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LETRAMENTO FAMILIAR E RELAÇÃO COM AS PRÁTICAS ALFABETIZADORAS: UMA ABORDA OLHAR DAS FAMÍLIAS MARIA EURÁCIA BARRETO DE ANDRADE EIXO: 11. EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E PRÁTICAS EDUCATIVAS Resumo: Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa empírica, realizada com famílias d terceiro ano do ensino fundamental, que teve como objetivo analisar as práticas de leitura e escrit desenvolvidas na escola e sua relação com as práticas de letramento desenvolvidas no cotidiano tanto escolhemos trilhar pela abordagem qualitativa, buscando na entrevista semiestruturada concepção dos sujeitos acerca da relação entre as práticas alfabetizadoras e as vivências de l contexto doméstico. As considerações da pesquisa reafirmam a reflexão de Molica e Leal (2007) a que os saberes escolares mantêm pouca vinculação com os contextos de vida fora da escola, mes preponderante influência do letramento social sobre os sujeitos. Palavras-chave: Letramento Fam Alfabetizadoras, Processo de Alfabetização e Letramento. Abstract: This article presents the results research conducted with children from families of the third year of elementary school, which aimed to analyze t writing practices present and developed at school and its relationship to literacy practices developed in family life chose to tread the qualitative approach, seeking the semistructured interview know the conception of the relationship between literacy teachers practices and literacy experiences in the domestic context. The research reaffirm reflection Molica and Leal (2007) to defend that school knowledges bear little relation with the life con school, even with a preponderant influence of social literacy on the subject. Keywords: family literacy, literacy teac literacy and literacy process. 1. Introdução As pesquisas realizadas em torno do letramento ganham espaço cada vez maior no cenário da educação br 19/09/2018 http://anais.educonse.com.br/2016/letramento_familiar_e_relacao_com_as_praticas_alfabetizadoras_uma.pdf Educon, Aracaju, Volume 10, n. 01, p.1-14, set/2016 | www.educonse.com.br/xcoloquio

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Page 1: LETRAMENTOFAMILIARERELAÇÃOCOMASPRÁTICASALFABETIZADORAS ......Essas dimensões representam para as autoras a proposição de alfabetizar letrando. Comunga das ideias aqui destacadas

LETRAMENTO FAMILIAR E RELAÇÃO COM AS PRÁTICAS ALFABETIZADORAS: UMA ABORDAGEM SOB O

OLHAR DAS FAMÍLIAS

MARIA EURÁCIA BARRETO DE ANDRADE

EIXO: 11. EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Resumo: Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa empírica, realizada com famílias de crianças do

terceiro ano do ensino fundamental, que teve como objetivo analisar as práticas de leitura e escrita presentes e

desenvolvidas na escola e sua relação com as práticas de letramento desenvolvidas no cotidiano familiar. Para

tanto escolhemos trilhar pela abordagem qualitativa, buscando na entrevista semiestruturada conhecer a

concepção dos sujeitos acerca da relação entre as práticas alfabetizadoras e as vivências de letramento no

contexto doméstico. As considerações da pesquisa reafirmam a reflexão de Molica e Leal (2007) ao defenderem

que os saberes escolares mantêm pouca vinculação com os contextos de vida fora da escola, mesmo com uma

preponderante influência do letramento social sobre os sujeitos. Palavras-chave: Letramento Familiar, Práticas

Alfabetizadoras, Processo de Alfabetização e Letramento. Abstract: This article presents the results of an empirical

research conducted with children from families of the third year of elementary school, which aimed to analyze the reading and

writing practices present and developed at school and its relationship to literacy practices developed in family life. Therefore we

chose to tread the qualitative approach, seeking the semistructured interview know the conception of the subject of the

relationship between literacy teachers practices and literacy experiences in the domestic context. The research considerations

reaffirm reflection Molica and Leal (2007) to defend that school knowledges bear little relation with the life contexts outside of

school, even with a preponderant influence of social literacy on the subject. Keywords: family literacy, literacy teachers Practices,

literacy and literacy process.

1. Introdução

As pesquisas realizadas em torno do letramento ganham espaço cada vez maior no cenário da educação brasileira, porém,

19/09/2018 http://anais.educonse.com.br/2016/letramento_familiar_e_relacao_com_as_praticas_alfabetizadoras_uma.pdf

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ainda são muito incipientes as discussões voltadas para o letramento escolar e social. Assim, o foco de nossa reflexão está

voltado para as práticas de leitura e escrita presentes e desenvolvidas na escola e sua relação com as práticas de letramento

desenvolvidas no cotidiano familiar. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, com famílias de crianças

do terceiro ano do ensino fundamental, priorizando a entrevista semiestruturada como instrumento para recolha dos dados.

Molica e Leal (2007), ao discutirem sobre os letramentos na escola e na vida revelam que o cotidiano exige práticas diretas ou

indiretas de leitura e escrita cada vez maiores e com os mais diversos textos sendo todos os sujeitos convidados a interagir e

usar socialmente estes diversos suportes, mesmo aqueles com escolaridade limitada. As autoras Molica e Leal (2007, p. 35)

trazem uma breve discussão conceitual acerca do letramento social e escolar, compreendendo o primeiro enquanto “[...]

conhecimento herdado geneticamente e adquirido pela experiência [...]”, e o segundo, “[...] pressupõe processo de transmissão

de saberes específicos, através de treinamentos, por meio de exercícios de aprendizagem”. Com essa compreensão, alargam a

distinção entre os letramentos na escola e na vida defendidos por Soares (2003a) ao conceber a escola enquanto um espaço

privilegiado para a apreensão sistemática da leitura e da escrita, mas comprometida com a preparação e formação dos sujeitos

para atuação responsável na vida social. Diante dessa concepção de Molica e Leal (2007), algumas questões se fazem

pertinentes para esse momento: até que ponto a escola acolhe e aproveita os letramentos familiares e sociais vivenciados pelos

estudantes nos mais diversos espaços?

De que forma a cultura familiar está sendo relacionada ao encaminhamento metodológico dos professores?

Para contribuir com a discussão Wells (2008), ao pesquisar sobre a transição das crianças de casa para a escola cita os estudos

realizados por Tizard e Hughes (1994) que, através de pesquisas com um grupo de 30 crianças pertencentes a duas classes

sociais (classe média e operaria) obtiveram a seguinte constatação:

[...] as diferenças entre o lar e a escola foram muito grandes, [...]. Ou seja, em casa, as conversas

foram mais freqüentes [sic], mais longas e mais equilibradas entre o adulto e a criança. Além disso, as

crianças de ambas as classes sociais fizeram perguntas com mais freqüência [sic] em casa do que na

escola, respondendo com mais freqüência [sic] aos adultos (TIZARD e HUGHES, 1984 apud WELLS,

2008, p.89).

Assim como os estudos de Tizard e Hughes (1984), o de Wells (2008) corrobora com os resultados ao

revelar que as crianças na escola têm um papel menos ativo e positivo tanto nos diálogos e interações

com os adultos quanto na exploração das experiências. Nas palavras e Wells (2008, p. 90) “[...] as

conversas escolares tendem a assumir a forma de uma série de perguntas do professor e respostas da

criança”. Para o referido autor, os professores

[...] estão tão preocupados com ensinar aquilo que acreditam que as crianças deveriam aprender que

proporcionam poucas oportunidades para que elas assumam a responsabilidade por sua aprendizagem

e, como resultado, quase invariavelmente subestimam as capacidades reais das crianças (WELL,

2008, p. 97).

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Os estudos de Well (2008) revelam a necessidade dos professores buscarem uma maior aproximação

das suas práticas com as experiências das crianças nos seus lares para que a escola possa buscar a

formação de sujeitos com uma atitude exploratória para lidar com as mais diversas situações.

2 O desvelar da função social da escrita: reflexões sobre o processo de alfabetização e

letramento Os diferentes momentos da história da alfabetização revelam concepções e paradigmas

ancorados em crenças que ajudaram a produzir um novo referencial metodológico para o ensino e

apropriação da língua escrita. Trindade (2010) reafirma que essa nova proposta é produzida pela

discussão dos estudos das diversas didáticas as quais têm oportunizado a produção de um método,

marcado em essência “[...] pela alquimia dos estudos da psicologia da língua escrita, dos estudos sobre

letramento e da consciência fonológica [...] ganhando [...] maior hegemonia [...] por diferentes grupos

na academia, nas políticas públicas e nas escolas” (TRINDADE, 2010, p.18). Dentro desse novo

referencial a autora propõe um trabalho que contemple atividades diárias de leitura, produção textual,

jogos, ditados e outras atividades de sistematização, considerando-as como fundamentais à aquisição

e aos usos da leitura e da escrita. Assim, será possível alcançar o que Leal, Albuquerque e Morais

(2007, p. 101) defendem: “[...] o domínio da escrita alfabética e das práticas letradas de

ler-compreender e produzir textos”. Com sua ampla discussão sobre a alfabetização, Dornelles (2010)

reflete sobre o processo de aquisição da palavra escrita defendendo ser essencialmente “[...] produto

daquilo que colocamos em relação e que faz parte do nosso cotidiano. Produção esta que se dá mais

cedo do que muitos professores apontam, tendo em vista que não começa na escola [...]”

(DORNELLES, 2010, p. 27). Assim, a autora reafirma que a aprendizagem da criança se dá em um

processo de constante interação e mediação pelos diversos sujeitos que estão ao seu redor e não

necessariamente na escola. Desta forma, reforça a importância da participação da família e demais

membros da comunidade para ampliar as possibilidades de aprendizagens. A referida autora revela

que observou muitas crianças da periferia as quais não tiveram acesso a variados tipos de leitura,

porém “[...] estavam imersas em histórias reais permeadas por questões como violência, droga,

agressão física, fome, falta de saúde, de brinquedos, etc. [...]” (DORNELLES, 2010, p.17). Diante desta

realidade observada a autora propõe que, partindo destas condições de vida dos sujeitos, sejam

criadas possibilidades de construção de leitura e escrita, mas, para isso, os profissionais da instituição

devem atuar como pesquisadores e produtores de desejo de ler e escrever. Dessa forma, acredita que

possam:

[...] criar instrumentos na vida escolar a partir de “novas didáticas”, ou seja, possibilitar a escritura do

vivido em sua casa, em sua vila, em sua rua, discutindo, escrevendo e lendo para eles sobre esses

fatos. Entender isso é entender que para a criança, num primeiro momento, não há leitura sem voz,

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visto que para ler é preciso falar. [...] (DORNELLES, 2010, p. 29).

Nessa discussão Kaercher (2010) contribui, reafirmando a necessidade de aproximar cada vez mais as

práticas escolares de leitura e escrita com a vida dos sujeitos envolvidos. Para a autora a escola não

pode ignorar que os estudantes são “[...] falantes nativos de sua língua” (KOERCHER, 2010, p. 63) e,

enquanto atividades de linguagem, a leitura e a escrita devem, necessariamente pertencer à vida

cotidiana dos sujeitos imersos no processo para que se tornem mais reais e úteis. Assim, a sala de

aula deve sediar práticas de ensino que sejam de interesse dos estudantes e, para isso, os textos nos

seus diferentes gêneros são elementos fundamentais, pois, como defende Kaercher (2010, p. 63), “[...]

os processos de leitura e escrita devem estar vinculados a textos, pois é neles que a língua se

configura”. A autora reafirma a discussão anterior no que se refere a urgência da escola possibilitar a

ampliação das vivências letradas dos estudantes com a inserção dos múltiplos impressos, não apenas

para contato, mas, de fato, a vivência, de modo que tentem compreender as informações contidas e,

para isso, é necessária a participação de um professor com competência leitora e escritora para que

“[...] desperte o interesse das crianças, que viabilize sua interação com o mundo da escrita, fazendo

com que descubram o que a escrita representa, suas funções e valores socialmente reconhecidos”

(KAERCHER, 2010, p. 63). Leal, Albuquerque e Morais (2007), na discussão sobre o letramento e a

alfabetização, revelam que, desde muito cedo, as crianças participam e vivenciam diariamente com a

língua oral em diversas situações e, ao chegarem no ensino fundamental, já conseguem interagir

autonomamente. É neste momento de inserção na educação formal que a criança passa a se envolver

com outras práticas e situações orais e escritas que, na concepção dos autores:

[...] ampliam suas capacidades de compreensão e produção de textos orais, o que favorece a

convivência delas com uma variedade maior de contextos de interação e a sua reflexão sobre as

diferenças entre essas situações e sobre os textos nelas produzidos. O mesmo ocorre em relação à

escrita. [...] observam palavras escritas em diferentes suportes, [...] escutam histórias lidas por outras

pessoas, etc. [...] Nessas experiências culturais com as práticas de leitura e escrita, muitas vezes

mediadas pela oralidade, meninos e meninas vão se constituindo como sujeitos letrados (LEAL,

ALBUQUERQUE e MORAIS, 2007, p. 70).

Nessa reflexão, os autores deixam claro que é papel da escola assegurar aos seus alunos a

participação ativa em práticas reais de leitura e escrita de modo que possam cumprir as mais diversas

finalidades. Assim sendo é necessário refletir sobre os aspectos constitutivos de uma prática de

alfabetização na perspectiva do letramento e, para tanto, propõe-se que sejam contempladas nas

escolas, o que é sugerido por Leal e Albuquerque (2005) e reafirmado por Leal, Albuquerque e Morais

(2007, p.71):

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1. Situações de interação mediadas pela escrita em que se busca causar algum efeito sobre

interlocutores em diferentes esferas de participação social: circulação de informações cotidianas, [...]

por meio de escrita e leitura de textos jornalísticos; [...] epistolares [...] científicos [...] instrucionais [...]

literários [...] publicitários, dentre outros; 2. Situações voltadas para a construção e a sistematização do

conhecimento [...] pela leitura e produção de gêneros textuais [...]; 3.Situações voltadas para a

auto-avaliação e expressão “para si próprio” de sentimentos desejos, angústias, como forma de auxílio

ao crescimento pessoal e ao resgate da identidade [...]; 4. Situações em que a escrita é utilizada para

automonitoração de suas próprias ações, para organização do dia-a-dia [...].

A inserção dos mais diversos textos no cenário escolar é defendida por vários autores, destacando,

principalmente, Bakhtin (1988; 1992), Dolz e Schneuwly (2004). O primeiro defende que para cada

situação de interação social é solicitada a participação em um gênero textual diferente, com propósito e

uso também distinto. Nas suas palavras revela que “[...] cada esfera de utilização da língua elabora

seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKTHIN, 1992, p. 279). Já Dolz e Schneuwly

(2004) defendem uma classificação dos diferentes textos a fim de uma sistematização didática para

que a escola possa pomover situações pedagógicas de leitura, escrita, discussão e produção dos mais

diferentes textos que circulam socialmente. Defendem, portanto, que sejam inseridos nos espaços

escolares textos da ordem do narrar, relatar, descrever, expor e argumentar. Nessa discussão, Maciel,

Baptista e Mourão (2009, p. 8) também defendem a presença dos mais diversos textos na sala de aula,

porém, alerta para a necessidade das situações de aprendizagens serem sequenciadas e,

sistematicamente, articuladas e contextualizadas “[...] a partir do conhecimento que se tem das

crianças e também das interações que se estabelecem entre os participantes do grupo escolar e deles

com os objetos do conhecimento [...]”. Ao discutir sobre a aprendizagem da língua escrita de crianças

menores de sete anos, Baptista (2009) revela que a aquisição desse sistema assim como de outros

sistemas simbólicos é de fundamental relevância para a estrutura mental e cognitiva do sujeito, porém,

salienta que não deve acontecer de maneira mecânica e alheia as necessidades e interesses dos

sujeitos. Para tanto, respaldada nos estudos sociointeracionistas de vygotsky (2000) revelam que para

o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças três conclusões são fundamentais:

A primeira delas é que o ensino da escrita deveria ser transferido para a pré-escola, sob o argumento

de que as crianças menores são capazes de descobrir a função simbólica da escrita. [...] o

desenvolvimento entre três e seis anos envolve não só o domínio de signos arbitrários, como também o

progresso na atenção e na memória. [...] A segunda conclusão [...] é mais do que possível, mas,

sobretudo, adequado se ensinar leitura e escrita as crianças pré-escolares. Vygotsky ressalta [...] que o

ensino deve organizar-se de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias as crianças. O autor

se contrapõe claramente a um trabalho pedagógico no qual a escrita seja concebida puramente com

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habilidade motora, mecânica pois toma como pressuposto central o fato de que a escrita deve ser

“relevante à vida”, deve ter significado para a criança [...] a terceira conclusão [...] a escrita deve ser

ensinada naturalmente. [...] (BAPTISTA, 2009, p. 19).

Nessa discussão, a autora revela que as crianças “[...] são sujeitos capazes de interagir com os signos

e os símbolos construídos socialmente, e de atribuir distintos significados a esses signos e símbolos a

partir dessa interação” (BAPTISTA, 2009, p. 21). Apesar dessa defesa, lembra que o trabalho

pedagógico para as crianças que estão iniciando o processo de apropriação do sistema de escrita deve

ser realizado por meio de estratégias capazes de respeitar as características das crianças e do seu

direito de viver plenamente esse momento da vida. Para tanto, contribui, afirmando que, para a

consolidação da aprendizagem da leitura e da escrita na infância, é necessário levar em consideração

algumas questões:

A primeira é a consolidação de uma prática educativa na qual o aprendiz vai se apropriando da

tecnologia da escrita, ao mesmo tempo em que vai se tornando um usuário competente desse sistema.

[...] A segunda exigência é considerar a escola como espaço privilegiado para garantir esse

aprendizado. [...] A terceira e última exigência [...] sua aprendizagem deve respeitar as crianças como

cidadãos e atores do seu próprio desenvolvimento (BAPTISTA, 2009, p. 22-23).

Monteiro e Baptista (2009) destacam quatro dimensões ou eixos constitutivos do processo de

apropriação da linguagem escrita os quais devem ser trabalhados de forma articulada:

[...] O letramento; O desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de palavras, frases e textos

em sala de aula; A aquisição do sistema de escrita e o desenvolvimento da consciência fonológica; O

desenho e a brincadeira - formas de linguagem a serem explorados no processo de alfabetização

(MONTEIRO; BAPTISTA, 2009, p. 29).

Essas dimensões representam para as autoras a proposição de alfabetizar letrando. Comunga das

ideias aqui destacadas por diversos pesquisadores[i] que sugerem uma prática pedagógica que

contemple para além da codificação e decodificação, ou seja, propõem que o sistema de escrita

alfabético seja apreendido por meio de atividades de letramento, isto é, de leitura e produção de textos

reais, de práticas sociais de leitura e escrita. Nessa mesma concepção de alfabetizar letrando,

Machado (2009) propõe a prática constante de ouvir, ver e ler histórias, mesmo antes da inserção no

processo de educação formal. Para a autora, as narrativas verbais e visuais através dos textos

literários produzem ricas práticas de letramento na infância. Machado (2009, p. 71) parte do

pressuposto que “[...] a experiência com textos literários pode anteceder a alfabetização”. Corrobora,

dessa forma, com a concepção defendida por Soares (2004) que acredita ser possível as crianças

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participarem de práticas de letramento mesmo sem ter o domínio do sistema da escrita. Machado

(2009) reafirma a contribuição da interação da criança com o texto literário, mesmo quando ainda não

se tem o amplo domínio do código alfabético, pois esse é o momento ideal para iniciar o processo de

mediação, uma vez que a experiência da narrativa ficcional contribui para a conquista da autonomia e

para a aquisição do sistema de escrita. A autora ilustra tal afirmação:

Pavimentar bem o caminho do letramento literário antes e no inicio do processo de alfabetização pode

ser a mais importante tarefa à qual as professoras deveriam se lançar [...] elas sempre requerem algum

ensinamento, que vai desde o modo como pegar o livro, passar as paginas; desde as indicações sobre

a direção da escrita nos livros, sobre a ordenação sequencial que indica um fluxo narrativo, seja livro

de imagens, seja texto verbal ou visual (MACHADO, 2009, p. 73).

Leal (2004) sistematizou a sua compreensão sobre o letramento em cinco dimensões básicas: cultural,

discursiva, cognitiva, ética e estética as quais, segundo ela, ainda são incompletas e passíveis de

alteração. A dimensão cultural é destacada pela autora por compreender que o sujeito ao se apropriar

da leitura, escrita e oralidade terá possibilidade de maior desenvolvimento cultural[ii] e, assim, poderá

integrar-se a ela para “[...] ampliar os modos de compreensão do mundo, podendo participar das mais

variadas formas e expressões da cultua de seu povo, de seu lugar, de seu país” (LEAL, 2004, p.57). A

autora ainda revela que as limitações dos sujeitos no que se refere à compreensão e à apropriação da

leitura e produção escrita estão diretamente relacionadas às lacunas culturais, uma vez que,

O letramento requer que uma base cultural seja garantida, o que faz com que os conteúdos escolares,

as disciplinas ministradas ganhem importância, se direcionados para suprir as lacunas que, de um

modo ou de outro, são conseqüências [sic] de outras lacunas, tais como a econômica, a política e a

social (LEAL, 2004, p.57).

A dimensão discursiva, segundo Leal (2004, p. 58), é também imprescindível no processo de

letramento por sermos “[...] sujeitos de linguagem e nos manifestamos das mais diferentes formas”. É

essencialmente uma atividade constitutiva do ser humano, que através dela, o sujeito pode informar,

argumentar, enfim, desenvolver as mais diversas ações comunicativas. Dessa forma, a autora ilustra tal

dimensão ao compreender que o sujeito letrado “[...] é o que, vivendo práticas discursivas orais e

escritas, reconhece a força perlocutória de sua ação com a linguagem [...] entender que o que se fala

está marcado por quem fala, onde fala e por quem fala” (LEAL, 2004, p. 58). Já a dimensão cognitiva,

segundo Leal (2004), revela que o processo de leitura e escrita necessita habilidades tanto do

conhecimento de mundo quanto da língua escrita, por isso envolve uma série de estratégias que o

sujeito só adquire na própria ação de ler e escrever, ou seja, é muito mais amplo e complexo do que o

exercício de repetição mecânica de letras, sílabas e palavras soltas. Nas palavras de Leal (2004, p. 58)

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ensinar a ler e escrever “[...] é mobilizar um conjunto diferenciado de operações mentais[iii], é propiciar

ao aluno condições de se apropriar de um conjunto de capacidades que não são apenas linguísticas,

mas cognitivas, em processo de produção de sentido”. A dimensão ética procura ir além do técnico e

cultural por compreender que o letramento é uma prática social e os valores estão diretamente

imbricados. Leal (2004) defende uma dimensão ética, não como sinônimo de aceitação passiva, mas

uma ética “[...] capaz de mobilizar nos sujeitos sua “bondade”, de acreditar nas suas potencialidades,

de fazer valer não só os seus direitos, mas também os dos outros” (LEAL, 2004, p. 60). Por fim, a

dimensão estética busca a articulação da singularidade dos sujeitos, compreendendo-os como seres

incompletos e que se complementam com a interação com outros sujeitos. Assim, considera a ação de

ler e escrever como um processo que apesar de contínuo pode se completar na dinâmica das

interações sociais (LEAL, 2004). A autora ainda reafirma que o letramento deve buscar a completude

dos sujeitos de modo que possam ocupar seus lugares nos mais diversos espaços e eventos. Para que

isso aconteça a escola deve redobrar seus esforços para identificar e compreender claramente as

práticas de letramento que os sujeitos vivenciam e a partir daí pensar proposições e estratégias para

que a leitura e a escrita sejam “[...] de fato uma prioridade, tanto do ponto de vista político, cultural

quanto pedagógico. [...] Afinal, aprende-se a ler e a escrever na escola, mas não para ela e sim, para

as mais diferentes necessidades e situações da vida humana” (LEAL, 2004, p.63). Diante dessa

abordagem, concorda-se com Silva (2009, p. 207) ao defender que a intenção maior da alfabetização

na perspectiva do letramento é “[...] promover o pensar autêntico dos educandos dentro e fora da

escola [...]”. Dessa forma, a autora defende e reafirma a necessidade de os conteúdos escolares e o

currículo partirem do contexto sociocultural dos sujeitos para que estes sejam “[...] chamados a

conhecer e não apenas a decodificar, [...] saber fazer uso da leitura e da escrita nas suas relações com

o mundo e com os outros”. 3 Letramento na família e práticas alfabetizadoras Para melhor refletir a

temática em questão, serão analisadas as concepções das famílias acerca da relação entre as

vivências familiares cotidianas e as atividades escolares. Para facilitar a visibilidade e melhor organizar

as concepções dos sujeitos, as respostas foram organizadas em um quadro, seguidas de uma breve

análise. Quadro 1: Concepções das famílias sobre as práticas de letramento na família e sua relação

com as atividades escolares

FAMÍLIAS QUESTÃOAs vivências cotidianas da família nas atividades escolares

Família 1A escola muitas vezes aproveita o que a gente faz em casa. Muitas vezes a genteconta uma história em casa e na escola as professoras pedem que contem umahistória que aprenderam em casa. [...] É bom saber que eles se interessam com oque a gente faz, o que a gente ensina [...]

Família 2

Como mãe e professora sei que a escola deixa a desejar nesse sentido. Énecessário que a escola busque mais essa aproximação. Nós fizemos um projetochamado “vivendo a vida do aluno[iv]” e isso aproximou muito a escola dafamília e a partir daí tivemos alguns elementos importantes das famílias paratrabalhar melhor com as nossas crianças, [...] mas eu acho que temos muito a

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aprender ainda [...]

Família 3 Não sei. [...] não sei ler as tarefas dos meninos, mas acho que sim porque temvez que os meninos perguntam alguma coisa da gente pra falar na escola.

Família 4 A escola sempre solicita a ajuda e participação dos pais

Família 5 Acho que a escola deveria trabalhar mais com aquilo que os alunos precisam,que os alunos gostam e já tão acostumados a viver em casa.

Família 6Eu acho que devia ter mais projetos [...] alguns professores não conhecem muitoa nossa realidade. Acho que a escola poderia aproveitar mais a nossa cultura, osnossos costumes [...].

Fonte: Dados obtidos na pesquisa de campo As falas das famílias são bastante reveladoras. Para algumas, traduzem-se na

ideia de que a escola, em alguns momentos, aproveita o que elas vivenciam em casa, já para outras, há a necessidade de

potencializar suas ações nesse sentido. Assim, a concepção das famílias pode ser traduzida pela necessidade de fortalecer e

estreitar mais a distância entre práticas e eventos escolares e sociais. É importante destacar que todas as entrevistadas,

independentemente de seu nível de escolaridade, espera que a escola ande em consonância com o cotidiano familiar. A fala da

família 1 reafirma tal análise quando relata:

A escola muitas vezes aproveita o que a gente faz em casa. Muitas vezes a gente conta uma história

em casa e na escola as professoras pedem que contem uma história que aprenderam em casa. [...] É

bom saber que eles se interessam com o que a gente faz, o que a gente ensina [...].

Já a família 4, ao ser questionada sobre a relação das práticas de letramento da escola com as

vivenciadas no contexto da família, revelou que “A escola sempre solicita a ajuda e participação dos

pais”. Assim, não respondeu a questão apresentada, mas deixou claro que a instituição está aberta a

receber as famílias e interagir com ela. As famílias 2, 5 e 6 revelam a necessidade da escola se

aproximar mais da família para extrair elementos importantes para a sua prática. A família 2 elucida:

“[...] a escola deixa a desejar nesse sentido. É necessário que a escola busque mais essa

aproximação. [...] eu acho que temos muito a aprender ainda [...]”. Na mesma perspectiva a família 5

relata “[...] a escola deveria trabalhar mais com aquilo que os alunos precisam, que os alunos gostam e

já tão acostumados a viver em casa”. E, finalmente, a família 6 elucida que “[...] a escola poderia

aproveitar mais a nossa cultura, os nossos costumes [...]. As falas das famílias trazem grandes

reflexões que corroboram com as concepções de muitos pesquisadores dentre os quais destaca-se

Soares (2003a), Goulart (2006), Kleiman (1995), Wells (2008), Molica e Leal (2007), Perez (2007),

dentre outros que defendem a necessidade de maior aproximação da escola com os eventos de

letramento veiculados socialmente, principalmente no contexto do lar. É importante destacar nesta

discussão a riqueza das vozes das mães ou responsáveis para fortalecer a parceria da escola com o

cotidiano social. As famílias 2, 5 e 6 deixam claro que há certa fragilidade da escola no sentido de

contemplar no seu fazer pedagógico o que sugere Kleiman (1995) e Soares (2003a), não apenas o

modelo autônomo de letramento, mas o ideológico, a fim de ressignificar o processo de aproximação

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das crianças com a língua escrita. As concepções apresentadas pelos diferentes sujeitos corroboram

com as discussões de Goulart (2006) a qual revela que na escola a significação das práticas

alfabetizadoras se apresenta de forma bastante tímida, uma vez que a escrita presente não tem muita

relação com as formas utilizadas nas situações letradas vivenciadas pelos sujeitos no seu cotidiano

sociocultural. Estes, em muitos momentos são negligenciados por não refletirem em saberes

escolarizados e isso tem apresentado como grande entrave na aquisição do letramento das crianças,

principalmente, das classes populares pela limitação de acesso a escrita formal. Assim

compreendendo, Soares (2003a) ilustra tal reflexão ao discutir sobre os dois modelos de letramento

que têm sido revelados como paradigma de referência pela escola: o modelo autônomo e o ideológico,

porém, ressalta que a escola focaliza apenas o primeiro deles, sem, portanto levar em conta o contexto

social onde ela e os sujeitos-alvo estão inseridos. Nas palavras de Soares (2003a, p.105), “[...] a

predominância do modelo autônomo no processo de escolarização será, talvez, uma das razões das

diferenças que se manifestam entre o letramento escolar e o letramento social”. Sobre a predominância

do modelo autônomo no cenário escolar, Kleiman (1995) deixa claro que há certa valorização dos que

dominam as habilidades cognitivas próprias do uso correto da língua escrita provocando maior

segregação social. Soares (2003a) apresenta outra consequência da supervalorização do modelo

autônomo que é a dicotomia que se estabelece entre oralidade e escrita, uma vez que as práticas

discursivas privilegiadas são exatamente as produções textuais que se distanciam da oralidade e que,

na maioria das vezes, não acontece como processo discursivo. Tanto Kleiman (1995) quanto Soares

(2003a) sugerem a inserção também do modelo ideológico de letramento no cotidiano escolar, uma vez

que, para Soares (2003a, p. 105) dever haver articulação do “[...] letramento que se desenvolve na

escola [letramento escolar] com o que ocorre fora da escola [letramento social]” (grifo nosso). Tfouni

(2005) na mesma perspectiva de Soares (2003a) e Kleiman (1995), apresenta novos termos para

explicar a divergência dos dois modelos de letramento. Para a autora, a perspectiva a-histórica pode

ser usada como sinônimo de alfabetização e a perspectiva histórica relacionada diretamente à

concepção de autoria do discurso pelo próprio sujeito. Concordando com Tfouni (2005), assim como

diversos outros autores, a concepção de letramento escolar ainda tem um caráter muito voltado para o

processo de escolarização no qual, segundo Nucci (2001), existe uma dicotomia que separa os sujeitos

dos diversos usos sociais da escrita através de um fazer pedagógico descontextualizado das práticas

sociais cotidianas. Diante desta abordagem, percebe-se uma grande aproximação das vozes dos

sujeitos com as discussões apresentadas pelos autores destacados, reafirmando um distanciamento do

letramento escolar do letramento social. Considerações Os dados aqui apontados corroboram com as

concepções de Kleiman (1995) ao enfatizar que a escola, enquanto a mais importante das agências de

letramento, preocupa-se apenas com a alfabetização, com a aquisição da leitura e da escrita, deixando

muitas vezes de lado, as mais diversas práticas sociais. Kleiman (1995, p. 20) ainda acrescenta: “Já

outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram

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orientações de letramento muito diferentes”. Assim como reafirmam os estudos de Heath (1982, 1983)

que revelam o modelo autônomo predominando nas práticas pedagógicas alfabetizadoras. Assim, é

consenso entre diversos autores que a escola é uma das principais agências de letramento e, como tal,

deve promover ações que se aproximem das práticas sociais de leitura e escrita nas suas diversas

dimensões e contextos, porém, pesquisas têm revelado que as práticas de letramento na escola ainda

estão distantes do que acontece no contexto dos lares das crianças. Nessa concepção, Morais e

Albuquerque (2006) elucidam que o letramento escolar ainda não se adequou as expectativas da

sociedade com às diversas demandas e complexidades da língua escrita. Diante de toda essa

discussão, Molica e Leal (2007, p. 42) nas considerações da pesquisa sobre letramento na escola e na

vida, relatam:

O efeito do letramento social parece, sem dúvida, prevalecer sobre as habilidades próprias à escola, o

que reforça a suposição de que os letramentos escolares não estão sendo fixados nem utilizados na

vida dos alunos. Assim, o estudo desenvolvido encontrou indicadores, ainda que indiretos, que nos

fazem refletir que grande parte dos letramentos da vida não depende da aprendizagem da escola.

Os dados da pesquisa reafirmam a reflexão de Molica e Leal (2007, p. 42) ao defenderem que “[...] os

saberes escolares mantêm pouca vinculação com os contextos de vida fora da escola [...] dado que o

letramento social exerce influência preponderante sobre os indivíduos”. Assim, percebe-se que há

importantes diferenças nos modos como as famílias se relacionam com a língua escrita e também com

os saberes produzidos, revelando que as habilidades de uso social da leitura e da escrita envolvem

uma variedade de práticas e eventos de letramento, pois variam de acordo ao contexto em que os

sujeitos estão inseridos. Nessa perspectiva, observa-se que a escola precisa se aproximar mais do

contexto familiar, pois, uma proposta de letramento significativa deve levar em consideração as

vivências das crianças e suas diferentes histórias e interações. Destaca-se, portanto, a concepção de

Vygotsky (2003) ao mencionar que a aprendizagem individual de cada criança não pode ser

simplesmente compreendida sem suas interações e experiências interpessoais e o contexto

sócio-histórico nas quais estas estão imbricadas. Portanto, considera-se imprescindível que a escola

priorize os modelos de letramento utilizados pelos sujeitos nos seus diferentes contextos de vida social,

principalmente, o doméstico, pois concordamos com Freire (2001, p. 134) ao apontar que “A prática da

alfabetização tem que partir exatamente dos níveis de leitura de mundo, de como os alfabetizandos

estão lendo sua realidade; [...] nós temos que partir do respeito do saber popular explicitado na leitura

que o povo traz do seu mundo, da sua realidade”. Assim, considera-se ser este o grande desafio para

que o processo de letramento escolar se aproxime ao letramento social ou o letramento não-escolar

como propõe Soares (2003a) e Mortatti (2004), ou seja, o processo alfabetizador seja aproximado e

relacionado diretamente à vida da comunidade, da família e sirva de passarela para a aquisição das

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práticas de letramento legitimadas oficialmente. Apesar de toda essa discussão, destaca-se a análise

feita por Galvão (2003) que ao discutir os dados do Inaf/2001, conclui lançando uma questão bastante

provocativa a qual já apresenta uma resposta:

A partir dessas considerações, pode-se, então, chegar à conclusão de que a família é a única e

principal mediadora entre o indivíduo e sua relação com a escrita?

Evidente que não. A escola [...] tem se constituído na principal via de acesso à leitura e à escrita [...]. A

pesquisa mostrou que os anos de escolaridade e os níveis de alfabetismo estão estritamente

relacionados. Coloca-se, portanto, como fundamental, a discussão sobre as práticas de leitura e da

escrita, em seus contextos de uso, no cotidiano da escola, tornando a relação como o mundo escrito

[...]. Ao lado da escola, diversas outras instâncias também contribuem para que as pessoas utilizem

com maior freqüência [sic] e propriedade a leitura e a escrita [...] (GALVÃO, 2003, p. 149-150).

É exatamente nessa perspectiva que, assim como Freire (2000), busca-se a partir dos resultados deste

estudo, fortalecer o processo de ensino e aprendizagem por meio de intervenções propositivas voltadas

para alfabetizar letrando partindo dos sujeitos e suas diversas interações.

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[1] Diversos pesquisadores sugerem que o processo de alfabetização e letramento aconteça de forma concomitante (também

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comungamos dessa concepção), dentre outros destacamos Soares (2003, 2004), Tfouni (2005), Ferreiro (1999, 2001), Kleiman

(1995), Albuquerque, Morais e Ferreira (2010). [1] Leal (2004) entende a cultura como a compreensão, aceitação e ampliaçãodos mais diversos saberes. [1] Expressão usada por Piaget (1977, 1995) a qual representa as ações interiorizadas dos sujeitosenvolvendo pensamento e ação sobre os objetos no plano simbólico. [1] Esse projeto foi realizado em outra instituição inseridaem outro município. Destaca-se, contudo, que a mãe do depoimento é a professora que trabalha no referido projeto.

*[*1] Doutora e mestre em Educação e Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail:[email protected]

Recebido em: 08/08/2016Aprovado em: 09/08/2016Editor Responsável: Veleida Anahi / Bernard CharlortMetodo de Avaliação: Double Blind ReviewE-ISSN:1982-3657Doi:

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