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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO Programa De Pós-Graduação Strictu Sensu em Educação Claudia Abboud Aranega REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PRÁTICAS DOCENTES NO IFSP: a educação de pessoas com deficiência São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

Programa De Pós-Graduação Strictu Sensu em Educação

Claudia Abboud Aranega

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PRÁTICAS DOCENTES NO IFSP: a educação de pessoas com deficiência

São Paulo

2016

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

Claudia Abboud Aranega

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PRÁTICAS DOCENTES NO IFSP: a educação de pessoas com deficiência

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo como requisito exigido para a obtenção do título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), sob a orientação da Professora Doutora Adelina de Oliveira Novaes.

SÃO PAULO

2016

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Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

A662r

Aranega, Claudia Abboud. Representações sociais e práticas docentes no IFSP: a educação de pessoas com deficiência / Claudia Abboud Aranega -- São Paulo, 2016. 177 p.; Anexo Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientadora Profa. Dra. Adelina de Oliveira Novaes. 1. Educação inclusiva. 2. Prática docente. 3. Representações sociais. I. Novaes, Adelina de Oliveira, orient. II. Título. CDD 371

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Claudia Abboud Aranega

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PRÁTICAS DOCENTES NO IFSP: a educação de pessoas com deficiência

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo como requisito exigido para a obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Professora Doutora Adelina de Oliveira Novaes. Área de concentração: Sujeitos, Formação e Aprendizagem.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Adelina de Oliveira Novaes - Universidade Cidade

de São Paulo

____________________________________________________ Prof. Dr. Frank Viana Carvalho - Instituto Federal de São Paulo

___________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Gimenez - Universidade Cidade de São Paulo

São Paulo, ____, de dezembro de 2016.

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Dedico este trabalho a minha querida e amada mãe, Geny Saba (in memorian).

Saudade e amor eternos!

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AGRADECIMENTOS

Refletindo sobre toda a trajetória percorrida até o início dessa pesquisa, alguns

percalços ocorridos, momentos de angústia e desespero, penso que foi uma das

melhores coisas que já fiz. Não só por acreditar e querer fazer o melhor em minha

profissão como professora, mas além disso, amar as pessoas com deficiência,

trabalhar em prol desses estudantes, pois esse sempre foi o meu sonho, mas

principalmente por dedicar-me ao próximo.

Assim sendo, revendo os rumos que essa pesquisa levou, chego à conclusão

que ele é fruto de diversas colaborações. A essas pessoas que considero tão

especiais, a minha família, aos professores e aos meus amigos, o meu muito obrigada!

Primeiramente, gostaria de agradecer ao nosso Pai Maior e meu Mentor, que

atenderam aos meus pedidos de ajuda, me inspiraram, iluminaram minha mente para

que tivesse luz e paz interior.

A meu pai, Abdallah Abboud (in memorian), que embora tenha tido tão pouco

contato, guardo lembranças de puro amor e carinho. Amor infinito!

A minha mãe, Geny Saba (in memorian), a quem dedico esse trabalho, foi a

MULHER que me ensinou o que é ter dignidade, honra e caráter. Que demonstrou

durante toda a sua vida ser perseverante e ter coragem! Que sempre foi um exemplo

e motivo de orgulho para mim! A esta pessoa que, a meu ver, possui todos os títulos

beneméritos. Gratidão e amor!

Agradeço aos meus amores Adriano, que muito me incentivou, e minhas filhas

Ana Luiza, Ana Beatriz e Ana Flavia, que durante todo esse percurso compreenderam

minha ausência.

A minha querida orientadora, Profª. Drª. Adelina de Oliveira Novaes, por toda a

paciência e dedicação no direcionamento dessa pesquisa. Expresso, com poucas,

mas sinceras palavras, a mais profunda admiração, respeito e gratidão por todo

conhecimento compartilhado. Não poderia ter tido orientadora melhor!

Ao Prof. Dr. Frank Viana Carvalho, por sua disponibilidade, seu vasto

conhecimento, pela contribuição que prestou para este trabalho e por me dar a honra

de compor a banca de qualificação e defesa dessa pesquisa.

Ao Prof. Dr. Roberto Gimenez, pelas excelentes e enriquecedoras aulas, pelas

considerações e profundo conhecimento na área da inclusão, que engrandeceram

essa pesquisa.

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À minha querida amiga de alma, Eliana Roda Ferreira, a quem nutro a mais

profunda admiração e que soube ouvir e entender, como sempre, minhas lamentações

e dificuldades. Agradeço pela ajuda e colaboração com essa pesquisa.

A todos os meus colegas de mestrado, em especial aquelas que se tornaram

grandes amigas, Luana V. Lacalêndola e Cristiane Braga Ferreira, companheiras de

todas as horas e que foram um incentivo a cada momento dessa trajetória.

A grande descoberta desse curso, Cristiane Braga Ferreira, a quem agradeço

do fundo do meu coração, professora particular de informática, que com toda

paciência, dedicação e amizade me auxiliou em todas as dúvidas e dificuldades

relacionadas a esse quesito, sem hesitar um só instante. Jamais esquecerei toda

ajuda a mim dispensada. A ela, minha eterna e sincera amizade!

Aos professores entrevistados, meus amigos queridos do IFSP que

prontamente se disponibilizaram a participar dessa pesquisa.

Às integrantes do NAPNE que colaboraram prontamente com esse trabalho.

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“Para a vida ter propósito é preciso acima de tudo, que nós sejamos capazes de fazer o nosso melhor. Fazer o teu melhor, na condição que tem, enquanto não tem condições melhores para fazer melhor ainda. ” (Mario Sergio Cortella)

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RESUMO

Com o objetivo de investigar as simbolizações de professores do curso Técnico

Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de

São Paulo acerca da educação de pessoas com deficiência, o estudo se fundamentou

na teoria das representações sociais, sobretudo nos trabalhos que relacionam a

referida teoria ao campo educacional. Foram realizados dois grupos focais, sendo um

dos grupos composto por professores com até dez anos de docência (com seis

participantes) e o outro composto com professores com mais de dez anos de docência

(com oito participantes). O critério de composição dos grupos se ampara na literatura

que considera as relações de alteridade-identidade entre docentes e estudantes. Após

o processamento do programa computacional Alceste, as informações foram

sistematizadas respeitando-se os procedimentos da análise de conteúdo. As

categorias temáticas identificadas evidenciaram que não é possível afirmar que haja

uma única representação associada aos estudantes com deficiência, dada à

multiplicidade de simbolizações associadas às mais diversas deficiências. Por outro

lado, as informações, as atitudes e as imagens identificadas permitiram afirmar que é

imperativa a formação de professores para as singularidades dos estudantes,

tomando-se em consideração as possíveis dinâmicas de sala de aula.

Palavras-chave: pessoas com deficiência, educação inclusiva, representações sociais, prática docente.

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ABSTRACT

The purpose is to investigate teachers’ symbolizations from the Integrated Technical

course for Middle Schools at the Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

de São Paulo, with respect to learning-disabled students The study is based on the

theory of social representations, but mainly on the works dealing with such theory as

applied to education. Two focal groups were formed. One of the groups consisted of

instructors with no more than ten years of experience (six participants), and the other

consisted of teachers with more than ten years’ experience (eight participants). The

standard used to form the groups was based on literature that discusses otherness-

identity relations between teachers and students. By utilizing Alceste computational

program, all the data was processed and organized according to content analysis

standards. The category of themes identified shows that it is not possible to isolate one

single representation connected to learning-disabled students, due to the multitude of

symbolizations connected to other learning disabilities. On the other hand, the

information, behavior and images identified confirm that it is essential to train teachers

to meet the challenges they face in this field, taking into account possible dynamics in

the classroom.

Key words: people with learning disability, inclusion, social representations, teaching

practice.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Estudante com Síndrome de Down ................................................ 16

Imagem 2 - Estudante com Encefalopatia crônica e características................ 22

Imagem 3 - Estudante com Paralisia Cerebral .................................................. 43

Imagem 4 - Estudante com Sídrome de Asperger ............................................ 56

Imagem 5 - Relatório Síntese p.01 ..................................................................... 71

Imagem 6 - Relatório Síntese p.02 ..................................................................... 71

Imagem 7 - Relatório Síntese p.03 ..................................................................... 72

Imagem 8 - Relatório Síntese p.04 ..................................................................... 72

Imagem 9 - Relatório Síntese p.05 ..................................................................... 73

Imagem 10 - Relatório Síntese p.06................................................................... 73

Imagem 11 - Relatório Síntese p.07................................................................... 74

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Grupo 1 – Professores com até de 10 anos de docência. .............. 68

Quadro 2: Grupo 2 - Professores com mais de 10 anos de docência. ............ 68

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Quem é o estudante com deficiência para os professores? ........... 76

Tabela 2 - O que os professores entendem por inclusão? ............................... 76

Tabela 3 - Experiência com PCD? ..................................................................... 77

Tabela 4 - Suporte do IFSP (NAPNE) ao professor .......................................... 77

Tabela 5 - Formação docente para educação inclusiva ................................... 77

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AACD Associação de Assistência à Criança Defeituosa

CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo

CAPS Centro de Atendimento Psicossocial

CID Classificação Internacional de Doenças

CTU Coordenadoria de Turnos

DEF Deficiente

DSM Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

EJA Educação de Jovens e Adultos

IFSP Instituto Federal de São Paulo

INSS Instituto Nacional da Seguridade Social

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

NAPNE Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Especial

NEE Necessidades Educacionais Especiais

ONGs Organizações não governamentais

PCD Pessoa com Deficiência

PDI Projeto de Desenvolvimento Institucional

RS Representações Sociais

SEESP Secretaria Estadual da Educação de São Paulo

TEA Transtorno do Espectro Autista

TRS Teoria das Representações Sociais

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17

CAPITULO I .................................................................................................................... 22

1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E PCD: CONQUISTAS E DESAFIOS ........................... 23

1.1 RELIGANDO OS SUJEITOS E O OBJETO DA PESQUISA ................................................... 23

1.2 O PAPEL DOS PROFESSORES ..................................................................................... 30

1.3 O ALUNO COMO SUJEITO ATIVO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM ............................ 32

1.4 A PEDAGOGIA DIALÓGICA ENTRE EDUCADOR E EDUCANDO........................................ 34

1.5 FORMAÇÃO DOCENTE ............................................................................................... 40

CAPITULO II ................................................................................................................... 43

2 COMO OS DOCENTES CONSTROEM UM SABER SOBRE A APRENDIZAGEM

DA PCD: O APORTE DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................. 44

2.1 O QUE SÃO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS?..................................................................... 44

2.2 A FUNÇÃO DE ORIENTAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A PRÁTICA DOCENTE .... 49

CAPÍTULO III .................................................................................................................. 56

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA E RESULTADOS OBTIDOS ............................ 57

3.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA ....................................................................................... 57

3.2 O GRUPO FOCAL COMO ESTRATÉGIA DE RECOLHA DE INFORMAÇÕES ........................... 59

3.3 O CONTEXTO DA PESQUISA ......................................................................................... 61

3.4 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS ...................................................................... 66

3.5 SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES RECOLHIDAS .................................... 69

3.6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS........................................................ 75

3.6.1 CATEGORIA 1: TEVE UM SURTO NA MINHA SALA: EU ERA A PREMIADA! ........................... 78

3.6.2 CATEGORIA 2: NÃO ESTOU EXCLUINDO O PROFESSOR DISSO, MAS O TODO O SISTEMA É

FALHO ............................................................................................................................... 79

3.6.3 CATEGORIA 3: ESPECIAL E INCLUSIVA, TUDO É EDUCAÇÃO. ........................................... 79

3.6.4 CATEGORIA 4: PESSOA COM DEFICIÊNCIA É AQUELA QUE APRESENTA ALGUMA

DIFICULDADE FÍSICA OU MENTAL .......................................................................................... 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 81

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 86

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APÊNDICE A - Roteiro de Grupo Focal ........................................................................ 92

APÊNDICE B - Questionário De Perfil Socioeconômico dos Docentes ...................... 93

APÊNDICE C- Entrevista com cs Profissionais co Napne .......................................... 95

APÊNDICE D - Transcrição dos Grupos Focais.........................................................105

APÊNDICE E - Relatório Produzido pelo Processamento do Programa

Computacional Alceste.................................................................................................157

ANEXO A - 1ª RESPOSTA À CONSULTA FEITA À SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO

DE SÃO PAULO ...............................................................................................................158

ANEXO B - 2ª RESPOSTA À CONSULTA FEITA À SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE

SÃO PAULO ....................................................................................................................159

ANEXO C - 3ª RESPOSTA À CONSULTA FEITA À SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO

DE SÃO PAULO ...............................................................................................................160

ANEXO D - 4ª RESPOSTA À CONSULTA FEITA À SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO

DE SÃO PAULO ...............................................................................................................162

ANEXO E - REGULAMENTO DO NAPNE ........................................................................163

ANEXO F - NOTA TÉCNICA Nº 24/ 2013 / MEC / SECADI/ DPEE ................................172

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Fonte: arquivo pessoal (autorizado pelo responsável)

Imagem 1 – Estudante com Síndrome de Down

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INTRODUÇÃO

O presente estudo foi motivado pela reflexão sobre o que seria mais adequado

e o que traria maior benefício aos alunos do Técnico Integrado ao Ensino Médio do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, no que tange à

inclusão das pessoas com deficiência (PCD). Para o desenvolvimento deste

empreendimento, considerou-se que o esforço de proporcionar ao aluno com

deficiência instrumentos de ensino-aprendizagem apropriados está associado às

simbolizações que os docentes comungam acerca desse estudante, ao compreendê-

los, professores e alunos, como sujeitos sociais (MOSCOVICI, 2012).

Segundo Mendonça (2015), o professor encontra-se, muitas vezes, em

condição de insegurança e incerteza ao se deparar com os estudantes em questão e

pode não se considerar apto a lidar com esses indivíduos, o que o deixa em posição

desfavorável. Ao considerar que a ação docente é de alta importância para as práticas

inclusivas, sobretudo, pelo fato de este poder estabelecer uma relação mais estreita

com o discente em sala de aula, o presente estudo elege a função de ação das

representações sociais como recurso teórico com vistas a contribuir para o

desenvolvimento de ações inclusivas no que tange à acessibilidade e o trânsito de

PCDs no universo escolar, uma vez que, sem o trabalho do docente e seu

comprometimento com suas práticas, a inclusão não se efetiva ou, pelo menos,

encontra dificuldades no que diz respeito ao acesso ao conhecimento nesse contexto

de aprendizagem.

O presente trabalho teve, portanto, o objetivo de investigar as representações

sociais de professores acerca da inclusão de estudantes com deficiência, ao buscar

compreender suas simbolizações, considerando que essas os orientam em suas

práticas. Entende-se que o estudo das representações evidencia as simbolizações de

um grupo sobre o que deva ser feito a respeito de determinado fenômeno. Significa

dizer que as crenças sobre o saber-fazer tornam-se relevantes para a análise das

informações obtidas pela pesquisa.

Norteados por essas simbolizações, os docentes podem contribuir ou não para

que o aluno com deficiência seja inserido nas atividades propostas para

aprendizagem. Logo, o investimento no entendimento das representações justifica-se,

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na medida em que pode levar a uma reflexão sobre formas de intervenção e para que

ações inclusivas sejam repensadas e fortalecidas na escola, sobretudo, em sala de

aula.

Por esse motivo o relato do estudo inicia com uma reflexão subjetiva das

origens do problema de pesquisa, antes de propriamente abraçar o rigor científico. Em

seguida, no primeiro capítulo, buscou-se desenvolver um breve debate acerca dos

desafios e das conquistas da educação inclusiva, com foco nas PCD. O segundo

capítulo é dedicado à caracterização do instrumental teórico ofertado pela teoria das

representações sociais para a pesquisa acerca das simbolizações docentes. As

estratégias metodológicas para examinar as representações sociais dos professores

são descritas no capítulo 3, acompanhadas dos resultados encontrados. Por fim,

encontram sintetizadas as principais considerações decorrentes da investigação.

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Uma reflexão acerca das origens do problema de pesquisa1

Após alguns anos de afastamento da área acadêmica devido a questões pessoais

e familiares, finalmente decidi voltar a estudar e fazer uma pós-graduação stricto sensu. Ao

pensar qual seria o tema de minha pesquisa na dissertação de mestrado, gostaria que fosse

algo importante para mim, e que, ao mesmo tempo, pudesse me despertar um interesse

contínuo no decorrer do trabalho e de minha vida profissional, na medida em que atuo como

professora de língua estrangeira - inglês.

Sempre me chamaram a atenção, as pessoas com deficiência; não me importava se

fosse uma deficiência física ou intelectual, contanto que apresentasse uma deficiência, e que

consequentemente eu pudesse auxiliar, ajudar de alguma forma. Tinha absoluta clareza de

que isso seria importante para mim, devido ao fato que, desde a adolescência, nos anos 80,

eu trabalhava com crianças e adultos com deficiências física e mental em instituições como

Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) e Associação Cruz Verde.

Na primeira instituição, permaneci por três anos e, na segunda, por cinco anos; em

ambas como voluntária. Eu atuava como uma “suposta” professora, contadora de histórias,

brincava com jogos, enfim, eu exercia atividades que pudessem despertar algum interesse,

que fossem educativos, nestas pessoas.

Durante esse percurso, pude perceber que muitos deles, as pessoas com deficiência

que encontrava na AACD, tinham esperança de um dia aprender algo; no entanto, ao

mesmo tempo que transpareciam esperança em aprender algo novo, algo que realmente os

1 Excepcionalmente, esta seção foi escrita na primeira pessoa do singular, uma vez que consiste

na narrativa das origens do problema de pesquisa. Tal pessoalidade é representada pela letra cursiva, com o intuito de destacar as motivações pessoais da pesquisadora.

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envolvesse, que os motivasse, percebia também que se sentiam oprimidos pela condição física

que apresentavam.

Por outro lado, na Associação Cruz Verde, onde a maioria eram pessoas com

deficiência intelectual, portadores de síndromes variadas, eles apresentavam condições muito

mais precárias e reduzidas, em termos de aprendizagem. A possibilidade de aprender algo

novo, que pudesse despertar seu interesse ou curiosidade, era momentânea, pois, ao

aprenderem determinada coisa, alguns minutos depois, já se esqueciam de como deveriam

fazer, articular, enfim, de algo que fosse relacionado ao aprendizado.

Anos mais tarde, quando já estava formada na faculdade de letras, tradutor e

intérprete, optei por ser professora. A temática da educação fazia-se sempre presente em

minha vida. No entanto, com o passar dos anos, a questão da inclusão intrigava-me. Não

era apenas a inclusão, melhor dizendo, a inserção de pessoas com deficiência em salas de

aula regulares. Como fazer para que os estudantes com deficiência, ou aqueles que tinham

alguma dificuldade de aprendizagem, apreendessem aquilo que era ensinado pelo professor?

Como estas pessoas eram notadas dentro da sala de aula regular?

Pensava isso porque, muitas vezes, e assim o é até hoje, se algum aluno possui

alguma síndrome, transtorno ou alguma deficiência que necessita da percepção do professor,

isso pode passar despercebido pelo docente. Afirmo isso, pois atuo como professora no

Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) há vinte e três anos,

além dos seis anos em que trabalhei em instituições particulares. Isso trouxe -me vasta

experiência como docente, deixando-me com certa tranquilidade ao abordar o assunto. Com

esse histórico profissional de quase 30 anos na educação, atuando como professora,

coordenadora pedagógica da área de inglês durante muitos anos, diretora de educação básica,

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revelou-se uma preocupação com os estudantes, e muito particularmente com estudantes com

deficiência. Entretanto, já presenciei diversas vezes colegas meus que não possuem o preparo

na área da inclusão, tampouco tiveram capacitação nessa área para saber o que fazer e

como fazer, não conseguirem identificar determinado aluno com deficiência em sala de aula.

Indo mais além e refletindo a esse respeito, sempre tive curiosidade em saber como

será o pensamento dos professores referente a tal assunto; como é na verdade a inclusão

para estes professores e como eles trabalham essa questão em sala de aula? Qual a

representação social destes professores ao se deparar com um aluno deficiente físico, e

principalmente o deficiente intelectual ou portador de algum distúrbio? Estas perguntas

sempre me intrigaram e estes aspectos foram determinantes para escrever a dissertação.

Além disso, outro motivo muito singular e crucial que me impulsionou a realizar tal

pesquisa foi a questão de ter muito próximo a mim, um caso de inclusão. Após muitos

anos, descobri que diante de mim havia minha principal fonte de pesquisa: minha filha, a

qual desencadeou um amadurecimento e impulsionou-me a realizar um estudo neste sentido.

No entanto, constato que esses anos de experiência como professora, os anos

trabalhados como voluntária nas instituições para pessoas com deficiência física e intelectual,

além da questão pessoal, trouxeram-me subsídios e interesse na pesquisa, que serviram de

embasamento para esse trabalho.

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Fonte: arquivo pessoal (autorizado pelo responsável)

CAPITULO I

Imagem 2 - Estudante com Encefalopatia crônica e autismo

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1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E PCD: CONQUISTAS E DESAFIOS

Embora já tenhamos caminhado bastante na direção de uma escola para todos, há muitas barreiras a serem transpostas. Cada vez mais

percebemos que temos de aprender de novo a pensar sobre inclusão e rever nossas práticas educativas, ainda que para isso seja necessário

abandonar a segurança de nossos saberes, dos métodos e das linguagens que já possuímos, mas que também nos possuem!

(MANTOAN, 2013)

Este capítulo está dividido em quatro seções. Na primeira seção, buscou-se

debater brevemente a relação dos sujeitos, professor e alunos, com o objeto da

pesquisa, ao considerar o aumento do número de estudantes com deficiência em

classes regulares das escolas públicas. Nela, tangenciou-se ainda aspectos

constantes das Declarações e Conferências associadas à temática, bem como à

legislação brasileira frente ao posicionamento à PCD.

Na segunda seção, buscou-se caracterizar a atual circunstância em que se

encontra o estudante com deficiência, tendo em vista o disposto pela Secretaria

Estadual de Educação, pelo IFSP. Nesse tocante, buscou-se debater quem são

consideradas PCD para esta instituição educacional. Vale desde já destacar que as

normativas investigadas evidenciaram que o professor não tem respaldo institucional,

ficando este impossibilitado de agir e exercer seu verdadeiro papel de educador diante

do aluno com deficiência. Além disso, apontou-se as circunstâncias em que se depara

o docente face às exigências da LDB e às condições reais desse mesmo professor ao

lidar com o estudante com deficiência.

Na terceira seção, abordou-se a questão do estudante com deficiência no que

se refere aos enfrentamentos do educador. A aprendizagem, a adaptação, bem como

a exclusão são temas bastante controversos e que requerem uma atenção não só da

instituição de ensino como um todo, mas também das autoridades. Na quarta seção,

ressaltou-se a dificuldade do professor quanto à necessidade de informação, bem

como a sua formação para lidar com os alunos com deficiência.

1.1 Religando os sujeitos e o objeto da pesquisa

O último censo escolar, realizado em 2014, registrou um aumento de 93% de

estudantes com deficiência nas escolas públicas e em classes comuns. Em 2014,

698.768 estudantes com deficiência estavam efetivamente matriculados nas escolas

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públicas. Essa elevação da porcentagem deve-se à recente consideração de alunos

do espectro autista para o cálculo dos estudantes com deficiência. Para complementar

essa informação, o Ministério da Educação (MEC), registrou também um aumento

significativo (de 198%) na contratação de professores com formação em educação

especial, na rede pública.

Os estudantes com deficiência são pessoas, cidadãos brasileiros com os

mesmos direitos e deveres de qualquer outro cidadão, tendo sua participação na

sociedade conforme sua condição lhes permite. No entanto, a questão das PCD na

sociedade é um ponto que já vem sendo discutido há algum tempo, mas recebeu

maior visibilidade a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),

quando começaram a ser publicadas diretrizes e normativas sobre inclusão.

Especificamente a inclusão em âmbito escolar, de 1948 até os dias de hoje,

tornou-se um desafio no mundo da educação. No entanto, desafios e percalços são

encontrados comumente, sobretudo quando profissionais da educação se deparam

diante de situações que podem lhes causar insegurança e até mesmo perplexidade,

no que diz respeito tanto à teoria, quanto à prática, conforme explicita MANTOAN

(2003):

A maioria dos professores tem uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a aplicar em suas salas de aula é inicialmente rejeitado. Também reconhecemos que inovações educacionais como a inclusão abalam a identidade e o lugar conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram para adquiri-los. (MANTOAN, 2003, p. 76).

Nesse sentido, caminhar com o aluno, de modo a partilhar a construção do

conhecimento produzido em sala de aula, como constata Freire (1978), interagindo

com os estudantes, participando efetivamente da construção e da elaboração de

valores baseados em conceitos sólidos, explorando cada ponto a ser apreendido, faz

parte de uma trabalhosa empreitada. Por outro lado, os resultados podem ser

imensamente satisfatórios. À luz de Mantoan (2003, p 77), o educador que constrói

conjuntamente esses saberes com seu aluno, tem a percepção de suas dificuldades,

construindo, a partir daí elementos que favoreçam e facilitem o aprendizado. Cada

aluno tem suas peculiaridades, particularidades que serão respeitadas, garantindo

sempre a diversidade e a diferença de cada estudante.

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25

Nesse tocante, Gómez e Terán (s/d, p. 93) elencam as implicações de

transtornos específicos de aprendizagem:

De acordo com a definição atual de transtornos específicos de aprendizagem (TEA), estes implicam um rendimento na área acadêmica abaixo do esperado para a idade, o nível intelectual e o nível educativo, cujas manifestações se estendem para as outras áreas da vida somente naqueles aspectos que requerem a leitura, a escrita ou o cálculo; o que deixa fora deste diagnóstico o atraso mental, os transtornos de linguagem e os déficits sensoriais primários (déficits visuais e auditivos) que afetam de forma global a vida cotidiana. (GÓMEZ E TERÁN,s/d, p. 93).

No que tange às dificuldades de aprendizagem, elas podem interferir

amplamente na vida do estudante. É possível que o sujeito se reprima pelo simples

fato de não conseguir atingir ou cumprir algum dever, alguma tarefa, ou até por não

conseguir cumprir aquilo que é esperado por ele ou pelos outros. Começaria a partir

daí um sentimento de fracasso, podendo ocasionar, em consequência disso, o

“fracasso escolar” que, para Gómez e Terán (s/d), é resultante de um fracasso social,

visto por um contexto atual é aquilo que é advindo do baixo rendimento escolar, que

tem como resultado a percepção de fracasso em sua vida. Ainda para Gómez e Terán

(s/d), sucesso e triunfo na escola consolida uma perspectiva de atingir em

determinado ponto de sua vida, uma boa situação, resultando em uma possibilidade

de ascensão financeira. O baixo desempenho escolar leva a presumir uma renúncia

a todo esse desenvolvimento.

Mesmo que a educação inclusiva tenha obtido avanços significativos nos

últimos anos, vale sublinhar que ainda necessita de um olhar mais acurado, na medida

em que a inclusão continua enfrentando percalços para que sejam realizadas ações

nesse sentido no âmbito escolar. Existem normatizações que se voltam para o

assunto, sendo a mais conhecida aquela preconizada pela Declaração de Salamanca

(UNESCO, 1994), que trata dos princípios, das políticas e das práticas na educação

de pessoas com deficiência, trazendo regras para a oferta igualitária de oportunidades

na Educação, partindo do princípio de que todas as crianças têm direito à escola.

Os aspectos mencionados por Mantoan (2003) têm muita ligação com a

Declaração de Salamanca (1994) e com a Conferência Mundial sobre Educação para

Todos, em Jomtien, na Tailândia (1990), que reafirmaram o compromisso de

educação para todos aqueles que almejam uma educação de qualidade, e que esta

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seja extensiva a uma sociedade inclusiva, sem discriminação, onde não haja

segregação, principalmente em um sistema educacional.

Ao debater a questão de educação para todos os estudantes com deficiência,

pretende-se ir mais além, sobretudo quando se trata da Declaração de Salamanca

(1994), pois refere-se a algo mais abrangente. Em outros termos, não apenas as PCD,

mas também todos os estudantes, independentemente de sua dificuldade, deverão

receber apoio pedagógico, e ser incluídos na escola. Para tanto, podemos dizer que

a Declaração de Salamanca é uma “equalização de oportunidades”, uma vez que

prega que todos têm os mesmos direitos, e que a inclusão, e consequentemente a

participação das PCD, é inerente à uma sociedade humanística por excelência.

As bases de uma escola inclusiva residem na aprendizagem em conjunto, onde

todos os estudantes comungam do mesmo espaço, do mesmo ambiente, ainda que

apresentem qualquer dificuldade. Suas diferenças são características a serem

consideradas em estratégias de ensino, possibilitando uma reestruturação no

currículo, bem como qualquer modificação que se faça necessária para a melhoria e

enriquecimento na educação.

Contudo, a educação inclusiva faz com que os professores “saiam da sua zona

de conforto” e os obrigam a criar e elaborar novas estratégias de ensino, que sejam

aplicáveis a todos os alunos (VILLA e THOUSAND, 1995, p. 31). A educação inclusiva,

ao abordar os aspectos de interação social e educacional, tenciona para que o

estudante com deficiência receba educação em companhia dos demais alunos,

proporcionando com isso uma educação igualitária, sem discriminação. Além disso, é

primordial que o estudante com deficiência seja integralizado à comunidade estudantil,

a fim de que possa participar das atividades tanto educativas, quanto sociais. Esses

são desafios a serem encarados pela comunidade, mas que favorecem, e muito, sua

integração e sociabilização, tornando-os participantes ativos nessa jornada (BOOTH,

T., AINSCOW, M., 1998).

Todavia as instituições devem estar aptas a receber todas as pessoas, de

forma a não segrega-las por sua dificuldade de aprendizagem, deficiência e etnia, pois

a integração favorece a aprendizagem (UNESCO, Declaração de Salamanca, 1994).

No contexto brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB -

9394/96, estabelece, entre outras considerações, a “igualdade de condições para o

acesso e permanência na escola”. Além disso, nos artigos 58 e 59, é reforçada a ideia

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de que os estudantes com deficiência devem ser inseridos em classes regulares, o

que implicaria em um ensino regular para todos, conforme transcrito a seguir:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. §1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. §3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – Terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III– Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – Educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – Acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Por sua vez, a Lei 13.146/15 corrobora os direitos concedidos às PCD, mas

que nem sempre são seguidos:

Art. 2o. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Segundo o inciso VIII, parágrafos 1º e 2º do artigo 1º do Decreto nº 7611/11, e

o artigo 2º desse mesmo decreto, a PCD deve receber apoio especializado, com vistas

a preservar a o direito à educação a estes indivíduos. No que tange o apoio:

Art. 1º O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes: [...]

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VIII – Apoio técnico e financeiro pelo poder público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial. § 1º Para fins deste decreto, considera-se público-alvo da educação especial as pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação. § 2º No caso dos estudantes surdos e com deficiência auditiva serão observadas as diretrizes e princípios dispostos no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Art. 2º A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Esse mesmo decreto trata do atendimento prioritário em seu artigo 5º, por meio

do qual determina que os órgãos administrativos, as concessionárias de serviços

públicos, bem como as instituições financeiras, devem prestar atendimento

diferenciado aos portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida e, em seu

parágrafo primeiro, enumera quem seriam os beneficiários deste atendimento:

§ 1 Considera-se, para os efeitos deste Decreto: I - Pessoa portadora de deficiência, a que possui limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade e se enquadra nas seguintes categorias: a) deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; b) deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz; c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção o óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; d) deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 1. comunicação; 2. cuidado pessoal; 3. habilidades sociais; 4. utilização dos recursos da comunidade; 5. saúde e segurança; 6. habilidades acadêmicas; 7. lazer; 8 trabalho; e) deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências; e II - Pessoa com mobilidade reduzida, aquela que, não se enquadrando no conceito de pessoa portadora de deficiência, tenha, por qualquer motivo, dificuldade de

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movimentar-se, permanente ou temporariamente, gerando redução efetiva da mobilidade, flexibilidade, coordenação motora e percepção.

Um destaque positivo é o apoio técnico e financeiro como um dever do poder

público mencionado no inciso VIII, parágrafos 1º, do Decreto nº 7611/11, que prevê o

‘apoio técnico e financeiro pelo poder público às instituições privadas sem fins

lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial’, tais como

as ONGs, associações e centros educativos que lidam de maneira exclusiva e com

alta qualidade no atendimento aos educandos com necessidades especiais.

Entretanto, embora desde 1996 esteja garantido por lei o atendimento aos

educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades ou superdotação na rede pública regular de ensino, o parágrafo único do

artigo 60 da LDB isenta o poder público de responsabilidades de investimentos para

tal2. A afirmação de que “independentemente do apoio às instituições”, o poder público

adotará “como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento” é um grande

paradoxo em se tratando do atendimento especializado que muitos educandos que se

enquadram nesse artigo merecem e precisam. Se o governo continuamente vai

“ampliando o atendimento”, mas ao mesmo tempo não dá “apoio às instituições”, é

um tanto evidente que a qualidade do atendimento oferecido não será adequada às

necessidades reais dos educandos. O atendimento especializado requer capacitação,

preparo, cursos de formação continuada, salas especiais, equipamentos e recursos

que demandam investimentos numa escala às vezes muito maior de custos por aluno

maiores do que os educandos que não necessitam de tais recursos. O artigo é claro

em dizer que se o governo não der esse apoio, ele ainda assim continuará ampliando

o atendimento.

No contexto em que a lei foi promulgada há vinte anos, essa ressalva legal era

uma forma de proteger o poder público de ações que pudessem levar o governo a

investir muito em favor de um grupo menor em detrimento da maioria. Porém,

passados vinte anos, entre tantas modificações feitas na LDB, esse parágrafo único

2 Sobre o assunto, é possível encontrar na Lei 9394/96, Art. 4º, inciso IV, item III, uma a nova redação

dada pela Lei nº 12.796, de 2013: “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”; e o artigo 60, em seu parágrafo único: “Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo”.

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do artigo 60 já deveria ter sido modificado de tal forma que as instâncias públicas

pudessem oferecer formação continuada e recursos para um atendimento

especializado aos educandos mencionados nos artigos 58 a 60 da LDB 9394/96.

1.2 O papel dos professores

As citações acima, em companhia de outras normativas, foram apontadas pela

Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (SEESP) como referências. A

consulta à Secretaria foi realizada por meio eletrônico no primeiro semestre de 2016,

no sentido de caracterizar os estudantes com deficiência. Foi requerida uma definição

a esse respeito em nível federal, estadual e municipal. No entanto, a resposta foi muito

vaga, como pode ser observado nos Anexos A, B, C e D. No e-mail recebido foram

elencados diversos decretos, leis, resoluções, mas nada que se constituísse em uma

resposta plausível e definitiva para o questionamento.

Apesar das normativas existentes, mostra-se premente uma atitude mais direta,

tanto por parte dos diferentes níveis de governo, quanto das escolas, a fim de que

sejam obtidos os recursos necessários para a formação e especialização do

educador, em relação ao estudante com deficiência. E foi após um grande

investimento de busca de legislação, que esta pesquisa procurou identificar junto ao

Instituto Federal de São Paulo (IFSP) como era caracterizado o estudante com

deficiência.

Na instituição investigada, existe um entendimento circulante, não oficializado,

de que os estudantes com deficiência são aqueles que, ao ingressarem na instituição

de ensino, apresentam laudo médico ou psicológico de sua deficiência, bem como

podem se autodeclarar portadores de alguma deficiência. No entanto, vale salientar,

que há uma infinidade de patologias no DSM-IV, que estão relacionadas a distúrbios,

transtornos, síndromes etc. Mediante essas considerações obtidas em torno da PCD,

o presente trabalho questiona: se não há uma normativa explícita (IFSP), e se o

entendimento circulante é o de que o estudante com deficiência é aquele que

apresenta um laudo ou se autodeclara portador de deficiência, quais seriam as

patologias que caracterizam um estudante com deficiência? E, com base em tal

informação, de que forma o professor deverá conduzir sua aula?

No caso de o docente não receber formação a respeito das deficiências, não

receber um preparo para lidar com algumas delas, ele não terá condições nem ao

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menos para identificá-las. Via de regra, o professor de uma escola regular não se

sente apto, nem capaz de identificar uma deficiência, qualquer que seja; e sente-se

inseguro e incapaz para desenvolver um trabalho que esteja relacionado com as

PCDs (MANTOAN, 2013).

Ao tomar como guia a já referida LDB (9394/96, Art. 12, inciso I, e Art. 13, inciso

I), o planejamento para a admissão de PCD nas escolas, tanto as regulares quanto as

não, se faz com um prazo considerável, aproximadamente um ano de antecedência.

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; [...] Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

Diante destes artigos, as escolas devem se planejar nesse período para que

tenham tempo hábil de se programar e “estudar” o caso de cada aluno. A exigência

da LDB, de inserir os estudantes com deficiência nas aulas regulares, obriga as

escolas a se “moldarem” e se “ajustarem” a esse novo sistema inclusivo (Gimenez,

2000).

No entanto, as normas não garantem que a inclusão se efetive, pois, para isso,

é preciso que sejam oferecidas as condições necessárias e consideradas as

simbolizações e as práticas docentes acerca das PCD3. Machado e Silva (2009)

asseveram que é um erro pensar em políticas públicas e desconsiderar as

singularidades e particularidades dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, a

constituição desses “espaços inclusivos” depende do envolvimento daqueles que

atuam no processo educacional.

Não obstante, devemos aclarar o real conceito de escola inclusiva que,

mormente, é compreendido como a simples inserção de um aluno com deficiência em

uma sala de aula para alunos regulares, sem ser associado ao apoio necessário a

professores e alunos.

Para além dessa medida, reitera-se que o objetivo da inclusão consiste em

oferecer educação de qualidade a todos os alunos de forma adequada e igualitária

3 Não se trata de entender que a inclusão dependa exclusivamente do desempenho e do empenho

do professor, pois a implantação de novas práticas, (e) ações requer o trabalho e a reflexão de todos os participantes no processo educacional.

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(STAINBACK; STAINBACK, 1999/2007). Além disso, seguindo o pensamento de

Stainback e Stainback (1999/2007), mostra-se necessário pensar na inclusão como

um todo, ou seja, incluir todos os indivíduos em uma sociedade.

Nesse tocante, a ideia de igualdade remete à visão de uma mesma posição,

situação idêntica a todos os indivíduos; onde todas as pessoas possam receber a

educação proposta por sua nação, como prevê a LDB, de forma “adequada e

igualitária”. Significa dizer que a equidade na educação propõe uma forma em que

todos os estudantes possam receber uma educação de qualidade, de modo que haja

uma diminuição das assimetrias entre alunos com alto e baixo desempenho na escola,

a fim de que todos eles permaneçam em um patamar de igualdade. Ainda com base

nos preceitos da LDB, a concepção de equidade escolar engloba o compromisso de

fornecer oportunidade a todos os alunos, com o objetivo que eles atinjam o seu

potencial máximo de desempenho, independentemente de sua condição social,

econômica e cultural.

O amplo significado da palavra equidade refere-se portanto ao senso de justiça,

uma vez que as circunstâncias pessoais e sociais não deveriam ser obstáculos para

alcançar a educação plena. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, art. 5º,

caput, consagra que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei.

Em síntese, é a partir de tais premissas que se deve compreender o chamado

princípio constitucional da isonomia, segundo o qual se deve ter em vista as

especificidades de cada sujeito, de forma que os tratamentos efetuados pela lei

resultem na promoção de uma igualdade efetiva perante as pessoas.

1.3 O aluno como sujeito ativo do processo de aprendizagem

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Para se aproximar do ideal da inclusão, é importante que a escola se ajuste e

se adapte4 à criança, e não o inverso. É necessário que a integração se materialize,

e com isso seja possível concretizar o que foi proclamado na Declaração de

Salamanca, sem abdicar das características de cada indivíduo (GIMENEZ, R.;

MANOEL, E. 2005). Nesse tocante, mostra-se prioritário compreender as melhores

estratégias de ensino para as diferentes formas de deficiência.

De acordo com Mantoan (2003), ocorre um “inchaço” desta modalidade de

ensino; e a integração escolar vem sendo erroneamente entendida como a inserção

dos estudantes com deficiência nas escolas comuns. Contrariamente, o que deve

haver é a colaboração por parte de todos os setores e departamentos da escola,

auxiliares, coordenadores, diretores, sobretudo docentes e colegas de sala de aula, a

fim de receber os estudantes com deficiência. Os professores carecem de formação

específica para o trabalho com as PCD. Com a formação e a prática docente, os

professores sentir-se-ão mais seguros, suas habilidades, sua capacidade de criar

métodos de ensino, bem como suas perspectivas sociais e educacionais favorecerão

a inclusão.

Em busca das origens desse fenômeno, Kohatsu (2009) assinala que as PCD

foram direcionadas às escolas especializadas nos séculos XIX e XX, o que reforçou a

exclusão social. Por outro lado, Dubet (2003, p.40) reforça que, em decorrência da

seleção de alunos quanto à oferta de vagas nas escolas, seja porque são PCDs ou

porque apresentaram desempenho acadêmico insuficiente, as práticas escolares

favorecem a exclusão, intensificando ainda mais a falta de justiça social5.

Para Mendonça (2015), as PCD são os indivíduos mais atingidos pela exclusão

da instituição escolar, pois não conseguem desempenhar satisfatoriamente as

habilidades e as competências necessárias impostas pela escola, e também pela

sociedade como um todo. Segundo o autor, os estudantes com deficiência intelectual

vão ter sempre um desempenho muito abaixo da média, gerando uma autonomia

quase nula em suas próprias vidas (MENDONÇA, 2015).

Além da dificuldade para caracterizar a aprendizagem de estudantes com

deficiência intelectual, os professores se deparam com a desinformação,

4 Embora haja essa necessidade de integração, vale salientar que a escola deve preparar-se para

receber o aluno com deficiência para que ele possa se adaptar à escola da melhor forma possível. 5 O ideal da meritocracia contribuiu significativamente para a segregação. Sobre isso, Gimenez (2011,

p. 75) afirma que com “reformulações no currículo das escolas que incluam a valorização de conteúdos mais humanísticos”, haverá uma segregação menor em relação a essas pessoas.

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consequência de uma formação docente deficitária acerca do ensino para PCD.

Mendonça (2015) reitera que, no que tange à deficiência intelectual, os docentes

enfrentam um impasse, pois a abordagem pedagógica deve ser pactuada com a

abordagem clínica. No entanto, ainda existe um pré-conceito com relação ao aluno

com deficiência intelectual, partindo-se de uma premissa biológica.

Por outro lado, Souza e Monteiro (2008) asseveram que o docente não tem a

percepção de como criar novas estratégias de ensino, nem tampouco interagir com

os alunos incluídos. Entretanto, o professor é a peça chave para a organização de

atividades de trabalho e suas estruturações, uma vez que o indivíduo deve encontrar

na instituição onde estuda todas as adequações necessárias de forma a atendê-lo

satisfatoriamente, partindo de um princípio de educação e cidadania (MENDES, 2002,

p. 76).

Além disso, uma reestruturação no currículo, bem como sua flexibilização de

acordo com a situação em que o educador se encontra, frente às diferentes

circunstâncias em sala de aula, possibilitando ao aluno uma melhor adaptação ao

ambiente, assim como ao contexto da classe, indica uma relação de aceitação da

diversidade. A elaboração de estratégias de ensino, programas, métodos, significa dar

oportunidade de desenvolvimento e aprimoramento do saber (MANZINI, 2001).

1.4 A pedagogia dialógica entre educador e educando

É de se supor que o professor se depare com inúmeros problemas no processo

de ensino-aprendizagem junto ao estudante com deficiência. Para Glat e Ferreira

(2003), grande parte dos docentes resiste ao fato de receber o aluno de inclusão em

sua sala de aula regular e aceitar a diferença como algo “normal”. Para que esta

aceitação seja feita de forma congruente, o professor deve receber a capacitação

adequada. Todavia, são encontrados comumente nas escolas, particulares e públicas,

professores especialistas assumindo a responsabilidade da educação dos estudantes

com deficiência nas salas regulares. Glat e Ferreira (2003) atestam que esses

professores necessitam de informação, preparação e conhecimento para lidar com os

alunos e concluíram que os educadores só percebem tal necessidade quando se

deparam com uma situação concreta.

Infelizmente, a formação do professor (especialista ou não) não dá conta da

demanda de inclusão, e este é um desafio que atualmente a escola se depara. A

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diferença deve ser encarada como algo positivo e, desta forma, valorizada pelos

docentes, pelos estudantes e pela própria PCD. Nesse sentido, a valorização das

ações cooperativas6 e sua eficácia, e a aplicação de uma avaliação efetiva em

conjunto com essas ações são aspectos a serem considerados (STAINBACK e

STAINBACK, 1999; MENDES, 2002). Contudo, as estratégias inclusivas só trarão

resultados satisfatórios se as PCD demonstrarem a aprendizagem e o

desenvolvimento. Para tal, a prática escolar, as ações na realidade de cada escola, o

aperfeiçoamento de técnicas escolares e da didática necessitam ser intensificadas

(MENDES, 2002).

Vale ressaltar, que o docente constitui, ao longo de sua carreira, o saber que

carrega consigo. É uma experiência que permeia toda sua trajetória profissional e

acumula conhecimento (LIBÂNEO, 2001; NÓVOA, 2002; TARDIF, 2002), a fim de que

consiga desenvolver a habilidade da percepção perante seus alunos e identificar

quaisquer dificuldades que possam surgir. Esta é uma real necessidade junto aos

alunos, aqueles com deficiência ou não, com o intuito de possibilitar a “inclusão”.

Em outros termos, o professor carrega consigo as representações acerca das

PCD, o que orienta suas ações docentes. Nas palavras de Carneiro (2012, p. 9),

Construir uma escola diferente implica um compromisso prioritário com a transformação do modelo tradicional de formação de professores. É preciso ter coerência entre o que os educadores aprendem e o que queremos que ensinem. Precisamos, dessa forma, promover discussões e possibilitar a construção de parcerias entre a pesquisa científica e as práticas inclusivas. (CARNEIRO 2012, p. 9).

Torna-se preponderante a relação psicossocial entre professores e estudantes.

O entrosamento entre ambos os grupos é fundamental para que sejam construídos

alicerces cognitivos e emocionais para a vida. As relações interpessoais entre

docentes e alunos, principalmente no que se refere à PCD, têm uma relação direta

com a afetividade. Dimensão essa diretamente associada ao desempenho

acadêmico. Segundo Teixeira e Nunes (2014) a afetividade atua como “ponto de

referência para conhecer, interagir e ousar com o mundo que cerca” (2014, p. 49).

Contudo, se esta relação é afetada, atinge o desenvolvimento dos estudantes,

6 Em situações de deficiência intelectual, por exemplo, podemos abordar a estratégia da pedagogia

da aprendizagem cooperativa que reforçará o ensino de valores aos alunos: “A grande vantagem do ensino cooperativo se mostra aqui: por ser um modelo de ensino que prioriza a interação social, uma melhor qualidade do trabalho em equipe e o aumento da responsabilidade e da participação, ocorrerá naturalmente um ganho de valores” (CARVALHO, 2015, p.154).

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prejudicando de modo contundente a aprendizagem e o relacionamento tanto com o

professor quanto com os colegas. Da mesma maneira, a autoestima e a autoconfiança

sofrem um desgaste que interfere em seu desenvolvimento intelectual.

No entanto, Teixeira e Nunes (2014) enfatizam que, quando se tem um laço de

afetividade e interação com seu aluno, principalmente com um aluno com deficiência,

em que as relações são mais estreitadas e potencializadas, um bom relacionamento

afetivo é extremamente vantajoso, intensificando a segurança e confiança do aluno

para com seu mestre, propiciando um intercâmbio de aprendizado e otimizando essa

dinâmica existente entre ambos. O conhecimento desenvolvido cognitivamente por

meio dessa confiança, construída através dessa relação professor/aluno, está ligada

diretamente às influências sociais. Torna-se premente a necessidade de acompanhar

cada criança individualmente, a fim de que acompanhe todo seu desenvolvimento

escolar e crie atividades específicas para ela, bem como desenvolva uma metodologia

apropriada. Essa interatividade entre ambos funciona como uma moeda de troca,

inconscientemente é claro, pois nesse caso o aluno age como um discípulo de seu

mestre, agindo da mesma forma, seguindo seu exemplo, tendo a mesma conduta e

respeito; desta forma, consegue assimilar o conteúdo ministrado pelo docente com

mais facilidade e clareza (2014, p. 48 - 57).

Para Piaget (2014), tanto o lado afetivo quanto o cognitivo estão intimamente

ligados. Um depende do outro para “sobreviver”. Já para o psicólogo francês Henri

Wallon (2016), a afetividade desenvolve papel primordial ao definir a personalidade

do indivíduo. Para ele, toda a trajetória da vida do sujeito é traçada pelo afeto, seja

pessoal ou social. Desta forma, em se tratando do curso da vida escolar, dependendo

de como se desenvolve a dimensão afetiva, essa poderá interferir positiva ou

negativamente no desempenho dos estudantes na escola. Vigotski (2008), por sua

vez, coloca em questão a dualidade entre o pensamento cognitivo e o pensamento

afetivo, pois insiste que ambos devem caminhar lado a lado, sempre,

independentemente da situação em que estejam; nunca afeto ou a cognição devem

se sobrepor um ao outro.

Nesse sentido, Teixeira e Nunes (2014) consideram relevante o professor

sensível e dedicado, que se empenha na elaboração de estratégias e técnicas para

manter seus alunos envolvidos nas atividades por ele propostas, para a construção

de uma relação saudável e harmoniosa. Originariamente a esta relação, forma-se um

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aluno, deficiente ou não, criterioso, autônomo e crítico. Como decorrência, o aluno

sente-se motivado a criar e a construir sua própria aprendizagem. Para as autoras,

A educação afetiva aguça a área cognitiva, visto que valoriza a autoconfiança do aluno e tramita de forma positiva nas suas experiências emocionais. Essa íntima relação entre a área cognitiva e a afetividade se dá devido à presença das emoções na busca pelo conhecimento. (TEIXEIRA; NUNES, 2014, p.56)

As autoras reforçam ainda ser mister um olhar mais acurado do professor em

relação às PCD, mais propensas à exclusão, de modo a contribuir para que elas se

sintam envolvidas e aceitas no universo em que convivem, praticantes de seu livre

arbítrio e desejos próprios, bem como de sua liberdade, expressa em opiniões e

sentimentos.

Na Escola da Ponte, em Portugal, bem como em Lundarskóli, na Islândia, os

professores chegam a elaborar um currículo específico para cada aluno, pois

acreditam que, agindo com essa individualidade, os estudantes possam ter um

desenvolvimento cognitivo maior e, dessa forma, podem progredir no aprendizado.

Tal trabalho, no entanto, deve ser executado por professores que conhecem a prática,

que possuem a habilidade de ensino, além de contarem com a colaboração estreita

dos pais. Outrossim, os planos devem apresentar objetivos sociais e acadêmicos, de

modo a facilitar o desenvolvimento do trabalho junto ao aluno com deficiência, bem

como com os demais, a fim de que o torne significativo tanto para os alunos, quanto

para o professor.

Outra estratégia, segundo Pacheco (2007), consiste em criar grupos

heterogêneos, em uma sala de aula comum, e designar uma única tarefa para que a

classe possa agir por meio da cooperação. Dessa maneira, o espírito colaborativo

criado pelo grupo de alunos visa estimular o desenvolvimento do estudante com

deficiência e o desenrolar do trabalho ministrado pelo docente. (PACHECO, et al.

2007, p. 32 – 33).

Embora haja diversas maneiras de entrosamento entre os diferentes grupos em

sala de aula, um determinado aluno com deficiência poderá não desempenhar

determinada atividade comum a todos os alunos. A solução para esse caso, seria

“orientar” tal PCD, oferecendo-lhe outra função significativa, de modo que, desta vez,

ele atue como auxiliador tanto da classe, quanto do professor.

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[...] pode-se dizer que o grau de utilidade de planos individuais está relacionado à extensão da adaptação e diferenciação das atividades curriculares em sala de aula. Tais planos poderiam ser um obstáculo e encorajar a segregação, ou poderiam apoiar os alunos trabalhando juntos em experiências múltiplas de aprendizagem. Dessa forma, o perigo de planos individuais tornarem-se uma forma de segregação depende parcialmente de quão implicado na implementação estão aqueles responsáveis por criar os planos e, é claro, de como eles são realizados” (PACHECO, et al, 2007, p. 34).

Ainda com base na afirmação de Pacheco (2007, p.34-35), apesar de haver

possibilidades de discrepâncias com relação ao objetivo pretendido dos planos

individuais, a maioria dos países desenvolvidos adota esse sistema, implementando-

o, pois tem a função primordial de manter um elo entre família, escola e aluno. Os

respectivos professores das turmas de inclusão passam a assumir a responsabilidade

referente ao processo de adaptação curricular dos alunos, bem como dos alunos

regulares. Para Pacheco (2007), tal compromisso com o planejamento educacional

por parte dos pais, professores e serviços de apoio fez com que se estreitasse o laço

entre eles, havendo um comprometimento de todas as partes visando única e

exclusivamente o bem-estar e aprendizado do aluno.

É, portanto, necessário que haja uma dinâmica que favoreça a promoção das

habilidades educacionais a todos os alunos em sala de aula, de modo a atender toda

e qualquer necessidade dos mesmos. A partir desse pressuposto, de participação e

colaboração, bem como desenvolvimento funcional e ativo dos alunos, as adaptações

curriculares buscam estender-se a todos os estudantes, a fim de que todos, ou pelo

menos a maioria, participe na classe. A participação é fundamental para que se

obtenha o resultado esperado e, também para que não ocorra a segregação.

Para tanto, Carvalho (2015, p. 107) acentua a ideia que os professores devem

reforçar intensamente o trabalho em equipe, pois acredita surgir maiores resultados

benéficos à PCD. Além disso, a participação dos professores em sala de aula torna-

se preponderante, pois intensifica ainda mais o aprendizado. O ensino em equipe

resulta em um trabalho reconhecido tanto por parte dos alunos, quanto dos demais

integrantes da escola, bem como da família. Esse sucesso na aprendizagem

cooperativa, nas interações sociais, reforça ainda mais o aspecto do trabalho em

equipe, causando ânimo e incentivo ainda maior aos professores. Como

consequência desse trabalho, os alunos e professores podem dedicar-se e empenhar-

se ainda mais para obter um resultado positivo. É possível afirmar que se trata de uma

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“bola de neve”, uma espiral positiva na aquisição de bons resultados na aprendizagem

dos alunos.

Podem ser feitas diversas intervenções dos professores junto aos alunos, na

tentativa de se obter um melhor resultado na aprendizagem, ou talvez na

aplicabilidade de uma atividade em sala de aula, principalmente se o trabalho for em

equipe, pois acredita-se que há um resultado mais assertivo quando se trabalha em

equipe; o sucesso se dá na aprendizagem cooperativa e no desenvolvimento de

interações sociais.

Nesse sentido, é aconselhável que haja mais de um aluno de inclusão em uma

mesma sala de aula. Para Carvalho (2015, p. 106), estes devem ser inseridos em

grupos/equipes diferentes na classe, para que haja um aprendizado melhor. Para que

isso ocorra com uma possibilidade de maior acerto, é necessário que se faça um

planejamento com relação aos métodos de aprendizagem. Se partirmos do princípio

de que todas as crianças têm deficiência, todas as atividades devem ser muito bem

elaboradas e planejadas, todos os professores devem ser proativos, para que

nenhuma situação os surpreenda. No entanto, mesmo que isso ocorra, se o professor

tiver uma capacitação específica, ele saberá como interagir com a classe.

Podem ocorrer situações diversas com os alunos de inclusão; alguns têm a

necessidade de se movimentar pela sala, outros podem ser um pouco mais

individualistas ou talvez não consigam conviver com o ruído da sala. Nesses casos,

especificamente, o docente, com muito tato e maleabilidade junto ao aluno, deve

explicar-lhe que é de suma importância e que cabe a todos “ceder para o bom convívio

social e para o sucesso das atividades em grupo” (CARVALHO, 2015, p.110).

O papel do educador em todo o processo de aprendizagem da PCD, ou de um

aluno regular, é acompanhá-lo nessa trajetória. A intervenção pedagógica auxilia na

construção individual do conhecimento e auxilia o estudante a construir significados e

compreender aquilo que aprende, uma vez que cabe ao aluno construir os

significados, podendo até modificá-los se assim desejar.

Entretanto, o professor deve estar atento às alterações que possam surgir no

processo de ensino-aprendizagem. As atividades desempenhadas em sala de aula

ajudarão o estudante a desenvolver a estruturação psíquica e cognitiva, para que atue

no meio em que vive. O aluno, ao realizar uma tarefa ou trabalho estipulado pelo

professor, não só deve saber fazer, mas deve saber como fazer e para que está

realizando determinada tarefa; qual a finalidade daquele trabalho que está sendo

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realizado. É muito importante que o estudante tenha consciência das razões que o

levam a desenvolver tais tarefas, para que as execute da melhor forma possível,

mesmo que seja com a ajuda do professor ou de algum colega de classe. Em todo

esse processo de realização dos trabalhos, os progressos se fundem com as

dificuldades, podendo ocasionar até um retrocesso de determinado ponto; no entanto,

é importante salientar que quanto mais cedo se faz uma intervenção maior a

possibilidade de reparar aquilo que está inadequado (GOMEZ; TÉRAN, s/d, p. 86).

Tunes (2007) adverte que, no último século, o diagnóstico foi um fator

preponderante na vida escolar da PCD. A deficiência é encarada até os dias atuais

como doença. Em decorrência desse estigma, os relatórios, laudos de psicólogos e

médicos causam uma repercussão negativa às PCD, pois restringem suas

capacidades e habilidades educacionais, limitando-as como incapazes (TUNES,

2007). Qualquer transtorno que possa ocasionar um déficit ou distúrbio no indivíduo

afeta suas relações psicológicas e sociais, repercutindo em sua autoestima, assim

como em suas competências e habilidades (MUSZKAT, et al. 2011, p. 15).

Para que as ações obtenham sucesso, o docente precisará encontrar apoio não

apenas em sua formação inicial, mas também na formação específica e contínua, bem

como na sua interação com os pares. Sua compreensão acerca das PCD orientará as

suas ações enquanto docente e o guiará em sala de aula. Nesse sentido, ao buscar

as simbolizações que os professores constroem sobre as PCD, este estudo visou

obter informações preciosas que contribuam para a formação e para o trabalho do

docente.

1.5 Formação Docente

Vigotski afirma que o desenvolvimento do indivíduo deve partir de uma análise

qualitativa, introduzindo assim um novo conceito de “anormalidade”. Para Vigotski

(2007), todas as crianças com deficiência se desenvolvem de maneira muito peculiar,

diferente, mas em hipótese alguma, inferior às demais; buscam alternativas diversas

para superar ou compensar suas limitações. O psicólogo enfatiza as habilidades e

superações da criança, mas nunca suas limitações. Ele defende ainda que a PCD

procura suprir essa ausência/deficiência compensando com outras forças que eram

desenvolvidas e estimuladas em decorrência da ausência/suposto defeito. Para

Vigotski (2007), esse é um processo natural desencadeado pelo cérebro. Assim

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sendo, o autor considera que se deve buscar e enfatizar as funções psicológicas do

aluno, tentando incluí-lo em processos de aprendizagem complexos. O psicólogo não

é favorável que seja aplicada uma pedagogia que se restrinja a sua deficiência, uma

pedagogia limitada. Ele considera que a criança deve ser estimulada, indo além do

que lhe é cabível ou diagnosticado. Entretanto, mesmo havendo essas considerações

defendidas por Vigotski, o que se percebe nas salas de aula, o atendimento às PCD,

especificamente o aluno com deficiência intelectual, é um trabalho que não é

partilhado conjuntamente com os outros alunos (regulares), não é um trabalho em

equipe, mas sim algo descontextualizado e singular, onde as atividades são

extremamente sistêmicas e mecânicas.

A educação inclusiva faz com que os professores “saiam da sua zona de

conforto” e os obriga a criar e elaborar novas estratégias de ensino, que sejam

aplicáveis a todos os alunos (VILLA e THOUSAND, 1995, p. 31). Contudo, como já foi

dito anteriormente, mesmo havendo a legitimidade de declarações, tratados, e a

própria LDB, a educação inclusiva, principalmente a educação para PCD nas

instituições de ensino, é um constante desafio.

Ressalta-se, neste aspecto, a escassez quanto à formação de professores.

Segundo Masini (1999), ocorre uma ausência de professores especializados na

educação especial, acarretando um ônus no planejamento de estratégias que

pudessem contemplar todo um currículo voltado para essa atuação. Além disso, a

falta de infraestrutura nas escolas, bem como de materiais especializados, corrobora

esse quadro.

Bueno (1993) assevera, em uma primeira hipótese, que o professor deveria

contemplar uma capacitação inicial, a fim de que pudesse atender à demanda de

estudantes com deficiência em uma instituição de ensino, e, em uma segunda

hipótese, este professor pudesse ser auxiliado por outro docente especializado, de

modo a dar suporte em sala de aula tanto para o docente, quanto para o estudante.

Dessa forma, estariam suprindo, a priori, a ausência de informação, dentro da sala de

aula. Todavia, Bueno (1993) alerta que não apenas o corpo docente, mas também

todos os funcionários que lidam com PCD, precisam ser capacitados.

Mesmo não havendo grandes oportunidades para capacitação, a reflexão de

conceitos e valores junto aos estudantes com deficiência torna-se uma grande chance

aos professores, de forma que todos esses aspectos, bem como suas crenças sejam

revistos e analisados (MITTLER, 2003).

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Segundo Siems (2010), temos um número de capacitação muito abaixo do

necessário, devido à falta de investimentos na educação para PCD, no Brasil. Mesmo

que a educação tenha tido um grande progresso com relação à pesquisa e estudos,

ainda há muito a percorrer no que tange ao ensino para estudantes com deficiência.

Por outro lado, Stainback e Stainback (1999) enfatizaram a necessidade da

intensa participação da família e da escola, mas, principalmente, a relação do

estudante com deficiência com o corpo docente. Tal relação pode intensificar a

integração social e sua evolução no aprendizado.

Para Teixeira e Nunes (2014), a conscientização por uma educação de

qualidade e inclusiva, por parte não só do educador em uma escola, mas de toda uma

sociedade, começa a partir da reflexão sobre si mesmo, demonstrando sua

singularidade. Partindo dessa premissa, o educador transmite uma ideia de

comprometimento de suas ações, tanto com o aluno como com a própria educação.

No entanto, isso não quer dizer que apenas ele deva enfrentar sozinho todos os

obstáculos desse processo. Romper as barreiras para uma educação inclusiva que

foram criadas pela própria sociedade no decorrer do século é uma tarefa que exige

conscientização, dedicação, mas, principalmente, uma formação adequada que

ampare os educadores, a fim de que estes tenham subsídios suficientes para suprir

todas as necessidades que possam surgir junto a PCD.

A formação docente inicial e continuada é preponderante para o bom

desempenho profissional da educação, em especial para aos alunos com deficiência.

Saviani (2009) alerta para a questão da formação de professores, quando diz que é

de suma importância criar espaços exclusivos para se trabalhar com a educação

inclusiva.

Nesse sentido, entende-se que toda alteração na educação, em se tratando de

PCD, depende de uma formação docente especializada, em que estratégias

inovadoras são criadas e postas em prática. Tais inovações estão diretamente ligadas

à aprendizagem do estudante com deficiência, o qual trará uma resposta mediante

seu desempenho às atividades propostas, bem como a um desenvolvimento adquirido

para desempenhá-la. Atender a esses quesitos refere-se não só à demanda de

alunos, mas também à demanda de educação de qualidade7.

7 Estas questões estão referendadas na LDB, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, artigo 2º.

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Fonte: arquivo pessoal (autorizado pelo responsável)

CAPITULO II

Imagem 3 – Estudante com Paralisia Cerebral

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2 COMO OS DOCENTES CONSTROEM UM SABER SOBRE A APRENDIZAGEM DA PCD: O APORTE DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

“Quando classificamos uma pessoa entre os neuróticos, os judeus ou

os pobres, nós obviamente não estamos apenas colocando um fato, mas avaliando-a e rotulando-a. E, neste ato, nós revelamos nossa “teoria” da sociedade e da natureza humana. ” (MOSCOVICI, 2013, p. 62)

A Teoria das Representações Sociais (TRS), que teve como criador Serge

Moscovici (2012), parte da premissa de que o sujeito e o meio social devem ser

estudados em conjunto. O autor enfatiza que a dualidade comumente presente na

sociedade não é condizente com seu mundo pensante, nesse sentido, para Moscovici

(2012), as antíteses entre a psicologia e a sociologia são ideologias teóricas.

As representações sociais, intimamente ligadas à elaboração social do

simbólico, resultam da participação dos sujeitos sociais na construção de um

pensamento coletivo, por meio da discussão de suas ideias em contextos sociais.

Com a pretensão de discutir tal constructo teórico, o presente capítulo está dividido

em duas seções. Na primeira, buscou-se conceituar o fenômeno das representações

sociais e, na segunda, abordar a função de ação das representações sociais e sua

relação com a prática docente.

2.1 O que são representações sociais?

De acordo com Penin e Roberti (2013, p.140), para Moscovici, fragmentar os

pensamentos previamente estabelecidos por uma sociedade não contribui para uma

análise significativa da realidade; ao contrário, o autor defende que as

representações sociais resultam da indissociabilidade entre emoção e razão, entre

objetividade e subjetividade, o que as faz objeto de estudo em um âmbito entre a

psicologia e sociologia.

As representações sociais podem ser consideradas como decorrentes do

conceito de representações coletivas8 de Durkheim, e, o próprio Moscovici endossa

e enfatiza essa afinidade com as representações coletivas. (SÁ, 1998, p. 61).

8 Em comparação ao conceito de representações sociais, a noção de representação coletiva proposta

anteriormente por Durkheim pode ser entendida como estática, haja vista a dinâmica e a potencial transformação dos saberes consideradas por Moscovici.

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Segundo Ens, Villas Bôas e Behrens (2013, p.12), “Moscovici afirma que sua

teoria propõe um novo modo de perceber o senso comum, refletido nos saberes que

interferem na dinâmica dos efeitos da ciência em nosso cotidiano”. Moscovici, como

psicólogo social, considera fundamental a compreensão do conceito de representação

social que, segundo ele, “é convertido” para a TRS. A produção das representações

sociais ocorre por meio de dois processos nomeados objetivação e ancoragem. O

primeiro refere-se ao processo “que torna concreto aquilo que é abstrato”; o segundo,

a ancoragem, consiste no processo “que possibilita ao sujeito integrar o objeto da

representação em seu sistema de valores e/ou categorias, classificando-o” (ENS;

VILLAS BÔAS; BEHRENS, 2013, p.14).

Quanto à objetivação, vale relembrar uma imagem historicamente construída a

respeito da PCD está associada à de uma pessoa doente. Quanto à ancoragem,

levando em consideração os objetivos desta pesquisa, busca-se na memória, em

nosso conhecimento de mundo, qual é o paralelo que se pode estabelecer entre teoria

e a prática docente; o que se pode acrescentar a esse conhecimento já adquirido.

No entanto, é importante salientar que não basta conhecer o conceito de PCD,

mas o conjunto de valores, pensamentos e afetos que nos permitem expressar um

conhecimento partilhado socialmente. Sobre isso, Moscovici (2012, p.54) afirma que

“representar uma coisa, um estado, não é só desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo, é

reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto”.

Tendo em vista o objetivo perseguido neste estudo, a investigação

empreendida buscou o senso comum de docentes em torno das PCD. Para tal,

mostrou-se relevante entender primeiramente como Moscovici (2013) elaborou a TRS,

mediante sua insatisfação com a Psicologia Social de meados do século passado.

Nesse contexto, o autor buscou algo que o satisfizesse:

Para Moscovici, ideologia significava os enganos e distorções da realidade que, como entendiam os marxistas da época, deveriam ser esclarecidos e combatidos. A teoria das RS, como teoria de conhecimento, era algo diferente de ambos. Assim como a linguagem é polissêmica, também o conhecimento é polifásico: as pessoas são capazes de usar diferentes modos de pensamento e diferentes representações, de acordo com o grupo a que pertencem e ao momento em que respondem.

[...] As RS são, pois, entidades concretas, realidades em si mesmas, conjunto de saberes e práticas que constituem e ocupam um espaço vital e simbólico, no qual nos movemos, pensamos, falamos e somos levados a agir. Se prestarmos atenção ao nosso agir, veremos que é impossível

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pensar, falar e mesmo agir, sem que, por detrás, como pressuposto, haja algo que tem a ver com a cultura, as crenças, os valores: é a isso que designamos de Representações Sociais. (MOSCOVICI, 2013, p. 34).

O pensamento do senso comum conduz às representações sociais dos

fenômenos naturais e sociais, ao contrário da prática científica, que leva ao

conhecimento científico. Além disso, podemos dizer que as representações sociais

advêm do cotidiano, da convivência diária entre as pessoas, da comunicação entre

elas.

A ciência procura pela verdade através do poder da racionalidade individual. As RS procuram pela verdade através da confiança, do crédito baseado nas crenças, no conhecimento comum e através do poder da racionalidade dialógica. As RS não provêm de raciocínios, ou de processos de informação, mas estão baseadas no passado, na cultura, na tradição e na linguagem. (GUARESCHI, 2007, p. 32).

Ainda seguindo este pensamento, pode-se dizer que as representações sociais

se baseiam em elementos diversos que fazem parte do mundo social. Todas as

crenças, atitudes, opiniões, valores, etc., se relacionam a um saber que construímos

no desenrolar de nossa história. Sendo assim, os saberes que construímos a respeito

da educação de estudantes com deficiência também são baseados em valores e em

crenças que produzimos no decorrer de nossa trajetória pessoal. Dessa forma, a

relação sujeito/objeto, professor/aluno refere-se a uma realidade social com a qual

nos deparamos no limiar da educação (PARDAL et al, 2007). Segundo Marková

(2006), o indivíduo tem a possibilidade de estimular sua capacidade de pensar,

desenvolvendo, assim, seu lado cognitivo, responsável pelo ato de se comunicar, e,

consequentemente, constituindo seu potencial para a construção do senso comum.

Assim, o que está sendo construído não é uma “racionalidade individual”, mas sim a

“racionalidade dialógica”. Podemos dizer que o senso comum está diretamente ligado

à dialogicidade9, cujas características interferem na realidade social do ser humano e,

consequentemente, na realidade social.

9 O sujeito das representações sociais utiliza a palavra como meio de comunicação, evidenciando

seu cunho social. O sujeito social atinge não só a comunicação interpessoal, mas também uma sociedade que necessita da palavra como meio de comunicação. A percepção do sujeito se mescla ao conceito do objeto. Esta interatividade entre ambos favorece o processo de representação de algo pela sociedade, concretizando-o, tornando tangível e perceptível para quem os vê e percebe, sujeito e objeto.

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À luz da teoria de Moscovici (2013), a ciência e o senso comum estão

interligados, pois transformam, criam, propiciam ao indivíduo novas atitudes, novas

percepções e saberes. O conhecimento acadêmico ligado à formação profissional do

docente propicia a aquisição de novos conhecimentos adquiridos em sua formação,

que são favoráveis às PCD.

A ideia de senso comum que fora concebida na época em que se formou a

TRS, por Moscovici (2012), estava intimamente ligada à noção do conhecimento

“ingênuo”, “inconsciente”, “fragmentado” que era advindo do pensamento do “povo”,

da “sociedade”. O autor contrapôs-se a esse pensamento, defendendo a ”formação

de um outro tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades, obedecendo a

outros critérios, num contexto social preciso” (2012, p. 25).

A proposição da TRS prevê a diversidade dos sujeitos sociais e suas atitudes

(MOSCOVICI, 2013, p. 79). Para Moscovici (2013), a TRS resulta do rompimento de

barreiras conceituais, onde foi construído um pensamento privado da sociedade. Ao

se aprofundar no estudo da Psicanálise, Moscovici (2012) afirma que o senso comum

é um conjunto de explicações que estão relacionadas à personalidade, aos

sentimentos das pessoas, e estão interligadas. Mesmo que as pessoas não tenham

total consciência disso, utilizam-se do conhecimento de senso comum para participar

e se integrar de conversas, fazendo um intercâmbio de experiências.

Ao discorrer sobre o senso comum, Moscovici afirma que “o conhecimento

popular do senso comum fornece sempre o conhecimento que as pessoas têm a seu

dispor; a própria ciência, tecnologia, não hesitam em emprestar dele quando

necessitam uma ideia, uma imagem, uma construção” (2013, p.200).

Segundo Jovchelovitch a TRS é “um conjunto de conceitos articulados que

buscam explicar como os saberes sociais são produzidos e transformados em

processos de comunicação e interação social” (2011, p. 87). Ao adotar a TRS proposta

por Moscovici, Jovchelovitch (2011) defende que as crenças, os sentimentos e as

ideias habituais, quando compartilhadas por uma comunidade:

[...] são pré-estabelecidas em relação a indivíduos (pela tradição, costumes e história) e aceitas sem discussão; elas sobrepujam a consciência individual e sustentam o enquadre moral que guia a ação de todos os membros de uma comunidade. (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 97).

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Em outros termos, os sujeitos sociais elaboram suas ideias a partir das

informações circulantes, compartilhadas e desenvolvidas em grupo. Por outro lado, os

sujeitos também são capazes de construir seus próprios pensamentos, a fim de se

comunicarem, tornando-os construtores ativos de suas representações (MOSCOVICI,

2013, p. 41). Ao participarem de um grupo social, os sujeitos negociam os ideais e

lutam por eles de forma contundente e profícua.

As afirmações de Jovchelovitch (2011) podem ser utilizadas para pensarmos

acerca da educação de crianças com deficiência, quando da reavaliação de nossas

atitudes, crenças, um repensar da cultura da escola, do ambiente escolar, ambiente

familiar, e por que não dizer da sociedade de um modo geral. O presente trabalho

também se apoiou em Jodelet (2001), quando ela se refere aos inúmeros elementos

que fazem parte das RS que são crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, dentre

outros. Para ela, as RS manifestam pensamentos sociais e psicológicos da realidade

em que nos encontramos, além de expressar o lado material e mental da sociedade

em que vivemos.

Nesse sentido, pode-se afirmar que as representações sociais, ao expressarem

as simbolizações de uma comunidade, contribuem para o estudo a relação entre o

docente e a PCD em uma instituição escolar. Jodelet (2001, p. 25-26) afirma que: “As

representações sociais devem ser estudadas, articulando elementos afetivos, mentais

e sociais, e integrados à consideração das relações sociais, que afetam as

representações e realidade social, material e ideativa, sobre a qual elas têm de

intervir”.

Baseando-nos em tal citação de Jodelet (2001), podemos afirmar que, por se

tratar de algo que está relacionado diretamente com o outro, as representações

sociais consistem em pensamentos, valores e ideias que são concebidos com base

em um contexto macrossocial, mas com a aquisição de novos valores, novas

experiências, estados mentais e afetivos, todos esses aspectos são somados e

criados os contextos microssociais e pessoais.

Significa dizer que, nessa relação dual, entre vivência de mundo e formação

profissional, onde as representações sociais dos professores são realidades que se

tornam concretas, a partir de um conhecimento adquirido em sua formação acadêmica

e o conhecimento adquirido em sua vivência, tem como resultado final a aplicabilidade

em sua prática profissional. Devemos considerar que “as representações são sempre

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construções contextualizadas, resultados das condições que surgem e circulam”

(SPINK, 1993, apud. Ens et.al p.25).

Vale salientar que o papel das RS na educação escolar deve ser considerado,

uma vez que elas interferem diretamente na relação sujeito/objeto, aluno/professor.

Sobretudo no que tange à bagagem social e moral perante à PCD, o estudo das

representações sociais de professores mostra-se imperativo uma vez que tais

representações, dentro ou fora da sala de aula, positiva ou negativamente,

dependendo da formação docente orientarão suas ações docentes junto a esse aluno.

2.2 A função de orientação das representações sociais e a prática docente A maneira pela qual as representações sociais são construídas, modificadas e

recriadas, consiste em um fator crucial à educação, haja vista a sua relação com as

ideias, os valores, as crenças e as atitudes.

Jodelet (2007) destaca que a educação ultrapassa os limites da socialização

ou do método de ensino/aprendizagem, bem como das estratégias pedagógicas que

um docente possa elaborar, e desenvolver junto ao seu aluno. A autora ainda reforça

a ideia de que as representações sociais têm uma influência contumaz sobre os

procedimentos de ensino, uma vez que:

As representações sociais são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida social. São compostas de diversos elementos (informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, etc.) organizados sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o estado da realidade. Por tanto estabelecem uma ligação entre o sujeito e o objeto da representação. (JODELET, 2007, p.15).

Ao tomar como base a concepção de Celso Sá (1998), a representação social

está presente em todos os momentos nos quais nos deparamos, nas “instituições, na

cultura, nas comunicações interpessoais e de massa e nos pensamentos individuais”

(SÁ, 1998, p. 21). Um ponto estratégico que chama a atenção neste trabalho é que,

por meio do estudo das representações sociais, intensificamos o olhar para a relação

entre professor/educador com seu aluno/estudante com deficiência. Para tanto,

procura-se aqui entender as representações sociais dos docentes do Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo que recebe um estudante com

deficiência em sala de aula, uma vez que:

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Por expressar a realidade de uma comunidade em sua diversidade e complexidade, as representações sociais são governadas por lógicas múltiplas que não apenas constroem objetos no mundo, mas também propõem estados de ser, identidade, relações e práticas que revelam o “quem”, “como”, “o que”, “por que” e “para que” dos saberes. Estas dimensões devem ser reconhecidas, compreendidas e colocadas em perspectiva de modo a não trair as intenções originais dos produtores (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 93).

Dessa maneira, os sujeitos organizam seus pensamentos de acordo com suas

perspectivas que corroboram a realidade em que se encontram e, na interação com o

meio em que vivem, vão se apropriando dos valores que adquiriram no decorrer de

suas trajetórias. No entanto, deve-se ressaltar que as orientações nortearão as

condutas dos indivíduos. Em concordância com esse aspecto, pode-se dizer que as

representações sociais interferem diretamente nas ações dos sujeitos, ressignificando

e reconstruindo o que se considera objeto social. Para tanto, Jodelet (2001) enfatiza

que:

A representação social é uma forma de conhecimento, totalmente elaborada e partilhada, com um objeto prático, e que contribui para construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como senso comum, ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido a sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (p. 22).

Para Jodelet (2001), as representações transitam nas falas, nos diálogos e são

transmitidas pelas pessoas, de modo a se cristalizarem, refletindo nas ações, nas

condutas. Nas palavras de Jovchelovitch:

[...] todo saber é expressivo, pois procura representar mundos subjetivos, intersubjetivos e objetivos. Longe de serem construtos cognitivos monológicos, sistemas de saber são gerados por tríades intersubjetivas que ligam o conhecimento a pessoas e aos contextos públicos em que é produzido. A todo conhecimento corresponde uma relação entre pessoas e entre pessoas e seu ambiente, que é tanto social quanto natural. Neste sentido, o estudo dos saberes sociais não é nem uma listagem de temas sobre um objeto no mundo social, nem a descrição dos processos cognitivos subjacentes ao conhecimento. Antes, ele implica o estudo das relações que estão na base da formação dos saberes e uma sensibilidade à lógica que fundamenta estas relações, ligando o conteúdo do conhecimento a seus processos cognitivos e estes à lógica pessoal e social que permeia todo ato de saber. (2011, p. 259-260).

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Para a autora, a representação social, como qualquer outro tipo de saber, é

expressivo; a maneira como cada indivíduo pensa e age, diz respeito à sua pessoa;

expressa como esse indivíduo é, como ele é e quem ele é; sua constituição de maneira

global. Isso porque, de acordo com Abric (2000), são pelo menos quatro as funções

das representações sociais: (i) a função de saber, uma vez que as representações

permitem que os sujeitos interpretem e expliquem a realidade; (ii) a função de

orientação, ou de ação, dado que as representações guiam os comportamentos e as

práticas; (iii) a função justificatória, pois, com base nas representações, os sujeitos

podem justificar as tomadas de decisão e comportamentos; (iv) função identitária, que

define a identidade social e a segurança de um grupo como referência.

A função de orientação é de especial interesse para o presente trabalho, uma

vez que o conceito de ação formadora de Freire (1996) abriga o ideal de uma prática

educativa crítica progressista, em um sentido reflexivo. Ao compreender que as

representações que os docentes possuem a respeito dos estudantes com deficiência

guiam suas ações em sala de aula, será possível debater a ação formadora10 proposta

por Freire, dado que, para o autor, a construção do conhecimento se dá pelas duas

partes, tanto pelo docente quanto pelo educando: “quem forma se forma e re-forma

ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996, p.23).

Além disso, pode-se considerar, nessa perspectiva, que as representações

sociais dos docentes acerca da educação dos estudantes com deficiência têm um

potencial transformador, intrínseco, uma vez que as representações sociais estão

sempre se modificando, pois flexionam-se de acordo com as variações advindas das

experiências tanto individuais, quanto sociais. Nesse sentido, afirmam Moscovici

(2012) e Hewstone (1983), que as representações são:

[...] fenômenos em que as práticas de conhecimento e do conhecimento prático desempenham um papel essencial, pois esse conhecimento está inscrito nas experiências ou acontecimentos sustentados por indivíduos e partilhados na sociedade. Conhecimento prático, uma vez mais, porque ele sempre constitui, de algum modo, uma compreensão popular (folk knowledge, folk psychology) que reformula constantemente o discurso da elite, dos especialistas, daqueles que possuem um conhecimento descrito como sabedoria ou ciência (MOSCOVICI, 2012 e HEWSTONE, 1983 p. 217).

10 Freire (1996) defende uma prática educativa que desperte no educando a curiosidade, a reflexão,

a sua autonomia, a capacidade de arriscar-se, uma aprendizagem em que o educando seja autor do seu próprio conhecimento totalmente oposto da prática educativa bancária.

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Outro fator de extrema importância nas representações sociais é o que se

refere à identidade docente, pois ela é marcada por uma história, ou seja, o professor

já traz consigo um conhecimento, valores a respeito da educação inclusiva, que foi

adquirindo no decorrer de sua trajetória de vida, mas que podem ser justificados por

uma concepção de mundo. De acordo com Jovchelovitch,

As representações aglutinam a identidade, a cultura e a história de um grupo de pessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociais e nas narrativas e modelam os sentimentos de pertença que reafirmam a membros individuais sua inserção em um espaço humano. É neste sentido que podemos perceber que os saberes também buscam representar as pessoas que os possuem e os usam. Compreender o quanto um sistema de conhecimento procura fazer isso constitui precisamente um dos indicadores-chave para entendermos o tipo de conhecimento com o qual estamos lidando. (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 175).

No que tange às representações sociais de docentes, podemos inferir que

coabitam elementos tanto tradicionais, que conservam preceitos da formação

profissional como educador, quanto criativos, que inovam articulações e estratégias

aprimoradas a cada dia, o que permite a ressignificação de conteúdos e a

transformação das representações associadas à prática de ensino, uma vez que,

As representações aglutinam a identidade, a cultura e a história de um grupo de pessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociais e nas narrativas e modelam os sentimentos de pertença que reafirmam a membros individuais sua inserção em um espaço humano. É neste sentido que podemos perceber que os saberes também buscam representar as pessoas que os possuem e os usam. Compreender o quanto um sistema de conhecimento procura fazer isso constitui precisamente um dos indicadores-chave para entendermos o tipo de conhecimento com o qual estamos lidando. (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 175).

No que tange às representações sociais de docentes, podemos inferir que

coabitam elementos tanto tradicionais, que conservam preceitos da formação

profissional como educador, quanto criativos, que inovam articulações e estratégias

aprimoradas a cada dia, o que permite a ressignificação de conteúdos e a

transformação das representações associadas à prática de ensino, uma vez que,

Toda representação social é constituída como um processo em que se pode localizar uma origem, mas um a origem que é sempre inacabada, a tal ponto que outros fatos e discursos virão nutri-la ou corrompe-la. É ao mesmo tempo importante especificar como esses processos se desenvolvem socialmente e como são organizados cognitivamente em termos de arranjos de significações e de uma ação sobre suas referências. Uma reflexão sobre as maneiras de enfocar os fatos da linguagem e da imagem é aqui fundamental.

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[...] esses processos são a ação de sujeitos que agem através de suas representações da realidade e que constantemente reformulam suas próprias representações de representações! Isso implica, metodologicamente falando, compreender como os sujeitos, na maneira como cada um de nós age, chegam a operar ao mesmo tempo para se definir a si mesmos e para agir no social [...] (MOSCOVICI, 2003, p. 218).

A educação inclusiva de estudantes com deficiência, especificamente no

ensino médio, é pouco discutida tanto no mundo acadêmico quanto nas escolas. Tal

fato pode contribuir para causar certo incômodo ao professor no que tange à educação

de PCD, porque se trata de algo novo e desconhecido para ele, não tendo, desta

forma, significação elaborada.

Com base nas pesquisas de Santos e Andrade (2003), os professores do

ensino médio tendem a sobrepor os conteúdos disciplinares de curso aos

conhecimentos pedagógicos. Consequentemente, as disciplinas relacionadas à

formação em licenciatura acabam por ser desvalorizadas. Desta forma, o ato de

ensinar e como ensinar a estudantes com deficiência passa a segundo plano. Partindo

dessa premissa, questiona-se qual a representação social do professor frente ao

estudante com deficiência em salas de aulas regulares, uma vez que as disciplinas

pedagógicas passam a ser “adereço” e não mais uma peça fundamental na

aprendizagem destes alunos. Agregado a esse aspecto, tem-se o fato da antiga

concepção, de que ensinar as PCD, bem como a aprendizagem destes sujeitos requer

total dedicação. Nas palavras de Jovchelovitch (2011, p. 174-175).

A questão de quem está implicado no trabalho representacional e em relação a que outros significativos este trabalho ocorre é central para definir as condições de representabilidade de um sistema de saber. O “quem” do saber nos faz voltar ao problema da identidade e aos processos pelos quais atores representam tanto a si mesmos como a outros quando se engajam em atos de saber. (JOVCHELOVITCH, 1995; DUVEEN, 2001b). Ele se relaciona não apenas à identidade, individual e social, mas também ao posicionamento e ao status dos sujeitos no campo social. Representações são sempre construídas por alguém em relação a algum outro (JODELET, 1989, 1991) e esta dinâmica está presente de forma plena no resultado representacional.

De acordo com Jodelet (2007), o sujeito social constrói constantemente o saber,

em sua a experiência vivida. Tal conhecimento cria suas próprias raízes, a partir do

momento em que é partilhado culturalmente e contribui para a construção de práticas

em uma sociedade. Pode-se afirmar, portanto, que, ao refletir sobre as representações

sociais dos professores, pensamos em algo que seja inerente ao docente.

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Nesse sentido, a representação social é atravessada por emoções, sentimentos

e sensações que caracterizam o indivíduo como sujeito social. Dessa forma, as

representações dos professores estão relacionadas tanto aos conhecimentos

reificados apropriados por ele, quanto aos conhecimentos de senso comum,

apreendidos no meio social, cultural e pela interação com o outro (JODELET, 2001).

Para Jodelet “a transformação do público escolar terá um efeito sobre as

representações da função de professor” (2007, p.18), o que reflete diretamente na

representação do professor frente aos estudantes. Dependendo da representação que

o professor tem da classe, ou de seus alunos, ou especificamente do estudante com

deficiência, as suas práticas pedagógicas podem ser mais bem sucedidas,

aumentando a receptividade do estudante com relação à aprendizagem por ele

desenvolvida.

As representações sociais estão presentes no cotidiano da vida das pessoas:

em suas narrativas, na realidade do que acontece e é transformado em contexto

definido como real, social e histórico, dependendo de como e em que circunstâncias

essas narrativas são produzidas (JODELET, 2001). Isto se aplica ao conhecimento

historicamente e culturalmente construído acerca da PCD pelos docentes. Para

Jovchelovitch,

O termo saber social pode se referir a qualquer conhecimento, mas a teoria está especialmente interessada no fenômeno das representações sociais, que compreende os saberes produzidos na, e pela vida cotidiana. Neste sentido, a teoria das representações sociais pertence a uma tradição que chamo de fenomenologia da vida cotidiana, preocupada em compreender como pessoas comuns, comunidades e instituições produzem saberes sobre si mesmas, sobre outros e sobre a multidão de objetos sociais que lhes são relevantes. Com outras disciplinas vizinhas, ela partilha o interesse em trazer à luz a estrutura das visões de mundo, das crenças e formas de vida que produzem teorias sobre a vida cotidiana e os saberes que ela contém. Este saber, é sempre plural, está profundamente ligado ao mundo de vida e à experiência vivida de uma comunidade, demarcando seus referenciais de pensamento, ação e relacionamento. [...] A fenomenologia da vida cotidiana, contudo, se interessa precisamente pela legitimidade de tais saberes e das dimensões que eles expressam: identidades, práticas, relações, tradições culturais e a história de uma comunidade (JOVCHELOVITCH, 2011, p.87).

No movimento dinâmico e dialógico de construção de uma representação sobre

os estudantes com deficiência, os professores traduzem e analisam a seu modo o

entendimento de como lidar e educar uma PCD:

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Por tudo isso, a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais (MANTOAN, 2003, p. 32).

Partindo do pressuposto de que o estudante com deficiência no ensino médio,

de uma escola regular é considerado o outro, e que esse outro é alguém totalmente

desconhecido, havemos de considerar que ele consiste em um motivador para

elaboração de representações por parte da comunidade escolar. É muito importante

que se tenha a preocupação em tornar o conhecimento sobre o estudante com

deficiência, em algo familiar ao professor, para que este possa desenvolver suas

práticas de forma segura, transmitindo assim a autoconfiança de que o aluno

necessita.

As representações sociais criam uma base de informações que são

compartilhadas entre as pessoas, formando assim, o senso comum, o conhecimento

adquirido pelo indivíduo sobre a realidade do mundo social. Os sujeitos sociais criam

suas próprias representações, construindo suas referências por meio da interação

com o outro, sendo compartilhada com um grupo social e atendendo às necessidades

desse grupo. Assim, as representações sociais podem ser vistas como o mecanismo

que as pessoas usam para tentar compreender tudo o que gira ao seu redor, sempre

de acordo com a cultura e comunidade em que vivem.

Sob esse ponto de vista, as crenças e comportamentos sobre determinado

assunto coexistem como parte de um sistema de significação (JOVCHELOVITCH,

2011, p. 34). As representações auxiliam o docente não só a compreender o fenômeno

da educação inclusiva, como também a tomar decisões a respeito de como lidar com

esse estudante em sala de aula; são como sistemas de interpretação que exercem

influência sobre o sujeito, em como lidar com o mundo e com os outros: o professor e

o estudante com deficiência.

Este é um reflexo do comportamento em resposta à coletividade social

(JOVCHELOVITCH, 2011; MOSCOVICI, 2000). Dessa maneira, as representações

sociais desempenham um papel relevante, uma vez que orienta interações e fornece

um sentido significativo para as ações. Nessa interação entre professor e aluno, o

senso comum construído frequentemente orienta as ações do professor, refletindo

positiva ou negativamente na docência.

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Imagem 4 – Estudante com Síndrome de Asperger

Fonte: arquivo pessoal (autorizado pelo responsável)

CAPÍTULO III

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3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA E RESULTADOS OBTIDOS

"Tirar o primeiro lugar não tem importância quando você é impedido de aprender. Quando

alguém lhe tira as canetas, você se dá conta de como a educação é importante. "(Malala

Yousafzai).

Deste capítulo constam as principais informações acerca da estratégia

metodológica elaborada, de modo a ofertar ao leitor uma caracterização do contexto

da pesquisa e do método de recolha, sistematização e análise das informações

obtidas pela investigação, bem como os resultados encontrados.

Foram utilizados como fundamentação deste estudo os preceitos da pesquisa

qualitativa (MINAYO,2011; STAKE, 2011), ao fazer-se uso da técnica de grupo focal

para recolha de informações (GATTI, 2012; KITSZINGER, 2005; MARKOVÁ, et.al,

2007).

As sessões de grupo focal foram transcritas, resultando em um considerável

corpus textual. Inicialmente, tal material foi sistematizado de modo que fosse possível

o processamento do programa computacional Alceste, que procede uma análise

lexical. Tendo em vista o insuficiente aproveitamento do corpus para a elaboração de

classes de palavras pelo referido programa, a presente investigação recorreu, em um

segundo momento, à análise de conteúdo, na confluência das proposições de Franco

(2012), Bardin (2011) e Gaskell (2000).

3.1 A abordagem qualitativa

A pesquisa qualitativa tem como caraterística principal a busca pelos

conhecimentos, senso comum, sentimentos, vivência, experiência, atitudes dos

sujeitos pesquisados a respeito de algo. Segundo Minayo (2011) estas são a matéria

prima a serem utilizadas em uma pesquisa qualitativa, além de procurar compreender,

interpretar e dialetizar tais informações. Para a autora,

O sentido da experiência é a compreensão: o ser humano compreende a si mesmo e ao seu significado no mundo da vida. Por ser constitutiva da existência humana, a experiência alimenta a reflexão esse expressa na linguagem. Mas, a linguagem não traz a experiência pura, pois vem organizada pelo sujeito por meio da reflexão e da interpretação em que o narrado e o vivido por si estão encaminhados na e pela cultura, precedendo à narrativa e ao narrador sobre a experiência. Embora a experiência possa

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ser a mesma para vários indivíduos a vivência de cada um sobre o mesmo episódio é única e depende de sua personalidade, de sua biografia e de sua participação na história. Embora pessoal, toda vivência tem como suporte os ingredientes do coletivo em que o sujeito vive as condições em que ela ocorre. O senso comum pode ser definido como um corpo de conhecimentos provenientes das experiências e das vivências que orientam o ser humano nas várias ações e situações de sua vida. Ele se constitui de opiniões, valores, crenças e modos de pensar, sentir relacionar e agir. O senso comum se expressa na linguagem, nas atitudes e nas condutas e é a base do entendimento humano. Dado o seu caráter de expressão das experiências e vivências, o senso comum é o chão dos estudos qualitativos. A ação (humana e social) pode ser definida como o exercício dos indivíduos, dos grupos e das instituições para construir suas vidas e os artefatos culturais, a partir das condições que eles encontram na realidade (MINAYO, 2011, p. 2).

Esta reflexão, a qual Minayo (2011) nos propicia a respeito da análise

qualitativa, está afinada ao proposto por Moscovici, quando o autor retrata as

representações sociais, pois estas consistem num conhecimento de senso comum.

Fazendo a interface com nossa pesquisa, cria-se a possibilidade de fazer uma

analogia com a representação social dos professores do IFSP frente aos estudantes

com deficiência, e os saberes sociais sobre PCD por eles elaborados no decorrer de

suas trajetórias e experiências como docentes, uma vez que,

O verbo principal da análise qualitativa é compreender. Compreender é exercer a capacidade de colocar-se no lugar do outro, tendo em vista que, como seres humanos, temos condições de exercitar esse entendimento. Para compreender, é preciso levar em conta a singularidade do indivíduo, porque sua subjetividade é uma manifestação do viver total. Mas também é preciso saber que a experiência e a vivência de uma pessoa ocorrem no âmbito da história coletiva e são contextualizadas e envolvidas pela cultura do grupo em que ela se insere. Toda compreensão é parcial e inacabada, tanto a do nosso entrevistado, que tem um entendimento contingente e incompleto de sua vida e de seu mundo, como a dos pesquisadores, pois também somos limitados no que compreendemos e interpretamos (MINAYO, 2011, p. 3).

Nesse sentido, o grupo focal foi entendido como uma satisfatória estratégia de

coleta de informações de docentes sobre as PCD, uma vez que, no âmbito da

abordagem qualitativa, tal estratégia permite alcançar visões subjetivas dos

respondentes, bem como seus depoimentos pessoais a respeito das experiências por

eles vivenciadas, em que a heterogeneidade das falas tece uma trama de informações

(MINAYO, 2011, p.4).

Em outras palavras, buscou-se, com essa abordagem qualitativa, compreender

as representações do professor e como tais representações repercutem em suas

práticas profissionais, tomando como base a seguinte orientação de Stake (2011)

sobre o viés interpretativo:

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É comum que as pessoas suponham que a pesquisa qualitativa é marcada por uma rica descrição de ações pessoais e ambientes complexos, e ela é, mas a abordagem qualitativa é igualmente conhecida [...] pela integridade de seu pensamento. Não existe uma única forma de pensamento qualitativo, mas uma enorme coleção de formas: ele é interpretativo, baseado em experiências, situacional e humanístico. Cada pesquisador fará isso de maneira diferente, mas quase todos trabalharão muito na interpretação. Eles mostrarão a complexidade do histórico e tratarão os indivíduos como únicos, mesmo que de modos parecidos com outros indivíduos (STAKE, 2011, p. 41). [...] Os pesquisadores baseiam suas interpretações sobre como as coisas funcionam na compreensão, às vezes, compreendendo medidas e modelos. Os pesquisadores qualitativos, ao contrário, chegam a muitas (talvez a maioria) de suas interpretações por meio da compreensão experiencial. Pode ser uma compreensão a partir de sua própria experiência pessoa, ou das lembranças e objetos da experiência pessoal de outras pessoas. (STAKE, 2011, p. 57).

3.2 O grupo focal como estratégia de recolha de informações

O grupo focal teve sua origem na Segunda Guerra Mundial. Essa técnica

começou a ser realmente utilizada pelos sociólogos Robert Merton e Paul Lazarsfeld.

Voltou a ser utilizada nos anos 60 e 70, mas sua grande evolução se deu na década

de 80, quando foi utilizada para a comunicação em massa, como propaganda, pois

atingia diretamente o público. O contexto social, político, econômico e disciplinar do

aparecimento do grupo focal é o aparecimento da comunicação de massa. As

mensagens sobre a guerra eram transmitidas via rádio e, por meio de um estudo feito

durante esse período, Merton conseguiu identificar quão persuasivas eram essas

mensagens perante o público. Essa técnica perpetuou-se mesmo após a guerra, até

que Fiske, Kendall e Merton publicaram o livro chamado “The Focused Interview”,

nome utilizado na época, pois, dessa forma, era possível fazer uma distinção entre a

entrevista em grupo e a individual. A partir disso, os grupos focais decolaram,

tornando-se uma metodologia de pesquisa muito comum em marketing, pois era um

método que poderia identificar qual a preferência do público com relação a

determinados produtos. Após esse período, o modelo behaviorista dominou, até que,

por fim, nas duas últimas décadas, os grupos focais tornaram-se uma metodologia de

pesquisa muito usual, principalmente nas ciências sociais, psicologia social,

abrangendo também outras áreas como a educação, saúde, enfim áreas acadêmicas

que tivessem um envolvimento direto com o público, podendo captar, assim, as

informações por eles fornecidas. (MARKOVÁ, et.al, 2007).

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Na sociologia, de Toraine, o método era empregado de outra maneira, em que

o foco se voltava totalmente para o indivíduo na sociedade ou para um grupo na

sociedade/social. Esse método de pesquisa era e continua sendo muito usado na

psicologia social, pois fornece subsídios necessários para que seja feita uma

observação minuciosa e abrangente do objetivo a ser pesquisado. Nessa triangulação

Pesquisador, objeto e o grupo ocorre uma interação e, nesse sentido, a especificidade

do grupo focal é muito compatível com o campo das representações sociais. Ocorre

um intercâmbio de informação que só é possível por haver a possibilidade de analisar

o que se sabe sobre determinado objeto: atitude, informação e representação social.

(MARKOVÁ, et.al, 2007).

Daí a razão por ser o grupo focal um método de pesquisa tão utilizado nas

representações sociais. Pode-se estabelecer um paralelo entre o grupo focal e os

princípios metodológicos propostos por Moscovici (2012) em como deixar fluir

determinado assunto por meio de conversações, passível de ser mudado,

transformado na sociedade. Nele, o sujeito cria, modifica, altera as representações

sociais como meio de recriar a realidade. Muito similar a uma roda de conversa, a um

“bate-papo”, os grupos focais permitem observar, analisar essa troca de informação,

sociabilizando esse conhecimento adquirido. (MARKOVÁ, et.al, 2007).

Daí a interferência das representações, como também suas reformulações, ao

que Moscovici deixa explícito:

Isso significa que representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um “referencial de um pensamento preexistente”; sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas são, sobretudo, o objeto de um permanente trabalho social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode sempre ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e, consequentemente, aceitáveis. Esse processo de troca e composição de ideias é sobretudo necessário, pois ele responde às duplas exigências dos indivíduos e das coletividades. Por um lado, para construir sistemas de pensamento e compreensão e, por outro lado, para adotar visões consensuais de ação que lhes permitem manter um vínculo social, até mesmo a continuidade da comunicação da ideia (MOSCOVICI, 2013, p. 216).

O grupo focal tem como característica principal o agrupamento de algumas

pessoas selecionadas para discutir determinado assunto. Assim sendo, essa técnica

proporciona uma ampla visibilidade às sensações ocorridas durante o procedimento,

bem como um atendimento maior às teorizações obtidas com ele.

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Segundo Jenny Kitszinger (2005), é fundamental que se crie uma atmosfera

relaxante a todos os integrantes do grupo, a fim de que o assunto (objeto de pesquisa)

flua de forma mais natural possível. Para a autora, é justamente a atividade coletiva

que proporciona condições para que isso aconteça. O problema a ser colocado em

pauta no grupo focal deverá ser um assunto que exponha os pontos de vista dos

participantes, bem como suas experiências, pois dessa forma poderá ser analisado o

que se pretende buscar.

Marková, et. al. (2007, p. 34) acreditam que é possível observar com os grupos

focais, as reações dos sujeitos, suas expressões, como o profundo conhecimento do

assunto a ser debatido. Por outro lado, para Gatti (2012, p. 13),

O trabalho com grupos focais oferece boa oportunidade para o desenvolvimento de teorizações em campo, a partir do ocorrido e do falado. Ele se presta muito para a geração de teorizações exploratórias até mais do que para a verificação ou teste de hipóteses prévias. Não que não possa ser usado para essa verificação. Porém a riqueza do que emerge “a quente” na interação grupal, em geral, extrapola em muito as ideias prévias, surpreende, coloca novas categorias e formas de entendimento, que dão suporte a inferências novas e proveitosas relacionadas com o problema em exame. (GATTI, 2012, p. 13).

Acredita-se, portanto que o grupo focal foi a estratégia metodológica mais

adequada a esta investigação, pois ela favoreceu o entendimento da realidade com

base nas relações dos professores com o universo escolar, com sua rotina, ações e

reações em sua vida, valores e preconceitos.

3.3 O contexto da pesquisa

Na trajetória desta pesquisa foi priorizada não só a busca de fontes empíricas

que possibilitassem a caracterização do campo de pesquisa, a saber, o campus São

Paulo do Instituto Federal de São Paulo. A historiografia foi citada com o intuito de

informar acerca da origem e da criação dos institutos federais. Vale ressaltar que a

instituição de ensino teve seu percurso traçado a partir da década de 40, mais

precisamente no ano de 1942, quando as escolas técnicas e industriais adquiriram

força profissionalmente, em nível nacional.

No contexto paulistano, ano de 1909, foram criadas escolas para formar

artífices, pois, na época, fazia-se necessário devido à demanda das indústrias

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implantadas no estado de São Paulo. Em seguida, no ano de 1910, houve a criação

da Escola de Aprendizes e Artífices de São Paulo; este foi o primeiro nome recebido

pelo atual instituto. Na escola criada pelo governo federal, oferecia-se o ensino

profissionalizante, totalmente gratuito. No decorrer dos anos, até 1937, quando o

nome mudou para Liceu Industrial de São Paulo, o país sofreu algumas reformas

administrativas, mas a escola foi se remodelando cada vez mais, adquirindo corpo e

forma à sua estrutura. Em 1942, apor meio de um Decreto-Lei, houve uma

reorganização nos cursos técnicos, passando a ser reconhecido pelo Ministério da

Educação. Ainda em 1942, com o surgimento de outro Decreto, o de número 4.127/42,

deu-se o surgimento de novos cursos técnicos, bem como a alteração do nome para

Escola Técnica de São Paulo. Entretanto, esse Decreto condicionava a escola à

construção de instalações propícias e adequadas ao surgimento de novos cursos

técnicos relacionados aos maquinários idealizados na época.

Em 1959, a alteração para o consagrado nome de Escola Técnica Federal de

São Paulo, ocorreu. Foram implementados novos cursos técnicos, em conjunto com

o segundo grau, atual Ensino Médio. A este curso denominou-se integrado. Em 1999,

a antiga Escola Técnica Federal de São Paulo é transformada em Centro Federal de

Educação Tecnológica de São Paulo (CEFET-SP), constituindo-se em autarquia

federal, com total autonomia administrativa, financeira e pedagógica. Mas foi em

dezembro de 2008, por meio da Lei 11.892/88, que o CEFET-SP se transformou em

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, caracterizando-se

como instituição de ensino básico, superior e profissional.

Com a alteração administrativa, financeira e pedagógica, embora sendo uma

autarquia do governo federal, a instituição tinha como comprometimento a formação

de profissionais para o mercado de trabalho, e também do ensino básico integrado.

Durante todos esses anos, e desde sua formação, o IFSP tem como premissa

proporcionar a seus alunos um ensino de qualidade. No entanto, a difícil tarefa de

reestruturação total dentro da instituição foi muito árdua para todos os servidores; no

que tange às estruturas financeira, administrativa e, sobretudo, educacional. Até hoje,

pode-se dizer que existe certa resistência por parte dos professores, principalmente

daqueles que já atuavam há algum tempo, no que diz respeito às novas

reestruturações e características da instituição.

Pode-se dizer que há uma ambivalência de opiniões entre os docentes no que

concerne à reforma. Aqueles que já faziam parte da casa divergem dos recém-

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ingressos. Contudo, tal reforma educacional era inevitável, uma vez que o governo

federal já havia decretado a criação dos institutos federais em quase todos os estados

brasileiros, conforme Decreto 6.095/07. Os primeiros a se transformarem em institutos

federais foram os do estado de São Paulo. Mesmo havendo certa resistência por parte

dos servidores federais a essa renovação na instituição, fazia-se necessário

compreender a urgência de repensar a educação e a escola, bem como os valores

indispensáveis aos estudantes/trabalhadores, sob uma perspectiva capaz de

responder às suas aspirações. A preocupação residia nas estratégias de formação

não apenas dos estudantes, mas do acompanhamento dos egressos, com vistas a

torná-lo habilitado e capaz nas diversas propostas dos cursos.

O investimento da instituição não residia somente na educação técnica e

básica, haja vista os cursos técnicos integrados ao ensino médio e técnicos

concomitantes e subsequentes, mas também, nos cursos superiores e de pós-

graduação que, a partir de então, proporcionariam uma visibilidade maior à instituição,

bem como dariam fomento à pesquisa e extensão de projetos criados (PACHECO,

2009). Por outro lado, além da escola instaurada na cidade de São Paulo, toda a

Grande São Paulo abraçaria a oportunidade de receber um instituto federal com

cursos variados e com qualidade elevada, devido à rígida seleção de seus professores

concursados, bem como de seus discentes. Dessa maneira, os inúmeros estudantes

poderiam usufruir de um ensino de alto nível e de qualidade proporcionado pela

instituição. O IFSP, com base no artigo 205, da Constituição Brasileira de 1988,

consolida em seu Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI), data base de 2014

a 2018, o objetivo principal do Instituto Federal é criar subsídios necessários e

estabelecer parâmetros e diretrizes para a constante elevação e desempenho dos

estudantes e profissionais que se formam, independentemente de sua classe social,

O IFSP, historicamente, constitui-se como espaço formativo no âmbito da educação e do ensino profissionalizante. A sua identidade vem sendo continuamente construída a partir de referenciais ético-políticos, científicos e tecnológicos presentes nos seus princípios e diretrizes de atuação. Estes refletem a opção da Instituição em abarcar diversas demandas da sociedade, incluindo a escolarização daqueles que, no contexto da vida, não participaram das etapas regulares de aprendizagem. Acompanhando os processos de transformação no mundo do ensino e do trabalho, e com a perspectiva de diminuição das desigualdades sociais no Brasil, busca construir uma práxis educativa que contribua para a inserção social, para a formação integradora e para a produção do conhecimento. (IFSP, 2014-2018, p. 29).

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No entanto, a colaboração e empenho dos docentes é fundamental para que

se obtenha sucesso em todas as suas propostas e ações junto ao seu público alvo, o

estudante. A educação profissional muitas vezes se mistura com o processo de

educação em geral, em razão da formação integral, que se baseia em socialização

para a atuação na vida social em qualificação para o trabalho, compreendido como

resultado das condições gerais do ser humano. Partindo desse pressuposto é que o

IFSP preza pelas políticas de acesso às PCD, visando tanto seu aprendizado, em vias

de ter uma educação de qualidade, quanto seu bem-estar dentro da instituição.

As instituições educacionais são espaços democráticos propícios para a aprendizagem, garantindo o direito de aprender. Dessa forma, todos podem ter acesso a uma educação de qualidade e equidade. Para que essa ação seja implementada, é necessário pensar em políticas que assegurem a democratização do acesso e a permanência do estudante na escola, bem como o respeito às diferenças apresentadas. (IFSP, 2014, p. 284).

O IFSP parte da premissa que este deve ser um cidadão crítico,

independentemente de sua classe social, conforme afirma Krawczyk (2013):

O desafio da escola é proporcionar aos jovens, ferramentas que os desloquem do lugar de espectadores passivos e lhes permitam interagir e decodificar, de forma crítica, esses novos códigos culturais apresentados pelos meios audiovisuais e eletrônicos; compreender os interesses em jogo, os propósitos implícitos etc. É uma mudança radical do projeto cultural da escola. ” (2013 apud Barbero, 2002; Tiramonti, 2005).

Desde 2008, quando da transição de uma escola com princípios básicos e

técnicos à implantação da nova denominação, os professores foram os que mais se

ressentiram e sofreram algumas consequências devido ao impacto repentino da

mudança de CEFET para IF. Segundo PARDAL et. al. (2007), de 160 mil vagas que

eram oferecidas para o ingresso de estudantes por ano, passariam para 274 mil (para

que, em 2010, chegasse a 500 mil), o que implicaria em um número

consideravelmente maior de alunos, bem como na implementação de cursos

superiores. Além disso, o autor ainda enfatiza que os institutos federais possuem

características de universidades, apesar de não serem:

Apresentarão nas particularidades da formação profissional ofertada, assim como na peculiaridade de suas práticas científico-tecnológicas e na inserção territorial, os principais aspectos definidores de sua existência, traços que os aproximam e, ao mesmo tempo, os distanciam das universidades clássicas. (Pacheco, et.al., 2009, p. 6)

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Dessa forma, um único docente passou a ministrar aulas do Técnico Integrado

ao Ensino Médio à pós-graduação. Essas aulas de 45 minutos eram e continuam

sendo duplicadas (as famosas “dobradinhas”), o que facilita e viabiliza as aulas

práticas e teóricas, em todos os cursos oferecidos pelo Instituto. Com a inserção de

estudantes com deficiência em sala de aula, a instituição, por meio do PDI (2014-

2018), constituiu ao Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades

Específicas (NAPNE).

Cabe ao NAPNE de cada campus, assegurar os direitos do estudante com

deficiência, em termos pedagógicos ou estruturais, no compartimento da instituição.

Como uma das ações diretivas e inclusivas, por meio do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas – NAPNE, o IFSP propõe a instauração de políticas de acessibilidade arquitetônica e pedagógica que promovam o acesso, a permanência e a saída exitosa dos alunos com deficiências. O objetivo dessas ações é contribuir com o desenvolvimento voltado à valorização das diferenças e da diversidade, a promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais, promovendo ainda a integração com as áreas de extensão e pesquisa para estimular a implementação dessas ações. (PDI 2014-2018, p. 284).

A mudança imposta pelo governo federal implicou a reformulação de todos os

cursos existentes no IF (apesar de nem todos terem sido reformulados). Foi

necessário rever todos os cursos e viabilizar as grades curriculares, de modo a

acompanhar o desenvolvimento de cada área. Além disso, considerou-se a

possibilidade de haver em sala de aula alunos com deficiência, haja vista a resolução

137/14, artigo 17, incisos XIII e XIV,

Planejar e desenvolver anualmente atividades de ações inclusivas para as comunidades interna e externa, de forma a que constem no calendário oficial do campus, independentemente de matrícula de estudantes, público alvo da educação especial; Orientar e auxiliar os docentes do campus quanto ao processo de inclusão de estudantes público-alvo da educação especial com Necessidades educacionais específicas no campus.

A inovação se perpetuou apenas nos cursos novos e instaurados, juntamente

com a implementação do IFSP, no entanto, não é sistemática a formação docente e a

atenção ao estudante com deficiência, apesar de a vida acadêmica do professor ser

valorizada, em termos de titulação, ao longo de sua carreira:

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Quando do concurso público para ingresso no IFSP, a experiência acadêmica e profissional recebe pontuação na prova de títulos e continua a ser valorizada ao longo da vida docente dentro da Instituição. Esse processo se realiza por meio de critérios acadêmicos (formação e atualização continuada), avaliando-se a titulação e as atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção profissional relevante. (PDI 2014-2018, p. 287).

Encontramos no IFSP, hoje, aproximadamente seiscentos e dezesseis

docentes doutores, oitocentos e quarenta e sete mestres, cento e oitenta e dois

especialistas e quatro graduados; totalizando um mil, seiscentos e quarenta e nove

educadores. Apenas no campus São Paulo (onde foi realizada a presente pesquisa),

aproximadamente trezentos e sessenta professores. Há uma mescla entre os sexos

masculino e feminino; quando nos referimos à área do núcleo comum, pode-se dizer

que há uma preponderância do sexo feminino; no entanto, na área técnica prevalece

o sexo masculino.

Embora tenhamos professores, em sua maioria titulados, ainda estamos muito

longe de ser uma escola inclusiva, ou pelo menos em vias de concebê-la como tal.

Portanto, conhecer, ou melhor dizendo, saber se existe ou não uma representação

social dos professores perante os estudantes com deficiência, tornou-se mister neste

trabalho.

3.4 Critérios de Seleção dos Sujeitos

Tendo em vista que “Os grupos focais são espaços de comunicação que

permitem observar as interações, as memórias e as representações em processo”

(KALAMPALIKIS, 2011, p. 436), realizadas duas sessões de grupo focal.

O primeiro grupo foi composto por 8 (oito) professores com mais de 10 (dez)

anos de docência e o outro grupo foi composto por 6 (seis) professores com até 10

(dez) anos de docência. O que orientou a constituição de dois grupos foi, sobretudo,

a hipótese de que o tempo de docência poderia influir na relação de constituição

subjetiva e identitária do ser professor11. Tal critério foi adotado com base na pesquisa

de Novaes (2015), quando foi possível identificar que professores com mais de dez

anos de docência constituem sua subjetividade a partir de um lócus interno à relação

11 Os critérios de inclusão dos professores para participação do grupo focal foram: o

tempo de docência, o consentimento do professor e os cursos em que atuam.

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professor/aluno, e que, por sua vez, os docentes com menos tempo de experiência

constituem sua subjetividade a partir de um lócus externo. Conforme Novaes (2015),

[...] a pesquisa desenvolvida, ao adotar a abordagem teórica das representações sociais, apontou a necessidade de considerar os diferentes outros envolvidos no contexto educacional. Estando as políticas públicas no campo educacional apartadas dos interesses daqueles afetados por ela, acabam por estimular a constituição da subjetividade dos professores [com menos de 10 anos de docência], reguladas por um lócus de controle externo. Em outros termos, tais políticas contribuem para a constituição de subjetividades que se fundam nos outros institucionais (a escola, a rede de ensino, o governo, a mídia) em detrimento de um lócus de controle interno à prática docente, fundamentado na relação do professor com o outro (estudante) que dá sentido a sua profissão. (NOVAES, 2015, p. 339).

Contou-se com a presença de docentes ativos, em cada grupo, do curso

Técnico Integrado ao Ensino Médio, nas quatro modalidades existentes: Mecânica,

Eletrônica, Eletrotécnica e Informática. Foi feito uma mescla de professores do núcleo

comum e área técnica, de forma que pudesse haver uma heterogeneidade dos

mesmos, assim como uma diversificação de pensamentos e considerações frente ao

objeto da representação.

O primeiro passo foi entrar em contato com a direção da instituição escolhida,

solicitando autorização para a realização da pesquisa com seus respectivos

professores. Após o consentimento da direção, foi definido o critério da escolha dos

participantes. Docentes com mais de dez anos de atuação no ensino e docentes com

menos tempo de carreira, em diferentes áreas. Após o contato com os professores,

foi explicado o objetivo da pesquisa, que sua participação seria voluntária, e todos

tinham plena liberdade para participar ou não, já comunicando dia e horário do

encontro de cada grupo. Um dia antes da data marcada, foi enviado um correio

eletrônico e/ou uma mensagem por Whats.app aos dez colaboradores, para

confirmação de participação. Entretanto, dois professores não puderam participar da

pesquisa devido a problemas pessoais. Dessa forma, os grupos focais foram

realizados com os participantes, conforme indicado nos quadros 1 e 2. Na data

agendada, foi entregue a cada professor do grupo, o Termo de Consentimento e o

Questionário de perfil socioeconômico; logo após, foi retomado o objetivo da pesquisa,

bem como, informados que o encontro seria gravado em áudio e vídeo, obtendo a

concordância de todos os participantes.

Os grupos focais foram realizados na própria instituição federal, em uma sala

de aula e tiveram duração aproximada de 1h30 (uma hora e trinta minutos). Para

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garantir a preservação do conteúdo e não comprometer os dados, as sessões foram

gravadas em áudio e vídeo, e transcritas pelo pesquisador, sem nenhuma alteração

no conteúdo (Apêndice D).

Para garantir o anonimato dos professores, foram utilizados nomes fictícios e

os mesmos foram divididos em dois grupos, conforme quadros que seguem:

Fonte: Dados da pesquisa.

Quadro 2: Grupo 2 - Professores com mais de 10 anos de docência.

Fonte: Fonte: Dados da pesquisa.

O grupo focal ocorreu a partir de um roteiro preestabelecido (Apêndice D), que

visou compreender se os professores possuem uma representação social dos

estudantes com deficiência (se sim, qual), além da compreensão e práticas

NOME

FAIXA

ETÁRIA SEXO TEMPO DE

DOCÊNCIA FORMAÇÃO ACADÊMICA

1 Amanda 30 a 39 F 10 Doutorado

2 Antônio 40 a 49 M 4 Doutorado

3 Júlio 30 a 39 M 8 Doutorado

4 Fatima 30 a 39 F 6 Especialização

5 Alana 30 a 39 F 5 Doutorado

6 Laís 20 a 25 F 2 Graduação

NOME FAIXA

ETÁRIA

SEXO TEMPO DE

DOCÊNCIA

ESCOLARIDADE

1 Francisco 40 a 49 M 23 Doutorado

2 Fabio 40 a 49 M 21 Doutorado

3 Neymar 40 a 49 M 14 Doutorado

4 Elza Mais de 50 F 36 Doutorado

5 Cristal 40 a 49 F 25 Doutorado

6 Barbara Mais de 50 F 29 Doutorado

7 Zenaide 40 a 49 F 23 Especialização

8 Vitor 40 a 49 M 15 Doutorado

Quadro 1: Grupo 1 – Professores com até de 10 anos de docência.

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educacionais inclusivas, em sala de aula. O roteiro do grupo focal centrou-se nas

práticas docentes em sala de aula, junto às PCDs, no que tange os métodos de ensino

na diversidade de cursos técnicos que requerem maior habilidade e dedicação por

parte dos alunos, nas variadas disciplinas técnicas.

Ao iniciar os grupos focais, a pesquisadora tomou como base seu roteiro de

perguntas. No entanto, como já era previsto, e com base nas argumentações de

Kitzinger (1994), verificou o que, como e por que as pessoas participantes pensam de

determinada maneira. Dessa maneira, o que havia sido idealizado inicialmente para

as sessões de grupo focal, tornou-se uma conversa dinâmica e bem flexível,

permitindo que os sujeitos falassem de maneira espontânea, desencadeando

“ganchos” para outras perguntas que surgiram no decorrer do encontro, flexibilizando,

também, o roteiro das perguntas.

Vale salientar, que foi de extrema importância estar frente aos professores,

permitindo a observação da reação dos mesmos diante de alguns assuntos ou

perguntas propostas, ou até mesmo perguntas que surgiram e se desenrolaram no

decorrer da conversa.

3.5 Sistematização e Análise das informações recolhidas

Após a realização dos grupos focais, as gravações foram transcritas e

confrontadas com as anotações realizadas pela pesquisadora. Tal corpus textual foi

sistematizado de modo a permitir o processamento do programa computacional

Alceste.

O Alceste é um programa computacional francês, criado por Max Reinert (1986)

(ARRUDA; SOUSA, 2013, p. 32). Ele permite que seja feita uma análise lexical de um

corpus textual. Para Reinert (1986), o programa possibilita a verificação e a análise

de materiais linguísticos. Todo esse “jogo de palavras” possibilita a uma análise

lexicográfica do contexto estudado, baseada no vocabulário e nos segmentos de texto

que fazem parte desse vocabulário. Para o autor, “todo discurso expressa um sistema

de mundos lexicais”, que dão coesão e coerência a um enunciado. “O mundo lexical”

é um conjunto de palavras que formam a unidade mínima de significação (ALBA, 2004,

p. 1.2).

Tal como descrito no relatório síntese, a seguir reproduzido, o corpus composto

pela transcrição dos dois grupos focais foi analisado utilizando a metodologia Alceste,

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que consiste em uma configuração padrão, em que os valores dos parâmetros são

predefinidos de acordo com o tamanho do texto a ser analisado.

O programa Alceste, depois de cortar o corpo em unidades textuais pequenas,

executa duas classificações sucessivas. Como indicado a seguir, apenas 54% das

unidades de texto do referido corpus foram classificadas (índice de relevância) e 46%

foram descartados da análise.

As unidades classificadas foram divididas em 4 grupos que chamamos de

classes de discurso. Cada classe foi numerada e colorida na ordem em que apareceu

na classificação e simbolizada por pequenos aglomerados em um gráfico, indicando

o tamanho e a importância de cada uma. A especificidade de cada retângulo indica

que a Classe 1 foi a primeira a ser separada na árvore de classificação, pois seu

vocabulário é mais homogêneo. Ela representa 49% das unidades textuais

classificadas (27% do corpus inicial) e é caracterizada pelas palavras: era, nunca, até,

teve, estava, tinha. Em seguida veio a Classe 2, que representa 12% das unidades

textuais classificados (7% do corpus inicial). Suas palavras significativas são investig+,

tentar, cabe+, problem+, professor, materi+. Ela é seguida pela Classe 3, que

representa 20% das unidades textuais classificadas (11% do corpus inicial). Suas

palavras mais representativas são vem, especi+, necessidade, ideia, lugar, educação.

Por fim, a Classe 4, representa 19% das unidades textuais classificadas (9% do corpus

inicial), e é marcada pelas palavras física, deficiência, formar, seja, interessar, corpo.

A leitura detalhada do relatório constante do Apêndice E destaca as orientações do

corpus analisado.

Abaixo, encontramos uma síntese que está expressa mais detalhadamente no

apêndice E, que se refere ao programa computacional do Alceste:

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Imagem 5 - Relatório Síntese p.01

Fonte: dados da pesquisa

Imagem 6 - Relatório Síntese p.02

Fonte: dados da pesquisa

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Imagem 7 - Relatório Síntese p.03

Fonte: dados da pesquisa

Imagem 8 - Relatório Síntese p.04

Fonte: dados da pesquisa

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Imagem 9 - Relatório Síntese p.05

Fonte: dados da pesquisa

Imagem 10 - Relatório Síntese p.06

Fonte: dados da pesquisa

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Imagem 11 - Relatório Síntese p.07

Fonte: dados da pesquisa

Apesar das informações obtidas por meio do processamento do Programa

Alceste, procedeu-se a análise de conteúdo, haja vista o insatisfatório aproveitamento

do corpus (54%).

A análise de conteúdo é basicamente uma estratégia de quantificação de dados

verbais. Ela é amplamente utilizada em pesquisas qualitativas, e Bardin (2011) teve

grande influência no desenvolvimento desta metodologia, ao contribuir sobremaneira

para os estudos na área da educação. Neste trabalho seguiu-se as orientações de

Franco (2012), Bardin (2011) e Bauer (2000).

Bauer deixa explícito o seu conceito de análise de conteúdo:

A análise de conteúdo é apenas um método de análise de texto desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas. Embora a maior parte das análises clássicas de conteúdo culminem em descrições numéricas de algumas características do corpus do texto, considerável atenção está sendo dada aos “tipos”, “qualidades” e “distinções” no texto, antes que qualquer quantificação seja feita. Deste modo, a análise de texto faz uma ponte entre o formalismo estatístico e a análise qualitativa dos materiais. No divisor quantidade/qualidade das ciências sociais, a análise de conteúdo é uma técnica híbrida que pode mediar esta improdutiva discussão sobre virtudes e métodos. (BAUER, 2000, p. 190)

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Para Franco, produzir inferências é “a razão da análise de conteúdo” (2012, p.

32). É a inferência que assegura a relevância teórica. Além disso, a autora enfatiza

que:

[...] produzir inferências em análise de conteúdo tem um significado bastante explícito e pressupõe a comparação dos dados obtidos mediante discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de indivíduo e de sociedade. Situação concreta que se expressa a partir das condições da práxis de seus produtores e receptores acrescida do momento histórico/social da produção e/ou recepção (FRANCO, 2012, p. 33-34).

Considerando que os grupos focais desenvolvidos propiciaram um longo

debate a respeito do tema proposto, e com base na teoria das representações sociais,

a categorização dos dados visou compreender as significações dos professores sobre

estudantes com deficiência.

3.6 Apresentação e discussão dos resultados Buscou-se realizar uma análise do conteúdo da dinâmica grupal, com o intuito

de apurar as informações coletadas de forma precisa e segura, com vistas a não

intervir na voz dos participantes, apresentando “com ética e clareza os múltiplos

pontos de vista” (GATTI, 1998, p. 55).

Em uma abordagem meta científica, onde a interpretação dos signos é também

a compreensão do contexto, tenta-se alinhar o pesquisador com os membros

integrantes da pesquisa, com o intuito de compreender e interpretar com mais afinco

suas reações. Portanto, um dos objetivos dos grupos focais consiste em fazer com

que seus integrantes possam refletir de maneira consciente, tornando-os capazes de

executar mudanças no plano social. Em outros termos, o foco dessas análises são “as

opiniões surgidas a partir do jogo de influências mútuas que emergem e se

desenvolvem no contexto dos grupos humanos” (GONDIM, 2002).

A seguir, encontram-se sistematizadas informações a respeito da imagem do

estudante com deficiência, a concepção de inclusão, a experiência docente com PCD,

o suporte do NAPNE/IFSP e a formação docente para a educação inclusiva, o que

deixa patente a falta de estrutura ofertada aos docentes para o desenvolvimento de

trabalhos junto ao estudante com deficiência.

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- Tabela 1 - Quem é o estudante com deficiência para os professores?

Quem é o estudante com deficiência para os professores? Grupo 1

Categorias Frequência Esquizofrênico 2 Deficiente físico 0 Deficiente visual (cego) 0 Deficiente auditivo (surdo) 0 Deficiente intelectual 0 Autista 2 Transtorno Bipolar 1 Altas habilidades 1 Genérico 1

Grupo 2

Categorias Frequência Esquizofrênico 3 Deficiente físico 0 Deficiente visual (cego) 3 Deficiente auditivo (surdo) 1 Deficiente intelectual 0 Autista 1 Transtorno bipolar 0 Altas habilidades 1 Genérico 6

Fonte: dados da pesquisa

Tabela 2 - O que os professores entendem por inclusão?

Fonte: dados da pesquisa

O que os professores entendem por inclusão? Grupo 1

Categorias Frequência Aluno problema 4 Algo necessário 1 Difícil de se trabalhar 6 Não tem informação 6

Grupo 2

Categorias Frequência Aluno problema 0 Algo necessário 8 Difícil de se trabalhar 1 Não tem informação 8

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Tabela 3 - Experiência com PCD?

Fonte: dados da pesquisa Tabela 4 - Suporte do IFSP (NAPNE) ao professor

Fonte: dados da pesquisa Tabela 5 -- Formação docente para educação inclusiva

Formação docente para educação inclusiva Grupo 1

Categorias Frequência Tem formação 0 Nunca teve nenhuma formação 0 Tem formação precária 1 Necessita de formação 6 IFSP deve oferecer formação 6 Professor deve buscar formação 1

Experiência com PCD? Grupo 1

Categorias Frequência Nunca tiveram 3 Tiveram dificuldade para resolver 3 Necessitaram de auxílio 3 Não se sentem preparados 6 Obtiveram êxito 0

Grupo 2

Categorias Frequência Nunca tiveram 2 Tiveram dificuldade para resolver 3 Necessitaram de auxílio 4 Não se sentem preparados 8 Obtiveram êxito 4

Suporte do IFSP (NAPNE) ao professor Grupo 1

Categorias Frequência Atende plenamente às necessidades 0 Atende parcialmente 1 Não atende 5 Precisa ser mais divulgado 6

Grupo 2

Categorias Frequência Atende plenamente às necessidades 0 Atende parcialmente 2 Não atende 8 Precisa ser mais divulgado 8

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Formação docente para educação inclusiva

Grupo 2

Categorias Frequência Tem formação 0 Nunca teve nenhuma formação 6 Tem formação precária 0 Necessita de formação 8 IFSP deve oferecer formação 8 Professor deve buscar formação 2

Fonte: dados da pesquisa

Após a sistematização de tais informações, procedeu-se a análise de conteúdo

dos elementos referentes às simbolizações circulantes acerca do estudante com

deficiência. Foram encontradas, tal como já havia anunciado o relatório do programa

Alceste, quatro categorias temáticas a seguir detalhadas.

3.6.1 Categoria 1: Teve um surto na minha sala: eu era a premiada!

A categoria 1 é composta por conteúdos negativos associados à experiência

docente com estudantes com deficiência intelectual, sobretudo esquizofrenia e

transtornos de ansiedade. Os discursos evidenciam total desemparo por parte dos

docentes que, além de serem tomados de assalto com o comportamento dos

estudantes, não receberam suporte pedagógico. Afirmam que o setor

sociopedagógico tinha conhecimento do diagnóstico do estudante e optou por não

informar os docentes, nem os capacitar para lidar com estudantes com deficiência. Há

ainda uma observação de que, ao comunicar a um coordenador, esse não deu

atenção devida ao caso: “A primeira coisa que eu fiz foi comunicar o coordenador, o

qual pareceu não levar muito a sério. No caso desse menino ele era agressivo, fiquei

insegura, porem continuei a trabalhar com a turma toda, mas com um pouco de

receio”. Vale ressaltar o caso da professora que, ao assumir uma classe de 20

estudantes, deu-se conta de que 10 deles eram esquizofrênicos: “A coordenadora me

avisou que na sala havia 10 esquizofrênicos, em uma sala com vinte alunos. Disseram

que houve um surto coletivo. Foi uma escola muito difícil de trabalhar, pois não

tínhamos respaldo de ninguém. Era muito difícil de trabalhar. Você trata com

naturalidade, entretanto, eu não fui preparada para dar uma aula como esta”.

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3.6.2 Categoria 2: Não estou excluindo o professor disso, mas o todo o sistema é falho

Esta categoria é caracterizada por discursos que abordam a ação docente no

sentido de identificar deficiências e contribuir para o processo formativo dos “alunos

problema”. As falas reiteram a necessidade de os conselhos de classe debaterem

sobre a performance de alunos que apresentam dificuldades em diversas disciplinas.

Reforçam a necessidade do acompanhamento da equipe do setor sociopedagógico,

bem como de suas orientações para lidar com os estudantes:

Cabe ao professor levantar isso, tem um aluno que está ruim na minha matéria, e o sociopedagógico vai verificar se isso se repete em várias matérias. Os professores falam as mesmas coisas. Então o aluno merece uma atenção especial, e isso que está acontecendo, mas para aí, não tem prosseguimento ao que deveria ser investigado efetivamente, e isso não cabe ao professor. O professor não e obrigado a saber da vida particular dele, mas tentar entender que as pessoas não são iguais, cada um tem um problema.

3.6.3 Categoria 3: Especial e inclusiva, tudo é educação.

A categoria 3 é composta por falas que visam caracterizar a concepção de

inclusão e de escola inclusiva, ao perpassar por sentidos atribuídos à educação

especial e necessidades: “então o ideal e todo lugar ser inclusivo, sendo escola ou

não. Não excluir ninguém, mas é uma utopia. Se você trabalha em uma escola

realmente inclusiva, você vai arrumar uma tarefa onde tanto o aluno com mais

habilidades, quanto os com menos habilidades, vão poder trabalhar igualmente”. Os

docentes relembram a mudança na terminologia, ao afirmarem que: “com problemas,

necessidades, deficiências, o nome que for dar agora, porque eu já nem sei qual nome

que e politicamente correto” e é possível dizer que o núcleo de sentido desta categoria

associa-se à ideia de que seja qual for a nomenclatura, levam ao mesmo conceito de

educação, haja vista que toda educação deve ser inclusiva.

3.6.4 Categoria 4: Pessoa com deficiência é aquela que apresenta alguma dificuldade física ou mental

“Pessoa com deficiência é aquela que apresenta alguma dificuldade física ou

mental, que a impede de realizar atividades de forma independente sem

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medicamentos ou aparelhos”. Tal frase ilustra os conteúdos que compõem esta

categoria, que tem por mote a definição da concepção de pessoa com deficiência.

Fruto de um debate entre os membros em cada sessão de grupo focal, os discursos

aqui reunidos, abordam a inclusão de pessoas com deficiência física e a intelectual,

opondo tal ideia aquela de inclusão de pessoas com baixa renda. Apesar de os

docentes buscarem conceituar PCD – ilustrando com exemplos de deficientes visuais,

surdos e cadeirantes – ainda permanece difusa a imagem do estudante com

deficiência, haja vista o vasto rol de deficiências existentes.

***

Da análise de conteúdo, associada à análise léxica, foi possível depreender

que os professores associam o desconhecimento ao desamparo e ao medo,

identificando que a educação inclusiva, sobretudo no que tange aos alunos com

deficiência intelectual, é uma dimensão complexa da prática docente e envolve

diversos níveis de atuação, como sala-de-aula, colegiado docente, secretaria, equipe

sociopedagógica, estrutura institucional, formação especializada e políticas públicas.

A falta de preparo parece não atingir apenas os professores, mas também os

coordenadores e demais membros da equipe sociopedagógica, que não raro lidam de

maneira inadequada com as questões que se referem à educação de pessoas com

deficiência.

No que se refere ao desamparo de docentes e equipe sociopedagógica, bem

como falta de preparo para a educação inclusiva, não foi possível identificar

concepções consideravelmente distintas entre os professores com menos de dez

anos e os com mais de uma década de experiência. Vale também salientar que “você

não faz a inclusão só em sala de aula, ela extrapola”, o que evidencia a noção

compartilhada de que a educação deve ser genuinamente inclusiva, para ambos os

grupos.

Por outro lado, foi possível depreender da leitura ampla do material discursivo,

que os dois grupos assumem diferentes posturas frente à busca de informações que

contribuam para a preparação de aulas que visem incluir o estudante com deficiência.

Significa dizer que caracteriza o discurso dos docentes que possuem mais de dez

anos de experiência uma postura ativa de busca de técnicas e práticas pedagógicas

e que, por outro lado, o discurso dos professores com menos tempo de docência,

indica que essa seria uma responsabilidade maior do setor socioeducativo,

evidenciando uma postura passiva frente à docência comprometida com a inclusão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Nas grandes batalhas da vida, o primeiro

passo para a vitória é o desejo de vencer. ”

(Mahatma Gandhi).

O presente trabalho buscou identificar representações sociais de docentes do

curso Técnico Integrado ao Ensino Médio do IFSP sobre os estudantes com

deficiência, com a intenção de compreender as possíveis implicações de tais

representações em relação à inserção do aluno com deficiência na referida instituição.

O percurso traçado na procura de respostas para o tema em questão tornou-

se, ainda mais, uma via de grande valor ao perceber angústias, prazeres, conforto e

desconforto por parte dos docentes que, de maneira muitas vezes corajosa, tentaram

suprir e superar suas dificuldades frente aos problemas e situações repentinas que

pudessem ocorrer em sala de aula.

A comunicação direta com os professores por meio de grupos focais revelou

situações e acontecimentos, possibilitando uma aproximação entre eles e um

intercâmbio de ideias raramente realizado durante as reuniões de planejamento já

ocorridas na instituição. Os professores puderam perceber que, ao expor suas

experiências, aludiam a outras questões, que muitas vezes desconheciam, ora por

falta de formação, ora por falta de prática ativa da situação.

Pode-se identificar um movimento no sentido de elaboração de representações

sociais sobre o estudante com deficiência por parte dos professores. No entanto, dada

a variedade de imagens relacionadas às diferentes deficiências, não foi possível

depreender simbolizações convergentes sobre esse objeto de representação. Por

outro lado, é plausível afirmar que há uma consonância em ambos os grupos acerca

da inclusão, tal como pode ser observado na categoria 3, da análise de conteúdo

realizada: “Especial e inclusiva, tudo é educação”.

Pode-se ainda afirmar que, na maioria das vezes, o professor encontra-se

desorientado diante do estudante com deficiência. Os elementos apontados pelo

processamento léxico do programa Alceste, evidenciaram, sobretudo no que se refere

à esquizofrenia, que para além do desamparo pedagógico, o docente percebe-se

amedrontado pelas possíveis manifestações decorrentes da deficiência intelectual.

Vale ressaltar que tal transtorno psiquiátrico não é sequer considerado pelo núcleo de

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apoio técnico pedagógico, o NAPNE, compreendido como responsável pelas ações

pedagógicas inclusivas do IFSP, em todos os campi.

A questão da educação inclusiva, particularmente das PCD, são um constante

desafio para os professores. Observou-se que inserir o estudante com deficiência em

uma sala de aula regular ainda causa estranhamento nos docentes, pois esses

comumente esperam encontrar uma sala de aula “homogênea”. As diferenças e

semelhanças entre as pessoas/alunos pertencentes a um mesmo grupo social, torna-

se alvo na relação de pertencimento e, consequentemente diferenciação e

segregação entre elas (JODELET, 2005, p. 123).

Diante do exposto, averiguou-se que as simbolizações de professores do curso

Técnico Integrado ao Ensino Médio, sobre a inclusão do estudante com deficiência

estão relacionadas com diversas esferas, como formação de professores,

reformulação da cultura escolar, reformulação de políticas públicas, enfim aspectos

que permitam amplificar a visão tanto do docente, quanto da escola e por que não

dizer, da família.

Ao tratar da formação docente, ponto crucial entre todos os respondentes dos

dois grupos focais, foi possível perceber que o compartilhamento de experiências, o

aprendizado adquirido entre professores e alunos, interferem diretamente nesta

relação de afeto e cumplicidade. A relação dialógica entre professor e alunos carece,

portanto, de ser debatida com os profissionais pedagógicos da instituição.

Nesse tocante, vale reiterar que o processo de formação docente decorre não

apenas do conhecimento adquirido nos cursos de formação de professores,

graduação em pedagogia, especialização nessa área de conhecimento, mas também

das práticas pedagógicas sugeridas pela escola ao lidar com um aluno com

deficiência. A qualificação dos professores do ensino médio, por ser específica em

sua área de atuação, limita o conhecimento do professor quanto à inclusão.

O professor licenciado considera-se inapto para lidar com PCD, por não ter tido

formação para tal. Trata-se de uma abordagem que deveria ser amplamente

difundida, mas que é vista como um desafio a todos aqueles que se deparam com

este tipo de experiência. A formação continuada para os profissionais da área da

educação, requer intensa dedicação, estudo, que vai muito além das práticas

pedagógicas padronizadas, convencionais, que se estendem ao aluno “padrão”.

Essas ações, pedagogicamente trabalhadas, são aplicadas a cada aluno, mediante

seu próprio desenvolvimento.

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A fala “eu fui premiada”, por uma das respondentes, ou “graças a Deus, nunca

tive um aluno de inclusão em minha sala de aula”, por outro respondente, denota a

dificuldade e o medo que os professores têm ao enfrentar este tipo de situação, que

aos olhos deles é um “problema”. A falta de preparo dos mesmos provoca a

insegurança. A dificuldade que antes era observada somente na PCD, agora o é

também em seus mestres. Para tanto, torna-se primordial, que sejam revistas

amplamente as práticas pedagógicas, partindo-se das políticas públicas que são

prementes no sistema educacional.

A inclusão de estudantes com deficiência em salas de aula regular é vista pelos

professores como algo não familiar, e, tal como afirma Moscovici (2013), representar

significa tornar o “não familiar, em algo familiar”. Entretanto, esta situação considerada

pelos docentes como algo não familiar, os abstém de realizar uma tarefa por julgarem-

se incapazes ou inabilitados de lidar com estes alunos.

Entretanto, observou-se notória a divergência de pensamentos entre a maioria

dos respondentes do grupo focal composto por professores com mais de 10 anos de

docência, em relação ao grupo focal composto por professores com até 10 anos de

docência. O primeiro grupo demonstrou um olhar diferenciado quanto à intenção em

proporcionar melhores condições de aprendizagem e desenvolvimento ao aluno com

deficiência, bem como uma afetividade mais acentuada, mas cautelosa, em relação a

ele. O afeto cultivado na relação professor/aluno pode provocar uma aproximação que

favorece e beneficia o aprendizado de ambos; fala-se “ambos”, pois o aprender é

reciproco. Como Paulo Freire (1999) enfatiza ser de extrema relevância a interação

com os sujeitos.

Todavia, essa afirmação se justifica categoricamente, quando da observação

das falas do grupo focal com professores com até 10 anos de docência. As

experiências ocorridas, ora por envolvimento pessoal, ora por experiência em sala de

aula, foram tão contundentes que resultaram em aspectos positivos para alguns, e

negativos para outros, da maneira como trabalhar com estudantes com deficiência.

Essas atitudes positivas e negativas influem diretamente no desempenho do aluno,

assim como no direcionamento e intensidade do professor ao tratar com esse aluno.

Nessas condições, vale salientar a importância da reflexão por parte do corpo

escolar das instituições educativas e sociais, bem como dos órgãos governamentais,

quando do impacto causado por estes estudantes com deficiência em nossa

sociedade.

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No entanto, as formas de articulação e de compartilhamento desse

conhecimento sobre a educação inclusiva deve ser extensiva a toda população, de

modo que favoreça a convivência e promova o bem-estar destas pessoas. Além disso,

a reflexão conduz à procura de novos caminhos, que certamente levarão à ação. A

construção desses momentos reflexivos, direcionam o professor a procurar novas

medidas facilitadoras da aprendizagem, tanto para o aluno com deficiência ou não.

Em outros termos, mostra-se imperativo relembrar que "a educação faz sentido

porque as mulheres e homens aprendem que através da aprendizagem podem

fazerem-se e refazerem-se, porque mulheres e homens são capazes de assumirem a

responsabilidade sobre si mesmos como seres capazes de conhecerem." (FREIRE,

2004, p. 15).

Com vistas a sintetizar os pontos expostos anteriormente, verificou-se que

determinados aspectos ligados à educação inclusiva foram demonstrados com

clareza na execução dos grupos focais, o que permitiu aos respondentes manifestar

seus descontentamentos, a concepção que os mesmos têm a respeito do assunto

debatido, assim como as reais condições de trabalho que enfrentam no dia a dia. A

concentração de esforços dos professores, suas ações, práticas pedagógicas,

refletem na aquisição de conhecimento adquirido, no envolvimento humano e físico

do quadro de funcionários da instituição de ensino, que direta ou indiretamente está

comprometido com a educação.

A inexistência de uma representação social pode decorrer da diversidade de

simbolizações associadas às mais diversas deficiências. Ficou patente no discurso

dos professores dos dois grupos focais que as atitudes, informações e imagens

associadas ao esquizofrênico, sobremaneira daquelas associadas ao cadeirante ou

ao surdo. Significa dizer que não é possível pensar em termos de uma única

representação sobre as PCD, mas que seria possível, tal como nos mostrou Jodelet

(2005) em seu estudo clássico sobre as loucuras, que são diversas as simbolizações

a serem compreendidas e debatidas pelos educadores sobre as diferentes

manifestações de deficiência.

As formas de conceber o estudante com deficiência, sujeito encarnado,

presente na sala de aula, orientará as práticas dos docentes. E, ao assumir tal

afirmação como premissa, associada aos resultados da presente investigação,

acredita-se que devem ser encaradas como urgentes as formações de professores

para a educação das pessoas considerando as especificidades das distintas

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deficiências, em sua articulação com as demandas próprias das turmas tidas como

“regulares”.

Em outros termos, para além das discussões acerca da inclusão, é preciso

formar os professores em técnicas e métodos específicos que considerem as distintas

deficiências. Para tanto, associada a uma preocupação da formação inicial dos futuros

professores, torna-se mister a formação continuada do corpo docente em exercício,

bem como do pessoal de apoio e de toda equipe escolar, associando a prática ao

conhecimento, considerando sempre, que a vivência da educação em sala de aula

pertence aos estudantes e aos professores, e esses, portanto, devem ser ouvidos,

pois são agentes ativos do cenário inclusivo.

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APÊNDICE A - Roteiro de grupo focal 1) Apresentação da pesquisa e solicitação do preenchimento do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido. (Aproximadamente 5 minutos).

2) Quebra-gelo: Como vocês caracterizariam o bom professor? (Aproximadamente 5 minutos).

3) O que vem à cabeça de vocês quando pensam em educação especial?

(Aproximadamente 5 minutos). 4) E quando pensam sobre educação inclusiva? Há diferença? (Aproximadamente 5

minutos).

5) Como vocês caracterizariam o estudante com deficiência? (Aproximadamente 5 minutos).

6) Por favor, elenquem as possíveis deficiências do estudante “de inclusão”. (Aproximadamente 2 minutos).

7) Qual a experiência de vocês com estudantes com deficiência em sala-de-aula?

(Aproximadamente 10 minutos).

8) Vocês se sentem preparados para trabalhar/lidar com estudantes com deficiência em sala de aula? Por quê? (Aproximadamente 5 minutos).

9) Como vocês se sentem em relação às metodologias de ensino a serem empregadas? E o material de apoio? (Aproximadamente 2 minutos).

10) O que vocês esperam da escola para atender o estudante com deficiência? Qual o suporte necessário para os discentes, docentes e familiares? (Aproximadamente 10 minutos).

11) Poderíamos dizer que a dificuldade de trabalhar com PCD seria o resultado de uma formação pedagógica inconsistente ou são os professores que não cumprem seu papel a contento? (Aproximadamente 2 minutos).

12) Algum de vocês tem formação para atuar com PCD? Já fizeram algum curso (especialização ou não) que aborde a educação de PCD? Se sim, como foi? (Aproximadamente 10 minutos).

13) Qual a demanda de vocês no que tange à formação para a prática docentes em classes com estudantes com deficiência? (Aproximadamente 5 minutos).

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APÊNDICE B - Questionário de perfil socioeconômico dos docentes

QUESTIONÁRIO DE PERFIL SÓCIOECONÔMICO

1- Idade

( ) menos de 20 anos

( ) de 20 a 25 anos

( ) de 26 a 29 anos

( ) de 30 a 39 anos

( ) de 40 a 49 anos

( ) mais de 50 anos

2- Sexo

( ) masculino ( ) feminino

3- Tem filhos?

Não ( ) Sim ( )

Quantos? _____________________________________________

Qual idade? ____________________________________________

4- Escolaridade:

PAI ( ) ensino fundamental 1 ( ) ensino fundamental 2 ( ) graduação

( ) pós graduação

MÃE ( ) ensino fundamental 1 ( ) ensino fundamental 2 ( ) graduação

( ) pós graduação

5- - Onde mora? (indicar Bairro e Cidade)

6- Quantos moram na mesma residência e qual o grau de parentesco?

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7- Renda familiar

( ) menos de 2 salários mínimos

( ) de 2 a 4 salários mínimos

( ) de 4 a 10 salários mínimos

( ) de 10 a 20 salários mínimos

( ) acima de 20 salários mínimos

8- Onde cursou o ensino médio?

( ) escola pública ( ) escola particular

( ) outros _______________________

9- Você trabalhou ou trabalha durante a graduação?

Não ( ) Sim ( )

Com o quê?

_____________________________________________________________________

10- Quais os recursos tecnológicos mais utilizados por você?

( ) computador

( ) tablet

( ) ipad

( ) celular

11- Em sua opinião qual o formato de aula é melhor?

( ) expositiva ( ) participativa/dialogada ( ) estudo de caso

( ) simulação

( ) outras _____________________________________________

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APÊNDICE C- Entrevista com as profissionais do NAPNE

No contexto da escola, quem são consideradas as PCD?

O NAPNE tem um documento que faz essa identificação e ele identifica quem

são as pessoas com necessidades educacionais específicas. São 4 as deficiências

consideradas dentro do IFSP. Pelo regulamento são: pessoas com deficiência visual,

auditiva, espectro autista e altas habilidades. Estes são os reconhecidos como público

alvo do regulamento do NAPNE.

Não é necessário que o aluno apresente um laudo médico ou

psicológico?

Essas deficiências independem do laudo; não precisa ser apresentado um

laudo. Tanto o acompanhamento do aluno, quanto as orientações que são feitas,

basta ele se declarar; segundo a reitoria o procedimento é esse. Se no processo de

matrícula, o aluno não se sente à vontade de se declarar, ele não precisa. A qualquer

momento ele pode fazer isso. Se o aluno não falar nada, o NAPNE não terá como

tomar providência; não tem como abordar o aluno; ele precisa fazer essa

manifestação. Inclusive, ele precisa dizer se aceita ser acompanhado, pois ele tem o

direito de não querer ser acompanhado também. No caso dos outros transtornos,

TDAH, esquizofrênico, estes deverão ser atendidos pela equipe do sociopedagógico,

que também faz parte do NAPNE. O professor poderá fazer o encaminhamento ao

NAPNE ou o próprio aluno solicitar. A identificação do aluno ocorre por meio da auto-

declaração (consta no formulário de matrícula na secretaria ou pessoalmente); não é

necessário ter laudo.

Qual é o 1º passo a ser tomado para que vocês tenham o conhecimento

desse aluno com deficiência? Como vocês tomam ciência desse aluno? (Pela

secretaria, professor, etc.)

A secretaria já informada. Mas a reunião principal é com os professores por

conta das orientações em sala de aula. Caso houver uma orientação especifica, o

aluno lidar com o processo de matrícula, ou por exemplo, problemas com uma porta

de vidro, solicitamos orientações aos setores para não deixar a porta fechada ou no

caso, um outro aluno que encontrou os bancos no corredor do saguão, que isso

atrapalhava, neste caso é feito um documento para o setor específico para não deixar

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os bancos no meio do saguão. Então, de acordo com a necessidade a gente vai

orientando os setores. Isso fica muito dependente da demanda do aluno, a gente

precisa oficializar. Outro problema nesse sentido era a entrada principal, havia muitos

automóveis lá, aí a aluna falou “é a rampa principal de acesso”.

Qual é 1º procedimento a ser tomado logo após a ciência do NAPNE?

É realizada uma entrevista para entender quais são as necessidades de

adaptação do aluno e depois é feito uma reunião com todos os professores para saber

qual o procedimento e avaliações, de como proceder. É feito também uma entrevista

para saber qual é a demanda desse aluno, o que ele necessita de material, ou se não

é necessária uma adaptação de material e uma vez necessitando nas reuniões com

todos os professores, geralmente, sempre no início do ano letivo, todos os professores

da turma são convocados e orientações específicas são dadas. No caso do campus

São Paulo, tem dois alunos com acompanhamento sistemático. Todo início do

semestre as orientações são dadas as todos os professores, principalmente em

relação como a prova deve ser feita por conta dos alunos com deficiência visual. São

dois alunos: um cego e um com baixa visão, então são adaptações diferentes.

Entramos em contato com os alunos logo após verificar a documentação da

secretaria ou quando ele se autodeclara. A partir disso, entramos em contato com ele

e com os familiares.

Se ele faz acompanhamento fora da escola.

Vamos supor que haja um aluno esquizofrênico, ele vem e se autodeclara

para vocês. Qual é o procedimento que vocês tomam especificamente para esse

aluno esquizofrênico?

Ele é atendido pela esquipe sócio pedagógica e não pelo NAPNE. Isso

acontece, já tem isso. No caso desse aluno especificamente, foi observado que ele

tem um diagnóstico de esquizofrenia porque ele é aluno do PAP. Então é um exemplo

do nosso trabalho interdisciplinar, ele é beneficiado do PAP e recebeu um auxilio

doença e aí foi oferecido a ele se ele queria ter um acompanhamento, não tem como

obrigar o aluno. O PAP é um programa de auxílio permanência que os alunos recebem

um auxílio financeiro para conseguirem se manter estudando aqui. E como ele recebia

esse auxilio doença, e no caso especifico desse aluno no primeiro momento ele optou

por não querer pois já realizava tratamento fora, na rede pública e respeitamos, pois

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não temos como obriga-lo. O aluno é maior de idade e num segundo momento ele

procurou espontaneamente sabendo que poderia, partiu dele a busca pelo

atendimento psicológico. Mas não é um atendimento psicológico de psicoterapia. É

um atendimento clinico, porque não é o foco do nosso trabalho. É um trabalho

psicológico mesmo, mas não uma psicoterapia. É um tratamento clinico, ele tem um

foco em necessidades educacionais do aluno, para que ele possa instrumentalizar

psicologicamente para poder permanecer no curso. É voltado para a parte

pedagógica, mas no ponto de vista psicológico, é diferente do trabalho do pedagogo.

É um trabalho de psicólogo educacional. A parte pedagógica também é um braço da

nossa equipe, as vezes acontece de a gente fazer atendimentos em duplas, se o aluno

tem uma necessidade, uma dificuldade pedagógica, não necessariamente ele vai ter,

as vezes ele pode ter um diagnóstico que está previsto no NAPNE, ele pode ter um

autismo e não necessariamente ter uma dificuldade na aprendizagem dele. Às vezes,

alguns inclusive tem facilidade, mas assim havendo essa necessidade a equipe

também oferece esse atendimento e iremos avaliar dependendo do caso. Faz

atendimento em dupla, com profissionais da psicologia e da pedagogia ou cada um

no seu momento. Porque as vezes os conteúdos abordados pelo atendimento

psicológico, até para respeitar a privacidade do aluno, atendemos separado, para o

aluno não se sentir exposto, depende muito do caso. Caso ele tenha alguma crise e

isso tiver alguma relação com o diagnostico dele, de ser um aluno com uma

necessidade especial, podemos atende-lo, tentar entender o que aconteceu, entender

do ponto de vista do aluno qual a interpretação que ele está fazendo do

acontecimento, para mediarmos a situação junto ao docente, aos colegas, para

entendermos o que aconteceu, para a gente poder na nossa conduta dar a melhor

orientação. Mas se ficar claro que o aluno não está tomando medicação e teve um

surto psicótico, nosso papel é ver como está este atendimento na rede. As vezes o

aluno é atendido pelo CAPS, instituição lá fora que faz o atendimento psiquiátrico, se

ele está tendo alguma dificuldade com o entendimento do uso da medicação, se ele

não está tomando a medicação e porque não está tomando, se existe a necessidade

de entrar em contato com algum familiar, principalmente porque se o aluno tiver um

quadro de surto psicótico aberto, as vezes ele não está podendo responder perante a

situação de tomar a medicação e reemitir os sintomas. Mas não necessariamente é

essa a situação vai ser em decorrência da condição psicológica do aluno, de um

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diagnóstico. Se for um problema interdisciplinar, não somos nós que intervimos, quem

intervém é a CTU, que é a responsável pelas situações disciplinares.

Caso ocorra um surto na sala de aula, quem intervém?

Aqui temos um serviço médico, portanto provavelmente em uma situação

assim, o professor traria o aluno para o NAPNE ou se for o caso chamar o SAMU, se

for um aluno que está se agredindo ou agredindo algum colega, uma situação que

precise de um controle de força, é lógico que, eu psicólogo, não estou no meu papel.

Não vou lá fazer uma contenção física do estudante. Não existe uma padronização do

que fazer exatamente, porque não estaremos lá, quem irá identificar será o docente,

se o docente vai expulsar o aluno da sala, se achar que é um problema do ponto de

vista moral, o que seria uma falha e que tem outros fatores envolvidos, mas temos no

nosso trabalho de comunicação com os docentes para explicar que o nosso setor, o

nosso serviço se presta a esse tipo de esclarecimento de mediação e atendimento

aos alunos.

A recomendação que o NAPNE passa ao docente é que em um caso

desses (surto), uma vez que o professor não está preparado e não saberá como

agir, qual deverá ser a sua conduta?

Dependendo da situação, se ele agrediu alguém e alguém se machucou,

encaminhar ao serviço médico. Mas se não houver riscos à saúde, for uma questão

de apurar os fatos, de entender o contexto que levou a esse ocorrido. Para

investigarmos se tem algum problema familiar especifico, se tem algum problema com

aquele professor, o esquizofrênico tem reação paranoia de estar achando que aquele

professor o está perseguindo, é neste setor que faz a apuração para tomar as medidas

cabíveis.

Como os professores fazem para incluir um estudante com deficiência

em sala de aula, sendo que temos vários cursos, com propostas e habilidades

diversas, desde o EM até doutorado? (Por exemplo: um curso de mecânica,

alta periculosidade devido ao maquinário, curso de química, etc.)

Está questão tem que ser verificada com os docentes em sala de aula, porque

a orientação que o NAPNE e o sócio pedagógico dão é essa mais geral que as provas,

dependendo da especificidade do caso do aluno elas precisam ser adaptadas. Como

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o professor faz esse trabalho diariamente em sala de aula, só ele mesmo para poder

falar. A gente não tem como controlar como é feito, a gente sugere, mas nem sempre

é feito como a gente sugere, mas é uma coisa que a gente sempre coloca: o professor

junto com o aluno as vezes ele consegue identificar as necessidades, essas

adaptações melhores que nós. Por exemplo, “não é esse o tamanho da letra que é

bom para esse aluno, mas sim, o outro. ”, essa pergunta só eles mesmos no dia a dia,

nas relações com os alunos, que eles que conseguem identificar e fazer as estratégias

para poder adaptar as aulas com esses alunos.

Há pessoas daqui do NAPNE que fazem parte do núcleo

sociopedagógico, neste caso o pedagogo vai sentar junto com o professor

para dar as orientações, como ele deve proceder em uma avaliação, vocês

orientam?

Sim, a partir do momento que você tem um aluno matriculado com essa

demanda ele é atendido pelo sociopedagógico, independentemente da existência ou

não do núcleo. Antes mesmo do núcleo existir, há uns 3 anos, no regulamento de

2013-2014, essa orientação é feita. Sentamos com os professores de todas as

disciplinas e passamos as orientações de como proceder. Então no caso do curso de

mecânica, dependendo da deficiência, as adaptações deverão ser feitas de acordo

com cada deficiência, pois não há uma regra geral, pois, cada caso é muito especifico.

No caso que temos aqui, é o deficiente visual, a questão do aluno com baixa visão,

tem um tamanho de fonte que a prova precisa ser impressa, precisa ter um contraste,

ter um fundo preto, e o resto são as orientações gerais. Para o aluno que é deficiente

visual tem a extensão do tempo para realizar as avaliações. Se a turma realiza a

avaliação em uma hora, ela tem mais tempo para realizar, ela faz uso de um programa

que faz a leitura da prova. Então são essas as adaptações mais gerais, elas são feitas

com base no diagnostico que temos do aluno, então é sempre muito adaptado ao caso

que você atende. Nos casos das disciplinas especificas, dos cursos técnicos, a gente

também tem essa dificuldade, porque a gente não tem, não sabe o conteúdo das

disciplinas técnicas e como é avaliado. Uma aula, por exemplo, de informática, a gente

não tem ideia da disciplina de programação, como é feita a avaliação, então a partir

das orientações que a gente passa: o aluno tem baixa visão, a gente mostra como o

aluno enxerga... O professor deve buscar dentro daquilo que ele faz, de acordo com

a necessidade do aluno, como ele tem que fazer. Porque ele sabe, dentro da disciplina

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técnica, o que deve ser avaliado e como deve ser avaliado e ele tem informação de

como o aluno enxerga, cabe ao professor adaptar isso.

Mas o IFSP, tem infraestrutura adequada para isso?

Não tem, mas tem alguns professores que vão tentando adaptar. Ou seja,

ocorre uma adaptação pelo fato da instituição não ter uma infraestrutura adequada no

que tange aos materiais, faltam muitos materiais. No caso dos estudantes com

deficiência auditiva, nós temos interpretes. Cabe saber se o deficiente que chegar usa

libras; tudo vai depender da avaliação. Se chegar um aluno que diz que intérprete o

atende, nós teremos a adequação que ele precisa; agora se chegar um aluno que não

conhece libras, aí precisaremos de uma nova adaptação que não temos; tudo vai

depender da demanda que o aluno traz para nós.

E no caso do autista?

Vai depender da demanda; nós temos um, mas que não apresentou demanda

nenhuma; não quer acompanhamento, não se declarou, aí não podemos chegar na

sala de aula e identificá-lo.

No entanto, o regulamento contempla o espectro autista, mas não

determina qual grau de autismo, certo? Se for um Asperger é tranquilo,

porque conseguimos lidar melhor, mas se não for, nós temos infraestrutura

para isto?

Vai depender da demanda que ele apresentar, mas se for realmente um que

tenha um grau elevado, provavelmente os professores não tem formação, nós

mesmos não temos formação para lidar, e aí surge uma nova demanda e

precisaremos trabalhar em cima disso para poder atender.

A partir do momento que já é previsto no regulamento da escola, por que

não providenciar?

É uma pergunta maravilhosa para se fazer aos gestores. O regulamento existe

desde 2014, a gente já fez N solicitações de compra de materiais, essa é uma questão

para os gestores; será que é uma prioridade da escola? Mas pedidos de compra de

equipamentos, de contratação, de incluir nos concursos profissionais especializados

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que são cargos já previstos na carreira, isso já foi feito, posso te enviar as cópias que

a gente tem.

A questão dos equipamentos, por exemplo, está claro isso; tem um aluno cego

que teve acesso a uma lupa eletrônica há 3 meses atrás e ele está no último ano do

curso, e essa é uma luta que aconteceu desde quando ele entrou no curso. A gente

faz várias orientações frente à adaptação da prova, a gente tem vários problemas que

às vezes não acontece adaptação; é uma realidade.

É um problema sério...

Como os professores fazem para incluir um aluno com déficit cognitivo

em sala de aula?

Nunca aconteceu de termos um aluno com esse problema. Mesmo porque

temos o processo seletivo para entrar na escola, e um estudante com déficit cognitivo

muito provavelmente não passaria na prova. Já aconteceu, em um IF do norte ou

nordeste, um aluno com Síndrome de Down passar no processo seletivo; saiu até nos

jornais na época que isso aconteceu, mas aqui em São Paulo, nunca. Mesmo

existindo as cotas, o aluno precisa atingir um número de acertos para que ele seja

aprovado.

Os professores possuem auxílio?

Não. Os projetos eram 11 equipamentos. Já chegaram dois. Nós temos aqui

lupa eletrônica, para o aluno de baixa visão e o teclado Braile, que é a linha Braile.

Só.

E para os alunos com altas habilidades?

Nada.

Como é feito com esses alunos? É montada uma classe

separadamente?

Não.

O professor tem hora atividade a mais para a preparação de material

para esses alunos?

Imagino que não. Está incluso já na carga horária dele.

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O professor está preparado para elaborar materiais, provas para estes

estudantes com deficiência?

É com o professor. Não podemos falar por ele. O interessante seria você

perguntar aos professores. Para saber se eles se sentem preparados ou com o

mínimo de orientação... partindo de nós, damos as orientações gerais, partindo do que

os alunos trazem para nós: o que os professores podem fazer para atendê-los:

tamanho da fonte, contraste, aí nós passamos essas orientações aos professores,

mas se ele está preparado... Altas habilidades não temos acompanhamento de

nenhum aluno, não sabemos nem da necessidade, nem se conseguiria atender, a

gente não tem.

Se não temos essa infraestrutura e está previsto na LDB, é obrigatório

que todas as instituições de ensino recebam um aluno, seja com altas

habilidades, qualquer deficiência que for, por que o governo federal não

envia, ou não sabemos se envia, a quantia necessária ou não equipa as

escolas para que sejamos contemplados? Vocês têm uma resposta para isso,

ou não?

Não.

A partir do momento que Brasília enviar dinheiro ao IFSP, a reitoria

administra a quantia necessária a cada campus, atribuindo-lhes o que lhes é

devido por intermédio da PróReitoria de Ensino (PRE), que através da

Diretoria de Projetos Especiais direciona em que projetos irá dispor o

dinheiro, por que o campus São Paulo não questiona a esse respeito (o que

foi mencionado anteriormente)?

Todas as solicitações já foram feitas. A questão é que o regulamento do núcleo,

porque o núcleo não é um setor, é um; núcleo de apoio, já começa aí, a própria

concepção do núcleo já restringe muito a atuação dele. É um núcleo propositivo, que

quando é necessário faz orientações aos professores, mas não é um setor; alguns

membros do sóciopedagógico participam, ok, mas talvez o ideal, pensando em uma

perspectiva de uma escola inclusiva não seria que fosse constituído, enquanto um

setor, com profissionais especializados que trabalham com essa temática? Um

exemplo, uma situação: “Nós realizamos no ano passado um evento de 3 dias, foi a

primeira semana inclusiva do NAPNE; nós organizamos, fomos atrás dos palestrantes

e fizemos o evento; entendendo que uma determinada turma de um curso você tem

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um aluno ou uma aluna com essa necessidade, o que a gente solicitou dos gestores

é que todos os professores desse curso fossem convocados a participar, porque é

um momento de formação; muitas vezes quando você chega à reunião dos docentes,

eles dizem que não tem capacitação, é a questão da formação continuada, ok. Vamos

oferecer 3 dias com especialistas, com pessoas que trabalham há mais de uma

década com esse público, enfim, uma forma de proporcionar isso, de capacitar esses

professores. Foi solicitado isso aos gestores. Então, por favor convoquem os

professores desse curso, do campus SP, para que nessa semana eles possam

comparecer e tragam até os alunos, todos eles, e a resposta foi: O NAPNE não pode

convocar. Eles vão ser convidados, fica a critério do professor. Algum apareceu: NÃO.

Então, tem esses entraves; as solicitações dos pedidos são realizadas, mas a forma

como o núcleo foi pensado, ele não tem força hierárquica nenhuma para convocar

professores. É isso, é um núcleo que é propositivo e faz orientações, mas nessas

situações muito chave, que faz um evento, para ter um momento para pensar fica

muito difícil.

Vocês convidaram todos os professores do campus São Paulo?

Não. Já havíamos pensado nisso; seriam apenas os professores dos cursos

que possuem essa demanda, que já temos esses alunos matriculados. Todos foram

convidados, mas apareceram 4 professores no máximo. E eram professores que

participaram do NAPNE e outros que convidamos aqui. Se não podiam participar das

palestras de manhã, tinham palestras à tarde... eram assuntos diferentes (manhã e

tarde), mas sempre voltados à inclusão. Tinham vários horários para participar. Uns

falavam que não conseguiam, tinham aula, compromisso de manhã, mas tinha à tarde.

Fizemos a transmissão com audiovisual, foi gravado.

Vocês acham que um curso de três dias iria suprir as necessidades dos

professores?

Jamais. Mas é o começo da discussão. Você precisa ter um espaço de reflexão

em uma instituição de ensino; eu não posso me furtar da discussão, em um espaço

de 3 dias é o suficiente, jamais vai ser, mas precisamos começar a abrir a discussão.

Vocês mencionaram que foram requisitados, em concurso,

professores especialistas na área da inclusão?

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Sim, não só professores, mas técnicos administrativos; por exemplo, a carreira

prevê o revisor de texto Braile, a gente solicitou isso, já tem uma aluna aqui que é

deficiente visual, mas não foi contemplado; ledor também. Há dificuldades que alguns

cargos não são previstos na carreira; isso é um entrave, é uma questão maior, mas

alguns cargos já são previstos.

A diretoria de vocês não teria como requisitar à Brasília, uma vez que

é previsto na LDB, e Brasília tem que mandar dinheiro para isso?

Nós temos que seguir todo o trâmite e é muito burocrático. Já foi feito. A

questão do diretor do campus ter que solicitar diretamente em Brasília, não sei, porque

tem toda uma cadeia hierárquica a seguir. Nós já demos o primeiro passo; já

solicitamos ao diretor; ciência ele tem. A Diretoria de Projetos Especiais (DPE)

também está super notificada (da falta de material e infraestrutura). Na verdade,

estamos indo além do que é proposto para o núcleo, já fizemos todas as solicitações,

temos todos os documentos, termo de responsabilidade que pedimos para o diretor

assinar, só que esta é uma demanda da escola, a escola toda precisa ter esse

compromisso; não adianta resumir que tudo o NAPNE vai resolver; não vai resolver...

é o núcleo, de proposição; enquanto a escola não pensa enquanto uma instituição

inclusiva, tem que ser um esforço coletivo da escola toda, dimensão local, campus

São Paulo. A instituição tem que perceber como um todo. Campus São Paulo tem que

fazer suas solicitações dentro das necessidades dele. Nós não podemos esperar os

outros campi. A instituição tem as suas necessidades. Nós não podemos esperar os

outros campi pedirem, pois talvez não tenham essa demanda de São Paulo, talvez

não seja interessante. Talvez teria essa possibilidade e poderia fazer esses pedidos

sim. Ter ido em frente com as nossas solicitações.

A partir do momento que vocês tomam ciência desse aluno com

deficiência, vocês fazem acompanhamento junto à família? E a secretaria? E

o restante da escola?

Sim. Eles têm que ter ciência...

Há algum programa de acompanhamento de egressos? Se sim, como

é feito o acompanhamento dos egressos com deficiência?

Não tem nenhum programa. No IF, como um todo, não sabemos nem se existe.

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APÊNDICE D - TRANSCRIÇÃO DOS GRUPOS FOCAIS

Grupo focal realizado com professores com até 10 anos de docência

Pesquisador – Qual a posição de vocês frente a um aluno esquizofrênico em sala de

aula?

Amanda - Eu trabalhei em outra época em outra instituição, eu tive um aluno

que se sentou no fundo da sala e a primeira aula dele, instituição era comigo. Logo no

primeiro dia ele começou a me mandar cartas, no final da aula ele me enviou uma

carta dizendo estar assustado, ele teve várias "alucinações", as quais ele alegava que

estava com medo que ele me roubasse e foi bem complicado para mim, pois fiquei

com medo. A primeira coisa que eu fiz foi comunicar o coordenador, o qual pareceu

não levar muito a sério. No caso desse menino ele era agressivo, fiquei insegura,

porém continuei a trabalhar com a turma toda, mas com um pouco de receio. Não o

excluía das atividades, mas ele também não queria participar. E com receio, o

coordenador colocou um segurança no andar pra que ficasse observando a mim e ao

menino. Depois o aluno saiu do curso, mas eu não sei ao certo como eu me

comportaria após de um certo tempo, pois eu ficava com bastante receio devido a sua

agressividade. Ele tinha agredido o coordenador fisicamente.

Fatima - Eu, no Ensino Fundamental, agi com muita naturalidade, pois eu não

estava ciente da situação. Então no dia em que eu fui dar aula, o aluno surtou na sala,

bateu e veio em minha direção para me bater também. Após este ocorrido, a

coordenadora me avisou que na sala havia dez esquizofrênicos (em uma sala com 20

alunos). Disseram que ele teve um surto coletivo. Foi uma escola muito difícil de

trabalhar, pois não tínhamos respaldo de ninguém. Era muito difícil de trabalhar. Você

trata com naturalidade, entretanto eu não fui preparada para dar uma aula como esta,

então eu não sabia como proceder nestes casos, o que causa uma grande dificuldade.

Eu tentava trabalhar com o que tinha. Era uma turma que gostava muito de desenhar,

então comecei a trabalhar com a linguagem não verbal, história em quadrinhos...

então caminhei para este lado.

Lais - Eu tenho uma experiência quando era estagiária. No primeiro dia em que

fui dar aula, havia uma pessoa com esquizofrenia, mas eu não sabia. Então pra mim

foi bem complicado, assustador, pois logo em que entrei na sala, ela não gostou de

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mim, e ninguém havia me alertado da situação, e esta aluna havia dito que quando

ela não gostava do professor, ela tinha vontade de matar, entre outras coisas. Tentei

agir com naturalidade, imaginei que ela estivesse passando alguma mensagem para

mim, entretanto a tratei normal, tentei explicar as coisas pra ela, senti que ela não

estava confortável com a minha presença. Então, passei para a minha coordenadora

a situação, ela iria resolver. No entanto, tiraram ela da escola, infelizmente. A

coordenadora pedagógica tinha que tomar uma posição, e em vista de que a menina

já havia agredido um colega em outra circunstância, a coordenadora optou por tirar

ela da escola. É triste, mas eu tentei me manter calma na sala de aula, embora

estivesse muito assustada.

Pesquisador - Mesmo que vocês não tenham passado por essa experiência, o

que vocês fariam?

Alana - É difícil dizer o que eu faria, mas por mais que se diga "tenta agir com

naturalidade", é uma coisa que não há. Em sala de aula qualquer coisa que aconteça

diferente, já não dá mais pra agir com naturalidade. Qualquer olhar diferente, qualquer

coisa a gente já muda o clima da sala. Então, talvez não dar tanta importância ao fato,

não ressaltar isso, não dar uma atenção sobre elevada para o caso. Mas aí dizer que

é natural, aí realmente é pouco provável. Mas certamente eu ficaria muito assustada.

Eu sempre brinco com os alunos e, certamente, isso seria um fator de exclusão, não

iria brincar com essa pessoa. E a partir daí seria um divisor de águas, não teria

condição de ser natural como eu seria com os outros alunos. Isso na hipótese de saber

que a pessoa é diagnosticada com esquizofrenia. Porque tem muitas pessoas

estranhas, não necessariamente que elas sejam esquizofrênicas, então se ela tem

diagnóstico aí é outra coisa.

Fatima - Mas aí você começa a pensar em coisas que você não pensava. Por

exemplo, não pegar água, não pegar alguma coisa aberta... porque eles falam para

não pegar porque tem que tomar cuidado. Você agradece, mas você não vai comer.

Amanda - Eu tinha medo de pegar ônibus, como ele acabava me acusando de

várias coisas nas cartas, eu até cheguei a entregar para outro colega. Eu tinha medo

de sair e pegar ônibus, porque eu não sabia se de fato ele estava me seguindo ou

não. Tinha medo de ficar na sala sozinha, porque eu ficava no nono andar sozinha.

Então pedia para que os alunos ficassem por perto, não explicava a situação, mas ia

contornando chamando para alguma conversa extra para que ele saísse primeiro e

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depois eu saísse na sequência, mas mesmo pra ir até o ponto de ônibus eu ficava

com medo. Porque daí justamente a gente cria paranoias. A gente não sabe o que vai

acontecer.

Pesquisador - Eu coloquei a situação da esquizofrenia, mas pode ser um

autismo, qualquer pessoa que tenha algum distúrbio, algum transtorno. Qualquer

deficiência. Mas se fosse um autista, qual seria a reação de vocês, o comportamento,

como vocês procederiam?

Fatima - Tudo que tem agressividade, torna outro nível. Se a pessoa tem

dificuldade de mobilidade, é outro tratamento. Agora se ela tem agressividade, você

não sabe até que ponto pode chegar. Esse negócio da água não é paranoia, a

coordenadora falava "cuidado", porque ele vinha com garrafa sem rótulo pra eu tomar

água...você fica na tensão, porque você não sabe se é um carinho ou não, então tem

que tomar cuidado. Tudo depende da agressividade, se tem agressividade, você vai

olhar diferente.

Alana - Se tem potencial agressivo, porque autista também pode ter. Mas se é

uma dificuldade de mobilidade, de visão, aí é só o cuidado para gente não tornar

aquela pessoa um coitado, sempre se dirigindo a ela com pesar, com pena e as vezes

a gente faz isso sem perceber. Mesmo falando "tadinho", que é tão comum ou "vai lá

ajudar fulano", que acaba rotulando e tratando sempre com olhar de pena. O olhar de

pena que a gente pode dirigir a alguém é a pior coisa que a gente pode fazer por ela.

Porque parece de fato que dali ela não tem como passar. Então, tem esses dois lados.

Nunca aconteceu nenhum caso, só com pessoas estranhas, mas não diagnosticadas,

como eu disse. Então é só uma hipótese.

Julio - É porque na verdade a minha formação nunca me preparou pra esse

tipo de situação. Nós somos engenheiros, esse tipo de formação, então é bem

complicado, até pelo relato das professoras de se deparar com a situação sem um

prévio aviso, acho que isso é bem complicado. Eu acho que a tendência é a gente

tentar fazer o mais normal possível a aula. Mas, realmente surge aquele preconceito

por saber da situação do aluno. Portanto, eu não tenho muito o que falar porque

realmente a nossa formação é mais técnica, então não sei se isso é tratado, por

exemplo, numa licenciatura, como tratar os alunos em relação a essas exceções,

enfim, é um tema complicado. Nunca me deparei com a situação, não tenho muito o

que acrescentar.

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Antonio - Eu também nunca me deparei e nunca pensei nisso. Agora que eu

soube dos relatos das colegas. Se eu tiver uma situação dessa como eu vou fazer.

Então, o que eu imagino fazer é o que foi discutido aqui. Tentar levar da melhor forma

possível, mas tranquilo. Concordo contigo, não vai ser da mesma forma, não tem

como. Até uma discussão mais acalorada dentro da sala por qualquer motivo já

tumultua um pouco, imagina uma situação de uma possível agressão... Então graças

a Deus nunca passei por isso, mas é uma coisa que vocês conversando aí chamou

atenção, que a gente tem que ta preparado. Isso que o Julio falou é verdade. Essa é

a primeira vez que eu ouço esse assunto numa sala de aula, então eu to totalmente

despreparado, não só para essa situação, mas para qualquer outra nesse sentido.

Tive algumas experiências com pessoas com deficiência, mas não de agressividade.

Eu tive alguns problemas com pessoas homossexuais, alguns cuidados que tem que

ter com o homossexualismo, mas agressividade nunca. Então, eu não me vejo

preparado para uma situação dessa.

Lais - A questão que ele citou eu acho interessante sobre os cursos de

licenciatura. Eu acho que deveriam de fato pelo menos dar uma base, porque quando

a gente ta num curso de licenciatura eu digo por mim mesmo, igual ele falou, ninguém

espera por isso, eu só presenciei na hora que eu fui fazer o estágio, que eu vi aquela

situação, mas no curso de licenciatura não é passado que você pode. Mesmo no curso

de psicologia da educação não é passado que você vai se deparar com esse tipo de

situação, aí você não ta preparado. Então eu concordo com a professora, por mais

que eu tente agir com naturalidade, a forma de olhar, de se portar com a pessoa já

gera uma separação, uma segregação, sem você querer, porque você não ta

preparado, você não espera por isso. É complicado.

Fatima - Você não tem respaldo, a qualquer momento você vai ser agredido. É

complicado.

Alana - E não é só o curso técnico que não prepara, a licenciatura também não

prepara. Não é só não preparar, é que como essa questão de inclusão é recente, aí

portanto poderia ser uma falta do currículo mesmo e as pessoas não saberem o que

fazer, porque uma coisa é dizer preparar o professor pra trabalhar com isto, mas outra

coisa é a gente nem discutir isto, que é o primeiro ponto. Não há uma discussão,

porque as vezes a gente fala "ah, é fazer da melhor forma", mas a gente nem sabe o

que isso realmente significa. A gente diz "graças a Deus isso nunca aconteceu

comigo", poxa vida, o nosso discurso ta permeado dessas coisas. Graças a Deus que

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isso nunca aconteceu comigo, graças a Deus mesmo que isso não aconteceu comigo,

porque eu vi o que a Fatima passava, eu vi a preocupação da Amanda quando ela

contava essa história, que ela ficava aterrorizada, e graças a Deus nunca aconteceu

comigo, mas a gente não deve pra pensar em inclusão pensar dessa maneira ("graças

a Deus eu não tive nenhum aluno assim").

Antonio - Falando "Graças a Deus" parece que você quer se livrar do problema.

Alana - Exatamente! Mas é algo que a gente fala sem perceber e também

porque nem se discute, nem se coloca a questão. Na verdade, e a Amanda pode falar

melhor, aqui no instituto que a gente poderia estar melhor amparada em relação a

essas questões, o aluno que aqui já foi citado que é o Wallace, houve um problema

enorme em conselhos, em discussões só por causa de um aluno e não sei se a gente

já sabe o que fazer com ele.

Amanda - Ainda não. Esses dias eu encontrei, eu até falei "eu não vou jogar

isso fora", porque alguns professores falaram que não houve esclarecimento do

sociopedagógico a respeito do caso do Wallace. Houve sim, eu tenho inclusive tudo

registrado, quais eram as orientações do sociopedagógico, então acho assim o

contato com o sociopedagógico é importante aqui na escola, isso não existe aqui no

campus São Paulo. Eu trabalhei semestre passado em Campos do Jordão, era muito

mais fácil o acesso pela escola ser menor. Mas eu acho que também existe um

preconceito em relação ao sociopedagógico, todo mundo acha que sociopedagógico

serve para passar a mão na cabeça de aluno e não é isso. E enfim, eu tentei fazer um

trabalho com Wallace, e foi difícil porque eu fui professora do Wallace no primeiro ano

e ninguém sabia do que se tratava, e foi complicado porque foi com erros e acertos o

trabalho. Então ele falava "olha, eu só enxergo com fonte tal", aí eu apareci com uma

folha A3 para ele, ele queria me estrangular obviamente, porque ele não queria fazer

a prova numa folha A3, então olha o desconforto, até falei "não, não é em A3 não"

então comecei a arranjar a A4. Mas cada vez vinha uma informação nova, e havia um

preconceito muito grande, que eu acho que quando se trata de agressividade, de um

comportamento agressivo do aluno, como diz a Fatima, você não sabe se você vai ser

agredido amanhã, hoje, etc e por qual motivo. Mas no caso dele não, era uma questão

de adaptação e a gente falhou muito, eu mesma falhei muito, porque a senhora

professora de literatura do Wallace, ele tinha aula de redação e tudo mais, mas eu

não queria expô-lo, então esse era meu grande medo: expor o menino a uma leitura,

por exemplo, em sala de aula, porque se ninguém tinha feito até então, como que eu

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iria fazer aquilo, eu não sabia ao certo lidar no primeiro ano. Quando eu tornei a dar

aula pra ele, eu tornei a dar aula no segundo, ele já tinha repetido o primeiro e eu falei

"meu Deus, e agora? O que eu faço? Exponho ou não exponho?", e o Wallace sempre

fugindo e a dúvida dos professores era se ele era ou não analfabeto, quando chegou

no final do ano, consegui fazer uma prova só para o Wallace numa sala e tudo mais,

e descobri que o Wallace sabe ler e escrever. Mas é claro que ele tem problemas

assim como outros meninos da mesma idade, só que ele é cobrado muito mais pelo

fato de ser deficiente. É isso que me incomoda muito. Então se é deficiente, não pode

ser folgado. Se é deficiente, então ele tem que se empenhar cinquenta vezes mais.

Ele já tem as suas limitações, então isso foi me incomodando muito ao longo do ano

de 2015. Então quando eu percebi falei "nossa, eu levei todo esse tempo pra perceber

que só agora que eu consegui dar uma prova só pra ele e tudo mais", porque antes

eu lia a prova e eu falei "só agora que eu percebi, eu falhei!", eu falhei como todos os

professores falharam, como a escola inteira falhou, ele não é analfabeto. E foi uma

briga muito grande no Conselho, isso em 2015, porque iam reprovar mesmo o

Wallace, e eu falei "a escola que tem que ser reprovada, não o Wallace", a falha é da

escola, não é dele. Então nós que devemos nos arranjar aqui, e daí tinham aqueles

que pediam a reprovação, e aí eu falei "tudo bem, que tenha reprovação então, mas

desde que seja feito um acompanhamento", porque nada foi feito, então aqui existe

um grupo de professores que mal se conhecem e que não agem em prol do aluno. Eu

vejo muito que muitas vezes a gente não pode generalizar isso, mas muitas vezes os

professores falam assim "o aluno tem que se adequar sempre a minha aula" e por

quê? Por que não inserir? O menino pode ser inserido. Teve gente que falou assim

"ah, ele tem que se conscientizar, porque é como se fosse um careca achando que

tem cabelo, mas só tem o topetinho, fica lá achando que tem cabelo", eu achei isso

horroroso, diziam "ele tem que usar braile", se ele quer ser inserido no mundo da

escrita, se ele quer ler, se ele quer ouvir, o que quer que seja, eu acho que isso é um

direito dele, e muitas vezes a escola não proporciona isso. Eu me incomodo muito,

porque eu também não tive nenhuma orientação nesse sentido.

Alana - Na verdade, ele passou quase o primeiro ano todo sem os professores

saberem que ele tinha o problema.

Amanda - Exatamente! O primeiro ano foi dificílimo!

Alana - Ele não era um desastre, as pessoas não avisaram que ele tinha um

problema.

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Amanda - Foi complicado. Mas já no segundo a orientação já tinha sido feita,

mas as pessoas não sabiam se ele sabia escrever ou não, nem o sociopedagógico

sabia. Então, eu acho que nós falhamos muito, só que eu sempre acho que essa

questão do conhecimento, tentar entender o que se passa com o aluno é importante,

então eu sempre acho que o diálogo é importante, saber como o aluno quer ser

inserido. Como por exemplo, meu primo é cadeirante, eu sei que a limitação dele é na

fala, as pessoas acham que o problema dele é cognitivo, e não é cognitivo. Ele tem

um atraso na fala, porque faltou oxigenação na hora do parto, então ele tem

dificuldade pra falar, mas a cognição é perfeita, tanto é que ele vai muito melhor que

as minhas primas na escola, eles são trigêmeos. Mas é um absurdo. Ele foi fazer

prova no instituto federal de Itapetininga, e o que fizeram? Meu tio avisou que tinha

que ter um acompanhamento, porque o caso dele é de tetraplegia, então ele não

consegue projetar, ele não consegue segurar o lápis, ele tem movimentos lentos e ele

não se sustenta, e na hora da prova meu tio avisou tudo direitinho, ele foi pra uma

sala especial, a gente pensa "olha só, fizeram algo decente, vão ler a prova, ou vão

colocar numa posição que ele consiga ler", não, claro que não, é ilusão da nossa parte.

Eles queriam que ele segurasse o lápis e assinalasse a folha de resposta. O menino

ficou super nervoso. Então assim, é uma exclusão que a gente vive aqui, num universo

que a gente vê que existe tecnologia, um instituto federal de tecnologia e a tecnologia

não é utilizada nesse sentido, então eu acho que a conscientização aqui, ela se faz

necessária a todo momento.

Antonio - A falha é ainda maior porque como ele entrou aqui, ele soube disso.

Ele entrou aqui e ninguém sabia disso. O cara entrou aqui e depois de um 1 ano que

fomos perceber o que o aluno tem. A gente ta longe da realidade, não só os

professores em si, mas todo o sistema que recebe os alunos. Não estou excluindo o

professor disso, mas o todo o sistema é falho.

Fatima - Mas eu não acho que é só aqui. Na verdade, aqui ainda o professor

tem liberdade de falar "olha você tem que dançar conforme a minha música", na escola

particular você não tem isso. E aí quem dança é o professor. Porque aí o professor

não tem respaldo nenhum, a pedagogia passa a mão na cabeça da criança, porque

tem medo do pai do aluno, então ela vende uma escola que não existe, ela não dá

nenhuma estrutura para o professor. O professor não tem como "se virar", tenta "se

virar", aí tem reação, e acaba muitas vezes não conseguindo contornar. Então tem

uma fama de que a pedagogia passa a mão na cabeça do aluno, passa e na verdade

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a pedagogia deveria trabalhar com o professor para melhor desenvolvimento do aluno

e isso muitas vezes é falho. Então muitas vezes cai tudo em cima do professor, então

tem que ter um trabalho com a pedagogia.

Pesquisador - No caso, em nenhum momento foi passado para vocês a questão

do Wallace? Só depois de 1 ano?

Amanda - Quase no final do ano.

Pesquisador - Ninguém entrou em contato com vocês para falar nada dele?

Julio – Eu acho que é esse aluno, que a professora Clara estava falando. Esse

aluno agora está tendo um grande problema com estágio, que é obrigatório e ela

estava pensando em como fazer, porque senão ele não se forma, ele tem que cumprir

as horas de estágio.

Amanda - É uma ironia, porque ele está num curso de informática, e como é

que a área de informática não arranja soluções.

Julio - Não tenho certeza, mas eu acho que é esse aluno que ela estava

pensando nessa questão do estágio.

Pesquisador - Mas a gente já teve aqui um professor cego durante muitos anos,

o Sergio, que era professor de informática.

Antonio - Esse é o problema da instituição

Pesquisador - Aproveitando o gancho, a própria Amanda estava falando com

relação ao professor, dos cursos de licenciatura. Para vocês o que caracteriza um

bom professor?

Fatima - Que esteja antenado com a turma, que perceba a turma e aí ele vai

andar conforme a turma. Acho que é, uma pessoa que olhe para a turma.

Lais - Um bom professor na minha visão é aquele que conhece a turma e tenta

entender o problema. Não que ele vai estar lá como psicólogo, mas os alunos não são

todos iguais, então cada um tem um histórico de vida, cada um tem um tipo de

problema e o professor tem que se antenar conforme os alunos. Porque muitas vezes

o professor generaliza, quantas vezes eu escuto o professor falando que o aluno é

burro, que o aluno não consegue se desenvolve..., mas ninguém sabe da vida

particular dele. O professor não é obrigado a saber da vida particular dele, mas tentar

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entender que as pessoas não são iguais, cada um tem um problema. Nesse caso, o

menino que foi citado, ninguém sabia o problema dele. Então, é o professor também

procurar não estar ali só para passar matéria, mas entender o aluno, procurar saber o

porquê que ele t com esse problema. Se eu tenho um aluno em sala de aula que tira

nota muito baixa, eu vou tentar buscar o porquê, o que está acontecendo. Igual a

professora Amanda, não simplesmente ignorar "ele é burro, ele não tem competência

e vamos reprovar ele." Não é assim, eu acho que o professor tem que se inteirar com

o aluno, conhecer o aluno. A base de tudo: um bom professor conhece seu aluno. Eu

penso assim.

Alana - Eu estou até com medo de falar agora. Ela consegue falar assim,

porque ela é aluna e professora. Agora que a gente só é professora a muito tempo, é

difícil falar sem não ficar pensando como é a sua prática. E aí quando você pensa

como é a sua prática, aí você pensa "será que ela é a melhor mesmo?" Não sei, eu

tenho medo de chegar nessa conclusão. Pensando, eu concordo com a Lais, só que

as vezes é difícil você conhecer a turma. Por exemplo, eu levei 1 ano pra conhecer a

turma dela.

Lais - Mas sabe o que eu penso? Não é só a questão de conhecer o aluno. Às

vezes o professor se forma, sai da Universidade, passa anos na sua prática... eu não

estou falando só como aluna, eu falo como experiência, eu também faço estágio, eu

convivo com outros professores também. Às vezes eu escuto coisas absurdas da

pedagoga, que coordena o curso, que fala que o aluno é burro. Então eu vejo que

parte muito de o professor achar que aquele assunto é tão óbvio para ele, e ele passa

o conteúdo para o aluno como se fosse uma coisa muito óbvia. Porque ele já está a

anos, ele já entende aquilo, é muito fácil pra ele. Então é muito mais fácil julgar o

aluno, "ah, ele não está entendendo". É mais o professor rever, tentar se colocar no

lugar do aluno também, porque é óbvio que ele sabe, ele estudou durante anos, então

o que ele falar vai ser tão óbvio para ele que às vezes ele vai falar na própria linguagem

dele esquecendo do aluno, que é um mero aprendiz.

Alana - Então, mas só complementando, pensando nessas realidades

diferentes, escola particular, aqui, ensino médio. Enfim, as vezes as salas são mais

numerosas, menos numerosas.

Fatima - Não tem condição de conhecer o que eu falo de olhar o outro, é

perceber a sala e trabalhar com o que está na moda hoje que é problematização.

Agora você conhecer a vida de cada um não vai dar e nem conhecem a sua vida

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também, porque as pessoas cobram muito empatia, mas a escola não se coloca no

lugar do professor, ela deixa a batata quente com o professor. Então como é empatia

se colocar no lugar do outro, se na hora que você precisa ser olhado você, não é?

Então, eu acho que é tentar ver o que está acontecendo com a sala, mas aí você volta

porque você tem que ter um respaldo, porque você não tem base e aquilo afunda.

Lais - Mas aí talvez eu não fui clara no sentido de conhecer a vida do aluno,

por exemplo, não são todos os alunos que tem dificuldade. Tem certos alunos, igual

o que a professora Amanda citou, de um aluno específico que está dando muito

trabalho e que passou um ano é o menino foi reprovado. E aí foi preciso ir até lá,

buscar e entender. Claro que uma professora de uma Universidade tem milhares de

alunos e, realmente, você não vai saber a vida de cada aluno, não tem como. Mas eu

acho que não coloquei da forma correta de falar, em pegar aqueles alunos, que

digamos é o aluno problema da sala, e tentar entender o porquê ta acontecendo isso,

porque se o professor passa a pegar esses alunos que tem certo tipo de problema,

investigar o porquê, o aluno não vai ser excluído, não vai ter esse tipo de problema de

autoestima, que provavelmente o aluno deve ter tido N problemas de se achar burro,

de se achar diferente. Estou falando desses casos, porque a gente sabe que o

professor tem milhares dessas classes e não dá pra conhecer a vida de todo mundo,

então o professor tinha que pegar aqueles alunos que são taxados como aluno

problema e tentar ir afundo, investigar.

Fatima - É que isso é muito relativo, porque, às vezes, o que problema em uma

disciplina, não é na outra. Então, as vezes um aluno tem problema em interpretação

de texto, mas em matemática ele é ótimo. Então isso é muito relativo e complexo,

então se o professor consegue um dia simplificar o uso de vírgula e aquele menino

que não entendia como colocar vírgula, aquele dia ele saiu sabendo colocar vírgula,

ele ganhou a aula ali. Então, eu acho que as coisas são menores, menos é mais.

Claro, a investigação, conhecer o aluno... eu acho que isso é o trabalho pedagógico,

de conhecer e falar: "olha, aqui a gente tem esse perfil, professora. Vamos trabalhar

aqui".

Lais - Mas é que eu penso como a gente está falando de inclusão, a gente ta

falando daqueles alunos igual a professora citou, o aluno que tem problema mesmo,

não to falando daquele aluno que vai bem em uma matéria e mal em outra.

Fatima - Mas aí eu acho que você está excluindo quem não é, porque a partir

do momento que você vai dar aula só para aquele que tem dificuldade, e aqueles que

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não tem a mesma dificuldade? Você está excluindo. É o que muita gente faz, faz a

aula específica para o menino que está em inclusão e esquece, e aí eu viro as costas

para os 30 que estão ali, por isso que tem que ser uma coisa muito bem feita, onde

todos fiquem inteirados e é muito difícil.

Lais - Mas por isso que eu penso que aquelas reuniões que os professores têm,

conselho e tudo mais, para você pegar os casos específicos, não para tirar, mas pra

tentar trabalhar com ele. Igual o aluno, o que eu achei interessante é ele passar um

ano e ninguém descobrir o problema dele. Claro, as pessoas são diferentes, é

complexo, trabalhar com todo mundo por igual, mas pegar aqueles alunos que são

taxados como problema, na minha visão, e tentar uma reunião com todos os

professores, passar o caso dele, pensar do porquê estar acontecendo isso, tentar

fazer algo, que foi provavelmente o que aconteceu. Porque você nunca vai conseguir

tratar todos os alunos por igual por, mais que você queira. A gente tem que pegar

aqueles que tem problema mesmo, no sentido de "todo mundo tem problema? Tem!"

Mas aquele que é taxado como aluno problema no sentido de dificuldade e exclusão.

No caso, esse aluno sofreu exclusão, durante um ano, reprovou, ninguém buscou

investigar o porquê. Eu acho que não seria tão complexo assim pegar os alunos que

são taxados e investigar.

Alana - Na verdade, agora, os conselhos daqui têm tentado fazer isso. Têm

tentado, vocês perceberam que usei esse tempo não por acaso, porque não tinham

todas as notas dos alunos... mas funcionou pra você saber que aquele aluno não teve

um desempenho ruim só na sua disciplina, ele teve desempenho ruim em várias

disciplinas, então aí você começa a ficar assim "bom, então o problema dele não é

específico, é um problema maior". Mas nós não fomos atrás para saber se o problema

dele geral se deve a algum fator cognitivo, problemas em casa, problemas com

drogas. Não se investigou isso, foi um diagnóstico: esses têm nota baixa, tem baixo

desempenho.

Antonio - Nesse caso, você falou de fazer essa investigação... cabe ao

professor levantar isso, "tem um aluno que está ruim na minha matéria", é o

sociopedagógico vai verificar se isso se repete em várias matérias. Eu acho errado,

os extremos, tanto um professor que montou a aula dele 15, 20, 30 anos atrás e

continua contando sempre as mesmas piadas, que isso a gente percebe, como

também aquele professor que trata aquele aluno com problema como coitado, aí eu

concordo que você ta excluindo os outros. Eu me baseio por mim, eu não sou um cara

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culto, não sou um cara esperto e até hoje nunca aprendi o inglês, se me perguntar o

verbo "To be" eu não sei. Agora todas as professoras de inglês foram ruins? Não.

Teve professores que se esforçaram, teve outros que nem ligaram. Agora, em nenhum

momento os professores que eu considero bons pararam de trabalhar com a turma

para trabalhar com A, B ou C. Acredito que eles levantaram o problema. Então eu

acho que um bom professor tem que conhecer a turma... por exemplo, eu dou aula

para 5 turmas diferentes durante a semana, algumas matérias se repetem, então eu

tenho que saber "nessa turma eu tenho que trabalhar com isso, porque é uma turma

mais madura". Então isso cabe a mim como professor identificar isso, saber como

trabalhar com a turma, agora se o cara está com problema em casa, etc, aí acho que

isso não cabe a mim, cabe procurar a coordenação, procurar o sociopedagógico "to

com um aluno assim, ele não está se desenvolvendo...", mas isso antes, não adianta

chegar no fim do semestre, depois de 1 ano "esse aluno não foi bem", aí isso já

caracteriza um mal professor. Você vai fazendo uma avaliação diária e aí você

apresenta antes do final do semestre. Porque não adianta chegar "esse aluno é ruim,

pronto, não passou.", acho que aí é falha do professor. Mas enfim, acho que os dois

extremos têm que ser muito bem ponderados: não pode ser aquele professor que

repita a aula independente do que aconteça e também não pode ser aquele professor

que exclui os 30 e trata um ou dois. Eu acho que isso não cabe ao professor, saber a

causa do porquê do aluno não estar se desenvolvendo. Eu acho que ele tem que fazer

a parte dele na sala de aula, mas aí fora da sala de aula, se ele quiser interagir com o

aluno, aí é uma questão do professor. Eu não faço isso. Dou toda liberdade para o

aluno me procurar, tirar dúvida, qualquer dia, qualquer hora, meu e-mail está aqui, não

me restrinjo somente a sala de aula... Só um exemplo, quando eu entrei na instituição,

eu passei meu e-mail pessoal e foi a pior coisa que eu fiz, porque até hoje eu recebo

trabalho no meu e-mail pessoal. E nas turmas eu falo "quem mandar um e-mail pra

mim no pessoal está reprovado, quero nem saber. Se quiser mandar no meu e-mail

pessoal é pra mandar convite pra churrasco, pra futebol, agora para trabalho da escola

nós temos o moodle, o guia da instituição, está entendido?" Aí chega na véspera da

entrega do trabalho, está lá no meu e-mail pessoal. É o cuidado que a gente tem que

ter. O cuidado com os extremos.

Alana - Eu concordo que não deve ser o professor que tem que investigar. Mas

o que eu to dizendo é que a escola tentou fazer isso nos dois últimos conselhos de

diagnosticar quais eram os alunos com problema, só que passou o primeiro bimestre,

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aí a gente achou que no segundo bimestre eles iriam trazer alguma resposta e não

trouxeram. Então é isso que eu to falando, não que eu fosse investigar, o que eu fiz

foi fazer algumas recuperações com os alunos, os que eram possíveis fazer, os que

quiseram fazer, aí foi produtivo pelo menos para um deles. Mas porque ainda não

estamos no final do ano, no final do ano aí todos vão querer fazer recuperação, agora

eles não querem fazer. Agora a resposta que a gente iria receber do sociopedagógico,

a gente não recebeu. Não sei porque, se realmente eles não têm estudado. Pode ser

simplesmente o aluno não gosta de estudar, não ta afim, ou se realmente é problema

maior. E em relação ao conhecer a sala, eu entendo "conhecer" no sentido mais

amplo, de fato na quinta-feira de manhã eu tenho três segundos anos e é inacreditável

como cada aula é diferente. Você pega a mesma disciplina achando que vai ser mais

tranquilo de preparar a aula, mas só pra preparar, porque pra dar a aula não. A

primeira sala é devagar quase parando e não é porque é quinta as 7h da manhã, não,

a sala é assim, e eu descobri isso no conselho, o conselho é bom para isso. Eu dava

um desconto porque era 7h da manhã, não, eles são assim. As 11h eles são assim,

devagar. A segunda turma é a mais empenhada e a terceira fica assim: presta

atenção, mas não se envolve. Então cada uma dessas salas é uma característica. E

por exemplo, na segunda eu posso fazer piada, tirar sarro da cara do aluno, eu posso

brincar... jamais poderia fazer isso na primeira, eles não iam captar, ia ser catastrófico.

E na última, menos ainda. Então até mesmo o modo como você planeja a aula, o que

você vai falar ou como você vai falar. O que você vai falar pode até ser o mesmo, mas

como você vai falar é que vai sendo moldado quando você conhece a sala. Ou seja,

um grupo, um todo, não conhecer particularmente. Porque particularmente aí é muito

difícil, aí só mesmo no diagnóstico, aí o sociopedagógico te ajuda e aí você como

professor pode fazer alguma coisa, ou se quiser, como amigo do aluno que você pode

se tornar, depois você pode fazer, mas não é a função do professor. E aí, eu acho que

ninguém respondeu o que é ser bom professor.

Julio - Eu só queria pegar um gancho em relação ao que a professora falou aos

nossos conselhos. Realmente isso que acontece, houve uma melhora, mas o retorno

do departamento sociopedagógico não acontece e aí eu só queria dar um exemplo, a

gente tem um aluno extremamente problemático no primeiro ano, e eu que tive que

chegar no aluno e dizer "você vem pra escola alcoolizado ou usa drogas?" e ele

confessou pra mim. Isso não é meu trabalho, de encontrar esses problemas. Eu acho

que isso é função do sociopedagógico, não dos professores. Então esse retorno a

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gente não tem. A gente aponta quais são os problemas, mas não se busca uma

conversa, fala-se tanto que chamam os alunos para conversar, mas eu não sei o que

se conversa. O formato que está se configurando nos conselhos é justamente esse,

os professores estão diagnosticando os problemas, os professores não se conhecem,

pela própria estrutura da escola, mas demos aula para a mesma turma, os professores

falam as mesmas coisas... então o aluno merece uma atenção especial, é isso que

está acontecendo, mas para aí, não tem prosseguimento ao que deveria ser

investigado efetivamente, e isso não cabe ao professor. Então eu acho que isso não

caracteriza um bom ou mal professor quem executa esse tipo de função.

Respondendo a sua pergunta, eu acho que um bom professor é aquele que tem a

humildade de entrar em sala de aula e entender essa diversidade enorme que a gente

tem e buscar alcançar os alunos, sem não todos, porque há uma dificuldade, mas

temos que tentar e ter essa consciência, independente das práticas que são usadas,

eu acho que o mais importante é isso; e entender também, porque a gente conhece

alguns professores que tem um modo mais autoritário na aula, os meus professores

eram assim...mas não é por isso que eu acho que tem que ser a prática atual, tem que

progredir, né... por isso o professor deve ser mais flexível em determinadas situações;

é difícil alcançar a todos os alunos, mas pelo menos buscar isso, essa boa vontade,

essa humanidade caracteriza um bom professor.

Amanda - Para mim um bom professor é aquele que busca conhecimento, não

só do conteúdo, nem da vida do aluno, mas o conhecimento relacionado a forma de

aprendizagem daquele aluno. E pensando agora da questão da inclusão e exclusão

eu lembrei de uma história, no campus de Campos do Jordão, onde havia um aluno

que possuía transtorno bipolar, extremamente agressivo, não sabíamos lidar com o

aluno. A avó veio até nós comunicar desse problema, mas não foi algo que nós

buscamos, chegou até nós. Acabamos chamando o médico até a escola para nos

ensinar como inserir aquele aluno em sala de aula, porque isso envolve a prática, sem

querer se envolver na vida pessoal do aluno, mas saber aquilo que é necessário para

a aprendizagem, para o seu trabalho em sala de aula. Isso vai de caso pra caso.

Julio – Uma pergunta: “Não tem um departamento, que cuida, que tem essa

responsabilidade? Eu não sei como é que funciona, eu nem conheço, não sei aonde

fica, nem quem são...”

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Pesquisador – Sim. É o Napne. Que fica no sociopedagógico, que é composto

por 2 ou 3 pessoas e a função deles é essa. Trabalhar, especificamente, com esses

alunos de inclusão. O que vocês entendem por educação especial?

Julio - Especial é algo fora da sua conveniência, fora da prática do dia a dia,

não podemos usar as mesmas ferramentas. É buscar adaptar as suas práticas às

necessidades do aluno.

Pesquisador - Como vocês, na mecânica, adaptariam as suas aulas a um

deficiente visual?

Julio - Eu vou usar o exemplo de um aluno que estudava no campus de

Itapetininga, onde eu dava aula. Lá havia um aluno que possuía alguma deficiência,

eu não fui professor dele, e aí como levar ele pra um torno com aquela deficiência?

Mas tinham que inserir ele de alguma forma. A prática que ocorreu foi o coordenador

do curso, que dava essas aulas práticas pra esse aluno, dava uma aula particular,

referente a essa disciplina prática. Foi a forma que o grupo encontrou de trabalhar

com isso. Porque nós professores da área técnica não temos ideia também de como

trabalhar com isso, nós não fomos preparados para isso. Eu achei que nas

licenciaturas tinha alguma preparação, mas eu me enganei. Não sei se a atitude do

coordenador foi correta ou não, mas ele se propôs a trabalhar todas as disciplinas

técnicas com aquele aluno, então foi feito.um programa diferenciado. Se isso é certo

ou errado, porque de certa forma a gente está excluindo ele, eu não sei. Isso foi uma

tentativa que foi feita e deu certo, pois foi dado uma atenção especial em todas as

aulas particulares que foram fornecidas a ele; o professor ficava ali, 100% olhando o

que ele estava fazendo, ou ele arrancaria um dedo...tínhamos um problema grave em

relação à segurança dos alunos nessas aulas práticas e para alguém que tem alguma

limitação, isso é ainda mais crítico. Nós já tivemos um problema com uma aluna que

se acidentou na mecânica. Então essa foi uma saída que encontramos.

Alana - Educação especial é aquilo que foge da regularidade. O aluno que não

tivesse comprometido com a visão, com locomoção, ou problema cognitivo...quando

vocês estavam falando eu me lembrei de quando fiz estágio obrigatório e tinha um

menino que era surdo e eu lembro que, em uma das aulas, a professora chegou a

levar as letras de libras e os animaizinhos para a turma inteira fazer com ele a aula.

Então, a verdade é que ali ele era mais o professor da turma. Mas eu passei mais de

6 meses naquela sala e essa foi a única vez que o menino foi incluído. Mas nesse

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processo, os outros alunos da sala ficaram tendo aula de libras, não de língua

portuguesa que era a disciplina e sim, uma aula de cultura.

Pesquisador - E para vocês, qual a diferença que se estabelece entre a

educação especial é a educação inclusiva?

Amanda - Eu acho que a terminologia de necessidades específicas me agrada

um pouco mais. Cada um tem uma questão especifica para ser trabalhada. Não é só

aquele menino que tem problema de visão, que tem problema de audição ou

bipolaridade..., mas também aquele menino que não aprende, independente de

alguma deficiência que algum aluno tenha, os alunos restantes na sala e que possuem

dificuldade em alguma disciplina também devem ser incluídos. Então eu acho que

inclusão é muito mais abrangente. Você não precisa apenas atender aquele aluno

com necessidades especiais, você pode pensar em uma recuperação paralela

também, a qual já é prevista aqui no Instituto, mas não é uma prática; porque você

não faz a inclusão só em sala de aula, ela extrapola. A inclusão vai além disso e isso

não cabe só ao professor. Mas a recuperação paralela devia ser instaurada, mas não

é. Isso deveria acontecer; na 109 isso já é previsto. A gente tenta fazer isso aqui, mas

não tem horário. E além disso, não há horário para a preparação para a recuperação

paralela. Em campos do Jordão isso deu super certo, os professores faziam o

atendimento à tarde, os alunos frequentavam, e do primeiro bimestre para o segundo,

eles tiveram um crescimento bacana.

Alana - Mas eles fazem um turno só?

Amanda - Sim, porque agora é o curso de 4 anos que a gente voltou a ter.

Alana - Mas pra gente é praticamente impossível, porque não temos como fazer

atendimento à noite. E os horários não coincidem, porque tem que ver os seus

horários, os horários dos alunos daquela sala, os horários das outras turmas.... Eu

tentei por três semanas marcar recuperação com o primeiro ano e só fui conseguir na

última aula do semestre, porque os outros dias já estavam preenchidos com a

recuperação de outras disciplinas, e aí eu tenho que me encaixar. E isso não estava

dentro da minha disponibilidade, nunca está.

Julio - Na mecânica, eu to com três disciplinas que estão fazendo recuperação

paralela, mas tem que esperar a boa vontade dos professores, porque não está no

horário formal dos professores.

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Alana - E tem que combinar também com os alunos informalmente, não é uma

coisa que você pode se assegurar depois.

Julio - Se bem que a gente conseguiu documentar, o Daniel mandou uma

portaria e a gente formalizou, mas de todo jeito depende da boa vontade do professor.

Mas era o único horário que aquela turma tinha, e se tinha algum professor que queria

dar a aula, agora já não tem mais. Então é extremamente complicado isso.

Pesquisador - Mas até agora vocês estavam abordando a dificuldade do aluno

que tem dificuldade na aprendizagem, a questão da recuperação paralela. E tudo isso

entrava na inclusão.

Alana - Mas eu tinha um pensamento diferente do que era "especial" e

"inclusão". Era uma coisa quase que matemática. Para mim "especial" era quando

você tinha uma sala com alunos especiais ou específico. E "inclusão" quando você

tinha uma sala heterogênea com alguns alunos que tinham necessidades específicas.

Pesquisador - E com relação as altas habilidades?

Fatima - Toda escola deveria ser inclusiva. Porque todos são diferentes. O que

é uma escola inclusiva. É conviver com o diferente. Geralmente, uma escola que se

diz inclusiva, na verdade não é. Ela pega o aluno especial, coloca na rodinha com

todo mundo cantando e ele fica lá batendo palma. Isso é exposição, não inclusão.

Então o ideal é todo lugar ser inclusivo, sendo escola ou não. Não excluir ninguém.

Mas é uma utopia.

Pesquisador - E com relação as altas habilidades? O aluno ser superdotado.

Como vocês lidariam?

Fatima - Se você trabalha em uma escola realmente inclusiva, você vai arrumar

uma tarefa onde tanto o aluno com mais habilidades, quanto os com menos

habilidades, vão poder trabalhar igualmente. E aí você está sendo democrático,

porque todo mundo está ajudando todo mundo. Mas a partir do momento que você

ignora o superdotado, para dar mais atenção para o aluno com mais dificuldade, você

está excluindo o outro, aí ele começa a não gostar da aula, vai ficar rebelde.

Amanda - Eu conheci uma professora de matemática que mapeava os lugares

da sala e todos tinham que obedecer aos lugares que lhes eram incumbidos. Mas era

extremamente interessante porque ela colocava aquele que tinha mais dificuldade

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com aquele que tinha menos, então um ajudava o outro. E ela denominava alguns

alunos da sala como monitores, e eles tinham a função de percorrer a sala ajudando

os colegas. Então é um sistema de colaboração, onde não é só o professor que

promove a aprendizagem, os alunos também colaboram. É uma aprendizagem

cooperativa.

Julio - Isso na área técnica acontece bastante, mas as vezes nem se trata da

alta habilidade. Às vezes nós temos algum aluno que já tem mais experiência com

aquela tecnologia, e aí você se pergunta como você vai proceder, porque ele já

conhece aquilo. Então, se você não trouxer ele para auxiliar, fica difícil. Dependendo

do perfil do aluno, às vezes, ele pode até atrapalhar a aula; isso acontece muito na

graduação. Então a gente tem que motivá-los a ajudar. Pelo menos eu sempre

trabalho dessa forma. Ele vai ter uma outra função dentro da sala de aula, que é

auxiliar os demais alunos.

Pesquisador - Vocês até já responderam em partes, mas eu ia perguntar se

vocês se sentem preparados para lidar com esses alunos em sala de aula. E o que

vocês acham que falta?

Lais - Eu acho que a discussão é o primeiro passo, fazer reuniões. Eu acho que

enquanto não se discutir isso ninguém vai estar preparado para esse tipo de situação.

Julio - Eu acho que mais encontros desse tipo que a gente tem. A maioria dos

nossos problemas ocorre porque nós não nos conhecemos. Essa é uma crítica minha

à organização da escola. Aqui não existe. E uma escola que tem esse tipo de

organização está fadada a ter uma educação decadente.

Antonio - Eu concordo também. Eu acho que essa discussão que tivemos aqui

me alertou para assuntos que eu nunca havia pensado. Eu vou contar um caso aqui,

que foi com o professor Rosito, da elétrica. Ele tem uma certa limitação, e no dia que

entrei aqui, eu pedi para falar com ele pois tínhamos que discutir determinadas coisas

sobre uma turma... enfim, e quando ele foi me apresentar para os outros professores,

ele levantou e foi aí que eu percebi. E a gente teve que subir e descer escada, então

a própria escola não está preparada para esse tipo se situação. E eu via a dificuldade

dele e eu fiquei incomodado por não saber como ajudá-lo. E eu acredito que essa

troca de experiências que a gente ta fazendo aqui ajuda muito. A gente participa de

tantas reuniões que são improdutivas, que são uma perda de tempo... eu acho que

essa questão da investigação, seria investir no professor e na escola. Agora eu sei

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como é, a solução está aqui, nesse tipo de discussão. Não o que é feito todo ano, todo

semestre. A escola tem o mecanismo. Se a gente quiser, a gente consegue discutir

isso, fazer uma recuperação paralela com a carga horaria adequada. A solução está

aqui dentro, é só conseguir organizar.

Lais - Na inclusão, no sentido estrutural, nós temos grandes problemas com

isso. Se a gente pensasse nisso, todas pessoas com necessidades especiais

poderiam se locomover melhor. Mas de certa forma, isso também é uma exclusão,

pois vou estar segregando "ali é o lugar dos especiais ". Por mais que a gente queira

ajudar, é um pouco complexo.

Amanda - Eu acho que me toca muito. Porque a gente sente mais, quando a

pessoa é próxima. Mas eu não acho que é excluir, é incluir, é permitir o acesso, é

permitir que a pessoa se envolva, participe. No caso do meu primo, ele é um cidadão

consciente, mas quantos não são? Ele questiona os professores. Mas é preciso que

a gente olhe para o outro, que a gente pense como incluir, mesmo não tendo um caso

próximo. Eu não me sinto preparada, eu queria ter pelo menos o conhecimento básico.

Acho que o sociopedagógico peca em não divulgar tanto, os eventos do NAPNE. Vem

pessoas renomadas dar as palestras, a divulgação é importante para os professores.

E essa troca de experiências é muito importante.

Antonio - Ontem eu fui no cartório, aí eu perguntei para a moça onde era o

banheiro, ai ela disse que era lá embaixo. E isso de certa forma é uma exclusão. Por

nisso a escola tem que fornecer esse auxílio. Eu me baseio por mim, se uma pessoa

que possui necessidades especiais for pra área da mecânica, nós não estamos

preparados, os laboratórios são de difícil acesso, tem sala que a cadeira não entra.

Pesa muito a educação.

Pesquisador - Vocês acham que deveria ter alguma metodologia específica pra

isso, que viesse do Napne para os professores ou os próprios professores deveriam

procurar esse material para o aluno?

Fatima – Eu acho que a parte pedagógica da escola entra, não é só pra passar

a mão na cabeça. Aí é que o setor pedagógico entra com força, não só para passar a

mão na cabeça. Você tem que proporcionar tarefas para todo mundo da sala, pra

ninguém ficar excluído. O sociopedagógico tem que sugerir, proporcionar, porque

muitas vezes você não sabe qual é o melhor curso a fazer, que caminho tomar...O

professor fica no meio termo, ele fica entre a parte pedagógica e o aluno e ele fala

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direto com o aluno. E a parte pedagógica tem que orientar o professor. É papel do

sóciopedagógico direcionar para o professor qual a melhor estratégia a ser tomada

para aquele determinado estudante com deficiência, porque o professor não sabe

quais são as necessidades do aluno com deficiência.

Lais - É importante que o sociopedagógico forneça todas as orientações,

porque tem professor que não tem acesso, não tiveram formação pra isso, como os

engenheiros, por exemplo no curso de mecânica, alguns professores não conhecem

nada sobre psicologia da educação, eles não tem nem ideia e não vão atrás, por isso

eles deveriam divulgar. Porque tem professor que tá ali, professor tradicional,

professor que só vai estudar exatas, não tá pensando no lado humano, então eles

deveriam divulgar também prá isso.

Fatima – Na outra escola que eu trabalhei, tinha um público de alunos

esquizofrênicos; se fosse uma escola diferente, ela iria trabalhar com os professores

em como lidar com aluno esquizofrênico; eu aprendi na prática como lidar com eles.

Teve um surto na minha sala e eu tive que me virar; eu era premiada! Como você

trabalha com isso? Ninguém nunca ne ensinou.

Alana – Mas tem um outro caminho que eu acho que é isso mesmo; começar

a discutir, verificar as palestras que estão sendo oferecidas e de fato convidar pessoas

que trabalharam com isso, porque tem especialistas que sabem do assunto, e são

muito bem vindos, pessoas que passaram por isso, com casos específicos; o exemplo

do Wallace, dos meninos que entraram em surto, enfim, cada um deles tem uma coisa

que vai ser diferente do outro, é uma patologia específica pra cada aluno, mas elas

são graduais e cada características vai refletir o modo que você vai trabalhar em sala

de aula. Conhecer o que outras pessoas fizeram, em tempos outros, o que tem feito,

dá uma base para você testar o que foi feito e testar se vai funcionar no seu caso, e

melhorar o que tiver que melhorar.

Lais – Esse bate-papo que nós estamos tendo aqui é muito válido para

refletirmos em tudo e pensar em algo voltado especificamente pra isso.

Antonio – Aqui nós tivemos casos citados pelas professoras que estão

próximos a mim. Imagina um aluno tendo surto na oficina? Meu Deus!

Amanda – É fundamental que nós tenhamos palestras sobre autismo, acho que

esse ano houve uma; mas existem algumas palestras que acontecem que são de

necessidades específicas; então o nosso núcleo é de um trabalho cooperativo, tanto

o sociopedagógico vem até nós, quanto nós devemos ir até eles; então nós

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conseguimos identificar; é como o Julio disse nós identificamos e levamos; então esse

é o primeiro passo, porque assim como nós discutimos as coisas de forma mais

abrangente, então o básico eu consigo fazer, mas isso não dispensa os conselhos, as

discussões, porque cada caso é um caso. A gente tem que solicitar, pedir cada vez

mais ao sociopedagógico.

Pesquisador – Mas cabe aqui uma ressalva, que não cabe a nós diagnosticar.

Talvez o professor que tenha um pouco mais de conhecimento a respeito, consegue

identificar algo que não está “normal” e levar isso até o sociopedagógico, mas a priori,

como eles mesmos dizem que o aluno só precisa se autodeclarar, eles precisam

comunicar-nos a respeito.

Amanda – É por isso que temos que levar ao conhecimento deles. E ao

saberem de alguma coisa, eles têm que comunicar o fato. No início do ano, eles

falaram tanto de evasão, mas existem coisas que são muito mais importantes que

isso.

Pesquisador – Depois dessa conversa que tivemos aqui, gostaria que me

respondessem: “Quem são os estudantes com deficiência para vocês? ”

Fatima – São as pessoas que tenham qualquer tipo de necessidade especial.

Amanda – Para mim PCD sempre uma lembra a ideia de déficit, que falta algo,

sempre a ideia de necessitar de algo em virtude da falta de.

Antonio – Para mim PCD são aquelas que tem limitações físicas aparentes.

Julio – Que tem alguma necessidade especial, alguma deficiência.

Alana – É a pessoa que necessita de algo a mais que os outros alunos.

Lais – São aqueles que necessitam de algo; que tem alguma deficiência.

Agradecimentos.

GRUPO FOCAL REALIZADO COM PROFESSORES COM MAIS DE 10 ANOS

DE DOCÊNCIA

Pesquisador – Qual a posição de vocês frente a um aluno esquizofrênico em

sala de aula?

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Vitor - Considerando o grau de esquizofrenia, porque isso influencia também,

como ele se porta, eu tô supondo que o aluno que eu saiba antes que ele tem

esquizofrenia, e eu sabendo disso, que eu possa estar atento a um determinado

comportamento que ele venha a ter em sala de aula, ou que eu não compreenda

naquele momento ou que eu julgue não pertinente para que eu possa entender, para

o desenrolar da aula. Sobre como lidar exatamente com isso, dependeria exatamente

sobre o que o aluno fizesse. Eu acho que em um caso em que ele tivesse um

comportamento agressivo, aí eu teria que tentar ver se consigo dialogar com ele, se

consigo entender o que ele tá fazendo, e o que tá se passando na cabeça dele naquele

momento; e obviamente eu teria que parar o que eu estaria fazendo para poder

verificar isso. Em um caso de ele ter um comportamento, de dizer coisas, ou agir de

forma a parecer que ele tá em um outro caminho ou em outra realidade, caberia talvez

eu tentar entender, se isso se deve a alguma coisa que foi realizada na aula, algum

desenvolvimento que a gente tenha feito, que tenha remetido a isso, ou se isso tá

deslocado do contexto, aí e eu teria meio que entrar nesse modelo e saber o que tá

acontecendo na cabeça dele; mas quanto à outras coisas relacionadas a isso, ou o

que eu faria em um surto mais agudo, e que talvez ele se debatesse, para ser bastante

sincero, eu não saberia o que fazer. Eu teria que chamar alguém para aula, até por

um medo de toque ou de fazer alguma coisa que acabaria machucando, ou acabar

fazendo alguma coisa que não deva. Na minha cabeça seria isso; eu não sei, para ser

bem sincero eu nunca tive uma orientação específica a respeito, mas eu pensaria isso.

Tem uma última coisa que eu só ... Na verdade, eu já tive um aluno diagnosticado

com esquizofrenia, em sala de aula, aqui no IF, há 2 anos atrás. Ele passou por mim,

me deu o laudo, mas eu nunca consegui conversar muito com ele, porque ele veio em

poucas aulas, umas 2 aulas. Mas isso já aconteceu... não houve nenhuma situação,

que eu percebesse, sentisse que precisasse intervir. O que talvez passe pelo

problema, de às vezes ele pode ter tido alguma coisa e eu não ter percebido, eu não

sei identificar, né. Então às vezes o aluno tá muito quieto, tá pensando outras coisas,

a gente não sabe tb o que tá se passando, né, mas a princípio em uma situação de

comportamento, não aconteceu. Então, eu tô falando...embora já tenha tido um aluno

esquizofrênico, eu tô falando do que poderia ter acontecido e não aconteceu.

Elza – Eu nunca pensei, realmente, que eu pudesse ter isso em sala de aula,

e eu tenho a impressão que a gente tem mais alunos ou mais pessoas que a gente se

relaciona que tem esquizofrenia, e a gente não sabe, e nem precisaria saber, porque

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essas pessoas não vivem...e como vivem normalmente, eu acredito nisso. Agora, a

questão do surto, realmente eu nunca imaginei como eu reagiria, porque a gente sabe

de histórias, de pessoas que não tomam nenhum remédio e podem ter um surto, uma

agressividade não somente com um professor, mas com os próprios colegas. Então,

eu imagino que se existem essas situações e se a gente já tem conhecimento, e a

orientação educacional, eles também passariam pra gente a maneira de como se

comportar, etc. Mas, assim, a impressão que eu tenho, entre nós mesmos, muito mais

casos do que a gente imagina, e que as pessoas tem as terapias, enfim, as condutas

pra resolver do que dão conta.

Fabio – Eu já tive dois casos. Um, com diagnóstico, e nunca teve surto nenhum.

Só no dia da avaliação, e ele foi embora. Mas teve um que levantou pra bater no

colega. Era uma apresentação oral, com a Andreia, lá na geografia, ele achou que o

colega tivesse rindo dele e levantou pra dar uma porrada. Aí um outro, que era um

armário, e que trabalha na Fundação Casa, colocou a mão no tórax dele, rapidinho

ele sossegou. Não deu tempo de fazer nada, a gente estava lá atrás, e aí quando a

gente pensou em reagir, já tinha resolvido. Só que aí, a gente levou o caso pra direção.

Esse aluno foi expulso, inclusive. Porque ele entrava em surto, ameaçou o professor,

disse que estupraria a filha da professora, foi uma confusão danada. Você não se

lembra disso, não? Foi em 2012. O Vieira era o diretor. O aluno foi impedido de entrar,

a mãe não sabia, ele tinha começado a fazer Letras, em uma faculdade, e tinha sido

expulso pelo mesmo motivo. Sim, tinha laudo, mas aí que a gente foi saber que ele

tinha esquizofrenia e tinha esse comportamento.

Zenaide – Eu tive um caso o ano passado, na turma de Turismo à noite,

inclusive estava eu e a Rafaela, a coordenadora do Turismo, e a menina tentou se

jogar, estava descendo a ladeira, tentou se jogar mesmo, se matar, e o namorado dela

tentou salvá-la, né...conseguiu, mas ela quase se joga mesmo. Aí ela foi internada e

nunca mais voltou.

Fabio – Mas era esquizofrenia?

Zenaide – Não sei, mas parecia...porque o esquizofrênico fica agressivo, né?

Fabio - É ...tem vários tipos...

Zenaide – Não sei, mas a esquizofrenia pode levar também ao suicídio,

né...então, aí ela foi internada, a mãe dela internou e nunca mais voltou pra a escola.

Elza- Agora que a Zenaide lembrou, a gente tem dois casos tristes, na Federal

mesmo, de suicídio, o menino matou a namorada e depois se matou. Então, era um

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casal de namorados, foi em uma Copa do Mundo. Ele matou a menina, depois se

matou e tem um caso de um aluno que era excelente, por sinal, e as pessoas depois,

não saberia dizer o diagnóstico, mas ele também se matou, se jogou de um prédio.

Mas isso faz uns 15 ou 20 anos.

Zenaide – Ela tentou se jogar dessa rampa, que a gente desce. Não tem essa

rampa, com as janelas quebradas, o namorado que segurou, mas foi por muito pouco.

Fabio – Agora, o rapaz que eu falei que nunca surtou, ele é diagnosticado, e

inclusive ele traz o atestado, com CID e tudo. Ele tem Transtorno de Ansiedade com

Esquizofrenia. Ele não consegue lidar com ele falou isso pra mim, ele não consegue

lidar com o fracasso. Então a avaliação pra ele é um momento de fracasso. Ele não

fêz nenhuma.

Elza – A esquizofrenia é o genérico, né? O transtorno...

Fabio – Ele tem Transtorno de Ansiedade e esquizofrenia. Um fato que eu achei

interessante no caso dele, é que na terceira semana de aula, ele me pediu dez minutos

da aula para conversar com a turma, porque ele vinha sofrendo um bulling, por conta

do comportamento dele, e aí ele mesmo tomou a iniciativa de conversar com a turma.

Aí ele conversou com a turma, com os colegas e acho que daí pra frente, até onde ele

ficou, porque ele não fechou o semestre, né... aí pediu o trancamento.

Pesquisador – Em algum momento o sócio pedagógico entrou em contato com

vocês ou não?

Elza – No caso, o ano passado, a gente teve problema com outro professor de

uma aluna...na verdade, o sócio pedagógico agiu com a menina e com o outro

professor, e aí como a menina ia passar a ser minha aluna, eu fui ao encontro do sócio

pedagógico, que disse que não tinham relatado nada para os professores, porque era

sigilo. Acho que a Barbara também era professora dela.

Pesquisador – Mas a menina era sua aluna?

Elza – A menina era minha aluna, Análise de Sistemas. Ia passar a ser minha

aluna.

Fabio – Não era sua aluna. Ela teve surto com o professor da outra parte da

turma, e a escola pra resolver, que é um absurdo, passou para ela ser a professora.

Não foi que resolveu a situação da menina. Vamos falar a verdade, né...

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Pesquisador – Mas, a minha pergunta é: a partir do momento, vamos supor

nesse caso que o menino é esquizofrênico, vocês tiveram alguma reunião em que o

sócio pedagógico chamou vocês e comunicou a situação do aluno?

Fabio – No caso desse da Geografia, não existia o setor ainda. Acho que era

só o Daniel, isoladamente.

Elza – com a Solange...

Fabio – a Solange cuidava do Médio, ele era da graduação.

Pesquisador – E nunca, em nenhuma situação vocês foram chamados pelo

sócio pedagógico, pra dar a ciência pra vocês de algum aluno que tenha tido algum

problema?

Elza – Então, Claudinha, a questão é essa: a fala do pessoal do sócio

pedagógico naquela situação da menina de Análise de Sistemas, do ano passado, é

que não falaram antes, não era pra falar anteriormente, para não suscitar entre nós,

qualquer comportamento diferenciado em relação à menina.

Barbara – Mas não é esquizofrenia.

Elza - O dela não era?

Barbara – Que eu saiba, não.

Elza – Tá, então tudo bem.

Fabio – De qualquer maneira, ela surtou.

Elza – É que a gente não sabe o que é.

Barbara – Eu vi toda a situação.

Francisco – Como a gente não tem o diagnóstico, não dá pra determinar o que

é.

Pesquisador – E mesmo porque também, não somos médicos, não tem como

darmos um diagnóstico. Alguém mais quer se manifestar, falar mais alguma coisa?

Barbara – Eu posso falar. Eu também tive há muito tempo atrás um aluno, ele

veio até mim, se identificou. Inicialmente, eu levei um choque, porque a gente nunca

espera, enfim, mas depois o que eu procurei fazer...sempre dava muita atenção a ele,

no sentido de esclarecer dúvidas, tudo, mas nunca teve nenhuma reação, nunca foi

agressivo...muito pelo o contrário, ele era o melhor aluno; ele fazia tudo, e eu achei

muito interessante esse procedimento: ele fazia tudo, se esforçava, enfim...

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Pesquisador – Qual era o problema dele, Barbara?

Barbara – Esquizofrenia, mas se tivesse algum surto como foi relatado

anteriormente, eu não saberia o que fazer; eu ia entrar em ... sabe...; porque a gente

não tem nenhum tipo de informação sobre isso, não se fala, eu não sei porque...

Zenaide – É muito reprimido, né?

Barbara – É um assunto que hoje em dia...gente...século XXI. Por que tanta

coisa de ...

Elza – Sobretudo porque é uma esquizofrenia

Barbara – Sim, e a gente trabalha com ser humano, mas não tem nenhum tipo

de orientação pra gente sobre isso. É muito complicado.

Pesquisador – Eu coloquei esquizofrenia, mas poderia ser qualquer outro

transtorno, outro distúrbio. Um autismo, qualquer coisa. Esquizofrenia, como gera

surto, eu queria saber qual seria a reação de vocês. Mas se for um caso de autismo,

ou qualquer outro transtorno, também, vocês se manifestem.

Barbara – E dessa menina do ano passado, até hoje, ela me vê aqui, bate na

porta pra dar um beijo em mim; tô falando porque é verdade. Então, eu virei amiga

dela, até de facebook. Dei todo apoio a ela; ela teve problema de faltas que ela ia ao

psiquiatra, eu abonei, eu abonei, eu assumo isso daí, porque não tá certo. A cada 3

meses eu tenho que ir ...mas é mais que merecido, porque eu vi toda a situação que

passou, eu não vou entrar no mérito da questão, porque não é pertinente aqui essa

questão, mas eu acho que é uma coisa que tem que ver o outro lado da moeda, não

foi simplesmente assim, não foi passada informação, porque eu presenciei toda a

situação. Enfim, é isso que eu tenho a falar.

Francisco – Você falou que era pra relatar outros casos, mas eu acho que o

que mais próximo de tudo isso que aconteceu comigo foi há 2 ou 3 semestres, uma

aluna da matemática, que tem um autismo bastante acentuado, e que eu também não

tinha ferramentas para lidar com isso; mas ela, extremamente articulada, inteligente,

um tanto robotizada das ações dela, ela foi nos ensinando, ela mesma muitas vezes

tomava a palavra, falava, e foi nos ensinando, né... e a minha característica muitas

vezes, como professor de Educação Física, muitas vezes é um tanto invasiva, porque

sai de uma formação em filas, sentado, de um corpo muito domesticado, para expor

o aluno em uma situação de movimento, espaço, amplitude, muita visibilidade, onde

aqueles que são mais habilidosos podem massacrar os que não são tão habilidosos,

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segundo aqueles critérios estabelecidos ali. Por minha conta, eu fui estudar o que é

possível, né... mas como formação não tive nada; tentando ampliar a escuta e um

olhar mais aguçado pra esse corpo em movimento; porque enquanto todos nós

estamos aqui, sentadinhos, quietos, é muito fácil a gente passar incógnita, mas

quando a gente tem que se movimentar... o seu caminhar revela suas marcas, a forma

como você toca no outro ou se você permite...revela suas marcas; esse olhar, é um

olhar que eu tento construir cotidianamente, porque o público também vai mudando,

né... eu não dava aula pro superior, hoje eu dou aula pro superior; os nossos alunos

do Médio são tecnologizados; eles são capazes de fazer atividade física com celular

na mão; tudo isso muda muito, é um jeito de corpo muito diferente dos 25 anos atrás,

quando eu comecei. Fora isso, eu acho que essa aluna mesmo, ela me ajudou a

trabalhar com ela; eu é que perguntava, e ela tem uma dificuldade de toque. Mas eu

acho que houve algum portal aberto ali, que em algumas aulas ela vinha mais

carinhosa, outra aula ela fez um brigadeiro e me trouxe...outra aula ela me deu um

beijo no rosto e saiu séria...quase como um robozinho mesmo, né...mas sem que isso

seja pejorativo; talvez porque não esteja encontrando uma palavra mais adequada.

Especificamente nas aulas de Educação Física, nestes casos não. Alunos mais

retraídos conseguem participar das minhas aulas; talvez por eu ter interesse no

desenvolvimento dessa escuta, em que todos possam desenvolver suas habilidades

em um mesmo contexto; pelo menos em uma parte principal da aula, de favorecer que

o outro possa, mesmo não fazendo a atividade, que ele tenha um papel, ou de

observador, ou de comentarista, em que o corpo dele atue de uma outra forma, mas

que está presente dentro daquela unidade, que é a aula. Eu tenho 29 anos de

magistério, nunca houve um aluno meu que surtasse. Houve casos de raiva, mas eu

não considero um surto; porque existe toda uma linha, onde eu vou acompanhando

esse aluno, e eu acho que um surto tem outras características, mas eu não tenho esse

instrumental todo, é da minha observação. Nunca tive casos tão graves assim, de

alunos que se enfurecessem...e muitas vezes a própria atividade de Educação Física

favorece a visibilidade da emoção. Se você lida com situações de jogo, situações de

conflito reais, em que uma equipe precisa ganhar da outra, isso favorece

sobremaneira...as emoções se aflorarem. Você joga, aí você lida com ganhar, perder,

colaborar...e se você não tem essas qualidades ou valores que o jogo requer, muitas

vezes você entra em conflito consigo mesmo...e se você tem uma história anterior de

muitos fracassos, onde isso também fica acentuado, então nem sempre...talvez eu

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tenha sim, ou talvez não...também acho quase impossível não ter passado por mim

algum aluno com esquizofrenia; mas eu não tive nenhum surto que marcasse mesmo.

Acho que é isso.

Pesquisador – Agora eu vou colocar algumas perguntas pra vocês...Como

vocês caracterizariam um bom professor? O que vocês acham que é um bom

professor?

Elza – Eu acho que é isso... aquele que escuta. Aquele que presta atenção.

Francisco - Que tipo de escuta?

Elza - É aquele que presta atenção no outro. Eu acho que é assim...o básico

pra ser professor é prestar atenção, se dispor a conversar, escutar nesse sentido,

né...sempre esperar alguma coisa; de troca mesmo, pra mim é isso.

Francisco – Escuta não significa alguma sensibilidade tácita, no estar com o

outro...não necessariamente a escuta propriamente...

Elza – Ah sim, escutar no sentido de estar atento ao outro.

Cristal – Estar disponível ao outro; não só escutando, mas em todas as

situações deixando que o outro fale, escreva, se pronuncie, se expresse, né...e dar

oportunidades para que isso aconteça em sala de aula, né. É isso.

Fabio – Ser um bom observador.

Cristal – Sim, um olhar atento.

Fabio – O que eu tenho observado muito aqui no Ensino Médio é um transtorno

de ansiedade, absurdo. Eu estou com turma aí, quer dizer, eu não contei, mas é muito

aluno ansioso; não sei se hoje em dia favorece, mas eu já encaminhei três que dá dó;

o menino não consegue; você sabe que o menino é bom, é estudioso, mas não

consegue se desenvolver, porque ele fica pensando, ele fica se cobrando antes...aí

eu fui conversar com ele; o pai morreu recentemente; a irmã tem 15 anos e ele acha

que é o responsável pela mãe. Então ele não pode fracassar na escola, que absurdo!

Aí encaminhei pro pedagógico. Uma (outra aluna), que não abre a boca, ela nem

responder presença, ela responde. Tá na psicóloga, mas a psicóloga não vai fazer

milagre. Ela nem a chamada responde; esses dias ela riu; ali foi quadro de timidez;

pelo menos foi o que a psicóloga falou, né; ela é tão tímida, que ela não consegue

falar.

Francisco – Timidez é doença?

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Fabio – Não sei, mas no caso dela dá uma fobia social; porque ela não

consegue interagir; ela adotou alguma colega ou foi adotada pela colega, enfim...

Francisco – Deve ter alguma outra patologia aí.

Fabio – Não sei. Ela cria um problema de desenvolvimento, ela não tem

nenhuma atividade oral, por exemplo; ela não fala. A escrita dela...

Francisco – Mas você também a está desencorajando, né? Porque o tímido cria

um campo de conforto também.

Fabio – Sim, mas o diagnóstico que foi passado foi, acho que foram esses os

termos: ”quadro extremo de timidez”; não sei se na psicologia tem isso.

Cristal – Mas esse quadro foi te passado, por quem?

Fabio – Pelo sócio pedagógico. E aí eu não sei se existe isso tecnicamente ou

se a psicóloga não quis dizer o que é de fato, e aí disse: “fica com essa informação e

já está bom! ”

Cristal – Eu não sei se o professor precisa necessariamente saber esse

diagnóstico...

Fabio – Mas no caso dela, a gente precisa entender como lidar.

Cristal – Sim.

Fabio – E aí é que é o problema, porque todas as formas para lidar com, não

surtiram efeito. E a última, ela, além de não conseguir, em uma retextualização de

uma leitura que eles fizeram que era em formato de entrevista, e ela combinou com o

grupo, que ela ia fazer, ela iria falar, e na hora ela não falou, só que aí teve algo a

mais, porque ela chorou, coisa que ela não tinha feito, porque até então ela ficava

muda, mas também não chorava. Então ao mesmo tempo eu acho que aconteceu

alguma coisa que ela se comprometeu e não deu conta; então alguma coisa

aconteceu com ela aí; aí acabou a aula e eu já levei pra psicóloga; porque se o quadro

mudou, ela já tá reagindo, chorando, alguma coisa tem que ...

Cristal – Mas ela está em um grau de sofrimento, isso sim.

Fabio – Sim, mas aí é interessante, porque a colega que a adotou sofre bulling

pela turma, é uma coisa confusa naquela turma.

Elza – Mas de certa forma é o que o Francisco falou; eu vou dizer como tímida

mesmo, porque é horrível alguém lembrar o tempo todo a outra pessoa, que ela é

tímida, não tem coisa pior no mundo! O tímido fica lá... porque é assim, a gente sabe

que, século XXI não é o espaço do tímido, porque todo mundo se coloca, todo mundo

vai à frente...

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Fabio – Eu acho o contrário. É o espaço do tímido, porque o tímido está por de

trás da tecnologia pra se expressar.

Elza – Mas você tá associando o tímido, aquele cara que é o “nerd”.

Francisco – Sabe que eu tenho um pouco de dúvida. A gente tem um modelo

escolar aqui muito planificado, né. Lidar com o fracasso aqui, segundo um único

modelo onde todos têm que se enquadrar, não permite que subjetividade alguma

aflore. A gente, por exemplo, falando do instituto, agora existe um pequeno ensaio,

mas que arte, arte como área de conhecimento, a gente tem aqui? Nenhuma! Essa

escola é uma nulidade. A gente entende bem qual é o enfoque. Agora, período de

efervescência política, esse enfoque virá muito mais à tona, mais o que eu tinha pra

falar é de que esses diagnósticos todos, até onde também, e a nossa não

instrumentalização pra escuta, pra esse amplo espectro de observação que a gente

precisava ter, não faz com que alguns alunos também capitalizem em cima de seus

próprios diagnósticos? Criando um jeito de viver, uma forma de enfrentar as coisas, é

...porque eu acho que uma coisa não elimina a outra, você entende? Ser tímido, não

elimina...eu sou tímido; e consigo...e criei ferramentas para desempenhar com alguma

desenvoltura as minhas duas profissões. Me expõe muito ser professor, me expõe

muito ser bailarino, e no entanto, nestes dois momentos da minha vida não há

nenhuma timidez. Mas aí, a outra timidez que me assola é quando eu estou, e aí eu

acho que qualquer ser humano tem essa também, em situações desconhecidas,

lugares de barreiras de língua, é lógico que vai haver uma retração aí, percebe? Mas

as pessoas normalmente falam; “eu sou tímido”; claro que sou tímido. Mas eu conheço

vocês há quantos anos? Dez anos? Não dá mais, né. Já passei ... o bom dia vai ser

respondido, e isso é uma forma muito fácil de lidar, mas é ...às vezes eu tento notar

se os meus alunos não estão capitalizando em cima daquilo que disseram que eles

tinham. Opa, não dá pra ficar mais quieto aqui, porque ninguém vai mexer comigo

também, já que o professor não sabe lidar com isso, melhor que eu ajude ele a não

lidar mesmo com isso, ficando quieto aqui. Então, se um aluno diz pra mim: “professor,

não posso fazer sua aula hoje”. Eu não questiono. Não faça. Eu acredito em você;

percebe? Eu não tenho como passar daquele lugar. Se ele está dizendo a verdade ou

não, não me cabe mais. Até mesmo o atestado médico. O fato de ser diagnosticado

com esquizofrenia, não coloca ele 24 horas por dia esquizofrênico. Não o exclui a

cognição, a tomada de decisões, absolutamente nada disso. Então, até onde você

capitaliza em cima da doença? Conheço muita gente que “não me deixa ficar doente”,

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ou então, “não me toque que eu sou doente”. Aí tem todas as fobias sociais, que

também é um baú de coisas que se mexer, sai morcego, né.

Pesquisador – Ainda, voltando à questão do bom professor, alguém quer falar

mais alguma coisa?

Vitor – Eu concordo com o que os colegas falaram, ainda mais um ponto, acho

que talvez tenha aparecido de uma outra forma; eu penso que o bom professor tem

interesse genuíno pelo aluno, genuíno do ponto de vista de ter um interesse humano

no aluno; ele vê o aluno como um ser humano, né, antes de vê-lo como um aluno; e

isso tem algumas consequências; o aluno não é um número, não é um cara que fez

uma prova, não é um cara que senta em um lugar, não é um cara que dá trabalho, ele

é um ser humano; e se preocupar com essas questões, de certa forma é expressar

esse interesse no ser humano que está ali, né. Em cima um pouco do que o Francisco

falou, eu tenho lido algumas coisas, por força de orientação, do Vygotsky, e uma das

coisas que eu li é a defectologia, do Vygotsky. Ali se fala um pouco de uma questão,

na verdade, o que a gente chama de deficiência social, significa o indivíduo diante de

uma determinada sociedade, é apontado como um cara que não pode fazer alguma

coisa, mas o que a gente chama de defeito, que seja alguma coisa física, alguma coisa

mental, na verdade ele faz parte da identidade daquele ser humano e aquele ser

humano vai viver aquilo. Então, digamos que um espetáculo musical para um cego,

ou algo tátil para um cego, entra em um sistema de interpretações que ele tem, que

ele desenvolveu pra poder viver, que ele tem que viver, e compreender isso precisa

desse interesse, né. Então é um pouco difícil, a gente pensar que, por exemplo para

um cara que é cego, ele senta em uma aula de artes, e a gente faz o seguinte. Começa

a fazer um áudio descrição pra ele; legal, ótimo. Isso é um recurso, mas não é uma

solução pra eu poder entrar nele como ser humano e saber pra ele o que significa

colocar a mão sobre uma gravura, e saber o que ele sente, o que significa pra ele

fazer um desenho, mesmo ele não vendo, mas podendo tatear as formas, como essa

arte dialoga com a identidade de vida dele, é diferente. Se eu tiver um aluno surdo é

diferente, se eu tiver um aluno esquizofrênico, vamos supor, que tenha experiências

com esquizofrenia, que talvez boa parte das pessoas ali não tenham, como

determinados aspectos de arte podem dialogar com a identidade daquele aluno. Eu

tenho um primo esquizofrênico, diagnosticado e tudo. Determinados filmes,

determinadas obras fazem muito mais sentido pra ele do que pra nós, e ele aponta:

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”eu sinto isso, eu vivi isso, eu estive em um hospital um dia, essa experiência é dele,

ela não é do professor, é do cara. Então esse interesse genuíno que você tem que ter

pela pessoa é uma ponte necessária pra você ser um bom professor,

independentemente de qual seja a necessidade da pessoa, porque cada pessoa tem

uma diferença em si, é difícil; a gente às vezes fala de deficiência, tem de todo tipo,

como o Francisco está dizendo, você pode capitalizar em cima daquilo, você pode ter

aquilo como uma outra coisa; eu não consigo prestar atenção nas coisas, eu uso isso

pra escrever; é como você supera determinadas coisas que aparecem, né. Eu tenho

pra mim que, um professor que eu admiro, eu tenho muitos na minha cabeça, inclusive

colegas que aqui estão, é o professor que tem interesse pelo aluno, é o professor que

tem interesse por aquela pessoa, mais do que por sua aula, mais do que por seu

renome, mais do que tudo isso. Acho que seria isso.

Pesquisador – A próxima pergunta é: quando eu falo em educação especial, o

que vem à cabeça de vocês? Aproveitando esse gancho do Vinicius.

Zenaide – Pra mim vem tanto pessoas muito inteligentes que, aí a gente fala:

“ah, aquele aluno não para na carteira, ele lê muito rápido, ele faz tudo muito rápido,

ele raciocina rápido, então são pessoas muito inteligentes, mas também são pessoas

que tem muita dificuldade de concentração, de leitura, são os dois extremos quando

se fala em educação especial.

Cristal – A primeira coisa que vem à cabeça é que na minha escola, no primário,

na escola pública tinha a sala especial; então a sala especial eram só

deficientes...assim, com problemas, necessidades, deficiências, o nome que for dar

agora, porque eu já nem sei qual nome que é politicamente correto, mas era essa de

educação especial naquela época, década de 70 ou 80, sei lá. Então, em um primeiro

momento é isso que vem na minha cabeça, só que agora a gente sabe que pode

alargar isso pra qualquer, nada no equilíbrio, qualquer ponta poderia estar abarcada

nessa ideia de especial, né.

Fabio – Engraçado, porque onde eu estudei, a classe de especial era dos que

eram muito bons.

Cristal – Sério?

Fabio – Quem estava acima da média, acima do que eles chamavam de normal

ficava na classe especial, e depois todo o ensino que hoje chamam de Fundamental,

a classe A era dos melhores. A divisão era por idade, e não sei porque coincidia de

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os mais novos serem os melhores. E aí é gradativo, porque eu estudei na escola em

que havia 5 turmas de 5ª série: 5ª A, B, C, D, E e a turma A era a dos melhores e dos

mais novos. A 4ª série, por exemplo, era 4ª A e 4ª B; então a 4ª A era dos melhores e

a 4ª B era dos piores. Você imagina que escola excludente é essa?

Elza – Que horror!

Fabio – E era muito engraçado, porque a gente não ligava pra isso. O Francisco

falou de socialização, mas na Educação Física a gente fazia junto, e esses que eram

ruins eram melhores na Educação Física. Então, o que poderia virar uma confusão,

uma guerra, não era; a gente se dava muito bem, sem problema nenhum.

Francisco – Você era de qual turma?

Fabio – Não vou responder. Agora, na prática, quando eu fui pra dar aula, havia

na escola, porque só tinha o primário e abriu uma 5ª série, e eles abriram 5 turmas ao

mesmo tempo, e a diretora acabou arrumando confusão com a supervisora, que na

época era esse nome, porque ela queria colocar todos os repetentes na mesma turma;

e seguir o mesmo modelo de 5ª A, os melhores. Aí ela até propôs fazer o contrário,

na 5ª A, os piores. Aí a diretora falou não, saiu a maior guerra, porque estes meninos

precisam se misturar.

Francisco – Sistema de castas, né.

Fabio – Ela falou: ”Eles precisam se misturar, não podem ficar separados”. Aí

os professores aderiram à diretora, foi até interessante, porque...eu estava chegando,

começando e tal, mas os de mais tempo, porque geralmente tem essa tendência, eles

concordaram com o diretor, que não devia fazer assim. Só que também existia a Lei,

que aluno com 15 anos, não podia estudar de dia, então ela teve que abrir uma turma

à noite, que havia uns 30, com 15 ou mais. Era uma escola de favela e a escola de

favela ali, naquele momento, eram os meninos iam pra escola e precisava acionar a

polícia, porque eram todos meninos traficantes mesmo, e eles roubavam a escola; era

uma engenharia complicada ali, mas foi muito bom trabalhar assim, nesse tipo de

escola. A diretora era altamente elitista, ela morava de frente pra praia, em uma

cobertura, tinha marido rico, umas coisas assim...então soava muito estranho o

discurso dela, ela querer propor aquilo que ela estava propondo; era estranho, mas a

gente acreditava nela, e ela fez muita alteração na escola; eu fiquei 2 anos lá, e mudou

bem.

Francisco – Isso no Espírito Santo, né?

Fabio – No Espírito Santo.

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Barbara – Eu acho assim, pergunto pra vocês que estão estudando, soa muito

mal pra mim educação especial. Será que não tem alguma outra nomenclatura?

Porque aí já está embasado um preconceito, eu não sei...eu acho muito estranha essa

nomenclatura. Por que educação especial? Ninguém nunca pensou em mudar essa

nomenclatura de educação especial?

Pesquisador – Então, aí vem a minha outra pergunta: o que vocês pensam

sobre educação inclusiva? Qual é a diferença entre educação especial e educação

inclusiva?

Elza – Porque toda educação tinha que ser inclusiva.

Francisco – Eu acho, aproveitar o hiato do silêncio aqui, meio segundo de

silêncio...professor gosta de falar, né? Quando você fala de educação especial, eu

tenho uma grande amiga que fez doutorado em artes, agora, e ela é professora, ela é

deficiente. E ela fala: a palavra é deficiente, use a palavra deficiente, trate com

dignidade, porque é isso. Eu sou deficiente; inclusive tem uma sigla que é DEF.

Pesquisador – Agora a gente fala PCD, pessoa com deficiência. Antes era NEE,

necessidades educacionais especiais.

Francisco – Quando você fala de educação especial e a gente fala de

deficiência, que tipo de deficiência? Deficiência cognitiva, física, porque tem toda uma

escala aí que pode estar...enfim, mas logo quando você fala de educação especial, é

isso que vem à minha mente, é uma determinação em castas, de que fique nesse

lugar, vamos colocar um profissional que só trabalha com isso e você estará bem

assistido, independentemente de suas limitações, de suas demandas, de seus

desejos, depois a gente não tem como, o sistema não tem como levar em

consideração essas suas particularidades, porque você tem essa deficiência, você

chancela e o outro segue pela vida, vai ser cocho na vida, né...e quando você fala de

educação inclusiva é...eu não saberia te definir, mas é o que eu tento na Educação

Física, que é excludente por clichê, que é excludente por origem mesmo, né... na

formação positivista do que é Educação Física, pelo menos no Brasil. E quando eu

tento que aqueles 30, 40 adolescentes possam independentemente de serem obesos,

gays, lésbicas, pretos, brancos, japoneses, altos, habilidosos, inabilidosos, nerds, não

nerds, consigam de alguma forma desempenhar o que está sendo proposto e que a

proposta também caminha de acordo com a criticidade deles diante do conteúdo, eu

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acho que, eu abro a possibilidade de alguma inclusão aí. Você entende, porque não

é...dá muito trabalho por um jogo e deixar que as regras aconteçam nas demandas;

ele não acontece e segundo o que a escola nos adestra: “dar certo é isto”, e dar certo

é muita coisa, percebe...dar certo, fazer aquilo acontecer e dar sentido, dar aquela

experiência pro aluno, é muito diverso. O que tem acontecido comigo agora, na

matemática é...eu não sou professor de matemática, eu sou professor de Educação

Física, como é que eu vou trabalhar na matemática? Eu digo pra eles: “olha, eu não

consegui ser linear, talvez porque aí, espalhando conteúdos diversos, possíveis e

passíveis de ligação, você, com sua experiência, com sua objetividade consiga ligar

de fala e de olhar possa demarcar esses pontos e criar experiências muito mais

marcantes, que façam muito mais sentidos pra você, do que uma única possibilidade

de enxergar aquilo. Tento dessa forma na matemática, também. Talvez isso seja uma

possibilidade de inclusão.

Vitor – Eu tô estudando isso com meu orientando, e a gente acabou lendo

alguns relatos de caso, né. Então tem algumas experiências, por exemplo, o trabalho

dele é ensino de artes para pessoas deficientes visuais; o deficiente visual não é só o

cego, ele pode ter 10%, 20% de visão, tem um outro tipo de visão, e tem todo tipo de

experiência. Quando vem à mente educação especial, me a escola específica pra

cegos. Então ali tem a escola pra cegos, o trabalho que você vai desenvolver, um

trabalho de gravura, os caras faziam ferramentas especiais, outros trabalhavam a

textura dos objetos, sentir a textura, e ao fim, a ideia era que os cegos pudessem fazer

as gravuras; esse foi um trabalho feito em uma escola especial. Agora, um trabalho

inclusivo, que eu li a respeito, foi um trabalho que foi feito em uma escola não

especificamente o que se chama de educação especial, era uma escola que eu

chamaria de convencional com a presença de alunos cegos em sala de aula; então o

que o professor propôs nesse caso: todos desenhavam, havia propostas que vinha a

partir de gravuras que o professor trouxe. Os alunos que viam, descreviam as gravuras

para os alunos que não viam, e os alunos que não viam, tateavam as gravuras

também. E aí, depois, havia a produção dos dois grupos. Quando os alunos que não

viam, produziam, eles explicavam seus trabalhos para os outros alunos. E aí eles

diziam: “olha, eu fiz um trabalho assim, assim...tá querendo dizer isso...estava lá o

trabalho visual, mas você tinha esse diálogo. O que se constatou no decorrer desta

experiência, é que o capricho da descrição dos alunos que viam para os alunos que

não viam foi aumentando gradativamente, melhorando cada vez mais a capacidade

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daqueles que viam, de descrever, quer dizer, você teve todo um desenvolvimento

nesse sentido; e a integração do aluno que não via com o aluno que via, do aluno

cego com o aluno que via, foi evoluindo na medida em que eles foram se considerando

um grupo, eles foram entendendo o que eles tinham que fazer pra integrar aquele

aluno, para que ele participasse, para que o desenho dele pudesse aparecer e

pudesse contar a sua história daquele desenho. É muito difícil de se definir as coisas,

mas eu acredito que esse segundo exemplo tá muito mais próximo do que eu

consideraria uma educação inclusiva, do que o primeiro, porque passa um pouco do

que o Francisco tá levantando, que é a possibilidade de diálogo, que é a possibilidade

de você colocar as pessoas em pé de igualdade com as suas experiências. A

experiência do cara vale tanto quanto a experiência desse aqui, desse aqui...e de você

construir pontes a partir daí, né...quer dizer, não é passar a mão na cabeça do aluno

dizer coitado, não é isso...eu consegui promover uma atividade que as pessoas

participavam, e elas se sentem, de certa forma expressando sua identidade nessa

experiência. Então, a minha tendência quando eu penso em educação inclusiva, é

uma atividade mais integradora, é uma atividade com maior diálogo, respeitando, isso

é pensado, claro, tenho um aluno cego, eu preciso fazer uma atividade, claro que é

pensado no cara, mas não exclui o outro, não isola pra fazer a atividade, faz a

atividade de uma forma integrada, e quando eu penso em uma escola especial eu não

penso isso, ou quando me vem esse termo, eu não penso isso. Eu penso, eu escolho

o que é uma deficiência, eu isolo e aí eu trabalho especificamente com aquilo.

Conforme o Fabio falou, a experiência de separar os alunos que davam problema na

escola que a gente trabalhava criou uma sala de aula no andar de baixo, com toda

escola no andar de cima, e que era pejorativamente chamada pelos professores de

“quarto do pânico”, onde as pessoas entravam e saíam desesperadas. Foi puramente

um isolamento, não houve nenhuma proposta de integração, de diálogo, nem nada,

foi puramente um isolamento. E um isolamento fisicamente marcado,

hierarquicamente marcado, porque você sabe quem vai dar aula ali, você sabe que o

aluno que tá ali, tá estigmatizado, quer dizer, não funciona...na minha cabeça, não

funciona. Então, basicamente do que eu tenho lido é isso, claro que eu preciso ler

mais, preciso estudar mais a respeito, mas eu acho que seria isso; inclusão tem que

envolver necessariamente o diálogo, tem que trabalhar com as diferenças e a gente

precisa tanto, nesse momento agora.

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Zenaide – A impressão que eu tenho que a escola especial existe, exatamente

porque não tem como assimilar a inclusão, né. O que a gente ouve falar é que a escola

é especial, caríssima, 3 vezes mais que uma mensalidade normal; pelo fato dos pais

saberem que as escolas normais não incluem muito bem, não sabem lidar, então as

especiais elas se veem no direito de cobrar mais, é o que eu penso.

Barbara – Essa conversa aqui me lembra um filme que eu recomendo pra

vocês, “Danize da Silveira”, uma psiquiatra brasileira, que trabalhou no início do século

XX, com métodos não ortodoxos, no Rio de Janeiro. Eu acho que seria muito

interessante pra vocês.

Neymar – Eu sou da área de exatas, minha formação é engenharia, né... e

especificamente com essa questão, é que na área de exatas, nós somos movidos pra

resolução de problemas, pra atingir o objetivo de forma eficiente e eficaz, basicamente

é isso, com o menor quantidade de recursos possíveis e viáveis; financeiramente,

economicamente, tecnicamente. Eu tive uma experiência de orientar uma deficiente

auditiva, na iniciação científica, em uma outra instituição. Na realidade ela procurou

por diversas vezes outros professores, mas ela não conseguia orientador da área de

informática; tinha descendência japonesa, problema com a fala, e já era deficiente

auditiva de nascença; acabou caindo na minha sala e acabei aceitando esse desafio

de orientá-la em um trabalho de iniciação científica. É extremamente complicado,

porque as instituições de ensino, no geral, não possuem ou se possuem não é

efetivamente aplicado um apoio específico para este tipo de situação, mesmo porque

eu sendo um engenheiro da área técnica, para mim aquilo foi um contato bem...coisa

de uma realidade diferente da minha; então, muita coisa eu tive que buscar as

informações pra tentar lidar o mínimo possível, ou pelo menos me comunicar, pq esse

era o grande problema. Uma das coisas que eu achei bem interessante...a minha

descendência é japonesa, então ...a língua japonesa trabalha com conceitos pontuais,

que são ideogramas, ao contrário da ocidental que para entender uma frase ou pelo

menos uma ideia, você tem que ler toda a frase; então com cada ideograma vai se

formando a ideia. Aí eu percebi que o deficiente auditivo também trabalha mais ou

menos próximo a isso, né...então, do ponto de vista da experiência da orientação, eu

achei bem interessante isso, porque eu aprendi mais do que pude orientar, na

verdade...só a comunicação...e coisas, assim, que são básicas, por exemplo o

deficiente auditivo ele tem que olhar pro rosto, né...e por coincidência eu tive um outro

aluno deficiente auditivo em uma outra turma, e a fala tem que ser direcionada ao

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rosto, mas não tive nenhuma orientação profissional específica a isso. Então isso é

uma coisa que a gente sente falta, né...

Pesquisador – E quando você...porque você fica na mecânica, se você tivesse

algum aluno que fosse deficiente visual, porque também teria dificuldade de mexer

em um torno, ou alguma coisa semelhante a isso, como você faria?

Neymar – Nesse ponto eu não saberia dizer, e não sei nem se é seguro isso,

né...mas do ponto de vista do trabalho, do intelecto, do resultado intelectual, pelo fato

de ter essa deficiência, então as outras habilidades eram muito mais aguçadas, então

teria que se trabalhar uma outra forma nesse sentido...eu não saberia dizer isso, né...é

que na área técnica tem uma coisa bem interessante, que é um trabalho que eu

acredito que funciona muito, que é o ensino específico da área de engenharia

orientado à resolução de problemas. Eu tive engenharia clássica que são três anos

de disciplinas básicas, cálculo, física, transferência e calor...são disciplinas

extremamente maçantes; e depois os últimos anos, específicos da engenharia. No

ensino voltado à resolução de problemas é dado, é apresentado o problema, e a partir

daí você deve desenvolver as habilidades, mobilizar essas habilidades, desenvolver

as competências pra resolver o problema e com isso o retorno por parte do aluno é

muito maior, porque ele aprende, realmente, de fato, ele sabe pra que serve cálculo,

ele serve pra que serve todas aquelas disciplinas básica, e não simplesmente ilhas de

conhecimento, que depois quando ele sai da faculdade, venci o problema e tenta

resgatar isso. Então, nesse ponto é uma linha bem interessante e que funciona

bastante na área técnica, não é simplesmente dar mastigado, porque mastigado não

funciona. Então do ponto de vista do professor seria mais como um orientador, claro

ele tem que ter o embasamento teórico e experiência pra poder orientar, senão não

orienta coisa nenhuma...mas a partir daí, é fazer com que o aluno trilhe esse caminho,

ele percorra o caminho, que essa seria a função do orientador, de realmente orientá-

lo. Mas aí já é o outro foco, porque depende do foco do público, né. O ensino técnico

é um ...tem sempre uma linha. Um ensino superior é uma outra linha; pós-graduação

é uma terceira que é completamente diferente. Então depende muito do público que

se está trabalhando pra poder orientar nesse sentido. É isso.

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Pesquisador – O que vocês acham, eu vou pedir pra vocês elencarem as

possíveis características, porque vocês já falaram um pouco da inclusão, como sendo

aquela pessoa com deficiência, certo?

Zenaide- Ou a pessoa extremamente inteligente, que não se adapta.

Pesquisador – Você quer dizer altas habilidades?

Zenaide - É isso, é.

Pesquisador – Mas eu não poderia caracterizar a inclusão me dirigindo a um

aluno de baixa renda e que ele tá vindo estudar aqui, e não tem condições nenhuma,

ou aquele aluno que é marginalizado, tudo isso não engloba a inclusão?

Zenaide – Sim.

Francisco – De antemão, não. Porque por ele ser de baixa renda, não chancela

que ele tenha problema de rendimento. De antemão, não.

Pesquisador – Mas e se ele vier de uma escola pública?

Francisco – Ainda assim não; sem ter o contato com ele, sem ter um

diagnóstico, ainda assim, não. Uma pessoa que falta uma perna, falta uma perna.

Uma pessoa que sobe de uma favela, ela só vem de uma favela.

Pesquisador – Sim. Mas você tá separando a educação especial, de uma

educação inclusiva. Quando você fala da educação inclusiva, você fala em um todo.

Então você pega tanto aquele aluno que tá sendo marginalizado, que vem da favela,

enfim, todas essas vulnerabilidades sociais, isso você engloba dentro da inclusão.

Quando você fala de uma educação especial, ou ele é paraplégico, ou tem alguma

deficiência, ou tem algum transtorno ou distúrbio, seja lá qual for, você tá englobando

dentro da educação especial. Mas, a educação inclusiva, ela engloba tudo isso; certo

ou não? Eu poderia falar sobre esta questão da inclusão me referindo à um aluno de

vulnerabilidade social, não posso? Ou vocês acham que não?

Vitor – Acho que pegando um pouco o que o Francisco falou, quando a gente

fala de inclusão, a palavra remete a algo que você está fora, e que daí você passa

estar dentro. Incluir é colocar algo, dentro de algo. Então, se a gente está pensando

em inclusão em termos de vulnerabilidade social, a gente tá dizendo que

determinados mecanismos sociais foram negados à pessoa, em função da classe

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social dela, e a gente na educação poder compensar, ou incluir a pessoa dentro

desses mecanismos. Eu entendo isso, mas por outro lado, eu acho que a coisa dos

mecanismos sociais eleitos como valores pra isso, também é a ...pode ser pensado...é

um pouco complicado, filosoficamente é um pouco complicado, porque se você... vou

pegar o exemplo que o Francisco citou; o cara não tem uma perna, vou pegar o Daniel

Dias, que é o maior atleta paraolímpico de todos os tempos. Do ponto de vista

esportivo, ele é um tremendo sucesso. Do ponto de vista esportivo ele é absoluto

sucesso! Ele é o Michael Phelps do Brasil. Por outro lado, ele não deixa de ser um

deficiente, pela característica física dele. Então assim, de novo pensando assim; como

é que você pensa isso? O que você pode dar ao cara para que ele se desenvolva

dessa forma? Eu tenho que ter uma aula que ele participe; eu tenho que ter uma

estrutura que ele possa estar lá; a escola tem que abrigar o cara; ele tem que se sentir

à vontade, ele tem que ter condição de desenvolvimento. Nesse sentido, acho que

sim. Você pode pensar em uma inclusão mais ampla. Mas eu concordo com o

Francisco, você tem que saber quem é; você não pode só apontar pro cara antes e

dizer: você veio de tal lugar...preciso verificar qual é a situação efetiva do cara.

Francisco – Mas você tem que ver se a ficha socioeconômica dentro da escola,

corrobora com a sua prática cotidiana? Você percebe? Porque se eu tenho acesso

antes a esses dados socioeconômicos, talvez eu já chancele, hum…esse cara vai ter

deficiência, percebe? Eu não posso me alimentar desse confronto.

Pesquisador – Mas não necessariamente.

Francisco – Não necessariamente, concordo. Sem dúvida.

Vitor – Não necessariamente. Só tocando de novo no ponto...pegando o

exemplo do Daniel Dias, tem várias pessoas que tem deficiência física parecida com

a dele, mas ele possui uma coisa que o Francisco citou, ele possui a habilidade

esportiva alta, né. Então, não é porque o cara tem ou não tem uma perna, que ele vai

ter menos habilidades esportiva. É um negócio maluco de se pensar, né. Um cara tem

o braço e não tem habilidade esportiva, o outro que não tem o braço, já tem habilidade

de ser um excelente nadador, porque as pessoas são diferentes, mesmo com a

mesma deficiência. Elas se desenvolvem diferentes, tem interesses diferentes, o que

elas podem fazer de diferente...

Fabio – Eu acho tudo muito confuso. O Daniel, por exemplo, nunca precisou

ser incluído, porque ele nunca foi excluído. Eu li sobre ele sempre, desde que nasceu

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com a deficiência dele, sempre fez o que estava previsto, o que a família achou que

ele devesse fazer, e ele já demonstrou essa habilidade e isso foi sendo desenvolvido.

Aí você vai dizer que ele foi incluído? Ele nunca foi excluído. E do ponto de vista social,

por exemplo, quem vem aqui à noite, estudar aqui, por uma pré-suposição, quem

estuda à noite é pobre, né...mas se você for no estacionamento e olhar os carros

parados, não é qualquer carro não; é carro novo. Se você vem dar aula à noite, você

vai ver que o povo não é pobre, não; você vai encontrar pobre, pelo menos é o que a

estatística mostra, na universidade privada, lá na graduação. Então que inclusão é

essa que vai levar o sujeito para uma universidade ruim, com nota ruim, com uma

avaliação ruim, mas não vamos questionar sobre avaliação, mas que avaliação é

aquela e esse sujeito sendo formado pro mercado. Lá ele está sendo incluído, ou está

sendo duplamente excluído? Porque estão enganando, né. Vão dizer que ele vai se

formar e vai ter uma formação profissional boa, o que não é verdade.

Pesquisador – O que vocês entendem por pessoa com deficiência?

Barbara – Pessoa com necessidades especiais.

Pesquisador – Que tipo de necessidade?

Barbara – Atenção e principalmente carinho.

Fabio – É aquela que precisa de algum tipo de auxílio.

Francisco – Pessoa com deficiência para mim é aquela, embora esse assunto

não tenha feito parte tão de perto das minhas pesquisas, né...embora seja uma área

de interesse por conta da minha profissão mesmo, né...porque como professor eu

preciso ter atenção a tudo que tá acontecendo comigo, com meus alunos, na atuação

em sala de aula, e...a gente acabou colocando padrões dentro das coisas para que

elas possam ser agrupadas e a gente consiga trabalhar com mais facilidade com

grandes grupos de semelhanças, e a deficiência ela nos apresenta uma diferença,

mas a diferença ela é de todos nós de alguma forma. No caso especificamente da

deficiência, a gente pode, a gente eu digo, eu posso imaginar a deficiência física

aquela que dentro de um padrão de existência de atuação, ela pode colocar o ouro

como “o diferente”, então beste caso, a falta de uma parte do corpo, a falta de um dos

sentidos, audição, visão, tudo isso pode ser um tipo de deficiência. As deficiências

cognitivas porque nem todo mundo consegue ter a mesma aptidão em todos os

conteúdos, mas ainda assim, dentro de um padrão de aprendizagem, existem aqueles

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que terão dificuldades em todas as áreas do conhecimento, ou pelo menos, na maior

parte delas. Isso também é uma forma de deficiência. Mas acho que existe uma

deficiência democrática a quem não falta nenhuma parte do corpo, nenhuma

deficiência cognitiva... acho que a deficiência ética, deficiência de valores, que nem

sempre são facilmente mensuráveis, porque vão se diluindo no cotidiano das relações

sociais. Também acho que isso é uma forma de deficiência e definição mesmo, eu

não sei te dizer...fazendo um trocadilho bobo, talvez essa seja uma grande deficiência

minha; deficiência é isto, ou aquilo é aquilo, e eu acho que por um momento eu

consigo, mas os conceitos vão mudando...eu tenho dificuldade de ficar parado em um

lugar, só com um único conceito. As zonas de conforto muitas vezes ficam muito

espremidinhas e você precisa procurar outro espaço. É isso.

Elza – Pessoa com deficiência é aquela que apresenta alguma dificuldade física

ou mental, que a impede de realizar atividades de forma independente sem

medicamentos ou aparelhos.

Zenaide – Para mim uma PCD é alguém que possui deficiência física ou mental,

déficit de alguma coisa, como surdez, uma perna que falta, falta de raciocínio, falta de

concentração, falta de emoções, por exemplo um psicopata que nada sente ou mata

cruelmente, e por aí vai...

Cristal – PCD é aquela que precisa de ajuda para realizar algo. Dando uma

resposta até mais elaborada, é aquela pessoa que precisa de ferramentas adequadas

para realizar algo. Eu penso assim.

Neymar – A deficiência limita o aluno a acompanhar ou realizar as atividades

propostas no plano da disciplina. Tanto faz deficiência física ou cognitiva. Na área

técnica pode ser limitante o físico, como por exemplo deficiência visual no laboratório

de oficina. Uma vez que envolve risco de morte. Quanto à cognitiva deve ser avaliado

os riscos ao aluno e aos colegas neste tipo de ambiente. Um surto, por exemplo,

dentro do laboratório.

Pesquisador – Alguém mais gostaria de falar? Ok. Quando falamos em

inclusão, automaticamente você já pensa na pessoa com deficiência, é a primeira

coisa que te vem à cabeça; mas necessariamente a educação inclusiva abarca tudo

e na educação especial você tem aquela pessoa que possui alguma deficiência, que

tem algum transtorno ou distúrbio, seja lá o que for, e que ele tá sendo incluído na

classe.

Fabio – Mas me incomoda muito essa nomenclatura que vai mudando...

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Pesquisador – Mas muda constantemente.

Fabio – Então, assim, é um pesquisador que resolve lançar esse nome baseado

em um livro, e o povo adota. Agora, isso é empoderamento. A moda agora é essa,

empoderamento agora é uma forma de inclusão? E é muito complicado isso... por

exemplo, eu vou fazer um curso agora, de 200h, de educação inclusiva, RH va

oferecer e começa semana que vem. Basicamente é a deficiência, não tem outra

discussão; e as próprias visões institucionais sobre educação inclusiva são visões

complicadas, porque se a educação inclusiva, pelo que entendi não tem definição,

porque se você fala que é tudo é porque não tem definição.

Pesquisador – Porque a educação inclusiva engloba tanto a questão da

deficiência, quanto a pessoa que tem dificuldade de aprendizagem, questão social.

Fabio – Então a educação inclusiva vai denominar um curso que trata

especificamente de deficiências? Fica muita nomenclatura e muita nomenclatura

confusa, deficiente não podia falar, porque é politicamente incorreto, porque podia

ofender a pessoa. O deficiente não gosta de não ser chamado de “o deficiente”, ele

sabe que é deficiente; então esse politicamente correto da hipocrisia não funciona. Se

você é cego, você é cego, vou fazer o que? Se você é gordo, você é gordo, vou fazer

o que?

Francisco – Mas depende do tom...

Fabio – Mas de todos os deficientes que eu conheço, nenhum deles acha bom

ser tratado diferente; ele não quer ser tratado de forma diferente. Ele quer que você

respeite as limitações que ele tem, como qualquer ser humano tem.

Francisco – A gente não fala de igualdade, a gente fala de equidade, de

oportunidades.

Elza – Essa relação a gente tem algum tempo depois com a pessoa, né. Eu

estudei, minha vida escolar, minha formação acadêmica, eu lembro de uma cega, uma

única cega; então, necessidade de acrescentar um nome, inclusivo, especial, em um

dado momento, extremamente pertinente porque onde estavam essas pessoas?

Estavam estudando, não estavam nos lugares. Então, de verdade, houve a

necessidade do nome pra chamar essas pessoas. Agora, a gente não tá vendo mais

tanta necessidade, porque de fato, especial e inclusiva, tudo é educação.

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Fabio – Ação afirmativa é o nome. A educação inclusiva, pelo que entendi, está

dentro da ação afirmativa. A ação afirmativa é um guarda-chuva. Aí vai entrar cota

racial, deficientes...

Zenaide- Os gêneros, né?

Francisco – Eu acho justamente o contrário. As ações afirmativas entram como

subgrupos aí, porque elas são muitas mais fragmentadas.

Elza – Ações afirmativas parece coisa norte-americana, que é antes disso.

Fabio – Ação para essa inclusão. Só que o nome educação inclusiva tem sido

usado especificamente para a deficiência, não para o lado que seria o uso pra tudo.

Mas esse uso pra tudo também me incomoda.

Elza- Mas tem que ser pra tudo, tem que ser pra todos. Então eu acho que

houve um momento que a palavra precisaria existir para fazer com que as pessoas

lembrassem.

Francisco – Eu concordo com Elza. Eu acho que existe um caminho sendo

percorrido aqui. E talvez daqui um tempo já não seja mais isso. E é isso, afinal de

contas, você também é pesquisador; às vezes você usa um autor, que você fala, o

cara tá dizendo isso há mais de 20 anos... acho que a gente tá nesse caminho

também.

Zenaide – Você vai assimilando e vai ficando natural.

Pesquisador – Mas você pode ver uma pessoa com dificuldade de

aprendizagem e não necessariamente ela tenha algum problema cognitivo. Ela tem

uma dificuldade de aprendizagem em função de uma escola pública que não tenha

dado uma boa formação, não tenha dado uma boa base pra ela, e que

necessariamente ela pode ser incluída dentro da sala de aula. Agora, quando você

fala que o sóciopedagógico, essa semana você vai ter um curso sobre deficiência.

Quais deficiências?

Fabio – Na semana que vem a gente vai saber.

Pesquisador – Aí eu pergunto: eles vão capacitar, vão dar um curso pra falar

sobre as deficiências. Só que se você for ver, o DSM-IV, que engloba todas as

patologias, são inúmeras patologias, como você vai conseguir lidar com todas essas

patologias dentro da sala de aula?

Francisco – Inclusive eles poderiam pegar a gente como exemplo, né?

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Pesquisador – Eu tenho um monte...

Fabio – Você não pode ser obrigado a saber todas elas, e também eu, como

professor, não sou obrigado a ter todas essas informações da área da psicologia, da

área médica propriamente, porque senão eu também vou ter outra formação, não é.

Eu tenho que aprender como? Pedagogicamente eu posso lidar com os

encaminhamentos para aquelas situações, e não que eu seja obrigado a resolver

aquela situação. Não sou eu que tenho que resolver; isso é uma coisa que a escola

tá querendo colocar para o professor a fazer, e não é isso que ele tem que fazer. O

professor tem que ser instrumentalizado, ele tem que aprender a lidar com a situação,

e saber encaminhar a situação. Resolver colocar isso por conta do professor não é

justo.

Elza – Ele não tem condição, não tem espaço, não tem tempo.

Vitor – Deixa eu colocar uma coisa. Nós vamos ter uma experiência

interessantíssima nos próximos meses, aqui no IFSP, nós vamos ter, no lugar da

Cintia, de libras, um professor surdo trabalhando com 5 turmas. Eu não sei da história

do IF, mas não é um surdo oralizado, ou um cara que perdeu a audição, é um cara

que tem libras como língua nativa, como língua de formação. Essa é uma experiência

nova.

Pesquisador – Nós tivemos um professor cego dando aula na informática; um

cego de nascença.

Vitor – Mas esse professor não fala. Ele usa expressão por libras. Vai envolver

até a questão do DST, o deslocamento do tradutor e intérprete, em determinadas

reuniões de área que nós vamos fazer, em determinados acessos dentro do campus,

até pra determinados momentos de aula em que ele vai precisar, então aí , eu entendo

um pouco o que o Francisco tá colocando, de fato os conceitos vão se formando

conforme as necessidades vão aparecendo, né. Agora apareceu essa necessidade.

Ele vai ficar 6 meses. Esses 6 meses que ele vai ficar, a gente vai ter que ter todo um

trabalho educacional, não só como aluno com DST, mas com todo mundo, pra ver

qual a melhor maneira possível de abrigar e dar a melhor condição de trabalho para o

professor que vem; eu acho uma experiência extraordinária. Isso é uma coisa que

surgiu, né. O que acontece, o que eu sinto assim, acho que o ponto que você toca aí

é importante. Por que que quando a gente pensa em inclusão, a gente pensa em

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deficiência? Porque muitas vezes é o ponto mais dramático, quando o professor bate

o olho. O professor sente um drama grande ao dar uma aula para um aluno surdo. Ele

talvez não sinta, ou não veja, ou tenha outras formas de lidar com alunos com muita

diferença social.

Pesquisador – E aí eu te pergunto: Por que você acha que é um drama dar aula

pra um aluno surdo ou qualquer outra deficiência?

Vitor – Não é exatamente o que eu acho; eu sinto que os professores acham

que é assim. Porque talvez falte convicção estratégica, falte previsão disso, falte

preparação pro cara fazer; quando eu trabalhava na prefeitura, era o que eu mais via.

Se você puser um Down na minha sala, eu fico perdido, eu não sei o que fazer. Eu

vou dar desenho pra ele fazer a aula inteira, porque eu não sei o que fazer. Chama a

psicóloga e põe ele aí, porque eu não sei o que fazer, entendeu? E aí você tem a

responsabilidade de trabalhar com esse Down, ou com 20 caras que não são Down,

mas que você tem tanta dignidade humana e tanto direito de aprender, quanto aquele

cara, e você tem que integrar os caras. Eu acho, e eu tô com o Francisco nisso, isso

é novo. Ele tá chegando agora. E agora as pessoas estão começando a apanhar

disso, em um sentido positivo, “bom agora eu vou ter que me virar”; como a gente

aqui; a gente nunca teve professor cuja língua nativa fosse libras. O que a gente vai

fazer? A gente vai aprender.

Francisco – Me assusta muito, porque eu já cometi muitos erros na minha

prática pedagógica, o que me salva de um grande remorso toda noite, é que sempre

foi muito bem-intencionado para tudo isso que eu disse aqui, mas depois eu chegava

e falava: “fracassei”; fracassei naquela situação, porque não tive como agir, porque

não sabia como agir, porque tentei de todas as formas, e algumas vezes acho que fiz

mal ao aluno, tentando acertar. Porque também, toda essa nova configuração que vai

se fazendo, e muito rapidamente, não é, e cada vez piora a formação do professor;

quer dizer, você aumenta a responsabilidade, aumenta a quantidade de coisas que

esse professor precisa saber, não mais só da literatura brasileira, educação física,

língua inglesa, não é mais só isso...é como o Fabio acabou de falar, né. Eu preciso

saber caminhar e lidar com isso, mas eu não posso ser responsável por isso. Porque

senão a gente vai cair em um abismo sem saída. É muito angustiante, pra mim é

angustiante.

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Pesquisador – Vocês se sentem aptos a lidar com essas pessoas em sala de

aula?

Elza – Não.

Cristal – A gente só tem boa intenção, mas não uma formação pra isso.

Francisco – Nós não tivemos instrumental em sua formação pra isso. A gente

tá aprendendo no “durante” ; a canoa tá furada, vamos ter que resolver agora, porque

não tem jeito de ir pra margem sanar o problema, senão afunda.

Cristal – Eu acho que o Francisco tocou em um ponto importante. A política de

educação inclusiva colocou essa criança em sala de aula, mas não deu nenhum

instrumental pra professor, coordenador lidarem com isso.

Francisco – Ou no máximo que tivessem discutido, mas não chegaram em

nenhuma democratização, em um espectro amplo...

Cristal – Mas aí é que é o problema; a criança está dentro da sala de aula, mas

não está incluída.

Francisco – Não, não.

Cristal – Muito pelo o contrário, ela continua até mais excluída, mais

marginalizada...

Francisco – Eu vou dar um exemplo pra vocês. Lembram-se do Wallace?

Nosso aluno quase cego, altíssimo grau. Eu conversava com a Alessandra sobre isso;

era desesperador o relato dos professores. Ele era praticamente cego, mas nas

minhas aulas ele tinha um prazer enorme em participar. Eu tive que ralar muito pra

não diferenciá-lo pra especial, mais ou menos. Mas para que todos pudessem, de

alguma forma, estar integrados naquelas atividades; tive que aprender muito, deu

muito trabalho; eu perguntava muito pra ele, eu conversava muito com o ser humano

do Wallace, e conversei muito com a Alessandra, que é muito sensível a essa escuta,

e aí ela me falava dos encontros que ela teve com outros professores e as

atrocidades...quando os professores falavam alguma coisa, na verdade não falavam

do Wallace, embora dissessem dele, falavam muito mais de suas falhas em ter que

lidar com esse aluno tão diferenciado.

Pesquisador – Em algum momento, vocês tiveram suporte da escola com

relação a isso ou não?

Francisco – Eu conversei bastante com sociopedagógico, com Solange; ela era

muito atenta à situação desse menino; trocava figurinhas isoladamente com os

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colegas. Era um aluno com grande potencial, conduzido ao fracasso, por incapacidade

nossa. Não falo com maldade isso, mas a situação se configurou assim. Eu acho que

foi uma forma de aprendizado, pra mim foi, muito grande.

Pesquisador – Você acha que talvez, o que falta para que vocês tenham acesso

a isso? Falta um empenho da escola em oferecer alguma capacitação, ou material,

ou alguma coisa do gênero pra vocês, ou falta um empenho dos próprios professores?

Francisco – Sabe, eu acho que isso é um problema social de como a gente vê

o deficiente, o superdotado, o que a gente atribui baixa rentabilidade no

mercado...acho que é um problema social, é um fragmento, a escola reproduz o que

acontece. Pra mim essa pressão é cada vez maior sobre o professor, que tem que dar

conta de coisas para qual não foi formado. Não foi isso que me disseram quando virei

professor.

Fabio – A Alessandra, no caso do Wallace, comentou, há as duas questões:

uma do professor procurar e outra a escola, também estabelecer esse diálogo; porque

às vezes também querer que o aluno estabeleça esse diálogo é complicado. No caso

do Wallace, eu não fui professor dele, mas o que eu pesquei, havia uma questão dele

propriamente, mas havia aquilo que você falou lá trás, de capitalizar; ele se valeu

disso, do exemplo que eu ouvi. Ele não podia ampliar um pdf; a professora tinha que

mandar o pdf ampliado pra ele, mas ele jogava videogame; então, quer dizer...mas aí

também, eu acho que é papel da escola fazer a intervenção mais adequada para

estabelecer como é que vai funcionar isso; tem um contrato aí, que agora tá na moda

falar, contrato didático, não é, pra poder funcionar.

Francisco – É por isso que eu penso que é um problema social. Porque quando

um aluno chega aos 14 anos, sabendo quais as conveniências todas, ele vem com a

história anterior...ele deve, óbvio, não posso afirmar categoricamente, mas tem uma

superproteção, também foi encaminhado por aqui, por ali: “não precisa, você não

enxerga, deixa que eu faço”, percebe?

Pesquisador: É uma comodidade.

Francisco – Isso. “Deixa que eu faço”...tem isso também. Talvez pessoas bem-

intencionadas, mas não sei que tipo de valor se desenvolve ali...opa, isso é um meio

de vida!

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Vitor – Eu queria falar um pouquinho a esse respeito também, pegando o

gancho do que o Francisco e Fabio falaram...eu acho que é uma questão da escola,

mas acho também que é uma questão primordialmente de política pública; sejamos

honestos, não tem uma política pública formada; ela tá se constituindo, tá

aparecendo...quer dizer, já passei por coisas de levar cadeirante, mas você chega no

INSS, não tem rampa...quer dizer, a escola também, eu acho que ela reflete um monte

de exclusões que estão fora da escola. O cara é excluído de várias formas, e tem

vários problemas, e tem uma sociedade que não tá preocupada com essa equidade

exatamente; não dá pra dizer que isso tem sido uma constante preocupação dos

últimos 30, 40 anos...não foi, em alguns momentos, acho que recentemente tem

aumentado, sabe-se lá o que vai acontecer, mas a gente sente que isso tá

engatinhando, e que tem grande possibilidade de ser arrebentar do dia pra noite,

justamente por estar engatinhando. Quer dizer, você tem uma pequena conquista, e

de repente você ...puff . Aí você leva mais 5, 6, 10 anos pra você se estabelecer aquilo.

Então eu acho que dentro de contexto de política pública mais amplo, a política

educacional, insuficiente que eu acho, né, porque o que poderia haver? Mais curso,

também...mas também é uma mudança de mentalidade. Nós não estamos fazendo

nenhum favor, nós estamos trabalhando com educação; e trabalhando com educação,

não é nenhum favor trabalhar com cego, não é nenhum favor trabalhar com surdo,

mas isso não tá, isso demora, eu acho...porque isso não tem uma política social

pública pensando no cego, pensando no surdo, pro cara poder...veja...é uma

consequência de algumas escolhas, é uma consequência de você pensar quais

iniciativas são as primeiras a não serem implementadas. A dificuldade, por exemplo,

como membro do NAPNE aqui, a gente vê a dificuldade de se comprar um aparelho

específico pra um aluno, o tamanho da burocracia, como a verba não sai, como a

verba não aparece...é mais fácil você devolver o dinheiro, do que comprar o negócio;

é uma coisa maluca.

Francisco – E se nós pensarmos a despeito de todas essas posições que nós

fomos colocados, e pensar nisso como conquista, a gente tem aí, para que isso se

consolide, um processo muito longo, acho que geracional mesmo; e quando a gente

toma todos esses tombos, a gente percebe o quanto essa conquista é frágil, né. Ainda

se pensar como conquista, né...o quanto ela é frágil!

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Pesquisador – Então vocês acham que, se vocês tivessem, só pra finalizarmos,

o que falta necessariamente para que vocês consigam lidar com aluno, uma PCD em

sala de aula?

Cristal – Acho que precisa de um suporte que é externo à sala de aula. Tem

que ter outros profissionais envolvidos. Então assim, eu faço meu trabalho em sala de

aula, mas a pessoa tem que ter um apoio de escola, ou de terapia, o que seja, fora da

escola, fora da sala de aula, ela tem que ter um suporte garantido. Porque a gente vai

dar aula, conforme a gente consegue. Vai dar aula, tentando incluir, etc, etc, mas tem

que ter uma garantia que o outro lado tá sendo feito. Porque não é só o professor que

vai fazer isso em sala de aula.

Fabio – Mesmo porque são vários professores dando aula pro mesmo aluno. E

aí? Os vários professores não têm as mesmas ações. As áreas são distintas; em uma

aula de artes pode ser que ele não apresente em nada, que mereça um atendimento

específico, mas na aula de física ele vai precisar, porque ele surta, enfim, tem que ter

esse acompanhamento.

Elza – Eu acho que, sobretudo por essa situação específica do Wallace, a gente

tem possivelmente, a história de 1, 2 ou 3 professores que se envolveram nisso, e

outros tantos que se recusaram a. Mas assim, a recusa também é muito complicada,

porque a pessoa não tá informada, não tem esse suporte, veja... a pessoa não se

sente ...se sente só; não é só boa vontade que deve resolver e que resolve de fato.

Tem que ter esse suporte mesmo. Suporte de chegar lá, aumentar, imprimir...não dá

muitas vezes pro professor fazer tudo isso antes da aula. Tem muitas situações que

a gente faz de boa vontade, sim, mas o profissional é mais do que a boa vontade.

Fabio – Aí é um outro ângulo, porque na escola pública, esta percepção, é a

impressão que eu tenho, uma percepção melhor de como as pessoas querem lidar

com, no sentido de acolher mesmo ou de incluir, o que não é, a meu ver, muito comum

em instituições particulares. Parece que a instituição prefere se livrar porque aquilo

pra eles é um problema, e esse suporte externo na instituição particular é muito bem

construído; tem os setores, os profissionais...só que esses setores, esses

profissionais não querem lidar com esse tipo de situação; então fica, realmente, um

paradoxo; na pública, a gente quer, mas não tem a condição, porque na privada a

gente sabe que eles tem condição, mas não querem lidar com a situação.

Francisco – Acho que o que falta, não sei o que falta, mas que também muda

com o tempo; não é só uma falta, são muitas faltas, porque as demandas também

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mudam, mas o que eu vejo das experiências dos colegas todos, é tudo muito pontual,

não é sistêmico, que eu falo sempre deste lugar de professor de educação física. Eu

não falo da troca de experiências com os colegas todos, pra que tenhamos uma visão

global, né....e eu acho que o que tem de positivo é, eu sempre penso positivamente,

esses alunos estão chegando cada vez mais. Dos 21 anos que eu tenho de IF, agora,

nos últimos 8, 10 anos, que eu tenho visto alunos cegos, mancos, gagos,

sabe...esquizofrênicos acho que ainda não vi, em surto, mas que eles estão aí, estão.

Porque também, só pra relativizar, não chegou nenhum desses diagnósticos pra mim;

agora a gente tem aluno transexual, percebe? E a gente ainda não sabe como

nomear, como falar...eu tenho um aluno, um homem trans, esse semestre...e quando

percebi que poderia expor a pessoa chamando ele de ela, disse: “como é seu nome?

” “Fulano”; e ali, segui, passei por essa; essa fase do videogame eu consegui pular.

Mas poderia ter causado ali, da minha ação cotidiana, poderia ter causado um grande

constrangimento à pessoa, até afastando-a da escola.

Fabio – Isso que você falou, eu vivi uma situação assim nesse ano. A escola

também não está preparada para lidar com isso. Então eles têm duas situações; uma

foi uma turma minha e a outra foi com a turma do EJA. Aí o que aconteceu na turma

do EJA. O Salmaso pediu pra eu ajudar a imprimir o diário, entrar no sistema. Na hora

que eu abri o diário pra ele, estava o nome da pessoa com a lei na frente. Aí eu falei:

“Serafim, se esse aluno ou essa aluna, porque estava justamente...uma situação é ...

a identidade ainda é masculina, mas o corpo é feminino; aí estava o decreto, a lei, não

lembro, eu falei: “Salmaso, se essa aluna puser o olho no seu diário e enxergar isso

aqui, é processo, na hora! E com razão, porque a escola não pode colocar lá no diário,

ele vai ser chamado assim, porque a lei garante. E o outro caso foi de uma aluna do

Turismo, que quando fez o ENEM, tinha nome de homem, e nesse processo do

ENEM, até se matricular, ela conseguiu a documentação, com a identidade de mulher.

A secretaria registrou como homem, não registrou como mulher, mesmo ela tendo

entregado a documentação dentro do prazo. Quando eu percebi, eu falei que ela

deveria ir à secretaria para dizer que seu nome não está no diário; mas como ela tinha

assinado na aula anterior, pelo sobrenome, eu identifiquei quem era o nome masculino

no diário. Como eu percebi, ela falou que iria processar a escola...pelo menos isso é

uma mudança, porque em outros tempos, ela iria abandonar a escola com vergonha.

Pelo menos agora ela disse que iria processar.

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Francisco – Porque processar é apalavra da moda; pelo menos agora, elas

fazem barulho. É da moda, mas tem sentido pra muitos grupos. Eu tenho uma grande

amiga que é jornalista, conheço desde que era menininho de escola. E ela passou por

um grande constrangimento na graduação dela, porque não tinha mudança de

documento, mudança de gênero, e alguns professores, em um curso de jornalismo

em uma universidade federal, se recusaram a chama-la, e chamavam-no. Entende?

Então ela reprovou por falta, porque ela se recusava a responder a chamada. Então

um problema que poderia ter sido resolvido pontualmente, passa pelas convicções do

professor que não vê todos com igualdade, percebe...não somos tão democráticos ou

tão bonzinhos assim.

Fabio – Eu tive uma experiência, na graduação, como graduando, com um

aluno em sala, que era travesti, porque não tinha alteração do nome. No primeiro dia

de aula, foi bastante constrangedor, porque o professor chamou um nome e ele

respondeu como ele, só que tinha corpo de menina. Aí o professor falou: “eu chamei

fulano”, aí piorou a situação. Isso foi 1993, um pouquinho diferente...e aí a turma não

teve preconceito com. E teve uma mudança radical de um semestre pro outro, ficou

loira, com olho verde, não sei mais o que, mas quando ele estava, ele meio ela, só

tirava 10, 9,5. Então talvez também, na cabeça dela, mostrar que era excelente, fosse

uma forma de buscar aceitação. Só que não houve de fato preconceito não, dos

colegas. Esse professor era um equivocado mesmo, tanto é que ele não demorou

muito pra sair...mas eu acho que ele nem era tão preconceituoso, mas é como o

Francisco falou, a gente não sabe lidar com a situação... e aí ficou mais triste mais pra

frente, porque ele passou a se prostituir, porque ele falou que dar aula, ninguém

aceitava...eu vou dar aula e as pessoas quando olham a minha identidade e veem que

tá um nome de homem, não querem, não querem os filhos expostos a isso. Ele foi se

prostituir, entendeu? Aí depois foi pra Itália, foi deportada, mas terminou a graduação

e sempre quis dar aula; e era escola pública.

Pesquisador – Agradecimentos.

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APÊNDICE E - RELATÓRIO PRODUZIDO PELO PROCESSAMENTO DO PROGRAMA COMPUTACIONAL ALCESTE

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ANEXO A - 1ª resposta à consulta feita à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

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ANEXO B - 2ª resposta à consulta feita à secretaria da educação do estado de São Paulo

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ANEXO C - 3ª resposta à consulta feita à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

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ANEXO D - 4ª resposta à consulta feita à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

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ANEXO E - Regulamento do NAPNE

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ANEXO F - Nota Técnica nº 24/ 2013 / MEC / SECADI/ DPEE

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