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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES * DEP. DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO Cartografia das livrarias do CENTRO DE SÃO PAULO (1930-1970) Martin Fernando de Araújo Gonçalves RELATÓRIO FINAL Trabalho apresentado ao Programa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria da USP, feito com apoio do PIBIC/CNPq (agosto/2011 a julho/2012). Orientadora: Profa. Dra. Marisa Midori Deaecto São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES * DEP. DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO

Cartografia das livrarias do CENTRO DE SÃO PAULO

(1930-1970) Martin  Fernando  de  Araújo  Gonçalves  

 RELATÓRIO  FINAL    

Trabalho apresentado ao Programa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria da USP, feito com

apoio do PIBIC/CNPq

(agosto/2011 a julho/2012).

Orientadora: Profa. Dra. Marisa Midori Deaecto

São  Paulo  

2012

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Cartografia das livrarias do

CENTRO DE SÃO PAULO (1930-1970)

MARTIN FERNANDO DE ARAÚJO GONÇALVES

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Sumário  

Introdução  ...............................................................................................................................  4  

O  comércio  de  livros  no  Centro  de  São  Paulo  ...........................................................  10  Ascensão  (1930-­‐1949)  ...............................................................................................................  10  O  Departamento  de  Cultura  ..................................................................................................................  10  Instituições  de  ensino  superior  ...........................................................................................................  12  

Auge  (1950-­‐1959)  ........................................................................................................................  15  Livros  universitários  ................................................................................................................................  15  Best-­‐sellers  ...................................................................................................................................................  18  Centro  Novo  .................................................................................................................................................  21  Configuração  das  lojas  .............................................................................................................................  22  

Declínio  (1960-­‐1979)  .................................................................................................................  25  AI-­‐5  ..................................................................................................................................................................  25  Mudanças  no  centro  financeiro  ...........................................................................................................  25  Outros  canais  de  distribuição  ...............................................................................................................  27  

Cartografia  das  livrarias  do  Centro  de  São  Paulo  ....................................................  31  

Conclusão  ..............................................................................................................................  49  

Fontes  e  Bibliografia  .........................................................................................................  53  

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Mapas, gráficos e tabelas

Mapa 1. Centro Velho de São Paulo, 06

Mapa 2. Centro Novo de São Paulo, 07

Gráfico 1. Número de livrarias no Centro de São Paulo por década; 09

Gráfico 2. Distribuição das livrarias entre o Centro Velho e o Centro Novo

de São Paulo por década, 50

Tabela 1. Livrarias do Centro de São Paulo entre 1959 e 1961, 46

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Introdução

O OBJETIVO primordial desta pesquisa foi fazer a listagem dos estabelecimentos

comerciais voltados ao livro na região central da cidade de São Paulo entre as décadas

de 1930 e 1970. As livrarias foram analisadas do ponto de vista de seu público

consumidor e do tipo de obra vendida.

Em relação ao comércio de livros, foi no Centro que as livrarias se aglomeraram

até a década de 1950, sendo por isso que se optou pela região central como foco de

pesquisa. O Centro de São Paulo é divido em duas partes: o Centro Velho e o Centro

Novo. O Centro Velho é formado pelo “triângulo histórico”, cujas pontas são formadas

pela Praça da Sé, o Largo São Bento e o Largo São Francisco. Conectando os três

pontos estão as ruas Senador Feijó, Boa Vista e Líbero Badaró. Dentro da área formada,

destacam-se alguns dos pontos mais importantes: as ruas 15 de Novembro, Benjamin

Constant, José Bonifácio, Quintino Bocaiúva e São Bento, além das praças do Patriarca

e Antônio Prado.

Atravessando o vale do Anhangabaú, pelos viadutos do Chá ou da Santa

Efigênia, chega-se ao Centro Novo de São Paulo, que é delimitado pelas praças da

República, José Gaspar, Ramos de Azevedo e o largo do Paissandu. Interligando esses

pontos estão as ruas da Consolação, Cel. Xavier de Toledo, Conselheiro Crispiniano,

além das avenidas Rio Branco, Ipiranga e São Luís. Dentre algumas das vias mais

importantes dessa região é possível citar as ruas 24 de Maio, Barão de Itapetininga, José

de Barros, Marconi, 7 de Abril, Bráulio Gomes e a avenida São João.

A divisão apontada acima, tanto do Centro Novo como do Centro Velho, é a

configuração distrital dos bairros centrais. Na pesquisa ela foi usada como um foco, não

como um delimitador, o que permitiu que importantes ruas próximas fossem também

estudadas. É por isso que a rua Maria Antônia, por exemplo, foi incluída no trabalho,

pois as unidades de ensino superior nela presentes (a Faculdade de Filosofia da USP e a

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Universidade Mackenzie) foram de grande importância para o comércio livreiro no

Centro da cidade1.

Para listar o nome e o endereço das livrarias existentes no período, buscando

identificar o seu público consumidor e o tipo de produto oferecido, recorreu-se a

entrevistas e depoimentos de livreiros e de antigos frequentadores. Além disso,

pesquisamos catálogos telefônicos e guias turísticos do período.

1 Em quinze minutos de caminhada, os estudantes universitários chegavam à Praça da República, onde podiam adquirir seus livros de estudo. Nas palavras de Alfredo Bosi, “[...] para frequentar uma boa livraria era necessário percorrer as ruas próximas do Teatro Municipal ou chegar até o chamado Centro Velho que desembocava na Praça da Sé. Com o tempo o estudante de Letras da Faculdade de Filosofia aprendeu que poderia ir muito bem a pé da rua Maria Antônia até a Praça da República”. Alfredo Bosi, “Quem diz livraria diz refúgio”, Livro (Revista do NELE), n. 1, São Paulo, maio 2011, pp.13-18.

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Mapa 1. Centro Velho de São Paulo (fonte: Viva o Centro)

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Mapa 2. Centro Novo de São Paulo (fonte: Viva o Centro)

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Além desse primeiro objetivo, durante a pesquisa surgiu a necessidade de

explicar outra questão. A partir dos dados colhidos, é possível perceber que da década

de 1930 à de 1940 há uma linha ascendente relativa ao número de livrarias no Centro de

São Paulo, subindo de dezesseis para vinte e dois estabelecimentos. Desde o século XIX

as livrarias paulistas concentravam-se na região central, porém, o aumento no número

das lojas era bem lento. Na década de 1850 elas eram três; em cerca de vinte anos o

número aumentou para cinco e, na década de 1890, existiam oito livrarias2. Em 1919

havia apenas 35 livrarias em todo o país, estando a maioria no Rio de Janeiro3. Além de

relativamente abrupto, tal progresso comercial na década de 1930 é peculiar, sendo

analisado como um desdobramento das mudanças observadas na capital paulista após a

Revolução Constitucionalista, de 1932. O número de livrarias deu um salto ainda maior

nos anos 1950, totalizando 78 estabelecimentos – que foi o momento de maior

concentração de livrarias na região central da cidade, segundo nosso levantamento. Nos

anos seguintes, porém, as cifras sofreram uma queda brusca, de modo que na década de

1970 temos registro de apenas dezessete livrarias no Centro da cidade. Assim, houve a

preocupação de, além do levantamento das livrarias, também identificar os fatores que

levaram a essa ascensão entre as décadas de 1930 e de 1940, ao pico na década de 1950,

ao qual se seguiu o decréscimo nas duas décadas seguintes.

2 Ver Laurence Hallewell, O livro no Brasil, São Paulo, T.A. Queiroz /Edusp, 1985, p.232 e Marisa Midori Deaecto, O Império dos livros, São Paulo, Edusp; Fapesp, 2011, pp.373-376. 3 Olímpio de Souza Andrade, O livro Brasileiro: progressos e problemas (1920-1971), Rio de Janeiro, Ed. Paralelo, 1974, p.29.

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Gráfico 1. Número de livrarias no Centro de São Paulo por década (fonte: levantamento do autor)

A fim de compreender a conjuntura do comércio livreiro nesse período, foi feito

o cruzamento da localização dessas livrarias com a configuração urbana da época,

relacionando a concentração de estabelecimentos em cada década com o contexto

histórico do momento.

Para facilitar a exposição, na primeira parte deste trabalho serão discutidos os

fatores que levaram ao aumento e ao declínio do número de livrarias no Centro de São

Paulo. A segunda parte será dedicada ao levantamento dos estabelecimentos do período,

apresentando um breve histórico das lojas mais importantes da época.

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O comércio de livros no Centro de São Paulo

Ascensão  (1930-­‐1949)  

O Departamento de Cultura

APÓS a derrota para Getúlio Vargas na Revolução Constitucionalista, que entre julho e

outubro de 1932 transformara a cidade de São Paulo em um campo de batalha, a elite

paulista procurou se renovar no campo do ensino para ser o novo centro cultural

brasileiro, uma vez que deixara de ser o centro político. Em discurso de paraninfo da

turma da USP de 1937, note-se, a primeira, Júlio de Mesquita Filho foi bem claro nessa

posição: “Vencidos pelas armas, sabíamos perfeitamente que só pela ciência e pela

perseverança no esforço voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas décadas

desfrutamos no seio da federação”4.

Com esse objetivo foi criado, em 1935, por alguns participantes da Semana de

22, o Departamento de Cultura, tendo como primeiro diretor Mário de Andrade. Foi

uma maneira de democratizar a cultura, uma “tentativa consciente”, segundo Antonio

Candido. Para tanto, seriam feitos investimentos em atividades educacionais, artísticas e

culturais. Dois anos depois, em 1937, visando à mesma meta, foi aberto o Instituto

Nacional do Livro (INL), responsável pela publicação de obras raras e pela distribuição

de livros subsidiados, o que pretendia fomentar o mercado editorial.

Para desenvolver o hábito da leitura entre a população, o Departamento de

Cultura começou a instalar uma rede de bibliotecas na cidade. A Biblioteca Municipal –

hoje Mário de Andrade –, dirigida em 1935 por Rubens Borba de Morais, era voltada

para a pesquisa acadêmica e contribuiu para os estudos de universitários recém-

chegados, sem dinheiro para adquirir todos os livros exigidos pelas faculdades, como foi

o caso de Florestan Fernandes e Aziz Ab’Saber. O depoimento desse último professor é

significativo por mostrar a importância da Biblioteca como centro cultural:

4 “Discurso de paraninfo da primeira turma da FFCL da USP”, 25/01/1937. Citado por Maria Cecília Loschiavo dos Santos, USP: Alma mater paulista, São Paulo, Edusp, s./d.

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Não podendo comprar livros porque não existiam condições socioeconômicas

para tanto, tornei-me um “rato” de biblioteca, e era na Biblioteca Mário de

Andrade, no início da Consolação, que eu passava boa parte das tardes de sábado.

(...) Ali tomei conhecimento das conferências programadas para o auditório da

biblioteca, vindo a conhecer lá, de um canto das cadeiras, figuras como Sérgio

Milliet, Ronald de Carvalho, Paulo Duarte e diversos intelectuais que haviam

participado da Semana de Arte Moderna de 1922.5

O Departamento também criou a Biblioteca Infantil – atualmente Monteiro

Lobato –, que apresentava atividades culturais e pedagógicas. Embora inicialmente

restrita aos filhos da elite intelectual, teve grande impacto na cultura paulista por ter

incentivado os primeiros estudos de vários jovens que se destacariam quando

adultos. Nos registros da biblioteca encontram-se nomes como os dos irmãos

Augusto e Haroldo de Campos, de Boris Fausto e de Alfredo Bosi. No final da

década de 1930, eram emprestados cerca de 2.800 livros por mês na Biblioteca

Infantil6.

Para atender à população sem o hábito de leitura, foi desenvolvida a Biblioteca

Circulante, uma caminhonete adaptada que ia para as praças e os bairros da periferia.

Borba de Morais achava que essa era uma ótima maneira de divulgar as bibliotecas

tradicionais, pois muitas pessoas ainda não sabiam da possibilidade de levar livros

emprestados para casa. Mário de Andrade concordava com os benefícios dessa forma de

divulgação cultural: “Esse gênero de biblioteca que em vez de esperar em casa pelo

público vai em busca de seu público onde ele estiver (...) destina-se a proporcionar aos

frequentadores dos parques uma leitura imediata, dando assim ao far-niente uma

orientação cultural”7.

Todas as iniciativas do Departamento de Cultura durante a década de 1930

prepararam o mercado editorial e possibilitaram o grande desenvolvimento que ele

conheceria nas décadas seguintes. Antonio Candido descreveu essas políticas de leitura

5 Aziz Ab’Saber, São Paulo – Ensaios entreveros, São Paulo: Edusp /Imprensa Oficial, 2004, p.15. 6 Patrícia Raffaini Tavares, Esculpindo a cultura na forma Brasil – O Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938), São Paulo, Humanitas, 2001, p.68. 7 Idem, p.69.

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como a tentativa “de arrancá-la dos grupos privilegiados para transformá-la em fator de

humanização da maioria, através de instituições planejadas”8.

Instituições de ensino superior

O DESEJO de São Paulo por tornar-se o novo polo cultural contribuiu também para a

abertura de instituições de ensino superior como a Escola Livre de Sociologia (1933), a

Universidade de São Paulo (1934), a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(1946) e a Universidade Mackenzie (1952). Segundo um dos mais importantes livreiros,

à época, o Departamento de Cultura e a USP foram “duas instituições inovadoras que

criavam nova mentalidade e reformulavam as exigências do consumidor de livros”9.

A Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), fundada em 1933 por um grupo

de empresários encabeçados por Roberto Simonsen, teve grande influência das ciências

sociais norte-americanas, principalmente da Escola de Chicago. A ELSP tinha como

objetivo o desenvolvimento de políticas intervencionistas a partir de pesquisas

empíricas, formando a elite dirigente que representaria os interesses paulistas10.

A USP, criada em 1934, na verdade reuniu instituições já existentes – a

Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Escola Superior

de Agricultura e a Faculdade de Farmácia e Odontologia – em torno da nova Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), cuja função era integrar os demais cursos em

torno do espírito universitário. A partir de 1935 a FFCL trouxe diversos intelectuais da

França para lecionar e pesquisar na faculdade. Entre esses estão Pierre Deffontaines,

Roger Bastide, Jean Maugüé, Alfredo Bonzon, Pierre Monbeig, Fernand Braudel e

Claude Lévi-Strauss. Paulo Eduardo Arantes diz que, nesse momento, “principiamos a

importar, peça por peça, um Departamento Francês de Filosofia, quer dizer, juntamente

com as doutrinas consumidas ao acaso dos ventos europeus e dos achados de livraria, a

própria usina que as produzia em escala acadêmica”11.

A FFCL passou por diversos endereços: na Alameda Glete, na avenida

Brigadeiro Luís Antônio e na praça da República. Em 1949, ganhou prédio próprio na

8 Antonio Candido, “Prefacio”, em Paulo Duarte, Mário de Andrade por ele mesmo, São Paulo, Hucitec, 1985. 9 Martins – 30 anos, São Paulo, Livraria Martins, 1967, p.20. 10 Fernando Limongi, “A Escola de Sociologia e Política em São Paulo”, em Sergio Miceli (org.), História das Ciências Sociais no Brasil, São Paulo, Ed. Sumaré, 2001. 11 Paulo Eduardo Arantes, Um Departamento Francês de ultramar, São Paulo, Paz e Terra, 1994, p.61.

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rua Maria Antônia, onde permaneceu até 1968, quando o edifício foi incendiado durante

o conflito em que alunos da USP e do Mackenzie se enfrentaram12.

A Pontifícia Universidade Católica (PUC) foi criada em 1946, tendo um de seus

campi na rua Marquês de Paranaguá, próximo à rua Maria Antônia. A PUC surgiu

quando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Sedes Sapientiae” – fundada pela

Ordem dos Cônegos de Santo Agostinho, em 1933 – e a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de São Bento, de 1940, vinculam-se à Universidade Católica de São

Paulo, fundada em 194513. Apesar de a Faculdade de São Bento remontar ao curso de

filosofia oferecido pelos monges desde 1908, os professores Paulo Arantes e José

Carlos Estevão afirmam que “o nascimento dos cursos de filosofia entre nós data, de

fato, da fundação da Faculdade de Filosofia da USP”14, porque a chamada filosofia

católica, nas décadas de 1930 e 1940 ainda era muito influenciada pela escolástica –

fato que começaria a mudar nos anos 1950.

A Universidade Mackenzie foi criada em 1952, tendo suas raízes na Escola

Americana (1871) e no Colégio Protestante (1886), instalados no Brasil por

missionários americanos. A ligação com o país e a religião de origem era tão forte que

até 1961 todos os diretores dessas instituições eram protestantes americanos15. O

Colégio Protestante, ou Mackenzie College, possuía cursos de nível superior em

literatura e ciências. Seu ensino era baseado nos programas das universidades de Nova

York, de modo que o diploma era equivalente aos dessas instituições. Em 1938 o

Mackenzie adaptou-se aos códigos de ensino brasileiros, alterando seu nome para

Escola de Engenharia Mackenzie. Na década seguinte, em 1947, a instituição fundou

sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, seguida pela Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo e a Faculdade de Ciências Econômicas, todas posteriormente unificadas na

Universidade Mackenzie16 – cujo prédio fica na esquina da rua Itambé com a Maria

Antônia.

12 Maria Cecília Loschiavo dos Santos, USP: Alma mater paulista, São Paulo, Edusp, s./d., p.39. 13 Salma Tannus Muchail, “Um passado revisitado – O curso de Filosofia da PUC/SP”, em Salma Tannus Muchail (org.), Um passado revisitado: 80 anos do curso de Filosofia da PUC-SP, São Paulo, Edusc, 1992. 14 José Carlos Estevão, “Sobre os católicos e o ensino de Filosofia em São Paulo”, em Salma Tannus Muchail (org.), op. cit. 15 Marcel Mendes, Mackenzie em movimento: conjunturas decisivas na história de uma instituição educacional (1957-1973), São Paulo, USP, 2005. Tese de Doutorado em História. 16 Idem.

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Até a década de 1930, o comércio central das livrarias era sustentado em boa

parte pelas obras jurídicas, e muitos estabelecimentos se concentravam ao redor da

Faculdade de Direito, no Largo São Francisco. Era o caso da Saraiva, que começou

como livraria especializada na venda e na edição de obras dessa área. É importante

destacar que outras lojas da época não cuidavam apenas da venda dos livros, mas eram

também editoras. A filial da livraria Freitas Bastos em São Paulo, uma das maiores

livraria da cidade, foi considerada na época a editora mais importante de obras jurídicas

no país17.

A elite paulista vivia uma forte influência da cultura francesa, e alguns dos

estabelecimentos eram especializados em obras importadas nesse idioma. Alguns

exemplos são a livraria Garraux – em funcionamento na cidade desde 1860 – e a

Livraria Martins, que vendia edições de luxo francesas. A alta elite paulista também

consumia obras raras e antigas, por isso o Centro contava com alfarrábios voltados aos

bibliófilos. Dentre as mais importantes temos a Gazeau, aberta em 1893, que também

era sebo — foi o maior sebo da cidade nos anos 1930, com cerca de cem mil volumes

empilhados em galerias subterrâneas, próximas à Praça da Sé18.

Os primeiros trabalhos universitários da década de 1930 mudaram o cenário,

pois voltavam-se para as questões nacionais com a abordagem das ciências humanas,

produzindo obras de caráter inovador. A esse respeito Antonio Candido diz que “só

quando o colonizado interioriza e refaz as pressões culturais do colonizador, é que ele

tem condições de compor uma obra nova”19. Era o que ocorria no país, quando a nova

geração de intelectuais formada por nomes como Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Sérgio

Buarque de Hollanda e Roberto Simonsen, contestavam os pensadores canônicos da

época20. Desse modo, as universidades foram importantes para o desenvolvimento das

livrarias por darem início a um mercado consumidor ávido por obras até então sem

grande procura, como as de ciências sociais. A Livraria Martins, antes especializada em

publicações de luxo francesas, em 1939 passou a ter como produto principal os livros

universitários.

17 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 18 Idem. 19 Citado por Carlos Guilherme Mota, Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), São Paulo, Ática, 1985. 20 Carlos Guilherme Mota, op. cit.

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Em 1939, o professor americano Donald Pierson foi chamado pela ELSP com a

missão de formar sociólogos profissionais com capacidades técnicas e práticas.

Buscando dados estatísticos para o desenvolvimento de políticas públicas de

desenvolvimento, o Brasil se transformou em objeto de pesquisa, resultando em

diversos trabalhos acadêmicos de interesse para o país. A ELSP, no ano de 1941, foi

uma das primeiras instituições de ensino superior a desenvolver um programa de pós-

graduação na área de ciências humanas, atendendo também alunos da USP21 (as teses de

doutorado uspianas só iriam aparecer na década seguinte22).

Apesar de sua importância no decênio anterior, até o início da década de 1940 “a

rede universitária ainda não funcionava como fator de estabilização da produção

intelectual”23 e inicialmente as editoras nacionais não se preocuparam em publicar os

estudos produzidos pelas novas instituições de ensino superior. Segundo Aziz

Ab’Saber, “os membros da missão francesa da USP publicaram artigos e estudos

prévios no tradicional jornal paulista O Estado de São Paulo”24. No decorrer da década

de 1950, porém, tal situação se alteraria completamente.

Auge  (1950-­‐1959)  

Livros universitários

EM um guia turístico da década de 1950, lê-se que “o bairro da Sé, coração e centro

comercial da cidade, está [segundo o IBGE] em primeiro lugar em relação a

estabelecimentos comerciais, escritórios, bancos e repartições públicas. Enorme massa

popular aflui diariamente aos seus estabelecimentos”25. No que se refere aos

estabelecimentos dedicados ao livro, esse fato foi comprovado ao catalogarmos todas as

livrarias disponíveis na lista telefônica de São Paulo do ano de 195926. Dos cem

estabelecimentos da capital e da região do entorno (Embu, Fazenda Santo Antônio,

Guaianases, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itaquera, Oliveiras, Osasco, Perus, São

Miguel Paulista, Taboão da Serra e Vila Galvão), 65 livrarias encontravam-se na região

central da cidade.

21 Fernando Limongi, “A Escola de Sociologia e Política em São Paulo”, em Sergio Miceli (org.), História das Ciências Sociais no Brasil, São Paulo, Ed. Sumaré, 2001. 22 Aziz Ab’Saber, São Paulo: Ensaios entreveros, Edusp /Imprensa Oficial, São Paulo, 2004, p.407. 23 Carlos Guilherme Mota, op. cit. 24 Aziz Ab’Saber, op. cit., p.513. 25 Guia turístico da cidade de São Paulo e de seus arredores, São Paulo, Melhoramentos, [1954]. 26 Lista de assinantes da cidade de São Paulo, São Paulo, Cia. Telefônica Brasileira, 1959.

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No caso específico do comércio livreiro, como dissemos anteriormente, estar no

Centro significava estar mais próximo de um público consumidor importante, os

universitário da ELSP, da FFCL, da PUC e do Mackenzie. Ao redor da Faculdade de

Filosofia da USP, na rua Maria Antônia, instalaram-se várias livrarias, como a Pioneira,

a Duas Cidades e a Francesa. Na década 1950, os primeiros alunos universitários

começaram a desenvolver pesquisas acadêmicas que foram publicadas em livros, assim

como os trabalhos de seus professores. A Pioneira editou Florestan Fernandes e Aziz

Ab’Saber; a Livraria Francesa – pela Difel, sua editora – lançou obras dos professores

franceses que lecionavam na USP; e a Duas Cidades publicou livros de Antonio

Candido e de seus alunos. Desse modo, além de leitores, as universidades também

contribuíram com autores.

A PUC, durante a década de 1950, esteve em um impasse, dividindo-se “entre os

que preservavam a herança dogmática e aqueles que se orientaram em direção ao

modelo uspiano”27. Isso significava que a universidade católica devia escolher entre a

escolástica e a filosofia contemporânea. O belga Michel Schooyans, professor da PUC

entre 1959 e 1969, buscou traçar a distinção entre teologia e filosofia, aproximando esta

das questões nacionais, dizendo que restava ainda “ao filósofo brasileiro informar-se

dos grandes problemas de seu país”28. Dessa forma, gradativamente a PUC afastou-se

da abordagem dogmática da filosofia, caminhando no sentido da produção acadêmica

que despontava.

Com resultados semelhantes, entre 1957 e 1973 a Universidade Mackenzie

passou por um processo de nacionalização. Gradualmente o seu comando passou do

Conselho de Curadores da Mackenzie College em São Paulo, com sede em Nova York,

para a Igreja Presbiteriana do Brasil29. Mais integrada ao país, seu foco de ensino

voltou-se para as questões de âmbito nacional. Juscelino Kubitschek, em discurso de

paraninfo no ano de 1961, declarou que o Mackenzie “vem participando ativamente

dessa reformulação que está imprimindo um caráter novo à fisionomia do Brasil”30.

27 José Carlos Estevão, “Sobre os católicos e o ensino de Filosofia em São Paulo”, em Salma Tannus Muchail (org.), Um passado revisitado: 80 anos do curso de Filosofia da RUC-SP, São Paulo, Edusc, 1992. 28 Citado por José Carlos Estevão, op. cit. 29 Marcel Mendes, Mackenzie em movimento: conjunturas decisivas na história de uma instituição educacional (1957-1973), São Paulo, USP, 2005. Tese de Doutorado em História. 30 Citado em Marcel Mendes, Mackenzie em movimento: conjunturas decisivas na história de uma instituição educacional (1957-1973), São Paulo, USP, 2005. Tese de Doutorado em História, p.136.

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O número de matrículas nas faculdades entre 1960 e 1972 aumentou em 983%31

e, como consequência, a demanda do público universitário aumentou. Lucien Febvre e

Henri-Jean Martin, referindo-se à produção editorial do século XVI e XVIII,

escreveram que “nessa época de prosperidade material, de febre intelectual, cada um se

interessa por coisas do espírito e os livreiros ativos e cultos podem lançar grandes

empreendimentos”32. Este mesmo raciocínio pode ser aplicado para São Paulo na

década de 1950. A prosperidade material está relacionada com a industrialização da

cidade e o fato de ter se transformado no “maior centro gráfico editorial do país”33, ao

passo que a febre intelectual surgiu com o desenvolvimento universitário. Os estudiosos

formados pela FFCL não se limitavam mais a consumir livros importados, eles

começaram também a produzir um grande número de obras relevantes. Duas das

correntes intelectuais mais importantes da época se concentravam nos professores

Florestan Fernandes, na área de sociologia, e Antonio Candido, na de teoria literária.

Carlos Guilherme Mota diz que eles deram “o elo intelectual entre a geração dos antigos

catedráticos e a nova”34, referindo-se, entre outros, a Octavio Ianni, Fernando Henrique

Cardoso, Roberto Schwarz e Bento Prado Jr.

A livraria Duas Cidades, fundada por José Petronillo de Santa Rosa – então frei

da Ordem Dominicana – inicialmente vendia obras de teologia. Mas pouco depois o

padre, que era um militante de esquerda, se especializou em livros de Filosofia e

Ciências Sociais. Ele também abriu uma editora e, sendo amigo de Antonio Candido,

publicou suas obras. Aproveitando o contato com o editor, o crítico literário incentivou

a publicação de seus alunos, como Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr. e Walnice

Nogueira Galvão35.

Como resultado da demanda por livros universitários, e também da oferta de

novos títulos produzidos nesse momento, algumas livrarias estabelecidas abriram filiais

ou mudaram o enfoque de seus produtos, acompanhando as novas tendências. A livraria

31 Fernando Paixão (coord.), Momentos do livro no Brasil, Ática, São Paulo, 1996, p.143. 32 Lucien Febvre & Henri-Jean Martin, O aparecimento do livro, São Paulo, Unesp, 1992, p.239. 33 “[...] o jornal Observador Econômico informava haver São Paulo se consolidado na posição de maior centro gráfico editorial do país, imprimindo 70% dos livros brasileiros.” Hernâni Donato, 100 anos da Melhoramentos: 1890-1990, São Paulo, Melhoramentos, 1990, p.105. 34 Carlos Guilherme Mota, Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), São Paulo, Ática, 1985, p.38. 35 “Walnice Nogueira Galvão, frequentadora da loja e aluna de Candido na década de 70, lembra-se que foi ele que lhe ‘levou pela mão’ para publicar um de seus livros pela Duas Cidades. ‘Eu mais ou menos aproximei esse pessoal’, diz o crítico em referência a seus alunos e à editora”. Rafael Cariello, “Livraria de intelectuais paulistanos chega ao fim”, Folha de S. Paulo, 26/09/2006.

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Nobel, por exemplo, instalou nos anos 1950 uma filial na rua Maria Antônia. Nessa

época, a livraria Mestre Jou abriu seu departamento editorial que, para facilitar o acesso

aos livros acadêmicos, passou a publicar traduções de títulos europeus. A livraria

Martins, que além de vender também editava obras jurídicas, passou a trabalhar com

livros de ciências humanas. Sua editora criou diversas coleções nessa área, como a

“Biblioteca Histórica Brasileira”, a “Biblioteca do Pensamento Vivo” e a “Biblioteca de

Ciências Sociais”.

Best-sellers

DURANTE a Segunda Guerra Mundial, a influência dos Estados Unidos se tornou cada

vez mais presente no cenário cultural. Os livreiros, editores e gráficos da época

perceberam que seus negócios poderiam lucrar nesse novo contexto. Nelson Palma

Travassos, diretor da gráfica da Revista dos Tribunais, lembrando-se das consequências

da Primeira Guerra – em que “a criação de novas fontes de produção, uma vez trancados

os abastecimentos externos, transformaram o Brasil daquele tempo” – tinha certeza de

que “a Segunda Guerra, que se avizinhava de modo incontrolável, teria certamente

efeitos semelhantes, quintuplicados. Daí a convicção da necessidade de expansão da

nossa indústria”36.

Dante Moreira Leite, estudando a psicologia do povo brasileiro, analisou o

momento político e cultural desse período:

As estatísticas das obras consultadas denunciam não somente um notável

alargamento de cultura e maior variedade de tendências e ambições intelectuais,

como ainda o interesse crescente pelas obras norte-americanas, sobretudo em

São Paulo e Rio de Janeiro, graças à influência das ideias norte-americanas no

movimento de renovação educacional, ao impulso que tomou – sobretudo depois

da guerra (1939) – a política pan-americana, à penetração dos romances de

autores anglo-saxônicos e à criação, em 1938, de instituições como [o Instituto

Brasil-Estados Unidos e a União Cultual Brasil-Estados Unidos] com o fim de

facilitar a cooperação intelectual e promover, entre os dois países, um melhor

36 Nelson Palma Travassos, Pequena história da empresa gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, pp.17-18.

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conhecimento e mútua compreensão por meio de conferências, exposições de

livros americanos e outras iniciativas culturais.37

A elite paulista tentou perseverar em sua francofilia, mas a dificuldade de

importar produtos europeus os encarecia de tal maneira, que isto se tornava inviável. O

jornal O Estado de S. Paulo, em 1948, publicou a declaração de um dirigente da

Biblioteca Municipal paulista, para quem “o preço do livro francês era tão alto que

impedia até as compras oficiais para as bibliotecas, e que essa situação ameaçava afastar

da cultura francesa as novas gerações brasileiras”38.

Os números mostram que, de fato, foi isso o que ocorreu. Em 1953, o Brasil

importou 278.647 quilos de livros da França e 260.779 quilos dos Estados Unidos. No

ano seguinte, a predominância se inverteu, com 333.330 quilos de títulos franceses e

500.388 norte-americanos, em sua maioria paperbacks e livros de bolso39. Amparados

no cinema hollywoodiano, esses livros de larga tiragem e baixo custo fizeram sucesso

entre o grande público. Um bom exemplo é E o vento levou, escrito por Margareth

Mitchell. O livro foi rejeitado pelas maiores editoras da época, por considerarem um

risco a publicação de um título com tantas páginas sobre a Guerra Civil Americana, um

assunto sem grande interresse para os brasileiros. Uma pequena editora, a Pongetti,

adquiriu os direitos do livro que, depois do lançamento do filme, se tornou um best-

seller40.

Quando os livros americanos começaram a vir para o Brasil, o gênero

predominante era o romance (policial, de aventura, de histórias de amor), que seguia a

estrutura narrativa divulgada pelo cinema. Além desses atrativos, a maior parte dos

livros era traduzida pelas editoras, que já estavam pensando em expandir seu público

consumidor41. Esses livros passaram a ser cada vez mais procurados, e livrarias voltadas

para este tipo de obra começaram a surgir na região central da cidade. Alguns

estabelecimentos antigos também adotaram a nova moda. A Saraiva e a sua editora, que

37 Citado por Carlos Guilherme Mota, Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), São Paulo, Ática, 1985, p.82. 38 Citado por Olímpio de Souza Andrade, O livro Brasileiro: progressos e problemas, Rio de Janeiro, Ed. Paralelo, 1974, p.35. 39 Idem, p.37. 40 O livro no Brasil, Laurence Hallewell, São Paulo, T.A. Queiroz/Edusp, 1985, pp.359-360. 41 “[...] Os títulos americanos eram, em sua grande maioria, best-sellers voltados ao consumo de massa, que por isso eram traduzidos no Brasil, diferente das obras da Europa que eram comercializadas no idioma original.” Sergio Miceli, Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo-Rio de Janeiro, Difel, s./d., pp.77-78.

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até então eram especializadas em obras jurídicas, passaram a diversificar seus títulos em

meados da década de 1940, editando traduções de livros americanos. A livraria

Siciliano, por outro lado, desde o seu início importava livros de bolso americanos. A

livraria Cultura – que começou atendendo à colônia alemã em São Paulo – na década de

1950 passou também a investir em best-sellers.

A respeito dos best-sellers, Graciliano Ramos comentou que “os romances

brasileiros custam uma ninharia e envelhecem nas prateleiras. Os romances franceses

estão pela hora da morte e são procurados com avidez. [...] O público tem mal gosto,

prefere as choradeiras de Humberto de Campos, que está acabando de moer a paciência

nacional”42. Hoje, Humberto de Campos é praticamente desconhecido, mas na época ele

vendia mais do que outros escritores do período, como José Lins do Rego, Rachel de

Queiroz e o próprio Graciliano Ramos. Mesmo lançamentos póstumos dos romances

sentimentais de Humberto de Campos se transformaram em campeões de venda, que na

década de 1940 alcançou quinhentos mil exemplares vendidos.

Comparado a esse sucesso só o de Jorge Amado, que com Gabriela, Cravo e

Canela, de 1958, conseguiu vender vinte mil livros em duas semanas43. Grande parte da

obra de Jorge Amado foi publicada pela editora da Livraria Martins, que com o livro

citado foi capaz de inverter o percurso dos best-sellers. José de Barros Martins,

proprietário da livraria, conseguiu que a obra de Jorge Amado fosse traduzida nos

Estados Unidos. O livro foi o primeiro romance de um autor latino-americano a entrar

na lista dos mais vendidos no mercado americano44.

Outro exemplo de best-seller nacional é a escritora Dinah Silveira de Queiroz.

Seu livro de estreia, Floradas na serra, de 1939, foi bem recebido pelo público e

ganhou uma versão cinematográfica, produzida pela então prestigiosa Companhia Vera

Cruz. Porém, é de 1954 o seu livro mais conhecido, A muralha, publicado inicialmente

em capítulos na revista O Cruzeiro. Lançado em forma de livro, teve várias edições,

ganhando adaptações para o rádio e a televisão. O apelo de seus romances junto ao

grande público se deve ao fato de que seus “enredos são repletos de movimento, e há

várias sugestões sexuais, embora a escritora mantenha o decoro na linguagem”45.

42 Citado em Lucila Soares, Rua do Ouvidor 110, São Paulo, José Olympio, 2006, p.142. 43 O livro no Brasil, Laurence Hallewell, São Paulo, T.A. Queiroz/Edusp, 1985, p.423. 44 Idem, p.424. 45 “Dinah: best-seller nos anos 40 e 50”. Disponível em

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Nesse período, as maiores editoras do país tinham sua coleção voltada ao grande

público. A Editora Globo, de Porto Alegre, publicava a “Coleção Amarela”, com

histórias de detetive como as escritas por Agatha Christie e Raymond Chandler; e a

“Coleção Universo”, com livros de aventuras. Em São Paulo, a Cia. Editora Nacional

lançou a “Coleção Paratodos” e a “Terramarear”, com títulos como Capitão Blood e

Tarzan. A Saraiva publicava a “Coleção Saraiva”, com biografias romanceadas de

personagens heroicos. A José Olympio, do Rio de Janeiro, apesar de não ter uma

coleção específica nessa área, era a editora dos sucessos de Humberto de Campos.

A invasão dos best-sellers fortaleceu o mercado editorial nacional, não apenas

pelo aumento de vendas, mas também pelo reconhecimento dos direitos dos autores

brasileiros. Para Antonio Candido, “nos decênios de 1930 e 1940 houve uma

confluência de fatores que fez do romance o gênero privilegiado, com a

profissionalização (relativa) do escritor graças à indústria do livro e ao que Sergio

Miceli chama de ‘substituição de importações’ no tipo de leitura no momento da entrada

maciça dos padrões norte-americanos”46.

Centro Novo

UM FATO característico dos anos 1950 e do final da década anterior é que as livrarias

começaram a se instalar no Centro Novo da cidade. Até a década de 1930, todas as

livrarias da região central de que temos registro se concentravam no Centro Velho,

algumas atraídas pela Faculdade de Direito no Largo São Francisco. O auge do Centro

Velho ocorreu durante os primórdios da industrialização da cidade, entre 1910 e 194047.

Nesse período a rua Direita, a rua São Bento e a Praça do Patriarca abrigavam os

estabelecimentos comerciais frequentados pela elite paulista, como a Casa Fachada

(perfumaria), o Mappin Stores (a mais importante loja de departamento da época), o

Café Acadêmico e o Cine Rosário48.

<veja.abril.com.br/acervodigital/seo/seo.asp?ed=1635&pg=130> 46 Antonio Candido, “Prefácio”, em Sergio Miceli, Intelectuais à brasileira, São Paulo, Cia. das Letras, 2001. 47 Raquel Rolnick, São Paulo, 3. ed., São Paulo, Publifolha, 2009, p. 45. 48 Antônio Rodrigues Porto, História da cidade de São Paulo através de suas ruas, São Paulo, Carthago, 1997.

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O Centro Novo deu um salto em seu desenvolvimento nas décadas seguintes à

Segunda Guerra Mundial, entre 1940 e 196049. Quando ganhou prestígio, o Centro

Novo atraiu o comércio de luxo, que se concentrou na Rua Marconi e na Rua Barão de

Itapetininga – uma das mais elegantes de São Paulo, com estabelecimentos de alto

padrão, como a Confeitaria Vienense50. É significativo como exemplo o caso do

Mappin, que se mudou do Centro Velho para o Centro Novo, na Praça Ramos, onde se

tornou uma referência no comércio paulista51.

Segundo nosso levantamento, na década de 1950 o Centro Novo chegou a

possuir 51 livrarias, enquanto que no Centro Velho havia 27 estabelecimentos. A

livraria Parthenon, do bibliófilo José Mindlin, instalou-se na Barão de Itapetininga, na

década de 1950. A livraria Brasiliense, de Monteiro Lobato e Caio Prado Jr., foi

inaugurada num prédio próprio, também na Barão de Itapetininga, tornando-se a mais

luxuosa da cidade. Na Rua Marconi, a Teixeira (uma das livrarias de maior prestígio em

São Paulo, fundada em 1876) instalou sua nova loja52. Na mesma rua ficava a livraria

Jaraguá, de Alfredo Mesquita, que era uma reprodução dos salões da elite paulista, e

possuía até uma sala de chá53.

Configuração das lojas

A DIFERENÇA entre as livrarias voltadas ao leitor culto e ao grande público não se

limitava aos títulos vendidos. Pela descrição dos estabelecimentos, o contraste também

era visível na própria configuração das lojas. As livrarias para o grande público

privilegiavam a rápida circulação, enquanto que os estabelecimentos acadêmicos

prezavam a permanência do cliente. Na livraria Duas Cidades, por exemplo, havia

mesas para que os clientes pudessem consultar as obras antes de comprá-las; o

proprietário mesmo, Santa Rosa, “recebia a clientela, para longas conversas sobre

livros”54. A Teixeira se assemelhava a um museu, expondo móveis e edições antigas. A

livraria Freitas Bastos tinha a chamada “sala dos amigos da livraria”, onde os clientes

49 Raquel Rolnick, op. cit., p. 45. 50 Antônio Rodrigues Porto, op. cit. 51 Idem. 52 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 53 “A livraria Jaraguá é uma das últimas conquistas do grã-finismo paulista; é também uma casa de chá onde Fifi, Zezé e Carminha se encontram todas as tardes para falar de tudo, menos de livros.” Joel Silveira, A milésima segunda noite da Avenida Paulista, São Paulo, Cia. das Letras, 2003, p.4. 54 “Liquidação de clássicos marca o fim de livraria histórica”. O Estado de S. Paulo, 23/09/2006. Disponível em <blog.livronet.com.br/index.php?op=ViewArticle&articleId=74&blogId=1>

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podiam fazer reuniões e consultar obras de referência. A Jaraguá, como foi dito, tinha

uma sala de chá, e a livraria Brasiliense realizava em seus salões exposições de artistas

europeus55.

Existiam também aqueles estabelecimentos cheios de livros empilhados, quase

em desordem, como a livraria Gazeau, que possuía galerias subterrâneas. A livraria

Ornabi tinha dez salas no Edifício das Arcadas dedicadas à literatura universal, num dos

maiores acervos do mundo56. No caos que aparentemente reinava na maioria desses

estabelecimentos, os bibliófilos usam o termo “garimpar” para se referir às horas que

passavam vasculhando entre as centenas de volumes.

Amaral Vieira, diretor da editora da FVG em 1972, criticava as livrarias que

apresentavam os livros sem nenhuma disposição funcional. Segundo ele, “nossas

livrarias, em regra, não são instrumentos de venda de livros, mas locais onde eles são

comprados. Repetem-se nelas, na era da tecnologia e da televisão, (...) os mesmos

processos de venda que tornavam famosas as antigas Francisco Alves e Garnier”57.

Como exemplo de livraria voltada ao grande público, pode-se usar a

Melhoramentos, que ao anunciar uma de suas lojas dizia seguir “princípios

ergonométricos para a disposição das estantes” e que possuía a “luminosidade

cientificamente indicada”58. A iluminação controlada servia para exibir melhor a capa

dos livros, que ficavam sempre com a face voltada para o consumidor, buscando atrair

sua atenção. Segundo o publicitário Fernando Almada, em texto escrito na década de

1970, “as editoras devem procurar obter sempre melhor exposição para seus livros nas

vitrinas e nos balcões (...). A qualidade promocional da capa encontra aí o seu momento

crítico. Material promocional – como cartazes, displays e folhetos – é indispensável”59.

Apesar de ter um espaço amplo (com mais de duzentos metros quadrados), essa

disposição dos livros fazia com que um número relativamente baixo de títulos fosse

55 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 56 “Por essa altura, esta casa pegava o primeiro andar todo. Era o período áureo. Sabes que eu até imaginei-me o dono da maior livraria do mundo? Sonhava com isso, é verdade. Depois nem cheguei a somar nada, nunca soube também quantos livros teria a maior livraria do mundo.” Citado em “A biblioteca de Babel”, Carta Capital, 21/03/2007. 57 Amaral Vieira, “Redução de custos gráfico-editoriais”, em A. Magalhães, A. Houaiss et al., Editoração hoje, Rio de Janeiro, FGV, 1981. 58 Hernâni Donato, 100 anos da Melhoramentos: 1890-1990, São Paulo, Melhoramentos, 1990, p.127. 59 Fernando Almada, “Publicidade e venda de livros”, em A. Magalhães, A. Houaiss et al., Editoração hoje, Rio de Janeiro, FGV, 1981.

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estocado na livraria da Melhoramentos. Por isso eram privilegiados os livros da moda,

que tinham venda rápida e garantida para cobrir os altos investimentos na loja60.

Oswaldo Siciliano concordava que a iluminação era um “fator de vital

importância, uma vez que faz com que o público se sinta atraído pelo colorido da capa

dos livros que, na realidade, é a principal embalagem de nosso produto”. Além disso,

segundo as recomendações desse livreiro, “as prateleiras devem ser colocadas de modo

a facilitar o acesso do público. Os balcões devem ter um seguimento que facilite a

circulação dentro da livraria, sem impedir a sequência de exposição do produto”, tudo

isso para adaptar seus negócios à dinâmica da sociedade de consumo61. O depoimento

de Siciliano é importante para ajudar a compreender a visão comercial desses

proprietários voltados ao mercado de massa, que chegava a comparar seus

estabelecimentos aos hipermercados: “A livraria tem que se adequar aos tempos

modernos, o público consumidor tem que se sentir perfeitamente bem dentro dela. Isso é

merchandising, a chave do sucesso, a chave do sucesso dos hipermercados”62.

A Melhoramentos, a Saraiva e a Cultura, adotando esse tipo de estratégia, foram

as livrarias que mais se enriqueceram, formando cadeias de lojas que dominam até hoje

o comércio editorial. As redes de livraria, entre os anos de 1960 e 1970, já faziam o que

hoje faz a Amazon e outras grandes lojas virtuais, ou seja, cadastravam os clientes e

desenvolviam seu perfil a partir de suas compras, permitindo aos livreiros e editores

selecionar títulos com maiores chances de sucesso. Para Roberto Cordeiro, diretor do

SNEL, em 1975, “é sempre bastante vantajoso ter uma livraria – melhor ainda uma

cadeia – que sirva como uma espécie de laboratório, dando o pulso do mercado com

fidelidade e rapidez, além de permitir a coleta de dados e informações de interesse com

consequências importantes para o retorno do capital”63.

60 Ver. Jason Epstein, O negócio do livro, Rio de Janeiro /São Paulo, Record, 2002. 61 Oswaldo Siciliano, “Livrarias – meios de acesso ao livro”, em José Carlos Rocha (org.), Políticas editoriais e hábitos de leitura, São Paulo, Com-Arte, 1987. 62 Idem. 63 Roberto Cordeiro, “Dinâmica de vendas”, em A. Magalhães, A. Houaiss et al., op. cit.

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Declínio  (1960-­‐1979)  

AI-5

A PARTIR da década de 1960, o número de livrarias no Centro de São Paulo começou a

declinar, tendência que persistiu no decênio seguinte. Esse fato contrasta com os

números referentes à produção editorial nacional. Entre 1969 e 1973 o número de livros

impressos no Brasil aumentou em três vezes, e “o país se tornou um dos dez maiores

produtores do mundo”64. É necessário, portanto, analisar os fatores que afetaram

negativamente as livrarias da região central de São Paulo.

Um fato importante foi o golpe de Estado em 1964, que instituiu o regime

militar no Brasil. Apesar de inicialmente não sofrerem censura prévia, os livros

condenados pelos militares poderiam ser apreendidos. A livraria Brasiliense – de

Monteiro Lobato, da senhora Leandro Dupré, e dos membros do PCB Caio Prado Jr. e

Artur Neves – além das obras de seus proprietários, vendia também livros sobre leis

trabalhistas e reforma agrária. Em 1968 a livraria enfrentou problemas com os militares,

o que lhe causou grandes prejuízos porque “com a proibição de todos os livros que de

alguma forma ameaçassem o governo militar, a Brasiliense foi obrigada a queimar parte

de seu estoque”65. Diante desse risco de prejuízo, houve uma mudança no tipo de obra

publicada no país. Antes do AI-5, as listas dos livros mais vendidos divulgadas nos

semanários contavam com Marx, Che Guevara, Lukács e Marcuse66. Após o ato

institucional, a tendência dos editores foi publicar obras de menor teor político,

principalmente romances norte-americanos divulgados por Hollywood. Isso prejudicou

as livrarias universitárias, em que grande parte das vendas era de livros malvistos pelos

militares. Ao mesmo tempo, os estabelecimentos voltados para o grande público foram

beneficiados por essas medidas.

Mudanças no centro financeiro

DURANTE a década de 1960 o preço dos imóveis no Centro de São Paulo, devido à

especulação imobiliária, chegou a níveis muito elevados. Além disso, o complexo viário

ultrapassado não suportava mais o trânsito nem o grande fluxo de pessoas. Os antigos

64 Fernando Paixão (coord.), Momentos do livro no Brasil, Ática, São Paulo, 1996, p.143. 65 50 anos: Brasiliense – 1943-1993, São Paulo, Brasiliense, 1993, s./p. 66 Fernando Paixão (coord.), Momentos do livro no Brasil, Ática, São Paulo, 1996, p.144.

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edifícios apresentavam problemas pela degradação e não tinham a estrutura adequada

para a modernização que os aparatos tecnológicos introduzidos no país pelas

multinacionais exigiam. Diante dessa situação, quando foi construir uma nova sede, o

Banco Central optou pela Avenida Paulista, ao lado do recém-construído MASP. Isso

alterou a configuração da rede bancária na cidade, antes concentrada na região central –

na rua Boa Vista, rua da Quitanda e na praça Antonio Prado. Para Ab’Saber, “a chegada

de bancos nacionais e estrangeiros na Paulista (...) mudou o ritmo da vida urbana

paulista fora dos dois núcleos tradicionais, chamados de Centro Velho”67. As grandes

livrarias acompanharam esse movimento, e a Cultura em 1969 instalou sua loja no

Conjunto Nacional68. Em 1970, a Siciliano abriu uma loja na rua Augusta, na região da

Paulista. Em 1978, a Parthenon, dedicada às edições de luxo, mudou-se da rua Barão de

Itapetininga, no Centro Novo, para a Avenida Paulista69.

O centro financeiro da cidade não apenas mudou de localização, mas em parte se

fragmentou entre certos bairros paulistas e alguns municípios da Grande São Paulo.

Entre as décadas de 1960 e 1970, a capital paulista e as grandes cidades em seu entorno

– Osasco, Taboão da Serra, Guarulhos e o ABC – pela aproximação de suas fronteiras

urbanas e pelas intensas trocas de capital, configuraram-se na região metropolitana de

São Paulo70. Em 1968 começou a funcionar o metrô paulista, idealizado “para não

acarretar grandes concentrações nos pontos nodais preexistentes no Centro da cidade e,

ao mesmo tempo, desenvolver uma discreta reurbanização de áreas subcentrais”71. Aziz

Ab´Saber nomeia essas regiões de subcentros de contato – por servirem de ligação entre

a área central e a periferia –, entre os quais estão Pinheiros, Ipiranga, Santana, Penha e

Lapa. Acompanhando essa tendência, a livraria Nobel abriu filiais nas ruas Pedro

Alvarenga (Itaim-Bibi), Barão do Triunfo (Brooklin) e Dep. Lacerda (Pinheiros). A

Siciliano, que desde o final da década de 1950 havia instalado filiais em Osasco e Santo

André72, em 1977 abriu uma loja no primeiro shopping do país, nos Jardins73.

As livrarias voltadas ao grande público, embaladas pelos sucessos de venda,

tiveram poder financeiro para acompanhar as mudanças na geografia econômica da

67 Aziz Ab’Saber, São Paulo: Ensaios entreveros, Edusp /Imprensa Oficial, São Paulo, 2004, p.347. 68 Fernando Paixão (coord.), op. cit., p.124. 69 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 70 Raquel Rolnick, São Paulo, 3. ed., São Paulo, Publifolha, 2009, p.43. 71 Aziz Ab’Saber, op. cit., p.140. 72 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 73 Fernando Paixão (coord.), Momentos do livro no Brasil, Ática, São Paulo, 1996, pp.123-124.

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cidade. Por outro lado, as livrarias acadêmicas, atingidas pela censura, viram sua

situação tornar-se ainda mais difícil. Em 2006, quando a livraria Duas Cidades fechou

as portas, a viúva de seu fundador indicou alguns dos motivos que levaram o

estabelecimento à decadência. A transferência da FFCL para a Cidade Universitária, em

1968, afastou potenciais consumidores, e a própria degradação do centro contribuiu para

o fechamento da loja: “Ninguém vem mais para cá. Quem nos procura hoje quer best-

seller. Não foi para isso que nasceu a Duas Cidades. Não consigo vender isso”74.

Outros canais de distribuição

A MUDANÇA na geografia econômica explica em parte o êxodo das livrarias da região

central de São Paulo. Mas, em âmbito nacional, o número desses estabelecimentos

também começou a decrescer. Na década de 1950 existiam no país 1.840 livrarias; a

partir de 1960 esse número diminuiu – em 1969 eram 936 livrarias –, alcançando níveis

muito baixos nos anos seguintes – havia seiscentas em 1972 e quatrocentas em 198075.

Isso contrasta com o progresso da produção editorial, visto que em 1972 havia mais de

cinco mil editoras atuando no país, enquanto que os escassos pontos de venda não

davam conta da distribuição76, prejudicando a expansão do comércio de livros no

mercado nacional. Jorge Carneiro, da editora Saraiva, reclamava da falta de

estabelecimentos livreiros: “Os problemas da nossa editora são aparentemente simples:

vender os livros. O que o Brasil precisa é de uma boa rede de livrarias”77.

Um dos motivos dessa situação foram as políticas de leitura que, apesar de terem

contribuído para o desenvolvimento do mercado livreiro na década de 1930, nesse

momento passaram a ser consideradas um entrave. O FENAME (Fundo Nacional de

Material Escolar), entre 1956 e 1968 distribuiu mais de sete milhões de livros; o

COLTED (Comissão do Livro Técnico e Didático) em 1969 e 1970 doou 7,5 milhões de

exemplares aos alunos de escolas públicas; o próprio INL, em trinta anos, distribuiu mais

de três milhões de livros78. Tais cifras hoje em dia não são tão impressionantes, mas é

necessário levar em conta que o mercado e a população brasileira eram 74 “Liquidação de clássicos marca o fim de livraria histórica”. O Estado de S. Paulo, 23/09/2006. Disponível em <blog.livronet.com.br/index.php?op=ViewArticle&articleId=74&blogId=1> 75 Laurence Hallewel, O livro no Brasil, São Paulo, T.A. Queiroz /Edusp, 1985, p.612. 76 Olímpio de Souza Andrade. O livro brasileiro: progressos e problemas (1920-1971). Rio de Janeiro: Ed. Paralelo, 1974, p.16. 77 Citado por Edilberto Coutinho, “O livro de bolso no Brasil”, em Olympio de Sousa Andrade (org.). Editoração no Brasil, São Paulo, Com-Arte, 1971. 78 Olímpio de Souza Andrade, op. cit., p.102 e 104.

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consideravelmente menores que os de atualmente. Assim, a simples e massiva

distribuição de livros era vista pelo Estado como uma panaceia, como escreve Edmir

Perrotti:

(...) a concepção salvacionista da leitura conduz à outra: a da promoção

“necessária”. Se o país não lê, deve ler, custe o que custar, pois esta é a saída para

os problemas cruciais que enfrenta. Assim, pede-se a todos os indivíduos

comprometidos com as grandes e boas causas nacionais que livrem nossa

população das trevas da incultura, participando de uma mobilização cujo objetivo

é outorgar leitura às massas.79

Os programas do governo quebravam a cadeia do livro, fazendo a ponte entre os

editores e o consumidor final sem considerar a participação dos intermediários – os

livreiros.

Nos preâmbulos do IX Encontro de Editores, realizado em 1978, consta que seus

participantes deveriam estar “sensíveis, sobretudo, à gravidade do fato de estarem as

livrarias do país atravessando uma fase de deterioração quanto ao número e a

qualidade”80. Em um estudo promovido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros

(SNEL), é destacado que “a comercialização é realmente um dos óbvios obstáculos à

expansão da indústria do livro no Brasil”, e que este problema seria resolvido

incentivando-se o estabelecimento das livrarias. Isso só seria possível, segundo o

mesmo estudo, “coibindo-se, simultaneamente, a venda direta às escolas e aos

intermediários não estabelecidos”81. Por estes últimos, a pesquisa se refere às livrarias

que existiam no interior das escolas primárias e secundárias que, de acordo com o

professor de direito Luiz Fracarolli, consultado pelos editores na época, representavam

um abuso, visto que tais instituições sugeririam aos alunos aqueles livros que se

encontravam disponíveis nos estoques de suas próprias livrarias82.

79 Citado por Amanda Leal Oliveira, Cultura na fazenda – um estudo sobre a apropriação da leitura como negociação de sentidos. São Paulo, USP, 2009. Dissertação de Mestrado em Cultura e Informação, p.29. 80 Citado por Ênio Mateus Guazelli, “Tentativa de implantação da lei do livro”, em José Carlos Rocha (org.), Políticas editoriais e hábitos de leitura, São Paulo, Com-Arte, 1987. 81 Arnaldo Magalhães Giacomo (coor.), Uma política integrada do livro para um país em processo de desenvolvimento, CBL/SNEL, São Paulo/Rio de Janeiro, 1976, p.42. 82 “Um dos mais graves problemas relativos à comercialização é a presença de livrarias no interior de escolas de 1º e 2º graus”. Idem, ibidem.

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Muitas distribuidoras, aproveitando-se dos descontos oferecidos pelas editoras,

passaram a vender diretamente ao consumidor final – principalmente nas escolas.

Geralmente os livreiros trabalhavam com 30% a 40% de desconto sobre o preço de

capa, ao passo que para as distribuidoras essa porcentagem variava de 40% a 60%83.

Essa diferença ocorria para que as distribuidoras, como primeiro intermediário,

pudessem oferecer um produto com preços viáveis para as livrarias, e estas também

tivessem uma boa parcela de lucro. No ano de 1973, do total de livros comercializados

em São Paulo, 52,4% foram oferecidos pelas distribuidoras; apenas 13,1% foram

vendidos em livrarias84. Em 1979, do total de livros vendidos no país, 20,4% foram

adquiridos em livrarias; o governo ficou responsável pela distribuição de 17,63%, e as

editoras com as distribuidoras venderam 16,53% do total85.

Outra forma de distribuição que concorria com as livrarias era a venda em

domicílio. O Clube do Livro, iniciado em 1943, ainda funcionava na década de 1960.

Em 1963 o clube patrocinou um programa na televisão, em que havia entrevistas com

autores e sugestões de leitura86. Os números provam que a estratégia teve êxito, porque

entre 1948 e 1968 o Clube do Livro editou e distribuiu mais de oito milhões de

exemplares, com tiragens mensais de aproximadamente 25 mil livros87. A W.M Jackson

Co., por sua vez, vendia de porta em porta enciclopédias e coleções completas de

autores consagrados, como Machado de Assis. No início dos anos de 1970,

desconsiderando os livros didáticos, esta empresa era o canal responsável pelo maior

número de vendas no mercado editorial brasileiro88. Em 1973 foi criado o Círculo do

Livro, uma parceria entre a editora Abril e a alemã Bertelsman. Dois anos depois, o

Círculo já contava com 250 mil sócios que, em 1978, chegaram a ser mais de

quinhentos mil89.

Apesar de prejudicar os negócios dos livreiros, alguns editores viam na venda

em domicílio a solução para o comércio de livros no Brasil. Para Roberto Carneiro,

durante a década de 1970, devido às “características geográficas do Brasil”, à “sua ânsia

83 Amaral Vieira, “Redução de custos gráfico-editoriais”, em A. Magalhães, A. Houaiss et al., Editoração hoje, Rio de Janeiro, FGV, 1981. 84 Produção e comercialização de livros no Brasil, SNEL, Rio de Janeiro, 1975. 85 Laurence Hallewel, O livro no Brasil, São Paulo, T.A. Queiroz /Edusp, 1985, p.604. 86 John Milton, O Clube do Livro e a tradução, Bauru, Edusc, 2002, p.28. 87 Olímpio de Souza Andrade, O livro Brasileiro: progressos e problemas (1920-1971), Rio de Janeiro, Ed. Paralelo, 1974, p.67. 88 Laurence Hallewell, O livro no Brasil, São Paulo, Edusp, 2005, p.368. 89 Laurence Hallewell, op. cit., p.682.

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de conhecimento” e à “escassez de livrarias”, “à mala direta está reservado um papel de

cuja importância poucos se aperceberam hoje em dia”90.

Antes de criar o Círculo do Livro, em 1965, a editora Abril passou a distribuir

pelas bancas de jornal livros em fascículos, como a Bíblia mais bela do mundo, que

vendia 150 mil exemplares por caderno. Posteriormente também foram vendidas

coleções encadernadas, entre as quais uma das mais bem sucedidas foi Os pensadores,

que era acompanhada semanalmente por cerca de cem mil leitores91.

As várias formas alternativas de comercializar os livros explicam por que o

mercado editorial avançava, enquanto que as livrarias passavam por dificuldades. Um

exemplo que ilustra bem esse contraste é o caso da Pioneira, que na década de 1970

passou por problemas financeiros. Foram fechadas em 1979 todas as suas livrarias,

restando apenas a editora, bem mais lucrativa92.

90 Roberto Cordeiro, “Dinâmica de vendas”, em A. Magalhães, A. Houaiss et al., Editoração hoje, Rio de Janeiro, FGV, 1981. 91 Laurence Hallewell, op. cit., p.677. 92 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009.

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Cartografia das livrarias do Centro de São Paulo

DURANTE a pesquisa, a fim de listar as livrarias no Centro de São Paulo entre as décadas

de 1930 e 1970, foram utilizados como base três livros: Pequeno guia histórico das

livrarias brasileiras e A etiqueta de livros no Brasil, ambos de Ubiratan Machado,

assim como o Guia das livrarias brasileiras, editado pelo INL em 1943. As demais

fontes bibliográficas, geralmente entrevistas e livros de memórias, estão devidamente

indicadas nas notas de rodapé. Foi utilizado o DEDALUS (Banco de Dados

Bibliográficos da USP) para a análise dos catálogos das editoras ligadas às livrarias,

sendo possível dessa forma analisar as coleções, os temas e os autores mais

representativos de cada editora no período pesquisado.

►Agir (1950- 1961x)

Rua Bráulio Gomes,125 (filial em SP)

Fundada em 1944 no Rio de Janeiro por Cândido Guinle de Paula Machado, a

matriz da livraria Agir mudou-se para São Paulo no ano de 1950. Começou como

livraria católica, mas também vendia livros de ciências humanas, que aos poucos se

tornaram sua especialidade.

Possuía editora própria e, apesar de privilegiar o tema religioso, não escapava da

política. Isto é demonstrado por títulos como Cristianismo e democracia (1945), de

Jacques Maritain; Manifesto do Episcopado sobre o problema político e questão social

no Brasil (1945); A doutrina social da Igreja: segundo as encíclicas (1946), de G.C.

Ruttem; Progresso e religião: Inquérito histórico (1947), de Christopher Dawson; e

Catolicismo, revolução e reação (1947), de J. Fernando Carneiro. Além desses livros,

alguns tratavam exclusivamente de política: Comunidade ou comunismo: carta aos

brasileiros (1946), de Manoel Joaquim P. Velloso; e O Plano Marshall e suas prováveis

repercussões econômicas na América Latina (1947).

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Na literatura, publicou O lustre (1946), segundo romance de Clarice Lispector; e

Poesia liberdade (1947), de Murilo Mendes. Editou também as séries “Nossos Grandes

Mortos”, com a biografia de Duque de Caxias, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Teófilo

Ottoni e Jackson de Figueiredo; “Temas Atuais”, sobre ciências sociais, com mais de

vinte volumes; e “Obras Completas”, de autores como Alceu Amoroso Lima e Leonel

Franca.

A loja matriz da Livraria Agir fechou as portas em 1999, mas a filial em São

Paulo provavelmente encerrou as atividades alguns anos antes. A editora Agir, porém,

funciona até hoje.

►Alfa (1968-197x)

Rua José Bonifácio, 365

Aberta em 1968, a Alfa funcionava na década de 1970, mas não foram encontrados

registros sobre a data correta de seu fechamento. Alexandre Obelenis, seu proprietário,

escolheu um local afastado do centro comercial para que seus clientes pudessem passar

horas vasculhando em seu sebo sem interrupções.

►Annunziato (1917-194x)

Rua São Bento, 397 (matriz)

Praça do Patriarca

Praça da Sé

Rua Líbero Badaró

O italiano Antonio Annunziato começou, em 1917, importando jornais e revistas

do Rio de Janeiro e da Europa. Aos poucos, atendendo à clientela imigrante, passou a

vender livros em italiano. Aparentemente o negócio teve sucesso, visto que chegou a ter

três agências funcionando ao mesmo tempo.

►Brasil (1929-1961?)

Rua Benjamin Constant, 123

Na década de 1940 seu proprietário era Mourão de Oliveira. A livraria vendia

livros novos, usados e aceitava pedidos de importação. Seu estoque era de

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aproximadamente trinta mil livros, contava com nove funcionários e atendia cerca de

cem fregueses diariamente.

►Brasiliense (1943-1997)

Rua Barão de Itapetininga, 99

Fundada por Monteiro Lobato, Caio Prado Jr., Artur Neves e a senhora Leandro

Dupré, a Brasiliense atendia à elite de São Paulo. Ao inaugurar, era a maior livraria da

cidade, com um amplo salão que permitia a realização de conferências e de exposições

de arte.

A editora Brasiliense foi criada ao mesmo tempo em que a livraria, tendo como

atrativo as republicações dos sucessos de Monteiro Lobato (Obras completas, 1946) e

de Caio Prado Jr. (História econômica do Brasil, 1945). Este integrava também a

coleção “Grandes Estudos Brasilienses”.

A livraria igualmente vendia livros sobre leis trabalhistas e reforma agrária,

temas privilegiados por Prado e Neves, membros do PCB. Durante o governo militar, a

livraria enfrentou problemas, como a queima de parte do seu estoque pela censura. Na

década de 1970, os intelectuais e artistas da alta sociedade cederam espaço para a

presença dos jovens universitários93 que realizavam debates e comícios em favor da

redemocratização do país. A livraria fechou em 1997, quando a editora passava por

problemas financeiros, apesar desta se manter ativa até hoje.

►Carlos Pereira (19xx-1943?)

Rua da Consolação, 49

Eduardo Pereira Magalhães era o proprietário deste estabelecimento em 1943. A

loja tinha cerca de 3.000 livros para venda, com dois funcionários que atendiam

aproximadamente 25 clientes por dia, além das vendas por reembolso postal.

►Civilização Brasileira (1938-1960?)

Rua 15 de Novembro, 144 (filial em SP) 93 “Na época fazia sucesso entre os bem-pensantes a livraria Brasiliense, na Barão de Itapetininga (hoje uma farmácia). Mas essa era informal à beça, bem ao gosto dos puquianos e uspianos que ali se sentiam em casa com batas, botas, jeans, camisetas, o que fosse, era a livraria intelectual dos graduandos”. Eduardo Britto, “Livraria Duas Cidades: a despedida”. Disponível em < http://vivasp.com/texto.asp?tid=4921&sid=13>

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Começou como editora no Rio de Janeiro durante a década de 1920. Seu

fundador foi Getúlio M. Costa, que nos anos 1930 se tornou sócio de Octalles

Marcondes Ferreira, da Cia. Editora Nacional. Em 1938, a Civilização Brasileira abriu

uma filial de sua livraria em São Paulo, cujo estoque era de 40.000 livros. Os 26

funcionários atendiam, diariamente, quase quatrocentos clientes.

A Civilização Brasileira começou como uma casa editorial bem eclética, com

títulos como A ilusão americana (nova ed., 1933), de Eduardo Prado; e O diabo branco

(1934), de Tolstoi; ao lado de leituras leves como Só rindo: anedotas e pilhérias (1934),

de Cornélio Pires. Na década de 1960 ela já se firmara como uma editora acadêmica,

lançando a coleção “Documentos da História Contemporânea” — Ascensão e queda do

Terceiro Reich (1962), de William L. Shirer; O ciclo de Vargas (1964), de Hélio Silva;

e Portugal e o fim do ultracolonialismo (1966), de Perry Anderson —, além da coleção

“Retratos do Brasil” — Introdução à revolução brasileira (1963), de Nelson Werneck

Sodré; Revisão crítica do cinema brasileiro (1963), de Glauber Rocha; e Raças e

classes sociais no Brasil (1966), de Octavio Ianni. Esta última coleção teve mais de 160

volumes.

►Duas Cidades (1954-2006)

Praça da Bandeira, 40, 13.o andar

Rua Bento Freitas, 158 (a partir de 1967)

Foi aberta por José Petronillo de Santa Cruz – conhecido também como Frei

Benevenuto – em 1954. Em decorrência de seus votos religiosos, a livraria pertencia

formalmente à Ordem Dominicana. Inicialmente um estabelecimento especializado em

teologia, Santa Cruz logo abriu espaço para livros de cristianismo de esquerda e de

ciências humanas. Em 1967 mudou-se para a Rua Bento Freitas, nos arredores da

Faculdade de Filosofia da USP, onde se tornou um ponto de encontro dos intelectuais da

cidade, atraindo professores e estudantes universitários. Era uma livraria séria, na qual

os clientes circulavam em trajes formais, “talvez pela maneira como os livros eram

dispostos, ou a seleção especial que compunha o acervo da livraria”94.

A livraria também possuía uma editora, e publicava livros de ciências sociais —

Estrutura social: teoria e método (1955), de Julian Marias; Economia e sociedade:

94 Eduardo Britto, op. cit. Disponível em <vivasp.com/texto.asp?tid=4921&sid=13>

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coação, troca, dom (1961), de François Perroux; e Introdução aos existencialismos

(1963), de Emmanuel Mournier — de cristianismo militante, como os do padre Louis-

Joseph Lebret95 (Manifesto por uma civilização solidária, de 1961; Drama do século

XX: miséria, subdesenvolvimento, inconsciência, esperança, de 1962; e Princípios para

a ação, 1965), além de autores de esquerda sem ligação com a igreja, como Henri

Chambre (De Marx a Mao Tse-Tung: introdução crítica ao marxismo-leninismo,

de1963). Santa Cruz, amigo de Antonio Candido, republicou as suas obras, como Os

parceiros do Rio Bonito, em 1964.

Em 1987, Santa Cruz teve problemas com a Ordem Dominicana em relação à

posse do estabelecimento, mas acabou ficando com a loja — graças a um abaixo-

assinado dos clientes, organizado por Antonio Candido.

►Francesa (1947- )

Rua Benjamin Constant (começo de 1947)

Rua Barão de Itapetininga, 275 (1947)

Seus primeiros proprietários foram Paul e Juliette Monteil, um casal de

franceses. Especializada em obras importadas da França, esta livraria era a que tinha o

maior acervo em língua francesa no Brasil.

Em 1950 abriu uma filial no Rio de Janeiro. A sede em São Paulo era

frequentada por intelectuais e pelos professores franceses da USP, como Roger Bastide.

Em 1960 a livraria promoveu uma tarde de autógrafos com Jean-Paul Sartre.

O casal Monteil também criou uma editora, a Difusão Européia do Livro (Difel),

que traduzia obras do francês voltadas para as Ciências Humanas como A propaganda

política (1955), de Jean-Marie Domenach; A literatura comparada (1956), de Marius-

François Guyard; Doutrinas econômicas, de Joseph Lajugie; além de dar espaço para os

professores franceses que lecionavam na USP, tais como Pierre Monbeig (O Brasil,

1954; Novos estudos de geografia humana brasileira, 1957) e Pierre George (Grandes

mercados do mundo,1954).

95 “[...] Benevenuto Santa Cruz distribuía os livros-fonte do cristianismo de esquerda em que bebi a grandes goles, começando pelo sólido Guia do militante do infatigável Padre Lebret (‘que dínamo!’ dele dizia Celso Furtado), manual de ver claro para bem julgar e melhor agir”. Alfredo Bosi, “Quem diz livraria diz refúgio”, Livro (Revista do NELE), n. 1, São Paulo, maio 2001, pp. 13-18.

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Em 1973, Claudie, filha dos Monteil, assumiu a direção do estabelecimento.

Hoje a responsável pela loja é Silvia Monteil, neta dos fundadores da Livraria Francesa.

►Freitas Bastos (1938-1996)

Rua 15 de Novembro, 62 (filial em SP)

Essa livraria surgiu em 1924, quando Freitas Bastos comprou a livraria Leite

Ribeiro, que só alterou o nome do estabelecimento em 1930. Em 1938 a Freitas Bastos

instalou uma filial em São Paulo, localizada próxima à Faculdade de Direito, atendendo

aos estudiosos da área jurídica. Foi a maior livraria de sua época, ocupando um prédio

de três andares. Era frequentada por políticos influentes como Ulisses Guimarães e

Franco Montoro, que podiam realizar reuniões nas dependências da loja.

A Freitas Bastos possuía editora própria, que se especializou em obras jurídicas.

Entre suas publicações estão Consolidação das leis penais (1938), de Vicente Piragibe;

Dos crimes sexuais: estupro, atentado ao pudor, defloramento e corrupção de menores

(1945), de Crisólito de Gusmão; e Empregador e empregado na Justiça do Trabalho

(1954), de Yara Muller Leite.

A editora e a loja matriz da Freitas Bastos estão funcionando ainda hoje, mas a

filial de São Paulo foi fechada em 1996.

►Garraux (1860-1935)

Rua 15 de Novembro, 40 (filial em SP)

Anatole Louis Garraux era funcionário da livraria Garnier, no Rio de Janeiro.

Em 1860 se mudou para São Paulo e abriu o próprio estabelecimento, “um belo edifício

com fachada de mármore, ladeado por duas grandes vitrines”96. Os livros eram apenas

um dos artigos de luxo franceses vendidos em sua loja97.

A Garraux tinha um departamento editorial, que na década de 1930 publicou

diversos relatórios técnicos como Estatística imobiliária e cadastro de imóveis (1931),

Café: estatística de produção e comércio, 1932-1933 (1934), e Estatística industrial do

Estado de São Paulo: ano de 1934 (1936).

96 Lucila Soares, Rua do Ouvidor 110 – Uma história da Livraria José Olympio, São Paulo, José Olympio, 2006. 97 Marisa Midori Deaecto, O Império dos livros, São Paulo, Edusp, 2011, p.286.

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►Gazeau (1893-1981)

Praça da Sé, 40

Ao comprar a Livraria Universal, da qual já era sócio, Auguste François Gazeau

rebatizou a loja com seu nome. Na década de 1930 foi o maior sebo de São Paulo, com

mais de cem mil volumes empilhados em galerias subterrâneas próximas à Praça da Sé.

Segundo Rubens Borba de Morais, “havia de tudo nesse sebo colossal”, mas era

no porão que os bibliófilos “encontravam as edições esgotadas, as curiosidades e as

raridades das quais Gazeau nem se lembrava da existência”98.

Após a morte de Auguste Gazeau, seu filho João Francisco, que já auxiliava nos

negócios desde cedo, assumiu a direção da loja. Esta passou a se chamar Livraria

Econômica de João Gazeau, que após passar dificuldades durante a década de 1970,

fechou em 1981.

►Guatapará (1937-1961)

Rua Barão de Itapetininga, 112

A Guatapará, propriedade de Henrique Veit, possuía um acervo de 4.000 livros,

entre novos e usados. Aceitava pedidos de importação e dispunha de uma oficina gráfica

própria. Seus três empregados atendiam diariamente cerca de cinquenta clientes.

►Herder (193x-195x)

Rua 7 de Abril

Dedicava-se a livros alemães e a obras eruditas do grego e do latim. Foi

frequentada por Alfredo Bossi (“no campo dos clássicos [...] o ponto imbatível era a

Livraria Herder”99), e Roberto Schwarz100. A Herder possuía um setor editorial, que

publicava títulos de filosofia e teologia — Paidéia: a formação do homem grego

(1936), de Werner Jaeger; Compêndio de história da filosofia (1953), de F.J. Thonnard;

e Introdução à sociologia religiosa (1955), de Nicolas Bôer.

98 Rubens Borba de Morais, O bibliófilo aprendiz, Brasília /São Paulo, Briquet de Lemos /Casa da Palavras, 2005, p.45. 99 Alfredo Bosi, “Quem diz livraria diz refúgio”, Livro (Revista do NELE), n. 1, São Paulo, maio 2011, pp. 13-18. 100 “Na segunda metade dos anos 50 Roberto [Schwarz] descobria, meio por acaso, na livraria Herder, os autores da Escola de Frankfurt, de que ninguém falava então.” Maria Elisa Cevasco e Milton Ohata (org.), Um crítico na periferia do capitalismo, São Paulo, Cia. das Letras, 2007, p. 340.

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►Ipiranga (19xx-1945)

Rua Benjamin Constant, 141

As informações sobre este estabelecimento são escassas. A livraria ficava

localizada no Edifício das Arcadas, na Rua Benjamin Constant. Em 1945 ela foi

adquirida por Luís Oliveira Dias, que alterou o nome da loja para Ornabi (ver abaixo).

►Jaraguá (1942- )

Rua Marconi, 54

Entre 1940 e 1945, quando o governo de Getúlio Vargas confiscou o jornal

Estado de S. Paulo, a família Mesquita precisou buscar novos investimentos. Nessa

época o teatrólogo Alfredo Mesquita, caçula do proprietário do jornal, encaminhou-se

para o ramo livreiro. Em 1942 abriu a livraria Jaraguá, que era quase uma reprodução

dos salões da elite paulista, contando até com uma sala de chá:

Fundamos, eu [Alfredo Mesquita] e meu saudoso amigo Roberto Meira, a

Livraria Jaraguá nos moldes das livrarias inglesas, com uma sala de chá aos

fundos e que se tornou ponto de encontro de artistas e intelectuais — sem falar

das grã-finas — não só de paulistas, mas de todo o Brasil — e, mesmo, de

estrangeiros, quando de passagem por nossa capital.101

Para publicar as obras dos colegas do meio artístico, Mesquita criou com Clóvis

Graciano a editora Gaveta, com livros de temática predominantemente poética, como

Poesias reunidas (1945), de Oswald de Andrade; Canção da partida (1945), de Jacinta

Passos; e Poemas, sonetos e baladas (1946), de Vinícius de Morais.

Inicialmente voltada para a elite, durante a década de 1950 a freguesia da

Jaraguá foi deixando de ser tão refinada, e em 1957 Alfredo Mesquita vendeu a

propriedade. A livraria Jaraguá existe até hoje, apesar de ter se transformado em uma

loja voltada aos best-sellers e à papelaria.

►José Olympio (1931-1934)

Rua da Quitanda, 19A

101 Citado em O espetáculo da cultura paulista: teatro e TV em São Paulo, 1940-1950, São Paulo, Códex, 2002, p.209.

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José Olympio começou como funcionário da Garraux em São Paulo, chegando a

ser sócio da loja. Em 1931 abriu uma livraria com o acervo do colecionador Alfredo

Pujol, vendendo livros raros, destinados aos bibliófilos. José Olympio já atuava como

editor, publicando, entre outros títulos, Minhas memórias dos outros, de Rodrigo Otávio

(1934); e Carvalhos e roseiras (1934), de Humberto de Campos. Em São Paulo a José

Olympio teve vida curta, instalando-se no Rio de Janeiro em 1934, onde se tornou um

dos maiores editores do país.

►Kosmos (194x-1961?)

Rua Marconi, 91 e 93 (filial em SP)

A Livraria Kosmos foi fundada em 1935, no Rio de Janeiro, pelos austríacos

Erich Eichner e Norbert Geyerhahn. Era um estabelecimento elegante, seguindo as

últimas tendências da Europa, que vendia livros novos, usados e obras raras – muitas

destas trazidas da Áustria.

Na década de 1940 foi aberta uma filial da Kosmos em São Paulo, dirigida por

Stefan Geyerhahn, que assumiu após a morte do pai em 1942. A loja dispunha de um

acervo com 25.000 livros, recebendo diariamente cem clientes, atendidos por treze

empregados. Nessa época a livraria também passou a funcionar como editora, com

livros técnicos como Inglês para o engenheiro civil e industrial (1940), de Herbert

Martin; e Novo dicionário técnico e químico inglês-português (1941), de Adalberto

Aumuller. Erich Eichner, que era fotógrafo, publicou um livro com suas imagens, Gente

e terra do Brasil (1946?), além de ensaios fotográficos de outros artistas, como Viagem

pelo fantástico (1971), de Boris Kossoy. O livro de Eichner fazia parte da série

“Coleção de Temas Brasileiros”, que também contava com Vistas e costumes da cidade

e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820 (1943), de Chamberlain; e O livro, o

jornal e a tipografia no Brasil, 1500-1822 (1946), de Carlos Rizzini.

►Lealdade (1913-1943?)

Rua Boa Vista, 216

Seu proprietário era Álvaro S. Jorge. O estabelecimento aceitava pedidos de

importação e de exportação. Tinha cerca de 100.000 exemplares no estoque, entre livros

novos e obras raras. Seus oito funcionários atendiam em média cem clientes por dia.

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►Leia (1914-196x)

Rua 7 de Abril, 11, lojas 5 e 7 (matriz, início da década de 1950)

Rua Maria Antônia, 57

Rua 7 de Abril, 176, 2.º andar

Rua Xavier de Toledo, 103 (torna-se loja única em 1958)

Rua Quintino Bocaiúva, 291, 2.º andar (década de 1960)

Rua Asdrúbal Nascimento, 404

Aberta com o nome de Livraria Cultura Italiana, em 1914, a loja do italiano

Ernesto Masucci atendia essa comunidade imigrante. Em 1940 seu filho Folco Masucci

assumiu o negócio, que passou a se chamar Leia (Livraria Editora Importadora

Americana). Na década seguinte a loja tornou-se uma das maiores importadoras de

obras italianas no país, vendendo também edições nacionais. Em 1957 abriu duas filiais,

uma na Rua Maria Antônia – atendendo à Faculdade de Filosofia –, e outra na Rua 7 de

Abril, voltada para a Faculdade de Direito. Estas duas lojas, porém, fecharam no ano

seguinte.

A editora, que teve início nos anos 1940, publicava obras diversas, como um

livro do próprio Masucci, Dicionário de pensamentos: máximas, aforismos, paradoxos,

provérbios etc., de autores modernos, nacionais e estrangeiros (2. ed. 1946); ou

Bartolomeu de Gusmão, inventor do aeróstato: a vida e a obra do primeiro inventor

americano (1942), de Afonso de Taunay. Editou também um Dicionário italiano-

português (1951), de Ferrucio Rubbiani. Na área de ciências humanas publicou História

da imprensa no Brasil (1950), de Freitas Nobre; História do futebol no Brasil, 1894-

1950 (1950), de Tomás Mazzoni; e o Vocabulário Filosófico (1957), de Carlos Lopes

Matos. Na área jurídica editou Introdução ao direito administrativo (1954), de Carlos

Schmidt de Barros Jr.; As novas diretrizes da criminologia (1957), de Gilberto de

Macedo; e Noções teóricas e práticas de ciência criminal e penitenciária (1965), de

Cícero de Carvalho.

A editora Leia fechou em meados da década de 1960. Na mesma época a livraria

deixou de trabalhar com livros novos, transformando-se em sebo.

►Loja do Livro Italiano (1937-1961?)

Rua Xavier de Toledo (1930- 1940)

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Rua Barão de Itapetininga, 140 (1950-1960)

Fundada por H. Ferraro, a loja era especializada em livros importados da Itália.

Em 1943 seu proprietário era Humberto Ghiggino, que administrava um estoque de

10.000 livros. Seus dez empregados atendiam quase cinquenta clientes diariamente.

►Lusitana (193x-194x)

Rua Riachuelo, 52

Não foram encontrados registros precisos sobre o período de funcionamento

desta livraria. Porém há a informação de que Luís Oliveira Dias — futuro proprietário

da Ornabi (ver abaixo) — trabalhou no estabelecimento entre o final da década de 1930

e o início dos anos 1940.

►Martins (1937-196x)

Rua da Quitanda

Rua 15 de Novembro, 135 (1943)

Foi criada em 1937 por José de Barros Martins. Tinha dez empregados e um

acervo de mais de 7.000 livros. Em seu endereço na rua 15 de Novembro, a Martins

ficava próxima às livrarias Civilização Brasileira e Freitas Bastos, “três pontos

obrigatórios para quem quisesse saber das novidades no campo do livro”102.

Inicialmente dedicada às obras de luxo impressas na França, na década de 1940

a Martins passou também a editar livros, ramo em que se tornou um dos exemplos mais

prolíferos. De literatura publicou Os filhos de Candinha (1942), de Mário de Andrade;

uma edição de A moreninha (1952), de Joaquim Manuel de Macedo, ilustrada por

Tarsila do Amaral; as obras de Jorge Amado — O ABC de Castro Alves (1941),

Gabriela, cravo e canela (1958), Teresa Batista cansada de guerra (1972) —, e a

Biblioteca de Literatura Brasileira, com os clássicos nacionais.

A editora Martins também se voltou para os estudiosos de ciências humanas,

editando a coleção “Biblioteca de Ciências Sociais” — Homem: uma introdução à

antropologia (1936), de Ralph Linton; Folkways: estudo sociológico dos costumes

(1950), de William Sumner —; a coleção “Biblioteca Histórica Brasileira” — Viagem à

Província de São Paulo (1940), de Auguste Saint-Hilaire; Viagem pitoresca e histórica 102 Martins – 30 anos, São Paulo: Livraria Martins Ed., 1967, p.23.

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ao Brasil (3. ed.,1954), de Debret —; e a “Biblioteca Pensamento Vivo”, com Voltaire

(1940), Jefferson (1942), José Bonifácio (1944) e Rui Barbosa (1952).

►Mestre Jou (1952-1983)

Praça Antônio Prado, no edifício do Banco do Estado (1958)

Rua Martins Fontes, 99 (década de 1960)

Rua 7 de Abril, 172 (filial, década de 1970)

Seu proprietário, o catalão Felipe Mestre Jou, importava obras de cunho

universitário da Espanha, Argentina e México. Em 1956 abriu uma editora, que

publicava livros técnicos e de humanidades, como Problemas de física geral (1962), de

José W. Vasquez; História da Filosofia (1962), de Michele Federico Sciacca;

Estatística (1964), de Fausto Toranzos; e Sociologia: teoria e estrutura (1964), de

Robert Merton.

►Nobel (1943- )

Rua da Consolação, 49 (matriz, 1943)

Rua Maria Antônia, 108

Começou vendendo artigos de papelaria e apostilas mimeografadas em 1943.

Pouco depois passou a trabalhar com livros, e seu fundador, o italiano Cláudio Milano,

apostou na expansão de seu negócio. Na década de 1950, abriu uma editora de livros

didáticos e passou a exercer a função de distribuidora. Com a loja matriz na Rua da

Consolação, instalou filiais na Rua Maria Antônia e nos bairros do Itaim-Bibi, Brooklin

e Pinheiros. Atendia o público universitário, mas também dava espaço aos best-sellers,

ramo em que se especializou na década de 1960.

►Ornabi (1945-2008)

Rua Benjamin Constant, 141

A Ornabi (Organizadora Nacional de Bibliotecas) foi criada por Luís Oliveira

Dias, um português que se dedicou a “garimpar obras perdidas e reapresentá-las ao

público com o aval de quem reconhece seu valor”103. Formou um dos maiores

alfarrábios do país, chegando a ter no acervo quase quatrocentos mil livros, entre obras

103 Eduardo Britto, “Sebos paulistanos II”. Disponível em <vivasp.com/texto.asp?tid=5603&sid=6>

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raras e clássicos da literatura mundial. Frequentada por políticos e estadistas do governo

militar, o proprietário diz que em “certa ocasião, fui convidado para ver uma biblioteca

com seis mil volumes sobre sociologia. Comprei todos, telefonei para Brasília e, às sete

horas do dia seguinte, já estava à espera de abrir a loja o Golbery do Couto e Silva.

Vieram Delfim Netto, Jarbas Passarinho, Ibrahim Abi-Ackel e Alfredo Buzaid.

Passaram o dia aqui”104.

►Parthenon (1946-1978)

Rua Barão de Itapetininga, 40 (a partir de 1951)

Fundada pelos bibliófilos José Mindlin, Cláudio Blum e Jacques Bloch, a loja

seria dedicada ao comércio de obras raras. Porém, segundo Mindlin, “a livraria se

revelou um péssimo negócio, pois nossa grande alegria estava na compra de bons livros,

e não na venda. Assim, depois do grande prazer de abrir os pacotes, vinha a tristeza de

ter de vendê-los”105.

Em 1951 o estabelecimento passou para Álvaro Bittencourt, que começou a

vender outros tipos de livro, além das edições de luxo. Em 1978, a loja mudou-se para o

novo centro financeiro de São Paulo, a avenida Paulista.

►Pioneira (1948-1979)

Rua 15 de Novembro, 228, 4.º andar (matriz, 1948)

Maria Antônia, 380 (1954)

Rua 24 de Maio, 35, 3.º andar (1958)

Apesar da ascendência italiana, Enio Guazzelli trabalhava com livros de língua

inglesa, já aproveitando a influência cultural dos EUA. Vendia tanto livros técnicos e

científicos, quanto livros de ficção. Em 1954 abriu uma filial na Rua Maria Antônia,

aproximando-se dos leitores universitários, que adotaram a loja como ponto de

encontro.

Em 1958 fundou a editora Pioneira, editando livros de Florestan Fernandes,

como Ensaios de sociologia geral e aplicada (1959), O negro em São Paulo (1968), e A

104 Citado por Adriana Carranca, “A última página na história da Ornabi”, O Estado de S. Paulo, 29/04/2007. 105 “Parthenon, a loja que não dava lucro”, disponível em <www.estadao.com.br/noticias/impresso,parthenon-a-loja-que-nao-dava-lucro,362129,0.htm>

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função social da guerra na sociedade tupinambá (1970); e publicando Aziz Ab’Saber

com São Paulo: o chão, o clima e as águas (1968). A editora criou a coleção

“Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais” que publicou Delfim Netto, com

Planejamento para o desenvolvimento econômico (1966), além de clássicos como A

ética protestante e o espírito do capitalismo (1967), de Max Weber

Na década de 1970 a Pioneira passou por uma crise financeira, o que a fez fechar

todas as suas livraria em 1979, ficando apenas com a editora.

►Sal (195x-1961?)

Avenida Ipiranga, 586, 9.º andar

Praça da República, 180, 5.º andar

A Sal vendia obras importadas da França, e Alfredo Bosi diz que nela as suas

“veleidades de leitor de filosofia encontravam as coberturas sóbrias da Gallimard, da

Plon, da PUF, da J. Vrin”106 — importantes editoras francesas.

►São Paulo (1950-1965?)

Rua São Bento,370, 9.o andar

Olindo Moura escolheu para sua loja um local discreto, no 9.o andar, porque seu

público era bem restrito. Vendia edições raras e de luxo, voltadas apenas aos

colecionadores e à elite intelectual de São Paulo.

►Saraiva (1917- )

Largo do Arouche, 5B

Rua José Bonifácio, 203 (a partir de 1968)

Praça da Sé (filial, 1972)

Em sua livraria, Joaquim Inácio Saraiva atendia os alunos do Largo São

Francisco, que o apelidaram de conselheiro Saraiva – sinal da consideração que

dedicavam a ele. A editora Saraiva foi criada na mesma época em que livraria,

publicando livros de direito. Em 1944 ela expandiu sua temática, lançando livros de

português, como Gramática normativa da língua portuguesa (1944), de Francisco da

106 Alfredo Bosi, “Quem diz livraria diz refúgio”, Livro (Revista do NELE), n. 1, São Paulo, maio 2011, pp. 13-18.

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Silveira Bueno; a Coleção Saraiva, com romances e biografias, como O rei cavaleiro

(4.º ed., 1948), de Pedro Calmon, e Ben-Hur (1948), de Lewis Wallace; além da

Coleção Jabuti, apresentando autores como José de Alencar e Paulo Setúbal.

Em 1972, a Saraiva instalou na Praça da Sé a sua primeira filial. O investimento

em filiais teve início quando a livraria abriu seu capital e deixou de ser uma empresa

familiar, o que resultou na rede de livrarias existente até hoje.

►Siciliano (1942- )

Rua José de Barros, 323

Antes de abrir sua livraria, Pedro Siciliano foi distribuidor das publicações de

Roberto Marinho e de Assis Chateaubriand. Após estabelecer sua loja própria, além de

livros também vendia revistas e jornais. Aproveitando o aumento da influência cultual

norte-americana, Siciliano passou a importar romances dos EUA. Suas lojas seguiam as

últimas tendências, com iluminação controlada para realçar a capa dos livros, anúncios

de best-sellers e vendedores persuasivos. A organização interna da loja privilegiava a

rápida circulação do cliente, que comprava por impulso ou influenciado pela

publicidade. Na década de 1950 a Siciliano começou sua expansão, abrindo filiais em

Osasco (1954) e Santo André (1957), o que deu início à sua cadeia de livrarias.

►Teixeira (1876-2000)

Rua Líbero Badaró, 491 (matriz, 1933-1958)

Av. São João, 8 (19??-1958)

Rua Marconi, 40 (1955)

Criada por Antônio Maria Teixeira, em 1876, inicialmente chamava-se Grande

Livraria Paulista. Nos anos de 1920 a loja passou para o dramaturgo José Vieira Pontes,

que em 1933 se mudou para a Rua Líbero Badaró, já com o nome de Livraria Teixeira.

No final da década de 1950 ela chegou a ter duas filiais, uma na Avenida São João e

outra na Rua Marconi. A livraria não tinha a aparência de uma loja, apresentando-se

como um espaço de promoção da arte. Expunha mobiliários, fotografias, coleções

filatélicas e de livros antigos, sendo frequentada por artistas de teatro e escritores.

A Teixeira possuía uma editora, que no século XIX publicava poetas como

Teófilo Dias (Comédia dos deuses, 1887) e Olavo Bilac (Poesias, 1888), além de livros

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jurídicos. Sob a direção de Vieira Pontes, passou a editar obras relacionadas à

dramaturgia, como Teatro, de Gomes Cardim (1929), Para ser ator (3. ed., 1936), de

Eduardo Vitorinho; e a coleção Biblioteca Dramática Popular, com mais de trezentos

roteiros teatrais — A honra ultrajada (1935), do próprio Vieira Pontes; O casamento do

Pindoba (1937), de João Pinho; e Os filhos da canalha (1943), de Joaquim Nunes.

►Tupi (195x-196x)

Rua Riachuelo, 108

A livraria Tupi era um dos sebos mais populares da cidade107. Foi criada por ex-

funcionários da Gazeau, quando estes se desligaram do antigo alfarrábio e receberam de

indenização parte do acervo. Nos primeiros anos da década de 1960 a sobreloja da Tupi

foi alugada por Folco Masucci, da Livraria Leia (ver acima).

►Outras livrarias

De algumas livrarias não foram encontradas informações adicionais, a não ser o

nome do estabelecimento e seu endereço. Na tabela abaixo os endereços aparecem em

duas colunas, uma de acordo com a lista de assinantes da Cia. Telefônica Brasileira de

1959108 e a outra segundo a lista de assinantes de 1961109. Assim, é possível afirmar que

pelo menos nesse intervalo de três anos as livrarias citadas nos dois guias estavam em

atividade, além de acompanhar se houve mudanças de endereço.

Estabelecimento   Endereço  (1959)   Endereço  (1961)  

24  de  Maio,  Livraria   rua  24  de  Maio,  68      

Acadêmica,  Livraria   praça  Ouvidor  Pacheco  e  Silva,  28      

Advogados,  Livraria  dos   rua  Senador  Feijó,  176      

Agência  Expoente,  Livraria   rua  Xavier  de  Toledo,  140      

Agência  Penna,  Livraria       rua  José  de  Barros,  337  

Allan  Kardec,  Livraria   rua  Riachuelo,  108   Idem  

Atheneu,  Livraria   rua  Marconi,  131   Idem  

Bandeiras,  Livraria  das   Praça  da  República,  162      

107 Raimundo de Meneses,“As primeiras livrarias de São Paulo”, Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, jul-dez 1970, p.217. 108 Lista de assinantes da cidade de São Paulo, Cia. Telefônica Brasileira, 1959. 109 Guia dos telefones/Guia dos assinantes, Cia. Telefônica Brasileira, 1961.

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Brasil,  Livraria   rua  Benjamin  Constant,  123   Idem  

Calçadense,  Livraria   rua  15  de  Novembro,  228   Idem  

Catedral,  Livraria   rua  Senador  feijó,  46      

Centro,  Livraria  do   rua  Boa  Vista,  245   Idem  

Científica,  Livraria   rua  José  de  Barros,  168   Idem  

Correio,  Livraria  do   avenida  São  João,  239   Idem  

Dinucci,  Livraria   avenida  São  João,  601      

Elite,  Livraria   rua  24  de  Maio,  53   Idem  

Elro,  Livraria   rua  José  de  Barros,  168      

Expoente,  Livraria       rua  Xavier  de  Toledo,  140  

Francisco  Alves,  Livraria       rua  Líbero  Badaró,  292  

Globo,  Livraria  do   rua  7  de  Abril,  252      

Guanabara  Koogan,  Livraria   24  de  Maio,  207   Idem  

Guatapará,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  112   Idem  

Ibero  Americano,  Livro   rua  Conselheiro  Crispiniano,  29      

Independente  Editora,  Livraria   rua  Líbero  Badaró,  92      

Indiana,  Livraria       avenida  Ipiranga,  1100  

Ipê,  Livraria   rua  7  de  Abril,  111      

Iracema,  Livraria  Editora       rua  Riachuelo,  275  

Irradiante,  Livraria  Editora       Praça  da  Sé,  323  

Italiana,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  140      

José  Bushatsky,  Livrraria  Jurídica   rua  Riachuelo,  201      

Landy,  Livraria       rua  7  de  Abril,  252  

Livro  do  Mês   rua  7  de  Abril,  34      

Livro  Italiano,  Loja       rua  Barão  de  Itapetininga,  140  

Livroluz  Divulgadora  Cultural   rua  conselheiro  Crispiniano,  58      

Lidico,  Livraria   rua  José  Bonifácio,  93   rua  José  Bonifácio,  24  

Livros  Ilco   rua  Xavier  de  Toledo,  44      

Logos,  Livraria   Praça  da  Sé,  47   rua  15  de  Novembro,  137  

Lotus,  Livraria   rua  Capitão  Salomão,  37      

Luso  Espanhola  e  Brasileira,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  255      

Minerva  Universal,  Livraria   rua  7  de  Abril,  235      

Nilo,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  112   Idem  

Paulinas,  Livraria  Editora   Praça  da  Sé,  184      

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Reichmann  Ernesto,  Livraria   rua  José  de  Barros,  168      

Reunidas,  Livraria  Editora   praça  da  República,  71   Idem  

Revival,  Livraria   rua  Florêncio  de  Abreu,  36      

Roxy,  Livraria   avenida  São  João,  593      

Santos  Dummont,  Livraria   Largo  do  Paissandu,  72   Idem  

Sérgio  Uspiensky,  Livraria   rua  Direita,  235      

Souza  Pinto,  Livraria   rua  Marconi,  87      

Stark,  Livraria   rua  7  de  Abril,  264   rua  7  de  Abril,  301  

Triângulo,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  255   Idem  

Vademecum,  Livraria   rua  Barão  de  Itapetininga,  273   Idem  

Tabela 1. Livrarias do Centro de São Paulo entre 1959 e 1961 (fonte: Lista de assinantes da cidade de São Paulo [1959] e Guia dos telefones/Guia dos assinantes [1961])

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Conclusão

O MERCADO editorial paulista entre 1930 e 1936, período no qual São Paulo foi palco da

Revolução Constitucionalista de 1932, multiplicou-se em mais de seis vezes110. Essa

situação aparentemente contraditória foi na verdade um dos fatores que impulsionaram

a produção de livros na cidade. Isso porque a elite paulista, percebendo que perdera seu

poder político, desenvolveu estratégias para criar e tornar-se detentora do novo centro

cultural brasileiro. Um dos meios criados para alcançar tal objetivo foi a criação, em

1935, do Departamento de Cultura. Este, por sua vez, instalou uma rede de bibliotecas

públicas e, através do Instituto Nacional do Livro (de 1937), desenvolveu políticas de

leitura e incentivou a produção editorial da cidade através de subsídios.

Até a década de 1940, a cultura francesa entre a elite paulistana era muito

influente. Na década de 1930, as livrarias do Centro da cidade davam preferência à

poesia e aos grandes clássicos da literatura, a maioria vendida em francês. Após a

Segunda Guerra, a influência americana alterou o tipo de livro oferecido, agora muito

mais relacionado ao entretenimento do que ao conhecimento. Os livreiros mais voltados

ao aspecto comercial do que ao aspecto cultural de sua profissão viram nos best-sellers

um bom investimento.

Assim, basicamente duas lógicas passaram a ditar a estrutura dos

estabelecimentos. As livrarias universitárias e eruditas, por trabalharem com produtos

de baixa rotatividade, optam pela relação mais eficaz entre o espaço da loja e o seu

estoque – isto é, utilizam altas prateleiras, que ocupavam paredes inteiras, expondo

apenas a lombada dos títulos – porque caso contrário os custos fixos (como o aluguel)

poderiam exceder os lucros gerados pelas vendas. As livrarias de best-sellers, por outro

lado, apresentavam poucos títulos, preferencialmente com a capa voltada para frente,

em uma loja espaçosa, decorada para seduzir o comprador. Por contar com um estoque

reduzido, para cobrirem os custos e obterem uma alta margem de lucro, esses livreiros

precisam trabalhar com produtos de alta rotatividade. Através da divulgação

110 Ubiratan Machado, A etiqueta de livros no Brasil, São Paulo, Imprensa Oficial /Edusp, 2003, p.42.

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publicitária, determinados livros escritos de acordo com fórmulas testadas tornam-se

best-sellers, cujas vendas permitem a manutenção do negócio111.

As livrarias, como qualquer outro comércio, aglomeram-se em determinadas

regiões de acordo com as variações da geografia econômica em que estão inseridas. O

Centro Velho da cidade da capital paulista, por ser o berço da cidade, abrigou as

primeiras casas comerciais. No período abarcado por nossa pesquisa, algumas das

livrarias estudadas tiveram origem no século XIX, como a Garraux (de 1860) e a

Teixeira (de 1876). Outras foram criadas no início do século XX, sendo possível citar as

livrarias Lealdade (de 1913), juntamente com a Annunziato e a Saraiva (ambas de

1917). Mas o importante é que, segundo nosso levantamento, todas as treze livrarias

existentes na região Central de São Paulo durante a década de 1930 concentravam-se no

Centro Velho. Isso coincide com a fase da primeira industrialização de São Paulo

(1910-1940), momento em que os cafeicultores paulistas passaram a investir na

indústria.

Gráfico 2. Distribuição das livrarias entre o Centro Velho e o Centro Novo de São Paulo por década (fonte: levantamento do autor)

Na década de 1940, o Centro Novo e o Centro Velho empataram, com dez

livrarias registradas em nosso levantamento, o que demonstrava a mudança na

localização dos estabelecimentos, consequência da segunda fase da industrialização de

São Paulo, ocorrida entre 1940 e 1960, quando a atividade industrial tornou-se

111 Ver. Jason Epstein, O negócio do livro, Rio de Janeiro /São Paulo, Record, 2002.

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predominante sobre a da cafeicultura. A valorização do Centro Novo resultou

inicialmente da reforma e ampliação do viaduto do Chá, em 1938, o que facilitou o

acesso à região. O Centro Novo virou o local da moda, porque tinha um projeto urbano

mais moderno, com bulevares, jardins públicos, cafés, lojas elegantes e equipamentos

sociais112. No pós-Guerra, essa região estava pronta para abrigar a nova indústria,

financiada em parte pelo capital estrangeiro. Segundo nossa pesquisa, na década de

1950 havia 27 livrarias no Centro Velho, e 51 estabelecimentos no Centro Novo; na

década de 1960, eram 23 livrarias contra 32, respectivamente.

Durante o milagre econômico brasileiro (1968-1973), período em que a taxa de

crescimento econômico do país chegava a 11% ao ano – tendo como um de seus fatores

as políticas de crédito do governo militar113 – houve nova mudança do centro financeiro

na cidade. São Paulo passava a dedicar-se cada vez mais ao setor terciário, em

decorrência dos desenvolvimentos tecnológicos na comunicação e no transporte, e viu

seu Centro tornar-se obsoleto. As limitações de espaço e infraestrutura, além da

especulação imobiliária, impediam que os prédios mais modernos fossem construídos

na região. Desde o início da década de 1960 a Avenida Paulista vinha sendo preparada

para abrigar esses novos edifícios, quando as antigas mansões dos barões do café

começaram a ser demolidas, dando lugar aos prédios de escritórios114. Nesse momento,

as livrarias de maior capital migraram para a Paulista ou abriram filiais ao seu redor. Os

estabelecimentos sem muitos recursos passaram por dificuldades, pela fuga dos

consumidores em potencial e pela forte concorrência das redes de livrarias. Isso explica

por que, de acordo com nossos dados, as 78 livrarias presentes na região central de São

Paulo na década de 1950 reduziram-se a 55 em dez anos, chegando a apenas dezenove

estabelecimentos na década de 1970.

Essa crise afetou não apenas as livrarias do Centro da capital paulista, mas

também as de todo o Brasil. Com a queda no número de lojas, a situação da leitura no

país foi prejudicada, pois o livro não conseguia alcançar seu público em toda a área

nacional. Com isso, de maneira geral o volume das tiragens foi reduzido, o que aumentou

o preço por exemplar nas livrarias. A redução na quantidade de estabelecimentos 112 Raquel Rolnick, op. cit.. 113 Veloso, F.; Villela, A. & Giambiagi, F., “Determinantes do ‘milagre’ econômico brasileiro (1968-1973)”. Disponível em < www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402008000200006#back> 114 “Fugindo do Centro”, Veja, n.419, 18/05/1976, p.50. Disponível em <veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx>

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resultou da concorrência com outras formas de venda, além da execução de políticas

públicas de leitura que privilegiavam a compra diretamente dos editores.

Uma das principais críticas que podemos fazer à distribuição em massa, através

de clubes do livro ou de livros em fascículos disponibilizados em bancas de jornal,

refere-se ao restrito número de títulos oferecidos para o leitor, selecionados pelos

editores segundo o que estes acreditam ser o desejo da maioria dos compradores. Nas

grandes livrarias, cheias de anúncios publicitários voltadas para os best-sellers, a

escolha do leitor também é limitada, pois fica restringida aos livros da moda. No caso

dos programas para abastecimento de obras nas bibliotecas e escolas públicas, a

situação é ainda mais sensível, visto que o Estado é que seleciona os livros que estarão

ao alcance da população – fato grave no período estudado nesta pesquisa, quando houve

dois longos períodos de governos não democráticos – o Estado Novo (1937-1945) e o

regime militar (1964-1985).

Por sua vez, o livreiro tradicional – presente nas livrarias acadêmicas ou eruditas

citadas nesta pesquisa – está ciente do caráter duplo de sua profissão, dividida entre o

aspecto comercial e o cultural. Joaquim Inácio Saraiva, quando seu estabelecimento

ainda tinha como especialidade obras jurídicas, era chamado pelos alunos do Largo São

Francisco de “conselheiro Saraiva”115; Santa Cruz, da livraria Duas Cidades, dizia que

“grandes livreiros são conselheiros” 116. Tais profissionais viam o livro não como um

produto qualquer a ser vendido, mas como um objeto que exigia orientação no momento

de ser escolhido pelo comprador. Diferentemente das sugestões das atuais livrarias

virtuais, baseadas em programas estatísticos ou nas listas dos mais vendidos, esses

profissionais experientes conheciam seus livros e sabiam indicar as melhores opções

diante das necessidades e dos gostos individuais de seus clientes. Entretanto, apesar de

sua importância e de seu talento, entre as décadas de 1930 e 1970 esse tipo de livreiro

foi o mais penalizado durante os rumos tomados pelo mercado, sendo hoje avis rara.

115 Ubiratan Machado, Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras, São Paulo, Ateliê, 2009. 116 Citado por Ana Cândida Vespucci, “Duas Cidades, mais que livros”. Disponível em <www.vivaocentro.org.br/publicacoes/urbs/urbs20.htm>

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