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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE RESILIÊNCIA FAMILIAR – SUPERANDO ADVERSIDADES Por: Jorgenéa Silva Machado Orientador Prof. Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

RESILIÊNCIA FAMILIAR – SUPERANDO ADVERSIDADES

Por: Jorgenéa Silva Machado

Orientador

Prof. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

RESILIÊNCIA FAMILIAR – SUPERANDO ADVERSIDADES

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de Pós

Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família.

Por: Jorgenéa Silva Machado

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus por seu amor

incondicional, amor que não se pode

medir, transformando-me, renovando

minha esperança, e que me leva a

ultrapassar todos os meus limites,

impedindo que eu desista. Por isso,

louvo ao Senhor todos os dias da

minha vida.

À Clínica Michelle e ao INPAR que

através de seus Coordenadores e

Diretores possibilitaram e incentivaram

essa pesquisa.

À minha filha que, mesmo distante

(em Israel), me incentivou com

palavras que encheram meu coração

de fé e esperança.

Ao meu filho pelo seu amor, carinho,

compreensão e cuidados constantes.

Aos amigos que de alguma forma

colaboraram para esta realização.

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DEDICATÓRIA

Dedico este estudo à minha família, em

especial, minha irmã e, amigos que

sempre me apoiaram, acreditando no

meu potencial, quando eu mesma

duvidava dele.

À minha mãe querida, todo o meu amor,

pois hoje percebo o quanto ela foi

resiliente, superando todas as

adversidades que a vida, desde cedo lhe

impôs e que com grande sabedoria nos

transmitiu.

Enfim, dedico este estudo às famílias que

se propõem a manter sua unidade e suas

características, fortalecendo seu núcleo,

impedindo sua desagregação, muitas

vezes, vista como solução dos

problemas.

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RESUMO

Este estudo tem por objetivo, compreender a resiliência como o conjunto de

processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento de uma

vida saudável, mesmo vivendo em um ambiente não sadio. Trabalhando com

pessoas de comunidades carentes, percebemos que algumas famílias conseguem

ultrapassar, de forma construtiva, problemas comuns a maioria, mesmo não

possuindo recursos para buscar ajuda especializada. Este processo resulta da

combinação entre os atributos do indivíduo e seu ambiente familiar, social e

cultural. Deste modo, não podemos dizer que a resiliência é um atributo que nasce

com o sujeito, nem que ele adquire durante seu desenvolvimento, observamos

que é um processo interativo entre a pessoa e seu meio, considerado como uma

variação individual em resposta ao risco, sendo que, os mesmos fatores

causadores de estresse, podem ser experenciados de formas diferentes por

pessoas diferentes. Podemos superar muitas dificuldades quando nos propomos a

transpor os obstáculos que se colocam à nossa frente. De que forma isso ocorre?

É o que pretendemos demonstrar com esse estudo.

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METODOLOGIA

O livro de Froma Walsh, Fortalecendo a Resiliência Familiar, da Editora

ROCA 2005, serviu de orientação para estudo deste assunto. Os métodos

utilizados foram: pesquisa que tratam do assunto proposto em livros e internet.

As entrevistas livres, ocorreram com famílias que se propuseram a colaborar com

este estudo e coletadas em duas Instituições, sendo a primeira o INPAR (Instituto

Presbiteriano Alvaro Reis de Assistência à Criança e ao Adolescente), através de

sua Diretora, Dra. Sonia, localizada na Cidade de Deus e a segunda na Clínica

Michelle, que auxilia no tratamento do Dependente Químico com a Direção da

Comunidade S8 e apoio do Governo de Estado, através de sua Gerente Técnica,

Dra. Marise, localizada em Santa Cruz, ambas no Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I – Conceito de Resiliência 10

CAPÍTULO II – Processos fundamentais para fortalecer a resiliência 17

1. Sistema de crenças

2. Processos Organizacionais

3. Processos de Comunicação

CAPÍTULO III – Histórias Familiares 29

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

WEBGRAFIA 42

ÍNDICE 43

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INTRODUÇÃO

Com este trabalho, objetivamos compreender possíveis especificidades

das famílias que apresentam resultados positivos ao atravessarem

conflitos, muitas vezes aniquiladores, superando-os com eficácia,

mantendo sua unidade, fortalecendo seu nucleo, tornando-se emergentes

de uma outra condição de vida seja familiar, laboral ou educacional.

No Capítulo I demonstraremos o conceito de resiliência para

entendimento da origem e como a aplicamos na vivência do ser humano.

Não devemos interpretar a resiliência como uma simples facilidade de

mover-se no periodo de uma crise, escondendo-se da experiência dolorosa

que ela traz, como se os problemas surgissem sem causar dor ou

sofrimento, negando suas perdas, estimulando a intolerância ao sofrimento

pessoal. No entendimento de resiliência individual e também familiar, temos

que ter cuidado para não culpar aqueles que não resistem a adversidade,

porque estão enfrentando condições opressivas além do seu controle

(Walsh, 2005).

No Capítulo II demonstraremos que muitos são os fatores que

contribuem para a resiliência dentro da família, como a coesão familiar; a

qualidade do relacionamento entre pais e filhos; o envolvimento dos pais na

educação da criança. Práticas educativas que envolvam afeto,

reciprocidade e equilíbrio de poder, proporcionam o desenvolvimento de

crianças e adolescentes. O estabelecimento de uma rede de apoio social

afetiva, auxilia os pais durante o processo de socialização da criança,

podendo se utilizado em momentos de estresse. O apoio conjugal produz

efeitos mais significativos do que apoio provenientes de outras pessoas da

rede. A pobreza influencia o desenvolvimento das pessoas e, nas famílias,

ela tende a afetar a relação conjugal, contribuindo para a incidencia de

conflitos podendo aumentar a intensidade de sentimentos negativos e

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diminuir a reciprocidade na relação. Neste sentido algumas famílias seriam

vulneráveis e outras resilientes, através das gerações, como resultado de

um processo intergeracional.

No Capítulo III apresentaremos histórias de vida de algumas famílias

que, exemplificam com clareza quando a família foi ou não resiliente e o

quanto suas vidas foram afetadas. Poderemos observar questões

importantes no fortalecimento da resiliência, tais como: a clareza da

comunicação, o amor sendo expressado de maneira aberta, a perspectiva

positiva, o sistema de crenças, a conecção com a rede social na resolução

cooperativa dos problemas.

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CAPÍTULO I

CONCEITO DE RESILIÊNCIA

"...Pros erros há perdão; pros fracassos,

chance;... O nada não ilumina, não inspira, não

aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que

cada um traz dentro de si... para as coisas que

não podem ser mudadas resta-nos somente

paciência porém, preferir a derrota prévia à

dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade

de merecer. Não deixe que a saudade sufoque,

que a rotina acomode, que o medo impeça de

tentar. Desconfie do destino e acredite em você.

Gaste mais horas realizando que sonhando,

fazendo que planejando, vivendo que

esperando, porque embora quem quase morre

esteja vivo, quem quase vive já morreu."

Luis Fernando Veríssimo (Quase)

A palavra resiliência tem sua origem no latim: Re + salio que é igual

a elástico. Este termo deslocado da física significa a propriedade de alguns

materiais que sofrendo tensão máxima, ao cessar, voltam ao seu estado

original sem qualquer dano. O melhor exemplo para nossa compreensão é

o elástico (estica e volta ao normal, sem deformação).

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Trazendo o termo para a atribuição humana, “resiliência refere-se ao

fenômeno caracterizado por resultados positivos na presença de sérias

ameaças ao desenvolvimento da pessoa” (Cecconello,2003; Masten, 2001).

Nos ultimos anos, muito se tem estudado sobre ações famíliares que

promovem resultados positivos quando em ameaças que poderiam resultar

em desintegração de seu nucleo mas, conseguem mudanças inusitadas no

ciclo vital de seus membros, emergindo com força e adaptação positiva

apesar das condições adversas.

Resiliência, então, é a capacidade de superar traumas e desafios que

seriam aniquiladores, sem se deixar sucumbir por eles, adaptando-se e

curando-se, assumindo sua vida e seguindo vivendo e amando

plenamente, melhor e maior do que antes. “É um processo ativo de

resistência, reestruturação e crescimento em resposta à crise e ao desafio”

(Walsh, 2005).

A resiliência tornou-se um conceito importante no desenvolvimento

infantil e na teoria e pesquisa de saúde mental. No entanto, a visão há

muito sustentadada de que a resiliência reside dentro do indivíduo e o

enfoque desviado para a disfunção familiar, cegaram os investigadores e os

clínicos para os recursos que podem ser encontrados e fortalecidos em

famílias em situação de angústia. Uma estrutura de resiliência familiar

altera fundamentalmente as abordagens tradicionais da pesquisa e da

prática com base no déficit (Walsh,2005, p.4).

Ao invés de darmos importância em como as famílias fracassaram,

podemos voltar nossa atenção para como elas podem ter sucesso, tirando

o melhor e desenvolvendo processos fundamentais, encorajando o

crescimento individual e familiar.

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Muitos fatores colaboram para a resiliência familiar. A harmonia

familiar, o bom relacionamento entre pais e filhos, o envolvimento dos pais

na educação dos filhos, com carinho, respeito e equilíbrio de poder ajudam

no desenvolvimento de seus filhos tanto na infância quanto na

adolescência.

A conivência conjugal surge como uma poderosa fonte de apoio social

produzindo efeitos mais significativos do que o apoio de outras pessoas da

rede(Cecconello, 2003; Belsky, 1984; Simons & Johnson, 1996).

Uma rede de apoio social ativa pode ajudar os pais durante o processo

de socialização dos filhos, como um recurso a ser utilizado em momentos

de necessidade.

Se ampliarmos nossa perspectiva além de um vínculo diádico e a

determinantes precoces na vida, vamos nos conscientizar de que a

resiliência é tecida em uma rede de relacionamentos e experiências no

decorrer do ciclo de vida e entre as gerações.

São necessárias tanto perspectivas ecológicas quanto

desenvolvimentais para se entender a resiliência no contexto social e no

correr do tempo.

Uma previsão ecológica deve considerar as várias condições de

influência no risco e na resiliência durante o tempo de vida. A família, o

grupo de pares, a escola ou os ambientes de trabalho e os sistemas sociais

mais amplos podem ser vistos como contextos aninhados para a

competência social (Walsh, 2005; Bronfenbrenner, 1979).

“A Teoria dos Sistemas Ecológicos enfatiza a importância de um

fenômeno de transição que ocorre dentro do espaço ecológico, que é ao

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mesmo tempo um produto e um produtor da mudança evolutiva: a transição

ecológica (Bronfenbrenner, 1979/1996).

A transição ecológica ocorre sempre que a posição da pessoa no meio

ambiente é alterada em função de uma mudança de papel, ambiente ou

ambos. Duas formas de transição são distinguidas no curso do

desenvolvimento: (a) a normativa, ou seja, aquela que é esperada e

experenciada pela grande maioria das pessoas, como a adolescência, o

casamento, a maternidade e a paternidade; e, (b) a não-normativa, que

está associada com eventos não esperados, como a morte de uma pessoa

querida, uma doença crônica na família, uma mudança de cidade e o

divórcio (Cowan, 1991).

As transições normativas e nãonormativas que ocorrem ao longo do

ciclo de vida são entendidas como processos que resultam em uma

reorganização qualitativa, tanto em nível psicológico como comportamental

(Bronfenbrenner, 1986; Cowan, 1991). Elas geram mudanças na percepção

que a pessoa tem de si mesma e dos outros, bem como nas relações que

estabelece com outros significativos.

A Teoria dos Sistemas Ecológicos, através do modelo bioecológico, é

um referencial fundamental para o estudo do desenvolvimento dentro do

contexto. Como é possível observar, a partir do que foi brevemente exposto

acima, este referencial procura integrar aspectos individuais e ambientais,

contemplando os fatores relacionados com o fenômeno a ser investigado.

Deste modo, ele se constitui em uma abordagem através da qual se pode

compreender o desenvolvimento em situações atípicas, privilegiando

aspectos de resiliência, vulnerabilidade, risco e proteção” (Bronfenbrenner,

1979/1996 apud Cecconello, 2003).

Uma previsão desenvolvimental torna-se, também, indispensável para

o entendimento da resiliência. Não só uma coleção de traços determinados

mas também o defrontar e o apropriar compreendem processos variados

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de determinação que se prolongam no tempo. Em sua maior parte, as

formas de estresse, não são unicamente um estímulo separado, a curto

prazo mas, um agrupamento de circunstâncias que se alteram com fatos

do passado e um percorrer futuro (Walsh, 2005; Rutter, 1987).

Dada esta complexidade ao longo do tempo, nenhuma resposta

isolada de enfrentamento é invariavelmente mais bem-sucedida. É mais

importante ter várias estratégias de enfrentamento para encarar os

diferentes desafios à medida que eles surjam (Walsh, 2005, p.12; Pearlin &

Schooler, 1978). A aptidão para fazer escolhas viáveis é essencial na

resiliência.

As ocorrências estressantes da vida possuem maiores chances de

afetar opostamente o funcionamento do enfrentamento e da adaptação

quando são inesperados, quando uma circunstância é grave ou persistente,

ou quando agentes de estresse multiplos acarretam efeitos cumulativos.

Ocorrências não previstas ou sem sincronia com as expectativas

cronológicas ou sociais_como uma viuvez precoce_tornan-se mais difíceis

(Walsh, 2005; Neugarten, 1976).

O termo “resiliência familiar” refere-se aos processos de enfrentamento

e adaptação na família como uma unidade funcional. Uma perspectiva

sistêmica nos permite compreender como os processos familiares intervem

no estresse e permitem à família superar a crise e enfrentar dificuldades

prolongadas. Patterson (1983) sustenta que os fatores de estresse afetam

as crianças apenas na medida em que destroem processos familiares

fundamentais. Não é apenas a criança que é vulnerável ou resiliente; mais

importante que isso, o sistema familiar influencia o ajustamento final

(Walsh, 2005, p.14).

As crenças de que as famílias saudáveis são isentas de problemas e,

que a “família tradicional” (aquela composta de pai, mãe e filhos) é o único

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modelo possível para uma família saudável, produzem patologias nas

famílias comuns (com outras formações), que procuram enfrentar fatores

estressores e mudanças desorganizadoras que fazem parte da vida.

Nenhuma família esta livre de enfrentar problemas. O que distingue uma

família saudável não é a carência de problemas, mas a maneira de encará-

los e a competência para resolvê-los.

As famílias que não se ajustam ao padrão de “uma norma que se

adapta a todos” tem sido estigmatizadas e julgadas patológicas por

suposições de que formas alternativas prejudicam inerentemente as

crianças(Walsh, 2005).

Famílias com várias formas de representações podem ser tão bem

sucedidas tanto quanto as de configurações tradicionais porque o

importante não é sua formação e sim seus métodos familiares que mais

importam para que seu funcionamento seja saudável e resiliente.

Uma perspectiva desenvolvimental familiar é de grande importância

para o entendimento da resiliência familiar, pois vários processos são

necessários para o enfrentamento de desafios psicossociais que surgem no

decorrer da vida.

Mecanismos de proteção tais como imunidade, compensação e

desafio, podem ser aplicados ao sistema familiar estimulando a imunidade

ao estresse, impedindo ou abrandando um impacto prejudicial. Os sistemas

familiares podem ser utilizados como meio na compensação de efeitos

negativos do estresse. Também podem, até mesmo, serem fortalecidos por

esforços de enfrentamento compartilhado entre os membros da família,

desenvolvendo novas áreas de atribuições.

Dirigindo o olhar na direção da prevenção de um problema, uma

abordagem terapêutica deverá ir além da resolução de problemas, não

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somente restaurando as famílias mas, também, preparando-as para

enfrentar novos desafios que possam surgir. O desenvolvimento de

métodos resilientes podem habilitar as famílias para a superação de

ocorrências imprevistas, evitando crises. Uma intervenção antecipada,

torna-se uma medida preventiva.

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CAPÍTULO II

PROCESSOS FUNDAMENTAIS PARA FORTALECER

A RESILIÊNCIA

“Em nome do Pai e do Filho, do divino Espírito Santo, se é pra me humilhar,

eu me humilho, mas que não se acabe esse encanto, de sair e voltar pra

casa e saber que esta tudo bem, não se tem a tudo o que quer, mas se

quer a tudo o que tem. O sagrado fruto que é graça, que renova a força do

amor, um desejo só, de dar o melhor, ao que tem mais valor. Com ternura,

um beijo, me abraça, declara a rara compreensão que, a vida esta no seio

da minha família...”

“Família” de César Belieny/Serginho Meriti

Em muitas pesquisas, a pobreza vem sendo vista como um fator de

risco para o desenvolvimento das pessoas, constituindo-se em um agente

de perigo que ameaça o bem estar dessas pessoas, limitando suas

oportunidades de progredir. A pobreza pode, nas famílias, prejudicar a

relação conjugal, contribuindo para o aumento de conflitos entre os pais,

produzindo, também, consequências no relacionamento entre pais e filhos,

podendo aumentar a força de sentimentos negativos, diminuindo a

reciprocidade na relação.

Na questão da resiliência em grupos sociais pobres, é importante voltar

a atenção para a identificação de fatores de proteção que garantem

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propostas de vida saudável, oportunidades de desenvolvimento integral e

sentimentos de dignidade para as famílias menos favorecidas socialmente.

“Um estudo realizado sobre as crenças e a postura de trabalhadores

sociais do extremo sul do RS, diante das famílias pobres, demonstrou que

os mesmos descrevem estes grupos familiares como acomodados e

submissos à situação de miséria (Yunes, 2001b). Os profissionais

caracterizaram as famílias como "desestruturadas", pela sua configuração

não-nuclear e pelas expressões de violência nas relações intrafamiliares

apontadas como: abandono, negligência das crianças e incidência do uso

de drogas por pelo menos um membro da família. A autora da investigação

afirma que os profissionais acreditam na transgera-cionalidade destas

características, o que perpetua os mitos familiares de "acomodação" e

"desestruturação". Por alguma razão, os profissionais entrevistados alegam

que as famílias pobres sempre replicam (nunca corrigem) os scripts das

gerações precedentes. Yunes (2001b) reforçou ainda que "não foram

encontradas em pesquisas brasileiras, evidências científicas que

comprovem a linearidade destas conclusões" (p. 83) que, todavia imperam

no imaginário dos trabalhadores e provavelmente dirigem as suas práticas

de atuação em saúde e educação junto às famílias. Em consonância com

estas reflexões estão os resultados de um outro estudo realizado por uma

pesquisadora norte americana que aponta críticas aos trabalhadores dos

serviços de saúde mental por suas tendências em associar especialmente

as famílias monoparentais de baixa renda aos cuidados parentais

"negligentes", postura profissional que pode acabar "culpando a vítima"

(Madanes, 1984). Na realidade, pouco se sabe sobre os processos e

dinâmica de funcionamento de famílias pobres, embora alguns estudos

brasileiros demonstrem que estas famílias mostram-se muitas vezes,

hábeis na tomada de decisões e na superação de grandes desafios,

evidenciando uma unidade familiar e um sistema moral bastante fortalecido

diante da proporção das circunstâncias desfavoráveis de suas vidas

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(Carvalho, 1995; Mello, 1995; Sarti, 1996; Szymanski, 1988). Sabe-se que

as condições indignas e a precariedade das contingências econômicas e

sociais que castigam a maioria das famílias brasileiras podem afetar de

forma adversa o desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos.

Entretanto, isso não pode ser considerado regra sem exceção, pois muitas

vezes alguns grupos desenvolvem processos e mecanismos que garantem

sua sobrevivência, não só física, mas dos valores de sua identidade cultural

(Sonn & Fisher, 1998). Assim, muitos grupos familiares que vivem

situações de risco cumprem seu papel de proteção e cuidado com

competência e tornam-se o contexto essencial para o desenvolvimento

saudável de seus membros e não são inevitavelmente "disfuncionais"

(Lindblad-Goldberg, 1989; Yunes, 2001b). Sendo assim, pesquisas sobre

resiliência e famílias de baixa renda despertam interesse por possibilitar

compreender os processos que permeiam o contexto familiar de grupos

que enfrentam as dificuldades da pobreza. Estes processos não devem ser

considerados pressupostos para uma definição "engessada" de resiliência

em famílias, pois sabe-se que este fenômeno pode se apresentar sob

diferentes prismas e possibilidades em cada contexto familiar” (Yunes, M.,

Garcia, N., Albuquerque, B., 2007, p. 4).

Segundo Walsh "o foco da resiliência em família deve procurar

identificar e implementar os processos chaves que possibilitam famílias,

não só a lidar mais eficientemente com situações de crise ou estresse

permanente, mas saírem fortalecidas das mesmas" (Walsh, 1995b, p. 263;

Walsh, 2005). Logo, não se atribui resiliência familiar apenas a processos

de adaptação e coping do grupo mas, também, procura compreender as

transformações afirmativas que surgem ao passar por uma situação

estressora.

Os processos familiares saudáveis podem “servir como base útil para

identificar potencialidades e vulnerabilidades, informando intervenções para

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construir e reforçar elementos fundamentais do processo no funcionamento

eficiente da família” (Walsh, 2005, p.23).

Entendemos os processos fundamentais da resiliência familiar em três

propriedades: sistemas de crenças, padrões organizacionais e processos

de comunicação e, podem ser dispostos de diferentes maneiras e em

diversos graus, à medida que se adequam a diferentes formas, valores,

recursos e desafios familiares.

2.1 – SISTEMAS DE CRENÇAS

O jeito como as famílias enfrentam seus problemas e suas escolhas

podem formar diferenças significativas entre o como encarar e controlar ou

a confusão e a falta de paciência.

Nossas crenças influenciam na forma em que vivemos, o que fazemos

de nossas percepções e como enxergamos o mundo. Elas estão no centro

do nosso ser e determina nosso entendimento e o bom senso das

experiências pelas quais passamos.

“Os sistemas de crenças abrangem amplamente valores, convicções,

atitudes, tendências e suposições que se misturam para formar um

conjunto de premissas básicas que desencadeiam reações emocionais,

informam decisões e guiam ações. As crenças facilitadoras aumentam as

opções para a resolução de problemas, a cura e o crescimento, enquanto

as crenças restritivas perpetuam os problemas e restringem as opções”

(Wright et al., 1996 apud Walsh, 2005, p. 43).

Para Walsh “nossas crenças podem facilitar ou restringir nossas ações

e nossas ações e suas consequências podem reforçar ou alterar nossas

crenças. Algumas crenças são mais úteis do que outras, dependendo da

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nossa dificuldade. Algumas também são mais aceitáveis ou preferidas

dentro de uma determinada cultura ou contexto” (Walsh, 2005, p. 44).

Crenças compartilhadas são desenvolvidas pela família, apoiadas em

valores culturais sofrendo influência por sua postura e por seu ensaio social

no decorrer do tempo. Os familiares veem a verdade mais como relativa do

que como absoluta, permitindo a seus membros encarar a realidade como

subjetiva e unica para cada pessoa, em momento próprio.

As famílias tornam-se mais preparadas para as adversidades quando

possuem lealdade e fé inabaláveis um no outro, fundamentada na

confiança e compartilhando a convicção de que o lar é seu porto seguro e

agradável e que sempre estaram ali, um para o outro. “A confiança na boa

vontade básica um do outro é essencial para conseguir proximidade e

colaboração e para apoiar a confiança, a alegria e o conforto na relação.

Em épocas problemáticas, os membros da família atuam melhor quando

acreditam poder recorrer uns aos outros como parceiros confiáveis e

parentes de verdade” (Walsh, 2005, p.51).

As famílias resilientes aceitam com mais destreza a passagem do

tempo e a necessidade de mudança com novos desafios

desenvolvimentais. Elas possuem uma percepção evolutiva do tempo, num

processo contínuo de crescimento e mudança, progredindo pelo ciclo de

vida e de uma geração para outra.

Segundo Walsh, “trabalhando com famílias de todos os tipos, devemos

explorar o que “família” e “comunidade” significam para elas e buscar

possibilidades de maior associação. Muitas mantêm vagas imagens

idealizadas desconectadas de suas vidas reais. Outras podem ter apenas

sobras de imagens fragmentadas e desvanecidas de conexões de muito

tempo atrás ou de lugares remotos. Para algumas os laços positivos podem

ser obscurecidos por desapontamento, conflito ou perdas dolorosas. Mas a

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resiliência e o crescimento fazem os membros da família enfrentarem o

passado e integrarem esse entendimento significativo a suas vidas atuais e

suas esperanças e sonhos a futuros (Walsh, 2005, p. 52).

Os membros de uma família conseguem trabalhar com situações

atuais com mais confiança quando, houve sucesso no jeito de lidar com

adversidades semelhantes no passado. Torna-se muito importante lembrar

desses sucessos porque eles mostram resultados positivos que podem ser

utilizados em novas situações.

Cada cultura dá um significado diferente para as adversidades. A

pobreza é vista de forma diferente dependendo da cultura do lugar onde

está instalada. Ela é vista de forma contrária nos Estados Unidos onde

carrega um estigma de menos valia e, no Marrocos onde acredita-se que

uma família é pobre porque Alá não sorriu para eles e por isso vivem a

perspectiva de que essa condição pode mudar a qualquer momento.

As Famílias que funcionam bem reconhecem que um bom resultado

nos empreendimentos humanos depende, em parte, de variáveis

independentes do seu controle, mas dividem a certeza de que, com

praticidade e prudência, podem obter diferença em suas próprias vidas e

nas de outras pessoas. Concordam com as restrições humanas, julgando

que as situações são diferentes e incompletas para cada um. A autoestima

acontece quando conseguimos êxito ao passa por uma situação

desafiadora. Podemos, então colaborar para que as famílias descubram

que cada membro pode contribuir com algo útil. Ao confiar em um bom

resultado, sentimo-nos estimulados a mostrar comportamentos que

aumentem a probabilidade de sua ocorrência.

Nossas crenças fundamentais, muitas vezes, são estabelecidas na

religião e na espiritualidade. As religiões são conjuntos de crenças

organizados, compreendendo valores morais compartilhados e

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institucionalizados. Elas oferecem modelos consistentes para a expressão

de crenças comuns, assim como a proteção da congregação em tempos de

dificuldades.

A espiritualidade abrange o emprego em valores internos que

desenvolvam um senso de significado, integridade interior e ligação com os

outros. Pode envolver a crença em uma qualidade humana indispensável,

ou em um conjunto de valores em favor dos quais nos esforçamos; a

crença em algo de supremo poder; ou a crença em um entendimento

holístico com a identidade humana, a natureza e o universo. Pode,

também, compreender experiências divinas, que são sagradas ou místicas

e complicadas de expressar, seja na linguagem ou nas representações de

idéias comuns. E, podem ser experienciadas em estruturas religiosas ou

fora delas.

Uma expectativa positiva é de uma importancia essencial para a

resiliência. Perseverança, coragem e encorajamento, esperança e otimismo

e domínio ativo são fundamentais para conseguir a força indispensável

para resistir à adversidade e se restaurar dela. Pessoas resilientes encaram

uma adversidade como um desafio e a enfrentam ativamente,

determinadas a alcançar a vitória, mostrando-se mais fortalecido após

ultrapassá-la.

2.2 – Processos Organizacionais

As famílias, em suas diversas formas, devem organizar suas vidas de

modo a realizar as tarefas fundamentais para que seu desenvolvimento

seja prazeroso. “Para lidar de maneira eficiente com as crises e a

persistente adversidade precisam mobilizar recursos, resistir ao estresse e

se reorganizar para se adequarem às condições alteradas. Os padrões

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organizacionais familiares dão apoio à integração da unidade familiar

(Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967; Minuchin, 1974). Esses padrões

definem os relacionamentos e regulam o comportamento. Eles são

mantidos por normas externas e internas, reforçadas por sistemas culturais

e de crença familiar” (Walsh, 2005, p.77).

Identificamos os meios organizacionais do movimento familiar eficaz,

ressaltando os processos fundamentais para a resiliência relacional, tais

como: flexibilidade, conexão e recursos sociais e econômicos.

As famílias necessitam desenvolver uma estrutura flexível, para que

possam obter um bom funcionamento. Para mover-se bem, uma família

necessita de estabelecer regras estáveis e papéis e padrões de interação

previsíveis e consistentes. A confiança entre seus membros é fundamental,

para que os compromissos assumidos sejam cumpridos.

Segundo Walsh, as famílias possuem uma tedência a funcionar melhor

quando compensam proximidade e compromisso com consentimento à

separação e às diferenças de cada um. “Passei a preferir o termo

“conexão” para descrever o equilíbrio de unidade, apoio mútuo e

colaboraçào com a separação e a autonomia do indivíduo. Os membros da

família podem ser extremamente conctados e se unir em épocas de crise e,

ao mesmo tempo, respeitar as diferenças entre si” (Walsh, 2005, p.83).

Numa família com bom funcionamento, seus integrantes estão

intensamente envolvidos com o mundo, interagindo com ele com otimismo

e esperança, trazendo de volta à família muitos interesses, ao retornarem

de seus encontros.

“A família ampliada e as redes sociais oferecem ajuda prática e

conexão comunitária virtual. Elas proporcionam informações, serviços

concretos, apoio, companhia e repouso, além de promover uma sensação

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de segurança e solidariedade. As atividades comunitárias e a filiação

religiosa também estimulam o bem-estar individual e familiar – por exemplo,

pela participação regular em jantares da igreja, clubes de terceira idade e

associações de pais e mestres. A pesquisa emergente sugere que há algo

protetor em pertencer a um grupo e ter algum tipo de atividade social

regular” (Walsh, 1998b, apud Walsh 2005, p. 95).

A ligação com o mundo é de fundamental importância para a resiliência

familiar em momentos de colapso.

Atualmente, os laços naturais familiares e comunitários estão muito

fragilizados, muitas vezes, necessitam estabelecer novas ligações criativas

que se moldem aos desafios familiares presentes. É importante obter

opções ao procurar modelos e mentores tanto na família, como na

comunidade. Observamos que, nos casos em que os responsáveis estejam

ocupados ou não possam oferecer uma influência positiva, outras formas

de relacionamentos de aconselhamento, podem dar suporte na família

ampliada e na rede comunitária.

2.3 – Processos de Comunicação

A comunicação facilita o funcionamento familiar e três aspectos são de

crucial importância para a resiliência familiar: clareza, expressão emocional

aberta e resolução colaborativa dos problemas.

Para um funcionamento familiar eficiente, a clareza na comunicação é

de crucial importância. Considerando as diferenças culturais de cada

família, a comunicação entre seus membros deve ser direta, clara,

exclusivo e franca. Em tempos de dificuldade, o melhor é esclarecer ao

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máximo a situação, até extinguir todas as duvidas. O entendimento

compartilhado auxilia toda a família na transição dos problemas.

Para uma família bem estruturada, a sensação de confiança mútua

dará coragem e reforçará o compartilhamento aberto e franco das

emoções. As mensagens deverão ser voluntárias e passadas de forma

ponderada, respeitando os sentimentos, as necessidades e as diferenças

uns dos outros, aceitando as incertezas e as ambivalências.

O que diferencia uma família resiliente é a sua habilidade de gerir bem

um conflito. Estimular a resolução cooperativa de problemas torna-se

necessário porque “as famílias precisam desenvolver estratégias eficazes

para lidar com – senão resolver – os problemas da vida cotidiana e com as

crises que surgem. Os aspectos práticos e emocionais de uma situação de

crise são mutuamente interativos. Quando o funcionamento da família é

perturbado por problemas instrumentais básicos (como por exemplo, a

perda de um emprego e de um salário), a capacidade de lidar com as

necessidades emocionais também é pressionada. Do mesmo modo, uma

fonte de angústia emocional, como a ameaça do rompimento de um

casamento, pode afetar adversamente o desempenho na escola e no

emprego. Um tom emocional negativo entre os membros da família – raiva,

frustração, desencorajamento ou derrota – pode impedi-los de lidar bem

com problemas sérios e persistentes. Deve-se lidar tanto com as tarefas

práticas quanto com as emocionais de uma transição significativa” (Walsh,

2005, p. 113).

Processos de negociação são vitais para um bom desempenho

conjugal e familiar na maioria das famílias. Na solução de um problema o

processo de negociação pode ter o mesmo valor que o resultado,

buscando-se sugestões entre os familiares.

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Torna-se crucial que os Terapeutas, quando avaliarem processos de

interação, pontuem e clarifiquem as formas como as decisões relevantes

serão tomadas.

“Uma postura da terapia familiar com base na resiliência esta

fundamentada num conjunto de convicções sobre o potencial familiar que

molda toda a intervenção, mesmo com famílias extremamente vulneráveis

cujas vidas estão saturadas de situações de crise. A colaboração entre os

membros da família é encorajada, permitindo-lhes construir uma

competência nova e renovada, apoio mútuo e uma confiança compartilhada

em que possam se apoiar ao enfrentar situações difíceis. Essa abordagem

estimula um clima familiar capacitador, reforçando as possibilidades de que

os membros possam superar obstáculos aparentemente insuperáveis

atuando juntos e que experimentem o êxito como devido, em grande parte

aos seus esforços, recursos e competências compartilhados. As

experiências de sucesso compartilhado aumentam o orgulho e a sensação

de eficiência de uma família, permitindo-lhe um enfrentamento mais efetivo

das subsequentes adaptações da vida. Uma abordagem da resiliência

familiar proporciona uma estrutura positiva e pragmática que orienta as

intervenções para fortalecer a família à medida que os problemas que se

apresentam são resolvidos” (Walsh, 2005, p. 22 e 23).

Pequenos sucessos compartilhados entre os familiares proporcionam

crescimento da confiança e da competência, habilitando-os para o

enfrentamento de desafios maiores.

As famílias podem falhar em muitos passos, tentando solucionar um

problema mas, ao adotar uma postura pró-ativa, pode evitar uma crise

familiar.

Quando um problema começa a surgir, uma família com bom

funcionamento, o enfrenta rapidamente, discutindo-o de maneira clara e

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aberta, trabalhando os aspectos práticos e emocionais. Quando algum

problema não pode ser resolvido, os membros de uma família resiliente

procuram achar aspectos da situação para opção e ação.

“Olhos nos olhos, da raiz do meu ser, grisalhos são quase brancos, os

tempos contados! Se o branco é a união de todas as cores, quão coloridos

são e ainda serão os nossos dias? Crescimento imperceptível, percebido

nas vestes que se encurtam. No ápice do sentido, os fonemas tomam

forma, formando palavras...Palavras que acompanham gestos, abraços que

acompanham beijos... Assim o amor passa a ser maior que o Verbo, sendo

encarnado no Filho do homem...que pela fé, nos leva de volta pra casa, de

volta ao jardim, de volta à FAMÍLIA!”

“De volta ao jardim” de César Belieny

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CAPÍTULO III

ENTREVISTAS FAMILIARES

3.1 – Famílias resilientes

Família Nº. 1 (JAN/2010)

Composta por mãe e sete filhos

• Helena, mãe 38 anos

• Maria José, filha 21 anos

• Maria do Carmo, filha 13 anos

• Maria Firmina, filha 12 anos

• Maria Tereza, filha 10 anos

• Mário Jorge, filho 8 anos

• Maria Luzia, filha 6 anos

• Marco Antonio, filho 5 anos

Helena é a filha mais nova de uma prole de seis irmãos. Seus pais se

separaram quando completou 2 anos de idade e, por ser ainda muito

pequena e dependente, ficou com a mãe e não viu mais seus irmãos e

menos ainda o pai. Sua mãe era dependente de bebidas alcoólicas e se

prostituía para sobreviver e descontava em Helena suas frustrações e

desencantos. Helena não tem lembrança de quando foram morar com um

homem que se agradou de sua mãe e montaram uma casa, passando a

viverem juntos. Continuava apanhando muito da mãe porque não sabia

arrumar a casa direito e estavam sempre muito alcoolizados. Aos sete anos

de idade Helena foi estruprada pelo companheiro da mãe que o colocou

para fora de casa mas, sempre acusou Helena de ter sido responsável por

essa separação. Como a mãe continuava a se prostituir, Helena foi

entregue a uma família qua a recebeu como escrava e apanhou muito até

aprender a fazer os trabalhos caseiros. Quando havia completado 11 anos

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foi procurada por seu pai que levou-a para a casa dele. Imaginou que

estava salva dos maus tratos e que, enfim, viveria feliz. Seu pai começou a

elogiá-la dizendo que ela se parecia muito com a mãe e passou a assediá-

la e abusar dela sexualmente, ao seu deleite, ameaçando-a de morte, caso

contasse para alguém o que se passava entre eles. Sofria muito, sabia que

estava tudo errado. Aos 13 anos fugiu de casa e passou a viver na rua.

Inicia-se, então, seu contato com as drogas e o alcool. Conheceu o pai de

suas duas filhas mais velhas, Gilson e foram morar juntos. Ele também era

adicto e batia muito nela. Quando sentiu-se ameaçada de morte e cansou

de apanhar, saiu de casa levando suas filhas, sendo Maria do Carmo ainda

bebê. Conheceu então Joel e viveram 9 anos juntos, tendo com ele 3 filhos.

Sempre foi bom para ela mas, era traficante e ela cansou de pagar dividas

de tráfico para ele. Separou-se e foi para um abrigo com os 5 filhos,

permanecendo lá por seis meses. Continuava no vício do alcool. Recebeu,

da Prefeitura, apoio moradia e foi morar em Santa Cruz. Maria Luzia

nasceu nessa época de um relacionamento com Mário que escondia dela

que era casado e por causa disso o relacionamento não foi adiante. Perdeu

o apoio moradia porque gastou o dinheiro com bebidas e voltou ao abrigo,

conhecendo Bernardo pai de seu filho mais novo. Ganhou, então um

terreno numa comunidade chamado de Cezarão e construiu, ela mesma,

um quarto para morar com seus filhos. Nessa época sua filha mais velha,

com 15 anos de idade se casa e vai morar com o marido. Como não tinha

como sobreviver pediu ajuda a Prefeitura, tipo, uma bolsa família, mas não

conseguiu porque era “viciada” e iria gastar tudo com ela mesma. Uma

semana depois voltou ao Conselho Tutelar e seus filhos foram afastados

dela, sendo levados para uma família acolhedora. Nesta época Marco

Antonio estava com dois meses. Consegue, novamente, ajuda da Prefeitura

por 4 meses para construir sua casa mas, gasta todo o dinheiro com bebida

e drogas. Ficou em dívida com o “dono da boca” e como não tinha como

pagar e, levaram-na para ser sacrificada. Rasparam sua cabeça e

prenderam-na em um quarto, trancado com correntes. Era seu fim, pensou.

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Começou a clamar por ajuda e, derrepente, força a corrente e um elo

enfraquecido se parte, permitindo sua fuga. Perdeu tudo, os filhos,

credibilidade, a casa para os traficantes e nesse desespero procura a casa

da filha que lhe dá abrigo, permanecendo lá por 2 dias e sendo internada

numa casa de recuperação, onde ficou por 2 meses. Mas, nesta casa de

recuperação, não conseguiu se livrar das drogas, porque fazia uso lá dentro

mesmo. Foi então transferida para a Clinica Michelle onde permaneceu

internada por 45 dias. Então percebe o quanto sente a falta de seus filhos e

inicia sua recuperação, que dura até hoje, entendendo sua adcção como

doença, adquirindo novas crenças e, iniciando um processo de construção

familiar saudável. Quando recebeu alta médica da Clínica Michelle

namorava um rapaz que comprou a casa onde hoje ela mora com os filhos.

Esse namorado, um dia saiu para trabalhar e nunca mais voltou. No

momento trabalha na cantina da Clínica e também atua como voluntária,

auxiliando no serviço de atendimento aos pacientes que frequentam a

segunda etapa do tratamento. Recuperou a guarda dos filhos que “são o

motivo que a faz superar, a cada dia, a drogadição”. Trata-os com muito

amor e carinho e procura educá-los sem rigidez. São crianças alegres e

amáveis.

Família Nº. 2 (Jan/2010)

Composta, hoje, por 2 pessoas

• Rose, esposa, 50 anos

• Roberto, marido, 54 anos

Rose e Roberto são casados há 34 anos e tiveram um casal de filhos

• Ricardo, 31 anos

• Renata, 29 anos

Rose conta que sua mãe foi violentada por seu pai e ficou grávida sendo

obrigado a casar e assumir a filha (Rose). Foram morar com os avós

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paternos onde foi criada e a bebida alcoólica fazia parte das refeições, de

forma natural. Ficava muito com sua avó paterna, que era muito promíscua

e se encontrava com outros homens praticando sexo na sua presença que,

ficava sentada numa cadeira aguardando a avó se satisfazer naquela

relação. Dentro de casa não havia pudor e todos andavam em roupas

íntimas e praticavam sexo sem se preocupar com a presença de outrem.

Nesse cenário, Rose também começou a beber. Havia muita discussão e

ninguém se entendia. Ela e seu irmão presenciaram muitas brigas. Rose

casou-se aos dezesseis anos, sendo usuária de bebida alcoólica e o

marido (Roberto) com 20 anos, sendo dependente químico e, uniram-se na

recuperação um do outro, até conseguirem. Ricardo (filho), quando

completou 4 meses de nascido, teve um câncer e os médicos afirmavam

que ele não passaria de 1 ano de idade. Foi curado e teve um crescimento

normal, como qualquer criança saudável. Aos 11 anos envolveu-se com o

tráfico de drogas e tornou-se dependente químico, esse fato fez com que

sua casa fosse frequentada tanto por traficantes como por policiais. Diante

desse quadro, que só piorava, Rose e seu marido pediram a Ricardo que

se submetesse a um tratamento e mudasse de vida ou saísse de casa. Ele

tinha, nessa época, 14 anos e optou por ir morar com o traficante que

sustentava seu vício e sua vaidade. Desespero para os pais, que não

voltaram atrás na sua decisão e mais nada puderam fazer. Recebiam

notícias dele mas não o viram mais. Com a morte desse traficante, Ricardo

chegou ao fundo do poço indo morar na rua e foi recolhido pelo serviço

SOS Resgate, aos 17 anos. Submeteu-se ao tratamento necessário para

drogadição e recebeu o apoio, incondicional de seus familiares. Puderam,

então, discutir suas relações e descobriram, juntos, que o amor era mais

importante. Isso fez com que a família se reestruturasse, e hoje Ricardo é

um homem que formou sua própria família e conseguiu controlar sua

adicção e ser um exemplo para muitos amigos. Renata nunca se envolveu

com nenhum tipo de droga, é casada, tem dois filhos e tem uma vida

profissional muito bem elaborada. Rose e Roberto vivem harmoniosamente

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e tão fortalecidos que trabalham com recuperação de adictos, tendo como

exemplo sua própria história.

Família Nº. 3 (Fev/2010)

Composta, hoje, por 4 pessoas

• Nelson, marido, 70 anos

• Zaíde, esposa, 59 anos

• David, 33 anos

• Ronaldo, 22 anos

David, filho de Nelson do primeiro casamento, foi abandonado pela mãe

quando houve a separação do casal e, desde então, criado somente pelo

pai que contraiu novas nupcias quando ele tinha 6 anos de idade.

Zaíde, a madrasta, nunca considerou David como filho, mantendo-o sempre

distante e impossibilitando um convívio mais íntimo. Com o nascimento do

irmão Ronaldo, quando David tinha 10 anos, o relacionamento com a

madrasta só piorou. Ao completar 16 anos David conheceu a cocaína

tornando-se dependente dela. Os problemas ocasionados por essa

dependência foram terríveis mas Nelson nunca desistiu dele e apesar dos

protestos da esposa, saía pelas madrugadas, a sua procura, resgatando-o

muitas vezes das mãos dos traficantes que o mantinham dentro da favela

enquanto tivesse dinheiro para pagar pelo pó. Várias vezes o pai o

encontrou jogado na rua como se mendingo fosse. Foram muitas

internações até ele entender que era amado pelo pai e que sua vida

dependia mais dele mesmo do que de outra pessoa qualquer. Neste dia

passou a se amar em primeiro lugar. Até hoje David trava uma batalha

diária contra as drogas. Se dedica como conselheiro em uma clinica

especializada no tratamento e recuperação de dependentes químicos, e

sua história serve de exemplo de como é possível viver dignamente sem as

drogas, mora sozinho, ama o pai, para ser saudável em sua plenitude,

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aceitou de forma construtiva toda a falta de amor da mãe e o desprezo da

madrasta mantendo um convívio amigável com as duas, buscando a

comunhão familiar e cuidando para que o irmão não repita seus erros.

Família Nº. 4 (Nov/2009)

Composta hoje por 4 pessoas

• Mãe

• Pai

• Breno

• Bruno

Bruno veio para o atendimento com dificuldade de aprendizagem no início

do segundo semestre deste ano. Era um menino tímido e pouco falava.

Quando sua mãe foi chamada para uma entrevista, percebemos nela um

cheiro de chiqueiro de porcos, vestia-se com poucos cuidados de higiene e

quase sem dentes na boca. Iniciamos o trabalho de conscientização de

higiene e bem estar envolvendo toda a família e Bruno que logo se

recuperou, conseguindo transpor os limites que o impediam de estudar.

Passou de ano e hoje esta mais sociavel e confiante.

Breno apresenta um quadro de dislexia. É um menino alegre, extrovertido,

amoroso e com muita dificuldade de aprendizagem. Está sendo

acompanhado pela Fonoaudiologia e Psicologia e já apresenta melhoras.

Tudo isso torna-se possível porque sua mãe, apesar de analfabeta, passou

a cuidar-se, utilizando a rede social disponível na comunidade onde reside

e demonstra muito interesse pelos estudos dos filhos, acompanhando-os

ao colégio e ao Instituto, onde recebem atenção especializada e

acompanhamento no reforço escolar. O pai, mesmo sendo semi-analfabeto,

faz questão de manter a mãe cuidando dos filhos, e consegue manter sua

família com um pequeno salário. Essa família é muito pobre mas consegue

se unir no esforço de apresentar a seus filhos tudo de melhor que podem

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oferecer, mantendo suas crenças e melhorando seu processo de

comunicação.

3.2 – Famílias não resilientes

Família Nº. 5 (Fev/2010)

Composta, hoje, por 2 pessoas

• Laís, mãe, 62 anos

• Gilberto, filho, 21 anos

• Alberto, pai, falecido em 1993

• Marcos, filho, falecido em 2005 com 24 anos

Laís conta que seu marido era alcoolista e morreu de infarto e

complicações clinicas e nessa época Gilberto estava com 4 anos. Marcos

vivenciou muitas brigas entre os pais todas as vezes que chegava em casa

alcoolizado. Laís nunca aceitou o alcoolismo do marido como doença e

encarava como falta de responsabilidade para com a família. Hoje ela

percebe o quanto foi imprudente, pois sua postura só contribuiu para que

seus filhos seguissem o pai, por caminhos ainda piores. Marcos se

envolveu com o tráfico tornando-se dependente de drogas e praticando

furtos, sendo preso por 8 meses e, ao ser libertado teve que morar na rua

pois havia sido ameaçado por traficantes da comunidade onde morava.

Acabou morto e seu corpo jogado num matagal. Até hoje a causa da morte

é desconhecida. Gilberto sempre participou de todo esse sofrimento com o

pai e o irmão mas, também se envolveu com as drogas o que o levou a

uma primeira internação. Hoje mãe e filho frequentam o grupo de pós

internação chamado de 2ª. Etapa no tratamento da dependência química e

fazem 32 dias que o filho “está limpo” e trabalhando. No grupo familiar Laís

encontra a ajuda necessária e se proprõe a mudanças de comportamento

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para a manutenção da família, observando cuidados diários para superar

as adversidades ocasionadas por escolhas inadequadas.

Família Nº. 6 (Fev/2010)

Composta anteriormente de 4 membros

• Marcia, mãe, 66 anos

• João, pai, 66 anos

• Marta, filha, 38 anos

• João Junior (Jr.), filho, falecido aos 30 anos, hoje estaria com 33

anos.

Marcia revela que seu filho João Junior iniciou sua adicção aos 15 anos de

idade e que nunca permitiu que ninguém o ajudasse. Apanhou muito do pai

que achava ser essa a melhor forma de lidar com o filho. O efeito sempre

foi o contrário do que desejava pois Jr. se entregava cada vez mais a sua

dependência em cocaína. Aos 22 anos de idade pediu ajuda a família e

Marcia toma para si essa responsabilidade. Iniciam-se as internações em

Clínicas especializadas mas, Jr. nunca conseguiu se recuperar, e morreu

instantaneamente com um tiro na nuca, desferido por um segurança

(também envolvido com o tráfico), em uma praça próxima da residência dos

pais. Marcia conta que sua relação com o marido sempre foi dificil, (sic) “ele

sempre foi muito agressivo e isso em nada contribuiu para unir nossa

família, pelo contrário”. Enquanto Jr. era vivo, Marta saiu de casa e foi

morar sozinha pois não suportava conviver com a agressividade dentro de

casa e necessitava de paz e tranquilidade para prosseguir em seus

estudos. Hoje Marta é casada e tem duas filhas e recorre a ajuda de Marcia

quando necessita. Requisita muito a presença da mãe e não permite que

seu pai, sequer, fale com ela ao telefone, procura trata-lo sempre com

muita distancia, não faciliatando um convivio mais intimo. Com o

falecimento de Jr. seu relacionamento com o marido João vem piorando a

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cada dia. Vivem em quartos separados há mais de 12 anos. As agressões

verbais são constantes, a falta de respeito de um pelo outro só vem

aumentando a medida em que também aumenta o alcoolismo do marido.

Os dois se desprezam e Marcia pensa que a solução é o divórcio e

prepara-se para isso.

O que podemos observar e comentar sobre as narrativas apresentadas

é que as famílias apresentadas como resilientes conseguem superar todas

as adversidades contando com o amor assertivo, mantendo uma

comunicação aberta e sincera, envolvendo afeto e reciprocidade na

relação, aproveitando os sistemas ecológicos disponíveis, extraindo

significado das adversidades. Pessoas resilientes creem ser um

desperdício de tempo e energia ficar se lamentando ou cuidando de velhas

feridas e, tomando atitudes contrárias, examinam a experiência e extraem

dela lições valiosas no direcionamento ao futuro. Aceitam o que aconteceu

e qualquer cicatriz que persistir, tentam incorporar o que aprenderam em

tentativas de vidas melhores se esforçando para que outros venham a

aprender com a sua experiência.

Várias famílias, principalmente as de comunidades pobres, são

abaladas com problemas continuados e estresses persistentes que

comprimem seu funcionamento. Uma abordagem de resiliência familiar se

faz necessária e torna-se benéfica às famílias que passaram a se sentir

esgotadas e derrotadas por frustração e fracasso repetidos. Voltando a

atenção para o seu potencial, essas famílias conquistam uma sensação de

esperança e confiança de que vencerão a persistente adversidade.

As crises muitas vezes estão inseridas em problemas da comunidade e

da sociedade mais ampla, e devem ser tratadas. Elas, também, podem ser

provocadas pela lembrança ativa de traumas passados, que necessitam ser

compreendidos e incorporados, aumentando assim a resiliência.

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“Como observa Harry Aponte (1994), os pobres, tragicamente,

tornaram-se nosso “canário na mina” – seu sofrimento é uma advertência

da toxidade do nosso ambiente social. A situaçào difícil das famílias pobres

desafia todos nós a enfrentarmos essa toxidade. Devemos direcionar

nossos esforços para restaurar a saúde, não apenas a essas famílias, mas

também à comunidade e à sociedade em geral” (Walsh, 2005, p. 227).

Problemas recorrentes e repetidos abalam as estruturas da família. Os

desafios persistentes sobrecarregam o sistema e esgotam os recursos.

Uma abordagem sistêmica causa a compreensão de muitas ações

interligadas nos processos familiares no decorrer do tempo e o que significa

e o impacto dos fatos estressantes.

“Manter um enfoque familiar nem sempre significa ver toda a família

junta. Implica em manter uma visão sistêmica que reconheça as

importantes conexões de todos os membros da família, incluindo aqueles

que estão ausentes, como pais adotivos anteriores, um pai que morreu,

mora afastado ou está preso, ou membros que simplesmente se recusam a

participar dos encontros familiares” (Walsh, 2005, p. 230).

Quando nos tornamos capazes de entender a família como uma rede

entrelaçada em relacionamentos e identificar os padrões que unem os

familiares, problemas e soluções possíveis, começamos a encontrar

significado em situações complicadas e aumentamos a possibilidade de

sucesso.

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CONCLUSÃO

A resiliência é promovida quando a dificuldade, a tragédia, o fracasso ou o desapontamento também podem ser vistos como instrutivos e servir a um impulso para a mudança e o crescimento. Identificamos quatro fases para essa ocorrência que são: a coesão ou o reconhecimento comum da realidade da perda; uma comunicação franca e compartilhamento da experiência; a reorganização do sistema familiar; e dedicação a outras relações e outros objetivos de vida.

Na promoção da resiliência, os traços de personalidade como temperamento, auto-estima, esperança e otimismo, e os fatores de proteção como o sentimento básico de vínculo com a rede de parentesco, o carinho, afeto, apoio emocional e apoio comunitário, presentes no contexto social e da família, são importantes. As intervenções psicosociais preventivas aumentam a força e a resiliência.

Quanto aos processos fundamentais no fortalecimento da resiliência é importante avaliar os pontos fortes e fracos da família. Analisar em que a família acredita, seu sistema de organização e a maneira como se comunica.

Nas crenças familiares é importante extrair o significado das adversidades valorizando a união baseada na relação, direcionando o ciclo de vida familiar com a regularização e contextualização da adversidade e da angústia. É necessárioa obter o senso de coerência, encarando a crise como um desafio significativo, compreensível e administrável, analisando a crise, a angústia e a recuperação entre as crenças facilitadoras em contraste com as crenças obstrutivas. Manter uma iniciativa ativa e perseverante e manter a esperança numa visão otimista, confiando na superação das dificuldades. Manter, também, a concentração na força e no potencial, enfrentando o possível e aceitando o que não pode ser mudado. Em relação a transcedência e espiritualidade manter valores mais amplos, a fé, a comunhão, os rituais, transformando aprendizagem e crescimento a partir da adversidade.

Em relação ao sistema de organização é importante existir: flexibilidade; competência para a mudança, recuperando, reorganizando, adaptando-se e ajustando-se aos desafios ao longo do tempo. Deve existir

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compensação por meio da estabilidade permitindo a continuidade e segurança durante a perturbação.

Manter a conexão com apoio mútuo, colaboração e compromisso, respeitando as necessidades, diferenças e limites individuais. Observar os recursos sociais e econômicos com a mobilização dos familiares e apoio social, construir uma segurança financeira, obtendo equilíbrio entre as tensões familiares e profissionais.

Quanto a comunicação na família é necessário: clareza com mensagens claras, consistentes, esclarecimento de situação ambígua, buscando e falando a verdade; expressão emocional aberta compartilhando sentimentos de alegria, tristeza, raivas, esperanças e temores; empatia mútua com tolerância para com as diferenças; responsabilidade pelos próprios sentimentos e comportamento, evitando responsabilizar o outro; interações prazerosas, humor; resolução colaborativa dos problemas; discussão criativa, desenvoltura; tomada de decisão compartilhada, negociação, justiça, reciprocidade; concentração nos objetivos, dar passos concretos, acreditar no sucesso, aprender com o fracasso; manter uma postura próativa, evitando problemas e crises, preparando-se para os desafios futuros. As vezes uma palavra, uma demonstração de interesse pelo outro, uma orientação correta, o encorajamento de um comportamento assertivo, torna-se um estímulo precioso para desenvolver resiliência.

O enfoque na resiliência familiar é inovador porque deixa de ver a família como uma entidade prejudicada, fragilizada, para vê-la como uma entidade desafiada.

A família pode ser ajudada na decisão de usar recursos comunitários e a identificar os recursos potenciais das relações humanas dentro e fora do lar. É importante que a família tenha a lembrança de como viveu, anteriormente, situações desafiantes.

A família é uma fonte potencial de resiliência, ou seja, de recursos. Ela pode ser protegida se a resiliência é estimulada. Entretanto, se a família não puder contar, em hipótese nenhuma, com o apoio comunitário, mesmo aquelas com capacidade para a resiliência, podem dissociar-se, pois o otimismo e a esperança, fatores chave da resiliência, exigem sensibilidade social para poder melhorar a situação e as perspectivas da família.

“Qualquer um que não tenha experimentado o fracasso não conheceu o sucesso” (Albert Einstein).

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I – Conceito de Resiliência 10

CAPÍTULO II – Processos fundamentais para fortalecer a resiliência 17

4. Sistema de crenças 20

5. Processos Organizacionais 23

6. Processos de Comunicação 25

CAPÍTULO III – Histórias Familiares 29

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

WEBGRAFIA 42

ÍNDICE 43

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Instituto A vez do Mestre

Título da Monografia: Resiliência Familiar – Superando Adversidades

Autor: Jorgenéa Silva Machado

Data da entrega: 30 de julho de 2010

Avaliado por: Fabiane Muniz Conceito: