documentos.

A classificação nos arquivos é utilizada para a elaboração dos planos de

classificação e depois para seu uso e acontece, em geral, junto à produção do

documento, “de modo a auxiliar na racionalização dos procedimentos para a gestão

documental institucional” (RIOS E CORDEIRO, 2010, p. 125). O documento então é

integrado à política de informação do arquivo.

Sabourin (2001) destaca que a busca de eficiência nos processos de gestão

da informação e dos documentos nas instâncias de governo é essencial para manter

a qualidade dos serviços administrativos. O projeto relatado buscou atualizar o

esquema de classificação de documentos, baseado em assuntos, que fora criado na

década de 1960, para um sistema baseado em funções administrativas. Segundo o

autor, o sistema de classificação de documentos proposto tende a melhorar os

processos de avaliação e identificação do valor do documento, explicitado pelas

funções organizacionais ao qual ele está relacionado, e não por seu conteúdo,

porque podem estar carregados de análise subjetiva e circunstancial.

No caso relatado por Citeau-Berg (2012), foi desenvolvido um plano de

classificação como ferramenta de suporte à gestão de documentos do setor de

habitação da prefeitura da cidade de Strasbourg, na França. O setor GUS Habitat é

responsável pela gestão dos aluguéis sociais da cidade, desde 1923. O setor é

responsável por conservar os documentos dos processos e controlar o valor jurídico

das atividades.

Após anos de trabalho, o acervo foi digitalizado para racionalizar espaços e

melhorar o processo de recuperação e busca dos documentos. O setor de gestão da

informação juntamente com a gestão de documentos elaboraram um plano de

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classificação por processos para controlar a validade jurídica dos documentos e

atribuir classe temática aos documentos digitalizados e aos que foram produzidos e

estão alocados em meio digital.

O plano de classificação dos documentos auxilia a gestão dos documentos

quanto aos aspectos de avaliação, recolhimento e recuperação. A dificuldade

relatada no caso é manter a atualização das classes de assuntos, para o meio

eletrônico, pois quando existe qualquer alteração das classes e subclasses de

documentos no plano, isso implica realizar alterações em toda a cadeia

correspondente.

Sousa e Araújo Junior (2013) destacam a classificação como ponto de partida

para a construção de toda a prática arquivística, pois ela sustenta os processos

principais de avaliação e descrição arquivísticas, seja na gestão de documentos ou

nos arquivos definitivos. A classificação explicita o “conjunto documental

representado pelo fundo, série ou subsérie, isto é, os agrupamentos documentais

resultantes do processo de classificação.” (p.133).

Outra função da classificação é auxiliar a restaurar a ordem original dos

documentos. Schafer e Lima (2012) afirmam que entre os objetivos da classificação

“destacam-se: a recuperação do contexto original de produção dos documentos,

visibilidade das funções, subfunções e atividades do organismo produtor” (p.141).

No caso do fundo Dampierre, descrito por Sibille (2006), a dispersão do fundo

decorreu por decisão dos detentores do acervo. Os conjuntos documentais de

natureza pessoal ou arquivos familiares foram dispersos e, em alguns casos, foram

acrescentados documentos, retirados ou separados.

A classificação apresenta-se como um processo ou instrumento que

possibilita recompor a ordem original ou mesmo fazer com que os organizadores

possam entender o que ocorreu com o percurso do documento.

Esse também foi o caso relatado por Verry (2005), que descreve o

recolhimento de um arquivo familiar do fundo Lionel Chretien nos Archives

Departamentales de Maine-et-Loire. O acervo foi afetado por um desastre natural,

uma tempestade, que destruiu grande parte do acervo do fotógrafo Lionel Chretien.

O acervo era considerado de grande riqueza, pois era a coleção de uma linhagem

de fotógrafos que retratava a evolução histórica da região de Angers, na França.

Após o acidente, o que restou do acervo foi tratado, recuperado e reconhecido e, por

meio da classificação do fundo, foi possível identificar as lacunas existentes no

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acervo e proceder à sua recomposição por meio de fotos identificadas em outros

fundos do arquivo.

Charrier e Le Goedec (2013); Sousa e Araújo Junior (2013); Mas; Maurel;

Alberts (2011) destacam em seus trabalhos a função da classificação como

instrumento para promover a determinação mais exata e clara dos conteúdos de

informação nos documentos.

Mas; Maurel; Alberts (2011) abordam o caso dos documentos digitais

carregados de especificidades semânticas dos criadores; dentro de seus campos de

trabalho, são beneficiados pelo uso de instrumentos construídos com base na

classificação. No caso específico, foi utilizado um sistema de recuperação baseado

em classificação facetada, que auxiliou a melhor definir os conteúdos dos

documentos, bem como estabelecer relações entre eles, o que melhora a

compreensão e a recuperação em sistemas de informação.

Charrier e Le Goedec (2013) expõem a organização do acervo fotográfico do

ministério do interior da França, com um volume de cerca de 3250 caixas, composto

de negativos recolhidos em 1978. Relatam que a falta de documentos sobre a

produção desse acervo, acompanhada da dificuldade inerente da leitura das

imagens de negativos, foi um obstáculo para o tratamento do acervo. Ao longo do

tempo, dois outros conjuntos de documentos foram reunidos a este, por

características físicas e para fins de preservação e conservação.

A necessidade de tratar o acervo, em vista de seu interesse crescente nos

arquivos contemporâneos e o uso das tecnologias digitais para tratar imagens

contribuiu para dar maior celeridade ao tratamento. Mas o trabalho de classificação,

de acordo com os fundos arquivísticos existentes no arquivo Nacional, foi bastante

difícil, pela ausência de informações sobre o histórico de composição do fundo.

Segundo Charrier e Le Goedec (2013), f oi necessário realizar o levantamento

do funcionamento do serviço no ministério, detalhar os setores, os serviços e o

funcionamento, para, a partir dessa estrutura de classificação, realizar o trabalho de

identificar o conteúdo das imagens digitalizadas, identificar a quais serviços as

imagens pertenciam e os elementos presentes nas mesmas. As imagens

digitalizadas dos negativos não mostravam somente pessoas, mas também imagens

de documentos dos setores. Por meio da identificação, a partir do conteúdo das

imagens, foi possível datar um período histórico entre 1907 a 1963 e recompor os

elementos para conhecer o acervo.

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Esse caso foi pioneiro no tratamento do conteúdo das imagens, por meio de

um plano de classificação, para recompor os elementos de funcionamento da

estrutura funcional da instituição. Diferentemente do documento escrito, em que

seus elementos físicos intrínsecos facilitam o reconhecimento, no caso de imagens é

necessário definir elementos de identificação de conteúdo para sua efetiva

recuperação e usos.

Sousa e Araújo Junior (2013) também destacam a função dos arquivos no

auxílio à determinação de conteúdos, ressaltando que isso pode contribuir para

melhorar o processo de recuperação de informação. Apontam que a classificação,

juntamente com a indexação de documentos, com uso de vocabulários controlados,

mostra as “relações entre os documentos e os conteúdos de que tratam os

documentos, espelhando suas funções/atividades e conduzindo os usuários à

recuperação da informação” (p.133).

Em síntese podemos compreender que a definição de classificação nos

arquivos esta atrelada a sua função nos arquivos como suporte a processos e

operações. Sendo assim podemos compreender que:

a) Com base nas definições de Drouhand, et al (2006), Sibille, (2006) podemos

entender que a classificação é compreendida como um processo abstrato,

intelectual de compreender o conjunto documental e seu histórico de criação com a

função para assegurar o valor do documento e do conjunto documental e poder

assim, descreve-los, organiza-los e gerencia-los.

b) As definições de Sabourin (2001); Schafer e Lima (2012); Rios e Cordeiro (2010)

Sousa e Araújo Junior (2013); podemos compreender que a classificação pode ser

entendida como uma operação que tem a função dar suporte a avaliação, seleção,

gestão e para a criação de instrumentos de recuperação da informação, tais com os

planos de classificação, a Quadro de temporalidade e destinação dos documentos.

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4.1.2 As bases teóricas de elaboração de classificações

Como a classificação é um processo de organização do conhecimento que

serve a várias áreas da ciência, muitos são os modelos teóricos utilizados na sua

elaboração.

Sabourin (2001) descreve a construção de um sistema de classificação de

documentos baseado em funções administrativas, utilizado pelo governo do Canadá

para a avaliação e eliminação de documentos. A ferramenta é utilizada para a

gestão de documentos do governo canadense e as entidades nacionais privadas.

A construção do sistema, BASCS, Bussiness Activity Struture Classification

System, baseia-se em um modelo que evidencia as funções institucionais.

Rios e Cordeiro (2010) apresentam um estudo sobre as propostas

metodológicas de construção de planos de classificação. Destacam que os planos

de classificação arquivísticos são diferentes de outras ferramentas de controle de

vocabulário, como os tesauros e listas de cabeçalho de assunto; na classificação

arquivística, os assuntos estão presentes nas classes e subclasses que refletem a

estrutura, as funções e as atividades da instituição. “O assunto pode ser uma

disciplina, ramo ou tópico do conhecimento, espaço geográfico, época, período ou

tempo cronológico, pessoa ou instituição” (p. 126) e, de maneira secundária, uma

forma de apresentação da informação.

Como base para o estabelecimento de assuntos, Rios e Cordeiro (2010)

também apontam a classificação facetada de Ranganathan, os esquemas da

Classificação Decimal de Dewey e da Classificação Decimal Universal. Os critérios

mais utilizados na elaboração de planos de classificação de arquivos têm como base

o modelo funcional, que corresponde às funções desenvolvidas pela instituição

produtora ou receptora dos documentos. Outro critério de organização é a ordem

estrutural, que se refere às divisões estruturais da instituição.

Também no trabalho de Maurel e Alberts (2011) é proposta a adoção do

modelo de facetas, com base na classificação facetada de Ranganathan, para a

elaboração de sistemas de classificação de documentos eletrônicos. Este modelo

tende a melhorar a eficiência do uso da classificação de documentos, por ser

possível identificar os diferentes atributos de um documento, tarefa que muitas

vezes impossibilita a sua classificação em um lugar único, além de comportar

diferentes pontos de vistas do classificador. Neste caso, foi desenvolvido um projeto

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piloto, em uma universidade, para classificar os documentos eletrônicos de cursos,

utilizados pelos professores.

Para Rios e Cordeiro (2010) e Sousa e Araújo Junior (2013), o princípio da

proveniência, da ordem original e de respeito aos fundos é considerado a base mais

usual de tratamento de documentos e também para a elaboração de planos de

classificação. Porém, mais do que um modelo para a construção de esquemas de

classificação, este processo operacionaliza tais princípios no trabalho arquivístico.

O esquema de classificação construído com base na estrutura funcional

institucional define a origem dos documentos e seus desdobramentos na ordem

original e na definição do quadro de fundo onde o documento será alocado.

É claro que esse procedimento funciona de maneira mais eficiente na etapa

de gestão de documentos, em que é possível ter um controle maior sobre a origem

do conjunto documental. Nos casos de massas de documentos resultantes de

recolhimento, em que é difícil a identificação de origem, pode não ser possível

reestabelecer a ordem original. Nestes casos, a classificação por assuntos é uma

ferramenta do processo de organização e identificação de conteúdos que permite

sua recuperação a despeito da não identificação de origem.

4.1.3 Os produtos da classificação

Nos trabalhos analisados, os autores destacam como produtos da operação

de classificação o conhecimento da história de composição dos conjuntos

documentais, a identificação e classificação de conteúdos e os elementos de

identificação para a descrição física e para a estrutura do fundo, série, subsérie,

coleção, dossiê e item documental, quando for o caso. Possibilitam, também, a

criação de um plano de classificação do conjunto documental ou do fundo.

Drouhard, et al (2006) destacam que a classificação reflete de maneira

objetiva a natureza dos documentos ou dossiês documentais, que tornam possível a

identificação, dentro de um conjunto, dos documentos arquivísticos de valor e a

definição do lugar do documento no fundo ou dossiê, como também o

reconhecimento de elementos cronológicos, temáticos e topográficos do documento

para a criação de inventários e outros instrumentos de pesquisa.

No trabalho de Charrier e Le Goedec (2013) é possível perceber que a

classificação gera como produto a identificação do conteúdo de imagens de

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negativos de filmes, atrelado à estrutura histórica do acervo. Uma vez que a

classificação, a partir da estrutura funcional, define atividades e serviços a que o

acervo de imagens está ligado, possibilita a identificação e o reconhecimento de

conteúdo das imagens.

4.1.4 Críticas ao uso da classificação nos arquivos

Apesar da afirmativa de autores da arquivística, como Rousseau e Couture

(1994) e Fernanda Ribeiro (1996), que ressaltam a importância do uso da

classificação nos arquivos, a adoção dessa prática e das ferramentas de

classificação e indexação temáticas não é um tema pacífico na área. Fernanda

Ribeiro ressalta a distinção entre a classificação empregada em arquivos e em

bibliotecas:

O quadro de classificação de um fundo é, muitas vezes, utilizado como meio para aceder ao conteúdo, especialmente quando o tratamento da documentação se faz a um nível pouco detalhado, como acontece no caso da elaboração de um inventário. Assim, poder-se-ia pensar que o quadro classificativo de um fundo é suficiente para uma abordagem geral do seu conteúdo, sendo dispensável a indexação. Porém, esta suposição não é correcta, (sic) (...). Um quadro de classificação em Arquivo representa a estrutura orgânico/funcional do fundo ao qual se aplica; é completamente diferente, na sua essência, dos sistemas de classificação bibliográficos, cujas rubricas representam assuntos. (RIBEIRO, 1996, p.59).

Rosseau e Couture (1994) pontuam que “a classificação de documentos

administrativos foi objeto de muitas tentativas” (p.49). As consequências da

Revolução Francesa de juntar os arquivos e abri-los para consulta “evidencia os

problemas da classificação”; era preciso conhecer os documentos para ordená-los e

disponibilizá-los aos cidadãos.

A base cronológica, metodológica e os princípios dos enciclopedistas

fundamentam as controvérsias sobre classificação em arquivos. Foi o princípio da

proveniência que instituiu a base para que a classificação se desenvolvesse de

maneira adequada à natureza dos arquivos. A obediência a esse princípio e a

necessidade de preservar a ordem original permitiu o desenvolvimento dos sistemas

de classificação de fundos arquivísticos. Com isso, os documentos podem ser

recolhidos aos arquivos, já classificados de acordo com a sua origem, de modo a

facilitar os processos de avaliação, identificação e descrição.

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No corpus analisado, Bénedict Grailles (2013) discutem o arquivo da

UNESCO, e a influência que o modelo de organização desse arquivo teve na

arquivística mundial. O arquivo da UNESCO foi criado em 1945. É um arquivo

histórico, denominado de “registry”. Baseou-se na classificação decimal universal

(CDU) para a gestão de documentos, para criar dossiês. O autor relata a influência

desse modelo, baseado na CDU, na arquivística francesa e as pressões para

propagar o modelo UNESCO na criação de planos de classificação de arquivos na

França e em várias partes do mundo.

Em 1954, Johan Piertese, então chefe da divisão de classificação da

UNESCO, publicou um artigo “Les archives administratives: pour l’organisation

rationnelle des services du courrier”, no periódico Archivum, sugerindo a adoção do

modelo teórico da CDU para a criação do plano de classificação para todos os

arquivos da UNESCO e para os arquivos de todos os órgãos associados e

instituições. Ele defendeu enfaticamente a utilização da CDU como plano de

classificação e como ferramenta de uniformização e padronização internacional de

tratamento dos arquivos. Este modelo contrapõe-se ao modelo francês de

estabelecimento de fundos e subfundos arquivísticos, baseado no princípio da

proveniência.

Depois desse artigo, surgiu uma forte corrente defensora da adoção do

modelo para os arquivos franceses. Um dos defensores na França do modelo da

UNESCO foi Rene Dubuc, presidente da Federação Internacional de

Documentação.

Guy Dubosq, presidente da Associação dos Arquivistas Franceses e futuro

diretor do Arquivo Nacional recusou polidamente a investida de Dubuc e explicou

que o modelo não era condizente com a realidade da prática arquivística francesa,

composta de milhares de pequenos arquivos. Sua adoção poderia promover o

desacordo total com a gestão dos arquivos em virtude da diversidade de

interpretações que o modelo poderia ter.

Após as tentativas de alguns arquivos em substituir seus modelos de plano

de classificação pelo modelo da UNESCO, a Associação dos Arquivistas Franceses

construiu progressivamente uma ofensiva anti-CDU. O arquivista Roger Sève,

elaborou um relatório rebatendo ponto por ponto as questões propostas pelos

defensores da CDU como modelo; finalizou afirmando que a CDU é uma

classificação usada para documentos bibliográficos, portanto, para organizar o

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conhecimento humano geral, encontrado em livros, e não para um conjunto de

documentos específicos gerados por uma instituição, em decorrência de suas

atividades particulares.

Em 1959, Yves Pérotin encerrou, em um relatório, a questão sobre a adoção

do modelo UNESCO nos arquivos franceses e distribuiu uma circular a todos os

arquivos da França enfatizando o não uso do modelo da CDU em planos de

classificação. Em 1971, no congresso da UNESCO, em Bonn, os arquivistas da

instituição declararam que entendiam e aceitavam o princípio de proveniência e de

respeito aos fundos como modelo de classificação para os dossiês, rejeitando,

portanto, a CDU como modelo. Em 2000, esse modelo foi totalmente abandonado

pelos arquivos da UNESCO.

Outros problemas com relação à adoção da classificação nos arquivos

referem-se à transitoriedade do valor do documento. O documento classificado pode

ter diferentes atributos (assuntos) e pode ser classificado em diferentes lugares ou

sob diferentes assuntos (DROUHARD, et al, 2006), (MAS, MAUREL, ALBERTS,

2011). Os documentos são classificados em um local, segundo a avaliação arbitrária

e subjetiva de um indivíduo (MAS, MAUREL, ALBERTS, 2011).

Outra dificuldade aparece no uso dos esquemas de classificação baseados

em estruturas institucionais para agrupar documentos digitais. A dificuldade está no

fato de os termos utilizados na terminologia organizacional serem genéricos e

formais, não contemplando as peculiaridades dos termos utilizados em ambientes

operacionais pelos funcionários, criadores dos documentos e utilizadores, que

adotam terminologia de acordo com a semântica relacionada ao domínio de

expertise. (MAS, MAUREL, ALBERTS, 2011).

Maurel, Alberts (2011) e Sousa e Araújo Junior (2013) observam que a rigidez

dos esquemas de classificação baseados na estrutura institucional e sua não

atualização desencorajam o uso destes esquemas. Sousa e Araújo Junior (2013)

resumem em quatro facetas a problemática do uso da classificação em arquivos:

A primeira, a indefinição e imprecisão do objeto de estudo da arquivística. A segunda, a necessidade de um tratamento interdisciplinar da questão. A terceira, o caráter positivista das práticas e intervenções, verificado na trajetória da produção do conhecimento na área. E por último, a ausência de procedimentos metodológicos para a coleta de dados necessários à construção de instrumentos de classificação (p.135).

Em resumo, pode-se concluir que o uso da classificação nos arquivos é uma

prática fundamentada em processos e bases teóricas. Apresenta-se como uma

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137

prática que sustenta a instauração dos princípios arquivísticos da proveniência e

ordem original e serve como instrumento para a organização de todos os tipos de

conjuntos documentais, seja para a gestão de documentos ou em arquivos

definitivos.

Com relação às funções de classificação nos arquivos, foi possível perceber a

relação intrínseca do processo de classificar com a gestão de documentos e a

descrição arquivística, sendo que a função de conhecer a produção documental e o

conteúdo dos documentos é facilitada pela classificação. Cumpre-se, desta forma, o

princípio básico da classificação como instrumento para conhecer a realidade e

organizar o saber.

4.2 CATEGORIA INDEXAÇÃO

Os manuais tradicionais de tratamento de arquivos consideram que eles

devem ser tratados como conjuntos ou agrupamentos documentais em fundo, série,

subsérie, seção ou dossiês. A justificativa para a adoção desse modelo está ligada,

em parte, à grande quantidade de massas documentais tratadas. Alguns autores

que estudam a classificação, a categorização e a descrição nos arquivos com base

em princípios arquivísticos (YEO, 2012; MEEHAN, 2010; CURRALL, MOSS,

STUART 2004, MILLAR, 2002), também atribuem a adoção desse modelo de

tratamento juntamente à necessidade de manutenção dos itens de forma agrupada,

respeitando os princípios arquivísticos da proveniência e da ordem original. A

manutenção dos conjuntos documentais facilita as pesquisas futuras, evitando a

dispersão de documentos.

A perspectiva de tratar os documentos como itens documentais é uma

atividade relativamente recente, porque o tratamento de conjuntos documentais

pode não atender às necessidades dos usuários (MILLAR, 2002). Os motivos

apontados para essa mudança levam em consideração o processo de produção dos

documentos, em meio digital, no contexto das organizações, os hábitos de pesquisa

dos usuários e a adoção das tecnologias de informação no trabalho dos arquivistas.

Na lógica de trabalho contemporâneo, os produtores de documentos estão

espalhados na organização ou fora dela, muitas vezes ligados pela rede internet.

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Dito de outro modo, atualmente, a produção de documentos é realizada por

várias categorias de trabalhadores, em plataformas de trabalho diferentes, sendo

gerados documentos em diferentes formatos, de forma dispersa.

Atrelada a essa realidade, os hábitos de pesquisa dos usuários e a

disponibilização de ferramentas tecnológicas para criar sistemas de recuperação de

informação afetam o modelo de agrupamento de documentos em conjunto. Por

esses motivos, a classificação e a indexação vêm sendo cada vez mais

consideradas nos arquivos, a despeito de ainda ser o tema pouco frequente na

literatura e nas ferramentas terminológicas da área. O termo indexação está

presente no Glossário da AAS da seguinte forma:

Figura 4 – Termo Indexing

indexing, n. ~ The process of creating an ordered list of concepts, expressed as terms or phrases, with pointers to the place in indexed material where those concepts appear. NT: assignment indexing, automatic indexing, concept indexing, coordinate indexing system, depth indexing, extraction indexing, postcoordinate indexing, precoordinate indexing RT: index, self-indexing files, specificity of indexing

Fonte: Glossary of Archival and Records Terminology, 2005, p. 201.

A indexação nos arquivos é prioritariamente vista como indexação por

assuntos, conforme aponta o Glossário do SAA, que a define como um processo de

criação de uma lista ordenada de conceitos, expressos em termos ou frases,

indicando os documentos em que eles aparecem. No Dicionário Brasileiro de

Arquivística (2005) o termo “indexação” é também definido como um processo “pelo

qual documentos ou informações são representados por termos, palavras-chave ou

descritores, propiciando a recuperação da informação.” (p. 107).

O termo aparece no Dicionário Brasileiro de Arquivística (2005) somente em

língua portuguesa, não tendo tradução para nenhum outro idioma. A norma ISAD(G)

(2006) não apresenta o termo “indexação” em seu glossário, porém apresenta os

termos “indexação pós-coordenada”, definida como indexação por termos que são

combinados durante a busca feita nos instrumentos de pesquisa e “indexação pré-

coordenada”, que é a atribuição de termos aos documentos previamente, com uma

ferramenta de controle de vocabulário, antes de ser inserido em um sistema de

descrição e recuperação.

Posteriormente, esses mesmos termos podem auxiliar nas buscas de

documentos em sistemas de recuperação. Embora na definição da Norma ISAD (G)

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139

não se encontrem especificadas as tipologias de ferramentas utilizadas para a

indexação pré-coordenada, a mesma norma define o termo “tesauro” que é

reconhecidamente uma ferramenta de controle de vocabulário.

Em um tesauro, os termos são extraídos da linguagem natural, são

“normalizados, agrupados por afinidades semânticas, com a indicação das relações

de equivalência, hierárquicas, partitivas, de negação e funcionais estabelecidadas

entre eles”. (ISAD (G), 2006, p. 16).

Para a análise do corpus da presente pesquisa, a indexação foi considerada

como um processo pelo qual são identificados os termos representativos do

conteúdo dos documentos arquivísticos. Esses elementos podem fazer parte do

conteúdo explicito do documento, tais como nome, lugar, tipologia documental ou

ser identificados por meio de análise de conteúdo, com uso de uma ferramenta de

controle de vocubulário, como um tesauro (cabeçalhos de assuntos, índices de

assuntos, entre outros).

A ferramenta de controle de vocabulário deve ser aderente ao contexto da

instituição arquivística e refletir a realidade das suas ações e atividades. Por essa

razão, o ideal seria cada arquivo elaborar as suas diferentes ferramentas de controle

de vocabulário.

O processo de indexação visa, portanto, a atribuir pontos de acesso às

informações contidas em documentos. Conforme Smit e Kobashi (2003, p.13), “o

acesso à informação nos arquivos é mediado por pontos de acesso, portas ou

pontes que permitem detectar agrupamentos de documentos, distiguindo-os de

outros agrupamentos de documentos”.

Nos textos do corpus, o termo indexação aparece em vários trabalhos, mas

não foi tratado em profundidade. São trabalhos em que no termo é somente citado, o

que acontece em praticamente toda a amostra, em geral relacionado a outros temas

do corpus. Para os fins desta pesquisa, foram selecionados os trabalhos em que o

termo indexação é o tema principal, sendo possíveis exemplos de como o assunto

indexação é tratado dentro da Arquivística.

Foram identificados cinco trabalhos sobre indexação, na amostra total. Aqui

também foi exposto um trabalho sobre controle de vocabulário, pela proximidade

com o tema, de Aguiar e Talámo (2012).

Os trabalhos de Paterson (2001), Beaume e Vesson (2007) e Santos Neto e

Cordeiro (2015) são casos de aplicação da “indexação” em contextos específicos.

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Os trabalhos de Yeo (2007, 2008) propõem a utilização da representação do

contéudo de documentos como método de estudo do conceito de documento e sua

relação com os conceitos de evidência e informação, em diferentes conjuntos

documentais. Estes dois estudos tratam em conjunto dos conceitos de documento,

evidência, informação e representação que, a princípio, não apresenta a indexação

como tema principal, mas preferiu-se analisá-lo nesta categoria em virtude do

método de estudo, que usou a análise dos termos do documento para comprovação

de evidências em documentos.

O trabalho de Yakel Torres (2007) é um estudo de usuários, os genealogistas,

a partir da percepção de que os mesmos têm de documento, e como são

caracterízados a partir do uso que fazem dos registros documentais de arquivos.

Esse texto foi considerado importante pois utiliza a percepção dos genealogistas

sobre o conteúdo de documentos nas atividades de pesquisa. Inicialmente, não há

relação direta com a indexação, mas eles são estudados sob este tema em função

da compreensão dos autores sobre o conceito de conteúdos de documentos e como

dele fazem uso em suas pesquisas. Embora em nenhum momento façam menção à

indexação, fica evidente que ela é, para eles, uma ferramenta de trabalho. Os

trabalhos selecionados sobre o tema indexação são apresentados no Quadro 3.

Quadro 4 – Artigos sobre “Indexação” em periódicos nacionais e internacionais (2001 – 2015)

AUTOR TITULO PERIODICO ANO

1 David Paterson A Perspective on Indexing Slaves' Names

The American Archivist

2001

2 Florence Beaume; Valery Vesson

L’indexation collaborative aux Archives départementales de l’Ain

La Gazette des Archives

2007

3 Elizabeth Yakel, Deborah Torres

Genealogists as a "Community of Records"

The American Archivist

2007

4 Geoffrey Yeo Concepts of Record (1): Evidence, Information, and Persistent Representations

The American Archivist

2007

5 Geoffrey Yeo Concepts of Record (2): Evidence, Information, and Persistent Representations

The American Archivist

2008

6 Francisco Lopes de Aguiar; Maria Talamo

Controle de vocabulário da lingua organico-funcional. Concepção e príncipios teórico-metodologico

Acervo

2012 (continua)

7 Antonio Laurindo dos Santos Neto, Rosa Inês de Novais Cordeiro

Contribuições para análise, descrição, e representação arquivística da informação dos cinejornais da Agência Nacional

Informação e Sociedade

2015

Fonte: Elaborado pela autora com base na amostra selecionada de artigos

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Foram delimitados como categoria de análise dos trabalhos os seguintes elementos:

a) definição de indexação;

b) aplicação da indexação;

c) críticas quanto ao uso da indexação nos arquivos.

4.2.1 Definição de indexação

Deve-se observar que o termo indexação não é discutido ou definido nos

trabalhos selecionados. Os autores Paterson (2001), Beaume e Vesson (2007)

utilizam o termo indexação apenas mostrando o seu emprego no caso estudado.

Foram encontrados alguns termos que identificam o processo, utilizando,

porém, palavras como: “descrição da informação baseada no conteúdo”,

“representação do conteúdo”, “representação documentária”. (SANTOS NETO e

CORDEIRO, 2015). Outros: “análise individual do conteúdo”, “representação do

conteúdo informacional”, “análise e identificação do conteúdo das entrevistas”,

“análise arquivística do discurso”, em Yakel, Torres (2007). No trabalho de Yeo

(2008) encontram-se termos como “representação dos artefatos de informação”,

“representação da intencionalidade do documento”, “representação das evidências”.

Todos esses termos, dentro do contexto analisado, tratam da identificação de

e representação de documentos baseados nos conteúdos, distintos, portanto, dos

elementos de descrição física dos documentos. Deve-se ressaltar que as normas de

descrição arquivística relacionam a identificação a elementos da forma e ao

conteúdo analítico, atribuído por meio de análise do arquivista.

4.2.2 Aplicação da indexação

O texto de Paterson (2001) faz um relato sobre o tratamento de documentos

sobre a escravidão, nos Estados Unidos, especificamente sobre a indexação de

nomes de escravos em arquivos públicos e privados desse país. O problema

colocado aqui se relaciona a como identificar essas pessoas individualmente e

relacionar os indivíduos com os documentos para se obter um registro histórico

coerente e fidedigno da história da escravidão.

O autor esclarece as particularidades dos arquivos sobre a escravidão ao

longo da história nos Estados Unidos. Os escravos são nomeados e descritos em

uma grande variedade de tipos de arquivos dispersos; são arquivos das cortes

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judiciais e policiais, arquivos de transações mercantis, arquivos pessoais. Os

registros incluem documentos de propriedade, apólices, testamentos, documentos

de divórcio, recibos de compra, cartas, avisos de débitos, registros policiais, jornais,

cartas, correspondências, diários pessoais, correspondências pessoais, etc.

Nesse texto, o autor cita o exemplo de um arquivo da corte judicial, onde os

escravos são identificados como mercadorias, testemunhas, vítimas, réus ou

envolvidos em crimes contra pessoas livres. Há uma grande variedade de tipos de

informações, dispersas em muitos tipos de documentos. Nos arquivos, os escravos

não eram identificados por nome, pois são tratados como propriedade de alguém.

Assim, muitos nomes estão ligados aos nomes do proprietário, sem a identificação

do escravo por um nome próprio. Muitos deles adotavam o sobrenome do

proprietário como nome de família.

Uma das estratégias utilizadas pelos genealogistas para traçar o histórico do

indivíduo foi identificar o nome do último proprietário do escravo para rastrear o

nome do escravo. Dessa forma, esses arquivos adotam a estratégia de utilizar o

sobrenome do proprietário como termo de indexação primário para identificar e

encontrar informações sobre os escravos, individualmente. Esta não é, porém, uma

estratégia eficaz, tendo em vista a grande quantidade de pessoas escravas ou ex-

escravas com o mesmo nome, o que resultava na identificação de um número muito

grande de Marys, Williams, Isaacs...

Os pesquisadores e os arquivistas que trabalham com esses documentos

começaram a adotar a estratégia de agregar termos de elementos secundários

aliados aos nomes registrados, para dar individualidade a essas pessoas. Alguns

desses elementos aliados ao nome principal são os nomes intermediários, local,

nome da propriedade, do evento envolvendo o nome principal, o apelido. Por

exemplo, “George (free mam from Alabama), property, farm Silver Lake” ou “Mariah,

the property of James Adamns”.

Com essa estratégia, foi possível identificar diferentes documentos

relacionados a uma mesma pessoa. O autor apresenta ainda várias outras

estratégias de indexação para nomes de escravos, como o tratamento dos apelidos

ou “nicknames”, os nomes do meio, os sufixos acrescentados aos nomes, e as

tentativas de criar ferramentas como índices gerais de nomes, ou glossários de

nomes de escravos, para facilitar a indexação desses documentos e guiar melhor os

pesquisadores. Neste caso, a indexação é útil nos processos de relacionar

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documentos dispersos e complementar os elementos para além da informação

derivada da descrição arquivística. Tratou-se, portanto, de superar as limitações

decorrentes do tratamento arquivístico centrado em conjuntos documentais, para

procurar individualizá-los para melhor atender aos pesquisadores.

Em outro exemplo, referido autor se reporta a um arquivo privado: somente a

análise de itens dessa série possibilitou identificar a oferta de um escravo como

meio de pagamento de uma dívida. A carta em questão contém detalhes que

permitem identificar o escravo, tais como nome, lugar e características

apresentadas. Observa-se, portanto, que a indexação oferece os elementos de

ligação para outros documentos que podem constituir, então, um conjunto de

documentos que retratam a trajetória do indivíduo.

Beaume e Valery (2007) relatam o processo de indexação voluntária dos

registros de nascimento digitalizados no arquivo da região de L’Ain, na França. Foi

proposto aos usuários, em sua maioria pesquisadores de genealogia, participar de

maneira voluntária da indexação das imagens digitalizadas do acervo por meio do

sistema de gestão de documentos eletrônicos desenvolvido para pesquisa e acesso

aos documentos digitais. Os usuários, na sala de consulta, acessam as imagens

digitalizadas das atas e, se desejarem, podem preencher o formulário abaixo da

imagem, com nome, sobrenome, nome do pai, da mãe, parentes, etc. das pessoas

identificadas por eles nos registros de nascimento.

O projeto inicial ficou em fase de testes pelo período de dois anos, até que os

pesquisadores (usuários) se acostumassem com a proposta. Estes se mostraram

pouco receptivos e iniciaram um movimento de recusa e boicote ao projeto de

indexação voluntária. O motivo apontado pelos autores foi a insatisfação desses

usuários (genealogistas), com os registros digitalizados, pois preferem consultar os

documentos originais. Os genealogistas consideram a indexação dos registros um

inimigo dos índices nominais por eles produzidos. Parece haver aqui uma clara

manifestação de competição entre arquivistas e genealogistas.

A partir de 2004, o projeto abriu para a participação de outros usuários além

dos genealogistas, de modo a ampliar as possibilidades de contar com quantidade

maior de indexadores voluntários. Essas medidas resultaram em um expressivo

volume de imagens indexadas. Em 2007, o site do arquivo foi aberto na internet,

sendo adotadas novas medidas para a continuidade do projeto.

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No caso acima relatado, há um processo de indexação colaborativa

controlada pelo arquivo. As imagens indexadas são conferidas e os termos de

indexação atribuídos passam pela validação de um profissional especializado para

melhorar a qualidade do tratamento. Somente a indexação validada é disponibilizada

para consulta. Através do site, os usuários que aceitam ser indexadores voluntários

têm um material que esclarece o processo de indexação. Os indexadores voluntários

são registrados e são elaborados perfis que listam os material indexado e o volume

de atas indexadas. Os voluntários passam por um teste de paleografia de

identificação de vilas, comunas, lugares geográficos, em atas do século XVII, XVIII e

XIX.

Os resultados do projeto, que conta com cerca de 120 indexadores

voluntários, que indexaram cerca de 10% do acervo de imagens, são considerados

positivos.

Yatel e Torres (2007) relatam a experiência do arquivo de Virgin Islanders na

criação, identificação e o estabelecimento de relações entre os documentos

pertencentes a um grupo. Expõem o caso de uma comunidade de genealogistas que

são os usuários mais frequentes dos arquivos. Na internet, as pesquisas de histórias

de famílias ou genealógicas crescem exponencialmente em arquivos e bibliotecas.

Segundo os autores, esses pesquisadores, além de pesquisarem sobre as

famílias, buscam informações sobre costumes e hábitos de grupos. Os

genealogistas, para estudar e traçar o perfil de famílias e comunidades, identificam

e estudam os documentos produzidos por esses grupos, as características desses

documentos, o que eles possuem de informações ou mesmo os tipos de registros

de informação, de acordo com cada tipo de comunidade. A partir disso, os

genealogistas conseguem traçar e definir um grupo e identificar as relações e os

laços familiares.

Como pesquisadores, eles constroem significados sobre os registros por meio

da interação com os contextos das famílias pesquisadas. Essas características de

grupos de documentos identificadas pelos genealogistas auxiliam os arquivos a

compreenderem os grupos de documentos e o que eles podem refletir sobre

determinado grupo de pessoas.

Segundo Yatel e Torres (2007), os genealogistas, no trabalho com os

documentos de arquivos, ressaltam a importância da busca de significados nos

registros arquivísticos, extrapolando, assim, os limites da forma documental

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enquanto fonte. Isto é, ligam tipologias e conteúdos de documentos a características

e comportamentos de grupos. Yatel e Torres (2007) usam o termo “Community of

Records” para designar o trabalho dos genealogistas, a forma como eles pesquisam

interagem com os documentos, com as famílias e com outros genealogistas na

busca de significados contidos nos documentos.

O trabalho de Santos Neto e Cordeiro (2015) relata a análise dos cinejornais

que fazem parte do fundo arquivístico da Agência Nacional, que integra o acervo do

Arquivo Nacional. São documentos audiovisuais num total de 35 jornais

cinematográficos, das décadas de 1960 e 1970.

Segundo os autores, o “cinejornal faz parte do gênero audiovisual, possuindo

características próprias em relação a outros tipos de imagens em movimento e

gêneros cinematográficos. (...) os cinejornais possuem atributos singulares.” (p.55).

Os autores ressaltam que a fragmentação dos temas e assuntos nos cinejornais é

um desafio para o tratamento arquivístico. No trabalho relatado foram definidas as

categorias que caracterizam o material: estrutura, conteúdo, responsabilidade para

fazer o tratamento, tanto quanto uma política de indexação. Os autores destacam

que, no caso desse tipo de material de uma agência governamental, a

representação arquivística da informação exige do profissional um conhecimento da

história do governo. Os autores destacam que a informação descrita deve ser de

qualidade para que possa atender a uma multiplicidade de usuários. “O analista de

filmes deve procurar, portanto, ser o mais fiel possível ao que as imagens e sons

“dizem” e não o que queriam “dizer” (p.60).

Os dois trabalhos de Yeo, de 2007 e 2008, publicados na The American

Archivist, são estudos teóricos que discutem a definição do termo “records”, que

traduziu-se como documento, para a arquivística, a partir da visão de vários autores

da área. Inicialmente, o autor destaca a dificuldade em estabelecer definições para

termos chave de uma área em razão das diferentes argumentações, visões e

contextos sociais considerados.

O primeiro artigo analisa as declarações sobre a natureza do “records” feitas

por indivíduos e grupos profissionais da arquivística. O artigo mostra as diferentes

ênfases sobre o termo. As categorias utilizadas na análise, pelo autor, são

evidência, informação, “records” como documento de produtores ou de atividades e

a abordagem alternativa, que interessa para os estudos da indexação: a abordagem

do “records” como representação persistente.

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Segundo Yeo (2007), a representação persistente possui capacidade de ir

além das circunstâncias imediatas que levaram à sua criação. Persistência não

implica sobrevivência sem limites de tempo. Os registros documentais podem durar

para sempre ou podem ser destruídos por decisões tomadas. Nos documentos

persistentes, porém, as decisões perduram além do fim temporal das atividades que

eles representam. Sua durabilidade permite ser compartilhado.

O autor conclui que os documentos contemporâneos, sejam eles audiovisuais

ou textuais, registros em base de dados ou objetos tridimensionais, podem

incorporar a noção de representação persistente de atividades. De fato, o que

caracteriza a comunidade arquivística hoje é a ideia que diferentes documentos

necessitam de diferentes abordagens de análise e que essa multiplicidade pode ser

positiva. O segundo artigo de Yeo (2008) aprofunda o conceito de representação

persistente.

4.2.3 Críticas à indexação

Muitos são os autores que afirmam que a indexação de documentos de

arquivos é um trabalho complexo, difícil de ser realizado. Conforme destacam

Santos Neto e Cordeiro (2015, p.61), “Entendemos que trabalhar com os jornais

cinematográficos, com enfoque na representação arquivística da informação, é uma

tarefa desafiadora e complexa.”.

A complexidade depende do tipo de documento. Como observam Santos

Neto e Cordeiro (2015), é necessário realizar estudos detalhados sobre a tipologia

documental para certificar-se das suas características, composição, estrutura, dados

históricos e intencionais de criação, o produtor/criador, costumes de época, entre

outros aspectos.

Beume e Vesson (2007) argumentam que, além da complexidade do

processo, não há, muitas vezes um padrão ou norma especifica sobre certos tipos

de documentos, sendo necessário um estudo prévio de definição de métodos

específicos para os diferentes tipos de acervos, tipos de instituições e seus usuários.

Apontam ainda a necessidade de criar mecanismos de controle de qualidade dos

produtos da indexação. Para esse controle é necessário dispor de pessoal

especializado e de políticas específicas, aspectos que podem tornar o processo

lento e dispendioso.

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Outro ponto destacado por Beume e Vesson (2007) refere-se às dificuldades

para conhecer as necessidades dos usuários em relação à documentação. Nessa

medida, a indexação pode não corresponder às expectativas dos usuários ou aos

seus hábitos de uso dos documentos. No caso específico do arquivo de L’Ain, os

principais usuários eram os genealogistas que têm preferência por consultar o

documento físico e não o digital.

Já o artigo de Yatel e Torres (2007) que observou essa mesma categoria de

usuários, já aponta a necessidade de tratamento de conteúdo dos documentos,

porque a pesquisa por registros familiares, na internet , vem se tornando uma prática

constante.

Vale aqui uma observação quanto ao contexto dos dois casos, citados:

Beume e Vesson (2007) fazem referência a um arquivo francês que utiliza práticas

arquivísticas tradicionais, enquanto Yatel e Torres (2007) tratam do contexo das

Virgin Islanders, cuja história arquivística é contemporânea, tendo, ainda, usuários

com características diferentes.

Um ponto crítico salientado por Beume e Vesson (2007) diz respeito aos

equipamentos de tecnologia da informação e aos sistemas disponíveis para a

atividade arquivística. A capacidade de armazenamento dos atuais sistemas de

recuperação não foi acompanhada pela criação de programas específicos para

gerenciar a indexação com segurança e agilidade. As tecnologias da informação são

importantes para viabilizar o trabalho dos indexadores voluntários, porque podem

utilizar a rede internet. O não funcionamento adequado da infraestrutura tecnológica

pode dificultar o trabalho desses colaboradores. As críticas aos equipamentos

informatizados poderiam proceder em 2007, mas, passados quase 10 anos, a

realidade das tecnologias disponíveis é hoje certamente outra.

Com efeito, há atualmente disponível uma grande variedade de equipamentos

e softwares que pode atender a todo tipo de arquivo. Cresceu também a oferta de

sistemas voltados especificamente para a realidade dos arquivos.

Para concluir, os casos relatados por Paterson (2001), Beaume e Valery,

Santos Neto e Cordeiro (2015) mostram que a indexação está sendo empregada

nos arquivos para explorar os conteúdos dos documentos para além da forma, e

utilizar os produtos da indexação como meios para auxiliar os pesquisadores a

reconstruir a história de pessoas esquecidas pelo anonimato, pela escravidão, por

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regimes políticos, prisioneiros de guerra, imigrantes e outras categorias de cidadãos

anônimos.

Os processos de identificação de registros como conjuntos documentais,

seguindo os padrões de descrição adotados mundialmente atendem a uma

demanda de acesso a conjuntos documentais. No entanto, a possibilidade de ligar

documentos existentes em diferentes conjuntos documentais fica comprometida.

Podemos perceber que o acesso aos documentos de arquivo, segundo

características específicas, requer maior aprofundamento para promover maior

possibilidade de uso e exploração por diferentes tipos de usuários. O tratamento por

fundo arquivístico e conjunto documental, em oposição ao tratamento de item

documental, pode esconder traços de informação relevantes dos documentos.

A oposição à indexação de itens documentais, racionalmente justificada pela

grande quantidade de material a ser tratado, falta de pessoal especializado, falta de

ferramentas adequadas, pode ser contestada principalmente pela disponibilidade de

recursos digitais. A digitalização de documentos amplia o acesso aos documentos

que podem ser compartilhados por pesquisadores e arquivos e possibilitar a

discussão sobre o conteúdo dos mesmos. Os sistemas de recuperação da

informação que facilitam a busca e o cruzamento de informações tornam-se aliados

tanto de arquivistas, que podem trabalhar esses documentos no processamento

técnico, quanto dos usuários pesquisadores.

O que se pôde observar da análise da literatura é que o tema é ainda tratado

de forma incipiente, com poucas pesquisas e sempre destacando a necessidade de

maiores estudos a ele relativos.

Os trabalhos de Yatel e Torres (2007) e Yeo (2007 e 2008) apontam um

caminho de pesquisas para explorar o documento para além da forma, tanto para

definir modelos e formatos de documentos, que representam grupos e culturas de

usuários, como para explorar novas concepções para abordar o documento de

arquivo na sua complexidade. A indexação nos arquivos, apesar de pouco frequente

na literatura analisada, é um desafio a ser explorado por profissionais da área.

Conforme enfatizam Santos Neto e Cordeiro:

A representação da informação é que poderá garantir a sua disseminação e

utilização. Daí é fundamental o trabalho de descrição e indexação dos

documentos arquivísticos, independentemente do gênero, com foco no

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contexto de produção, no perfil dos documentos e na demanda dos

usuários. (SANTOS NETO, CORDEIRO, 2015, p.53).

4.3 CATEGORIA DESCRIÇÃO ARQUIVÍSTICA E NORMALIZAÇÃO

Para análise da categoria descrição arquivística, os artigos foram separados

em cinco subcategorias.

A primeira subcategoria é formada por trabalhos em que a temática principal é

a definição do termo descrição arquivística.

A segunda subcategorias é composta por trabalhos que abordam a descrição

e os princípios arquivísticos.

A terceira subcategoria é composta por trabalhos que mostram a função da

descrição arquivística para além dos aspectos de acesso aos conteúdos descritos.

A quarta subcategoria é composta de trabalhos sobre a normalização da

descrição arquivística. Foram agrupados, aqui também, os trabalhos sobre a

temática da normalização em geral nos arquivos, apesar desse tópico aparecer no

Glossário do SAA como uma categoria separada.

A análise desses trabalhos em conjunto de deu porque seu conteúdo está

intimamente ligado à normalização da descrição e representação dos documentos

de arquivo, seja em meio físico ou digital.

O quinto grupo é constituído de casos sobre o uso da descrição arquivística e

sobre as normas de descrição.

Uma análise geral sobre as publicações mostra que existe a predominância,

em um número especial da Revista Acervo, do Arquivo Nacional do Brasil, de 2007,

dedicada especificamente ao tema e a edição de 2012, da Gazette des Archives

sobre o tema Normalização e Gestão de documentos, e também sobre a

normalização da descrição arquivística.

Outro grupo de artigos concentra-se, entre 2012 e 2013, na abordagem da

principal norma de descrição, ISAD (G), cuja primeira edição é de 1994 e a segunda,

de 1999. De acordo com a amostra do corpus, pode-se inferir que os arquivos

passam por um período de adaptação entre a publicação da norma e sua adoção

efetiva.

O conteúdo característico dos trabalhos, tanto no grupo de publicações de

2007, quanto de 2012, 2013, é dedicado ao resgate histórico da publicação da

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norma, sua origem e discussões sobre o conteúdo e as circunstâncias de sua

publicação. Os escritos de 2007 são de divulgação dos objetivos da norma. Os

trabalhos de 2012 em diante são de avaliação do uso da norma e as perspectivas

futuras.

Na amostra, são poucos os relatos sobre a aplicação efetiva da norma na

descrição arquivística. Vale esclarecer que a pouca expressividade de trabalhos

sobre estudos de casos pode ser atribuída ao fato de serem periódicos em que

predominam as abordagens teóricas. Esses relatos de aplicação da norma podem

ser mais expressivos se coletados em fontes como os anais de eventos científicos.

Para detalhar melhor a observação do conteúdo, procedeu-se à separação seguinte.

O termo descrição arquivística é definido no Glossário do AAS (2005) como

um processo de análise, organização e registro dos elementos formais de um

documento ou coleção de documentos, tais como criador, título, data, dimensões e

conteúdo. Podemos entender que a descrição tem o objetivo de facilitar o trabalho

de identificação, gestão e compreensão do documento.

Figura 5 – Termo Archival description

Fonte: Reproduzito de “A Glossary of Archival and Records Terminology” (2005, p. 25).

Os termos relacionados à descrição arquivística abordam os modelos de

descrição, regras, padrões com EAD, manuais de descrição, notas de conteúdo,

notas de escopo. Observa-se que o processo de descrição vem ao longo do tempo

sendo normalizado, tanto em nível nacional quanto internacional. Envolve um

conjunto complexo de procedimentos com várias determinantes e tem como base de

estruturação os princípios arquivísticos, principalmente de respeito aos fundos e à

ordem original (ISO, 2000).

A seguir, foi analisado o conteúdo da amostra referente à descrição

arquivística e à normalização. Os trabalhos foram agrupados da seguinte forma:

a) descrição arquivística – definição;

b) descrição arquivística – princípios arquivísticos;

c) descrição arquivística – função;

archival description, n. ~ 1. The process of analyzing, organizing, and recording details about the formal elements of a record or collection of records, such as creator, title, dates, extent, and contents, to facilitate the work’s identification, management, and understanding. – 2. The product of such a process. DF: bibliographic description BT: description RT: administrative history, biographical note, Encoded Archival Description, Manual of Archival Description, Rules for Archival Description, scope and contents note, series descriptive system

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151

d) descrição arquivística e normalização;

e) descrição arquivística e normas – casos de aplicação.

4.3.1 Descrição arquivística - definição

Os trabalhos analisados para o estudo da descrição arquivística foram

descritos na Quadro 5.

Quadro 5 – Artigos sobre “Descrição arquivística – definição”, em periódicos nacionais e internacionais (2002-2007)

Autor Titulo Periódico Ano

1 Margaret Hedstrom Archives, Memory, and Interfaces with the Past

Archival Science 2002

2 Wendy M. Duff; Verne Harris

Stories and Names: Archival Description as Narrating Records and Constructing Meanings

Archival Science 2002

3 Elizabeth Yakel Archival Representation Archival Science 2003

4 Michel Cook Desenvolvimento na descrição arquivística: algumas sugestões para o futuro

Acervo 2007

5 Maria Jose Santos Representação da informação em arquivos

Acervo 2007

Fonte: Elaborado pela autora com base na amostra selecionada de artigos

A definição de descrição arquivística nos trabalhos da amostra cita a definição

da norma ISAD (G). Nessa norma, o fito da descrição é identificar e explicar o

contexto e o conteúdo dos documentos de arquivo, e garantir o acesso.

Esse objetivo é alcançado por meio da criação de representações precisas e

pertinentes, organizadas em conformidade com um modelo pré-estabelecido. Esses

procedimentos relacionados à descrição permitem que se obtenham os controles

intelectuais necessários para assegurar uma descrição fiel, compreensível e

utilizável do documento ou do conjunto de documento (ISO, 2000).

Hedstrom (2002) estuda o conceito de “interface” na descrição arquivística.

Criar interfaces é um dos objetivos da descrição. As ferramentas de busca, que

contêm o produto da descrição arquivística, são instrumentos de interface entre o

usuário e o acervo documental. A autora explora o uso da interface como um meio

pelo qual os arquivistas permitem interpretação do passado, como também podem

dificultar a interpretação do passado.

Ela considera a interface um meio de externalização da descrição arquivística,

que opera como uma fronteira que permite a passagem de pessoas, informações e

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ideias de um espaço a outro. As interfaces de um site de arquivo são o local onde

ocorre o poder de negociação entre arquivista e usuário. Para os arquivistas, esse

poder é exercido conscientemente e inconscientemente por meio dos documentos e

suas representações. Hedstrom (2002) destaca que os arquivistas exercem esse

poder sobre as pessoas, a coletividade e o passado, por meio da avaliação, da

descrição e da construção de interfaces.

A analogia da descrição com as interfaces dos sistemas de arquivo chama a

atenção para a importância da descrição como instrumento para construir pontes de

acesso entre o usuário e a informação sobre os documentos, sendo ainda uma

ferramenta de acesso à memória e ao passado. A descrição é um meio para

construir interfaces de acesso.

O trabalho de Yakel (2003) aborda o conceito de representação e sua relação

com a descrição. A representação é definida como um processo ou atividade de

representar e objeto reproduzido por uma instância na sua atividade. O processo de

representação busca estabelecer uma sistemática correspondência entre a etiqueta

de um domínio e o modelo de domínio, por meio da captura de um objeto, um dado,

uma informação daquele domínio.

A representação arquivística refere-se ao processo de organização

(respeitando ou desrespeitando uma ordem) e descrição. Resulta dessa atividade a

criação de ferramentas que contêm as representações, que são guias, inventários,

registros bibliográficos ou sistemas (catálogos online, bases de dados bibliográficas,

registros bibliográficos) para acesso.

Combinando o conceito de representação e representação arquivística, Yakel

(2003) aponta que esta é o trabalho realizado para (re)ordenar, interpretar e

(re)apresentar, criando, assim, substitutos e desenhando arquiteturas para um

sistema representacional que contém os substitutos do material arquivístico

concreto.

A autora destaca que a representação arquivística, assim como qualquer

representação, nunca será igual ou fiel ao objeto representado, por ser uma

reconstrução ou um “re-present” ou uma forma de re-apresentá-lo.

O trabalho de Duff e Harris (2002) explora a descrição arquivística como um

campo do pensamento e da prática arquivísticas. Os autores destacam que a

descrição arquivística foi o marco de criação da arquivística contemporânea e cita o

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exemplo do Manual dos Holandeses, Manual of the Duth, de 1898, de Muller, Feith e

Fruin, que foi inteiramente devotado ao arranjo e à descrição.

Para muitos, essa obra é o marco do trabalho propriamente arquivístico, que

continua influenciando o trabalho de arranjo e descrição. Na busca por uma resposta

sobre o que é a descrição arquivística, os autores afirmam que existe um limite

pesado e instável entre o texto e o contexto. O papel do arquivista em relação ao

documento é revelar seus sentidos e significados – não para participar da

construção destes – através do exercício do controle intelectual.

A construção dos significados fica a cargo de quem interpreta o documento,

acessado por meio da descrição. A intervenção do arquivista no arranjo e descrição

está, ao mesmo tempo, isolada da criação do registro e dos processos sociais

geradores relacionados ao documento. O arquivista que aspira ao papel de

profissional imparcial pode ser um promotor das relações de poder. Assim, os

autores demonstram que a descrição arquivística não é somente uma atividade

imparcial de representação de conteúdo de um documento, mas a demonstração de

uma relação de poder do arquivista por meio da execução do processo de organizar

e descrever os documentos de um arquivo.

No trabalho de Cook (2007), sobre os rumos das pesquisas da área de

descrição arquivística coletadas em um seminário arquivos e records management,

discute-se a semelhança entre a crítica textual e a descrição arquivística, pontuando

que “tanto a crítica textual quanto a descrição arquivística estão preocupadas em

estabelecer a autenticidade do material que é seu objeto”. (p. 126). Para o autor, os

arquivistas estabelecem a autenticidade dos documentos por meio da análise e

descrição do contexto no qual ocorreram a produção e a transmissão do documento.

Nessa definição pode-se ver acrescentado à descrição arquivística o papel de

reconhecer a autenticidade do documento de arquivo. Percebe-se, assim, a ligação

da gestão de documento na abordagem da descrição arquivística.

Santos (2007), numa tentativa de aproximar a biblioteconomia e a arquivística

pelo viés da representação, aborda a representação descritiva como a

caracterização do item, qualquer que seja o suporte, tal como um livro ou outro tipo

de documento.

Em suma, na análise da definição de descrição arquivística é possível

constatar que os autores abordam o tema sob diferentes perspectivas:

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a) a descrição como interface, uma ponte, entre a informação do documento e o

usuário (HERDSTROM, 2002);

b) a análise e descrição como instrumento revelador de sentidos e significados

(DUFF E HARRIS, 2002);

c) o arranjo e a descrição como uma re-apresentação do objeto (YAKEL, 2003);

d) a análise e a descrição como meios de estabelecer a autenticidade dos

documentos (COOK, 2007);

e) a representação descritiva como a caracterização de um item documental

(SANTOS, 2007).

Pode-se entender que a descrição de documentos arquivísticos é um

processo que comporta a construção de interfaces de representações dos

documentos e que estas possibilitam ao usuário a formação de significados e

sentidos e de compreensão do que são aqueles.

Nas definições dos autores também foi possível a percepção da ênfase dada

ao papel do arquivista. A descrição de documentos é vista como um exercício de

perpetuação de poder, tendo em vista que é ele quem escolhe ou decide os

elementos de representação (HEDSTROM, 2002; DUFF e HARRIS, 2002).

Conforme destacam Duff e Harris (2002), a imparcialidade é um elemento difícil de

existir neste processo.

Ainda pôde-se observar que o termo descrição aparece associado a outros

termos: “análise e descrição”, “arranjo e descrição” e “descrição e representação”,

que foram entendidos como atividades associadas à descrição; desse modo, variam

as abordagens em função dos objetivos da descrição feita no arquivo.

A descrição, para ser feita, pode ser precedida da análise física e de conteúdo

do documento. Seu objetivo é definir o arranjo de um acervo, sendo que é uma

representação do documento.

Na norma de descrição arquivística ISAD (G), o termo “descrição de

documentos de arquivísticos” não apresenta observações quanto às variações de

tratamento do termo. Também nos artigos analisados não se encontrou a

abordagem dessas questões, o que demonstra a necessidade de um estudo mais

aprofundado sobre o tema.

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4.3.2 Descrição arquivística – princípios arquivísticos

Os trabalhos selecionados do corpus abordam a descrição arquivística e os

princípios de organização dos documentos.

Quadro 6 – Artigos sobre ‘Descrição arquivística e os princípios arquivísticos”, em periódicos

nacionais e internacionais (2002-2013)

AUTOR TÌTULO PERIÓDICO ANO

1 Laura Millar The Death of the Fonds and the Resurrection of Provenance: Archival Context in Space and Time

Archivaria

2002

2 Peter Horsman; Eric Ketelaar; Theo Thomassen

New Respect for the Old Order: The Context of the Dutch Manual

The American Archivist

2003

3 James Currall, Michael Moss, Susan Stuart

What is a collection? Archivaria 2004

4 Adrian Cunningham O Poder da Proveniência na Descrição Arquivística. Uma perspectiva sobre o desenvolvimento da segunda edição da ISAAR(CPF)

Acervo 2007

5 Jennifer Meehan Rethinking Original Order and Personal Records

Archivaria 2010

6 Geoffrey Yeo The Conceptual Fonds and the Physical Collection

Archivaria 2012

7 Gretchem Gueguen; Vitor Fonseca; Daniel Vitti; Claire Sibille de Grimouard

Para um modelo conceitual internacional de descrição arquivística

Acervo 2013

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa com base na amostra de artigos selecionados

Millar (2002) aponta os problemas decorrentes da abordagem dos

documentos digitais segundo o princípio de fundo arquivístico que, de acordo com a

interpretação dada no Canadá, contida no relatório do Canadian Archives da década

de 1980, adverte que os documentos originários de uma mesma fonte devem ser

mantidos juntos e não interagir com registros de outras fontes.

Assim, o contexto dos arquivos é mantido intacto para enfrentar sua

dispersão. No passado, muitos arquivos públicos, privados, de instituições em geral,

foram recolhidos sem observar as estruturas administrativas de origem. Na falta de

instruções específicas de arranjo e descrição, os arquivistas identificavam as

múltiplas aquisições em classes, grupos de documentos ou de manuscritos,

classificando-os por assunto, data e forma.

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Nesse modelo de organização foi dada pouca atenção para o contexto

administrativo do documento. Para combater essa abordagem de organização

orientada por assuntos, o Working Group on Archival Descriptive Standards, 1985,

reiterou a importância do princípio da proveniência como a base da organização e

arranjo em fundos arquivísticos. A proveniência como base para o recolhimento foi

adotada como prática na publicação dos RAD – Rules for Archival Description, de

1984. Segundo o princípio de respeito aos fundos, os documentos de um

determinado criador, quando recolhidos ao arquivo de guarda, devem ser mantidos

juntos, de acordo com a ordem dada pelo criador, como uma unidade orgânica,

sendo ela definida pela proveniência, ou seja, de onde o documento veio. O respeito

aos fundos respeita o criador e seus enquadramentos. Por isso, a autora defende

que, na descrição arquivística, deve ser dada atenção à descrição do histórico do

criador, do documento, do porquê o documento foi preservado como um documento

de arquivo.

Na visão de Millar (2002), tratar os documentos digitais de acordo com os

fundos não é adequado, pois eles ignoram a realidade dos documentos no tempo e

no espaço, uma vez que os fundos são definidos com base na estrutura da unidade

ou outras variações e não no histórico de criação do produtor e do documento e da

sua preservação, como acontece na organização que adota a proveniência como

modelo.

O trabalho de Horsman, Ketelaar e Thomassen (2003) tece críticas ao Manual

dos Holandeses como obra fundamental para a definição dos princípios modernos

de descrição arquivística, principalmente no que se refere à definição de fundo

arquivístico. Os autores fazem um estudo detalhado da história da publicação e suas

abordagens quanto ao arranjo e descrição. Concluem que os princípios de arranjo e

descrição descritos no manual, na realidade, não têm início como os autores

holandeses do manual, mas com o histórico de centenas de anos da organização de

documentos, graças ao histórico dos holandeses, que acumularam experiências

administrativas de regimes antigos na organização de seu patrimônio histórico e da

aplicação da diplomática no desenvolvimento de métodos de organizar e descrever.

Conforme os autores, quando, na Holanda, o império se dividiu, de 1795 a

1813, os arquivos foram mantidos intactos e organizados, sendo fácil aplicar o

princípio de respeito à ordem original. Porém, os autores afirmam que o conceito de

orgânico parece não ter nascido com os holandeses, mas ter sido introduzido nos

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arquivos com a adoção do conceito de classificação nos arquivos, que os autores

atribuem a NijHoff e Darwin e John Stuart Mill.

Os autores concluem também que os conceitos de orgânico e classificação

são pouco abordados na descrição arquivística; na realidade, são adotados em

modelos de organização e classificação que a precedem.

Portanto, é possível entender que a obra principal, à qual se credita a

fundamentação da descrição arquivística moderna, na realidade, não é de fato

precursora na definição dos parâmetros desta, mas foi reconhecidamente a

divulgadora dos elementos que são hoje por ela utilizados, em todo o mundo.

Cunningham (2007) analisa o princípio da proveniência como base para a

criação da norma ISAAR (CPF). Destaca que um dos principais objetivos da

proveniência é comprovar a origem institucional ou pessoal do documento e, assim,

dar um contexto a ele, sendo o que comprova a sua ligação com a ação retratada.

A descrição arquivística dá evidência à proveniência do documento por meio

da identificação do produtor, das instituições de ligação do documento e outros

elementos, isto é, a descrição liga o documento a uma origem. O que o autor afirma

é que essa identificação da entidade de proveniência não é tão simples de ser

assegurada nos tempos atuais. As mudanças erráticas de nomes, contextos de

atuação, função das instituições e pessoas tornam os registros de entidades difíceis

e complexos.

A produção de documentos no mundo digital pode refletir uma complicada

rede de colaboração, dependendo da organização. O modo de trabalho colaborativo

e em rede dificulta a definição de origem do documento, versões, pessoas

responsáveis, autoras, usuárias. Identificar a proveniência tal como estabeleceu o

Manual dos Holandeses, no contexto atual, pode não ser fácil.

O autor relata o caso da Austrália, um país jovem, de cultura administrativa

peculiar em função de sua origem ligada ao Reino Unido. O autor mostra, no caso

australiano, como vem sendo tratada a identificação da proveniência na descrição

arquivística. Para se adequar, abandona-se a noção de fundo baseado na estrutura

e passa-se a usar o conceito de série baseado nas funções, como forma de debelar

as múltiplas relações de proveniências que o documento pode ter, fato que

impossibilitava a definição de um único fundo a que ele pertencia.

Cabe assim utilizar a descrição arquivística como forma de mostrar a

realidade dinâmica da proveniência. Os australianos dedicam-se, na descrição

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arquivística, a fazer o controle de contexto, registrando as entidades produtoras e

suas relações com outras entidades e o controle dos documentos, identificando os

documentos da série e itens que o compõem.

A norma ISAAR é a norma que auxilia o processo de descrição de entidades

produtoras para que ela seja efetivada de acordo com o princípio da proveniência.

Segundo Cunninghan (2007), o objetivo da norma é “identificar

especificamente a entidade descritiva e definir um ponto de acesso normalizado

para referências relacionadas, a informação biográfica, familiar e histórico-

administrativa” (p.87).

Meehan (2010) estuda o princípio da ordem original de classificação e

descrição de documentos pessoais. Segundo a autora, o referido princípio não é

levado em conta na tradição arquivística. Nos arquivos pessoais, os processos de

acumulação nem sempre são conhecidos ou seguem um princípio de criação e, ao

longo do tempo, passam por muitas variações.

Os arquivistas, para trabalhar com esses acervos, tentam reconstruir a ordem

original com base em fragmentos de informação, ou quando não conseguem

reconstruir, criam uma nova ordem. Meehan (2010) propõe a definição de uma

ordem original para os arquivos pessoais que leve em conta a situação dos

documentos utilizando os termos, as palavras e expressões empregadas pelo seu

dono, e não modelos preestabelecidos de fora. Assim, será possível construir

elementos que possam ajudar o arquivista a se aproximar da ordem original. Propõe

que o processo de análise seja multidimensional e não somente o processo

tradicional, do geral para o específico.

No trabalho de Yeo (2012) os conceitos de coleção e fundo estão atrelados à

descrição arquivística. Trata-se da continuidade da discussão iniciada há 10 anos,

antes com Millar (2002) e depois com Curral, Moss e Stuart (2004); Yeo cita esses

autores como motivadores de sua pesquisa.

Mas, enquanto esses trabalhos anteriores abordam a definição de coleção

para analisar a possibilidade desse modelo se adaptar ou não ao arranjo e descrição

dos documentos digitais, em detrimento do modelo de fundo, Yeo (2012) propõe

discutir os dois conceitos mostrando os pontos fortes e fracos dos conceitos de

coleção e fundo, sem dar preferência a nenhum, concluindo que ambos não são

completamente adequados enquanto modelos de organização, mas se moldam à

realidade dos arquivos em diferentes contextos.

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Yeo (2012) trata do conceito de fundo e coleção por meio de abordagem

comparativa entre as coleções artificiais e os fundos orgânicos. Ele concorda que

essa não é uma comparação adequada, pois, na realidade, deve ser feita levando

em conta que o fundo de arquivo é uma organização intelectual, enquanto a coleção

é uma organização física ou material. Porém, em ambos, é possível perceber o

caráter subjetivo e superficial da organização. O autor não exclui nem um dos dois

modelos de organização. Parecem ser a forma de organização que aceita maior

diversidade, sendo por isso mais fácil de ser assimilada e compreendida.

O mundo digital amplia as possibilidades de formação de coleções, onde o

compartilhamento, a transferência e a cópia tornam prática sua criação e

gerenciamento. Apesar de todo o desenvolvimento das tecnologias digitais, os

arquivistas têm preferência pelo modelo de fundo, pois permite encontrar

documentos autênticos e confiáveis, assegurados pela procedência.

Gueguen, et al (2012) fazem parte do Grupo de Especialistas em Descrição

Arquivística (GEDA), criado em 2012, para desenvolver um modelo conceitual de

descrição arquivística que integre as quatro normas existentes da CIA.

Esse modelo deve estar em consonância com as tecnologias de comunicação

presentes em todas as organizações, com possibilidades de trabalho cooperativo.

Será utilizado para as futuras revisões das normas. Os trabalhos indicam que a

adoção de qualquer modelo para a descrição arquivística deve estar em

consonância com os princípios arquivísticos, que são a base para construção e

revisão das normas.

As diretrizes do GEDA reforçam a necessidade de estudos que abordem os

princípios na descrição arquivística, conforme pode ser constatado nos relatos

analisados anteriormente.

Em síntese, o ponto em comum neste conjunto de trabalhos é que os autores

são unânimes em apontar a necessidade de retomar os estudos e as discussões

dos princípios arquivísticos. Assuntos como avaliação e documentos digitais vêm

sendo preferidos nas pesquisas arquivísticas.

Porém, há muito a ser explorado nos estudos sobre os princípios da

arquivística, para resolver seus problemas atuais.

Os principais motivos para uma retomada dos estudos nessa área são os

arquivos da era digital, que requerem novas abordagens (MILLAR, 2002; CURRALL,

MOSS, STURAT, 2004, YEO, 2012).

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Esses modelos também são questionados em decorrência das mudanças nos

modos de trabalho e de organização da sociedade, seja pelas mudanças

provocadas pelos novos arranjos administrativos (CUNNIGHAM, 2007) ou por conta

das modificações nas formas de criar os documentos e os arquivos pessoais

(MEEHAN, 2010).

Em síntese, observam-se, portanto, duas correntes.

a) uma onde a ampla maioria que referenda os princípios arquivísticos para a

formulação das bases da descrição arquivística contemporânea (CURRALL, MOSS,

STURAT, 2004; CUNNIGHAM, 2007; MEEHAN, 2010; YEO, 2012; GUEGUEN, et

al.,2012) e ;

b) outra que critica os princípios, por não serem considerados suficientes para

resolver os problemas de descrição nos arquivos contemporâneos (MILLAR, 2002;

CURRALL, MOSS, STURAT, 2004).

4.3.3 Descrição arquivística – função

Nesta categoria de análise foram agrupados os trabalhos que entendem o

processo de descrição arquivística com uma finalidade específica, para além da

função de representação e de acesso aos conteúdos de documentos.

Quadro 7 – Artigos sobre “ Descrição e suas aplicações” em periódicos internacionais. (2005 –

2015).

AUTOR TITULO PERIÓDICO ANO

1 Heather MacNeil Picking Our Text: Archival Description, Authenticity, and the Archivist as Editor

The American Archivist

2005

2 Laura Millar An Obligation of Trust: Speculations on Accountability and Description

The American Archivist

2006

3 Jennifer Meehan Making the Leap from Parts to Whole: Evidence and Inference in Archival Arrangement and Description

The American Archivist

2009

4 Heather Macneil Archivalterity: Rethinking Original Order

Archivaria 2008

5 Sara White Crippling the archives: negotiation notions of disability in appraisal and arrangement and description

The American Archivist 2012

6 Stacy Wood et al Mobilizing records: re-framing archival description to support human rights

Archival Science 2015

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa com base nos artigos selecionados da amostra

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Muitas são as funções, objetivos e atribuições da descrição arquivística, como

se viu pelo estudo do conceito. A descrição pode ser uma representação de um

documento, objeto, ou informação, ser a ponte entre o usuário e contexto de criação

do documento.

Duff, Wendy e Haworth, Kent (1997) apresentam um estudo sobre os

propósitos a serem seguidos na elaboração de normas de descrição arquivística nos

arquivos do Canadá e Estados Unidos: fornecer o acesso a materiais de arquivo por

meio da descrição, que recupere no mínimo a proveniência dos documentos;

promover a compreensão de tais documentos, seus contextos, estrutura e conteúdo;

estabelecer os motivos para presumir que os registros são documentos, que seja

possível saber os motivos da sua preservação, do seu arranjo e as circunstâncias da

sua criação.

Dessa maneira, o produto da descrição arquivística (catálogos de acesso,

inventários, registros de documentos) auxilia o usuário a encontrar o documento

para diferentes finalidades, sendo possível observar que a descrição arquivística

pode ampliá-las. Os trabalhos desse grupo destacam abordagens que exploram a

aplicação da descrição arquivística.

MacNeil, H (2005, 2008) tem dois trabalhos que abordam o mesmo tema: a

descrição arquivística e a autenticidade. A publicação de 2005 relata o estudo da

relação da descrição arquivística com a crítica textual como meio para estabelecer a

autenticidade e a certificação de origem. No caso da crítica textual, a função é

descobrir a real intenção do autor do texto. No caso da descrição arquivística é

saber a verdadeira finalidade do criador do documento.

Assim, a descrição arquivística pode auxiliar a reconstruir para descobrir a

ordem original de um conjunto de documentos. Ressalta a importância dos

elementos de contexto e histórico de criação do documento na descrição elaborada

nos arquivos. Por meio desses elementos é possível recuperar os elementos

autênticos da intenção do criador do documento.

O trabalho de 2008 é uma revisão de literatura que mostra a proximidade dos

conceitos de autenticidade e descrição arquivística, buscando formular propostas

para melhorar esta última nos arquivos do Canadá.

Millar (2006) relata o uso da descrição arquivística como apoio aos processos

contábeis de prestação de contas. A autora relata a comparação da descrição de

acordo com o modelo tradicional de descrição arquivística e como modelo do

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documento continuum. Os dois modelos foram satisfatórios para identificar e explicar

o contexto e o conteúdo do material arquivístico e também para propiciar sua

acessibilidade aos gestores que verificam as provas documentais de prestação de

contas.

Meehan (2009) estuda como os registros de descrição arquivística podem ser

fontes para arquivistas e historiadores identificarem a evidência de ações e fazer

inferências para estabelecer relações entre documentos, partes de documentos e

outras fontes arquivísticas. A descrição, como parte de um todo, permite acesso às

coleções de documentos, pois contém os elementos de evidência que os arquivistas

ou pesquisadores usam para fazer inferências. A autora discute os conceitos de

inferência e evidência e analisa como a descrição arquivística pode ser um

instrumento para concretizar os dois conceitos, dentro do arquivo, na análise do

documento.

Os trabalhos de White, S. (2012) e Wood, S (2014) apresentam uma

abordagem comum sobre a descrição arquivística.

A abordagem de White (2012) questiona como os arquivos estão

documentando a deficiência e têm registrado a história de populações marginais,

principalmente nos Estados Unidos. A autora propõe um modelo que sugere que os

arquivistas considerem, nos processos de avaliação e descrição, questões sobre

como a pessoa vivenciou a deficiência em diferentes contextos, observando a

presença de indivíduos nas organizações. E que isso possa ser retratado na

descrição arquivística para que seja possível construir a história da deficiência com

base nos documentos de arquivo.

Wood (2014) faz o mesmo questionamento sobre como os arquivos estão

tratando os documentos relativos aos direitos humanos. Analisa as mudanças

necessárias nas políticas de arquivo e nos padrões arquivísticos para melhorar a

transparência e descobrir estratégias a fim de possibilitar a identificação dos abusos

cometidos no passado.

Em síntese, esses trabalhos mostram como é possível ampliar as funções da

descrição arquivística para além dos objetivos de dar acesso a conteúdos de

documentos. Temos então a :

a) que a descrição pode contribuir para que suas evidências garantam

autenticidade dos documentos. (MACNEIL, H (2005, 2008); MILLAR (2006)), e

ajudar a estabelecer a ordem original de conjuntos de documentos,

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b) que a descrição pode retratar elementos que possibilitem o resgate

histórico de culturas de indivíduos e suas características específicas e

consequentemente a garantia de direitos desses povos. (MEEHAN, (2009); WHITE,

S. (2012); WOOD, S, (2014))

4.3.4 Descrição arquivística – Normalização

Essa categoria contém a maior quantidade de trabalhos analisados. São

trabalhos sobre a normalização nos arquivos e a normalização, de forma genérica,

que tratam especificamente das normas de descrição arquivística.

Quadro 8 – Artigos sobre “Descrição arquivística – Normalização” em periódicos nacionais e

internacionais. (2005-2015).

AUTOR TITULO PERIÓDICO ANO

1 Jean Dryden Cooking the Perfect Custard Archival Science 2003

2 Claire SIBILLE La seconde édition de la norme ISAAR

La Gazette des Archives

2005

3 Jean Dryden A tower of Babel : Standardizing archival terminology

Archival Science 2006

4 Silvia Schenkolewski-Kroll, Assaf Tractinsky

Archival description, Information Retrieval, and the construction of thesauri in Israel Archives

Archival Science 2006

5 Claudia Lacombe Rocha e Margareth da Silva

Padrões para garantir a preservação e o acesso aos documentos digitais

Acervo 2007

6 Niels Bruebach Acesso Eletrônico à Informação Arquivística: Vantagens e potenciais das normas de descrição

Acervo 2007

7 Michel Duchein Os arquivos na torre de Babel. Problemas de terminologia arquivística internacional

Acervo 2007

8 Heloisa Liberalli Bellotto

A terminologia das áreas do saber arquivistico o caso da arquivística

Acervo 2007

9 Michel Fox Por que precisamos de normas? Acervo 2007

10 Marion Beyea A favor de normas para a prática arquivística

Acervo 2007

11 Claire Sibille A Descrição Arquivística na França, Entre Normas e Práticas

Acervo 2007

12 Heather MacNeil What finding aids do: archival description as rhetorical genre in traditional and web-based environments

Archival Science 2012

13 Richard Dancy RAD Past, Present, and Future Archivaria 2012

14 Bénédicte Grailles Et Laurent Ducol

Les enjeux de la normalisation dans les services d’archives

La Gazette des Archives

2012 continua

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164

AUTOR TITULO PERIÓDICO ANO

15 Michel Cottin Et Stéphanie Dargaud

Des archivistes et des normes La Gazette des Archives

2012

16 Claire Sibille - De Grimoüard

Les normes internationales de description archivistique : origines, développements, perspectives

La Gazette des Archives

2012

17 Stéphanie Roussel Le champ normatif de l’archivage électronique

La Gazette des Archives

2012

18 Stacy Wood et al Mobilizing records: re-framing archival description to support human rights

Archival Science 2015

19 Alice Motte La normalisation de la description archivistique : enjeux et actualités

La Gazette des Archives

2015

20 Laurent PRÉVEL Normalisation et certification : deux piliers pour l’archivage électronique

La Gazette des Archives

2015

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa com base nos artigos selecionados da amostra

Para melhor compreensão do cenário dessa categoria, os trabalhos foram

agrupados em três grupos que apresentam temática semelhante dentro do tema

normalização:

a) a importância da normalização nos arquivos;

b) normas de descrição arquivística específicas;

c) normas de descrição para o meio digital.

4.3.4.1 Importância da normalização nos arquivos

Em um primeiro grupo da amostra, há trabalhos que ressaltam a importância

da normalização nos arquivos de maneira geral, como os de Beyea, M.(2007), Fox,

M. (2007),Grailles e Ducol, (2012), que são unânimes em ressaltar a importância das

normas para os arquivos; consideram que a atividade de normalização é um meio

para melhorar continuamente os processos e produtos.

Grailles e Ducol (2012) abordam a normalização realçando que essa foi

sempre uma busca dentro das instituições que lidam com documentos e informação,

principalmente para bibliotecários e documentalistas europeus. Exemplificam com o

trabalho de Paul Otlet e Henri La Fontaine e a bibliografia universal. Mas, para os

arquivos, os autores destacam que essa busca só começa depois da Segunda

Guerra Mundial e de maneira indireta, como por exemplo, com a definição das

dimensões do papel definidas pela AFNOR em 1933.

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165

Quanto aos fatores determinantes para adoção das normas, Fox, M. (2007) e

Grailles e Ducol (2012) salientam que a normalização nos arquivos é uma

consequência natural, tal como aconteceu em outros tipos de organizações, como

montadoras de carro e bancos. É inevitável que os arquivos busquem racionalizar e

padronizar seus trabalhos na busca de eficiência.

Baye (2007) enfatiza que o documento digital é outro fator que

necessariamente obriga os arquivos a adotarem normas em seu trabalho. Mais um

fator determinante para o uso das normas é a adoção da informática como

ferramenta de auxílio ao trabalho do arquivista.

Quanto às perspectivas futuras, Baye (2007), Fox, M. (2007) se referem à

busca para definir normas internacionais que ajudem a unificar o trabalho nos

arquivos, a fim de melhorar qualidade das informações nas bases de dados. Eles

reforçam o papel do ICA como instituição que se ocupa da tarefa de controlar a

criação de normas internacionais para os arquivos. Fox (2007) ressalta o paradoxo

da normalização, que tende a deixar de lado a especificidade dos arquivos e unificar

tarefas em instituições maiores.

Grailles e Ducol (2012), em um trabalho recente, avaliam o percurso de uso

das normas após alguns anos de seu aparecimento. Apontam a necessidade de

serem revistas as práticas profissionais do trabalho com a normalização, porque a

adoção da norma, isoladamente, não garante a melhoria da qualidade do trabalho

do arquivista. Destacam que não é necessária a criação de mais normas, mas a

adoção de práticas de trabalho que possibilitem o uso e aplicação consistentes das

que já existem.

Outro trabalho que chama a atenção sobre o preparo do profissional para

trabalhar com as normas é o de Cottin e Dargaud (2012). Esses autores destacam

que a adoção das normas nos arquivos não ocorreu por acaso, mas decorreu de

necessidades determinadas por vários fatores tais como:

a) a necessidade de internacionalização dos trabalhos; a crescente necessidade

de uso dos sistemas de gestão de documentos eletrônicos que obriga à

adoção de padrões; o meio digital e as redes funcionam de acordo com

padrões que devem ser observados;

b) as instituições ligadas aos arquivos, governos, diretores, presidentes, devem

aprovar e referendar o uso das normas e às vezes também definir parâmetros

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166

legais e políticos para isso; a interação de diferentes instâncias demanda a

adoção de parâmetros;

c) a grande quantidade de informação em circulação obriga à adoção de normas

e padrões;

d) o processo de judicialização da sociedade traz demandas efetivas em relação

aos documentos; as instâncias judiciais funcionam com base em regras

rígidas e os arquivos, como parceiros, devem se adaptar a isso;

e) as demandas sociais por democratização da informação e por transparência

nas ações de governo obrigam os arquivos a seguirem parâmetros de

garantia dessa exigência da sociedade.

Os trabalhos de Dryden, (2005), Duchein (2007), Schenkolewski-Kroll,

Tractinsky (2006), (2007), Bellotto, H. L. (2007) são sobre a terminologia arquivística.

Esses autores abordam especificamente a criação das ferramentas terminológicas

como instrumentos para aprimorar a comunicação entre os profissionais e melhorar

o diálogo entre teoria e prática.

A arquivística, enquanto disciplina do conhecimento, é uma área recente, que

lida com grande diversidade de abordagens linguísticas e conceituais. A despeito

disso, possui princípios arquivísticos, que regulamentam a sua prática, amplamente

aceitos na comunidade, o que facilita a busca pela unificação terminológica. As

ferramentas terminológicas, tais como dicionários, glossários, vocabulários

controlados, ontologias contribuem para a busca de compreensão mútua entre os

profissionais de diversas partes do mundo.

Como pontua Dryden (2005), a tradição de criar ferramentas terminológicas

na arquivística está presente desde o tradicional manual dos holandeses, que

recomendava a elaboração de terminologias para certos inventários.

Schenkolewski-Kroll, Tractinsky (2006) relatam o percurso de construção de

ferramentas terminológicas nos arquivos de Israel e as especificidades dos arquivos

israelenses que lidam com uma enorme diversidade linguística nos documentos.

Sem as ferramentas terminológicas, o trabalho de descrição dos documentos é

impossível.

Sendo assim, a tarefa de criar ferramentas terminológicas é uma função nos

arquivos que tende a facilitar o trabalho, promovendo e melhorando os processos de

comunicação deles com o mundo.

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167

Em síntese, nesta subcategoria que destaca a importância da normalização

nos arquivos, podemos perceber que a normalização torna-se importante e passa a

ser uma busca nos arquivos a medida que as instituições arquivisticas percebem a

necessidade :

a) de melhorar seus processos e produtos com a racionalização e

padronização de seus trabalhos (BAYEA, 2007; FOX, 2007, GRAILLES E DUCOL,

2012).

b) de internacionalizar os trabalhos de arquivistas por meio da adoção de

padrões internacionais para execução das atividades, tidadas principalmente pela

adoção dos sistemas de informação e das tecnologias de computação adotadas

tanto na criação dos documentos quanto nos sistemas de informação para descrição

dos documentos (COTTIN, DARGAUD,2012)

c) de adotar ferramentas terminológicas como instrumento para aprimorar o

processo de comunicação entre os profissionais e usuários de documentos de

arquivo. (DRYDEN,2005; DUCHEIN, 2007; TRACTINSKY, 2007; BELLOTTO, 2007).

4.3.4.2 Normas de descrição arquivística específicas

Neste grupo de artigos da amostra analisou-se os trabalhos que abordam

especificamente as normas de descrição arquivística. São os trabalhos de de

Dryden (2003), Claire Sibille, C. (2007), De Grimoüard, C. S, (2012), Richard Dancy

(2012), Motte, A. (2015). Em todos os outros trabalhos desta categoria, as normas

arquivísticas de descrição também são tratadas, mas estes trabalhos da amostra se

referem especificamente a este tema.

Dryden, J. (2003) aborda o trabalho da força tarefa criada pelo Canadá e

pelos Estados Unidos para definir os parâmetros de uma norma nacional de

descrição arquivística. O autor detalha os trabalhos da CUSTARD project (Canada-

U.S. Task Force on Archival Description), criada para definir os parâmetros de

trabalho para a adoção das normas do ICA, International Council on Archives, a

norma ISAD (G) e ISAAR (CPF). Este projeto conjugou as regras de catalogação

dos Estados Unidos e Canadá para a descrição de documentos de arquivo.

Mais tarde, o trabalho de Richard Dancy (2012) avaliou a implantação do

RDAD, Règles pour la description des documents d’archives (RDDA), que é fruto do

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168

projeto do CUSTARD, utilizado nos arquivos canadenses. Esse modelo de regras

utilizou a ISAD (G) e o AACR2 como bases.

Passados alguns anos de implantação, o autor faz um balanço positivo, mas

ressalta como prejudicial a separação dos arquivos dos modelos de tratamento

inicialmente adotados em bibliotecas. Nas perspectivas futuras, ele aponta a

necessidade de se fazer uma revisão completa para que o formato se adapte ao

padrão internacional.

Os trabalhos de Sibille, C. (2007), Grimoüard, C. S, (2012) Motte, A. (2015)

fazem um balanço do uso das normas internacionais de descrição arquivística da

família ISAD (G). Eles descrevem detalhadamente cada norma e as histórias de

criação. Nos trabalhos Grimoüard, C. S. (2012) e Motte, A. (2015), avaliam sua

adoção, principalmente na França. Destacam os motivos pelos quais é necessário

utilizar nos arquivos as normas internacionais de descrição. Ressaltam que a

adoção das normas permite ter um modelo de representação de entidades

arquivísticas que respeitam os princípios arquivísticos que podem ser reproduzidos

nos sistemas de descrição arquivística digital. As normas possibilitam a construção

de uma melhor comunicação com os profissionais de todo o mundo.

4.3.4.3 As normas de descrição para o meio digital

Os trabalhos de Shepherd (2009) e Zhang, Mauney (2013) abordam o uso da

norma EAD, Encoded Archival Description e a busca por padrões de descrição

adequados para o meio digital.

Shepherd (2009) aborda os metadados descritivos compartilhados na

descrição arquivística, ressaltando que a área deve voltar a atenção para aumentar

as possibilidades de participação nesse contexto de compartilhamento de dados,

como forma de melhorar suas práticas e serviços. Para isso, devem ser revistas as

práticas de descrição arquivística para se tornarem adequadas ao novo modelo de

trabalho arquivístico. Pontua alguns passos que a comunidade arquivística deve

seguir para se ligar ao contexto da descrição arquivística de conteúdos digitais nas

redes digitais, que são a implementação dos princípios de metadados

compartilhados e protocolos de compartilhamento de dados, a criação de

ferramentas de colaboração de boas práticas, a construção de metadados de valor

agregado para a participação do usuário no processo de descrição e o trabalho

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169

colaborativo com a comunidade relacionada aos arquivos – museus e bibliotecas

que vivem realidades parecidas.

Zhang e Mauney (2013) também pontuam a necessidade de serem revistas

as práticas de descrição arquivística, no sentido de trabalhar com a descrição de

conteúdos em meio digital, ressaltando que os arquivistas devem ter consciência da

necessidade de se fazer a conexão entre a descrição arquivística que é o contexto,

com o item digital, que é o conteúdo. Esses dois elementos não podem seguir

separados na lógica de trabalho em meio digital.

DeRidder, Presnell, Walker (2012) apontam os problemas existentes nos

sistemas de acesso aos conteúdos digitais para pesquisa.

Em todos os trabalhos, os autores fazem revisões de literatura sobre o

desenvolvimento dos modelos de padrões de compartilhamento de dados descritivos

e relatam as várias iniciativas que vêm aparecendo na arquivística, com destaque

para o padrão do EAD, Encoded Archival Description.

DeRidder, Presnell, Walker (2012) destacam que o início da criação de

padrões de descrição de dados surgiu com o AACR2, Anglo American Cataloging

Rules, 2.ed., que tornou-se bastante popular em todo o mundo, por meio da Library

of Congress. Esse padrão de descrição para as bibliotecas foi adotado pelos

arquivos quando ainda não tinham um padrão específico de descrição para materiais

especiais. Isso acontece especificamente nos Estados Unidos, onde a sociedade

arquivística adota as regras de descrição do AACR2 para descrição desses

materiais.

Os trabalhos de Rocha e Silva (2007), Bruebach (2007), Botão (2013),

Roussel (2014) abordam especificamente as normas para garantir a preservação e o

acesso aos conteúdos digitais. Ressaltam que a grande preocupação na área da

informação é a preservação dos documentos digitais e também a garantia de que

eles possam ser acessados por um longo tempo ou para sempre.

Os primeiros trabalhos, de 2007, especificam as necessidades de definição

desses padrões de criação e manutenção de documentos em meio digital, com

detalhamento das características dos documentos digitais.

Rocha e Silva (2007) destacam a iniciativa brasileira do e-Arq e propõe a

adoção desse modelo no caso do Brasil; Bruebach (2007) recomenda a adoção da

norma ISSAR (CDF) e do EAD, Encoded Archival Description e EAC Arquival

Context. Botão e Sousa (2013) abordam especificamente a adoção da norma

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brasileira para recuperar imagens digitais. Roussel (2012) analisa a adoção da

norma ISSO 14721, OAIS, Open Archival Information System, um modelo conceitual

de referência para a criação de sistemas abertos de arquivamento de informações e

preservação. Detalha o modelo e destaca as suas funções para acesso a

informações que necessitam ser preservadas.

A característica básica do conteúdo desses trabalhos que abordam a

normalização, e especificamente a descrição de arquivos, refere-se à necessidade

de os arquivos adotarem práticas, sistemas e padrões comuns de descrição de

documentos, tanto em meio físico como em meio digital.

Essa preocupação cresce em função da adoção das tecnologias digitais, para

criação e acesso aos documentos em todo o mundo, e a necessidade de dar

permissão a esses conteúdos, para responder às demandas crescentes dos

usuários, bem como a necessidade de transparência das informações contidas nos

arquivos.

Os trabalhos iniciais pontuam essa preocupação, pois é o momento em que

os arquivos em todo o mundo estão lidando, na prática, com a realidade de trabalhar

com os documentos digitais e a necessidade de dar acesso às informações dos

acervos por meio dos sistemas de informação.

No início das décadas de 1990 e 2000 começam a aparecer os primeiros

catálogos de acervos arquivísticos em rede. Os anos de 2000 demonstram a

preocupação com a adoção de modelos de descrição arquivística e modelos de

criação e acesso a documentos digitais. Constata-se que é um trabalho complexo,

que envolve outros conhecimentos que não são do domínio dos arquivos, como a

computação, as redes de dados, os sistemas de informação.

A literatura Arquivística reflete as preocupações com as necessidades de

mudanças dentro do seu próprio seio, no caso, a descrição arquivística, para se

adaptar a essa nova maneira de trabalhar.

Esses padrões e normas devem possibilitar o compartilhamento de dados

entre as instituições arquivística, fornecer acesso aos conteúdos digitais e não

somente às descrições sobre conteúdo, possibilitar que as descrições e os

conteúdos possam ser disponibilizados aos usuários para busca em linha.

Os trabalhos destacam que essas iniciativas fazem com que o trabalho do

arquivo torne-se mais eficiente e de melhor qualidade e que elas possibilitam

melhorar o acesso às informações e ao documento de arquivo.

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Os trabalhos do final do período de cobertura da amostra, 2015, são

caracterizados por relatos de casos sobre como lidar com esse contexto. São

trabalhos que avaliam a aplicação das normas em arquivos, mostram o longo

percurso de criação de um modelo, um padrão, uma norma, evidenciando a

complexidade de se chegar a um deles, de forma que possam ser adotados

mundialmente, demostrando ainda o cuidado na elaboração para que lhes sejam

incorporados os princípios da arquivística.

Em síntese, com relação as normas de descrição específicas para os

arquivos e para os documentos digitais podemos destacar:

a) o trabalho das instituições internacionais como ISO, ICA, governos e as

associações de arquivos de vários países no esforço para definir normas especificas

para os arquivos que reflita e respeite os princípios arquivisticos. (DRYDEN, 2003;

DANCY, 2012; SIBILLE, 2007; GRIMOUARD, 2012; MOTTE, 2015)

b) o trabalho demorado e meticuloso para a elaboração de uma norma até o

seu uso efetivo nos processos arquivisticos (SIBILLE, 2007; DANCY, 2012)

c) a busca constante de atualização das normas para se adequar à realidade

da sociedade, no caso das normas para os documentos em meio digital, tanto para a

criação do documento digital, o armazenamento, a descrição e manutenção e

preservação permanente. (SHEPHERD, 2009; ZHANG, MAUNEY, 2013)

4.4. CATEGORIA DIPLOMÁTICA

O termo diplomática é apresentado no Glossário da SAA da seguinte forma:

Figura 6 – Termo Diplomatics

Fonte: Reproduzito de “A Glossary of Archival and Records Terminology” (2005, p. 148).

Conforme o Glossáro, SAA (2005), diplomática é a área da arquivística que

estuda a criação forma e transmissão dos documentos. A diplomática se ocupa de

verificar a relação existente entre o documento e os fatos representandos nele, a fim

de identificar, avaliar a sua natureza e autenticidade. A diplomática está relacionada

diplomatics, n. ~ The study of the creation, form, and transmission of records, and their relationship to the facts represented in them and to their creator, in order to identify, evaluate, and communicate their nature and authenticity. NT: general diplomatics, special diplomatics RT: authenticity, reliability, trustworthiness Notes: The first major work on diplomatics is Jean Mabillon’s De Re Diplomatica (1681; supplement, 1704). Diplomatics is primarily concerned with the process of determining whether a document is authentic or a forgery through a detailed examination of internal and external characteristics.

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172

com os conceitos de autenticidade, veracidade e confiabilidade do documento.

Busca garantir esses conceitos por meio da identificação dos elementos intrisecos e

extrisecos presentes no documento.

O conjunto de trabalhos sobre a Diplomática no período coberto retoma as

definições clássicas da diplomática enquanto disciplina de análise de atos escritos

(DELMAS, B, 2001; DURANTI, L. 2015). Nessa perspectiva, definem a base da

diplomática contemporânea, propondo a retomada dos estudos sobre o tema como

uma das formas de enfrentar os desafios atuais, principalmente em relação ao

tratamento de documentos arquivísticos em meio digital. Para uma melhor

compreensão da evolução dessas propostas, será analisado o conjunto de trabalhos

da pesquisadora Luciana Duranti. Em seguida, serão abordados os trabalhos que

contêm estudos sobre o conceito de evidência. Optou-se por analisar os trabalhos

de Gerard Naud e Christine Nougaret sobre análise arquivística por sua

complementaridade conceitual com a diplomática contemporânea.

Quadro 9 – Artigos sobre “Diplomática”. em periódicos nacionais e internacionais (2001-2015).

AUTOR TITULO PERIÓDICO ANO

1 Luciana Duranti Meeting the Challenge of Contemporary Records: Does It Require a Role Change for the Archivist?

The American Archivistic

2001

2 Luciana Duranti The impact of digital tecnology on archival science

Archival Science

2001

3 Bruno Delmas Archival science facing the information society

Archival Science

2001

4 Jonathan Furner Conceptual Analysis: A Method for Understanding Information as Evidence, and Evidence as Information

Archival Science

2004

5 Heather MacNeil Contemporary Archival Diplomatics as a Method of Inquiry: Lessons Learned from Two Research Projects

Archival Science

2004

6 Anne Gilliland; Nadav Rouche; Lori Lindberg; Joanne Evans

Towards a 21st Century Metadata Infrastructure Supporting the Creation, Preservation and Use of Trustworthy Records: Developing the InterPARES 2 Metadata Schema Registry

Archival Science

2005

7 Luciana Duranti; Kenneth Thibodeau

The Concept of Record in Interactive, Experiential and Dynamic Environments: the View of InterPARESw

Archival Science

2006

8 Jennifer Meehan Towards an Archival Concept of Evidence

Archivaria

2006 continua

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173

AUTOR TITULO PERIÓDICO ANO

9

Malcolm Tood

Power, Identity, Integrity, Autheticity, and the archives: a comparative study of the application of archival methodologies to comporary privacy

Archivaria

2006

10 Luciana Duranti From Digital Diplomatics to Digital Records Forensics

Archivaria

2009

11 Luciana Duranti, Corinne Rogers, And Anthony Sheppard

Electronic Records and the Law of Evidence in Canada: The Uniform Electronic Evidence Act Twelve Years Later

Archivaria 2010

12 Christiene Nougaret Théoriser l’archivistique: Gèrard Naud et l’analyse des archives contenporaines

La Gazette des Archives

2012

13 Gérard Naud <<Pré-Archiver>>? D’abord, analyser Gazette des Archives

2012

14 Gárard Naud L’analyse des archives administrative contenporaines

Gazette des Archives

2012

15 Natália Bolfarini Tognoli, José Augusto Chaves Guimarães

Contribuições da metateoria para o método diplomático em Arquivística

Ciencia da Informção

2013

16 Luciana Duranti Diplomática. Novos usos para uma antiga ciencia part V

Acervo 2015

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa com base nos artigos selecionados da amostra

4.4.1 A diplomática de Luciana Duranti

A diplomática é compreendida como disciplina que se ocupa dos atos

escritos. Evoluiu de forma significativa principalmente em virtude de apresentar

soluções para as questões ligadas ao documento digital e à preservação da

informação em meio digital. Essa evolução se deve, em parte, aos trabalhos da

pesquisadora Luciana Duranti. A pesquisadora e historiadora trabalha na School of

Library, Archival and Information Studies, Universidade de British Columbia, Canadá.

Publicou, na revista Archivária, um conjunto de artigos intitulado “Diplomatics: News

uses for an old Science”. Divididos em seis partes, foram os artigos publicados entre

1989 e 1992. Neste conjunto de trabalhos, a autora detalha desde a história das

formas de registro dos documentos, na antiguidade clássica, até chegar às bases da

instituição da diplomática como uma disciplina científica. Esses trabalhos passam a

ser a base de desenvolvimento da diplomática. Nougaret (2016) destaca que os

trabalhos de Luciana Duranti sobre a diplomática contemporânea e a diplomática

digital têm contribuído para o fortalecimento da disciplina. Segundo Nougaret (2016),

a influência deve-se ao fato de ela propor o uso da diplomática para lidar com as

questões do documento digital sem abandonar os princípios norteadores da

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diplomática clássica. Suas pesquisas sobre o tema trazem como resultado o

desenvolvimento de conceito e diretrizes que contribuem para a evolução e

atualização da diplomática. Luciana Duranti desenvolve, neste conjunto de artigos,

os fundamentos do trabalho de análise de documentos a partir da identificação de

elementos extrínsecos e intrínsecos como elementos que evidenciam a

autenticidade do documento. Esses trabalhos trazem à tona os conceitos de

evidência e de prova, bastante discutidos no contexto dos documentos digitais.

O primeiro trabalho, de 2000, é o texto de uma conferência feita no encontro

anual da Society of American Archivists, em 1999, foi “Meeting the Challenge of

Contemporary Records“. Apesar de o tema central não ser uma abordagem

especifica da diplomática, este trabalho tem um significado especial porque nele a

autora faz um balanço dos desafios profissionais do arquivista para lidar com os

documentos na contemporaneidade. Ressalta que os futuros profissionais devem

fazer distinção entre os métodos arquivísticos e a missão do arquivista e o trabalho

do arquivista e entre a função da arquivística e as questões do profissional em face

das questões da arquivística. A autora embasa essa afirmativa após a análise de

diferentes trabalhos publicados sobre os desafios, a missão, a função dos

profissionais, concluindo que essas discussões não estão abordando a questão real.

Em síntese, a questão central não deve ser o papel tradicional e novo do arquivista,

mas o que é a função do arquivista, a função do arquivo, seus métodos de trabalho

para lidar com a questão do documento na contemporaneidade. O que é possível

compreender é que, não deve existir dúvida quanto à relevância cultural que a

arquivística tem, quanto a seus métodos e quanto ao papel do profissional. Essa

deve ser a lógica para entender como as mudanças devem ser encaradas.

O reflexo desse pensamento pode ser observado nos trabalhos seguintes em

que a autora e seus colaboradores demonstram que a utilização dos métodos da

arquivística tradicional para tratar os assuntos contemporâneos é um caminho a ser

seguido para a área. A criação do projeto INTERPARES, em 1999, pode ser visto

como exemplo dessa visão de que os métodos e a clareza da função da arquivística

para tratar os documentos na contemporaneidade já estão postos. O projeto discute

em que pontos é necessário evoluir, melhorar conceitualmente, criar novas diretrizes

para lidar com a realidade do meio digital. A proposta do projeto é, portanto,

enfrentar os desafios do tratamento do documento digital.

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O conjunto dos trabalhos Luciana Duranti e seus colaboradores sobre o tema

são denominados: diplomática, diplomática contemporânea ou diplomática digital. O

primeiro deles, (DURANTI, 2001), semelhante ao trabalho de 2000 aborda o impacto

das tecnologias digitais na arquivística e os desafios dp profissional arquivista para

lidar com tais tipos de registros. A autora propõe abordar a arquivística como um

sistema em que partes e componentes que se juntam para realizar uma ação final.

Destaca as iniciativas de projetos em que esse modelo, baseado na visão sistêmica

enfrenta para lidar como os problemas da contemporaneidade. O primeiro projeto de

pesquisa coordenado por ela foi “The Preservation of Integrity of Eletronic Records”

entre 1994 e 1997, na Universidade de British Columbia, em colaboração com o

Departamento de Defesa dos Estados Unidos. O objetivo desse projeto foi identificar

e definir conceitualmente a natureza e os componentes dos documentos digitais e as

condições necessárias para sua assegurar sua integridade, confiabilidade e

autenticidade. O resultado da pesquisa foi confrontado com os conceitos

fundamentais da arquivística para assegurar a integridade do documento e com os

conhecimentos da diplomática para estabelecer os elementos de análise dos

componentes do documento digital.

Assim, nasce a associação da diplomática com a arquivística para lidar com o

documento em meio digital, de um lado a arquivística, com os princípios que

asseguram a autenticidade e a confiabilidade de documentos e, de outro, a

diplomática com a definição dos parâmetros de análise das evidências. Neste

projeto, o documento digital acompanha a tradicional definição da arquivística - que

o documento de arquivo é qualquer documento criado e mantido ou recebido por

uma entidade física ou jurídica na execução de ações referente a atividades, como

um instrumento ou seu produto. As pesquisas relatadas pela autora definem as

bases para o reconhecimento, organização e acesso aos documentos em meio

digital, ressaltando a importância da diplomática como ferramenta para lidar com o

novo contexto documentos digitais, em que se percebe o abandono dos termos

forma física e forma intelectual, em favor do retorno dos termos elementos

extrínsecos e elementos intrínsecos da forma documental. Isso se dá em função da

dificuldade de identificar no documento digital o que é físico e o que intelectual. São

esse os elementos que servem de base para a análise dos documentos tanto na

diplomática clássica quanto na diplomática contemporânea ou diplomática digital,

que ela, mais tarde, vai chamar também de diplomática forense digital.

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176

No trabalho de 2006, (DURANTI, THIBODEAU, 2006), a autora e seus

colaboradores apresentam os resultados do INTERPARES, (International resarch on

Permanent Authentic Records in Electronin Systems) nas fases 1 e 2, que tratam de

documentos produzidos e/ou mantidos em programas interativos, experimentais, em

ambientes dinâmicos.´

É ressaltado que para chegar a uma definição de documento digital a equipe

de pesquisadores trabalhou com a hipótese fundamental da diplomática, que

considera que todos os documentos são similares o suficiente para ser possível

identificar os seus elementos, independente das diferenças de natureza, forma,

proveniência ou data. Também o trabalho de GILLILAND, A, et al., (2005), abordam

a fase 2 do projeto INTEPARES, relatando os resultado dos estudos sobre a

identificação de componentes essenciais de metadados, necessário para a

infraestrutura de suporte para a criação, preservação e acessibilidade a documentos

confiáveis. Os autores descrevem a necessidade estabelecimento de metadados em

documentos digitais no momento da sua criação e a importância do seu

reconhecimento para garantir confiabilidade.

Os estudos sobre metadados de documentos digitais se fundamentam nas

normas de descrição arquivística, significando, portanto, que os conteúdos dos

metadados são estabelecidos para reconhecer os elementos de identificação de

documentos ou de conjuntos documentais estabelecidos pela norma ISAD (G). Os

autores destacam o exemplo da norma de EAD, Encoded Arquive description,

publicada pelo ICA, como um exemplo de como os metadados de documentos

digitais se articulam com os parâmetros das normas de descrição arquivística

utilizados tanto para descrever documentos tradicionais como documentos digitais.

Com base na evolução dos estudos sobre metadados, os estudos do INTERPARES

propõe um modelo de metadados que articula o conceito de descrição arquivística e

ciclo de vida dos documentos para garantir que os elementos de metadados

acompanhem toda a vida do documento e se constituam em elementos essenciais

da preservação e acesso em meio digital.

No trabalho de 2009, (DURANTI, 2009) apresenta o conceito de diplomática

digital desenvolvido no projeto INTERPARES, com base no conceito de “forense

digital”. Define as bases do conceito de diplomática para documentos digitais, o

conceito de documento digital, o conceito de registros digitais em ambientes

confiáveis, precisão, confiabilidade, integridade e os métodos de trabalho para a

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diplomática digital e forense digital. O que vale ressaltar do conteúdo do trabalho de

Duranti e seus colaboradores, dentro do projeto INTERPARES, é o avanço concreto

das discussões sobre como reconhecer, validadar, tratar e preservar documentos

em meio digital e a concretização de propostas para isso, tanto em termos de

pesquisa quanto em ações concretas.

Em síntese, podemos inferir que os elementos já habitualmente utilizados na

diplomática e na arquivística para tratar documentos arquivisticos são a base

fundante dessa evolução. É possível inferir, ainda, que as duas áreas têm papeis

distintos que se complementam na ideia de tratar a arquivística como um sistema em

que partes se complementam na tarefa de lidar com o documento em meio digital.

Sendo assim, à arquivística cabe o papel de avaliar documentos e conjuntos

documentais e sua validade enquanto documentos arquivísticos e o papel da

diplomática é reconhecer o conjunto de elementos que evidenciam a confiabilidade e

autenticidade dos documentos.

4.4.2. A diplomática e o conceito de evidência

Meehan (2006) aborda o conceito de evidência, de resto presente em todo o

discurso da arquivística. Relata a importância do conceito na prática arquivística e

procura mostrar a relação do conceito de valor de prova, documento e evento. O

artigo faz uma revisão detalhada da evolução do conceito na arquivística, desde a

abordagem de Hilary Jenkinson, que ressaltava as qualidades do arquivista como

alguém comprometido com a “santidade da evidência” e como o responsável por

preservar e considerar os fragmentos de provas dos documentos. Se a abordagem

inicial sobre o conceito de evidência na arquivística ressalta a necessidade de

preservar os elementos de evidência do documento, uma abordagem mais recente

indica a importância da confiabilidade dos documentos para a memória corporativa e

para a prestação de contas. A arquivística vem utilizando o termo para referir-se à

natureza, função e valor dos documentos, embora existam muitas variações no uso

do termo, tais como: documento como evidência, documentos possuem evidência,

documentos fornecem provas de evidência. A abordagem que nos interessa aqui é a

que relaciona documento e evidência, decorrente da ligação com a diplomática e a

descrição arquivísticas. O autor pontua que são as atividades da prática arquivística

que mostram o documento como elemento de prova por meio da identificação,

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reconhecimento e representação das evidências contidas no documento. O autor

ressalta que a ligação entre documento e a evidência vem se firmando na literatura

como resultado da busca de soluções para o tratamento dos documentos digitais e a

necessidade de reconhecer evidências para atribuir-lhes o valor de prova. A

diplomática e a descrição são os instrumentos que reconhecem os elementos físicos

do documento físico e essa mesma lógica se aplica ao documento digital,em que

onde os elementos físicos, as evidências, lhe atribuem valor de prova.

Duranti, Rogers, Sheppard (2010), analisam o “Uniform Eletronic Evidence

Act” depois de doze anos da sua adoção para tratar a complexidade dos

documentos, criados, consultados ou preservados em meio digital. É uma lei criada

pelo governo do Canadá, em 1989, para regulamentar a utilização da tecnologia

digital como principal meio de conduzir atividades e produzir documentos por meio

do reconhecimento de evidências. Considera ser necessário controlar as evidências

ao longo do ciclo de vida para ser mantida a sua confiabilidade. O trabalho dos

autores argumenta que o desenvolvimento de regras governamentais deve

considerar o controle do ciclo de vida para que os mesmo possam ser mantidos

confiáveis e invioláveis ao longo do tempo. Essa difícil tarefa exige a colaboração de

profissionais, não somente gestores ou da área jurídica, mas também daqueles com

conhecimentos de tecnologia de informação da diplomática digital. Somente a partir

do conhecimento legal, diplomático, forense e arquivístico e do desenvolvimento de

conceitos e métodos para interpretar evidências em meio eletrônico, pode-se

identificar, descrever, autenticar e adquirir documentos digitais de indivíduos e

organizações e criar documentos digitais que garantam a sua admissibilidade em

ações legais. Os autores propõem a criação da disciplina “Digital Records

Forensics”, que integra conhecimentos da diplomática, do arquivamento digital, da

pericia computacional e da legislação.

4. 4.3 Análise arquivística

Em 2012, a Gazette des Archives publicou um número especial

comemorativo, consagrado ao arquivista francês Gerard Naud, intitulado “Gerard

Naud: une archiviste de notre temps”. Nesta publicação especial é ressaltada a

importância desse arquivista, que foi o primeiro diretor do Centre des archives

contemporaines à Fontainebleau, instituição que recolhe os documentos antes de

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eles serem enviados definitivamente ao Arquivo Nacional da França. Inicialmente

concebido como Pré-arquivo. A partir dessa experiência em arquivos

contemporâneos, elaborou um conjunto de teorias do que será denominado

“Análise arquivística”, definida como descrição do conteúdo de um documento

indicando ao menos sua data, do que ele é objeto e informações sobre os critérios

do seu recolhimento ao arquivo.

Nougaret (2012) cita a obra de Gerad Naud que publicou, em 1988, na

Gazette des Archives, com o titulo “le traitement des archives au centre des archives

contemporaines des Archives Nacionales. Les centre des archives contenporaines

dasn le système archivisique français, suas ideias sobre o que vem a ser a análise

arquivística, sua importância e suas bases de execução, ideias inovadoras para os

padrões franceses. Segundo Nougaret (2012), a maior inovação de Naud é a de se

interrogar sobre o conteúdo dos documentos e de demonstrar que ele não pode ser

reduzido a uma “Nature de documents” ou aum documento natural; ao contrário,

deve ser considerada a sua finalidade administrativa, ou seja, a finalidade pela qual

ele foi criado. Coloca em cena, também, o agente da ação administrativa para quem

o documento foi útil. Os elementos de nome do serviço de envio do documento, o

agente da ação, o objeto da ação a data e a forma devem ser descritos no momento

do recebimento do documento no arquivo contemporâneo, portanto, antes do seu

recolhimento. Essas diretrizes deverão dar apoio a duas atividades principais dos

arquivos: a eliminação dos documentos inúteis e a criação dos instrumentos de

pesquisa. Para os arquivos franceses essas ideias são consideradas bastante

inovadoras, tendo em vista a tradição de recolher absolutamente todos os

documentos enviados para o arquivo, dentro da concepção de que o serviço ou

setor que os enviou considerou e reconheceu que aqueles documentos são

importantes. Desse modo, a prática de análise de conteúdo de documentos para

atribuir valor, tendo em vista sua eliminação ou manutenção parece completamente

novo.

O contexto de trabalho de Naud pode explicar a defesa que ele faz do

processo de análise do documento de arquivo antes de sua incorporação definitiva

ao arquivo. No artigo intitulado “Pré-archive’? D’abord, analiser” reproduzido nesta

edição de 2012 da Gazette des Archives, Naud fundamenta suas análises na

perspectiva de que, no futuro, os arquivos devem fazer a análise no pré-

arquivamento por necessidade de racionalização da gestão dos arquivos e melhor

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atribuir valor aos documentos. Segundo Naud (2012), a cada envio de documento ao

arquivo deve ser redigido um sumário que será utilizado para a indexação do objeto

da ação, do agente e do tipo de ação. Esse sumário se apresenta como resultado de

uma análise de conteúdo sintética que caracteriza a ação administrativa exercida à

qual o documento estava ligado, o autor dessa ação, se há um serviço de arquivo

interno ou a prática de gestão de documentos, onde ocorrem os objetos dessa ação,

os tipos de documentos, o contexto particular eventual (leis, eventos históricos,

lugar) e datas limites.

Segundo Naud (2012), a análise arquivística pode ser feita para um item

documental ou para um conjunto de arquivos. Segundo Nougaret (2012), a adoção

da prática de análise arquivística na França foi precedida por várias publicações,

dentre elas as principais são “La Pratique archivistique française classement et

description”, da Direção Geral do Arquivo Nacional da França, em 1993, que com

essa publicação instituiu a prática da análise nos arquivos na França. Em 1994, o

Arquivo Nacional também publicou uma norma interna AD-94-8 Traitemente des

archives contemporaines. Indexation. Instruments de recherche e, por fim, a

articulação com a norma ISAD (G) de descrição arquivística, no capitulo 4 da edição

francesa, que explica como utilizar a norma no contexto francês. Em síntese, adota o

elemento intitulado “analyse”, para a identificação do trio agente, objeto e ação do

documento.

As ideias de Gerard Naud sobre a análise arquivística são concretizada na

criação do programa PRIAM (Préarchivage Informatisé de Archives de Ministeres) 1

e 2, em 1983-1995, que permite a gestão cotidiana de recebimento das

comunicações no arquivo de Fontainebleau (NAUD, CHRISTINE, 2012). Esta base

de dados permite, aos arquivistas e usuários, o acesso ao conteúdo descrito nos

documentos. Naud pensava que não haveria motivo para a guarda de documentos

correntes ou intermediários aos quais não pudesse ser dado acesso ao conteúdo.

De fato, sem conhecer o conteúdo dos documentos, não se pode identificar seu

valor.

Em síntese, a categoria de artigos sobre Diplomática, demonstra que o tema

tem um destaque significativo para a área de Arquivística com atividades para

organização e tratamento das informações sobre os documentos arquivísticos.

Podemos resumir destacar que:

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a) a despeito de trabalhar com diretrizes que são seguidas a séculos no

reconhecimento de evidências dos documentos e sua produção e validação, a

Diplomática ampliar seu campo de atuação no tratamento dos documentos em meio

digital, evidenciado pelo desenvolvimento da Diplomática Digital e a Diplomática

Forense (DURANTI, 2001).

b) as diretrizes seguidas pela Diplomática para tratar o documento, tanto para

o documento tradicional quanto para o documento digital, e da qual se serve a

Arquivística, são determinantes na aplicação do conceito de evidência no documento

de arquivo e atribuição de valor arquivístico e de prova que o documento possui.

(MEEHAN, 2006; DURANTI, ROGERS, SHEPPARD, 2010):

c) portanto é possível entender que o desenvolvimento da disciplina

Diplomática, como aquela que se ocupa dos documentos fisicamente, na busca pela

determinação e reconhecimento das suas evidencias de prova, tem ligação estreita

com as atividades da descrição arquivística, com suas normas de descrição do

documento com base nos princípios aquivísticos e com a gestão de documento e

gestão do ciclo de vida do documento. Isso mostra que as duas áreas, Diplomática e

Arquivística possuem uma relação que fortalece a arcabouço de conhecimento

prático e teórico de ambas.

d) a análise arquivística, praticada para reconhecer minimamente o conteúdo

dos documentos para sua gestão e tratamento e para entender as razões da sua

criação (NAUD, 2012; NOUGARET, 2012), demonstra que a ligação da Arquivística

e da Diplomática suscita o estabelecimento de práticas no tratamento do documento,

que vem sendo incorporada definitivamente nas atividades do arquivo.

e) a Diplomática, a Diplomática Digital, Diplomática Forense, a Análise

Arquivísticas são evidências de como a Arquivística vem se atualiza tanto na teoria

quanto na prática para lidar com questões contemporâneas relacionadas ao

documento de arquivo e seu tratamento e organização.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ernst Posner (1940), em um belo relato sobre o desenvolvimento da

arquivística a partir da Revolução Francesa, destaca que a principal criação desta foi

a concepção de arquivo central ou provincial, como um lugar para onde todos os

documentos da administração do Estado eram enviados, a fim de ficarem

preservados e à disposição para consulta pelo cidadão que buscam o conhecimento

de seus direitos. Ele trata da função da Revolução Francesa na criação do modelo

de arquivo contemporâneo.

O autor processegue, afirmando que o ‘princípio da acessibilidade’ “não

evoluiu e não se materializou e não poderia materializar-se até receber um impulso

externo e desenvolver uma atitude inteiramente nova em relação aos arquivos”

(POSNER, 1940, p.275). Posner acentua, ainda, que a Revolução Francesa tornou

os arquivos acessíveis aos estudos eruditos, o que a princípio lhes era uma função

secundária.

Um novo impulso dado ao desenvolvimento dos arquivos foi o fato de que os

cidadãos passaram a ser cada vez mais conscientes do poder da sua

individualidade frente ao Estado e começaram a usar a história pátria “como fonte de

encorajamento em momentos de desastre nacional” (POSNER, 1940, p.279). Isso

fez com que a publicação de fontes documentais sobre o assunto, acessíveis ao

público, fosse o objetivo da historiografia nacional. Para esse novo propósito, os

arquivos se empenharam em recolher e organizar os documentos das

administrações gerais.

Nesse sentido, os arquivos se reinventam, sendo criados novos princípios

norteadores do trabalho de organização dos documentos. Nascem, assim, os

princípios de respeito aos fundos e à ordem original. Esses princípios são

fortalecidos pela publicação de manuais de trabalho, de normas e padrões

internacionais que norteiam o trabalho nos arquivos.

Em algumas passagens é possível ver discussões dentro da Arquivística

sobre a possibilidade de aprimoramento dos processos de organização e tratamento

de documentos de arquivos por meio da aproximação teórica e metodológica com a

Ciência da Informação, a título de exemplo podemos citar Fonseca (2005). Nesse

sentido, nesta pesquisa, inicialmente, procuramos incorporar os conceitos de regime

de informação e teorias da linguagem para verificar se no corpus analisado seriam

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identificadas referências a esses conceitos. Isso porque a presente pesquisa teve

início com o objetivo de verificar a hipótese de que a arquivística poderia caminhar

no sentido de adotar os modelos teóricos da Ciência da Informação nos processos

de organização e tratamento dos documentos de arquivo. Buscou-se então, em um

conjunto de textos da literatura da arquivística, com cobertura de 15 anos, os

elementos que pudessem comprovar a interação teórica metodológica entre as duas

áreas – a Ciência da Informação e a arquivística.

Foi feito um levantamento exaustivo nos periódicos Gazette des Archives,

Archival Science, The American Archivist, Archivaria e Acervo. Foram selecionados

trabalhos cujos temas estivessem relacionados às atividades de organização e

tratamento de documentos em arquivos.

Entretanto, na análise do corpus, é forçoso afirmar que não foram

encontradas evidências suficientes para sustentar a existência de uma forte ligação

entre as atividades de organização da informação entre as duas áreas. Verificou-se,

que questões relativas ao conceito de regime de informação e linguagem não estão

explicitamente presentes nessa literatura. Constatação feita, a direção da pesquisa

voltou-se para o estabelecimento de hipóteses alternativas, de acordo com o método

de pesquisa hipotético-dedutivo adotado. Nesse método, estabelece-se uma

hipótese inicial com base em conhecimentos prévios como exposto no item sobre os

procedimentos metodológicos.

A ausência de evidências para sustentar essa hipótese inicial determinou a

elaboração de hipóteses alternativas. Assim sendo, estabeleceu-se como hipótese

de trabalho alternativa a ideia de que os processos de organização e tratamento da

informação estão que estão no cerne da renovação do saber teórico e prático da

arquivística fundamentam-se em princípios próprios. A análise de conteúdo de um

corpus representativo da literatura de Arquivística mostrou como são elaborados os

discursos sobre o tema da organização e tratamento da informação neste domínio.

Inicialmente, foi possível constatar que alguns conceitos são abordados com

certa frequência nos artigos analisados, como é o caso da classificação e da

indexação. Apesar do uso dos termos classificação e indexação, tanto na Ciência da

Informação quanto na arquivística, não há coincidências teórico-metodológicas entre

as atividades de arranjo de fundos e de coleções arquivísticas e o tratamento

documentário realizado em bibliotecas e em sistemas de informação bibliográfica.

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Para a arquivística, a classificação procura retratar e recompor a ordem

original de fundos arquivísticos e coleções de conjuntos documentais. Tem a

finalidade básica de evitar a dispersão de conjuntos documentais que, isoladamente,

podem não ter significado.

A teoria da classificação é, portanto, um arcabouço teórico para dar

sustentação às atividades de dar unidade a um conjunto de documentos e reforçar a

importância do arquivo enquanto meio de recomposição e reconstituição de

contextos para compreender conteúdos individuais ou de grupos. Um documento

isolado, fora de um conjunto, é certamente uma fonte de informação, mas não é

forçosamente reconhecido como um documento de arquivo.

A literatura analisada sobre a classificação na arquivística mostrou os

esforços teóricos que vêm sendo empreendidos na busca de modelos de aplicação

da classificação atrelados aos princípios que fundamentam a organização e o

tratamento de documentos de arquivo.

O mesmo ocorre com a indexação. Os autores analisados relatam a ausência

desse procedimento nos arquivos. Foi possível verificar, no entanto, que a

indexação é realizada nos arquivos, de forma específica, apresentando

características relacionadas aos princípios da Arquivística, de indexar por meio das

evidências documentais e não por meio da análise subjetiva dos assuntos contidos

em documentos ou em conjuntos documentais. Indexa-se por nome de pessoas,

lugares, profissões, atividades, que são elementos evidenciados na análise

arquivística. O controle de vocabulário, processo estreitamente relacionado à

indexação, é utilizado, na arquivística, para estabelecer equivalências entre os

diferentes termos que representam um mesmo contexto.

Por outro lado, foi possível constatar que a arquivística possui um conjunto de

conhecimentos próprios, oriundos dos princípios arquivísticos e da tradição de

elaboração de manuais práticos que contribuem para dar sustentação à área

enquanto disciplinar científica.

Em outras palavras, a literatura analisada mostra que a arquivística

contemporânea construiu um arcabouço teórico com ferramentas capazes de dar

rigor à execução das funções próprias dos arquivos, no caso, organizar e tratar os

documentos de arquivo e disponibilizá-los para consulta em diferentes contextos.

A categoria de descrição arquivística mostrou que ela se fundamenta nos

princípios básicos de respeito aos fundos e à ordem original, apresentando modelos

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e regras que sustentam e permitem cumprir as tarefas de organizar e tratar os

documentos para difusão.

A criação e aplicação das normas de descrição, ao longo dos anos, evidencia

a maturidade da área da arquivística em lidar com a articulação entre a teoria e a

prática, levando-a a caminhar para uma constante atualização de suas normas e

padrões de trabalho. Os desafios de lidar com os documentos digitais e com a

grande quantidade de informação que circula em novos formatos vêm sendo

enfrentados de forma consistente, havendo já as bases que permitem evoluir em

consonância com os princípios fundamentais que regem a área. O foco da

organização e tratamento do documento é, em primeiro lugar, a explicitação da

autenticidade do documento e sua validação. Os princípios arquivísticos são

valiosos para nortear esses processos.

A diplomática, área de conhecimento interdisciplinar, oferece, nas novas

abordagens, um conjunto específico de regras de organização e tratamento de

documentos de arquivo. Pode-se afirmar que a diplomática tem evoluído e se

beneficiado com as contribuições da arquivística. Ela é capaz de fornecer elementos

tanto para os tradicionais documentos arquivísticos quanto para os documentos em

meio digital, por meio da diplomática digital, concretizada em projetos de construção

de modelos de preservação, conservação e disponibilidade de documentos em meio

digital e em redes de compartilhamento de dados, como o projeto Interpares.

A diplomática vem oferecendo não somente elementos norteadores para o

estabelecimento das práticas de descrição arquivística, mas tem também atuado no

momento de criação de documentos, contribuindo, assim, para a busca de eficiência

nos sistemas de gestão de documento.

A análise arquivística contemporânea, proposta por Gérard Naud, mostra que

é possível, mesmo para os tradicionais arquivos franceses, evoluir com base em

suas próprias práticas. No modelo clássico, a função dos arquivos era recolher e

armazenar, não pairando dúvidas sobre a sacralidade dos documentos e seu

conteúdo. O conteúdo e as evidências de ação eram investigados e definidos por

pesquisadores e historiadores.

Atualmente, em meio a uma grande quantidade de documentos, variedade

tipológica, origem dispersa, faz-se necessário estabelecer regras aplicáveis desde o

momento de criação ou recebimento do documento no arquivo. Esse procedimento

de controle permite que o documento possa ser analisado e interpretado para que

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lhe seja atribuído o valor de documento de arquivo, preparando assim seu percurso

até sua guarda definitiva em arquivos definitivos.

A análise arquivística inova ao propor a descrição não apenas da forma, mas

também do conteúdo. Como consequência, o profissional de arquivo passa a ter um

papel mais ativo no processo de organização e tratamento do documento.

Esses processos são hoje estudados na diplomática arquivística. O conteúdo

das evidências documentais é identificado principalmente com base em elementos

internos e externos, propostos pela diplomática tradicionalmente, desde Mabillon e

não com base apenas na interpretação subjetiva do conteúdo.

Muitas são as possibilidades de a arquivística se aventurar em explorar os

conteúdos dos documentos. Gerard Naud foi um inovador na tarefa de organizar e

tratar documentos. Quando era responsável pelo serviço educativo do Arquivo de Le

Man, organizou, em 1965, uma exposição cujo tema foram as duas grandes guerras.

Nessa exposição juntou, no mesmo espaço, objetos da biblioteca, do museu e do

arquivo, tal como esses elementos eram organizados e tratados nessas instituições.

Nessa atividade, Gerard Naud evidenciou a possibilidade de

compartilhamento de diferentes visões institucionais, ao promover uma exposição

temática. Cada tipo de instituição – biblioteca, museu e arquivo – apresentou seu

universo específico nos aspectos relativos ao tratamento de elementos sobre um

mesmo tema. Evidenciou que a interação institucional pode ser possível, desde que

cada um preserve e respeite o seu corpus teórico e prático de abordagem do tema.

Por meio da observação do corpus, constatou-se que a arquivística possui um

conjunto teórico-metodológico próprio que possibilita o seu desenvolvimento

enquanto disciplina científica. A análise mostrou que as práticas de organização e

tratamento de documentos atendem aos objetivos a que se propõem e que a área

evolui continuamente e inova suas práticas atendendo às demandas da sociedade.

A capacidade de se reinventar não advém, porém, de uma característica

endógena ou insular. Ao contrário, é possível afirmar que a arquivística evolui

estabelecendo diálogos fortes e consistentes com outras áreas de conhecimento, a

exemplo das pesquisas relacionadas ao tratamento do documento digital onde a

Arquivística alia-se a Diplomática, ao Direito, a Computação, a Administração e

outras áreas do conhecimento.

O objetivo da pesquisa foi cumprido e os resultados obtidos com a hipótese

alternativa de trabalho confirmaram a importância da organização e tratamento de

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documentos como atividade nuclear da área porque permite realizar as atividades de

avaliação, preservação, gestão de documentos e recuperação da informação.

Como toda pesquisa, esta apresenta lacunas. As escolhas feitas, por

questões contingenciais, não permitiram avançar sobre o tema dos instrumentos de

pesquisa nos arquivos como um produto da atividade de tratamento e organização,

e mais especificamente, da descrição arquivística.

Portanto, a presente pesquisa pode ter vários desdobramentos. Como

possibilidades de desenvolvimento, propomos:

a) Analisar o processo de construção e uso das ferramentas de pesquisa nos

arquivos poderá ampliar o entendimento sobre a função da descrição arquivística na

perspectiva de verticalização do tema, em trabalhos futuros.

b) Investigar como ocorre na prática dos arquivos brasileiros a atividade de

organização e tratamento seria outro viés de estudo sobre o tema, que poderá levar

a novas constatações, visto que a realidade brasileira difere da realidade dos países

de origem da maioria da bibliografia analisada. Tem-se consciência de que a

realidade dos arquivos no Brasil difere da realidade dos países europeus, norte-

americanos, australianos e um estudo sobre as práticas desenvolvidas nos arquivos

brasileiros poderá ampliar os conhecimentos sobre o tema.

c) Outro tema que merece ser analisado em profundidade, a partir dos

resultados da pesquisa, refere-se às ferramentas de controle terminológico, que

foram identificadas no corpus analisado como ferramentas de apoio essenciais para

o trabalho da descrição dos documentos. É um tema ainda pouco explorado nos

textos sobre os processos de organização e tratamento de documentos

arquivísticos.

d) A diplomática foi uma grande descoberta neste estudo, pois possibilitou

entender como a área da Arquivística continua apresentando respostas consistentes

para os dilemas enfrentados pelas demais áreas que lidam com a informação, tais

como o controle da origem do documento e as questões relacionadas à originalidade

e veracidade dos dados. Os conceitos de evidência e autenticidade relacionados a

esse termo também são estudos fundamentais para a área de organização e

tratamento para que os arquivos contribuam efetivamente para a democratização do

acesso à informação, para a gestão de políticas públicas e construção da memória

social.

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APENDICE

LISTA DOS ARTIGOS ANALISADOS

ACERVO - REVISTA DO ARQUIVO NACIONAL DO BRASIL

AGUIAR, Francisco; TALAMO, Lopes de Maria ,Controle de vocabulário da língua orgânico-funcional. Concepção e princípios teórico-metodológico. Acervo, v.25, n.1/2, 2012.

BELLOTT, Heloisa Liberalli. A terminologia das áreas do saber arquivístico o caso da arquivística. Acervo, v.20, n.1/2, 2007

BEYE, Marion. A favor de normas para a prática arquivística. Acervo, v.20, n.1/2, 2007.

COOK,Michel. Desenvolvimento na descrição arquivística: algumas sugestões para o futuro. Acervo, v.20, n.1/2, 2007.

CUNNINGHAM Adrian. O Poder da Proveniência na Descrição Arquivística. Uma perspectiva sobre o desenvolvimento da segunda edição da ISAAR (CPF). Acervo, v.20, n.1/2, 2007

DUCHEIN, Michel. Os arquivos na torre de Babel. Problemas de terminologia arquivística internacional. Acervo, v.20, n.1/2,2007.

DURANTI, L. Diplomática: novos usos para uma antiga ciência. Parte V. Acervo, v.28, n.2, 2015.

FOX, Michel. Por que precisamos de normas?. Acervo, v.20, n.1/2, 2007

NIELS, Bruebach. Acesso Eletrônico à Informação Arquivística: Vantagens e potenciais das normas de descrição. Acervo, v.20, n.1/2, 2007

OLIVEIRA, Maria Izabel de. Classificação e avaliação de documentos. Normalização dos procedimentos técnicos de gestão de documentos. Acervo, v.20, n.1/2, 2007 RIBEIRO, Luiz Carlos et al. Descrição arquivística do acervo documental do

conselho regional de desporto do Paraná. Acervo, v.. 27, n. 2, jul./dez. 2014,

RIOS, Elaine Rosa; CORDEIRO, Inês Novais. Plano de classificação de documentos

arquivísticos e a teoria da classificação. Pers. em Ciência da Inf. v.15, n.2, p.123-

139, maio./ago. 2010.

ROCHA, Claudia Lacombe; SILVA, Margareth da. Padrões para garantir a preservação e o acesso aos documentos digitais. Acervo, v.20,2007

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