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Universidade de Brasília Faculdade de Direito LIMITES CONSTITUCIONAIS À INVASÃO DE DOMICÍLIO NOS CASOS DE FLAGRANTE POR CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: Análise da imprescindibilidade do mandado judicial na Corte Norte Americana e da prática judicial de aceitação do flagrante em crime permanente na Cidade de Salvador (2012) Flaviane Montalvão Siqueira Brasília 2013

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Universidade de Braslia

Faculdade de Direito

LIMITES CONSTITUCIONAIS INVASO DE DOMICLIO NOS CASOS DE

FLAGRANTE POR CRIME DE TRFICO DE DROGAS: Anlise da

imprescindibilidade do mandado judicial na Corte Norte Americana e da prtica

judicial de aceitao do flagrante em crime permanente na Cidade de Salvador

(2012)

Flaviane Montalvo Siqueira

Braslia

2013

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Flaviane Montalvo Siqueira

LIMITES CONSTITUCIONAIS INVASO DE DOMICLIO NOS CASOS DE

FLAGRANTE POR CRIME DE TRFICO DE DROGAS: Anlise da

imprescindibilidade do mandado judicial na Corte Americana e da prtica

judicial de aceitao do flagrante em crime permanente na Cidade de Salvador

(2012)

Monografia apresentada Faculdade de

Direito da Universidade de Braslia, como

requisito parcial para obteno do grau de

bacharel em Direito.

Orientador: Evandro Charles Piza Duarte

Braslia

2013

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Folha de aprovao

LIMITES CONSTITUCIONAIS INVASO DE DOMICLIO NOS CASOS DE

FLAGRANTE POR CRIME DE TRFICO DE DROGAS: Anlise da

imprescindibilidade do mandado judicial na Corte Americana e da prtica

judicial de aceitao do flagrante em crime permanente na Cidade de Salvador

(2012)

Flaviane Montalvo Siqueira

Matrcula: 09/0042964

Monografia apresentada Faculdade de

Direito da Universidade de Braslia, como

requisito parcial para obteno do grau de

bacharel em Direito.

Orientador: Evandro Charles Piza Duarte

Braslia, 11 de dezembro de 2013

Banca examinadora:

_____________________________________

Prof. Dr. Evandro Charles Piza Duarte (UnB)

Orientador

_____________________________________

Profa. Dra. Beatriz Vargas Ramos Gonalves de Rezende (UnB)

_____________________________________

Prof. Mestrando Rafael Garcia de Deus (UnB)

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeo a oportunidade que me foi dada de

estudar em uma Universidade como a UnB. Os cinco anos que passei, no s

na Faculdade de Direito, mas na Biblioteca Central (BCE), nos corredores do

famoso ICC (minhoco), no Restaurante Universitrio e agora, no ltimo ano,

nas pistas do Centro Olmpico correndo, conhecendo pessoas incrveis e

ganhando a oportunidade de represent-la em uma competio, foram sem

dvidas o perodo mais intenso da minha vida.

Agradeo aos meus pais, Wnia e Luiz, cada um a seu modo, por

me darem todo o apoio possvel para percorrer esse caminho. A minha me,

em especial, por fazer todo o esforo possvel para que eu pudesse sair de

minha cidade natal e estudar em uma boa faculdade. Compartilho com ela, no

s os sonhos, mas tambm os mritos e conquistas. No tenho meios para

agradecer por toda a f, cumplicidade e pacincia que ela depositou em mim.

Aos meus irmos, Gustavo e Ricardo, meus melhores amigos e

companheiros seja no riso ou nas lgrimas. No posso deixar de agradecer, ao

meu tio, do qual no compartilho o sangue, mas compartilho o corao,

Vander. Obrigado no s pelas inmeras caronas entre Braslia e Anpolis,

sem as quais eu no conseguiria estar em todas as aulas, mas tambm pelas

horas de conversa na estrada.

No posso esquecer de agradecer, a minha medrinha Mrcia

que nos deixou em junho desse ano. Meu amor, gratido e respeito estaro a

seu lado sempre e em qualquer lugar.

Agradeo tambm aos amigos feitos durante a faculdade.

Caroline, Brbara, Gabriela, Andria, Paula (sisters) e Sandra, meninas

incrveis nas quais eu me espelho nos mais variados sentidos. No posso

esquecer do grupo formado durante a greve de 2010, Alice, Kadu, Fbio e

Daniel, em especial aos dois primeiros. Alice, a irm que eu encontrei pelo

caminho, e com a qual compartilhei inmeras tristezas e alegrias. Kadu,

companheiro de bar, ciladas e histrias interminveis, com o qual eu aprendi

5

uma importante lio: limites no existem. Toro para que venham muitos cinco

anos como os que eu vivi ao lado de vocs. Que estejamos sempre juntos.

Agradeo, do mesmo modo, a minhas companheiras de

apartamento: Dbora, Ellen e, em especial, a Priscila, minha colega de quarto,

que me ajudou muito nos ltimos meses de estudo e oscilaes de humor. No

poderia encontrar pessoas melhores e to pacientes como vocs. Sou grata

tambm a uma pessoa especial que encontrei no difcil ltimo ms. Obrigada

por fazer meus dias mais felizes e leves.

E, por fim, como no poderia esquecer, agradeo ao meu

orientador, Professor Evandro, que me possibilitou fazer parte e ajudar em sua

pesquisa sobre os elementos de suspeio e atividade policial. Sou grata pela

pacincia que sei que demandei pela falta de experincia acadmica. Com a

leitura dos casos compreendi uma das lies mais importantes de toda a

faculdade: direitos individuais no so nada mais que letra morta se no

efetivados nas prticas cotidianas, o que impe a luta para que essa situao

no persista.

6

Era s mais uma dura

Resqucio da ditadura

Mostrando a mentalidade

De quem se sente autoridade

Nesse Tribunal de Rua

Marcelo Yuka

7

minha me, minha v e minha madrinha (in

memoriam). Mulheres guerreiras que enfrentaram

muitos desafios para que eu pudesse me graduar

em direito.

8

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a doutrina construda a

respeito da priso em flagrante no trfico de drogas, se tal hiptese, permite ou

no a entrada em domiclio sem mandado judicial. Ser traado um paralelo

entre a doutrina e jurisprudncia brasileira e americana. Analisar-se- as

excees previstas na Quarta Emenda norte-americana e como elas foram

desenvolvidas historicamente pela jurisprudncia. O ponto principal o estudo

dos direitos decorrentes da inviolabilidade do domiclio, e de que maneira os

policiais, juzes e doutrinadores vem utilizando essas construes jurdicas.

Pretende-se, com isso, avaliar como o direito americano pode influenciar ou

no o direito ptrio. Com esse enfoque, foi realizado levantamento doutrinrio e

jurisprudencial nos dois pases, sublinhando-se que no Brasil, analisou-se uma

amostra de processos recolhida nas 1 e 2 Varas Criminais de Salvador/BA,

traando-se ao longo dos captulos crticas relativas a cada um deles.

Palavras-chave: Invaso de Domiclio, Priso em flagrante, Abordagem

Policial, Elementos de Construo da Suspeio, Trfico de Drogas, Direitos do

Acusado, Processo Penal.

9

ABSTRACT

This study aims to analyze the doctrine built about the arrest in flagrante in the

drug trade, if such circumstances allow or disallow entry into the home without a

warrant. Is drawn a parallel between the doctrine and the Brazilian and American

jurisprudence. Exceptions under the Fourth Amendment and the U.S. as they were

developed historically by the case - will be analyzed. The main point is the study of the

rights arising from the inviolability of the home, and how the police, judges and legal

scholars have been using these legal constructs. It is intended, therefore, to assess

how U.S. law may influence whether or not the paternal law. With this approach , was

conducted doctrinal and jurisprudential survey in two countries, stressing that in Brazil,

we analyzed a sample of cases collected from the 1st and 2nd Criminal Courts

Salvador/ BA , if tracing throughout the chapters criticism of each of them.

10

SUMRIO

INTRODUO...................................................................................................12

1 A PRISO EM FLAGRANTE NO BRASIL.............................................18

1.1 A priso em flagrante e suas hipteses levantadas pela

doutrina...................................................................................................18

1.2 O flagrante nos crimes permanentes como o do art. 33 da Lei

11.343/2006............................................................................................23

1.2.1 Uma limitao constitucional do conceito de priso em flagrante

nos crimes permanentes..............................................................26

1.3 A jurisprudncia brasileira sobre o tema................................................30

1.3.1 Precedentes brasileiros: buscando a justificao constitucional da

busca com mandado....................................................................33

2 A DOUTRINA E A JURISPRUDNCIA NORTE AMERICANA E AS

HIPTESES DE BUSCA SEM MANDADO

2.1 Breve introduo sobre o Civil Law e o Common

Law.........................................................................................................38

2.2 A Quarta Emenda Constituio Americana.........................................39

2.3 A inviolabilidade e a intimidade: proteo de casas ou

pessoas..................................................................................................41

2.4 A Corte Americana e as decises correlatas ao tema da priso em

flagrante..................................................................................................43

2.5 O caso Jonhson v. United States...........................................................48

2.6 A violao Quarta Emenda e a regra de excluso de

provas.....................................................................................................53

2.7 O Trfico de Drogas nos Estados Unidos..............................................58

11

3 ELEMENTOS DE SUSPEIO NA ATIVIDADE POLICIAL: Anlise de

uma amostra recolhida na cidade de Salvador/BA................

......................................................................................................................60

3.1 O Trfico de Drogas e sua demonizao pela sociedade................

......................................................................................................................61

3.2 Descrio e anlise dos processos colhidos nas 1 e 2 Varas Criminais

de Salvador..................................................................................................65

3.3 O elemento suspeito na abordagem policial..........................................79

3.3.1 Dados relativos priso em flagrante na amostra de

Salvador..................................................................................................80

3.3.2 Falas dos policiais nos Grupos Focais de Salvador...............

................................................................................................................82

3.3.3 Concluses preliminares sobre os dados

recolhidos...............................................................................................85

CONCLUSO...................................................................................................88

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................93

ANEXO A Questes referentes ao questionrio aplicado aos processos das 1

e 2 Varas Criminais de Salvador/BA................................................................97

LISTA DE GRFICOS

Grfico 01 Classificao racial dos acusados................................................81

Grfico 02 - Horrio de realizao das prises em flagrantes...........................82

Grfico 03 Quem realizou o flagrante?...........................................................83

12

INTRODUO

A presente monografia analisa uma das inmeras situaes que

integram um problema maior, a poltica de controle do consumo de drogas

13

consideradas ilcitas. As substncias entorpecentes, ao longo dos sculos,

foram utilizadas pelos indivduos nas mais diversas situaes. A penalizao

ocorreu quando o uso tornou-se um problema de sade pblica. No entanto, a

tentativa de soluo dada ao problema tornou-se obsoleta diante da

complexidade das relaes sociais atuais, tendo causado efeitos at mesmos

opostos aos que se pretendia, aumentando o uso e a comercializao das

drogas (BOITEUX, et. al., 2009).

A atual poltica dominante est marcada pelo modelo da Guerra

contra s Drogas que, a pretexto de combater a presena de determinadas

substncias em nossa sociedade, termina por declarar guerra a uma parcela de

seus integrantes. Porm, no h que se falar em demonizao das drogas, de

seus usurios e de todos que esto dentro desse ciclo. O crime deve receber

as mesmas garantias constitucionais que os demais comportamentos humanos.

Alm disso, uma poltica pblica eficiente, como comprovado em outros pases,

trabalharia em sua descriminalizao para atingir todo o sistema, em detrimento

da atuao do sistema penal vigente, que por se basear em seletividade,

captura apenas o pequeno traficante, retroalimentando o crime. Isso porque os

grandes traficantes com a poltica pblica atual so raramente atingidos. Da

mesma forma que os mercados financeiros que gerenciam e financiam a

produo. (JESUS, et. al., 2011)

A guerra contra as drogas sofre de uma insensatez intrnseca.

Foucault (2009, p. 36)1 explica que o sistema penal foi concebido como um

instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, no para suprimi-las.

Tal assertiva encontra-se intimamente ligada com a contemporaneidade. A

gesto do trfico e do consumo pelo sistema penal produz efeitos negativos

sobre a sociedade e sobre os consumidores, provocando um aumento da

violncia institucional na gesto dos conflitos sociais existentes nas grandes

cidades e diminuindo a possibilidade de diminuio dos problemas referentes

sade pblica.

1 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da priso (em portugus). 36 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2009. pg 36.

14

O direito penal e o direito processual penal, ligados Constituio,

devem zelar pela preservao da dignidade da pessoa humana e da presuno

de inocncia dos acusados. Ele no deve ser utilizado para a criao de

elementos discricionrios para embasar a suspeio e a ao dos agentes

estatais, e posteriormente, a condenao dos rus.

Com efeito, no cabe ao direito penal a todo custo, eliminar as

ilegalidades. Explica-se. Para essa parcela do direito, intimamente ligada aos

direitos individuais, melhor no punir um culpado do que punir um inocente,

aceitando-se que sempre haver falhas. O Estado Democrtico de Direito

possui limitaes principiolgicas e legais. No se pode entrar na esfera dos

direitos do cidado ainda que ele tenha ou possa ter cometido algum crime.

Nesse contexto, o direito inviolabilidade do domicilio, a no autoincriminao,

e o prprio princpio da presuno de inocncia, dentre outros, devem ser

garantidos. Tal fato fundamental e base para um Estado que se insere no

paradigma dos Estados Democrticos e de Direito. (LOPES Jr., 2011).

A priso em flagrante tem como finalidade a cessao do delito.

Seu o objetivo principal fazer com que a violao do bem jurdico protegido

pelo tipo penal encerre-se (TVORA, 2012). Existem inmeros tipos de

flagrantes definidos pela doutrina. No entanto, a tese que ser exposta que

apenas o flagrante prprio, especialmente nas situaes percebidas

diretamente pelos sentidos daquele que realiza o flagrante e nos casos em que

haja uma leso direta a outro direito fundamental, permite, no Brasil, a entrada

dos policiais no domiclio do acusado. Caso contrrio, estar-se-ia diante de uma

clara violao de domiclio.

Essa interpretao condizente teleologicamente com a

Constituio Federal Brasileira uma vez que, o flagrante que permite a entrada

em domiclio sem mandado est ao lado de situaes excepcionais tais como o

desastre e para prestar-se socorro. Desse modo, somente em situaes

extraordinrias, em que o juiz no pode expedir o mandado pela urgncia do

fato, que se permitiria a entrada dos policiais. (GRANDINETTI, 2009).

15

No entanto, no isso que se denota da prtica da abordagem

policial e de todo os procedimentos processuais penais subseqentes, pelo

estudo depreendido. Caso a caso, ser visto como os policiais, em sua atuao

cotidiana sob a chancela do combate ao trfico de drogas, alm de entrarem na

casa alheia sem autorizao judicial baseados em denncias annimas, levam

os suspeitos at a casa, e a invadem, embasados apenas na premissa de que

o crime discutido permanente, o que em tese, faria estar sempre presente o

flagrante.

Tem-se, ento, que a autorizao do artigo CITAR ARTIGO do

Cdigo de Processo Penal reproduzida sem que haja ao menos sua

contestao. O que se v a perpetuao das violaes de direitos

constitucionais. Nem todos os crimes permanentes, apenas porque a doutrina

assim os classifica, justificariam a excepcionalidade diante da regra

constitucional que impede a violao do domiclio.

No obstante, as provas e prises ocorridas com violao de

domiclio no contexto acima delineado no so, na maior parte das vezes,

consideradas ilcitas. Os juzes brasileiros, como parecem demonstrar as

decises dos tribunais superiores e a amostra pesquisada, nem ao menos

discutem essas questes quando prolatam suas decises e sentenas,

diferentemente do que parece ocorrer nos Estados Unidos.

De fato, na doutrina e na jurisprudncia americanas a questo da

inviolabilidade de domiclio no cede espao, sem que haja ao menos

argumentao, frente ao combate ao trfico e uso de drogas. Em um primeiro

momento, as hipteses que permitem a entrada policial em domiclio ligam-se a

situaes excepcionalssimas, em que no h a possibilidade de expedio de

mandado. Ademais, o conceito de expectativa de privacidade dos cidados

demonstra que a casa no o nico lugar em que o cidado est protegido das

incurses do Estado em sua liberdade. (SALTZBURG e CAPRA, 1996)

A linha de raciocnio a ser adotada no trabalho objetiva, atravs

da exposio dos casos, entender como no processo penal, os direitos

constitucionais, as hipteses de crime de trfico, a suspeio e a priso em

16

flagrante relacionam-se na prtica cotidiana dos agentes estatais,

principalmente os policiais, e os juzes.

Quanto forma de abordagem, sero descritos como os institutos

so delineados doutrinariamente. Desse modo, a definio de termos

especficos do direito penal e processual penal ser fundamental, j que sero

os pressupostos tericos que embasaro o trabalho, facilitando a compreenso

do texto.

A presente monografia tem como objetivo demonstrar que no h

flagrante no crime de trfico de drogas no Brasil quando os policiais, baseados

em denncias annimas, ou, em aes de policiamento ostensivo, entram no

domiclio dos acusado, desmunidos de autorizao judicial. Desse modo,

sugere-se que o debate da doutrina americana, considerando as provas e

prises ilcitas, por serem obtidas atravs da entrada policial em domiclio no

baseada em uma causa provvel (ANDERSON e GARDNER, 2013), pode ser

aplicado aos casos brasileiros. Para isso, far-se- a anlise do desenvolvimento

da jurisprudncia da Suprema Corte Americana, fazendo um paralelo com

casos julgados no Brasil, especificamente nas Varas Criminais de Salvador.

Ressalta-se que a anlise dos processos das Varas Criminais de

Salvador s foi possvel pela aplicao de questionrio referente pesquisa,

ainda no publicada, do projeto Pensando a Segurana Pblica, lanado pela

Secretaria Nacional de Segurana Pblica do Ministrio da Justia SENASP e

pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, Quem

Suspeito do Crime de Trfico de Drogas, dirigida pelo Professor Evandro Piza

Duarte.

No primeiro captulo, abordar-se- como o instituto da priso em

flagrante regido legalmente no Brasil, bem como, a doutrina o divide em

diversas espcies. Ser enfatizada a hiptese de flagrante nos crimes

permanentes, como o trfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006), buscando-

se formas de interpretaes condizentes com a Constituio Brasileira.

Igualmente, mostrar-se- como o flagrante, o crime permanente e a entrada

17

policial sem mandado em domiclio alheio vm sendo discutidos pela

jurisprudncia ptria.

As questes propostas nesse captulo so: entender como a

doutrina e jurisprudncia brasileira compreendem os conceitos de priso em

flagrante, crime permanente, invaso de domiclio; como os institutos so

aplicados pela jurisprudncia ptria, e por fim, como eles devem ser

interpretados respeitando a ordem constitucional vigente.

No segundo captulo, traar-se- um paralelo com a evoluo da

doutrina e jurisprudncia americana, mostrando-se casos concretos em que as

hipteses de busca sem mandado foram discutidas pela Corte Americana,

ressaltando-se, nesse contexto, a importncia da Quarta Emenda

Constitucional e dos conceitos de expectativa de privacidade e causa

provvel. Ser apontado, ainda, como tais prises e buscas sem mandado,

uma vez consideradas desarrazoadas, so consideradas ilegais em sua

origem.

Prope-se nesse captulo entender como a entrada em domiclio

sem mandado vem sendo aplicada pelos policiais americanos, e quais, so as

hipteses em que a Corte Americana a considera ilcita, bem como, como tais

entendimentos podem ser transpostos a casos brasileiros, objetivando-se o

respeito aos direitos dos acusados.

Por fim, no terceiro captulo, ser feita a anlise de como os

elementos de suspeio no crime de trfico de drogas influenciam na

discricionariedade da abordagem policial. Exemplificar-se- atravs da amostra

colhida na cidade de Salvador/BA. O objetivo compreender como a chamada

guerra s drogas, acaba na prtica relativizando direitos individuais.

Busca-se nesse captulo elucidar como a guerra ao trfico de

drogas influencia as estruturas processuais penais, relativizando os direitos dos

acusados, os quais so diferenciados por estigmas de suspeio. Isso ser

demonstrado atravs da descrio crtica de processos colhidos nas Varas

Criminais de Salvador Bahia, bem como atravs dos discursos dos policiais que

realizam as prises em flagrante.

18

19

CAPTULO 1. A PRISO EM FLAGRANTE NO BRASIL

Nesse primeiro captulo, referente priso em flagrante no Brasil,

ser apontado como a lei dispe acerca dessa espcie de priso. Ademais,

ser frisado como suas espcies so classificadas doutrinariamente, dando-se

relevncia a dois tipos de flagrante, o chamado flagrante prprio, e o flagrante

nos crimes chamados permanentes, como o trfico de drogas (art. 33 da Lei

11.433/2006) e a extorso mediante sequestro (art. 159 do CP).

Nessa segunda hiptese, sero buscadas formas de adequar os

dispositivos infraconstitucionais Constituio Federal. O objetivo buscar

uma limitao constitucional do conceito de priso em flagrante nos crimes

permanentes. Questiona-se se todas as espcies de crime permanentes

poderiam ensejar a entrada policial em domiclio sem expressa autorizao

judicial, ou se ela s poderia ser legal em determinadas situaes. Com esse

fulcro, mostrar-se- como o flagrante, o crime permanente e a entrada policial

sem mandado em domiclio alheio vm sendo discutido pela jurisprudncia

ptria.

1.1 A priso em flagrante e suas hipteses levantadas pela doutrina

A priso em flagrante, para Aury Lopes Jr. (2013, p. 50) com as

reformas advindas com a Lei 12.403/2011, no pode mais ser tratada como

uma medida cautelar. Ela caracteriza-se por sua precariedade, no tendo como

fim a garantia de resultado do processo, nem uma punio prvia, mas sim, o

encerramento da execuo do crime. H nesse instituto um carter pr-

cautelar, ou seja, ele apenas um instrumento que garantiria a aplicao futura

de outras medidas, sendo, portanto um instituto autnomo. Isso ocorre pelo

fato dele ser independente da priso preventiva, a qual tem critrios de

aplicao diversos daquela. 2

2(BANACLOCHE PALAO , 2012, p. 292 apud Aury , 2013, p. 50).

20

Adotando a classificao de Aury, a medida pr-cautelar, ora em

anlise, tem natureza pessoal que pode ser tomada tanto por particulares como

pelas autoridades policiais sem a necessidade de um mandado judicial.

Os arts. 302 e 303 do Cdigo de Processo Penal estabelecem as

hipteses de priso em flagrante, in verbis:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - est cometendo a infrao penal;

I - acaba de comet-la;

III - perseguido, logo aps, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situao que faa presumir ser autor da infrao;

IV - encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papis que faam presumir ser ele autor da infrao.

Art. 303. Nas infraes permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto no cessar a permanncia.

A priso em flagrante tem propsitos especficos. No se justifica

sozinha, no podendo ser utilizada como um fim em si mesmo representando

uma antecipao de uma futura pena a ser imposta mediante um processo

(LOPES Jr., 2013, p. 52).

A pretenso que seja encerrada a violao aos bens jurdicos

atingidos pelo delito. Desse modo, a priso anterior ao processo s poder ser

efetivada quando necessria neutralizao de riscos que no poderiam ser

de outra forma conduzida. Essa assertiva traduz o chamado princpio da

excepcionalidade da priso (BARRETO, 2009, p. 25).

A priso em flagrante, ademais, no atual sistema processual penal

transpe a tenso existente entre princpios constitucionais. Se de um lado h

a presuno de inocncia do acusado, em outro lado h a necessidade de

cessao do cometimento do delito (BOITEUX, et al., 2009, p. 31). Nesse

sentido, fundamental analisar o conceito de flagrante delito e como ele

21

empregado na lei e mais importante, como ocorrer sua aplicao no cotidiano

da justia criminal.

Importante distinguir a priso em flagrante do flagrante em si. O

flagrante seria a situao ftica em que a pessoa encontrada quando presa.

A priso em flagrante, a seu turno, o ato perpetrado por quem prende, seja o

autor policial ou no (FEITOZA, 2010, p. 880/881). A priso justifica-se quando,

com o objetivo de se fazer cessar a infrao, captura-se o acusado com base

em uma convico aparente quanto autoria e materialidade. Tal convico

surge atravs do domnio visual dos fatos.

O flagrante ocorre quando h a visibilidade do delito. O flagrante

capta as coisas no momento de sua ocorrncia, assim o fato se subsume a

percepo de quem observa, aos seus sentidos. Esse, se pertencente s

estruturas estatais de represso, ter o dever de tentar evitar a continuidade do

delito. Caso seja particular, lhe restar uma faculdade. 3

Fernando Capez (2000, p. 251) lembra que o termo flagrante

advm do latim flagrare, significando em uma traduo literal, arder, queimar.

No mesmo sentido, conceitua Mirabete (1997, p. 383) aduzindo que flagrante

o ilcito patente, irrecusvel, insofismvel, que permite a priso do seu autor,

por ser considerado a certeza visual do crime.

A visibilidade seria, portanto, um requisito medular do flagrante

delito. Para Carnelutti4:

Flagrante o delito enquanto constitui prova de si mesmo, e no a qualidade do delito cometido atualmente. De outra forma, todo delito seria flagrante, uma vez que qualquer infrao penal tem sua atualidade. Mas o flagrante, no atualidade, e sim visibilidade do direito.5

Para Frederico Marques, (2000, p. 72) restou claro que:

(...) flagrante delito o crime cuja prtica surpreendida por algum no prprio instante em que o deliquente executa a ao penalmente ilcita. H, assim, a certeza visual do crime, pelo

3 (CARNELUTTI, 1950, p. 77 apud Aury, 2013, p. 49)

4 (CARNELUTTI, 1950, p. 55, apud Frederico Marques ,2000, p. 71)

5 Pontua esse ltimo autor, que a expresso certeza visual do crime foi cunhada pelo Desembargador Rafael

Magalhes no Volume 3 da obra Cdigo de Processo Penal Brasileiro Anotado publicada em 1952.

22

que a pessoa, que assiste cena delituosa, pode prender o seu autor, conduzindo-o, em seguida autoridade competente.

Nota-se que o flagrante delito por essas conceituaes ocorreria

quando h um estmulo visual do crime, ou seja, o flagrante somente

aconteceria quando o crime visto por algum. Para a caracterizao do

flagrante, no seria suficiente a intercorrncia do delito, mas tambm, que ele

seja visto enquanto ocorre. O delito deve, portanto, ser visvel e atual

(BARROS, 1982, p. 130).

O Cdigo de Processo Penal, a doutrina e a jurisprudncia tentam

conceituar vrias espcies de flagrante. O chamado flagrante prprio seria

aquele em que o acusado surpreendido praticando o delito ou quando acaba

de pratic-lo. (TVORA, 2012, p. 462).6 Os incisos I e II, do art. 302 do CPP

dispem sobre essa modalidade de flagrante.

Outra espcie de flagrante o chamado flagrante imprprio,

aquele em que o agente perseguido logo aps o cometimento do crime, em

situao que faa ser presumido que ele o autor do delito. O art. 302, inciso

III, do CPP, prev essa hiptese. No inciso IV, do mesmo dispositivo, tem-se a

espcie do flagrante presumido. Nessa, o acusado preso com instrumentos

que presumam que ele praticou o crime, logo aps seu cometimento (TVORA,

2012, p. 463).

H ainda mais duas hipteses de flagrante: o esperado e o

provocado. Ainda nas palavras de Nestor Tvora (2012, p. 563) no flagrante

esperado tem-se:

O tratamento da atividade pretrita da autoridade policial que

antecede o incio da execuo delitiva, em que a polcia

antecipa-se ao criminoso, e, tendo cincia de que a infrao

ocorrer, sai na frente, fazendo campana (tocaia), e realizando

a priso quando os atos executrios so deflagrados.

6 Importante relembrar que o Cdigo de Processo Penal Brasileiro em vigor anterior a Constituio Brasileira de 1988.

A elaborao do CPP, em 1941, foi marcada pela influncia de doutrinas totalitaristas. Nota-se que deve ser feita a interpretao do mesmo de acordo com os preceitos da CF atual, e no o contrrio. Os conceitos nele prescritos no podem alargar hipteses e limitaes constitucionais.

23

Para Aury Lopes Jr. (2013, p. 64), essa modalidade de priso tem

sua legalidade ou ilegalidade medida a partir da anlise dos casos concretos.

Dependendo da situao, poderia ser caracterizado um crime impossvel.

Desse modo, quando a polcia fica em campana, no instigando ningum e

apreende os indivduos, a priso seria ilcita.

No segundo caso, o agente comete o crime instigado ou induzido

e por isso, preso em flagrante. Contra esse entendimento, o STF editou a

Smula n 145 estabelecendo que No h crime quando a preparao do

flagrante pela polcia torna impossvel a sua consumao.

O flagrante forjado, a seu turno, acontece quando a polcia

manipula uma situao ftica na tentativa de legitimar a priso. A situao

falsa. Nesse caso, a priso ilegal em razo do fato de que no existe conduta

do acusado (LOPES Jr., 2013, p. 63).

O chamado flagrante prorrogado est disposto no art. 8 da Lei

12.850/2013. Essa lei define a chamada ao controlada policial, em que os

policiais observam o delito sendo cometido, mas estrategicamente retardam a

priso para que sejam presos o maior nmero de acusados. Tvora (2013, p

565), diferencia essa hiptese do chamado flagrante esperado. Nesse, a polcia

aguarda o incio dos atos executrios de campana e j realiza a priso,

enquanto naquele, mesmo depois de presenciar o delito, a polcia aguarda

estrategicamente que mais indivduos da suposta organizao criminosa

tambm o cometam.

Aps, brevemente, definir as espcies de flagrante, deve-se ser

explicado como a doutrina trata o flagrante nos chamados crimes permanentes,

dentre eles o trfico de drogas.

24

1.2 O flagrante nos crimes permanentes como o do art. 33 da Lei

11.343/2006

Damsio de Jesus (2010, p. 233) define os crimes permanentes

como aqueles que causam uma situao danosa que se prolonga no tempo. 7

Diferentemente dos crimes instantneos, os quais se completam em um nico

momento. Adverte o autor, alm disso, que o delito em anlise pode atingir

bens jurdicos materiais ou imateriais.

Crime permanente, assim, seria o crime em que o estado

antijurdico da ao tpica se propaga no tempo. Desse modo, como h um

prolongamento da consumao, haveria tambm um alongamento do estado

de flagrncia (AURY, 2013, p. 61).

O art. 33 da Lei 11.343/2006 um dos exemplos de crime

permanente dados pela citada doutrina, em que a conduta dos acusados se

perpetua no tempo, in verbis:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar:

Pena - recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expe venda, oferece, fornece, tem em depsito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, matria-prima, insumo ou produto qumico destinado preparao de drogas;

7 Roxin (1997, p. 329) apud Aury (2013, p. 60) define delitos permanentes como: aqueles em que o crime no est

concludo com a realizao do tipo, seno que se mantm pela vontade delitiva do autor por tanto tempo como subsiste o estado antijurdico criado por ele mesmo.

25

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matria-prima para a preparao de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, para o trfico ilcito de drogas.

2o Induzir, instigar ou auxiliar algum ao uso indevido de droga: (Vide ADI n 4.274)

Pena - deteno, de 1 (um) a 3 (trs) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - deteno, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuzo das penas previstas no art. 28.

4o Nos delitos definidos no caput e no 1o deste artigo, as penas podero ser reduzidas de um sexto a dois teros, vedada a converso em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primrio, de bons antecedentes, no se dedique s atividades criminosas nem integre organizao criminosa. (Vide Resoluo n 5, de 2012)8

Carnelutti (1921, p. 78) ao contextualizar o flagrante com as

hipteses de crime permanente, aduz que o que:

a lei quis dizer que basta o assistir a uma parte, e

precisamente a ltima parte da durao da ao, para

constituir-se o flagrante, cujo princpio expresso a propsito do

delito permanente deve estender-se, por analogia, a todo delito

no instantneo, e assim, ao delito continuado ou

continuativo.9

Badar (2009, p. 97), alinhando-se a viso doutrinria dominante,

explica que:

8 O art. 33 da Lei 12.343/2006 sofre muitas crticas doutrinrias devido sua extenso.

http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4274&processo=4274http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Congresso/RSF-05-2012.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Congresso/RSF-05-2012.htm

26

(...) a priso em flagrante nos crimes permanentes apresenta peculiaridades, justamente pela natureza do crime, no que toca ao seu momento consumativo. O crime permanente aquele em que o momento consumativo se protrai no tempo. (...) O artigo 303 do C.P.P. dispe que Nas infraes permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto no cessar a permanncia (...). A regra do artigo 303 do CPP apenas uma regra de reforo ou explicitao. Mesmo que no existisse, a priso em flagrante seria perfeitamente possvel. Se o crime est se consumando, h a possibilidade da priso em flagrante, na sua modalidade flagrante prprio.10

Mesmo para Aury (2013, p. 61) expoente de uma doutrina

processual que busca uma adequao constitucional dos institutos, a priso em

flagrante e a busca domiciliar sem mandado se aplicam indiscriminadamente

ao crime de trfico de ilcito de entorpecentes. Diz o autor:

importante recordar que o crime permanente estabelece uma relao com a questo da priso em flagrante e, por consequncia, com a prpria busca domiciliar (...). Isso porque, como j explicamos, enquanto o delito estiver ocorrendo (manter em depsito, guardar, ocultar, etc.), poder a autoridade policial proceder busca, a qualquer hora do dia ou da noite, independente da existncia de mandado judicial (art. 5 , XI, da Constituio).

Nas hipteses do art. 303 do CPP, nos crimes permanentes,

como o trfico de entorpecentes, a anlise da priso em flagrante torna-se mais

complexa se vista, como deve ocorrer, atravs de uma abordagem

constitucional. No condiz com a ordem constitucional vigente apenas a

alegao de que o crime permanente em qualquer hiptese permite a entrada

em domiclio.

27

1.2.1 Uma limitao constitucional do conceito de priso em flagrante nos

crimes permanentes

O direito processual penal o campo do Direto que reflete de

modo latente o conflito entre o ius puniendi e o ius libertatis do particular. H

um duelo entre a segurana pblica, de um lado e o direito liberdade e

intimidade de outro (GRANDINETTI, 2009, p. 18).

O inciso XI do art. 5 da Constituio Federal coloca a

inviolabilidade de domiclio dentro do rol de direitos fundamentais.

Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XI - a casa asilo inviolvel do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinao judicial;

Desse modo, a entrada em domiclio deve ser precedida de

mandado judicial durante o dia, e excepcionalmente, em qualquer horrio, em

caso de desastre, para a prestao de socorro e em caso de flagrante delito,

para que o crime encerre-se.

As garantias constitucionais servem para legitimar a interveno

estatal e ao mesmo tempo limit-la. Ferrajoli (2002, p. 03) sustenta que:

o escopo justificador do processo penal se identifica com a garantia das liberdades do cidado, mediante garantia da verdade - uma verdade no cada do cu, mas atingida mediante provas e debatida contra o abuso e o erro.

Quando se fala em princpios e direitos fundamentais dentro do

processo penal, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade de domiclio

devem ser aplicadas nas prticas cotidianas. O primeiro consubstancia-se na

instrumentalizao de barreiras s arbitrariedades do Estado frente ao cidado,

sujeito de direitos e no objeto. Nele, esto consagradas as demais garantias

28

processuais, inclusive a inviolabilidade de domiclio. Ele irradiante frente aos

demais direitos fundamentais (GRANDINETTI, 2009, p. 25).

A Declarao Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 12

preceitua a cerca do direito privacidade. Nos EUA a Quarta Emenda no

menciona acerca do direito privacidade. Contudo, ele extrado da

expresso unreasoable searches and seizures.11, como ser posteriormente,

demonstrado. O direito privacidade est inserido dentro dos chamados

direitos da personalidade, aqueles que s podem se tornar conhecidos, em

regra, quando autorizados pelo titular. O direito privacidade leva ao anseio do

cidado de no ser alvo de observaes por terceiros, nem de ter informaes

pessoais expostas a pessoas por ele no autorizadas. A inviolabilidade do

domiclio, assim, um dos desdobramentos dos direitos da personalidade e da

intimidade. (MENDES, 2012, p. 263).

A Constituio Federal de 1988 trouxe uma novidade substancial

frente ao antigo sistema: a exigncia de mandado judicial para o ingresso na

casa de terceiro, excetuando-se as situaes de desastre, prestao de

socorro, e o ora debatido, flagrante delito. Pontue-se que, anteriormente

Constituio de 1988, no lugar da expresso citada estava o vocbulo crime

(GRANDINETTI, 2009, p. 90). Surge dessa substituio uma discusso a

respeito conceito de flagrante adequado aos ditames da Constituio.

Ocorre que as hipteses previstas no art. 302 do Cdigo de

Processo Penal alargam o previsto pelo constituinte, se interpretadas somente

atravs da lgica-formal.

Tornaghi (1991, p. 91) contextualiza o rol previsto no art. 302 do

Cdigo de Processo Penal:

A hiptese do inciso I a nica de verdadeiro flagrante. As outras trs so algo anlogo ao flagrante, quase-flagrante, ist , como que flagrante. A lei sabe que na realidade no h flagrante, mas as trata como se flagrante houvesse. Em outras palavras, ela finge que h flagrante. Como se dissesse, h uma fico jurdica.

11

Buscas e prises no razoveis. Traduo nossa.

29

Grandinetti (2009, p. 91), a seu turno, ressalta que ser

diferente de assemelhar-se. O autor constri atravs de sua argumentao

que as hipteses dos incisos III e IV do j citado artigo 302, s so tidas como

flagrante porque a lei diz. Surge ento o problema de definir-se o qual a

definio correta e constitucional do termo flagrante delito. Um entendimento

poderia chegar concluso de que a definio de flagrante foi deixada pelo

constituinte como encargo ao Cdigo de Processo Penal. Caso se adote essa

interpretao, seria possvel penetrar em casa alheia sem mandado judicial, de

dia ou noite, em todos os casos previstos no artigo 302 supracitado.

Contudo, essa interpretao no condiz com um Estado

Democrtico de Direito o qual tem como base a proteo dos direitos do

cidado frente ao peso do poder Estatal. Explica-se que as excees

inviolabilidade do domiclio devem estar taxativamente previstas na

Constituio, sendo vedado o alargamento dessa lista pela interpretao dos

conceitos. Pelo exposto, concluiu o autor que a entrada em domiclio alheio

uma exceo ao direito privacidade, sendo legal apenas nos casos previstos

taxativamente na Constituio, ou seja, apenas no caso do chamado flagrante

prprio (GRANDINETTI, 2009).

Gilmar Mendes (p. 92, 2012), aponta que os direitos e garantias

fundamentais, como a inviolabilidade de domiclio devem ser interpretados a

partir de tica pautada nos fins sociais almejados pelo legislador. A

Constituio notadamente marcada pela presena de normas que apenas

orientam a regulao de certos institutos, como a priso em flagrante. O modo

e a intensidade de sua efetivao devem ser dados pelos aplicadores do

direito.

Aduz, ainda que dentre os vrios mtodos utilizados para se

interpretar os preceitos constitucionais, desponta o mtodo hermenutico-

concretizador. Nesse, o primado do problema insere-se no texto constitucional

a partir de uma situao concreta. O sentido da norma seria obtido atravs de

uma pr-compreenso do enunciado e tambm das circunstncias histricas

30

concretas que circundam o problema. A realidade social, nesse contexto,

comporia a prpria estrutura da norma, no podendo o interprete afast-la12.

Interpretando-se a Constituio a partir do mtodo supracitado

pode concluir-se que o legislador s ansiou permitir a invaso de domicilio em

situaes de urgncia: flagrante delito, desastre e para prestar-se socorro. O

Constituinte elencou o flagrante delito nessas hipteses idealizando a situao

de flagrante prprio, aquela em que o crime est ocorrendo e reveste-se de

especial gravidade, no permitindo por sua prpria caracterstica a espera pela

expedio de mandado.

A especial gravidade do crime, em se tratando de crimes

permantes, consubstancia-se no perigo efetivamente gerado ao bem jurdico

protegido.

Damsio de Jesus (2010, p. 229) difere os crimes de dano e os

de perigo. Nos primeiros, a consumao s ocorre com a efetiva leso gerada

ao bem jurdico, como por exemplo, o homicdio (art. 121 do CP). J nos crimes

de perigo, a consumao ocorre com a mera possibilidade de dano. O exemplo

dado o crime de incndio (art. 250 do CP).

No crime de perigo abstrato, no h, uma vtima concreta, uma

vez que o dano resulta da prpria omisso/ao do agente. O trfico de drogas

um crime permanente (se prolonga no tempo) de perigo abstrato em que o

bem jurdico protegido, a sade pblica, presume-se violado pela simples ao

(vender) ou omisso (possuir) do sujeito ativo.

Paralelamente, nos crimes permanentes de perigo concreto h

uma possibilidade real de leso aos bem jurdicos protegidos. Por exemplo, na

extorso mediante seqestro (art. 159 do CP), os bens jurdicos protegidos, a

liberdade pessoal e a propriedade do sujeito passivo (GRECO, 2011, p. 253)

esto, em tese, sendo violados continuamente. Desse modo, a

excepcionalidade da entrada policial sem autorizao judicial justificar-se-ia na

12

Para o autor, o sentido das normas constitucionais deve vincular-se ao texto constitucional. Ademais, deve ser feita uma mediao entre o texto o caso concreto. Gilmar Mendes cita alguns autores que desenvolveram a teoria. Canotilho explica que cria-se um crculo hermenutico, um movimento de ir e vir entre texto e contexto. Hesse, afirma que os princpios da interpretao constitucional, como a Unidade, auxiliam nessa tarefa do interprete. Por fim, Muller citado explicando que o interprete deve considerar a realidade social para realizar sua busca hermenutica.

31

medida em que cessaria a leso. No trfico de drogas, por no haver leso real

que se prolonga no tempo ao bem jurdico, poder-se-ia esperar a autorizao

judicial para a entrada em domiclio para apreender-se provas e suspeitos.

Conclui-se que a interpretao da Constituio e dos dispositivos

infralegais que regulam a matria deve ser feita de modo a reconhecer a

importncia irradiante do texto constitucional como instrumento fundamental de

regulao da convivncia social, principalmente, garantindo a dignidade da

pessoa humana no espao pblico e, como no poderia deixar de ser, dentro

de seu domiclio (MENDES, 2012).

Os direitos constitucionais, nesse sentido, devem atuar para evitar

o abuso do poder pelas estruturas estatais. A mera dvida ou indcio no so

suficientes para a imposio de medidas, como a priso em flagrante, que

cerceiem a liberdade individual do acusado durante o processo, sem que ao

menos haja uma deciso judicial fundamentada.

1.3 A jurisprudncia brasileira sobre o tema

A jurisprudncia brasileira majoritariamente no entende que a

entrada de policiais em domiclio, de dia ou de noite, sem mandado para a

realizao de buscas e prises no caso do crime de trfico de drogas deva

ocorrer apenas em situaes excepcionais. Vrios julgados no Superior

Tribunal de Justia13 justificam a invaso de domiclio apenas pelo fato do

crime do art. 33 da Lei 11.343/2006 ser classificado doutrinariamente como um

delito permanente, ou seja, estar sempre se consumando.

Esse argumento frequentemente repetido sem que haja a

anlise das situaes concretas. Seguem algumas ementas de julgados do

Superior Tribunal de Justia que comprovam que no h exame, na maioria

dos casos, de como ocorreu a entrada policial e a priso.

13

Em breve pesquisa realizada no stio eletrnico do Superior Tribunal de Justia, foram encontrados 29 casos em que foi discutida a ilegalidade das provas obtidas com a entrada policial em domiclio no crime de trfico de drogas. Alm da repetio do argumento de a permanncia do delito possibilita a entrada, notou-se a reproduo de outro argumento, a impossibilidade de revolvimento da matria ftico-probatria.

32

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRFICO ILCITO DE ENTORPECENTES. PRISO EM FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. AUSNCIA DE NULIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

1. O trfico ilcito de drogas crime permanente, o que enseja o prolongamento no tempo da flagrncia delitiva, enquanto durar a permanncia. 2. Tratando-se o trfico ilcito de drogas de crime permanente, no h se falar em ilegalidade da priso em flagrante por violao de domiclio, uma vez que a Constituio Federal, em seu art. 5, inciso XI, autoriza a entrada da autoridade policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedio de mandado judicial. Precedente. (GRIFO NOSSO) 3. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 267.968/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013)

TRFICO DE ENTORPECENTES. PRISO EM FLAGRANTE. PROVA ILCITA. 1. Cuidando-se de crime de natureza permanente, a priso do traficante, em sua residncia, durante o perodo noturno, no constitui prova ilcita. Desnecessidade de prvio mandado de busca e apreenso. (GRIFO NOSSO) 2. HC indeferido. (HC 84772, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 12-11-2004 PP-00041 EMENT VOL-02172-02 PP-00336 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 474-476)

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE TRFICO ILCITO DE DROGAS. PRISO EM FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. VIOLAO AO PRECEITO CONTIDO NO ART.5., INCISO XI, DA CONSTITUIO. INOCORRNCIA. REGIME PRISIONAL: OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO AFASTADA. NECESSIDADE DE OBSERVNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, 2. E 3. DO CDIGO PENAL. PRECEDENTES. PENAS-BASE NO MNIMO LEGAL. CONCESSO, DE OFCIO, EM RELAO A UM DOS PACIENTES. SUBSTITUIO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INVIABILIDADE. PENAS SUPERIORES A 04 ANOS. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. Os Pacientes foram surpreendidos com 112 trouxinhas de cocana (25,01g), 129 invlucros de maconha (177,54g) e 185 invlucros de crack (18,50g). (...) 2. O trfico ilcito de drogas crime permanente, razo por que no h se falar em ilegalidade da priso em flagrante por violao de domiclio, pois a Constituio Federal, em seu art. 5, inciso XI, autoriza a entrada da autoridade policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedio de mandado judicial. (GRIFO NOSSO) 3. (...)7. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida a fim de determinar ao Juzo das Execues Penais que, afastada a obrigatoriedade do regime inicial fechado, proceda fixao do regime prisional adequado

33

ao Paciente RAFAEL ASSUNO DA SILVA, e, mediante a concesso de writ, de ofcio, adote o mesmo critrio em relao ao Paciente RODRIGO TEODORO ALVES CABRAL. (HC 204.108/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe 17/04/2013)

HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICNCIA E ASSOCIAO PARA O TRFICO DE DROGAS. (ART. 33, CAPUT, E 35 DA LEI 11.343/06). PRISO EM FLAGRANTE EFETUADA NA CASA DA PACIENTE. INOCORRNCIA DE VIOLAO DE DOMICLIO.CRIME PERMANENTE. DILATAO TEMPORAL DO ESTADO DE FLAGRNCIA.PARECER DO MPF PELA DENEGAO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. O crime pelo qual a paciente acusada - trfico de substncias entorpecentes - permite a dilatao temporal do estado de flagrncia, na medida em que possui natureza jurdica de delitos permanentes, razo pela qual a busca domiciliar e a priso da paciente em sua casa, sem amparo de mandado judicial, no constituem violao de domiclio nem tampouco contaminam as provas colhidas. (GRIFO NOSSO) 2. In casu, no ocorreu a violao de domiclio vedada pela Constituio Federal, uma vez que o estado de flagrncia permite a entrada de policiais no domiclio da paciente para interromper ou coibir a ao delituosa.3. Parecer do MPF pela denegao da ordem.4. Ordem denegada.(HC 135.491/DF, Rel. Ministro NAPOLEO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 29/03/2010)

Nota-se que as particularidades dos casos no so analisadas

pelos julgadores. No se analisa o que embasou a entrada dos policiais, se o

procedimento policial iniciou-se com base em denncias annimas ou atravs

de prvias investigaes, competncia sempre da polcia civil e no militar 14.

O argumento de justificao da atividade policial de suma

importncia, pois pode ensejar a aplicao da chamada teoria da rvore dos

frutos envenenados, a qual ser explicada no prximo captulo. Caso a

entrada policial seja baseada em situaes ilegais, as provas apreendidas e as

prises realizadas posteriormente devero ser consideradas do mesmo modo

ilcitas.

Como j explicitado acima, no satisfatrio meramente apontar

a natureza do crime de trfico de drogas para justificar a invaso de domiclio,

deve-se analisar o caso concreto. A expedio de mandado de busca e

14

A polcia militar responsvel pelo chamado policiamento ostensivo, enquanto a polcia civil tem funo

investigativa, conforme art. 144 da Constituio Federal.

34

apreenso deve ser a regra, em todos os casos, e no a exceo. A busca, e

posterior priso, realizadas sem mandado devem ocorrer apenas em casos em

que a expedio do mandado seja impraticvel, s assim estar-se-

respeitando o direito constitucional de inviolabilidade de domiclio.

Embora, a regra ainda seja a alegao de permanncia

justificando a entrada policial, alguns magistrados brasileiros, fazendo uma

interpretao constitucional baseada no na lgica-formal, mas sim, em uma

leitura global dos preceitos constitucionais, limitam as hipteses em que se

permite a busca sem mandado.

1.3.1 Precedentes brasileiros: buscando a justificao constitucional da

busca com mandado

Os seguintes casos foram coletados em buscas realizadas nos

stios eletrnicos dos Tribunais do Distrito Federal, So Paulo e Santa Catarina.

Procurou-se compreender, para alm dos casos ocorridos em a Salvador, e

que sero relatados no terceiro captulo, como algumas decises caminham

para um entendimento diverso do dominante. O intuito demonstrar como

alguns juzes e desembargadores vm alterando o discurso acerca da

ilegalidade das provas e da violao de domiclio no crime de trfico, embora

ela ainda seja incipiente.

Na apelao n 0011071-38.2009.26.0566, julgada pela 4

Cmara de Direito Criminal do Tribunal de Justia do Estado se So Paulo, o

Tribunal afirmou que os policiais militares que entraram em domiclio deveriam

ter requisitado anteriormente um mandado de busca. No caso em anlise, os

policiais ingressaram na casa do suspeito sem mandado meia noite,

encontrando drogas, prendendo o acusado, o qual foi posteriormente

processado pelo crime.

A Turma confirmou a deciso do Juiz sentenciante, no dando

provimento a apelao do representante do Ministrio Pblico. O magistrado

asseverou que os policiais militares que realizaram a busca deveriam ter

requisitado o mandado, vez que o fato do crime de trfico de drogas ter efeitos

35

permanentes, no justifica por si s, os atos praticados pelos policiais, os quais

devem ser sempre justificados.

A 7 Cmara Criminal do TJSP ao julgar a apelao n 0020153-

57.2006.8.26.00224, afirmou que o relato dos policiais no caso demonstrou a

ilegalidade na busca em domiclio ocorrida em plena madrugada a qual violou

normas processuais e constitucionais, como a inviolabilidade de domiclio (art.

5, inciso XI da CF) e a obrigatoriedade de expedio de mandado (art. 241 do

Cdigo de Processo Penal). Para a Turma, o argumento de que o crime

permanente dispensa a expedio de mandado errado, j que a ilicitude da

ao policial antecede a apreenso da droga. A ilegalidade j est

consubstanciada anteriormente no ingresso dos agentes policiais em domiclio.

No recurso em sentido estrito n 90.09.332009-6, apreciado pela

16 Cmara de Direito Criminal do TJSP, foi mantida a deciso da primeira

instncia que relaxou a priso em flagrante, por considerar que a ao policial

violou a inviolabilidade domiciliar. A Turma afirmou, em sntese, que a busca

ilegal em sua origem, em razo do fato de no constar nos autos, informaes

seguras das fontes que noticiaram a prtica do delito. Para ela, a afirmao de

que houve denncias annimas no pode justificar a busca, o que tornou a

atividade policial, no caso, arbitrria. Ademais, no constava nos autos a

descrio do modo como os policiais entraram na residncia.

No mesmo sentido, os Desembargadores do Tribunal de Justia

do Distrito Federal decidiram no Acrdo n 0175620010110776087:

(...) no h dvida no sentido de que o trfico de entorpecentes se trata de crime permanente. No entanto, a colheita da prova acerca da sua ocorrncia fica subordinada aos preceitos constitucionais que asseguram, como regra, a inviolabilidade do domiclio. De fato, conforme decidido, no podem os agentes policiais realizar busca e apreenso sem ordem judicial (...), de modo que o que se apurar, a partir de ento, fica contaminado pela ilicitude, ex radice, da violao de domiclio.

No caso em tela, os policiais tinham notcia da existncia do crime

de trfico. A partir dessa informao fizeram campana perto da casa da sogra

do acusado. Com o acusado no foram encontradas drogas sendo

transportadas por ele, os policiais invadiram a casa de sua sogra. No local,

36

foram encontradas substncias entorpecentes. Para a Turma, toda a diligncia

policial foi comprometida, uma vez que no havia nenhuma autorizao

expressa para o ingresso em domiclio, o que contaminou as provas obtidas.

Cabe, ademais, fazer referncia deciso proferida pelo Juiz

Iolmar Alves Baltazar, Substituto da 2 Vara da Comarca de Barra Velha, Santa

Catarina nos auto do processo n 006.12.002469-715 No caso, novamente, os

policiais entraram em domiclio alheio sem autorizao judicial ou do prprio

morador.

O magistrado destacou, na deciso que relaxou o flagrante, que:

(...), em que pese o trfico de entorpecentes e posse de armas sejam delitos permanentes, o ingresso na residncia sem mandado judicial no estava autorizado, porque o que se protrai no tempo, como o caso do crime permanente, no tem a urgncia que justificaria a quebra da garantia da inviolabilidade de domiclio, sem a devida determinao judicial. Ora, se havia fundada razo para se acreditar que o indiciado, investigado em Joinville, estava no local, a Polcia Militar deveria haver noticiado a suspeita Polcia Civil ou ao Ministrio Pblico para que, realizada investigao a respeito, houvesse a representao pela busca e apreenso na residncia, seguindo-se, ento, o devido processo legal.

Prossegue o magistrado:

(...), o que se vivencia em nosso Pas um Estado cada vez mais reduzido, sem nenhuma garantia aos direitos sociais e totalmente sucateado no que se refere segurana pblica. A segurana pblica como um todo est sucateada. As investigaes policiais, quando feitas, no raro so anuladas diante da no observncia das garantias e direitos fundamentais dos envolvidos. No se realizam percias por falta de estrutura dos Institutos de Percia, no se investiga por falta de estrutura da Polcia Civil e invariavelmente ilegalidades so cometidas sob a justificativa de combater a impunidade e reduzir a criminalidade. Ocorre que as investigaes criminais mal conduzidas, apressadas, no af de dar a resposta que a sociedade espera, so causas de impunidades. Isso porque, em um Estado Democrtico de Direito, no se admite que prises sejam realizadas ilegalmente e que cidados sejam processados e condenados sem que se observe o devido processo legal.

37

Apesar, desses julgados expostos, como dito anteriormente, a

doutrina e jurisprudncia brasileira ainda so extremamente silentes em

relao discusso aqui exposta. No se debate os casos concretos, apenas

afirma-se, sem uma fundamentao clara e firme, que a permanncia do trfico

de drogas possibilita a invaso de domiclio em qualquer hiptese.

No prximo captulo, buscando um paralelo com as situaes aqui

tratadas, ser discutido como a doutrina americana trata diferentemente (ou

no) as hipteses de busca sem mandado, naquele pas chamada de

warrantless search.

38

CAPTULO 2

A DOUTRINA E A JURISPRUDNCIA NORTE AMERICANA E AS

HIPTESES DE BUSCA SEM MANDADO

Introduo

O sistema de justia americano, o Common Law, assim como o

sistema em que a jurisdio brasileira se insere, o Civil Law, tem como uma de

suas finalidades a soluo de conflitos. So sistemas diferentes, que, no

primam, atualmente, pela tentativa de proteo dos direitos individuais dos

cidados frente s intervenes do Estado.

Nesse captulo, ser apontado como a jurisprudncia americana,

a qual tem enorme influncia no contexto do Common Law, define as hipteses

permissivas de entrada policial em domicilio sem mandado, as chamadas

warrantless searches, e suas hipteses baseadas na Quarta Emenda

Constituio Americana, que se mostra como a garantia de proteo

liberdade e privacidade dos particulares. O estudo baseou-se na leitura de

doutrina americana acerca dos casos, e algumas vezes, em seu inteiro teor.

A discusso objetivar demonstrar como, diferentemente, do

Brasil, nos Estados Unidos h uma discusso sobre a atividade policial e sua

discricionariedade, esquematizando-se formas de limitao aos meios de ao

dos agentes estatais incumbidos da proteo segurana pblica.

A prova obtida com violaes a liberdades individuais, como a

inviolabilidade de domiclio, so desentranhadas do processo devido a ilicitude

de sua origem. Diferentemente do que acontece no Brasil, como ser

demonstrado no captulo terceiro a partir de anlises dos processos colhidos

nas Varas Criminais de Salvador, onde, legitimam-se as abordagens policiais

que desrespeitam os cidados, sob o discurso de combate s drogas e

criminalidade.

39

2.1 Breve introduo sobre o Civil Law e o Common Law

A ordem jurdica tem como um dos fins a regulao das relaes

entre os indivduos entre si, e entre esses e o Estado. Surgem ento sistemas

de justia que buscam, atravs de leis predeterminadas, solucionar conflitos,

tentando restaurar a convivncia pacfica. Dentro desse contexto, surgiram dois

sistemas de justia, o Common Law e o Civil Law, cada um com caractersticas

prprias resultantes de contextos histricos distintos.

No primeiro sistema, o Common Law, adotado nos Estados

Unidos e Inglaterra, pases influenciados pela cultura anglo-saxnica, o direito

no previamente determinado por um processo legislativo fixo, como ocorre

no Civil Law, mas sim desenvolvido atravs dos costumes, das decises nos

casos concretos e da cultura dos povos. Pode se dizer que o direito no

Common Law criado pelos Tribunais e se desenvolve continuamente atravs

de decises baseadas em casos anteriormente julgados, chamados de

precedentes. A segurana jurdica, diferentemente do Civil Law, encontra-se

em precedentes jurdicos e no em normas pr-estabelecidas.

O Civil Law, sistema se justia adotado no Brasil, surge no

contexto da Revoluo Francesa de 1789, a qual tinha o objetivo de eliminar as

sombras do Absolutismo, limitando o poder estatal ilimitado dos monarcas.

Dado esse contexto, o movimento histrico culminou na instituio de um

formalismo jurdico, restrigindo as formas de interpretao do texto legal. A lei

valia como estava escrita no podendo ser desvirtuada. Caso isso ocorresse,

estar-se-ia impondo sociedade uma forma de autoritarismo jurdico. O texto

legal no Civil Law tem como escopo a limitao da atuao do juiz, o qual atua

apenas na subsuno da norma ao caso concreto (CASTRO e GONALVES,

2012).

As caractersticas acima possuem apenas o desgnio de introduzir

o presente tema a partir da diferenciao de dois sistemas de justia to

distintos e complexos. Partindo dessas premissas, cabe analisar como os

40

sistemas criminais brasileiro e americano lidam com problema a seguir

exposto.

2.2 A Quarta Emenda Constituio Americana

Nos EUA, a priso em flagrante tem o nome de warrantless

search (deteno sem mandado), sendo aceita no caso de infraes mais

graves, conhecidas como felony16 e, outras situaes que sero a seguir

delimitadas. Os agentes policiais, quando razoavelmente convencidos da

autoria e da materialidade do delito, podem prender os acusados anteriormente

expedio da ordem escrita da autoridade competente. A razoabilidade

medida por um balano entre a natureza da intruso da privacidade do cidado

de um lado, e a promoo de um legtimo interesse governamental, de outro

(SALTZBURG e CAPRA, 1996, p. 34).

No h diferenciao entre as hipteses de priso em flagrante

nos crimes permanentes ou de nica ao. As circunstncias de uma

warrantless search so diferentes do Brasil. A Quarta Emenda Constituio

Americana , naquele pas, a garantia de proteo liberdade e privacidade

dos particulares frente ao poder estatal:

The right of the people to be secure in Their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, Shall not be violated, and no Warrants Shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and Particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.17

Ela s pode ser aplicada onde existir uma atividade estatal. Sem

uma ao estatal ela inaplicvel, regulando quando e como a atividade

estatal de buscar evidncias e prender acusados razovel. A regra s permite

que os agentes policiais realizem buscas nas seguintes hipteses: quando j

existe um mandado de busca, ou sem ele, havendo uma causa justificvel ou

16

Felonys e misdemeanors na justia penal americana podem ser entendidos, traando-se um paralelo com a justia criminal brasileira, como os crimes e as contravenes, respectivamente. Desse modo, a busca sem mandado e suas situaes excepcionais s so aceitas nos chamados felonys. 17 "O direito do povo de estar seguro documentos e efeitos, contra buscas e apreenses no razoveis no deve ser violado, e nenhum mandado ser expedido se no embasado em uma causa provvel, apoiada por juramento ou afirmao, e, particularmente, descrevendo o local a ser pesquisado, e as pessoas ou coisas a serem apreendidas."

41

o consentimento do suspeito. Entretanto, onde a proposta de busca no a

aplicao da lei penal, mas outros interesses governamentais, as garantias

advindas dessa emenda no so do mesmo modo aplicadas18. No existe

busca e apreenso sem que exista a chamada causa provvel. Essa causa

seria a juno de indcios verossmeis com uma justificativa legtima para

abordar uma pessoa, baseada em uma investigao ou testemunho direto.

Restringe-se a atuao de percepes subjetivas, discricionrias.

(SALTZBURG e CAPRA, 1996, p. 33)

Outro ponto relevante sobre a regra em destaque que ela no

prev remdios contra a sua violao, assim como as outras garantias

estabelecidas pela Constituio Americana - The Bill of Rights - (Saltzburg e

Capra, 1996), como por exemplo, o direito a no auto incriminao protegido

pela Quinta Emenda. Dessa forma, as violaes devem ligar-se a chamada

regra de excluso de provas, que ser posteriormente explicada.

A doutrina separa a Quarta Emenda em duas partes

(SALTZBURG e CAPRA, 1996). Na primeira premissa, ela lidaria com as

chamadas unreasonable searchs e a segunda parte com as prises. A

interpretao dada ao dispositivo que tanto as prises quanto as buscas

devem, em regra, sempre ser precedidas de um mandado. Caso isso no

ocorra, elas sero presumivelmente desarrazoadas. Tal regra tida como um

princpio fundamental decorrente da Constituio (Mincey v. Arizona, 437 U.S.

385 (1978).

A segunda premissa que as buscas e apreenses devem

preencher dois requisitos: a) serem razoveis; e b) devem ser precedidas de

um mandado que se basear na chamada probable cause. Logo, a regra

que para que as prises e buscas sejam consideradas legais, conforme o

disposto na Constituio Americana, devem ser razoveis, e precedidas de

mandado baseado em uma causa provvel. Esse o preceito bsico e

fundamental que regula os aludidos institutos. Caso ocorra uma das excees

que possibilitem a busca sem mandado, somente o primeiro requisito dever

18

Esses outros interesses governamentais so chamados pela doutrina americana de special needs e sero posteriormente explicados.

42

ser preenchido, ou seja, a priso sem mandado, paralela a priso em flagrante

precisa ser razovel.

notvel que recentemente a Corte vem decidindo que a

razoabilidade a questo que deve predominar em se tratando de protees

decorrentes da Quarta Emenda. Tal fato decorre principalmente dos chamados

special needs invocados pelo Governo na guerra contra o terrorismo. No

entanto, mesmo o critrio discricionrio da razoabilidade tornando-se

preponderante, as buscas e prises sem mandado ainda so excepcionais

naquele pas (ANDERSON e GARDNER, 2013, p. 278).

Determinar uma causa considervel no contexto da atividade

policial exige uma anlise das circunstncias para determinar qual a

probabilidade de se achar uma evidncia com a busca. A deciso tomada

deve examinar previamente os fatos de forma objetiva e razovel para

compreender se a priso e a busca se fazem necessrias ou no.

2.3 A inviolabilidade e a intimidade: proteo de casas ou pessoas

Segundo Saltzburg e Capra (1996, p. 42), a Corte tambm

estabeleceu que as buscas e apreenses sem mandado podem ocorrer

quando no existir o que se entende por legitimate expectation of privacy19.

Por exemplo, quando uma arma estiver exposta a viso de qualquer pessoa,

no h violao de privacidade se ela for apreendida. Outro caso em que no

se exige o mandado ocorre quando h permisso do indivduo para que ocorra

a busca de provas (MORGAN, 1991).

Em uma primeira anlise, se percebe que a emenda protege a

privacidade. No entanto, esse direito no absoluto. Em outro giro, a regra

legitima as buscas e prises baseadas no motivo razovel.

19

Em Katz v. United States (389 U.S. 347, 357 (1967) a Corte afirmou que a Quarta Emenda protege as pessoas e no os lugares. A casa no o objeto principal da proteo. O Tribunal declarou que: "For the Fourth Amendment protects people, not places. What a person knowingly exposes to the public, even in his own home or office, is not a subject of Fourth Amendment protection . . . . But what he seeks to preserve as private even in an area accessible to the public, may be constitutionally protected." Essa distino fundamental na comparao da trajetria do direito privacidade nos EUA e no Brasil.

43

Em Katz v. United States (389 U.S. 347, 357 (1967), a Corte

asseverou que a 4 emenda protege as pessoas e no os lugares. A casa no

o objeto principal da proteo. O Tribunal declarou que:

For the Fourth Amendment protects people, not places. What a person knowingly exposes to the public, even in his own home or office, is not a subject of Fourth Amendment protection . . . . But what he seeks to preserve as private even in an area accessible to the public, may be constitutionally protected.

A partir desse julgamento, compreendeu-se que havia um

problema em torno da expectativa de privacidade que os indivduos atribuem a

suas condutas e, no apenas, a casa, em si. Convencionou-se nomear essa

assertiva de Katz principle, do qual decorreram algumas sub-regras, como por

exemplo, a chamada open fields rule, doutrina dos campos abertos, em

traduo literal, a seguir explicada.

No caso Hester v. United States, 265 U.S 57 (1924), o Tribunal

fez a distino entre os chamados campos abertos e as reas

constitucionalmente protegidas como a casa. Foi decidido que a entrada de

policiais nos campos abertos no regulada pela Quarta Emenda, em razo da

falta de expectativa de privacidade dos indivduos nesses lugares. A

expectativa de privacidade, para a Corte, pode ser medida. Se as informaes

obtidas pela polcia na busca so de conhecimento pblico, no haveria

nenhuma violao aos direitos constitucionais (SALTZBURG e CAPRA, 1996,

p. 44).

A expectativa de privacidade, embora mais presente em reas

particulares, no pode ser negada em algumas reas de acesso pblico. Por

exemplo, no caso Connecticut v. Mooney , 218 Conn. 85, 588 A2d 145 (1991),

a corte confirmou que um morador de rua depositava expectativa de

privacidade em sua mochila e caixa de papelo, as quais estavam em um lugar

pblico, quando policiais as revistaram. O chamado Katz principle, portanto,

estabelece os limites da atividade estatal frente ao conflito de interesse pblico

e privado (SALTZBURG e CAPRA, 1996).

44

A seguir, sero descritos precedentes jurdicos da Corte

Americana que demonstram hipteses em que no se faz necessria a

expedio de mandado, o que no Brasil, poderia ser entendido paralelamente

com a priso em flagrante delito. Destacar-se- a existncia de algumas

particularidades nas prises e apreenses l realizadas pela polcia.

2.4 A Corte Americana e as decises correlatas ao tema da priso em

flagrante

A Suprema Corte em 1989 identificou os chamados special

needs definidos como condies bsicas de sade, segurana, educao que

o Estado deve buscar para manter o bem-estar da sociedade como um todo.

Nessa busca, o Estado utilizaria suas funes administrativas, no sendo

necessrio na maioria desses casos mandados de busca. Alm disso, as

evidencias obtidas nessa rotina administrativa s so aceitas se forem

respeitados determinados limites. No caso See v. City of Seattle 387 U.S. 541

(1967), a corte deixou claro que um mandado de busca no necessrio em

situaes emergenciais como, por exemplo, a apreenso de comida estragada

ou em vacinaes compulsrias. (ANDERSON E GARDNER, 2013).

Em buscas realizadas dentro de escolas, a Corte entende que a

expedio de uma mandado de busca imprprio para o ambiente, interferindo

na manuteno do rpido e informal procedimento disciplinar necessrio nas

escolas. Permite-se, assim, que os professores, baseados na existncia de

uma suspeita razovel, realizem buscas em estudantes. Nesses casos, trs

fatores delimitam o que seria uma suspeita razovel: as legtimas expectativas

dos estudantes a respeito de sua privacidade, os limites que tornam a busca

intrusiva e, por fim, se so questes relacionadas a escola que embasam a

suspeita. A Corte Americana, ao longo dos anos, desenvolveu inmeras

interpretaes para a Emenda. No caso United States v. Verdugo Urquidez

494 U.S. 259 (1990), a corte entendeu que ela s se aplica ao povo americano

contra abusos do seu prprio governo. Outra questo relevante que a

proteo se aplica tanto a pessoas, quanto a objetos, recebendo os segundos

surpreendentemente por vezes mais proteo que os primeiros (ANDERSON E

GARDNER, 2013).

45

As excees regra da expedio de mandado foram construdas

pela Corte Americana ao longo das decises do Tribunal. Inicialmente, no

existiam reservas ao preceito. Em United States v. Rengifo 832 F.2d 722

(1987)20, a Corte pontuou que:

() exigent occur when circumstances could a reasonable officer to believe que delay acting to obtain infor a warrant would, in all likelihood, permanently frustrate police an important objective, such as to Prevent the destruction of evidence Relating to criminal activity or to secure an arrest before the suspect can commit Further serious harm. 21

Saltzburg e Capra (1996, p. 42) repreendem a ampla abertura

dada pela Corte s hipteses que permitem a busca e a priso sem mandado.

Para esses autores, a Suprema Corte Americana utiliza a linguagem de modo

arbitrrio para determinar tais situaes, estabelecendo que em determinadas

circunstncias o prvio mandado necessrio e em outras, aparentemente

semelhantes, no. A fronteira entre as hipteses no claramente delimitada,

o que traz insegurana em todo o sistema criminal j que se h indeterminao

no estabelecimento das excees pelo Tribunal, na atuao policial ela ainda

maior. Os autores continuam a crtica asseverando que ao longo do tempo,

foram atribudas tantas excees regra, que ela se esvaziou. Nesse sentido,

convm citar Justice Scalia no caso Califrnia v. Acevedo, 500, U.S, 565

(1991), o qual elucida que a Corte Americana ora respeita a necessidade

categrica do mandado, ora analisa apenas a questo da razoabilidade da

conduta policial, no estabelecendo balizamentos claros de aplicao da regra.

Embora a principal questo abordada no trabalho seja a

comparao entre hipteses de priso e busca sem mandado no crime de

trfico de droga, convm analisar o caso Florida v. Jardines 569 U.S. (2013),

em que a priso mesmo embasada em um mandado, foi considerada ilegal foi

considerada ilcita em razo da falta de uma causa provvel.22

20 http://www.leagle.com/decision/19881658858F2d800_11542 < Acesso em 24 de outubro de 2013> 21

(...) as exigncias ocorrem quando, razoavelmente, um policial acredita que o atraso para obter um mandado pode, com toda probabilidade, frustrar um importante objetivo policial, como impedir a destruio de uma evidncia relacionada a uma atividade criminal ou assegurar uma priso antes que o suspeito possa cometer danos mais graves. (Traduo livre)

22

Florida v. Jardines 569 U.S. (2013). http://www.supremecourt.gov/opinions/12pdf/11-564_5426.pdf. < Acesso em 04 de novembro de 2013>

http://www.leagle.com/decision/19881658858F2d800_11542http://www.supremecourt.gov/opinions/12pdf/11-564_5426.pdf

46

Uma denncia annima foi dada a polcia em novembro de 2006

sobre uma provvel plantao de maconha. Um ms depois, a polcia de Miami

realizou uma busca atravs de ces farejadores, que deram um alerta positivo

para a presena da droga. Primeiramente, no havia mandado para a busca

ser realizada pelos ces farejadores. S aps a confirmao do sinal da

presena de drogas, os policiais providenciaram um mandado de busca para

entrar no domiclio do senhor Jardines. Enquanto o mandado era

providenciado, os policiais permaneceram no jardim da residncia. Nessa cena

de crime, o acusado tentou fugir pelas portas do fundos, tendo sido capturado

logo em seguida.

Os argumentos a favor da legalidade da priso tiveram trs

principais eixos de defesa: o fato do co farejar a droga no um caso de

busca realizada com base Quarta Emenda; a presena do co e do policial na

porta da casa era absolutamente legal e por fim a droga inevitavelmente seria

descoberta.

No entanto, para o Tribunal da Florida:

We have said that the Fourth Amendment draws 'a firm line at the entrance to the house.' That line, we think, must be not only firm but also bright which requires clear specification of those methods of surveillance that require a warrant."[13] Given the special status accorded a citizen's home in Anglo-American jurisprudence, we hold that the warrantless "sniff test" that was conducted at the front door of the residence in the present case was an unreasonable government intrusion into the sanctity of the home and violated the Fourth Amendment. We quash the decision in Jardines and approve the result in Rabb.[14] ^ Kyllo v. United States, 533 U.S. 27, 40 (2001), 121 S.Ct. 2038, (quoting Payton v. New York, 445 U.S. 573, 590 (1980), 100 S.Ct. 1371).23

A Corte ressaltou a diferena entre uma busca realizada por ces

farejadores dentro de veculos e em domiclios. Argumentou-se que, nos casos

em que a busca ocorreu em lugares pblicos, houve uma maior garantia de

23 "Temos afirmado que a Quarta Emenda traa uma fronteira para a entrada em casa. Essa fronteira, pensamos, deve ser no apenas firme, mas tambm clara o que requer uma especificao clara das hipteses de vigilncia que exigem um mandado [13] Dado o status especial concedido a casa dos cidado na jurisprudncia anglo-americana, ns temos afirmado que o teste de farejar sem mandado que foi conduzido na porta da residncia no presente caso foi uma intruso no razovel da santidade do lar e violou a Quarta Emenda. Anulamos a deciso em Jardines e aprovamos o resultado em Rabb. [14] (Traduo nossa)

http://en.wikipedia.org/wiki/Florida_v._Jardines#cite_note-kyllo-13http://en.wikipedia.org/wiki/Florida_v._Jardines#cite_note-14http://en.wikipedia.org/wiki/Florida_v._Jardines#cite_ref-kyllo_13-0http://en.wikipedia.org/wiki/Kyllo_v._United_Stateshttp://en.wikipedia.org/wiki/Kyllo_v._United_Stateshttp://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Reportshttp://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=CASE&court=US&vol=533&page=27#40http://en.wikipedia.org/wiki/Payton_v._New_Yorkhttp://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Reportshttp://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=CASE&court=US&vol=445&page=573#590

47

impessoalidade. A casa, por no ser visvel a testemunhas civis, pode ser um

campo predeterminado a sofrer arbitrariedades nas buscas policiais.

Foi ressaltado que caso se autorize o referido teste nas

residncias sem nenhuma forte evidncia, aumenta-se a possibilidade da

polcia aplicar procedimentos de modo amplamente arbitrrio e discriminatrio,

baseado at mesmo em caprichos e fantasias.24

Por outro lado, algumas pesquisas indicam que a populao em

geral tem uma predisposio a trocar as garantias individuais por um aumento

de prises baseadas no pretexto de garantia da ordem pblica. No entanto, no

h dvida de que a primeira responsabilidade da lei a proteo dos direitos

individuais frente aos poderes do Estado. partes (SALTZBURG e CAPRA,

1996).

Nos Estados Unidos tem se admitido que a busca realizada sem

mandado deve ser realizada por policiais preparados de modo a no torn-la

um modo de exerccio de abuso policial, preservando os direitos, aqui

entendidos como um meio de obrigar algum ou uma instituio a fazer ou

deixar de fazer algo. Os oficiais norte-americanos demonstram uma

preocupao em avisar o cidado de seus direitos: pedem permisso para

entrar nas residncias. Esse procedimento respeitado para que no haja a

contaminao das provas obtidas, por exemplo, com a violao do direito a no

autoincriminao. As garantias individuais naquele pas, como j dito,

correlacionam-se com o que se chama expectativa de privacidade. Diz-se que

quando voc est em sua casa, sua expectativa de privacidade muito maior

do que quando voc encontra-se um aeroporto, ou outro lugar pblico.

SALTZBURG e CAPRA, 1996)

Mais uma vez, Saltzburg e Capra (1996, p. 71) tecem uma crtica

a respeito da abertura dada ao conceito. Para eles, a causa provvel

necessria para a expedio de um mandado e que justifica as buscas e

24

Jardines v. State, 73 So. 3d 34 (Fla. 2011) [2011 BL 100133]

Acesso em 05 de novembro de 2013.

http://www2.bloomberglaw.com/public/desktop/document/Jardines_v_State_73_So_3d_34_Fla_2011_Court_Opinion

48

prises realizadas em detrimento desse, requer menos do governo do que as

provas por trs de condenaes criminais ou civis. A Quarta Emenda, assim,

no protege apenas a intimidade e a privacidade dos indivduos, , sobretudo,

a representao da tenso existente entre o poder Estatal de investigar e

prender suspeitos, e a proteo da intimidade dos cidados.

Para serem constitucionais, as buscas e prises necessitam de

uma causa provvel, probable cause, que embase o mandado, como por

exemplo, uma fundada suspeita ou diretrizes administrativas. Aponta a doutrina

que esse conceito ilusrio, discricionrio. No claro quando uma causa

mais provvel que outra para se determinar uma busca ou priso. As Cortes

regionais apontam que ela seria definida como uma possibilidade, uma chance

substancial. Contudo, tais conceitos acabam por no se diferenciarem

claramente, restando aos juzes amplas possibilidades de aplicao. Nos

Estados Unidos buscas realizadas sem mandado, sem prvia autorizao

judicial so, em regra, presumivelmente no razoveis em razo do prescrito

pela Quarta Emenda Constitucional. As excees a esse preceito, na teoria,

so especificamente pr-estabelecidas j que o povo tem o direito de no ser

incomodado por buscas e prises no justificveis (SALTZBURG e CAPRA,

1996).

As decise