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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA Vânia Leite Leal Machado NAZARÉ DE MOCAJUBA-PA: matriz inspiradora na fotografia de Alexandre Sequeira BELÉM 2011

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

Vânia Leite Leal Machado

NAZARÉ DE MOCAJUBA-PA: matriz inspiradora na fotografia de Alexandre Sequeira

BELÉM 2011

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Vânia Leite Leal Machado

NAZARÉ DE MOCAJUBA-PA: matriz inspiradora na fotografia de Alexandre Sequeira

Dissertação apresentada ao programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura, com ênfase em fotografia contemporânea da Universidade da Amazônia como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, com ênfase em fotografia contemporânea. Orientadora: Profa. Dra. Marisa de Oliveira Mokarzel

BELÉM

2011

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Vânia Leite Leal Machado

NAZARÉ DE MOCAJUBA-PA: matriz inspiradora na fotografia de Alexandre Sequeira

Dissertação apresentada à Universidade da Amazônia como requisito parcial para obtenção de título de Mestre, em Comunicação, Linguagens e Cultura, com ênfase em fotografia contemporânea.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Profa. Dra. Marisa de Oliveira Mokarzel – UNAMA Orientadora _________________________________________ Profa. Dra. Valzeli Sampaio – UFPA Membro _________________________________________ Prof. Dr. Agenor Sarraf Pacheco – UNAMA Membro

Apresentado em: _____/_____/_____

Conceito: _______________

BELÉM 2011

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A Deus, tudo que eu faço e me move é para sua honra e glória. Minha fé me abençoa na vida e na arte. Assim seja! Aos meus pais, Nonato e Paracy que me ajudaram a saborear a arte desde menina. Aos meus filhos abençoados, Cauê, Luana e Paula pelo amor arte e vida sem limites. Ao Paulo, meu amor, companheiro. Sua sensibilidade e apoio me impulsionam para frente. Sem ele os caminhos seriam mais difíceis.

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AGRADECIMENTOS

Agenor Sarraf, pelas inúmeras leituras e contribuições na qualificação. Alexandre Sequeira, pela generosidade com que compartilha sua competência como professor e artista pesquisador. Sua sempre sutileza se traduz em sua poética, daí o feliz encontro com as pessoas. Alexandre Lima, amigo e companheiro de vida acadêmica pela leitura instigante e cuidadosa no início da pesquisa. Armando Queiroz pela dialógica sobre arte e política na Amazônia. Para mim, uma referência nessa proposição. Carolina Menezes, pela correção ortográfica e a sempre troca no Arte Pará. Comunidade de Nazaré do Mocajuba, pela tradução do lugar em arte e vida. Daniela Sequeira, pelo companheirismo e incentivo para não desanimar nas horas mais difíceis. Ericka Brandão, por me ajudar com o horário na faculdade e pela ajuda com as coisas da vida sempre vibrando para que eu alcançasse o nível desejável. FEAPA, meu lugar de experimentação de maior prazer: a sala de aula. Flavya Mutran, pelas inúmeras sugestões de “como se faz uma dissertação” e pela sempre dialógica sobre fotografia e principalmente pelo amor e amizade. FotoAtiva, pela abertura de caminho como espaço democrático. Minhas consultas no espaço foram de grande valia. Jacira Mokdci, que me acompanha desde a graduação nas correções da ABNT e diagramação. Mariano Klautau Filho, pelas referências sobre fotografia contemporânea. Marise Morbach, pelas contribuições valiosas com a metodologia da pesquisa. Sua franqueza e inteligência ajudaram a fatiar meus monstros. Orlando Maneschy, pela troca intensa na pesquisa em arte e experiência nas exposições: Arte Pará, Amazônia, A Arte. Paula Sampaio, pela generosidade em permitir meu primeiro ensaio sobre fotografia através de sua poética na Transamazônica. Paulo Herkenhoff, por sua presença e sua sempre generosidade em olhar para a Amazônia como lugar de diálogos significativos. Sua tarefa por aqui com certeza

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diminui o impacto das matrizes hegemônicas e dominadoras do circuito da arte. És para mim “o Senhor das artes” apelido que carinhosamente te dei ao te conhecer. Roberta Maiorana, pela generosidade e confiança em me incentivar a escrever no jornal O Liberal – Edição especial Arte Pará que com certeza ampliou o interesse na Comunicação e linguagem no decorrer do mestrado. Sinval Garcia, pela aproximação com a fotografia expandida e a sempre troca. Nossos encontros são sempre aprendizados conjuntos nos modos de ver. Shirley Penaforte, pela sempre conversa sobre o ato fotográfico. Turma do mestrado que, apaixonadamente, se dedicaram a ensinar e aprender empenhados com frutíferas discussões; Em especial Tatiana, Sâmia, Renata, Heldilene e Hiran. Valzeli Sampaio, pela contribuição significativa na qualificação. Vera, Vanilze e Vanildon meus irmãos, que me incentivaram com afeto e respeito. E, por último, mas com a maior importância, minha orientadora Marisa Mokarzel, que soube me orientar com firmeza e afeto, colaborando com tudo o que foi necessário para o desenvolvimento da pesquisa. Marisa é para mim um exemplo de pesquisadora, uma pessoa que me inspira num eterno aprendizado para a arte.

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O barulho do Tempo não é triste: gosto dos sinos, dos relógios – e lembro-me de que originalmente o material fotográfico dependia das técnicas da marcenaria e da mecânica de precisão: as máquinas, no fundo, eram relógios de ver, e talvez em mim alguém muito antigo ainda ouça na máquina fotográfica o ruído vivo da madeira.

Roland Barthes

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RESUMO

Nesta dissertação de mestrado busco ressaltar aspectos referentes à fotografia expandida a partir da poética visual do artista Alexandre Sequeira que tomou a pequena vila de pescadores Nazaré de Mocajuba, distante 150Km de Belém como matriz inspiradora. O artista acompanhou por mais de dez anos o cotidiano do lugar e devido a este convívio e à sensibilidade que lhe é peculiar, construiu uma série de retratos impressos em toalhas de mesa, lençóis, cortinas, rede e mosquiteiros. Partindo inicialmente da hipótese de que a produção fotográfica contemporânea, ultrapassa, transgride os limites da gramática do fazer fotográfico, bem como seus processos de inserção e circulação midiática que superam os paradigmas fortemente impostos pelos fabricantes de equipamentos e materiais. Desde então, procurei investigar como se fundamenta a fotografia expandida na série fotográfica Nazaré de Mocajuba que trata da natureza hibrida das imagens e suas relações com os suportes e contaminações de técnicas e como se estabelece a relação destas com o contexto sócio-cultural da Amazônia e de outros artistas da cena contemporânea. A análise da alteridade na arte, conceito fortemente presente na poética de Alexandre Sequeira, dimensionou a importância, norteou o traçado dos paradigmas de processos social em que a arte assume tarefas irredutíveis à condição de um campo experimental da solidariedade. Nas considerações finais, o fio condutor do estudo confirmou que o fazer artístico na Amazônia adentra em situações de efêmeros fluxos diante do contexto de isolamentos e Sequeira combate a desigualdade ao fotografar a pequena vila de pescadores porque opera na linha da imobilidade social. Palavras-chave: Fotografia expandida. Arte contemporânea. Alteridade.

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ABSTRACT

In this dissertation I seek to highlight issues related to expanded photography from the poetic visual artist Alexandre Sequeira who took the small fishing village of Nazareth Mocajuba, 150Km away from Bethlehem as inspiring array. The artist has followed for more than ten years the daily life of the place and because of this interaction and the sensitivity that is peculiar, has built a series of pictures printed on tea towels, sheets, curtains, netting and mosquito nets. Starting with the hypothesis that contemporary photographic production, exceeds, transgresses the limits of grammar do photography, as well as their processes of integration and media movement that strongly outweighs the paradigms imposed by the manufacturers of equipment and materials. Since then, I tried to investigate how the picture is based on the expanded photographic series of Nazareth Mocajuba dealing with the hybrid nature of the images and their relationships with the media and contamination of techniques and how they establishes their relationship to the socio-cultural and Amazon other artists of the contemporary scene. The analysis of otherness in art, concept strongly present in the poetry of Alexander Sequeira, scaled to importance, governing the route of the paradigms of social processes in which the art takes on the task irreducible condition of a field trial of solidarity. At the end, the thread of the study confirmed that the artistic enters the Amazon in situations of ephemeral flows through the context of isolation and fighting inequality Sequeira to photograph the small fishing village because it operates in line with social immobility. Keywords: Photography expanded. Contemporary art. Otherness.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O registro de Alexandre Sequeira capta o encontro dos moradores da vila no cemitério como um local em que adultos e crianças cultuam seus mortos decorando de maneira singela suas sepulturas.

29

Figura 2 – Neste momento fotográfico Alexandre Sequeira registra a cerimônia de iluminação, em que a vila reverencia a morte, não como sinônimo de dor, mas como algo que faz parte do ciclo da vida.

29

Figura 3 – O registro de Ruth Guedes da Instalação Vozes da Mata de Alexandre Sequeira em Vitória-ES no Museu Vale mostra a imagem ampliada disposta na parede que ficava numa sala escura acompanhada de uma ladainha Quilombola.

30

Figura 4 – Os registros do cotidiano de Mocajuba feito por Alexandre são representativas do mundo amazônico, cristalizados na memória exógena e endógena (Comentário de Agenor Pacheco na qualificação).

45

Figura 5 – O registro feito por Alexandre capta a paisagem que reflete a relação de tempo e lugar. A arte fala ao homem ao lhe apresentar imagens nas quais ele se revela.

46

Figura 6 – Alexandre registra o rio Mocajuba pela manhã como se acompanhasse o ciclo do tempo, o despertar do lugar de afeto e de motivações materializadas através da fotografia.

51

Figura 7 – O registro do rio à tarde por Alexandre traduz o lugar de poética e lugar de memória.

51

Figura 8 – O registro de Alexandre do Rio no fim do dia capta a paisagem interior de cada um de nós medido pelo tempo da fotografia, essa invenção que se inventou para enganar o Chronos, pelo congelamento do instante. Os registros fotográficos de Alexandre subvertem o tempo.

53

Figuras 9 e 10 – As imagens diversas feitas por Alexandre a pedido dos moradores são registros naturais, em harmonia com o lugar, com os animais, com os instrumentos de trabalho e o restante da paisagem da vila.

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Figura 11 – A exposição na vila em forma de foto-varal das fotos feitas por Alexandre, encomendadas pelos moradores. As solicitações eram atendidas conforme o pedido. Os registros são reproduções icônicas da realidade de Mocajuba e o momento na praça pública era celebrado.

57

Figura 12 – Os registros feito por Alexandre dos mais jovens na vila, diferem dos registros dos moradores mais antigos. Essa observação foi importante em suas decisões. Tudo era anotado e o material colhido servia de análise comparativa com a imagem em estudo com outras do mesmo local como indicativo dos caminhos de sua poética.

62

Figura 13 – Dona Francisca registrada por Alexandre. Apesar de não esconder que é uma mulher simples, do campo, quis ser registrada segundo um “ar” de dignidade, como quer ser vista. Seu traje revela que ela se arrumou para a foto e exemplifica bem a relação de cumplicidade entre ela a fotografia e Alexandre.

65

Figura 14 – O Retrato no campo do grupo de camponeses feito por Alexandre satisfazia as expectativas de seus “clientes” e trazia informações visuais de um fragmento do real, selecionado e organizado estética e ideologicamente.

66

Figura 15 – As Imagens feitas por Alexandre no interior das casas marcam uma relação mais estreita com os moradores. As imagens captadas no interior da casa é o indicativo que faltava para o encontro com a materialidade. Os tecidos que dividem os ambientes, que forram as camas, as toalhas de mesa passam a ter um valor simbólico significativo e ativam o caminho do trabalho do artista.

70 Figura 16 – O menino Lucas foi o primeiro parceiro de experimentação do artista. Este trabalho serviu de referência para Alexandre apresentar aos moradores e explicar o porquê da necessidade da troca de uma peça usada por uma nova.

72

Figura 17 – O registro de Alexandre da representação de Seu Suzano mostra seu processo em que o princípio é fotográfico e a apresentação final no tecido através da revelação serigráfica em que não sabemos se é a imagem que surge da estampa ou se a estampa surge como fundo. Que segundo Salles (2007) trata-se de um desvio de ordem técnica que é absorvido pela poética.

74 Figura 18 – O clássico “30 Valérios” é o auto-retrato de 1901 do fotógrafo Valério Vieira em que ele aparece 30 vezes na mesma foto (inclusive nos quadros e nas estátuas). A diferença disso pro Photoshop é que era tudo feito manualmente, usando nanquim, grafite, recortando e colando e o que mais se quisesse usar. <http://forum.jogos.uol.com.br>

76

Figura 19 – ‘[...] E foram muito felizes’ de 1965 de Gratuliano Bibas, revela um convívio estreito com a imagem de um olhar autoral sobre o cotidiano bem como o conhecimento técnico. <http://espiadomundo. blogger.com.br>

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Figura 20 – A Exposição na vila as margens do Rio Mocajuba é um momento significativo para Alexandre e os moradores. Coube a Alexandre captar a reação dos fotografados que no primeiro momento ficaram maravilhados diante de suas imagens impressas em tamanho natural. O contato com suas representações colocou os moradores da vila diante de seus hábitos e de suas idéias que lhe permitiram produzir não uma reprodução indiferente, mas uma semelhança convincente, um retrato íntimo.

80

Figura 21 – Dona Benedita escolheu um lugar especial para expor sua representação como um atestado de presença.

82

Figura 22 – Dona Alice escolheu a frente de sua casa para colocar sua representação na intenção de chamar a atenção de todos que por ali passassem. Queria ser vista por todos como um certificado de autenticação que sobrepõe ao poder de representação. A força constativa da fotografia incide, não sobre o objeto, mas sobre o tempo. As flores de seu jardim entrelaçam com as flores da estampa.

84

Figura 23 – A Representação de Seu Carmelino colocada por ele, ao lado de seu oratório. Um lugar reservado, preservado que tem a intenção de proteção e leva à reflexão do significado que tem a fotografia na vida das pessoas.

85

Figura 24 – A Exposição na Casa das Onze Janelas em Belém/PA, 2004 foi o inicio de uma trajetória da Série Nazaré de Mocajuba para o mundo. Foi um momento singular com a presença dos moradores da vila e o público ali presente.

92

Figura 25 – O registro feito por Alexandre da instalação em Havana – Cuba tinha como tema “Integração e resistência na era da Globalização”.

95

Figura 26 - O registro feito por Ruth Guedes da exposição “Amazônia, a Arte”, reuniu 32 artistas que mantêm um vínculo primordial com a região amazônica: muitos deles nasceram, e em sua maioria vivem e trabalham nas cidades da região Norte do Brasil, onde realizam pesquisas e desenvolvem seus trabalhos conectando-se ao mundo por meio da arte.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 13 2 A ARTE NA AMAZÔNIA: uma região em si, o sentido do lugar para

Alexandre Sequeira .......................................................................................

25

2.1 ALEXANDRE SEQUEIRA: o viageiro laboratorial ........................................ 36

2.2 ARTE E VIDA: que arte é essa que era vida antes de ser arte! ................... 40

2.3 RELAÇÕES E AFETOS: tradução de um lugar ........................................... 45

3 ISSO NÃO É FOTOGRAFIA ........................................................................... 54

3.1 EXPERIMENTAÇÕES E SUBVERSÕES NA FOTOGRAFIA CONTEM-

PORÂNEA ....................................................................................................

61

3.2 ENTRE PROPOSIÇÕES E TROCAS: a mais-valia simbólica ..................... 71

3.3 INSERÇÃO E CIRCULAÇÃO DE NAZARÉ DO MOCAJUBA: muito além

de um lugar ..................................................................................................

86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 97 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 105

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1 INTRODUÇÃO

Começo esta dissertação de mestrado colocando-me na posição de

professora de arte e pesquisadora, cuja formação acadêmica se deu entre a

fronteira da linguagem visual e da linguagem escrita. O arte-educador e

pesquisador, na minha concepção, exercitam um olhar atento a tudo que está ao

seu redor, lançando-se na tentativa de materializar ideias através de suas

publicações, deixando estas como um registro de sua visão de mundo e sua relação

com a arte.

A realização destas pesquisas exige uma constante dedicação e atualização

em relação aos caminhos constituintes do sistema que fazem parte do universo do

professor-pesquisador sobre a arte: os artistas, os conceitos, os diferentes tipos de

suportes, as exposições e encontros de arte para socializar a pesquisa; enfim,

procedimentos, ou até mesmo espécie de “agenda”, utilizadas durante muito tempo

nas Artes Visuais, as quais vêm sofrendo transformações constantes com o

surgimento de novas tecnologias e proposições dos artistas no campo da arte.

A interatividade através dos anais publicados na Internet das associações de

arte, os grupos de pesquisas em rede, o sistema de arte organizado também em

rede por artistas, os vídeos, as instalações, constroem ferramentas que estão

alterando a tônica das publicações, o foco, os assuntos, ou mesmo as interpretações

e a difusão do conhecimento.

A tecnologia como ferramenta auxilia na investigação dialógica com a obra,

principalmente na arte contemporânea1. Vale aqui um recorte – as manifestações

artísticas contemporâneas propõem pensar o processo de criação em toda sua

complexidade ao cruzar técnicas, categorias, conceitos e tradições que compele por

parte do pesquisador fazer migrar, para o campo da arte, práticas de outras

disciplinas e assumir configurações com conotações poéticas, lúdicas, sociológicas,

filosóficas, conceituais, ecológicas ou políticas, dependendo do foco e da forma

proposta pelo artista.

1 Esta expressão “arte contemporânea” que designa a arte produzida a partir dos anos 1960 começa a se impor principalmente na década de 1980. A sua efemeridade e a amplitude que o universo conceitual e técnico propõem, desestabilizam artistas, educadores, curadores, críticos e o público (MOKARZEL, 2008, p. 1). Deixamos claro que têm outros marcos divisórios sobre a arte contemporânea.

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Evidencio aqui, hibridar2, no contexto da pesquisa sobre arte contemporânea,

que propõe reunir códigos heterogêneos e procedimentos de operações transversais

entre vários registros. Assim, o aparato técnico/tecnológico utilizado pelos artistas

contemporâneos se apresenta para o pesquisador como um campo de constante

desafio, e neste processo é relevante o cruzamento dos procedimentos de

hibridações, que ultrapassam a arte e a teoria direcionada a esta, colocando todos

no jogo do saber científico: o artista, o pesquisador, a comunidade, o espaço da

cidade; enfim, um amplo universo se abre como possibilidade de inclusão na poética

do artista e desperta naturalmente, no olhar do pesquisador, um campo de interesse.

Certifico que o discurso teórico é necessário para a sustentação da prática;

teoria e prática não estão desvinculados, aliam-se, ajudam-se, complementam-se,

criando relações com um campo de pesquisa que não se resume ao campo

científico, se amplia para a memória e para os sentidos, estende-se ao contexto

onde os objetos estão inseridos. Dessa forma, tanto o artista quanto o

pesquisador/observador (arte-educador e professor) são catalisadores de

experiências. O observador3 faz parte do sistema que observa; ao observar produz

as condições de sua observação e transforma o objeto observado nas novas

correntes interpretativas.

Evidencio ainda que, neste processo de constante pesquisa, seja fundamental

o professor/pesquisador desenvolver um olhar com acuidade a respeito de sua

prática profissional, pois a ação-reflexão-ação4 sobre aquilo que vem acontecendo

no seu trabalho e sobre o público com o qual se relaciona na comunidade

2 Hibridar, no contexto da pesquisa, significa problematizar a maneira de tirar partido das especificidades de um medium ou dos materiais, investigar as possibilidades de registro ou introduzir desvios na vocação original do aparato técnico ou tecnológico nas práticas da arte contemporânea. O que está em foco são as invenções e os cruzamentos de procedimentos, as apropriações e combinações diversas, os deslocamentos, desvios e operações inesperadas introduzidas no aparato técnico/tecnológico, realizadas por artistas contemporâneos (REY, 1996, p. 92). 3 O campo artístico parte de algumas premissas essenciais, como a reflexão sobre o processo, o sistema, contexto e finalmente a redefinição dos papéis de autor e observador, ambos adquirindo a função de agentes ativos, determinando a dinâmica do processo de concepção da “obra”, a qual ultrapassa o modelo de objeto pronto para um modelo dinâmico e em constante transformação. para a compreensão dos delineamentos “tecnoartísticos” atuais. O diálogo entre obra e observador se estabelece de uma maneira prática, a postura contemplativa do público é abalada e o objeto artístico é “incorporado” ao espectador (RABELLO, 2009, p. 341-346). 4 A base para entender teoria e prática na ação pedagógica se dá primeiro e antes de tudo na relação homem-mundo. Esta relação busca coerência entre pensamento e ação que é práxis. Do contrário, a ação sem pensamento é ativismo, e o pensamento sem ação é verbalismo. Com isso, a ênfase da relação teoria e prática sobrepujam a visão dicotômica quando admite que: é preciso ficar claro que, por isto mesmo que estamos defendendo a práxis, a teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e outra distante de ação. Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente (FREIRE, 1983, p.149).

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acadêmica, na comunidade artística ou no grupo de pesquisa que participa, sempre

direciona para lembranças, análises e associações capturadas de um cotidiano que

valoriza tudo aquilo que possa ser significativo e enriquecedor sobre seu tempo.

A intenção de escrever sobre algo pode estar presente em muitas ações e

imagens do cotidiano: numa ida a uma exposição, numa fala de algum palestrante,

numa leitura de um livro, num filme ou em uma situação que desperte o interesse. Meu

encontro e interesse pela fotografia, por exemplo, aconteceu quando viajei pelo

Sudeste do Pará como bolsista pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (Mpeg).

Na equipe de trabalho a fotógrafa Paula Sampaio5 estava presente, fazendo o

registro das ações educativas do Projeto de Educação Patrimonial, do qual fazíamos

parte. Nessas viagens, a relação de troca foi significativa e as pesquisas apontaram

para as imagens de Sampaio, que resultou num artigo publicado nos Anais do 16º

Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap) no

ano de 2007.

Daí a importância de um olhar atento, que faça as conexões entre a profissão

e o prazer da produção da pesquisa. Vale lembrar ainda que, no ano de 2004 e

2005, a Faculdade do Pará (FAP) lançou-me o desafio de fazer a curadoria do

UNIVERSIDArte6. A experiência foi significativa no sentido de organizar e produzir

um conceito curatorial a partir das obras selecionadas pela comissão julgadora, além

do contato mais dinâmico com a fotografia contemporânea.

No ano de 2007, a convite de Alexandre Sequeira7, integrei a equipe da

Fundação Romulo Maiorana (FRM), na função de Coordenadora da Curadoria

Educacional do Projeto Arte Pará8. Foi um duplo desafio: primeiramente tive que

preparar estudantes de artes das universidades para a mediação cultural nos museus e

5 Paula Sampaio é repórter/fotógrafa do Jornal "O Liberal" e desenvolve, desde 90, projeto pessoal sobre a colonização e migrações de comunidades que vivem às margens das rodovias Transamazônica e Belém-Brasília. A fotógrafa é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará e fez especialização em Comunicação e Semiótica na PUC/MG. 6 É um evento de arte nacional, gerenciado pela Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro. Em Belém-PA teve a presença de artistas paraenses contemporâneos como Alberto Bittar, Armando Queiroz, Flavya Mutran, Acácio Sobral, Sinval Garcia, Miguel Chikaoka, Paula Sampaio, Jocatos, dentre outros. 7 Alexandre Sequeira é fotógrafo, artista plástico paraense, arquiteto, especialista em Semiótica e Artes Visuais, mestre em Arte e Tecnologia pela UFMG, professor do Instituto de Ciências da Arte da UFPa/Fundação IOSPHE, foi curador assistente de Paulo Herkenhoff no Arte Pará 2007 e curador do Projeto RUMOS do Itaú Cultural 2008/2009. Selecionado para a Coleção Pirelli/MASP de fotografia 2010. 8 O Arte Pará é um projeto de arte contemporânea, foi criado em 1982 pela Fundação Romulo Maiorana, acontece há 29 anos consecutivamente. Passou por várias modificações e adotou um sistema regido pelo curador geral. Deste modo, a partir dos trabalhos escritos, há uma seleção por um júri especializado. Há também artistas convidados com o objetivo de fazer o cruzamento dialógico com os artistas selecionados.

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depois escrever a edição especial Liberalzinho Arte Pará9. Essa função contribuiu e

reforçou a pesquisa mais ampla sobre Arte Contemporânea, e resultou na significativa

aceitação do encarte no processo de difusão acerca das publicações no período

expositivo do projeto.

Nessa convivência, a investigação com suportes e conceitos variados acerca da

fotografia ganhou cada vez mais força como repertório pessoal. Inicio a organização de

uma visualidade atemporal materializada e sistematizada como um método de trabalho

e catalogação de artistas fotógrafos, construindo-se uma coleção de imagens

baseadas fundamentalmente na multiplicidade de obras artísticas.

Assim, o interesse pela produção de fotógrafos contemporâneos começou a

crescer. Ao invés de continuar pesquisando a imagem vinculada ao patrimônio

histórico, como na monografia da graduação e especialização10, a busca pela

fotografia contemporânea se intensificou com registros relacionados ao hibridismo

dos suportes e à contaminação das técnicas11. E é por meio da fotografia que

percebo outra Belém, vinda do olhar do fotógrafo.

Encontrei, dessa forma, uma Belém desenhada por olhares treinados e

experimentados no ato fotográfico, descompromissados com a estética clássica da

fotografia12. Estas imagens revelaram um cotidiano mais fragmentado de cidade

urbana, construída entre o espaço público como paisagem e o espaço privado da

intimidade de cenas corriqueiras oferecidas através do signo fotográfico,13 como na

9 É um encarte especial que sai no segundo domingo de outubro, data em que se comemora o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. É direcionado para o público escolar e distribuído nos espaços expositivos do Arte Pará. A impressão é de cinco mil exemplares, em papel coche fosco, 14 páginas e têm a função de mídia pedagógica com cunho jornalístico. 10 Monografia na graduação e especialização são voltadas para análise das imagens no Museu de Arte Sacra. Estão citadas na bibliografia dessa dissertação. 11 Para compreender a produção fotográfica contemporânea, bem como seus processos de criação e produção, temos que mergulhar no mundo das imagens. Nada substitui a experiência de ver, comparar, elaborar conexões, estabelecer relações. Verifica-se o quanto é difícil e impreciso articular uma nomenclatura para toda essa produção contemporânea (FERNANDES JÚNIOR, 2007, p. 45). 12 Objetividade positivista creditada à fotografia que se tornou uma instituição alicerçada na aparência, no iconográfico enquanto expressão de verdade. Embora discorde da “natureza objetiva” que Bazin atribui à fotografia, é de ressaltar sua colocação clássica, a qual reforça a crença na credibilidade. [...] parcela da realidade que se situava no campo visual da objetiva (KOSSOY, 2001, p.102-103). 13 A imagem fotográfica, ao reanimar a incerteza na redescoberta do signo, este passa a ser o elemento legitimador das surpresas do próprio flâneur, ávido pela apreensão das imagens (SANTOS, 2007, p. 22).

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flânerie baudelaireana14.

Percebi então que a cidade, os prédios inseridos nas ações cotidianas das

pessoas se vinculam, não só pelo tempo, mas pelo amadurecimento da cidade que

faz com que ela crie uma pátina natural. Outra cidade se revela para mim através

desses registros atentos dos fotógrafos.

Estes registros urbanos feitos pelos fotógrafos alargaram minha experiência

com a visualização de uma Belém-Metrópole, mas o universo simbólico dos

moradores de uma pequena comunidade paraense me tocou pelos sentidos, me

impulsionou a escrever, desdobrou-se para outro contexto.

O embrião desse processo de pesquisa mais tarde transformou-se num artigo,

publicado nos Anais do 17º Encontro Nacional da Anpap, em setembro de 2007. A

socialização da pesquisa no congresso foi importante, me fez perceber

aproximações da poética de Alexandre com outros artistas da cena contemporânea

da arte. Outras aproximações também foram percebidas, como as que estavam

presentes nos processos criativos e no vínculo ético15 voltados para a relação entre

a arte, a cultura e a fotografia.

Interpretar a trilha e a trama criativa de Alexandre, para tentar tornar mais

transparente o fazer artístico do processo, fez-me ver que o trabalho de Sequeira é

um trabalho fotográfico, artístico em muitas etapas, mas principalmente um trabalho

que trata da fotografia expandida.16 Ao se expandir, verifico a necessidade de

analisar a poética de Alexandre para além da linguagem fotográfica. Analisá-lo

apenas dentro desse enfoque talvez fosse limitá-lo.

14 “Flâneur” para Boudelaire é o espírito curioso do viajante urbano da modernidade e resolve nos contar o que viu em sua perambulação (grifo nosso). Na visão de Rouanet vinculada à premência da imagem o Flanêur é o alegorista da cidade, detentor de todas as significações urbanas, do saber integral da cidade, do seu perto e do seu longe, do seu presente e do seu passado, reconhecendo-a sempre em seu verdadeiro rosto – um rosto surrealista –, vendo em todos os momentos seu lado de paisagem em que ela é natureza, e em seu lado de interior, em que ela é intimidade (ROUANET, 1993, p. 22). 15 Ética é o próprio exercício (teórico, prático) de si pelo qual o homem gera a sua própria maneira de ser, a sua singularidade. O exercício de si, o “livre uso de si”, não é o dispor da “existência como de uma propriedade” porque ele é o existir enquanto movimento forçado pela própria incompletude do humano (LOPES, 2007, p. 75). 16 Produção contemporânea mais arrojada, livre das amarras da fotografia convencional, onde a ênfase está na importância do processo de criação e nos procedimentos utilizados pelo artista, para justificar a tese de que a fotografia também se expandiu em termos de flutuação ao redor da tríade peirciana (signo – ícone, índice e símbolo). Essa denominação tem como base teórica os textos de Rosalind Krauss (onde em um deles ela discute escultura expandida) e o texto de Gene Youngblood, que discorre sobre cinema expandido (FERNANDES JUNIOR, 2007, p. 45-46).

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18

Seguindo este princípio foi importante verificar a origem da fotografia

expandida, em que fulcros ela se apóia para melhor compreensão do fenômeno que

entrelaça a arte e a comunicação, pontualmente na produção de imagens através de

aparatos técnicos contidos na poética de Alexandre, que ao longo desta dissertação,

ficarão mais detalhados.

Em uma proposta mais ampla de pesquisa sobre a arte, o trabalho de

Alexandre se abre para um programa de disciplinas como a sociologia, a

antropologia, o campo comunicacional, estudos sobre a globalização da cultura, etc.

No decorrer da dissertação, outros campos do saber se fizeram presente. Acredito

no efeito multidisciplinar do mestrado que deu indicativos desse atravessamento tão

necessário para abarcar a natureza da fotografia e o trânsito de imagens com a

fotografia de Sequeira.

Assim, em uma pergunta mais ampla, a questão problema neste estudo

indaga como se fundamenta a fotografia expandida na série fotográfica de Nazaré

de Mocajuba e como se estabelece a relação destas com o contexto sócio-cultural

da Amazônia na cena contemporânea da arte? Acredito que a produção fotográfica

contemporânea, ultrapassa e transgride os limites da gramática do fazer fotográfico,

bem como seus processos de inserção e circulação midiática que superam os

paradigmas fortemente impostos pelos fabricantes de equipamentos e materiais. Daí

o uso da tecnologia como ferramenta e reflexão sobre as poéticas do processo e os

procedimentos dessa nova produção imagética de base fotográfica que evidenciei

no início desta dissertação.

Este questionamento é respondido no decorrer deste estudo quando pretendi

elaborar um pensamento e refletir mais sobre as relações entre a fotografia

contemporânea e a representação entrelaçada com as novas formas de

conhecimento humano onde o mundo passa a ser entendido com uma trama

complexa e instável.

Os conhecimentos adquiridos nestas relações e o processo de pesquisa que

vem desde o interesse pela fotografia da Paula Sampaio se fortalecem nesta

dissertação com a fotografia de Sequeira. O artista, a partir da observação que faz

da realidade, materializa seu pensamento artístico ao se relacionar com o ambiente

sócio-cultural de Mocajuba. Para Jovchelovitch (2000, p. 74) essa relação é “a

essência da atividade simbólica, do espaço potencial, do reconhecimento de uma

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realidade compartilhada, do reconhecimento criativo que leva a um envolvimento

com os outros e com o objeto que é o mundo”.

Eu ainda acrescentaria ao pensamento da autora que a arte é um meio

imprescindível para essa junção do homem com o todo, porque ai sim estaria

intrínseco a capacidade humana da experiência na natureza criativa simbólica que a

autora se refere ao associar à referência do mundo dos envolvidos, artista e

comunidade de Mocajuba. Dessa forma, quando as experiências se cruzam,

naturalmente a constituição da realidade será de todos os envolvidos.

Abro mais um parêntese para ampliar o pensamento sobre o “reconhecimento

criativo” no qual a autora se refere. A meu ver, este reconhecimento está presente

no fazer da arte, na plasticidade17 que se configura a partir dos elementos que são

materiais e imateriais, conjugando sensibilidade e formas de pensamento que se

ajustem ao regime do imaginário.

Diante dessas aproximações, afirmo como objetivo geral nesta dissertação

verificar a poética visual de Alexandre Sequeira em Nazaré de Mocajuba e

compreender sua inserção na Arte Contemporânea nacional e internacional. Como

objetivos específicos, proponho analisar como se estabeleceu as relações de

aproximação e negociação do artista com os moradores de Nazaré do Mocajuba.

Investigo também no processo relacional, as modificações e progressos no campo

técnico-tecnológico presente na fotografia de Alexandre e a alteridade que este

aparato ocasiona na medida em que o artista expressa sua relação com o mundo.

A experiência e a poética visual de Alexandre são importantes na realização

desta pesquisa. O que começou com um artigo caminha para esta dissertação, que

leva desde a organização dos dados empíricos até a combinação dos fatores e a

difusão de ideias.

Esta pesquisa é metodologicamente norteada pelo caráter qualitativo, por

olhar a “qualidade” como um valor de conhecimento que surge quando as múltiplas

histórias que por um momento relativizam “a grande história” são descobertas como

instâncias de um cotidiano de “gente como as gentes”. Ou como diz Brandão:

17 A plasticidade, nas artes, está vinculada a questões de significação ligadas ao homem e suas interações com o mundo. Enquanto símbolo, a plasticidade configura-se como arquétipo, imagem primordial, constituindo-se como uma terceira realidade, nem subjetiva nem objetiva, mas imaginal. A forma plástica, nas artes, é instauradora de um mundo e, como o mito, depende que cada sujeito a atualize, a construa como imagem, segundo seus próprios significados, individuais e sociais. Torna-se questão de visibilidade, um tipo de conhecimento sobre a construtividade cultural, a afetivação e os vínculos (PILLAR, 1999, p.125-126).

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“Pessoas, seres humanos que criam a vida que vivem e pensam suas próprias

histórias; histórias pessoais e coletivas de vida que desvelam pessoas e grupos

humanos” (BRANDÃO, 2003, p. 91). Complemento ainda que o método seja

relevante pela necessidade dos objetivos em estudos serem voltados para a

compreensão da ação humanística em relação à arte e ao fazer fotográfico

expandido. Neste sentido, adotei os seguintes procedimentos metodológicos:

Pesquisas Exploratórias, Pesquisa Sobre a Arte e Crítica Genética.

Considerei, nas pesquisas exploratórias, os levantamentos bibliográfico e o

documental que envolveram livros; catálogos e artigos, revistas, matérias em jornal

(sobre Alexandre Sequeira), os registros visuais do tipo fotográfico; entrevistas não

padronizadas com o artista, tendo como diretrizes de discussão sua pesquisa

individual, seus procedimentos desde sua chegada na vila até o contato que o artista

mantém hoje com a comunidade de Mocajuba, o percurso da obra na esfera local,

nacional e internacional e a relação com artistas contemporâneos. O Blog Holofote

virtual18 foi relevante acerca das entrevistas com o Alexandre.

Está inserido também no delineamento da pesquisa o Estudo de Caso devido

ao estudo minucioso da obra do artista Alexandre Sequeira quando de sua inserção

em outros lugares os quais assumem contextos diferenciados, como São Paulo,

Havana, Bélgica e outros. O Estudo de Caso “descreve a situação do contexto em

que está sendo feita determinada investigação, além de explorar situações da vida

real cujos limites não são claramente definidos” (GIL, 1999, p. 73).

Este procedimento metodológico foi significativo também na organização do

entendimento sobre o processo de negociação do artista com a comunidade de

Mocajuba e na compreensão do papel do artista propositor na arte contemporânea.

A pesquisa sobre arte tem ênfase na História, Teoria e Crítica e referencia as

pesquisas envolvendo “o estudo da obra de arte a partir do produto final, seus

processos de significação e códigos semânticos, efeitos no contexto social,

processos de legitimação e circulação” (REY19,1996, p. 82).

Nesta dissertação, verifiquei os passos sugeridos por Rey, levei em conta as

condutas que instauraram a série Nazaré do Mocajuba. Acredito que é muito 18 Em 2008 Luciana Medeiros criou o Blog Holofote Virtual dedicado a reportagens e entrevistas sobre arte e cultura. Contatos: [email protected]. 19 Sandra Rey é artista plástica, Doutora em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Paris I – Pantheón – Sorbone, França. Professora orientadora do Mestrado em Artes Visuais da Universidade Federal do rio Grande do Sul. Escreveu “Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em poéticas visuais”.

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importante neste campo de pesquisa ficar atenta quanto ao pensamento sobre a

obra como um mero produto final que resultou de um projeto estabelecido a priori. E

foi justamente a partir da pesquisa Sobre a Arte que tive o cuidado em ressaltar os

acasos presentes na obra de Alexandre - estão evidenciados no capítulo referente

ao processo de criação do artista. Outro fator importante foi o respeito em tratar o

objeto em foco nesta dissertação como um devir20, ou seja, um constante processo

de retorno com a obra. E isto é um fato concreto que está bem descrito no capítulo

que indica a rota contextualizada da série Nazaré do Mocajuba. Este indicativo de

Rey da pesquisa sobre a arte se faz necessário nesta dissertação pelas amplitudes

que tomaram a arte contemporânea, caracterizadas por essas mudanças de cunho

estruturais e experimentos que refletem ideias em constante movimento, em um ir e

vir que se desterritorializa através da arte.

A crítica de processos criativos, uma possível metodologia de investigação na

fotografia vem sendo desenvolvida por Cecília Salles21. Segundo a autora, “este

método prioriza o processo de criação: a crítica genética se propõe a analisar a obra

de arte a partir do acompanhamento dos documentos desses processos como:

anotações, diários, esboços, vídeos, etc” (SALLES, 2007, p. 91). Essa construção

que incorpora o movimento construtivo da obra foi de grande valia para

compreensão do processo de criação do artista.

Destaco a importância da crítica genética na análise dos relatos de pesquisa

desenvolvidos pelo artista produzidos para o IAP22. Essas anotações foram

importantes no construto teórico-crítico dos processos de criação vindos do próprio

artista. Permitiu-me estabelecer conexões entre os escritos do artista com as leituras

realizadas no decorrer do mestrado. Como muito bem diz (MORIN, 2000 apud

20 Este retorno constante está na desterritorialização provocada pelo devir, segundo termos de Deleuze e Guattari (1997 p. 91) o devir é “uma relação não localizável arrastando os dois pontos distantes ou contíguos, levando um para a vizinhança do outro”, ou seja, uma idéia, um objeto ou uma pessoa sofrem devires constantemente, pois o retorno, o devir é necessário, posto que “as idéias sempre voltam a servir, porque sempre serviram, mas de modos atuais os mais diferentes” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.14). 21 Cecília de Almeida Salles é professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da (PUC/SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É coordenadora do Centro de Estudos de Crítica Genética. 22 Instituto de Artes do Pará tem importância no que concerne a qualificação técnica aliada à teoria, marca a reflexão acerca do fazer artístico e interpõe-se nas atividades do instituto. Aliar o aperfeiçoamento técnico à discussão teórica suscita a crítica e o desenvolvimento da percepção e da prática de atividades ligadas às suas diversas áreas de atuação. O público de artistas participantes em projetos do IAP tem o ensejo de discutir experimentos, além do aperfeiçoamento crítico e didático da pesquisa em arte <www.iap.gov.br>.

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SALLES, 2007, p. 91): “a arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes

em indícios que permitam reconstituir toda uma história”. Ao adentrar no processo

particular de Alexandre, pude compreender suas decisões quanto aos seus

protagonistas que seriam fotografados, quanto ao suporte, quanto aos processos de

impressão, troca e negociação. Percebi também sua sutileza nesses enfrentamentos

e o quanto é importante à construção social neste contexto da arte relacional23.

Dessa forma, ao eleger este tema, trago comigo os sinais do olhar de quem

se lança na produção tanto como pesquisadora, quanto professora que, a meu ver,

se unem pelo foco constante de busca e aprendizado.

Como professora de arte, destaco a minha paixão pela educação do olhar do

outro. Ressalto os momentos gratificantes que não aparecem somente através da

avaliação do trabalho dos alunos, mas muitas vezes nas suas falas, em suas

descobertas. Temos o nosso leme, a semente da orientação que indicamos a eles.

Valorizamos um resultado de inventividade, de autonomia por parte destes alunos,

nos sentimos gratificados tanto pela orientação dada, como pelas devoluções de seu

empenho que envolve os processos criativos. Como pesquisadora, destaco nesta

dissertação, o feliz encontro com o artista Alexandre Sequeira que foi meu professor

na graduação. Hoje, estamos unidos por laços de arte e vida.

Certa de ter situado o lugar de onde falo, apresento o trajeto eleito de análise

nesta dissertação que teve como caminho condutor o estudo dos autores

Annateresa Fabris, Roland Barthes e Pierre Bourdieu. Além destes três, Nestor

Canclini, Paulo Herkenhoff, Boris Kossoy, Alexandre Santos entre outros autores.

Este conjunto de autores sustenta-me nas discussões sobre identidade e cultura,

fotografia, arte contemporânea e comunicação.

Nas discussões sobre identidade e cultura destaco Canclini (2003). Os seus

estudos sobre hibridação foram determinantes para a compreensão dos processos

socioculturais nos quais estrutura ou práticas discretas24, que existiam de forma

separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Outro autor

neste segmento foi Hall (2005), com as conceituações relativas aos diversos papéis

no mundo pós-moderno acerca da identidade. Herkenhoff (2007) foi esclarecedor

quanto ao processo de alteridade na arte, conceito fortemente presente na poética

de Alexandre Sequeira. Andréa Cunha estendeu a compreensão sobre a imagem

23 Ver BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 24 São resultados de hibridações, não podem ser consideradas puras (CANCLINI, 2003, p.19).

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pensada como um artefato cultural e por isso, passível de se tornar um objeto da

antropologia nos processos de alteridade.

Quanto aos caminhos conceituais do campo da fotografia expandida, destaco

Gene Youngblood (1970) com o conceito de cinema expandido e Rosalind Krauss

(1979) que fortaleceu as bases teóricas para discutir a escultura expandida

alargando o conceito para fotografia expandida a partir da pesquisa de Rubens

Fernandes Junior (2007), fundamental para o entendimento do campo expandido da

pós-modernidade. Bóris Kossoy (2001) apresentou-se importante no entendimento

sobre o caráter de representação na fotografia que lhe é inerente e como as

imagens fotográficas entendidas como documento/representação, contêm em si

realidades e ficções. Alexandre Santos (2007) mostrou-se imprescindível para

esclarecer sobre a recorrência e a importância da fotografia nos processos artísticos.

No campo conceitual e histórico que direciona a arte contemporânea, ressalto

Cauquelin (2005). Tão importante quanto, destaco Icleia Cattani (2007) que discute

sobre os cruzamentos produtores de novos sentidos entre linguagens,

procedimentos e processos criativos, relações espaços-temporais, forma, suportes,

objetos e elementos constituintes nas obras contemporâneas.

No que se refere ao campo da comunicação considero, nesta dissertação,

Alexandre Dias Ramos (2006) fundamental na discussão a respeito dos mecanismos

e da lógica de produção, circulação e recepção da obra contemporânea e como o

artista atua no campo midiático com atitudes de artista propositor25.

Considero extremamente importante traçar o mapa dessa estrutura inicial. As

análises destes conceitos foram necessárias para expandir o meu entendimento

sobre a fotografia e seus modos de representação e as relações estabelecidas com

a sociedade, com a comunicação, com a cultura e a arte. Neste segmento, partindo

dessa organização apresento no capítulo 2 A arte na Amazônia: uma região em si.

Verifico como a arte opera no ambiente com as coisas e pessoas nele dispostas e

25 Aspecto que invalida a idéia de obra autoral, redefinindo o papel do artista enquanto mero propositor de um lance singular no contexto de uma linguagem pública. O problema da arte e da criação converte-se, pois, em problema de invenção de linguagem, domínio coletivo onde se interceptam falas e leituras potencialmente inumeráveis. O termo “artista propositor” nasce com Hélio Oiticica no momento da Nova Objetividade. Oiticica leva em conta que a linguagem não apenas situa os corpos dos falantes, mas os atravessa, pois, está sendo construída dentro e fora deles. Para o artista-propositor importa inventar uma linguagem comprometida com a prática de vida e seu contexto: ato que demanda a re-invenção conjunta dos territórios de habitação sedimentados e dos comportamentos usuais. Patrícia Dias Guimarães é Doutora em História Social da Cultura PUC-Rio com a tese: “Romantismos, vanguardas e a poesia progressiva de Hélio Oiticica” <www.itaucultural.org>. Programa Hélio Oiticica (2008).

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como a Amazônia heterogênea influencia diretamente na produção dos artistas

contemporâneos através das práticas e narrativas cotidianas que se desdobram em

outras narrativas identitárias.

No capítulo 3 em que apresento uma análise sobre a afirmação “Isso não é

fotografia!”, proponho um contraponto de dentro da fotografia em que a coloco num

patamar diferente, ela se apresenta de forma contemporânea. Discorro ainda sobre

a inserção e circulação da obra de Sequeira que vai muito além de um lugar com

intercâmbios fluidos entre artistas que se comunicam a partir da fotografia

contemporânea e estão unidos por vínculos éticos.

Interessa-me, porém, evidenciar a possibilidade de reunião e cruzamento das

práticas de alteridade na arte e como essas práticas artísticas cotidianas acontecem

em contextos diferenciados, comungando-se em ações e pensamentos que se

tecem no mundo globalizado.

Assim, esta dissertação se apóia nos conceitos propostos por diferentes

autores na intenção de criar bases sólidas para desenvolver discussões. A intenção

é que este material de pesquisa seja significativo para todos aqueles que se

interessam pelos paradigmas de processos de alteridade social na arte que se

revelam no campo experimental a partir da fotografia de Alexandre Sequeira.

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2 A ARTE NA AMAZÔNIA: uma região em si, o sentido deste lugar para

Alexandre Sequeira

Um fato, de grande relevância e que permeia e norteia muitas hibridações e

mestiçagens26 no mundo contemporâneo é aquele que indaga sobre o papel da

diferença das culturas, identidades e subjetividades. Um suporte com muitas

possibilidades para o artista. É assim que a arte contemporânea parte para a

experimentação de objetos, espaços, materiais e diálogos que antes a arte não

imaginava, colocando num campo de possibilidades, múltiplos, aparentemente

desprovidos de metodologias ou injunções27, o ambiente (lugar) enquanto poética de

um fazer indutivo. De acordo com Cauquelin (2005, p. 55),

Os artistas passaram a trabalhar no ambiente, traçaram uma espécie de paisagem na qual a arte tem seu lugar, mas nem por isso impuseram regras ao trabalho artístico, inclusive para sua compreensão, seu julgamento ou sua percepção. Contudo são as regras, os limites de processos específicos, isto é, os instrumentos e operações próprios a essa atividade que conferem à arte a especificidade e fundam sua identidade.

Este ambiente proposto por Cauquelin não implica comodidade ou prazer, e

sim ambientes que demandam uma interpretação, um esforço aplicativo, uma

vontade de estabelecer uma relação. Assim o artista passa a operar sobre o

ambiente através das coisas e pessoas nele dispostas, propondo tanto uma reflexão

do indivíduo em torno de seu lugar-hábitat, quanto provocando uma reflexão do

sujeito, onde ele mesmo, enquanto ser humano é parte envolvida neste espaço da

arte.

Ao pensar a concepção da arte diretamente com um lugar, com uma

comunidade, os artistas contemporâneos estabelecem, a partir de novos campos de

26 Tal fato se deu a partir das verificações de teóricos e artistas de que novos métodos e enunciação de feitos artísticos, que desencadearam em criações com características da conhecida arte contemporânea, onde se permite a utilização de recursos distintos que se mesclam e, em conjunto são capazes de originar múltiplos sentidos a partir de uma mesma perspectiva através de um entrelaçamento de elementos que originam as mestiçagens e hibridações. A unicidade dá lugar às migrações de materiais, técnicas, suportes, imagens de uma obra à outra, gerando poéticas marcadas pela transitoriedade e pela diferença; o único dá lugar, assim, à coexistência de múltiplos sentidos. (CATTANI, 2007, p. 22). 27 Visam uma prática que se propõe a explicitar, apresentando de alguma maneira condições ao exercício da arte e dando uma ordem (nos dois sentidos do termo) à multiplicidade de expressões, de técnicas e de intenções (CAUQUELIN, 2005, p. 55).

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pesquisa, uma relação de percepção dos sentidos com lugares comuns, que

passam a ser o lugar do novo, do diferente e do instigante a partir do olhar, da

sensibilidade e da concepção artística, entre linguagem e mundo. A linguagem se

apresenta como condição do humano entre o interior e o exterior, entre o singular e

o comum. Neste propósito, pensar a comunidade é

Antes de tudo pensar que não há apenas a linguagem encerrada em si, produtora de enunciados auto-reflexivos e autotélicos, mas as coisas singulares, que nela se perdem a através dessa perda no comum, no universal, ganham uma presença, que é produtora de interrupções, de vazios, pelos quais o comum que se faz pela linguagem nela se desfaz para dar lugar ao em-comum (LOPES, 2007, p. 72).

O lugar, a comunidade, a articulação dos exercícios da vida cotidiana, se dá

no acontecer, não se parece com quaisquer comunidades reais, atuais,

identificáveis, pois justamente quando se desfazem é quando se afirmam se

legitimam. Dentro deste contexto, no campo artístico da atualidade, eu entendo que

o contato do artista com diferentes grupos, com a condição do humano nas práticas

e experiências cotidianas, promove novas narrativas identitárias. Canclini (2003, p.

23) a esse respeito diz que

Os estudos sobre narrativas identitárias com enfoques teóricos que levam em conta os processos de hibridação, mostram que não é possível falar das identidades como se tratassem apenas de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou de uma nação. A história dos movimentos identitários revela uma seleção de elementos de diferentes épocas articuladas pelos grupos hegemônicos em um relato que lhes dá coerência, dramaticidade e eloqüência.

Neste sentido, reporto-me para a paisagem amazônica com seus elementos

poéticos, políticos e sociais. Este ambiente tão longínquo no imaginário de muitos,

até mesmo de seus habitantes, é a proponente de muitos diálogos.

A Amazônia é um todo heterogêneo que abriga complexidades a serem

consideradas. Sua biodiversidade, seus fazeres cotidianos tão cheios de saber,

originam um ambiente subjetivo de ficção, e, portanto, de filosofias e outra parte que

desde a modernidade, se desenvolve em função da insatisfação com a desordem, e

às vezes com a ordem, do mundo: além de conhecer e planejar interessa

transformar e inovar.

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Para Gonçalves (2005, p. 9) existem diversas Amazônias: “Há a Amazônia da

várzea e a da terra firme. Há a Amazônia dos rios de água branca e a dos rios de

águas pretas [...], habitar esses espaços é um desafio à inteligência, à convivência

com a diversidade”.

Os muitos lugares deste lugar exigem leituras pautadas no cotidiano, são

leituras espontâneas que apenas a dinâmica da vivência diária proporciona através

do contato com o ambiente, do pisar no solo, de reconhecer nos cheiros, no paladar,

e no ouvir aquilo que lhe é familiar. Sobre este aspecto é importante apreender o

que Yázigi (2001, p. 32) esclarece em seu livro sobre a “Alma do lugar”:

Há alma quando há paixão das gentes pelo lugar. A alma órbita além da ciência, e tem de ser entendida num plano mais elevado que o formato acadêmico [...] A alma [...] é o que um lugar qualquer tem de melhor.

A importância de conhecer e apreender o ‘interior’ do lugar cotidiano, esse

lugar que é comum para os seus habitantes, à sua gente compreende uma relação

tão mútua e tão íntima que se estabelece um vínculo afetivo, porém, longe de ser

um éden exótico. Herkenhoff (2010, p. 96) diz que: “uma tarefa da arte na Amazônia

é a violentação da violência que ocorre na região” e eu complemento: para entender

essa complexidade, nós, pesquisadores, artistas, curadores, educadores, enfim,

estudiosos da criatividade, da circulação e do consumo culturais, temos que nos

preocupar cada vez mais em entender os dados brutos, os movimentos

socioeconômicos que regem com novas regras os mercados científicos e artísticos,

assim, como nossa instável vida cotidiana.

A Amazônia, longe de estar num patamar de unidade, constitui-se na

diferença e pensar a arte e a cultura compele a discussão que levaria em conta os

fatores geopolíticos28, seus atores e suas conseqüências culturais que estão na

base dos conflitos. A cultura não pode ser vista como um recurso de emergência e

nem na mágica de “criar uma nova cultura” e sim na necessidade de ordenar os 28 Trata-se de um campo de conhecimento que analisa relações entre poder e espaço geográfico. Foi o fundamento do povoamento da Amazônia, desde o tempo colonial, uma vez que, por mais que quisesse a Coroa, não tinha recursos econômicos e população para povoar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território. Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-sucedidos, e a geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência (BECKER, 2005, p. 1).

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conflitos entre imaginários, do que cada um imagina como globalização. Herkenhoff

aponta alguns caminhos norteadores que comungam com a produção de alguns

artistas29 comprometidos com a crítica e o reconhecimento de profundas mudanças

estruturais que ocorreram na Amazônia nas últimas décadas do século XX30.

O artista da Amazônia é depositário de uma herança cultural e de valores. Também testemunha cotidianamente uma experiência dramática e perversa. Como conciliar desenvolvimento, respeito às populações tradicionais (índios, ribeirinhos, quilombolas e outros grupos), ecologia, sustentabilidade, progresso, conhecimento, justiça social e geopolítica? A arte opõe modelos contra a entropia social, dizia Pedrosa. Penso no trabalho de Patrick Pardini sobre a capa vegetal da Amazônia natural, violentada ou corretamente manejada pelo homem. Alguns caminhos inscrevem a produção da região amazônica no plano internacional. Seus artistas têm uma intimidade com o valor simbólico da Amazônia, a diversidade cultural de tempos assincrônicos, a floresta e a biodiversidade, enfim, muito mais. No entanto, o Acre não é Belém, Rondônia não é Roraima, nem um Waiãpi é um quilombola. Uma produção de dentro pode trazer visões fenomenológicas de espaço e tempo, possibilidades de trocas culturais muito especiais. (HERKENHOFF, 2010, p. 90)

Estes ambientes de contradições cotidianas descritas por Herkenhoff formam

uma ampla rede de pesquisa para os artistas contemporâneos locais que

atravessam no olhar a superação das fronteiras legais produzindo uma arte que

confluí para a universalidade. Na exposição Amazônia, A Arte, que ocorreu no

Museu da Vale em Vitória(ES) em junho de 2010, tive o prazer de fazer a curadoria

educacional e experimentar parte da série Nazaré de Mocajuba e sua relação com o

público.

Na primeira parte da exposição, estava a instalação de Alexandre Sequeira,

Vozes da Mata (2005), em que o artista apresenta um grande panorama com uma

cena da cerimônia de finados na pequena Vila de Nazaré do Mocajuba. É comum,

nos interiores dos pequenos vilarejos, os familiares prestarem homenagem aos

mortos à noite com o ritual da “Iluminação,” em que acendem velas e decoram de

maneira modesta suas sepulturas, e a sua volta as famílias se reúnem para comer

quitutes e relembrar os feitos dos que se foram.

29 A veemência política de Armando Queiroz; Diagramas de sociabilidade de Alexandre Sequeira; Denúncia do racismo nas descrições jornalísticas de delinquentes no grafite de Éder Oliveira, entre outros. Ver Catálogo Amazônia, A Arte (2010). 30 O projeto de integração nacional causou malignidade em termos ambientais e sociais. Porém, com sangue, suor e sofrimento, faz-se necessário reconhecer o que restou de positivo nesse processo, porque são elementos com os quais a região conta hoje para seu desenvolvimento. E não se pode esquecê-los (BECKER, 2005, p. 4).

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Figura 1 – O registro de Alexandre Sequeira capta o encontro dos moradores da vila no cemitério como um local em que adultos e crianças cultuam seus mortos decorando de maneira singela suas sepulturas.

Porém, o clima calmo da cena é estremecido pelo incêndio acidental que se

espalha rapidamente ao redor do cemitério. Alexandre estava lá e fez o registro

fotográfico e, sobretudo, refletiu sobre as relações de vínculos com a memória numa

permanente revisão dos que se foram e dos que ali estavam.

Figura 2 – Neste momento fotográfico Alexandre Sequeira registra a cerimônia de iluminação, em que a vila reverencia a morte, não como sinônimo de dor, mas como algo que faz parte do ciclo da vida.

Na instalação no museu, ouvia-se a voz de um lamento com uma ladainha

quilombola captada no Marajó, e junto um crepitar do fogo que se integrava a

imagem expandida no ambiente escuro da sala expositiva.

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Um adolescente que estava no grupo visitando a exposição fez o seguinte

comentário: “eles estão acendendo velas para os mortos e lá atrás a floresta está

morrendo também.” O comentário interessante do adolescente sobre o incêndio na

floresta através da fotografia de Alexandre Sequeira capta o ciclo de vida e morte,

reúne em seu conteúdo informações múltiplas da realidade selecionada.

Os relatos do grupo não eram superficiais ou ilustrativos, havia conexões

causais, e compreensão sobre o pensamento, os sentimentos dos que ali estavam

velando seus mortos e as ações do homem sobre a natureza, personagem pontual

que no princípio foi apurado diante dos fatos e criticado ao mesmo tempo, mas, por

fim compreendido. Constatei então, que o fotógrafo abstraiu do mundo visível

passado, uma vez representado na matriz fotográfica, a informação iconográfica que

nos apresentou.

Trata-se, também, de uma foto bastante elaborada sob o prisma estético, em

detrimento da trama histórica particular das queimadas na Amazônia que envolveu

sua respectiva produção. Questões de queimadas e sobrevivência são situações

comuns na região Amazônica que implicam em conseqüências danosas não só para

as pessoas, mas também para a fauna e a flora.

Figura 3 – O registro de Ruth Guedes da Instalação Vozes da Mata de Alexandre Sequeira em Vitória-ES no Museu Vale mostra a imagem ampliada disposta na parede que ficava numa sala escura acompanhada de uma ladainha Quilombola.

A fotografia está terminantemente inserida na história cultural, eu diria mais,

ela se faz presente como meio de comunicação e expressão em todas as atividades

humanas, e estudadas sob esta perspectiva mais abrangente, forma-se intercâmbio

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de sentidos que se entrelaça a cultura e se torna cenário de expressão, incorporada

organicamente na dinâmica da vida e na produção simbólica cotidiana vista como

hibridismo vivo em constante movimento.

Não foi apenas o acontecimento em si das queimadas, a meta a ser

recuperada, mas os questionamentos que foram gerados sobre o que levou o

homem à determinada ação. Desse modo, a fotografia nos faz sim mergulhar na

vida passada e ao retornarmos a imagem fragmentada, buscamos compreender as

razões do contexto a que se refere e estes não são desvinculadas da trama histórica

particular, dos componentes econômicos, sociais, políticos, culturais, estéticos,

tecnológicos que indicaram e influenciam consideravelmente para que a fotografia

em suas diversas manifestações tivesse sua importância determinada em cada

espaço específico. Cauquelin (2005, p. 20) ao se referir sobre o contexto

sociocultural e político nas artes ressalta que

Quando se trata de um objeto de arte, o processo de reconhecimento deve levar em conta o contexto sociocultural e político – auxiliar indispensável ao reconhecimento efetivo de um objeto de arte enquanto tal -, e sua constituição de símbolo deve muito ao lugar que esse objeto ocupa no sistema de trocas econômicas e culturais.

O lugar, vila de Mocajuba ou na urbana Belém amazônica, a arte ocupa um

ambiente extremamente complexo de troca dinâmica onde, na atualidade convivem

sedimentações identitárias, que formam populações ribeirinhas que convivem com o

rio e ao mesmo tempo, em um espaço tão curto -, uma população cuja urbe

converge contraditoriamente para um ambiente acelerado construído no centro da

cidade.

Belém é a cidade que alimenta contornos gigantescos, é a capital mais antiga

da Amazônia, e tem seu posto de mãe por ter sido a primeira porção de terra em

meio à floresta que os colonizadores aportaram e se fixaram. O lugar sempre

despertou interesse de pesquisadores, naturalistas e botânicos, sendo o centro da

Amazônia, como afirma Nunes (2006, p. 17):

Belém era, desde o séc. XVIII, uma cidade cêntrica: centralizava a paisagem do estuário amazônico num cenário, entre rio e floresta; “boca de sertão” e porto, centralizava as atividades produtivas das demais cidades e vilas do interior na moldura do intercâmbio comercial com o estrangeiro e com o resto do país, pois que também foi mercado escravo; centralizava, ainda, depois da subjugação e destruição de culturas indígenas, o prolongamento armado da civilização européia na Amazônia.

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A Amazônia hoje não é mais simples fronteira de expansão de forças

exógenas nacionais ou internacionais, mas sim uma região no sistema espacial

nacional, com estrutura produtiva própria e variados projetos de diferentes atores. A

sociedade civil passou a ser um ator importante, tanto na zona rural como na zona

urbana, especialmente pelas suas reivindicações de cidadania, que inclusive influem

no desenvolvimento urbano.

O artista neste contexto é apontado por Herkenhoff (2010) como aquele ator

que atravessa fronteira de classe, pensa conflitos sociais, afasta-se dos parâmetros

de legitimação do gosto burguês ou desobedece todo o cânon exterior, daí sim, o

caminho produtivo na arte da Amazônia.

Acredito que a arte do Pará inventa estratégias que atravessam o fazer

artístico e muito do que se produz aqui tem um forte acento conceitual. A alma

visível amazônica está no convívio nacional e internacional da produção artística de

alguns profissionais que foram influenciados pelo convívio com os artistas João de

Jesus Paes Loureiro, Emannuel Nassar, Luiz Braga e Osmar Pinheiro, que nos anos

de 1980, pensaram e utilizaram em seus trabalhos elementos classificados por

alguns de visualidade amazônica31.

Porém, no catálogo do Arte Pará 2005, Herkenhoff faz um alerta para os

artistas emergentes contra a burocratização do olhar e na possibilidade de

transformação da visualidade amazônica em parâmetros acadêmicos fáceis - o que

ele classifica de suicídio.

Provavelmente, um fator relevante do desprendimento dessa atitude cultural

foi a criação da FotoAtiva32 na década de 1980, que lança o desafio em busca de

olhares próprios, impulsiona o surgimento de artistas importantes e também para um

público maior, não se restringe apenas aos fotógrafos profissionais o que

31 Tratava-se de uma atitude cultural que por meio de um mapeamento simbólico-visual da região procurava os pontos de encontro entre a cultura popular e erudita. Mesmo que atualmente as concepções de cultura procurem não tomar dicotômica a relação entre cultura popular e erudita, no começo da década de 1980 era observável um olhar que marcava essa diferença, apesar da intenção de associar as duas culturas em um trabalho de arte e dirimir essas distâncias (MOKARZEL; MANESCHY, 2009, p. 20). 32 Fundada em Belém em 1984 por Miguel Chikaoka, a Associação FotoAtiva se consolidou como um núcleo de referência para o desenvolvimento de uma cultura fotográfica na região amazônica e como uma das mais atuantes e criativas organizações culturais do Brasil. Segundo as curadoras Ângela Magalhães e Nadja Peregrino, “é uma oficina em permanente ebulição que tem por finalidade pesquisar, estimular e difundir a fotografia como prática de linguagem”. Gerações de fotógrafos passaram pelos cursos da Fotoativa, a maioria ainda mantêm vínculos com a entidade e boa parte deles se tornou referência na arte fotográfica dentro e fora do país <http://www.fotoativa.org.br/historico.htm>.

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consideravelmente revelou a produção audiovisual local de maneira significativa na

integração da fotografia no contexto sócio-cultural da região amazônica. Os artistas

passaram a ampliar seus repertórios, experimentando as pesquisas com linguagens,

não ficam restritos em sua atuação, à região.

Ressalto aqui, dentre muitos outros artistas que freqüentaram a FotoAtiva, e

que mais tarde viriam a ser significativos para a história da fotografia paraense,

como: Flavya Mutran, Alexandre Sequeira, Paula Sampaio, Walda Marques, Orlando

Maneschy, Mariano Klautau Filho, Miguel Chikaoka, Patrick Pardini. Alberto Bitar,

Elza Lima, Cláudia Leão, Maria Christina que têm obras em acervos importantes,

participam de mostras nacionais e internacionais, além de bienais.

De certa forma, essa atitude cultural também provocou padronização no olhar

nas décadas seguintes, influenciou novas gerações e até nos dias de hoje a

FotoAtiva congrega oficinas e ações culturais , com o objetivo pontual na discussão

sobre a imagem e seus discursos. Ressalto também, os cursos de Artes visuais e

Tecnologia da Imagem nas universidades e faculdades locais como propulsora de

trajetória e reconhecimento de artistas emergentes.

As estratégias de inserção e circulação em diferentes Estados e Países de

muitos desses artistas paraenses vem sendo proporcionadas por curadores e

críticos, que legitimam a consistência de seus trabalhos que retém um caráter

universal. Alexandre, por exemplo, se insere no circuito nacional e internacional com

“Une Certaine Amazonie”, na França; Bienal Internacional de Fotografia em

Liège/Bélgica; “Quatro artistas brasileiros” Engrame/Canadá e Projeto Portfólio em

São Paulo/Brasil. Mais recentemente esteve na Bienal de Havana, em

uma exposição no Reino Unido e na China no Pingyao International Photography

Festival (PIP) na exposição Um certo Brasil.

Esses profissionais, abriram possibilidades e condições para a paisagem pós-

moderna, dão abertura e condição para esse olhar amazônico. Paisagem pós-

moderna segundo Ramos (2006, p. 12):

Não é terra, mas a visão que se tem dela, o ambiente percebido e experienciado. A própria idéia de paisagem pressupõe um observador. E são muitos os intermediários dessa paisagem. É através de pesquisadores, jornalistas, marqueteiros, designers e artistas que a educação se configura na estrutura do corpo social como catalisadora de relações, experiências e conteúdos.

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No ambiente amazônico percebido e experimentado a partir da visão que se

tem dessa paisagem, o cotidiano e a cultura estão completamente imbricados, como

diz Mafessoline (2000, p. 47) “com a ordem da globalidade, da organicidade de todas

as coisas”. Complemento: deve-se levar em conta o conhecimento dos novos bens,

seu valor social e cultural, e a forma de utilizá-los. Nesta proposição distinta de

experiências no ambiente percebido, Giddens (1991, p. 58) nos alerta que

Não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances da emergência social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas. Nos termos desta análise, pode facilmente ser visto porque a radicalização da modernidade é tão perturbadora, e tão significativa. Seus traços mais conspícuos – a dissolução do evolucionismo, o desaparecimento da teologia histórica, o reconhecimento da reflexibilidade meticulosa, constitutiva, junto com a evaporação da posição privilegiada do Ocidente – nos levam a um novo e inquietante universo de experiência.

Nesse inquietante universo de experiência, temos um sistema de informação

que acontece numa velocidade tão rápida que quase nos escapa o seu tempo de

duração. Algumas informações permanecem, outras são totalmente esquecidas, daí

o olhar atento para os modos de transmissão e consumo da imagem: seja da

televisão, da publicidade, do cinema, do cartaz, da internet, etc.

Ressalto que o papel dos artistas contemporâneos (novos intermediários

culturais33) em propor e tornar mais receptivas as sensibilidades dos indivíduos para

interagir no mundo audiovisual, requer uma revisão constante na própria produção

do saber.

Esta relação traz novos embates e evidencia novos campos do pensar a

cultura que ganhou ampla importância econômica e social no mundo, ao qual a

Interdisciplinaridade, é hoje uma necessidade tanto quanto a disciplinaridade.

Jantsch e Biancheti (1995, p. 21) afirmam que “ambas são construídas pelos seres

humanos num determinado tempo, portanto impõem-se historicamente”.

Desta forma, pensar a arte contemporânea enquanto fator social do fenômeno

humano é considerar a existência de práticas humanas como um fazer artístico,

atravessando campos reflexivos da filosofia, das artes e das ciências.

33 Expressão denominada por Bourdieu (1992, apud RAMOS, 2006, p. 13) para designar o rompimento com antigas hierarquias pedagógicas com a intenção de provocar a difusão de idéias e projetos de bens culturais.

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Reafirmo que aplicar essa reflexão à realidade paraense-amazônica, vai

muito além das teorias propostas, pois é o pensar de quem habita, de quem mora,

de quem é “permanente e contínuo” que vai ensinar e mostrar o produto imaginário a

quem visita a quem chega, a quem é “circunstancial”. Acredito que o visitante, ao se

deparar com as experiências e informações do lugar que tanto povoa a curiosidade

de muitos, faz uma nova leitura dessa paisagem que influencia e age como sinal

ativo de trocas simbólicas34 e aprendizagens entre grupos e culturas diferentes.

A importância da compreensão da arte no processo social da qual ela faz

parte me leva a considerar que: se a arte é uma produção social, ela é uma prática

social, e o envolvimento do artista no desenvolvimento de sua produção, com um

conjunto de relações sociais, transforma a maneira de sua produção artística. Desta

forma, Bourriaud (2009, p. 19-20) afirma que

A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma inversão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna. Em termos sociológicos gerais, essa evolução deriva, sobretudo, do nascimento de uma cultura urbana mundial e da aplicação desse modelo citadino a praticamente todos os fenômenos culturais.

Nesse campo de relações, a arte na Amazônia valoriza e transforma, cria um

duplo movimento pelo qual o novo surge sem destruir o antigo. Está inserida na

paisagem pós-moderna e provoca a dialética entre regionalidade e universalidade,

passado e futuro, identidade e multiculturalismo35. A cultura vem sendo

compreendida como um código simbólico, que traz consigo a dinâmica e coerências

internas. Velho e Castro (1978, p. 7) a essa concepção afirma que a cultura “traz

dentro de si as contradições existentes ao nível da sociedade propriamente dita”.

Cabe estender a esse conceito o conhecimento elementar de que as relações

culturais supõem relações de poder, desigualdades e contradições, e de cada

aspecto diferente de transmissão de cultura, enredam algum poder de dominação.

34 Transformação da função do sistema de bens simbólicos e da própria estrutura desses bens, transformações correlatas à constituição progressiva de um campo intelectual e artístico, ou seja, à autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação, e consumo de bens simbólicos (BOURDIEU, 1999, p. 99). 35 A hibridação é o que torna possível que o multiculturalismo evite a segregação e se converta em interculturalidade. As políticas de hibridação serviriam para trabalhar democraticamente com as divergências, para que a história não se reduza a guerras entre culturas (CANCLINI, 2003, p. 27).

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Neste estudo, optei concentrar-me em um labirinto proposto por Nestor Garcia

Canclini (2003) chamado de “culturas híbridas”. Estes autores, entre tantos outros

que desenvolvem estudos sobre processos culturais latentes hoje na América

Latina, busca alcançar distintas misturas interculturais. Na opinião de Canclini, o

termo hibridação justifica os aspectos culturais plurais. Na visão do autor não existe

oposição entre o tradicional e o moderno, entre o culto e o popular.

As relações sociais e culturais na Amazônia indicam as múltiplas culturas

presentes no tecido social brasileiro e a valorização das diversas identidades

culturais específicas é cada vez mais afirmada. Foi, com essa integração que a

Amazônia, uma região em si, traz na poética do artista Alexandre Sequeira, uma

pequena vila de pescadores Nazaré do Mocajuba como aproximação, apreensão e

tradução de que é possível pensar o mundo a partir de qualquer lugar.

Como muito bem disse Milton Santos (1926-2001) em entrevista no livro

Encontros: “Daqui ou do Congo, posso pensar o mundo como um todo. Produzir um

conceito, uma idéia e um sistema de mundo. Não é mais o nacionalismo anterior. É

produção da idéia de mundo que tem base no território e da minha cultura”

(SANTOS, 1999, p. 133). Assim, Nazaré do Mocajuba através do pensamento

artístico de Alexandre se desloca, vai muito além de um lugar.

2.1 ALEXANDRE SEQUEIRA: o viajeiro laboratorial

O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade serve de referência para que eu

reflita sobre a produção de Alexandre Sequeira. O estilo colonial de Mario ao relatar

suas viagens nos possibilita construir paisagens oníricas com fatos reais, pelo seu

intuito e objetivo e também pela forma como trabalha nelas, quando registra em seu

diário suas reflexões e seu cotidiano.

Alexandre com seus relatos de viagem, suas imagens e narrativas de sua

poética, assim como Mário de Andrade, nos apresenta reflexões sociológicas,

culturais e políticas sobre pequenas vilas, pequenos lugares.

Sempre fui fascinada pelos relatos de viagem, principalmente os resultantes

das empreitadas dos antropólogos. Então, há alguns anos venho me arriscando em

projetos de arte híbridos que tentam juntar, pela “consciência poética”,

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parafraseando Andrade, estas duas áreas do conhecimento. Nestes momentos,

busco fazer o que em antropologia se chama de “descrição densa”, aquele exercício

em que o pesquisador interpreta os fatos, os acontecimentos, a partir do ponto de

vista do sujeito, protagonista daquela história. Entretanto, mesmo atenta em ser fiel

ao evento, em alguns momentos predomina meu olhar sobre a vida e obra de

Alexandre.

O meu olhar de tanto ler as narrativas, acabou ouvindo também. Criei sons de

Mocajuba e em algumas imagens cheguei a sentir o vento e o frescor debaixo daquelas

árvores enormes. Criei um cenário próprio, por meio de sentimentos e emoções.

Mas, trata-se de uma experiência pessoal, intransferível. Tenho consciência

de que esta é uma dissertação de mestrado e preciso não perder o viés da ciência

porque a pesquisa está pulsante nas observações.

As viagens, a vida junto a lugares comuns, o interesse científico e a fotografia

são grande interesses de Alexandre, daí o termo “viajeiro laboratorial” porque

Alexandre sempre atribui às suas expedições o caráter de investigações culturais,

fazendo-se acompanhar por sua câmera fotográfica, com o objetivo de reunir

material e registros que permitiam a expansão de caminhos.

Alexandre Romariz Sequeira nasceu em 1961, em Belém do Pará. Quando

criança, gostava de desenhar, e o interesse pela arte sempre se fez presente em

sua vida. Na adolescência, ganhou de seus pais uma coleção de livros que reunia os

acervos dos maiores museus de arte do mundo – o que lhe despertou muito mais do

que apenas curiosidade. Apreendeu livros e imagens para assinalar os lugares que

ele desejaria um dia conhecer.

Em 1980 prestou vestibular para arquitetura na Universidade Federal do Pará

(UFPA). Graduado em 1984, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou na área de

design gráfico. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer cursos de fotografia. De

volta à Belém, em 1989, passou a freqüentar aulas na FotoAtiva, e a partir dai

começa a vislumbrar as relações entre a fotografia e o que buscava como um

trabalho mais autoral no campo das artes. Hoje, refletindo sobre o que faz, percebe

a contribuição que cada uma dessas áreas lhe trouxe (a arquitetura, o design gráfico, a

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fotografia). Começou a trabalhar na Fundação Curro Velho36 e a confirmação e

indicativos na experimentação artística se intensificaram.

Trabalhar na Fundação Curro Velho por 14 anos marcou a vida e moldou o

pensamento de Alexandre Sequeira – através da troca de experiências, ideias e de

variadas maneiras de olhar para o mundo. Foi um momento em que o artista

experimentou concretamente a comunhão entre arte e vida, entre ética e estética. As

pessoas que freqüentavam o Curro, em sua maioria, vinham de bairros distantes,

para, por exemplo, cantar ou dançar.

Não se tratava de buscar algo que as possibilitasse ganhar dinheiro, mas tão

somente, buscar algo que as fizesse bem. Atitudes como essas, aproximaram

Alexandre do que ele considera de mais fundamental no fazer artístico: não esperar

nada em troca, a não ser o simples prazer em fazer algo. E desse modo, sem

perceber, muitos encontravam ali uma vocação, um projeto de vida.

Alexandre37 ressalta que Belém se acostumou então, a ver nas listas de

inscritos e premiados dos principais eventos artísticos da cidade, a presença de

inúmeras dessas pessoas, carinhosamente chamadas de “Crias do Curro Velho”. As

noites de abertura de Salões como: Os Primeiros Passos, o Pequenos Formatos ou

o Arte Pará se convertiam em ponto de encontro e celebração desses jovens artistas

na cena paraense.

O sentimento de gratidão é o que pulsa em sua vida pela oportunidade de ter

passado esses anos no Curro Velho, de ter assistido a esse momento tão rico para a

cena cultural da cidade, e ele acrescenta “o quanto tudo o que faço em arte agora é,

de certa forma, influenciado por essa experiência de vida, pois o convívio com

profissionais da área trouxe-me a oportunidade de trabalhar também com o teatro”.

Deste convívio o artista criou peças gráficas e montagens de peças teatrais.

As cenas de vida e relatos dessas pessoas submetem-no ao sentimento de uma 36 Curro Velho é uma fundação pública, conforme estabelece o seu estatuto, sediada em Belém e vinculada à Secretaria de Estado de Cultura do Pará, desde 2007; é autônoma na gestão educacional e prestação de serviços culturais; recebe subsídios para a sua manutenção do Governo do Estado do Pará; sua missão espelha o grande desafio de garantir a inclusão social e cultural de crianças, prioritariamente, de 06 a 12 anos e jovens de 13 a 24 anos; pela educação estética e poética; em ações e atividades de curtos, médios e longos prazos; se orgulha de estar entre as melhores instituições públicas do Estado a ter, em caráter regular, cursos e oficinas de iniciação para as artes e ofícios criativos gratuitos, desde a sua criação, sem nenhuma interrupção e com estabilidade <http://www.currovelho.pa.gov.br>. 37 Entrevista de Alexandre para o <http://holofotevirtual.blogspot.com>. Blog dedicado a reportagens e entrevistas sobre arte e cultura. Criado em 2008 por Luciana Medeiros que é jornalista e trabalha em produção e assessoria de imprensa de projetos culturais.

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secreta identidade fraternal das pessoas através das origens, das crenças, do saber

e da troca38.

Curador independente, professor e artista, está sempre envolvido com o

circuito artístico, seja em sua cidade natal ou pelo mundo afora. Ao viajar pelo

mundo com sua câmera fotográfica pendurada em seu ombro, acredita que a

câmera faz com que, muitas vezes, seja percebido pelos moradores desses locais

que visita como “aquele que anda fotografando as coisas”.

É a fotografia que o introduz, o apresenta nesses contextos sociais como um

crachá de identificação. Por esse motivo, sempre que alguém se aproxima, a

fotografia acaba se tornando o assunto inicial, o ponto de partida para estabelecer

uma relação com as pessoas. A pesquisa pela imagem é para o artista, interessante,

cativante e enriquecedora.

É comum ver Alexandre debatendo com amigos fotógrafos sobre os trabalhos

realizados e compartilhar informação é de sua natureza, é um artista com olhar de

educador, e o encontro com o outro se mistura com a ética do trabalho, que é um

pensamento no fotográfico como uma filosofia de vida, afinal, para ele não existe ser

humano superior, há sempre uma integração com a natureza.

Valoriza o trabalho e a vida das pessoas de onde compõe uma narrativa

precisa sobre os caminhos percorridos e as relações que todo viajante laboratorial

estabelece. As paisagens fotográficas de Alexandre surgem descritas na maneira

simples de enxergar o mundo dado pelos escritores.

A paisagem narrativa do artista como descrição do mundo é um recurso

poético para o esclarecimento de minha vivência como observadora, muito além de

uma ressonância temporal puramente prática, afetiva e intelectual. Na fotografia de

Alexandre, o tempo do outro foi incluído e cada um é um: “somos um”! Mexer em

suas memórias me envolveu num exercício de alteridade.

38 Esse respeito pelas pessoas é uma referência peculiar de Alexandre. Através do Projeto Rumos Itaú Cultural em 2009/2010 viajou pela região Amazônica como curador de mapeamento e percorreu lugares sempre atento a paisagem, a produção das pessoas e ao impacto que a natureza lhe causa. Por alguns anos foi professor do curso de Artes Visuais da Universidade da Amazônia (UNAMA) e hoje é professor do curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da UFPA (onde trabalha há 14 anos). Alexandre fez especialização em Semiótica e Artes Visuais e mestrado em Arte e Tecnologia pela UFMG. Desenvolve trabalhos em fotografia e participa de exposições no Brasil e no exterior.

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2.2 ARTE E VIDA: que arte é esta que era vida antes de ser arte!

Coincidentemente está tatuada em meu corpo a seguinte frase: “Arte e vida são

para mim a mesma coisa”, e quando da qualificação deste estudo, a professora e

artista visual Val Sampaio sugeriu escrever o que este sentido enuncia na vida e obra

de Alexandre. Percebi então que traduzir o que sai do artista é o que toca em mim.

Arte e vida na obra de Alexandre é ter a arte como ideia que explica a paisagem

que não é pintura, não é fotografia e sim fulgurações, caminhos seguidos e traduzidos

no fazer, na forma de agir de quem tem autonomia no trabalho com repertório, vida,

fornecedor das portas abertas que falam das coisas como um desenho interno que

coloca na fotografia sua tradução. O artista está no mundo, e nesse espaço ele se

conhece. Quando me volto para ele a partir do dogmatismo da ciência, não verifico

verdades intrínsecas, mas um sujeito que se desloca.

Portanto, a reflexão que faço é sobre essa percepção de mundo no

percebido não sobre o que se pensa, mas na experiência vivida no mundo.

Comunicar-se com ele é, sem dúvida, o caminho traçado pela poética de

Alexandre na certeza de um mundo inesgotável, e essa possibilidade torna certa

sua existência em seu trabalho. A consciência humana pessoal é como o projeto

de mundo que ele não alcança nem tem a posse, mas se lança em direção ao

qual prescreve seu objetivo.

Neste estudo, incitar as relações que se entrelaçam entre arte e vida é

estabelecer uma dialógica entre o trabalho de Alexandre, seu vocabulário de forma39 e,

fundamentalmente, seu universo cotidiano pautado por um olhar atento e imaginativo

ao seu redor para representar o mundo como um projeto de visualidades.

Adentrar no conhecimento visual do objeto estético e das intenções de

Alexandre como especialista simbólico é algo da ordem humana que reverbera nas

proposições criadas com os envolvidos, (porque sempre o “outro” é incluso), com o

olhar de quem ver e na movimentação de nossa cultura, tão fortemente presente e

que nos faz perceber certos lugares e objetos.

39 A forma na estética relacional é uma unidade coerente, uma estrutura que apresenta as características de um mundo: a obra de arte não detém o monopólio da forma; ela é apenas um subconjunto na totalidade das formas existentes. A forma da arte contemporânea vai além de sua forma material: ela é um elemento de ligação, um princípio de aglutinação dinâmica. (BOURRIAUD, 2009, p. 26, 29).

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O estudo desse olhar pode se dar pelas aproximações do mundo vida num

campo de correlações e o estudo de Merleau-Ponty (2006, p. 10) em Fenomenologia

da Percepção reforça o eixo teórico e dá forma à teia de afeto, de como Alexandre

se lança no mundo e

O mundo não é um objeto tal que tenho em minha possessão as leis de sua construção; ele é um campo para desenvolver todos os meus pensamentos e minhas percepções. A verdade não habita somente no homem interior, ou mais precisamente, não há homem interior; o homem está no mundo e somente no mundo ele se conhece.

Verifico que Merleau-Ponty enfatiza o cuidado de não nos dirigirmos aos

objetos em si mesmos ou às qualidades puras, mas às realidades experienciadas

com esses objetos ou qualidades, afinal a percepção mostrada nos fundamentos do

autor nos aproxima dos modos do cogitar fenomenológico40, ou seja, daqueles atos

de conhecimento que se revelam no instante da experiência vivida.

As experiências vividas por Alexandre se entrelaçam nas movimentações do

cogito fenomenológico no campo de arte e vida, seus trabalhos surgem desse prazer

por se deslocar, por conhecer outros lugares e pessoas. Mas isso não quer dizer

que qualquer lugar que ele vá, resultará em um novo trabalho. Depende dos

encontros, das relações que se estabelecem. E se algo lhe toca pelos sentidos, ficar

mais tempo ali é certo. Caso contrário será apenas mais um lugar que conhece.

Ressalto ainda o inesperado, o fluir dos acontecimentos que se realiza no

corpo reflexivo do artista, vivo e que se deixa envolver pelas reflexões, evoca uma

compreensão e uma interpretação desses fenômenos, porém, de forma visual na

sua poética. Arte vida em Alexandre está na fenomenologia de Merleau-Ponty, que

enfoca um estudo da experiência estética e tem na fenomenologia sua base

filosófica e metodológica.

Essa intenção da consciência seguiu em toda a sua extensão na obra de

Husserl (2001) e a principal característica da consciência é de ser sempre

intencional e coloca a consciência sendo sempre consciência de alguma coisa: a

análise intencional e descritiva da consciência definirá as relações essenciais entre

atos de vivências e de seus objetos ligados entre si de maneira essencial.

40 Cogitar é um ato de compreensão-interpretação dos significados do mundo, de suas estruturas ou de arranjos espontâneos de suas partes. Ao nos dirigirmos aos objetos transcendentes não estamos tendo atos de introspecção, atos intuitivos ou fazendo alguma conversão irracional ou ocultista (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 504).

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42

Essa questão essencial está na relação arte e consciência, que confirma o

conhecer e estar no mundo visualmente sendo uma operação do olhar e das

movimentações dos sentidos que o artista faz no mundo vida e a percepção dá

consistência e concretude às significações num conceito de arte como experiência

estética sujeito/objeto.

Quando me refiro à consciência faço um recuo em direção a abordagem de

John Dewey (Art as na Experience, 1989) em que ele pontua a relação

Experiência/Consciência, e neste sentido, a consciência não é algo a priori em si

que também entra em relação com algo – outro. Neste viés, a relação com o outro

proposta por Alexandre em sua poética, entra na própria essência do ato consciente

e é codeterminada pelo outro com o qual ele se relaciona, o que confirma como

ponto fundamental nesta relação recíproca de construção sujeito mundo.

É na relação construída da dialética entre consciência e experiência que o

encontro com o objeto artístico acontece. Esta construção da “consciência do olhar”

Merleau-Ponty elabora como reflexão do estar no mundo artista sem negar a

estrutura anterior como base da subjetividade, e ao interpretar a intencionalidade

estudada por Husserl (2001), a perspectiva da percepção transcende e se expande

para o corpo vivo que me referi anteriormente. Merleau-Ponty (2006, p. 278), afirma:

Nós reaprendemos a sentir nosso corpo, reencontramos, sob o saber objetivo e distante do corpo, este outro saber que temos dele porque ele está sempre conosco e porque nós somos corpo. Da mesma maneira, será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto estamos no mundo por nosso corpo, enquanto percebemos o mundo com nosso corpo. Mas retomando assim o contato com o corpo e com o mundo, é também a nós mesmos que iremos reencontrar, já que, se percebemos com nosso corpo, o corpo é um eu natural e como que o sujeito da percepção.

Merleau-Ponty nos dá o panorama de como Alexandre experimenta o

entrelaçamento da cultura e das relações humanas com o corpo de observador nas

artes visuais, contexto este que compele uma atuação corporal do observador

dentro da obra de arte para que esta se materialize.

O autor também reforça a atuação do artista em campo, com um

envolvimento total, em que não é possível separar corpo e mente, porque nesse

propósito, os pensamentos, as sensações e o corpo todo se fazem presentes no

contato que o alimentam para a construção dentro do processo de seu trabalho. O

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43

artista se aproxima e também se afasta. Constrói e verifica através de suas

observações, diversas percepções e decisões no construtivo de sua poética.

E esse diálogo corporal de Alexandre com seu trabalho, provoca uma

movimentação como sujeito da percepção que anda de um lugar para o outro, faz

anotações, movimenta a cabeça e o olhar em várias direções como um corpo móvel

e dinâmico, não fixo, que percorre a vila de acordo com seus propósitos de observador.

A interatividade e relações afetivas que se estabelecem com as pessoas e

lugares são elementos que animam esse convívio da percepção, capazes de

transmitir a dimensão do acontecido. Essa articulação nem sempre é fácil e requer

sutileza e zelo. É um momento em que Alexandre se divide entre viver os

acontecimentos, ler e pensar.

Seus últimos trabalhos resultaram em uma quase desmaterialização de suas

fronteiras com a vida e a matéria cultural no que se refere a resultados. A

experiência vivida se converte na obra propriamente dita, e sua forma final é a de

uma história para contar convertendo-se em possibilidades poéticas. Como,

por exemplo, quando visitou o Projeto GUAMARTE41 e teve a oportunidade de ver

desenhos e manter um contato mais estreito com os participantes do projeto.

Dentre os participantes escolheu Taynara Nunes42 e Jefferson Oliveira43 para

desenvolver o Projeto Meu Mundo Teu, em que usou a fotografia44 como instrumento

e a troca de cartas como técnica entre os adolescentes, para que eles se conhecessem.

O artista, na condição de mediador, encontrou recursos técnicos que mesclou

essas trocas de informações, materializou visualmente essa rede de afeto que se

construiu entre Jefferson e Taynara, entre o bairro do Guamá e a Ilha do Combú.

Trata-se de uma obra em processo capaz de transmitir a dimensão do vivido.

Trata-se do reconhecimento do que cada experiência pode oferecer e que

provavelmente os novos trabalhos retomem uma solução final mais formal, ou não,

porém o mais significativo é a esfera das interações humanas e seu contexto social,

41 O Projeto mantém convênio com o instituto de Artes do Pará – IAP, onde crianças e adolescente do bairro do Guamá em Belém-PA desenvolvem atividades em artes visuais. Essas atividades acontecem nos fins de semana nas dependências da empresa COPALA, situada na Av. Bernardo Sayão. 42 Taynara Nunes Wanzeler, 14 anos, moradora do bairro do Guamá na Rua Paulo Cícero, Vila São Pedro, casa 09. (O artista me autorizou a identificar o nome de sua protagonista no projeto). 43 Jefferson de Souza Oliveira, 13 anos, morador do Furo do Combú, s/nº. (O artista me autorizou a identificar o nome de seu protagonista no projeto). Ele atravessa o rio cotidianamente para estudar. 44 ”Meu Mundo Teu”, é um trabalho sobre dois adolescentes que não se conheciam e que de acordo com a proposta do autor, começaram a trocar cartas e consolidaram uma amizade pela troca de imagens obtidas a partir da técnica pin-hole, exercitada em oficinas de fotografia. Ao ensinar fotografia, Alexandre proporcionou aos dois uma experiência lúdica e a possibilidade de aproximar mundos.

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e através dessas aproximações, o artista inicia um diálogo. Neste propósito,

Bourriaud (2009, p. 30-31):

A essência da prática artística residiria, assim, na invenção de relações entre sujeitos; cada obra de arte particular seria a proposta de habitar mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o infinito.

Inscrever o trabalho de Alexandre no quadro de uma teoria relacionista da

arte proposta por Bourriaud é atestar a intersubjetividade como o campo, o meio e a

essencialidade do fazer artístico.

O autor alerta que toda “relação intersubjetiva” passa pela forma do rosto, que

simboliza a responsabilidade que nos cabe em relação ao outro: “o vínculo com o

outro só se dá como responsabilidade” (BOURRIAUD, 2009, p. 32). Esta

responsabilidade acontece no levantar questões sociais sobre a condição humana, a

realidade do lugar, o meio ambiente, o pensamento, a percepção e o desdobrar da

interpretação estética.

Alexandre ao nos mostrar Mocajuba expõe uma ética que inclui os moradores

da vila. A tradução do lugar através de seu olhar revela a dimensão pessoal do

conhecimento de quem primeiro viu o lugar, viu o mundo e a partir daí, construiu sua

interpretação com a lógica que lhe é peculiar.

Analisar os momentos da decodificação em suas vivências, os elementos que

fazem parte da construção da expressão artístico-visual é tatear as manifestações

de materialização de espaços metafóricos ou como diz Arthur Danto, na

“transfiguração de um lugar comum”, no qual Alexandre é parte imbricada da obra

em que a arte se esforça para redefinir sua inserção com a matéria ou material que

constitui o universo cotidiano de Mocajuba.

Que obra é essa que era vida antes de ser arte? É a relação viva de

Alexandre que percebe Mocajuba com seu corpo e com seu mundo. A

intersubjetividade é a fôrma essencial de sua obra e tem como assunto primordial o

entrelaçamento, o imbricamento, o contato, o encontro e o coletivo.

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45

2.3 RELAÇÕES E AFETOS: tradução de um lugar

Esta sessão tem o subtítulo acima tomado emprestado das palavras de

Armando Sobral45 quando traduz as relações de afetividade de Alexandre Sequeira

com Nazaré do Mocajuba, pequena vila de pescadores que tem pouco mais de cem

habitantes e apresenta em sua configuração apenas duas ruas de terras dispostas

às margens do rio Mocajuba.

A comunidade se situa num lugar estrategicamente isolado social e

economicamente de Belém e o silêncio anuncia essa distância e uma nova

dimensão se apresenta porque o barulho da cidade vai ficando para trás.

O entorno aparente da vila é o roçado, a mata e o rio Mocajuba à frente com o

trapiche de madeira. A vegetação peculiar de mangue reforça a característica da

região do salgado e a comunidade vive do plantio da mandioca (farinha), pesca e

extração de caranguejo.

As casas, em sua maioria, são feitas de taipa (barro) de pau-a-pique e

distribuídas no percurso da rua principal sem muita organização, o que indica uma

ocupação espontânea no lugar. No centro se encontra uma simples igrejinha branca.

Figura 4 – Os registros do cotidiano de Mocajuba feito por Alexandre são representativas do mundo amazônico, cristalizados na memória exógena e endógena (Comentário de Agenor Pacheco na qualificação). 45 Armando Sobral nasceu em Belém do Pará. Graduado em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado, é professor da Universidade Federal do Pará (Ufpa) e vem prestando assessoria técnica para instituições públicas do Estado que atuam nas áreas, educacional e cultural. Participou de diversas mostras nacionais e internacionais (Espanha, Canadá, Japão, Estônia, Rep. Tcheca, Argentina, Polônia, Noruega, México, Cuba). <www.culturapara;art.br/artesplasticasarmandosobral>.

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A singularidade de Mocajuba e as pessoas que lá estão evidenciam a

paisagem da vila em um lento cotidiano percebido por qualquer morador de Belém

ou de outro lugar do mundo. Trata-se de um ambiente amparado por outro olhar. O

artista, num ato de ver em silêncio, percebe os elementos compositores deste lugar

repleto de referências e significados, que quase se esvai da memória coletiva, e que,

por algum momento, qualquer um de nós pode ressignificá-los em referências

pessoais e ali reencontrarem-se, afinal, as imagens de Mocajuba são

representativas do mundo Amazônico cristalizado na memória que vem de fora

(imposto por alguém) ou que vem de dentro (por si mesma).

Em meio a isso, o artista toma a vila como o lugar de sua poética e memória.

Figura 5 – O registro feito por Alexandre capta a paisagem que reflete a relação de tempo e lugar. A arte fala ao homem ao lhe apresentar imagens nas quais ele se revela.

Alexandre já visitava este lugar há pelo menos dez anos, e devido ao

convívio, os dados referentes à interação das práticas e ações sociais da

comunidade por ele assimiladas começaram a se manifestar em seu trabalho

artístico. Assim, imagens colhidas na vila serviram de ponto de partida para uma

série de trabalhos impressos em papel artesanal produzido com fibra natural que

faziam referência à identidade e memória de alguns moradores da vila.

A esta série Alexandre deu o nome de “Identidade calcinada” 46 fazendo uma

menção a valores condenados ao desaparecimento. Esses trabalhos são os

primeiros sinais do convívio com Nazaré de Mocajuba e também indicativos recriados

numa continuidade para uma nova pesquisa que se dará no processo de convívio.

46 A série foi exposta no Arte Pará no ano de 2003 e obteve o prêmio aquisitivo.

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Um dado importante no início deste convívio do artista com a comunidade de

Mocajuba é o fato de ele ter encontrado algumas pessoas na vila que nunca tinham

sido fotografadas, como por exemplo, o Sr. Carmelino, que ao receber sua fotografia

das mãos de Alexandre, ficou por vários minutos em silêncio fitando a imagem. O

artista perguntou, então, se ele tinha alguma imagem sua ou de sua família. Ele

respondeu:

Não, tenho 80 anos, mas nunca tinha me visto assim [...] há muito tempo atrás, perdi minha mulher e meu filho. Hoje, ao lembrar deles, vejo eles andando, fazendo as coisas, mas não consigo ver seus rostos [...] eu não consigo ver suas caras. Seria tão bom ter uma dessas deles, só assim eu poderia continuar vendo eles47.

Diante dessa experiência, os momentos que seu Carmelino ficou em silêncio

fitando a imagem, lembranças e emoções foram despertadas. Primeiro, houve certo

espanto ao lidar com o presente, com a sua própria imagem e com o posterior

preenchimento de uma imagem mental do passado, de sua mulher e de seu filho.

Por fim, houve o desejo de vê-los também numa fotografia como atestado de

presença de suas ausências, para lembrá-los sempre que tivesse vontade. Essa

confirmação do retrato fotográfico quase sempre numa história em andamento é a

clara demonstração de que o destino aponta para o retrato. Fabris (2004, p. 51),

sobre este aspecto afirma que

Isso ocorre porque a fotografia confronta o modelo com a precariedade da identidade humana em sua individualidade biológica, psicológica e social, situando-a na esfera do reflexo. O retrato, de fato, ativa um mecanismo cultural que faz o indivíduo alcançar a própria identidade graças ao olhar do outro.

Esta provável asseguração da própria identidade pelo olhar do outro, quer

seja pelo olhar exterior48 ou pelo olhar do operador, resulta numa relação que

ordena de maneira coerente o dispositivo da tomada da imagem (o olhar do

operador e o lugar do modelo) de uma identidade que se confunde com os traços

fisionômicos. Ressalto também o estranhamento como posição cultural. Sr.

Carmelino, habituado a tradição oral, se depara com o mundo visual por que

47 Comentário dos moradores de Mocajuba citados no relatório final da pesquisa de Alexandre – IAP. Belém-PA, 2004. 48 Mecanismo social que permite construir uma noção de identidade graças a um olhar exterior, nem que seja aquele mecânico, da fotografia automática (FABRIS, 2004, p. 51).

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As tradições orais das comunidades constituem a única via de acesso à descrição e compreensão do lugar em testemunhos verbais que se referem a acontecimentos do passado - sucedidos a uma distância de, pelo menos, uma geração. Ou seja, não presenciados nem lembrados pelos narradores senão “aprendidos oralmente”. (PISCITELLI, 1992, p. 151)

Alexandre propõe, através do registro fotográfico, o encontro com o mundo

visual alcançando agora outro registro de memória. Sobral49 (2004, p. 1)

complementa ao dizer que

Os retratos de Nazaré alojam-se em uma ausência, tornam aparente a perda visual do passado. Alexandre não propõe reconstituir essas vidas – não se pode recuperar o corpo que sentiu – mas esforça-se em atribuir um valor poético à memória, fazendo confluir nessas vidas a sua própria subjetividade. Adotou e foi adotado pelo lugar. Retrata e se ver retratado, caminha para o centro da representação.

Imbuído por este mecanismo social, tomar a vila como objeto de investigação

era a oportunidade de refletir sobre essas questões. Foi quando, no ano de 2004, o

artista foi contemplado com a bolsa pesquisa, Criação e Experimentação Artística,

do IAP e também aprovado na pós-graduação dentro do Programa do Núcleo de

Artes da UFPA.

O momento oportuno e a escolha para desenvolver uma nova pesquisa vieram

confirmar o desejo do artista em desdobrar o campo de investigação com a

comunidade de Mocajuba. Dois fatores contribuíram na escolha de seus interesses, no

campo da poética: o tempo de contato com o lugar, pois, como foi visto anteriormente,

o artista já freqüentava e fotografava o lugar há pelo menos dez anos e também pelo

convívio, que já vinha acontecendo sistematicamente há quatro anos.

Em fevereiro de 2004, Alexandre volta à vila com a intenção de reviver o

percurso e verificar nos trabalhos recém-criados que a convivência com Nazaré do

Mocajuba já estava intrínseca na sua poética visual50. Foram dias de reencontro com

o rio, com o mangue, com a vila e suas pequenas casas de barro.

Sua memória foi ativada e lembranças do primeiro encontro se fortaleceram, e

o som ambiente da vila que, a princípio tinha provocado curiosidade e certo

49 Texto crítico produzido por Armando Sobral para exposição Nazaré do Mocajuba, que aconteceu no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas em dezembro de 2004, quando do resultado da bolsa pesquisa do Instituto de Artes do Pará (IAP), desenvolvido por Alexandre Sequeira. 50 Neste sentido, arte é conteúdo e forma. Ambos são inseparáveis, um não vive sem o outro, são procedimentos simultâneos. Se ao conteúdo está associada à temática, à forma está associada a marca do autor, a sua poética que é o seu modo de fazer, mostrar, expressar esse conteúdo (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 57).

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estranhamento devido aos diferentes sons entre a zona urbana e a zona rural, agora

se revelaram numa aproximação mais íntima. Alexandre então registra os sons da

vila num material coletado que totalizou o espaço útil de cinco mil discs (MDs), que

correspondem a seis horas de informação sonora.

Em minha observação, Alexandre capta os sons que ficaram resguardados na

alma da natureza como um personagem oracular, na intenção de organizá-los numa

linguagem, numa sintaxe, numa ordenação de uma estrutura própria de uma

linguagem que expande e amplia o significado de seu trabalho. Percebe-se algo

simples, fundamental na relação do homem com sua cultura, que é a relação com a

natureza e a transformação da natureza em poética visual, sonora imbricados numa

trama do som ambiente da vila, o mangue/rio, o barco, os animais, enfim, a

sonoridade e o homem que não são dicotomizados.

As Idéias, experiências e desassossegos em buscar uma tradução para o

lugar e para os valores que lá estão e que tanto fascina o artista sempre foi motivo

de investigação. Para ele, uma questão estava clara desde o começo: não se tratava

de uma escolha pelo “exótico”, e sim pela sedução da geografia e sua atmosfera,

pelas pessoas e suas relações. A confirmação dessa escolha é traduzida na fala de

Alexandre quando diz51

Voltei à vila na perspectiva de reviver o percurso e aproximação, apreensão e tradução: sentia a necessidade de buscar uma possível tradução não apenas do lugar, mas também de valores contidos nele que tanto me atraiam. A busca em apresentar Nazaré do Mocajuba como matriz inspiradora se desdobrou em tentativas de falar da geografia e sua atmosfera bem como das pessoas e suas relações. Descrever é destacar um objeto que o falante tem em mente, e tê-lo em mente é tê-lo traduzido. Percebo hoje que a paixão que alimento por esta pequena vila, igual a tantas outras em nossa imensa região – talvez até menos bela que tantas outras – é a forma como ela me foi revelada.

A forma como Nazaré foi revelada para o artista emana sentido de paixão e

confirma a projeção do diálogo interativo e plural com a história local, com os

elementos culturais presentes, incorporados ao pulsar cotidiano, imanente na

existência daquele ambiente.

O artista, ao interagir por meio da cultura, se funde com as pessoas, com a luz

do lugar, com as imagens, com a natureza. Penso, portanto, que quando ele enfatiza

na sua proposição “uma busca possível para a tradução não apenas do lugar, mas

51 Comentários de Alexandre Sequeira no relatório final da pesquisa (IAP, 2004).

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também pelos valores contidos nele”, me ocorre que quando a realidade nos

proporciona possibilidade de experimentar lugares especiais que trazem consigo

pessoas e uma paisagem singular, sofremos uma considerável reverberação, como

se estas experiências nos proporcionassem tocar uma dimensão conhecida e

desconhecida ao mesmo tempo.

Sobral (2004, p. 1) a esse respeito diz: “Alexandre transmite seu

deslumbramento com o lugar deixando-o transparecer na própria geografia humana”.

A ordem foi quebrada com a sua tradição, não tem mais ordenação, Alexandre se

deixa ver numa rede de significações, com os objetos do mundo, está contido entre

eles e se dispõe a qualquer olhar e se houver uma descrição mais positiva, ele se

inibirá. O artista teve contato com a natureza em si mesma que se revelou para ele.

Ocorre-me o que Morin externa sobre o estudo dos complexos imaginários,

segundo linhas de forças ditadas pelas projeções, identificações, transferências.

Para Morin (2001, p. 102):

O sentimento não deve ser concebido como um dado bruto, uma propensão espontânea, determinada do exclusivamente exterior pela sociedade e do interior, por mecanismos bio-psicológicos. Ele deve também ser encarado como um complexo humano total, em cuja liga o imaginário está presente. A idéia de que o imaginário impregna a vida afetiva nos faz penetrar nas estruturas da vida afetiva e nos processos humanos totais.

O imaginário é também uma forma de conhecer o outro, capaz de antecipar, de

antever, pois ativar o imaginário é também já ter hipóteses para sua ação e a

fotografia com imagens permeia esse exercício da imaginação em seus diferentes

processos de construção da realidade, elaborando métodos e formas de representar,

de dar corpo a uma imaginação existente sobre a alteridade.

Coloco aqui imaginação perceptiva em seu sentido de produzir imagens de

objetos e situações, que já foram ou não percebidos, estabelecendo novas

combinações de conjuntos e referências das teias culturais em que eles estão

inseridos.

Alexandre foi seduzido pela geografia e atmosfera de Nazaré de Mocajuba,

pelas pessoas e suas relações. Através da percepção fenomenológica, valoriza o

repertório pessoal de imagens dos fotografados, gestos, personagens, falas, sons.

Respeita o ritmo de cada um no despertar de suas imagens internas.

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Figura 6 – Alexandre registra o rio Mocajuba pela manhã como se acompanhesse o ciclo do tempo, o despertar do lugar de afeto e de motivações materializadas através da fotografia.

O envolvimento de Alexandre com a vila de Mocajuba entrelaça a relação da

diferença no sentido mais amplo da palavra. Winnicott (1974, p. 99) afirma que é da

diferença que o eu humano se desenvolve, porque “quando se fala do homem, se

fala dele enquanto resultado de suas experiências culturais. O todo forma a

unidade”.

Figura 7 – O registro do rio à tarde por Alexandre traduz o lugar de poética e lugar de memória.

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Na natureza criativa de Alexandre, a percepção sobre a vila é clara. O certo é

que Mocajuba e Alexandre reforçam-se mutuamente. O artista cria a partir de sua

experiência, que se constitui na realidade dos envolvidos. Sobral (2004) destaca que

Alexandre já revelara em fotografia de anos anteriores esta extraordinária

sensibilidade, como, por exemplo, em sua viagem ao Peru, quando realizou

inúmeras fotografias em preto e branco; muitas delas descendentes dos Quíchuas e

de pequenas vilas andinas retratadas em seus moradores, o que reforça a

predileção pelo pequeno, invisível e esquecido.

O fato de o artista fotografar pequenas vilas há bastante tempo reforça, com

mais clareza, o que Sobral (2004, p. 1) diz sobre a relação de Alexandre com estes

lugares: “o sentido do lugar no humano no qual transmite seu deslumbramento com

o lugar deixando-o transparecer na própria geografia humana”.

O deixar transparecer, em minha opinião, vai ao encontro da afirmação de

Flusser (2002, p. 31): “o fotógrafo somente pode fotografar o infotografável”. Herkenhoff

(2007, p. 14), sobre o infotografável traduz como sendo “a aproximação daquilo que os

filósofos e artistas perseguem como o indizível. É o esforço da arte do fotógrafo, o

esforço íntimo do sujeito pela vida, que inclui o direito ao imaginário cultural”.

Complemento ainda: a fotografia garante este movimento relacional como parte

integrante e, ao mesmo tempo, integradora do mundo, mostrando coisas até então não

vistas por meio de elementos que não se isolam da vida social. A vila de Mocajuba ou

outras tantas vilas são captadas em sua lógica e seus contextos específicos, pois elas

formam um sistema integrado no qual um elemento depende do outro.

A realidade social de cada vila ou grupo é considerado uma totalidade que

deve ser compreendida internamente pelo fotógrafo a priori, e depois de ser

representada imageticamente, provoca aproximações com outros lugares que

desejamos sonhar. Daí o atravessamento cultural estar constantemente sendo

representado através do corpo dado a uma imaginação existente sobre a alteridade.

Imaginação no sentido que me referi anteriormente neste estudo pois, para Caselato

(2008, p. 601):

Imaginar não se refere apenas à capacidade de representar ou reproduzir algo pré-existente, mas envolve também a capacidade de produzir imagens originais a partir da combinação de idéias, emoções e sensações. Assim, pode-se dizer que as imagens mentais ou psíquicas são representações ou criações mentais que surgem a partir de percepções, emoções ou pensamentos.

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O artista, ao se referir ao lugar, não fala de concretudes, mas de valores,

qualidades que emanam desse mundo concreto. As qualidades, para Sequeira,

podem estar em Mocajuba, mas também em várias outras vilas, reais ou

imaginárias. Ou como enfatiza o artista: “O lugar que qualquer um de nós se

transporta nos momentos em que buscamos conforto para nossas almas, a

paisagem interior de cada um de nós”.

Figura 8 – O registro de Alexandre do Rio no fim do dia capta a paisagem interior de cada um de nós medido pelo tempo da fotografia, essa invenção que se inventou para enganar Chronos52, pelo congelamento do instante. Os registros fotográficos de Alexandre subvertem o tempo.

A fotografia de Sequeira em Mocajuba é marcada por essas relações

cotidianas, nos revela elementos que falam do lugar, e ao mesmo tempo, encontra

ressonância em outros lugares.

52 Chronos é o deus terrível que vai comendo a gente e as coisas que a gente ama. A saudade cresce no lugar que chronos mordeu. É um testemunho da nossa condição de mutilados como um tipo de prótese que dói. É um deus predador, antecede Zeus e seu estado terrível refere-se há outro tempo quando o mundo ainda ia ser construído. Já Kairós mede a vida pelas pulsações do amor como a filha nenenzinho no meu colo, que o tempo levou. Ver poema de Ricardo Reis.

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3 ISSO NÃO É FOTOGRAFIA

Abro um parêntese para afirmar que, tecnicamente, o formato de

apresentação final do trabalho de Alexandre impresso num tecido, com as imagens

estampadas em tamanho natural, não é fotográfico. Parte de matrizes fotográficas,

mas vai além quando as imagens passam por um processo de tratamento no

computador para adequar a imagem aos procedimentos de revelação serigráfica.

Compreender e avaliar os processos criativos traz à discussão uma visão

possível sobre a produção fotográfica contemporânea. Rey (1996, p. 91) é pontual

na pesquisa sobre arte quando diz que “na arte contemporânea, se não conhecemos

a proposta do artista, dificilmente conseguimos apreender a obra”.

Pensar pesquisa sobre arte a partir da apresentação final da obra de

Alexandre, seus processos de significação e códigos semânticos, seus efeitos no

contexto social e seus processos de legitimação e circulação me instiga, a priori, a

pensar em parâmetros científicos. Neste sentido, vale lembrar que a arte se dirige ao

mundo dos valores e não diretamente ao dos feitos, como a ciência.

Na arte, o artista segue ou inventa regras, opera dentro de um esquema de

pensamentos e ações que lhe permitem criar uma cosmovisão distinta. Heidegger

(apud REY, 1996, p. 83) diz que “o que está em questão na arte não é a descoberta,

mas sim o acontecimento da verdade, e conseqüentemente, a obra enquanto obra,

institui um mundo”.

Nessa instituição de mundo, a obra de Sequeira apresenta-se como um

caminho com variados cruzamentos, porém, com um caminho dela mesmo que

durante a pesquisa do artista, vai se revelando no processo criativo.

Buscar respostas para o porquê de o Alexandre fazer isto ou aquilo exigiu

estabelecer relações com a história da arte e a produção contemporânea e a

investigação desde os procedimentos técnicos lançados na criação da série Nazaré

do Mocajuba, até a entrelaçada rede de conceitos estabelecidos. Verificar a

trajetória do artista desde sua chegada à vila foi fundamentalmente importante, me

deu indicativos em campos interdisciplinares já descritos na introdução.

A priori, pretendia estudar a obra a partir do produto final, mas considero

impossível não pensá-la como constante processo com ela mesma que não é

fotografia, parte da investigação de dentro da fotografia, coloca-a num patamar

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diferente e nas artes se apresenta desmaterializada de qualquer discurso de

“realidade”, se coloca de forma contemporânea.

Propor a fotografia de forma contemporânea é percebê-la livre das amarras

da fotografia convencional. No caso de Alexandre a importância pontual está no

processo de criação e nos procedimentos utilizados, perceptível na contaminação

das técnicas, no hibridismo dos suportes.

O trabalho do Alexandre aponta variados percursos traçados em seu

processo de criação que envolve trilhas e tramas. O que me move é a compreensão

desse fenômeno da arte e da comunicação, a produção de imagens através de

aparatos técnicos, afinal, a fotografia de Alexandre e seus procedimentos são

provocações que levam a essa reflexão da transgressão da gramática desse fazer

fotográfico. Klautau Filho (2007, p. 423) a esse respeito comenta que

A fotografia contemporânea do Pará vem se revelando um campo fértil de produção dos artistas visuais. A trajetória de determinados artistas ultrapassa o limite do suporte fotográfico e cria outras relações materiais com a imagem fotográfica.

Para essa compreensão da produção fotográfica contemporânea de

Alexandre, bem como seus processos de criação e produção que cria outras

relações materiais com a imagem fotográfica, como reforça Klautau, foi necessário

verificar a experiência do artista de ver o lugar, na narrativa que foi se consolidando

com os moradores.

Alexandre, ao cultivar a sua convivência com a dos moradores de Mocajuba,

também participou ativamente do cotidiano dos que lá vivem e a inquietação em

conseguir, numa imagem, feições de uma relação construída, foi motivo de

indagações e uma possível resposta para seu objetivo.

Partindo desta premissa em fotografar muito além da geografia humana, o

artista foi surpreendido com um pedido de D. Francisca, uma antiga moradora da vila,

com o desafio de realizar um retrato 3x4 para ser utilizada em um documento.

Imediatamente atendeu ao pedido e logo outras solicitações foram sendo feitas.

Nasce ali, naturalmente, uma relação mais estreita entre fotógrafo e fotografado, um

novo percurso se revelou: ele se colocou na condição de retratista do lugar para

enfatizar o modo de chegada ao foco de sua pesquisa.

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Com o propósito social de estabelecer uma relação inferencial com sua

experiência, não pedia para fotografar, ficava sempre à espera da solicitação dos

moradores para serem fotografados. Assim, atendia aos pedidos que eram feitos

sem a preocupação de cobrar pelos serviços de revelação e cópia, iam ao

encontro do interesse pessoal, que era específico, como foto para documento, em

frente à casa, fotos de família, no trabalho e em grupo.

Figuras 9 e 10 – As imagens diversas feitas por Alexandre a pedido dos moradores são registros naturais, em harmonia com o lugar, com os animais, com os instrumentos de trabalho e o restante da paisagem da vila.

As imagens eram formadas por composições estruturadas e mesmo sendo

fotos realizadas a pedido dos moradores, oferece elementos para compreender a

atitude dos personagens estáticos e mudos e dos cenários parados no tempo,

assim como prováveis pistas que clarificam quanto à atuação do fotógrafo que

atende aos pedidos, mas ordena essas informações ao conhecimento do contexto

econômico, político e social, dos modos de vida dos moradores de Mocajuba.

O fato é que em novembro de 2004, aproximadamente 1000 fotografias

estavam introduzidas no cotidiano da vila, nos registros pessoais e familiares. Este

fato é relevante porque sempre foi um serviço de difícil acesso aos seus

moradores, tanto pela carência de profissionais que se deslocassem a pequenos

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vilarejos quanto pelo alto custo. Assim, o artista, sempre que retornava a

Mocajuba, fazia uma exposição na forma de “foto-varal” dessa produção para

entregar o material ao morador da comunidade, conforme a encomenda de cada

fotografado.

O momento era aguardado com expectativas e sempre era celebrado e as

rodas de conversa tinham como foco a fotografia de diversos olhares: de pessoas

que jamais tinham se visto em imagens e que numa atitude de deslumbramento

ficavam revendo-se e de pessoas que ficavam felizes pelo objetivo alcançado como

foto para documento ou familiar, enfim, registros de identidades e memória.

Figura 11 – A exposição na vila em forma de foto-varal das fotos feitas por Alexandre, encomendadas pelos moradores. As solicitações eram atendidas conforme o pedido. Os registros são reproduções icônicas da realidade de Mocajuba e o momento na praça pública era celebrado.

Esta atitude do artista de expor as fotos no espaço público da cidade é

relevante porque coloca a imagem de cada um dos moradores da vila na condição

de um coletivo sem aniquilar suas diferenças e semelhanças. O que era individual

vira coletivo, o que era privado vira público53. Ocorre-me o conceito de câmara

53 O bairro surge, então, como o grande mediador entre o universo privado da casa e o mundo público da cidade, um espaço que se estrutura com base em certos tipos específicos de sociabilidade e, em última análise de comunicação: entre parentes e entre vizinhos. O bairro proporciona às pessoas algumas referências básicas para a construção de um agente, ou seja, de uma sociabilidade mais ampla do que aquela que se baseia nos laços familiares, e ao mesmo tempo mais densa e estável do que as relações formais individualizadas impostas pela sociedade (BARBERO, 2003, p. 286).

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participante54, introduzido por Flaherty. Alexandre, ao exibir as fotos, abre

comentários para todos que são incorporados ao processo da pesquisa. Outro

grande feito desta atitude do artista está no fato de os moradores da vila serem

levados a identificar-se com pessoas reais que pertencem a um contexto social

distinto, possibilita à comunidade se ver a partir das imagens.

Alexandre torna o espaço público da vila privilegiado ao possibilitar a

associação da linguagem fotográfica com o método de construção reflexiva do seu

processo de pesquisa, ainda em andamento. Coloca como foco, a utilização das

fotos expostas para todos se verem como uma forma expressa do imaginário sobre

o perfil de uma cultura traçada por meio das ações dos fotografados que lhe dão

corpo.

A vida particular de cada indivíduo da vila em seu contexto como pessoa,

indivíduo único era explícita, assim como a forma expressa do imaginário do coletivo

comungava na importância de falar sobre as culturas através de suas práticas ali

registradas: imagens do trabalho no campo, em frente de suas casas, com seus

animais, enfim, registros que obtêm dos sujeitos fotografados uma imagem mais

próxima de sua vida cotidiana.

Os registros de Alexandre nos levam a penetrar os momentos da vida de

Mocajuba sem qualquer dramaticidade e seu foco é pontual sobre situações

corriqueiras. A cultura não está sendo considerada como algo anterior e que é

necessário fazer o registro fotográfico para mostrar.

A cultura é revelada nas relações que são construídas e reproduzem na

imaginação situações contextuais de arquétipos sociais recorrentes, recobrindo um

vasto espectro de encenações caracterizadas pela concepção do eu como

construção imaginária, como pura aparência, não se trata de cenários criados

artificialmente, mas da colocação do sujeito fotografado em seu ambiente.

As imagens de Alexandre remetem ao universo social, mas com precedente

artístico que motiva seu interesse pelo retrato. Verifico no ato do artista, ao se

colocar numa condição de retratista do lugar, uma postura sem hierarquia que

elabora uma história sociológica recorrente na história da fotografia, e no caso de 54 Em 1922, Robert Flaherty realiza seu filme sobre os esquimós, Nanook of the North, e, tal como Malinowski fizera entre os Trobriandeses, segue um plano de inserção no contexto de trabalho baseado numa longa permanência entre o grupo. Ao observar a cultura nativa, Flaherty introduz o conceito de câmera participante que não só toma parte dos eventos registrados, mas também procura refletir a perspectiva do nativo. Isso se realiza por meio da exibição do material filmado, ao longo da produção do filme (BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 24).

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Alexandre, na Amazônia. Trata-se, porém, de uma sociologia singular apresentada

na paisagem local e nos modos de vida simples no campo dos moradores da vila. As

fotografias são encomendadas aos profissionais do ofício por terceiros: os clientes

contratantes, segundo Kossoy (2001, p. 104):

Foi uma atitude pouco desenvolvida no passado pelos fotógrafos profissionais. Estavam estes mais preocupados com suas atividades comerciais do dia-a-dia. Seriam os fotógrafos amadores, a partir do século XIX, que se apegariam à fotografia como forma de expressão artística, sem finalidades utilitárias. Os espaços de difusão de sua obra era os tradicionais “salões” fotográficos regionais, nacionais e internacionais, onde as imagens eram geralmente selecionadas (conforme as regras de cada salão), exibidas, julgadas e premiadas. Os canais de veiculação de informações de atividades, produções e pensamento eram os catálogos de exposições e as próprias revistas dos fotoclubes. Tais veículos contribuíram para alicerçar a montagem de uma bem estruturada rede de intercâmbio fotoclubístico internacional. Este padrão predominou durante varias décadas do século XX, com maior ou menor intensidade, em praticamente todos os países.

Kossoy complementa, a citação acima, referindo-se a um contexto que na

análise das imagens fotográficas do passado, os assuntos eram quase que

exclusivamente retratos posados de estúdios, de vistas urbanas e rurais captados

em suas estaticidades e torna-se difícil levantar dúvidas quanto à fidedignidade

dessas representações do ponto de vista iconográfico55.

Vale enfatizar nesse propósito que o assunto registrado, no caso da vila de

Mocajuba, fotos para documentos, no trabalho, aspectos do cotidiano, dentre outros,

mostra apenas um fragmento da realidade, como diz Kossoy (2001, p. 107), “um e

só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado.”

Dentro dessa perspectiva, verifico que não é demais que este conteúdo seja o

resultado de uma seleção de possibilidades de ver, optar e decidir por certo aspecto

da realidade primeira, e essa decisão cabe exclusivamente a Alexandre, que adota

diferentes partidos visuais em seu projeto como fundos naturais ou neutros,

ambientações ao ar livre, poses casuais, signos presentes nos instrumentos de

trabalhos, denotando uma cumplicidade, pois o diálogo estabelecido entre ele e os

fotografados, ao longo de todo o processo da fotografia, era intensificado por essa

55 A análise iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicos formativos; o aspecto literal e descritivo prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente identificado. A análise situa-se ao nível da descrição, e não da interpretação. No caso da representação fotográfica, situa-se a meio caminho da busca do significado do conteúdo; ver, descrever e constatar não é o suficiente (KOSSOY, 2001, p. 95).

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experiência da devolução do material revelado ao grupo. Partes da intimidade dos

moradores devolvidas, como coisas que só se dá para amigos.

Esse propósito firma uma relação de confiança entre o artista e os moradores

de Mocajuba e marca um trabalho em processo. Considero um grande desafio essa

experiência da construção fotográfica, porque apreender e refletir sobre a vida do

outro e suas relações é também dela participar. Fica impossível separar a

elaboração da pesquisa da própria situação fotográfica. Ao mesmo tempo, há a

necessidade do fotógrafo ficar invisível no campo a fim de obter dos sujeitos

fotografados uma atuação mais aproximada da vida cotidiana.

Nessa premissa, a aproximação e familiaridade com o contexto fotografado

são mediadoras em tornar invisível a câmera na cena e, juntamente com ela, o

fotógrafo. Essa postura de Alexandre é reflexiva e ameniza a quantidade de fotos

que vão além do racionalismo e fornecem ao conjunto da produção fotográfica uma

coerência que vai resolvendo os limites epistemológicos encontrados em cada

fotografia feita anteriormente. A antropologia com palavras e a fotografia e o cinema

com imagens permeia a ação de ambos em que

Tanto a antropologia como a fotografia e o cinema, em seus diferentes processos de construção do conhecimento, elaboram métodos e formas de representar, de dar corpo a uma imaginação existente sobre a alteridade. Imaginação aqui mencionada em seu estilo mais interessante, que é o de formular imagens de objetos e situações, que já foram ou não percebidos articulando novas formulações de conjuntos e referências (BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 14).

Na sua função de retratista-propositor, o artista visa explicar o presente na

memória representada através de imagens. A câmera de Alexandre, passa a atuar

como uma lente cultural que direciona o ato de ver e também elucida, para o grupo,

o cotidiano vivenciado.

Como um retrato do passado, a memória coletiva tem também relevância na

construção da identidade do grupo. Os indivíduos se apresentam aos outros e se

vêem a si mesmos tendo como referencial básico as suas origens, fotografadas a

partir de uma memória compartilhada e transmitida através das gerações, pois ali,

no espaço público, todas as gerações se encontram.

Entendo que a câmera fotográfica e Alexandre tornam-se, neste trajeto,

agentes e sujeitos na realidade da vila. O processo dialogado reflete a câmara

participativa que integra no cotidiano dos sujeitos a presença do artista como

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construtor da realidade. A fotografia age como parte indissociável da experiência

humana. Kossoy (2001, p. 155) afirma que

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e, portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. A cena registrada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico é irreversível.

Neste processo é importante esclarecer que o fluxo da vida cotidiana segue e

se modifica, é dinâmica, somente a fotografia sobrevive, fica detida no tempo.

Provavelmente muitos assuntos surgiram em torno dessas imagens que

atravessaram os tempos, afinal fotografia é memória e com ela se confunde. O

congelamento do gesto e da paisagem dos moradores de Mocajuba ficou retido por

um instante da vida que flui sem interrupção.

3.1 EXPERIMENTAÇÕES E SUBVERSÕES NA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

O material fotografado por Alexandre possibilitou refletir sobre a produção e

fazer uma análise comparativa da postura dos moradores mais antigos com a de

outros moradores mais jovens que já estabeleciam um contato mais freqüente com

Belém, no caso, “a cidade grande”. Neste percurso, nem todo material era

efetivamente entregue aos moradores da vila porque parte dele integrava à sua

revisão metodológica que aguardava novas abordagens.

Um dado importante captado pela câmera do artista concerne à pose dos

moradores em processo de desligamento da vila, que manifestaram em sua atitude

corporal, valores facilmente associáveis a uma cultura de massa, ditadas pela moda

e televisão. Não se trata de uma visão romântica e estática do lugar. Afirmar tal

influência está apoiado nos estudos de Hall, que apontam dentro de nós identidades

contraditórias, impelidas em diversas direções, de tal forma que nossas

identificações estão constantemente deslocadas. Sobre isso, Hall (2005, p. 13) diz

que

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À medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

Figura 12 – Os registros feito por Alexandre dos mais jovens na vila, diferem dos moradores mais antigos. Essa observação foi importante em suas decisões. Tudo era anotado e o material colhido servia de análise comparativa com a imagem em estudo com outras do mesmo local, como indicativo dos caminhos de sua poética.

Ressalto porém que tal assimilação dos meios de comunicação pelos mais

jovens não se reduz apenas ao que se passa pelos meios massivos. A transposição

de informações e modelos lingüísticos e culturais que determinam comportamentos e

atitudes diante da câmera fotográfica soma-se ao pensamento e ação da família, da

escola e do cotidiano. Essa configuração cultural se aproxima dos estudos de Barbero

(1982, p. 59) ao afirmar que

A cultura de massa, como afirma Rossini, não é só um conjunto de objetos, mas um princípio de compreensão de novos modelos de comportamento, isto é, um modelo cultural. Isso implica que o que acontece nos meios não pode ser compreendido fora de sua relação com as mediações sociais, com os mediadores no sentido definido por Serrano e aos diferentes contextos culturais – religioso, escolar, familiar, etc. - desde os quais, ou em contraste com os quais, os grupos sociais e os indivíduos vivem essa cultura.

Neste sentido, a posição adotada por Barbero em relação à cultura de massa

apresenta uma possível pista para se compreender a televisão como aquela que

produz a sensação da imediatez, que é um dos traços que dá forma ao cotidiano, a

uma cotidianidade familiar e porque representa para a maioria das pessoas a situação

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primordial de reconhecimento. Seus estudos apontam que a televisão é um dos

poucos lugares onde os indivíduos se confrontam como pessoas e onde encontram

possibilidade de manifestar suas ansiedades e frustrações.

O corpo fotografado da jovem torna-se objeto central na construção de novas

formas de conduta e de comportamentos travados no espaço público da vila e a

exibição de sua pose com uma das mãos na cintura e a outra segurando o cabelo

atrás da cabeça para evidenciar e exaltar o rosto maquilado converte-se, de certo

modo, em uma regra que dita moda, eu afirmaria, um corpo performático que cria

modelos a serem seguidos numa comunicação corporal que constrói estilos, gestos

e movimentos. A pose exalta a moda passageira.

Essa observação foi importante na pesquisa de Alexandre, que no percurso

de seus objetivos, oscilou entre imagens e definições contraditórias. Foi uma

interpretação entre tantas outras possíveis no vasto material fotográfico do artista,

que já localizava possíveis protagonistas de seu discurso poético-visual.

Buscar ressonância do lugar nas atitudes corporais dos moradores de

Mocajuba o satisfazia na medida em que atestava a captura de valores que

permeiam as relações humanas demarcadas pelo artista, à vila e a fotografia como

mediadora de proposições.

Vale enfatizar que foi justamente a partir da associação entre os processos

identitários provocados pela mídia e a pose dos moradores mais antigos

fotografados que Alexandre pôde definir aqueles que se identificavam com a

tradição do lugar como seus possíveis protagonistas em sua poética visual.,

Alexandre afirma56 que

O mais pontual nos nativos, era a postura ereta e frontal com os braços pendidos ao longo do corpo, pose solene, altiva, de um profundo respeito pelo momento do ato fotográfico. [...] minha ação se restringia a apertar o botão do obturador e depois libertar o fotografado da pose que mantinha em total concentração, numa atitude de co-autoria. Olhar que fitava diretamente a lente, como se ignorasse o equipamento e buscasse estabelecer uma relação direta com quem fotografava. Essa atitude me intrigava e maravilhava.

Alexandre, ao concentrar o foco da representação no retratado que se

mantém na pose frontal, provoca naturalmente o confronto e uma relação de

cumplicidade proveniente do jogo de um contemplar o outro – o fotógrafo e o

fotografado. A pose sobre a teoria de Barthes e Fabris, é um conceito que, 56 Comentários de Alexandre Sequeira nos relatório final da pesquisa. (IAP, 2004).

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significativamente, vai colocar a fotografia como um atestado de presença, como

uma contingência absoluta que testemunha a identidade e a condição civil de uma

pessoa.

Torna-se evidente que perante a câmara, os fotografados pelo artista

propõem um confronto aberto com o aparato técnico que, significativamente, dá

indicativo de seu pertencimento à comunidade de Nazaré de Mocajuba. A série de

fotografias de Mocajuba pode ser analisada sob a reflexão de Bourdieu quando se

refere ao conjunto do Westerwald (grupos camponeses) na fotografia popular.

Bourdieu (1979, p. 126) afirma que:

As fotos, em geral, apresentam personagens de frente, no centro da imagem em pé, firmes, numa distância respeitosa, imóveis em sua atitude digna. De fato, colocar-se em pose, é mostrar-se numa postura que se supõe não ser “natural”. Na preocupação em retificar a atitude, em pôr o melhor traje, na negativa em deixar-se surpreender com a roupa de todos os dias e numa tarefa cotidiana, é a mesma intenção que se manifesta. Colocar-se em pose significa respeitar-se e exigir respeito.

Colocar-se em pose emana uma intenção. Ao analisar a imagem de D.

Francisca57, certifico a postura central e convencional de corpo inteiro, à qual

Alexandre e principalmente o fotografado, confere uma aparência dignificada,

solene. Dela emana uma autonomia e empresta um significado à auto-estima

suprimindo desse jeito qualquer marca no corpo da falta de aptidão, de

experiência ou prática que geralmente são atribuídas por grupos sociais às

pessoas que moram no campo. Para os moradores de Mocajuba, ser fotografado

é um sinal de respeito.

57 A relação de Alexandre Sequeira construída com os moradores ao logo dos anos credita para ele essa possibilidade de usar o nome das pessoas. Inclusive o nome das obras é o nome de cada fotografado. O artista me autorizou a fazer uso desses nomes nesta dissertação.

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Figura 13 – Dona Francisca registrada por Alexandre. Apesar de não esconder que é uma mulher simples, do campo, quis ser registrada segundo um “ar” de dignidade, como quer ser vista. Seu traje revela que ela se arrumou para a foto e exemplifica bem a relação de cumplicidade entre ela a fotografia e Alexandre.

O rosto de D. Francisca traz uma expressão concentrada, voltada para si

mesma, que deixa transparecer sua condição de mulher do povo. O retrato mostra

uma mulher simples, cujas feições estão marcadas pelo trabalho na roça. Há uma

dignidade na pose escolhida pela retratada. A postura e a roupa, dão indicativos de

como quer ser vista e de como foi educada para se apresentar em público. A

estaticidade da pose dá um destaque significativo às mãos, fornecendo um sentido

de continuidade entre elas e o trabalho cotidiano.

Para Bourdieu (1979, apud FABRIS, 2004, p. 36):

A pose é sempre uma atitude teatral e colocar-se em pose significa inscrever-se num sistema simbólico para o qual são significativamente importantes o partido compositivo, a gestualidade corporal e a vestimenta usada para a ocasião. O indivíduo deseja oferecer à objetiva a melhor imagem de si, isto é, uma imagem definida de antemão, a partir de um conjunto de normas, das quais faz parte a percepção do próprio eu social. Nesse contexto, a naturalidade nada mais é do que um ideal cultural, a ser continuamente criado antes de cada tomada.

O autor complementa, a citação acima, referindo-se às atitudes sociais

perante a câmara e o retrato social como uma afirmação pessoal, moldada por este

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processo no qual o indivíduo está inserido e do qual provém às diferentes maneiras

de representação.

O retrato de grupo também foi cultivado por Alexandre na fase em que estava

na condição de retratista. Sua observação incidia na natureza humana e no

ambiente, criando uma correspondência entre indivíduo e profissão.

Figura 14 – O Retrato no campo do grupo de camponeses feito por Alexandre satisfazia as expectativas de seus “clientes” e trazia informações visuais de um fragmento do real, selecionado e organizado estética e ideologicamente.

Diante dos retratos em grupo, verifico um cenário natural em que homens,

mulheres e jovens são colocados no ambiente em que executam seu trabalho:

homem com enxada, terçado, ancinho, enfim, ferramentas de trabalho. Todos os

fotografados estão inseridos na paisagem que alcança o efeito pretendido de um

retrato. Schneider (1997, p. 22) sobre este efeito de um retrato afirma que

Um retrato era revelado muitas vezes pelo seu cenário, que consistia de um modo geral num enquadramento espacial através do qual o retratado procurava definir o seu papel na sociedade e dizer ao espectador algo sobre os seus interesses, intenções e valores. Os panos de fundo quer se tratasse de paisagens ou de interiores, constituíam artifícios de composição formados por diversos elementos distintos que, por vezes, se combinavam num todo atmosférico e integrado. Esses elementos convertiam as idéias em objetos, em símbolos representativos de tipos de práticas sociais.

Vale ressaltar a dignidade que Alexandre confere aos fotografados que

demonstram uma altivez, não importando a posição que eles ocupam na sociedade.

Acredito que a relação do artista com os fotografados se dá no ponto da ruptura que é

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a formulação da própria intenção dos moradores da vila, já que eles solicitavam como

queriam ser fotografados. Não vejo as imagens como flagrante, mas como poses

decididas, expressa por atitudes em sua maioria estática. Para Barthes (1984, p. 117),

por exemplo,

O que funda a natureza da fotografia é a pose na medida em que, ao observarmos uma foto, incluímos em nosso olhar o pensamento desse instante, por mais breve que tenha sido, no qual uma coisa real se encontrou imóvel diante do olho.

Para Alexandre a reflexibilidade que funda a natureza da fotografia está

sutilmente presente na natureza da pose e, para percebê-la foi necessário o seu

engajamento de forma mais imaginativa e criativa. Essa reflexibilidade não está na

sua presença física enquanto pesquisador ou do aparato técnico, mas no uso da sua

câmera, no enquadramento, na seleção do que está dentro e fora do quadro, na

seleção dos fotografados, na maneira de expor, como afirma Salles (2007, p. 92):

Um artefato artístico surge ao longo de um processo complexo de aproximações, transformações e ajustes. Sendo que a grande questão que impulsiona a pesquisa é compreender a tessitura desse movimento e que se o objeto de interesse é o movimento criador, este, necessariamente, inclui o produto entregue ao público.

A autora parece evidenciar que, sob o ponto de vista dos estudos sobre os

processos de criação, o trabalho de Alexandre se fundamenta na observação atenta

e a interpretação do material fotografado por ele e que, ao longo do percurso, se

amplia na compreensão desses percursos.

Outra questão significativa da reflexibilidade como proposta é a não

separação da realização das fotografias das questões epistemológicas que

acompanham este processo. As fotografias produzidas marcam um ponto de vista

que é construído numa situação de pesquisa que é também a própria situação

fotográfica com o propósito de aproximar, de modo mais adequado, a complexidade

dos vínculos entre processo e obra.

Acredito que seja essa a ênfase dada ao processo construtivo de Alexandre,

assim como uma porta de entrada para se examinar, verificar minuciosamente, sob

outra perspectiva, essas possíveis conexões.

A crítica genética, já descrita na introdução desse estudo, caminha neste

propósito processual. Como diz Salles (2007, p. 91): “a crítica genética trata do

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processo em que o interesse não está em cada forma, mas nas transformações de

uma forma em outra e que a obra entregue ao público é reintegrada na cadeia

contínua do percurso criador”.

Considero que existe uma preocupação explícita do artista em tratar

fotograficamente questões como a experiência, a subjetividade, a intuição no

processo da vida cotidiana da vila de Mocajuba. Pois o que interessa é o registro

fotográfico propriamente dito que contém a possibilidade de refletir a seu respeito e

de seu significado para as pessoas fotografadas. Dessa forma,

A performance para a câmera pressupõe afinidades com as performances cotidianas, e a opção é justamente mostrar os sujeitos na vida e não falando sobre ela. Neste caminho estaria à chave para da utilização da fotografia como instrumento para conhecimento antropológico. A realização fotográfica apresenta-se como uma possibilidade de refletir questões epistemológicas, já que os próprios processos de construção das fotografias passariam por uma discussão de categorias e métodos muitos próximos da antropologia58 (BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 41).

Outra característica importante neste processo é que os fotografados/sujeitos

são sempre pessoas com os quais Alexandre criou vínculos durante e depois da

pesquisa etnográfica59 por meio de elementos da vida social. Partindo desta premissa,

Cultura não é apenas um conjunto de manifestações rituais, mas um conjunto amplo que inclui também técnicas e tecnologias empregadas a vida prática, a arte, a religião, e as próprias relações sociais, todas integradas e inter-relacionadas. O ponto de partida para a compreensão dessas múltiplas facetas é a ação concreta dos indivíduos (MALINOSWISKI, 1978, apud BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 22).

Essas observações desdobram-se num estreitamento das relações a partir do

jogo fotógrafo/fotografado, imbuídas de outras camadas de significações contidas

nas casas dos protagonistas de Mocajuba e que o artista, com a sua máquina

fotográfica, tinha o cuidado para não ser invasivo ao captar imagens desse universo

58 Os estudos antropológicos, ao insistirem na análise do referente, esmiuçando os componentes do significado da imagem fotográfica, e a semiótica, ao reforçar a pesquisa das várias instâncias do signo fotográfico, têm trazido contribuições importantes para o conhecimento da imagem nos dias atuais, reforçando o poder de ampliação do conhecimento em investigações que, de uma maneira geral, privilegiam as relações sincrônicas que a imagem estabelece ao ser cortejada com seu entorno, seja ele configurado por outras imagens ou pelo contexto mais amplo onde elas atuam (CHIARELLI, 2007, p. 10). 59 O método etnográfico aponta para uma ética de interação, de intervenção e de participação construída sobre a premissa da relativização, onde o tema da interpretação desponta como central. Guardadas as divergências teórico-analíticas, trata-se de toda uma geração de antropólogos que priorizam o ponto de vista do “outro” compreendido a partir do processo interativo em campo: o encontro intersubjetivo entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados (ECKERT; ROCHA, 1998, p. 2).

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particular. Assim, a identificação era conquistada, entrelaçada com as pessoas e com

o valor afetivo desenvolvido. Sobre este momento Alexandre enfatiza:

Gozei ao longo desses anos do convívio numa intimidade de quem foi acolhido pelo lugar. Conversa regada a café plantado, moído e torrado no lugar. Presenciei a relação do abrigado com seu abrigo; identifiquei lentamente o valor afetivo de cada objeto. As casas simples tinham seus ambientes separados por desgastados tecidos que acolhiam intimidades. Do outro lado, vultos, reflexos, imagens imprecisas – tudo se ativa quando se acumulam as contradições. Desses elementos emanava uma carga de história. Era como se sussurrassem em meus ouvidos, confidências de seus moradores. Percebi ali elementos que traziam em sua materialidade o dado que faltava para se falar de uma relação: o tempo. O tempo que acolhe e rege os acontecimentos.60

Certifico que foi determinante no processo vivenciado, este momento de

percepção de Alexandre sobre a materialidade do tecido presente nas casas, no

pano envelhecido, na cor desbotada e em cada rasgo. Tudo era sinal de um

momento vivido associado a signos significativos que traziam a marca do tempo.

Neste instante manifesta-se o estado de consciência e percepção que Merleau-

Ponty diz ser o ponto de partida de toda experiência perceptiva com a experiência

corporal.

Como Merleau-Ponty, (1984, p. 202) afirma:

O corpo é o veículo do ser-no-mundo. A percepção abre-me o mundo como um cirurgião abre um corpo, percebendo pela janela que fez, órgãos, em pleno funcionamento, vistos na sua atividade, vistos de lado. É assim que o sensível me inicia no mundo, como a linguagem me inicia no outro: por lenta justaposição.

Ao perceber as coisas que estão no mundo, o corpo nelas se envolve e se deixa

envolver. Percebo pelas palavras de Merleau-Ponty que nosso corpo, sentindo-se, faz

reflexão, ou seja, o corpo é cognoscente e assim volta-se para a experiência

sensível61.

Acredito na arte como uma experiência do sensível. Alexandre processa as

sensíveis percepções quando se depara com os desgastados tecidos e as organiza,

compara os fotografados, seleciona, sente-se acolhido, se emociona, pensa na

proteção das casas. Ao ordenar as informações na criação artística, através de um 60 Comentários de Alexandre Sequeira nos relatório final da pesquisa. (IAP, 2004). 61 A percepção não é simplesmente coleta de dados sensoriais, pois o corpo perceptivo entrelaça-se com o sensível do mundo, em significações do seu ser-no-mundo. Para isso, utiliza-se também das referências anteriores, construídas em tantas outras percepções. A percepção é a fusão entre pensamento e sentimento que nos possibilita significar o mundo (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 117).

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pensamento que projeta62, que define o que poderá vir a ser, as devolve para o mundo

com novas possibilidades: transformar sua pesquisa em obra de arte.

Figura 15 – As Imagens feitas por Alexandre no interior das casas marcam uma relação mais estreita com os moradores. As imagens captadas no interior da casa é o indicativo que faltava para o encontro com a materialidade. Os tecidos que dividem os ambientes, que forram as camas, as toalhas de mesa passam a ter um valor simbólico significativo e ativam o caminho do trabalho do artista.

No pensamento projetante, Alexandre penetra na substância da matéria “tecido”

e propõe seu diálogo inventivo do processo criador nas observações que tratam de um

sentido mais amplo que ultrapassa a questão de pormenorizar aspectos pitorescos do

conforto das casas, passando a observar o sentido desse lugar no humano.

Com esta atitude, se supera os problemas da descrição, onde o Eu e as

realidades internas aprendem a ser Um em relação às realidades compartilhadas de

Outros em que o espaço potencial é o espaço dos símbolos. Assim, as observações

do artista são resultados de sua experiência, pois essa percepção se dá quando o

homem se torna consciente de suas próprias impressões. Eco (1972, p. 201) afirma

que O homem estuda a sua matéria com amor, perscruta-a até o fundo, observa o seu comportamento e as suas reações; interroga-a para poder dirigi-la, interpreta-a para poder vencer, aprofunda-a para que ela revele possibilidades novas e inéditas; segue-a para que os seus movimentos naturais possam coincidir com as exigências da obra a se realizar.

62 No jogo do fazer/construir da criação artística, somos conduzidos por um pensamento que espreita nossa mente: um pensamento projetante. Pensamento que pensa o “depois”, pensando a mudança do que é para o que será (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 56).

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O autor complementa a citação acima se referindo, a percepção sobre a

corporeidade da matéria no processo artístico. No caso de Alexandre, o tecido da casa

dos moradores de Mocajuba é a matéria que a cada estágio de seu processo impôs-se

na sua construção a solidez de uma forma. Na visão de Bachelard (1993, p. 23):

Para um estudo fenomenológico dos valores de intimidade do espaço interior, a casa é, evidentemente, um ser privilegiado; isso é claro, desde que a consideremos ao mesmo tempo em sua unidade e em sua complexidade, tentando integrar todos os seus valores particulares num valor fundamental. A casa nos fornecerá simultaneamente imagens dispersas e um corpo de imagens. Em ambos os casos, provaremos que a imaginação aumenta os valores da realidade. Uma espécie de atração de imagens concentra as imagens em torno da casa. Através das lembranças de todas as casas em que encontramos abrigo, além de todas as casas que sonhamos habitar.

E acrescentando o tecido, os ambientes das casas empregados no processo,

agem sobre o projeto poético do artista e são índices norteadores para o

prosseguimento do trabalho que se desdobraram em novas direções.

3.2 ENTRE PROPOSIÇÕES E TROCAS: a mais-valia simbólica

Combinando percepção e imaginação, ampliando o caráter da relação com os

moradores da vila e a busca ao processo criativo a partir dos tecidos que separavam

os ambientes das casas da vila, Alexandre acrescenta novas reflexões em sua

pesquisa. Para ele, os tecidos finos e delicados funcionavam como um território em

que os limites se davam entre dois tempos: de um lado a convivência da sala que

agrega o visitante, a conversa coletiva, a luz que adentrava pela janela. De outro, a

intimidade do ambiente de um quarto que traduz um espaço reservado, de transição

entre a luz e a sombra.

Outra anotação significativa foi o desgaste do tempo sobre o tecido que

desbotava as estampas de motivos florais que indicavam para ele cores e traços de

uma cultura visual. Para Alexandre, o tecido era como um diário íntimo que

necessitava de uma acuidade sutil para tocá-lo.

Mas do que o peso existente na escolha pelo tecido como suporte para abrigar

seu trabalho, o depoimento de Alexandre vem carregado com a força de um profundo

respeito ao lugar que o abriga.

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Surge a partir daí uma reedição do encontro entre o fotógrafo e os fotografados.

Alexandre propõe, então, a estratégia de troca de alguns objetos pessoais, que

consistia em trocar uma peça antiga por uma nova. A proposta do artista foi recebida

com surpresa e curiosidade e, ao mesmo tempo, despertou interesse, justamente pela

possibilidade de trocar uma peça antiga por uma nova.

Cada peça trocada era salvaguardada em todas as suas marcas como

pequenos rasgos, bainhas desfeitas e estampas desbotadas, no propósito de reafirmar

o atestado e a sensação de presença que adensava a materialidade simbólica a

história de cada dono do tecido.

O artista, para esclarecer melhor sua intenção teve a preocupação de concluir

um trabalho artístico. Negociou com a avó de Lucas, um menino da comunidade, a

troca de um lençol, do uso cotidiano, já desgastado pelo tempo, por um lençol novo.

A peça usada serviu de suporte para imprimir a imagem do garoto Lucas.

Figura 16 – O menino Lucas foi o primeiro parceiro de experimentação do artista. Este trabalho serviu de referência para Alexandre apresentar aos moradores e explicar o porquê da necessidade da troca de uma peça usada por uma nova.

Concluído, o trabalho funcionou como referência para que todos pudessem

entrar num real entendimento e aceitassem a proposição de Alexandre. O assunto

tomou conta da vila e várias propostas de troca foram aparecendo com peças

diversificadas como, toalhas de mesa, cortinas, lençóis, redes e mosquiteiros, as

quais vinham etiquetadas com o nome de seu dono.

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Na relação estabelecida no ato fotográfico, Alexandre tinha uma intenção bem

demarcada que era transportar para o observador de seu trabalho, o estranhamento63

que ele mesmo sentiu frente aos modelos fotografados.

Ao experimentar usar como suporte um tecido do cotidiano, no qual imprimiu

a imagem do fotografado em escala natural, na tentativa de acentuar o caráter

indicial64, o artista excluiu o fundo com o auxílio de softwares de tratamento de

imagem, dando ênfase na representação do retratado.

A imagem depois de tratada foi transportada para fotolito65, que a

redimensionou para sua escala real. Então, pode-se considerar que os recursos

técnicos contribuíram na transmissão de uma intencionalidade, pois a solarização66,

tanto funcionava como forma de adequar a imagem aos procedimentos de revelação

serigráfica67 como também, simbolicamente, ajudava a mesclar o referente da imagem

fotográfica com a estampa escolhida pelo fotografado para ornar o seu mundo.

A altura dos fotografados era obtido pelo artista a partir de um contato

corporal próximo, em que um abraço estabelecia relações de medida, num processo

comparativo entre a altura da pessoa e do artista. Estas escalas corporais eram

anotadas em um diário, na ficha de cada “personagem” eleito.

E estas medidas se aliavam ao material visual obtido juntamente com as

confirmações e incertezas68, com o jogo das convenções, com os gestos e as poses

63 Estranhamento ou Ostranenie, termo utilizado pelo formalista russo Viktor Chklovski em seu trabalho “Iskusstvo kak priem” (“A Arte como processo”) ou ("A Arte com procedimento"), Poetika (1917). O estranhamento seria o efeito criado pela obra de arte literária para nos distanciar (ou estranhar) em relação ao modo comum como apreendemos o mundo e a própria arte, o que nos permitiria entrar numa dimensão nova, só visível pelo olhar estético ou artístico. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Estranhamento>. 64 A imagem foto torna-se inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda. Sua realidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência. A foto é em primeiro lugar índice. Só depois ela pode torna-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo) (DUBOIS, 1993, p. 53). 65 Fotolito é um filme transparente, uma espécie de meio plástico, feito de acetato. Modernamente, com o uso de impressoras laser e computadores, o fotolito pode ser à base de acetato, papel vegetal ou laser filme. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotolito>. 66Conhecido também como efeito Sabattier, em referência ao seu inventor, o francês Armand Sabattier (1834-1910) que o concebeu em 1862. A solarização consiste na inversão dos valores tonais de algumas áreas da imagem fotográfica, que pode ser obtido basicamente através da rápida exposição à luz da imagem durante seu processamento. <http://www.itaucultural.org.br/ aplicExternas/enciclopedia>. 67 Técnica de impressão da gravura que reproduz desenhos de cores planas através de uma armação de madeira e tela feita de tecido de seda, náilon ou rede metálica, sobre uma base que pode ser de papel, tecido, metal ou outros. O processo se dá a partir da aplicação de tinta sobre partes permeáveis e impermeáveis da tela, que a filtra formando o desenho a ser impresso. O termo sinônimo silkscreen é normalmente utilizado num contexto comercial <http://www.itaucultural.or.br/apliexternas/enciclipedia>. 68 Nesse confronto artístico, há em nós uma sensibilidade vigente que atenta também para o que é imprevisível, que nos conduz ao aproveitamento dos acasos, incorporando-os ao processo de criação, tanto no sentido do acréscimo como no de ruptura/inicio de novas possibilidades no fazer artístico (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 57).

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encobertas por camadas simbólicas. As ordenações se concretizavam e se

estabeleciam entre os moradores e o artista. A fotografia era a propositora de mediações.

Na busca do artista pela escala natural do fotografado houve a tentativa de

ressaltar o caráter indicial da imagem fotográfica. Alexandre potencializou a experiência

de construção de alteridade69 através da arte. As fotografias foram tratadas no

computador para serem estampadas em tamanho natural, ou seja, o artista removeu o

modelo do contexto da foto e ao inserir as imagens dos moradores de Mocajuba em

seus próprios objetos – redes, mosquiteiros, lençóis – produziu a cópia de uma cópia

gerada por imagens dos fotografados e adensou dessa forma nos significados.

O tecido funcionou como suporte e índice, e o retrato tomou posse do objeto

(tecido), para juntos, formarem a unidade conceitual da obra. São indissociáveis na

sua amplitude e constituem o valor simbólico do trabalho do artista.

Figura 17 – O registro de Alexandre da representação de Seu Suzano mostra seu processo em que o princípio é fotográfico e a apresentação final no tecido através da revelação serigráfica em que não sabemos se é a imagem que surge da estampa ou se a estampa surge como fundo. Que segundo Salles (2007) trata-se de um desvio de ordem técnica que é absorvido pela poética.

Para a análise realizada foi importante perceber a condição do índice da

imagem fotográfica e as relações que os signos indiciais mantêm com o seu objeto

referencial. O tempo é um fator importante no processo do Alexandre. O propósito

69 De acordo com tais premissas, o que importa num retrato fotográfico não é a identidade, e sim a alteridade secreta, aquela máscara que torna o indivíduo singular, que o transforma em “coisas entre as coisas”, todas estranhas uma às outras, todas familiares e enigmáticas, em lugar de um universo de sujeitos comunicando-os todos uns com os outros, todos transparentes uns aos outros. (BAUDRILLARD, 1997, p. 35-39).

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de revelar as imagens em técnicas de impressão diferentes (fotografia, imagem

digital, serigrafia) e de usar a imagem indicial nos remete a um único referente: o

mesmo que a causou, do qual ela resulta física e quimicamente, adquirindo um

poder de designação muito caracterizado. Sobre este assunto, Barthes (1984, p. 14-

15) ressalta que: “Uma fotografia [...] diz: isso é isso, é aquilo!, Mas não diz nada

além do que disse [...]. A fotografia não passa nunca de um campo alterado de

“Veja”, “Olhe”, “Aqui está”; ela aponta. É índice igualmente nesse sentido digital.”

Nesse contexto, a fotografia atesta, sim, a existência de uma realidade, mas

não os sentidos. Na relação efetiva do suporte (tecido dos fotografados de

Mocajuba) e a fotografia, seus sentidos são exteriores.

Barthes faz distinção entre sentido e existência. Quando ele apresenta “Isso é

isso, é aquilo”, nada nos diz dessa representação. O autor não afirma: “Isso quer

dizer aquilo”. Assim, o referente que se torna imagem na foto é colocado por Barthes

como uma realidade empírica, ou seja, a significação dos fotografados por

Alexandre continua enigmática para mim, mas acredito que a situação não é a

mesma para o artista, já que ele participou da enunciação (de onde a imagem

provém) em Nazaré de Mocajuba.

Interessante lembrar que por meio desse processo, a imagem-foto tornar-se

inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda.

Alexandre ao integrar ao seu processo o modo de revelar as imagens em

técnicas de impressão diferentes, subverte a técnica fotográfica. Estes procedimentos

experimentais ou técnicas não convencionais são recorrentes na história da fotografia.

Foto manipulada e misturada com outras técnicas sempre existiu. Os campos

de aplicação é que eram (e são) diferentes. Vale lembrar Oscar Gustav Rejlander,

que subverte a técnica no século XIX, ao entrelaçar fotografia e pintura.

O fotógrafo misturou mais de uma dezena de matrizes de daguerreótipos70

para montar um único quadro em 1857. No Brasil, um fotógrafo que experimentou

70 Imagem produzida pelo processo positivo criado pelo francês Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851). No daguerreótipo, a imagem era formada sobre uma fina camada de prata polida, aplicada sobre uma placa de cobre e sensibilizada em vapor de iodo, sendo apresentado em luxuosos estojos decorados – inicialmente em madeira revestida de couro e, posteriormente, em baquelite – com passe-partout de metal dourado em torno da imagem e a outra face interna dotada de elegante forro de veludo. Divulgado em 1839, esse processo teve, na Europa, utilização praticamente restrita à década de 1840 e meados da década de 1850. Aqui no Brasil continuou sendo empregado até o início da década de 1870, enquanto nos Estados Unidos - onde a daguerreotipia conheceu popularidade maior até do que em seu país de origem - continuou sendo muito popular até a década de 1890 <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia>.

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processos de manipulação foi Valério Vieira, que a partir de 1900 fez o clássico 30

Valérios. Em Belém-PA, nos ano de 1955 Gratuliano Bibas, premiado dentro e fora do

Brasil, faz suas experimentações no contexto em que já existia foto-clube71 em Belém.

Figura 18 – O clássico “30 Valérios” é o auto-retrato de 1901 do fotógrafo Valério Vieira em que ele aparece 30 vezes na mesma foto (inclusive nos quadros e nas estátuas). A diferença disso pro Photoshop é que era tudo feito manualmente, usando nanquim, grafite, recortando e colando e o que mais se quisesse usar.

Figura 19 – ‘[...] E foram muito felizes’ de 1965, de Gratuliano Bibas, revela um convívio estreito com a imagem de um olhar autoral sobre o cotidiano bem como o conhecimento técnico.

71 O Foto-Clube no Pará nasceu na Fotografia Amazônia, por volta de 1955, quando Frizt Liebdman, sócio da firma, ali reunia com seus amigos que gostavam de fazer fotos, e que eram: Amilcar Leão, Moacir Moraes, Gratuliano (Jaime Nunes) Bibas, (Eliezer) Serra Freire, Anselm Pitman, Francisco Bacelar, Raimundo Moura e outros (NUNES, 1998, apud MANESCHY, 2007, p. 25).

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É interessante perceber neste percurso a reflexão sobre os vários usos da

fotografia sedimentada na história da arte. Neste estudo, meu foco apóia-se nas

pesquisas realizadas pelo grupo de Tadeu Chiarelli72 que apontam para atravessamentos

conceituais que indicam “mais do que nunca, que a arte é cada vez mais fotográfica”.

Chiarelli (2007, p, 10). faz uma afirmação significativa nesta direção quando diz

Se já no século XIX, e durante todo o século passado, se percebe as várias manobras de absorção da produção fotográfica pela arte instituída e vice-versa, atualmente, separar, dentro de uma determinada obra de arte, o que seria “fotográfico” do que não é, torna-se uma tarefa cada vez mais complexa e, muitas vezes, infrutífera.

Foi importante fazer este recorte no campo da história da arte para que o

fenômeno do fotográfico possa ser percebido no entrelaçamento de aspectos

sincrônicos e diacrônicos, em que a imagem criada, armazenada ou coletada, possa

ser percebida e analisada em seus múltiplos aspectos.

Busca-se compreender os processos criativos trazendo para reflexão uma

visão possível para a produção fotográfica contemporânea a partir do processo

fotográfico de Alexandre Sequeira em Mocajuba.

Quando afirmo que o procedimento técnico da produção imagética de base

fotográfica de Alexandre subverte a técnica fotográfica convencional é justamente

porque ultrapassa os limites, provoca uma contaminação73 das técnicas e também

apresenta suportes híbridos (fotografia, imagem digital e serigrafia). A esse respeito

Maneschy (2007, p. 36) comenta que a linguagem fotográfica

Se contamina e subverte seus limites. Ora é empregada como elemento documental da obra, ora se transforma no único índice da existência da proposição. Então, a fotografia não existe mais como mera fotografia, é fotografia, mas pode ser o vestígio de uma performance, articular questões sobre colecionismo e ser a materialidade de uma discussão sobre o papel do museu, sendo, assim, objeto conceitual. Tempo, espaço, realidade, memória, identidade, corpo, escultura e representação são alguns dos grandes temas em torno do quais artistas vêm desenhando suas obras visuais e a fotografia não é mais apenas fotografia, ela é isto é aquilo também.

72 Livre-Docente, responsável pelas disciplinas de História da Arte, séculos XIX e XX, junto ao Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e artes da Universidade de São Paulo. É coordenador do grupo de Estudos do Centro de Pesquisa de Arte & Fotografia da ECA/USP. 73 Tadeu Chiarelli denominou “Fotografia Contaminada” essa manifestação diferenciada da fotografia como arte contemporânea, numa exposição em 1994, sob esse conceito: uma fotografia contaminada pelo olhar, pelo corpo, pela existência de seus autores e concebida como ponto de intersecção entre as mais diversas modalidades artísticas, como o Teatro, a Literatura, a Poesia e a própria fotografia tradicional. Assim, os autores [...] não seriam vistos propriamente fotógrafos, mas como artistas que manipulam o processo e o registro fotográfico (ARAÚJO, 2004, p. 80-81).

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Ao refletir sobre as poéticas dos processos fotográficos verifico que ao

remeter o objeto à similaridade, ao suposto real, a fotografia, a priori, constrói essa

“realidade” e ficções. Mas nas artes naturalmente a fotografia desmaterializa

qualquer vestígio de “realidade”. Maneschy (2007, p. 37) complementa ao dizer que

“na arte a fotografia se liberta e é passível de variadas construções, interferências,

colagens, manipulações e, até mesmo, de ser utilizada de forma direta”.

Para Fernandes Junior (2007), essa produção contemporânea, livre das

amarras da fotografia convencional, é uma fotografia expandida em que a ênfase está

na importância do processo de criação, e nos procedimentos utilizados pelo artista.

Para justificar a tese de que a fotografia também se expandiu em termos de

flutuação ao redor da tríade peirciana74, Fernandes Junior (2007, p. 47) afirma que:

A fotografia expandida existe graças ao arrojo dos artistas mais inquietos, que desde as vanguardas históricas, deram início a esse percurso de superação dos paradigmas fortemente impostos pelos fabricantes de equipamentos e materiais, para, aos poucos, fazer surgir exuberante uma outra fotografia, que não só questionava os padrões impostos pelos sistemas de produção fotográficos, como também transgredia a gramática desse fazer fotográfico.

Vale lembrar que a denominação fotografia expandida tem como base teórica

os textos de Rosalind Krauss75 (escultura expandida) e Gene Youngblood76 (cinema

expandido). Estes autores discutem questões que se desdobram para o campo

dessa nova fotografia.

Já Krauss e Youngblood tratam a questão relacionando-a aos seus campos

específicos: escultura e cinema, mas o sentido é semelhante ao usado na fotografia

que se compromete com o fazer fotográfico na produção contemporânea e contribui

significativamente para a transmissão das mais variadas experiências perceptivas.

74 Veja-se também Teoria Geral dos Signos, de Charles Sanders Peirce. 75 O campo expandido por Rosalind Krauss (1979) gera-se desse modo problematizando o conjunto de oposições entre as que se encontra suspenso a categoria de escultura. A escultura não é mais que um termo na periferia de um campo no qual há outras possibilidades estruturadas de diferentes maneiras. E temos conseguido a “autorização” para pensar nessas outras formas (KRAUSS, 1979, p. 7). 76 Cinema expandido por Gene Youngblood (1970), o primeiro livro a considerar o vídeo como uma forma de arte, foi influente na constituição do campo das artes media. No livro ele argumenta que um novo cinema expandido é necessário para uma nova consciência. Ele descreve os vários tipos de filmes que utilizam novas tecnologias, incluindo o filme de efeitos especiais, arte por computador, vídeo-arte, multimédia e ambientes de holografia. <http://en.wikipedia.org/wiki/Expanded_Cinema>.

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Esta investigação possibilitaria a entrada Alexandre em outras proposições

que o levaram a imprimir a imagem conforme a troca acontecia e, a cada obra

pronta ele apresentava ao personagem na vila. A respeito dessa atitude de

negociação e esclarecimento da proposta artística, Silva (2005, p. 26) comenta que

O artista contemporâneo deve questionar a postura onipresente, individualista e mitificada da arte tradicional e dialogar com o público, criando possibilidades de discussão de sua proposta artística a partir de um problema em processo, pautado pela comunicação dialógica.

Assim, entendo que o importante papel de divulgador-mediador do artista

representou para os moradores de Mocajuba um sentimento de valorização. O

encontro do fotografado com a sua representação imagética era muito significativo,

provocava-lhe inquietações: ora se aproximava, ora se afastava, verificava o

tamanho, medindo-se na imagem à sua frente. As reações afastavam qualquer

relação do observador com a fotografia, as reações eram de encantamento e

espanto com a imagem.

Alexandre lembra que “a falta de conhecimento dos procedimentos técnicos

dava à contemplação uma pureza singular”. Assim, as imagens ampliadas refletiam

a imagem do espelho, já não prevalecia à reprodução/representação, mas a

experimentação da imagem num espelho que atua pela experiência do sujeito. A

propósito, para traduzir essas redes de relações entre reprodução/representação,

Herkenhoff (2005, p. 15) escreve:

Alexandre Sequeira foi a Nazaré de Mocajuba para registrar a paisagem. Jamais fotografados, os moradores pediram para ser registrados. Sequeira propôs um escambo ao lugarejo onde o dinheiro mal circula. Em troca de uma peça usada da casa, daria uma nova. Em cada lençol, rede, mosquiteiro recebido, imprimiu o retrato do dono. Depois, montou uma exposição ao ar livre, às margens do rio Mocajuba. Os indivíduos precisam como Narciso, segundo Lacan, de sua imagem – um reflexo na água, um espelho ou uma fotografia – para formarem a imagem unitária de si mesmo.

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Figura 20 – A Exposição na vila as margens do Rio Mocajuba é um momento significativo para Alexandre e os moradores. Coube a Alexandre captar a reação dos fotografados que no primeiro momento ficaram maravilhados diante de suas imagens impressas em tamanho natural. O contato com suas representações colocou os moradores da vila diante de seus hábitos e de suas idéias que lhe permitiram produzir não uma reprodução indiferente, mas uma semelhança convincente, um retrato íntimo.

A questão posta por Herkenhoff me faz pensar e questionar sobre a relação

do espelho como uma fotografia a partir das atitudes dos fotografados. Nesse

propósito vale enfatizar a reação de Dona Benedita, nativa de Nazaré do Mocajuba

que ao se deparar com sua imagem impressa numa cortina de flores vermelhas que

antes da troca servia para decorar e separar ambiente em sua casa, fez o seguinte

comentário: “Não imaginava ser tão parecida com minha cortina” 77.

Esse parecer promove o jogo78 do sujeito fotografado “enquanto ele mesmo”

nas imagens impressas em escala natural no tecido íntimo do uso cotidiano. E sobre

o jogo do sujeito “enquanto ele mesmo”, Fabris (2004, p. 155) afirma que: “A

passagem da dimensão do ‘tal que em si mesmo’ para aquela do ‘enquanto ele

mesmo’ marca uma mudança profunda na consciência da identidade, da qual a

fotografia é o verdadeiro agente”.

77 Comentários de Dona Benedita contidos nos relatório final da pesquisa de Alexandre Sequeira. (IAP, 2004). 78 A obra como jogo só brota com a condição de participação ativa, de interpenetração, de um diálogo no qual o que advém enquanto se dialoga é a verdade do diálogo, o fato de ele ocorrer e que, ocorrendo, consegue representar seu próprio ser do diálogo; o que se tem em vista não é a verdade que resultaria de uma argumentação, nem a verdade no sentido de uma correspondência entre real e ficção, nem a verdade “científica”, mas um jogo como verdade, um jogo que só é verdade quando se está jogando (CAUQUELIN, 2005 p. 99).

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A semelhança, testemunhada pela fotografia segundo a teoria de Fabris, é um

conceito que cria um entrelaçamento profundo entre o sujeito e a própria imagem, e

é estimulada pelo mecanismo da pose e pausa79 que atravessam outros conceitos

como os de cultura e identidade.

Esse atravessamento pode estar presente tanto nos tecidos íntimos dos

moradores da vila como sinônimos de identidade, que marca a impressão do próprio

corpo e a marca do lugar, como na observação que o artista faz da realidade sócio-

cultural de Mocajuba, em que ele materializa seu pensamento artístico alicerçado

nos usos e costumes. Dessa forma, o corpo se faz presente em atos, gestos com

expressões de valores imanentes de Mocajuba.

Fabris apresenta seus conceitos de semelhança e identidade nos argumentos

de Barthes (1984, apud FABRIS, 2004, p. 116), que nos faz refletir sobre a pose –

gestos dos fotografados – como

Um dispositivo dotado de um significado ulterior com o propósito de fabricar instantaneamente outro corpo num propósito de autotransformação do sujeito em imagem que constituem o ponto central de uma reflexão para a qual o indivíduo fotografado nada mais é do que uma cópia de uma cópia, gerada por outras imagens de si mesmo.

Nessa amplitude, o conceito de pose e representação através deste viés da

imagem, coexiste com a fotografia no propósito de autotransformação do sujeito em

imagem.

Complemento ainda que esta identificação está ligada simbolicamente ao

juízo de gosto e a uma afirmação das referências culturais, eu diria, são marcas que

podem ser traduzidas no lugar de identidade. A vestimenta e o cenário (a cortina na

casa) descrevem uma identidade social.

79 Philippe Bruneau analisa o retrato a partir de um duplo eixo, pose e pausa, designando com estes dois termos a contestação da aparência natural como fisionomia e como condição biológica transitória. As noções de pose e pausa não podem ser dissociadas da contraposição que Bruneau cria entre sujeito e pessoa: se a primeira é um produto social e cultural, o segundo remete ao corpo em sentido biológico. A pessoa exprime-se por intermédio de dois códigos historicamente determinados – o “fisionômico” que implica na transformação do corpo pelo uso de diferentes artifícios e o “vestinômico”, alicerçado no uso e comportamento, que contesta o caráter biológico do sujeito, ao negar sua nudez primordial (FABRIS, 2004, p. 11).

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82

Figura 21 – Dona Benedita escolheu um lugar especial para expor sua representação como um atestado de presença.

Se entendermos a imagem como qualquer representação ou não da

realidade, vamos constatar que ela sempre esteve presente na experiência humana.

No entanto, no mundo contemporâneo, ela se tornou o centro das formas de fruição

no mundo – está nas ruas, nas casas, nas roupas, no corpo, formando uma espécie

de banco de referências para a construção da experiência cotidiana.

As representações das imagens produzidas pelo artista são justamente as

manifestações exteriores dessa significação construídas pelos moradores de

Mocajuba em seu cotidiano. Para Ramos (2006, p. 70),

A transformação da vida cotidiana em espetáculo não está, portanto, necessariamente ligada à produção que habitualmente é designada de artística – e mais longe ainda se voltada entre os sinais de inumeráveis sistemas de comunicação, formas, culturas e o habitus social. Tudo aquilo que é recebido e processado, coletiva ou individualmente, na cotidianidade pode ser transformado em elemento estético.

O elemento estético estava na re-significação do objeto usado como suporte

que perdia sua significação primeira, atribuída pela função do uso cotidiano. O lençol

já não servia para abrigar do frio, perde sua função utilitária por esta razão, o

fotografado reage com espanto, diante de seu “novo aparecer” nele impresso.

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83

O objeto torna-se a matéria-prima de informação da fotografia e a arte é

convocada para sair de seu isolamento de estúdio, a fim de construir seu trabalho no

entorno. Assim, a arte se alimenta desses fatores e se serve deles, como também é

produto de sua dinâmica. Dorfles (1986, p. 87) sobre a experiência estética afirma

que

Existe um desejo, e até uma necessidade, de produção artística que acabe por englobar outros setores habitualmente descurados pelos “especialistas da arte”. Trata-se de todo o imenso acervo de operações cromáticas, acústicas, plásticas, que circundam o indivíduo na sua existência cotidiana, que passam a fazer parte do panorama urbano, da publicidade, do vestuário, da signalética das estradas, etc. e que não podem deixar de ser consideradas como estéticas.

Considerando que a estetização da vida pós-moderna relativiza a aura de

originalidade e autenticidade da identidade inerente ao indivíduo, recorro ao sujeito

pós-moderno conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou

permanente.

Ao verificar o processo da experimentação de Alexandre, a sua chegada na

vila, à assumida condição de retratista, a co-autoria dos fotografados, certifiquei-me

de que hoje a estética, assim como a identidade, se configura na vida de um

indivíduo, como uma “celebração móvel”.

Hall (2005, p. 13) comenta que esta celebração pode ser “formada e

transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos

representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.

Acrescento ainda: se adentra num campo de subjetividades e mergulha-se numa

relação na qual fica difícil estabelecer o que é sujeito e o que é mundo, suprimindo

assim, a apropriação e alienação do outro numa relação que elimina “a mais valia

simbólica 80”.

Dessa forma, a proposição de Alexandre implica na consciência e descoberta

do outro, pois enquanto produtor cultural, ele recebe, se utiliza (é, portanto

consumidor), produz ou cria o discurso visual que insere os fotografados como

colaboradores. Por isso, ambos se inserem numa trajetória e são produtores de

cultura, pois experimentam a diferença, a alteridade social e descobrem nessa rede

80 Termo que vem sendo usado por Herkenhoff (2007), “para integrar e transmutar a função do uso dos objetos que se convertem e integram-se no processo do trabalho do artista”.

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de significações as relações, os processos de criação, a fabricação, as trocas, a

comercialização e os usos diferenciados, que dão sentido às evidências culturais.

Assim, a unidade dá lugar ao entrelaçamento de experiências e significados

em que o artista afetou e foi afetado no campo das práticas simbólicas dos

moradores, e que, convictamente, se enriqueceu neles ao conviver no contato

cotidiano com o mundo que também é constituído dele.

Maffesoline (2000, p. 212) diz que: “há sempre um objeto, um ideal, uma

emoção, uma ilusão que constitui a ‘liga’, graças à qual o mundo é o que é”. E

Alexandre complementa: “verifiquei na experiência estética uma forma nata do

homem se relacionar com o mundo, independente do nível de erudição. Ninguém se

dirige ao mundo de mãos vazias81”.

Como muito bem esclarece Baudrillard (1983, p. 148), “por toda parte já

vivemos numa alucinação ‘estética’ da realidade”. Nesse sentido, a arte deixa de ser

uma realidade protegida e separada, pois ingressa na obra de Alexandre e no

cotidiano da vila.

Neste pulsar cotidiano cada morador escolhia um lugar de destaque para

expor sua representação. Dona Alice se decidiu pela frente da casa em meio a seu

jardim. Provavelmente por ser um lugar estratégico porque os outros também

podem apreciar, já que a frente da casa é um lugar de passagem.

Figura 22 – Dona Alice escolheu a frente de sua casa para colocar sua representação na intenção de chamar a atenção de todos que por ali passassem. Queria ser vista por todos como um certificado de autenticação que sobrepõe ao poder de representação. A força constativa da fotografia incide, não sobre o objeto, mas sobre o tempo. As flores de seu jardim entrelaçam com as flores da estampa. 81 Comentários de Alexandre Sequeira nos relatório final da pesquisa. (IAP, 2004).

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Já seu Carmelino estendeu sua representação impressa na rede ao lado de

seu oratório.

Figura 23 – A Representação de Seu Carmelino colocada por ele, ao lado de seu oratório. Um lugar reservado, preservado que tem a intenção de proteção e leva à reflexão do significado que tem a fotografia na vida das pessoas.

Analiso nas atitudes de escolhas, do lugar diferenciado por cada morador da

vila para expor sua representação parece exprimir a incerteza de uma sociedade

para a qual o ser baseia em ter, como um atestado de pertencimento: a foto agora

me pertence.

A fotografia transformou o sujeito em objeto, e se é possível traduzir assim:

em peça de exposição, de museu e essas atitudes em que o cotidiano e a memória

se fundem no tempo e no espaço, num confronto entre os envolvidos.

Através desse viés tento elucidar as atitudes dos fotografados, com a

argumentação teórica de Barthes (1984, p. 27), quando se refere como eixo central à

crise de subjetividade:

Imaginariamente, a fotografia (aquela de que tenho a intenção) representa esse momento muito sutil em que, para dizer a verdade, não sou nem um sujeito nem um objeto, mas antes um sujeito que se sente tornar-se objeto. Quatro imaginários aí se cruzam, ai se afrontam, ai se deformam. Diante da objetiva, sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte.

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Barthes situa o sujeito enquanto ele mesmo num campo de forças em que tanto

eu como o outro passa a ter importância. E a fotografia, aquela que tem uma intenção

representa este momento sutil e provoca uma dualidade em que o fotografado não é

nem sujeito nem objeto, mas como um sujeito que se sente tornar-se objeto. A partir de

tais relações, verifico a mediação conjunta entre os fotografados, o artista e nós. As

imagens de Alexandre representam em seu conteúdo uma interrupção do tempo e,

portanto, da vida.

3.3 INSERÇÃO E CIRCULAÇÃO DE NAZARÉ DO MOCAJUBA: muito além de um

lugar

Sequeira no campo artístico assume a postura de artista propositor ao

negociar com a comunidade de Mocajuba a troca de objetos do uso cotidiano. A

questão se estabeleceu em função de fazer com que os moradores

compreendessem onde um trabalho dessa natureza se situa, com relação às suas

vidas.

Nesse sentido, firmou diretamente com as pessoas envolvidas, um acerto de

que, cada imagem fotográfica (os tecidos são peças únicas), caso comercializada,

teria sua renda revertida. Parte para a produção efetiva delas e outra parte para a

vila, e que eles seriam responsáveis por decidir o que fazer com o dinheiro.

Dentro desta proposição do artista, suas práticas artísticas reconhecem nos

fotografados, sujeitos colaboradores e produtores de cultura. Ao negociar valores

econômicos com a comunidade avança na experiência de alteridade, desvesti a

mais-valia e a converte em signo simbólico. Ao fazer a divisão e fazer acordo

adentra na lei do mercado. De acordo com a lógica de Bourdieu (1998, p. 103):

A constituição da obra de arte como mercadoria e a aparição, devido aos progressos da divisão do trabalho, de uma categoria particular de produtores de bens simbólicos especificamente destinados ao mercado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura da arte – da arte enquanto tal -, instaurando uma dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como simples significação, cisão produzida por uma intenção meramente simbólica e destinada à apropriação simbólica, isto é a fruição desinteressada e irredutível à mera posse material.

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O autor analisa a arte para além de uma visão apenas econômica e estende o

discurso para a ruptura de vínculos de dependência de um mercado formal e favorece

aos intermediários culturais uma liberdade de negociação às leis do mercado de bens

simbólicos, como simples significação, como signo social e critico. No caso

propriamente dito da arte, se constitui pela produção de bens simbólicos e em sua

reconversão em capital econômico. Afinal, ninguém escapa às regras do capital 82.

Dentro dessa perspectiva, Bourdieu apresenta, em sua teoria sociológica,

uma dialógica atualizada do conceito da natureza dos bens simbólicos que

constituem realidades com dupla face – mercadoria e significação – e subsistem no

campo83 de operações de alteridade social.84

Neste viés, a arte de Alexandre se constrói como processo num campo de

relações de alteridades. A ação escolhida se dá por meio tecnológico – a fotografia – e

em situações comunicacionais. O campo da economia encontra a homologia no campo

da linguagem e da escritura: penso que o artista idealizou a obra, focou seus

protagonistas e buscou interagir com a comunidade para construir seu trabalho e

realizou um projeto que se tornou uma referência simbólica para os habitantes de

Mocajuba.

Nesta ação relacional, a mais valia é desarticulada e convertida em signo crítico.

Ou como diz Baudry (apud HERKENHOFF, 2007, p. 14), “Não haveria alteridade

positiva sem elisão da mais valia, o dinheiro, não sendo língua, é sentido”.

A projeção que ele fez em diálogo com a história local, com os elementos

culturais presentes, a incorporação do pulsar cotidiano, com certeza lhe permitiu a

existência daquele ambiente. Nesta dialógica, um detalhe significativo despertou a

atenção do artista: ele percebeu que os moradores da vila, em sua maioria, não

tinham um entendimento claro sobre a profissão de artista, ou onde essa atividade

se inseria nas relações cotidianas. Dessa forma Alexandre comenta que85

82 Tem nome de capital qual recurso que se apresente como trunfo valorizado em determinado campo e que confere ao seu possuidor um determinado tipo de privilégio em relação aos demais (RAMOS, 2006, p. 30). 83 O habitus faz a mediação entre o exterior e a subjetividade pessoal interior. Ele vai localizar o indivíduo em seu espaço social – este ambiente cheio de regras de funcionamento, Bourdieu chama de campo. 84 A idéia da diferença perde sua ambivalência e se torna um problema epistemológico para a ciência justamente quando é deslocada para o âmbito da cultura. É essa noção de alteridade baseada numa diferença cultural que inaugura a necessidade do conhecimento empírico do outro. A cultura não estaria apenas nos artefatos, mas também em hábitos, valores e comportamentos que precisavam ser apreendidos pela observação e registrados (BARBOSA; CUNHA, 2006, p.12). 85 Comentários de Alexandre Sequeira (IAP, 2004).

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Seria muito importante para os moradores de Nazaré, além de participar comigo de um processo de criação, entender que aquela atividade se constitui numa profissão como outra qualquer, como agricultor ou pescador e que ela pode gerar renda também.

Dentro desta proposição que se esboça na fala do artista está clara a

devolução do diálogo que ele faz para a comunidade e esta é a capacidade

determinante de uma obra de arte como campo de alteridade social. A arte neste

sentido assume propósitos de investigação ontológica do ser social, torna-se um

campo experimental da solidariedade.

Na medida em que Alexandre coloca os fotografados como co-autores

cidadãos na produção de sua proposta, provoca caminhos de abertura na obra.

Enfatiza a obra de arte enquanto possibilidade de um diálogo participativo. Não

podemos deixar de lado os aspectos sociais e políticos dessa iniciativa do artista,

pois ao trazer a preocupação de estabelecer o diálogo e a formação cidadã pela

arte, está educando através de seu trabalho. Sobre este valor da troca que atinge

outros campos, Bourdieu (1998, p. 105) esclarece que

O sistema de produção e circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho de produção e reprodução e de difusão de bens simbólicos.

Ao refletir sobre as considerações do autor, me ocorre que tudo tem um valor

de troca e eu incluo aqui a produção cultural e artística, o campo de produção

propriamente dito, estabelecido conforme as esferas da vida intelectual e artística.

Evidencio o uso da informação, dos variados meios de circulação, como valoração

de capital simbólico, cultural e social.

Nessa dinâmica da vida e da produção simbólica cotidiana, vale um parêntese

para ressaltar a paisagem pós-moderna e dar atenção a esses agentes

intermediários culturais que passaram a atuar e fazer parte diretamente da

educação. Como muito bem denominou Bourdieu (apud RAMOS, 2006, p. 13) para

essa expansão: “novos intermediários culturais” que consideravelmente rompem

com antigas hierarquias pedagógicas e provocam a difusão de um conjunto de

idéias e projetos de bens culturais.

Este fator de difusão e recepção da arte em diferentes modos de

aprendizagem, através dos complexos processos de produção de bens simbólicos,

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se renova a partir dos anos de 1990, quando os paradigmas de processos de

alteridade social se fazem presente na cena nacional. Herkenhoff (2007, p. 13) diz

que “A arte assume tarefas irredutíveis à condição de serviço social. É o Campo

experimental da solidariedade. Surgem Paula Trope86, Rosana Palazyan87 e

Mauricio Dias & Walter Riedweg88”. Nessa inserção, Herkenhoff inclui Alexandre

Sequeira.

O curador, ao entrelaçar a poética de outros artistas com a poética de

Alexandre, enfatiza as relações que eles têm com a alteridade na arte, com a

cultura, com a identidade e poéticas individuais. Os une por vínculo ético porque

eles se inserem na proposição de produzir recursos materiais para os agentes

colaboradores, ou comunidade. Estendem o rizoma89 social.

Bourdieu, sobre essa união por vínculos, nos traz um discurso que permite a

reflexão sobre o valor propriamente cultural e como ele e o valor mercantil subsistem

independentes, mesmo no caso em que a sansão econômica90 reafirma a

consagração cultural.

Sobre este processo que conduz a constituição da arte nesta correlação,

Bourdieu (1999, p. 101) afirma que

Tal correlato à transformação da relação que os artistas mantêm com os não artistas e por esta via, com os demais artistas, resulta na constituição de um campo artístico relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova definição da função do artista e de sua arte.

No pensamento do autor quando ele se refere à transformação da relação dos

artistas no campo artístico, acredito que tal processo se constituiu a partir de uma

86 Trope em 1993 fotografou meninos de rua. Depois de retratar, Trope oferece uma câmara pinhole ao menino fotografado para que ele próprio registre o objeto ou situação de sua escolha. A operação política de Trope converte os meninos – o objeto da imagem – em sujeito da fotografia. Ela baniu o olho experiente da fotógrafa, uma vez que a pin hole são câmaras sem óculos (HERKEHOFF, 2007, p.14). 87 Rosana depois de ter trabalhado o luto pela perda do irmão assassinado, voltou-se para menores em conflito com a lei, estabelecendo um espaço de escuta individual que resultava em teias coletivas de elementos significantes (HERKENHOFF, 2007, p. 13). 88 Dias e Riedweg desenvolveram Devotionalia (1995) com dezenas de meninos da Lapa. Calcula-se, por relato de sobreviventes, de assistentes sociais e da imprensa, que metade dos meninos teria morrido. Dias conta que “dez anos depois, os próprios “meninos” que sobreviveram nos contavam também em que situação os amigos morreram (tráfico, polícia, violência (HERKEHOFF, 2007, p. 13). 89 É um pressuposto de Deleuze e Guatarri. Num rizoma entra-se por qualquer lado, cada ponto se conecta com qualquer outro, não há centro, nem uma unidade presumida – em suma é uma multiplicidade (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 32). 90 Significa o prejuízo econômico ou a perda de privilégios que resultem em perdas econômicas <http://estigmatas.blogspot.com/2009/04/tipos-de-sancoes>.

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série de outras transformações aliadas ao contexto de um público de consumidores

virtuais mais abrangente e consideravelmente mais diferenciado.

Herkenhoff (2007), ao inserir Sequeira nesta trajetória do processo de

negociação simbólica das diferenças no âmbito da História da Arte Brasileira o

reconhece, o legitima no viés de políticas de subjetividades, nos processos de

construção de alianças entre sujeitos do conhecimento histórico, ou como diz Walter

Benjamim (1987, p.12): “o sujeito do conhecimento histórico é a própria classe

combatente e oprimida”. Alexandre insere a Amazônia, a região norte do Brasil na

geografia da opressão contemporânea dos grandes eixos dominadores da arte do

Centro Sul do país.

Afirmamos que a alta concentração e centralização geopolítica das decisões

dos departamentos de marketing das empresas, em sua maioria, são concentradas

em São Paulo e que, historicamente, a Lei Rouanet91 aumentou as desigualdades

regionais no Brasil. Herkenhoff (2007, p. 16) a esse respeito esclarece que

O regime de trocas na arte e seu sistema de inscrição social produzem o confronto de aspectos colidentes de utopia, entropia e desigualdades. Os mecanismos reguladores da apropriação da produção simbólica pedem ao artista um estado de alerta em defesa da irredutibilidade da arte.

A capacidade de Alexandre de agenciar o processo, ter foco e amplidão

geográfica e individualizar no coletivo experimentado em comum recompõe

significados contemporâneos que combatem a desigualdade. Ao fotografar a

pequena vila de pescadores opera na linha da imobilidade social. Alexandre atua

criticamente frente às diferenças, frente ao pequeno, ao invisível e ao esquecido.

O caminho percorrido por Alexandre torna visível o fluxo desigual pela

inclusão do outro. Ao tratar do valor de troca do objeto artístico e reverter parte da

venda da obra para a comunidade, deixa claro a operação econômica implícita na

ação artística.

91 A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991), conhecida também por Lei Rouanet, é a lei que institui politicas públicas para a cultura nacional, como o PRONAC - Programa Nacional de Apoio à Cultura. As diretrizes para a cultura nacional foram estabelecidas nos primeiros artigos, e sua base é a promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. O grande destaque da Lei Rouanet é a politica de incentivos fiscais que possibilita as empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoa fisíca) aplicarem uma parte do IR (imposto de renda) devido em ações culturais.

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Deve-se levar em conta que a constituição desse público favorece aos

produtores de bens simbólicos condições de independência econômica e

legitimação em comum.

A ação na vila de Mocajuba se dá pela narrativa da fotografia e inscrevê-la no

campo da circularidade do sistema da arte caracteriza o trabalho de Alexandre pela

singularidade das obras em si e pela imagem da rede que elas constituem dentro dos

circuitos da comunicação. A poética de Alexandre traz consigo o conjunto de sistemas

ao deixar visíveis seus modos de produção através do processo de transmissão.

Reafirmo nesta relação à homologia entre campos: linguagem e escritura, a

“cisão” entre valor de uso e valor de troca, ou como diz Herkenhoff (2007, p. 15):

“valor, circulação, câmbio, cálculo, sistema relacional, são operações econômicas,

complexas ou puramente pragmáticas envolvidas nesta produção de ética social”.

Em relação à cultura, a sua constituição pelas práticas coletivas e individuais

que, por outro lado, são constituídas por ela, atravessam a dinâmica de experiências

e práticas culturais cotidianas, é perceptível o funcionamento dos meios de

transmissão e circulação junto aos diversos públicos e grupos sociais, assim como a

ação dos agentes educadores na contemporaneidade.

Featherstone traz um discurso que permite pensar na relação dos

especialistas econômicos e dos especialistas em produção simbólica. Sobre a lógica

da cultura entrelaçada com a economia, Featherstone (1995, p. 28) afirma que:

É preciso olhar para os “artistas, intelectuais e acadêmicos, como especialistas em produção simbólica e examinar seu relacionamento com outros especialistas simbólicos na mídia e os envolvidos em outras ocupações relacionadas com a cultura de consumo, cultura popular e moda”.

O autor observa o entrelaçamento dos aspectos cultural, comercial e

educacional da produção simbólica, das relações humanas atreladas à dinâmica

multicultural da vida cotidiana, e como se encontra no aspecto mercadológico,

elementos importantes para a transformação da produção simbólica. São essas as

diferenciações apresentadas pelo artista no registro da sua fala, na dos fotografados

e nos processos dos artistas aqui citados.

A apresentação da série Nazaré do Mocajuba promoveu pela primeira vez a

saída dos moradores da vila que junto com Alexandre se dirigiram para a abertura da

exposição, em dezembro de 2004, em Belém, na Casa das Onze Janelas. O encontro

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com o público ali presente foi revelador, pois a imagem impressa na rede, no

mosquiteiro, no lençol, a escolha e o lugar que o artista apresentou a série, produziu

uma sucessão de simulações e interações recorrentes à memória individual e

coletiva.

Os moradores identificavam, através da trilha sonora composta por 36 horas

de fragmentos sonoros captados pelo artista na localidade, os, sussurros e

comentários, o canto do galo, o som da barca, da água do rio, enfim, a realidade

concreta tão familiar para eles que naturalmente ativou o público ali presente

também, imbuído pelos mesmos sons e imagens, numa proposição surpreendente

de significação e representação cultural na qual fomos confrontados.

Figura 24 – A Exposição na Casa das Onze Janelas em Belém/PA, 2004 foi o inicio de uma trajetória da Série Nazaré de Mocajuba para o mundo. Foi um momento singular com a presença dos moradores da vila e o público ali presente.

O propósito do artista em trazer de Mocajuba para Belém as pessoas

envolvidas para a abertura da exposição foi com certeza uma atitude de respeito e

aproximação da relação estabelecida na vila.

Alexandre apresentava com orgulho os moradores para o público ali presente.

Estudantes, artistas, curadores e os próprios fotografados estabeleciam diálogos

diante das representações. Alguns fotografados ficavam ali ao lado de suas imagens

como um guardião e a satisfação e alegria era visível.

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Em 2006, o curador Eder Chiodetto92, veio a Belém, para fazer a Leitura de

Portifólio93 em sua quinta edição de artistas locais. Chiodetto escolheu o trabalho de

Alexandre Sequeira. Assim, o artista e Nazaré de Mocajuba incorporam na

diversidade do cotidiano de São Paulo. E mais: se lançam no Quadro Cenário do

Fantástico/da Rede Globo, edição do dia 28 de novembro do ano de 200794.

A legitimação do trabalho de Alexandre por Chiodetto confirma a sua inserção

já indicada por Herkenhoff na circulação das diferenças. O curador e crítico

Chiodetto (2007, p. 2) escreve sobre a poética de Sequeira e confirma:

Se representar sem que a personalidade do artista fique atrelada à obra final é uma impossibilidade, o caminho mais profícuo reside na poética da obra de arte que resulta de uma relação, registro repleto de porosidades que denota a dissolução de um ser no outro. É quando o retrato, tema dos mais recorrentes na história da arte, se potencializa como um acesso à transcendência. Ao acompanhar o cotidiano do vilarejo de Nazaré do Mocajuba, localizado no município de Curuça, a 150 km de Belém, no Pará, por dez anos, Alexandre Sequeira conseguiu graças a imersão e a sensibilidade que lhe é própria, construir esta série de retratos impressas em toalhas de mesa, lençóis, cortinas, redes e mosquiteiros.95

A Curadoria é um processo de conhecimento é um discurso simbólico de

inserção e circulação, mas devemos ficar atentos aos parâmetros universalistas e

excludentes. Porém, tanto Herkehoff como Chiodetto, Armando Sobral e Marisa

Mokarzel, aqui citados, operam no debate e no questionamento.

Assim, a série Nazaré de Mocajuba circula e se insere numa trajetória

dinâmica e, cada lugar assume um contexto diferenciado. Não descrevo neste

estudo o contexto de cada lugar por onde a série Nazaré do Mocajuba esteve.

Ficaria um texto muito extenso, mas elegi a X Bienal de Havana/Cuba e a exposição

92 Eder Chiodetto é mestre em Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo, jornalista, fotógrafo, curador independente e crítico de fotografia do jornal Folha de S. Paulo, veículo no qual atuou como repórter fotográfico (1991 a 1995) e como editor de fotografia (1995 e 2004). É autor do livro O Lugar do Escritor (Cosac Naify), um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2004. Coordenador editorial da coleção de livros de fotografia brasileira FotoPortátil na editora Cosac Naify. Ministra aulas nas cadeiras de Fotojornalismo e Fotografia Documental no Bacharelado de Fotografia do SENAC-SP. Responde atualmente pela curadoria do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP. Nos últimos anos realizou diversas curadorias de fotografia e vídeo para instituições como MAM-SP, Itaú Cultural, Caixa Cultural, Museu da Casa Brasileira e SESC, entre outros <http://www.olhave.com.br/blog/?p=3099>. 93 O Portfólio tem o objetivo de promover novos nomes da fotografia e da literatura, além de divulgá-los pelo Brasil. O Projeto tem a orientação do núcleo de Artes Visuais, do Itaú Cultural, e o selecionado tem sua obra exposta na Instituição Paulista. 94 Ver link no Google e TED x Amazônia, 2010. 95 Texto crítico escrito para a apresentação da pesquisa Nazaré do Mocajuba no Projeto Portfólio do Itaú Cultural, na cidade de São Paulo no ano de 2007.

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“Amazônia, A Arte” para dar indicativo da força que representa no fluxo de troca

desigual na sociedade.

Em 2009, Sequeira é convidado para X Bienal de Havana / CUBA. Nesse

contexto a série assume implicações políticas em nossos dias. Mokarzel96 (2009, p.

4), de Belém/Pará, assina o texto curatorial em que afirma:

Os estreitos laços entre arte e vida, norteiam os trabalhos de Sequeira, confirmando o ato poético que privilegia a comunhão do homem e a natureza e a solidariedade entre os diferentes, entre os iguais. Por instantes, diluem-se as diferenças culturais e econômicas e o que se testemunha é a rara integração do ser humano consigo mesmo, com o outro e com o mundo. A pequena e longínqua Mocajuba ganha visibilidade, adquire uma cidadania planetária e torna-se respeitada. O artista e o homem do lugar desenvolvem um processo identitário, espelho de suas próprias forças, ancoradas nas relações socioculturais, constituídas com firmeza e delicadeza. Os rostos esquecidos, com a intermediação da fotografia, passam a constituir a memória que antes, difusa, perdia-se na vaga lembrança. O incerto adquire contornos. O artista e aqueles que se encontram na área quase isolada de Mocajuba podem reimaginar o seu lugar no mundo e impor-se na nova geografia que se configura em desacordo com as pressões globais e hegemônicas. Esta Comunidade que vive da cultura da subsistência e mora em casas de barro, pode transformar a fragilidade em força, expandindo-se simbolicamente em um ato de resistência e integração com outras comunidades, de outros países, outros continentes97.

Mokarzel reitera sobre o esforço de transferência do lugar, do percurso

sociocultural da arte e das circunstâncias estéticas política cultural da série Nazaré

de Mocajuba.

96 Possui doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2005) e mestrado em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998). Foi pesquisadora do Sistema Integrado de Museus e diretora do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas da Secretaria de Cultura do Pará. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: circuito de arte, exposição, curadoria, arte, artes plásticas, história da arte e literatura. É professora Titular Pós Stricto Sensu da Universidade da Amazônia. 97 Texto curatorial para apresentação da série Nazaré do Mocajuba para a X Bienal de Havana/Cuba em 2009.

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Figura 25 – O registro feito por Alexandre da instalação em Havana – Cuba tinha como tema “Integração e resistência na era da Globalização”.

No ano de 2010, a Exposição “Amazônia A arte”, em Vitória (ES) e Belo

Horizonte (MG), idealizada por Paulo Herkenhoof, do Rio de Janeiro, e curada por

Orlando Maneschy98, de Belém (PA), foi pensada especificamente para o ano

internacional da Biodiversidade. A mostra reuniu uma produção artística menos

comprometida com apelos de mercado e mais concentrada nas relações com seu

lugar de origem, suas singularidades socioculturais e proposições distintas. Sobre

Alexandre Sequeira, Maneschy (2010, p. 30) comenta que:

Alexandre Sequeira foi constituindo, com a imagem, uma delicada teia de vínculos com os habitantes do vilarejo, tomando para si o papel de retratista local, atendendo as necessidades e solicitações dos habitantes do lugar [ ] Nessa construção de alteridade a presença do artista modifica o olhar da comunidade sobre si mesma, e esse olhar é transformado pelas singularidades dos indivíduos no vigor do encontro, o que levará o artista a reinserir esses objetos imagéticos e refotografá-los, enquanto signos identitários, nos lugares de pertencimento de seus referentes, em movimento contínuo de troca e de diálogo com a comunidade.

98 Nasceu em Belém, em 1968. Iniciou na fotografia, em 90 com Miguel Chikaoka, na FotoAtiva. Fotógrafo e videomaker, realiza projetos visuais, utilizando a imagem em suas diversas possibilidades de articulação. Realizou, em 99, curadoria da mostra fotográfica: Perspectivas - Cinco Olhares da Amazônia no Mês Internacional da Fotografia de São Paulo. Professor e pesquisador, formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará, e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo. É consultor da FotoAtiva e integra o grupo “Caixa de Pandora”.

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O curador reitera a perspectiva de operação de Alexandre dentro da profunda

intimidade com seu campo de abrangência que envolve questões éticas, cultural,

social e afetiva.

Figura 26 - O registro feito por Ruth Guedes da exposição “Amazônia, a Arte”, reuniu 32 artistas que mantêm um vínculo primordial com a região amazônica: muitos deles nasceram, e em sua maioria vivem e trabalham nas cidades da região Norte do Brasil, onde realizam pesquisas e desenvolvem seus trabalhos conectando-se ao mundo por meio da arte.

Ao transitar com a série Nazaré de Mocajuba por diferentes percursos,

Sequeira vai além do circuito em espaços institucionais locais e se insere no tempo

do mundo. Mas, afinal, o que é o tempo no mundo? Essa pergunta intrigante Santo

Agostinho fez no século IV e continua sem resposta, pois é dura a consciência

humana da experiência com a passagem do tempo.

Mas, a fotografia de Alexandre burla a situação geográfica, das matrizes

hegemônicas que impõem os inconstantes parâmetros da arte. Em sua poética,

convive-se com um ambiente singular e plural, com o igual e o diferente. Da

fotografia emana sua sensibilidade e criatividade no processo de arte e vida, que fica

impressa na relação com os moradores de um lugar na Amazônia, na imagem que

ganha o mundo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao me referir nesse estudo sobre as imagens produzidas por Alexandre

Sequeira na pequena vila de pescadores em Nazaré do Mocajuba-PA como uma

relação central do indivíduo com a própria imagem, levei em consideração a

fotografia confrontada com o modelo (os fotografados) e o precário da identidade

humana que adensa questões biológicas, culturais, psicológicas e fundamentalmente

social.

O fio condutor do estudo pretendia verificar como se fundamenta a série

fotográfica de Sequeira e como se estabeleceram as relações desta com o contexto

sociocultural da Amazônia; com o contexto de outros artistas da cena contemporânea

da arte. Nesta ramificação, a promessa se cumpriu, percebi um fazer artístico na

Amazônia que adentra nas situações de fragilidade e efêmeros fluxos diante do

contexto de isolamentos e o quanto as singularidades de viver a região afeta de

maneira singular na experiência estética dos artistas que aqui habitam.

Partindo dessa premissa, constatei que estéticas definem identidades, deixam

marcas e são justamente estas marcas que promovem operações em sistemas

paralelos de arte. Em alguns momentos os aproximam com o resto do mundo,

porém, em outros momentos, os desprendem desse trânsito vinculado no Centro-Sul

do país.

Estas dualidades ocorrem devido às políticas que se instauraram na região no

decorrer do ciclo de sua história99 – Belém do Grão Pará, Ciclo da Borracha, o

Modernismo e as Rupturas Pós-Modernas, que consideravelmente influenciam no

conhecimento e produção simbólica.

Essa produção é mais arrojada, mais desprendida do apelo de mercado e

mais comprometida nas relações com o lugar – Isso pode ser contatado no decorrer

desse estudo, por exemplo, com Armando Queiróz, Paula Sampaio e, naturalmente,

Alexandre Sequeira, que direciona sua poética para uma arte mais social, mais

relacional e combate a desigualdade ao fotografar a pequena vila de pescadores

porque opera na linha da imobilidade social. Alexandre, atua criticamente frente às

diferenças, frente ao pequeno, ao invisível e ao esquecido.

99 Ver Catálogo Amazônia, A Arte (2010, p. 81).

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Outra orientação deste estudo se pautou em pesquisar como se dá essa

inserção nacional e internacional. Verifiquei que essa legitimação também é

mediada pela figura do curador e foi muito importante no processo de Alexandre o

reconhecimento de seu trabalho por Paulo Herkenhoff, Eder Chiodetto, Marisa

Mokarzel, Orlando Maneschy e Armando Sobral.

Entretanto, ao constatar que a curadoria é um discurso simbólico de inserção

e circulação, percebi que devemos ficar atentos aos parâmetros universalistas e

excludentes principalmente para com a região Norte e Nordeste estabelecidas na

relação com o Centro-Sul do país. Estou afirmando isso devido ao processo que

vivencio num projeto como curadora de mapeamento100 e no qual estou percorrendo

a região norte e verificando a situação excludente de todas as formas: de

informação, de inserção e de legitimação, e o quanto o trabalho de Sequeira é

importante para contribuir na diminuição desse impacto de exclusão.

A presença de Paulo Herkenhooff na Amazônia desde 1983 fez a diferença

em Belém e ele mesmo enfatiza que nunca veio para a Amazônia com a intenção de

fazer turismo ou atrás do exótico, e sim buscar diálogos significativos com os

artistas, educadores, pesquisadores, instituições culturais. E neste propósito,

constata-se que ele expande para o eixo Centro-Sul a difusão de profissionais que

se legitimam como novos críticos, curadores, artistas, educadores e historiadores.

Parti da hipótese que a produção fotográfica contemporânea na qual

Alexandre se insere ultrapassa, transgride a gramática do fazer fotográfico.

Verifiquei que o processo do artista confirma na minha pesquisa essa transgressão e

ao analisar a poética de Sequeira desde sua chegada na vila até o nível da imagem

fotográfica (original ou reproduzida) constatei que Alexandre parte processualmente

desta para chegar à sua gênese.

O princípio é a fotografia e a semelhança nela apresentada é um resultado de

uma característica do produto fotográfico, do próprio fazer do artista. A solução não

está no resultado final (nas imagens impressas no tecido), mas na sua gênese. O

realismo da representação dos fotografados não é negado, mas deslocado, formado

pelas interações com a vila entre a realidade visual, o fotógrafo e a técnica. A

fotografia é antes índice.

100 Rumos Itaú Cultural Artes Visuais 2010/2011.

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Minha análise foi pontual na asserção bem condensada no ato que funda a

fotografia, na tomada do registro no espaço e tempo, ou seja, na “realidade do

processo” que gerou a fotografia que se complementa no decorrer do processo e

dele se despreende e passa a ter outra realidade, mais autônoma quando se posta

no tecido, em outra materialidade.

Os processos de análise realizados foram importantes para verificar a

condição do índice da imagem fotográfica e as relações que os signos indiciais

mantêm com o seu objeto referencial. O fator tempo foi um indicativo importante no

processo do Alexandre, pois o propósito de revelar as imagens em técnicas de

impressão diferentes (fotografia, imagem digital, serigrafia) e de usar a imagem

indicial, nos remete a um único referente: o mesmo que a causou, do qual ela resulta

física e quimicamente, adquirindo um poder de designação muito caracterizado.

Tais condições verificadas na pesquisa me revelaram essas singularidades no

decorrer da intersecção de situações (espaço e tempo), que se combinam, se

encontram materializadas fotograficamente (pela ação do Alexandre).

Assim, o ato do registro ou o processo que deu origem a uma representação

fotográfica no tecido do cotidiano dos moradores da vila teve seu desenrolar em um

contexto específico, este determinado pelo atravessamento dos aspectos culturais,

comercial e educacional da produção simbólica e das relações humanas atreladas à

dinâmica multicultural da vida cotidiana.

Constatei que a fotografia de Alexandre traz em si indicações acerca de sua

elaboração material, no caso a tecnologia empregada, e que nos mostra o fragmento

do real selecionado, aspectos culturais do lugar da vila através da pose da fotografia

aliada ao tecido. Este fragmento gravado na fotografia revelou-se na pesquisa como a

representação do gesto e da paisagem de Mocajuba, agora congelados. E com certeza

a pesquisa clarificou que todo processo está atrelado a natureza física da fotografia e

Dubois (1993, p. 59) no Ato fotográfico é esclarecedor quando aponta que

Com a fotografia não nos é mais possível pensar a imagem fora do seu modo constitutivo, fora do que a faz como é, estando entendido por um lado que essa gênese pode ser tanto um ato de produção propriamente dito (a “tomada”) quanto um ato de recepção ou de difusão e, por outro, que essa indistinção do ato e da imagem em nada exclui a necessidade de uma distância fundamental, de um recuo em seu próprio centro.

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O autor é inspirador quando adentra nos estudos da semelhança da

fotografia. No decorrer da pesquisa, poderia ter estendido mais sobre a história da

fotografia, mas percebi que isso me levaria longe demais e que consegui dentro de

uma condição sintética discorrer nas escolhas e decisões humanas, tanto do

fotógrafo quanto dos fotografados. Assim, verifiquei: a escolha dos protagonistas, o

tipo de técnicas e aparelhos utilizados, o ângulo, a visão, enfim, tudo que preparou e

culminou na decisão do disparo na câmera de Alexandre.

Posteriormente, verifiquei que todas as escolhas do fotógrafo repetiram-se na

revelação, exposição na vila, tiragem e como as fotografias entraram nos circuitos

de difusão, atestando, sim, uma codificação cultural.

Parafraseando Dubois (1983) entre essas duas séries de códigos, “antes e

depois”, somente no instante da exposição propriamente dita a foto foi considerada

“puro – ato – fotográfico”.

O que se construí neste texto, foi à perpetuação de um momento vivido em

Mocajuba, em outras palavras, indicativos de memória: memória do indivíduo, da

comunidade de Mocajuba, dos costumes (através do tecido, da pose, dos sons

gravados do lugar), do fato social, da paisagem rural, do rio Mocajuba no compassar

do tempo, da natureza recorrente na Amazônia. Verifiquei, dessa forma, que o

momento vivido não se repetirá jamais, mas foram registrados por Alexandre, porém,

são irreversíveis, como confirmou Kossoy no capítulo 3.

Entretanto, através da história da fotografia, me dei conta, neste estudo, que a

vida segue e os retratados morrem e envelhecem (como já aconteceu com Sr.

Carmelino e Dona Francisca). A paisagem se modifica, Alexandre fez cinqüenta

anos. Mas a fotografia de Mocajuba sobrevive e é vista por outros olhos, outros

lugares, em lugares desconhecidos.

Penso dessa forma, a arte como parte indissociável da experiência humana e

capta aparência do mundo visível, seja pela recordação da vida familiar, documento

ou mesmo como proposição artística, enfim, a fotografia tem sido utilizada como

companheira do homem em suas expedições nas suas trajetórias e realizações. E

para Alexandre, verifiquei que ela é a forma de comunicação com o mundo. Quando

ele chega aos lugares com sua câmera pendurada no ombro, marca um começo de

conversa e de lá se desdobra processos relacionais.

Logicamente, neste percurso de Alexandre, constatei na pesquisa, as

relações de correspondência de sua poética com a de outros artistas, como os aqui

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citados, “Paula Trope, Rosana Palazyan, Mauricio Dias e Walter Riedweg” e o

quanto essa inserção de Alexandre na cena nacional e internacional se alia ao

componente de um paradigma relacional para a arte contemporânea que incide no

processo de arte e política, arte social, como também, na sua busca inquietante de

entender e experimentar sobre variadas formas de viver juntos, de convivências, de

aproximações. Entendi que o encontro com o outro é uma ética do seu trabalho.

Verifico neste estudo atrelado ao paradigma relacional que Alexandre, ao

tratar do “valor de troca” do objeto artístico (tanto do tecido quanto ao resultado da

venda da obra reverter para a comunidade), deixa claro sua postura de artista

propositor em esclarecer a operação econômica implicada na ação artística, em

manter vínculos até nos dias de hoje. E esse contato sobre o qual Alexandre nos

fala, é sobre o simples cotidiano da vila e da certeza que as pessoas cederam suas

imagens para que as mesmas alcançassem uma dimensão maior.

Constato que as imagens alcançaram essa dimensão e confirma elementos

importantes para a transformação da produção simbólica. Certifico que sejam essas

as diferenciações apresentadas pelo artista no registro da sua fala e na dos

fotografados.

Tal atitude confirma que se trata de um movimento em que a arte assume

tarefas à condição do serviço social. Touraine (1997 apud HERKENHOFF, 2007, p.

307), para esse movimento usa a expressão “política do sujeito” com intenção de

designar a democracia contemporânea como: “reconhecimento da diversidade

cultural, rejeição da exclusão, direito de cada indivíduo a uma história de vida onde

se realize, ao menos parcialmente, um projeto pessoal e coletivo”.

Essas questões me motivaram a realizar esta pesquisa partindo

principalmente da experiência cotidiana dos artistas na Amazônia como questão

primordial para entender que lugar é esse em que vivemos. E foi importante no

processo da qualificação verificar a Amazônia como lugar de conflitos, pesquisar

sobre o que Herkenhoff alerta sobre a “violentação da violência na Amazônia” e que

a exclusão é uma forma dura de violência que Alexandre trabalha com muita ética.

Entendi que esse processo da arte propicia um estado de autonomia no qual

Alexandre se viu capaz de exercer com liberdade a escolha de propostas e

negociações e isso não implica e não se restringe em denúncias, mas solicita a

experimentação de uma sociabilidade e uma rede de solidariedade que lhe

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permitiram restaurar as forças de um território no qual ele pôde confirmar suas

crenças e lutar pela melhoria da comunidade.

Uma afirmação bem condensada de tudo isto que foi discutido ao longo desta

dissertação encontra-se nas palavras de Mokarzel (2009, p. 4) quando afirma que

Esta comunidade que vive da cultura da subsistência e mora em casas de barro, pode transformar a fragilidade em força, expandindo-se simbolicamente em um ato de resistência e integração com outras comunidades, de outros países, outros continentes101.

Logicamente, no discorrer do seu pensamento, Mokarzel ressalta a

visibilidade que Mocajuba ganhou e o quanto esse fato é motivo de orgulho para a

vila.

De tudo o que foi dito pelos teóricos, fica para mim a certeza do importante

papel dos artistas contemporâneos ou como diz Bourdieu (1982). novos

intermediários culturais que propõem e tornam mais receptivas as sensibilidades dos

indivíduos para interagir no mundo audiovisual e o quanto esse fato requer uma

revisão constante na própria produção do saber. Verifiquei assim, que Alexandre se

insere nessa proposição.

Neste sentido, volto a frisar que o artista propositor necessita estar atento a

tudo que o rodeia, e que ele é compelido a exercitar o olhar que vai além das

aparências. Para o bom aproveitamento de uma proposição de um projeto no viés

da arte relacional há uma determinação que envolve uma verdade interior, um

desejo e significativamente um respeito pelo tempo do outro.

Em nenhum momento a pesquisa me indicou um imediatismo por parte de

Alexandre em alcançar resultados. Seu processo necessitou de tempo e ao

freqüentar Mocajuba por dez anos pôde então verificar na simplicidade do lugar e

das pessoas que lá estão questões significativas para o encaminhamento de sua

poética. E para ver o tecido como suporte, foi uma condução natural de quem

observa, de quem capta, de quem convive com a intimidade, ou como ele mesmo

diz de quem foi “acolhido pelo lugar”.

Essas atitudes me deram indicativos na pesquisa que a figura do artista

mudou assim como, a arte que acompanha as moventes cartografias contemporâneas

101 Texto curatorial para apresentação da série Nazaré do Mocajuba para a X Bienal de Havana/Cuba em 2009.

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e as misturas de elementos culturais e nesse encaminhamento, as linguagens

tornam a obra propícia às hibridações e mestiçagens (CATTANI, 2007).

E isso é fato no processo de Alexandre, que estabelece a alteridade e a mais-

valia simbólica ao propor o escambo num lugar onde o dinheiro mal circula, ao ser

acolhido e ao acolher os moradores por sua permanente diversidade, ao misturar

técnicas no seu processo. Sequeira não coloca seu projeto numa hierarquia de

autoria da obra, coloca os fotografados na condição de colaboradores, os insere

numa trajetória.

O processo de Alexandre, é uma referência de uma teoria poética para a

sociedade, demanda questões políticas e sociais, envolve tática de negociação e

uma definição de campos como o lugar, o cotidiano da vila e o olhar. Dessa forma,

vale-se de processos comunicacionais. Alexandre trabalha com gestos, olha para os

lados, caminha, entra nas casas, capta os sons do lugar, ouve atentamente as

histórias. Constatei que estes movimentos do artista dispensam qualquer gesto

heróico, mas compelem gestos banais como ser convidado para tomar um cafezinho

e nesse ritual estreitar os laços. Ou durante um abraço, perceber a altura dos

fotografados.

No silêncio da pequena vila de Nazaré do Mocajuba se ouviu o ruído da

câmera fotográfica de Alexandre. Foi o som de um incansável viageiro que deseja

experimentar, exercitar os caminhos relacionais que só a arte convoca. Como

muito bem diz Mario Pedrosa: “A arte é o exercício experimental da liberdade”.

A arte de Alexandre já não é reprodução/representação, e sim experimentação

da imagem como um espelho que atua por sua experiência e está bem demarcada

na arte brasileira, sobretudo na arte relacional em que o outro é parte integrante. As

relações, os modos de nos relacionarmos, mudam freqüentemente e este estudo

não deixa de ser um campo líquido e efêmero a navegar por um dos caminhos

possíveis.

Tal percurso traçado por Alexandre nos remete a pensar que toda fotografia

tem atrás de si uma história. Olhar para as fotografias do artista e sobre a trajetória

por elas percorridas nos leva a direcioná-las pelos três estágios na fotografia que

marcaram sua existência. Kossoy (2001, p. 45) comenta que:

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Em primeiro lugar houve uma intenção para que ela existisse; esta pode ter partido do próprio fotógrafo que se viu motivado a registrar determinado tema do real ou de um terceiro que o incumbiu para a tarefa. Em decorrência desta intenção teve lugar o segundo estágio: o ato do registro que deu origem à materialização da fotografia. Finalmente, o terceiro estágio: os caminhos percorridos por esta fotografia, as vicissitudes por que passou, as mãos que a dedicaram, os olhos que a viram, as emoções que despertou, os porta-retratos que a emolduraram, os álbuns que a guardaram, os porões e sótãos que a enterraram, as mãos que a salvaram. Neste caso seu conteúdo se manteve, nele o tempo parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo envelheceu.

É dentro desse cenário traçado pelo autor que a fotografia de Alexandre

existe e com certeza esta experiência renovada de vida, transformadora de um olhar

ficou no corpo, na mente, na vida de Alexandre e dos moradores de Mocajuba. E eu

me incluo também nessa trajetória.

Fotógrafo andarilho vive as histórias que não param por aqui. Recentemente

saiu estrada afora fotografando o vilarejo Lapinha da Serra em Minas Gerais. Este

projeto resultou na sua dissertação de mestrado intitulado Entre Lapinha da Serra e

o Mata Capim: fotografia e relações de trocas simbólicas. Trata-se de uma

documentação que não fosse a delimitação do campo e a definição do objeto desta

minha pesquisa, mereceria capítulo a parte.

Escrever e mergulhar nas imagens de Alexandre Sequeira foi um desafio que

me colocou num jogo em que tive que lidar com uma fronteira inconstante: não sabia

ao certo para quem estava olhando, se para eles (os fotografados), se para nós, ou

ambos. E por vezes tive a boa surpresa de tocar em mim mesma ao apontar para o

outro. Mas se a fronteira que nos separa é incerta, uma interseção está bem

demarcada: a fotografia. Ela funciona aqui como um código comum capaz de

garantir o diálogo.

Observamos hoje um grande número de artistas que se voltam aos arquivos.

Se não têm a mesma pretensão do historiador de encontrar uma verdade de fato,

compartilham o mesmo anseio para fornecer conteúdo aos fragmentos de memória.

Ambos pretenderam oferecer a um personagem, que sabemos existir, a sua história

possível, algo que dê sentido ao passado. As imagens de Alexandre como arte,

existem para sobreviver na memória. Assim seja!

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