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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO PAULO CESAR PUPIM Análise de Conteúdo do papel da imprensa na construção do mito da necessidade das privatizações: O CASO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE MARÍLIA 2011

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

PAULO CESAR PUPIM

Análise de Conteúdo do papel da imprensa

na construção do mito da necessidade das

privatizações: O CASO DA COMPANHIA

VALE DO RIO DOCE

MARÍLIA 2011

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PAULO CÉSAR PUPIM

Análise de Conteúdo do papel da imprensa

na construção do mito da necessidade das privatizações:

O CASO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE

MARÍLIA

2010

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PAULO CÉSAR PUPIM

Análise de Conteúdo do papel da imprensa

na construção do mito da necessidade das privatizações:

O CASO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade de Marília, para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientadora: profa. Drª. Linda Bulik.

MARÍLIA

2010

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Pupim, Paulo César

Análise de conteúdo do papel da imprensa na construção do mito

da necessidade das privatizações: O Caso da Companhia Vale do Rio

Doce/ Paulo César Pupim -- Marília: UNIMAR, 2011.

124p.

Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Curso de Comunicação

da Universidade de Marília, Marília, 2011.

1.Mídia Impressa 2. Privatização 3.Políticas de Comunicação

4. Companhia Vale do Rio Doce I. Pupim, Paulo César

CDD -- 302.23

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PAULO CÉSAR PUPIM

Análise de Conteúdo do papel da imprensa

na construção do mito da necessidade das privatizações:

O CASO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Linda Bulik (orientadora) Julgamento ________ Assinatura _________________________

Profº. Dr. Maximiliano Martin Vicente Julgamento ________ Assinatura _________________________

Profª. Drª. Rosângela Marçolla Julgamento ________ Assinatura _________________________

MARÍLIA 2010

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AGRADECIMENTOS

A um Ser superior, a quem recorro para nunca perder a vontade de viver;

Aos meus pais, Manoel e Iraci, cuja ética e princípios ensinados me guiarão

pelo restante dos meus dias;

À minha esposa, pela compreensão nas horas mais difíceis do “confinamento”;

Aos meus filhos Manoel e Sofia, pelas criaturas fantásticas que são;

À tia Ivone e ao tio Nico, pelo carinho, incentivo e palavras de apoio;

Ao amigo Manuel José Espech Almeyda, o Manolo, pelo empréstimo de livros e

por ser um exemplo de obstinação à causa em que nunca deixou de acreditar;

À amiga Gilda Teresa Contreras López, pelo estímulo nos momentos em que

meu fôlego estava por acabar.

À professora e orientadora Linda Bulik, pela erudição, sabedoria e

atenciosidade.

Aos colegas jornalistas e amigos Antonio Paulino dos Santos Júnior e Paulo

Petrini, pela disposição em emprestar livros, muitos dos quais indispensáveis.

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RESUMO

Saído de um período de ditadura militar, nos anos 1980, o Brasil, sob o regime civil, começou a experimentar uma nova fase de desenvolvimento econômico nacional, baseado, inclusive, na redução da influência do Estado na economia, o que culminou no período marcado pelas privatizações de algumas das principais estatais brasileiras. Nos anos 1990, sobretudo, a desestatização se acentuou, caracterizando uma época conhecida como a chegada do neoliberalismo no Brasil. O presidente Fernando Henrique Cardoso era o governante à época e levou adiante um programa de privatização de empresas atuantes em áreas estratégicas, como as telecomunicações e a mineração. A venda da então Companhia Vale do Rio Doce foi a mais polêmica e mobilizou os principais segmentos organizados do País, entre eles a mídia impressa, notadamente os grandes jornais. Essa pesquisa analisa como os quatro principais jornais brasileiros se posicionaram, editorialmente, em relação às privatizações. À luz das reflexões, que faz Roland Barthes, sobre a desmontagem semiológica da linguagem da cultura midiática, com o propósito de desmitificar os mitos em que se vêm constituindo muitos aspectos da vida social e econômica – encobertos ou simplesmente fantasiados pela mídia –, este estudo busca explicar como foi construído o discurso da mídia impressa no mês em que ocorreu a venda da CVRD, em maio de 1997. O método utilizado foi a Análise de Conteúdo, em que Laurence Bardin sugere a adoção de algumas técnicas que, começando pela organização da análise e escolha do tema, termina pelas inferências obtidas a partir da codificação e da categorização aplicadas, deixando a porta aberta para a análise qualitativa. Tendo em vista a natureza desta dissertação – voltada para o estudo de mídia impressa – optou-se por um enfoque semio-discursivo à luz da teoria barthesiana. A teoria barthesiana serviu de apoio para a análise qualitativa da pesquisa. O primeiro capítulo apresenta a análise de conteúdo como método, suas especificidades, e revela, pelo critério da A.C., o quadro estatístico resultante da depuração dos editoriais analisados. O capítulo também trata da análise quantitativa como a primeira fase da metodologia, que, por suas características, permite a comprovação ou refutação das hipóteses formuladas. O segundo capítulo entra como uma segunda fase do método e trata da análise qualitativa, no caso semio-discursiva, em que se identificam as mitologias nos textos dos editoriais.

Palavras chave: Mídia impressa. Privatização. Políticas de Comunicação. Companhia Vale do Rio Doce. Análise de Conteúdo.

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ABSTRACT

Brazil managed to get out of a period of military dictatorship in the 80s and under civilian rule, began to experience a new phase based on national economic development. The reduction of state influence on the economy culminated in the period marked by privatization of some major Brazilian state Companies. In the „90s, especially, the privatization process deepened, featuring an era known as the arrival of neo-liberalism in Brazil. President Fernando Henrique Cardoso was the ruler at the time and pursued a program of privatization of companies operating in strategic areas such as telecommunications and mining. The sale of the then Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) was the most controversial and mobilized the major organized segments of the country, including print media, especially the major newspapers. This research examines how the four major Brazilian newspapers took position, editorially, in relation to privatization by that time. In the light of the reflections made by Roland Barthes on the semiotics of language dismantling of media culture, in order to demystify the myths that have constituted many aspects of social and economical life which is covert or simply disguised by the media. This study seeks to explain how the discourse of the press was built right in the month when the sale of CVRD occurred, May 1997. The method used was content analysis, in which Laurence Bardin suggests the adoption of some techniques that starts with the organization of analysis and choice of subject and ends with inferences derived from the coding and categorization applied. That way it leaves the door open for qualitative analysis. Given the nature of this work – focused on the study of print media – we opted for a semi-discursive approach in the light of Barthes‟ theory. Barthes‟s theory served as a support for the qualitative analysis of the research as well. The first chapter presents the analysis of content and method, their specificities, and reveals, by the criterion of AC, the statistical framework resulting from the clearance of the analyzed editorials. The chapter also deals with the quantitative analysis as the first phase of the methodology, which by its characteristics, allows the confirmation or refutation of hypotheses. The second chapter comes as a second stage of the method and deals with the qualitative analysis, in this case semi-discursive, which details the mythology in the texts of editorials.

Keywords: Printed media. Privatization. Communication Policies. Companhia Vale do Rio Doce. Content Analysis.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Enumeração – Folha de S. Paulo .................................................. 35

Quadro 2: Categorização – Folha de S. Paulo ............................................... 35

Quadro 3: Enumeração – O Estado de S. Paulo ............................................ 40

Quadro 4: Categorização – O Estado de S. Paulo ......................................... 41

Quadro 5: Enumeração – Jornal do Brasil ..................................................... 52

Quadro 6: Categorização – Jornal do Brasil ................................................... 53

Quadro 7: Enumeração – O Globo ................................................................. 60

Quadro 8: Categorização – O Globo .............................................................. 61

Quadro 9: Frequência dos editoriais .............................................................. 61

Quadro 10: Conjuntos categoriais .................................................................. 64

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS 888888

AC – Análise de Conteúdo

ANJ – Associação Nacional dos Jornais

BHP – Broken Hill Proprietary

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

COPPE – Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional

CUT – Central Única dos Trabalhadores

CVRD – Companhia Vale do Rio Doce

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FISENGE – Federação Interestadual de Sindicato dos Engenheiros

FSP – Folha de S. Paulo

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

JB – Jornal do Brasil

MBR – Minerações Brasileiras Reunidas

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PC – Partido Comunista

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

RJ – Rio de Janeiro

STF – Supremo Tribunal Federal

UC – Unidade de Contexto

UR – Unidade de Registro

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

CAPÍTULO 1: ANÁLISE DE CONTEÚDO DA PRIVATIZAÇÃO DA CVRD

NA IMPRENSA ............................................................................................... 23

1 ANÁLISE QUANTITATIVA .......................................................................... 24

1.1 ORGANIZANDO A ANÁLISE .................................................................... 26

1.1.1 A Leitura Flutuante............................................................................... 27

1.1.2 A Escolha dos Documentos e a Constituição do Corpus da Pesquisa ..... 28

1.1.3 A Formulação das Hipóteses .............................................................. 29

1.1.4 A Formulação dos Objetivos ............................................................... 29

1.1.5 A Referenciação dos Índices e Elaboração de Indicadores ............. 30

1.1.6 A Preparação do Material .................................................................... 30

1.2 CODIFICAÇÃO ......................................................................................... 30

1.3 CATEGORIZAÇÃO ................................................................................... 31

1.4 TÉCNICA .................................................................................................. 31

1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS EDITORIAIS .......................................... 32

1.5.1 Folha de S. Paulo ................................................................................. 32

1.5.2 O Estado de S. Paulo ........................................................................... 36

1.5.3 Jornal do Brasil .................................................................................... 42

1.5.4 O Globo ................................................................................................. 54

1.5.5 A Análise de Frequência ...................................................................... 61

1.5.6 A Análise dos Coeficientes e Índices ................................................. 62

1.6 INFERÊNCIAS .......................................................................................... 64

CAPÍTULO 2: ANÁLISE DE CONTEÚDO DA PRIVATIZAÇÃO DA CVRD NA

IMPRENSA ............................................................................................................. 78

2 ANÁLISE QUALITATIVA ............................................................................ 79

2.1 ANÁLISE SEMIO-DISCURSIVA DO MITO À LUZ DA TEORIA

BARTHESIANA ............................................................................................... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 93

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 97

ANEXOS ......................................................................................................... 99

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

A história ainda está para nos contar, mas já podemos ao menos

especular sobre algumas circunstâncias que envolveram a venda de muitas

empresas estatais brasileiras, a partir da década de 1980. Em que pese o

período ter sido caracterizado pela “reprivatização”, pois o governo começou a

se desfazer de empresas que ele mesmo havia comprado, talvez o mais

polêmico tenha sido o que abrangeu o governo do ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso. Polêmico porque não foi apenas a fase em que mais

empresas foram privatizadas, se comparadas aos antecessores Fernando

Collor de Mello e Itamar Franco, especialmente, mas porque FHC representava

a chegada, no Brasil, de um regime conhecido como social-democracia,

caracterizado por menos intervenção do Estado na economia. A decisão de

FHC de, não somente dar sequência ao Plano Nacional de Desestatização em

vigor, mas de ampliá-lo, provocou a ira da oposição, representada nos partidos

políticos e nos movimentos sociais, incluindo a participação de sindicatos. Ao

cabo de dois mandatos consecutivos, FHC vendeu em torno de 50 estatais,

além de ter apoiado a privatização em muitos estados brasileiros. Nenhuma

venda foi tão marcante como a da Companhia Vale do Rio Doce.

A imprensa acompanhou o processo, que, pelos interesses financeiros

colossais que representava, despertava a atenção da sociedade. Os leilões de

privatização geraram a receita de quase 60 bilhões de dólares apenas nos

mandatos de Fernando Henrique Cardoso. O estudo busca desvendar de que

maneira os quatro grandes jornais da época criaram o discurso manifestado

nos editoriais, de tal forma que se procura identificar a possível construção de

um ideário ao qual podemos chamar de mito, à maneira como concebia Roland

Barthes. Ou seja, a questão é provar se os quatro grandes jornais, o Jornal do

Brasil, a Folha de S. Paulo, o O Globo e O Estado de São Paulo, ajudaram

a construir o ideário de que era preciso de fato vender as estatais, sob pena de

que elas continuassem inoperantes, recheadas de funcionários fantasmas, e

amargando prejuízos financeiros. Fazia parte deste ideário também a tese de

que o dinheiro arrecadado com a privatização ajudaria a pagar a dívida pública

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do governo. Não existe a pretensão nesta pesquisa de avaliar se FHC estava

correto ou não, mas identificar de que maneira os quatro jornais, entre os mais

importantes do País, dois da cidade de São Paulo e dois da cidade do Rio de

Janeiro, atuaram para emprestar ou não aval às vendas.

Em maio de 1997, mês em que a então Companhia Vale do Rio Doce foi

privatizada, os quatro grandes jornais brasileiros à época publicaram diversos

editoriais sobre o assunto. Os jornais eram a Folha de S. Paulo, O Estado de

S. Paulo, o Jornal do Brasil e O Globo. Os textos opinativos manifestaram a

posição dos jornais quanto à venda da CVRD.

Saber se estes impressos reforçaram o mito, construído pelo governo de

Fernando Henrique Cardoso, de que era necessária a venda da estatal, é o

principal objetivo deste estudo. Adotamos o método da Análise de Conteúdo e

a análise quantitativa constituiu-se na primeira etapa do procedimento analítico.

Na segunda etapa, o da análise qualitativa, apoiamo-nos na teoria de Roland

Barthes no que se refere ao estudo das mitologias. Nesta segunda fase,

buscamos identificar as mitologias presentes nos textos dos editoriais com

base nos índices de frequência encontrados na análise quantitativa sobre o

conteúdo dos editoriais. À luz da teoria barthesiana, a linguagem utilizada nos

editoriais torna-se matéria fácil de ser classificada como uma fala mítica, pois

carrega significados ocultos, sob a forma discursiva, que o leitor comum

consome como algo natural, sem enxergar o investimento de valores

ideológicos.

Os editoriais revelam a opinião da empresa jornalística a respeito de um

ou mais assuntos considerados os principais de determinada edição. Se, por

um lado, as matérias, reportagens, entrevistas e artigos publicados costumam

ser, em geral, pluralistas no sentido de procurar mostrar os vários lados da

notícia, por outro os editoriais têm sua singularidade, justamente por serem o

espaço em que é manifestada a opinião da empresa jornalística. Esta

característica torna o editorial simbólico para efeito de análise sobre o

posicionamento da imprensa em relação a temas importantes da vida em

sociedade. O estudo que nos propomos a fazer comportaria a análise dos

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editoriais de um ano inteiro, mas, para não ampliarmos em demasia o corpus

da pesquisa, resolvemos nos ater aos editoriais publicados no mês em que

ocorreu a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Apenas neste período

de 30 dias houve a publicação de 348 editoriais pelos quatro jornais

pesquisados, versando sobre temas variados. Especificamente sobre a venda

da CVRD foram publicados 20 editoriais, que se tornaram o material de análise

deste estudo.

Partimos para a análise de conteúdo para quantificarmos o material

publicado sobre a privatização, certos de que isso nos permitiria obter dados

não aparentes ou pouco perceptíveis numa leitura menos atenta. A análise de

conteúdo proporcionou a elaboração de uma análise quantitativa, que, segundo

Laurence Bardin (2004, p. 107), “funda-se na freqüência de aparição de certos

elementos da mensagem”. Por meio da A.C. é que se

obtém dados descritivos através de um método estatístico. Graças a um desconto sistemático, esta análise é mais objectiva, mais fiel e mais exacta, visto que a observação é mais bem controlada. Sendo rígida, esta análise é, no entanto, útil nas fases de verificação das hipóteses (BARDIN, 2004, p. 108).

Ao elaborarmos a análise qualitativa, verificamos os elementos textuais

utilizados pelo sujeito (falante) na produção de sentidos. Os vários significados

produzidos pelos editoriais acerca da venda da CVRD nos levaram a algumas

considerações finais, confirmando ou refutando hipóteses formuladas no

projeto desta pesquisa.

No livro Mitologias, Roland Barthes (1993) revela os sentidos

escondidos no discurso midiático como forma de perpetuar alguns mitos

contemporâneos. A televisão e os jornais, principalmente, induzem o

telespectador ou o leitor menos atento a aceitar com naturalidade um fato que,

ao ser noticiado para ser consumido enquanto produto jornalístico, perde sua

característica e perspectiva históricas.

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Por isso, é que o semiólogo no leva a ficar atentos sobre a constante

construção de mitos pela mídia com o propósito de abolir a história e perpetuar

o discurso da burguesia contemporânea.

Optamos pelos jornais mencionados acima por considerá-los referência

na produção jornalística nacional, não apenas pela representatividade que

possuem, em função da circulação e distribuição existentes, mas pela

abordagem que fazem a respeito dos assuntos ligados principalmente à política

e à economia.

Decidimos também pelo tema das privatizações, com o foco para a

venda da antiga Companhia Vale do Rio Doce, por entender que o assunto se

constituiu num capítulo importante da história recente do Brasil. A venda

envolveu cifras milionárias e, mais do que isso, suscitou embates ideológicos

entre os proponentes das privatizações e os contrários a elas. Somente em

1997, as receitas geradas com a venda das estatais chegaram a quase 13

bilhões de dólares, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social.. Ideologias à parte, o certo é que isso mexeu diretamente com a vida

da população, uma vez que a privatização do Sistema Telebrás, por exemplo,

resultou numa profunda alteração na oferta de serviços.

Como nos recorda o economista Werner Baer, no livro A Economia

Brasileira, (2002) a privatização foi adotada no Brasil como solução diante da

falência do Estado. Segundo ele,

O movimento brasileiro em direção à privatização começou no final da década de 70, quando a queda na taxa de crescimento resultou num aumento acirrado da concorrência entre a empresa pública e o setor privado pelos recursos de capital – internos e externos – cada vez mais escassos (BAER, 2002, p. 271).

Em termos globais, segundo explicam Fábio Giambiagi e Ana Cláudia

Além (1999), após o final da Segunda Guerra Mundial (1945) o cenário

internacional começou a ser caracterizado pela ampliação da intervenção do

Estado na economia. Segundo os autores, uma das formas desta intervenção

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do Estado Keynesiano-desenvolvimentista1, ocorrida principalmente nos países

menos desenvolvidos, tinha como método a ação crescente do Estado visando

a complementar o sistema produtivo. E isso se deu por meio de investimento

direto em setores estratégicos para o desenvolvimento da economia, através

do planejamento do desenvolvimento econômico via definição de metas

setoriais a serem atingidas, e por meio do apoio financeiro a setores

considerados estratégicos em dificuldades financeiras.

Conforme Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além (1999), a partir da crise

do final da década de 1970, a crescente deterioração das contas públicas na

maioria dos países, refletida no aumento progressivo do endividamento público,

pôs em xeque o Estado Keynesiano-desenvolvimentista. Segundo eles, a

deterioração esteve muito ligada à crise da dívida externa do começo da

década de 1980 e à consequente intervenção dos fluxos de financiamento

externo. Os autores explicam, ainda, que esta crise se refletiu também na

deterioração da situação econômico-financeira das empresas estatais.

A decisão de privatizar surge, assim, na maioria dos países, como resposta à existência de um desajuste nas contas públicas. Como conseqüência da crise fiscal, a venda de ativos produtivos do Estado passou a ser vista como forma de viabilizar uma melhora da situação das finanças públicas... (GIAMBIAGI; ALÉM, 1999, p. 309).

De acordo com os autores, já dentro da agenda das chamadas reformas

“estruturais” as privatizações atingiram os principais países capitalistas, entre

eles a Inglaterra de maneira notável. Lá, os programas de privatização

passaram a se refletir no renascimento das políticas ditas “liberais”, segundo

Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além (1999). Eles esclarecem que, no Brasil,

embora tenha iniciado efetivamente na década de 1980, é somente a partir dos

anos 1990 que o programa de privatização vai se tornar uma das prioridades

da política econômica.

1 Governo gestor de uma política econômica intervencionista, aplicador de medidas fiscais e monetárias para amenizar os efeitos adversos dos ciclos econômicos (recessão, depressão, booms).

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Ao partirem para as análises sobre o resultado das privatizações, os

autores são cautelosos. Buscam se amparar em estudos do BNDES, que,

conforme Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além (1999), apontaram melhorias

nos principais indicadores das estatais privatizadas. Os indicadores teriam

mostrado o aumento da produção, do faturamento, do investimento, do lucro e

da produtividade das empresas ligadas aos setores de siderurgia, petroquímica

e de fertilizantes, vendidos entre 1990 e 1995. Os mesmos estudos também

identificaram redução no número de funcionários.

Menos cautelosos, porém sem manifestar conclusões contundentes, os

autores do livro Economia Brasileira Contemporânea, Amary Patrick

Gremaud, Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos e Rudinei Toledo Júnior

(2009), entendem que as privatizações, ocorridas principalmente no período de

1990 a 1995, apresentaram pontos positivos e outros a considerar.

Se por um lado, diminui a necessidade de investimento de longo prazo que o governo deve fazer, do ponto de vista de seus objetivos de curto prazo, não se pode dizer que a privatização tenha reduzido a dívida pública, como já pode ser visto no Capítulo 18. No entanto, é certo que em parte seus recursos puderam auxiliar no financiamento do déficit público (GREMAUD; VASCONCELLOS; TOLEDO JÚNIOR, 2009, p. 586).

Para fechar o capítulo, os autores levantam uma questão polêmica, não

respondida por eles no livro: saber qual foi a efetiva participação do BNDES no

processo e qual o valor efetivamente depositado para o governo? Dúvida esta

que o economista e jornalista Aloysio Biondi responde em parte no livro O

Brasil Privatizado – um balanço do desmonte do Estado (2000). De acordo

com ele,

A Companhia Siderurgia Nacional (CSN) foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos quais 1,01 bilhão em “moedas podres” – vendidas aos “compradores” pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), financiadas em 12 meses (BIONDI, 2000, p. 5).

Biondi (2000) escreve isso para concluir que, na maioria das vendas de

estatais ocorridas no Brasil, o governo financiou a compra no leilão, vendeu

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“moedas podres” [títulos antigos da União] a longo prazo e ainda financiou os

investimentos que os compradores precisaram fazer.

Em resumo, o governo está vendendo empresas a prestação, fornecendo “metade” da “entrada” nos leilões, financiando até a “compra” de “moedas podres”... Mas não se contenta com isso. Os felizes “compradores” das estatais brasileiras têm ainda novos presentes a sua espera: O BNDES lhes oferece empréstimos bilionários, depois que eles tomam posse das empresas, para executarem – com dinheiro do banco estatal, logo nosso os “investimentos” que se comprometeram a fazer (BIONDI, 2000, p. 12).

A CVRD foi vendida no dia 6 de maio de 1997. A foto do leilão,

estampada em muitos jornais impressos do Brasil e do exterior e também em

muitas revistas, percorreram o mundo na manhã do dia 7 de maio daquele ano.

O leilão foi realizado na cidade do Rio de Janeiro.

Obviamente não foi apenas a venda em si que gerou a repercussão toda

e ganhou destaque na mídia, inclusive a televisa2, mas o valor pelo qual a

estatal foi privatizada e a forma como o processo ocorreu. O preço negociado

na venda foi de cerca de 3,3 bilhões de reais. É um volume de dinheiro

considerável em qualquer parte do mundo, mas não cessaria aí a questão se a

CVRD não tivesse um patrimônio de mais de 2 trilhões de reais. Este

patrimônio inclui as reservas de minério da Companhia escondidas sob o solo

brasileiro.

Porém, antes de discutirmos a polêmica em torno da CVRD, convém

contar a trajetória da empresa. Criada no governo de Getúlio Vargas, em 1942,

como uma empresa de economia mista, a Companhia tornou-se, em quase 65

anos de vida como estatal, a maior empresa de mineração diversificada das

Américas.

Sua história está ligada à construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas.

Ao longo da preparação da ferrovia, os engenheiros ingleses envolvidos no

2

Principal cadeia mexicana de televisão, considerada o maior conglomerado de mídia hispânica, a maior produtora de programação em língua espanhola e a quinta maior emissora de TV do mundo.

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projeto ficaram sabendo sobre a existência de uma grande reserva de minério

de ferro naquela região.

Por conta deste fato, grupos de investidores internacionais teriam

adquirido extensas glebas de terra próximas à Itabira, tendo fundado, em 1909,

o Brazilian Hermatite Syndicate, um sindicato para comandar a exploração das

novas áreas.

Em 1910, durante o XI Congresso Geológico e Minerológico, em

Estocolmo, na Suécia, as reservas descobertas em Minas Gerais foram

estimadas em 2 bilhões de toneladas métricas. Nove anos depois, o empresário

Percival Farquhar, dos Estados Unidos, comprou todas as ações do sindicato e

mudou o nome da entidade para Itabira Iron Ore Company.

O norte-americano planejou que a entidade exportasse 10 milhões de

toneladas anuais de minério de ferro para os Estados Unidos. Para tanto,

utilizaria navios do sindicato e que, ao regressarem dos EUA, trariam carvão ao

Brasil, de modo que o frete ficasse mais econômico.

O plano antecipava em mais de 40 anos um conceito revolucionário que

viria a se tornar realidade sob o comando do brasileiro Eliezer Batista, na

década de 1960, após algumas modificações e atualizações. Isso se deu

durante a inauguração do Porto de Tubarão. Farquhar não teve êxito, apesar

de ter contado com a simpatia do presidente Epitácio Pessoa. O então

governante brasileiro deu uma concessão conhecida como Contrato de Itabira

1920 ao norte-americano. O empresário teve opositores ao seu projeto, como o

presidente do estado de Minas Gerais (quase autônomo na ocasião), Artur

Bernardes, que depois seria eleito Presidente da República.

Após décadas de intensa discussão, numa divisão entre os adeptos das

duas posições, o plano de Farquhar foi inviabilizado com a ascenção de Getúlio

Vargas ao poder. Vargas, à frente da Revolução de 1930, encampou as

reservas de ferro que eram do empresário e criou, com isso, a CVRD, em 1942,

como empresa estatal. Fez isso obtendo o apoio dos Estados Unidos e da

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Inglaterra, por meio de um tratado que ficou conhecido como Acordos de

Washington.

Aos poucos, a Companhia expandiu sua produção de minério de ferro,

ainda que de maneira lenta. O Brasil tinha grandes reservas do mineral, mas a

demanda era pequena. A sobrevivência da CVRD se restringia quase que ao

fornecimento de matéria prima para as siderúrgicas nacionais, a maior delas a

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

No final dos anos 1950, a CVRD era uma empresa pouco expressiva,

operando basicamente na extração de 3 a 4 milhões de toneladas por ano. Isso

representava menos da metade do que planejava Farquhar em 1920. E

também correspondia a um faturamento pequeno, em razão do valor

econômico do mineral bruto.

Em 1961, Eliezer Batista entrou em cena, como presidente da

Companhia, então conhecido como o “engenheiro ferroviário que ligou a Vale

ao resto do mundo”. Batista criou o conceito de distância econômica ao

perceber a necessidade de os japoneses expandirem o parque siderúrgico de

seu País, muito danificado na Segunda Guerra. Implementando o conceito, o

presidente fez com que a CVRD pudesse entregar, por meio do porto de

Tubarão, minério de ferro ao Japão a preços competitivos com os das minas da

Austrália. Em 1962, a Companhia teria produzido em torno de 8 milhões de

toneladas de minério de ferro.

Após o surgimento da Docenave, empresa de navegação da Companhia,

e com a inauguração do Porto de Tubarão, em 1966, a CVRD entrou em uma

nova fase. Foi o período de crescimento vertiginoso, passando a uma produção

de 18 milhões de toneladas anuais em 1970, ante as 10 milhões registradas

em 1966, chegando a 56 milhões de toneladas por ano em 1974, ano em que

assumiu a liderança mundial na exportação de minério de ferro.

A Docenave, criada em 1962, tinha o objetivo de transportar parte do

minério ao Japão. A estatal alcançou o posto de terceira maior empresa de

navegação graneleira do mundo.

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Ao assumir a presidência do Brasil, o general João Batista Figueiredo

trouxe Eliezer Batista de volta para o comando da CVRD. O empresário cumpria

uma espécie de “exílio branco” por ter sido ministro do ex-presidente João

Goulart. Batista conseguiu tornar a Companhia sócia majoritária do Complexo

Carajás, descoberto na década de 1970. Tratava-se de uma grande província

mineralógica que continha a maior reserva de minério de ferro de alto teor do

mundo, além de grandes reservas de manganês, cobre, ouro e minérios raros.

A concretização do projeto de sociedade com o Complexo de Carajás

implicou na criação de uma grande infraestrutura, da qual fez parte a Usina

Hidrelétrica de Tucuruí, uma das maiores do mundo, a Estrada de Ferro

Carajás-Itaqui e o Porto de Ponta da Madeira, em Itaqui, no Maranhão.

Com a entrada em vigor do projeto Grande Carajás, em 1985, a CVRD

bateu novo recorde na extração de minério de ferro, atingindo, em 1989, a

marca de 180 milhões de toneladas métricas. Na época em que foi privatizada,

em 1997, a estatal produzia cerca de 114 milhões de toneladas por ano, nível

que se manteve inalterado nos dois primeiros depois da venda.

Já privatizada e após algumas incorporações, a empresa passou, em

2005, a ter a produção de 255 milhões de toneladas. No ano seguinte, em 2006,

a empresa comprou 100% das ações da Caemi, a qual detinha 58% das ações

da MBR – Minerações Brasileiras Reunidas, com sede em Nova Lima, região

metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. A MBR era a segunda maior

produtora e exportadora de minério de ferro do Brasil.

No mesmo ano, a CVRD comprou a canadense Inco, tornando-se a

segunda maior empresa de mineração do mundo, atrás da anglo-australiana

BHP Billiton. Em 2008, a Companhia mudou de nome e passou a usar o nome

fantasia de Vale.

O governo de FHC vendeu a Companhia no dia 6 de maio de 1997, com

financiamento subsidiado, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento

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Econômico e Social (BNDES), para o consórcio Brasil, liderado pela

Companhia Siderúrgica Nacional, do empresário Benjamin Stenbruch.

Como relatamos, a privatização da CVRD foi muito controversa, pelo

fato principalmente de o governo ter levado em conta, na avaliação da estatal,

apenas o valor de sua infraestrutura, deixando de lado o valor potencial das

reservas de ferro em posse da Companhia.

Importante lembrar que o Consenso de Washington, ao qual nos

referimos acima, era caracterizado por um conjunto de normas criado pelo

Fundo Monetário Internacional após a queda do muro de Berlim, em 1989. O

acordo defendia a venda de todas as estatais como uma fórmula que deveria

acelerar o desenvolvimento econômico mundial.

Cabe lembrar aqui também que, para os opositores da venda da CVRD,

existia, além das irregularidades na privatização e do preço avaliado aquém do

valor de mercado, a perda da soberania sobre as reservas do estratégico

minério de ferro.

Descontentes com a venda impetraram mais de 100 ações populares

para tentar anular a privatização. Muitas se arrastam até hoje na justiça. Como

forma de preparar a venda da CVRD, o governo de Fernando Henrique

Cardoso chamou dois bancos internacionais. Um deles era a Merrill Lynch. Por

razões não tornadas públicas até hoje, os bancos aceitaram avaliar a CVRD

somente pelo critério de fluxo de caixa existente à época, descontado, sem

levar em consideração, o valor potencial das reservas de minério de ferro,

capazes de abastecer o mundo nos 40 anos seguintes.

Em que pese os argumentos favoráveis à venda da ex-estatal, o fato é

que o governo de FHC ficou marcado como o mais privatizante, por ter leiloado

em torno de 50 empresas. A transferência da Companhia foi assunto de

acalorados debates e profundas análises em artigos de jornal, artigos

acadêmicos veiculados pela mídia impressa e digital.

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Num texto publicado em 2007, na Internet, com o título “Desfazendo

mentiras sobre a Vale do Rio Doce”, a Federação Interestadual de Sindicato

dos Engenheiros (Fisenge), questionou o BNDES por ter definido, como órgão

gestor das privatizações, o preço mínimo do leilão da Vale de valor tão

insignificante diante dos resultados e ao patrimônio da então estatal.

Assinado pela ex-conselheira do Conselho Regional de Economistas do

Rio de Janeiro, Ceci Juruá, e pelo economista Marcos Arruda, da Rede Jubileu

Brasil, o artigo advertia que o BNDES tinha a obrigação de levantar a situação

econômico-financeira da empresa e o valor integral do seu patrimônio, formado

não apenas pelas ações, mas pelas reservas minerais, equipamentos, meios

de transporte, imóveis urbanos, terras, conhecimento científico, reservas

estratégicas e muito mais.

Além disso, os autores do texto relembraram que a lei de criação da

Vale havia estabelecido que 85% dos lucros da empresa seriam aplicados em

fundo de melhoramento e desenvolvimento regional. Antes da privatização, os

acionistas reduziram o percentual para 8% e o BNDES, segundo os autores,

“recebeu dos arrematantes uma „doação‟ de apenas 85,9 milhões de reais”

(JURUÁ; ARRUDA, 2007, p. 10, grifo dos autores).

Diante destas considerações, e mesmo perante as argumentações

apresentadas por FHC em seus escritos publicados principalmente nos jornais,

a questão envolvendo as privatizações no Brasil e, sobretudo a venda da

Companhia Vale do Rio Doce, está inserida no campo das posições político-

ideológicas. Talvez não seja mesmo possível tratar o dimensionamento deste

tema em outra perspectiva, mas, de parte da mídia, especialmente a impressa,

faltam iniciativas como a de realizar discussões, em espaços públicos, de modo

a confrontar os oponentes sobre o assunto. Com certeza, o debate, com

embasamento, seria muito esclarecedor para mostrar à população brasileira se

a privatização deveria de fato ter ocorrido e se a postura dos veículos de

comunicação do Brasil foi correta durante a cobertura do processo.

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Cabe esclarecer que nos capítulos seguintes serão feitas a análises

quantitativa e qualitativa do material pesquisado. Ambas serão importantes

para a verificação ou refutação das hipóteses. A quantitativa nos dará

informações sobre a frequência ou não de indicadores presentes nos editoriais,

enquanto que a análise qualitativa nos ajudará a interpretar, dentro do quadro

teórico escolhido, os significados extraídos da linguagem empregada nos

textos que foram objetos deste estudo.

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CAPÍTULO 1

ANÁLISE DE CONTEÚDO DA PRIVATIZAÇÃO DA

CVRD NA IMPRENSA

ANÁLISE QUANTITATIVA

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1 ANÁLISE QUANTITATIVA

Em que pese a polêmica que cercou a utilização do método da Análise

de Conteúdo ao longo de seu trajeto, incluindo a crítica feita pelos marxistas,

de ele não permitir uma aproximação crítico-ideológica suficiente dos meios de

comunicação, a A.C. talvez responda com satisfação às necessidades da

ciência no que diz respeito principalmente à busca da objetividade na pesquisa.

Ou seja, a A.C. é vista atualmente como um método que ajuda a atingir a

verdade almejada pelo cientista quando ele se propõe, no caso deste estudo, a

desvendar o que existe por trás da mensagem emitida pelo locutor durante um

processo importante da vida nacional brasileira, como foram as privatizações

na década de 1990. E, além de contribuir para o alcance desta verdade, a A.C.

se constitui num método capaz de ser posto sob a prova da validação, de

maneira a confirmar ou refutar as hipóteses levantadas na preparação da

pesquisa.

Uma das pesquisadoras mais conhecidas sobre o assunto, a francesa

Laurence Bardin, diz, no livro Análise de Conteúdo (2004), que a A.C. se

desenvolveu nos Estados Unidos desde o início do século XX, durante cerca

de 40 anos. Segundo ela, o rigor científico invocado era o da medida e o

material analisado era essencialmente jornalístico. A primeira escola a fazer

uso do método foi a Escola de Jornalismo de Colúmbia, provocando a

multiplicação dos estudos quantitativos dos jornais. Para a autora, o pioneiro

nos estudos sobre a A.C. é H. Lasswell. Ele fez análises de imprensa e de

propaganda.

Quem ditava a lei nas ciências psicológicas à época era o behaviourismo,

que de acordo com Bardin (2004, p. 13), “rejeita a introspeção intuitiva em

benefício da psicologia comportamental objectiva. Trata-se de descrever o

comportamento enquanto resposta a um estímulo, com um máximo de rigor e

cientificidade”.

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No período entre 1940 e 1950, os departamentos de ciências políticas

dos Estados Unidos ocuparam lugar de destaque no desenvolvimento da

análise de conteúdo, informa a pesquisadora. De 1950 a 1960 ocorre a

expansão das aplicações das técnicas às disciplinas diversificadas e o

surgimento de dúvidas e respostas no plano metodológico.

“Na realidade, depois da codificação imperiosa que atinge o seu apogeu

com Berelson, o período imediatamente posterior à guerra é marcado por anos

de bloqueio e desinteresse” (BARDIN, 2004, p. 17). Na opinião da autora, o

desencanto pela Análise de Conteúdo naquele momento equivaleria a negar,

de certa maneira, tudo o que havia sido adquirido.

De forma resumida, destacamos que, conforme a pesquisadora, após

1960 o recurso ao computador, o interesse pelos estudos respeitantes à

comunicação não verbal e a inviabilidade de precisão dos trabalhos linguísticos

são três fenômenos que passaram a afetar a investigação e a prática da

análise de conteúdo.

Numa leitura voltada mais para o viés político do tema, Wilson Corrêa da

Fonseca Júnior sustenta, no livro Métodos e Técnicas de Pesquisa em

Comunicação, que, embora tenha passado por grandes momentos de

reconhecimento, a Análise de Conteúdo também passou por momentos de

desqualificação. “Um deles ocorreu na década de 1970, quando os marxistas

diziam que o método impedia um trabalho mais crítico-ideológico em razão de

sua herança positivista” (FONSECA JÚNIOR, 2006, p. 281).

No contexto geral da ciência, a análise de conteúdo é tributária do positivismo, corrente de pensamento desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), cuja principal característica é a valorização das ciências exatas como paradigma de cientificidade e como referência do espírito humano em seu estágio mais elevado (DUARTE; BARROS, 2006, p. 281).

Tanto Bardin (2004) quanto Duarte e Barros (2006) insistem no papel da

inferência como um dos principais atributos da aplicação do método. Para ela,

“a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos

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às condições de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta

que recorre a indicadores (quantitativos ou não)” (BARDIN, 2004, p. 34).

Recorrendo a uma definição de Bardin (2004), Duarte e Barros (2006,

p. 284) dizem que

Na análise de conteúdo, a inferência é considerada uma operação lógica destinada a extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada. Assim como o arqueólogo ou o detetive trabalham com vestígios, o analista trabalha com índices cuidadosamente postos em evidência, tirando partido do tratamento das mensagens que manipula, para inferir (deduzir de maneira lógica) conhecimentos sobre o emissor ou sobre o destinatário da comunicação.

1.1 ORGANIZANDO A ANÁLISE

Para aproveitar o que existe de melhor nos métodos definidos por Bardin

(2004) e nos que foram recapitulados por Duarte e Barros (2006), propomos,

nesta pesquisa, a adoção do procedimento que busca extrair um pouco

de cada ensinamento, a começar pela fase da organização da análise. Trata-se

de uma análise sistemática-objetiva quantitativa, operando pelo código

linguístico.

Sistemática porque se baseia no conjunto de procedimentos que podem

ser aplicados da mesma forma a todo o conteúdo analisável. Objetiva ou

confiável porque permite que diferentes pessoas possam chegar às mesmas

conclusões após aplicarem em separado as mesmas categorias à mesma

amostra de mensagens. Cabe esclarecer que, num primeiro momento, a

análise será quantitativa, uma vez que, segundo Bardin (2004), ela se funda na

frequência de aparição de certos elementos da mensagem. Conforme os

estudiosos do assunto, procede-se a organização, também conhecida como

pré-análise, escolhendo os documentos a serem submetidos à análise, que, no

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nosso caso, serão os editoriais dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de

S. Paulo, Jornal do Brasil e de O Globo.

Num segundo momento, passar-se-á à análise qualitativa, conforme

descreveremos mais adiante.

1.1.1 A Leitura Flutuante

Bardin (2004) entende a leitura flutuante como o contato com os

documentos que serão analisados, de maneira a conhecer o texto e se deixar

invadir por pressões e orientações. No nosso estudo de caso, verificamos, ao

tomar contato com os editoriais escolhidos como amostragem, que o desafio de

fazer a análise de conteúdo não será difícil, porque os próprios títulos dos

textos, muitas vezes carregados de expressões sintáticas eloquentes,

manifestavam algum posicionamento perante à venda da CVRD. Como o

tamanho dos editoriais variava muito de acordo com a data e o próprio jornal

que os publicava, tivemos também a primeira impressão que aqueles textos

mais longos, com mais caracteres, seriam os que trariam mais interpretações a

respeito das privatizações.

A leitura flutuante ainda sugeriu que alguns jornais, em razão da

eloquência dos títulos dos editoriais, publicariam, se comparados com os

concorrentes, até mais textos opinativos sobre a venda da Companhia Vale do

Rio Doce. Esta leitura, como primeira atividade após a obtenção dos

documentos que seriam considerados a amostragem da pesquisa, possibilitou

a decisão de não incluir na amostra os textos que apenas de leve fizessem

menção ao tema privatização. Isso porque na maioria das vezes se tratava de

uma referência muito ligeira, sem aprofundamento que, numa análise posterior,

permitisse a elaboração de indicadores e muito menos de inferências.

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1.1.2 A Escolha dos Documentos e a Constituição do Corpus da Pesquisa

O universo dos documentos escolhidos, ou seja, os editoriais, foi

determinado após a definição do objetivo do estudo. Decidimos, após

estabelecermos que a finalidade da pesquisa seria analisar a maneira como a

imprensa cobriu as privatizações no governo de FHC, que os editoriais seriam

uma ótima fonte de consulta e análise. Na sequência, ao demarcarmos que a

antiga Companhia Vale do Rio Doce representava o principal exemplo de

análise sobre a venda das estatais no período, optamos por constituir como

corpus do estudo os editoriais publicados em maio de 1997.

Este corpus foi definido levando-se em consideração algumas das

principais regras apontadas por Bardin (2004). Uma delas é a da exaustividade.

Procuramos não deixar de fora qualquer dos elementos que pudessem implicar

em prejuízo da análise. A isso se somou a regra da não seletividade, pela qual

incluímos, no corpus, todos os editoriais publicados durante maio de 1997,

imaginando, com isso, que aquele mês fora o suficiente para que a grande

imprensa publicasse, editorialmente falando, tudo que considerasse importante

com relação à privatização da CVRD.

Outra regra que consideramos na escolha foi a da representatividade,

em que a leitura flutuante mostrou ser mais que suficiente demarcarmos maio

como o mês típico para apreender elementos necessários às análises

quantitativa e qualitativa sobre o assunto pesquisado. A quarta regra observada

na escolha foi a da homogeneidade. Assim, os documentos retidos para a

análise obedeceram a critérios precisos de escolha, sem apresentar acentuada

singularidade fora dos critérios de seleção. Neste aspecto, os editoriais

selecionados como corpus estavam todos compreendidos no mês em que a

venda da CVRD ocorreu. Também levamos em conta a regra da pertinência,

entendendo que os editoriais, por serem textos opinativos por princípio,

constituíram-se em material adequado e correspondente ao objetivo suscitado

pela análise.

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1.1.3 A Formulação das Hipóteses

Bardin (2004) define hipótese como uma afirmação provisória, passível

de verificação, por meio de instrumentos de análise. Segundo a autora,

levantar hipótese é fazer suposição, tendo a intuição como origem.

Para este estudo de caso definimos, então, três hipóteses:

1ª hipótese: a leitura dos editoriais nos leva a acreditar que eles induzem

o leitor a pensar que a melhor saída, naquele momento, seria a venda da Vale

do Rio Doce, não hesitando em desqualificar os opositores da privatização,

utilizando expressões negativas contra eles;

2ª hipótese: os editoriais fazem uso da fala mítica3 quando o assunto

abordado era a privatização da CVRD;

3ª hipótese: os editoriais insinuam que a avalanche de liminares contra a

venda da CVRD poderia, além de causar uma crise institucional, impedir a

privatização da estatal.

1.1.4 Formulação dos Objetivos

O objetivo é a finalidade geral a que nos propomos, assegura Bardin

(2004), ou que, conforme ela, é fornecida por uma instância exterior. Ele se

constitui na seguinte questão: saber como os grandes jornais à época se

posicionaram diante da decisão governamental de vender a Companhia

Vale do Rio Doce.

3 Linguagem carregada de significados ocultos, sob a forma discursiva, que o leitor comum consome como se fosse natural, sem enxergar o investimento de valores ideológicos.

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O objetivo específico é apreender de que forma a imprensa atuou no

processo de construção do mito das privatizações ou quais seriam as

mitologias mascaradas pelos jornais analisados e que cabe agora ao analista

desmitificar.

1.1.5 A Referenciação dos Índices e Elaboração de Indicadores

De acordo com a autora francesa, se consideramos que os textos

funcionam como uma manifestação contendo índices que a análise vai fazer

falar, o trabalho preparatório será o da escolha dos índices. Escolha esta que

deverá ser feita em função das hipóteses (caso elas estejam determinadas) e

sua organização sistemática em indicadores.

Vamos adotar como índices as palavras-chave mencionadas no corpo

de cada editorial pesquisado, tendo em vista que essas palavras poderão ser

comparadas como expressões míticas preconizadas por Roland Barthes. O

indicador correspondente será a quantidade de vezes que as palavras-chave

foram repetidas nas frases.

1.1.6 Preparação do Material

Os editoriais de cada um dos quatro jornais que seriam analisados foram

separados dentre os textos publicados em maio de 1997.

1.2 CODIFICAÇÃO

Nossa primeira tarefa será escolher as unidades de registro. Para Duarte

e Barros (2006), elas podem ser consideradas partes de uma unidade de

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amostragem, estabelecida anteriormente na constituição do corpus. Neste caso,

as UR serão os títulos dos editoriais que tratam da privatização da CVRD. Na

sequência, ainda pelo método da A.C., partimos para a escolha das unidades

de contexto. Para as unidades de registro serem compreendidas corretamente,

torna-se necessário fazer referência ao contexto no qual estão inseridas

(DUARTE; BARROS, 2006). Assim, as UC adotadas para esta pesquisa serão

os parágrafos que possam esclarecer, ao leitor, as circunstâncias em que o

título do editorial foi elaborado.

A etapa posterior é a escolha das regras de enumeração. Elas se

referem ao modo de quantificação das unidades de registro que levarão ao

estabelecimento de índices (DUARTE; BARROS, 2006). Nosso índice será a

frequência com que aparecerá o símbolo, ideia ou tema a ser interpretado

como medida de importância, atenção ou ênfase (KRIPPENDORFF, 1990 apud

DUARTE; BARROS, 2006, p. 57).

1.3 CATEGORIZAÇÃO

Segundo Duarte e Barros (2006, p. 298), a categorização “consiste no

trabalho de classificação e reagrupamento das unidades de registro em número

reduzido de categorias, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados e

sua diversidade”. Decidimos adotar o critério de categorização lexical, que,

conforme Bardin (2004), podem levar em consideração a classificação das

palavras segundo seu sentido, com emparelhamento dos sinônimos e dos

sentidos próximos.

1.4 TÉCNICA

A técnica empregada será a análise categorial. Cronologicamente, essa

técnica é a mais antiga, sendo, na prática, a mais utilizada. Funciona por

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desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo agrupamentos

analógicos. Entre as diferentes possibilidades de categorização encontram-se a

análise temática, bastante rápida e eficaz (BARROS; DUARTE, 2006).

1.5 A ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS EDITORIAIS

1.5.1 Folha de S. Paulo

Data: 1º de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Purgatório Astral”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “Mas o presidente enfrenta uma

soma de dificuldades, dissociadas uma das outras, que parece configurar um

purgatório astral”.

Número de linhas do editorial: 32.

Frases (contendo palavras-chave): “Mesmo o [problema] que ocupa as

atenções gerais no momento, os entraves à privatização da Vale, tende a ser

superado”; “O adiamento do leilão é um desgaste, mas parece claro que, cedo

ou tarde, a desestatização acabará por ocorrer”; “E o que de fato importa é

privatizar a empresa”.

Data: 7 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “O Leilão da Vale”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A privatização da Companhia Vale

do Rio Doce é um marco antes de tudo simbólico de que esse processo está

em marcha”.

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Número de linhas do editorial: 34.

Frases (contendo palavras-chave): “A privatização da Companhia Vale

do Rio Doce é um marco antes de tudo simbólico de que esse processo

[mudanças econômicas, políticas e institucionais defendidas por FHC] está em

marcha”; “A venda da empresa é um sinal de avanço”; Houve mesmo quem

chegasse a duvidar da viabilidade da privatização no Brasil, dada a guerrilha de

liminares que, em última hora, procurava fazer valer seus pontos de vista

políticos no palco do Judiciário”; “Porém, a tentativa de obstruir judicialmente a

venda da empresa foi, por ora e felizmente, superada na prática”; “Os críticos

da privatização da Vale obtiveram ao longo dos últimos meses todas as

garantias de preservação da soberania nacional, de proteção ao patrimônio

mineral e de participação da União em novas descobertas”; “Conseguiu-se até

– e o que não é pouco – que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(Cade) dedicasse especial atenção ao “day after” da privatização da companhia

mineradora”; “A intenção é evitar que a desestatização permita o surgimento de

um monopólio privado”; “A crítica mais fundamental à privatização da Vale é

política”; “Estratégico é ter um Estado enxuto, capaz sobretudo de recuperar a

infra-estrutura social do país”.

Data: 8 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Privatizar sem monopólio”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A privatização da Vale do Rio Doce

é um marco histórico em virtude do valor da operação, do tamanho da empresa

e da sua presença praticamente monopolista em vários mercados de produtos

minerais”.

Número de linhas do editorial: 33.

Frases (contendo palavras-chave): “A privatização da Vale do Rio

Doce é um marco histórico”; “Pode-se, portanto, dizer que, se em qualquer

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processo de privatização é preciso evitar o surgimento de monopólios, no caso

da Vale esse cuidado é imediatamente visível e precisa ser reforçado”; “É

importante perceber que, se privatizar é necessário, nem todas as privatizações

são iguais”; “A experiência internacional mostra que, nos casos de privatização

em que não se adotam as devidas cautelas contra as ameaças à concorrência,

coloca-se em risco um dos principais objetivos da própria privatização: o

aumento da eficiência do sistema econômico”; “Quando o governo abre mão de

ser ele mesmo um agente produtivo e transfere à iniciativa privada suas

empresas, a tendência é aumentar a eficiência de cada empresa privatizada”;

“Entretanto, isso [livrar-se dos encargos] não deve significar uma súbita e total

eliminação da função fiscalizadora do Estado”; “Quando se trata de empresas

que, como a Vale, concentram enorme poder econômico, devem entrar em

consideração aspectos que afetam o grau de concorrência no sistema

econômico”; “Segundo o presidente do Cade, apenas em três dos mais de uma

dezena em que a empresa atua inexiste risco de monopólio”; “A economia

brasileira padece de vícios antigos, e a privatização evidentemente não será

uma panacéia”.

Diante da situação exposta, elaboramos um quadro com regras de

enumeração, informando quantas frases apareceram nos três editoriais, as

palavras-chave citadas e o número de vezes em que aparecem.

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- 35 -

Total de Frases que aparece

Palavras-chave citadas Número de vezes

21

privatização Vale monopólio desestatização privatizar venda marco leilão desgaste simbólico guerrilha soberania nacional estratégico enxuto companhia iniciativa privada empresa privatizada vícios panacéia

(12) (7) (3) (2) (2) (2) (2) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1)

Quadro 1: Enumeração – Folha de S.Paulo

Expressões exaltando a venda da Vale

Expressões condenando a venda da Vale

Expressões que criticam os opositores da venda

- cedo ou tarde, a desestatização acabará por ocorrer. - A venda da empresa é um sinal de avanço. - Estratégico é ter um Estado enxuto, capaz sobretudo de recuperar a infraestrutura social do país. - A privatização da Vale do Rio Doce é um marco histórico. - a tendência é aumentar a eficiência de cada empresa privatizada.

nenhuma

- dada a guerrilha de liminares que, em última hora, procurava fazer valer seus [o dos opositores] pontos de vista políticos no palco do Judiciário. - A crítica mais fundamental à privatização da Vale é política.

Quadro 2: Categorização – Folha de S.Paulo

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1.5.2 O Estado de S. Paulo

Data: 1º de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Chicana ideológica”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A hipótese que é quase uma

evidência é que eles [os juízes] aceitaram, e a impuseram ao Brasil, uma

chicana ideológica que mais desmerece a Justiça que prejudica o governo”.

Número de linhas do editorial: 73.

Frases (contendo palavras-chave): “Foi por ver o mundo assim que

uma minoria de pequenos ditadores em potencial resolveu tumultuar o leilão de

privatização da Companhia Vale do Rio Doce”; “Escolheram, esses inimigos

[opositores ao leilão] do interesse público, o caminho mais fácil que lhes era

oferecido”; “Aproveitaram-se da confusão do sistema judiciário, a que o ministro

Sidney Sanchez se referia, e do comprometimento ideológico de um punhado

de juízes, para impetrar uma cascata de ações judiciais...”; “Um só advogado

impetrou 36 dessas ações, como se fossem bombas de tempo, o que

demonstra a falta de seriedade de quantos – togados ou não – pisaram a

solenidade da Justiça para transformá-la em instrumento de ação político-

ideológica”; “A batalha em torno do leilão da Vale do Rio Doce revelou um

sistema judiciário que além de confuso é frágil e inadequado, precisando de

imediata e profunda reforma”; “Tão grave ou pior que isso, porém, foi a

revelação – neste episódio da guerra de liminares da Vale – de que em alguns

casos a Justiça está sendo ministrada por pessoas menos preocupadas com a

hermenêutica do que com causas político-ideológicas...”; “De fato, quando um

juiz concede liminar suspendendo o leilão, baseado na confusão que faz entre

uma empresa pública.... e o patrimônio público, o que vem à lembrança é o

senador Roberto Requião afirmando que, se o sr. Celso Pitta não sabia o que

faziam seus auxiliares diretos no caso dos precatórios, „existe a hipótese de ele

ser completamente idiota‟”; “A hipótese que é quase uma evidência é que eles

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[os juízes] aceitaram, e a impuseram ao Brasil, uma chicana ideológica que

mais desmerece a Justiça que prejudica o governo”; “Que se trata de chicana

ideológica, não há dúvida”; “São todos [signatários de uma ação contra o leilão

no Tribunal Regional Federal em São Paulo] eleitores de Lula da Silva, até hoje

inconformados com a escolha de 36 milhões de eleitores, como comprovaram,

aliás, as bandeiras vermelhas das brigadas de rua que são o „braço armado‟ da

chicana”; “Essa gente [eleitores do Lula] tem em comum mais que a cor

ideológica. São inimigos dos fatos que contrariam suas idéias”; Dizem, por

exemplo, que a Vale está sendo „oferecida de graça‟”; “... e a CSN – que estava

moribunda nas mãos do Estado e foi salva de sorte ingrata pela privatização,

sendo hoje empresa próspera – não precisaria ter feito enorme esforço para

compor um consórcio de empresas nacionais para concorrer com o único que

já se apresentara”; “... quem viu a televisão, viu os manifestantes tomando a

iniciativa de agredir os policiais, como que à espera de uma reação violenta

que os elevasse ao panteão dos mártires”; “... o professor Miguel Reale, que

lamenta que o Judiciário esteja servindo de massa de manobras em

determinados casos para finalidades ideológicas”; “Na sua opinião [a de Miguel

Reale] é preciso cassar a competência dos juízes de primeira instância para

suspender leis e decisões federais”.

Data: 7 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Libelo contra a balbúrdia

judiciária”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “O despacho [do ministro Demócrito

Reinaldo], baseado em arrazoado eminentemente técnico, que também

considera o precedente da privatização da Usiminas, é um libelo contra a

estrutura judiciária que permite, mais que a confusão, o imbróglio e a balbúrdia

processual”.

Número de linhas do editorial: 67.

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Frases (contendo palavras-chave): “O despacho do ministro Demócrito

Reinaldo sobre as liminares que impediam o leilão da Companhia Vale do Rio

Doce – afinal realizado no final da tarde de ontem – deve ser visto de dois

ângulos”; “Em primeiro lugar, desbasta o cipoal jurídico que se criou em torno

da questão para que a empresa estatal não fosse privatizada”; “...foi reduzido à

expressão [a tramitação de ações contra a venda da CVRD] mais simples, que

agora tramita no Rio de Janeiro, reduzindo em termos práticos a „confusão do

sistema judiciário‟ com muita propriedade denunciada pelo professor Miguel

Reale”; “...porque denuncia [referindo-se ao despacho do ministro], mais uma

vez, um mecanismo que propicia a chicana, a pretexto de facultar a qualquer

do povo o exercício pleno da cidadania”; “a estratégia dos advogados a serviço

dos inimigos da privatização – ou simplesmente dos inimigos do governo que

dependem de seu fracasso para continuar suas carreiras políticas – era pública

e não era nova”; “O fato de as ações darem entrada na véspera da realização

do leilão, com pedidos de liminar, era indicativo inequívoco do propósito

protelatório e obstrucionista dos querelantes”; “evitando seu uso [a imagem dos

juízes] como instrumento de uma disputa político-ideológica”; “... que também

considera o precedente da privatização da Usiminas [referindo-se ao despacho

do ministro], é um libelo contra a estrutura judiciária que permite, mais que a

confusão, o imbróglio e a balbúrdia processual”; “... de impedir que um

punhado de pessoas viciadas pela ideologia, qualquer que seja, tenha o poder

de paralisar o governo, impetrando sucessivas ações em diferentes juízos”; “Só

a identidade político-ideológica – ainda que inconsciente – poderia levar juízes

a acatar, na undécima hora, argumentos como o amesquinhamento do preço

de venda da Vale”; “... na demonstração cabal de que ela não está sendo dada

de graça”; “... infelizmente [referindo-se ao despacho do ministro], não encerra

a chicana ideológica em torno da privatização da Vale do Rio Doce, tendo

apenas aberto caminho para que se realizasse o leilão”; “A defesa da Vale do

Rio Doce, como empresa estatal, foi, afinal, mais uma trincheira do atraso”; “De

um lado, ficaram homens eminentes, como Gofredo da Silva Teles, Barbosa

Lima Sobrinho e Oscar Niemeyer, que já estão arquivados na história do País.

Do outro, está o futuro”.

Data: 8 de maio de 1997.

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Unidade de Registro (título do editorial): “O que a confusão ocultou”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “O clima de irracionalidade e paixão

provocado por uma enxurrada de ações judiciais, liminares e recursos que

confundiram a opinião pública por sua tecnicalidade impediu que parcela

considerável da população percebesse com clareza o significado do leilão de

privatização da Companhia Vale do Rio Doce”.

Número de linhas do editorial: 69.

Frases (contendo palavras-chave): “O clima de irracionalidade e

paixão provocado por uma enxurrada de ações judiciais, liminares e recursos

que confundiram a opinião pública por sua tecnicalidade impediu que parcela

considerável da população percebesse com clareza o significado do leilão de

privatização da Companhia Vale do Rio Doce”; “Dissipada a névoa artificial que

alguns setores da esquerda ideológica e corporativa jogaram sobre o assunto,

já se pode analisar com frieza e objetividade o episódio que galvanizou as

atenções do País”; “Esse é um fato [referindo ao fato de que a antiga Vale era,

dentre as estatais, a que mais sócios estrangeiros tinha] que os inimigos da

privatização, justamente as pessoas que denunciavam os perigos da

“desnacionalização” da Vale, evitavam mencionar em público”; “nunca a Vale

sofreu pressões para adotar políticas antinacionais, pela simples e boa razão

de que a lógica dos negócios não é a lógica da política”; “o governo brasileiro –

que nunca obteve remuneração semelhante para os capitais que nela investiu,

porque, como todos os governos do mundo, não tem vocação para

empresário”; “o consórcio vencedor do leilão tem à sua frente um grupo

nacional importante, que hoje é, na verdade, o símbolo vivo da superioridade

da administração privada sobre a gestão estatal”; “Quando foi privatizada há

três anos, a Companhia Siderúrgica Nacional era uma empresa deficitária,

tecnicamente sucateada, que vivia de supostas glórias políticas passadas, mais

substancial ajuda anual do governo”; “Hoje [ a CSN], dá bons lucros depois de

recolher substanciais impostos ao governo – que antes só desembolsava,

jamais recebia”; “A privatização, mesmo com o concurso de capitais externos,

não é necessariamente desnacionalizante, o que derruba os argumentos dos

inimigos da desestatização”; “a passagem da administração estatal – mesmo

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quando marcada pelos conhecidos zelo e competência dos administradores da

Vale, em especial os srs. Eliezer Batista e Francisco Schettino – para a

administração privada é garantia de que o patrimônio nacional só irá lucrar com

isso”; “Fatos tão elementares foram toldados por uma aliança de ocasião em

que se reuniram para tumultuar o processo de privatização – já que sabiam ser

impossível impedi-lo”; “as viúvas do socialismo, que não queriam ver mais um

poderoso instrumento político e econômico fugir a seu controle ideológico, e

mais os defensores do corporativismo, que sempre usaram em benefício

próprio os recursos que o Estado deve distribuir à sociedade em forma de

serviços”; “O cimento que uniu a todos foram juízes motivados ideologicamente

que, a exemplo da sra. Salete Macaloz, substituem a necessária isenção do

magistrado pela perigosa paixão do militante”; “Esta etapa da privatização está

terminando bem”; “... e vulnerável demais [referindo-se ao sistema judiciário

brasileiro] às paixões ideológicas de pessoas que, por função, deveriam

guardar isenção absoluta”.

Total de Frases que aparece

Palavras-chave citadas Número de vezes

45

leilão privatização Vale Cia. Vale do Rio Doce Vale do Rio Doce confusão do sist. judiciário confusão chicana privatizada tumultuar comprometimento ideológico confuso frágil inadequado profunda reforma inconformados panteão dos mártires finalidades ideológicas imbróglio venda paixão desnacionalizante empresa próspera

(8) (8) (6) (3) (3) (2) (2) (2) (2) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1)

Quadro 3: Enumeração – O Estado de S. Paulo

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Expressões exaltando a venda da Vale

Expressões condenando a venda da Vale

Expressões que criticam os opositores da venda

- e a CSN – que estava moribunda nas mãos do Estado e foi salva de sorte ingrata pela privatização. - De um lado, ficaram homens eminentes, como Gofredo da Silva Teles, Barbosa Lima Sobrinho e Oscar Niemeyer, que já estão arquivados na história do País. Do outro, está o futuro. - o consórcio vencedor do leilão tem à sua frente um grupo nacional importante, que hoje é, na verdade, o símbolo vivo da superioridade da administração privada sobre a gestão estatal. - Hoje [a CSN], dá bons lucros depois de recolher substanciais impostos ao governo – que antes só desembolsava, jamais recebia. - A privatização, mesmo com o concurso de capitais externos, não é necessariamente desnacionalizante, o que derruba os argumentos dos inimigos da desestatização. - a passagem da administração estatal – mesmo quando marcada pelos conhecidos zelo e competência dos administradores da Vale, em especial os srs. Eliezer Batista e Francisco Schettino – para a administração privada é garantia de que o patrimônio nacional só irá lucrar com isso. - Esta etapa da privatização está terminando bem.

- nenhuma.

- ditadores. - inimigos. - comprometimento ideológico. - causas político-ideológicas. - chicana ideológica. - brigadas de rua. - braço armado. - inimigos da privatização. - inimigos do governo. - propósito protelatório e obstrucionista. - balbúrdia processual. - viciados pela ideologia. - amesquinhamento. - trincheira do atraso. - inimigos da desestatização. - viúvas do socialismo. - controle ideológico. - perigosa paixão do militante.

Quadro 4: Categorização – O Estado de S. Paulo

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1.5.3 Jornal do Brasil

Data: 1º de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Última Trincheira”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A guerrilha jurídica deflagrada

contra a privatização da Vale do Rio Doce foi o último recurso utilizado pelos

que, à falta de argumentos consistentes, valem-se de meios protelatórios e

burocráticos para impor sua vontade”.

Número de linhas do editorial: 39.

Frases (contendo palavras-chave): “A guerrilha jurídica deflagrada

contra a privatização da Vale do Rio Doce foi o último recurso utilizado pelos

que, à falta de argumentos consistentes, valem-se de meios protelatórios e

burocráticos para impor a sua vontade”; “Nessa guerrilha, o objetivo foi

atropelar um procedimento legal, limpo, exaustivamente discutido e aprovado

pela sociedade, através de seus representantes legais no Congresso”; “E como

o móvel era tumultuar o processo, o que se viu foi uma enxurrada de ações

conflitantes e contraditórias”; “Nessa batalha, mais de cem ações foram

impetradas em diferentes estados, com argumentos estapafúrdios, como o de

que não havia sido editada uma versão em inglês do edital que colocava a

empresa à venda em leilão”; “A reputação da Justiça não pode ficar exposta a

esse varejo”; “O que se viu, foi o uso político do aparelho judiciário, o que

envergonha o país e os brasileiros”; “Não é possível que, insuflados, e em

alguns casos usados, como no caso de estudantes que entraram com petições

de liminares, por partidos políticos de filosofia totalitária, meia-dúzia de pessoas

emperrem o progresso da nação”; “Assim como também é inadmissível que um

país inteiro seja refém de grupos, integrados ou não por magistrados, que

emperram decisões importantes, reformas inadiáveis”; “O Brasil é o único país

do mundo em que ela é usada como expediente com finalidade política”; O tipo

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de manobra usado para protelar o leilão da Vale do Rio Doce é mais uma

demonstração da urgência de se fazer a reforma do Judiciário”; “Não se admite

que a Justiça seja exposta à molecagem de estudantes, que se espalham pelo

país protocolando ações contra a União, como se o país fosse um grêmio

estudantil”; “O que se viu no campo jurídico foi o espelho da batalha

inconsequente de meia-dúzia de grupos nas imediações da Bolsa de Valores

do Rio, insufladas por partidos políticos intolerantes e de inspiração totalitária”.

Data: 2 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Além do Leilão”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “Depois que baixaram a gritaria e a

poeira levantada pelos adversários da privatização da Vale do Rio Doce e

pelas bombas da PM, veio de Londres, em editorial do Financial Times, uma

das análises mais sensatas sobre os imensos desafios que o Brasil ainda

precisa enfrentar depois que resolver a transferência do controle da estatal

para capitais privados nacionais e estrangeiros”.

Número de linhas do editorial: 43.

Frases (contendo palavras-chave): “Depois que baixaram a gritaria e a

poeira levantada pelos adversários da privatização da Vale do Rio Doce e

pelas bombas da PM, veio de Londres, em editorial do Financial Times, uma

das análises mais sensatas sobre os imensos desafios que o Brasil ainda

precisa enfrentar depois que resolver a transferência do controle da estatal

para capitais privados nacionais e estrangeiros”; “Segundo o jornal, que é o

porta-voz da City de Londres, a Vale do Rio Doce é apenas uma das áreas da

economia que precisará arejar-se com novos investimentos visando à

modernização das estruturas”; “As riquezas minerais a serem exploradas pelos

novos controladores da Vale vão exigir vultosos capitais, que serão

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necessários para modernizar as unidades de produção de alumínio no Pará

(Albrás e Alunorte em Trombetas) e de papel e celulose, além de obras de

manutenção e ampliação das ferrovias Vitória-Minas e São Luís-Carajás”; “A

modernização da Vale – empresa considerada muito eficiente para os padrões

das estatais já privatizadas – pode ser apontada como parábola de tudo o que

precisa ser feito no Brasil para sacudir as velhas estruturas do Estado, com

alicerces do tempo do Estado Novo, e os acréscimos feitos pelos governos

militares”; “O Financial Times chama a atenção para o fato de que as reformas

administrativa, previdenciária e tributária empacaram no Congresso e

enfrentam resistências ideológicas e doutrinárias semelhantes à venda da

Vale”; “Não se pode misturar no mesmo balaio defensores históricos da

estatização, que não se rendem aos exemplos de fracasso do planejamento

central, com políticos oportunistas que só querem marcar posição (tendo em

vista a próxima eleição”; “A Vale do Rio Doce, por sua visibilidade internacional,

teria a função de lançar um facho de luz sobre o Brasil”.

Data: 4 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Novos Regressistas”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A essência brasileira seria apenas

visível se desfraldada a bandeira do atraso. O mote obscurantista caracteriza

os modernos “regressistas‟‟ da esquerda, com no Segundo Império, que ontem

estariam defendendo a febre amarela contra a vacina de Oswaldo Cruz”.

Número de linhas do editorial: 53.

Frases (contendo palavras-chave): “Por estar perdendo uma batalha

jurídica em torno da venda da Vale, não pode o governo perder o rumo das

grandes privatizações e da reforma do Estado, que é o caminho da

modernidade em qualquer parte do mundo”; “Não pode, em suma, mostrar-se

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desnorteado com a grita, pois as resistências que enfrenta, seja em relação a

problemas previdenciários ou de enxugamento da administração pública, estão

em ação na França, na Alemanha e nos Estados Unidos”; “Perder batalhas

pode estimular a humildade”; “Não há mudança modernizadora que não

enfrente protestos e escaramuças, o essencial sendo que os países mais

avançados na reforma, como a Grã-Bretanha, trocam de partido mas não

abandonam a bandeira do redirecionamento do Estado para suas funções

clássicas relativas à educação, saúde e segurança”; “Aprovada nas urnas e

sustentada em bons índices de popularidade nas sondagens, a grande

estratégia[do governo] está correta”; “O governo erra quando anuncia

antecipadamente o que vai fazer”; “A campanha publicitária pela tevê sobre o

que estava em jogo na venda da Vale foi fraca e inconsistente”; “Não se ouviu

um líder da base parlamentar do governo sair em defesa da privatização da

mineradora, de olho que estava nas próximas eleições”; “Perdeu o governo

excelente oportunidade de mostrar que a causa da manutenção da Vale

estatizada está nas mãos de uma esquerda anacrônica e agônica, em parceria

com os estamentos burocráticos apegados às benesses do funcionalismo

público”; “Seus argumentos [o dos opositores à venda] beiram o ridículo,

quando opõem à racionalidade econômica a “memória político-social do país”,

identificando soberania a superstições ético-morais e a pátria a um ufanismo

geográfico baseado em jazidas, último avatar do berço esplêndido”; “O ridículo

aumenta quando se invoca como essência autêntica da nação, não seus

segmentos técnicos e modernos, mas a noção ibérica de comunidade

defendida por padres, militares e magistrados”; “A essência brasileira seria

apenas visível se desfraldada a bandeira do atraso”; “O mote obscurantista

caracteriza os modernos “regressistas” da esquerda, com no Segundo Império,

que ontem estariam defendendo a febre amarela contra a vacina de Oswaldo

Cruz”; “Intelectuais que alguns anos atrás aplaudiam Brezhnev sem suspeitar

da falência iminente de sua burocracia estatal, ousam agora criticar a

privatização e a abertura só recusadas pela Coréia do Norte e por Cuba”; “São

os stalinistas festivos, gente da classe média e da Zona Sul que a democracia

absorve, mas que não podem falar pelos trabalhadores que apóiam a nova

CSN e amanhã apoiarão a nova Vale”; “É óbvio que a soberania, a democracia,

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o futuro são causas sérias de mais para ficar nas mãos de deputados

papagaios de pirata, militares reformados e pelegos da CUT”; “Por isso tudo, o

governo não pode vacilar: deve prosseguir no rumo que o vasto eleitorado

aprovou elegendo-o”; “Deve acelerar, por exemplo, a nova lei das

telecomunicações, com a desregulamentação das bandas A e B”; “Deve

procurar o governo respostas práticas para a arruaça que procura iludir o povo

com mitos do passado”.

Data: 4 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Adiando o Futuro”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “O expediente que serviu de suporte

à discussão [sobre a venda ou não da Vale do Rio Doce] não teria havido se o

Congresso já houvesse aprovado o instituto do efeito vinculante, pelo qual

decisões já julgadas em instâncias superiores se estenderiam às demais”.

Número de linhas do editorial: 33.

Frases (contendo palavras-chave): “Na batalha travada esta semana

em torno da privatização da Vale do Rio Doce nem os opositores alinharam

argumentos que levantassem uma só suspeita concreta a respeito do leilão,

nem o Governo conseguiu mostrar com ênfase suficiente o que acontecerá se

a empresa não for vendida”; “Afinal, vender ou não a Vale não é uma questão

de vida ou morte. Se vender, o país lucra. Se não, o sol continua nascendo da

mesma maneira”; “O expediente que serviu de suporte à discussão não teria

havido se o Congresso já houvesse aprovado o instituto do efeito vinculante,

pelo qual decisões já julgadas em instâncias superiores se estenderiam às

demais”; “O que se viu, nessa batalha, foi o uso da justiça como instrumento

político. A tentativa de se substituir o Poder Executivo pelo Judiciário”; “Quem

resiste a ele [efeito vinculante] são núcleos corporativistas que não querem

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perder poder e advogados especializados nos expedientes protelatórios, que

temem ficar sem as lucrativas chicanas”; “A liminar, um instrumento que

deveria ser nobre, não pode ser usado como expediente de mercado”.

Data: 7 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Luto Difícil”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “No fundo do debate estava o

doloroso luto pelo moribundo Estado-pai-patrão que setores da sociedade

brasileira se recusam a aceitar. Recusam também que a nação possa se tornar

mais forte que o Estado falido e agarram-se com fé religiosa ao velho modelo

mercantilista e patrimonialista como se essa obstinação fosse gesto de

vanguarda”.

Número e linhas do editorial: 45.

Frases (contendo palavras-chave): “A guerrilha judicial em torno do

leilão da Vale – encerrada ingloriamente ontem – foi política e teve o mérito de

assinalar o debate de fundo que mobilizou a sociedade brasileira”; “Os

estatocratas difamaram o governo com a suspeita de agir doutrinariamente ao

generalizar os malefícios da empresa estatal, enquanto o governo identificou

corretamente na grita das ruas uma forma de superstição que consiste em

achar que só é brasileiro o que pertence ao Estado”; “Em entrevista ao

JORNAL DO BRASIL, o jurista Fábio Konder Comparato – um dos autores de

liminar contra a venda da Vale – afirmou que, embora os juízes decidissem de

acordo com a lei, tinham sua visão pessoal de mundo e posição política”; “No

fundo do debate estava o doloroso luto pelo moribundo Estado-pai-patrão que

setores da sociedade brasileira se recusam a aceitar”; “Recusam também que

a nação possa se tornar mais forte que o Estado falido e agarram-se com fé

religiosa ao velho modelo mercantilista e patrimonialista como se essa

obstinação fosse gesto de vanguarda”; “A luta pela manutenção do guante do

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Estado sobre a economia representou objetivamente a defesa deste Estado

tutelar que se perverteu em gerador de privilégios, árbitro do empreguismo,

central de tráfico de influências e da corrupção”; “A reprovação do mundo

empresarial, mesmo depois da privatização da CSN demonstrar a vantagem da

desestatização até para seus operários, exala o antigo ranço medieval de

censura à riqueza e reproduz a velha prédica contra o lucro e a

competitividade”; “É o espírito anti-industrial, e a esquerda que o perfilha

permanece nostálgica da Contra-Reforma do mundo industrial, encarnada

modernamente nos sistemas centralizados, burocratizados, doutrinários do

falido stalinismo”; “Começa agora o Brasil a ouvir o sábio conselho do

revisionista Deng Xiaoping: enriquecer é glorioso”.

Data: 8 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Moinhos de Vento”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “Em seguida surgiu a mais sinuosa

das suspeitas: o pretenso vício de origem no estudo de modelagem da

privatização, contratado pelo BNDES à Merril Lynch, o maior banco de

investimento do mundo. Como a Merril Lynch comprou em novembro passado

uma corretora na África do Sul, e essa corretora era sponsoring broker da

Anglo-American na Bolsa de Valores de Johanesburgo, a denúncia formulada

pela Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia),

que fez estudo sobre a privatização da mineradora a pedido de uma comissão

externa da Câmara, presidida pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), era de

que tudo fora armado para favorecer a Anglo-American. Deu o Consórcio Brasil.

A conspiração sul-africana não passava de moinho de moinho de vento”.

Número de linhas: 80.

Frases (contendo palavras-chave): “A última batalha da velha

esquerda pela Vale estatal resultou numa retirada histórica: a maior mineradora

do país acabou nas mãos de um consórcio que é brasileiro até no nome, liderado

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pela maior siderúrgica do país – a CSN”; “A velha esquerda pediu

melodramaticamente que salvassem a Vale, como se a venda da empresa

mineradora automaticamente alienasse para o exterior jazidas que são

constitucionalmente do Estado”; “A verdade é que a Vale do Rio Doce foi

vendida, as jazidas continuam em mãos do Estado e a nova Vale sob controle

brasileiro. O mundo não acabou e o sol e a lua continuam a se revezar no

firmamento”; “Mas as lições são muitas para os nacionaleiros de plantão,

sempre prestes a ver desnacionalização onde há desestatização, sempre

fazendo vista grossa para a apropriação privada das empresas estatais por

uma casta aferrada a seus privilégios e que nunca presta contas à nação, sua

verdadeira e legítima dona”; “Procurou-se arquitetar uma teoria conspiratorial

que justificasse a impugnação”; “Em seguida surgiu a mais sinuosa das

suspeitas: o pretenso vício de origem no estudo de modelagem da privatização,

contratado pelo BNDES à Merril Lynch, o maior banco de investimento do

mundo”; “Deu o Consórcio Brasil. A conspiração sul-africana não passava de

moinho de moinho de vento”; “O castigo veio a galope por via judicial, com a

cassação intermitente de liminares em cascata – armas inapropriadas de combate,

pois a liminar é providência cuja finalidade é suspender a eficácia de ato

administrativo danoso ou de iminente ameaça para evitar prejuízo irreparável”; “No

caso da Vale não se configurou ato administrativo lesivo, nem ameaça iminente,

nem houve surpresa”; “A privatização da empresa era debatida desde o início do

ano passado e foi aprovada pelo Congresso em dezembro último”; “Processo

transparente apenas perturbado por chicanas de última hora, daquilo que já é

conhecido como indústria de liminares”; “É urgente, diz ele [ministro Sepúlveda

Pertence, presidente do STF], encontrar-se uma fórmula constitucional no caso

das ações populares como as que tentaram obstar o leilão de privatização da

Vale”; “Passada a absurda refrega torna-se cristalino o móvel dos estatizantes:

o velho “nacionalismo mineralógico”, que segundo o historiador José Murilo

Carvalho tem origem próxima no Congresso Mundial de Estocolmo sobre

reservas de minérios de ferro (1910)”; “As origens remotas estão obviamente

na colonização e no estripamento impiedoso do solo mineiro pelo europeu.

Traumas passados se fixaram em obsessão pela preservação de jazidas e em

ufanismo geográfico”; “Aí deitam as raízes do devaneio autárquico, dos valores

exclusivamente autóctones, da retórica telúrica, nativista e indigenista”; “Muito

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embora todo esse orgulho infantil pelo berço esplêndido hoje não encontre

qualquer fundamento econômico ou base racional para se perpetuar”; “Eis o

que martela o Manual do perfeito idiota latino-americano (Plinio Apuleyo

Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa) na clave da paródia:

a riqueza é uma criação e não alguma coisa já existente, a prosperidade de um

país não é o produto do roubo de uma riqueza instalada em outro lugar”; “Na

verdade, a persistência desse nacionalismo xenófobo e ressentido no tempo

exprime insegurança política, dissimulação histórica, numa mescla de

ignorância, preconceito e complexo diante dos mais poderosos”; “Já se falou

num patético caso de amor de tribalismo político com infantilismo econômico”;

“O Brasil precisa se livrar urgentemente desse entulho colonial”.

Data: 13 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Fim de Ciclo”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “O cheque de R$ 3,338 bilhões

estampado ao vivo e a cores para todo o Brasil, na semana passada, como

pagamento pela Vale do Rio Doce, é emblemático. Símbolo de um novo país

que emerge do atraso. Mais que a maior ordem de pagamento à vista emitida

no País, é documento que marca o fim do compromisso com uma economia

cartorial, protegida, estatizada e arcaica. E o início de um capitalismo moderno,

competitivo, ajustado ao seu tempo”.

Número de linhas do editorial: 43.

Frases (contendo palavras-chave): “O cheque de R$ 3,338 bilhões

estampado ao vivo e a cores para todo o Brasil, na semana passada, como

pagamento pela Vale do Rio Doce, é emblemático”; “Símbolo de um novo país

que emerge do atraso”; “Mais que a maior ordem de pagamento à vista emitida

no País, é documento [o cheque de compra da CVRD] que marca o fim do

compromisso com uma economia cartorial, protegida, estatizada e arcaica”; “E

o início de um capitalismo moderno, competitivo, ajustado ao seu tempo”; “A

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venda da Vale, simbolizada no cheque emitido pelo Consórcio Brasil,

consubstancia o fim de uma época”; “Com o choque do petróleo e a falência do

Estado, restou a cultura nacionalista herdada de Vargas e o maniqueísmo

religioso do capitalismo de Estado”; “Uma parte do país avançou. Outra

agarrou-se ao passado”; “A um ciclo que, embora necessário à época, esgotou-

se. Que, se foi pioneiro, não podia ser eterno”; “Não percebeu que a fonte do

Estado-pai secara e com ela o protecionismo, o financiamento público a juros

subsidiados, os privilégios. Que sem poupança oficial as empresas estatais

estagnaram, perderam capacidade de investir”; “A venda da Vale, antes de

mais nada, é vitória de um governo que teve a coragem de enfrentar os ranços

do passado”; “Do novo Brasil que emerge das privatizações e das reformas”;

“Um Brasil que nas próximas eleições mostrará também nas urnas a renovação

política”; “A vitória de uma nova geração política e empresarial, que levará o

país ao seu destino de grande nação, sempre esperado e nunca alcançado”; “A

composição acionária do consórcio que arrematou a Vale apresenta um novo

capitalismo que se inaugura no Brasil”; “É o fim do preconceito contra o capital

[a venda da CVRD para um consórcio de empresas nacionais e estrangeiras]”;

“O cheque da Vale é, portanto, passaporte de uma nova era. De uma nova

forma de financiar o desenvolvimento, gerar empregos, modernizar o país”; “É

a senha que libera o Estado para investir em educação, saúde, saneamento.

De aplicar o dinheiro público na sua vocação própria”.

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Total de Frases que aparece

Palavras-chave citadas Número de vezes

90

Vale privatização Vale do Rio Doce venda leilão batalha estatal modernização estatais estatizada ridículo guerrilha jurídica desestatização guerrilha argumentos espatafúrdios varejo insuflados usados manobra protelar gritaria poeira privatizadas modernizar parábola sacudir estatização fracasso batalha jurídica modernidade grita protestos escaramuças estratégia bandeira do atraso nova Vale superstição vanguarda privilégios árbitro do empreguismo corrupção desnacionalismo teoria conspiratorial moinho de vento combate refrega entulho colonial atraso economia cartorial arcaica

(18) (9) (9) (9) (5) (5) (2) (2) (2) (2) (2) (2) (2) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1)

Quadro 5: Enumeração – Jornal do Brasil

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Expressões exaltando a venda da Vale

Expressões condenando a venda da Vale

Expressões que criticam os opositores da venda

- a venda da Vale, antes de mais nada, é vitória de um governo. - do novo Brasil que emerge das privatizações e das reformas. - a vitória de uma nova geração política e empresarial.

- nenhuma

- o móvel era tumultuar o processo. - uso político do aparelho judiciário. - partidos políticos de filosofia totalitária. - emperrem o progresso da nação. - refém de grupos, integrados ou não, de magistrados. - emperrem decisões importantes, reformas inadiáveis. - expediente com finalidade política. - molecagem de estudantes. - como se o país fosse um grêmio estudantil. - espelho da batalha inconsequente de meia dúzia de grupos. - partidos políticos intolerantes e de inspiração totalitária. - resistências ideológicas e doutrinárias. - esquerda anacrônica e agônica. - estamentos burocráticos apegados às benesses. - superstições ético-morais. - modernos “regressistas” da esquerda. - stalinistas festivos. - iludir o povo com mitos do passado. - especializados nos expedientes protelatórios. - temem ficar sem as lucrativas chicanas. - estatocratas. - ranço medieval. - velha prédica contra o lucro. - doutrinários do falecido stalinismo. - velha esquerda. - nacionaleiros de plantão. - casta aferrada a seus privilégios. - chicanas de última hora. - nacionalismo mineralógico. - nacionalismo xenófobo e ressentido. - tribalismo político com infantilismo econômico.

Quadro 6: Categorização – Jornal do Brasil

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1.5.4 O Globo

Data: 1º de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “O álibi de não pensar”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “TALVEZ NÃO se possa pedir a um

skinhead da Praça Quinze que chegue às conclusões a que essas indagações

conduzem. Mas só tem direito a esse álibi confortável quem, por opção de vida,

não se acha obrigado a pensar no que faz”.

Número de linhas: 25.

Frases (contendo palavras-chave): “O LEILÃO da Vale do Rio Doce

marca provavelmente a última presença em cena de uma ideia que faz carreira

bem mais longa do que merecia: a de que alguma coisa só é “do Brasil” se

pertencer ao Estado”; “...não é difícil perceber que a Vale é do Brasil enquanto

aqui pagar impostos e criar empregos”; “DE CERTO, qualquer estatal também

é nacional”; “Mas o que interessará, então, será saber qual a empresa

brasileira que melhor serve aos brasileiros: a que está livre para crescer e gerar

mais recursos que ajudem o país, ou a que está manietada pela escassa

capacidade de investir do Estado?”; “QUAL É, por exemplo, a melhor

Companhia Siderúrgica Nacional? A estatal, quase parada e devendo uma

fortuna em ICMS ao Rio de Janeiro, ou a particular, com fôlego para comandar

um dos grupos habilitados a comprar a Vale?”.

Data: 2 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “A força das reformas”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “SEM DÚVIDA, o compromisso com

a reforma do Estado é a marca mais forte do Governo Fernando Henrique. A

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meta é coerente com a trajetória da equipe que, com o Plano Real, trouxe

estabilidade à economia nacional – uma estabilidade que permite a ação

reformista e também a exige, para se tornar duradoura”.

Número de linhas do editorial: 55.

Frases (contendo palavras-chave): “A INTENSA e bem articulada

campanha contra a privatização da Vale não se desenvolve solta no espaço”;

“Na verdade, com suas palavras de ordem repetidas nas mais diferentes

assembléias e com suas faixas presentes nas mais contraditórias assembléias,

a campanha da Vale mais se parece com a argamassa que solidifica uma vasta

ofensiva contra todo o Governo”; “SERIA PARANÓIA falar em conspiração,

mas de certo é ingênuo acreditar em coincidência”; “O que existe, e tem sua

cabeça de proa, no momento, na tentativa de impedir a venda da estatal, é o

esforço de diferentes setores – cada qual com seus motivos – para impedir que

uma administração reformista atinja seus objetivos”; “SEM DÚVIDA, o

compromisso com a reforma do Estado é a marca mais forte do Governo

Fernando Henrique”; “A meta é coerente com a trajetória da equipe que, com o

Plano Real, trouxe estabilidade à economia nacional – uma estabilidade que

permite a ação reformista e também a exige, para se tornar duradoura”; “O

ÍMPETO reformista é ameaça evidente a todas as conquistas do corporativismo

no país”; “Um Estado simplificado, entregue às suas tarefas essenciais e

dedicado à eficiência não pode conviver com os privilégios de grupos e

indivíduos que se habituaram a prosperar não como seus servidores, mas

como clientes privilegiados”; “A CORPORAÇÃO esteja ela na estrutura

burocrática ou na máquina política, nos tribunais ou nas assembléias, opõe-se

naturalmente – e, em muitos casos, inconscientemente – a um governo

reformista”; “DE OUTRA parte, as reformas são benéficas para o país”;

“NESSE QUADRO, a oposição política vê o êxito de todas as políticas oficiais

como obstáculo direto às suas pretensões de chegar ao poder.”; “É uma

constatação que une no mesmo palanque partidos e movimentos que nada têm

em comum a não ser uma necessidade visceral de ver o Governo fracassar”;

“Mesmo que isso signifique jogar o espírito público pela janela e sabotar toda e

qualquer reforma, toda e qualquer iniciativa que aproxime o Governo de seus

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objetivos declarados”; “NÃO É, deve-se repetir, uma conspiração”; “Mas é uma

comunhão dos diferentes e dos contrários, servindo ao mesmo fim”; “Assim,

não se deve estranhar que faixas contra a venda da Vale enfeitem marchas de

sem-terras”; “AS MUITAS frentes da ofensiva criam a impressão de um

governo sob cerco”; “O verdadeiro vínculo não é entre o Palácio do Planalto e a

nação, e sim entre esta e as reformas que ela sabe indispensáveis”.

Data: 7 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Ameaça vencida”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “SUPERADA A ameaça, deve o

Governo partir com agilidade para a etapa de venda das ações restantes ao

público. E, com a mesma tenacidade, redobrar o esforço para levar adiante o

programa de desestatização nos setores elétrico e de telecomunicações”.

Número de linhas do editorial: 19.

Frases (contendo palavras-chave): “O LEILÃO da Vale do Rio Doce

não chegou a ser festivo como merecia, mas financeiramente todo o esforço e

todo o suspense foram compensados de forma extraordinária por quase 20%

de ágio”; “O consórcio vencedor está habilitado a multiplicar os negócios da

companhia, tornando-a ainda mais eficiente e lucrativa – e, portanto, mais útil

ao Brasil”; “SERIA AGRADÁVEL dizer que ontem chegou ao fim uma batalha

dura mas leal”; “Porque foi montada, contra uma iniciativa crucial para a

economia do país, uma ofensiva juntando forças e pessoas que tinham em

comum apenas o intuito de enfraquecer o Governo”; “E PORQUE, para atingir

esse fim, tentou-se transformar os tribunais em instrumento de manobra

política, com absoluto desprezo pelo risco que isso trazia para o equilíbrio entre

os poderes da República”; “SUPERADA A ameaça, deve o Governo partir com

agilidade para a etapa de venda das ações restantes ao público”; “E, com a

mesma tenacidade, redobrar o esforço para levar adiante o programa de

desestatização nos setores elétrico e de telecomunicações”.

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Data: 8 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Perdas inúteis”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “AINDA É possível recuperar terreno,

numa campanha pós-leilão em que não se precisará perder tempo com todas

as acusações que os fatos desmentiram sozinhos. Como a de que a Vale

estava sendo praticamente doada ao capital estrangeiro e bobagens

semelhantes”.

Número de linhas do editorial: 24.

Frases (contendo palavras-chave): “O GOVERNO não sai da batalha

da privatização da Vale do Rio Doce com a imagem intacta”; “Boa parte dos

arranhões são culpa sua”; “SENDO A causa justa, isso é alarmante”; “AINDA É

possível recuperar terreno, numa campanha pós-leilão”; “Como a de que a Vale

estava sendo praticamente doada ao capital estrangeiro e bobagens

semelhantes”; “ALÉM DISSO, vêm aí a privatização das empresas de

telecomunicações e de energia elétrica”; “E o Governo já perdeu o direito de se

deixar surpreender pelo ímpeto e a eficácia retórica da oposição nessas brigas”;

“É INACEITÁVEL que corra riscos no campo da comunicação o lado que tem

no arsenal a verdade, a lógica, os números e um orador principal que fala bem

até de improviso”.

Data: 9 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Desespero, oportunismo”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “DESCOBRIR AÍ motivo para

bloquear a venda de uma estatal pode ser produto do desespero, o que seria

até respeitável. Ou do desejo de aproveitar até a última gota a notoriedade

proporcionada pela controvérsia. O que não chega a ser respeitável”.

Número de linhas do editorial: 25.

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Frases (contendo palavras-chave): “TODA A lógica da argumentação

dos principais adversários da venda da Vale do Rio Doce – como o deputado

Miro Teixeira e um grupo de professores da Coppe – era amparada numa única

afirmação”; “Era a certeza de que seria um leilão de cartas marcadas, porque a

Merrill Lynch teria modelado a operação de forma a beneficiar a mineradora

sul-africana Anglo American, da qual era associada”; “A VITÓRIA do outro

consórcio (congregando centenas de milhares de acionistas, através de fundos

de pensão e de investimentos), esvaziou a teoria da conspiração”; “AS AÇÕES

que tentam anular o resultado do leilão também se baseiam em hipóteses

esdrúxulas”; “A Constituição criou exigência apenas para o aparecimento de

novas estatais, porque, logicamente, o fenômeno que preocupava os

constituintes – e com razão – era o número excessivo dessas empresas”;

“DESCOBRIR AÍ motivo para bloquear a venda de uma estatal pode ser

produto do desespero, o que seria até respeitável. Ou do desejo de aproveitar

até a última gota a notoriedade proporcionada pela controvérsia. O que não

chega a ser respeitável”.

Data: 14 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “A multiplicação das

liminares”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “Muitos juristas concordam,

preocupados com distorções, que poderão desgastar a imagem pública do

Judiciário: o número extraordinário de ações contra o leilão de privatização da

Vale do Rio Doce; a concessão de liminares por juízes de primeira instância e

em pequenos municípios, em matéria complexa e abrangente; e a

apresentação quase simultânea de ações em diferentes pontos do país”.

Número de linhas do editorial: 37.

Frases (palavras contendo palavras-chave): “... a crise do Judiciário e

a necessidade de reforma”; “o número extraordinário de ações contra o leilão

de privatização da Vale do Rio Doce”; “Houve, em suma, uma politização dos

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tribunais”; “Foi assim que, contrariamente à natureza da liminar, que exige

fundamentação razoável, concedeu-se liminar sob a alegação vaga de

favorecimento de grupos estrangeiros”; “A urgência da reforma do Judiciário

ficou amplamente demonstrada durante a batalha jurídica em torno do leilão da

Vale”; “Mas ela [reforma] já era necessária há muito tempo. Envolve, claro,

alterações na Constituição de 1988, e também a conclusão da modernização

dos códigos”.

Data: 17 de maio de 1997.

Unidade de Registro (título do editorial): “Prepotência na rua”.

Unidade de Contexto (parágrafo): “A PREPOTÊNCIA também está

presente nos excessos em manifestações de rua. Ao direito democrático de

expressar uma opinião, corresponde o dever democrático de fazê-lo nos limites

da ordem. Não existe definição da livre expressão que inclua a baderna como

condição pertinente ou conseqüência legítima”.

Número de linhas do editorial: 27.

Frases (contendo palavras-chave): “A PREPOTÊNCIA também está

presente nos excessos em manifestações de rua”; “Ao direito democrático de

expressar uma opinião, corresponde o dever democrático de fazê-lo nos limites

da ordem”; “Não existe definição da livre expressão que inclua a baderna como

condição pertinente ou conseqüência legítima”; “ESTAMOS ASSISTINDO no

Brasil, hoje, a uma escalada de violência nos protestos de rua”; “Houve

baderna no Rio durante o leilão da Vale do Rio Doce, e mais tumulto há dois

dias em Belo Horizonte com diversas pessoas feridas, uma delas com

gravidade”; “Não há lugar, no entanto, para a manifestação descontrolada, que

leva inevitavelmente ao confronto físico”; “Nem para a vaia que apenas

substitui argumentos para quem não os tem”; “CABE AO poder público, em

todos os níveis, reagir adequadamente”; “E reprimir, sem cair na armadilha da

violência excessiva, todas as ações que representam unicamente o exercício

da prepotência”.

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Total de Frases que aparece

Palavras-chave citadas Número de vezes

58

Leilão Vale Vale do Rio Doce reforma Estatal Reformista Venda Privatização ofensiva Campanha Estabilidade Batalha lógica prepotência nacional manietada argamassa paranóia ímpeto privilégios clientes privilegiados corporação visceral conspiração comunhão diferentes contrários marchas cerco ágio leal dura enfraquecer manobra política instrumento desprezo risco ameaça agilidade esforço desestatização alarmante campanha pós-leilão capital estrangeiro bobagens semelhantes inaceitável arsenal verdade argumentação cartas marcadas teoria da conspiração hipóteses esdrúxulas desespero

(7) (7) (6) (6) (5) (4) (4) (4) (3) (2) (2) (2) (2) (2) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1)

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controvérsia respeitável crise politização batalha jurídica manifestações de rua opinião baderna escalada de violência protestos de rua tumulto gravidade reprimir

(1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1) (1)

Quadro 7: Enumeração – O Globo

Expressões exaltando a venda da Vale

Expressões condenando a venda da Vale

Expressões que criticam os opositores da venda

- O LEILÃO da Vale do Rio Doce marca provavelmente a última presença em cena de uma ideia que faz carreira bem mais longa do que merecia: a de que alguma coisa só é “do Brasil” se pertencer ao Estado. - Deve o governo partir com agilidade para a etapa de venda das ações restantes ao público. - E com a mesma tenacidade, redobrar o esforço para levar adiante o programa de desestatização nos setores elétrico e de telecomunicações.

- nenhuma

- manifestação descontrolada.

Quadro 8: Categorização – O Globo

1.5.5 A Análise de Frequência

Editoriais/Maio Editoriais/Venda da Vale %

Folha de S. Paulo 96 3 3,1

O Estado de S. Paulo 91 3 3,2

Jornal do Brasil 93 7 7,5

O Globo 68 7 10,2 Quadro 9: Frequencia dos editoriais

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1.5.6 A Análise dos Coeficientes e Índices

A relação entre o número de editoriais publicados no período de um mês

(maio) e a quantidade de editoriais que abordaram a privatização da CVRD

mostra, com base no quadro 9, que o jornal O Globo foi o jornal que mais

tratou do assunto sobre a venda da antiga Companhia Vale do Rio Doce em

números relativos. Se, por um lado, o jornal publicou menos editoriais naquele

mês em comparação com os concorrentes, por outro lado foi o que mais ocupou

seu espaço opinativo para mencionar o caso do leilão da CVRD. Em

contrapartida, a Folha de S. Paulo, embora tenha publicado mais textos durante

o mês, ocupou-se menos que os demais para abordar a privatização da ex-

estatal. Após a Folha, o Jornal do Brasil foi o que mais publicou editoriais em

maio e, a exemplo do O Globo, mostrou um índice de aproveitamento maior

para tratar do leilão. E com apenas dois textos a menos que o Jornal do Brasil,

O Estado de S. Paulo pouco quis abrir espaço para discutir a privatização da

CVRD. Em números relativos, publicou a mesma quantidade de editoriais sobre

a estatal que seu concorrente direto, a Folha de S. Paulo, porém ainda

apresentou uma abordagem maior porque a Folha trouxe, no geral, dois

editoriais a mais.

Uma das principais características da análise quantitativa é que ela tem

seu fundamento na frequência de aparição de certos elementos da mensagem

(BARDIN, 2004). Por isso, é correto entendermos que este tipo de análise

obtém dados descritivos por meio de um método estatístico. Segundo a autora

(2004), graças a um desconto sistemático, a análise quantitativa é mais

objetiva, mais fiel e mais exata, uma vez que a observação torna-se bem mais

controlada.

A análise de conteúdo dos editoriais nos mostra que o jornal Folha de

S. Paulo procurou enfatizar que o que estava em jogo no leilão da CVRD era

mesmo a privatização. Basta observar que esta palavra apareceu 12 vezes nos

editoriais publicados em maio para tratar mais diretamente da venda da estatal.

Da mesma forma, o jornal repetiu a palavra “Vale” sete vezes, talvez como

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maneira de frisar na mente do leitor o nome da companhia que estava prestar a

ser privatizada.

No caso do jornal O Estado de S. Paulo, chamou-nos a atenção, de

início, o tamanho do primeiro editorial para falar sobre a privatização, com 73

linhas. Aliás, os demais textos publicados na sequência eram longos, nunca

com menos de 67 linhas. Em decorrência disso, o número de frases contendo

as palavras-chave, 45, também superou de longe a Folha de S. Paulo,

limitadas a 21 frases. As palavras “leilão” e “privatização” foram as mais

recorrentes. Cada um apareceu oito vezes, o que de certa forma também

demonstrou a preocupação do jornal em relação à convicção de que era

importante esclarecer do que se tratava naquele momento.

O Jornal do Brasil, que, no início, publicou editoriais relativamente

curtos, com cerca de 40 linhas, chegou a publicar um com 80 linhas. De longe,

a palavra “Vale” foi a que mais vezes surgiu nos textos, com 18 repetições.

Depois, com o mesmo nível de frequência apareceram as palavras

“privatização”, Vale do Rio Doce” e “venda”, 9 vezes cada. A distinção entre o

antigo nome da estatal e o nome que lhe foi atribuído após a venda, explica a

frequência também distinta das palavras, expressando, em cada situação, o

nome da empresa.

Também econômico nos textos, O Globo não passou de 55 linhas no

editorial mais extenso para abordar a privatização da CVRD. As palavras

“leilão” e “Vale” apareceram mais vezes, sete vezes cada, seguida pelo

aparecimento, também com a mesma frequência, de seis vezes, das palavras

“Vale do Rio Doce” e “reforma”.

Como salientamos antes, a análise quantitativa nos deu a ideia da

importância atribuída pelos jornais sobre o tema, expressa tanto pela extensão

do texto quanto pela repetição de palavras consideradas chaves pelo fato de

serem elas manifestações de irradiação de uma ideia ou conceito.

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Com base nos quadros de enumeração e de categorização formulados,

observamos a repetição de palavras ou expressões que ratificam ou

corroboram o mito construído pelo governo FHC em torno da necessidade das

privatizações. São trechos recorrentes dentro das frases selecionadas dos

textos dos editoriais.

Também observamos, mediante as categorias de análise criadas, que os

quatro jornais pesquisados ajudaram o governo a construir o mito da

privatização inclusive por não terem, sem exceção, escrito qualquer expressão

condenando a venda da CVRD. Ao contrário, eles publicaram, nestes editoriais,

expressões exaltando a privatização e, na outra ponta, não economizaram

palavras (retidas em frases com palavras-chave) para criticar as pessoas ou

segmentos que se posicionaram contrários à venda.

Folha de S. Paulo

O Estado de S. Paulo

Jornal do Brasil

O Globo

Expressões exaltando a venda: 5

Expressões exaltando a venda: 7

Expressões exaltando a venda: 3

Expressões exaltando a venda: 3

Expressões condenando a venda: 0

Expressões condenando a venda: 0

Expressões condenando a venda: 0

Expressões condenando a venda: 0

Expressões criticando os opositores da venda: 2

Expressões criticando os opositores da venda: 18

Expressões criticando os opositores da venda: 31

Expressões criticando os opositores da venda: 1

Quadro 10: Conjuntos categoriais

1.6 INFERÊNCIAS

Como nos ensina Bardin (2004), inferências são deduções lógicas e elas,

por sua vez, constituem a intenção da análise de conteúdo. Conforme a autora,

trata-se da inferência de conhecimentos relativos às condições de produção

(ou, eventualmente, de recepção), recorrendo a indicadores quantitativos ou

não.

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No presente estudo, tomemos como referência os indicadores

quantitativos e qualitativos, sendo os primeiros expressos basicamente nas

unidades de contexto e nas frases contendo palavras-chave, e os segundos

também nas mesmas frases, porém no sentido mais intuitivo.

Com base nestes indicadores apontados acima, podemos inferir que em

geral a Folha de S. Paulo (seus editoriais são publicados na página 2 do

primeiro caderno) fala da venda da CVRD de maneira discreta, sem recorrer a

chavões ou a termos que, incluindo substantivos ou adjetivos, possam seguir a

tendência de denegrir a identidade de quem se colocava contra a venda da

Vale do Rio Doce. Contudo, o jornal paulistano defende claramente a

necessidade de privatizar a CVRD como maneira de permitir um postulado

período de modernização na economia brasileira, em especial no setor de

siderurgia nacional.

No editorial “Purgatório Astral”, publicado no dia 1º de maio, portanto

cinco dias antes do leilão para a venda da Vale do Rio Doce, a FSP comenta

as dificuldades enfrentadas, naquele momento, pelo presidente FHC. O jornal

lista uma gama de problemas com os quais o presidente se depara, além do

fato de que eram desafios surgidos num curto e coincidente espaço de tempo.

Fernando Henrique Cardoso, segundo a FSP, atravessava um purgatório

decorrente de desafios que ia da marcha dos sem-terra ao risco de ver

desfigurada a proposta das reformas da Previdência e do Estado em

tramitação no Congresso Nacional.

Fica a impressão, no entanto, que o jornal utilizou o mote do purgatório

para lançar o alerta de que em cinco dias estaria em jogo a venda da principal

siderúrgica da América Latina, senão uma das principais do mundo. Para a

Folha, mais cedo ou mais tarde, apesar dos percalços com a oposição, “a

desestatização acabará por ocorrer”. Em seguida, se manifesta mais

claramente ao dizer que “... e o que de fato importa é privatizar a empresa

[Vale do Rio Doce], muito mais do que saber o dia em que se realizará o leilão,

por mais valor simbólico que a data tenha adquirido”.

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Evidente que estava estampado no editorial uma postura em prol da

venda da siderúrgica. Mais que isso: reconhecido como um jornal mais

alinhado com posições progressistas e mais aberto à pluralidade de ideias, a

FSP conclamava o presidente a deixar de lado a prerrogativa de reagir aos

ataques e manifestações da oposição para iniciar a postura de ação. E não se

tratava apenas de abandonar a acanhada situação, mas de se livrar do hábito

de reagir por meio, segundo a Folha, da pior maneira possível, a de

desqualificar os críticos em vez de contestar seus argumentos.

Um dia após a venda da CVRD, em 7 de maio, o jornal volta ao assunto,

desta vez com mais eloquência, até porque naquela altura o destino da

Companhia já estava definido, ou seja, a partir dali seu futuro dependia da

gestão do capital privado. Referindo-se à privatização no texto “O Leilão da

Vale”, a FSP considerou a venda um “marco antes de tudo simbólico” de que

estava em marcha o processo de consolidação da estabilidade econômica e da

retomada do crescimento no governo FHC.

Pela primeira vez, ao menos naquele mês, citava um termo que seria

também utilizado por outros jornais analisados na pesquisa: guerrilha. A

expressão apareceu para mencionar a batalha de liminares que tomou conta

dos tribunais do País diante da aproximação da venda da estatal. “Guerrilha de

liminares” foi então o termo estampado no editorial para dizer que havia

pessoas com dúvidas sobre a viabilidade de se vender a CVRD.

Encerrando o texto, a Folha apregoa que “um governo produzir e vender

minérios ou papel e celulose, numa economia globalizada, não é crucial”.

Conforme o jornal, “o estratégico é ter um Estado enxuto, capaz de sobretudo

de recuperar a infraestrutura social do país”. Note-se que a palavra

“globalizada” era um eufemismo muito usado à época para salientar a eminente

tendência de quebra de barreiras entre as nações mundiais, de modo a surgir

uma nova ordem econômica pautada na liberação do mercado e na menor

intervenção possível do Estado na economia. Já, a expressão “Estado enxuto”

vislumbra, na mesma ideia, a tendência de o papel do Estado se limitar às

questões sociais, tal como combate à fome e ao analfabetismo, entre outras.

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No dia seguinte, 8 de maio, novamente o jornal traz o tema ao debate,

sinalizando no editorial “Privatizar sem monopólio” outra vez a importância sem

igual que foi a venda da Vale do Rio Doce. De novo, a expressão “marco” é

citada, porém seguida do complemento “histórico”. Quer dizer, paradigmas

estavam surgindo, alterações ocorrendo, deixando cravado no leilão da estatal

uma data para ser lembrada.

Como sempre cautelosa, entretanto, a FSP advertia para o perigo de

que a Companhia recém vendida não passasse a monopolizar a economia no

setor da siderurgia. Para o jornal, este “cuidado” precisava ser reforçado pelo

governo, a quem caberia manter o papel fiscalizador de evitar eventuais cartéis.

Seis dias se passaram e a Folha, no editorial “A Lei das Teles”, não

deixa sem abordagem o tema da privatização. Agora, o assunto é a Lei Geral

de Telecomunicações, cujo relatório para a discussão estava lançado, mas,

para a FSP, carecia de “um debate mais amplo e inadiável”. O relatório era

pano de fundo para o que a Folha realmente queria abordar, ou seja, a

necessidade de que o governo não abrisse mão de uma discussão

aprofundada com a sociedade sobre o modelo de privatização das

telecomunicações que se apregoava implementar.

Quinto maior jornal brasileiro, ainda segundo a ANJ, O Estado de S.

Paulo publicou 91 editoriais e dedicou três deles para tocar no caso da

privatização da Vale do Rio Doce. Pertencente à empresa S/A, O Estado de S.

Paulo também reservou outros dois editoriais para discorrer a respeito das

privatizações em geral.

Os textos opinativos que se refletem na opinião do próprio jornal são

publicados na página A3 do primeiro caderno, no espaço intitulado “Notas &

Informações”. No dia 1º de maio, o jornal divulgou o texto “Chicana ideológica”.

As palavras são eloquentes, com expressões claramente imbuídas de

desqualificar e desprestigiar os opositores à venda da CVRD. De cara, o

editorial utiliza o termo “pequenos ditadores”, no início do segundo parágrafo,

para se dirigir às pessoas que manifestavam serem contrárias à privatização da

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Companhia. “Inimigos do interesse público” foi outra frase mencionada pelo

jornal. Mais adiante, descreve a situação envolvendo governo e oposição nos

tribunais como “chicana ideológica”, fazendo crer que a batalha de liminares

não passava de interesses políticos de quem queria apenas desestabilizar o

governo, além de lhe causar embaraços.

Contudo, o termo mais forte do editorial foi aquele em que O Estadão

chama os eleitores de Lula, então principal adversário político de FHC, aliado

ao Partido dos Trabalhadores, de “braço armado” da chicana. O texto de 73

linhas não apenas dispara contra os opositores do leilão como desfere fortes

golpes contra a magistratura de primeira instância, insinuando que se as

decisões sobre as liminares em torno da venda da Vale do Rio Doce se desse

somente nos tribunais superiores, a privatização transcorreria de maneira

tranquila e sem influência ideológica.

No dia 7 de maio, data seguinte ao da venda, O Estadão incorpora o

lema da “chicana”, recorrendo três vezes a esta palavra no editorial “Libelo

contra a balbúrdia judiciária”. O texto enaltece e elogia a decisão do ministro

Demócrito Reinaldo, que num despacho sobre as liminares impetradas em

diversos foros do país, contra o leilão, defende a centralização de todas as

liminares apenas no foro onde se fez citação válida, no caso a cidade do Rio de

Janeiro.

Neste editorial, os contrários à venda da CVRD foram mais uma vez

denominados de “inimigos da privatização” e ganharam mais um adjetivo no

mínimo depreciativo: “inimigos do governo”. Com esta expressão, o jornal

parecia esquecer que o Brasil já estava sob o regime democrático, insinuando,

de maneira absurda, que seria inadmissível haver quem não apoiasse FHC em

sua política de governo. Não bastasse isso, qualificou as mesmas pessoas de

“viciadas pela ideologia”, afunilando a questão para o espectro que mais lhe

convinha como forma de desqualificar os manifestantes.

Ao encerrar o editorial, joga com a ironia quando coloca de um lado

figuras públicas como Gofredo da Silva Teles. Barbosa Lima Sobrinho e Oscar

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Niemeyer, todos favoráveis à manutenção da CVRD como estatal, e de outro

lado diz estar “o futuro”. Quer dizer, embora tenha se referido às três

personalidades citadas acima como “homens eminentes”, situa-os como

representativos do anacronismo ou, para recorrer a um termo cunhado pelo

próprio jornal, como maneira de criticar a defesa da Companhia na condição

estatal, ao lado da “trincheira do atraso”.

No dia 8 de maio, o impresso volta ao tema para tentar derrubar os

argumentos dos que lutaram contra a venda da CVRD. O editorial “O que a

confusão ocultou” invoca a tese de que não precisava os manifestantes

ansiosos por anular o leilão da venda armarem toda a gritaria registrada, pois

bastava um olhar atento à história para saber que as razões dos oposicionistas

não mereciam tanta atenção assim. Segundo O Estadão, os opositores se

esqueciam, por exemplo, que a antiga Vale tinha sócios estrangeiros, motivo

pelo qual não cabia argumentos de que a privatização deixaria a Companhia

nas mãos do capital internacional.

Como a pá de cal que finaliza o enterro, atacou as vozes contrárias à

venda por meio de palavras como “inimigos da privatização”, “viúvas do

socialismo” e “defensores do corporativismo”. No editorial não há espaço para

o contraditório, ainda que para atenuar o tom grave utilizado pelo matutino

visando desqualificar os manifestantes antiprivatização.

A exemplo da Folha de S. Paulo, O Estadão decide fazer comentários

sobre o substitutivo do deputado Alberto Goldman ao projeto da Lei Geral de

Telecomunicações. O fato se deu no editorial “Lei Geral de Comunicações”,

publicado no dia 12 de maio.

Interessava ao Estadão esclarecer que a redação elaborada pelo

deputado era essencial, porque seu ponto inovador era “o modelo que desenha

para o setor: privatista e, isto é fundamental, competitivo”. Antevendo qualquer

resistência por sua postura naquele momento, o jornal procurava tranquilizar

seus leitores, ressaltando que o substitutivo trazia também inovações para o

usuário, criando, por exemplo, os chamados “regime público” e “regime privado”

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de operação. Nada mais era que uma espécie de pacote de serviços a serem

garantidos ao futuro cliente das operadoras de telefonia atuantes no período

pós privatização do sistema.

E para não dizer que estava compactuando completamente com o texto

apresentado pelo deputado, o matutino manifestou discórdia do texto em pelo

menos um aspecto. Era justamente sobre o artigo mantido por Alberto

Goldman ao projeto anterior, conferindo ao presidente da República a opção de

fixar limites à participação do dinheiro estrangeiro no capital das empresas

operadoras de serviços de telecomunicações em regime público (essenciais).

Se bem observado os editoriais até então publicados, era dispensável que o

jornal se manifestasse desta maneira em relação ao referido artigo. Isto porque

O Estadão, visivelmente defensor do liberalismo econômico, era favorável à

livre e irrestrita participação do capital estrangeiro das operadoras.

No dia 18 de maio, o jornal desfere sua artilharia contra militantes do PT,

CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PC do B, no editorial “Marginais

da democracia”. O termo empregado aqui não se referia à etimologia da

palavra, ou seja, às pessoas que vivem à margem da sociedade, desprovidas

das mínimas condições dignas de vida. Fazia menção ao sentido pejorativo, já

que a intenção era demonstrar o descontentamento contra militantes

considerados dispostos a chegar ao poder sob qualquer pretexto, ainda que,

conforme o jornal, recorressem à violência para desestabilizar o governo.

Na visão do Estadão, o caso envolvia pessoas a quem se atribuiu a

expressão “marginais da democracia”. O jeito de frear estas manifestações era

se deparar com a polícia “enérgica” e “resistente”, de acordo com o matutino.

Outro termo mencionado para se referir aos manifestantes foi o de “profissionais

da baderna”. Depois, os qualificou como “energúmenos” por terem queimado,

em Belo Horizonte, durante a passagem de FHC pela capital mineira,

bandeiras norte-americanas, como maneira de pressionar o presidente a se

opor aos interesses do governo dos Estados Unidos.

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Lembrando que os opositores tinham agido da mesma forma no leilão da

Vale do Rio Doce, o jornal via a “ousadia crescer”. Se antes “xingavam” e

“cuspiam”, segundo o Estadão, agora os manifestantes “apedrejavam” e

“ameaçavam vidas alheias” com as bombas caseiras. Como coibir isso? A

resposta, claro, estava na presença da polícia “enérgica”, capaz de “prender” e

“processar”. Agindo assim, ainda estaria respeitando a democracia, porque

permitiria livre manifestações, porém proibindo “tentações autoritárias”.

Curioso observar neste editorial que o Estadão cunhou diversas

palavras típicas de um não saudoso período da ditadura militar, como caserna,

enfrentamento, resistência e autoritarismo, para justamente não atribuir

importância alguma às manifestações contrárias à venda da CVRD. O recado

ao governo, a quem caberia dar ordens às polícias, também foi insistente e

direto. Caso contrário, entendia o jornal, o país seria tomado pela bagunça

orquestrada por gente irresponsável e sem propósitos.

Mesmo não estando entre os 10 maiores jornais brasileiros na

atualidade, o Jornal do Brasil se situava à época, com os outros três citados

neste estudo, no rol dos principais impressos do país, ao menos no quesito de

influência e formação de opinião dos leitores. Os editoriais são publicados na

página A-10 do primeiro caderno. Durante maio de 1997, o matutino carioca

publicou 93 editoriais. Em sete deles foi falado sobre a privatização da Vale do

Rio Doce, a começar pelo texto do dia 1º, intitulado “Última Trincheira”. Como

se fosse um coro ensaiado com os demais grandes impressos, o JB também

empregou a palavra “guerrilha” ao mencionar a disputa jurídica deflagrada em

torno das liminares. Para o jornal, era inadmissível que alguns estudantes,

integrados por “meia dúzia de pessoas” pudessem “emperrar o progresso da

nação”, ajuizando petições de liminares, insuflados “por partidos políticos de

filosofia totalitária”. Sobrou até para a Justiça, a quem o JB responsabilizou

também pela demora na venda da Companhia, por meio da atitude de grupos

de magistrados.

Acirrando o tom, enfatizou que era chegada a hora da reforma do

Judiciário, sob pena de os opositores da privatização insistirem em suas

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“manobras” para frear os leilões. O jornal ainda concebia como uma afronta a

justiça ser exposta “à molecagem de estudantes”.

O comportamento deles, em virtude das ações protocoladas contra a

União, assemelhava-se ao de “um grêmio estudantil”, na opinião do JB.

Fazendo um rápido retrospecto do editorial deste dia, vale destacar que o jornal

desqualificou quem procurava desqualificar o governo de FHC, atribuindo o

conceito de partidos de inspiração totalitária às siglas com visões distintas das

do governo, expressando o conceito de molecagem à atitude de uma categoria

que merecia alguma consideração por ter inclusive impulsionado passeatas

dos “caras pintadas” no governo Fernando Collor de Mello e atribuindo o

conceito de manobra à postura democrática de quem desejava tornar público

seu repúdio pela tentativa de se vender a CVRD.

Um dia depois, em 2 de maio, estampou no editorial “Além do leilão”, a

prova de que necessitava para dizer algo mais e reafirmar sua convicção de

que a privatização da mineradora foi correta e oportuna. Reproduziu a análise

do jornal inglês Financial Times, segundo a qual era preciso novos leilões em

outras áreas da economia brasileira como forma de “modernizar as estruturas”.

Ora, é sabido que este jornal britânico é a bíblia do neoliberalismo

mundial, sempre defensor implacável da economia de mercado e do Estado

mínimo da vida de qualquer Nação. Desta maneira, o JB fazia a opção

transparente pela privatização ampla no Brasil, sem o que não seria possível

“sacudir as velhas estruturas do Estado, com alicerces do tempo do Estado

Novo, e os acréscimos feitos pelos governos militares”.

O apelo ficou para o término do editorial. Nas últimas linhas do texto, o

Jornal do Brasil pediu um basta na luta pela suspensão dos leilões para a

venda das estatais. De acordo com o matutino, caso o país se afastasse das

“receitas modernizadoras” a Nação brasileira ficaria sem condições de

acompanhar o estágio de desenvolvimento dos grandes países imergidos na

economia globalizada.

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Era 4 de maio, quando o jornal voltou a bater a tecla de que não poderia

haver espaço para recuo na política pela desestatização. Para tanto, ousou a

ensinar, por meio do editorial “Novos Regressistas”, que o caminho da

privatização tinha pela frente inevitáveis percalços, na forma de protestos e

escaramuças. Outra receita: não era certo o governo anunciar antecipadamente

o que pretendia fazer. O vazamento de informações, segundo o JB, contribuía

para aumentar o enfrentamento. Criticou o governo por deixar escapar a

chance de esclarecer que a causa pela demora na venda da Vale do Rio Doce

devia ser creditada a “uma esquerda anacrônica e agônica”.

Atribuindo o termo anacrônico como sinônimo de atraso, o matutino

desconsiderava as forças políticas progressistas como porta-vozes de uma

parte da população contrária às privatizações. Ainda por cima, assinalava que

esta esquerda agia em parceria com “estamentos burocráticos apegados às

benesses do funcionalismo público”. Com isso, o jornal “confundia” opositores

formados pela parcela do funcionalismo público com servidores acostumados a

supostas mordomias do sistema.

Na opinião do matutino, era preciso que a esquerda “desfraldasse a

bandeira do atraso”, para não ficar presa no “mote do obscurantismo”. Mote

este que, conforme o jornal, caracterizava os “regressistas” da esquerda, que,

fosse no Segundo Império, com certeza estariam “defendendo a febre amarela

contra a vacina de Oswaldo Cruz”. Como se fosse pouco, identificou os

esquerdistas como pessoas da classe média e da Zona Sul cariocas, antes

admiradores da falente burocracia de Brezhnev e agora críticos da privatização,

e os tachou de “stalinistas festivos”.

Diante disso tudo, recomendava que o governo “não podia vacilar”,

devendo seguir o caminho apontado pelos eleitores de FHC, cuidando, de um

lado, de implementar as reformas e as desregulamentações pendentes na

economia, e, de outro lado, apresentar respostas práticas para “a arruaça” que

tentava “iludir o povo com mitos do passado”. Veja que promover

manifestações, ainda que temperada por algum tipo de excesso, virou sinônimo

de “arruaça”, enquanto o significado de lutas pelas causas que muita gente

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julgava correta, como o repúdio à venda das estatais, transformou-se em “mitos

do passado”, no entendimento do JB.

Ainda no dia 4 de maio, outro editorial dava conta do leilão para a venda

da Vale do Rio doce, porém com críticas voltadas ao Congresso Nacional. No

texto “Adiando o futuro”, o jornal responsabilizou a maior Casa de Leis do Brasil

pelo atraso na votação do instituto do efeito vinculante. O que era isso?

Simples, tratava-se do mecanismo pelo qual decisões já julgadas em instâncias

superiores de estenderiam às demais. O editorial visava a alardear que tão

logo o instituto fosse criado, a indústria de liminares, tida como culpada pelo

adiamento da venda da CVRD, seria eliminada de vez.

Por sinal, veio o leilão do dia 6 de maio e, um dia após, o matutino fez

publicar o editorial “Luto difícil”. O texto parecia ser um suspiro de alívio do

jornal pela venda da Vale do Rio Doce, apesar dos percalços provocados pela

oposição. Mesmo assim, não perdeu a oportunidade de se referir aos

manifestantes como “estatocratas” com o propósito de difamar o governo.

A respeito dos derrotados no debate travado antes da privatização, por

meio das liminares, invocou que no fundo desta discussão estava “o doloroso

luto moribundo estado-pai-patrão”. Nada mais jocoso, nesta frase, do que

reduzir o enfrentamento provocado pelos manifestantes a uma insinuante

afirmação de que os vencidos estavam tristes porque perderiam a mamata

oferecida pelo Estado enquanto tutor da maior mineradora do país.

Estado, aliás, tido como gerador de situações enumeradas pelo jornal

como privilégios, empreguismo arbitrário, tráfico de influências e corrupção.

Reduzindo também este conceito de Estado interventor da economia como

“Estado Ibérico”, afirmava ser ele o responsável pelo atraso na economia

mediante a imposição de “controles, restrições e [a cobrança de] impostos

absurdos”.

No dia 8 de maio, o editorial “Moinhos de Vento”, um longo texto com 80

linhas, manifestou ainda mais alívio pela venda, desta vez temperado com

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pitadas de ironia contra os vencidos, como quem dissesse a eles: “vocês

lutaram em vão” (grifo meu). E mais uma vez não economizou nos adjetivos

que não tinham outro propósito senão o de desqualificar a turma derrotada e seu

modo de fazer política: “velha esquerda”, “nacionalistas de plantão”, “devaneio

autárquico”, “nacionalismo xenófobo”, “tribalismo político”, “infantilismo

econômico” e “entulho colonial”.

Era a hora também de minimizar eventual argumento que colocasse em

dúvida o sucesso pela venda da CVRD. Para tanto, o Jornal do Brasil não

economizou explicações para justificar seu apoio à privatização da Companhia.

Além de comentar que investidores brasileiros faziam parte do time comprador,

esmerou-se em explicar que não tinha consistência a desconfiança de que a

estatal seria vendida por um preço muito baixo, porque havia critérios técnicos

para definir o valor fixado em leilão. Finalmente, o Jornal do Brasil reservou

outros três parágrafos para anular as suspeitas de que a Anglo-American seria

favorecida no leilão. Ocorre que a corretora havia sido comprada meses antes

pela também corretora Merril Lynch, encarregada de definir o modelo da

privatização da CVRD.

O editorial foi pródigo na preocupação excessiva demonstrada pelo JB

em minar de vez qualquer voz destoante sobre a venda ocorrida. Foi exemplar

também na preocupação de antecipar respostas para suspeitas recorrentes no

caso envolvendo a venda da Companhia. Não seria exagero afirmar, neste

caso, que o jornal agiu como tribunal, julgando improcedente uma suspeita ou

denúncia apenas porque o nome da corretora acusada não apareceu

explicitamente no consórcio vencedor do leilão.

Com eloquência parecida, o Jornal do Brasil publicou, no dia 13, o

editorial “Fim de ciclo”, outra apologia ao alardeado êxito do leilão, recheado,

agora, pela apresentação pública do cheque de pouco mais de R$ 3 bilhões

como pagamento pela compra da Vale do Rio Doce. Para o JB, o cheque era o

“símbolo de um novo país que emerge do atraso” e deveria ser encarado como

algo mais que um documento emitido à vista. Deveria ser visto como o cheque

que “marcaria o fim do compromisso com uma economia cartorial, protegida,

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estatizada e arcaica. E o início de um capitalismo moderno, competitivo,

ajustado ao seu tempo”.

Comentando a postura do governo no episódio, não poupou elogios à

equipe de FHC. De acordo com o matutino, a privatização da Vale do Rio Doce

representava “a vitória de um governo que teve a coragem de enfrentar os

ranços do passado”. Repare que a palavra “ranços” remete ao modo com o

qual o JB entendia a atitude de quem apresentava manifestações de

desaprovação pela venda da estatal. Portanto, passada a venda da estatal, era

frequente o jornal retornar às críticas contra os que, na avaliação do JB,

tentaram de maneira inconsequente barrar a privatização.

Quanto ao O Globo, que publica seus editoriais na página 6 do

primeiro caderno, um detalhe que chama a atenção é que ele, sozinho,

publicou mais editoriais em maio, para tratar da privatização da CVRD, do que a

Folha e O Estado juntos. Nada menos que sete textos opinativos mencionaram

o assunto naquele período, ante os seis publicados pelos dois jornais

paulistanos, três cada um. No editorial do dia 1º de maio, o matutino carioca

exalta a provável venda da antiga Vale do Rio Doce, ironizando que o leilão

provavelmente encerraria a máxima de quem até então achava que pertence

ao Brasil apenas às empresas do Estado. Para balizar esta ironia, O Globo

retrocede há décadas na história do Brasil, resgatando o fato de que as

estatais foram criadas sob o medo de que as multinacionais à época não

mereciam confiança. Um dia depois, novo editorial, desta vez enaltecendo a

força das reformas empreendidas pelo governo de FHC. Num tom sério, mas

sem ser raivoso ou ofensivo, o jornal critica quem, no entendimento dele,

impede o governo de levar adiante sua proposta de reformar o Estado. No dia 7,

não esconde a satisfação pela venda da Companhia e apregoa que, daquela

data em diante, o governo deveria dar sequência às privatizações, incluindo as

dos setores elétrico e de telecomunicações. No dia seguinte, novo editorial

preconiza a necessidade de correr contra o tempo, porém deixando de lado a

necessidade de rebater acusações feitas pelos anti-reformistas. Em tom de

alerta e de crítica, atribui ao governo parte da confusão gerada no dia do leilão,

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pois, para O Globo, um governo que tinha o aparato da comunicação nas

mãos e um dito orador de excelente qualidade não podia cochilar.

No dia seguinte, subiu o tom contra as pessoas, incluindo o deputado

federal Miro Teixeira, que queriam reverter a privatização da CVRD sob o

argumento principal de que o leilão tinha cartas marcadas. No dia 14 de maio,

surgem mais críticas, desta vez direcionadas aos que recorreram às liminares

para tentar impedir a venda da estatal. O jornal parece iniciar uma campanha

contra o que chama de “politização dos tribunais”, apontando, como saída, a

urgente reforma do Judiciário.

Finalmente, no dia 17, O Globo parece preocupado com o que chama

de “escalada de violência nos protestos de rua”. Talvez seja, dos sete editoriais

publicados em maio, o que mais utiliza palavras duras, num claro sinal de que

entre tolerar e reprimir manifestações dos contrários ao programa de

privatização, o jornal não hesita pela segunda opção.

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CAPÍTULO 2

ANÁLISE DE CONTEÚDO DA PRIVATIZAÇÃO DA

CVRD NA IMPRENSA

ANÁLISE QUALITATIVA

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2 ANÁLISE QUALITATIVA

Segundo Laurence Bardin (2004), nos anos 1990, durante o primeiro

congresso de analistas, começou-se a aceitar que o procedimento aplicado na

análise de conteúdo não deveria ser obrigatoriamente quantitativo, uma vez

que a A.C. é utilizada como um instrumento de diagnóstico, de maneira que se

pudesse considerar inferências específicas ou interpretações causais sobre um

dado aspecto da orientação comportamental do locutor.

Para Bardin (2004), uma das distinções básicas que caracteriza os dois

tipos de análise é que a qualitativa recorre a indicadores não frequenciais

susceptíveis de permitir inferências, como por exemplo a presença ou ausência

de uma palavra. Característica esta que, conforme a autora, pode constituir um

índice tanto ou mais frutuoso do que a frequência de aparição.

Outra diferença fundamental apontada por Bardin (2004) é que a análise

qualitativa corresponde a um procedimento mais intuitivo, ao mesmo tempo

mais maleável e mais adaptável a índices não previstos ou à evolução das

hipóteses. De acordo com a autora, a análise qualitativa é válida principalmente

na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma

variável de inferência precisa e não em inferências gerais.

Antes de partirmos para a análise qualitativa, tentando descobrir as

mitologias mascaradas pelo discurso contido nos editoriais, cumpre-nos a

tarefa de relatar de que maneira o governo de Fernando Henrique Cardoso

anunciava a decisão de privatizar as estatais. Tanto a leitura dos jornais quanto

a leitura de entrevistas concedidas pelo ex-presidente e de alguns livros

escritos por ele nos remete a identificar ao menos duas grandes linhas de

argumentos defendidos por FHC como maneira de convencer a opinião pública

sobre a viabilidade de se vender as empresas.

1ª argumentação: as estatais abrigam, em seu quadro de pessoal,

excesso de servidores. Este “inchaço” se devia principalmente à prática de

governos anteriores no sentido de nomear apadrinhados políticos para ocupar

diversos cargos nas estatais. Em outras palavras, FHC identificava nestas

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empresas a existência de “cabides” de emprego, que, em princípio, tinham o

objetivo de retribuir, na forma de distribuição de cargos, apoios obtidos durante

as campanhas e, num segundo momento, garantir que os mesmos

apadrinhados conquistassem votos para a próxima campanha, seja para

beneficiar o próprio governante, no caso de reeleição, seja para ajudar o

candidato da situação.

2ª argumentação: as estatais eram anacrônicas, porque não tinham o

aparato suficiente para acompanhar as mudanças exigidas com a evolução da

tecnologia. O anacronismo conduzia ao parasitismo financeiro, gerando lucros

aquém do que deveria render, o que, por sua vez, levava à conclusão de que

as estatais eram deficitárias.

As duas linhas de argumentação davam ao governo o encorajamento

para dizer à opinião pública que era necessária a venda das empresas. Surgia,

então, a construção do mito de que privatizar as estatais era a saída num

suposto quadro de retrocesso econômico.

A leitura do livro A Arte da Política: a história que vivi, de Fernando

Henrique Cardoso, permite-nos verificar o raciocínio sobre a construção do

mito acerca das privatizações necessárias. Nesta obra, FHC relata a trajetória

política e social do Brasil contemporâneo e explica sua passagem pela

presidência do Brasil.

Aspecto importante da privatização foi a redução do número de postos nas empresas estatais, cobiçados na partilha política dos cargos, que contribuiu para reduzir a corrupção no país. Até as privatizações, além das dezenas de milhares de funcionários das estatais transferidos ao setor privado, havia centenas de gordos cargos de direção. Os escolhidos eram apontados, em grande parte, pelos partidos e pelos interessados nas respectivas áreas. E tinham, fora confortos e privilégios pessoais variados, gabinetes, assessores, secretárias – toda uma infra-estrutura atraente (e cara) aos olhos dos políticos. Pode-se imaginar a reação negativa que a perda desse “espaço político” ocasionou. E no caso de empresas que o governo jamais pensou em privatizar, como a Caixa Econômica Federal, o BB ou a Petrobras, houve durante os oito anos em que estive na Presidência um grande esforço de profissionalização, quer dizer, de restrição às ingerências políticas (CARDOSO, 2006, p. 387).

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Depois, FHC fornece razões que, para ele, justificaram as privatizações.

O ex-presidente revela, no livro, que a venda das estatais ofereceu o benefício

da melhoria dos serviços:

A privatização da Vale do Rio Doce, mantido o controle nacional, melhorou enormemente a performance da empresa. A ela não faltou apoio de órgãos governamentais. Tornou-se uma das maiores mineradoras do mundo, expandindo-se globalmente. Casos tão notáveis quanto esses foram os do setor de telecomunicações e o de petróleo e gás. A expansão da rede de telefonia fixa e móvel, com as privatizações, deu um salto colossal: de 800 mil celulares em 1995, passamos a dispor em 2005 de mais de 80 milhões! Houve também enorme expansão da telefonia fixa (saímos de 12 milhões de linhas quando assumi a Presidência para mais de 40 milhões em 2005). Ao mesmo tempo, o custo de instalação tanto quanto o de uso caiu vertiginosamente para o consumidor. Sem essa transformação, que faríamos na era da Internet? (CARDOSO, 2006, p. 397).

O sentido barthesiano para a análise do discurso é o sentido da

linguagem na forma como ela é apropriada pelos sujeitos. Se, para o autor,

qualquer pessoa pode se apropriar da linguagem para expressar uma vontade,

ou o desejo, então não seria equivocado dizer que quase tudo pode ser

transformado em mito.

Esta reflexão pode ser aprofundada ainda mais se levarmos em

consideração que, no caso dos quatro jornais pesquisados, não havia, à época,

preocupação de revelar ao leitor se de fato a empresa jornalística apoiava ou

não o então governo em sua gestão. Trata-se de fato de uma prática diferente

da que ocorre em alguns países da Europa ou nos Estados Unidos, onde os

jornais, inclusive, manifestam claramente de que lado estão durante um

governo, seja ele republicano ou democrata.

Sem dúvida que esta prática facilitaria a vida de leitores menos atentos

ao texto jornalístico ou às nuances que o cercam. Conhecendo a posição

explícita do jornal em relação à gestão de um governo, o leitor iria ler as

notícias ou os editoriais com outros olhos, mais críticos, sabendo fazer

distinções, análises mais racionais.

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Diante dos resultados apurados neste estudo, entendemos também que

os jornais analisados expressaram, em seus editoriais, menos argumentos e

mais retórica. O argumento cedeu espaço para a linguagem que buscava

desqualificar os opositores da privatização da CVRD. Embora seja

praticamente consensual de que o gênero opinativo em que se enquadra o

texto dos editoriais não deva ser o espaço para a exibição de argumentos

manifestados em números ou estatísticas, o material pesquisado evitou ao

menos discutir a privatização sob um ponto de vista mais técnico. Prevaleceu

nos textos o rol de adjetivos e expressões voltadas quase que apenas para a

tentativa de convencimento de que o jornal estava com a razão.

Mas, de qualquer modo não foram abordadas nos editoriais questões

como o valor das reservas minerais sob o controle da Companhia Vale do Rio

Doce e nem questionado de que maneira o presidente iria utilizar parte do

dinheiro da venda da estatal para amenizar a dívida pública do Estado.

Não era o caso, repitamos, de expor ao leitor levantamentos que

pudessem fazê-lo ao menos duvidar que o valor mínimo do leilão estivesse

aquém do patrimônio total da CVRD. Seria o caso, talvez, de lembrar o leitor

que as jazidas de minério sob o solo seriam suficientes para, ao menos, elevar

o preço no leilão, o que, em tese, tornaria mais competitiva a disputa pela

compra da companhia.

Os jornais também deixaram de relatar ou esclarecer, nos editoriais, de

que maneira FHC iria usar uma quantia do dinheiro arrecadado nos leilões para

a amortização da dívida pública. Este debate não apareceu nos textos, como

se o assunto não fosse interessante para tornar o leitor mais informado e

menos susceptível a comentários sem fundamentos.

Pior ainda: no editorial do dia 7 de maio, O Estado de S. Paulo chegou

ao ponto de insinuar que seria inadmissível naquele momento haver quem não

apoiasse FHC em sua política de governo. Não existe exemplo mais cabal que

este para concluirmos que a defesa do governo, pelo Estadão, estava mais

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que selada, independente de que as convicções do então presidente estavam

corretas ou não.

Curioso observar que o mesmo jornal tratou de desqualificar os

opositores da privatização e conclamou a presença da polícia para coibir os

eventuais excessos praticados em manifestações anti-leilão. Assim agiu o

jornal no editorial publicado no dia 18 de maio. Tratou a questão como assunto

de guerra, tamanho era o receio do Estadão de que a estatal pudesse ter a

venda anulada por conta das ações dos “marginais da democracia”, como

definia os manifestantes.

Valeu de tudo para que os jornais se apropriassem da linguagem para

expressarem suas opiniões, até mesmo, como no caso do Jornal do Brasil,

recorrer ao inglês Financial Times com o objetivo de respaldar a convicção de

que era necessário “modernizar” o Brasil. Não podia ser diferente a posição do

jornal da Inglaterra em razão de ser ele conhecido mundialmente como um

jornal liberal, defensor do livre mercado e, por conseqüência, da privatização.

Mesmo no momento em que teve a chance de esclarecer dúvidas mais

recorrentes, como a de que havia empresa compradora suspeita de ter sido

favorecida no leilão, o JB, em vez de ao menos argumentar com consistência,

preferiu sair pela tangente. Simplesmente tratou do caso como uma

“conspiração” que, no fim, não passou de “Moinho de Vento”, título do editorial

publicado no dia 8 de maio.

Um dos raros momentos em que os editoriais pareciam caminhar para a

apresentação de argumentos sólidos foi nas ocasiões em que pleiteavam do

governo uma reforma do judiciário, para evitar o que chamavam de politização

dos tribunais. Um exemplo foi o O Globo, em editorial do dia 14 de maio, certo

de que somente a reforma impediria o aproveitamento de “brechas” do sistema.

Porém, mais uma vez, não houve argumentação consistente na defesa da

proposta, limitando-se apenas a apontar alguns caminhos para a apregoada

reforma.

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2.1 ANÁLISE SEMIO-DISCURSIVA DO MITO À LUZ DA TEORIA BARTHESIANA

Se categorizarmos o modo pelo qual Roland Barthes (1993) elabora a

construção do mito, poderíamos dizer que ele entende o processo das

seguintes maneiras:

- o mito como sistema semiológico: existe um sistema de valores,

uma relação de equivalência entre o significante (objeto) e o significado. Ou

seja, o que está em jogo é o problema da significação. Quando Barthes (1993)

menciona o sistema de valores, está dizendo que ciências como a semiologia

não se limitam em circunscrever um fato, pois querem defini-lo e explorá-lo

como valor de equivalência.

- o mito como linguagem roubada: a função específica do mito é

transformar um sentido em forma, o que representa um roubo de linguagem.

Um exemplo: roubar a mulher bonita numa propaganda de cerveja não visando

a tranformá-la num símbolo de liberdade ou lazer, mas para aumentar o

consumo da bebida. No caso da cobertura das privatizações, roubar a CVRD,

num texto jornalístico, com o intuito de convencer o leitor que era o melhor a

fazer, sem informá-lo sobre o valor potencial das reservas da empresa.

- o mito como fala despolitizada: atua com a função de transformar a

intenção histórica em natureza. Atuando como tal, o mito não nega as coisas,

ele fala delas, purifica-as, inocenta-as, dando-lhes uma clareza não de

explicação e sim de constatação. Se percebo a liberdade e a autonomia

feminina sem ter que explicá-la, fica faltando muito pouco para que a ache

normal, como resultante da natureza das coisas. Neste sistema, o mito abole a

complexidade dos atos humanos e opera sempre na metalinguagem, falando

das coisas. É como fala despolitizada, em princípio, que se apresentam os

textos em tela, mas também plenos de significados ideológicos, conforme

descritos anteriormente nas inferências.

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- o mito na esquerda: existe porque a esquerda não é a revolução, já

que a revolução se sustenta como tal. Surge o mito quando a revolução se

mascara, transformando-se em “esquerda”, deixando encobrir seu nome e, a

partir daí, permite uma equivalência entre o significante (um apelo ritual a Stalin,

por exemplo) e o significado (a intenção de se estabelecer a ortodoxia,

disciplina e unidade).

- o mito na direita: é onde ele se torna essencial, uma vez que

encontra-se bem alimentado, lustroso, expansivo, falador e inventivo. O mito da

direita se apodera de tudo, das justiças às morais, das estéticas às diplomacias,

das artes domésticas à literatura e aos espetáculos. Na medida que a

burguesia se esconde para ser sem que o pareça, ela solicita infinitamente o

mito. No mito da direita, a linguagem do oprimido visa a transformação, ao

passo que a linguagem do opressor busca a eternização.

O primeiro mito que identificamos nos editoriais analisados foi o da

orquestração invocada pela Folha de S. Paulo para mencionar um suposto

complô com o objetivo de barrar a privatização. Não por acaso, o jornal dizia, já

no primeiro editorial publicado no dia 1º de maio, que havia “entraves” à

privatização da Vale. Se havia resistência por parte de alguns segmentos da

sociedade quanto à decisão governamental de vender a CVRD, este

movimento deveria ser encarado como tal e não em nível de orquestração.

O segundo mito era o de que a privatização da Companhia Vale do Rio

Doce representava um “sinal de avanço”, como assinalou o jornal no dia 7 de

maio, um dia após o leilão. O aludido sinal de avanço mascara qualquer

possível debate mais sério a respeito da privatização, pois se nem indicadores

sobre a eficácia ou não da venda tinham sido formulados, baseados em quê a

Folha de S. Paulo afirmava que a venda recém-efetuada simbolizava avanço?.

Com base na explicação de Roland Barthes (1993), ao falar do mito

enquanto fala despolitizada o jornal invoca um suposto êxito da venda sem

explicá-lo em profundidade. Que êxito foi este? A que custo este suposto êxito

foi alcançado? Afinal, quem será beneficiado? São questões não respondidas e,

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por isso mesmo, sem explicação, apenas de constatação. Isso tudo faz parte

da construção da fala mítica.

O terceiro mito era o do suposto “marco histórico” estabelecido a partir

da privatização da CVRD. Pelas mesmas razões anteriores, não era possível

tirar conclusões nestas circunstâncias, porque se fosse para falar em receitas

advindas com os leilões realizados até aquele momento, a venda da Telesp

havia rendido aos cofres públicos quase 5 bilhões de dólares, portanto muito

mais que o volume arrecadado com a privatização da CVRD.

O quarto mito é o do surgimento da “chicana ideológica”, maneira pela

qual O Estado de S. Paulo expressava sua preocupação diante da avalanche

de liminares concedidas pelo Poder Judiciário às petições protocoladas pelas

pessoas contrárias aos leilões. O jornal julgou como atitude ideológica

justamente aquilo que ele próprio estava fazendo ao atribuir, de maneira

natural, casuística, um adjetivo a um movimento de resistência contra a

privatização.

Neste caso, o que constatamos é que o jornal, ao se referir à disputa

como “chicana”, tentou esvaziar o debate sobre as circunstâncias da venda da

estatal. Parafraseando Barthes (1993), observamos que O Estado de S. Paulo

aboliu a complexidade dos atos protagonizados pelos que eram contrários à

privatização da antiga Vale do Rio Doce. E, ao praticar esse esvaziamento,

atribuiu ao assunto uma simplicidade de essência, retirando qualquer dialética

que pudesse existir além do sentido visível da disputa ideológica.

O quinto mito foi o de qualificar os manifestantes antiprivatização como

seres dispostos a impor a vontade a qualquer custo. No editorial do dia 1º de

maio, o Jornal do Brasil entendeu como “última trincheira” a tentativa dos

contrários à venda da CVRD de tentar protelar o leilão mediante o recurso

jurídico.

O sexto mito é o da “bandeira do atraso”, expressão utilizada também

pelo JB para condenar mais uma vez aqueles que ousaram dizer que não

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concordavam com a venda. A análise no sentido barthesiano nos permitiu

constatar a presença da fala mítica enquanto situada no espectro ideológico da

direita.

Ora, o trecho no qual o jornal tentava caracterizar como “novos

regressistas” as pessoas a quem responsabilizava pela “bandeira do atraso”

deixa claro o que, na explicação da Barthes (1993), seria apoderar-se de um

assunto histórico para apenas construir um discurso emancipador. Discurso em

que o oprimido, no caso o oponente à venda, não representava coisa alguma,

enquanto o jornal, intitulando-se porta-voz do opressor – no caso, o governo –,

apresentava uma fala completa, gestual, teatral, além de empregar uma

linguagem cuja finalidade é a eternização do mundo.

O sétimo mito é o do “desespero e oportunismo” cunhado pelo O Globo

como maneira de fazer o leitor enxergar nos protestos de rua uma

orquestração comandada por gente que queria, além de bloquear a venda da

estatal, destacar-se pela notoriedade que a controvérsia proporcionaria. Mais

uma vez, a grande imprensa, representada pelos principais jornais impressos

do Brasil naquela ocasião, dava a demonstração de que, uma vez dona do

discurso, pretendia transformar a cultura dominante em natureza universal.

Os exemplos são muitos e não seria possível esgotá-los neste espaço

mediante a aplicação dos 20 editoriais analisados. Cabe-nos, porém, entender

que a análise discursiva, ao modo de Roland Barthes (1993), sempre explora a

leviandade como os fatos são descritos nos editoriais.

Leviandade esta que pode ser observada, ainda, no fato de que a falta

de argumentação nos editoriais ocorreu no início, durante e no fim do processo

de venda da CVRD. Como analisamos neste capítulo, prevaleceu, sempre, nos

textos, a fala mítica tal qual preconizada por Barthes, pois era carregada de

significados ocultos, sob a forma discursiva, vocacionada a induzir o leitor a

consumir tal fala como algo natural, não enxergando o investimento de valores

ideológicos.

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Se antes do leilão o que se viu nos textos foi o discurso destinado a

convencer o leitor de que o leilão não trazia nenhum risco de ordem econômica,

social ou cultural ao Brasil, durante a venda da Companhia os editoriais se

esmeraram em reforçar a tese de que a venda da CVRD, por 3 bilhões de reais,

foi um bom negócio para o país.

Ainda que a Companhia tivesse sido vendida por menos, ficou a

impressão de que mesmo assim a defesa intransigente de sua privatização

permaneceria de forma inabalável. Afinal, o que os quatro jornais mais fizeram,

no discurso que prevaleceu nos editoriais, foi reforçar os argumentos mais

recorrentes de FHC em defesa da venda não apenas da CVRD, mas de outras

diversas estatais incluídas no programa de privatização da época.

Quando a Folha de S. Paulo menciona, no dia 7 de maio, a

necessidade de um “Estado enxuto”, fica evidente a consonância com o

discurso governista defensor das reformas. O termo utilizado pelo jornal

ratificava um dos pilares de sustentação dos argumentos de Fernando

Henrique Cardoso em defesa das privatizações. Ou seja, FHC repetia sempre

que a modernização da economia brasileira passava inclusive pela redução da

presença do Estado na área, o que, em curtas palavras, induzia ao conceito do

Estado enxuto, nos moldes como apregoava a Folha.

Os outros jornais também foram pródigos nesta consonância,

construindo, aos poucos, um processo discursivo que, reforçado pelos termos

ou expressões que empregavam, funcionava como aliado das pretensões do

governo. O Jornal do Brasil criticou, no dia 4 de maio, os opositores da

privatização da CVRD afirmando que eles agiam ao lado dos “estamentos

burocráticos apegados às benesses do funcionalismo público”.

Se prestarmos atenção, o governo de FHC tinha também como

argumento recorrente o fato de que as estatais brasileiras funcionavam como

cabides de emprego e eram generosas neste aspecto. E a frase publicada no

editorial do JB espelhava o raciocínio do presidente, reforçando, mais uma vez,

a tese reformista.

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Ainda no editorial de 4 de maio, o jornal bradou a urgência de se

“desfraldar a bandeira do atraso”, o que, em tese, novamente reforçava o

discurso que interessava ao governo. Relembremos que, para FHC, a venda

das estatais para a iniciativa privada transformaria as empresas de tal maneira,

em termos de gestão, que esta modernização representaria, na prática,

avanços em tecnologia e traria resultados importantes para o consumidor, tanto

em termos de produtos como de serviços.

Num editorial do dia 8 de maio, o Jornal do Brasil cunhou uma terceira

expressão para, outra vez, não deixar dúvidas de que estava de acordo com a

opção governamental de privatizar as estatais. Para o Jornal do Brasil, os

manifestantes contrários à venda da Companhia estavam preocupados com a

possível venda da CVRD porque o fato os deixaria num luto causado pela

perda do “estado-pai-patrão”. Expressava-se ali a concepcção de Estado ao

qual o mesmo JB se referiu, mais adiante, como “gerador de privilégios,

empreguismo autoritário, tráfico de influências e corrupção”.

O leilão foi realizado e os últimos editoriais mencionando o assunto

foram publicados nos primeiros vinte dias de maio, no máximo. Ou seja, a

questão, embora importante no sentido de que envolvia os destinos do Brasil a

partir da medida tomada pelo governo, já era considerada, ao menos naquele

momento, assunto encerrado. E é aí que nossa análise qualitativa, ancorada no

fato de que as inferências se tornam uma das principais características deste

enfoque analítico, vem para ressaltar também a percepção de que o pós leilão

foi ignorado nos editoriais, talvez devido ao baixo preço pelo qual a ex-estatal

foi vendida.

Talvez também fosse o caso de os quatro jornais pesquisados

mencionarem, em seus editoriais, que houve, às vésperas do leilão, a

descoberta de imensas jazidas, inclusive de ouro, até então não estudadas

pela CVRD, e que ficaram fora do preço fixado no edital de venda da empresa.

Não há, em nenhum dos textos analisados, menção a este fato, o que tornou

impossível qualquer análise mais técnica que pudesse concluir que o governo

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corria o risco de privatizar a Companhia por um preço abaixo do que realmente

ela valia.

Ironicamente, em seu último editorial, no dia 17 de maio, o Jornal do

Brasil cobra repressão do governo contra as manifestações de “prepotência”

que surgiam nas ruas, ainda como resquício da batalha travada contra a

privatização da CVRD. Para o JB, a democracia tinha limites e não poderiam

ser tolerados atos que atentassem contra as liberdades individuais. Porém, o

JB não dedicou uma linha sequer para, de forma também democrática, abordar

o fato de que a venda da Companhia por cerca de 3 bilhões de reais era pelo

menos questionável.

Um assunto tão questionável que, pelo Brasil afora, dias após a

privatização a conversa corrente era que a ex-estatal não havia sido vendida,

mas sim doada. Doada porque teria sido vendida por um preço sub-avaliado e

também pela razão de que o governo foi muito generoso com os compradores,

a ponto de ter financiado a compra, aceitado “moedas podres” como

pagamento e ainda financiado os investimentos dos compradores no pós-leilão.

Se os jornais quisessem, eles poderiam ter apoiado as diversas

iniciativas surgidas depois da venda da Companhia, no sentido de questionar,

por meio da justiça, a eficácia do leilão da CVRD. Isso não significaria a

mudança de posição em relação ao destino dado à ex-estatal, mas um

exercício crítico do papel fiscalizador da imprensa, com o objetivo de discutir se

a privatização, da maneira como foi realizada, não resultou em prejuízos aos

cofres públicos. É sabido que ainda hoje tramita nos fóruns judiciais ações que

tentam anular a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Porém, passados 13

anos da privatização, há quem não acredite mais numa decisão favorável à

anulação, até porque a grande imprensa, principalmente a mídia imprensa,

vem constantemente divulgando informações acerca de um suposto sucesso

empresarial da atual Vale.

A ausência de questionamento dos jornais pesquisados neste estudo

demonstra, com base nos indicadores obtidos na análise realizada, que os

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impressos não se preocuparam em refletir sobre as reais causas sobre a venda

da CVRD. Se de um lado as narrativas adotadas nos editoriais reforçaram o

discurso pró-privatização do governo, de outro faltou análises, no âmbito do

espaço opinativo destes jornais, a respeito dos motivos que estariam implícitos

em relação à venda.

Embora os editoriais não tenham trabalhado com números ou

levantamentos que envolviam a atuação da então Companhia Vale do Rio

Doce, o certo é que havia informações disponíveis sobre o potencial da estatal

no que se refere a grandeza da CVRD. Informações como as divulgadas pelo

jornalista Hélio Fernandes, do jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de janeiro,

no dia 20 de novembro de 2008, depois reproduzidas com freqüência, via blogs

e sites, pelos simpatizantes da causa.

Algumas das informações contidas no artigo davam conta que a CVRD

teria, antes de ser vendida, reserva de 1 trilhão e 700 bilhões de reais. A estatal

era dona de 11 portos, navios e ferrovias. Tinha reserva de ferro para 540 anos,

de Caolim, para 350 anos, de bauxita para 187 anos, de manganês para 185

anos, de ouro para 25 anos e de cobre para 24 anos. Isso, sem falar em outros

tipos de minérios escondidos no subsolo brasileiro.

A mesma análise feita pelo jornalista da Tribuna poderia ser feita

também pelos quatro jornais, a de que a privatização da Companhia seria o

primeiro passo para a internacionalização da Amazônia. Nesta perspectiva,

Fernandes considerava que vender a CVRD seria o mesmo que doar Carajás,

o Porto de Itaqui, a Baía de São Marcos e todas as riquezas estratégicas dos

estados do Maranhão e do Pará.

Na época, Fernandes chegou a escrever que a Companhia era mais

importante que a Petrobrás, outra estatal reconhecida por seu porte de

empresa estratégica, com alto valor agregado devido ao potencial tecnológico

que possui e que foi desenvolvido ao longo dos anos na forma de pesquisa

subsidiada pelo governo brasileiro.

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No caso da Petrobrás, o governo brasileiro, ao descobrir a Camada Pré-

Sal, com reservas de petróleo em águas profundas, optou por fazer justamente

o contrário do que ocorreu em relação à CVRD. Em 2009, o governo começou

a preparar um projeto destinado a definir como seria a atuação da Petrobrás e

do próprio governo na exploração do Pré-Sal. Assim, embora ainda a

discussão não esteja encerrada, pois a oposição quer conversar melhor sobre

o modelo de partilha da produção que será feita, o fato é que é do interesse do

governo criar inclusive uma estatal para administrar os imensos campos de

petróleo da Camada e fazer a contratação de novas empresas petrolíferas para

ajudar a Petrobrás na futura produção.

O comportamento do governo brasileiro neste episódio é visto típico de

alguém que reconhece o papel importante que o petróleo e a Petrobrás têm

para o Brasil, na questão de salvaguardar as áreas estratégicas e de preservar

o investimento em tecnologia de ponta feito na estatal. Pois, foram estes

investimentos que permitiram aos profissionais de engenharia e de outras

áreas afins da Petrobrás descobrirem, em águas profundas, as novas reservas

ainda não exploradas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do material organizado e tratado nos leva a entender que as

palavras Vale e privatização não por acaso aparecem com mais frequência nos

editoriais, até como modo de reforçar a importância que os jornais queriam dar

ao assunto. Um aspecto que cabe ressaltar é que nenhum dos quatro jornais

pesquisados ao menos colocou em dúvida a importância sobre a venda da

Companhia Vale do Rio Doce. Prova disso é que a análise demonstra não

haver nenhuma expressão que caracterizasse a crítica ou a contrariedade pela

privatização. Embora tenha sido o jornal que mais editoriais publicou em maio

de 1997, a Folha de S. Paulo também foi a que menos abordou a venda da

Companhia, tanto em números absolutos como relativos.

O segundo jornal a publicar menos textos sobre a venda da estatal foi O

Estado de S. Paulo. Porém, os editoriais do Estadão se caracterizaram pela

contundência no apoio à venda e pelas pesadas críticas e ataques aos

opositores da privatização. Nada menos que 23 expressões, algumas delas

contendo palavras fortes, beirando o baixo calão, foram pinçadas dos três

editoriais que abordaram o leilão sobre a venda da CVRD.

Mas, o Estadão foi superado pelo Jornal do Brasil, que, além de

dedicar mais espaço para tratar do assunto que o periódico paulistano, ainda

não poupou críticas a quem tentou barrar a privatização. Foram 36 expressões,

ao menos as mais eloquentes, retiradas dos sete textos publicados em maio.

Em termos proporcionais, comparado aos concorrentes, O Globo não

economizou espaço para escrever a respeito da venda e foi o que mais

editoriais publicou sobre o leilão. Curiosamente, no entanto, o jornal empregou

uma linguagem em geral moderada, com raros momentos de críticas a quem

considerava obstáculo à privatização.

Salvo alguns momentos em que justificou o apoio à venda alegando que

ela geraria recursos para o governo aplicar em outras áreas de maior interesse

estratégico ao Estado, os jornais evitaram aprofundar o debate por meio da

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apresentação de números ou valores envolvendo a privatização. Isso suscita a

desconfiança de que em troca do apoio aparentemente incondicional às

reformas econômicas em curso naquele momento, poderia haver interesses

políticos não revelados. Essa suspeita por si só já seria motivo suficiente para o

leitor questionar a isenção dos jornais para tratar de um assunto tão sério como

o das privatizações.

O método aplicado nesta pesquisa confirma totalmente duas hipóteses

formuladas (1ª hipótese: a leitura dos editoriais nos leva a acreditar que eles

induzem o leitor a pensar que a melhor saída, naquele momento, seria a venda

da Vale do Rio Doce, não hesitando em desqualificar os opositores da

privatização, utilizando expressões negativas contra eles; 2ª hipótese: os

editoriais fazem uso da fala mítica quando o assunto abordado era a

privatização da CVRD). O método utilizado também confirma em parte a

terceira hipótese, a de que os editoriais invocaram o temor de risco de crise

institucional em razão da quantidade de liminares tentando impedir o leilão.

Neste caso, apenas O Estado de S. Paulo e o Jornal do Brasil fizeram

menção ao assunto, porém mais no sentido de defender uma reforma do

Judiciário do que alertar sobre conflitos insuperáveis no âmbito das instituições.

Por outro lado, a análise revela que os editoriais induziram o leitor a acreditar

na privatização como a melhor solução para o destino da Companhia Vale do

Rio Doce, conforme queria o governo reformista de Fernando Henrique

Cardoso.

Para tanto, os textos analisados construíram imagens positivas em torno

da opção governamental de vender a CVRD. Ao mesmo tempo, os editoriais

desqualificaram as pessoas, movimentos e frentes políticas contrárias à

privatização e até mesmo os juízes supostamente discordantes com a venda

da CVRD.

Por outro lado, observamos que os editoriais reproduziram os

argumentos defendidos pelo governo FHC no que diz respeito à necessidade

de justificar, perante a opinião pública, a razão para a venda das estatais.

Enquanto o governo apresentava as empresas públicas como órgãos

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permissíveis à ingerência política e suscetíveis a cabides de empregos sem

qualquer critério técnico, os grandes jornais ecoavam este mesmo discurso,

utilizando, no entanto, outros termos ou expressões semânticas, tais como

entulho, atraso, anacronismo, baderna, entre outros.

Mais eloquente ainda é observarmos que Barthes tratava o conceito de

mito decorrente da maneira como se proferia o objeto da mensagem. No plano

político fica ainda mais oportuno aplicarmos nossa definição de mito

barthesiano, porque desta forma o assunto foi tratado nos editoriais.

A análise nos editoriais nos permitiu observar a existência de opiniões

contundentes, sem meio-termos. Estavam permeadas, no entanto, por

expressões de forma a transformar a fala sobre a privatização numa linguagem

para o consumo mítico, ou seja, sem lastro de sentido histórico. Foram raras as

vezes em que algum jornal procurou refutar, por meio de explicações

consistentes, os argumentos dos militantes contrários à venda da Vale do Rio

Doce. Predominou a panacéia de adjetivos que, embora talvez não soassem

agressivos ao leitor menos atento, tinha o destino certo de desqualificar os

opositores da privatização.

Se nos dias atuais a antiga Companhia, operando com o nome de Vale,

torna-se alvo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela cobrança de uma

postura mais nacionalista na condução de sua gestão, abre-se ao menos um

flanco para que os manifestantes contrários à venda possam invocar suas

razões do passado. No fim de 2009, Lula pediu ao presidente da Vale, Roger

Agnelli, mais compromisso da empresa em investir no Brasil, a partir do

incremento de seu trabalho de exploração de jazidas, além de ter cobrado

maior preocupação com as questões sociais, em especial a que trata da

manutenção do emprego.

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REFERÊNCIAS

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REFERÊNCIAS

BAER, Werner. A Economia Brasileira. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Nobel, 2002.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA, 2004.

BARTHES, Roland. Mitologias. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.

BIONDI, Aloysio. O Brasil Privatizado: um balanço do desmonte do Estado. 8. ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2000.

CARDOSO, Fernando Henrique. A arte da política: a história que vivi. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa. Análise de Conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 280-304.

GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia Duarte de. Finanças Públicas: teoria e prática. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de; TOLEDO JÚNIOR, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 7. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

JURUÁ, Ceci; ARRUDA, Marcos. Desfazendo mentiras sobre a Vale do Rio Doce. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://fisenge.org.br/2007/09/20/ desfazendo-mentiras-sobre-a-vale-do-rio-doce/>. Acesso em: 3 set. 2009.

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ANEXOS

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ANEXO A FOLHA DE S. PAULO

PURGATÓRIO ASTRAL 01/05/97 Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 Seção: EDITORIAL

Crise seria uma palavra abusivamente forte para descrever o momento pelo qual passa o governo Fernando Henrique Cardoso.

Mas o presidente enfrenta uma soma de dificuldades, dissociadas umas das outras, que parece configurar um purgatório astral.

Isolado, cada um dos problemas é relativamente pequeno. Mesmo o que ocupa as atenções gerais no momento, os entraves à privatização da Vale, tende a ser superado. O adiamento do leilão é um desgaste, mas parece claro que, cedo ou tarde, a desestatização acabará por ocorrer.

E o que de fato importa é privatizar a empresa, muito mais do que saber o dia em que se realizará o leilão, por mais valor simbólico que a data tenha adquirido.

A lista de problemas é ampla. Começa com a marcha dos sem-terra, que, pelas dimensões que tomou, forçou o presidente a receber uma comissão do MST, contrariando a posição inicial de não dialogar com um grupo que FHC chegou a chamar de “primitivo”.

Passa pelo risco de que as emendas constitucionais relativas à Previdência e à reforma do Estado sejam desfiguradas, anulando os efeitos que o Executivo esperava obter com elas.

Inclui até uma minicrise com o PMDB, partido fundamental para a base governista, pelo número de parlamentares que possui.

O purgatório astral não decorre, porém, da dimensão de cada problema, mas do fato de que eles coincidiram, todos, em um curto período.

É visível que a soma de dificuldades fez efeito até sobre o humor do presidente, que antes dizia ser „„fácil‟‟ governar o Brasil, mas, na semana passada, reclamou da „„vida difícil‟‟.

Parece visível que o conjunto de dificuldades retirou do governo o poder de iniciativa. Mais reage do que age. E, pior, reage com invectivas contra todos os que o criticam, preferindo desqualificar os críticos em vez de contestar seus argumentos.

Não parece ser o melhor caminho para voltar à estrada do paraíso.

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O LEILÃO DA VALE 07/05/97 Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 Seção: EDITORIAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a insistir, algum tempo atrás, na ideia de que as mudanças econômicas, políticas e institucionais necessárias para a consolidação da estabilidade econômica e para a retomada do crescimento são parte de um processo.

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce é um marco antes de tudo simbólico de que esse processo está em marcha. A venda da empresa é um sinal de avanço, sobretudo num momento em que o governo vinha colecionando, senão derrotas, ao menos frustrações políticas.

Houve mesmo quem chegasse a duvidar da viabilidade da privatização no Brasil, dada a guerrilha de liminares que, em última análise, procurava fazer valer seus pontos de vista políticos no palco do Judiciário. Porém a tentativa de obstruir judicialmente a venda da empresa foi, por ora e felizmente, superada na prática.

E não era preciso tanto ruído. Os críticos da privatização da Vale obtiveram ao longo dos últimos meses todas as garantias de preservação da soberania nacional, de proteção ao patrimônio mineral e de participação da União em novas descobertas.

Conseguiu-se até _e o que não é pouco_ que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) dedicasse especial atenção ao „„day after‟‟ da privatização da companhia mineradora. A intenção é evitar que a desestatização permita o surgimento de um monopólio privado.

A crítica mais fundamental à privatização da Vale é política e usa o argumento de um suposto „„interesse estratégico‟‟. A questão é relevante. Entretanto, os críticos omitiram o dado essencial de que nas últimas décadas houve mudança radical do que seja efetivamente „„estratégico‟‟ no desenho dos limites e potencialidades de uma nação soberana.

Um governo produzir e vender minérios ou papel e celulose, numa economia globalizada, não é crucial.

Estratégico é ter um Estado enxuto, capaz sobretudo de recuperar a infra-estrutura social do país.

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PRIVATIZAR SEM MONOPÓLIO 08/05/97 Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 Seção: EDITORIAL

A privatização da Vale do Rio Doce é um marco histórico em virtude do valor da operação, do tamanho da empresa e da sua presença praticamente monopolista em vários mercados de produtos minerais.

Pode-se portanto dizer que, se em qualquer processo de privatização é preciso evitar o surgimento de monopólios, no caso da Vale esse cuidado é imediatamente visível e precisa ser reforçado.

É importante perceber que, se privatizar é necessário, nem todas as privatizações são iguais. A experiência internacional mostra que, nos casos de privatização em que não se adotam as devidas cautelas contra as ameaças à concorrência, coloca-se em risco um dos principais objetivos da própria privatização: o aumento da eficiência do sistema econômico.

Quando o governo abre mão de ser ele mesmo um agente produtivo e transfere à iniciativa privada suas empresas, a tendência é aumentar a eficiência de cada empresa privatizada. O governo livra-se de encargos que não pode cumprir com eficiência e de preocupações extemporâneas.

Entretanto, isso não deve significar uma súbita e total eliminação da função fiscalizadora do Estado. Quando se trata de empresas que, como a Vale, concentram enorme poder econômico, devem entrar em consideração aspectos que afetam o grau de concorrência no sistema econômico.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem feito pronunciamentos nesse sentido e já enviou à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado um parecer a respeito da privatização da Vale. Segundo o presidente do Cade, apenas em três dos mais de uma dezena de setores em que a empresa atua inexiste risco de monopólio.

A economia brasileira padece de vícios antigos, e a privatização evidentemente não será uma panacéia. Mas a venda da Vale oferece uma oportunidade para ao menos reduzir alguns dos males da concentração econômica. As intenções do Cade merecem, portanto, toda atenção.

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ANEXO B O ESTADO DE S. PAULO

ESTADO EDITORIAL 01/05/1997 A3 BRASIL

Título: Chicana ideológica

É necessário retirar dos juízes de primeira instância o poder de suspender leis federais O jogo da política é, frequentemente, o jogo das palavras. O presidente Ernesto Geisel fechou o Congresso e editou o “pacote de abril” porque se recusava a submeter-se à “ditadura da maioria”. Mais recentemente, após perder batalha parlamentar em torno das reformas conduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, líderes da oposição ressuscitaram a “ditadura da maioria”. Não obstante tratar-se de uma contradição em termos, a expressão convence os basbaques de que decisões tomadas por maioria são autoritárias. A crer-se na patranha que é repetida com insistência, só existirá democracia quando os desejos de certa minoria – e não importa quão minoritária seja – forem atendidos, a despeito e à custa dos interesses da maioria.

Foi por ver o mundo assim que uma minoria de pequenos ditadores em potencial resolveu tumultuar o leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Escolheram, esses inimigos do interesse público, o caminho mais fácil que lhes era oferecido. Aproveitaram-se da confusão do sistema judiciário, a que o ministro Sidney Sanchez se referia, e do comprometimento ideológico de um punhado de juízes, para impetrar uma cascata de ações judiciais, que tiveram concedidas liminares uma após a outra, escalonadamente, para que produzissem o maior dano possível aos planos do governo. Um só advogado impetrou 36 dessas ações, como se fossem bombas de tempo, o que demonstra a falta de seriedade de quantos – togados ou não – pisaram a solenidade da Justiça para transformá-la em instrumento de ação político-ideológica.

A batalha em torno do leilão da Vale do Rio Doce revelou um sistema judiciário que além de confuso é frágil e inadequado, precisando de imediata e profunda reforma. Disso já se sabia desde que os constituintes de 1988 se dedicaram à subversão do bom senso e da razão, a pretexto de construir uma tal de democracia cidadã. Tão grave ou pior que isso, porém, foi a revelação – neste episódio da guerra de liminares da Vale – de que em alguns casos a Justiça está sendo ministrada por pessoas menos preocupadas com a hermenêutica do que com causas político-ideológicas, e que se prevalecem de suas posições para impor à Nação, por sentença, rumos que só podem ser extraídos das urnas. De fato, quando um juiz concede liminar suspendendo o leilão, baseado na confusão que faz entre uma empresa pública – que tem milhares de sócios

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e acionistas privados e é, tradicionalmente, patrimônio eleitoral de políticos profissionais – e o patrimônio público, o que vem à lembrança é o senador Roberto Requião afirmando que, se o sr. Celso Pitta não sabia o que faziam seus auxiliares diretos no caso dos precatórios, “existe a hipótese de ele ser completamente idiota”. Mas, com os juízes, essa hipótese é remotíssima. A hipótese que é quase uma evidência é que eles aceitaram, e a impuseram ao Brasil, uma chicana ideológica que mais desmerece a Justiça que prejudica o governo. Que se trata de chicana ideológica, não há dúvida. A cassação das liminares, uma a uma, evidencia a pouca substância jurídica do peditório e da concessão. O nó que se tentou dar à questão, no Tribunal Regional Federal em São Paulo – e só aqui! –, confirma a evidência. E, se isso não bastasse, é ler a relação dos nomes dos autores da ação impetrada e de seus patronos, que o diagnóstico se confirmará.

Afinal, a história política recente está marcada pela coloração ideológica de todos os signatários. São todos eleitores de Lula da Silva, até hoje inconformados com a escolha de 36 milhões de eleitores, como comprovaram, aliás, as bandeiras vermelhas das brigadas de rua que são o “braço armado” da chicana.

Essa gente tem em comum mais que a cor ideológica. São inimigos dos fatos que contrariam suas ideias. Dizem, por exemplo, que a Vale está sendo “oferecida de graça”. Se assim fosse, não teriam aparecido tão poucos compradores. Haveria uma multidão deles e a CSN – que estava moribunda nas mãos do Estado e foi salva de sorte ingrata pela privatização, sendo hoje empresa próspera – não precisaria ter feito enorme esforço para compor um consórcio de empresas nacionais para concorrer com o único que já se apresentara. Reclamam, também, da violência policial em frente à Bolsa do Rio. A televisão, esse implacável “tira-teima”, não deixa ninguém mentir: quem viu a televisão, viu os manifestantes tomando a iniciativa de agredir os policiais, como que à espera de uma reação violenta que os elevasse ao panteão dos mártires.

Essas pessoas, ninguém corrige. Mas o sistema judiciário que permite sua ação perniciosa, sem qualquer benefício para a coletividade e as instituições, esse deve ser mudado. A sugestão para a mudança foi dada por uma das maiores e mais respeitadas autoridades jurídicas do País, o professor Miguel Reale, que lamenta que “o Judiciário esteja servindo de massa de manobras em determinados casos para finalidades ideológicas”. Na sua opinião, é preciso cassar a competência dos juízes de primeira instância para suspender leis e decisões federais: “Eu não concordo”, diz o professor Reale, “com essa situação de um juiz de primeira instância, ou mesmo um presidente de tribunal regional suspender disciplinarmente um processo de natureza nacional”. Esse tipo de decisão é importante demais para ser deixado em mãos que não as dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

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ESTADO EDITORIAL 07/05/1997 A3 BRASIL

Título: Libelo contra a balbúrdia judiciária

O despacho do ministro Demócrito Reinaldo sobre as liminares que impediam o leilão da Companhia Vale do Rio Doce – afinal realizado no final da tarde de ontem – deve ser visto de dois ângulos. Em primeiro lugar, desbasta o cipoal jurídico que se criou em torno da questão para que a empresa estatal não fosse privatizada. O emaranhado de ações populares impetradas contra a União em foros espalhados pelo Brasil inteiro foi reduzido à expressão mais simples, que agora tramita no Rio de Janeiro, reduzindo em termos práticos a “confusão do sistema judiciário” com muita propriedade denunciada pelo professor Miguel Reale. O outro aspecto relevante do despacho é de natureza institucional. Diz respeito ao funcionamento imediato da Justiça, porque mostra que juízes foram aceitando pedidos de liminares sem atentar para questão fundamental de direito. E diz respeito, também, à estrutura do sistema judiciário, porque denuncia, mais uma vez, um mecanismo que propicia a chicana, a pretexto de facultar a qualquer do povo o exercício pleno da cidadania.

O despacho do ministro Demócrito Reinaldo deixa claro que as ações impetradas em diferentes foros deveriam ter sido reunidas no primeiro onde se fez citação válida, já que se trata de ações que têm objetivos idênticos, ou pelo menos conexos. No leilão da Usiminas, no qual o ministro Reinaldo também agiu como juiz, ocorreu caso igual, o que deveria ser de conhecimento dos juízes que concederam liminares sem se preocupar em saber se ações conexas corriam em outras varas da Justiça Federal. É verdade que os cartórios das varas federais, graças ao estado de desaparelhamento geral da Justiça brasileira, não estão ligados em rede, daí o juiz de uma vara não ter como saber o que se passa em outra. Mas é igualmente verdade que a estratégia dos advogados a serviço dos inimigos da privatização – ou simplesmente dos inimigos do governo que dependem de seu fracasso para continuar suas carreiras políticas – era pública e não era nova. Nessas condições, o mínimo a se esperar era que não fossem concedidas liminares antes que consultas a outras varas e circunscrições fossem feitas. O fato de as ações darem entrada na véspera da realização do leilão, com pedidos de liminar, era indicativo inequívoco do propósito protelatório e obstrucionista dos querelantes. Cabia aos juízes, funcionários que são da Justiça, preservar a sua imagem, evitando seu uso como instrumento de uma disputa político-ideológica.

O despacho, baseado em arrazoado eminentemente técnico, que também considera o precedente da privatização da Usiminas, é um libelo contra a estrutura judiciária que permite, mais que a confusão, o imbróglio e a balbúrdia processual. Não se trata de restringir o acesso do mais humilde cidadão, no mais remoto canto do País, à Justiça, contra atos do poder público. Trata-se, isso sim, de impedir que um punhado de pessoas viciadas pela ideologia, qualquer que seja, tenha o poder de paralisar o governo, impetrando sucessivas ações em diferentes juízos, confiantes em que sempre haverá

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juízes que se identificarão com suas causas ou não terão os necessários cuidados para prevenir jurisdição, isto é, para reunir em um só foro todas as ações que se refiram ao mesmo assunto. Só a identidade político-ideológica – ainda que inconsciente – poderia levar juízes a acatar, na undécima hora, argumentos como o amesquinhamento do preço de venda da Vale, quando se noticiou amplamente a forma como se chegou ao preço mínimo, e é público e notório que só dois consórcios se formaram para tentar arrematar a empresa, na demonstração cabal de que ela não está sendo dada de graça. Só idêntico motivo poderia levar ao acatamento de argumentos como o da alienação do controle da empresa em favor de estrangeiros – como se isso fosse crime de lesa-pátria –, quando também é público e notório que os dois consórcios são capitaneados por grandes empresários brasileiros, um dos quais célebre pelas posições nacionalistas que herdou do pai.

O despacho do ministro Demócrito Reinaldo, infelizmente, não encerra a chicana ideológica em torno da privatização da Vale do Rio Doce, tendo apenas aberto caminho para que se realizasse o leilão. As ações populares continuarão tramitando, até julgamento final de mérito, assim como estão em fase final de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal duas ações diretas de inconstitucionalidade – uma impetrada em 1991 pelo Partido Socialista Brasileiro, para tentar impedir a privatização da Usiminas, e outra recente, do PT, PDT e PSB, para evitar a privatização da Vale – que contestam a legalidade do Programa Nacional de Privatização. A defesa da Vale do Rio Doce, como empresa estatal, foi, afinal, mais uma trincheira do atraso. De um lado, ficaram homens eminentes, como Gofredo da Silva Teles, Barbosa Lima Sobrinho e Oscar Niemeyer, que já estão arquivados na história do País. Do outro, está o futuro.

ESTADO EDITORIAL 08/05/1997 A3 SÃO PAULO

Título: O que a confusão ocultou

Esqueceram que a antiga Vale tinha sócios estrangeiros, como a nova terá, minoritários O clima de irracionalidade e paixão provocado por uma enxurrada de ações judiciais, liminares e recursos que confundiram a opinião pública por sua tecnicalidade impediu que parcela considerável da população percebesse com clareza o significado do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Dissipada a névoa artificial que alguns setores da esquerda ideológica e corporativa jogaram sobre o assunto, já se pode analisar com frieza e objetividade o episódio que galvanizou as atenções do País: afinal, do que se

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tratou e por que houve tanta atoarda em torno do que deveria ser mais um leilão de ações igual a todos os realizados até agora desde a inauguração do Programa Nacional de Desestatização? A rigor, o negócio que se concluiu anteontem na Bolsa do Rio de Janeiro, após a derrubada de uma fieira de liminares, foi tão-só o leilão da maior holding do País, cujo controle pertencia ao governo, na proporção legal de 51% das ações. O restante das ações ordinárias está pulverizado entre pequenos acionistas brasileiros e dezenas de acionistas estrangeiros, sócios nas diversas empresas que constituem o conglomerado conhecido por Companhia Vale do Rio Doce. Esse é um fato que os inimigos da privatização, justamente as pessoas que denunciavam os perigos da “desnacionalização” da Vale, evitavam mencionar em público: a Companhia Vale do Rio Doce, dentre as estatais, era a que mais sócios estrangeiros tinha e tem, em associações constituídas ao longo do tempo para atrair capitais, tecnologias que empresas brasileiras não dominam, ou simplesmente para assegurar fatias de mercado. Com seu capital amplamente fatiado entre empresas estrangeiras, nunca a Vale sofreu pressões para adotar políticas antinacionais, pela simples e boa razão de que a lógica dos negócios não é a lógica da política, isto é, os sócios da Vale sempre se limitaram a exigir eficiência empresarial e lucros na proporção exata do capital aplicado na empresa. E isso eles sempre obtiveram, ao contrário do sócio controlador – o governo brasileiro – que nunca obteve remuneração semelhante para os capitais que nela investiu, porque, como todos os governos do mundo, não tem vocação para empresário. Até aqui foi assim e melhor será doravante, tanto para os sócios minoritários, quanto para o sócio controlador. Isso porque o consórcio vencedor do leilão tem à sua frente um grupo nacional importante, que hoje é, na verdade, o símbolo vivo da superioridade da administração privada sobre a gestão estatal. Quando foi privatizada há três anos, a Companhia Siderúrgica Nacional era uma empresa deficitária, tecnicamente sucateada, que vivia de supostas glórias políticas passadas, mais substancial ajuda anual do governo. Hoje, dá bons lucros depois de recolher substanciais impostos ao governo – que antes só desembolsava, jamais recebia – e tornou-se grande a ponto de poder liderar a aquisição de uma das três maiores companhias mineradoras e a maior exportadora de minério de ferro do mundo. A esse grupo nacional é necessário somar quatro fundos de pensão que aportaram recursos ao consórcio, todos eles pertencentes a empresas estatais. O sócio estrangeiro, o Nations Bank, ficou com 5% das ações ordinárias da Vale, enquanto a empresa capitânia do consórcio absorveu 16,3%.

Tiram-se daí duas conclusões imediatas. A privatização, mesmo com o concurso de capitais externos, não é necessariamente desnacionalizante, o que derruba os argumentos dos inimigos da desestatização. E a passagem da administração estatal – mesmo quando marcada pelos conhecidos zelo e competência dos administradores da Vale, em especial os srs. Eliezer Batista e Francisco Schettino – para a administração privada é garantia de que o patrimônio nacional só irá lucrar com isso.

Fatos tão elementares foram toldados por uma aliança de ocasião em que se reuniram para tumultuar o processo de privatização – já que sabiam ser impossível impedi-lo – grupos políticos que se opõem ao governo e apostam no seu fracasso para poderem conquistar o poder: as viúvas do socialismo, que

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não queriam ver mais um poderoso instrumento político e econômico fugir a seu controle ideológico, e mais os defensores do corporativismo, que sempre usaram em benefício próprio os recursos que o Estado deve distribuir à sociedade em forma de serviços. O cimento que uniu a todos foram juízes motivados ideologicamente que, a exemplo da sra. Salete Macaloz, substituem a necessária isenção do magistrado pela perigosa paixão do militante.

Diz o ditado que tudo está bem quando termina bem. Não é verdade. Esta etapa da privatização está terminando bem – ainda há liminares a derrubar e ações a vencer – mas permanece o fato de que os legisladores oneraram a Nação com um sistema judiciário dos mais confusos que impede que o governo tenha a agilidade que a dinâmica da sociedade moderna exige; e vulnerável demais às paixões ideológicas de pessoas que, por função, deveriam guardar isenção absoluta.

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ANEXO C JORNAL DO BRASIL

Publicado em.: 01/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 08..................Edição.: 1ª

Última Trincheira

A guerrilha jurídica deflagrada contra a privatização da Vale do Rio Doce foi o último recurso utilizado pelos que, à falta de argumentos consistentes, valem-se de meios protelatórios e burocráticos para impor a sua vontade. Como sabiam de antemão que suas petições seriam contestadas e derrubadas por falta de fundamento jurídico, usaram a estratégia de entrar com pedidos de liminares nas várias regiões do país, para dificultar a contestação pelos advogados do BNDES.

Nessa guerrilha, o objetivo foi atropelar um procedimento legal, limpo, exaustivamente discutido e aprovado pela sociedade, através de seus representantes legais no Congresso. E como o móvel era tumultuar o processo, o que se viu foi uma enxurrada de ações conflitantes e contraditórias.

Nessa batalha, mais de cem ações foram impetradas em diferentes estados, com argumentos estapafúrdios, como o de que não havia sido editada uma versão em inglês do edital que colocava a empresa à venda em leilão. Só um advogado, no Rio de Janeiro, protocolou 36 ações contra a privatização. O lamentável é que juízes, em vários estados, concederam liminares apoiados em petições políticas.

A reputação da Justiça não pode ficar exposta a esse varejo. O que se viu, foi o uso político do aparelho judiciário, o que envergonha o país e os brasileiros. Não é possível que, insuflados, e em alguns casos usados, como no caso de estudantes que entraram com petições de liminares, por partidos políticos de filosofia totalitária, meia-dúzia de pessoas emperrem o progresso da nação. Assim como também é inadmissível que um país inteiro seja refém de grupos, integrados ou não por magistrados, que emperram decisões importantes, reformas inadiáveis, mesmo quando aprovadas pelo Congresso, por definição o foro político de discussão da sociedade.

A liminar é defesa contra o risco iminente de uma lesão de direito. O Brasil é o único país do mundo em que ela é usada como expediente com finalidade política. O tipo de manobra usado para protelar o leilão da Vale do Rio Doce é mais uma demonstração da urgência de se fazer a reforma do Judiciário.

Não se admite que a Justiça seja exposta à molecagem de estudantes, que se espalham pelo país protocolando ações contra a União, como se o país fosse um grêmio estudantil. É preciso que se crie instrumento legal centralizando num mesmo foro todas as ações com fins idênticos, de maneira a inviabilizar manobras cujo espírito não seja a lei, mas o tumulto. E que se crie norma que

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estabeleça prazo para que liminares sejam julgadas. Hoje, no Brasil, por capricho de qualquer juiz, uma liminar pode às vezes aguardar anos pelo julgamento do seu mérito.

O que se viu no campo jurídico foi o espelho da batalha inconsequente de meia-dúzia de grupos nas imediações da Bolsa de Valores do Rio, insufladas por partidos políticos intolerantes e de inspiração totalitária.

Publicado em.: 02/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 08..................Edição.: 1ª

Além do Leilão

Depois que baixaram a gritaria e a poeira levantada pelos adversários da privatização da Vale do Rio Doce e pelas bombas da PM, veio de Londres, em editorial do Financial Times, uma das análises mais sensatas sobre os imensos desafios que o Brasil ainda precisa enfrentar depois que resolver a transferência do controle da estatal para capitais privados nacionais e estrangeiros.

Segundo o jornal, que é o porta-voz da City de Londres, a Vale do Rio Doce é apenas uma das áreas da economia que precisará arejar-se com novos investimentos visando à modernização das estruturas. As riquezas minerais a serem exploradas pelos novos controladores da Vale vão exigir vultosos capitais, que serão necessários para modernizar as unidades de produção de alumínio no Pará (Albrás e Alunorte em Trombetas) e de papel e celulose, além de obras de manutenção e ampliação das ferrovias Vitória-Minas e São Luís-Carajás.

A modernização da Vale _ empresa considerada muito eficiente para os padrões das estatais já privatizadas _ pode ser apontada como parábola de tudo o que precisa ser feito no Brasil para sacudir as velhas estruturas do Estado, com alicerces do tempo do Estado Novo, e os acréscimos feitos pelos governos militares.

O Financial Times chama a atenção para o fato de que as reformas administrativa, previdenciária e tributária empacaram no Congresso e enfrentam resistências ideológicas e doutrinárias semelhantes à venda da Vale. O jornal de perfil conservador, um dos baluartes na defesa das propostas modernizadoras de Margaret Thatcher que abriram caminho para uma nova Inglaterra no começo dos anos 80 e irradiaram mudanças pelo mundo afora, foi até generoso com as causas da resistência.

Não se pode misturar no mesmo balaio defensores históricos da estatização, que não se rendem aos exemplos de fracasso do planejamento central, com políticos oportunistas que só querem marcar posição (tendo em vista a próxima eleição. É a oportunidade de aparecer nos veículos de comunicação). Ou com

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líderes corporativistas que temem nas reformas a perda do poder que hoje desfrutam.

A percepção do jornal inglês foi absolutamente correta quando apontou os riscos que a estabilização do Plano Real corre pela falta de reformas que garantem maior consistência ao ajuste fiscal. Lembra que o Real é moeda cuja valorização não poderá ser sustentada por muito mais tempo, sob pena de implicar maiores distorções na economia.

A situação falimentar – financeira e administrativamente falando – do Estado brasileiro é hoje o grande obstáculo para que o país retome a trilha do crescimento econômico, mediante a recuperação da confiança dos investidores e financiadores internacionais no Brasil. A Vale do Rio Doce, por sua visibilidade internacional, teria a função de lançar um facho de luz sobre o Brasil. Mas, se o país insistir em em recusar as receitas modernizadores, não haverá condições de acompanhar a trilha dos mais desenvolvidos na competição acelerada pela globalização da economia.

Publicado em.: 04/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 10..................Edição.: 1ª

Novos Regressistas

Por estar perdendo uma batalha jurídica em torno da venda da Vale, não pode o governo perder o rumo das grandes privatizações e da reforma do Estado, que é o caminho da modernidade em qualquer parte do mundo. Não pode, em suma, mostrar-se desnorteado com a grita, pois as resistências que enfrenta, seja em relação a problemas previdenciários ou de enxugamento da administração pública, estão em ação na França, na Alemanha e nos Estados Unidos.

Perder batalhas pode estimular a humildade. Não há mudança modernizadora que não enfrente protestos e escaramuças, o essencial sendo que os países mais avançados na reforma, como a Grã-Bretanha, trocam de partido mas não abandonam a bandeira do redirecionamento do Estado para suas funções clássicas relativas à educação, saúde e segurança.

Os problemas do governo parecem mais táticos do que estratégicos. Aprovada nas urnas e sustentada em bons índices de popularidade nas sondagens, a grande estratégia está correta. No plano tático, porém, a batalha pela opinião pública sempre se renova, e deve ser enfrentada com tenacidade e habilidade, segundo as características que assume. O governo erra quando anuncia antecipadamente o que vai fazer.

A burocracia do Planejamento não deveria vazar informações sobre suas intenções e o próprio ministro Antônio Kandir deveria ser mais discreto no substantivo e melhor porta-voz nas causas do governo. A campanha

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publicitária pela tevê sobre o que estava em jogo na venda da Vale foi fraca e inconsistente. Não se ouviu um líder da base parlamentar do governo sair em defesa da privatização da mineradora, de olho que estava nas próximas eleições.

Perdeu o governo excelente oportunidade de mostrar que a causa da manutenção da Vale estatizada está nas mãos de uma esquerda anacrônica e agônica, em parceria com os estamentos burocráticos apegados às benesses do funcionalismo público. Seus argumentos beiram o ridículo, quando opõem à racionalidade econômica a ``memória político-social do país‟‟, identificando soberania a superstições ético-morais e a pátria a um ufanismo geográfico baseado em jazidas, último avatar do berço esplêndido.

O ridículo aumenta quando se invoca como essência autêntica da nação, não seus segmentos técnicos e modernos, mas a noção ibérica de comunidade defendida por padres, militares e magistrados. A essência brasileira seria apenas visível se desfraldada a bandeira do atraso. O mote obscurantista caracteriza os modernos ``regressistas‟‟ da esquerda, com no Segundo Império, que ontem estariam defendendo a febre amarela contra a vacina de Oswaldo Cruz.

Intelectuais que alguns anos atrás aplaudiam Brezhnev sem suspeitar da falência iminente de sua burocracia estatal, ousam agora criticar a privatização e a abertura só recusadas pela Coréia do Norte e por Cuba. São os stalinistas festivos, gente da classe média e da Zona Sul que a democracia absorve, mas que não podem falar pelos trabalhadores que apóiam a nova CSN e amanhã apoiarão a nova Vale.

É óbvio que a soberania, a democracia, o futuro são causas sérias de mais para ficar nas mãos de deputados papagaios de pirata, militares reformados e pelegos da CUT. Somados, os votos de que foram beneficiários são irrisórios se comparados aos que consagraram o presidente.

Por isso tudo, o governo não pode vacilar: deve prosseguir no rumo que o vasto eleitorado aprovou elegendo-o. Deve acelerar, por exemplo, a nova lei das telecomunicações, com a desregulamentação das bandas A e B. Deve procurar o governo respostas práticas para a arruaça que procura iludir o povo com mitos do passado. Last but not least, deve esporear sua base parlamentar para que o sustente nas batalhas mais ingentes, em vez de apoiar a si mesma de maneira oportunista e eleitoreira.

Publicado em.: 04/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 10..................Edição.: 1ª

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Adiando o Futuro

Na batalha travada esta semana em torno da privatização da Vale do Rio Doce nem os opositores alinharam argumentos que levantassem uma só suspeita concreta a respeito do leilão, nem o Governo conseguiu mostrar com ênfase suficiente o que acontecerá se a empresa não for vendida. Afinal, vender ou não a Vale não é uma questão de vida ou morte. Se vender, o país lucra. Se não, o sol continua nascendo da mesma maneira.

O expediente que serviu de suporte à discussão não teria havido se o Congresso já houvesse aprovado o instituto do efeito vinculante, pelo qual decisões já julgadas em instâncias superiores se estenderiam às demais. O que se viu, nessa batalha, foi o uso da justiça como instrumento político. A tentativa de se substituir o Poder Executivo pelo Judiciário.

Aprovar o efeito vinculante é pôr fim a uma das práticas mais odiosas e injustas deste país, que é a indústria das liminares. Quem resiste a ele são núcleos corporativistas que não querem perder poder e advogados especializados nos expedientes protelatórios, que temem ficar sem as lucrativas chicanas. Essa indústria empurra os processos por anos a fio na Justiça, com o fim de protelar julgamentos que seriam contrários aos interesses de seus clientes.

A liminar, um instrumento que deveria ser nobre, não pode ser usado como expediente de mercado. Hoje muitos juízes dormem sobre liminares por anos a fio, prejudicando os que têm razão na causa. As liminares deveriam ter um prazo razoável, fixado em lei, para serem julgadas. Isso não significa quebrar a independência da Justiça, mas encurtar a distância entre ela e o cidadão.

O efeito vinculante, antes de mais nada, desentupiria a Justiça, hoje congestionada com milhões de ações juridicamente idênticas. Ele evitaria os pleitos repetitivos, que chegaram a 88% dos 32 mil processos julgados no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal. Mais da metade das ações em andamento nos tribunais superiores são repetitivas. Essa superlotação fez com que a média dos despachos, por juiz, no ano passado, nos estados, chegasse a 5 mil.

Nesse mesmo ano foram protocolados 3,7 milhões de processos nos tribunais e fóruns, contra apenas 350 mil em 1988. Esse estrangulamento é causa de injustiça, já que priva de Justiça todos aqueles que ficam anos a fio à espera de uma decisão.

Publicado em.: 07/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 08..................Edição.: 1ª

O Luto Difícil

A guerrilha judicial em torno do leilão da Vale _ encerrada ingloriamente ontem _ foi política e teve o mérito de assinalar o debate de fundo que mobilizou a

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sociedade brasileira. Os estatocratas difamaram o governo com a suspeita de agir doutrinariamente ao generalizar os malefícios da empresa estatal, enquanto o governo identificou corretamente na grita das ruas uma forma de superstição que consiste em achar que só é brasileiro o que pertence ao Estado.

Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, o jurista Fábio Konder Comparato _ um dos autores de liminar contra a venda da Vele – afirmou que, embora os juízes decidissem de acordo com a lei, tinham sua visão pessoal de mundo e posição política. Fica a impressão de que altos ideais, como solidariedade entre as regiões e classes sociais, seriam sempre melhor atendidos se a economia continuasse nas mãos do governo.

No fundo do debate estava o doloroso luto pelo moribundo Estado-pai-patrão que setores da sociedade brasileira se recusam a aceitar. Recusam também que a nação possa se tornar mais forte que o Estado falido e agarram-se com fé religiosa ao velho modelo mercantilista e patrimonialista como se essa obstinação fosse gesto de vanguarda.

O modelo de Estado ibérico legado às colônias da América hispânica e portuguesa, tardiamente repudiado pelas metrópoles européias depois do salazarismo e do franquismo, foi descrita por diversos pensadores e nada tem de progressista.

Octavio Paz falou dos monopólios, privilégios, restrições à livre atividade dos particulares no domínio econômico, arraigados no inconsciente dos povos latino-americanos. Carlos Rangel descreveu o espírito mercantilista medieval em face do qual a atividade econômica particular era quase pecado.

A Contra-Reforma que colonizou o continente quebrou a iniciativa individual a golpe de regulamentações. A riqueza latino-americana não proveio, como no caso dos primitivos colonos da Nova Inglaterra, do esforço, do trabalho, da poupança, da iniciativa individual, da ética rigorosa e austera. Mas da pilhagem santificada pelo reconhecimento ou pela prebenda oficial.

A luta pela manutenção do guante do Estado sobre a economia representou objetivamente a defesa deste Estado tutelar que se perverteu em gerador de privilégios, árbitro do empreguismo, central de tráfico de influências e da corrupção. O Estado ibérico pelo qual pelejou-se com zelo religioso não passa hoje de fantasma histórico a atravancar a economia com controles, restrições e impostos absurdos.

A reprovação do mundo empresarial, mesmo depois da privatização da CSN demonstrar a vantagem da desestatização até para seus operários, exala o antigo ranço medieval de censura à riqueza e reproduz a velha prédica contra o lucro e a competitividade. É o espírito anti-industrial, e a esquerda que o perfilha permanece nostálgica da Contra-Reforma do mundo industrial, encarnada modernamente nos sistemas centralizados, burocratizados, doutrinários do falido stalinismo.

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Começa agora o Brasil a ouvir o sábio conselho do revisionista Deng Xiaoping: enriquecer é glorioso.

Publicado em.: 08/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 10..................Edição.: 1ª

Moinhos de Vento

A última batalha da velha esquerda pela Vale estatal resultou numa retirada histórica: a maior mineradora do país acabou nas mãos de um consórcio que é brasileiro até no nome, liderado pela maior siderúrgica do país _ a CSN. Seus outros parceiros acionistas são investidores também brasileiros: os fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Petrobrás (Petros), Caixa Econômica Federal (Funcef), Cia. Energética de São Paulo (Funcesp), além dos grupos Suzano (papel e celulose) e Vicunha (maior grupo têxtil do Brasil), do qual Benjamin Steinbruch é o controlador.

A velha esquerda pediu melodramaticamente que salvassem a Vale, como se a venda da empresa mineradora automaticamente alienasse para o exterior jazidas que são constitucionalmente do Estado. A verdade é que a Vale do Rio Doce foi vendida, as jazidas continuam em mãos do Estado e a nova Vale sob controle brasileiro. O mundo não acabou e o sol e a lua continuam a se revezar no firmamento.

Mas as lições são muitas para os nacionaleiros de plantão, sempre prestes a ver desnacionalização onde há desestatização, sempre fazendo vista grossa para a apropriação privada das empresas estatais por uma casta aferrada a seus privilégios e que nunca presta contas à nação, sua verdadeira e legítima dona.

Procurou-se arquitetar uma teoria conspiratorial que justificasse a impugnação. Primeiro foi o preço supostamente vil, ardil logo demolido por explicações técnicas sobre os critérios utilizados. Em seguida surgiu a mais sinuosa das suspeitas: o pretenso vício de origem no estudo de modelagem da privatização, contratado pelo BNDES à Merril Lynch, o maior banco de investimento do mundo.

Como a Merril Lynch comprou em novembro passado uma corretora na África do Sul, e essa corretora era sponsoring broker da Anglo-American na Bolsa de Valores de Johanesburgo, a denúncia formulada pela Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia), que fez estudo sobre a privatização da mineradora a pedido de uma comissão externa da Câmara, presidida pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), era de que tudo fora armado para favorecer a Anglo-American. Deu o Consórcio Brasil. A conspiração sul-africana não passava de moinho de moinho de vento.

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O castigo veio a galope por via judicial, com a cassação intermitente de liminares em cascata _ armas inapropriadas de combate, pois a liminar é providência cuja finalidade é suspender a eficácia de ato administrativo danoso ou de iminente ameaça para evitar prejuízo irreparável _ enquanto se examina o mérito do pedido.

No caso da Vale não se configurou ato administrativo lesivo, nem ameaça iminente, nem houve surpresa. A privatização da empresa era debatida desde o início do ano passado e foi aprovada pelo Congresso em dezembro último. Processo transparente apenas perturbado por chicanas de última hora, daquilo que já é conhecido como indústria de liminares.

Cabe reiterar a imperiosa necessidade do efeito vinculante, pelo qual questões resolvidas nas instâncias superiores da justiça passam a ser estendidas aos interessados em situação absolutamente idêntica. A advertência do ministro Sepúlveda Pertence, presidente do STF, sobre a absurda enxurrada de liminares de última hora, com o objetivo declarado de criar dificuldades para o governo, deve ser meditada.

É urgente, diz ele, encontrar-se uma fórmula constitucional no caso das ações populares como as que tentaram obstar o leilão de privatização da Vale, ``para evitar essa dispersão de competências por numerosos juízes federais, ao mesmo tempo, gerando decisões contraditórias e um ônus brutal à defesa do Poder Público.‟‟ Uma solução seria a elevação do grau da jurisdição e a concentração das ações no foro do Distrito Federal.

Passada a absurda refrega torna-se cristalino o móvel dos estatizantes: o velho ``nacionalismo mineralógico‟‟, que segundo o historiador José Murilo Carvalho tem origem próxima no Congresso Mundial de Estocolmo sobre reservas de minérios de ferro (1910), a aquisição do pico do Cauê pela Itabira Iron e a campanha de Arthur Bernardes e do professor Clodomiro de Oliveira contra o empresário americano Percival Farquhar, nos anos vinte.

As origens remotas estão obviamente na colonização e no estripamento impiedoso do solo mineiro pelo europeu. Traumas passados se fixaram em obsessão pela preservação de jazidas e em ufanismo geográfico. Aí deitam as raízes do devaneio autárquico, dos valores exclusivamente autóctones, da retórica telúrica, nativista e indigenista. Muito embora todo esse orgulho infantil pelo berço esplêndido hoje não encontre qualquer fundamento econômico ou base racional para se perpetuar.

Eis o que martela o Manual do perfeito idiota latino-americano (Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa) na clave da paródia: a riqueza é uma criação e não alguma coisa já existente, a prosperidade de um país não é o produto do roubo de uma riqueza instalada em outro lugar. Se os serviços constituem três quartas partes da economia americana atual, não usam matérias-primas latino-americanas nem de nenhuma outra parte, como poderiam ser o resultado de um saque de nossos recursos naturais, como no século 18?

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Na verdade, a persistência desse nacionalismo xenófobo e ressentido no tempo exprime insegurança política, dissimulação histórica, numa mescla de ignorância, preconceito e complexo diante dos mais poderosos. Já se falou num patético caso de amor de tribalismo político com infantilismo econômico.

O Brasil precisa se livrar urgentemente desse entulho colonial.

Publicado em.: 13/05/1997..........Fonte..: JORNAL DO BRASIL Editoria.....: Editorial...........Legenda: N Página.......: 08..................Edição.: 1ª

Fim de Ciclo

O cheque de R$ 3,338 bilhões estampado ao vivo e a cores para todo o Brasil, na semana passada, como pagamento pela Vale do Rio Doce, é emblemático. Símbolo de um novo país que emerge do atraso. Mais que a maior ordem de pagamento à vista emitida no País, é documento que marca o fim do compromisso com uma economia cartorial, protegida, estatizada e arcaica. E o início de um capitalismo moderno, competitivo, ajustado ao seu tempo.

A venda da Vale, simbolizada no cheque emitido pelo Consórcio Brasil, consubstancia o fim de uma época. De um ciclo, que começou na ditadura Vargas, quando o país agrário voltou-se para si mesmo para criar a base de uma industrialização nacional. E que se encerra com a abertura para o mundo e a inserção do país na economia globalizada. Com o ingresso efetivo no capitalismo.

Embalado pela ideologia nacionalista, Vargas implanta a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), lançando a semente para o país industrial do futuro. Um projeto estratégico, que à falta de poupança privada nacional, precisava ser financiado pelo Estado-empresário. Um sonho que abriria espaço para que Juscelino Kubitscheck atraísse a indústria automobilística, matriz de um parque industrial fomentado pelo capital externo. E que se consolidaria com a política de substituição de importações do regime militar, onde novamente o Estado-investidor é chamado para montar a infra-estrutura energética, logística e de telecomunicações que estava além do alcance da poupança privada.

Com o choque do petróleo e a falência do Estado, restou a cultura nacionalista herdada de Vargas e o maniqueísmo religioso do capitalismo de Estado. Uma parte do país avançou. Outra agarrou-se ao passado. A um ciclo que, embora necessário à época, esgotou-se. Que, se foi pioneiro, não podia ser eterno. Não percebeu que a fonte do Estado-pai secara e com ela o protecionismo, o financiamento público a juros subsidiados, os privilégios. Que sem poupança oficial as empresas estatais estagnaram, perderam capacidade de investir.

A venda da Vale, antes de mais nada, é vitória de um governo que teve a coragem de enfrentar os ranços do passado. Do novo Brasil que emerge das

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privatizações e das reformas. Um Brasil que nas próximas eleições mostrará também nas urnas a renovação política. A vitória de uma nova geração política e empresarial, que levará o país ao seu destino de grande nação, sempre esperado e nunca alcançado.

A composição acionária do consórcio que arrematou a Vale apresenta um novo capitalismo que se inaugura no Brasil. Várias empresas e instituições, nacionais e estrangeiras, participam do mesmo projeto, adequando-se ao tempo da associação solidária. É o fim do preconceito contra o capital. A mesma CSN que lança as bases da industrialização nacionalista abre-se para construir o futuro.

O cheque da Vale é, portanto, passaporte de uma nova era. De uma nova forma de financiar o desenvolvimento, gerar empregos, modernizar o país. É a senha que libera o Estado para investir em educação, saúde, saneamento. De aplicar o dinheiro público na sua vocação própria.

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ANEXO D O GLOBO

O álibi de não pensar

O LEILÃO da Vale do Rio Doce marca provavelmente a última presença em cena de uma ideia que faz carreira bem mais longa do que merecia: a de que alguma coisa só é “do Brasil” se pertencer ao Estado.

AS ESTATAIS proliferaram, na década de 70, com base nesse conceito, que tem honestas raízes no temor de multinacionais onívoras e na falta de confiança na empresa nacional incompetente.

A REALIDADE, hoje, é um tanto mais complicada. Mas, parando para pensar, não é difícil perceber que a Vale é do Brasil enquanto aqui pagar impostos e criar empregos. E aqui investir e para cá trouxer os dólares do que vender lá fora. E aqui tiver sua sede, e forem brasileiros os seus principais acionistas.

DE CERTO, qualquer estatal também é nacional. Mas o que interessará, então, será saber qual a empresa brasileira que melhor serve aos brasileiros: a que está livre para crescer e gerar mais recursos que ajudem o país, ou a que está manietada pela escassa capacidade de investir do Estado?

QUAL É, por exemplo, a melhor Companhia Siderúrgica Nacional? A estatal, quase parada e devendo uma fortuna em ICMS ao Rio de Janeiro, ou a particular, com fôlego para comandar um dos grupos habilitados a comprar a Vale?

TALVEZ NÃO se possa pedir a um skinhead da Praça Quinze que chegue às conclusões a que essas indagações conduzem. Mas só tem direito a esse álibi confortável quem, por opção de vida, não se acha obrigado a pensar no que faz.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 250 palavras Edição: 1 / Página: 1 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 01/05/1997

A força das reformas

A INTENSA e bem articulada campanha contra a privatização da Vale não se desenvolve solta no espaço. Sequer existe a pretensão de que representa divergência específica contra um ato de governo. Na verdade, com suas palavras de ordem repetidas nas mais diferentes assembléias e com suas faixas presentes nas mais contraditórias assembléias, a campanha da Vale

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mais se parece com a argamassa que solidifica uma vasta ofensiva contra todo o Governo.

SERIA PARANÓIA falar em conspiração, mas de certo é ingênuo acreditar em coincidência. O que existe, e tem sua cabeça de proa, no momento, na tentativa de impedir a venda da estatal, é o esforço de diferentes setores – cada qual com seus motivos – para impedir que uma administração reformista atinja seus objetivos.

SEM DÚVIDA, o compromisso com a reforma do Estado é a marca mais forte do Governo Fernando Henrique. A meta é coerente com a trajetória da equipe que, com o Plano Real, trouxe estabilidade à economia nacional – uma estabilidade que permite a ação reformista e também a exige, para se tornar duradoura.

O ÍMPETO reformista é ameaça evidente a todas as conquistas do corporativismo no país. Um Estado simplificado, entregue às suas tarefas essenciais e dedicado à eficiência não pode conviver com os privilégios de grupos e indivíduos que se habituaram a prosperar não como seus servidores, mas como clientes privilegiados.

A CORPORAÇÃO esteja ela na estrutura burocrática ou na máquina política, nos tribunais ou nas assembléias, opõe-se naturalmente – e, em muitos casos, inconscientemente – a um governo reformista.

DE OUTRA parte, as reformas são benéficas para o país. E todas as pesquisas de opinião, nos últimos anos, têm mostrado que o país sabe disso. Ele o mostra tanto quando aprova as reformas, como quando reafirma sua confiança no Governo que luta por elas.

NESSE QUADRO, a oposição política vê o êxito de todas as políticas oficiais como obstáculo direto às suas pretensões de chegar ao poder. É uma constatação que une no mesmo palanque partidos e movimentos que nada têm em comum a não ser uma necessidade visceral de ver o Governo fracassar. Mesmo que isso signifique jogar o espírito público pela janela e sabotar toda e qualquer reforma, toda e qualquer iniciativa que aproxime o Governo de seus objetivos declarados.

NÃO É, deve-se repetir, uma conspiração. Mas é uma comunhão dos diferentes e dos contrários, servindo ao mesmo fim. Assim, não se deve estranhar que faixas contra a venda da Vale enfeitem marchas de sem-terras. Nem que magistrados reafirmem em discursos a estratégia que desenvolvem em decisões liminares: aquela que prega o engessamento de um Executivo que incomoda.

AS MUITAS frentes da ofensiva criam a impressão de um governo sob cerco. Não é inevitável, no entanto, que a impressão se transforme em realidade. Porque a opinião pública não apenas apóia os caminhos escolhidos pelo Governo. Ela exige que eles sejam percorridos. O verdadeiro vínculo não é entre o Palácio do Planalto e a nação, e sim entre esta e as reformas que ela sabe indispensáveis.

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NÃO HÁ frente ampla de interesses contrariados – seja ela consciente ou produto de circunstância – que tenha força para quebrar esse vínculo.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 520 palavras Edição: 1 / Página: 17 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 02/05/1997

Ameaça vencida

O LEILÃO da Vale do Rio Doce não chegou a ser festivo como merecia, mas financeiramente todo o esforço e todo o suspense foram compensados de forma extraordinária por quase 20% de ágio. O consórcio vencedor está habilitado a multiplicar os negócios da companhia, tornando-a ainda mais eficiente e lucrativa – e, portanto, mais útil ao Brasil.

SERIA AGRADÁVEL dizer que ontem chegou ao fim uma batalha dura mas leal. Só não seria a verdade. Porque foi montada, contra uma iniciativa crucial para a economia do país, uma ofensiva juntando forças e pessoas que tinham em comum apenas o intuito de enfraquecer o Governo.

E PORQUE, para atingir esse fim, tentou-se transformar os tribunais em instrumento de manobra política, com absoluto desprezo pelo risco que isso trazia para o equilíbrio entre os poderes da República.

SUPERADA A ameaça, deve o Governo partir com agilidade para a etapa de venda das ações restantes ao público. E, com a mesma tenacidade, redobrar o esforço para levar adiante o programa de desestatização nos setores elétrico e de telecomunicações.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 173 palavras Edição: 1 / Página: 1 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 07/05/1997

Perdas inúteis

O GOVERNO não sai da batalha da privatização da Vale do Rio Doce com a imagem intacta. Boa parte dos arranhões são culpa sua.

SENDO A causa justa, isso é alarmante.

A CAMPANHA do Governo, incluindo da propaganda na televisão aos artigos e entrevistas de autoridades e seus aliados, foi mais esforçada do que eficiente.

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Mostrou-se incapaz de reduzir a questão aos seus dados mais simples – quer dizer, ao essencial – e assim levá-la à sociedade. Simultaneamente, ao gastar a munição pesada da TV no esforço para demolir os argumentos contrários, cometeu-se o erro de dar às teses do adversário o que elas mais precisavam, Isto é, espaço e importância.

AINDA É possível recuperar terreno, numa campanha pós-leilão em que não se precisará perder tempo com todas as acusações que os fatos desmentiram sozinhos. Como a de que a Vale estava sendo praticamente doada ao capital estrangeiro e bobagens semelhantes.

ALÉM DISSO, vêm aí a privatização das empresas de telecomunicações e de energia elétrica. E o Governo já perdeu o direito de se deixar surpreender pelo ímpeto e a eficácia retórica da oposição nessas brigas.

É INACEITÁVEL que corra riscos no campo da comunicação o lado que tem no arsenal a verdade, a lógica, os números e um orador principal que fala bem até de improviso.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 212 palavras Edição: 1 / Página: 29 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 08/05/1997

Desespero, oportunismo

TODA A lógica da argumentação dos principais adversários da venda da Vale do Rio Doce – como o deputado Miro Teixeira e um grupo de professores da Coppe – era amparada numa única afirmação. Era a certeza de que seria um leilão de cartas marcadas, porque a Merrill Lynch teria modelado a operação de forma a beneficiar a mineradora sul-africana Anglo American, da qual era associada.

A VITÓRIA do outro consórcio (congregando centenas de milhares de acionistas, através de fundos de pensão e de investimentos), esvaziou a teoria da conspiração. E quem nela apostou ficou devendo à opinião pública uma retratação – à falta de explicação.

AS AÇÕES que tentam anular o resultado do leilão também se baseiam em hipóteses esdrúxulas. O argumento mais usado sustenta que o Congresso precisaria aprovar lei mandando vender uma estatal, porque a Constituição exige lei para se criar uma estatal.

É TEORIA de quem despreza a intenção do legislador. A Constituição criou exigência apenas para o aparecimento de novas estatais, porque, logicamente, o fenômeno que preocupava os constituintes – e com razão – era o número excessivo dessas empresas.

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DESCOBRIR AÍ motivo para bloquear a venda de uma estatal pode ser produto do desespero, o que seria até respeitável. Ou do desejo de aproveitar até a última gota a notoriedade proporcionada pela controvérsia. O que não chega a ser respeitável.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 222 palavras Edição: 1 / Página: 20 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 09/05/1997

A multiplicação das liminares

Na raiz da crise

Ocorreu uma utilização inteligente de brechas do sistema

Às vésperas de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Sepúlveda Pertence voltou ao tema constante de seus dois anos de mandato: a crise do Judiciário e a necessidade de reforma. E deu como indicador dessa necessidade a explosão de ações.

Muitos juristas concordam, preocupados com distorções, que poderão desgastar a imagem pública do Judiciário: o número extraordinário de ações contra o leilão de privatização da Vale do Rio Doce; a concessão de liminares por juízes de primeira instância e em pequenos municípios, em matéria complexa e abrangente; e a apresentação quase simultânea de ações em diferentes pontos do país.

Ocorreu uma utilização inteligente de brechas do sistema jurídico: fizeram-no funcionar como instrumento de paralisação de ações legais do Governo. Houve, em suma, uma politização dos tribunais. É fácil multiplicar ações contra a União quando a Constituição diz que elas podem ser propostas praticamente em qualquer parte do país. A Constituição também afirma que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular contra ato lesivo ao patrimônio público. Graças a isso, nada impede que o Judiciário seja compelido a se pronunciar sobre questões muito mais políticas que jurídicas.

Junta-se a esses fatores a possibilidade de pedir liminares não apenas para a proteção de direitos individuais mas alcançando tudo que possa ser definido como interesse público. Foi assim que, contrariamente à natureza da liminar, que exige fundamentação razoável, concedeu-se liminar sob a alegação vaga de favorecimento de grupos estrangeiros. A urgência da reforma do Judiciário ficou amplamente demonstrada durante a batalha jurídica em torno do leilão da Vale. Mas ela já era necessária há muito tempo. Envolve, claro, alterações na Constituição de 1988, e também a conclusão da modernização dos códigos. Mas só acontecerá de fato com a pressão esclarecida da sociedade – e a adesão consciente da magistratura, do Ministério Público e dos advogados.

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Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 321 palavras Edição: 1 / Página: 6 Coluna: / Seção: Nossa Opinião Caderno: Primeiro Caderno / Data: 14/05/1997.

Prepotência na rua

POR SUA própria natureza, a manifestação popular não pode ser regulamentada. Mas isso não significa que ela não tenha limites, fixados pelo bem comum.

NA DEMOCRACIA, o interesse coletivo é predominante. Ele determina, por exemplo, que a invasão de um prédio público é um ato essencialmente prepotente, de quem diz ao servidor público: não permitirei que você trabalhe para todos enquanto não resolver o meu problema na forma que eu quero.

A PREPOTÊNCIA também está presente nos excessos em manifestações de rua. Ao direito democrático de expressar uma opinião, corresponde o dever democrático de fazê-lo nos limites da ordem. Não existe definição da livre expressão que inclua a baderna como condição pertinente ou consequência legítima.

ESTAMOS ASSISTINDO no Brasil, hoje, a uma escalada de violência nos protestos de rua. Houve baderna no Rio durante o leilão da Vale do Rio Doce, e mais tumulto há dois dias em Belo Horizonte com diversas pessoas feridas, uma delas com gravidade.

OS ESPAÇOS abertos de uma sociedade livre não rejeitam a passeata ou as faixas. Não há lugar, no entanto, para a manifestação descontrolada, que leva inevitavelmente ao confronto físico. Nem para a vaia que apenas substitui argumentos para quem não os tem.

CABE AO poder público, em todos os níveis, reagir adequadamente. Isso significa proteger a manifestação que se faz legítima pelo respeito aos direitos alheios. E reprimir, sem cair na armadilha da violência excessiva, todas as ações que representam unicamente o exercício da prepotência.

Jornal: O GLOBO / Autor: Editoria: Opinião / Tamanho: 239 palavras Edição: 1 / Página: 11 Coluna: / Seção: Caderno: Primeiro Caderno / Data: 17/05/1997