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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ENSINAR A LER E ECREVER: UM GRANDE DESAFIO! Por: Vaneza Freitas Alves Orientadora Prof. Maria Esther de Araújo Oliveira Niterói 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ENSINAR A LER E ECREVER: UM GRANDE DESAFIO!

Por: Vaneza Freitas Alves

Orientadora

Prof. Maria Esther de Araújo Oliveira

Niterói

2005

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ENSINAR A LER E ESCREVER: UM GRANDE DESAFIO!

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em

Supervisão Escolar. Por: . Vaneza Freitas Alves.

3

AGRADECIMENTOS

....à todos os meus professores -

inspiração da minha vida profissional e

pessoal também - , à minha mãe, aos

meus irmãos, aos amigos e parentes...

4

DEDICATÓRIA

....dedico à minha querida mãe Maria Lina,

pelo incentivo, apoio e paciência... sem

ela, eu não seria quem sou... aos meus

irmãos Rodrigo e Rafael, aos meus alunos,

sem eles eu não estaria onde estou...

5

EPÍGRAFE

“Quando nada parece dar certo, vou ver o cortador de pedras martelando

sua rocha talvez 100 vezes, sem que uma única rachadura apareça. Mas na

centésima primeira martelada a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi

aquela que conseguiu isso, mas todas as que vieram antes.” (Jacob Riis)

6

RESUMO

A presente pesquisa aborda um dos assuntos mais discutidos atualmente,

na área de educação: o fracasso escolar. Objetiva diagnosticar a origem

principal desse problema que assombra e assola o país, trazendo graves

conseqüências como a evasão, que é a “má alfabetização”. Apontando, através

de uma pesquisa bibliográfica, as dificuldades que os alunos das séries iniciais

da Escola Pública apresentam no processo de aquisição da leitura e escrita –

excluindo os bio-fisiológicos – e os de natureza pedagógica – e portanto de

responsabilidade da escola e de seus profissionais – busca-se trazer para os

professores, soluções a respeito dessas situações.

No primeiro capítulo desse estudo, será apresentado um breve histórico

sobre a Alfabetização e Letramento, conceituando-os e distinguindo-os um do

outro. Na segunda parte, o leitor encontrará dados sobre o analfabetismo no

Brasil e a análise de alguns motivos que levam ao fracasso no ensino da língua

escrita.

Em seguida, são apresentadas as razões pelas quais os alunos deixam

de aprender a ler e escrever, como as dificuldades inerentes à todas as crianças,

os problemas pedagógicos, início e fim em si mesmo (origem e solução dessa

problemática) e algumas questões sociais e econômicas envolvidas.

Por fim, a quarta parte desse trabalho é dedicada a nortear os docentes a

vencer esse desafio, de ensinar a ler e escrever, mostrando as vantagens de se

alfabetizar letrando desde a pré-escola, com variedades de textos, como medida

para a formação de alunos leitores e escritores, ou seja, indicando solução para

a formação de cidadãos plenos e para o fracasso escolar.

7

METODOLOGIA

Após coleta de dados, realizada ao longo do 1o semestre de 2005, em

biblioteca da Universidade Federal Fluminense, Universidade do Estado do Rio

de Janeiro, e com base em análise bibliográfica de autores importantes na área

de educação e alfabetização, o presente estudo pretende apontar os desafios

que os docentes têm que ultrapassar para ensinar seus alunos a ler e escrever,

discutindo as dificuldades “naturais” que essas crianças das séries iniciais, da

Escola Pública apresentam no processo de Alfabetização, algumas questões

sociais e econômicas, e principalmente os problemas pedagógicos que

acarretam uma “má alfabetização”, origem do fracasso escolar brasileiro.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I - Alfabetização e Letramento 11

1.1- Contextualização histórica

11

1.2- Conceito de Alfabetização 12

1.3- Métodos tradicionais de Alfabetização 12

1.4- Letramento 15

1.5- Alfabetização x Letramento 18

CAPÍTULO II – Origem do Fracasso Escolar 21

2.1- O analfabetismo no Brasil 21

2.2- Fracasso no ensino da língua escrita 22

CAPÍTULO III – Os motivos pelos quais os alunos deixam de aprender a ler

e escrever 25

3.1- As dificuldades que os alunos das séries iniciais da

Escola Pública apresentam no processo de Alfabetização 25

3.2- Problemas Pedagógicos 27

3.3- Algumas questões sociais e econômicas 29

9

CAPÍTULO IV – O desafio de ensinar a ler e escrever 31

4.1- Alfabetizar letrando desde a Pré – Escola 31

4.2 - Alfabetização com textos variados 34

4.3 - Formando leitores e escritores 36

CONCLUSÃO 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 40

ÍNDICE 43

FOLHA DE AVALIAÇÃO

10

INTRODUÇÃO

Um dos assuntos mais abordados no cenário educacional, há alguns

anos, diz respeito ao Fracasso Escolar. Culpam-se sempre ou quase sempre o

aluno. Discutem-se tudo: percentagens de alunos ditos “fracassados”, política,

economia, religião, dentre outros... Porém, raramente procuram estudar uma das

principais origens, verdadeira, do problema: a ação pedagógica. Claro que essa

questão é bastante complexa... Mas em relação à ação pedagógica, a

problemática tem início no ensino da língua escrita, no processo de alfabetização,

que dentre outros motivos, desconsidera o aluno e se presta a cada vez mais

alimentar o quadro do Fracasso Escolar.

A monografia a seguir objetiva desvendar o porquê de um grande

número de alunos das séries iniciais da Escola Pública, terem dificuldades no

processo de aquisição de leitura e escrita (excluindo os problemas bio-

fisiológicos), isto é, as verdadeiras causas do fracasso no processo de

alfabetização; demonstrando através da análise de alguns autores importantes a

eficácia de se “alfabetizar letrando” desde a pré-escola. Também tratará de

mostrar porque há tanta resistência por parte de um número significativo de

11

alunos à leitura. Os motivos que conduzem ao fracasso pedagógico na formação

de alunos leitores, nas escolas públicas brasileiras, será o foco desta pesquisa.

CAPÍTULO I

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

“a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta

implica a continuidade da leitura daquele.”

(Paulo Freire)

1.1- Contextualização Histórica

Segundo José Juvêncio Barbosa, em seu livro: “Alfabetização e leitura”; a

abordagem tradicional de alfabetização, teve origem no ensino coletivo e

simultâneo, nos anos de 1880, na Europa.

Os métodos utilizados eram o sintético, o analítico e o analítico - sintético.

Quanto a concepção de escrita, a língua era vista como objeto de análise e objeto

de uso; sem autonomia quanto ao significado; saber era escolar.

12

A característica principal do leitor era a de adquirir o hábito de sonorizar a

escrita: um leitor de letras. O material de leitura era quase sempre a cartilha, o

quadro negro e a literatura infantil. As atividades de escrita eram baseadas em

escrita de um modelo: cópia, ditado, redação, leitura oral; escrita de sons

(problemas ortográficos: a palavra é escrita como se pronuncia); simulação de

situações escrita (redação escolar).

A leitura era baseada na decifração; leitura silabada, lenta; estacionada no

tempo; dificuldade quanto ao significado; tendência à vocalização; tendência à

regressão no texto.

As etapas de ensino eram: pré - alfabetização (pré–escola); alfabetização

e pós alfabetização. Os pré-requisitos para a aprendizagem eram a maturidade

para leitura e escrita.

1.2- Conceito de Alfabetização

Segundo Gramsci1: ”alfabetização é uma prática social, que devem estar

historicamente vinculados, por um lado, a configurações de conhecimento e de

poder e, por outro , à luta política e cultural pela linguagem e pela experiência”.

Para Soares:

“Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas, para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos.”2

1 GRAMSCI, aput TFOUNI, Letramento e Alfabetização. São Paulo: Cortez 2 In RIBEIRO, V. M. Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003, p. 91.

13

1.3. Métodos Tradicionais de Alfabetização

Os métodos tradicionais de Alfabetização procuram desenvolver as

habilidades que a criança deve possuir para aprender a ler e escrever. Mas,

somente a presença dessas habilidades não é garantia de sua plena utilização

em tarefas mais complexas, como a leitura de um livro, a escrita de uma poesia,

ou mesmo a execução correta de um manual de instrução qualquer. A chave para

a utilização dessas habilidades e o incentivo desse interesse em aprender a ler é

o contexto social.

Entre os métodos empregados para a Alfabetização, alguns têm sua

origem remota. Os principais são o sintético, que parte da letra e da sílaba para a

palavra, e o analítico, que parte de frases inteiras e as decompõe nos elementos

constitutivos, as palavras. Os dois podem se utilizar da cartilha.

1.3.1. Método sintético

O método sintético consiste, fundamentalmente, na correspondência

entre o oral e o escrito, entre o som e a grafia. Estabelece a correspondência a

partir dos elementos mínimos que são as letras, em um processo que consiste

em ir das partes ao todo. Durante muito tempo se ensinou a pronunciar as letras,

estabelecendo-se as regras de sonorização de escrita no seu idioma

correspondente. Os métodos alfabéticos mais tradicionais, aceitam essa postura.

Posteriormente, sob a influência da Lingüística, desenvolve-se o método

fonético, propondo que se comece do oral. A unidade mínima do som da fala é o

fonema. Assim, neste processo iniciar-se-ia pelo fonema, associando-o à sua

representação gráfica. É preciso que o sujeito seja capaz de isolar e reconhecer

os diferentes fonemas de seu idioma, para poder, a seguir, relacioná-los aos

sinais gráficos.

14

A ênfase está na análise auditiva para que os sons sejam separados e

estabelecidas as correspondências grafema-fonema.

Cita-se alguns princípios do método citado: a) pronúncia correta para

evitar confusões entre os fonemas; b) grafias de formas semelhantes devem ser

apresentadas separadamente para evitar confusões visuais entre as elas; c)

ensinar um par de grafema-fonema de cada vez, sem passar para outro enquanto

a associação não estiver bem memorizada, e d) iniciar com os casos de

ortografia regular, isto é, palavras nas quais a grafia coincida com a pronúncia.

Na aprendizagem em primeiro lugar, está a mecânica da leitura

(decifração do texto), sendo que posteriormente se teria a leitura com

compreensão, culminando com uma leitura expressiva com entonação.

Sejam quais forem às divergências entre os defensores do método

sintético, todas as correntes concordam com o seguinte: inicialmente a

aprendizagem da leitura e escrita é uma questão mecânica; trata-se de adquirir

uma técnica para decifrar o texto, porque se concebe a escrita como a

transcrição gráfica da linguagem oral e ler equivale a decodificar o escrito em

som.

1.3.2. As cartilhas

São a tentativa de coordenar todos esses princípios e pressupostos :

evitar confusões auditivas e ou visuais; apresentar um fonema e seu grafema

correspondente por vez; trabalhar com os casos de ortografia regular. Por isso, a

utilização das sílabas sem sentido, o que acaba acarretando a dissociação do

som em relação ao significado, e portanto, a leitura da fala.

15

Encontra-se na aplicação desse método a proposição da aprendizagem

em dois momentos descontínuos : quando não se sabe, é necessário passar por

uma etapa mecânica; quando já se sabe, chega-se à compreensão (leitura

mecânica, compreensiva).

1.3.3. O método analítico

Para os defensores do método analítico, ao contrário, a leitura é um ato

global e ideovisual. Decroly contesta os postulados do método sintético,

acusando-o de mecanicista, e postula que " no espírito infantil as visões de

conjunto precedem a análise". O prévio, segundo o método analítico, é o

reconhecimento global de palavras ou orações; a análise dos componentes é

uma tarefa posterior. Não importa a dificuldade auditiva daquilo que se aprende,

já que a leitura é uma tarefa predominantemente visual.

Propõe-se ainda a necessidade de começar com unidades significativas

para a criança, daí a denominação ideovisual.

Apesar de existirem grandes diferenças entre os dois métodos, e de

apoiarem-se em diferentes concepções tanto do funcionamento psicológico do

sujeito, quanto em diferentes teorias de aprendizagem, essas, referem-se

principalmente ao tipo de estratégia perceptiva em jogo, auditiva para uns, visual

para outros. Não se distinguem claras diferenças entre métodos de ensino e

processos de aprendizagem do sujeito.

A confusão entre métodos e processos leva à seguinte conclusão: os

sucessos na aprendizagem são atribuídos ao método, ou a quem os transmite, e

não ao sujeito que aprende. A ênfase dada à habilidades perceptivas descuida-

16

se de aspectos fundamentais tais como: a competência lingüística das crianças e

suas capacidades cognoscitivas.3

1.4. Letramento

Letramento é palavra recém-chegada ao vocabulário Educação e das

Ciências Lingüísticas: e na segunda metade dos anos 80, há cerca de apenas

dez anos, portanto, que ela surge no discurso dos especialistas dessas áreas.4

Segundo Mary Kato: ”a língua falada é conseqüência do letramento”5.No

entender de Leda Verdiani Tfouni: “distingue alfabetização de letramento: talvez

seja esse o momento em que letramento ganha estatuto de termo técnico no

léxico dos campos da Educação e das Ciências Lingüísticas”.

Desde então, a palavra torna-se cada vez mais freqüente no escrito e

falado de especialistas, de tal forma 1995, já figura em título de livro organizado

por Ângela Kleiman: “Os significados do letramento: uma nova expectativa sobre

a pratica social da escrita.”

Novas palavras são criadas quando emergem novos fatos, novas idéias,

novas maneiras de compreender os fenômenos. Que novo fato, ou nova idéia, ou

nova maneira de compreender a presença da escrita no mundo social trouxe a

necessidade desta nova palavra: letramento.

3 ZACHARIAS, Vera Lúcia Camara F. . Métodos tradicionais.Disponível em: http://www.centrorefeducacional.pro.br/metodo.html. Acesso em 11 jul. 2005. 4 Uma das primeiras ocorrências está em livro de Mary Kato, No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística: São Paulo: Ática, 1986.

5 KATO, Mary. op. cit., p. 7.

17

Se a palavra letramento ainda causa estranheza a muitos, outras palavras

do mesmo campo semântico sempre foram familiares analfabetismo, analfabeto,

alfabetizar, alfabetização, alfabetizando e, mesmo, letrado e iletrado.

Analfabetismo, define o Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é o

estado ou condição de analfabeto, e analfabeto é o que não

sabe ler e escrever, ou seja, é o que vive no estado ou condição de quem não

sabe ler e escrever, a ação de alfabetizar, isto é, segundo o Aurélio, de ensinar a

ler, é designada por alfabetização, e alfabetizado é aquele que sabe ler e

escrever. Já letrado, segundo o mesmo dicionário , é aquele versado em letras,

erudito, e iletrado é aquele que não tem conhecimentos literários e também o

analfabeto ou quase analfabeto. O dicionário Aurélio não registra a palavra

letramento. Essa palavra aparece, porém, num dicionário da língua portuguesa

editado há mais de um século.6 O verbete letramento caracteriza a palavra como

“ant”, isto é, antiga antiquada, e lhe atribui o significado de escrita, o verbete

remete ainda para o verbo “letrar” a que, como transitivo direto, atribui a acepção

de investigar, soletrando e, como pronominal letrar-se, a acepção de adquirir

letras ou conhecimentos literários, significados bem distantes daquele que hoje

se atribui a letramento.

A palavra analfabetismo é familiar aos brasileiros, usa-se a mesma, há

séculos, ela já está presente em textos do tempo em que o país era Colônia de

Portugal. É um fenômeno interessante: usa-se, há séculos, o substantivo que

nega7, e não havia necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou

letramento.

Palavras novas aparecem quando novas idéias ou novos fenômenos

surgem. Convive-se com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e

escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos

6 AULETE, Caldas de: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 1948 7 Recorde a analise da palavra analfabetismo na página 30: a(n) + alfabetismo = privação de alfabetismo.

18

se tem enfrentado problemas de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e

escrever, portanto: o fenômeno do estado ou condição de analfabeto ainda

existe, e por isso sempre houve um nome para ele: analfabetismo.

A medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada

vez maior de pessoas aprende a ler e escrever, e à medida que,

concomitantemente , a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na

escrita, um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a

escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não

necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não

necessariamente adquirem competência para usá-las, para envolver-se com as

práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir

um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um

formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta,

não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de

trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio, entre outras. Esse novo

fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema

do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político

traz novas, intensas e variadas práticas da leitura e de escrita, fazendo

emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o

novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge

na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e

para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento.

1.5- Alfabetização x Letramento

Por muito tempo a alfabetização foi entendida como a aquisição de um

código, fundado na relação entre fonemas e grafemas. Numa sociedade formada

em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de leitura e

19

escrita, a simples consciência fonológica, que permitia a associação de sons e

letras para escrever palavras e frases simples, parecia ser suficiente para

distinguir o alfabetizado do analfabeto.

Mas com o passar dos anos, a superação do analfabetismo em massa e

a cada vez maior, complexidade de nossas sociedades, fazem surgir maiores e

mais variadas práticas do uso da língua escrita. São tão intensos os apelos que o

mundo letrado exerce sobre as pessoas, que não basta somente a capacidade

de decifrar o código da leitura. Pois praticamente em todos os povos do mundo,

a exigência da língua escrita existe não mais como conhecimento desejável, mas

como condição essencial para a sobrevivência e a conquista da cidadania.

Hoje em dia, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema

da escrita da língua, é poder comprometer-se em práticas sociais letradas.

Assim, enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por

um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-

históricos da aquisição de uma sociedade, como disse Leda Verdiani Tfouni.8

Preocupada também em diferenciar as práticas escolares de ensino da

língua escrita e a dimensão social das diversas manifestações escritas em cada

comunidade, Kleiman define o letramento como:

“...um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns

8 TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.

20

tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita.” 9

Segundo Magda Soares:

“Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvam a língua escrita – o letramento.” 10

A autora diz também que os dois são processos independentes, mas ao

mesmo tempo interdependentes, e indissociáveis, onde a alfabetização se

realiza no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, ou seja,

através de atividades de letramento, e este, somente poderá desenvolver-se no

contexto da e por meio da aprendizagem da leitura e escrita, isto é, da

alfabetização.

9 KLEIMAN, Angela B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.

21

CAPÍTULO II

ORIGEM DO FRACASSO ESCOLAR

“A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer

coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram.

Homens que sejam criadores, inventores, descobridores.”

(Jean Piaget)

2.1- O Analfabetismo no Brasil

Por quase infinitas razões é muito grande o número de pessoas que não

tiveram acesso à escola na fase da infância. Em quase todo o mundo elas

formam um enorme grupo de analfabetos, que se vêem privados da participação

plena nas possibilidades culturais oferecidas pela sociedade em que vivem.

10 SOARES, M agda. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

22

Porém esse problema é mais urgente nos países menos desenvolvidos, que não

possuem condições de estabelecer uma rede de ensino que atenda a suas

populações. O problema torna-se mais grave ainda devido ao crescimento

demográfico contínuo e acelerado que se verifica nesses lugares.

Falando especificamente do Brasil - que se enquadra perfeitamente nos

países menos desenvolvidos - nos dias atuais há cerca de 20 milhões de

analfabetos. Segundo IBGE11, o índice nacional é de 16.295.000 pessoas

analfabetas, sem contar um grande número de indivíduos que, embora

formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos longos, localizar ou

relacionar as informações lida.

Além disso entre as crianças, mais da metade das que chegam à 4a

série não têm apresentado um rendimento adequado em leitura. Quase 30%

dessas crianças não sabem ler. Isso quer dizer que mesmo para as crianças que

têm acesso à escola e que nela permanecem por mais de 3 anos, não existe

garantia de autonomia às práticas sociais de leitura e escrita. Acontece o que é

chamado de alfabetização funcional, em que a pessoa acaba aprendendo

apenas para a sua sobrevivência.

Sem levar em consideração a qualidade, o ensino no Brasil é

praticamente universalizado, com 97% das crianças de 7 a 14 anos na escola.

Então o que está acontecendo? Por que parte significativa de nossas crianças

não se alfabetizam? Não se está dando a devida importância ao processo de

alfabetização?

Sabe-se que os motivos são diversos e não há aqui a pretensão de

analisá-los a exaustão. Porém em relação à ação pedagógica, a problemática

tem início no ensino da língua escrita, no processo de alfabetização,

permanecendo durante toda a caminhada escolar do aluno, onde a criança é

11 IBGE, Censo Demográfico: Mapa do analfabetismo no Brasil. Brasília: MEC/INEP 2003

23

prejudicada quando o trabalho apresenta falhas, pois uma criança analfabeta, ou

que foi mal alfabetizada não tem compreensão da realidade.

2.2- O Fracasso no Ensino da Língua Escrita

A má alfabetização acarreta conseqüências graves como a evasão. A

criança perde a vontade de estudar quando confunde as palavras, pois não

consegue aprender. Com isso, a escola, ao invés de ajudá-lo, o retêm anos e

anos até eliminá-lo de suas salas de aula. Engrossando mais e mais o quadro, já

delatado, do fracasso escolar.

Uma das explicações dadas para o fracasso da alfabetização no Brasil é

a de que a democratização do acesso à educação, ocorrida a partir dos anos 70,

levou a escola a lidar com crianças que teriam, em razão de suas condições de

vida, sérias deficiências culturais e lingüísticas, que acarretariam dificuldades de

aprendizagem. Teriam problemas de indisciplina e não valorizariam a escola.

Sua linguagem oral seria muito distante da língua escrita. Em seu ambiente

familiar não vivenciariam os usos da escrita, nem conviveriam com pessoas que

valorizassem esse aprendizado. Seus pais teriam pouco interesse pela escola.

No entanto, diferentes estudos mostram também que, ao contrário do que em

geral se afirma, essas crianças possuem um adequado desenvolvimento cultural

e lingüístico e que é a escola que apresenta sérias dificuldades para lidar com a

diversidade cultural, lingüística e mesmo étnica da população brasileira.

Não deve haver lugar para o fracasso, a excelência deve ser substituída

pela busca ao desenvolvimento de competências e habilidades. É permitido ter

dificuldade, só não é permitido que se renuncie à busca de uma solução, de uma

convivência, de uma gestão dessas dificuldades.

24

A leitura e a escrita é um compromisso de todas as disciplinas, de todos

os professores, mas a tendência é julgar que cabe somente ao professor de

Língua Portuguesa ensinar e desenvolver habilidades de leitura e escrita. Os

professores de outras disciplinas se queixam com o professor de Português de

que seus alunos não estão sabendo interpretar os textos de suas matérias. Não

percebem que essa responsabilidade não é só do professor de Português, nem

é inteiramente competente para desenvolver habilidade de leitura de um

problema de Matemática por exemplo, porque possui uma terminologia

específica. Também não é o professor de Língua Portuguesa quem vai ensinar

um aluno a ler um mapa, nem quem vai ensinar a ler um gráfico. A escrita de um

texto de Ciências ou de História, não é como escrever um conto, uma crônica,

são gêneros diferentes. Cada disciplina tem um tipo específico de texto que cabe

ao professor dessa área ensinar ao aluno a escrever ou a ler. Não é isso que se

vê porém, mesmo porque os professores das outras áreas não recebido

formação na área de leitura e produção de textos para que pudessem trabalhar a

leitura e a escrita com seus alunos.

25

CAPÍTULO III

OS MOTIVOS PELOS QUAIS OS ALUNOS DEIXAM DE

APRENDER A LER E ESCREVER

“A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o

contrário.”

(Emília Ferreiro)

3.1- As Dificuldades que os Alunos das Séries Iniciais da

Escola Pública apresentam no Processo de Alfabetização

26

Pesquisas sobre o processo de alfabetização vêm mostrando que, para

poder se apropriar do nosso sistema de representação da escrita, a criança

precisa construir respostas para duas questões pelo menos: 1) O que a escrita

representa? 2) Qual a estrutura do modo de representação da escrita?

No início do processo toda criança supõe que a escrita é uma outra forma

de desenhar as coisas. O que as crianças das séries iniciais não compreendem

é que a escrita representa a fala, o som das palavras e não o objeto a que o

nome se refere. Como num caso de uma professora do município de São

Gonçalo, que dava aula numa classe da 1a etapa do 1o ciclo12 (Alfabetização), em

que numa atividade, propôs aos alunos que formassem frases com a palavra

sobremesa, e uma das crianças

então escreveu: “Eu goisto de gelatina” , quando questionado pela professora em

relação à inadequação de sua escrita, ficou perplexo com a incapacidade de sua

professora em compreender algo tão evidente: “Gelatina, professora, é a

sobremesa que mais gosto”.

Uma outra dificuldade que se observa nesse início do processo de

alfabetização, é a da criança associar palavras pequenas à coisas pequenas e

palavras grandes à coisas grandes. A separação entre o conhecimento da letra e

das hipóteses da criança em relação à escrita é o que se vê. Em vez de

confirmar, a realidade, dentro da escola, desmente a teoria que o aluno construiu

sobre o que a escrita representa, e força-o a construir uma nova teoria, novas

hipóteses. A criança então constrói duas hipóteses que vão acompanhá-la

durante algum tempo no seu processo de alfabetização: a) é preciso um número

de letras – entre 2 e 4 – para que esteja escrito alguma coisa13 e, b) é preciso

um mínimo de variedade de caracteres para que uma série de letras “sirva para

ler”.

12 O município de São Gonçalo trabalha em forma de ciclos

27

A criança não faz distinção clara entre o sistema de representação do

desenho e o da escrita. O contato com os dois sistemas é que permite

estabelecer progressivamente essa distinção.

Antes de supor que a escrita é a representação da fala, o aluno faz várias

tentativas de construir um sistema parecido com a escrita adulta, diferenciando

as palavras na quantidade, posição e variação de letras utilizadas por ele para

escrevê-las.

A descoberta de que a escrita representa a fala leva a criança a formular

uma hipótese “falsa” e necessária: a hipótese silábica.

O que caracteriza essa hipótese é a crença de que cada letra representa

uma sílaba. Supor que cada letra é uma sílaba é falso em relação à concepção

adulta, mas dá a criança uma resposta à primeira questão “O que a escrita

representa?”, a fala. Porém essa hipótese é necessária, porque as crianças

precisam desses “erros construtivos” para chegar ao sistema alfabético.

Além disso, a hipótese silábica cria condições de contradição, entre o

controle silábico e a quantidade mínima de letras que uma escrita deve possuir

para ser interpretável. Também há contradição entre a interpretação silábica e as

escritas dos adultos, que possuem sempre mais letras.

Enfim, as dificuldades desse processo são muito mais de natureza

conceitual e muito menos perceptual.14

13 A idéia de que uma letra sozinha “não serve para nada”, “não diz nada”, dá uma pista para compreender a dificuldade das crianças, mesmo as mais avançadas, com a escrita isolada dos Artigos. 14 Artigo: Como se aprende a ler e a escrever ou, prontidão um problema mal colocado, de Telma Weisz,, publicado em Ciclo Básico, CENP/Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, 1988.

28

3.2- Problemas Pedagógicos

Todos os anos chegam à escola pública – nas séries iniciais - um número

significativo de crianças, dentre elas, umas poucas já sabem ler, mas a maioria

não sabe, ainda vai aprender. Porém, algumas crianças levam dois, três, quatro

anos ou até uma vida inteira para aprender a ler. Com certeza, na maior parte

dos casos, não se trata de um distúrbio que a criança possa ter.

Quando ingressam na escola, nas séries iniciais, as crianças são

submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, quase sempre

com exercícios de cópia ou ditados de palavras que já foram memorizadas.

Copiam sílabas, depois palavras e frases, e somente bem mais tarde são

solicitadas a produzir escritas de maneira espontânea, essa situação portanto só

acontece na escola, pois no dia-a-dia, as pessoas aprendem de outro modo:

fazendo, errando, tentando de novo até acertar.

A concepção tradicional de alfabetização dá prioridade ao domínio da

técnica de escrever, não importando o conteúdo, tanto que é muito comum

atividades de cópia de escritos que não fazem o menor sentido para a criança:

“Vovô viu a uva.”; “O boi baba”.

Nas classes de alfabetização a preocupação dos professores está mais

voltada para atividades que possibilitem apenas o domínio da escrita e da leitura

em seu sentido mais limitado.

O pensamento central é lançar a palavra-chave, desdobrá-la em famílias

silábicas, formar novas palavras etc. Parece centrar-se na forma, na busca do

melhor método ou da melhor cartilha, já que o conteúdo parece está definido: a

estrutura a análise da escrita.

29

O processo de alfabetização, mesmo quando dito construtivista,

mostrando a necessidade de se estar atento ao processo de construção da

criança, continua preparando primeiro para alfabetizar depois.

Não conseguindo estabelecer uma ponte entre o processo mecânico e

sem sentido e suas expectativas de leitura (gibi, figurinhas, rótulos etc.), a criança

desanima e acaba tomando como sua a incompetência da escola em lhes

garantir a apropriação desse saber.

Mas se os conteúdos selecionados fossem extraídos da necessidade da

criança em conhecer-se e ao mundo também, o processo de apropriação da

leitura e escrita não seria mais o mesmo. Garantiria as mais variadas vivências

possíveis com a escrita, no seu uso e na sua função social.

Como Emília Ferreiro disse, é preciso romper com os métodos

tradicionais de ensino, que não respeitam o saber das crianças e sua forma

natural de aprender a linguagem escrita.

As crianças não se lançarão ao desafio de escrever se houver uma

expectativa de que produzam textos escritos de forma convencional, porque no

início do processo da alfabetização, isso não é possível. Esse é um momento em

que os alunos precisam controlar dois aspectos fundamentais: o que escrever e

como escrever; e quando se está aprendendo é gerado dificuldades que devem

ser compreendidas pelo professor.

Ana Teberosky15 propõe: Escrever o próprio nome parece uma peça-

chave para começar a compreender a maneira pela qual funciona o sistema de

escrita.

15 TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. São Paulo: Trajetória, Unicamp, 1989.

30

É uma boa situação para trabalhar com modelos, já que informa sobre as

letras, a quantidade, a variedade, a posição e o ordem delas. Aprender a

escrever palavras do seu universo pode servir de referência para o aluno produzir

seus próprios textos.

3.3- Algumas Questões Sociais e Econômicas

Não deve haver profissionais de educação que aceite a exclusão “natural”

de algumas crianças, todas podem aprender sem exceção. Para isso é preciso

acabar com a crença de que filhos de pais analfabetos ou que não possuem

material suficiente de leitura em casa não têm condições de aprender a ler e a

escrever.

De fato, dados estatísticos (SAEB entre eles) mostram que o fracasso no

processo de aquisição de leitura e escrita, tende a se concentrar nas crianças

oriundas de meios menos favorecidos. No entanto diferentes estudos mostram

também que, ao contrário do que geralmente se pensa e se afirma, essas

crianças possuem um adequado desenvolvimento cultural e lingüístico e que é a

escola que apresenta várias dificuldades para lidar com essa diversidade

cultural, lingüística e étnica da população brasileira.

“A primeira coisa que a escola deve fazer é descobrir qual grau de

letramento das crianças.” , ensina Magda Soares

Na família escolarizada há muito mais situações de leituras em suas

casas, nos jornais, nas revistas, bilhetes ou lista de compras, mas é bem

provável, mesmo para quem não sabe ler, dominar o conceito de que existe um

código próprio para entender as letras, as palavras e os textos. É possível ser

31

analfabeto e letrado ao mesmo tempo. Essa situação só aumenta a

responsabilidade da escola.

“Nos casos de alunos cujas famílias têm pouca ou nenhuma escolaridade,

o professor, por ser letrado, assume um papel crucial para o letramento deles.”,

enfatiza Ângela Kleiman.

Cabe ao professor conhecer e avaliar as situações já vividas pelo aluno,

para fazê-lo avançar. Um bom caminho é encher a sala de aula, e

consequentemente as crianças, com tudo aquilo que elas não têm em casa:

jornais, revistas, livros, enfim todo tipo de material impresso.

A grande preocupação de Emília Ferreiro em suas pesquisas é assegurar

às classes menos favorecidas, da América Latina, o direito à Alfabetização.

“Alfabetizar não é um luxo, é um direito. E é preciso garantir esse direito às

crianças deste continente.” , desabafa a autora.

CAPÍTULO IV

O DESAFIO DE ENSINAR A LER E ESCREVER

“ninguém ensina ninguém a ler, o aprendizado é, em última instância, solitário

embora se desencadeie e se desenvolva na convivência com os outros e com o

mundo.”

(Maria Helena Martins)

32

4.1- Alfabetizar Letrando desde a Pré-Escola

Hoje em dia, a sociedade é mais letrada do que era antes, com escrita por

todos os lados. Ao sair pela cidade, as pessoas se deparam com placa, letreiros,

jornais, revistas, entre outros tantos; nos comércio, as embalagens, os rótulos, os

cartazes etc.; e mesmo dentro de sua casa, os indivíduos encontram portadores

de texto diversos como: conta de luz, de água, bula de remédios e até a televisão.

A criança convive com a escrita e sua função social desde muito cedo. Ela

é letrada antes mesmo de estar alfabetizada, na verdade, é letrada antes mesmo

de entrar para a escola.

Não é possível então, acreditar que os adultos devam decidir quando a

criança deve ser ‘iniciada” no processo de aquisição da leitura e da escrita, pois

não há hora certa para aprender a ler e escrever. Segundo Emília Ferreiro16,

“ignorar que a criança pensa e tem condições de escrever desde muito cedo é

um retrocesso.”

A alfabetização se inicia muito antes da criança entrar na escola, mas os

preparativos para a alfabetização (dentro da escola) começam, na verdade, no

período pré-escolar.

Quando se discute sobre pré-escola, o discurso do senso comum

considera que a sua função se resume em formar hábitos, atitudes e desenvolver

habilidades para o aprendizado da leitura e da escrita. Discutir a

alfabetização na pré-escola exige portanto pensar sobre a função dessa etapa

escolar.

33

Uma parcela significativa de crianças em idade escolar está fora da

escola. A situação se torna pior ainda se tratando de pré-escola, onde menos de

6% das crianças com faixa etária de 0 a 6 anos freqüentam a pré-escola.17 As

poucas crianças que conseguem romper as barreiras e se matriculam nela

encontram um espaço onde não é esperado que elas aprendam.

Muitos profissionais de educação concordam que no Pré a criança não

tem a obrigação de aprender, e sim de apenas iniciar o processo de

aprendizagem. O compromisso que se assume é o de apenas “preparar” as

crianças para a 1a série; um trabalho de “preparação” para a “escola”. Que tem

como objetivo o desenvolvimento de habilidades perceptivo-motoras necessárias

ao “momento” da alfabetização. Um aprendizado que se dará no futuro, na classe

de alfabetização ou 1a série.

Essas práticas carregam a superada concepção de alfabetização: na

pré-escola se trata de desenvolvimento e só na escola se trata de aprendizagem.

Vygotsky rejeita essa concepção e diz que a aprendizagem possibilita o

desenvolvimento e o desenvolvimento possibilita a aprendizagem. A criança se

desenvolve aprendendo e aprende se desenvolvendo.

O momento da pré-escola é um momento muito rico, porque possibilita a

articulação de várias linguagens de que a criança deveria se apropriar para usá-

las.

Quanto mais a pré-escola abrir para a criança a possibilidade do acesso

às diferentes linguagens que existem no mundo, ao seu redor, mais o seu

universo cultural se ampliará, independente da “classe social’ em que originar.

16 FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez 1994. 17 Dados retirados do documento “Alfabetizar e libertar”, MEC/1990.

34

Por mais que se pense o contrário, ou mesmo não se pense onde o

aluno da pré-escola está inserido – como já foi dito no início do capítulo – numa

sociedade letrada, onde a aquisição da língua escrita é indispensável para que

ela possa entender e intervir no mundo a sua volta, a pré-escola deve ser um

espaço onde a criança tenha muito contato, através de todas as formas possíveis

com a leitura e a escrita: com sentido. Como diz Vygotsky:

“(...) ensinar a escrita nos anos pré-escolares impõe

necessariamente que a escrita seja relevante à vida (...) que as

letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma

maneira como, por exemplo, a fala. Da mesma forma que as

crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a

ler e a escrever”18

A pré-escola é o espaço de iniciação nessas linguagens: gráfica,

musical, corporal, plástica etc. Não pode ser vista apenas como ocupação de

tempo, a criança tem de fazer uso, com sentido, das linguagens que existem na

sociedade.

A criança sendo estimulada a colocar no papel o que pensa, através da

linguagem escrita, desde muito nova, seus meros “rabiscos”, passa a ter outro

significado, hoje em dia. Segundo Emília Ferreiro:

“As produções escritas das crianças – que antes eram consideradas meras garatujas – adquiriram um novo significado. Agora sabemos interpretá-las como escritas verdadeiras que não se assentam nos princípios básicos do sistema alfabético, mas às quais não falta uma sistematização. São escritas que se baseiam em outros princípios. As crianças podem usar letras como as nossas, e escrever ‘em outro sistema’, assim como no início da aquisição da linguagem oral,

18 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

35

podem utilizar palavras da linguagem ambiente, mas com diferentes regras de combinação.” 19

Enfim, o processo de alfabetização pode ter início sim na pré-escola, que

deve ser o começo do ato de alfabetizar - que não se finda - , mas alfabetizar

letrando, ou seja, com algum significado para a criança, é a alfbetização

desencadeada por práticas de letramento, para que ela possa construir e se

apropriar de novos conhecimentos, ao longo do seu processo.

4.2- Alfabetização com Textos Variados

O caminho pedagógico mais importante no trabalho dos professores, tanto

na pré - escola quanto no ensino médio, é a utilização da escrita nas diversas

atividades pedagógicas, correspondendo as formas pelas quais ela é utilizada

nas práticas sociais. Nesse sentido, o ponto de partida e de chegada do

processo de alfabetização é o texto.

Como disse Paulo Freire quando entende que “ a leitura do mundo

precede a leitura da palavra”, ou seja, “existe um mundo a ser conhecido e

descoberto, com todas as suas contradições, dificuldades, conflitos e riquezas.”

Mas a leitura da palavra é fundamental “para que possamos imprimir nossa

marca de sujeito da cultura e da história.”

Sem a leitura do texto, a leitura do mundo se torna incompleta, um vazio,

pois seria um antes sem um depois. A leitura e a escrita de textos precisam ser

praticadas, concretizadas, exercidas.

19 FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. São Paulo, Cortez, 1996.

36

Porém o que se observa na prática, são os textos sendo deixados de lado,

para depois, quando os alunos tiverem aprendido a técnica da escrita. O que se

vê é o uso de fragmentos soltos e sem sentido algum. Mas até na escrita da

criança do pré - escolar, mesmo ao seu modo, o que se observa é a intenção de

uma escrita com função comunicativa e não fragmentos de escrita. Ao invés de

ajudar no processo de aprendizagem da escrita, esses “fragmentos” podem

tornar-se mais um obstáculo, na já difícil caminhada do aluno na busca do saber.

Por que não alfabetizar com textos? Não basta ensinar os códigos da

leitura e da escrita. É preciso tornar os alunos capazes de compreender o

significado dessa aprendizagem.

É recente a entrada de outros gêneros e de outros tipos de textos nas

salas de aula, o que é necessário, porque as práticas sociais são variadas e é

preciso preparar o aluno para as habilidades de leitura de diversos tipos,

diversos gêneros de texto.

Por mais irônico que possa parecer, uma das coisas mais proibidas na

escola é a escrita espontânea. Falam-se em textos livres, mais recriminam - os

aqueles que demonstram a representação da escrita da melhor maneira que o

aluno é capaz naquele momento de sua evolução.

Os textos são materiais para estudo do professor, por revelarem as

conclusões que as crianças estão chegando sobre a escrita.

Ana Teberosky e Emília Ferreiro, em “Psicogênese da Língua Escrita”,

defendem que os alunos mesmo analfabetos, devem ter contato com diversos

tipos de textos.

Essa proposta significativa de alfabetização, visa formar leitores e

escritores, e não apenas decifradores do sistema de escrita.

37

4.3- Formando leitores e escritores

Segundo questionamento apontado por Sonia Kramer: “Como um

professor que não se torna leitor pode ser capaz de fazer com que a criança

produza a sua palavra, tenha gosto pela leitura e vontade de escrever?”

Toda escola deve assumir a tarefa de formar leitores. O caminho para

transformar alunos copistas em leitores e consequentemente em escritores, exige

que o professor perceba o estágio de alfabetização em que eles se encontram e

ter consciência de que todos podem aprender a ler.

Para que isso aconteça, o professor deverá :

· dar segurança a ele para que se arrisque e se sinta capaz de escrever;

mostre que o erro faz parte da aprendizagem;

· incentivá-lo a desenhar, criar histórias e registrar idéias;

· tornar a leitura um hábito diário na sala de aula;

· enriquecer as atividades com pesquisa em jornais, revistas, livros, gibis e

folhetos;

A escola deve ter por objetivo despertar o interesse, o gosto pelas letras.

38

CONCLUSÃO

39

O ensino da língua escrita somente terá sentido para o aluno quando

forem trabalhados textos concretos e significativos, como os que circulam

socialmente: as embalagens, as placas, os documentos , entre outros tantos.

Ao se ensinar a ler e escrever, devem-se analisar as diferenças entre

linguagens oral e escrita; refletir sobre o sistema alfabético da língua; estudar as

relações internas sobre aspectos verbais, por meio da leitura, interpretação de

imagens e símbolos, reconhecendo as letras do alfabeto, por intermédio de

rótulos, embalagens, do seu próprio nome, dos seus colegas etc.

Além dessas, outras como a ampliação do vocabulário do aluno através

de poemas, pequenos textos, cantigas de roda, letras de músicas, textos

informativos e institucionais.

Enfim, o professor deverá ter consciência do seu papel principal no

processo de aquisição de leitura e escrita, procurando promover o letramento de

seus alunos, desde a pré-escola, para que aconteça, já nessa fase escolar, um

contato, uma aproximação da criança com o mundo da língua escrita, o mundo

das palavras, e consequentemente, com o mundo que a cerca. È o início do

processo de Alfabetização, que como já foi mostrado nessa pesquisa, pode e

deve começar lá na Educação Infantil.

Letramento, que deverá ter continuidade ao longo da vida escolar desses

alunos, principalmente os das classes desfavorecidas, oriundos de famílias

analfabetas, que não têm muito contato com materiais impressos, para que se

possa tentar combater, na sua origem, o tão assustador: fracasso escolar

brasileiro.

“O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação

social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à

informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de

mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a

responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes

40

lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de

todos.” (PCN de Língua Portuguesa – 1a a 4a série)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

41

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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

44

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

EPÍGRAFE 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 11

1.1 – Contextualização Histórica 11

1.2 – Conceito de Alfabetização 12

1.3 – Métodos Tradicionais de Alfabetização 12

1.3.1 – Método Sintético 13

1.3.2 – Cartilhas 14

1.3.3 – Método Analítico 14

1.4- - Letramento 15

1.5 – Alfabetização x Letramento 18

CAPÍTULO II

ORIGEM DO FRACASSO ESCOLAR 21

2.1 – O analfabetismo no Brasil 21

2.2 – O fracasso no ensino da língua escrita 22

45

CAPÍTULO III

OS MOTIVOS PELOS QUAIS OS ALUNOS DEIXAM DE APRENDER A LER E

ESCREVER 25

3.1 – As dificuldades que os alunos das séries iniciais da Escola Pública

apresentam no processo da Alfabetização 25

3.2 –Problemas Pedagógicos 27

3.3 – Algumas questões sociais e econômicas 29

CAPÍTULO IV

O DESAFIO DE ENSINAR A LER E ESCREVER 31

4.1 – Alfabetizar letrando desde a pré-escola 31

4.2 – Alfabetização com textos variados 34

4.3 – Formando leitores e escritores 36

CONCLUSÃO 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 40

ÍNDICE 43

46

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes

Título da Monografia: Ensinar a ler e escrever: Um grande desafio!

Autor: Vaneza Freitas Alves

Data da entrega: ___ / 07/ 2005.

Avaliado por: Conceito:

47

INVESTIMENTO CULTURAL

48

49