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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UnB) INSTITUTO DE QUÍMICA (IQ) - LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA QUÍMICA (LATEQ) 1 ITTO Organização Internacional de Madeiras Tropicais Universidade de Brasília UnB Instituto de Química Laboratório de Tecnologia Química – LATEQ Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração e Desenvolvimento – FEPAD, uma fundação de apoio da UnB Projeto ITTO PD 31/99 Rev.3 (I) “Produção nãomadeireira e desenvolvimento Sustentável na Amazônia” Objetivo Específico No. 1, Resultado 1.3 Diagnóstico do extrativismo em eixos de análise Autores: Thaise Rachel Sarmento e Floriano Pastore Jr Brasília, maio, 2006 ÌNDICE GERAL

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UnB) INSTITUTO DE QUÍMICA (IQ) - LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA QUÍMICA (LATEQ)

1

ITTO 

Organização Internacional de Madeiras Tropicais 

 

Universidade de Brasília ‐ UnB 

Instituto de Química  Laboratório de Tecnologia Química – LATEQ 

Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração e 

Desenvolvimento – FEPAD, uma fundação de apoio da UnB 

 

Projeto ITTO PD 31/99 Rev.3 (I) 

“Produção não‐madeireira e desenvolvimento Sustentável na Amazônia” 

 

Objetivo Específico No. 1, Resultado 1.3 

 

Diagnóstico do extrativismo 

em eixos de análise  

Autores: Thaise Rachel Sarmento e Floriano Pastore Jr 

 

 

 

 

  

 Brasília, maio, 2006 

ÌNDICE GERAL

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1. RELAÇÃO DA ESTABILIDADE DO TRABALHADOR EXTRATIVISTA COM A CONSERVAÇÃO DA FLORESTA .................... 3

1.1. Definição de extrativismo: conceitos gerais e contextualização ...................................................................................... 3 1.2. Histórico do extrativismo e a ocupação da Amazônia ......................................................................................................... 5 O EXTRATIVISMO EM TEMPOS REMOTOS .............................................................................................................................................. 5 OS PRODUTOS DA AMAZÔNIA DEPOIS DA CHEGADA DOS EUROPEUS..................................................................................... 6 1500 a 1600 ................................................................................................................................................................................................... 6

A descoberta e a conquista do território amazônico através das expedições de reconhecimento ..................................................... 6 A colonização da Amazônia e as missões religiosas .......................................................................................................................... 6 A posse das terras ................................................................................................................................................................................ 7

1600 a 1700 ................................................................................................................................................................................................... 8 A colonização européia e o extrativismo na Amazônia ..................................................................................................................... 8

1700 a 1800 ................................................................................................................................................................................................. 10 CICLO DO CACAU – 1701 A 1850........................................................................................................................................................ 10

A importância do índio na colonização da Amazônia e a administração de Marquês de Pombal .................................................. 11 Os produtos do extrativismo na Amazônia e as pesquisas científicas ............................................................................................. 14

1800 a 1900 ................................................................................................................................................................................................. 14 A ECONOMIA EXTRATIVISTA DA BORRACHA ................................................................................................................................... 15

Aspectos históricos e primeiros dados do comércio de borracha ..................................................................................................... 15 Características da espécie .................................................................................................................................................................. 16 Expansão tecnológica da borracha e o crescimento econômico da região amazônica .................................................................... 16 A biopirataria no século XIX – o fator que comprometeu a economia da borracha no Brasil ........................................................ 17 As secas no Nordeste e a migração de nordestinos para a Amazônia .............................................................................................. 18 A situação nos seringais .................................................................................................................................................................... 19 Crescimento impulsionado pelo extrativismo da borracha .............................................................................................................. 21

1900 a 1930 ................................................................................................................................................................................................. 22 A concorrência com a borracha asiática e sintética .......................................................................................................................... 22 Criação de órgãos estatais na região norte ........................................................................................................................................ 23 Declínio do extrativismo da borracha ............................................................................................................................................... 25

1930 a 1940 ................................................................................................................................................................................................. 26 Situação na Amazônia perante a consolidação do mercado de borracha asiática ............................................................................ 27

1940 a 1950 ................................................................................................................................................................................................. 29 Segunda Guerra Mundial – e o interesse momentâneo pela borracha amazônica e o Acordo de Washington – A BATALHA DA BORRACHA ..................................................................................................................................................................................... 29 Situação dos imigrantes da Amazônia – o soldado da borracha ...................................................................................................... 30 Situação do mercado de borracha brasileiro após a vigência do Acordo de Washington ............................................................... 32

1950 a 1960 ................................................................................................................................................................................................. 37 Novas riquezas extrativas da Amazônia ........................................................................................................................................... 37 Agricultura incentivada na região Norte através de planos formulados pela SPVEA ..................................................................... 38

1960 a 1970 ................................................................................................................................................................................................. 39 Seringais abandonados pelos seringalista ......................................................................................................................................... 39 Como o regime militar afetou a região norte .................................................................................................................................... 40

1970 a 1980 ................................................................................................................................................................................................. 43 Movimentos políticos dos seringueiros ............................................................................................................................................ 43 Os Planos Governamentais de desenvolvimento da Amazônia ....................................................................................................... 44

1980-1990 ..................................................................................................................................................................................................... 48 Movimentos políticos dos seringueiros e a consciência ecológica no mundo ................................................................................. 49

1990 a 2000 ................................................................................................................................................................................................. 53 A partir de 2000 ......................................................................................................................................................................................... 56 1.2.1. Termos usados no extrativismo .................................................................................................................................................. 62 1.2.2. Características da região ........................................................................................................................................................... 67 1.3. Relação de estabilidade entre extrativista e floresta........................................................................................................... 73 1.3.1. Extrativismo sustentável com renda conserva a floresta ................................................................................................. 73 1.3.2. Extrativismo sustentável sem renda gera condições de predação da floresta ...................................................... 77

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1. RELAÇÃO DA ESTABILIDADE DO TRABALHADOR EXTRATIVISTA COM A

CONSERVAÇÃO DA FLORESTA

1.1. Definição de extrativismo: conceitos gerais e contextualização

O nome do Brasil é originário de uma árvore conhecida vulgarmente por: pau-brasil

(Caesalphinea echinata)(1). Mas o sucesso dessa espécie, na época da chegada dos europeus, não foi

devido apenas à qualidade de sua madeira, e principalmente, por causa do seu extrativo de cor

avermelhada que era usado no tingimento de tecidos.

Extrativismo consiste na apanha ou coleta de produtos, retirados de seu local de ocorrência

natural (2), onde não houve intervenção humana no ciclo biológico da espécie explorada (3), mas que

pode estar integrado ao manejo sustentável dos recursos naturais. É a forma mais primitiva e rudimentar

de produção, pois a maior parte dos materiais coletados praticamente não sofrem processamentos ou

agregação de valor pelo extrativista ou coletor (4).

HIRONAKA (1997)(5), afirma que o extrativismo deve ser considerado como atividade agrária, já

que se trata de produção proveniente da terra (agro), de caráter rural em toda sua essência, mesmo

que não ocorra interferência direta do homem antes ou após o nascimento de um indivíduo. Portanto

essa atividade se mostra “ora como atividade agrária acessória, em perfeita convivência com a

atividade produtiva, esta agrária por excelência, ora como atividade principal propriamente dita”.

Esse extrativismo não pode ser confundido com o extrativismo mineral onde os recursos são

limitados e não-renováveis. Quando tratamos de extrativismo não-mineral podemos denominá-lo de

bioextrativismo (6), que se entende pelo uso econômico dos seres vivos (recursos renováveis). A caça, a

pesca e a coleta de produtos vegetais nativos são exemplos típicos de atividades extrativas renováveis,

(7) ou seja, são atividades que permitem que os estoques sejam repostos naturalmente “numa escala de

tempo compatível com a cultura humana” (8). Essas atividades, tão comuns aos nossos antepassados,

1 (RUEDA, 2003). O Brasil herdou seu nome da extração do “pau-brasil” (Caesalphinia echinata). 2 (DRUMMOND, 1996). O extrativismo é uma maneira de produzir bens na qual os recursos naturais úteis são retirados diretamente da sua área de ocorrência natural. 3 (HIRONAKA, 1997). “O extrativismo é a atividade desempenhada pelo rurícola ou extrator, consistente na simples coleta, recolhida, extração ou captura de produtos do reino animal e vegetal, espontaneamente gerados e em cujo ciclo biológico não houve intervenção humana”. 4 (DRUMMOND, 1996). Uma economia regional é extrativa exatamente porque não processa localmente os bens que retira da natureza. Processos correlatos a essas outras etapas produtivas – como a diversificação econômica e social, a maior qualificação dos trabalhadores, a elevação do nível de renda dos trabalhadores, o desenvolvimento tecnológico e o surgimento das atividades secundárias e terciárias – ocorrem de forma muito superficial ou não ocorrem em regiões extrativas. 5 “Apesar de não haver uma interferência direta do homem nos momentos antecedentes à germinação ou ao nascimento, nem mesmo nos momentos subseqüentes de todo o ciclo biológico de maturação do produto ou do animal, a mera atividade de extração ou captura há de ser considerada agrária, já que se trata, de qualquer forma, de uma produção da terra, do agro de caráter indiscutivelmente rural”. 6 (REGO, 1999). “Este refere-se ao uso econômico da biota, isto é, dos seres vivos (recursos renováveis) dos ecossistemas naturais. É enganosa, portanto, a idéia de um extrativismo puro, já que a floresta, como hábitat do homem e por meio dele, sofre constantes alterações”. Definir extração como coleta limitada aos estoques naturais reduz a atividade ao extrativismo mineral, à apropriação do meio físico do ecossistema natural (recursos, por natureza, não-renováveis). É preciso, portanto, distinguir extração mineral de bioextrativismo. 7 (DRUMMOND, 1996). A caça, a pesca e a coleta de produtos vegetais são os três exemplos clássicos de atividades extrativas. 8 (DRUMMOND, 1996). “Esse extrativismo se aplica principalmente a bens que são conceitualmente entendidos como renováveis (plantas e animais, ou gerados por plantas e animais), bens cujos estoques são repostos por processos naturais numa escala de tempo compatível com a cultura humana”.

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ainda resistem diante do crescimento da pecuária e da agricultura nos dias de hoje. DRUMMOND

(1996), descreve bem essa afirmação:

“Essas três atividades sobreviveram mesmo em sociedades com formas itinerantes de agricultura

ou de pastoreio, complementando os recursos de subsistência, principalmente com proteína animal e

bens vegetais cujo cultivo era inviável ou desconhecido”.

Segundo Raymundo Laranjeira (in HIRONAKA, 1997), “... o extrativismo rural informa, somente um

mero apanho, extração ou captura de produtos vegetais e animais, que nunca mereceram tratos

anteriores a tal proveito. Por isso se contrapõe mesmo à noção de agricultura, vale dizer, com o que

ocorre junto à hortigranjearia, á lavoura e à pecuária, os quais requerem, sempre, um desforço

organizado, os cuidados preparatórios que assistem os frutos da terra, da sua origem até o resultado

derradeiro, e que confirmam aquele apropriado sentido do que seja cultura, de ager, campo cultivado,

na sua remota significação”. A mesma autora descreve a afirmação de Sodero, que entende que “... o

extrativismo, que pode ser animal ou vegetal, implica coleta de frutos ou produtos desses dois reinos da

natureza, quando não há ativa participação do rurícola no processo agrobiológico de produção, ou

seja, quando se desenvolve em floresta nativa ou animais não domesticados”.

O extrativista é a pessoa responsável pela extração do material na vegetação nativa, bem

como seu armazenamento e venda. Os métodos de extração e os conhecimentos sobre cada espécie

são passados de pai para filho ou de geração para geração, formando uma rede de conhecimentos e

cultura tradicional de séculos.

A extração é, talvez, a mais antiga das atividades humanas (9). Por isso que se acumulou um

conhecimento tradicional tão rico a respeito dos usos dos produtos naturais, já que as comunidades

intuitivamente foram observando o meio ao seu redor e adquirindo conhecimento sobre as épocas

mais apropriadas à coleta, caça ou captura dos produtos que precisavam.

A extração pode ser sustentável, onde o extrativista coleta o material e não afeta a população

da espécie como um todo, normalmente isso ocorre quando os métodos empregados não causam

danos que comprometam a sanidade da planta e principalmente não causem sua morte. Quando a

extração não é sustentável provém de práticas que agridem de alguma forma o ciclo biológico da

espécie, como por exemplo interferindo negativamente na regerenação natural ou quando se coleta

plantas inteiras, havendo casos em que a extração é tão destrutiva que ocorre morte de grande parte

da população, resultando em erosão genética e chegando a ameaçar de extinção a espécie

explorada.

A idéia de um extrativismo puro é enganosa, pois a floresta, quando habitada pelo homem,

sofre constantes alterações (10). Todo tipo de extrativismo afeta os recursos naturais de alguma forma, o

importante é conhecer o impacto da atividade no meio ambiente. Conhecendo esses impactos, deve-

9 (HIRONAKA, 1997). “Extrair é, talvez, a mais antiga das atividades humanas... Intuitivamente capazes de distinguir os locais e épocas mias adequadas à recolhida, à coleta ou à captura, tais povos conseguiram acompanhar o ritmo da natureza, buscando no lugar certo os alimentos, quer os do mundo vegetal – frutos silvestres, raízes etc. – quer os do mundo animal – peixes, crustáceos, animais selvagens de pequeno e médio porte etc”. 10 (REGO, 1999). “É enganosa, portanto, a idéia de um extrativismo puro, já que a floresta, como hábitat do homem e por meio dele, sofre constantes alterações”.

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se buscar alternativas tecnológicas para minimizar a degradação dos recursos naturais, bem como,

encontrar novos meios de aumentar a produtividade do extrativista, buscando o crescimento de seus

conhecimentos no processo de produção e melhorar sua qualidade de vida e da própria família.

Atualmente, surgiu o neoextrativismo, que segundo RUEDA (2003):

“A procura de novas alternativas econômicas é a característica principal do neoextrativismo,

sendo que entre elas tem merecido especial atenção à agregação de valor aos produtos extrativistas,

mediante o beneficiamento primário nos lugares de produção.”

Essa visão sobre o extrativismo procura elevar a renda das populações tradicionais com o

aumento da especialização das comunidades. ALLEGRETTI (1992)(11) chama a atenção para a

economia extrativista, que consiste em observar a natureza como forma de aquisição de capital para a

sobrevivência das pessoas, bem como entender que o valor de um produto não está relacionado

apenas com o potencial de mercado, com sua oferta e demanda, e sim com o “conjunto das funções

desempenhadas na manutenção dos sistemas básicos de suporte para a vida humana”.

1.2. Histórico do extrativismo e a ocupação da Amazônia

O EXTRATIVISMO EM TEMPOS REMOTOS

Os primeiros humanos a habitarem à região amazônica só puderam se manter com a prática da

caça, pesca e de atividades de coleta de alimentos, que cresciam espontaneamente nas

proximidades de seu habitat, necessários à sua subsistência (12). Essa extração de elementos da flora e

fauna tem sido o meio fundamental de sobrevivência para os seres humanos nos últimos 6 a 8 mil anos

nessa região. Mesmo nos momentos de maior prosperidade não é provável que essas sociedades

interromperam as atividades de extração (13). Tudo isso evidenciou um grande esforço de adaptação

cultural, principalmente para os homens que a povoaram antes da era Cristã (14).

Durante longos estágios, as comunidades primitivas combinaram o extrativismo com a

agricultura de subsistência itinerante e criação de animais. As atividades de extração mudaram depois

da chegada dos europeus na Amazônia, “ mas quase todos os ciclos extrativos propriamente

comerciais da Amazônia foram baseados em bens e ‘drogas do sertão’ conhecidos e usados antes da

presença européia” (15).

11 É dentro desses parâmetros conceituais que faz sentido o termo economia extrativista, entendido como o conjunto de riquezas materiais existentes em estado natural, que permite a sobrevivência humana em ecossistemas peculiares, nos quais os recursos naturais são vistos como recursos produtivos, ou seja, como capital. O valor dos produtos que existem nessas áreas decorre não somente de seu potencial de mercado, de sua oferta em relação á demanda, mas do conjunto das funções desempenhadas na manutenção dos sistemas básicos de suporte para a vida humana. 12 (HIRONAKA, 1997). No início dos tempos, certamente, os povos se mantiveram graças à prática da atividade de recolher os alimentos necessários à subsistência dentre os espontaneamente gerados às proximidades de seu habitat. 13 (DRUMMOND, 1996). A extração de elementos da flora e da fauna de áreas florestadas e conexas (rios, lagos, igapós, cerrados, manguezais, etc.) tem sido um meio fundamental de subsistência para a maior parte dos seres humanos que viveram na Amazônia nos últimos 6 a 8 mil anos. É improvável que mesmo essas sociedades amazônicas complexas tenham interrompido todas as suas atividades extrativas, mesmo nos seus momentos de maior prosperidade. 14 (MIRANDA NETO, 1991). A Amazônia é um laboratório apropriado para o estudo da adaptação cultural. Durante os últimos milênios, foi alvo de dois sucessivos e distintos tipos de utilização humana. O primeiro se desenrolou sob a influência da seleção natural, resultando dos ingredientes trazidos pelos primeiros homens que a povoaram antes da era Cristã. 15 (DRUMMOND, 1996). A maior parte das sociedades amazônicas passou por longos estágios de comunidade primitiva, em que a extração forneceu grande parcela dos meios de subsistência, por vezes em combinação com os produtos da agricultura itinerante ou de queimada. O extrativismo tem uma longa história na Amazônia, é evidente que as atividades extrativistas mudaram depois da penetração européia, mas quase todos os ciclos extrativos propriamente comerciais da Amazônia foram baseados em bens e “drogas do sertão” conhecidos e usados antes da presença européia.

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OS PRODUTOS DA AMAZÔNIA DEPOIS DA CHEGADA DOS EUROPEUS

1500 a 1600

A descoberta e a conquista do território amazônico através das expedições de reconhecimento

No século XVI com a chegada dos europeus à América, ao penetrarem na Amazônia

encontraram indígenas que viviam de produtos coletados na floresta, da pesca e da caça, “numa

tradição de milênios” (16). Observavam que os primitivos habitantes faziam uso de um produto elástico

de origem vegetal, que hoje chamamos de borracha natural (17). A borracha foi conhecida desde 1536,

onde foi sendo utilizada pelos missionários como impermeabilizante em sapatos e panos (18).

Os europeus buscaram conhecer as especiarias da Amazônia e três meses antes de Pedro

Álvares Cabral aportar em Porto Seguro (abril de 1500), o espanhol Vicente Yáñez Pinzõn descobriu a

embocadura do rio amazonas onde adentrou parcialmente, levando para a Europa produtos naturais

trocados com os índios (19).

No período de 1539-42, a região foi conhecida pelo mundo devido ao espanhol Francisco

Orellana (20), que viajou pelo rio amazonas em quase toda a sua extensão no sentido oeste-leste. Após

essa expedição, em 1561, outra foi realizada pelo naturalista Pedro de Úrsua e Lope de Aguirre. Essas

expedições resultaram em vários estudos botânicos onde tiveram destaque no período dos Tratados

Quinhentistas (21).

Apesar da região ter sido visitada por holandeses e ingleses em viagens de reconhecimento,

durante todo o século XVI, a região permaneceu praticamente imune à ação dos europeus (22).

A colonização da Amazônia e as missões religiosas

Os ‘colonizadores’ acharam que para conquistar a região amazônica utilizariam da mesma

cultura agrícola que implantaram no litoral do Brasil, como o caso da cultura da cana-de-açúcar.

Porém devido às características das florestas e os fatores adversos encontrados, tiveram que buscar

16 (SILVA, 2003). Quando os europeus, no século XVI, penetraram pela primeira vez na região, depararam-se com os primitivos povoadores vivendo basicamente de produtos da floresta, da caça e da pesca, numa tradição de milênios. 17 (HIRONAKA, 1997). Nos primórdios da colonização, os europeus que primeiro desbravaram a Região Norte do Brasil encontraram seus primitivos habitantes fazendo uso de uma substância elástica, de origem vegetal, cuja aceitação, por parte daqueles, foi imediata. Esse produto, hoje, chamamos de borracha natural, a diferenciar-se do seu similar sintético, muitas décadas após, também inventado. 18 (LIMA, 1975). Conhecida, pelos invasores espanhóis, desde 1536, começou a borracha a ser logo utilizada pelos missionários, em sapatos e panos que ela tornava impermeáveis. 19 (SILVA, 2003). Inicialmente que os espanhóis, após se instalarem no continente americano, organizaram expedições para encontrar especiarias no imenso território amazônico, para além da cordilheira dos Andes. Antes, porém de adentrarem a Amazônia pelo lado do Pacífico, já a haviam visitado, pelo lado do Atlântico. Três meses antes de Pedro Álvares Cabral aportar, em abril de 1500, em Porto Seguro, o espanhol Vicente Yáñez Pinzõn descobriu a embocadura do rio amazonas, adentrando-o, parcialmente. Pinzón levou para a Europa rpodutos naturais trocados com os índios Caraíbas ou Aruãs. 20 (MIRANDA NETO, 1991). No período de 1539/1542, o espanhol Francisco Orellana, a partir de Quito, conseguiu atingir o Oceano Atlântico, feito que revelou a Amazônia ao mundo.. 21 (SILVA, 2003). Quatro décadas mais tarde, entre fevereiro de 1541 e agosto de 1542 Francisco de Orellana fez a célebre viagem pelo rio amazonas, navegado-0 em quase toda sua extensão, no sentido oeste-leste. À expedição de Orellana seguiu-se a de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, cerca de 20 anos mais tarde (1561). O interesse de naturalistas nacionais e internacionais pela região remonta ao século XVI. Já nos Tratados Quinhentistas aparecem com forte destaque os resultados dos primeiros estudos botânicos. 22 (SILVA, 2003). E ao final do século XVI holandeses e ingleses visitaram a região em viagens de reconhecimento. Pode-se considerar que, salvo essas investidas, a região permaneceu praticamente imune à ação do homem branco, durante todo o século XVI.

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outra atividade que sustentasse a economia da região, assim prevaleceu o extrativismo dos produtos

naturais (23). Também praticava-se o extrativismo da madeira e de minerais, principalmente o ouro (24)

(25).

O sistema econômico de exploração nesse período foi controlado pelo exterior que acabou

destruindo o equilíbrio observado antes da ‘colonização’ e impediu o estabelecimento de um novo

equilíbrio. As missões religiosas foram responsáveis pela conquista de toda a Amazônia Ocidental (26). As

ordens religiosas, em sua maioria, realizada por jesuítas e carmelitas espanhóis e portugueses, tinham um

objetivo principal: abrir espaço para o avanço da colonização européia. Esse contato religioso, muitas

vezes, foi feito à força, mas de qualquer modo, teve um resultado de crescimento econômico para a

região, com o desbravamento do território amazônico. Era de responsabilidade dos índios a construção

das instalações da missão, como a igreja, escolas, casas de habitação, armazéns e depósitos. (27).

A posse das terras

A apropriação de terras era feita muitas vezes de forma fraudulenta, onde se demarcavam

extensas áreas e se pagava a preços irrisórios. Não havia nenhum critério ou senso, nem mesmo uma

legislação de terras para a colonização da região, tal que, não havia interesse na pequena

propriedade “como fator associativo da população, como recurso de economizar o trabalho e

baratear a produção, como elemento de fixação o homem ao solo, como força de aproximação dos

habitantes, para solidarizá-los na ação repressiva contra as asperezas do meio ambiente”. O que se via

eram gigantescas propriedades, conhecidas como larga manu (28).

No quadro abaixo se podem observar um pequeno resumo dos principais acontecimentos do

século XVI.

23 (SILVA, 2003). Os primeiros luso-brasileiros que se estabeleceram na Amazônia imaginaram que seria possível ocupar e colonizar a região implantando a mesma cultura agrícola utilizada na costa brasileira, a cana-de-açúcar. Mas isso se revelou impraticável, devido a um conjunto de fatores adversos encontrados. E a ocupação do espaço amazônico teve então que contar com outra base econômica, o extrativismo dos recursos florestais. 24 (RUEDA, 2003). A atividade extrativista tem sido uma constante da história econômica do país. Durante a colonização praticou-se o extrativismo da madeira e de minerais, especialmente do ouro. 25 (MIRANDA NETO, 1991). Dominar a Amazônia e incorporá-la ao processo de colonização, há quase cinco séculos, dependeu de muito esforço e desgaste. No século XVI, foram os espanhóis que, atravessando o oceano, apareceram como figuras centrais da aventura, ainda que não tivessem chegado a tomar consciência do valor futuro das terras que tocavam. Mis ocupados em explorar as riquezas minerais de suas colônias da costa do Pacífico, deixaram aos portugueses liberdade de ação quanto ao domínio da Amazônia. Depois, os ingleses e holandeses, empenhados em disputar com os portugueses e espanhóis as conquistas que estes já tinham feito nas Amérias, atingiram o vale, ocupando-o e iniciando a exploração. 26 (MIRANDA NETO, 1991). O segundo, introduzido no princípio do século XVI, foi um sistema de exploração controlado do exterior, que não apenas destruiu o equilíbrio anterior, mas impediu o estabelecimento de um novo equilíbrio. Por outro lado, desde o século XVI, o colonizador espanhol marcou presença em toda a Amazônia Ocidental, através de missões religiosas. 27 (MIRANDA NETO, 1991). A infiltração pelo vale acima do rio Amazonas iniciou-se fracamente na segunda metade do século XVII. Sua vanguarda foram as ordens religiosas, em particular jesuítas e carmelitas. Reunidas estas missões, de origem espanhola, às portuguesas que subiram pelo amazonas, o conjunto apresentava-se como um bloco imenso e coeso de territórios plantados em cheio na América. Nem se pode dizer que os jesuítas realizavam o objetivo tradicional de todas as missões religiosas, isto é, abrir caminho entre populações indígenas para o avanço dos colonos europeus. Lutaram contra estes com todas as armas, inclusive à força, tentando desesperadamente afastá-los e manter sua hegemonia própria. Mas, seja como for, os padres realizaram uma grande tarefa econômica no vale amazônico. A eles coube a iniciativa do desbravamento de todo este imenso território, semeando suas missões num raio de milhares de quilômetros. Estas, no aspecto que nos interessa aqui, constituíam importantes empresas comerciais. Debaixo da ordem de diretores e mestres, os indígenas construíram as instalações da missão – as casas de habitação, a igreja com sua escola anexa, os armazéns e depósitos. 28 (LIMA, 1975).O Amazonas é terra de latifúndios. Facílima, desde a sua exploração, era a conquista de terras extensíssimas, adquiridas por meio de demarcações muitas vezes fraudulentas, a preços ridículos. De fato, a investida inicial no Amazonas foi tumultuosa e anárquica. Nenhum senso, nenhum critério presidiu à sua colonização. Constituíram-se gigantescas posses, que em breve se tornaram imensas propriedades, concedidas larga manu, com infinita prodigalidade, pelo Estado. Desde início começou a pensar sobre os exploradores do Amazonas, implacável, a tirania da distância. Nunca houve ali uma legislação de terras que concebesse o objetivo da pequena propriedade, como fator associativo da população

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1600 a 1700

A colonização européia e o extrativismo na Amazônia

Foi a partir do século XVII que a Amazônia sofreu realmente uma influencia da colonização

européia, com a construção do forte do Presépio na foz do rio Amazonas (1616), por Francisco Caldeira

Castelo Branco, com razões mais políticas que econômicas, o qual deu origem à cidade de Belém. A

preocupação inicial era de construir defesas para expulsar os invasores e reconhecer a bacia do rio

Amazonas. Após a retirada dos invasores do solo brasileiro, formaram-se bases para expandir e colonizar

a região, já que Portugal havia entrado em uma grande crise com a perda do monopólio do açúcar,

que agora passara a estar nas mãos dos holandeses (29),(30), (31).

A Amazônia vivia economicamente com seus próprios recursos naturais, e a medida que se

conheciam novos produtos naturais o mercado se diversificava o que aumentava o interesse

internacional na região. Os primeiros produtos, conhecidos como ‘drogas do sertão’ (cravo, canela,

cacau, baunilha e plantas medicinais), dataram de 1641 a 1700, sendo o principal e o mais importante

deles, o cacau, que não era consumido pela população local por não se conhecer técnicas para seu

processamento (32).

Pedro Teixeira, em 1636, realiza uma expedição pelo rio Amazonas, percorrendo-o pelo sentido

contrário ao realizado por Orellana, colocando um marco no rio Javari para “assegurar o domínio de

terras para o Brasil”, pois procurava-se ampliar os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas (1594) e

desse modo invadir terras espanholas (33).

De 1580 a 1640, Portugal estava sob o domínio da Espanha e o país era dividido em: Estado do

Maranhão (Ceará para o Norte), criado em 1621com sede em S. Luiz, o Brasil Holandês (Rio Grande do

como recurso de economizar o trabalho e baratear a produção, como elemento de fixação do homem ao solo, como força de aproximação dos habitantes, para solidarizá-los na ação repressiva contra as asperezas do meio ambiente. 29 (SILVA, 2003). Somente no início do século XVII os luso-brasileiros chegaram à região, construindo um forte na foz do Amazonas, em 1616, o qual deu deu origem à cidade de Belém. Na primeira metade do século estiverm ocupados em expulsar invasores, em edificar defesas e em reconhecer a bacia do rio Amazonas. Na metade seguinte, quando os inasores já haviam sido expulsos e as bases para a expansão e colonização da região estavam estabelecidas, Portugal entrara em profunda crise econômica, pois perdera o monopólio do comércio do açúcar para os holandeses antigos parceiros comerciais no negócio do produto. 30 (HOMMA, 1989). A fundação da cidade de Belém (1616), destaca-se como posto de fronteira para manter a soberania do território nacional, já que a coleta de drogas do sertão estavam sendo feitas pelos portugueses, ingleses, holandeses e franceses. 31 (MIRANDA NETO, 1991). Porém, na realidade, a conquista só teve início em 1616 quando os luso-brasileiros chegaram ao delta e, após quase 30 anos de combate, conseguiram expulsar os ingleses e holandeses. Portanto, razões mais políticas do que econômicas nortearam a fundação de Belém, a partir do forte do Presépio, construído estrategicamente por Francisco Caldeira Castelo Branco. 32 (SILVA, 2003). A amazônia teve então que praticamente sobreviver com seus próprios meios e recursos. A exploração dos recursos florestais apresentou-se como a opção econômica possível. Teve início a extraçaõ de um elenco de produtos da floresta, poucos no começo, o qul se foi ampliando na medida em que se intensificava o conhecimento do meio e abria-se a possibilidade de a metrópole absorver tais produtos ou comercializá-los com outros países da Europa. Pode-se considerar que o primeiro ciclo de produtos extrativos da região situa-se, portanto, entre os anos de 1641 e aproximadamente 1700, o qual foi denominado pelos historiadores de ciclo das drogas do sertão. Cravo, canela, cacau, baunilha e raízes aromáticas (ou plantas medicinais) foram os principais produtos extrativos da floresta que fizeram parte deste ciclo. Já nos primeiros anos do século XVIII o cacau passou a predominar como principal produto extrativo da região. O cacau era coletado na Amazônia desde o século XVII, havendo historiadores inclusive que consideram que naquele século já era o produto mais importante da região. Fazia parte, no entanto, que um conjunto inicialmente restrito de produtos extraídos na floresta, que a literatura histórica convencionou chamar de drogas do sertão. O cacau era abundante em Belém na segunda metade do século XVII, mas não podia ser aproveitado ou consumido pela população local, face ao desconhecimento da tecnologia de processamento. 33 (MIRANDA NETO, 1991). Em 1636, Pedro Teixeira explora o rio Amazonas em sentido contrário ao da expedição de Orellana, descobre o rio Negro (1637), o Paiamino, afluente do Napo (1638), chega por terra a Quito e, de volta coloca um marco no rio Javari, o que iria assegurar o domínio de terras para o Brasil. Os luso-brasileiros procuravam ampliar o império colonial português que possuíam na América, atingindo áreas que, pelo Tratado de Tordesilhas (1594), pertenciam à Espanha.

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Norte até Alagoas) e o Estado do Brasil (da Bahia até o Sul do país). No Maranhão havia dificuldade de

comunicação e de transporte marítimo (34).

A colonização pelos portugueses foi mais intensa a partir da separação das coroas ibéricas em

1664. Iniciaram-se, assim, atividades agrícolas incentivadas pelo Estado, como exportação de cacau,

cravo, algodão, café e cana-de-açúcar (35). A presença do Estado foi marcada pelo aumento do valor

da borracha natural, que teve seu valor onerado em 1/5 (19% no AM, 22% no PA e 20% no AC) devido

aos altos impostos que o Estado estipulava (36).

O colonizador encontrou dificuldades na penetração da floresta amazônica, desse modo, o

homem se estabelecia à margem dos rios. Como a região era subordinada diretamente à Lisboa, a

Amazônia tinha vida autônoma em relação aos outros estados, e sua principal atividade econômica se

resumia no extrativismo vegetal, onde atraiu mestiços de portugueses, indígenas, africanos e em menor

número, grupos açorianos (37).

O exotismo da região, pouco a pouco revelado, fez despertar interesse científico principalmente

de instituições européias, ocorrendo várias expedições, como a notável ‘Viagem Filosófica’ de

Alexandre Rodrigues Ferreira, que concluiu que as especiarias da região – cacau, castanha-do-pará,

peixes, pimenta, canela, salsaparrilha, copaíba, andiroba, panquelê, cumaru, iagê, virola, guaraná,

xexuá, piaçava, malva e juta – “nada mais eram do que a matéria prima do sistema colonial de

exploração” (38).

A escassez de mão-de-obra

A perda do monopólio de Portugal com as Índias fez com que os colonizadores se interessassem

mais pelos materiais da floresta amazônica, assim descobriram alguns problemas que a região parecia

camuflar como o “baixo índice de valor agregado e de produtividade por unidade de trabalho”. A

base econômica, próxima a região de Belém, era fundada em apenas 3 produtos: açúcar, cacau e

34 (MIRANDA NETO, 1991). Em 1621 foi criado o Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em S. Luiz, diretamente subordinado a Lisboa, sofrendo dificuldades de comunicação e de transporte marítimo com a sede do Governo Geral do Brasil que, entre 1580 e 1640, período em que a Espanha dominara Portual, era constituído de Estado do Maranhão (Ceará para o Norte), Brasil Holandês (R. G. Norte até Alagoas) e Estado do Brasil (da Bahía para o sul). 35 (MIRANDA NETO, 1991). Todavia, a partir de 1640, data da separação das coroas ibéricas, a presença portuguesa se fez sentir com mais intensidade. Enquanto a expansão ocorria em menos de cem anos – tendo como agentes forças militares, missionários religiosos e sertanistas regionais que buscavam as especiarias abundantes no interior – aconteceram algumas tentativas de colonização agrícola. A exportação de cacau, cravo, algodão, café e cana-de-açúcar, cultivados com o incentivo das autoridades portuguesas, movimentou frotas respeitáveis, sendo os rios, naquela época, as únicas vias de acesso. 36 (HOMMA, 1989). A presença do Estado evidenciava-se na cobrança dos impostos que onerava as exportações de borracha em um quinto de seu valor (19% no AM, 22% no PA e 20% no AC). 37 (MIRANDA NETO, 1991). Nesse contexto, e ainda enfrentando as dificuldades próprias da natureza da região, dispondo dos rios, paranás e igarapés, como únicas vias de penetração na Amazônia, o colonizador ficou impossibilitado de avançar para o interior: a densa floresta o detinha, obrigandoo a estabelecer-se às margens desses cursos d’água. “Diretamente subordinada a Lisboa, a Amazônia, como parte do ultramar português, não se vinculava, no entanto, às demais partes do Brasil em elaboração: vivia vida autônoma e definia-se, no aspecto econômico, pelo extrativismo vegetal, ou seja, pela produção de cacau, açúcar, anil, por uma agricultura tropical vitoriosa, na fase de ocupação e de conquista desenvolvida pela sociedade mestiça de portugueses, mulheres indígenas, grupos africanos e, em menor escala, casais açorianos que emigraram tanto para o extremo norte como para o extremo sul”. 38 (MIRANDA NETO, 1991). Conhecido pouco a pouco o exotismo da região, foi crescendo o interesse que aguçava a curiosidade científica, disto dando conta os trabalhos de indagação e inventários levados a tempo pelas expedições” de pesquisas, enviadas por várias instituições européias como, por exemplo, a notável “Viagem Filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira. Conclui-se que os produtos que constituíam as especiarias na vida amazônica nada mais eram do que a matéria-prima do sistema colonial de exploração: a) alimentos: cacau, castanha-do-Pará, peixes de água doce; b) condimentos: pimenta, canela; c) remédios da flora: salsaparrilha, copaíba, andiroba; d) produtos aromáticos: panquelê, cumaru; e) alucinógenos: iagê, virola; f) estimulantes: guaraná, xexuá; g) fibras: piaçava, malva e juta.

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café, sendo que estes últimos foram transferidos para as proximidades da Bahia onde havia muita mão-

de-obra e capital para investimento (39).

Fabricavam-se embarcações de guerra e de transporte de mercadorias, em Belém. Mas, a

dificuldade em encontrar mão-de-obra para a agricultura e o extrativismo na região amazônica fez

com que o colonizador buscasse no índio a solução para esse problema. O índio não se submetia a

escravidão, então os luso-brasileiros trocavam mercadorias pelo trabalho barato, onde o colonizador

disfarçava a escravidão e o indígena “fingia aceitar ser dominado” (40) (41).

No quadro abaixo se podem observar um pequeno resumo dos principais acontecimentos do

século XVII.

1700 a 1800

CICLO DO CACAU – 1701 A 1850

A coleta de cacau data desde 1701, onde esses frutos eram colhidos por jesuítas em Belém, e há

registros de exportação dessa matéria prima para Lisboa datados de 1713. O cacau participa da

economia da região desde o século XVI até os dias atuais, mas o período do ciclo do cacau,

compreendeu entre 1701 a 1850, ou seja, 150 anos entre os principais produtos extraídos na floresta

amazônica. A importância desse produto é reconhecida por vários estudiosos como responsável pelo

processo de colonização da Amazônia no século XVIII. O fim de sua fase próspera se deu com a

ascensão do extrativismo da borracha (42).

“Na primeira metade do século XVIII os portugueses não tinham ainda o hábito de consumir

chocolate, ficando implícito, portanto, que não dominavam o seu processamento”. Essa situação se

modificou na segunda metade desse mesmo século, onde os portugueses iniciavam uma pequena

39 (MIRANDA NETO, 1991). Principalmente depois que Portugal perdeu o monopólio do comércio com as Índias, a Amazônia, como produtora de matérias-primas exportáveis, desde o século XVII integrou-se definitivamente ao sistema mercantil-colonial. No entanto, as características da atividade – baixo índice de valor agregado e de produtividade por unidade de trabalho – parecem ter preocupado os portugueses, haja visto as providências tomadas no sentido de implantar um sistema produtivo mais complexo, de natureza agro-industrial. É interessante este fato: a base da economia do Pará, e conseqüentemente de Belém, assentou-se durante mais de dois séculos, quase que em três produtos apenas: açúcar, cacau e café. O café chegou a ser cultivado na região e foi transferido para áreas próximas á capital do país, onde havia relativa abundância de fatores subutilizados (mão-de-obra e capital) em decorrência da desagregação das economias mineira e nordestina. O cacau também se deslocou para a Bahia, onde iria encontrar condições propícias para sua extraordinária expansão. 40 (MIRANDA NETO, 1991). Em Belém foi construído um estaleiro, onde eram fabricadas as embarcações: navios mercantes e de guerra. A produção agrícola e extrativa vegetal não foi tarefa simples, considerando as dificuldades enfrentadas com a mão-de-obra pelo colonizador, uma vez que o índio, por sua natureza, e ainda influenciado pelos missionários, não se submetia à escravidão. O colonizador branco pretendia fazer do índio a mão-de-obra farta e barata, que, no entanto, fingia aceitar ser dominado, tendo alguns elementos tocado sua estabilidade na tribo por uma nova situação imposta, que tenderia a alterar pouco a pouco a sua maneira de viver. Sua habilidade de se fazer de desentendido, inocente ou “ignorante” é proverbial. “Em sua tribo, o índio tem um lugar estável e tranqüilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade tribal, toda a coesão está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades: uma tranqüila, onde o homem é dono de todos os sues atos; outra, uma sociedade em explosão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo, para manter a ordem e a paz dentro da sociedade”. Sabe-se que os muitos choques que ocorreram, quando da tentativa de domínio do branco sobre o índio, foram devidos à mudança dos métodos de trabalho e dos hábitos alimentares, à imposição de novas crenças, ao propósito de subordiná-lo pela escravidão declarada ou disfarçada, além da intromissão na sua estrutura familiar. 41 (RUEDA, 2003). A participação dos índios e caboclos muito contribuiu para o crescimento do extrativismo, mas os índios, na maioria dos casos, eram perseguidos e obrigados a trabalhar para os colonizadores. 42 (SILVA, 2003). Dados históricos comprovam a coleta de cacau por jesuítas baseados em Belém desde 1701 e registros de exportações do produto para Lisboa são disponíveis datados de 1713. O ciclo do cacau abrangeu o período compreendido, presumivelmente, entre 1701 e 1850. Foram, portanto, 150 anos, nos quais o cacau posicionou-se como principal produto extrativo da Amazônia, embora a extração do mesmo remonte ao primeiro século da ocupação da região e tenha-se estendido até o século XX. Vários estudiosos do tema reconhecem a importância do cacau no processo de colonização da Amazônia no século XVIII. O final do seu ciclo deu-se no memento em que a borracha suplantou-o em valor de produção.

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exportação “do produto industrializado”, mas como sua indústria ainda era fraca, Portugal exportava

cacau em bruto para vários países da Europa. A característica dispersiva da espécie, pertencente ao

gênero Theobroma, encontrada em toda a região amazônica, dispersava também os recursos e a

mão-de-obra. Situação contrária à encontrada na monocultura de cana-de-açúcar presente no litoral

e a mineração no interior do país (43).

O pesquisador La Condamine, em 1736 apresentou a borracha amazônica para o mundo, que

em 1770 já era usada para apagar traços de lápis e que no início do século XIX teve aplicações mais

freqüentes. Mesmo tendo uma interessante característica, de impermeabilidade, esse produto sofreu

um período industrial precário, pois não possuía propriedade de suportar grandes e baixas temperaturas

sem se deteriorar (44).

La Condamine, cientista francês, quando passou por Belém em 1740, observou que a amêndoa

do cacau era tida como moeda na região, e notou que havia grande quantidade do produto no porto

da cidade. A coleta do cacau, consistia em localizar as plantas tanto nas margens quanto no interior

da floresta e coletá-los, mostrando tarefa simples. Devida a sua grande importância e interesse por

parte dos europeus, o cacau, teve sua coleta em muitas vezes degradadora da própria espécie, pois

muitos frutos eram coletados ainda verdes e se perdia grande parte da produção devido às condições

precárias de armazenamento e demora no transporte. Isso forçava à fraudes nos produtos, como

coloração forjada do fruto para aparentar amadurecido. Os custos na atividade de coleta se

igualavam ao custo de uma embarcação, o qual, na “década de 1730, ficava em um terço do valor

da carga transportada”. Os índios eram a mão-de-obra predominante, com baixa remuneração que

geralmente era paga com as próprias amêndoas do cacau. Quando se aumentou a demanda do

produto na Europa a oferta de transporte também cresceu, já que “a amêndoa representava elevado

valor por unidade de volume transportada” (45).

A importância do índio na colonização da Amazônia e a administração de Marquês de Pombal

43 (SILVA, 2003). Na primeira metade do século XVIII os portugueses não tinham ainda o hábito de consumir chocolate, ficando implícito, portanto, que não dominavam o seu processamento. Na segunda metade daquele século os portugueses exportavam pequena parte do produto industrializado, mas era incipiente e fraca a indústria portuguesa do cacau; assim, cerca de metade a dois terços do produto oriundo da Amazônia brasileira era reexportado em bruto para outros países da Europa. É de admirar-se que em tais circunstâncias o cacau tenha-se sustentado por tanto tempo como o principal produto de exportação da região por cerca de um século e meio. Por último, importa salientar que a atividade extrativa do cacau era altamente dispersora dos recursos capital e trabalho, contrariamente à monocultura canavieira que se processava na costa e à atividade mineradora desenvolvida no centro – e na maior parte do tempo coincidente com ciclo do cacau -, ambas concentradoras desses recursos. A ampla distribuição geográfica da planta (pertencente ao gênero Theobroma), encontrada em praticamente toda a região, induzia a essa dispersão. 44 (LIMA, 1975). La Condamine, naturalista francês, dava à Europa, em 1736, a primeira notícia da planta e do seu produto. Era em 1770 aplicada para apagar traços de lápis. No começo do século dezenove começou a ter aplicações mais freqüentes. Mas, apesar do seu precioso atributo de impermeabilidade, a borracha atravessava ainda um período industrial precário, por não poder suportar, sem destruição, o grande aquecimento ou o frio excessivo. 45 (SILVA, 2003). O cientista francês La Condamine observou em sua passagem por Belém em 1740 que a amêndoa do próprio cacau era utilizada como moeda na região, além de ter notado também grande quantidade do produto do porto da cidade. (La Condamine, que também navegou o Amazonas, foi quem revelou cientificamente a borracha para o mundo). A coleta do cacau era uma atividade realizada – ressalvada a complexidade do meio físico – de forma bastante simples. Consistia basicamente em localizar as plantas nas margens dos rios e interior da floresta e coletar os frutos. Também teve sua vertente predatória, ou no mínimo dilapidadora do recurso; o cacau era muitas vezes coletado ainda verde e transportado para Belém; perdia-se ao chegar ao porto de destino, boa parte da carga. Mesmo chegando a Belém em boas condições, a precariedade no armazenamento e a demora para o embarque à Metrópole provocavam, não raro, consideráveis perdas do produto. Havia, ademais, muitas fraudes. A historiografia menciona a adulteração do cacau, através de uma coloração forjada, visando dar ao fruto a aparência amadurecida. O capital requerido para a atividade de coleta do cacau consistia no custo de uma embarcação, o qual orçava, na década de 1730, em um terço o valor da carga transportada. A mão-de-obra arregimentada era predominantemente indígena, a qual requeria baixa

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A busca de minérios preciosos atraía muita mão-de-obra enquanto se processava uma lenta

penetração pelos rios amazônicos. A cana-de-açúcar foi a base da economia na fase de colonização,

mas não podia se sustentar nas condições naturais da floresta, que possuía “mata espessa e semi-

aquática que borda o grande rio – em terreno baixo e submetido a um regime fluvial cuja

irregularidade, com o volume enorme de águas que arrasta, assume proporções catastróficas,

alagarido, nas cheias, áreas imensas, deslocando grandes tratos de solo que são arrancados às

margens e arrastados pela correnteza – nesta remodelação fisiográfica ininterrupta de um território

longe ainda do equilíbrio, o homem se amesquinharia”. Dessa forma não era possível o estabelecimento

da agricultura, que necessitava de um domínio, de certa forma, das forças da natureza. Assim

encontrou-se outra forma para o crescimento econômico que consistia em adentrar na floresta, coletar

o maior número de produtos naturais comerciáveis, conduzi-los às embarcações e transportá-los pelo

único meio, o rio. Para a realização dessas atividades, o único trabalhador que se adequava à ocasião

era o índio, que melhor que ninguém conhecia as práticas de extrativismo vegetal e animal da floresta

amazônica (46).

Araújo Lima descreve que a raça negra na região amazônica era uma situação rara de se

encontrar, pois havia até um decreto régio que declarava infame o relacionamento, e até casamento,

entre brancos e índios com negros. Mas os nordestinos tiveram grande importância na colonização da

Amazônia, onde foram os que mais contribuíram com o crescimento demográfica da região nesta

época (47)(48).

Em 1755, Pombal resolveu deixar as aldeias indígenas sob responsabilidade de administradores

leigos, ficando abolido o poder da igreja nas missões religiosas. Os índios não viveriam mais sob

escravidão disfarçada, possuíam salário pago em moedas fixados pelas autoridades. Porém muitos

desses administradores buscavam lucrar com os indígenas, e passaram a não cumprir com os seus

deveres, se tornando exploradores dos nativos da região, “mantendo-os na condição de semi-

assalariados, numa relação de trabalho com muitos traços servis”. Até que Marquês de Pombal, que

remuneração, em geral feita com amêndoas do próprio produto. Dado que a amêndoa representava elevado valor por unidade de volume transportada, a oferta de transporte passou a aumentar a partir do incremento da demanda do cacau brasileiro na Europa. 46 (MIRANDA NETO, 1991). Enquanto se processava a grande corrida para as minas, uma lenta infiltração penetrava a intrincada rede hidrográfica do Amazonas. A base econômica da colonização foi, a princípio, como nos demais núcleos do litoral, a lavoura da cana-de-açúcar. Mas a agricultura jamais progrediria aí; as condições naturais lhe eram desfavoráveis. Na mata espessa e semi-aquática que borda o grande rio – em terreno baixo e submetido a um regime fluvial cuja irregularidade, com o volume enorme de águas que arrasta, assume proporções catastróficas, alagarido, nas cheias, áreas imensas, deslocando grandes tratos de solo que são arrancados às margens e arrastados pela correnteza – nesta remodelação fisiográfica ininterrupta de um território longe ainda d equilíbrio, o homem se amesquinharia. A agricultura, que requer um certo domínio sobre a natureza, apenas se ensaiou. A conquista do vale amazônico tinha de contar com outros fatores. E foi o que se verificou. Encontraram os colonos na sua floresta um grande número de gêneros naturais aproveitáveis e utilizáveis no comércio. No vale amazônico os gêneros de atividade se reduziam praticamente a dois: penetrar a floresta ou os rios para colher os produtos ou capturar o peixe; e conduzir as embarcações que faziam todo o transporte e construíam o único meio de locomoção. Para ambos estava o indígena admiravelmente preparado. Empregado, assim, em tarefas que lhe eram familiares, ao contrário do que se deu na agricultura e na mineração – nesta última aliás nunca foi ensaiado – o índio se amoldou à colonização e ao domínio do branco. 47 (MIRANDA NETO, 1991). Afora o índio e o português, informava há quase um século Araújo Lima que “o elemento negro é raríssimo, quase excluído”. E realmente o é. “Para tirar aos brancos e aos índios todo o pretexto de contágio com a outra raça, um decreto régio * declara infames os que se casem com as negras, ou vice-versa, as mulheres brancas e as índias que se ajuntem aos negros”. Interessante é frisar que a “democracia racial”, tão sobejamente propalada por certos autores, fica comprometida por esta informação valiosa sobre as práticas de conduta impingidas pelo colonizador português. Outro grupamento social que irá se juntar na formação do homem amazônico é o migrante nordestino, o cearense, que abrange os nordestinos em geral. Cabe ressaltar que foram os nordestinos, na realidade, que deram a maior contribuição demográfica à região. Suas migrações para a Amazônia não só atingiram volumes superiores à população anteriormente existentes, como proporcionaram condições para um crescimento demográfico sem precedentes”. 48 (RUEDA, 2003). Não é significativa a participação do negro no extrativismo na Amazônia.

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tinha função na administração da coroa portuguesa, iniciou luta contra o poder religioso na Amazônia,

pois os padres ameaçavam o poder de domínio de Portugal na colônia (49).

Marques de Pombal era ministro de D. José I, e sua política ocupacional caracterizou-se pelo

incentivo de empresas agrícolas como a do café, cacau, algodão e arroz, bem como de empresas

pecuárias em Marajó, Baixo Amazonas e Rio Branco e de redes de frutificações em pontos estratégicos

do litoral e da rede fluvial, tudo isso para consolidar o domínio do território. Em 1755 ocorreu a criação

da Companhia do Grão-Pará e Maranhão que tinha a função de exercer o monopólio da navegação

no rio amazonas, controlando o comercio exterior e trazendo escravos africanos (50).

Pombal administrou de 1750 a 1777, sendo responsável também, pela emigração de casais,

principalmente das zonas Bragantina e Amapaense que eram orientados para o “plantio sistemático de

produtos nativos nas vilas jesuíticas”, pelos decretos de direitos indígenas, instalação de teares e

rudimentares fábricas de sabão, por exemplo, pela introdução de dinheiro metálico, pelo estímulo à

pesca para atingir tanto o mercado interno como o externo. E com tudo isso o extrativismo sempre foi a

base econômica no mercado da Amazônia (51).

As atividades extrativistas se processavam seguindo os cursos naturais, ou seja, as épocas de

colheitas ou safras, e quando não se encontra sob o período de exploração de algum produto,

seguiam-se tempos de inatividade. Muitas atividades chegavam a durar semanas e até meses, como

era o caso do carregamento das embarcações. Quando a expedição retornava, os índios eram

distribuídos na floresta e pagos com produtos naturais, mesmo existindo legislação. Os produtos eram

entregues aos comerciantes pelos empresários que despachavam no Pará onde eram exportados. As

razões para que a Amazônia ficasse atrás das outras regiões foi o fato de que a economia baseada em

atividades extrativas necessitavam de grande contingente de indígenas tornando-se uma colonização

mais aventureira do que “a constituição de uma sociedade estável e organizada” (52).

49 (MIRANDA NETO, 1991). Portanto, em 1755, é abolido o poder temporal dos eclesiásticos nas missões indígenas, ficando as aldeias entregues a administradores leigos. As reformas de Pombal não ficaram nisto. A escravidão dos índios foi definitiva e integralmente abolida; eles foram em tudo equiparados aos colonos brancos e seu trabalho passou a ser pago com salários em moeda e fixados pelas autoridades. Apesar disto, muitos abusos viriam a acontecer ainda por parte dos colonos brancos. Os diretores de índios nem sempre cumpririam sue dever, e em muitos casos eles mesmos se tornariam os exploradores do trabalho indígena, mantendo-os na condição de semi-assalariados, numa relação de trabalho com muitos traços servis. Os colonos leigos vieram atrás dos padres. Tiveram de enfrentar da parte destes uma grande resistência, e pouco realizaram até meados do século XVIII. Nesta época, a administração portuguesa que, por iniciativa do Marques de Pombal, se libertara da influência jesuítica até então dominante na Corte, resolveu abrir luta contra o excessivo poder dos padres na América, que ameaçavam subtrair à Coroa o domínio efetivo de grande parte da Colônia. 50 (MIRANDA NETO, 1991). Apesar dos exíguos recursos humanos e de capital disponíveis à época, a conquista, ocupação e colonização da Amazônia representou a mais notável empresa dos portugueses e luso-brasileiros na América, e tem sido um desafio para os estudiosos tentar desvendar se a estratégia, tão bem conduzida, foi planejada ou obra do acaso. A política ocupacional nesta época, tendo à frente o Marquês de Pombal, ministro de D. José I, caracterizou-se pela tentativa de incentivar as empresas agrícolas. Em 1755, foi criada a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, cujas finalidades eram, principalmente: exercer o monopólio da navegação no rio amazonas, controlar o comércio exterior e importar escravos procedentes da África. São também daquela época os estímulos à agricultura com base no café, cacau, algodão e arroz, visando a uma sociedade estável; à pecuária em Marajó, Baixo Amazonas e Rio Branco; e à instalação de uma rede de frutificações em pontos estratégicos da rede fluvial e no litoral, o que caracterizava a consolidação do domínio do território. 51 (MIRANDA NETO, 1991). O extrativismo vegetal sempre foi a base produtiva da Amazônia, afora algumas investidas (dos portugueses, franceses, holandeses e ingleses), com vistas à produção de cana-de-açúcar. Pode-se atribuir ainda à administração pombalina (1750-1777): a vinda de casais, assentados principalmente nas zonas Bragantina e Amapaense; a orientação para o plantio sistemático de produtos nativos nas vilas jesuíticas; os decretos que reconheciam alguns direitos dos indígenas; a instalação de teares e fábricas rudimentares (de sabão, por exemplo) na região; a introdução do dinheiro metálico; o estímulo à pesca com vistas aos mercados interno e externo. Já a expulsão dos missionários (1755), por ser considerada a permanência deles uma afronta aos poderes da Metrópole, abalou profundamente a economia colonial. 52 (MIRANDA NETO, 1991). A organização da produção também refletia as condições em que ela se realizava. Não tinha por base, portanto, a propriedade fundiária. A exploração fez-se esporádica, coincidindo com épocas próprias da colheita. Processou-se por arrancos bruscos: as “expedições” saíam no momento oportuno em busca dos produtos naturais, sendo seguidas por longa inatividade na estação “morta”. Feito o carregamento, o que demorava semanas e até meses, a expedição retornava: os índios eram dispensados, pagos quase sempre, apesar das disposições legais em contrário, in natura; o empresário entregava o seu produto aos comerciantes que se incumbiam de o despachar, rio abaixo,

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No fim do século XVIII, a população da Amazônia somava 100 mil habitantes, contados também

os índios, isso era devido a uma grande dispersão populacional e a uma colonização que predominava

às margens dos cursos d’água, já que era a rota comercial dos produtos. A dispersão populacional

estava em função da coleta dos produtos naturais. Como os produtos estavam também dispersos,

cada família ou grupos necessitava de grandes áreas para extraírem quantidade de elementos que

atendessem às necessidades familiares e para atender a uma pequena parcela do mercado. Muitos

métodos usados na extração comprometiam a sustentabilidade produtiva e até mesmo as futuras

gerações de determinadas espécies (53).

Os produtos do extrativismo na Amazônia e as pesquisas científicas

Os produtos extraídos da floresta Amazônica no século XVIII foram conhecidos por ‘Drogas do

Sertão’. Nesse período foram estabelecidas grandes fazendas de agricultura e pecuária, mas que

representavam pouco quando comparadas com o extrativismo regional (54). Essas fazendas se

estabeleceram também na Ilha de Marajó e a agricultura foi o principal sustentáculo nesse século (55).

Nos últimos duzentos anos, a Amazônia chamou a atenção de cientistas e pesquisadores

europeus que relataram conhecimentos da flora, fauna e dos nativos habitantes da região. O “Instituto

Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Museu Goeldi, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA), Projeto RADAM (extinto), Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia (SPVEA, extinta), Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM, também

extinta), Universidades, Organizações Não Governamentais, e inúmeras outras instituições de pesquisas

nacionais e internacionais” são responsáveis todo acervo desses dados coletados desde o século XVI

(56).

1800 a 1900

aos seus correspondentes no Pará, donde se exportava, fechando, assim, o ciclo de dominação do modelo econômico burguês-colonizador. A instabilidade e incerteza de vida que estas formas de atividade determinavam; o complexo problema da assimilação de grandes massas indígenas que indiretamente provocaram, fizeram da colonização amazônica muito mais uma aventura do que a constituição de uma sociedade estável e organizada. “Os caracteres gerais da colonização brasileira, esta empresa exploradora dos trópicos, se revelavam aí em toda a sua crueza e brutalidade. Não viriam a atenuá-los, como em outras partes da Colônia tropical para nação, tão difícil e dolorosa, cujo processo mesmo em nossos dias ainda não se completou, seria lá muito retardada. A Amazônia ficou, neste sentido, muito atrás ds demais regiões ocupadas e colonizadas do território brasileiro”. 53 (MIRANDA NETO, 1991). Com o povoamento disperso por conta das contingências da colheita natural, a Amazônia, em fins do século XVIII, contabilizava uma população de cerca de 100 mil habitantes (incluídos aí os índios integrados ao sistema de poder do colonizador) que se espalhava, embora numa ocupação linear e rala, ao longo de milhares de quilômetros de cursos d’água. Ora, a área que um simples coletor de produtos espontâneos tinha de abarcar era por natureza imensa. Mais que isto: era variável, porque o esgotamento das fontes não tardaria nesta forma primitiva de exploração. A via de comunicação natural como a que ofereciam os cursos d’água constituiria, por isso, o único pólo forte e estável de atração do povoamento. 54 (RUEDA, 2003). O interesse econômico pela Amazônia despertou-se no século XVIII mediante a procura das chamadas “Drogas do Sertão”, plantas medicinais, óleos resinas, cacau, peixes e carnes secas. Embora, naquele período, tivessem sido estabelecidas às margens dos grandes rios, fazendas para pecuária e agricultura, - cacau, café, algodão, - estas significam muito pouco, quando comparadas com as atividades extrativas. 55 (BRASIL, 1990). No século XVIII a pecuária foi o principal sustentáculo, junto à agricultura. 56 (SILVA, 2003). Ao longo de duzentos anos a região atraiu naturalistas, principalmente europeus, os quais aliaram o fascínio científico pela região ao espírito de aventura para produzir as primeiras notícias e conhecimentos fidedignos de múltiplos aspectos da flora, da fauna e do gênero de vida dos nativos. A esse acervo soma-se hoje todo o conhecimento gerado pelas instituições de pesquisa como Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Museu Goeldi, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Projeto RADAM (extinto), Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA, extinta), Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM, também extinta), Universidades, Organizações Não Governamentais, e inúmeras outras instituições de pesquisas nacionais e internacionais.

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As idéias naturalistas com o sucesso da Botânica e da Zoologia relacionados com o extrativismo,

marcaram o início do século XIX, através das descobertas científicas e das expedições africanas e

americanas. “Falava-se muito da ‘mãe natureza’ e das imensuráveis riquezas nela contidas”. Com a

Revolução industrial, essas riquezas passaram a ser entendidas como ‘matéria prima’, de acordo com

as influências materialistas de Karl Marx, que dava uma visão econômica a tudo e que esta movia todos

os acontecimentos. Essas ‘matérias primas’ eram tidas como inesgotáveis e vistas como a fonte para

garantir o surgimento de novos produtos, para dessa forma, saciar o consumismo (57).

A partir desse século, “o extrativismo voltou-se mais para a Região Norte, atrás de madeiras,

plantas medicinais, cacau e seringueira” (58). O cacau ainda era o principal produto exportável da

Amazônia no início do século XIX. Porém a partir de 1820, a borracha surgiu como um novo produto

comercial, já que os demais tinham seus preços em baixa no mercado internacional. Na segunda

metade deste século, a borracha passou por um grande processo de desenvolvimento industrial e o

cacau já não era o produto líder do mercado na região. “Em 1855 a exportação de borracha superou

pela primeira vez a exportação de cacau na Amazônia” (59).

A ECONOMIA EXTRATIVISTA DA BORRACHA

Aspectos históricos e primeiros dados do comércio de borracha

Mais tarde a borracha se transformou na base da economia amazônica, consolidando a

conquista territorial e incorporando o estado do Acre ao território brasileiro (60). Em 1823, ocorreu a

última integração política, com a adesão do Pará e Amazonas à independência, que em

conseqüência iniciou-se um período de instabilidade social e revolta à dominação portuguesa,

culminando em um movimento nativista conhecido como Cabanagem. Totalizando 40 mil mortos, esse

movimento prejudicou o sistema produtivo, por causa, inclusive, do despovoamento nas zonas rurais (61).

Em 1827, foram registrados, pelas estatísticas oficiais, os primeiros números da exportação de

borracha, onde a partir daí a região passou a produzir constantemente tendo momentos de

crescimento e declínio, afetados por fatores internos bem como externos. Entretanto, registros históricos

57 (RUEDA, 2003). Até início do século XIX, com relação ao extrativismo, o mundo era dominado pelas idéias dos naturalistas, embalados pelo sucesso da Botânica, da Zoologia, das descobertas científicas e das grandes expedições à África, África e América Latina. Falava-se então muito da “mãe natureza” e das imensuráveis riquezas nela contidas. Com o advento da Revolução Industrial e especialmente através da influência do materialismo histórico de Marx, que fazia tudo depender da ordem econômica, motor de todos os acontecimentos, as riquezas naturais passaram a chamar-se de “matérias primas”, indispensáveis par saciar a forme louca de transformá-las em novos produtos e assim satisfazer as ambições de consumo e exportação. Naquela época as matérias primas eram tidas como inesgotáveis e seu consumo como controlável pela ação do homem. 58 (RUEDA, 2003). A partir do século passado, o extrativismo voltou-se mais para a Região Norte, atrás de madeiras, plantas medicinais, cacau e seringueira. 59 (SILVA, 2003). A o iniciar-se o século XIX, o principal produto de exportação da Amazônia ainda era o cacau. Mas na década de 1820, quando os preços dos produtos tropicais de um modo geral entraram em baixa no mercado internacional, dentre eles os do cacau, a borracha surgiu como um novo produto extrativo de interesse comercial. Passou por intenso desenvolvimento industrial e desalojou, na segunda metade daquele século, o cacau da condição de produto líder. A partir da segunda metade do século XIX a borracha ultrapassou, em importância econômica, o cacau. As estatísticas de exportação e produção conjundem-se, naquele século. Em 1855 a exportação de borracha superou pela primeira vez a exportação de cacau na Amazônia. E embora a supremacia quantitativa da borracha produzida só viesse a se estabelecer definitivamente a partir de 1864, já a partir de 1851 o valor da exportação de borracha passou a superar o valor da exportação de cacau. 60 (SILVA, 2003). Na seqüência, transformou-se na base da economia regional, propiciou a consolidação do espaço territorial conquistado aos espanhóis e, por fim, a delimitação e incorporação definitiva do estado do Acre ao território brasileiro. 61 (MIRANDA NETO, 1991). A última e definitiva integração política da Amazônia ao Brasil (o que se deu em 1823 com as adesões do Pará e do Amazonas á independência) trouxe um largo período de instabilidade sociais que culminaram num movimento nativista, causando profundo sentimento de revolta à dominação lusa, denominado Cabanagem. Estas convulsões tiveram como saldo 40 mil mortos, o que veio a desarticular (pelo despovoamento, inclusive) o sistema produtivo, ainda mais se atentarmos para o fato de que os cabanos procediam na zona rural.

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comprovam a exportação de borracha antes de 1800, onde era comercializada nos Estados Unidos na

forma de sapatos e garrafas (62).

Características da espécie

Das muitas espécies vegetais produtoras de látex que forma a borracha, a de maior

produtividade é a Hevea brasiliensis, conhecida vulgarmente por seringueira. Todo o gênero Hevea é

excelente produtor de borracha, provocando a “maior revolução no campo da química, da indústria,

dos transportes e da economia com profundas repercussões sociais tanto para extratores quanto para

consumidores de borracha”. Esse produto ganhou mercado com a segunda revolução industrial devido

à evolução da química e principalmente com a invenção do automóvel (63).

A seringueira era nativa das várzeas da Amazônia, mas encontrada também em terras firmes.

Inicialmente a extração da borracha realizou-se nas proximidades de Belém e depois cresceu à medida

que o comercio mundial também crescia. Para encontrar novos seringais era necessário penetrar na

floresta, isso fez com que se encontrasse e descobrisse outras riquezas vegetais (64).

Expansão tecnológica da borracha e o crescimento econômico da região amazônica

Com o crescimento do interesse pela borracha e seus potenciais de uso, várias pesquisas se

processaram com o intuito de compreender melhor as suas características, e em 1839, Charles

Goodyear descobriu que esse produto resistia às temperaturas altas e baixas e ao atrito quando

combinado com o enxofre, e sobre essa base Hancock descobriu o processo hoje chamado de

vulcanização, em 1842 (65) (66).

Assim deu início ao ciclo da borracha na região de 1840 à 1912, já que também a produção

açucareira tornava-se decadente desde a segunda metade do século XVII, desse modo a Amazônia

retornava ao extrativismo vegetal. Quanto mais aumentava a procura por esse produto, pelos países

industrializados, mais aumentava a necessidade de extração dessa matéria prima. Exigia-se, portanto,

62 (SILVA, 2003). As estatísticas oficiais registram o primeiro dado de exportação de borracha amazônica em 1827, e desde então a região vem produzindo borracha ininterruptamente. As primeiras exportações ocorreram, no entanto, antes daquele ano. Registros históricos comprovam que produtos manufaturados de borracha, na forma de sapatos e garrafas, eram comercializados nos Estados Unidos antes mesmo de 1800. Desde então a produção amazônica de borracha passou por períodos de crescimento e de declínio, motivada por fatores externos e internos. 63 (SILVA, 2003). Várias espécies vegetais produzem látex que dá borracha, mas a maior produtora é a seringueira, uma árvore pertencente ao gênero vegetal Hevea. Uma espécie em particular deste gênero, Hevea brasiliensis é a maior produtora de látex. Esse gênero vegetal foi um dos que provocou maior revolução no campo da química, da indústria, dos transportes e da economia, com profundas repercussões sociais tanto para extratores quanto para consumidores de borracha. Embora conhecida pelos índios antes da chegada de Colombo à América, a borracha só atingiria em larga escala a sociedade de consumo no século XIX. Ganhou mercado notadamente na segunda metade aquele século, no bojo da chamada segunda revolução industrial, graças à evolução da química, e, sobretudo, à invenção do automóvel. 64 (MIRANDA NETO, 1991). Nativa das várzeas amazônicas, mas também encontrável nas terras firmes, a seringueira espalhou-se pelos vales onde correm os rios da maior bacia fluvial do planeta. A selva era imensa e, a princípio, a exploração da seringueira realizou-se nas zonas mais próximas a Belém, expandindo-se, paulatinamente, conforme iam crescendo as necessidades do comércio mundial. A exploração de novos seringis ocasionava a penetração mata adentro, o que possibilitou a descoberta de outras riquezas vegetais. 65 (LIMA, 1975). Em 1839 Charles Goodyear descobriu que a borracha, em combinação com o enxofre, se tornava resistente às altas e baixas temperaturas; e, sobre essa base, Hancock descobria em 1842 o processo chamado hoje vulcanização. Este descobrimento asseguraria definitivamente o triunfo manufatureiro da borracha. 66 (MIRANDA NETO, 1991). Deu-se devido à descoberta do processo de vulcanização pelo norte-americano Charles Goodyear, que tornou a borracha mais resistente ao atrito e ás variações de temperatura

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uma produção em larga escala e o Brasil via toda essa expansão, mas não conseguia acompanhar a

crescente demanda, por falta de mão-de-obra (67).

O preço da borracha cresceu significativamente, atraindo muitas pessoas para o seu

extrativismo, tanto a população da região como a do Nordeste (68). “A ocupação da Amazônia foi

motivada pelo extrativismo, especialmente durante a segunda metade do século XIX, quando ao redor

de 400.000 famílias vindas do Nordeste, lá se instalaram, à procura da borracha, cuja demanda

crescente, nos Estados Unidos e na Europa, exigia um rápido aumento de produção” (69).

Após 1850 foi criada a província do Amazonas, ocorreu a introdução da navegação à vapor por

Ireneu Evangelista de Souza, iniciou-se a exploração extensiva dos seringais e a chegada dos imigrantes

nordestinos alterou a situação sócio-econômica da região. De 1850 a 1911 a extração mineral não tinha

mais tanta procura, produziam-se poucas quantidades de argila e cal e a grande parte dos materiais

de construção eram importados do exterior. A produção de borracha era monopolizada por empresas

estrangeiras que impediam a livre expansão nacional (70).

A quantidade extraída, em 1860, já era de 2.637 toneladas, com produção cada vez mais

ascendente, tornando-se, no período de 1860 a 1914, a atividade mais lucrativa para a população

amazônica, chegando a representar 53% da renda global do Amazonas e do Pará (+71). A partir de

1870 a economia da região era baseada no mercado da borracha e de outros látex como balata,

caucho, maçaranduba e coquirana (72).

A biopirataria no século XIX – o fator que comprometeu a economia da borracha no Brasil

A grande variedade de utilizações da borracha despertou um enorme interesse dos ingleses,

assim Hooker, diretor do jardim de Kew, sugeriu ao governo britânico que enviasse uma expedição para

67 (MIRANDA NETO, 1991). Começava, assim, a se desenvolver na Amazônia uma economia calçada na exploração da borracha, que passaria por diversas fases. Tal exploração viria a assegurar à região uma expansão acelerada, dando, de início, a ilusão de ter uma continuidade futura, no período que vai de 1840 a 1912. O rápido crescimento da necessidade desta matéria-prima, por parte dos países industrializados, deu-se devido à descoberta do processo de vulcanização pelo norte-americano Charles Goodyear, que tornou a borracha mais resistente ao atrito e ás variações de temperatura, estimulando, desta feita, a sua exploração em larga escala. O Brasil, único exportador, viu-se frente a uma procura externa em nítida expansão. Entretanto, não teve a possibilidade de se expandir adequadamente para atender a esta demanda: pelo reduzido contingente de mão-de-obra, a oferta da borracha amazônica apresentava-se desproporcional a curtos e médios prazos. 68 (MIRANDA NETO, 1991). Obviamente os preços mantiveram uma trajetória ascendente, criando forte atrativo tanto para a população local, quanto para a do Nordeste que, desde a segunda metade do século XVII, apresentava uma economia açucareira decadente. Retorna, pois a Amazônia, no final da primeira metade do século XIX, ao extrativismo vegetal primário baseado na coleta do látex da seringueira. 69 (RUEDA, 2003). A ocupação da Amazônia foi motivada pelo extrativismo, especialmente durante a segunda metade do século XIX, quando ao redor de 400.000 famílias vindas do Nordeste, lá se instalaram, à procura da borracha, cuja demanda crescente, nos Estados Unidos e na Europa, exigia um rápido aumento de produção. 70 (MIRANDA NETO, 1991). A partir de 1850, a situação social e econômica da região amazônica sofreu alterações: a criação da província do Amazonas; a introdução da navegação a vapor, por Irineu Evangelista de Souza (Banqueiro, empresário avançado para sua época, foi pioneiro ao construir a primeira ferrovia ligando o Rio de Janeiro à raiz da Serra de Petrópolis (51,7 km). Iniciou o transporte fluvial a vapor no Amazonas (1852). Cuidou da iluminação a gás da capital do país na época, bem como de seu saneamento e abastecimento d’água. A crise de 1875 liquidou-o), o Barão de Mauá, a exploração extensiva dos seringais com a produção da borracha e a chegada dos imigrantes nordestinos. No período de 1850/1911, a extração mineral quase foi deixada de lado, produzindo-se apenas uma quantidade irrisória de cal e argila, tendo sido a maioria dos materiais de construção, inclusive tijolos importados. A vulnerabilidade do sistema em relação aos outros era imensa e, no setor secundário, havia dependência em relação ao exterior até de matérias-primas destinadas à indústria. A economia amazônica estava nas mão de firmas estrangeiras – com sede em Liverpool, Hamburgo e Nova Iorque – que monopolizavam a comercialização da borracha, tendo cuidados especiais para impedir a expansão independente da livre iniciativa nacional. 71 (BRASIL, 1990). Em 1860 deu início à exploração de borracha. 72 (GOGELS, 1972). Em 1860, já eram extraídas 2.637 toneladas, começando efetivamente daí a evolução produtiva. De 1860 a 1914, a extração do látex, não obstante as hostilidades naturais da selva, tornou-se a mais lucrativa atividade das populações amazônicas. Como principal fonte de renda, chegou a contribuir com 53% da receita global do Amazonas e do Pará. Nas três últimas décadas do século XIX tomou impulso a economia da borracha. Os recursos naturais da Amazônia resumiram-se nas seringueiras, de farta ocorrência em toda a Hiléia, para a obtenção da borracha “in natura” por meio da coagulação e da defumação de látex, e secundariamente da extração do caucho, da balata, maçaranduba, da coquirana.

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observar e estudar o cultivo das seringueiras no seu habitat natural e testá-las em outras regiões (73).

Desse modo, o botânico James Collins, em 1873, seguiu para a Inglaterra carregando sementes de

seringueira onde tentou plantá-las nos Jardins de Kew. Os poucos indivíduos que vingaram foram

enviados para Calcutá, mas todas morreram (74). No entanto, três anos mais tarde, em 1876, com o

boom da indústria automobilística, o colecionador inglês Henry Wickham transportou para a Europa 70

mil sementes de hévea, disfarçadas, proveniente da região do Tapajós (+75), onde foram melhoradas e

plantadas mais tarde no Ceilão (76). Dessas vingaram 2.800 plantas. Esse foi um fato marcante para a

história da hegemonia amazônica de um produto nascido em terras brasileiras que ganhava

importância mundial. Iniciava, portanto, os plantios de seringueiras em Cingapura e Ceilão com êxito,

mas com produção ainda insipiente (77).

As secas no Nordeste e a migração de nordestinos para a Amazônia

Cada vez mais os homens amazônicos adentravam na floresta, onde enfrentavam todo tipo de

situação adversa com o intuito de encontrar mais e mais seringais, isso foi conhecido na época como ‘a

febre do ouro negro’. Toda essa procura em busca de um aumento na produtividade, em algumas

vezes, resultava em processos destrutivos do meio ambiente e da espécie, como é o caso do ‘arrocho’

que consistia em amarrar a árvore com cipós em sua base e golpeá-la a fim de aumentar mais a

exudação ou aumentar a vazão do látex. Esse processo causou a morte de vários indivíduos o que

diminuia a produtividade da área e empobrecia a região e muitas dessas terras foram abandonadas

(78).

Como a extração da borracha necessitava de uma vasta área devido a sua dispersão natural,

estruturou-se a formação de grandes latifúndios, desenvolveu-se a navegação fluvial e

conseqüentemente a expansão de portos fluviais, onde aumentou o crescimento no mercado de bens

de consumo. O déficit de mão-de-obra foi resolvido na ocorrência das secas do Nordeste, que em

73 (LIMA, 1975). A multiplicidade das aplicações da borracha manufaturada começava a preocupar o senso equilibrado e prático dos ingleses. Foi por isso que Hooker, diretor dos jardins de Kew, sugeriu ao goberno britânico que mandasse uma expedição ao Amazonas para estudar o cultivo da hévea no seu habitat e depois ensaiá-lo em outros meios. 74 (LIMA, 1975). Em 1873, com esse fim, para lá seguiu o botânico James Collins, que, de posse de algumas sementes de seringueira, regressou à Inglaterra e tentou experimentá-las nos jardins de Kew. As poucas plantas que vingaram dessas sementes, foram enviadas para Calcutá e lá pereceram. 75 (SILVA, 2003). A produção dos seringais implantados na Ásia com sementes oriundas da região do rio Tapajós havia desbancado a produção dos seringais nativos brasileiros. 76 (MIRANDA NETO, 1991). Em 1876, antes do boom provocado pela indústria automobilística, Henry Wickham, um colecionador inglês, levou para a sua terra sementes de seringueira que, após melhoradas, foram plantadas no Ceilão. 77 (LIMA, 1975). Em 1876 outro especialista inglês era mandado oficialmente à Amazônia para fazer experiências sobre a hévea. Mais hábil nos truques de iludir a vigilância indígena ou mais feliz em alcançar a cumplicidade do impatriotismo mercenário. Wickham subtraiu-nos 70.000 sementes que, disfarçadamente, transportou para novas experiências em Kew, delas tendo vingado cerca de 2.800 plantas. Assinala-se, pois com esta emigração das héveas indígenas, o episódio catastrófico da história da Amazônia como empório da goma elástica. Por força desse incidente, sintoma da incúria e da inadvertência brasileiras, preparava-se a obra que, despercebida então e ainda por muitas décadas, deveria arrebatar ao extremo norte do Brasil a sua hegemonia, senão seu privilégio, na produção e no comércio da sinfonia elástica, e preparas os dias calamitosos que ora transcorrem, por entre a desolação da mais afamada região do continente americano. As tentativas da cultura das seringueiras, postas no terreno meramente experimental, eram já plenamente decisivas. As árvores começaram a ser plantadas em Cingapura e Ceilão, com êxito cada vez mais encorajador, mas ainda sem caráter de exploração agrícola. 78 (MIRANDA NETO, 1991). O caboclo amazônida avançou mais para o interior do seu mundo, conquistando-o palmo a palmo, em lutas contra as feras, as endemias, as tribos aguerridas, a floresta e a solidão, em busca de zonas mais ricas em seringais e por onde pudesse instalar novos centros produtores. Era a “febre do ouro negro”. A ânsia de aumentar a produtividade levava-o, às vezes, a processos destrutivos de extração, como o chamado “arrocho”, pelo qual a árvore era amarrada por cipós, bem próximos ao solo, e golpeada várias vezes, a fim de que o leite se derramasse em profusão na vasilha receptora. Evidentemente, as seringueiras assim tratadas estavam perdidas, o que empobrecia a região e obrigava o seu abandono. A exploração da borracha tornou desvantajosas todas as demais atividades, agrícolas ou extrativas, pois propiciava uma estruturação calcada no latifúndio.

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1877, forçou a saída de milhares de pessoas que buscavam melhores condições de vida, esse processo

assumiu grandes proporções (79).

Houve grande migração para a Amazônia, onde se procurava bons ganhos com o extrativismo

da seringueira. Fugindo das secas, em 1890, cerca de 24 mil nordestinos procuravam nos seringais

amazônicos melhores condições de vida. O látex abastecia casas comerciais, regatões, armazéns, em

Belém e Manaus, com o destino de exportação (80).

A situação nos seringais

Araújo Lima descreve os imigrantes nordestinos como pessoas muito necessitadas e sofridas com

a falta de comida e de água da sua região natal, que se deixaram levar pelas propagandas de ganhos

fáceis para a região da borracha, buscando mudar sua situação. Esses retirantes desde o início do

processo de extração da borracha já estavam devendo ao dono da propriedade, que em troca do

látex da seringueira endividava ainda mais o recém-extrativista com os bens de consumo, que muitas

vezes possuía produtos supérfluos e dispensáveis, como por exemplo tecido de seda (81).

Assim iniciava-se um processo de eterna dívida do seringueiro ao seu patrão, e mesmo antes de

sangrar qualquer árvore, o flagelado da seca do Nordeste já estava endividado com o proprietário das

terras amazônicas. Os patrões, comerciantes, regatões e a aviadores eram os que detinham os lucros

no processo extrativista da borracha. O seringueiro não podia sequer cultivar a terra com produtos para

sua subsistência, somente lhe era permitido “extrair ou destruir”. O que interessava era vender pelo

melhor preço e pelos menores custos. (82).

79 (MIRANDA NETO, 1991). Ora, como era baixa a densidade de seringueiras nativas por unidade de área, tornavam-se necessárias grandes extensões de terra para ser alcançado um nível de produção razoável. Por outro lado, desenvolveram-se setores indispensáveis à atividade principal, tais como: a navegação fluvial e o comércio de bens de consumo, o que propiciou a extraordinária expansão dos principais portos fluviais: Belém e Manaus.A partir de 1877, quando a seca dos sertões cearenses forçou a saída de milhares de nordestinos em busca de melhoria de vida, o processo migratório assumiu grandes proporções. Isso veio a suprir a falta de mão-de-obra necessária a extração da borracha, incrementando a produção, sem alterar o sistema produtivo e atendendo ao aumento da demanda mundial que, a partir dos anos cinqüenta, havia se acentuado consideravelmente. 80 (GOGELS, 1972). Aos caboclos nativos juntaram-se migrantes nordestino seduzidos por ganhos fáceis. Evadidos das secas que abrasavam os sertões do Nordeste, alistaram-se, durante meio século de desbravamento e exploração de seringas nativos, 24.000 nordestinos, predominantemente cearenses, dispersos pelas selvas do Purus, Juruá, Xingu, Tapajó, Madeira, à procura da nova riqueza. Casas comerciais, de Belém e de Manaus, financiavam o impressionante “rush” da milagrosa goma, abasteciam os regatões, os armazéns, montavam hospedarias e tapiris, equipavam as vanguardas e recebiam as pélas de borracha para a exportação rendosa. 81 (LIMA, 1975). A colonização amazônica foi improvisada com os retirantes das secas do Nordeste, à custa da imigração de famintos e incultos, que mais davam a impressão de espectros do que de homens; com o afluxo das grandes levas de flagelados, em condição da miséria fisiológica e na indigência dos mais rudimentares recursos de civilização. Foi, pois obra de emergência, sobretudo efeito tumultuoso de uma calamidade – a seca de 1877, e empreendida sem bases, sem preceitos nem leis; foi uma arremetida de desespero a que se deixaram levar, quase inconscientemente, há cerca de meio século, os torturados pela sede e pela fome no sertão nordestino. Foi ao mesmo tempo uma aventura comercial a que se expuseram ousados e beneméritos comerciantes do Pará, sem capitais nem apoio econômico para obra de tão grande tomo. A audácia e o crédito foram os elementos propulsores únicos daquele empreendimento gigantesco, que teve por fito o desbravamento de uma afamada região, notabilizada pela extensão e espessura de suas florestas selvagens e impenetráveis. O crédito era a mola das iniciativas e a base dos negócios, desde os primeiros dias da vida comercial da Amazônia, e assim foi se tornando cada vez mais fácil; tornou-se facílimo. Daí originou-se o regime de abuso do crédito, de excesso de confiança, de extravagante facilidade de negócios. O vulto, dia a dia crescente, dos lucros, açulava aos excessos, até ao desvario. Os aviamentos de mercadorias para os seringais eram pródigos, excessivos, absurdos. As “notas de pedidos” eram exorbitantes, envolvendo às vezes artigos impróprios e supérfluos, como, por exemplo, tecidos de seda. 82 (LIMA, 1975). Os aviadores de Manaus e Belém forneciam tudo quanto se lhes pedia, mercadorias úteis ou dispensáveis, aumentando-lhes ainda as medidas. Os regatões, impingindo quinquilharias e quejandas superfluidades, extorquiam boas somas aos seringueiros, que desviavam dos patrões quantidades razoáveis de produtos (peles de borracha, rolos de sernambi, pranchas de caucho) para adquirirem aquelas inutilidades. O uso, ou melhor, o abuso do álcool, constituía outra razão de gastos excessivos com hábitos perniciosos à saúde. O seringueiro fatalmente despercebia-se da necessidade de cultivar a terra. Mas, se fazia qualquer tentativa nesse sentido, era dissuadido do seu intento pelo patrão. Pode-se mesmo dizer que havia interdição ao cultivo de produtos alimentícios. Plantar era um crime. De um grande proprietário no rio Aripuanã ouvi a confissão de que, naqueles tempos ominosos, expulsava de seu seringais todo freguês que tentasse fazer a pequena lavoura. O extrator anda devia produzir, - era a doutrina, - mas apenas extrair o ouro líquido, que jorrava abundantemente das seringueiras. Naquela época de grandeza mal aproveitada, de desperdício e de imprevidência, era crime produzir; só era lícito extrair e destruir! O empenho de todos era vender o máximo e pelo maior custo. Assim ocorria nas transações entre o seringueiro (freguês) e o seringalista (patrão), como entre este e o comerciante fornecedor (aviador) das praças de Manaus e Belém. O fator mais deprimente da vida comercial amazônica era a carestia da vida, que não se agravava apenas pela “tirania da

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Como o extrativista não podia cultivar seus próprios alimentos, assim houve a necessidade de

exportar bens de consumo. Esses bens chegavam às mãos dos extratores valendo quatro vezes e até

mais seus custos calculados no Rio de Janeiro (+83). O capital estava nas mãos da elite luso-brasileira e

esta desperdiçava toda renda em extravagâncias e “investimentos improdutivos ou obras suntuárias”.

Parte dessa renda foi empregada para financiar o Governo e a industrialização do Centro-Sul,

principalmente São Paulo. Iniciou-se um processo de expansão do capitalismo em todo o Brasil,

“visceralmente articulada à apropriação de parte do excedente do produto social pelo capital

financeiro europeu, em especial o inglês, depois substituído pelo norte-americano, aos quais interessava

a acumulação em São Paulo” (84).

As dívidas comerciais iam se avolumando em débitos crescentes. Nesse período a riqueza dos

donos dos seringais era avaliada pela fortuna de sua dívida. Ou seja, os créditos eram concedidos

àqueles que possuíam maior produtividade em sua propriedade (85). E que desse período (Ciclo da

borracha) o que se observou é que “tudo desapareceu. Nada restou daquela grandeza comercial

aparatosa, que desenvolveu uma das maiores forças da economia da nação, tendo chegado a

assegurar, à nossa balança internacional de contas, a contribuição anual de vinte milhões de libras

esterlinas. É que, naqueles tempos a grandeza amazônica, a borracha, figurava como a segunda cifra

na exportação de produtos brasileiros” (LIMA, 1975).

A fama de ganhos fáceis na Amazônia se espalhava por todo o país e de todas as partes

partiam pessoas em busca de êxito financeiro. Muitos que imigraram encontraram terras sem donos,

sem gente e sem leis e vários deles se fizeram grandes senhores seringalistas e muitos outros se tornaram

escravos desse sistema (86). As poucas leis que existiam não haviam como ser empregadas, pois não

distância”, mas ainda por uma impiedosa oneração das faturas de gêneros do consumo de primeira necessidade. Ao apurar as responsabilidades do malogro amazônico, no que tange ao encarecimento das faturas, opinam alguns pela culpa do aviador e outros pela do patrão. Em sã justiça, devem ser divididas as responsabilidades: os preços das mercadorias fornecidas ao seringueiro eram agravados pelas taxas do aviador e ainda mais sobrecarregados pelas do patrão, sendo de registrar que, em muitos seringais, os respectivos proprietários aviavam certos fregueses, que, por sua conta feitos patrões, aviavam os seus fregueses. A engrenagem dos negócios ficava destarte ainda complicada e encarecida. Neste último caso, o freguês feito patrão sobrecarregava , com mais uma terceira taxa de comissão, os aviamentos feitos aos seus extratores ou seringueiros. Deixe-se elucidado um ponto obscuro na vida comercial do Amazonas. É que a oneração dos aviamentos não se fazia tanto como uma forma de ambição de lucro, mas quase se impunha – aliás por interpretado errônea – como um esforço compensatório da contabilidade dos seringais, para cobrir as perdas e os desfalques acarretados pela evasão do freguês, naquele regime de irresponsabilidades, de falta justiça e de polícia, em que jazia a sociedade dos sertões amazônicos. 83 (LIMA, 1975). Os preços, por que chegavam as mercadorias às mãos do extrator, eram fabulosos e incríveis: representavam cerca de quatro vezes o custo no Rio de Janeiro, e às vezes mais. 84 (MIRANDA NETO, 1991). Como o seringueiro não produzia o que consumia, foi preciso importar até do exterior alimentos maciçamente durante este ciclo, concentrando-se a acumulação de renda nas mãos de uma elite luso-brasileira que infelizmente desperdiçava-a em bens de consumo supérfluos e em investimentos improdutivos ou obras suntuárias. Outra parte da renda foi utilizada para a industrialização do Centro-Sul, sobretudo São Paulo, e para financiar o Governo Central. A expansão do sistema capitalista começou a ser feita em escala nacional, visceralmente articulada à apropriação de parte do excedente do produto social pelo capital financeiro europeu, em especial o inglês, depois substituído pelo norte-americano, aos quais interessava a acumulação em São Paulo. 85 (LIMA, 1975). Nem se apercebiam, naqueles tempos heróicos da seringueiras, do desequilíbrio das contas comerciais. De ano para ano, porém, iam-se avolumando os débitos crescentes, cujas cifras condiziam com a capacidade de crédito de cada proprietário devedor.O fato era trivialíssimo. Porque, naquela era de negócios fabulosos e de esbanjamentos incríveis, computaa-se o grau de prosperidade dos donos de seringais pela sua capacidade de dever. Avaliava-se a fortuna de cada um pelo algarismo de sua divida das praças comerciais das duas capitais da Amazônia. Exprimia-se a “riqueza” pelo débito. Assim apontava-se um proprietário: “Esse homem é muito rico: deve dois mil contos”.Queriam dizer: Dispõe ele de tanto crédito que pode dever dois mil contos. O crédito, em realidade, era um bem, uma riqueza. Foi uma catástrofe comercial em que soçobraram as maiores casas comerciais do Pará e Amazonas, com seus capitais, com suas flotilhas de dezenas de navios apropriados à navegação fluvial, com seu crédito, com a fortuna particular de seus sócios. A crise da borracha data, pois, dos tempos em que era ela supervalorizada, isto é, em que o quilograma lograva a fabulosa cotação de 15$000, correspondente a cerca de uma libra esterlina e às vezes mais. Basta considerar que ela hoje não alcança senão poucos pense, para ter idéia clara da situação calamitosa em que se asfixia a economia amazônica, seriamente ameaçada de aniquilar-se. 86 (LIMA, 1975). A administração pública e a administração privada davam expansões a uma prodigalidade sem medida, que o êxito crescente dos negócios da borracha cada vez mais excitava. A fama do Amazonas chegava a todos os recantos do Brasil. De toda a parte acorria gente, de diversas classes e condições, para o então afamado Estado do extremo setentrião brasileiro, onde fora descoberta uma árvore cujo látex se

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existia o poder da polícia nos seringais. Não havia garantia assegurada ou contrato entre o seringueiro e

seringalista. E muitas fugas ocorriam em razão das enormes dívidas, da grande exploração e da baixa

qualidade de vida dos extrativistas (87).

Araújo Lima (1975) descreve uma situação curiosa a respeito dos lucros com os seringais e seus

gastos luxuosos: “A capital do Amazonas era a esse tempo uma grande praça com todas as seduções

para o seringueiro. Registram as crônicas, escandalosos episódios, de que eram protagonistas certos

seringueiros abastados, que, em exibição espalhafatosa vasavam o conteúdo espumante de uma

garrafa de champanha numa só taça, para o excedente extravasar e desperdiçar-se. Precursores dos

coronéis, eram pagadores ou marchantes complacentes, explorados por certos boêmios ou por

indivíduos inescrupulosos, nos bares, cafés, pensões, hotéis, clubes, teatros, cinemas ou prostíbulos.

Nestes, porém, eram duplamente extorquidos, nas libações e nos prazeres, a que a Vênus mercenárias

os arrastavam. A fascinação da cidade, sobre o egresso das selvas, produzia um fenômeno de

conquista instantânea: a cidade, com os seus encantos e seus vícios, seduzia-o e desvairava-o. Era ele

uma presa fácil e condenada. Era a vasta planície o império da fraude – fraudada a terra pelo homem,

fraudado o homem pela sociedade”.

Crescimento impulsionado pelo extrativismo da borracha

Em 1882, a borracha estava no terceiro lugar de exportações brasileiras, sua economia

fortaleceu e reformou a infra-estrutura de Manaus e Belém, foi responsável pela construção de centros

culturais e artísticos que atraiu companhias teatrais e famosos concertistas da Europa (88). A borracha foi

uma das matérias-primas principais da segunda revolução industrial, e a região amazônica dispunha do

maior estoque natural de plantas produtoras de látex. O crescimento na quantidade exportada foi

acompanhado pela necessidade de aumento na quantidade extraída que por sua vez afetou a

procura de novos seringais, isso acompanhou as descobertas da tecnologia de processamento e

utilização da borracha, a melhoria dos meios de transporte e o aumento da mão-de-obra (89).

Um marco decisivo na história da borracha foi a descoberta do pneumático por Dunlop, em

1890, dando maior estímulo à cultura da seringueira que já era uma conquista científica da agricultura e

botânica. Já estava provado que a hévea poderia ser cultivada em outras regiões diferentes de seu

transformava em ouro. Chegou-se a criar a lenda da “árvore que dava dinheiro”. No assalto dado a uma terra sem dono, sem elementos nativos, sem gente, por colunas de forasteiros famintos e malroupidos, alguns se fizeram senhores potentados, e outros, escravos da gleba. Aventureiros todos, prevaleceu e decidiu certo instinto, que foi segredo de muitas conquistas. Não seria seguramente o mérito da cultura porque, era notório, muitos proprietários de seringal, desfrutando riqueza e poderio naqueles tempos, não tinham sequer notícia do alfabeto. Inteligências espontâneas, com aptidão prática e capacidade de mando, suprindo as deficiências de instrução e de recursos materiais, muitos imigrantes nordestinos souberam fazer-se senhores e poderosos. 87 (LIMA, 1975). Nem código de trabalho, nem polícia existia nos seringais. Euclides da Cunha lança sobre os patrões uma acusação grave pelo despotismo que exerciam as transações com os fregueses; mas é de justiça assinalar que nenhuma garantia era assegurada aos primeiros, em tais relações. Egressos de uns seringais, ingressos em outros, os seringueiros escudavam-se em acobertadora impunidade. E orçavam por grandes somas as perdas totais que nas fugas infligiam aos respectivos patrões. 88 (GOGELS, 1972). Já em 1882, a borracha ocupava o terceiro lugar do quadro das exportações brasileiras. E a borracha, como pedra angular sobre a qual repousava a economia da área, reformou a estética urbana de Manaus e de Belém, dando a estas cidades feições de centros culturais e artísticos, atraindo famosas companhias teatrais da Europa e famosos concertistas. 89 (SILVA, 2003). Reflexos dessa revolução industrial fizeram-se presentes na Amazônia, na forma de intensa demanda de um produtos extrativo, a borracha, uma das matérias-primas vitais da segunda revolução industrial. A região dispunha do maior estoque natural de árvores produtoras de látex, ou seja, de seringueiras. A procura dessas árvores, a conseqüente extração do látex e o crescimento do volume de exportação seguiram o

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habitat natural com produtividade por área muito maior, onde surgiram grandes plantações em

Malaca, implementadas pelo chinês Tan Chay Yan, em 1896 (90).

A fabricação dos pneumáticos foi um dos fatores que contribuíram para o aumento da

demanda de borracha, que resultou num aumento no preço do produto, crescendo ainda mais a

necessidade de exportações (91). No fim do século XIX, a Amazônia tinha seu território consolidado com

uma economia baseada no extrativismo, principalmente da borracha que apresentava produção em

larga expansão. (92). Coube a responsabilidade do avanço predatório da floresta ao extrativismo da

borracha (93).

1900 a 1930

A concorrência com a borracha asiática e sintética

No início do século XX, muitas empresas estrangeiras foram atraídas para o Brasil em

conseqüência da ascensão da borracha. Empresas inglesas controlavam cerca de 60% do capital que

girava em torno da comercialização desse produto (94). Em 1903, as terras que hoje pertencem ao Acre

foram incorporadas ao território brasileiro, perante a um acordo entre Brasil e Bolívia, o que consolidou o

espaço amazônico e aumentou a contribuindo com o mercado de produtos naturais da floresta

brasileira (95).

Os plantios de seringueira na Ásia estavam em pleno crescimento e em 1900 o mercado

conheceu a primeira partida de borracha dessas culturas racionais. Era o início da concorrência entre

Brasil e Oriente no mercado mundial, e o conseqüente início do declínio do extrativismo amazônico (96).

Percival Farquhar, em 1906, interessado na exportação de borracha, organizou a Cia. Port of

Pará “que seria o holding regional”, onde o Governo do Brasil fornecia incentivos e facilidades em troca

de controlar as exportações de borracha. Essa expansão exigia que o transporte possuísse infra-estrutura

curso das descobertas da tecnologia, processamento e uso da borracha, do próprio desenvolvimento industrial, da melhoria dos meios de transporte na região, da expansão das áreas produtoras e dos afluxos de capitais e de mão-de-obra. 90 (LIMA, 1975). Considerado já era o cultivo da hévea, uma conquista da botânica e da agricultura verdadeiramente científica, quando ocorreu um fato que marca um momento decisivo na história da borracha: o descobrimento do pneumático, em 1890, por Dunlop, que foi o máximo estímulo à cultura da borracha. Provado que a hévea poderia ser cultivada em terras outras que não as de seu habitat, bem definida como já estava a sua aclimação, redobravam-se esforços para que o problema tivesse sua solução definitivamente prática. E surgiu, então, uma grnade plantação regular, para exploração propriamente agrícola, conseguida por um chinês, Tan Chay Yan, em 1896, em Malaca. 91 (MIRANDA NETO, 1991). Outro fator que determinou o aumento da demanda da borracha foi a fabricação de pneumáticos, provocando a elevação nos preços do produto e desencadeando uma verdadeira euforia no setor exportador. 92 (SILVA, 2003). A virada do século XIX para o século XX deu-se com a produção de borracha amazônica em franca expansão. A Amazônia brasileira adentrou o novo século com seu espaço territorial finalmente consolidado e com sua economia ainda baseada no extrativismo dos recursos florestais – fundamentalmente de borracha. Na última década do século XIX o extrativismo representava 70% da produção agropecuária da região; na primeira década do século seguinte aumentara para 78%; em 1910 o extrativismo representava 90% da produção agropecuária regional. 93 (MIRANDA NETO, 1991). Coube ainda a exploração da borracha a responsabilidade pelo início do desequilíbrio ecológico na Amazônia, quando ocorreu o avanço depredatório à natureza. 94 (MIRANDA NETO, 1991). O auge da borracha, nos primeiros anos do século XX, atraiu empresas estrangeiras de diferentes nacionalidades. Os ingleses controlavam 60% do capital das companhias que comercializavam o produto. 95 (SILVA, 2003). Em 1903 o Brasil resolvera, em acordo com a Bolívia, a questão das terras do atual estado do Acre, que os extratores de látex haviam penetrado no último quartel do século anterior. A frenética procura da seringueira levava à consolidação da Amazônia brasileira renhidamente disputada, duramente conquistada e penosamente dominada ao longo de quatro séculos, com a fundamental contribuição dos produtos da floresta. 96 (MIRANDA NETO, 1991). Já no ano de 1900, sairia para o mercado a primeira partida de borracha dos plantios racionais asiáticos. Era a concorrência que surgia, e que, num crescimento fulminantes, viria a liquidar com o monopólio brasileiro. Com o início da concorrência no mercado mundial, entre a borracha do Oriente e a do Brasil, ocorreu a decadência da nossa produção.

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adequada e em 1907, Farquhar iniciou a construção da E. F. Mamoré, conhecida como a ‘ferrovia do

diabo’ devido ao número de mortes de operários para sua construção (97).

Para agravar ainda mais a situação brasileira, surgia em 1910 a borracha sintética (98) e a

empresa inglesa Amazon River Steam Navigation Co que controlava o monopólio da navegação no rio

Amazonas, em 1911, assim os investimentos ocorridos na economia brasileira eram captados por

empresas vindas do exterior que atuavam em um determinado setor, seguindo as condições do

mercado interno e externo (99). Nesse mesmo ano o Brasil alcançou o recorde na produção de

borracha, chegando a 44.296 toneladas (100) (101 *porém SILVA afirma que o recorde foi em 1912).

Em todo esse processo foram observadas duas fases distintas. A primeira de 1860 a 1900 foi

caracterizada pelo predomínio do capital inglês vinculado às atividades exportadoras, e a segunda, de

1900 a 1913, marcada pela competitividade entre países exportadores de capital, a diversificação no

crescimento econômico da região, como “crescimento das cidades, expansão industrial, diversificação

de atividades primárias e auge da borracha” (102).

Criação de órgãos estatais na região norte

Em 1912 foi criada a Superintendência de Defesa da Borracha, no governo de Hermes da

Fonseca, onde foi promulgado um plano de Defesa da Borracha ou de valorização da Amazônia com

atenção voltada a plantios racionais de seringueira, perante a queda no preço da borracha no

exterior. Com esse plano buscava-se melhorar o transporte regional, as condições econômicas, obras

sanitárias, incentivos financeiros para produção racional de seringueiras e isenção de 50% dos impostos.

Esta foi considerada a primeira experiência de planejamento para a Amazônia (REIS, 1983) (103) (104).

Em 1913, dezessete meses depois o plano foi abandonado por causa da precária situação

financeira do país, pouco capital privado, escassez de técnicos qualificados, falta de um mercado

interno voltado para a produção de borracha e a eclosão da Segunda Guerra Mundial. O plano

fracassou, antes mesmo de ser executado, devido ao Congresso Nacional retirar a verba destinada à

sua execução. Nesse ano a produção do oriente era em duas vezes mais o valor da nossa produção

97 (MIRANDA NETO, 1991). Em 1906, Percival Farquhar, que já se interessara pela exportação da borracha, organizou a Cia. Port of Pará que seria a holding regional, recebendo incentivos e facilidades várias do Governo brasileiro. Assim, garantiu-se o controle da “garganta” pela qual passariam as exportações de borracha. Mas a expansão exigia infra-estrutura de transportes adequada. Em 1907, Farquhar iniciava a E. F. Mamoré, a “ferrovia do diabo”, de tão triste memória, tal o número de operários mortos em sua construção. 98 (OLIVEIRA, 2002). Se, na década de 1910 a borracha extrativa não tinha como competir com a borracha de plantações, muito pior ficou quando passou a competir, também, com a borracha sintética. 99 (MIRNADA NETO, 1991). Em 1911, os ingleses já dominavam o monopólio da navegação do rio Amazonas com a Amazon River Steam Navigation Co. Dessa forma, as oportunidades de investimento derivadas das transformações da economia brasileira foram aproveitadas pelas empresas estrangeiras em um determinado setor, de acordo com as condições internacionais e nacionais. 100 (GOGELS, 1972). E em 1911, atingiu o recorde da produção alcançando 44.296 toneladas. 101 (SILVA, 2003). A exportação de borracha atingiria o auge em 1912, finalizando um longo período de 86 anos (1827 – 1912) de contínuo crescimento no volume das exportações. 102 (MIRANDA NETO, 1991). Destacaram-se duas fases com características distintas: 1ª) 1860/1900 – predomínio absoluto do capital inglês e sua estreita vinculação às atividades exportadoras; 2ª) 1900/1913 – maior competitividade entre países exportadores de capital e maior leque de oportunidade lucrativas (crescimento das cidades, expansão industrial, diversificação de atividades primárias e auge da borracha). 103 (MIRANDA NETO, 1991). Um plano de valorização da Amazônia (inclusive com o plantio racional da seringueira) só foi aprovado em 1912 quando foi criada a Superintendência de Defesa da Borracha. No ano seguinte, 104 (HOMMA, 1989). Em 1912 o Governo de Hermes da Fonseca promulgou um plano de Defesa da Borracha, devido a queda nos preços internacionais. Procurava-se melhorar o sistema de transportes, condições econômicas, concessões de bonificações em dinheiro para plantios de seringueira, obras sanitárias, isenção de 50% dos impostos. (Reis, 1983) afirma que esta foi considerada a 1ª experiência de planejamento para a Amazônia.

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com custo muito inferior ao encontrado no Brasil, isso causou queda no preço da borracha brasileira em

até 5 vezes o preço de 1911 (₤ 512 /t em 1911 para ₤ 100 /t em 1913-14) o que causou queda na

produção e conseqüente abandono dos seringais em busca de atividade mais rentáveis (105) (106).

Há autores que afirmam que se não houvesse ocorrido a queda no preço da borracha nativa

ocorreria um processo destrutivo dos seringais (107). No oriente, os plantios de héveas não paravam de

crescer. Segundo LIMA (1975) (108) a área acompanhou o crescimento da figura abaixo:

119.000

883.000

1.523.000

1.800.000

1906 1914 1923 1925

Ano

Evolução na área (ha) dest inada à plantação de seringueiras no Oriente

FONTE: LIMA (1975)

A quantidade produzida nos seringais cultivados ultrapassou a extração da Amazônia. Segundo

Araújo Lima (1975) (109) isso se deu a partir de 1913 (Figura 2).

105 (MIRANDA NETO, 1991). o Congresso Nacional retirou a verba destinada ao plano e este fracassou, antes mesmo de ser executado. Àquela altura a produção oriental era o dobro da nossa e com um custo muitas vezes inferior, o que levou o preço a cair de £ 512/t em 1911 para £ 100/t em 1913/14, provocando a queda da produção com o abandono dos seringais. 106 (HOMMA, 1989). Este plano foi abandonado 17 meses depois, devido a precária situação financeira do país, escassez de capital privado, de técnicos qualificados, falta de um mercado interno desenvolvido para a borracha e a eclosão da 2º Guerra Mundial. 107 (LIMA, 1975). Não se houvesse pronunciado a desvalorização da borracha, como fenômeno correlato à superprodução oriental da goma elástica, ter-se-ia declarado a desvalorização de todos os seringais amazônicos. É a intermitência da coleta do leite, forçada pelo quase nenhum valor monetário da borracha, que vai permitindo a reparação das seringueiras e a restauração dos seringais. 108 Seguiu-se, no oriente, formidável surto de plantação de héveas, de que os seguintes dados estatísticos são a prova: em 1906 contavam-se 119.000 hectares plantados; em 1914, 883.000 hectares; em 1923, 1.523.000 e em 1925 as palntações de seringueiras já cobriam uma área de 1.800.000 hectares. 109 A escala da produção, que as plantações do oriente asseguravam, crescia assim assombrosamente de decênio a decênio: 4 toneladas em 1900; 8.200 em 1910; 304.000 em 1920 e 800.000 em 1930! A seguinte estatística comparativa dá bem a idéia da disparidade da sorte da hévea nos dois quadrantes do planisfério econômico: em 1900 a borracha de plantação oriental dava apenas 4 toneladas ao passo que a Amazônia já fornecia 27.000 toneladas; em 1910 a oriental atingia 8.200 e a do Amazonas alçava-se a 40.000 toneladas; em 1913 a de plantação, com 47.618 toneladas, já conseguia suplantar a nossa, que começava a declinar, dando apenas 39.000 toneladas. Em 1930 a de plantação atinge 800.000 e a Amazônia detém-se na cifra de 14.000 toneladas!

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Comparação da quantidade extraída (t) de látex no Brasil e no Oriente

304.000

800.000

4 8.200

47.61814.00027.000 23.58639.000

40.000

1900 1910 1913 1920 1930

ORIENTEBRASIL

FONTE: LIMA (1975)

Declínio do extrativismo da borracha

O que prejudicou o mercado de borracha no Brasil, causando seu colapso de 1912 a 1920, foi a

vulnerabilidade encontrado no extrativismo, enormes parcelas de capital destinadas para o exterior, a

dependência de importações e o crescimento na oferta da borracha da Ásia e a conseqüente queda

nos preços amazônicos (110). O ciclo da borracha teve seu auge no início do século XX e declínio por

volta de 1920 (111) se estendendo até 1930 (112). Para suavizar os efeitos da crise da borracha brasileira,

buscou-se outras alternativas como a agricultura, o extrativismo madeireiro e não-madeireiro, em

especial a castanha, a pesca e a caça (113).

De 1913 a 1940, a atenção voltou-se ao extrativismo, pois a castanha-do-pará “era o produto

brasileiro de maior aceitação no mercado norte-americano”, o que resultou em aumento de mão-de-

obra na execução dessa atividade. O problema era que os preços eram impostos pelo mercado

exterior, o que impedia que a economia da região se beneficiasse com os lucros de seu mercado (114).

Com o sucesso da alta produtividade dos cultivos de seringueira na Ásia, a Companhia Ford

iniciou um plantio em Fordlância e Belterra no Baixo Amazonas. Diante de vários fatores adversos e

110 (MIRANDA NETO, 1991). Causas do colapso de 1912/1920: aumento da oferta da borracha asiática, extrema vulnerabilidade do extrativismo, dependência crescente das importações, emprego pouco racional dos recursos e vultosas remessas de lucros para o exterior. A borracha asiática dominou por um longo período o mercado mundial. 111 (RUEDA, 2003). Este foi o chamado “ciclo da borracha”, que teve seus anos áureos na virada do século e seu declínio por volta de 1920. 112 (SILVA, 2003). E o ciclo da borracha, agora como principal proudto extrativo da Amazônia, iria estender-se até por volta de 1930. 113 (BRASIL, s. d.). Em 1920 as atividades com agricultura, madeireira, castanha e animais, pesca, caça e coleta de frutos serviram para minorar os efeitos da crise (OLIVEIRA, 1986; SANTOS, 1980; REIS, 1956; VELHO, 1972; CARDOSO, MULHER, 1977; BRASIL, 1993). 114 (MIRANDA NETO, 1991). No período de 1913/1940, a castanha-do-pará era o produto brasileiro de maior aceitação no mercado norte-americano, o que acabou atraindo mão-de-obra disponível. A Amazônia voltou a se dedicar ao extrativismo, mantendo a mesma estrutura produtiva, mediante a qual os compradores estrangeiros impunham os seus preços no mercado, impedindo que a economia regional se beneficiasse da própria produção.

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principalmente pela rápida propagação de doenças nas seringueiras, o projeto fracassou (115). De 1922

a 1928, foi instaurado o Plano Steventon, que tinha a intenção de “preconizar as tentativas britânicas de

restringir sua própria produção com vistos em elevar os preços mundiais” (116).

Analisando esse período observa-se que ocorreu um grande avanço territorial, como a

incorporação do Acre ao território brasileiro, “um reforço à industrilalização do Sul, e a contribuição

fiscal à União com as exportações”, tudo isso como resposta à contribuição do extrativismo da

borracha para a economia brasileira (117).

De 1920 a 1940 houve um crescimento demográfico muito reduzido, obtendo um incremento

anual de 0,08%, que foi afetado principalmente pela imigração japonesa, que cultivavam juta em

Parintins (AM) (118). A Figura abaixo mostra o crescimento demográfico na região norte sob a influência

do extrativismo de borracha (119).

1820 1870 1900 1910

137.000323.000

695.000

1.217.000

O crescimento populacional durante o ciclo da borracha na Região Amazônica

FONTE: HOMMA (1989)

1930 a 1940

115 (MIRANDA NETO, 1991). Em 1926, a Companhia Ford tentou fazer um plantio de seringueira em Fordlândia e Belterra, Baixo Amazonas; mas o projeto, por diversas razões, constituiu-se num completo fracasso (inclusive pela rápida propagação de doenças nos seringais homogêneos e vulneráveis). 116 (HOMMA, 1989). A concorrência da borracha asiática fez com que a economia amazônica entrasse num período de 30 anos de estagnação, período interrompido pelo Plano Steventon (1922-1928). Esse plano preconizava as tentativas Britânicas de restringir sua própria produção com vistos em elevar os preços mundiais. 117 (MIRANDA NETO, 1991). Uma análise deste período permite visualizar as principais contribuições da exploração da borracha para a economia brasileira: o avanço territorial (conquista do Acre), o reforço à industrialização do Sul, e a contribuição fiscal à União com as exportações. 118 (HOMMA, 1989). 1920-40 crescimento muito reduzido com incremento anual de 0,08%; - imigração japoneza com cultura de juta em Parintins (AM) 1930;

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Situação na Amazônia perante a consolidação do mercado de borracha asiática

Depois de um século após a expedição de Francisco de Orellana, o português Pedro Teixeira

realizou outra viagem pelo rio Amazonas que partiu do Pará foi a Quito e voltou, entre 1937 e 1939.

Observaram que havia abundância de cacau cultivado e silvestre pelo território amazônico,

concluindo que esse produto ainda tinha grande importância no mercado regional (120). Assim a

Amazônia continuou com sua economia baseada em produtos provenientes do extrativismo vegetal

como a borracha, castanha e entre outros produtos, aguardando mais investimentos na região, que se

deu mais tarde com os ‘Grandes Projetos’ (121).

As seringueiras cresciam e produziam muito bem em locais distantes de sua terra natal (122), que

diante desse crescimento estrondoso resultou no declínio da produção de borracha brasileira. O que se

observava era o abandono dos seringais, a falência dos aviadores, colapso das finanças públicas, a

falta da capital privado para a execução dos plantios e a viagem de volta de estrangeiros ricos. A

demanda mundial de borracha necessitava de uma oferta que a acompanhasse e os plantios asiáticos

foram à solução para um problema que desacelerava o progresso mundial (123).

Em 1931, pela primeira vez, após o boom da borracha, a castanha supera seu valor da

produção, superioridade que se estendeu até 1935. A queda da bolsa de Nova Iorque, em 1929, afetou

o mercado de produtos tropicais, como a borracha que teve sua menor quantidade produzida em

1932. Com a queda no preço da borracha, os asiáticos usavam a estratégia de aumentar a produção

para saldar dívidas, porém, no Brasil, a estratégia era outra, os seringueiros buscavam explorar outros

produtos naturais com preços melhores. Desse modo que o interesse pelo extrativismo da castanha

aumentou significativamente, após a crise da borracha. Enquanto a produção de borracha caía, a de

castanha adquiria um movimento contrário, de subida, e quando a borracha crescia a de castanha

declinava (124).

119 (HOMMA, 1989). Os impostos ainda se sobrepunham as taxas portuárias bastante elevadas. Crescimento populacional 137 mil (1820), 323 mil (1870), 695 mil (1900) e 1.217 mil (1910). 120 (SILVA, 2003). O português Pedro Teixeira realizou, cerca de um século depois de Francisco de Orellana, outra grande viagem pelo rio Amazonas. Comandou uma expedição que partiu do Pará, foi a Quito e retornou, navegando duplamente o grande rio, entre 1937 e 1939. Os cronistas da sua viagem chamaram a atenção para a abundância de cacau, tanto silvestre quanto cultivado, existente no vale amazônico. Apontaram o cacau como um produto importante do ponto de vista econômico. 121 (OLIVEIRA, 2002). Desse modo, a Amazônia continuou com sua economia extrativista de borracha, castanha e outras matérias primas, esperando até o próximo grande evento: os “Grandes Projetos”. 122 (LIMA, 1975). Episódio ruidoso de superprodução, o fenômeno da cultura da seringueira no oriente ministra-nos proveitosa lição, ilustrando uma noção controversa em antropogeografia. É esta. Com a aclimatação da hévea bem longe de seu habitat, a capacidade técnica e administrativa, acionada por capitais ingleses e holandeses, montou a construção da maior riqueza agrícola do globo. E enquanto as héveas emigradas, bem longe da pátria, formavam ali novo mundo vegetal, que era uma afirmativa de adaptação e de progresso biológico, as que ficaram na terra da origem degeneravam e pereciam, sem prole nem seleção. As seringueiras encontravam, no estrangeiro, um ambiente que lhes permitia expansão e prolificidade, ao passo que, na terra nativa, atroz decadência lhes embargou o desenvolvimento. 123 (MIRANDA NETO, 1991). Os seringais foram abandonados, as finanças públicas locais entraram em colapso, a iniciativa privada não dispunha de capital para promover o plantio, os “aviadores” (sistema de aviamento – o comerciante de Belém ligado ao comércio externo adiantava ao coletor do látex os mantimentos necessários à sua sobrevivência e recebia em pagamento o produto da coleta. O seringueiro, último elo da cadeia econômica, comprava dos “aviadores” os suprimentos essenciais a preços altíssimos) conheceram a falência e os estrangeiros partiram ricos para seus países de origem. Face à data em que se verificou a transferência das mudas tudo leva a crer que a fase amazônica foi uma solução de emergência para satisfazer a demanda mundial crescente. A solução a longo prazo, ou seja, o plantio na Ásia em bases racionais, permitiu a elasticidade da oferta requerida pela rápida expansão da demanda mundial. 124 (SILVA, 2003). Em 1931 o valor da produção de castanha superou o valor da produção de borracha, pela primeira vez. O mesmo ocorreria nos anos seguintes, até 1935. Era a época em que a recessão mundial iniciada com a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929 repercutia no mercado de produtos tropicais. A produção de borracha no Brasil, em movimento descendente desde 1913, atingiu o menor volume de produção no ano de 1932. Contrariamente ao que em geral ocorria nos seringais asiáticos, onde os pequenos proudutores comumentemente intensificavam a exploração para compensar a queda dos preços e saldar dívidas, os extratores da Amazônia voltavam-se para a exploração de outros produtos da floresta, numa situação de recorrência que remontava ao ciclo das drogas do sertão. Não obstante, a castanha teve elevada participação no conjunto dos proutos extrativos, após a crise da borracha. É bem verdade que a castanha aparecia regularmente no rol dos produtos extrativos da

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Em 1900, cerca de 98% da borracha ofertada no mundo era proveniente de seringais nativos,

em 1905, a participação do Brasil ficava em torno de 60% da oferta mundial, porém em 1915, a

produção dos seringais plantados era superior aos seringais nativos, onde o Brasil passou para contribuir

com 20% da oferta global. Com o crescimento dos plantios asiáticos, em 1920 a borracha nativa

representava menos de 10% da oferta mundial e os seringais cultivados próximo a 90% (Figura abaixo).

No Brasil, buscavam-se novas alternativas de amenizar a crise da borracha, onde ocorreu o

ressurgimento de atividades como a agricultura, cultivo de juta, pimenta do reino, guaraná e pau-rosa.

A importância econômica do guaraná assumiu tamanha importância que levou a sua domesticação

(125) (126).

Oferta de borracha natural no mundo

98%

60%

20%10%

40%

80%90%

2%

1900 1905 1915 1920

Brasileira Asiát ica

FONTE: SILVA (2003)

Amazônia desde a segunda metade do século XIX, mas o declínio da economia da borracha chegou mesmo a despontar como produto extrativo líder da região. Enquanto a produção de borracha declinava, a de castanha crescia; quando aquela voltou a crescer, esta decresceu, revelando, ambas as produções, movimentos contrários. 125 (SILVA, 2003). Em 1900 oferta mundial de borracha natural originava-se quase totalmente de seringais nativos; a borracha de seringais cultivados participava com menos de 2% da oferta global. Em 1905 o Brasil participava com mais de 60% da oferta mundial. Em 1915, houve mudança radical no perfil da oferta: o volume de borracha dos seringais cultivados havia ultrapassado o dos seringais nativos. A situação do Brasil já era, por essa época, de extrema gravidade; sua participação se reduzira a 20% da oferta global. Em uma década o país perdera a supremacia como produtor mundial de borracha. Em 1920 a borracha de seringais nativos supria pouco mais de 10% da oferta mundial e a de seringal cultivado próximo de 90%. A participação brasileira na oferta mundial reduzira-se, em 15 anos, de 60% para cerca de 7%. A produção amazônica de borracha entrara em vertiginoso declino, levando ao colapso a economia da borracha. Em decorrência, a região amazônica ingressaria num período de profunda depressão econômica e de busca de novas alternativas. Verificou-se o ressurgimento da agricultura na região, com o cultivo sobretudo de juta e de pimenta do reino, de um lado, enquanto que de outro, a atividade extrativa direcionou-se para outros produtos da floresta, dentre os quais a castanha. Além da borracha e da castanha, dois outros produtos extrativos importantes na Amazônia do século XX foram o guaraná (Paulínia cupana), do qual de aproveita o fruto, e o pau-rosa (Aniba spp), do qual se aproveita e essência do seu óleo, utilizada na perfumaria. A importância econômica que assumiu o guaraná levou à domesticação da espécie. 126 (HOMMA, 1989). Fase de declínio foi de 1910-1932, onde outros fontes foram extraídas: - castanhais em Marabá (PA); - óleo essencial de Pau-rosa; - 1910 efeitos dos plantios domesticados; - queda da borracha estimulou a castanha e atividades agrícolas.

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Ao final da década de 30, foi criada a primeira instituição de pesquisa da região Amazônica –

Instituto Agronômico do Norte – em 1939 (127).

1940 a 1950

Segunda Guerra Mundial – e o interesse momentâneo pela borracha amazônica e o Acordo de

Washington – A BATALHA DA BORRACHA

A segunda Guerra Mundial ocorreu de 1940 a 1945 com a ameaça de invasão e explosão dos

seringais asiáticos pelos japoneses. Esse fato fez com que os aliados procurassem o Governo Brasileiro

com o intuito de garantir que suas necessidades de utilização da borracha fossem supridas, enquanto

os cultivos de héveas, no Oriente, estivessem sob domínio momentâneo do inimigo. Dessa forma os EUA

celebrou um acordo com o Brasil, em março de 1942, conhecido por Acordo de Washington, onde

propunham que ocorresse uma ação conjunta em busca de maior produtividade das seringueiras

nativas (128). Esse acordo “assegurava aos EUA a compra de todo o excedente da produção brasileira,

a um preço que garantiria um novo aumento na produção de borracha na região amazônica” (129)

(130).

O Acordo de Washington criou o Banco de Crédito da Borracha (hoje BASA, Banco da

Amazônia S.A.) que permitia aos EUA 40% das ações, “dando-lhes direito à indicação de dois diretores

dentre os cinco do Banco” e permitindo a esses, através da criação do Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP) e os armazéns da Rubber Development Corporation, participação na criação de

condições alimentares e sanitárias, onde o Governo Brasileiro ficaria encarregado pela mão-de-obra,

através da criação do Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia e da

Superintendência de abastecimento do Vale Amazônico (131).

O quilo da borracha seria vendido aos EUA por um preço inicial de Cr$ 9,00 /kg, passando para

Cr$ 12,00 /kg e chegando ao máximo de Cr$ 18,00 /kg, sabendo que nesse mesmo momento a Bolívia

vendia o quilo por Cr$ 80,00. Com o auxílio da guerra a borracha ressurgia no mercado como o

principal produto da Amazônia, fortalecendo o extrativismo regional (+132). Porém o Banco da Borracha

funcionava como financiador dos produtos e monopolizador das compras e não possuía interesse em

127 (HOMMA, 1989). Criação do Instituto Agronômico do Norte (1939) a 1ª instituição de pesquisa agronômica na região. 128 (MIRANDA NETO, 1991). O período de 1940/1945 foi marcado pela Segunda Guerra Mundial e, naquela época, os japoneses ameaçaram explodir os seringais do Oriente, forçando os aliados a voltarem as vistas para a antiga fonte. Com o acordo proposto ao Brasil pelos EUA, celebrado em 1942, pretendeu-se uma operação conjunta que permitisse a obtenção de crescimentos rápidos na produção de borracha nativa. 129 (OLIVEIRA, 2002). Em março de 1942 Brasil e EUA assinaram um conjunto de acordos que ficaram conhecidos como “Acordos de Washington”. Eles asseguravam aos EUA a compra de todo excedente da produção brasileira, a um preço que garantiria um novo aumento na produção de borracha na região amazônica. 130 (HOMMA, 1989). Em 1942, Brasil firma acordo com o governo norte-americano (Acordos de Washington) que visava ampliação da extração gutífera e ao montante a ser pago para o produto exportado. Com isso foi criado o Banco de crédito da Borracha. Tudo isso foi devido a invasão dos seringais malaios pelos japoneses e isso revalorizou a estratégia da borracha amazônica. 131 (MIRANDA NETO, 1991). As bases do Acordo de Washington foram as seguintes: - fundação do Banco de Crédito da Borracha (hoje BASA, Banco da Amazônia S.A.), no qual os EUA subscreviam 40% das ações, dando-lhes direito à indicação de dois diretores dentre os cinco do Banco; - os EUA teriam participação na criação de condições alimentares e sanitárias sendo, para tal, criados o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e os armazéns da Rubber Development Corporation; - o governo brasileiro se encarregaria da mão-de-obra necessária, através do Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, e da Superintendência de abastecimento do Vale Amazônico; 132 (SILVA, 2003). Na década de 1930 a produção brasileira de borracha iniciou lenha recuperação sendo depois impulsionada por estímulos externos durante a II Guerra Mundial.

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valorizar o crescimento da região (133). Após o ataque japonês a Pearl Harbor, os aliados ficaram sem

borracha e necessitavam da maior quantidade possível do produto brasileiro, que inicialmente seria de

50 mil toneladas de borracha que, apesar dos esforços empenhados, nunca passou de 35 mil toneladas

nesse período (134).

Na Figura 3, pode-se observar a produção de borracha brasileira sendo afetada pelo acordo de

Washington.

Produção brasileira de borracha natural no Brasil

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

1820 1840 1860 1880 1900 1920 1940 1960

Tone

lad

as

Produção de borracha Produção de borracha afetada pelo acordo de Washington (1943-47)

FONTE: OLIVEIRA (2003)

Situação dos imigrantes da Amazônia – o soldado da borracha

Foram recrutados pelo SEMTA e CAETA, os conhecidos como soldados da borracha, enquanto

que os seringueiros chegaram voluntariamente à Amazônia, além de existir também a mão-de-obra dos

próprios nativos da região, segundo SILVA (1996). “Esta diferença jurídica, tornou-se importante para os

efeitos de aposentadoria”. A grande parte dos imigrantes nesta época era de nordestinos com pouca

contribuição das outras regiões. Alguns desses imigrantes fugiam da guerra, mas a maioria era retirante

das secas (135). A seca de 1942, conduziu mais de 48 mil nordestinos à região amazônica (136).

133 (MIRANDA NETO, 1991). Os EUA gozariam de um preço-teto, que, inicialmente, foi estipulado em Cr$ 9,00/kg, passando em seguida a Cr$ 12,00/kg e atingindo um máximo de Cr$ 18,00/kg, no mesmo período em que a Bolívia vendia a Cr$ 80,00/kg. TABELA DE TONELADAS DE BORRACHA (BRASIL E ASIA). Assim, em conseqüência do “esforço de guerra”, ressurgiu a borracha como principal produto da Amazônia, o que perpetuava uma prática baseada na extração de produtos florestais. Portanto, o Banco da Borracha não foi criado segundo um planejamento que ensejasse o desenvolvimento da região. Ao contrário, como instrumento de guerra aliado, tinha como função financiar os produtos e monopolizar as compras. 134 (OLIVEIRA, 2002). Os aliados necessitavam da maior quantidade possível de borracha, após o ataque japonês a Pearl Harbor, quando ficaram desfalcados deste produto. A expectativa inicial de produção era de 50.000 t de borracha, quantidade que, apesar de todos os esforços, nunca foi alcançada. 135 (OLIVEIRA, 2002). Maria das Graças Silva afirma que os soldados da borracha foram os recrutados pelo SEMTA e CAETA, enquanto que os seringueiros foram os migrantes voluntários, que se dirigiram para a Amazônia em outras épocas, além dos trabalhadores nativos da própria região. Esta diferença jurídica, tornou-se importante para os efeitos de aposentadoria. O trabalhador seringueiro desta fase foi, predominantemente, o

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Foram realizadas entrevistas com os imigrantes, e BENCHIMOL explica, em seu livro, que das 57

entrevistas realizadas apenas um seringueiro não saiu do nordeste. Imigraram do nordeste sonhando

com a promessa de dinheiro fácil e rápido, já que haviam observado alguns de seus conhecidos

juntando dinheiro a partir da borracha, e por não terem esperanças de sobrevivência em sua região

natal. Muitos nem chegaram aos seringais e ficaram trabalhando na cidade como pedreiros, biscateiros

e com serviços gerais e suas mulheres foram trabalhar como domésticas ou faxineiras. Essa não

condução dos imigrantes aos seringais foi devido a inexperiência por parte dos órgãos responsáveis

pelo recrutamento de mão-de-obra, onde na primeira seleção o órgão responsável foi o Departamento

Nacional de Imigração (DNI) e Rubber Development Corporation (RDC), que conduziu principalmente

famílias inteiras. No segundo recrutamento, realizado pelo Serviço de Mobilização de Trabalhadores

para a Amazônia (SEMTA), foram encaminhados apenas homens solteiros que eram influenciados pelas

propagandas em cadeias públicas, que mostravam bons ganhos em tempo rápido. No segundo

recrutamento dos 11.000 migrantes somente 900 foram para os seringais (137).

Muitas dessas propagandas foram de caráter enganoso. Nos cartazes mostravam-se seringueiros

numa floresta repleta de seringueiras, como numa plantação, onde o látex era armazenado em

grandes tambores e transportados em caminhos e jeeps, como se fossem seringais da Amazônia, o que

na verdade mostrava os seringais cultivados da Malásia, uma realidade bem diferente do que os

imigrantes iriam enfrentar na floresta Amazônica (SILVA, 1996). Outra farsa eram as promessas feitas pelo

SEMTA através de um ‘Termo de Compromisso’ com o trabalhador e o ‘Contrato de Trabalho’ com o

seringalista, onde esses direitos e deveres nunca se concretizaram. Para aqueles que migraram sozinhos,

foi prometida uma pensão para sua família que ficou no nordeste, salário de 60% da produção e

assistência médica até nos seringais. Nada disso se concretizou. “Hospedarias que se assemelhavam a

campos de prisioneiros, alimentos deteriorados, assistência médica deficiente, viagens que se

arrastavam por um, dois e até três meses para se atingir o seringal e, uma vez lá, as condições de

trabalho sub-humanas, completavam um quadro que pouco se diferenciava da situação que

prevaleceu diante do último quartel do século XIX (PINTO, 1984)” (138).

nordestino. Em menor número deslocaram-se migrantes de outras regiões do país, alguns até para fugir da guerra, realmente, mas a imensa maioria dos migrantes, foram mesmo os nordestinos, que fugiam da seca. 136 (HOMMA, 1989). A II Guerra (1939-1945), fez com que voltasse para a Amazônia e os seringais foram recuperados. Com isso, em 1942-45 trouxe cerca de 48 mil nordestinos, devido a seca de 42. 137 (OLIVEIRA, 2002). Benchimol explica, em seu livro, como foram realizadas as entrevistas e quais eram as perguntas. São 57 entrevistas, das quais apenas um seringueiro não saiu do nordeste. Todos os outros saíram do Ceará, do Rio Grande do Norte ou da Paraíba fugindo da seca. Saíam do nordeste por não terem esperança de sobrevivência, devido às constantes secas, e sonhavam com o dinheiro fácil e rápido, pois alguns deles já tinham conhecido alguém que juntou dinheiro com a borracha. Acabavam ficando nas cidades trabalhando como pedreiros, biscateiros e fazendo serviços gerais, enquanto que as mulheres empregaram-se como domésticas ou faxineiras. Isto ocorria, entre outros motivos, devido à inexperiência dos órgãos responsáveis pelo recrutamento de mão-de-obra. A primeira leva de imigrantes, recrutados pelo Departamento Nacional de Imigração – DNI e Rubber Development Corporation – RDC, foi familiar. A segunda leva, porém, organizada pelo Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia – SEMTA, encaminhou apenas homens solteiros, influenciados pela propaganda, inclusive em cadeias públicas. Dos, aproximadamente, 11.000 migrantes desta leva, apenas 900 foram colocados nos seringais. 138 (OLIVEIRA, 2002). Grande parte desta propaganda foi enganosa: “Nos postos de aliciamento eram colocados cartazes onde apareciam seringueiros em meio a uma vasta floresta de seringueiras colhendo látex em grandes tambores carregados por caminhões e jeeps, como se fossem seringais da Amazônia. Os migrantes não se davam conta de que isto era apenas mais um engodo para atraí-los, pois os cartazes retratavam, não os seringais nativos, mas sim, os seringais cultivados da Malásia, ou seja, realidade bem diferente daquela que iriam enfrentar na Amazônia”. As promessas iniciais, realizadas através do “Termo de Compromisso”, entre a SEMTA e o trabalhador não se concretizaram e o Contrato de Trabalho com o seringalista foi “rasgado” diante das pressões dos mesmos. O salário proposto de 60% não se concretizou. Para os migrantes que se deslocassem sozinhos foi prometida uma pensão para a família, no nordeste, o que também não se concretizou. Previa-se assistência médica, inclusive nos seringais, e já vimos que ela não foi além dos centros urbanos. “Hospedarias que se assemelhavam a campos de prisioneiros, alimentos deteriorados, assistência médica deficiente, viagens que se arrastavam por um, dois e até três meses para se atingir o seringal e, uma vez lá,

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Parecia que o antigo sistema de aviamento havia se recomposto quando deixaram de pagar os

60% do preço da borracha como salário, tornando novamente num sistema de máxima exploração

realizado pelo seringalista. Esse afastou a RDC e reiniciou o abastecimento direto dos seringais, onde

“derrubou o limite máximo de 15% de acréscimo no preço dos produtos”. O BCB possuía em sua

diretoria representantes da elite da borracha, e financiavam aviadores de 1ª linha. Frente aos protestos

da classe dominante, o seringueiro perdeu os seus direitos e foi o que mais perdeu em todo o processo.

Nem a passagem de volta para suas casas, que tinham direito em contrato, não chegaram a ver (139).

Com o fim da ditadura do Estado Novo, no final da Segunda Guerra Mundial, instaurou-se uma

CPI para saber a situação dos soldados da borracha. Todos os envolvidos tiveram seus depoimentos

anotados por uma convocação dos Deputados Federais, mas concluíram que não se poderia saber

verdadeiramente o número de mortos. O reconhecimento a esses soldados foi bem diferente dos

direitos concedidos aos pracinhas da FEB, que receberam pensão vitalícia entre outros direitos. Somente

em 1989, com a Lei 7.986, concederam pensão vitalícia de dois salários mínimos, para os seringueiros

que comprovassem sua condição de soldado da borracha. E em setembro de 1991, os primeiros

soldados foram aposentados, totalizando, até 1995, apenas 7.200 aposentados nessa categoria em

toda a região norte (140).

Situação do mercado de borracha brasileiro após a vigência do Acordo de Washington

“Por força de um artigo colocado na Constituição de 1946, a Amazônia passaria a receber 3%

da renda tributária (impostos) da União”, onde “os estados, os territórios e os municípios da região

ficaram com a responsabilidade de destinar outros 3% de suas rendas tributárias para investir num

plano” de valorização da economia da região, num período de no mínimo 20 anos (141) (142).

O Brasil enfrentou dificuldades e jamais conseguiu produzir a quantidade planejada para o

fornecimento de borracha para os aliados (Figura abaixo, segundo MIRANDA NETO, 1991). Porém, após

a guerra, a Amazônia produzia mais do que as necessidades nacionais, e não podia contar mais com a

condições de trabalho sub-humanas, completavam um quadro que pouco se diferenciava da situação que prevaleceu diante o último quartel do século XIX”. 139 (OLIVEIRA, 2002). Os tradicionais seringalistas da Amazônia conseguiram penetrar de maneira agressiva na “batalha da borracha”, e em pouco tempo conseguiram recompor o velho Sistema de Aviamento. Fizeram isso quando deixaram pagar os 60% do preço da borracha como salário para o seringueiro, retornando a máxima exploração, e também, quando passaram a abastecer diretamente os seringais, afastando a RDC, e derrubando o limite máximo de 15% de acréscimo no preço dos produtos. Aliás, o próprio BCB fez o papel de financiador, do Aviador de 1ª linha. Não podemos deixar de atentar para o fato de que a Diretoria do Banco era formada, justamente, pela elite da borracha. O grande perdedor de toda esta batalha foi novamente o trabalhador seringueiro, o soldado da borracha. Ele foi levado para a Amazônia sob a proteção do Estado, com um contrato de trabalho que lhe garantia 60% de sua produção como salário, o que logo foi abandonado frente aos protestos das classes dominantes. O seringueiro tinha a promessa que sua família, no Nordeste, seria amparada pelo governo com o fornecimetno de uma pensão, o que também não ocorreu. Muitos ficaram sem ter, nem mesmo, a passagem de volta para casa. 140 (OLIVEIRA, 2002). No final da Guerra, que também foi o fim da ditadura do Estado Novo, foi instaurada uma CPI para investigar o destino dos soldados da borracha: quantos morreram e o que iriam fazer com eles. Os Deputados Federais convocaram todos os envolvidos para depor, mas ao seu final concluíram que não poderiam precisar o número de mortos. Decisão tomada para não ferir interesses. O reconhecimento e tratamento dispensado aos mesmos, foi totalmente diverso do adotado para os pracinhas da FEB, para quem foi atribuída uma pensão vitalícia e adquiriram diversos direitos. Mas, somente em 1989, através da Lei nº 7.986, foi concedida uma pensão vitalícia, de dois salários mínimos, para os seringueiros que pudessem comprovar sua condição de soldado da borracha. E foi apenas em setembro de 1991, que os primeiros “soldados” foram aposentados como tal. Até 1995 eram apenas 7.200 aposentados, nesta categoria, em toda a região Norte. 141 (SILVA, 2003). Por força de uma artigo colocado na Constituição de 1946, a Amazônia passaria a receber 3% da renda tributária (impostos) da União. Esses recursos deveriam ser investidos, por um período mínimo de vinte anos consecutivos, num plano de valorização econômica da região. Os estados, os territórios e os municípios da região ficaram com a responsabilidade de destinar outros 3% de suas rendas tributárias para investir no Plano. 142 (HOMMA, 1989). A Constituição de 1946 – Art. 199 – aplicar 3% da renda tributária da Nação durante 20 anos consecutivos, à execução de um Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA).

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compra da borracha pelos EUA, sendo que esses chegaram a pagar três vezes mais que o preço de

mercado. Em junho de 1947, acabou a vigência dos Acordos de Washington e a produção de

borracha destinada ao mercado exterior praticamente cessou. A compra desses estoques viria a partir

dos recursos do Plano de Valorização Econômica da Amazônica, proposto pela Comissão Parlamentar.

Porém, esses recursos não chegaram a tempo de financiar a safra de 1947 e 48, fato que obrigou o

Banco de Crédito da Borracha (criado em 1946, ex – BCB (143) ) recorrer a empréstimos do Tesouro

Nacional e do Banco do Brasil (144). Nesse período também foi criada a Comissão de Defesa da

Borracha, em 1947 (145).

Produção e demanda mundial de borracha natural (1827-1945)

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

1827 1850 1880 1900 1910 1912 1914 1920 1932 1941 1945

Tone

lad

as

DEMANDA MUNDIAL DÉFICIT MUNDIAL BRASIL ASIA

FONTE: MIRANDA NETO (1991)

A indústria nacional era, praticamente, a única compradora de borracha brasileira que era

vendida, por um preço mais alto que o encontrado no mercado internacional, pelo BCB que tinha

exclusividade na compra e venda desse produto. Com o aumento da demanda de pneumáticos, após

a guerra, ocorreu um grande crescimento na indústria de artefatos de borracha no Brasil (Figura abaixo,

segundo OLIVEIRA, 2002). Todos os automóveis que circulavam no país possuíam pneumáticos

brasileiros, oriundos da borracha amazônica (BCB, 1949). A indústria possuía certos privilégios, como a

143 (HOMMA, 1989). Banco de Crédito da Amazônia (Ex-BCB) (1946). 144 (OLIVEIRA, 2002). No fornecimento de borracha para os aliados, o programa brasileiro enfrentou dificuldades, sem jamais alcançar a produção planejada. Entretanto, depôs da guerra, a Amazônia brasileira estava produzindo além das necessidades nacionais, sendo que já não tinha mais o governo norte-americano, pagando um preço três vezes mais elevado que o de mercado. Em junho de 1947, quando acabou a vigência dos Acordos de Washington, a exportação de borracha praticamente cessou. Os recursos para a compra dos estoques viriam do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, proposto pela Comissão Parlamentar. Estes recursos, porém, não foram votados à tempo de financiar a safra de 1947-1948, obrigando o Banco de Crédito da Borracha a recorrer ao Tesouro Nacional e ao Banco do Brasil, realizando empréstimos para a compra dos excedentes de borracha. 145 (HOMMA, 1989). Cria-se a Comissão Executiva de Defesa da borracha (1947).

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proibição da entrada de artefatos de borracha no Brasil, mesmo com o preço desse produto brasileiro

elevado, a indústria nacional comprava o produto amazônico. Essa elevação no valor da borracha

brasileira fez com que muitas toneladas do produto entrasse no Brasil através da Bolívia e Peru,

buscando aqui “um preço que não encontrava em parte alguma” (...) (BCA, 1950) (146).

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

Tone

lada

s

1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950

Mercado de borracha no Brasil

Produção Venda à indústria Exportação Importação

FONTE: OLIVEIRA (2002)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial o mercado internacional novamente buscou produtos

nativos da Amazônia, como a castanha-do-pará e as madeiras, fazendo com que mais da mão-de-

obra dos seringais fosse empregada nessas atividades extrativistas. Outro fator que contribuiu com a

queda da produção de gomas foi a Lei 86 de dezembro de 1947, onde o BCB deixou de tramitar

borrachas inferiores, vindas do caucho, maniçoba e mangabeira, onde deixaram de contribuir com as

estatísticas produtivas do Banco. A partir de 1948, de acordo com a Figura acima, a produção brasileira

ficou estabilizada em torno de 25 mil toneladas por ano, porém “o BCB ao invés de financiar a safra

seguinte, pagou pelos excedentes da safra anterior, de maneira que só teve recursos para financiar 35%

da safra contra 60% na época da guerra”. Durante a guerra, a produção chegou a 28 mil toneladas,

em 1944, e passou para 30 mil toneladas em 1945, ano que a guerra terminou (147).

146 (OLIVEIRA, 2002). O BCB tinha exclusividade, na compra e venda, da matéria-prima que era vendida para a indústria nacional, praticamente única compradora da borracha da Amazônia, que custava tão caro. A indústria de artefatos de borracha cresceu muito no Brasil após a guerra, em parte porque aumentou o consumo de pneumáticos. (TABELA). Se esta indústria comprava era porque também obtinha privilégios do governo federal, que proibia a entrada de artefatos de borracha de outros países, garantindo os lucros da indústria. “(...) em 1947, entrou no Brasil muita borracha boliviana e peruana, em busca de um preço que não encontrava em parte alguma(...)”. 147 (OLIVEIRA, 2002). Com o término da guerra e a volta da normalidade, o mercado mundial abriu-se novamente para produtos como a castanha e as madeiras. Isto fez com que parte da mão-de-obra, empregada nos seringais, fosse deslocada para estas atividades, diminuindo, ainda mais a produção de borracha. Mas isso, também tem que ser relativizado, pois a partir de dezembro de 1947, por força da Lei nº 86, o BCB deixou de adquirir as borrachas inferiores: caucho, maniçoba e mangabeira, que deixaram de fazer parte das estatísticas do Banco. O fato é que, a partir de

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Após a guerra o crescimento na produção continuou, mas sem desenvolvimento para a região,

todo o processo extrativista da Amazônia evidenciou sua eterna vocação de fornecedora de matérias-

primas. O que o Brasil ganhou com a guerra, como duzentos milhões de dólares usados em

equipamentos bélicos e militares (148) e a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda, estava

dependente de acordos para estabelecimento de bases aéreas e navais dos aliados no Brasil. Esses

acordos de fornecimento de matéria-prima não se condicionavam apenas à borracha, diziam respeito

também ao café, o cacau, castanha, mamona, arroz, aniagem, babaçu, ipecacuanha, linters de

algodão, piretro, timbó, cristal de rocha, mica e minério de ferro. A mobilização para o fornecimento

desses produtos foi muito maior em relação à borracha, que era considerada como o ‘nervo da

guerra’, mas esse não foi o único produto de interesse internacional. Nesta fase de ganhos com a

guerra, deu-se mais atenção ao investimento na infra-estrutura (149).

Os interesses imediatistas dos EUA buscavam o máximo de quantidade de borracha possível pelo

menor espaço de tempo. O interesse dos aliados era que direcionava o financiamento das atividades

no Brasil, que nesse período, dava-se maior importância novamente ao extrativismo do que a

heveicultura. Os custos do extrativismo eram bem elevados e seria fato que essa atividade não duraria

mais que o tempo da guerra, comprovando uma situação de emergência. A borracha asiática não era

a única nem a maior ameaça do produto brasileiro, a borracha sintética se desenvolvia rapidamente

em pesquisas tecnológicas. A Segunda Guerra Mundial e o Acordo de Washington apenas adiaram a

crise da borracha brasileira, onde durante esse período, as reivindicações dos seringalistas e indústrias

foram atendidas e os preços foram sustentados (150).

A indústria de artefatos de borracha foi uma das mais beneficiadas no período conhecido como

batalha da borracha. Nessa fase, os seringalistas tiveram como reiniciar suas atividades de altos ganhos.

Após o período de valorização dos produtos naturais da Amazônia, entre outros (drogas do sertão,

cacau, cana-de-açúcar, borracha, castanha, peles de animais silvestres, madeiras, plantas oleaginosas

e odoríferas), a atenção foi voltada para as riquezas minerais exploradas através dos ‘Grandes Projetos’

1948 a produção brasileira estabilizou-se, em torno de 25.000 toneladas por ano. O BCB ao invés de financiar a safra seguinte teve que pagar pelos excedentes da safra anterior, de maneira que só teve recursos para financiar 35% da safra contra 60% da época da guerra. Durante a guerra, a produção atingiu 28.229 t em 1944 e 30.304 t, em 1945, ano em que a guerra terminou. 148 (HOMMA, 1989). A extração de borracha nativa representava a única opção, a curto prazo, para atender as necessidades bélicas. 149 (OLIVEIRA, 2002). Lamentavelmente, este “crescimento” continuou se processando sem desenvolvimento. As atividades econômicas implementadas na Amazônia durante os séculos anteriores, e por muitas décadas no século XX, foram atividades basicamente extrativistas, que deixaram enormes “buracos” na região, eternamente fornecedora de matérias-primas. Mas, as demais vantagens que o governo obteve durante a guerra, como os créditos de duzentos milhões de dólares, para o reaparelhamento bélico e militar do Brasil, e a usina siderúrgica de Volta Redonda, estavam relacionados aos acordos de estabelecimento de bases aéreas e navais aliadas, em território brasileiro. Os maiores ganhos do Governo federal, portanto, não estavam diretamente ligados ou condicionados ao fornecimento de borracha. Além disso, os acordos de fornecimento de matérias-primas não diziam respeito apenas à borracha, deles também faziam parte o café, o cacau, castanha, mamona, arroz, aniagem, babaçu, ipecacuanha, linters de algodão, piretro, timbó, cristal de rocha, mica e minério de ferro. Provavelmente não foi realizada uma mobilização tão grande, para o fornecimento de todos estes produtos, a borracha era considerada como o “nervo da guerra”, e seu fornecimento era essencial, por isso os acordos relativos ao fornecimento deste produto se tornaram tão importantes, mas não foram os únicos. Seu caráter foi absolutamente diverso das construções da fase áurea da borracha. No primeiro período a preocupação era com o embelezamento das cidades, nesta segunda, as obras disseram respeito, muito mais, à infra-estrutura. 150 (OLIVEIRA, 2002). Por outro lado, os norte-americanos tinham interesses imediatistas, pensavam apenas no fornecimento da maior quantidade de borracha, no menor prazo de tempo possível. Claro que predominou o interesse do financiador. Com isso predominou novamente a atividade extrativista, única possibilidade de fornecimento imediato de borracha. A heveicultura foi praticamente deixada de lado, e a Amazônia, mais uma vez, estava mergulhada no extrativismo da borracha, atividade que, já se sabia, não deveria durar mais do que o esforço de guerra. Seus custos eram muito elevados, justificando-se apenas numa situação absolutamente emergencial. Além disso, a ameaça não vinha mais apenas das plantações do oriente. A enorme ameaça existente no pós-guerra estava, verdadeiramente, ligada ao desenvolvimento da borracha sintética. Indústria que tinha avançado muito, com as pesquisas desenvolvidas para o suprimento dos países aliados. Consciente deste fato, o governo

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(151). Após a guerra, políticas de incentivo ao extrativismo da borracha foram mantidas, financiando a

comercialização e o beneficiamento. Muitas crises foram enfrentadas no mercado extrativista devido

ao baixo preço dos produtos, culminando com a evasão de várias famílias dos seringais (152).

Após 1945, a produção dos seringais orientais foi retomada, e com o fim do Acordo de

Washington, os EUA deixaram de comprar a produção de borracha do Brasil, sabendo que o mercado

interno somente consumia 50% do total produzido, iniciando um novo colapso. A indústria de

pneumático foi desenvolvida no exterior (EUA e países europeus), bem como seus subprodutos

(galochas, botas, tapetes, tubos de borracha). Somente com o fim da II guerra que as fábricas de

pneumáticos, como a Pirelli, Firestone, Dunlop, Bitar e Goodyear, se instalaram no território brasileiro,

principalmente na região de São Paulo e Belém. Essas fábricas tinham a função de absorver a

produção da Amazônia que não tinha mais interesse para os países aliados. Uma única fábrica

brasileira se desenvolveu, mas não resistiu às pressões internas e externas (153).

A Amazônia girava em torno de centros industriais estrangeiros e representava mais uma parte

do território brasileiro caracterizado pelo subdesenvolvimento, dependência e especialização nos

produtos naturais destinados à exportação. A industrialização iniciada, durante a Primeira Guerra

Mundial, no Sul do Brasil evoluiu até a Segunda Guerra, mas não alterou de forma significativa o

panorama econômico nacional, que era marcado pelos latifúndios e complexos globais de um sistema

semi-colonial e pré-capitalista dominado pelo interesse internacional (154).

Terras no Acre foram desvalorizadas, acompanhando a falência do seringalista, já que as

propriedades tinham seu valor associado ao potencial de extração de borracha. Com isso, muito

capital especulativo desequilibrou a economia tradicional, dando início à pecuária extensiva, aos

conflitos de terras e ao êxodo da florestas para as cidades mais próximas (155).

“democrático” do pós-guerra, atendendo às reivindicações dos seringalistas e industriais, estendeu o regime de monopólio, e sustentação artificial de preços até 1950, o que representou apenas um adiamento de uma crise inevitável. 151 (OLIVEIRA, 2002). Creio que a indústria de artefatos de borracha foi uma das beneficiadas deste processo. Pois, se na época da guerra, já tinha sua importância como fornecedora de mercadorias para o Brasil e repúblicas vizinhas, conseguiu sua total consolidação no pós-guerra, com o regime protecionista imposto pelo governo, a ponto de que 100% dos veículos que circulavam no país, tivessem pneus de fabricação nacional. A maioria dos seringalistas conseguiu um novo fôlego com a batalha da borracha. Depois das drogas do sertão, do cacau, da cana-de-açúcar, da borracha, da castanha, das peles de animais silvestres, das madeiras, das plantas oleaginosas e odoríferas, os “olhos” do capitalismo voltaram-se para as montanhas de minérios, que passam a ser explorados através dos “Grandes Projetos”. 152 (RUEDA, 2003). Durante a segunda guerra mundial, incentivou-se novamente o extrativismo da borracha e milhares de famílias nordestinas foram transportadas para os seringais. Terminada a guerra, o governo procurou manter uma política de incentivo ao extrativismo da borracha, com financiamentos para a comercialização e o beneficiamento. Como os preços pagos ao produtor não eram atraentes, o extrativismo passou por diversas crises, fazendo com que nos últimos 10 anos grande número de famílias tenha abandonado a atividade. 153 (MIRANDA NETO, 1991). Quando os efeitos das políticas adotadas se fizeram sentir com mais intensidade, terminava a guerra e os seringais do Oriente foram retomados. Cessando a vigência do Acordo de Washington, os EUA deixaram de comprar a produção brasileira e, como o mercado interno consumia apenas 50% daquela produção, foi inevitável um novo colapso. Com tudo isso, a borracha pouco beneficiou economicamente a Amazônia. A indústria de pneumáticos foi toda desenvolvida no estrangeiro (EUA e países europeus) e também seus subprodutos, como galochas, botas, tapetes, tubos de borracha, tiveram mercado garantido no exterior. Só depois da Segunda Guerra Mundial foi que as fábricas de pneumáticos se instalaram no Brasil, optando principalmente por São Paulo (Pirelli, Firestone, Dunlop, Goodyear) e por Belém (Bitar), com a finalidade de absorver a produção amazônica, tendo havido apenas uma indústria brasileira, a Pneus Brasil, que não resistiu às pressões internas e externas. 154 (MIRANDA NETO, 1991). A Amazônia, zona tipicamente periférica, girando em torno de centros industriais estrangeiros, não era, todavia, senão uma parte do todo brasileiro subdesenvolvido e dependente, especializado na produção de matérias-primas exportáveis. O processo de industrialização, apenas iniciado no Sul, quando a Primeira Guerra Mundial, evoluiria aos poucos até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, sem alterar fundamentalmente o panorama da economia nacional. Esta continuava semi-colonial, pré-capitalista e amarada internamente ao latifúndio e a alguns complexos globais aqui instalados e, externamente, ao domínio dos compradores internacionais. 155 (SÁ, 2000). Observou-se a falência do seringalista e, conseqüentemente, a desvalorização das terras do Acre, uma vez que seu valor estava associado ao potencial extrativo da borracha. Este fato favoreceu a entrada do capital especulativo, desarticulando a economia tradicional extrativista, expandiu a pecuária extensiva e, aliado aos conflitos pela posse da terra, redundou em um fluxo migratório do campo para os centros urbanos.

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1950 a 1960

Novas riquezas extrativas da Amazônia

Em 1950, cria-se o Banco de Crédito da Amazônia, no lugar do antigo BCB, para ampliar sua

atuação, não apenas tratando com a borracha, mas com todos os produtos oriundos da região

amazônica. Os mais interessados foram os seringalistas, pois seriam mantidos os financiamentos para a

borracha e mais tarde para a castanha. Tudo isso significou maior presença do Governo Federal nessa

região, sabendo que esta foi abandonada, por completo, pelo poder central no início do século XX. A

construção da rodovia Belém-Brasília e Brasília-Acre, o surgimento da capital do Brasil em Brasília

contribuiu também com o fortalecimento do contato entre a Amazônia com as regiões centrais do país,

Sul e Sudeste (156). O Banco da Amazônia S. A. continuava a investir em atividades extrativistas

(borracha, castanha, madeira, timbó, pesca, entre outras) (157) (158).

Ainda era vigente o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. No entanto, sua

regulamentação ocorreu somente em 1953, com a Lei 1806, que definiu a Amazônia Legal, conceituou

o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA) e criou a Superintendência desse plano

(SPVEA). Porém ocorreu uma demora na implantação da SPVEA, que segundo LIMA (1972), foi devido

“ao receito das oligarquias regionais mais detentoras do poder político em relação ao plantio

intensivo”. “O SPVEA proporcionou subsídios ao extrativismo com caráter paternalista” (159) (160).

Iniciaram alguns financiamentos para pesquisa e levantamento dos recursos florestais da

Amazônia, com o Programa de Emergência (1954) e o Primeiro Plano Qüinqüenal da Amazônia (1955-

60) visando a exploração florestal. Foram realizados inventários em cerca de 19 milhões de hectares, em

diferentes partes da Amazônia, bem como, pesquisas silviculturais. Esses inventários futuramente criaram

as Florestas Nacionais de Caxiuanã e Tapajós (PA) e por causa dos experimentos silviculturais criou-se a

Estação Experimental de Curuá-Uma (PA) (161).

156 (SILVA, 2003). As construções das estradas Belém-Brasília e Brasília-Acre, juntamente com o surgimento da nova capital, excerceram, de fato, profundos impactos na região Amazônica, colocando-a, juntamente com a região central do país, em contato com as regiões Sul e Sudeste. 157 (OLIVEIRA, 2002). Em 1950 o BCB foi transformado no Banco de Crédito da Amazônia, afim de que pudesse ser o órgão de fomento de toda a produção da Amazônia, e não apenas da Borracha. Foi uma vitória da elite, pois desta forma, poderiam ser mantidos os financiamentos de seus seringais e mais tarde de sus castanhais. Por outro lado, também significou a presença do Governo Federal numa região pouco integrada ao restante da nação, diferente do que aconteceu no início do século XX, quando a Amazônia foi completamente abandonada pelo poder central. As atividades incentivadas pelo BASA continuariam, basicamente, extrativistas: extração de seringa, coleta de castanha e a exploração de madeiras, entre outras. Esse banco sobrevive até hoje. 158 (BRASIL, s. d.). Na década de 50 a economia da região era de extração de borracha, castanha, timbó, madeira e pesca. 159 (HOMMA, 1989). A Lei 1806 definiu a Amazônia Legal, conceituou o PVEA, criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). LIMA (1972) afirma que a demora da implantação da SPVEA deveu-se ao receio das oligarquias regionais mais detentoras do poder político em relação ao plantio intensivo. O SPVEA proporcionou subsídios ao extrativismo com caráter paternalista. 160 (SILVA, 2003). Em nível regional, o planejamento foi iniciado na Amazônia também na década de 1950, com vistas a das conseqüência ao artigo 199 das Disposições Gerais da Constituição de 1946, que assegurava recursos financeiros por um período mínimo de vinte anos para viabilizar a execução de um plano de valorização econômica na região. A regulamentação daquele preceito constitucional só ocorreu, no entanto, em 1953, através da Lei 1.806, que definiu a Amazônia Legal, criou o Plano de valorização Econômica da Amazônia (PVEA), cuja implementação ficou a cargo de uma Superintendência Regional, especialmente criada para este fim, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). 161 (SILVA, 2003). Desde o primeiro plano de desenvolvimento da região, o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA, de 1953), a utilização dos recursos florestais já aparecia como prioridade. E a partir dele, ações foram efetivamente empreendidas nessa direção. Tanto o Programa de Emergência (1954) quanto o Primeiro Plano Qüinqüenal da Amazônia (1955-60) estabeleciam dentre os seus objetivos o levantamento dos recursos florestais e a realização de pesquisas visando à exploração florestal. Esses objetivos foram perseguidos, na prática, com a realização de inventários florestais em 19 milhões de hectares, distribuídos em distintas áreas amazônicas, assim como a implantação de pesquisas silviculturais em áreas selecionadas. São dessa época os inventários que embasaram a criação das Florestas Nacionais de Caxiuanã e Tapajós, no estado do Pará, e a implantação dos primeiros experimentos de silvicultura tropical do Brasil, na Estação Experimental de Curuá-Uma, também no Pará.

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Agricultura incentivada na região Norte através de planos formulados pela SPVEA

A primeira política pública para a Amazônia, no início de 1950, foi baseada sobre o sistema de

agricultura que se transformaria na principal ação do Governo para promover o povoamento até 1985.

Não houve sucesso nas tentativas de promover o desenvolvimento planejado no setor florestal no

âmbito nacional e regional. O crescimento no setor florestal foi impulsionado pelos planos agrícolas e

pecuários, pela construção de estradas e rodovias e pelos vários incentivos de colonização da região

amazônica (162).

O Programa de Emergência (PE), aprovado em 1954, priorizava a valorização econômica da

Amazônia através de uma obra política, que visava a integração territorial e sócio-econômica dessa

região ao resto do país. Esse programa buscava promover a agricultura na região norte. A SPVEA, nesse

mesmo momento, trabalhava na elaboração do I Plano Qüinqüenal da Amazônia, onde foi concluído

em 5 meses. Nesse plano a meta era transformar a população rural em mão-de-obra para a economia

agrícola buscando atingir um melhor desenvolvimento da Amazônia, tudo feito em regiões

selecionadas, próximas aos centros urbanos e às principais vias de transporte. Buscava-se, também, o

melhor aproveitamento dos recursos florestais e minerais, aperfeiçoando e diversificando o mercado

extrativista, com o intuito de melhorar as condições de vida dos caboclos amazônicos. Porém o I Plano

Qüinqüenal foi enviado ao Congresso Nacional em 1955, e não foi aprovado e nem a SPVEA recebeu

os recursos assegurados constitucionalmente (163).

A criação da SPVEA e o Fundo Regional foram responsáveis pelo planejamento sócio-

econômico na região, pioneiro na América Latina, promoveu pesquisas no setor florestal amazônico, foi

responsável pelo andamento das obras da rodovia Belém-Brasília, formulou o Plano Emergencial e o I

Plano Qüinqüenal que visavam tornar a região auto-suficiente. Entretanto, a atuação da SPVEA na

região foi pequena (164), buscou converter a economia extrativista em agrícola, através da queda no

preço dos produtos naturais (165).

162 (SILVA, 2003). A idéia, princípio, filosofia, ou como que se lhe possa atribuir o significado, de que o sucesso civilizador [na Amazônia] exige baseá-la sobre a agricultura, estabelecida na primeira política pública para a Amazônia, na década de 1950, transformar-se-ia no eixo central das ações de governo no sentido de efetivamente povoar a região nos próximos trinta anos (aproximadamente de 1955 a 1985). As tentativas de promover o desenvolvimento do setor florestal de forma planejada não tiveram sucesso ao longo dos planos nacionais e regionais de desenvolvimento; o crescimento do setor industrial florestal ocorreu a reboque das atividades de agricultura e pecuária, priorizada pelos sucessivos planos empreendidos na região, bem como da abertura de rodovias, e dos planos de colonização. Paradoxalmente, mudanças só seriam iniciadas na última década do milênio, numa época em que o planejamento, tanto nacional quanto regional, havia perdido força na esfera governamental. 163 (SILVA, 2003). A Lei 1.806, editada em 1953, criou o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA), que deveria ser implementado através de sucessivos Planos Qüinqüenais, aprovados pelo Congresso Nacional. Até que o primeiro desses planos fosse elaborado, por uma Comissão de Planejamento, a execução do PVEA dar-se-ia mediante um Programa de Emergência (PE), aprovado no início de 1954. No enfoque do PE, a valorização econômica da região deveria ser entendida como uma obra política, visando a integração territorial, econômica e social da Amazônia à unidade nacional. Esse PE estabelecia taxativamente “que o sucesso civilizador nessa região exige baseá-la sobre a agricultura”, via colonização, nucleada por toda a região, na proporção de sua população e de suas possibilidades de consumo e exportação. Paralelamente à execução do PE, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) trabalhou na elaboração do I Plano Qüinqüenal da Amazônia, que foi concluído no curto espaço de pouco mais de cinco meses. Como premissas fundamentais o Plano colocava: desenvolvimento da economia e da sociedade amazônica mediante a conversão da população rural a uma economia de base agrícola, concentrava em zonas selecionadas industrialização das cidades; aproveitamento dos recursos florestais e minerais; e aperfeiçoamento e diversificação da produção extrativista, como forma de melhorar as condições de vida do trabalhador florestal. Esse I Plano Qüinqüenal, enviado em 1955 ao Congresso Nacional, nunca foi aprovado e nem a SPEVEA recebeu o volume de recursos constitucionalmente assegurados. A Articulação do I Plano Qüinqüenal com o Plano de Metas do governo JK deu-se justamente na construção da rodovia Belém-Brasília, cujo andamento das obras ficou subordinado à SPVEA. 164 (SILVA, 2003). Somente sete anos mais tarde, portanto em 1953, aquele dispositivo constitucional foi regulamentado, com a promulgação de uma lei que definiu a Amazônia Legal, fixou as diretrizes gerais para a execução do Plano, criou um Fundo Regional e a SPVEA. Essa Superintendência teve o mérito de iniciar o planejamento sócio-econômico regional, pioneiro na América Latina. Promoveu a realização de estudos na área florestal,

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1960 a 1970

A SPVEA, no início da década de 1960, havia se transformado apenas num mecanismo

repassador de recursos e em 1966 foi finalmente extinta. A SPVEA foi sucedida pela SUDAM que visava

incentivar a agricultura, incentivo este, fiscal, onde grandes empresas convertiam áreas impróprias em

atividades econômicas, assim, em 20 anos, milhares de hectares de floresta amazônica foram

substituídos por plantios agrícolas e pastagens (166).

Seringais abandonados pelos seringalista

Os governos dos estados do norte iniciaram ações para atrair empresários do Centro-Sul

buscando “implantar empreendimentos na área rural”. Muitos seringais do Acre foram transformados

em pasto ou abandonados e muitas propriedades que pertenciam a seringueiros foram adquiridas pelo

Governo Federal, onde foram divididas em lotes destinados à reforma agrária. Em muitas propriedades,

seringueiros foram expulsos com violência e tiveram que buscar novas terras, áreas abandonadas ou

glebas do governo, para sustentarem suas famílias. Assim deu origem ao ‘seringueiro autônomo’, já que

esses, expulsos, estavam sem patrão. Essa autonomia somente faz referencia ao seringalista, já que o

seringueiro autônomo depende de comerciantes para, tanto abastecer, como comercializar produtos.

Esses fatos permitiram a livre tomada de decisão na propriedade e nas atividades a serem

desenvolvidas e o início da ampliação da autonomia do seringueiro (167).

Em 1960, com a construção da rodovia Belém-Brasília ocasionou num aumento da migração

para a Amazônia, intensificando assim a posse de terra. Comunidades ribeirinhas mudaram das

margens dos rios para proximidade de estradas e rodovias (168).

formulou um plano Emergencial (articulando as ações de governo em andamento com as que seriam futuramente desenvolvidas) e o Primeiro Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento da Amazônia. Mas em termos gerais o impacto da sua atuação na região foi pequeno. 165 (HOMMA, 1989). Em 1954, foi promulgada o I Plano Qüinqüenal, que entre outras execuções, deu prioridade ao desenvolvimento agrícola, visando tornar a região auto-suficiente. Juta e pimenta-do-reino tiveram destaque. A SPVEA, fez com que o extrativismo tivesse preços mínimos compatíveis com os custos das atividades. Procurava-se converter a economia extrativista em agrícola. 166 (SILVA, 2003). Sem ter o Plano Qüinqüenal aprovado no Congresso e sem os recursos previstos na Constituição, a SPVEA, criada para ser uma agência de planejamento, havia se transformado, já no início dos anos de 1960, em uma agência meramente repassadora de recursos. Totalmente desgastada, em 1966 foi finalmente extinta. Legou à SUDAM a filosofia de que o sucesso civilizador na região exigia baseá-la na agricultura. Essa idéia-força fixada no primeiro plano elaborado para a região (denominado de Plano de Emergência) seria posteriormente reforçada no Plano Qüinqüenal. A premissa fundamental que norteava esse Plano era que o desenvolvimento da economia e da sociedade amazônica deveria dar-se mediante a conversão da população rural a uma economia de base agrícola. Incentivar a agricultura e repassar recursos foram “filosofias” assumidas pela SUDAM ao suceder a SPVEA. Incentivar no sentido literal, pois dinheiro do imposto de renda recolhido do conjunto da sociedade foi transferido, na forma de incentivo fiscal, para grandes empresas converterem áreas impróprias às atividades econômicas a que se destinavam. Durante mais de vinte anos milhares de hectares de florestas foram substituídos por culturas agrícola e pastagens de produtividades irrisórias. 167 (RUEDA, 2003). Os governos dos estados da Região Norte, a partir de 1960, desenvolveram ações a fim de atrair empresários do Centro-sul do país que viessem implantar empreendimentos na área rural. No Acre, nos municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Plancido de Castro, Senador Giomard, Xapuri e Brasiléia, muitos seringais foram transformados em pastos para goado, ou abandonados. Por outro lado, consideráveis glebas de terra onde moravam seringueiros foram adquiridas pelo Governo Federal para loteamentos de Reforma Agrária. Para poder concretizar estas transformações, muitos seringueiros foram expulsos com violência das suas moradias e saíram à procura de novas áreas. Assim eles ocuparam seringais abandonados ou glebas do governo. Estes seringeuiros ficaram sem patrão e deram origem ao “SERINGUEIRO AUTÔNOMO”, entendido como tal, aquele que não tem um patrão fixo ao qual seja obrigado a entregar a produção por ser o dono da terra. Esta autonomia faz referência ao antigo seringalista, pois o seringueiro continua dependendo dos comerciantes para o abastecimento e comercialização da produção. É uma autonomia muito relativa, porém importante porque, do ponto de vista social, permite-lhe a tomada livre de decisões e é o começo para a conquista de uma autonomia mais ampla. 168 (HOMMA, 1989). Belém-Brasília (1960), aumentou a migração para Amazônia e intensificou a competição pela posse de terra. A população passou das margens dos rios para beiras de estradas e rodovias.

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Nessa década, o extrativismo mineral foi mais impulsionado, principalmente na exploração do

ouro, ferro, bauxita e cassiterita (169), e culturas como a de juta, pimenta-do-reino e malva tiveram

sucesso, incentivadas pelo início da extensão rural (170).

Em 1962 surgiu o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social funcionando como

orientador da política econômica do governo João Goulart, no período de 1963 a 1965. Como objetivos

desse plano, existia a necessidade de “levantamentos dos recursos naturais e a localização das

atividades econômicas para reduzir disparidades regionais de níveis de vida”, bem como, conceder

incentivos governamentais em áreas de baixo desenvolvimento. Pela primeira vez surgiu a necessidade

de um zoneamento do país, para facilitar a orientação da atividade econômica e dos incentivos fiscais.

O levantamento dos recursos naturais, para o resto do país, serviria para desenvolver áreas mais pobres,

mas para a Amazônia, isso serviria para o conhecimento desses recursos. O Plano Trienal foi interrompido

com o início do regime militar. Este visava à centralização do planejamento econômico (171).

Como o regime militar afetou a região norte

Em 1964, formulou-se a Operação Amazônica, onde o setor público seria o responsável por criar

políticas fiscais e de recursos para atrair capital, dando preferência à industrialização da região. Nesse

mesmo ano foi promulgado o Estatuto da Terra e no ano seguinte o Código Florestal. O Decreto Lei 289

de 1967 criou o IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – “autarquia federal responsável

pela formulação da política e pelo desenvolvimento florestal do país” (172) (173).

O primeiro plano de desenvolvimento feito no governo militar foi o Plano de Ação Econômica do

Governo (PAEG), editado em novembro de 1964, em que abordava as disparidades regionais com

enfoque no Nordeste e a necessidade da ocupação econômica da Amazônia. Regionalmente, o

plano buscava diminuir as desigualdades de renda, destinar investimentos e incentivos fiscais,

priorizando as regiões Norte e Nordeste. O plano propunha a criação de um ministério, o Ministério

Extraordinário para a Coordenação de Organismos Regionais que seria o responsável pela

coordenação dessas ações. Ocorria, dessa forma, um enfoque geopolítico na ocupação amazônica,

169 (RUEDA, 2003). Durante este século, na região Amazônica tem sido praticado o extrativismo mineral tem sido incrementado na região a partir dos anos sessenta, especialmente o do ouro, ferro, bauxita e cassiterita. 170 (HOMMA, 1989). Culturas de juta, pimenta-do-reino e malva tiveram sucesso. Na década de 60 iniciou a extensão rural. 171 (SILVA, 2003). No final de 1962 surgiu o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, destinado a orientar a política econômica do governo João Goulart, no período 1963-1965. A questão regional estava enfocada num dos objetivos básicos do Plano e preconizava o levantamento dos recursos naturais e a localização da atividade econômica, visando a reduzir as disparidades regionais de níveis de vida. O plano propugnava a concessão de incentivos governamentais para as áreas menos desenvolvidas. Pela primeira vez, colocou a necessidade da realização de um zoneamento do país, destinado a orientar a atividade econômica e a concessão de incentivos fiscais. A orientação adequada do levantamento dos recursos naturais do país era vista como uma forma de desenvolver as áreas mais pobres. Para a Amazônia, esse levantamento, proposto para ser realizado no período do plano, resultaria, indubitavelmente, no melhor conhecimento dos recursos florestais. Isso viria a ocorrer nas décadas seguintes, com os levantamentos do Projeto RADAMBRASIL. O Plano Trienal foi interrompido com a tomada do poder pelos militares. O regime militar intensificou a centralização do planejamento econômico, com a justificativa da necessidade do governo coordenar as suas políticas econômicas e a ação estatal em geral. Surgiu, logo d início, o Ministério de Planejamento e Ação Econômica. 172 (HOMMA, 1989). Operação Amazônia (1964). Esfera econômica: industrialização, o papel do setor público seria criar políticas fiscais e monetária apropriadas para atrair capitais. Em 1964 foi promulgado o Estatuto da Terra e em 1965 o Código Florestal. Criação do IBDF, decreto Lei 289 (1967). 173 (SILVA, 2003). O cumprimento dessas funções pelo Estado ficou, portanto, condicionado, de um lado, à eficácia da aplicação dos instrumentos legais e econômicos disponíveis na área federal. De outro lado, ficou condicionado ao status legal do regime político vigente, à dinâmica do processo econômico acional e às pressões dos grupos econômicos e políticos predominantes no setor. Escudado em instrumentos legais inequivocadamente relevantes, o Governo Federal criou programas de vulto, que lhe possibilitaram cumprir, embora com algumas distorções, aquelas funções típicas de Estado. Esses instrumentos, todos editados na segunda metade da década de 1960, eram o Código Floresta, a Lei de Incentivos Fiscais para Reflorestamento e o Decreto-Lei que criou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) – autarquia federal responsável pela formulação da política e pelo desenvolvimento florestal do país.

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devido a seu histórico de dispersão populacional, de sua imensidão territorial e seu enorme potencial de

riquezas dos recursos naturais (174).

Um objetivo permanente na política militar era a ocupação econômica da região amazônica,

onde foi constantemente enfocado nos cinco planos seguintes ao PAEG. Concedeu muitos incentivos

fiscais para financiar empreendimentos, onde a abertura de estradas, ocupação dirigida, zoneamento

de investimento para estabelecimento de pólos econômicos, atrativos de mão-de-obra e ampliação

da infra-estrutura direcionada para os setores de energia, telecomunicações e transporte (aeroportos)

eram as estratégias fundamentais de ação dos planos. Agricultura, pecuária e mineração eram os

setores com prioridade para esses incentivos (175).

Em 1966, ocorreu a extinção da SPVEA e a criação da SUDAM, o BCA foi transformado em Banco

da Amazônia S/A (BASA) (176). A Operação Amazônica foi iniciada nesse mesmo ano, dando enfoque

na questão da exploração florestal. Esse plano destinava-se a revitalizar o PVEA, após treze anos. Outra

função da SUDAM foi elaborar o I Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento (I PQD), de 1967 a 1971,

priorizando a agricultura, pecuária e à indústria (177), e o I Plano Diretor, que direcionava a execução do

I PQD, sendo que, nesse plano constavam levantamentos dos recursos naturais e da diversificação

econômica ou dos tipos de extrativismos realizados na Amazônia (178). O Plano Qüinqüenal deu

prioridade ao asfaltamento da rodovia Belém-Brasília (179).

Em 1967, criou-se a SUFRAMA. Todos esses incentivos fiscais desestimulavam o extrativismo, porém

a agricultura e pecuária eram priorizados, sabendo que a borracha estava sendo importada pela

indústria nacional a custos muito mais baixos que os observados na produção brasileira (OLIVEIRA, 1983).

Buscava-se a substituição de produtos manufaturados pelo estabelecimento de um poderoso parque

industrial. Nesse ano, foi criada a SUDHEVEA, com administração federal, que apoiava a fabricação de

artefatos de borracha natural e sintética. (180).

174 (SILVA, 2003). Em novembro de 1964 foi editado o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), para os anos de 1964 a 1966, primeiro plano de desenvolvimento dos governos militares. O Plano abordava as disparidades regionais, enfocando particularmente a questão nordestina, e ao mesmo tempo frisava a necessidade de ocupação econômica da Amazônia. Diagnosticando elevado nível de pulverização das ações governamentais a nível regional, o Plano propugnava a necessidade de coordenação dessas ações, através da criação de um ministério extraordinário, efetivamente criado, sob a denominação de Ministério Extraordinário para a Coordenação de Organismos Regionais. No âmbito regional o plano objetivava atenuar as desigualdades regionais de renda, priorizando investimentos e concedendo isenções fiscais para inversões no Norte e Nordeste. A partir desse primeiro plano do regime militar, a ocupação da Amazônia seria enfocada como um imperativo geopolítico, fruto da preocupação dos militares com a presumida vulnerabilidade da região a interesses externos – tendo em vista a sua imensidão geográfica, o seu elevado potencial de reiqueza e a sua histórica rarefação populacional. 175 (SILVA, 2003). Nos cinco planos seguintes dos governos militares, ocupar economicamente a região, integrando-a às demais regiões do país, transformou-se num objetivo permanente. As estratégias formuladas contemplaram principalmente a abertura de estradas, colonização direigida, definição de pólos para concentração de investimentos, montagem de infra-estrutura (energia, telecominicações, aeroportos) e propaganda para atração de mão-de-obra. Incentivos fiscais foram fartamente concedidos para viabilizar empreendimentos na região. As prioridades foram, no entanto, sempre estabelecidas para os setores de agricultura, pecuária e mineração, numa região historicamente vocacionada para a atividade florestal. 176 (HOMMA, 1989). O BCA foi transformado em Banco da Amazônia S/A, extinção do SPVEA e criação da SUDAM (1966). 177 (HOMMA, 1989). Em 1967-71 a SUDAM elaborou o I Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento dando prioridade à agricultura, pecuária e à indústria. 178 (SILVA, 2003). Na Operação Amazônica, iniciada em 1966, a exploração florestal voltou a ser enfocada de forma explicita, no conjunto das possibilidades elencadas para o desenvolvimento. Vale lembrar que esta Operação destinava-se a revitalizar, treze anos mais tarde, aquele primeiro plano de desenvolvimento regional (PVEA). Estabelecidos os principais instrumentos legais da Operação Amazônia, a SUDAM elaborou o I Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento (I PQD), para o período 1967-1971, e o I Plano Diretor, direcionador da execução do PQD. No elenco das linhas básicas do PQD constavam o levantamento dos recursos naturais e a diversificação do extrativismo. 179 Esse plano deu prioridade ao transporte asfaltamento da Belém-Brasília (1974). 180 (HOMMA, 1989). Criação do SUFRAMA (1967) entre vários incentivos fiscais. Pretendia-se a substituição de importações de bens manufaturados por implantação de um parque industrial. Essa fase marcou o desestímulo à exploração extrativista, para que a agricultura e a pecuária se incrementassem, uma vez que a indústria nacional estava importando borracha a custos mais baixos que os da produção interna (OLIVEIRA, 1983). Como a adoção dessas medidas envolvia recursos públicos diferenciados os resultados não foram satisfatórios. SUDHEVEA (1967) borracha com administração federal, dando apoio a artefatos de borracha e borracha sintética.

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Seguindo o PAEG, formulou-se o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (PD-

DES), para o período de 1967-1976. Havia nele, estratégias de integração nacional da Amazônia e

Centro-Oeste, implementando políticas que permitissem suas ocupações. “Embora o Plano não tenha

sido implementado, no que concerne à Amazônia a estratégia preconizada teve desdobramentos

numa série de iniciativas oficiais, destinadas a implementá-las, e firmadas nos sucessivos planos de

desenvolvimento regional” (181).

A estratégia de integração nacional também foi frisada no plano seguinte, o Programa

Estratégico de Desenvolvimento (PED), para o período de 1968-70, com medidas direcionadas para a

região amazônica. Objetivou-se a criação de pólos industriais na região, abrangendo relações de

complementação da estrutura industrial do país (182).

Os recursos florestais foram cogitados para aproveitamento econômico, a partir do I PND, com

enfoque nos produtos madeireiros direcionados principalmente para a exportação. O II PND enfocava

a extração e industrialização da madeira, apresentado idéias de manejo florestal sustentável para as

Florestas de Rendimento, formuladas pela SUDAM, porém o encaminhamento desse plano não foi bem

conduzido resultando num retardamento de duas décadas, somente para a sua regulamentação. O III

PND dirigia-se à exploração não predatória do meio ambiente, principalmente dos recursos florestais,

contrariando as direções do Programa POLONOROESTE. No entanto, O Plano Nacional de

Desenvolvimento (I PND-NR) assumiu uma direção bem diferente dos anteriores, tratando de assuntos

como disciplina na exploração madeireira e criação de áreas protegidas, onde deu início ao

surgimento das primeiras Reservas Extrativistas, no Acre, Florestas Nacionais, na Amazônia, criadas para

proteger, teoricamente, áreas indígenas (183).

Durante todo o regime militar não consideraram o homem amazônico em nenhuma das ações

governamentais. Nesse período foi amplamente divulgada a idéia de ‘homens sem terras para terras

sem homens’, tentando explicar a baixa densidade demográfica da Amazônia, no qual necessitava

urgentemente ser ocupada e integrada ao resto do país, ignorando as populações indígenas e

caboclas que possuíam um método próprio de sobrevivência na vastidão da floresta amazônica e de

respeito para com uma natureza tão exuberante. As políticas públicas incentivavam os chamados

181 (SILVA, 2003). Ao Plano de Ação Econômica de Governo (PAEG) – o primeiro plano do regime militar, visto no artigo anterior – seguiu-se o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (PD-DES), para o período 1967-1976. A questão regional amazônica estava nele contemplada de forma explícita, sob a ótica da integração nacional, ou seja, da implementação de políticas que permitissem a ocupação econômica da Amazônia e do Centro-Oeste, de forma a artivular essas regiões ao restante do país. Embora o Plano não tenha sido implementado, no que concerne à Amazônia a estratégia preconizada teve desdobramentos numa série de iniciativas oficiais, destinadas a implementá-las, e firmadas nos sucessivos planos de desenvolvimento regional. 182 (SILVA, 2003). O Plano seguinte, denominado de Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), formulado para o período 1968-1970, colocava novamente a questão da integração nacional, com medidas específicas para a ação regional na Amazônia, direcionando medidas governamentais em pólos selecionados; mencionava, assim a necessidade da criação de pólos industriais na região, de forma a disseminar as relações de intercomplementaridade da estrutura industrial do país. 183 (SILVA, 2003). A partir do I PND, os recursos florestais, mais especificamente os madeireiros, passaram a fazer parte das cogitações de aproveitamento econômico; a madeira era colocada explicitamente como um produto d exportação; o II PND enfocava diretamente a extração e industrialização de madeira e apresentava a idéia das Florestas de Rendimento, concebida na SUDAM; o Plano preconizava, na verdade, o manejo florestal sob o regime de rendimento sustentado, cujo encaminhamento, erroneamente conduzido, retardou, em duas décadas, não só a sua implementação, mas a sua própria regulamentação. O III PND preconizava retoricamente a exploração não predatória dos recursos naturais, que, no caso específico dos recursos florestais, seria encaminhada em direção totalmente oposta, no Programa POLONOROESTE. E, finalmente, o último Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND-NR) assumia enfoque totalmente diferente dos anteriores, preconizando o disciplinamento da exploração madeireira e a criação de áreas protegidas. São dessa época do I PND-NR: a pesada fiscalização da Operação Amazônia, que deixou alguns ranços insanáveis; a criação das primeiras Reservas Extrativistas, justamente no Acre; e a criação de várias Florestas Nacionais na Amazônia, muitas das quais criadas às pressas para teoricamente proteger áreas indígenas.

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‘Grandes Projetos’, que visavam a abertura de estradas, construção de hidrelétricas, projetos de

ocupação, agropecuários e minero-metalúgicos, sendo que em sua implementação não foram

considerados, em nenhum momento, as populações nativas dessas áreas. Como exemplo, temos o

caso da Várzea do Careiro, no complexo Solimões-Amazonas, onde a economia camponesa foi

totalmente excluída dos programas nacionais e regionais, mas que souberam sobreviver a impactos

como: “retração nos preços da borracha e da semente de cacau; declínio na produção da juta e

malva; exclusão do acesso ao crédito agrícola; as ‘grandes enchentes’ como as da década de 70,

dentre outros” (184).

Nos últimos anos da década de 1960, ocorreu escassez do palmiteiro (Euterpe edulis) no sul e

sudeste do Brasil, como na Amazônia existia outro palmiteiro (Euterpe oleracea) em abundância, muitas

indústrias se transferiram para a região norte se beneficiando dos incentivos fiscais e dos altos preços do

produto no mercado. De 1931 até 1970 a borracha, castanha, guaraná e pau-rosa foram os principais

produtos extrativos da região amazônica, esse período foi denominado Ciclo de Múltiplos Produtos da

Floresta, evidenciando o poder do extrativismo na economia regional (+185). Por mais que o Governo e a

elite nacional incentivassem a ocupação da Amazônia com grandes projetos, o extrativismo foi o

responsável pelo padrão demográfico, onde a população foi distribuída em pequenos povoados com

cerca de 200 habitantes cada (186).

1970 a 1980

Movimentos políticos dos seringueiros

Com o abandono dos seringais pelos seringalistas, a partir da década de 60, os seringueiros que

tomaram posse dessas propriedades abandonadas, desenvolveram uma economia de multiuso da

floresta com base na agricultura de subsistência. Assim o extrativismo não é mais visto como um sistema

onde o extrativista é subordinado ao patrão e sim como uma atividade sócio-econômica com

184 (CRUZ, 1999). Infelizmente, nos anos subseqüentes, principalmente a partir da década de 60, durante o regime militar, as inúmeras políticas públicas adotadas para Amazônia não levaram em considerações as observações realizadas por Gourou. Na realidade, o homem não somente foi preterido como sequer considerou-se sua existência. Isso é tão verdadeiro, que a máxima desse período foi “homens sem terras para terra sem homens”, dando a nítida idéia do vazio demográfico para a Amazônia, a qual necessitava, urgentemente ser ocupada, integrada ao restante do país, como se não houvesse populações indígenas e caboclas há muito tempo já estabelecidas, mantendo um alto grau de inter-relacionamento equilibrado com a natureza, pricipalmente os habitantes das margens dos rios, paranás, furos igarapés e lagos. Assim, essas políticas públicas privilegiaram os “grandes projeto” para a região: aberturas de estradas, construções de hidrelétricas, projetos de colonização, projetos agropecuários, projetos minero-metalúrgicos, cuja implementação, em nome da modernização da Amazônia, não cinsiderou, em nenhum momento, como se fossem invisíveis, as populações preexistentes, postas à margem desse processo. No que diz respeito a exploração familiar na várzea do complexo Solimões-Amazonas, em particular da várzea do Careiro, que como foi visto, apresenta características do tipo camponesa, foi totalmente excluída de todo processo de desenvolvimento implementados para a região, sendo inclusive, desacreditada e ignorada pela elite nacional e regional, que “viraram as costas” para essa forma de organização social. No entanto, graças a sua enorme capacidade adaptativa, soube resistir, bravamente, a todos os impactos econômicos, políticos e naturais que teve que enfrentar: retração nos preços da borracha e da semente de cacau; declínio na produção da juta e malva; exclusão do acesso ao crédito agrícola; as “grandes enchentes” como as da década de 70, dentre outros. 185 (SILVA, 2003). De 1931 em diante, até por volta de 1970, borracha castanha, guaraná e pou-rosa passaram a ser os principais produtos extrativos, com elevado peso da economia extrativa regional. A este ciclo denominamos de ciclo de múltiplos produtos da floresta. 186 (BRASIL, s. d.). No final da década de 60 houve escassez do palmiteiro (Euterpe edulis) no sul e sudeste, assim várias indústrias instalaram-se na Amazônia devido a abundância deste recurso, aos benefícios fiscais e aos altos preços. O extrativismo determinou o padrão demográfico, a população era distribuída em povoados com mais ou menos 200 hab.

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predomínio na conservação dos recursos naturais. Os antigos seringais estavam se desagregando,

principalmente no Acre, dando lugar a movimentos de extrativistas em busca de seus direitos (187).

No início de 1970, buscava-se principalmente o desenvolvimento econômico no âmbito

nacional, onde os militares davam ênfase à integração e segurança, e os planejadores visavam o

desenvolvimento a qualquer custo. Mas os recursos florestais não estavam sendo tratados com a devida

atenção. A exploração predatória do pau-rosa comprometia o futuro da espécie, mas a produção de

sua essência a partir do óleo presente na madeira perdera importância econômica, principalmente

devido aos primeiros litros de óleo de pau-rosa vindo de áreas cultivadas. Mesmo assim, o extrativismo

ganhava novos produtos no mercado, que respondeu por mais da metade do valor da produção

agropecuária regional (188).

Na década de 70, estimulou-se a ocupação da Amazônia com a abertura de grandes rodovias

e estradas, como a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém. A cobiça internacional determinou o destino

de grande parte dos investimentos e a Amazônia mudou a visão que tinham dela de uma fronteira de

recursos. Institucionalizou-se a EMBRAPA e foi lançado o Programa de Integração Nacional (PIN) que

visava melhorar as condições para a expansão do capital e para minimizar a crise de desemprego no

Nordeste e Centro-Sul, nesse período também surgiam os assentamentos do INCRA (189).

Os Planos Governamentais de desenvolvimento da Amazônia

A partir de 1971, a madeira despontava como o principal produto extrativo da Amazônia.

Durante o governo de Médici, em novembro de 1971, sancionou-se o Primeiro Plano Nacional de

Desenvolvimento (I PND), que vigorava no período de 1972 a 1974, onde sua função era estabelecer

expansão econômica através de políticas de integração nacional, ligando o Norte ao Sul e o Leste ao

Oeste, permitindo, por exemplo, a associação de trabalho ou mão-de-obra do Nordeste com os

recursos naturais da Amazônia e Planalto-Central. Isso permitia uma reorientação dos fluxos migratórios

enfatizando o desenvolvimento do Nordeste e a ocupação da Amazônia (190).

187 (ALLEGRETTI, 1992). O extrativismo somente pode ser redefinido, enquanto atividade econômica e social relevante para a conservação da floresta amazônica, porque tem como base social uma categoria de extrativistas não mais subordinada ao tradicional sistema de patronagem predominante na região no passado (e em muitas regiões até o presente). Os antigos seringais, áreas de exploração da borracha, base da mais importante atividade extrativista da Amazônia, estavam em franca desagregação, no Acre, quando teve início o movimento dos seringueiros, na década de 70. As áreas abandonadas pelos seringalistas permaneceram ocupadas por posseiros que ali desenvolveram uma economia diversificada, tendo a floresta e a pequena agricultura como base. 188 (SILVA, 2003). No início dos anos de 1970 o planejamento regional entrara em uma fase de esvaziamento; o planejamento nacional subjugara-o, reduzindo as regiões a meros reservatórios de fatores de produção, que deveriam ser combinados e transferidos, nas proporções das suas disponibilidades ou carências regionais. O próprio homem passou a ser tratado apenas como um meio, o fim máximo era o desenvolvimento econômico, sob a ótica de uma estratégia de um estado nacional, concebida, de um lado pelos militares, no tocante à integração e segurança e, de outro, do desenvolvimento a qualquer custo, concebida pelos planejadores. Para os recursos florestais, os resultados dessa dupla concepção iriam aparecer, no cur espaço de uma geração, de forma desastrosa. Quanto ao pau-rosa, a exploração predatória quase levou à extinção da espécie; em conseqüência, a produção da essência do seu óleo perderia importância econômica na década de 1970, época em que também a produção das áreas cultivadas. Ainda assim, o extrativismo florestal, que passou a contar com a contribuição substantiva de novos produtos, respondeu, no geral, por mais da metade do valor da produção agropecuária regional, até o final da primeira metade do século XX. 189 (HOMMA, 1989). A partir de 1970 houve um grande processo de ocupação estimulado pela abertura de grandes eixos viários como a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém.Houve a institucionalização da EMBRAPA na década de 70. Receios sobre a cobiça internacional determinou grande parte dos investimentos. Na década de 70 começou a mudar a visão da Amazônia como uma fronteira de recursos. 1970 Lançamento do Programa de Integração Nacional (PIN) melhorar as condições para expansão de capital e minimizar a crise do desemprego na Região Nordeste e Centro-Sul. Surgiam assentamentos do INCRA. 190 (SILVA, 2003). De 1971 em diante, a madeira passou a predominar como o principal produto extrativo da Amazônia. Em novembro de 1971 foi sancionado, no governo Médici, o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), para o período de 1972-1974. Relativamente às questões regionais o Plano estabelecia a expansão econômica, para tirar partido da dimensão continental. A estratégia de desenvolvimento regional consistiria, especialmente, na política de integração nacional, em sentido amplo. O Plano previa as ligações nos sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste, de

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O Programa de Redistribuição de Terras – PROTERRA – foi lançado, também, em 1971. Esse plano

permitia uma fácil aquisição de terras, expandindo dessa forma, a fronteira agrícola. Porém ocasionou

desmatamentos onde pouca parte das madeiras foi aproveitada (191). Isso ocorreu, mesmo diante das

metas do Primeiro Plano Qüinqüenal da SUDAM (1967 a 1971) e do Plano de Desenvolvimento da

Amazônia (1972 a 1974), que tinham como preocupação o levantamento dos recursos naturais,

principalmente a madeira. Mas somente essas intenções se concretizaram com a criação do Projeto

RADAM (192).

Seguindo o Plano Qüinqüenal, surgiu o Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDAm), para

vigorar de 1972 a 1974, onde a prioridade era o desenvolvimento da agricultura e pecuária. Esse plano

reforçava a necessidade dos levantamentos dos recursos naturais e a integração da Amazônia com o

Sudeste, através do fornecimento de matéria-prima da região norte para as indústrias estabelecidas no

Sudeste, reinterando, dessa forma, os pressupostos do I PND. Paralelamente ao PDAm, a SUDAM

preparava o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (II PDAm), que estava articulado com o II PND.

Esse segundo plano, garantia a sustentabilidade da exploração florestal e demais usos da terra,

buscando, através da conservação, assegurar a proteção contínua do meio ambiente, criando para

esse fim Unidades de Conservação (193).O PDAm tinha como proposta transformar o extrativismo vegetal

em atividade permanente (194).

Após 1973, grandes empresas foram convidadas para ocupar a região norte, pois os antigos

planos e programas começavam a falhar. Foi observado o surgimento da pecuária extensiva, “que

tornou precária a situação da pequena propriedade e gerou conflitos de terras” (195). O

aproveitamento integrado dos recursos naturais foi proposto como forma de promover o

desenvolvimento local de acordo com o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da

Amazônia (POLAMAZÔNIA), criado em 1974. Esse programa tinha a finalidade de incentivar os

potenciais agropecuários, agro-industriais, florestais e minerais, em zonas de prioridade na Amazônia.

Para a execução do programa, inicialmente, foram estabelecidos 15 pólos, escolhidos de acordo com

forma a permitir a associação dos fatores trabalho, do Nordeste, com terra e outros recursos naturais da Amazônia e Planalto-Central, implicando na reorientação dos fluxos migratórios. Ao preconizar os incentivos fiscais regionais como instrumento da política de integração, o plano enfatizava que esta política visava, particularmente, desenvolver o Nordeste e ocupar a Amazônia. 191 (HOMMA, 1989). Em 1971, lançou-se o Programa de Redistribuição de Terras (PROTERRA) para tornar mais fácil a aquisição de terras, expansão da fronteira agrícola. Isso resultou no desmatamento, sem o devido aproveitamento da madeira. 192 (SILVA, 2003). Ainda assim, levantamento dos recursos naturais, florestais incluídos, passou a ser a tônica das preocupações regionais no Primeiro Plano Qüinqüenal da SUDAM (1967-71) e no Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1972-74), preocupações estas que se transformaram em ações concretas, com a criação do Projeto RADAM. 193 (SILVA, 2003). A esses dois planos (Qüinqüenal e Diretor) seguiu-se o Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDAm), para o triênio 1972-74. Agricultura e pecuária foram estabelecidos como setores prioritários. O PDAm reforçava, a exemplo do I Plano Qüinqüenal da SPVEA e do I Plano Qüinqüenal da SUDAM, a necessidade do levantamento dos recursos naturais. Na sua principal conexão com o Plano Nacional vigente, o PDAm reiterava os pressupostos do I PND, propugnando a integração da Amazônia com o Sudeste, através do fornecimento de matérias-primas daquela pra as indústrias desta região. No decorrer da implementação do PDAm, a SUDAM preparou o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (II PDAm), articulado com o II PND. Na área de política florestal, as diretrizes eram garantir a perpetuidade da exploração florestal; o planejamento da exploração racional da floresta de modo a assegurar a produtção qualitativa e quantitativa em consonância com o potencial da região; e a conciliação da exploração florestal, e uso da terra em geral, com medidas conservacionistas capazes de assegurar a proteção contínua dos recursos naturais renováveis, através da criação de unidades de conservação legalmente caracterizadas. 194 (HOMMA, 1989). (1972-74) I Plano de Desenvolvimento da Amazônia, que propunha a transformação da coleta vegetal em atividades permanentes. 195 (HOMMA, 1989). A partir de 1973 foram convidados as grandes empresas para a colonização já que os antigos programas começavam a falhar aumentou, assim, a pecuária extensiva que tornou precária a situação da pequena propriedade e gerou conflitos de terras.

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o potencial agropecuário, mineral e agroindustrial (196), “com dotações orçamentárias para os anos de

1974 a 1977”, sendo implementadas pela SUDAM, SUDECO e BASA (197).

A situação da borracha amazônica mostra-se crescente, a partir de 1974, pois a partir dessa

data as estastísticas incorporaram aos seus dados a produção dos seringais cultivados no Brasil.

Aumenta, assim, a concorrência dos seringais nativos, que agora competem, também, com o cultivo no

próprio país (198).

Os primeiros resultados dos levantamentos dos recursos naturais foram divulgados mostrando o

manejo florestal e a inserção da atividade florestal como formas de ocupação da Amazônia

representando objetivos do II Plano de Desenvolvimento da Amazônia, para os anos de 1975 a 1979.

Porém as estratégias de execução foram mal encaminhadas, o que fez com que os objetivos não

fossem alcançados (199).

No governo Geisel, foi sancionado o II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (II PND),

durante o período de 1975 a 1979. Esse plano possuía o objetivo de integração nacional do Nordeste,

Amazônia e Centro-Oeste, buscando a interação da mão-de-obra, terra e outros recursos naturais. Ele

buscava a interação com a região Centro-Sul, facilitando o acesso das regiões menos desenvolvidas

com o fluxo de mercadorias, de tecnologia e capitais daquelas para essas regiões. Previa-se a

contribuição de novas áreas para o crescimento do PIB, principalmente nos setores da agricultura,

pecuária e mineração, já que havia grande parte da infra-estrutura de comunicação e transporte

concluída, como as rodovias: Transamazônica e Cuiabá-Santarém (200). O plano estimulou pesquisas

agronômicas, como o PROBOR (1972) que propunha a recuperação dos seringais nativos, estimulando,

também a agricultura e plantio de seringueiras e exportações de produtos primários com algum nível de

tecnologia, como carne e madeira (201).

No fim o governo militar, o modelo de ocupação desenfreada dava sintomas de esgotamento,

quando surge o III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND) que propunha a exploração sustentável

dos recursos da Amazônia, estabelecendo uma ocupação gradativa da região e integração regional.

196 (HOMMA, 1989). Em 1974 POLAMAZÔNIA com investimentos em 15 pólos, escolhidos de acordo com suas pontencialidades agropecuárias, minerais e agroindustriais. 197 (SILVA, 2003). Concomitantemente surgiu a proposição do aproveitamento integrado dos recursos florestas, em plos previamente selecionados, para a promoção do desenvolvimento de forma localizada – proposição esta colocada no Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), lançado em 1974. Em 1974 foi criado o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, denominado POLAMAZÔNIA, “com a finalidade de promover o aproveitamento integrado das potencialidades agropecuárias, agro-industriais, florestais e minerais, em áreas prioritárias da Amazônia”. Foram estabelecidas, preliminarmente, 15 áreas na região para execução do Programa, com as dotações orçamentárias para os anos de 1974 a 1977. A implementação do Programa ficaria principalmente a cargo da SUDAM, SUDECO e BASA. 198 (SILVA, 2003). A partir de 1974, em diante, a produção volta a ser continuamente crescente, isso porque as estatísticas já incorporam os dados da produção dos seringais brasileiros cultivados. A borracha oriunda dos seringais nativos volta a sofrer a concorrência da produzida nos seringais cultivados, desta vez no próprio país. 199 (SILVA, 2003). Disponíveis os primeiros resultados dos levantamentos dos recursos florestais, a exploração permanente da floresta (manejo florestal) e a inserção da atividade florestal como alternativa de colonização emergiram como objetivos de desenvolvimento no Segundo Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1975-79). Estes objetivos não foram, no entanto, atingidos, em virtude de as estratégias terem sido mal encaminhadas. 200 (SILVA, 2003). No governo Geisel, o quarto do ciclo militar, foi sancionado o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (II PND), para o período 1975-1979. No que tange à estratégia de integração nacional prevista, o Plano considerava o Nordeste, a Amazônia e o Centro-Oeste dentro de uma política global, considerando o fluxo de fatores de produção entre si, preconizando uma melhor combinação de mão-de-obra, terra e outros recursos naturais, ou o fluxo de produtos; considerava, ademais, as relações dessas três regiões com o Centro-Sul, quanto ao fluxo em mão-dupla de mercadorias, e de tecnologia e capitais desta para aquelas regiões. Considerando como etapa consecutiva aos resultados anteriormente obtido, o Plano previa o início da contribuição significativa das novas áreas ao crescimento do PIB, principalmente em agricultura, pecuária e mineração, vez que já se encontrava em grande parte concluída a infra-estrutura de comunicações e transportes (rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém).

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Com isso a ocupação desenfreada partiu para a região Noroeste, principalmente nos Estados de

Rondônia e Mato Grosso onde passaram por fortes transformações, e destruição dos recursos com

atividades extensivas e intensivas. Para amenizar essa predação da natureza criou-se o Programa

Integrada da Região Noroente (POLONOROESTE) que se preocupava com áreas protegidas e o

Programa Nossa Natureza que visava a diminuição da predação dos recursos. Como resultado, foram

criadas novas Unidades de Conservação, “suspensão de incentivos fiscais para a região, aumento da

fiscalização do desmatamento e reestruturação dos órgãos responsáveis pelo meio ambiente” (202).

Em 1976, criou-se o PROCACAU com políticas que incentivaram a dinamização do cacau,

fornecendo crédito rural para outras culturas como: pimenta-do-reino, guaraná e arroz. Nesse ano, foi

instaurada a Instrução Especial nº 11 e 12 que dava ao INCRA o direito de alienar terras federais para

companhias privadas, buscando a expansão da fronteira agrícola, que ocorreu principalmente em MG

(203).

Com todos esses incentivos agrícolas, iniciou-se os ‘empates’, movimento onde os seringueiros

autônomos, principalmente do Rio Branco, Xapuri e Brasiléia, saíram em defesa do extrativismo.

Tentaram impedir novos desmatamentos que causavam a destruição de áreas com potencial extrativo.

Esses movimentos se estenderam a várias cidades do Acre e até outros estados – Amazonas e Pará. Os

conflitos entre fazendeiros e seringueiros motivaram a “opinião pública especialmente após a morte de

Wilson de Souza Pinheiro, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia, em 1978” (204).

Mesmo com todo investimento no setor agrícola, pecuário e mineral, a produção de borracha natural

representava mais de 50% do total de borracha do país (205).

Foram criados os PROBOR II, em 1977, e o PROBOR III, em 1982, que visavam a racionalização e

crescimento da produção de borracha, tanto natural como cultivada, para atender a demanda, que

não parava de crescer (206). Nessa década a coleta de açaí e de palmito cresceram

consideravelmente, destacando no mercado de produtos provenientes do extrativismo (207).

201 (HOMMA, 1989). O PDA II (1975-79) estimulou pesquisas agronômicas. PROBOR (1972) recuperação de seringais nativos, estímulo a agricultura e plantio de seringueiras. Em 1975 a 79 lançou-se o II PND – exportações de produtos primários com nível tecnológico (exportar carne e madeira). 202 (SILVA, 2003). No último governo militar, o modelo de ocupação desenfreada parecia dar os primeiros sinais de esgotamento. O Terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND) já propugnava a exploração racional e não predatória da Amazônia e estabelecia a partir de então uma gradativa ocupação e integração regional. A ocupação desenfreada deslocou-se para a região Noroeste do país e os estados de Rondônia e Mato Grosso passaram por grandes transformações, com “uso predatório dos recursos”, na verdade desuso extensivo e intensivo dos recursos. Nos últimos programas regionais a preocupação dominante passou a ser com áreas protegidas (POLONOROESTE) e com a depredação do meio ambiente (Programa Nossa Natureza). Na verdade o Polonoroeste propunha medidas para amenizar as avarias ambientais que já se esperava decorreriam da sua própria implementação; os resultados apresentados relativamente a amenização dos impactos e danos causados ao meio ambiente foram, no entanto, bastante limitados. E, finalmente, o Programa Nossa Natureza propunha a contenção da ação predatória ao meio ambiente e aos recursos naturais, após o reconhecimento de que o desenvolvimento experimentado pela região gerara problemas preocupantes nesse sentido. Ações concretas foram então empreendidas, resultando na criação de conjunto de novas unidades de conservação, suspensão de incentivos fiscais para a região intensificação da fiscalização do desmatamento e reestruturação dos órgãos responsáveis pelo meio ambiente. 203 (HOMMA, 1989). PROCACAU (1976) para dinamização do cacau. Políticas incentivaram dando crédito rural para culturas de pimenta-do-reino, guaraná e arroz (1970 década). Em 1976 Instrução Especial nº 11 e 12 que permitia ao INCRA alienar Terras federais para companias privadas. Permitiu a expansão da fronteira agrícola, principalmente em MG. 204 (RUEDA, 2003). Foram os seringueiros autônomos de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia os primeiros a saírem em defesa do extrativismo, organizando-se 1976, para impedir novos desmatamentos de áreas extrativas; estes movimentos forma chamados de “empates” e se estenderam a outras do Acre e mesmo a outro estados (Amazonas e Pará). Os conflitos entre fazendeiros e seringueiros chamaram a atenção da opinião pública, especialmente depois da morte do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia, Wilson de Souza Pinheiro, em 1978. 205 (GOGELS, 1972). Os seringais silvestres da Amazônia fornecem, ainda, mais de 50% da borracha natural consumida pela indústria nacional. 206 (HOMMA, 1989). PROBOR II (1977) e PROBOR III (1982) racionalização e aumento da produção de borracha para atender a grande demanda. 207 (BRASIL, s. d. ). Nas últimas 3 décadas a coleta do açaí e do palmito tiveram destaque.

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No geral, as políticas públicas regionais ou nacionais, direcionadas para a região amazônica

mostraram atuarem em sentido oposto a seu verdadeiro propósito, que era o desenvolvimento da

atividade florestal (208).

1980-1990

Para resolver a situação fundiária, em 1980, foi criado o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-

Tocantins (GETAT) e o GEBAM (209). Nessa década os estados de Rondônia e Mato Grosso, tiveram

atenção direcionada, durante o planejamento da Amazônia. O Banco Mundial financiou o

POLONOROESTE de 1981 até 1987, com objetivo de asfaltar a rodovia BR-364, no trecho Cuiabá-Porto

Velho, bem como, sua ocupação ao longo das margens, objetivando triplicar a produção agrícola,

duplicar o rebanho bovino e assentar mais de 60 mil famílias (+210), e ainda garantir investimentos para

melhorar o desenvolvimento da região Noroeste, especialmente na área de abrangência da rodovia,

assegurando a conservação do meio ambiente e das comunidades indígenas da região. Na primeira

fase do programa atingia-se os setores rodoviário, de desenvolvimento, de proteção ambiental e de

saúde. Já a segunda fase consistia no Projeto de Desenvolvimento Rural do Estado de Mato Grosso e a

terceira fase pelo Projeto Novos Assentamentos (211).

Mesmo, com o aumento do número de espécies extrativas, na segunda metade do século XX, a

importância do extrativismo na economia da Amazônia decresceu, influenciada por “fatores externos e

inerentes à própria atividade”. Abaixo se pode observar a participação do extrativismo no setor

agropecuário regional, segundo SILVA (2003). Em 1980 encerrava-se o ciclo de múltiplos produtos da

floresta e entrava em franca expansão o ciclo da madeira (212).

208 (SILVA, 2003). Um balanço mais geral das políticas públicas estabelecidas para a região Amazônica, quer em planos nacionais ou regionais, revela que essas políticas forma quase sempre direcionadas em sentido contrário a sua verdadeira vocação de desenvolvimento, ou seja, a vocação de desenvolvimento florestal. 209 (HOMMA, 1989). Em 1980 foi criado a GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins para resolver regulações fundiárias e o (GEBAM). 210 (HOMMA, 1989). POLONOROESTE (1981) visava a dar apoio a ocupação ao longo da rodovia Cuiabá-Porto Velho, com o objetivo de triplicar a produção agrícola, duplicar o rebanho bovino e assentar 60 mil famílias. Cuiabá-Porto Velho foi asfaltada em 1985. 211 (SILVA, 2003). Na década de 1980 as atenções do planejamento na Amazônia concentraram-se nos estados de Rondônia e Mato Grosso. Um programa financiado pelo Banco Mundial, denominado Programa integrado da Região Noroeste (POLONOROESTE), teve início em 1981 e perdurou até 1987. Tinha como objetivos básicos: asfaltamento da rodovia BR-364, no trecho Cuiabá-Porto Velho; garantir um conjunto de investimentos básicos para atingir o desenvolvimento da região Noroeste, na área de influência da rodovia; e assegurar a preservação do meio ambiente físico e das comunidades indígenas da região. A primeira fase do programa compunha-se de três projetos básicos: rodoviário, de desenvolvimento agrícola e proteção ambiental, e saúde. A segunda fase era constituída pelo Projeto de Desenvolvimento Rural do Estado de Mato Grosso e a terceira e última fase pelo Projeto de Novos Assentamentos. 212 (SILVA, 2003). Na segunda metade do século, apesar de o número de espécies extrativas ter-se ampliado, com o decorrer do tempo, a importância do extrativismo florestal na economia regional decresceu motivada por fatores externos e inerentes à própria atividade. Na década de 1890 “o extrativismo representava 70% da produção agropecuária da região; na primeira década do século seguinte aumentara para 78%; em 1910 o extrativismo representava 90% da produção agropecuária regional” Em 1920 a participação do extrativismo no setor agropecuário regional havia se reduzido para 46%; em 1947, cessado o esforço de guerra para reativação da produção extrativa de borracha, a participação do extrativismo era de 55%. Em 1960 reduzira-se a 41% e em 1980 para 23%. Mas por essa época já se encerrara o ciclo extrativo de múltiplos produtos da floresta e um outro já estava em franca expansão: o ciclo da madeira

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Participação do extrativismo no setor agropecuário da Amazônia

78%90%

46% 55%41%

22%10%

54% 45%59%

70%

23%

30%

77%

1890 1900 1910 1920 1947 1960 1980

extrat ivismo outras at ividades

FONTE: SILVA (2003)

Movimentos políticos dos seringueiros e a consciência ecológica no mundo

Após muitas décadas “em estado de dormência, o extrativismo ressurgiu no Brasil” como um dos

destinos da floresta amazônica. Isso aconteceu perante um movimento ambientalista mundial,

influenciado por cientistas e pesquisadores, principalmente dos países desenvolvidos. Isso precionou

práticas e políticas que ameaçavam a conservação das florestas tropicais do mundo, especialmente

do Brasil. Nesse contexto, ressurge o seringueiro na década de 80 com uma identidade mais

ambientalista. “Eles souberam ligar os requisitos da sua sobrevivência, enquanto grupo profissional às

vantagens proclamadas do seu uso predominantemente extrativo das florestas amazônicas. O tema do

extrativismo amazônico saiu de um exílio secular e conseguiu ocupar por quase uma década o centro

do palco das amplas discussões contemporâneas sobre o destino das florestas amazônicas e das

florestas tropicais em geral. Na verdade, o debate sobre a viabilidade do extrativismo teve o mérito de

estimular uma discussão sistemática de todos os usos possíveis dos recursos florestais e não-florestais da

Amazônia” (213).

A situação na Amazônia, a partir de 1982, observada pelo Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA) juntamente com a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), era que os

213 (DRUMMOND, 1996). Depois de muitas décadas em estado de dormência, o extrativismo amazônico ressurgiu no Brasil como um dos vários temas de um debate mais amplo sobre o destino das florestas amazônicas. Essa reemergência ocorreu na esteira de um movimento ambientalista “planetário”, fortemente influenciado por cientistas e militantes dos países desenvolvidos. Esse movimento começou a pressionar de muitas formas contra práticas e políticas consideradas ameaçadoras à integridade às florestas tropicais de todo o mundo, e do Brasil em particular. Os seringueiros brasileiros reaparecem na década de 1980 com uma nova identidade: a de “ambientalistas”. Eles souberam ligar os requisistos da sua sobrevivência, enquanto grupo profissional às vantagens proclamadas do seu uso predominantemente extrativo das florestas amazônicas. O tema do extrativismo amazônico saiu de um exílio secular e conseguiu ocupar por quase uma década o centro do palco das amplas discussões contemporâneas sobre o destino das florestas amazônicas e das florestas tropicais em geral. Na verdade, o debate sobre a viabilidade do extrativismo teve o mérito de estimular uma discussão sistemática de todos os usos possíveis dos recursos florestais e não-florestais da Amazônia.

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50

projetos de colonização, denominados assentamentos dirigidos, dividiam os seringais em retângulos

criados pelo INCRA, onde tinham a função de assentar colonos. Porém esse modo de ocupação do

solo desmenbrava as chamadas colocações (unidade de produção do seringueiro), afetando assim o

trabalho desempenhado pela SUDHEVEA, que era de buscar o aumento da produção de borracha

nativa. Isso resultou em conflitos entre os seringueiros e colonos assentados. Para resolver esse problema,

ambas “instituições propuseram uma ‘concessão Real de Uso’ do seringal aos seus moradores”, que

como experiência, foram propostos os projetos Boa Esperança, em Sena Madureira, e Santa Quitéria,

em Brasiléia. Entretanto, a proposta não gerou resultados significativos por falta de continuidade

administrativa das instituições proponentes. O que ocorreu foi paralisação dos assentamentos,

ocasionando a continuidade da produção nas colocações (214).

O fato mais importante nesse período foi a realização dos conhecidos ‘empates’ que visavam a

diminuição das áreas desmatadas. Esse movimento exigia organização e coesão o que resultou num

fortalecimento de caráter político e social dos extrativistas e do sindicalismo, que foi amadurecido de

acordo com o princípio da ‘concessão de uso coletiva’. Alguns extrativistas, que presenciaram o

parcelamento de terras incentivado pelo Governo Federal, se interessaram em adquirir lotes individuais

e hoje somente uma pequena parcela de extrativistas não compreende a idéia do título de

propriedade individual da parcela (215).

Em 1980, as políticas de incentivos fiscais da SUFRAMA e da SUDAM, juntamente com o

crescimento do setor industrial na região amazônica e do setor de serviços, ocasionou a superação da

população urbana em relação a rural, atraindo migrantes que buscavam melhores condições de vida

e maior salário. Muitos imigrantes que chegavam à região norte tinham aversão ao extrativismo e se

interessavam em apenas garantir posse de terras. No entanto, a inflação, observada na década de 80,

reduziu o crescimento das atividades agrícolas pela redução do crédito rural (216).

De 1980 a 1985, vigorava o II PND, que incentivava os setores de geração de energia,

agrominerais e agropecuários, onde o Programa Grande Carajás, de acordo com o decreto Lei 1913,

tinha como principal componente da extração, o minério de ferro, com reserva estimada em 18 bilhões

de toneladas, extração de 35 milhões de toneladas por ano. Previa a geração de mais de 750 mil

214 (RUEDA, 2003). O Governo Federal começou a refletir sobre a possibilidade de defender o extrativismo, a partir de 1982, quando, no Acre, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, e a Superintendência da Borracha, SUDHEVEA, se encontraram frente ao impasse causado pelos projetos de colonização, chamados de Assentamentos dirigidos, pois retângulos criados pelo INCRA para assentar colonos desestruturavam o esforço que a SUDHEVEA fazia para aumentar a produção de borracha dos extrativistas, uma vez que o retângulo cortava e desmembrava a “colocação”, unidade de produção do seringueiro, formada pela dispersão natural e sinuosa das espécies vegetais. Esta situação deu origem a sérios conflitos entre os vizinhos. As duas instituições produseram como solução a “concessão Real de Uso” do seringal aos seus moradores. Para iniciar, foram propostos, a título de experiência, os projetos Boa Esperança em Sena Madureira e Santa Quitéria em Brasiléia. Infelizmente, por falta de continuidade administrativa nas duas instituições, a proposta não vingou. Houve isso sim, um ponto positivo: foram paralizados os assentamentos tradicionais nos dois projetos e assim muitos seringueiros continuaram nas suas colocações. 215 (RUEDA, 2003). O aspecto mais importante a analizar durante esta recente evolução histórica do extrativismo é que a prática dos “empates” impetitivos dos desmatamentos, serviram de substrato para o amadurecimento político e social dos extrativistas, na medida em que o “empate” exigia organização e coesão. Estas duas forças foram encontradas mediante o fortalecimento do sindicalismo em cujo seio, e diante da necessidade de manter a união, foi aceito e amadureceu o princípio da “concessão de uso coletiva”. É preciso reconhecer que em 1980, influenciados, talvez, pelo processo de parcelamento da terra promovido pelo Governo, os extrativistas desejavam ter lotes individuais. Até hoje há uma minoria que não assimila bem a idéia de não ter um título de propriedade individual de uma parcela. 216 (HOMMA, 1989). Em 1980 a urbanos superava o rural, pois o crescimento do setor industrial favorecido pelas políticas de incentivos fiscais da SUFRAMA e da SUDAM, e a crescimento no setor de serviços têm atraído migrantes na busca de melhores condições de vida e do salário estabelecido através da legislação social. Os novos ocupantes tinham aversão ao extrativismo e buscavam garantir a posse de terra. A partir da década de 80, associada ao quadro excessivo inflacionário, nota-se redução no crescimento de atividades agrícolas, escassez de crédito rural.

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empregos e utilização de carvão vegetal como fonte de energia para siderurgias e metalurgias. Em

1982 ocorreu a nacionalização do projeto JARI (217).

A partir de 1985, o Estado teve que revisar suas ações na área florestal, frente às pressões

nacionais e internacionais diante do aumento progressivo do desmatamento da Amazônia e à

“mudanças no status político e na conjuntura econômica do país”. Os impactos ambientais negativos

foram grandes, causados pelas políticas públicas aplicadas na região. A consciência ambiental

difundida no país evidenciava que o setor madeireiro seria o grande responsável pela degradação da

natureza amazônica, mesmo sabendo que essa atividade foi influenciada pela expansão da agricultura

e pecuária. Ao mesmo tempo, os incentivos fiscais para o reflorestamento e desmatamento, esgotara-

se (218).

No Primeiro Encontro Nacional de seringueiros, realizado em Brasília, em 1985, os extrativistas

pediram que encerrasse a ocupação dos seringais para assentamentos e que o Governo desse

concessão das terras para que o extrativismo fosse mantido, o que solucionava a questão fundiária e a

proteção da floresta contra desmatamentos. Tudo isso acontecia, mesmo diante do lançamento do

Plano Nacional de Reforma Agrária, que tinha toda a atenção da população voltada para esse plano.

Portanto, “a proposta de criação das Reservas Extrativistas, apareceu então, como a ‘Reforma Agrária’

para os extrativistas, na medida em que a sua criação deveria ser uma forma de legitimar a posse, e de

reconhecer os direitos à terra daqueles que nela trabalhavam e viviam há muitos anos. Conclui-se,

portanto, que as Reservas Extrativistas, historicamente foram uma proposta, no espírito da Reforma

Agrária, isto é, para que a terra cumpra a sua função social” (219).

Os movimentos sociais que marcaram esse período buscavam defender o extrativismo e

solucionar os problemas fundiários da região. Após a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros

(CNS), em 1985, as reivindicações eram levadas a ele, que principalmente insistia na criação de

Reservas Extrativistas, como solução de reforma agrária extrativista. Essas reservas eram vistas pelos

extrativistas como áreas de uso sustentável para a conservação do meio ambiente e recursos naturais,

o que mostrava uma mudança na consciência da comunidade extrativista, que agora passara a

217 (HOMMA, 1989). II PND (1980-1985) os investimentos públicos foram orientados para a geração de energia e atividades agrominerais e agropecuárias. Programa Grande Carajás (1980) pelo decreto Lei 1913, tem a extração de minério de ferro seu componente principal. Reserva estimado em 18 bilhões de toneladas de ferro, que seriam extraídos 35 milhões de toneladas /ano. Em 1982, nacionalização do projeto JARI. Prevê a geração de 755 mil empregos e a utilização de carvão vegetal como fonte de energia para siderúrgicas e metalúrgicas. 218 (SILVA, 2003). Na segunda metade da década de 1980, mudanças no status político e na conjuntura econômica do país, associadas a pressões nacionais e internacionais face ao exacerbado desmatamento em curso na Amazônia, forçaram revisões na postura do Estado no tocante ao cumprimento das suas funções na área florestal. O balanço das políticas públicas empreendidas na região, com a concessão de fartos incentivos fiscais, revelava, no geral, relação benefício/custo pouco alentadora, com impactos ambientais comprovadamente negativos. A corrente ambientalista instalada no país, sobretudo no bojo da questão Amazônica, valia-se dessa cunjuntura para forçar revisões e radicalizar posições; o empresariado do setor madeireiro passou a ser tratado como o vilão do desmatamento, embora o crescimento do setor e da atividade de exploração de madeira tivesse ocorrido a reboque da expansão da fronteira agropecuária, assentada em grandes projetos governamentais e privados de colonização. De outro lado, o modelo de concessão de incentivos fiscais para o reflorestamento e desmatamento esgotara-se. Explicitavam-se, de diferentes formas, mudanças de postura da sociedade no tocante às exigências de bens e serviços florestais. 219 (RUEDA, 2003). Em 1985, os seringueiros reunidos em Brasília no seu Primeiro Encontro Nacional, solicitaram que se acabasse com a colonização dos seringais e que estes lhes fossem dados em concessão, para que assim pudessem ser mantido o extrativismo. Este pedido visava também solucionar a questão fundiária e proteger a floresta contra as ameaças do desmatamentos, para implantar a exploração pecuária. É importante ainda salientar que em 1985, no Brasil estava sendo lançado o Plano Nacional de Reforma Agrária e todas as atenções da sociedade estavam voltadas para este tema. A proposta de criação das Reservas Extrativistas, apareceu então, como a “Reforma Agrária” para os extrativistas, na medida em que a sua criação deveria ser uma forma de legitimar a posse, e de reconhecer os direitos à terra daqueles que nela trabalhavam e viviam há muitos anos. Conclui-se, portanto, que as Reservas Extrativistas, historicamente foram uma proposta, no espírito da Reforma Agrária, isto é, para que a terra cumpra a sua função social. A partir do primeiro encontro do seringueiros, o INCRA passou de novo a se preocupar com o problema.

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entender e divulgar suas reinvindicações num caráter ecológico. “Pode-se afirmar a ‘práxis’ passou a

ser teorizada pelas próprias bases” (220).

Em 1986, no início do governo Sarney, criou-se o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova

República (I PND-NR), que reconhecendo o grande potencial econômico da Amazônia, verificou que

seu processo de desenvolvimento concentrou rendas e degradou grande parte dos recursos naturais,

tendo como proposta uma reavaliação dos programas de ocupação, com atenção para os impactos

que esses programas causaram. Ocorreu, assim, um levantamento dos impactos ambientais na

Amazônia, que foram divulgados, e mostravam que as políticas anteriores se equivocaram na escolha

do processo de desenvolvimento para a região (221).

Em 1987, foi criado o Projeto de Assentamento Extrativista, que tinha como função a concessão

de uso de terras com potencial extrativista às comunidades que utilizavam-se de práticas sustentáveis

(222). Já em 1988, foi instituído o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal,

conhecido como Programa Nossa Natureza, que tinha como objetivo promover condições para a

utilização e conservação dos recursos naturais na Amazônia. Esse foi o programa que mais investiu nas

Unidades de Conservação. Diante do desmatamento florestal, do conflito pela posse de terras e do

potencial de extinção das tribos indígenas, ocorreram muitas pressões por parte da comunidade

nacional e internacional que pressionaram o Governo a se dirigir e agir com maior atenção à região

amazônica, desacelerando a frente de desmatamento imposta e incentivada por vários anos em

governos anteriores (223). O programa determinou a proibição da exportação de madeira em toras (224).

A Constituição de 1988 “passou a considerar a Amazônia Legal com bem de uso comum”,

ficando a cargo do poder público a função de preserva-la, sem dar muita atenção ao extrativismo,

mesmo diante das pressões impostas pelos seringueiros, que em dezembro desse ano, resultou na morte

220 (RUEDA, 2003). Os movimentos sociais participaram desde o início na luta pela defesa do extrativismo e pela procura de soluções, inicialmente para a questão fundiária. Aos poucos as reivindicações foram canalizadas através do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), criado em 1985. Diante do imobilismo dos Projetos de Assentamento Extrativista e diante da pressão social, a nível nacional e internacional pela preservação das florestas, o CNS além d continuar insistindo na criação de Reservas Extrativistas como forma de fazer Reforma Agrária para os extrativistas, passou a defender as reservas como “espaços territoriais destinados à utilização sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis”. Esta foi uma nova conquista, pois os extrativistas passara a melhor entender e defender o cunho ecológico da proposta. Pode-se afirmar a “práxis” passou a ser teorizada pelas próprias bases. 221 (SILVA, 2003). Na difícil transição de regime, o governo Sarney também teve o seu Plano, intitulado pomposamente de I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR), o qual saiu em 1986. O Plano reconhecia, explicitamente, que a Amazônia, apesar do enorme potencial econômico, havia sofrido processo de desenvolvimento concentrador de renda e depredador dos recursos naturais. E propunha, em decorrência, reavaliar os programas de colonização e ocupação agropecuária da Amazônia, atentando para os impactos ambientais deles decorrentes. A sociedade recebia, num documento público, o atestado de depredação dos recursos naturais na Amazônia, promovida por políticas anteriores que haviam priorizado algumas alternativas equivocadas de desenvolvimento para a região. 222 (HOMMA, 1989). Projeto de Assentamento Extrativista (1987) deste projeto materializava-se pelo contato de concessão de uso da terra (áreas) com potencial extrativista às populações que se ocupam do extrativismo ecologicamente sustentável. 223 (SILVA, 2003). No final de 1988 foi instituído o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal, denominado Programa Nossa Natureza, com a “finalidade de estabelecer condições para a utilização e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis na Amazônia Legal. De todos os programas da Amazônia, este foi o que propiciou maior incremento da área de unidades de conservação. Na verdade o Governo foi compelido a agir, premido por pressões variadas – oriundas: da comunidade nacional e internacional, do freqüente noticiário sobre devastação florestal, dos conflitos pela posse da terra e das ameaças de desaparecimento de comunidades indígenas, dentre outras. Tratava-se de estancar o acelerado processo de deterioração sociais e ambientais em curso, e de amenizar os efeitos negativos sobre os recursos naturais resultantes dos sucessivos planos nacionais e regionais de desenvolvimento. 224 (HOMMA, 1989). Programa Nossa Natureza (1988), para impedir a devastação da Amazônia Legal com suspensão temporária dos incentivos fiscais e créditos para projetos agropecuários e proibição da exportação de madeiras em toras.

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de Chico Mendes, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais. A morte de seringueiros por

fazendeiros aumentou as pressões sobre a conservação da Amazônia (225) (226) (227).

Em 1989, o IBAMA surge da fusão de quatro organismos governamentais. Essa nova instituição

aparece com caráter executivo de gestão ambiental (228). Nesse contexto surge muitas pesquisas na

área do extrativismo realizadas pela SPVEA, IEAAOc, IRI, RADAM, INATAM, CEPLAC, CODEAMA, IBDF,

SUDAM, IDESP, SUDHEVEA, EMBRAPA e IPEAN (229). No final da década de 80, a mídia enfatiza a situação

da Amazônia mostrando as grandes queimadas e o progresso do desmatamento. Os fazendeiros da

região norte são pressionados pelos movimentos das comunidades amazônicas, que cada vez mais são

apoiadas pela mídia, divulgando os movimentos ambientalistas por todo o Brasil. Foi colocado em

questão o instrumento de gestão do meio ambiente, até então desenvolvidos na região e iniciou-se

uma nova concepção da utilização dos recursos naturais: a gestão ambiental. Ocorreram mudanças

no regime político que afetaram o Código Florestal com a introdução de algumas alterações, passando

a “fortalecer a área preservacionista”. A Constituição de 1988 também deu atenção aos recursos

naturais, onde reforçou o assunto da Lei Ambiental (editada em 1981) com um capítulo sobre o Meio

Ambiente (230).

A crise da SUDAM foi devido ao pensamento equivocado de que o sucesso de desenvolvimento

da Amazônia iria acontecer se fosse baseado na agricultura, que transformou-se no eixo central da

ação dos governos, incentivando o povoamento da região em trinta anos, de 1955 a 1985. A partir da

criação da SUDAM (1966) até início dos anos 90, período de 25 anos, foram desmatados, na Amazônia,

um total de 25 milhões de hectares de floresta, sendo o maior responsável: os incentivos fiscais.

“Provavelmente outros 25 anos decorrerão para que a sociedade pague a regularização fundiária dos

cerca de 29 milhões de hectares de unidades de conservação criadas no mesmo período” (231).

1990 a 2000 225 (HOMMA, 1989). Deu-se em decorrência do movimento de seringueiros autônomos apoiados por organizações não-governamentais. Constituição de 88 passou a considerar a Amazônia Legal como bem de uso comum, cabendo ao Poder Público Preservá-lo, mas não se preocupou muito com o Extrativismo. A questão ambiental da Amazônia tem assumido dimensões políticas. 226 (RUEDA, 2003). Estes mesmos conflitos posteriormente foram a causa do assassinato, por fazendeiros, do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, Chico Mendes, em 1988. 227 (DRUMMOND, 1996). O assassinato de Chico Mendes, em fins de 1988, adicionou um tom apaixonado a um debate que já se revelava profundo. 228 (SILVA, 2003). Em 1989, quatro organismos governamentais foram fundidos para dar origem a uma nova instituição executiva da gestão ambiental: o IBAMA. 229 (HOMMA, 1989). Pesquisa no extrativismo: SPVEA, IPEAAOc, IRI, RADAM, INATAM, CEPLAC, CODEAMA, IBDF, SUDAM, IDESP, SUDHEVEA, EMBRAPA, IPEAN. 230 (SILVA, 2003). As mídias nacional e internacional passaram a evidenciar sistematicamente as queimadas em grande escala que se registravam na Amazônia no final da década de 1980. De um lado, os movimentos sociais dos povos da floresta fortaleceram-se, numa lógica reativa natural às pressões dos fazendeiros sobre as terras em que se encontravam instalados. De outro, valiam-se dos espaços abertos pela mídia e do apoio dos movimentos ambientalistas que foram rapidamente surgindo no país. A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980, esses movimentos colocaram-se em posição frontalmente antagônica ao desenvolvimento econômico da região. Esse quadro apontava para a necessidade de revisão dos instrumentos de gestão dos recursos florestais disponíveis. A gestão desses recursos foi incorporada a um espectro mais amplo: o da gestão ambiental. Nesse contexto, e no clima da mudança do regime político, algumas alterações foram introduzidas no Código Florestal, visando fortalecer a área preservacionista; a Lei ambiental, editada em 1981, passou a ser brandida com maior ênfase, após a edição da Constituição de 1988, que trouxe, no seu bojo, um capítulo sobre Meio Ambiente. 231 (SILVA, 2003). Daí advém os primeiros sintomas da crise da SUDAM: de uma concepção equivocada de modelo de desenvolvimento. A idéia de que o sucesso civilizador na Amazônia deveria basear-se na agricultura – estabelecida na primeira política pública para a região – transformar-se-ia no eixo central das ações dos governos no sentido de efetivamente povoá-la ao longo de trinta anos, ou seja, no período que se estende aproximadamente de 1955 a 1985. Entre 1966 (quando a SUDAM foi criada) e início dos anos de 1990 – portanto aproximadamente 25 anos – 25 milhões de hectares de florestas Amazônicas foram desmatados, a maior parte com incentivos fiscais. Provavelmente outros 25 anos decorrerão para que a sociedade pague a regularização fundiária dos cerca de 29 milhões de hectares de unidades de conservação criadas no mesmo período.

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A borracha nativa na concorrência nacional

Na década de 1990, a produção de borracha proveniente dos seringais cultivados no Brasil

ultrapassou a produção dos seringais nativos, caindo constantemente. A figura abaixo mostra a queda

da quantidade produzida de seringais na Amazônia de 1990 a 1997 comparando com a produção

nacional em 1997, segundo SILVA (2003) (232).

24.000

7.000

98.000

1990 1997

Produção de borracha na Amazônia e no Brasil em toneladas

Produção da AmazôniaProdução Nacional

FONTE: SILVA (2003)

A situação no Acre não era diferente do restante da Amazônia. Com a maior produção de

borracha da região norte, esse estado passou de 15 mil tonelada para 3 mil toneladas, em 1997. No

Governo de Jorge Viana assumido em 1999, tentou converter essa situação fornecendo subsídio para

produção de borracha nativa (233).

O Plano Trienal criado em 1960 foi retomado somente em 1990, com a produção de

zoneamentos, sendo concluído somente nos estados de Rondônia e Acre (234). Em 1992, a Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro, teve

como tema principal a Floresta Amazônica. Desse modo foi lançado em junho de 1992, o Programa

Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, conhecido como PP-G7, que foi reformulado e

232 (SILVA, 2003). Em 1990 a produção dos seringais cultivados ultrapassou, pela primeira vez, a produção dos seringais nativos. E desde então, a produção destes vem apresentando constante declínio. Naquele ano era de 24 mil toneladas; em 1997 não chegava a 7 mil toneladas, para uma produção nacional de cerca de 98 mil toneladas. 233 (SILVA, 2003). O Acre, que já produziu 15 mil toneladas de borracha, figurava nas estatísticas oficiais em 1997 com pouco mais de 3 mil toneladas produzidas. Visando reverter esse quadro, o Governo Jorge Viana concedeu, ao assumir em 1999 a administração do Estado, um subsídio para produção de borracha nativa.

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somente em 1997 entrou em operação. Esse programa foi o único da década de 1990. “Estruturado

para funcionar em quatro vertentes: Unidades de Conservação e Manejo dos Recursos Naturais, Política

de Recursos Naturais, Ciência e Tecnologia, e Projetos Demonstrativos. A que mais avançou foi a dos

projetos demonstrativos (PD-A), que teve forte envolvimento da sociedade civil” (235).

O Ministério do Meio Ambiente foi criado em 1993, com a função de formular políticas e normas

na área florestal, passando ao IBAMA e Órgãos Estaduais a função de execução. Mesmo com as

dificuldades econômicas decorrentes dos planos Bresser, Collor e Real, o setor florestal sustentou e

sustenta até os dias de hoje grande parcela da população amazônica. No Governo Collor, a Secretaria

do Planejamento foi extinta e suas funções foram deslocadas para uma secretaria do Ministério da

Economia criado com a função de gerir o Plano Collor. A participação da SUDAM foi pouca, mas

chegou a elaborar o Plano de Desenvolvimento da Amazônia, vigorado para o período de 1991 a 1995,

que não foi concluído, devido a interrupção do Governo Collor. (236).

Após o impeachment de Collor, um novo presidente assume o poder, Itamar Franco, recriando a

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, onde passou por indecisões de quais funções

caberiam a esse ministério e quais caberiam ao Ministério da Fazenda. Porém, alguns nomes que

assumiram ocupar as atividades desse ministério, ficaram por pouco tempo, fato que também ocorreu

no Ministério da Fazenda, sendo que Fernando Henrique Cardoso, foi o quarto a assumir o Ministério do

Planejamento, em maio de 1994. Não havia como o governo planejar a longo prazo, já que ocorreu a

sucessão de quatro ministros do planejamento e seis ministros da fazenda num período de apenas 26

meses. Juntamente com sua equipe, o quarto e último, nesse governo, Ministro do Planejamento, criou o

Plano Real, que de tanto sucesso elegeu esse ministro para novo presidente da república, dez meses e

meio depois. Durante todo o governo Itamar, o esforço foi “dirigido para formulação e gerenciamento

do Plano Real”. Esse plano trocou a moeda antiga (cruzeiros novos) pelo Real, e substituiu toda moeda

circulante no país. (237).

234 (SILVA, 2003). No entando, o zoneamento aventado no Plano Trienal no início dos anos de 1960 só seria retomado nos anos de 1990 e, no presente, encontra-se concluído apenas nos estados de Rondônia e do Acre. 235 (SILVA, 2003). Ausência de planos e de planejamento à parte, aconteceu em 1992 no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), onde o tema florestal Amazônico aflorou com bastante intensidade. Foi lançado então, em junho de 1992, o programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, mais conhecido como PP-G7. Mas o Programa só deslancharia a partir de 1997, depois de ser amplamente reformulado. Depois do Programa Nossa Natureza, do final do Governo Sarney, o PP-G7 foi o único programa de vulto que a região teve, na década de 1990. Estruturado para funcionar em quatro vertentes – Unidades de Conservação e Manejo dos Recursos Naturais, Política de Recursos Naturais, Ciência e Tecnologia, e Projetos Demonstrativos – a que mais avançou foi a dos projetos demonstrativos (PD-A), que teve forte envolvimento da sociedade civil. 236 (SILVA, 2003). Em 1993 foi criado o Ministério do Meio ambiente. A formulação de políticas e a competência normativa na área florestal ficaram a cargo do Ministério, e a função executiva com o IBAMA e órgãos estaduais. Apesar das dificuldades econômicas decorrentes dos ajustes dos sucessivos planos econômicos (Bresser, Collor e Real), o setor florestal da região Amazônica persiste sustentando importante parcela da economia e gerando grande número de empregos em nível regional. Iniciemos no Governo Collor. Na reestruturação administrativa implantada no início daquele governo, a antiga e poderosa Secretaria do Planejamento foi extinta e as suas funções ficaram relegadas a uma secretaria sem importância, subordinada ao todo poderoso Ministério da Economia, então criado para gerir o Plano Collor – aquele que deixou todo mundo com cinqüenta cruzeiros no bolso. Tratava-se de um plano econômico, recessivo, diga-se de passagem. Não chegou a ter aquele governo um plano nacional de desenvolvimento nos moldes daqueles dos governos anteriores. A SUDAM ainda chegou a elaborar o seu Plano de Desenvolvimento da Amazônia, para o período 1991-95, mas o mesmo não foi levado a cabo, em virtude da interrupção da administração Collor. 237 (SILVA, 2003). Com a assunção de Itamar Franco ao poder, após o impeachment de Collor, foi recriada a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, com status de Ministério. Mas Paulo Haddad, o primeiro ocupante desse ministério no Governo Itamar, ficou pouco mais de três meses à frente da pasta; Yeda Crusius, que o sucedeu, não completou o quarto mês à frente do ministério; até o final do governo dois outros nomes ocupariam a pasta, por cerca de dez meses, cada um. No Ministério da Fazenda as coisas não foram muito diferentes, seis ministros ocuparam a pasta nos dois anos e dois meses do Governo Itamar Franco. Gustavo Krause ficou apenas dois meses e meio, tempo suficiente para sentir cheiro de fritura e entregar o chapéu; Paulo Haddad, amido do presidente, ficou dois meses e mio também entregou o chapéu; Eliseu Resende caiu antes de completar o terceiro mês à frente da pasta. Fernando Henrique Cardoso foi o quarto a assumir aquele Ministério, em maio de 1994; reuniu uma equipe, fez o Plano Real e saiu dez meses e meio depois candidato a Presidente da República. Desde a sua posse no Ministério até a

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Com a posse de Fernando Henrique, no início de 1994, quatro meses depois, foram criados dez

projetos de assentamento extrativistas: cinco no Acre, três no Amapá e dois no Amazonas, mas somente

os três do Acre receberam algum apoio em sua implantação. Esses assentamentos totalizaram uma

área de 889.548 hectares (238).

Quarenta anos após a elaboração do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA),

foram criados dez planos regionais que propunham o desenvolvimento para a Amazônia, sendo nove

planos com tentativas de implantação. Esses planos direcionaram o desenvolvimento da região num

foco diferente do seu verdadeiro potencial e da vocação de desenvolvimento à base de produtos

florestais. Atualmente a Amazônia trocou o antigo sentido do desenvolvimento da época da criação

da SUDAM, com a extinção dos incentivos fiscais, modernização dos equipamentos e dos recursos

tecnológicos nos setores públicos e privados. A criação da Agência de Desenvolvimento da Amazônia,

com a função de administrar o novo modelo de desenvolvimento, possui objetivos conservacionistas e

sustentáveis (239).

Todos as atitudes de caráter degradador da floresta Amazônica, bem como suas

conseqüências, no final do século XX, formaram indagações sócio-econômicas, ecológicas,

tecnológicas e filosóficas, em todo o mundo, a respeito do futuro dos recursos naturais da Amazônia

(240).

A partir de 2000

A divulgação do manejo dos recursos naturais (Pró-Manejo), teve maior crescimento a partir de

2000, com a seleção de áreas para implantação de um projeto piloto, refletindo nos resultados dos

projetos PD-A. Ao final de 2000 e início de 2001, a mídia denunciou a SUDAM à opinião pública,

mostrando fatos de equívocos na aplicação e desvio de recursos, além de corrupção. Com isso, no final

conclusão da administração Itamar, todo o esforço do governo foi dirigido para a formulação e gerenciamento do Plano Real - que nos contemplou com nova troca de moeda e a substituição de toda a existente e circulante até então no país. O quinto titular, Rubens Ricupero, com pouco mais de cinco meses ministro, caiu pressionado pela história das parabólicas. Ciro Gomes concluiria a administração Itamar, à frente da pasta da Fazenda, cumprindo um curto mandato de cerca de quatro meses. Ora, com quatro ministros do planejamento e seis ministros da fazenda em 26 meses, governo nenhum seria capaz de fazer qualquer planejamento de prazo mais longo. Lembrando ainda que Collor na sua mirabolante reforma do estado extinguira o Ministério do Planejamento e que Itamar, ao recriá-lo – até Fernando Henrique assumir a Fazenda -, passou por angustiante indecisão sobre as funções que atribuiria a cada ministério (Planejamento e Fazenda) e sobre o poder e espaço que deveria conceder a cada ministro. 238 (RUEDA, 2003). Até abril de 1994 foram criados 10 projetos de assentamento extrativista, 5 no Acre, 3 no Amapá e dois no Amazonas, totalizando 889.548 há. Apenas 3 deles, no Acre, receberam apoio a sua implantação. 239 (SILVA, 2003). No início dos anos de 1990, quase quarenta anos depois da elaboração do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, dez planos regionais de desenvolvimento haviam sido formulados para a região. No mesmo período houve formulação e tentativas de implantação de nove planos nacionais de desenvolvimento. Não obstante esse elenco de planos, em âmbito nacional e regional, as políticas públicas neles delineadas para a região Amazônica foram sempre direcionadas prioritariamente em sentido contrário a sua verdadeira vocação de desenvolvimento, ou seja, a vocação de desenvolvimento florestal. A nova Agência criada tem como incumbência (dentre muitas outras) propor e coordenar o Plano de Desenvolvimento da Amazônia e gerir o Fundo de Desenvolvimento Regional. A Amazônia vive hoje novo momento; o velho modelo de desenvolvimento vigente à época da criação da SUDAM já não mais existe. Os incentivos fiscais foram extintos. As práticas de acesso aos recursos públicos e privados vêm paulatinamente se moralizando por força da vigilância da sociedade, da mídia e do ministério público, e se modernizando por conta dos equipamentos e recursos tecnológicos. É de se esperar, pois, que a Agência de Desenvolvimento criada tenha atuação amis afim com os novos tempos e que o Plano de Desenvolvimento da Amazônia que tem a incumbência de propor e coordenar tenha foco num novo modelo de desenvolvimento regional, de caráter sustenável. 240 (SILVA, 2003). No final do século XX, o modo predatório de uso dessa floresta e as conseqüências dele resultantes provocaram processos de questionamento e incitaram debates em escala planetária. Permeiam esses processo e debates questões econômicas, ecológicas, sociais, científicas e filosóficas.

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da 2001 essa superintendência foi extinta, criando em seu lugar, a Agencia de Desenvolvimento da

Amazônia (ADA), que estava ligada ao Ministério da Integração Nacional (241).

Da sua criação, em 1997, até metade de 2001, o PP-G7 aportou cerca de US$ 233 milhões na

região norte, como na figura abaixo, segundo SILVA (2003) (242).

Total de Investimentos na Região Amazônica Aportados pelo PP-G7, Totalizando (US$ 233 milhões)

CAPITAL EXTRANGEIRO

US$ 198 milhões

85%

CAPITAL NACIONAL

US$ 35 milhões

15%

FONTE: SILVA (2003)

No Governo de Fernando Henrique Cardoso, encontrou-se o Plano Avança Brasil, conhecido

como Brasil em Ação, que objetivava o desenvolvimento da região, porém com um enfoque diferente

dos planos dos governos militares e do Presidente Sarney, em que o Estado era o principal fornecedor

de recursos, fornecendo incentivos ficais ou financiamentos com juros subsidiados, como exemplo

temos os Programas PROBOR I, II e III. O Avança Brasil voltava a abordar temas como a integração

nacional e redução das desigualdades regionais, fortalecendo a ocupação de novas áreas. Para a

Amazônia o plano previa definição de eixos de integração regional, a realização de pesquisas para o

zoneamento “ecológico-econômico”, desenvolvimento do ecoturismo e implantação de áreas para

atividades agroindustriais, especialmente para oleaginosas. Entretanto, esse plano sofreu muitas críticas

241 (SILVA, 2003). A vertente do Manejo dos Recursos Naturais (Pró-Manejo) demorou a ser construída e só passou a avançar a partir do ano 2000, após a seleção de algumas áreas para implantação e projeto demonstrativos, escudando-se, inclusive, nos erros e acertos dos projetos PD-A. No final do ano 2000 e nos primeiros meses de 2001 a mídia expôs exaustivamente a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) à opinião pública, trazendo à tona denúncias de má aplicação e desvio de recursos, além de práticas de corrupção naquela autarquia. No final de abril de 2001 a SUDAM foi extinta. Para sucedê-la, foi criada Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), ligada ao Ministério da Integração Nacional. Substituiu-se uma autarquia por outra, só que agora qualificada como Agência. 242 (SILVA, 2003). Até a metade de 2001 o PP-G7 havia aportado aproximadamente US$ 233 milhões na região, sendo cerca de US$ 198 milhões de fontes externas e US$ 35 milhões de contrapartida nacional.

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por parte da opinião pública, desse modo o Governo prometeu relatar os impactos do plano na região

(243).

Ao longo desses quatro séculos, muitas espécies vegetais foram exploradas economicamente e

muitas outras descobertas, o que incrementou o número de produtos nativos do Brasil no mercado

mundial e desenvolveu a tecnologia no setor florestal. Inicialmente, a inserção desses produtos foi

devido à expansão comercial européia, incentivada pelo atraso tecnológico da agricultura, química e

farmacopéia, depois, foi motivada pela revolução industrial, iniciada na Inglaterra, pela concorrência

entre os países, pelo aumento da população e pelo aumento do poder aquisitivo das pessoas (244).

Desde a chegada de Vicente Yañes Pinzon na Amazônia, em 1500, até os dias atuais, essa

região passou por várias fases, e para cada uma delas houve ações do governo e estrutura produtiva

diferentes, mas sempre a ocupação seguiu aos interesses do capitalismo, através do extrativismo

vegetal, unido à economia primária exportadora da região (245). Paulatinamente, a questão da

conservação da floresta amazônica, ganhou importância ambiental, em escala mundial. Evidencia-se

que a economia regional sustentará a floresta por um bom período de tempo, principalmente

utilizando-se de práticas sustentáveis, pois a natureza da região protege os recursos hídricos e conserva

os recursos naturais. Para isso continuar, os futuros governantes devem tratar o desenvolvimento da

região observando a importância da floresta amazônica, como fator de equilíbrio planetário. “A

tendência atual da economia amazônica aponta para a diversificação da utilização dos seus recursos

florestais” (246).

A situação da produção de borracha cresceu, até 1912, onde alcançou seu auge,

predominando, nesse período, a produção dos seringais nativos, evidenciando o Brasil como o maior

exportador mundial. Após vinte anos, a quantidade extraída de látex caiu drasticamente, frente à

concorrência do oriente, predominando o domínio da borracha asiática no mercado mundial. A partir

de 1933 a produção brasileira voltou a crescer até 1947 impulsionada pela invasão dos seringais

243 (SILVA, 2003). E, finalmente, chegamos ao Plano Avança Brasil, do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Lançado no primeiro governo, com o nome de Brasil em Ação, o Plano pretendia ser, a rigor, um plano de desenvolvimento. Porém, com uma ótica totalmente diferente daquela predominante nos Planos dos governos militares e do Presidente Sarney, quando o Estado era o principal aportador de recursos para financiar o desenvolvimento, através de incentivos fiscais ou de financiamentos com juros subsidiados – a exemplo dos Programas de Heveicultura (PROBOR I, II e III), para ficar só num exemplo. O Avança Brasil definiu eixos de integração nacional e de desenvolvimento, como principal referência para abordar a questão regional. Voltou a abordar as temáticas da integração dos espaços regionais, da redução das desigualdades entre regiões e da ocupação de novas fronteiras de desenvolvimento, numa analogia com os Planos de Desenvolvimento Nacional anteriormente formulados, e discutidos em nossos artigos anteriores. Com relação à Amazônia, o Plano destaca a realização de estudos para a definição de eixos de integração regional, o zoneamento ecológico-econômico, estratégias para o desenvolvimento do ecoturismo e implantação de complexos agroindustriais referentes a oleaginosos. Após sofrer pesadas críticas dos ambientalistas pela concepção amazônica do Avança Brasil, o Governo prometeu fazer uma reavaliação dos seus impactos na região. A questão em aberto e deverá gerar ainda muitas discussões. É esperar para ver, e avaliar melhor, mais adiante. 244 (SILVA, 2003). No decorrer dos ciclos de produtos extrativos da Amazônia ocorridos ao longo de quatro séculos, várias espécies vegetais foram descobertas e exploradas economicamente, possibilitando a incorporação de inúmeros produtos florestais ao mercado internacional, bem como a criação de novos hábitos de consumo, como foi o caso do cacau. No início, a descoberta e incorporação desses produtos ocorreram no bojo da expansão comercial européia, e motivadas por atrasos na agricultura, química e farmacopéia. Depois, ocorreram motivadas pela revolução industrial Inglesa; pela concorrência comercial entre países; pelo aumento populacional, e pela elevação do poder aquisitivo da população. 245 (MIRANDA NETO, 1991). Desde a chegada de Vicente Yañes Pinzon, em 1500, até nossos dias, a Amazônia atravessou várias fases e em cada uma delas as ações governamentais e a estrutura produtiva foram diferentes. Entretanto, desde sempre, o povoamento obedeceu aos interesses da expansão do capitalismo através do extrativismo vegetal que, por seu turno, atrelou-se à economia de modelo primário exportador. 246 (SILVA, 2003). Nos últimos decênios do século passado a floresta amazônica assumiu importância ambiental que extrapolou as fronteiras do país. As evidências demonstram que a floresta persistirá sustentando parcela ponderável da economia regional e que a sua importância para o suprimento de água e equilíbio geral do planeta continuará aumentando exponencialmente. Isso poderá resultar em conseqüências sociais positivas no Âmbito regional, nacional e até mesmo internacional. Desde que os governantes tenham clareza do papel e da importância da floresta amazônica não só para o continente americano, mas para todo o planeta. A tendência atual da economia amazônica aponta para a diversificação da utilização dos seus recursos florestais.

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asiáticos pelos japoneses na Segunda Guerra Mundial. Depois de 1948 até 1973 a produção oscilou,

sem alcançar jamais o recorde de 1912 (42 mil toneladas), pois, também, nesse período a concorrência

com a borracha sintética foi acirrada (247). A figura abaixo mostra a produção de borracha natural no

Brasil até 1996.

247 (SILVA, 2003). Até 1912, cresceu de forma continuada, encerrando, naquele ano, a fase áurea da borracha; esse longo período marcou o predomínio da produção dos seringais nativos, e do Brasil como maior exportador mundial. Nos vinte anos seguintes decresceu drasticamente, face à concorrência da produção asiática; nesse período a borracha dos seringais cultivados na Ásia passou a dominar totalmente o mercado mundial. A partir de 1933 a produção brasileira voltou a crescer, até 1947, impulsionada pelo esforço de reativação dos seringais nativos no período da Segunda Guerra Mundial. De 1948 a 1973 a produção foi oscilante, sem, no entanto, jamais ter voltado à produção de 42 mil toneladas, atingida em 1912; no período, ocorre a convivência da borracha natural com a sintética, bem como a consolidação da indústria nacional consumidora da matéria-prima.

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Para observar os ciclos produtivos da Amazônia, segundo o extrativismo desenvolvido na

região, deve-se observar a figura abaixo, segundo Silva 2003 (248).

CICLO DAS DROGAS DO

SERTÃO cravo, canela,

cacau, baunilha, plantas

medicinais

1700

CICLO DO CACAU

1850

CICLO DA BORRACHA

1930

MÚLTIPLOS PRODUTOS

DA FLORESTA borracha, castanha, guaraná e pau-rosa

1970

CICLO DA MADEIRA

2004

1641 1691 1741 1791 1841 1891 1941 1991

FONTE: SILVA (2003)

1.2.1. Termos usados no extrativismo

Para entender melhor o termo “extrativismo” deve-se conhecer os termos empregados no

processo de extração dos recursos naturais, bem como suas relações.

O Seringal Tradicional ou nativo é a expressão usada na Região Norte para designar o

local onde se praticava exclusivamente o extrativismo, podendo coexistir com a agricultura de

subsistência e a importação de bens de consumo, onde para adquirir esses bens o extrativista

acabava por ficar dependente do patrão (249).

Patrão ou seringalista é o dono da terra onde o seringueiro trabalha, ele é responsável pela

venda de todo o produto que sai de sua propriedade, isso proporciona uma forma de manter o

seringueiro fixado em sua terra, já que o patrão paga a este, preços baixos pelos produtos

extraídos e cobra valores exorbitantes pelos bens que o ribeirinho e sua família necessitam. RUEDA

(2003) menciona essa relação da seguinte forma:

248 (SILVA, 2003). Uma primeira aproximação temporal (período e duração) dos ciclos de produtos extrativis florestais da Amazônia, pode assim ser resumida: i) Ciclo das drogas do sertão, 60 anos (1941 a 1700) – principais produtos: cravo, canela, cacau, baunilha e plantas medicinais; ii) Ciclo do cacau, 150 anos (1701 a 1850); iii) Ciclo da borracha, 80 anos (1851 a 1930); iv) Ciclo de múltiplos produtos da floresta, 40 anos (1931 a 1970) – principais produtos: borracha, castanha, guaraná e pau-rosa; e v) Ciclo da madeira (de 1971 em diante) – hoje com cerca de 400 espécies comerciais. 249 (RUEDA, 2003). O “Seringal tradicional”, expressão sócio-econômica da Região, tinha as seguintes características: exclusividade do extrativismo e ausência de agricultura; importação dos principais bens de consumo, deixando os seringueiros em total dependência do patrão;

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“... custo de produção garantido pelo patrão, porém sem deixar margem de lucro ao

seringueiro; era uma maneira de não deixá-lo sair da atividade, pois sempre era mantido como

devedor do seu patrão; descontos excessivos na pesagem da borracha e fixação de preços

baixos”.

O seringueiro é a pessoa responsável pela coleta de látex da seringueira numa

propriedade. Geralmente é o homem responsável por uma família e está subordinado ao patrão

ou o dono das terras. Ele chega a trabalhar até 6 meses por ano (período de estiagem ou com

poucas chuvas) e complementa sua renda e seu tempo com extração de outros produtos (como

castanha, açaí, entre outros), além de se dedicar à agricultura de subsistência e à pesca. A

família também ajuda em muitas dessas atividades. Cada vez é mais raro encontrar seringueiros,

pois o sistema econômico da coleta na região vem ignorando suas necessidades e seus direitos,

resultando num êxodo dessas populações das regiões produtoras ou seringais (250).

As relações de trocas entre seringueiros, que fornecem borracha, e seringalistas, que

fornecem os bens de consumo, são registradas em contas-correntes. Nessas trocas comerciais

sempre o seringueiro acaba por endividar-se, e estabelece um compromisso de resgatar sua

dívida com o patrão a partir do seu trabalho de extração na mata. Mas, nunca o seringueiro

consegue lucrar com seus resultados, assim surge, segundo TEIXEIRA (1981)(251), os chamados

“vínculos de reciprocidade” e que no seringal caracteriza-se mais precisamente pela existência

de relações de dependência pessoal:

“Tais relações, sem dúvida monopolizadas pelo seringalista, exprimem-se numa prática de

constantes e renovadas doações e prestações de serviços, que de um lado (o do patrão),

incluem pequenos favores como o patrocínio de um casamento ou o cuidado de um doente e

do outro, (o do freguês), compreende a oferta de bens e serviços através dos quais manifestam-se

intenções e gestos de gratidão; um pedaço de caça ou de peixe, um serviço doméstico prestado

pela mulher, etc., são manifestações que exprimem esse reconhecimento”.

Existiu formas de evitar ou sair do sistema de grande endividamento, e até mesmo

escravidão imposto pelo patrão no seringal. Uma delas foi o arrendamento das terras, que

consiste num contrato entre o dono da terra e o interessado em explorá-la. O arrendamento pode

ocorrer quando indivíduos se interessam em explorar seringais de outrem ou quando seringueiros

dispostos à venderem sua produção por conta própria arrendam terras de seus antigos patrões.

250 (GOGELS, 1972) Espoliado pelo sistema econômico da coleta, o extrativista está ficando cada vez mais raro. Em todas as zonas produtoras há reclamações contra o “êxodo” das populações, sobretudo dos seringais. 251 “As relações entre seringueiros e seringalistas se apoiariam nas trocas comerciais efetuadas no barracão, garantidas por um registro especial de contas-correntes. É sabido que os seringueiros enfrentam quase sempre uma situação de endividamento crônico dada a sucessiva exploração a que estão submetidos. O que sobressai é que esse endividamento passa a ser um elemento (positivo enquanto motivação para superá-lo) perfeitamente incorporado à dinâmica das relações mercantis; tanto é assim que ao lado dele surgem outros, como o saldo, que é exatamente a sua negação, e que concorre também para dar substrato à essas relações. Ao fazer o aviamento junto ao barracão e internar-se na mata para trabalhar, o seringueiro estabelece um compromisso com o patrão de saldar uma determinada dívida, que, a partir de então, passa a ser um instrumento de controle sobre si mesmo. “De fato, essas relações consideradas “em si mesmas”, quer dizer, consideradas do ponto de vista estritamente mercantil até podiam, em circunstâncias normais ser favoráveis ao seringueiro. Contudo, sendo elas encobridoras de relações estranhas ao livre comércio, nunca o seringueiro podia beneficiar-se dos seus resultados. Um segundo mecanismo de controle prende-se ao que chamo de “vínculos de reciprocidade” e que no seringal caracteriza-se mais precisamente pela existência de relações de dependência pessoal”.

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No primeiro caso, segundo TEIXEIRA (1981)(252), estabelece-se um contrato por dois ou três anos e

a renda é paga em dinheiro (calculada sobre a capacidade produtiva média das estradas) e o

arrendatário administra o seringal como se fosse o proprietário. Já no segundo caso, quando é

feito por seringueiros, a renda é paga em espécie (20% da produção mensal ou quinzenal),

estabelecendo-se para isso um simples acordo verbal, desse modo, o proprietário permanece no

local e vende os produtos de primeira necessidade como também compra a produção de

borracha a preços estipulados pelo seringueiro.

Como os seringueiros estão distribuídos esparsamente na floresta, quase sempre vivem

isolados. Aproveitando-se desse isolamento e da dificuldade na circulação da produção, os

regatões, quase sempre de origem Síria, são comerciantes que, viajando em suas embarcações,

sobem os rios comprando produtos extraídos e vendendo materiais importados aos ribeirinhos. Os

regatões atingem os pontos mais distantes e concorrem com o mercado dos vilarejos mais

longínquos. Ao negociarem com os extrativistas, procuram desvalorizar os produtos da região,

visando grandes lucros, e exaltar a utilidade de suas mercadorias importadas. Assim, esses

comerciantes “regateiam” (253).

Toco é uma expressão muito usada no seringal onde se procura explicar a relação de total

dependência do homem ao trabalho, significando um forte regime de submissão sócio-

econômica do trabalhador ao proprietário da terra. Como também há a designação aviamento

que consiste numa relação informal, onde o aviador – geralmente o seringalista ou proprietário da

terra – fornece mercadorias à credito ao aviado – comerciantes ou donos de “casas aviadoras”

responsáveis pela entrega de bens de consumo em troca dos produtos da floresta – que usufrui de

benefícios como ganhos de “comissões” referentes ao preço da borracha e das mercadorias,

essas relações mostram que o seringueiro é um freguês do aviado, sendo esse último um freguês

do patrão. Tanto o típico aviado como os seringueiros comuns encontram-se dependentes do

seringalista, sendo este o controlador do fornecimento dos bens de consumo e o recebimento

final da produção bem como seu destino (254). Segundo esse autor, os acordos podem acontecer

252 “O arrendamento tanto pode incluir indivíduos interessados em explorar comercialmente os seringais, como seringueiros que desejem trabalhar por “conta própria” aproveitando as dificuldades enfrentadas pelos seringalistas. Quando o arrendamento é feito por indivíduos interessados em explorar seringais, estabelece-se um contrato por dois ou três anos e a renda é paga em dinheiro (calculada sobre a capacidade produtiva média das estradas). Quando é feito por seringueiros, a renda é paga em espécie (20% da produção mensal ou quinzenal), estabelecendo-se para isso um simples acordo verbal. No caso do arrendamento ser feito por “capitalistas” (comerciantes), o mesmo ocupa o seringal como se fosse o próprio patrão, revestindo-se da autoridade necessária para administrá-lo. Quando feito por seringueiros, estes apenas ocupam as colocações, de onde partem para explorar um certo número de estradas (picadas que se abrem no meio da mata, e que acompanham as concentrações de seringueiras, criando condições para que o trabalho extrativo possa ser realizado). O proprietário do seringal, nesse caso, continua a permanecer no local e normalmente é quem vende mercadorias para o seringueiro e compra a borracha que este produz”. 253 (COGELS, 1972).“As grandes distâncias a percorrer, de uma comunidade para outra, levantam uma autêntica barreira social de comunicação e um poderoso obstáculo para a circulação da produção em conseqüência da incidência do custo dos transportes sobre o valor das mercadorias. O famoso “regatão” é outro que aproveita da boa fé dos caboclos. Os regatões são quase sempre de origem Síria. Com suas embarcações sobem os rios procurando comprar os produtos da terra e vender os produtos importados. Esses comerciantes atingem os pontos mais distantes do interior, em concorrência com os estabelecimentos das pequenas vilas. Discutem com os caboclos, o preço, a excelência, a utilidade da mercadoria que trazem e visando a lucros excessivos procuram desvalorizar a produção local que querem comprar. Regateiam. Por isso recebem o nome de “regatões””. 254 (TEIXEIRA, 1981). “A designação toco, correntemente empregada no seringal, prende-se ao fato do indivíduo viver praticamente preso ao trabalho, querendo significar socialmente um regime em que o trabalho e a pessoa do trabalhador estão fortemente submetidos ao dono da propriedade, o seringalista. Assim o aviado é um freguês do patrão seringalista, enquanto o seringueiro passa a ser um freguês do aviado, reproduzindo-se ao nível local as características mais gerais do aviamento (relação onde as características são predominantemente informais, em que um indivíduo aviador fornece à credito, mercadorias a outrem, o aviado, podendo essa relação desdobrar-se em etapas

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no interior do seringal ou colocação como nas cidades mais próximas, assim, o seringal pode ser

entendido como:

“... concentrações de árvores em torno das quais se estabelecem as ‘estradas’

necessárias às realizações das tarefas ligadas ao corte e à colheita. Ora uma distribuição dessa

ordem resulta em que os núcleos de trabalho (as colocações) se encontrem distantes uns dos

outros, além de separados pela densa mata. E é nesse contexto que o isolamento vivido pelo

homem se torna uma condição praticamente inerente ao extrativismo”.

O sistema de aviamento consistia numa relação de troca e lucro apenas para uma parte,

onde o comerciante, ligado ao mercado externo, adiantava ao seringueiro bens de consumo em

pagamento pela coleta da borracha. O extrativista, trocava sua produção por produtos

necessários à sobrevivência dele e de sua família a preços altíssimos (255).

A palavra colocação se refere à área destinada ao extrativismo dos recursos naturais, é a

unidade de produção do seringueiro, formada por seringueiras, dispersas na floresta naturalmente,

com densidade populacional de aproximadamente uma árvore por hectare (256). Normalmente

possui 3 (três) estradas de seringueiras abrangendo em torno de 500 há (*), também consiste na

área da casa do patrão e também a casinha onde mora o seringueiro, no barraco onde se

encontra o defumador – que é uma fornalha destinada ao processamento da borracha – no

igarapé e no roçado no interior da mata, até o Barracão situado na beira do rio (257). As estradas

são picadas que se abrem no meio da mata, e que acompanham as concentrações de

seringueiras, visando o melhor aproveitamento da área e a maior produtividade do seringal.

Todos os conhecimentos acerca dos processos de coleta, beneficiamento,

armazenamento e utilização dos produtos da floresta e demais vegetações foram acumulados

num período de séculos e passados de geração para geração por via oral, a esse conhecimento

chama-se de cultura tradicional. Que tem as seguintes características (258):

sucessivas, indo desde os acordos estabelecidos nas praças regionais entre seringalistas e comerciantes donos de “casas aviadoras”, a esses que se dão no interior do seringal entre seringalistas e aviados).O aviado usufrui de alguns benefícios que normalmente consistem em ganhos de “comissões” referentes ao preço da borracha e das mercadorias. Vale a pena observar que onde existe o aviado tal relação é de algum modo diferenciada – ou sofre variações – embora isso não altere substancialmente a natureza do sistema. No âmbito mais amplo do seringal, tanto este típico aviado como os seringueiros comuns encontram-se sob a dependência do patrão seringalista; este controla tanto o fornecimento de mercadorias como o recebimento final da produção ”. 255 (MIRANDA NETO, 1991). “aviadores” (sistema de aviamento – o comerciante de Belém ligado ao comércio externo adiantava ao coletor do látex os mantimentos necessários à sua sobrevivência e recebia em pagamento o produto da coleta. O seringueiro, último elo da cadeia econômica, comprava dos “aviadores” os suprimentos essenciais a preços altíssimos) 256 (RUEDA, 2003). “colocação”, unidade de produção do seringueiro, formada pela dispersão natural e sinuosa das espécies vegetais. 257 (TEIXEIRA, 1981). “Estabelece-se pois através do toco uma certa forma de relação social que se estende desde a colocação (núcleo em torno do qual se organiza o trabalho e a produção no interior do seringal; constitui-se de uma pequena barraca onde mora o seringueiro, de uma casinha onde se encontra o “defumador”, que é uma fornalha destinada ao processamento da borracha, das estradas de seringa, do igarapé e do roçado) no interior da mata, até o Barracão situado na beira do rio”. 258 (RUEDA, 2003). “a) dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir do qual se constroe um “modo de vida”; b) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido de geração em geração por via oral; c) noção de território ou espaço onde o grupo se reproduz econômica e socialmente; d) moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra dos seus antepassados; e) importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação com o mercado; f) reduzida acumulação de capital; g) importância dada á unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; h) importância de mito e rituais associados à caça, à pesca e a atividade extrativista; i) a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o trabalho artesanal. Nele, o produtor e sua família, dominam o processo de trabalho até o produto final; j) franco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos; e k) auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras. Para entender melhor a questão das

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- conjunto de conhecimentos aprofundados e intensivos da natureza e de seus ciclos

naturais, resultando numa elaboração de uso e de manejo, na maioria das vezes, sustentável, dos

recursos naturais, mostrando uma relação de dependência e interação com os ciclos naturais e

os recursos renováveis;

- forte ligação com mitos e rituais associados à caça, à pesca e à atividade extrativista;

- importância dada á unidade familiar e às relações de amizade para o exercício das

atividades econômicas, sociais e culturais;

- noção territorial e espacial do meio onde vivem e se interagem sócio-economicamente;

- vivencia e ocupação de um mesmo território por várias gerações;

- atividades de subsistência;

- pouco ou quase nenhum beneficiamento dos produtos extraídos, coletados ou

capturados, mostrando pouca agregação de valor no decorrer dos processos produtivos. Onde a

tecnologia utilizada é relativamente simples e de baixo impacto sobre o meio ambiente.

- “reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o trabalho artesanal. Nele, o

produtor e sua família, dominam o processo de trabalho até o produto final”;

- venda da produção, desencadeando uma relação com o mercado com reduzida

acumulação de capital;

- poder político por parte de grupos próximos a centros urbanos ou onde a convivência

social é maior;

- auto-identificação ou identificação de culturas distintas das outras.

Nos eventos de predação e conservação da natureza foi possível perceber que existiam

comunidades com capacidade de utilizar usando de práticas sustentáveis. Essas comunidades

foram chamadas de Populações Tradicionais, que tem como característica uma longa “tradição

de cultura e preservação dos valores”. RUEDA (2003) afirma que a evolução do homem e suas

mudanças têm ocorrido, cada vez mais rápido, principalmente nos últimos 50 anos, e que nesse

processo acelerado se perdeu parte de suas tradições e valores, que podem ser ainda

encontrados e resgatados nas populações tradicionais. Porém, essas comunidades tradicionais

possuem também uma dinâmica, estando em constantes mudanças, afetadas pelo meio em que

têm contato. “Estas mudanças não descaracterizam o tradicional, desde que sejam preservados

os principais valores que fazem dela uma população conservadora do meio ambiente” (259).

populações tradicionais é fundamental entender sua cultura que está intimamente dependente das relações de produção e de sobrevivência. O professor Diegues enumera as seguintes características das culturas tradicionais: ”. 259 (RUEDA, 2003). A análise da destruição e da conservação dos recursos naturais, permitiu perceber a existência de populações capazes de utilizar e ao mesmo tempo conservar tais recursos, estes grupos humanos passaram a ser chamados de “Populações Tradicionais”. No nosso entendimento, a idéia de Populações Tradicionais está essencialmente ligada à preservação de valores, de tradições de cultura. Ao longo da sua história, o homem através de múltiplas experiência e situações vivenciadas, tem alcançado importantes conquistas que o fazem avançar, que elevam sua dignidade de espécie humana. Acontece que o ritmo das mudanças, a velocidade das descobertas tem crescido em ritmo geométrico, nos últimos 50 anos, tornando obrigatória a consolidação de certos valores, ou então o resgate de valores que apenas são conservados por populações tradicionais; caso contrário, podem ser jogadas ao esquecimento conquistas seculares da humanidade. As populações tradicionais são, portanto, dinâmicas, estão em constante mudança, em sintonia com as mudanças que

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1.2.2. Características da região

As descrições abaixo foram baseadas na publicação Ecossistemas Brasileiros, IBAMA (2001),

MIRANDA NETO (1991) entre outros autores mencionados posteriormente.

ASPECTOS GEOFÍSICOS (260)

A Amazônia está localizada na zona equatorial, representando cerca de 60% do território

nacional ou a vigésima parte da superfície terrestre, possuindo em torno de 5 milhões de km²

identificada como Amazônia Legal – definida em lei para efeitos de incentivos fiscais que inclui os

Estados da Região Norte e norte de Goiás, Tocantins, Parte de Mato Grosso e a parte a oeste do

meridiano 44º no Maranhão.

Possui um clima bastante uniforme devido à localização equatorial e às pequenas

altitudes. As temperaturas médias anuais podem ser superiores a 27ºC, sendo a média mais

quente um pouco superior à do mês mais frio. A pluviosidade fica em torno de 2.500 mm e a

umidade relativa do ar é, geralmente, superior a 80%, sendo que nos períodos de estiagem, pode

chegar até 60%.

A grande diversidade geológica, aliada ao relevo diferenciado, resultou na formação das

mais variadas classes de solo, sob a influência das grandes temperaturas e precipitações,

características do clima equatorial quente superúmido e úmido. Contudo, a fertilidade natural dos

solo é baixa, em contraste com a exuberância das florestas ombrófilas (úmidas) que nelas se

desenvolvem (IBAMA, 2001).

ABUNDÂNCIA DE ÁGUAS (261)

ocorrem na região e que chegam até elas. Estas mudanças não descaracterizam o tradicional, desde que sejam preservados os principais valores que fazem dela uma população conservadora do meio ambiente. 260 (MIRANDA NETO, 1991). ASPECTOS GEOFÍSICOS – Localizada na zona equatorial, a Amazônia representa cerca de 60% do território nacional ou a vigésima parte da superfície terrestre. Possui perto de 5 milhões de km² se identificada com Amazônia Legal, definida em lei para efeito de incentivos fiscais, e que inclui os Estados da Região Norte e o norte de Goiás, Tocantins, parte de Mato Grosso e a parte a oeste do meridiano 44º no Maranhão. A localização equatorial e a pequena altitude proporcionam à Amazônia um clima bastante uniforme. As temperaturas médias anuais são algo superiores a 27ºC, sendo a média mais quente ligeiramente superior à do mês mais frio. A pluviosidade fica em torno de 2.500 mm. A umidade relativa do ar é, via-de-regra, superior a 80%, podendo, nos meses de estiagem, descer até a 60%. 261 A vida, na Amazônia, depende do Sol e da água. Os rios, as marés e as cheias fertilizam, comunicam, transportam, intercambiam seres e riquezas. A energia naturalmente gerada nesse processo é em grande parte desperdiçada. Com uma extensão estimada em 25.000 km de rios navegáveis na parte brasileira, a rede fluvial da região, em termos de utilização como um sistema natural de transporte, assume enorme significação regional, nacional e internacional, com um mínimo de gastos em conservação, como se fora uma rede viária definitiva. A planície amazônica resulta de milhões de anos de evolução e grande parte de sua área é formada de terras firmes ou terras altas compostas de solos antigos, nos quais correm os rios de “água preta” (rios transparentes, com baixo teor de sais dissolvidos e conhecidos como “rios de fome”, pelo pequeno potencial que apresentam na produção de meios de subsistência). Outra parcela é ocupada pela várzea rejuvenescida anualmente com os sedimentos trazidos pelos rios de “água branca” (rios barrentos, pois acumulam uma carga de minerais suspensos altamente solúveis, que se deposita em parte nas várzeas formando uma camada de solo novo no velho terreno) constituindo dois habitats distintos, dois ecossistemas com características e potenciais bastante diferentes. O regime e a época das enchentes e vazantes não são os mesmos em todos os rios. Variam de altura, intensidade, duração e período... Os tributários meridionais enchem e vazam em épocas diferentes dos afluentes setentrionais, fenômeno que se explica pela queda das chuvas em épocas distintas nas cabeceiras dos altos rios, afluentes de uma e de outra margem”. Essa diferença dá um caráter peculiar aos povos ribeirinhos cujo fabrico, safras, corte, “viração”, e pesca existem em função desse regime de chuvas/cheias, verões/secas. Inclusive atua como fator de reequilíbrio do sistema. O Amazonas, principal rio da região, possui, numa distância de 3.000 km, entre a fronteira peruana e o oceano, um declive de apenas 65 metros. Onze de seus afluentes correm por mais de 1.600 km sem formarem cachoeiras ou corredeiras. É a maior bacia hidrográfica do mundo, com uma área avaliada em cerca de 7 milhões de km², sendo responsável por 1/5 de toda a água doce que é despejada nos oceanos.

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O Amazonas é o principal rio da região com uma distância de 3.000 km entre a fronteira

peruana e o oceano, possui um declive de apenas 65 metros, dessa forma, onze de seus afluentes

correm por mais de 1.600 km sem formarem cachoeiras ou corredeiras. É a maior bacia

hidrográfica do mundo, com área de aproximadamente 7 milhões de km², sendo responsável por

1/5 de toda a água doce do mundo que é despejada nos oceanos. A rede fluvial – como se fora

uma rede viária definitiva – possui enorme significado regional, nacional e internacional em termos

de utilização como sistema natural de transporte, proporcionando um mínimo de gastos em

conservação.

Estima-se uma extensão de 25 mil km de rios navegáveis, na parte brasileira. Como os rios

comunicam-se, transportam e intercambiam a biota, os nutrientes e as riquezas, conclui-se que as

marés e as cheias são responsáveis pela fertilidade da região. A planície amazônica é o resultado

de milhões de anos de evolução, com grande parte de sua área formada de terras firmes ou

terras altas compostas de solos antigos, onde correm os chamados ‘rios de águas pretas’ – rios

transparentes com baixo teor de sais dissolvidos e baixo potencial para produção alimentos –

outra parcela é ocupada pela várzea, que é fertilizada anualmente com sedimentos trazidos

pelos rios de ‘água branca’ – rios barrentos, já que carregam uma carga de minerais solúveis

suspensos na água, onde parte se deposita nas várzeas formando uma camada de solo novo –

constituindo, desse modo, dois habitats distintos, ou ecossistemas com características e potenciais

bastante diferenciados.

O regime das marés, não são os mesmos em todos os rios, já que variam de altura,

intensidade, duração e período. “Os tributários medirionais enchem e vazam e épocas diferentes

dos afluentes setentrionais, fenômeno explicado pela queda das chuvas em épocas distintas nas

cabeceiras dos altos rios, afluentes de uma e de outra margem”. Para os ribeirinhos esse regime

de chuvas e cheias, bem como verões e secas, influencia certas atividades como extração,

safras, captura, corte e pesca, atuando como fator de reequilíbrio do sistema.

RIQUEZA MINERAL (262)

262 (MIRANDA NETO, 1991). Para completar toda essa gama de feliz combinação de condições, todos os grandes complexos de aproveitamento mineral já detectados e em vias de operação estão à margem desses rios ou deles podem se utilizar intensamente com a construção de acessos que a economicidade do transporte fluvial viabiliza plenamente. É incontestável a riqueza em reservas minerais da região amazônica, onde são gerados cerca de 1,5 bilhão de dólares por ano. Incontáveis os projetos que por lá se instalaram: Grande Carajás, Jarí, Icomi, Albrás/Alunorte.” Em decorrência de um aumento significativo do nível de conhecimentos sobre a geologia e as possibilidades minerais da Amazônia, certifica-se cada vez mais a existência de potencial vasto e diversificado. Alguns bens minerais de valor econômico comprovado já foram qualificados e são suficientemente conhecidos. O aproveitamento destes recursos, em bases que não agridam em demasia o seu ambiente natural, poderá criar, num processo de interação, meios de se desenvolver uma infra-estrutura condigna com a riqueza ali existentes. À guisa de exemplos, vale ressaltar as jazidas de: - ferro – a principal jazida de ferro situa-se na serra de Carajás, ao Sul do Pará, com uma reserva prospectada considerável de minério de alto teor. Outro distrito ferrífero é o de Jatapu, nas vizinhanças de Manaus. - manganês – a principal é a da serra do Navio, no Estado do Amapá, explorada pela ICOMI, que ingressou numa fase de industrialização primária, instalando uma usina de pelotização. No vale de Itacaiúnas também existem jazidas de manganês. - bauxita – utilizada como matéria-prima para a produção de alumínio, é um minério que na região amazônica encontra condições bastante favoráveis para se acumular. A área onde ocorre forma um polígono que abrange o médio e o baixo Amazonas. - cassiterita: utilizada como matéria-prima do estanho, a cassiterita tem, na região do alto Xingu, Estado de Rondônia, o seu mais importante produtor. - caulim – existem, pelo menos, duas importantes reservas deste mineral não-metálico, usado na fabricação de papel e celulose. Uma no Estado do Amapá, e outra no município paraense de São Domingos do Capim.

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A riqueza em reservas minerais da região amazônica é incontestável, sabendo que são

gerados anualmente cerca de 1,5 bilhão de dólares. Vários projetos já foram instalados na região

como: Grande Carajás, Jarí, Icomi, Albrás/Alunorte.

Muitos estudos geológicos fazem-se conhecer as possibilidades minerais da Amazônia,

reafirmando a existência de enorme potencial e grande diversidade de minérios. O

aproveitamento destes recursos, em bases de mínimo impactos possíveis para essa prática, não

agredindo em demasia o meio ambiente natural, poderá fornecer meios de se desenvolver uma

infra-estrutura condigna com as riquezas ali existentes. Como exemplos, podem-se ressaltar as

jazidas de:

- ferro – a principal jazida está situada na serra de Carajás, ao Sul do Pará, e a de Jatapu, nas

vizinhanças de Manaus.

- manganês – a principal é a da serra do Navio, no Estado do Amapá, explorada pela ICOMI,

também existe muito desse minério no vale de Itacaiúnas.

- bauxita – é encontrada em área que forma um polígono abrangendo o médio e o baixo

Amazonas, já que nessa região a bauxita encontra condições favoráveis para se acumular. Esse

mineral é usado como matéria-prima para a produção de alumínio.

- cassiterita – maior produtor encontra-se na região do alto Xingu, Estado de Rondônia. É utilizada

como matéria-prima do estanho.

- caulim – existem, pelo menos, duas importantes reservas: uma no Estado do Amapá, e outra no

município paraense de São Domingos do Capim. Esse mineral não-metálico é usado na

fabricação de papel e celulose.

- sal-gema – possui depósitos gigantescos na bacia sedimentar da Amazônia, possibilitando certa

exploração econômica.

BIOMA AMAZÔNIA (263)

- sal-gema – ao formar depósitos gigantescos na bacia sedimentar da Amazônia, possibilita certa exploração econômica..

263 (MIRANDA NETO, 1991). As árvores são 50% mais altas do que as de zona temperadas e o número de espécies é mais de vinte vezes superior ao das florestas européias. As matas são tão heterogêneas que se torna problemático identificar duas árvores da mesma espécie numa determinada área, o que dificulta a exploração. É interessante notar, sobretudo, que “existe uma relação sistêmica entre o clima e a vegetação, caracterizada por um estado de equilíbrio dinâmico. No caso da floresta amazônica, sua influência neste equilíbrio é especialmente importante”, haja visto que “a recirculação d água dentro da própria região não é desprezível em relação à água “importada” sob a forma de vapor do oceano Atlântico. Este equilíbrio é atingido progressivamente: a maior umidade do solo propicia o crescimento de vegetação mais densa, esta faz aumentar o tempo de permanência da água na região através da reciclagem mais intensa do vapor d’água, devido à maior evapotranspiração; com mais água disponível, a vegetação pode se desenvolver mais ainda, e assim por diante, até que se atinja o estado de equilíbrio”. A vegetação natural inclui ainda uma grande variedade de plantas que apresentam raízes comestíveis, frutas, sementes, castanhas ou bagas, a maior parte explorada pelo homem. Devido à sua dispersão, o aproveitamento de tais recursos requer bastante tempo, assim como mão-de-obra em certo sentido especializada, e acesso a uma grande área. Uma de suas mais importantes funções é a de contrabalançar ao efeitos prejudiciais do clima, interrompendo ou reduzindo a erosão e a lixiviação. Existe uma relação sistêmica entre o clima e a vegetação, caracterizada por um estado de equilíbrio dinâmico. No caso da floresta amazônica, sua influência neste equilíbrio é especialmente importante”, haja visto que “a recirculação d água dentro da própria região não é desprezível em relação à água “importada” sob a forma de vapor do oceano Atlântico. Este equilíbrio é atingido progressivamente: a maior umidade do solo propicia o crescimento de vegetação mais densa, esta faz aumentar o tempo de permanência da água na região através da reciclagem mais intensa do vapor d’água, devido à maior evapotranspiração; com mais água disponível, a vegetação pode se desenvolver mais ainda, e assim por diante, até que se atinja o estado de equilíbrio”. As espécies de maior valor econômico são a Hevea brasiliensis e a Hevea benthamiana. A borracha natural é o produto da coagulação do látex destas árvores, sendo que a Hevea brasiliensis nativa se encontra por praticamente toda a extensão do vale, destacando-se, como sua principal zona ecológica, a região dos altos rios, à margem direita do grande rio Amazonas. À margem esquerda parece predominar a segunda espécie mencionada – a Hevea benthamiana – que, em conjunto com a brasiliensis, é responsável por altíssimo percentual de produção de borracha na região. A riqueza do seu látex possibilita, conseqüentemente, uma produção de superior qualidade, mais procurada, por isso, para a utilização comercial e

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A Amazônia corresponde a 2/5 da América do Sul e a metade do Brasil, formando assim, a

maior floresta tropical existente no planeta. Ela equivale a 1/3 das reservas de florestas tropicais

úmidas e ao maior banco genético mundial. “A floresta Amazônica é um ecossistema auto-

sustentável. Ou seja, é um sistema que se mantém com seus próprios nutrientes num ciclo

permanente. Os ecossistemas amazônicos são sorvedouros de carbono, contribuindo para o

equilíbrio climático global. Existe um delicado equilíbrio nas relações das populações biológicas

que são sensíveis a interferências antrópicas” (IBAMA, 2001).

Uma função importante da vegetação natural “é a de contrabalançar os efeitos

prejudiciais do clima, interrompendo ou reduzindo a erosão e a lixiviação”. Essa relação entre o

clima e a vegetação possui um caráter sistêmico, caracterizado por um estado de equilíbrio

dinâmico. A floresta amazônica possui uma enorme influência sobre este equilíbrio, sabendo que

a recirculação de água dentro da própria região não é desprezível em relação à água vinda do

oceano Atlântico, sob forma de vapor. Com o aumento da umidade do solo, a vegetação

cresce mais densa, aumentando, dessa forma, o tempo de permanência da água na região,

através da evapotranspiração. Quanto mais disponível a água se encontrar mais a vegetação de

desenvolve, até atingir um estado de equilíbrio.

Os solos de terra firme são uma das formações mais antigas do planeta, e sua cobertura

sedimentar moderna foi formada durante o período terciário. Essa formação geológica junto à

temperatura quente e às chuvas fortes geraram uma infertilidade aos solos amazônicos, já que a

água proveniente das chuvas ao infiltrar na terra, dissolveu os minerais, carregando-os para os rios

num processo conhecido como lixiviação. E mesmo com tamanha infertilidade, esses solos

ostentam uma rica vegetação, pois há uma grande camada vegetal se decompondo sob um

solo raso sobreposto a um subsolo de argila e areia.

No coração da bacia amazônica, encontra-se a área de várzea, que “à proporção que o

rio se alarga ela também se expande. Acima do rio Negro, sua largura é inferior a 25 km, e no

delta atinge cerca de 200 km. O solo é rejuvenescido por uma camada de aluviões férteis e o

ciclo vital é determinado mais pela enchente e pela vazante do rio do que pela distribuição

industrial. Ao lado destas, outras espécies se destacam como produtoras de gomas elásticas, como, por exemplo, a Manihot glaziovii, da família das euforbiáceas, e a Hancornia speciosa, da família das apocináceas. Todas, entretanto, produzem látex de qualidade inferior àquele produzido pelas Heveas. Na terra firme, os solos situam-se entre as formações mais antigas do planeta – a cobertura sedimentar moderna foi formada durante o período terciário. A conhecida infertilidade dos solos amazônicos é conseqüência dessa formação geológica aliada à temperatura quente e às chuvas pesadas: a água das chuvas se infiltra na terra, dissolvendo os minerais, carregando-os através do subsolo para dentro dos rios, no fenômeno conhecido como lixiviação. Extremamente rasos e cobertos por camadas de vegetais em decomposição, estes solos se sobrepõem a um subsolo de argila e areia. Apesar disso, a terra firme ostenta rica vegetação florestal. A várzea ocupa o coração da bacia amazônica e, á proporção que o rio se alarga, ela também se expande. Acima do rio Negro, sua largura é inferior a 25 km, e no delta atinge cerca de 200 km. O solo é rejuvenescido por uma camada de aluviões férteis e o ciclo vital é determinado mais pela enchente e pela vazante do rio do que pela distribuição sazonal da chuva. Como a fertilidade do solo é renovada pela sedimentação, as terras da várzea mantêm a produtividade, mesmo sob uso contínuo, e as safras podem ser duas ou três vezes superiores às de uma área igual em terra firme. Os recursos alimentícios da várzea caracterizam-se por serem mais concentrados e produtivos. Lá predominam as espécies mais resistentes às inundações, com abundância de palmeiras. Por estar à margem dos cursos d’água, recebe arbustos, trepadeiras e cipós, dando a falsa idéias de ser impenetrável. Quando as águas retrocedem, as plantas se propagam fornecendo sementes que atraem um grande número de pássaros de várias espécies. Os peixes são igualmente notáveis pela diversidade e abundância, oferecendo a maior variedade de recursos de subsistência. A pesca ocorre durante o ano inteiro, tornando-se mais rica quando o nível das águas está baixo. A associação de diferentes tipos de água cria um misto de lagos, lagoas e canais de águas transparentes, pretas e barrentas, que propiciam uma extraordinária variedade de condições para o desenvolvimento de plantas aquáticas e para a vida animal.

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sazonal da chuva”. Essa renovação na fertilidade do solo faz com que se mantenha uma

produtividade superior, de duas ou três vezes, às de terra firme, mesmo sob uso contínuo. Na

várzea predominam espécies resistentes às inundações e palmeiras, ocorrendo maior produção

de recursos alimentícios. Quando a maré baixa, é a época que as plantas têm para disseminar

suas sementes, que atraem um grande número de espécies de pássaros.

A Amazônia abriga uma infinidade de espécies vegetais e animais: 1,5 milhão de espécies

vegetais catalogadas; 3 mil espécies de peixes; 950 tipos de pássaros; e ainda insetos, répteis,

anfíbios e mamíferos. As árvores são superiores em altura, cerca de 50% mais altas e o número de

espécies são mais de vinte vezes superior do que as árvores de zona temperadas. A exploração é

dificultada pelo fato de que as florestas são bastante heterogêneas, desse modo torna-se difícil

identificar duas árvores da mesma espécie numa determinada área.

Na vegetação nativa pode-se encontrar uma grande variedade de plantas e espécies

com raízes e caules comestíveis, frutas, sementes, castanhas, óleos, resinas e folhas, que em sua

grande parte já foram exploradas pelo homem. Como as plantas estão bem dispersas na floresta,

a coleta de materiais de uma mesma espécie faz com que se percorra uma grande área,

consumindo, dessa forma, bastante tempo e mão-de-obra, que tenderá a ser especializada.

Uma espécie responsável por grande parte do crescimento econômico da região

Amazônica foi a Hevea brasiliensis e a Hevea benthamiana (seringueiras), que produzem uma

espécie de goma ou látex ao ser retirada (sangrada) sua casca. A primeira espécie é

praticamente encontrada em toda a extensão do vale, destacando-se a região dos altos rios, à

margem direita do rio Amazonas. A segunda espécie parece predominar à margem esquerda.

Juntas, estas espécies são responsáveis pela grande parte da produção de borracha na

Amazônia, já que possuem látex de qualidade superior aos plantios e sintéticos. Há outras espécies

que também produzem gomas elásticas, como a Manihot glaziovii e a Hancornia speciosa, cujos

látex são de qualidade inferior aos das Heveas.

As florestas tropicais abrigam uma enorme variedade de seres desconhecidos da ciência e

até dos saberes tradicionais e muitos desses seres podem ser úteis para a humanidade. Esse

número de espécies desconhecidas é muito maior que o de espécies já catalogadas e essas

conhecidas possuem utilidades ainda desconhecidas. Esse potencial de utilidades há alguns

séculos estudados e há alguns milênios explorados, ainda está longe de se exaurir. As espécies

que ainda não foram conhecidas, estudadas ou utilizadas têm uma maior chance de sobreviver

num ambiente modificado pela ação antrópica da “forma que o extrativismo as modificou”(264).

264 (DRUMMOND, 1996). Nas florestas tropicais elas abrigam enormes números de formas de vida desconhecidas da ciência e até dos saberes populares locais e que muitas dessas formas de vida podem ser úteis para a humanidade, de maneiras ainda insabidas. Um enorme catálogo de espécies existentes ainda está por ser escrito, superando em muito o catálogo de espécies conhecidas. Muitas espécies catalogadas têm utilidades potenciais ainda desconhecidas. Mesmo submetidas a milênios de extração de baixa tecnologia e a alguns séculos de pesquisas comerciais e científicas, o protencial de “utilidades” existentes nas florestas tropicais está longe de se exaurir. Essas espécies desconhecidas e/ou não-utilizadas têm uma maior chance de sobreviver (até serem descobertas e estudadas) se as florestas nas quais evoluíram continuaram a ser ao menos as florestas modificadas pela ação humana da forma que o extrativismo as modificou.

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Os cientistas estimam cerca de 1,5 milhão a 2 milhões o total de espécies da biota amazônica,

sabendo que menos de meio milhão foram catalogadas (265).

A diversidade e abundância de peixes é igualmente notável, o que fornece às

populações tradicionais uma “variedade de recursos de subsistência”. O período de pesca se

estende durante todo o ano, mas é na época em que o nível das águas abaixa que a

abundância desse recurso aumenta e diversifica-se. Outra contribuição para toda essa variedade

de seres são os vários tipos de água – barrentas e pretas – que propiciam condições para o

desenvolvimento de várias formas de espécies aquáticas.

ESCASSEZ POPULACIONAL NA VASTIDÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA (266)

Apenas 5% do total da população do Brasil habitam a região amazônica, mas o que

representa um problema para o desenvolvimento da região é a forma com que essa parcela da

população se distribui, que geralmente acompanham as margens dos rios e rodovias. Assim,

famílias chegam a viver isoladas, dispersas na vastidão da floresta, tornando-se este um elemento

bastante negativo para o crescimento da região. O extrativismo é o responsável por essa

distribuição populacional por se tratar de ser a atividade econômica predominante.

No processo de ocupação da Amazônia, os índios foram as principais vítimas da

colonização. Do século XVI até hoje, restam apenas 1/5 do número de indígenas que habitavam

a região, na época da chegada dos europeus, totalizando atualmente 136 mil nativos.

DISPARIDADES ECONÔMICAS (267)

Na Amazônia pode-se observar que, de um lado, existe um setor de certo modo bem

desenvolvido caracterizado pelas grandes empresas mineradoras, agrícolas, de tecelagem e

refinarias de petróleo, do outro lado, é observado um setor menos desenvolvido, o extrativista,

onde se investe pouco capital e tecnologia, mas que contribui com a renda de muitas centenas

de famílias e abastece de certa forma os centros urbanos, principalmente os mais próximos. Assim

265 (SILVA, 2003). Apesar de todo o acervo de conhecimento sobre a região, já disponível, a complexidade da flora e fauna Amazônica requer ainda muitos estudos. Os cientistas estimam em cerca de um milhão e meio a dois milhões o total de espécies vegetais e animais da floresta amazônica, das quais no máximo meio milhão estariam descritas e classificadas. 266 (MIRANDA NETO, 1991). ESCASSEZ POPULACIONAL – O território da Amazônia é habitado por apenas 5% do total da população do país. A exigüidade demográfica não representa um obstáculo ao desenvolvimento por si só, mas a forma como a população se distribui, acompanhando o traçado dos rios e das rodovias, é grave, tornando-se um elemento mais negativo em função da imensidão das distâncias. Essa distribuição é uma decorrência natural da atividade econômica predominante: o extrativismo em todas as suas formas. Os índios sempre foram as principais vítimas da colonização desregrada da região. Mesmo as estimativas mais isentas apontam para um cálculo de apenas 136 mil nativos, hoje, na Amazônia, o que representa somente a quinta parte dos que havia quando o Brasil foi descoberto. 267 (MIRANDA NETO, 1991). DISPARIDADES ECONÔMICAS – O dualismo existente na Amazônia é bem marcante. De um lado, há um setor capitalista razoavelmente desenvolvido, que se evidencia pelos grandes empreendimentos mineradores; lavouras comerciais de juta, malva e pimenta-do-reino; fábricas de fiação e tecelagem de juta; refinaria de petróleo e, por outro lado, encontra-se o setor tradicional, utilizando pouco capital no processo de produção, o extrativismo vegetal, a agricultura itinerante de pequenas unidades familiares, e as atividades artesanais que, no entanto, sustentam a duras penas o abastecimento dos centros urbanos. Daí sua funcionalidade. A economia regional baseia-se no setor primário. Os produtos mais importantes da atividade extrativista são: a castanha-do-pará, a borracha, as madeiras, as oleaginosas, as essências, perdendo em importância relativa para a agricultura e a pecuária, após o apogeu destas duas atividades nos anos setenta. A pequena diversificação nas exportações, predominantemente de três ou quatro produtos, não é desejável porque deixa a economia ao sabor das oscilações dos preços no mercado internacional. Os rios piscosos, a caça, os frutos silvestres, a lavoura de subsistência, a pequena criação satisfazem, em parte, as necessidades básicas do homem.

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a economia regional é baseada no setor primário, onde os produtos principais são: a castanha-

do-pará, a borracha, as madeiras, as oleaginosas, as essências, as medicinais e as alimentícias

como o açaí e palmito, mas que perderam certa importância no mercado quando houve o

apogeu da agricultura e da pecuária por volta dos anos setenta.

As exportações giram em torno de três a quatro produtos, o que permite que a economia

seja influenciada pelas oscilações dos preços no mercado internacional. A caça, a pesca, o

extrativismo vegetal, a agricultura de subsistência e a pequena criação contribuem para satisfazer

as necessidades básicas do homem.

1.3. Relação de estabilidade entre extrativista e floresta

1.3.1. Extrativismo sustentável com renda conserva a floresta

O extrativista, como os seringueiros, castanheiros entre outros, quando dispõe de renda

proveniente do uso sustentável da floresta, tem o interesse em conservar os recursos naturais, pois

desse modo ele garante renda contínua à sua família. Juntamente com o extrativismo, o ribeirinho

também pratica a agricultura de subsistência para complementar sua renda.

O aumento no valor da renda familiar acompanha o interesse do extrativista em melhorar

sua qualidade de vida e de seus parentes, mas não implica num êxodo para a cidade, já que sua

renda provém da floresta conservada. A afirmação de ALLEGRETTI (1992), complementa essa

observação:

“Importante ressaltar que, apesar das condições precárias de sobrevivência que sempre

acompanharam o extrativismo amazônico, o movimento que se estruturou na região teve, desde

o início, como principal reivindicação, a permanência dentro da floresta, tendo como argumento

o fator de viverem melhor na floresta do que na periferia das cidades”.

DRUMMOND (1996)(268) afirma que a substituição do extrativismo por outras atividades que

impliquem na eliminação da floresta, não garantem aumento na qualidade de vida para famílias

que hoje vivem exclusivamente ou parcialmente do extrativismo. Deve-se entender que as

florestas funcionam como uma ‘dispensa’ natural de produtos, que de alguma forma têm

características mercadológicas e econômicas, e esses ribeirinhos amazônicos podem utilizar

desses materiais para complementar sua renda, entretanto, os pobres rurais que vivem em áreas

desmatadas estão privados de recorrer à essas riquezas naturais.

268 (DRUMMOND, 1996). “A substituição do extrativismo por atividades econômicas comerciais que eliminem a floresta não garante melhores condições de vida para os que hoje são apenas ou principalmente extratores. Os produtos extrativos florestais funcionam para os coletadores como uma “dispensa” natural que evita privações absolutas. Os pobres rurais de áreas desmatadas não contam com essa “dispensa”.”

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O extrativismo ainda representa uma opção econômica para uma parte considerável da

população rural amazônica (269). Da população potencialmente ativa, cerca de 50% estão na

condição de desemprego, sem computar o subdesemprego, o desemprego disfarçado e a

escravidão. A floresta amazônica ampara esses desempregados e permite seu acomodamento, o

que impede “tensões sociais mais violentas, como as existentes no Nordeste Brasileiro” (270). “Os

baixos riscos de investimentos associados com a colheita de produtos silvestres tornam esta

atividade essencial para a sobrevivência de populações de baixa renda” (ANDERSON, 1989)(271).

Na vegetação ao longo dos rios e dentro de grandes áreas de floresta, a extração de

produtos não-madeireiros, além da borracha e castanha, é praticada pelas comunidades

ribeirinhas, onde a maioria dessas famílias deixou de praticar agricultura comercial itinerante e

agora dependem da extração desses recursos naturais e da agricultura de subsistência (272).

Há vários exemplos sobre a importância do extrativismo na região amazônica, como é o

caso de grandes áreas no MA, PA, TO, MT e RO, que antes desmatadas, agora crescem florestas

secundárias onde predominam palmeiras de babaçu, “cuja sementes sustentam centenas e

milhares de famílias” (ANDERSON et al, 1991), e muitos outros estudos mostraram que o extrativismo

tem um papel econômico importante na sustentação das populações tradicionais

(SCHWARTZMAN, 1989; ALMEIDA, 19XX; ANDERSON & IORIS, no prelo). Atualmente, esta prática é

competitiva e atende às necessidades básicas das “populações rurais economicamente

marginais” (273).

O principal elemento para a conservação da floresta aliada ao extrativismo é o extrator,

pois este é o responsável pela decisão de quais estipes irá cortar e quais deixará para a próxima

colheita, como no caso do palmito do açaizeiro. Ele exerce o controle sobre a sustentabilidade

ou predação da atividade, podendo proteger os recursos contra os processos de degradação da

floresta. Porém, a grande parte dos lucros ficam para as fábricas e empresas distribuidoras,

entretanto, se o extrator receber uma contribuição maior nos lucros, no processo de produção do

palmito, por exemplo, “através do auto-gerenciamento dos projetos de manejo” e com posse de

269 (ANDERSON, s. d.). “O extrativismo representa uma opção econômica para um segmento considerável da população rural da Amazônia”. 270 O nível de desemprego gira em torno de 50% da população potencialmente ativa. Isto, sem levar em conta o subemprego e o desemprego disfarçado. A prodigalidade da natureza amazônica permite, apesar de tudo, um relativo acomodamento desses desempregados, impedindo o aparecimento de tensões sociais mais violentas, como as existentes no Nordeste Brasileiro. 271 (ANDERSON, s. d.). Os baixos riscos de investimentos associados com a colheita de produtos silvestres tornam esta atividade essencial para a sobrevivência de populações de baixa renda (ANDERSON, 1989). 272 (ANDERSON, s. d.). Em áreas de floresta intacta, além dos tradicionais seringueiros e coletores de castanha, a extração de produtos não-madeireiros é comumente praticada pela população ribeirinha ao longo da extensa rede fluvial. Em ilhas estuarinas perto de Belém, a maioria desta população já deixou de praticar a agricultura em escala significativa e agora depende da extração de recursos naturais – frutos de açaí em especial (ANDERSON E IORIS, no prelo). Os seringueiros e outras populações vistas exclusivamente como extrativistas também praticam agricultura de subsistência. 273 (ANDERSON, s. d.). Grandes extensos anteriormente desmatadas no MA, PA, TO, MT e RO são agora cobertas por florestas secundárias dominadas pela palmeira babaçu cujas sementes sustentam centenas e milhares de famílias (ANDERSON et al 1991) No estágio atual, as economias extrativistas ainda são competitivas e respondem às necessidades de populações rurais economicamente marginais. Estudos mostram o importante papel econômico do extrativismo vegetal na sustentação dessas populações (SCHWARTZMAN, 1989; ALMEIDA, 19XX; ANDERSON & IORIS, no prelo).

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terra reconhecida bem como acesso ao capital de investimento, os extrativistas se sentiriam na

responsabilidade de manejar e conservar os recursos de formas mais sustentáveis(274).

A posse da terra é um fator muito importante para a sustentabilidades das atividades

exercidas numa determinada área de floresta ou vegetação nativa. Formas de arrendamento

são nocivas à economia da Região como para a conservação do meio ambiente natural. Porém,

esse tipo de contrato está sendo substituído por concessão ou venda das terras, onde somente se

interessam os produtores que realmente estiverem dispostos à trabalhar e se dedicar na área de

sua responsabilidade (275). A concessão ou venda procura beneficiar a propriedade e a natureza,

fixando o homem à terra através do extrativismo, agricultura de subsistência, caça e pesca, desse

modo a área adquire mais infra-estrutura e sustentabilidade dos processos de produção.

Alguns autores afirmam que com o aumento no preço e na demanda de um determinado

produto proveniente do extrativismo, a pressão sobre o recurso irá aumentar, levando á sua

degradação (HOMMA, 1981 e por REPETTO & HOLMES, 1983), fato esse conhecido como ‘Tragédia

nos recursos não-comuns’ (MAY, 1985)(276). Isso ocorre e ocorreu em muitos casos, mas deve-se

atentar que a estabilidade no preço de um recurso é um fator de extrema importância para a

conservação da natureza e que é fundamental que os extratores devam participar de uma maior

parte nos lucros, que como foi descrito anteriormente, é o extrativista que exerce o poder de

escolher se sua atividade será sustentável ou não. Um exemplo, com potencial solução, foi

encontrado para o palmito do açaizeiro, que se explorado intensamente causa pressão no

recurso, e uma alternativa que garanta seu suprimento às geração no futuro e que seja

economicamente viável é o seu manejo sistentável(277).

Alguns exemplos são dados por MAY (1992)(278), onde a estabilidade no preço do quilo da

borracha (por volta de US$ 0,27 /kg no mercado interno) e a complementação da renda com a

extração de castanha-do-pará nas épocas de chuvas, onde não é possível processar o

sangramento das Héveas, fazem com que esses produtos sejam de “extrema importância para a

274 (POLLAK, 1996). Na floresta é o extrator que, ao decidir quais estipes cortará e quais deixará para colheitas futuras, exercita o controle final sobre a sustentabilidade ou não da atividade. É necessário criar condições favoráveis para a execução desta atividade pelo extrator, de tal forma que venha proteger o recurso natural contra a extração excessiva. Os lucros vão, na sua grande maioria, para as fábricas e empresas distribuidoras. Uma forma de assegurar que os extratores recebam uma porção maior dos lucros seria através do auto-gerenciamento dos projetos de manejo. Com a posse da terra claramente reconhecida, o acesso ao capital de investimento é um meio eficaz de organização comunitária; os habitantes estariam bem-posicionados para manejar a palmeira do açaí de uma forma responsável. 275 (COGELS, 1972). Essa forma de arrendamento nitidamente nociva à economia da Região vem sendo substituída pela concessão ou venda do castanhal ao produtor realmente interessado em trabalhar com afinco, sendo que em alguns pontos da Amazônia já existe um bom número. Esses bem intencionados procuram beneficiar a propriedade, dotando-a de estradas de penetração, procurando fixar o homem à terra, com atividades subsidiárias e através da pecuária. 276 (MAY, 1989). Tais resultados podem ser tratados como uma “tragédia nos recursos não-comuns” (MAY, 1986). Onde a demanda é intensa e a base física do recurso vegetal é acessível, mas limitado a extração pode resultar na rápida degradação daquele recurso. Ao limitar a oferta, a degradação contribuirá para elevar ainda mais os preços, o que por sua vez aumentará a pressão sobre o recurso. A extinção é um resultado freqüente deste ciclo. A evolução de mercados que leva à degradação de recursos extrativistas foi proposta por HOMMA (1981) e por REPETTO & HOLMES (1983) 277 (POLLAK, et al, 1996). O sucesso dos PFNM dependia de uma penetração duradoura no mercado, do retorno razoável do trabalho com o produto para o extrator (para evitar a opção por práticas não sustentáveis) e da garantia aos distribuidores do fornecimento do produto a longo prazo (PENDLETON, 1992; HOMMA, 1992). O palmito se encaixa nesses critérios. O palmito é um produto florestal madeireiro lucrativo, os cortes freqüentes causam pressão no recurso e o manejo é uma alternativa economicamente viável para garantir o suprimento do produto no futuro. 278 (MAY, 1992). No entanto, a relativa estabilidade no preço ao redor de US$ 0,27 por quilo no mercado interno e a complementaridade da produção de castanha com sazonalidade do sangramento do látex fazem com que este produto seja extremamente importante para a sobrevivência das comunidades extrativistas na Amazônia. Igualmente considerada uma árvore de múltiplas utilidades (chamada “árvore

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sobrevivência das comunidades extrativistas”. A borracha é a base de sustentação das

comunidades amazônicas num curto espaço de tempo e precisa ter preços condizentes com

toda a proteção que desempenha na floresta (279).

A carnaúba também tem destaque, pois, a eliminação dos carnaubais ocasiona grande

perda econômica no mercado e para a subsistência das comunidades, já que é considerada

uma árvore de muitas utilidades, vários subprodutos e aproveitamento quase integral. Outra

perda sócio-econômica significativa seria a dizimação das palmeiras de piaçava. Com o

aumento na quantidade extraída desse produto (de 1973 à 80), que triplicou a produção, o preço

caiu drasticamente (de US$ 0,66, em 1973-74, para $ 0,25 /kg, em 1980) o que implicou em

“poucas opções de renda para a população extrativista que abastece o mercado com fibra de

piaçava” (280).

A composição da família também pode determinar a sustentabilidade das atividades.

BRASIL (1990)(281), em seus estudos, verificou que “famílias com mais crianças, os pais se

preocupam mais com a conservação dos recursos”. Observou, também, que o tipo de atividade

pode diagnosticar se o método é conservacionista ou não, onde famílias que viviam da

exploração madeireira como atividade principal e extração do palmito como atividade

secundária, logo após a madeireira, podiam estar ligados a estratégias mais imediatistas, tendo

como conseqüência atividades mais predatórias. Essas apresentaram renda inferior (US$ 61,00) às

famílias com filhos em várias faixas etárias, que não casaram ainda (US$ 166,00) e que os pais se

ocupavam de métodos mais sustentáveis, de acordo com a Figura abaixo.

da vida” pela população rural), a eliminação dos carnaubais significa uma perda considerável tanto para o segmento de mercado assim como para a economia de subsistência. 279 (ALLEGRETTI, 1992). Conclui-se que a borracha é a base de sustentação das reservas no curto prazo e que deve ter preços condizentes com a função de proteção da floresta, que desempenha. 280 (MAY, 1992). A piaçava exibe um aumento significativo na sua produção de 1973 até 1980 durante o qual triplicou a sua produção. Este aumento foi acompanhado, no entanto, com uma redução drástica no seu preço médio, que caiu de US$ 0,66 por quilo em 1973-74 para uma média de $0,25 na década de 80, sugerindo uma curva de oferta inversa resultante da existência de poucas opções de renda para a população extrativista que abastece o mercado com este produto. A erradicação desta palmeira, então, sinaliza uma perda sócio-econômica significativa. (já citado posteriormente). 281 (BRASIL, 1990), Famílias com mais crianças, os pais se preocupam mais com a conservação dos recursos.Família com filhos em vaias faixas etárias que não tenham casado possuem a maior renda (2,042.91 US$/ano ou 166.00 US$/mês). Famílias que vivem da extração de palmito logo após a madeira, são as que têm menor renda, podendo estar ligado a uma estratégia mais imediatista, implicando numa extração mais predatória (renda mensal de 61.00 US$).

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Renda média de famílias extrativistas (59% de atividade

madeireira, 16% de açaí e 14% de

seringa)

US$ 1.483,68 /ano

Famílias que utilizam-se de práticas mais

sustentáveis

US$ 2.042,91/ano

Famílias que utilizam-se de práticas não-

sustentáveis

US$ 732,00 /ano

Renda de famílias extrativ istas

FONTE: BRASIL (1990)

Essas questões não podem ser analisadas somente do ponto de vista econômico. Os

produtos provenientes do extrativismo desempenham funções sociais gerando emprego,

alimentos e renda e funções ambientais, em que o extrativista funciona como um fiscal da floresta

onde atua. As comunidades tradicionais que ocuparam a Amazônia conviveram com a floresta

utilizando seus recursos de forma harmônica com a natureza e adequando suas necessidades a

esse meio natural. Ocorreu, dessa forma uma forte interação entre o homem e o meio ambiente

conservado, “provando, de forma inquestionável a superioridade dessa economia, quando se

tem como prioridade não destruir o delicado e complexo equilíbrio desses ecossistemas” (282).

1.3.2. Extrativismo sustentável sem renda gera condições de predação da floresta

Uma das razões de substituição das florestas e vegetações nativas por pastagens e

agricultura é a queda nos preços dos produtos naturais e conseqüentemente a queda na renda

do extrativista. MAY (1992) (283), observou a substituição de florestas de palmeiras por pastos

282 (ALLEGRETTI, 1992). A questão da borracha, no entanto, não pode ser analisada exclusivamente em termos econômicos. A extração de borracha na Amazônia desempenha funções sociais (ao gerar emprego e renda) e funções ambientais (por não ser predatória e possibilitar a fiscalização da floresta pelos seringueiros). Outro aspecto importante dessas atividades é que geram emprego, renda e alimentos, para significativa parcela da população regional, de maneira harmônica com a base de recursos naturais. A população que ocupou a Região Amazônica o fez adaptando-se às características do meio ambiente e, ao mesmo tempo, adequando suas necessidades materiais de vida a esse meio. Assim, houve uma integração entre a base econômica, a floresta e os rios, provando, de forma inquestionável, a superioridade dessa economia, quando se tem como prioridade não destruir o delicado e complexo equilíbrio desses ecossistemas. 283 A erradicação no preço tem servido como incentivo à erradicação das florestas de palmeiras, substituídas por pastos abertos.

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abertos devido a queda no preço dos recursos. PARFIT (1989) (284) afirma que na região do rio

Juruá no Estado do Acre evidenciou-se queda no preço da borracha e esse declínio ocasionou a

substituição dessa atividade pelo extrativismo madeireiro.

A agricultura parece ser a alternativa mais viável para muitas famílias extrativistas, à

medida que o mercado se fecha para determinados produtos naturais ou que seus preços não

são mais compensadores. Em reservas extrativistas do Acre, pesquisas realizadas pela FUNTAC (em

1990) revelaram que o extrativismo vem contribuindo com apenas 30% da renda familiar (285), isso

demonstra que sem renda, mesmo aquelas comunidades que se baseavam no extrativismo,

buscam outras fontes econômicas.

O direito à propriedade é outro fator que agrava a conservação da natureza. Um dos

agentes pioneiros do desflorestamento são os posseiros, camponeses que exploram a terra sem

direito de propriedade, onde retiram a vegetação através das queimadas para o cultivo de

agricultura itinerante (286). Quando existe incerteza sobre a posse das terras, o responsável buscará

o máximo de lucro em menos tempo, desse modo a opção mais rentável se torna com o uso de

atividades menos sustentáveis. Eles não levam em conta as receitas a longo prazo (287).

Quando se é dono de uma certa área, essas variáveis de longo prazo são incorporadas a

receita e se apresenta uma maior preocupação com a sustentabilidade dos processos. Ao passo

que, sem direito ou incerteza do direito da propriedade, o posseiro considera apenas “os gastos e

receitas correntes sem incorporar possíveis perdas patrimoniais decorrentes do padrão de

exploração dos recursos naturais” (288).

Nos castanhais, observados por GOGELS (1972)(289), foi encontrado duas categorias de

posse de terras: uma de propriedade do Estado e outra de propriedade particular. Quando

pertencidas à União, geralmente são arrendadas por um ano seguindo a alguns preceitos legais.

Desse modo, o arrendatário, como não tem direitos de propriedade, não se sente vinculado à

terra e não beneficia o castanhal de alguma forma, busca apenas usufruir dos seus direitos,

coletando o máximo possível no menor prazo e com o mínimo de gastos. Também há casos que

284 (ANDERSON, s. d.). Na região do rio Juruá no Estado do Acre a queda recente do preço da borracha está obrigando os

seringueiros a praticarem a extração de madeiras em maior escala (PARFIT, 1989). 285 (RUEDA, 2003). O neoextrativismo tem suas raízes em fatores econômicos relacionados ao imperativo de sobrevivência dos extratores; na medida em que não há mercado para certos produtos ou os preços não são compensadores, as famílias buscam novas alternativas econômicas. Estas, até o momento tem surgido mais no setor agropecuário daí a propriedade de classificar os neoextrativistas como agroextrativistas. Pesquisas realizadas pela FUNTAC em 1990, em reservas extrativistas do Acre, revelam que o extrativismo contribui apenas com 30% na composição da renda familiar dos seringueiros. Estes dados são confirmados pelas pesquisas encomendadas pelo CNPT à ECOTEC em 1993. 286 (REIS & MAGULIS, 1991). Os posseiros, camponeses que exploram a terra sem direitos de propriedade legalizados, são considerados os agentes pioneiros do desflorestamento, através das queimadas para culturas de subsistência itinerante (já citado posteriormente). 287 (YOUNG & FAUSTO, 1997). Se há incerteza sobre os direitos de propriedade sobre a terra, a decisão de uso desta será direcionada para as atividades menos sustentáveis e capazes de prover maior receita possível no curto prazo – mesmo que outras opções de uso possam ser mais rentáveis, se as receitas de longo prazo fossem incluídas. Assim, estabelece uma diferença entre o colono com direitos de propriedade e o posseiro. 288 (YOUNG & FAUSTO, 1997). Os colonos com direito de propriedade assegurados incorporam variáveis de longo prazo e, assim, apresentam uma preocupação maior com a sustentabilidade do padrão adotado para a exploração dos recursos naturais. Os posseiros, que possuem incerteza quanto a legitimidade da posse da terra, tendem a considerar apenas os gastos e receitas correntes sem incorporar possíveis perdas patrimoniais decorrentes do padrão de exploração dos recursos naturais. (já citado posteriormente). 289 Os castanhais pertencem a duas categorias: ou são de propriedade do Estado ou do Território, ou são particulares. Os pertencentes ao Poder Público sã arrendados em geral por um ano, mediante algumas condições legais. Não se sentindo vinculado a terra, nem ao compromisso de beneficiar o castanhal, que desfruta apenas pelo prazo de vigência do arrendamento, o patrão não faz mais do que praticar o saque anual da propriedade, cuidando apenas de retirar o máximo, no menor prazo e com o mínimo de despesas.

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mesmo com direito de propriedade das terras, muitas famílias “estão substituindo áreas

consideráveis de floresta para agricultura itinerante ou pecuária extensiva (BRAWDER, 1992)” (290).

290 (ANDERSON, s. d.). Mesmo com os direitos de posse garantidos, as populações locais estão utilizando áreas consideráveis de floresta para agricultura itinerante ou pecuária extensiva (BRAWDER, 1992).