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ALFABETIZAR LETRANDO: UM REPENSAR DA AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA HALLINE FIALHO DA ROCHA Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Supervisão Educacional e Inspeção Escolar da Universidade Católica de Petrópolis como requisito para Conclusão de Curso. Orientador: Profa. Dra. Marisol Barenco de Mello. Petrópolis 2005

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Page 1: Monografia ALFABETIZAR LETRANDO:  UM REPENSAR DA AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA: HALLINE FIALHO DA ROCHA

ALFABETIZAR LETRANDO:

UM REPENSAR DA AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA

HALLINE FIALHO DA ROCHA

Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Supervisão Educacional e Inspeção Escolar da Universidade Católica de Petrópolis como requisito para Conclusão de Curso.

Orientador: Profa. Dra. Marisol Barenco de Mello.

Petrópolis

2005

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Dedico esta monografia aos professo-res alfabetizadores,

para que se tornem profissionais refle-xivos de sua prática,

buscando aprimorá-la através da for-mação inicial e continuada.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus,

aos meus familiares

e a todos aqueles que contribuíram para minha formação não só profissional,

mas também como pessoa consciente, crítica e reflexiva.

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"[...] A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual,

por trás da mão que pega o lápis,

dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam,

há uma criança que pensa."

Emília Ferreiro

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RESUMO

O presente estudo tem como finalidade apresentar os avanços teórico-metodológicos na área da alfabetização. Assim como a alfabetização e o letramento são processos que caminham juntos, este trabalho, em específico, buscou um repensar da aquisição da língua escrita, basea-do no alfabetizar letrando. Antecedendo toda a discussão teórica, foi traçado um histórico sobre a alfabetização. O estudo das teorias de Cagliari(1998), Colello(2004), Peixoto(2004), Soares (2000) entre outros, possibilitou um conhecimento teórico que serviu como alicerce para a fundamentação de conceitos que envolvem o alfabetizar letrando. Na prática, foi reali-zado um estudo de caso que buscou analisar as hipóteses de escrita construídas por duas cri-anças durante o 1º ano do ciclo de alfabetização, enfatizando as práticas educativas que per-mearam todo o processo de aprendizagem do alfabetizar letrando. O estudo deste novo para-digma teórico, o alfabetizar letrando, contribuirá para um repensar do educador atuante nas classes de alfabetização, onde o mesmo refletirá sobre sua prática pedagógica, podendo re-construí-la.

Palavras-chave: alfabetização, letramento e professor alfabetizador.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Escrita 1 : Lista de Animais

Quadro 2 - Escrita 2: Lista de Festa

Quadro 3 -Escrita 3: Lista da Festa Julina

Quadro 4 - Escrita 4: Lista de Objetos da Sala de Aula

Quadro 5 - Escrita 5: Música Borboletinha

Quadro 6 - Escrita 6: Lista de Natal

Quadro 7 - Escrita 1: Lista de Animais

Quadro 8 - Escrita 2: Lista de Festa

Quadro 9 - Escrita 3: Lista da Festa Julina

Quadro 10 - Escrita 4: Lista de Objetos da Sala de Aula

Quadro 11 - Escrita 5: Música Borboletinha

Quadro 12 - Escrita 6: Lista de Supermercado

Quadro 13 - Escrita 7: Lista de Natal

Quadro 14 - Escrita 8: Cartinha Para o Papai Noel

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08

1.1 Objetivos .............................................................................................. 09

1.2 Relevância do Estudo .................................................................................. 09

1.3 Metodologia .............................................................................................. 09

2 UM POUCO DE HISTÓRIA .................................................................................. 11

2.1 O Surgimento da Escrita ...................................................................... 11

2.2 As Cartilhas ............................................................................................ 15

2.2.1 Cartilhas da Língua Portuguesa .............................................. 17

2.3 A Alfabetização no Brasil ...................................................................... 18

3 ALFABETIZAR LETRANDO ................................................................................. 24

3.1 O Que é Letramento? .................................................................................. 24

3.2 Sociedade Letrada/Sujeito Letrado ......................................................... 24

3.3 Alfabetizar Letrando ................................................................................. 25

3.4 O Papel do Educador no Letramento .......................................................... 26

4 ANÁLISE DA ESCRITA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ....................... 29

4.1 Análise da Escrita de Sérgio Murilo ........................................................... 31

4.2 Análise da Escrita de Martiane ...................................................................... 35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 40

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 42

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES ...................................................................... 44

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como enfoque principal a Alfabetização que, como propõem

Freire e Macedo (1990), é “a relação entre o educando e o mundo, mediada pela prática trans-

formadora deste mundo” e o Letramento que, segundo Soares (2000), "é o estado em que vive

o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita

que circulam na sociedade em que vive".

Assim como a alfabetização e o letramento são processos que caminham juntos, este

trabalho, em específico, busca repensar a aquisição da língua escrita, baseado no alfabetizar

letrando.

Visto que a sociedade hoje é uma sociedade grafocêntrica, não basta ao indivíduo ser

simplesmente alfabetizado, ou seja, aprender meramente a decodificar. Faz-se necessário que

o mesmo seja também letrado para que possa exercer as práticas sociais de leitura e escrita

nesta sociedade.

Infelizmente, a situação de nosso país nas últimas décadas, com relação aos índices de

analfabetismo, é muito alarmante, pois muito se discute, mas, na prática, muito pouco é feito.

O número de alunos aprovados ao final do primeiro ano escolar não é satisfatório, assim como

o número dos que chegam à 4ª série do ensino fundamental sem estarem sequer alfabetizados/

letrados também é preocupante.

Já que o paradigma tradicional defendido há décadas não está trazendo resultados sa-

tisfatórios, foi realizado um estudo teórico aprofundado sobre a Alfabetização, partindo para

seu campo de atuação e confrontando a teoria com a prática. Antecedendo toda a discussão

teórica, foi traçado um histórico sobre a alfabetização e, na prática, realizado um estudo de

caso que possibilitou ver o quão é importante e enriquecedor um processo alfabetizador base-

ado na relação da criança com uma diversidade de textos, seja como ouvinte, redador ou lei-

tor.

Diante dessa temática, propõe-se o seguinte problema:

Como se dá a aquisição da língua escrita através do alfabetizar letrando?

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1.1 Objetivos

Segundo a problemática abordada, busca-se elucidar as seguintes questões:

§ Compreender o papel histórico da alfabetização ao longo dos anos;

§ Repensar a aquisição da língua escrita em uma visão de alfabetizar letrando;

§ Analisar a escrita de duas crianças em seu processo de alfabetização.

1.2 Relevância do Estudo

Este estudo busca compreender os avanços teórico-metodológicos na área da alfabeti-

zação, visto que muitas crianças continuam sendo alfabetizadas pelo método tradicional, que é

terrivelmente cego e empobrecedor, trazendo conseqüências drásticas para o aluno que, ao

chegar à 5ª série, por exemplo, lê um texto mas não o entende, pois só tem a capacidade de

decodificar e não de interpretar.

O estudo desse novo paradigma contribuirá para um repensar do educador atuante nas

classes de alfabetização, pois este deve ter um conhecimento básico dos princípios teórico-

metodológicos da alfabetização para que possa refletir sobre sua prática pedagógica, podendo

reconstruí-la.

1.3 Metodologia

O presente estudo tem como referenciais metodológicos a pesquisa bibliográfica e a

pesquisa empírica.

O desenvolvimento do trabalho consiste na leitura de autores que desenvolveram pes-

quisas que perpassam a temática em estudo a fim de embasar, teoricamente, toda a pesquisa.

A pesquisa bibliográfica consiste na realização de um histórico da alfabetização traça-

do desde o surgimento da escrita até os índices divulgados pelo INAF (Indicador de Alfabe-

tismo Funcional) neste ano de 2005, e no estudo das teorias de Cagliari (1998), Colello

(2004), Peixoto (2004), Soares (2000) entre outros, possibilitando, assim, um conhecimento

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teórico que servirá como alicerce para a fundamentação de conceitos que envolvem o alfabe-

tizar letrando.

Na prática, foi realizado um estudo de caso que buscou elucidar como se dá a aquisi-

ção da língua escrita através do alfabetizar letrando, por meio da análise das hipóteses de es-

crita construídas por duas crianças durante o 1º ano do ciclo de alfabetização, enfatizando as

práticas educativas que permearam todo o processo de aprendizagem do alfabetizar letrando.

Este estudo foi realizado através da diagnose que permitia analisar, periodicamente, a fase da

escrita do educando e das atividades realizadas no cotidiano da sala de aula permeadas por

diversos tipos textuais, consideradas interessantes, na visão da professora da turma para com-

por o presente estudo. O texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa

possibilitou a fundamentação de todo o estudo de caso.

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2 UM POUCO DE HISTÓRIA

Segundo Cagliari (1998, p. 12):

Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras da alfabetização, ou se-ja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito, entender como o sis-tema de escrita funciona e saber como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita. De certo modo, é a atividade escolar mais antiga da humanidade.

Fatos historicamente comprovados nos relatam que a escrita surgiu do sistema de con-

tagem feito com marcas em cajados ou ossos que provavelmente eram usados para contar o

gado, na época em que o homem já domesticava os animais e possuía rebanhos. Essas marcas

eram utilizadas, também, para as trocas e vendas, representando a quantidade de animais ou

produtos negociados. Além dos números, era preciso inventar símbolos para os produtos e os

nomes dos proprietários.

Segundo Cagliari (1998, p. 14) naquela época de escrita primitiva, ser alfabetizado

significava saber ler o que aqueles símbolos significavam e ser capaz de escrevê-los, repetin-

do um modelo mais ou menos padronizado, mesmo porque o que se escrevia era apenas um

tipo de documento ou texto.

A ampliação do sistema de escrita fez com que as pessoas abandonassem os símbolos

para representar coisas e passassem a utilizar, cada vez mais, os símbolos que representassem

sons da fala como, por exemplo, as sílabas. Como, em média, há cerca de 60 tipos de sílabas

diferentes por língua, tornou-se muito conveniente a difusão da escrita na sociedade, pois o

sistema de símbolos necessário para representar as palavras através das sílabas ficou muito

reduzido e fácil de ser memorizado.

2.1 O Surgimento da Escrita

Segundo Cagliari (1998, passim), a escrita começou de maneira autônoma e indepen-

dente, na Suméria, por volta de 3300 a.C. É muito provável que no Egito, por volta de 3000

a.C, e na China, por volta de 1500 a.C., esse processo autônomo tenha se repetido. Os maias

da América Central também inventaram um sistema de escrita independentemente de um co-

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nhecimento prévio de outro sistema de escrita, em um tempo indeterminado ainda pela ciên-

cia, que talvez se situe por volta do início da era cristã. Todos os demais sistemas de escrita

foram inventados por pessoas que tiveram, de uma maneira ou de outra, contato com algum

sistema de escrita.

Na Antigüidade, os alunos alfabetizavam-se aprendendo a ler algo escrito e, depois,

copiando. Começavam com palavras soltas e, depois, passavam para textos famosos, que e-

ram estudados exaustivamente. Finalmente, passavam a escrever seus próprios textos. O tra-

balho de leitura e cópia era o segredo da alfabetização.

As pessoas que não pretendiam se tornar escribas, aprendiam sem ir à escola. A alfa-

betização dava-se com a transmissão de conhecimentos relativos à escrita de quem os possuía

para quem queria aprender. A decifração da escrita era vista como um procedimento comum.

Não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava ler. Para quem sabe ler, escrever é algo

que vem como conseqüência.

Os semitas, ao formarem seu sistema de escrita, escolheram um conjunto de palavras

cujo primeiro som fosse diferente dos demais. Nenhuma palavra, naquela língua, começava

por vogal, ficando a lista apenas com consoantes, reduzindo os modelos silabários da época

da escrita cuneiforme, por exemplo, de cerca de 60 elementos para apenas 21 consoantes. Para

representá-las graficamente, foram escolhidos hieróglifos egípcios cujos aspectos figurativos

lembravam os significados das palavras daquela lista. Por exemplo, a primeira palavra da lista

era ‘alef, que significa boi, e o hieróglifo escolhido foi o que representava a cabeça de um boi.

Dessa maneira, a figura da cabeça do boi passou a representar o som inicial da palavra ‘alef,

que era oclusiva glotal1. E, assim, com as demais palavras e suas respectivas consoantes.

Assim sendo, cada palavra da lista passou a ser o nome da letra que representava a

consoante inicial. Além disso, esse nome passou a ser a chave para se saber que som a letra

representava: ‘alef representava a oclusiva glotal, por exemplo. A escolha de uma lista de

palavras como essa constitui o que se chama de princípio acrofônico, ou seja, o som inicial

do nome da letra é o som que a letra representa: o desenho da cabeça de boi representa o som

da oclusiva glotal porque o nome dessa letra é ‘alef.

O princípio acrofônico permitiu uma grande simplificação no número de letras e trou-

xe a forma óbvia de como se devia proceder para ler e escrever. Uma vez identificada a letra

pelo nome, já se tinha um som para ela. Juntando os sons das letras das palavras em seqüên-

1 A consoante oclusiva glotal, representada pela vírgula sobrescrita, é pronunciada com um fechamento e uma abertura brusca das cordas vocais. É muito comum nas línguas semíticas, nas línguas indígenas brasileiras e ocorre no início de certas palavras em alemão.

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cia, tinha-se a pronúncia de uma dada palavra – o que, feitos os devidos ajustes, dava o resul-

tado final de sua pronúncia; e, pronunciando-a, o significado vinha automaticamente.

Para se alfabetizar nesse sistema de escrita, bastava a pessoa decorar a lista dos nomes

das letras, observar a ocorrência de consoantes nas palavras e transcrever esses sons conso-

nantais usando o princípio acrofônico. Para escrever David, por exemplo, bastava identificar

as consoantes DVD, procurar, na lista de letras, aquelas que começam com sons de D e V e

escrevê-las.

Já os gregos, apesar de manterem o princípio acrofônico, se diferenciaram dos semitas,

pois, em grego, o conjunto de consoantes era diferente, e eram usadas, as vogais. Assim, co-

mo vimos anteriormente, a letra egípcia que representava pictograficamente a cabeça de um

boi foi usada pelos semitas para representar uma consoante oclusiva glotal, e a letra recebeu o

nome da palavra que significava boi, ou seja, ‘alef. Como em grego não houvesse consoante

oclusiva glotal, a letra ‘alef passou a representar a vogal A, agora denominada alfa.

Apesar de manter o princípio acrofônico, os gregos adaptaram os nomes das letras se-

míticas para a sua língua. Para eles, a alfabetização acontecia de maneira semelhante à dos

semitas, com a única diferença de que os gregos tinham de detectar, na fala, não apenas as

consoantes, mas, também, as vogais para escreverem alfabeticamente.

Quando os gregos passaram a usar o alfabeto, aprender a ler e a escrever tornou-se

uma tarefa de grande alcance popular. De fato, pode-se mesmo dizer que na Grécia antiga

havia as escolas do alfabeto.

Os romanos assimilaram tudo o que puderam da cultura grega, inclusive o alfabeto.

Práticos como sempre, acharam interessante o princípio acrofônico do alfabeto grego, mas

perceberam que as letras não precisavam ter nomes especiais: era mais simples ter como no-

me da letra o próprio som dela. Dessa forma, mantinha-se o princípio acrofônico e ficava ain-

da mais fácil usar o alfabeto e se alfabetizar. Foi assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon,

etc. transformaram-se em a, bê, cê, dê, e, etc.

Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns “alfabetos”: tabuinhas ou pe-

quenas pedras ou chapas de metal onde se encontravam todas as letras na ordem tradicional

dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e a escrever, ou

mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram, por assim dizer, as mais antigas

“cartilhas” da humanidade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras do alfabe-

to.

A alfabetização, na Idade Média, em geral ocorria menos nas escolas do que na vida

privada das pessoas: quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrava o valor fonético das

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letras do alfabeto em determinada língua, a forma ortográfica das palavras e a interpretação da

forma gráfica das letras e suas variações. Aprender a ler e a escrever não era uma atividade

escolar, como na Suméria ou mesmo na Grécia antiga. Nessa época, como as crianças já não

iam mais à escola, as que podiam eram educadas em casa pelos pais, por alguém da família ou

até mesmo por um preceptor contratado para essa tarefa. Isso se estende desde a época clássi-

ca latina até o século XVI.

Como o alfabeto tinha no nome das letras o princípio acrofônico, que é a chave de sua

decifração, bastava o aprendiz decorar o nome das letras para ter condições de iniciar a deci-

fração da escrita, a qual se completava quando, somando-se os valores das letras, descobria-se

que palavra estava escrita. O contexto linguístico e as ilustrações sempre ajudaram com in-

formações complementares, facilitadoras do processo de decifração. Vê-se, pois, que a alfabe-

tização pode, perfeitamente, acontecer fora da escola e do processo escolar, podendo ser feita

em casa se a isso as pessoas se dedicarem.

Com o uso cada vez maior da escrita na sociedade e com a produção crescente de li-

vros escritos à mão (e depois impressos), o alfabeto passou a ter um problema a mais: foram

surgindo formas variantes de representação gráfica das letras (sem modificar o inventário do

alfabeto). Isso fez com que uma letra passasse a ser apenas um valor abstrato do alfabeto, que

podia ser representado por muitas formas gráficas, as quais, agora, o usuário do sistema de

escrita tinha de conhecer.

A primeira manifestação desse fato aconteceu quando das letras capitais2 surgiram as

letras minúsculas com forma gráfica diferente das antigas, que passaram a se chamar

maiúsculas. Isso aconteceu sem que as letras perdessem seu valor fonético e sem que a

ortografia das palavras mudasse. Agora, o usuário da escrita precisava saber que “A” e “a”

são a mesma letra e, portanto, “CASA” equivale a “casa”. Isso trouxe um problema novo e

complicado para a alfabetização e para os leitores em geral. Não bastava saber o alfabeto, seu

princípio acrofônico e a ortografia: era preciso, ainda, saber fazer a categorização correta das

formas gráficas, reconhecendo a que categoria pertence cada letra encontrada nas diferentes

manifestações gráficas da escrita.

2 As maiúsculas – que eram as únicas do sistema de escrita latina.

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2.2 As Cartilhas

Com o Renascimento (séculos XV e XVI) e, sobretudo, com o uso da imprensa na Eu-

ropa, a preocupação com os leitores aumentou, uma vez que agora se faziam livros para um

público maior, e a leitura de obras famosas deixou de ser coletiva para se tornar cada vez mais

individual. Por isso, a preocupação com a alfabetização passou a ter uma importância muito

grande. A primeira conseqüência disso foi o aparecimento das primeiras “cartilhas”. Nessa

época, surgem as primeiras gramáticas das línguas neolatinas, fato esse que motivou gramáti-

cos a se dedicarem também à alfabetização: era preciso estabelecer uma ortografia e ensinar o

povo a escrever nas línguas vernáculas, deixando de lado, cada vez mais, o latim.

A seguir, apresentamos uma breve relação das primeiras obras de alfabetização que

surgiram na Europa entre os séculos XV e XVIII.

Jan Hus (1374-1415) propôs uma ortografia padrão para a língua tcheca e, juntamente

com este trabalho, apresentou o ABC de Hus: um conjunto de frases de cunho religioso, cada

qual iniciada cada frase com uma letra diferente, na ordem do alfabeto. Essa obra era voltada

para a alfabetização do povo.

Em 1525, foi publicada, na cidade de Wittenberg uma cartilha do ABC intitulada Bo-

keschen vor leven ond kind, que continha o alfabeto, os dez mandamentos, orações e os alga-

rismos. Em 1527, Valentim Ickelsamer incluiu, em uma obra semelhante, listas de sílabas

simples. Esse tipo de obra permanece com esquema semelhante até o século XVII. Somente

no século XVIII, apareceram as primeiras gravuras das letras iniciais, por exemplo, a letra S

com o desenho de uma cobra, a letra A com a figura de uma escada aberta etc.

O educador tcheco Jan Amos Komensky, mais conhecido como Comênius (1592-

1670), fez de sua obra Orbis sensualis pictus (“O mundo sensível em gravuras”), publicada

em 1658, um livro de alfabetização em que as lições vinham acompanhadas de gravuras para

ajudar a motivar as crianças para os estudos.

São João Batista de la Salle escreveu, em 1702, um regulamento para as escolas que

fundara, chamado “Conduite des écoles chrétiennes” (“Conduta das escolas cristãs”), publi-

cado em 1720. Através dessa obra, pode-se ter uma idéia bem detalhada de como eram as

aulas naquela época, inclusive a de alfabetização. O ensino era dividido em três partes, uma

destinada aos alunos principiantes, outra, aos médios e a terceira, aos avançados. A primeira

lição era a “tábua do alfabeto”; a segunda, a “tábua das sílabas”; a terceira, o silabário; a quar-

ta, o segundo livro para aprender a soletrar e a silabar; a quinta (ainda no segundo livro) cui-

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dava da leitura para quem já sabia silabar perfeitamente, etc. No terceiro livro, os alunos a-

prendiam a ler com pausas e entonação.

Para ensinar ortografia, o professor mandava os alunos copiarem cartas-modelo e do-

cumentos comerciais para aprenderem, ao mesmo tempo, coisas úteis para a vida. Nesse mo-

delo de ensino, aparece uma distinção clara entre ler e escrever. A leitura era dirigida para as

coisas religiosas; a escrita, para o trabalho na sociedade. Esse modelo de escola partiu da

França e teve grande repercussão nas escolas dirigidas por religiosos em outros países.

Após a Revolução Francesa, surgiu o Ensino Mútuo que se espalhou, sobretudo, entre

povos anglo-germânicos. O pedagogo alemão José Hamel, em sua obra Ensino Mútuo, des-

creve o método de alfabetização em detalhes. Os alunos aprendem em aulas de 15 minutos,

estudando exercícios fáceis e em coro ao redor de lousas colocadas nas paredes da sala. O

ensino é nitidamente coletivo, sendo dado para classes e não mais com atenção individual.

O ensino realizado com muitos alunos em uma classe acabou criando um tipo de esco-

la para as crianças: as escolas infantis, jardins de infância ou escolas maternais, iniciadas por

Robert Owen (1771-1858) em 1816, destinadas aos filhos dos operários de sua fábrica têxtil

de New Lanark, na Escócia. Essas escolas logo se espalharam e passaram a cuidar da alfabeti-

zação das crianças. O pedagogo alemão Friedrich Froebel (1782-1852) fundou o primeiro

jardim de infância (Kinder-garten) em 1837.

A Revolução Francesa trouxe grandes novidades para a escola. Uma delas foi a res-

ponsabilidade com a educação das crianças, introduzindo a alfabetização como matéria esco-

lar. Alfabetização popular, nessa época, significava a educação dos ricos que não tinham liga-

ção com a nobreza, ou seja, membros da burguesia.

Diante dessa nova realidade, as antigas cartilhas sofreram uma modificação notável.

Com a escolarização, o processo educativo da alfabetização tinha de acompanhar o calendário

escolar. Como as antigas cartilhas fossem simples esquemas, passaram a ser mais desenvolvi-

das. O estudo foi dividido em lições, cada uma enfatizando um fato. O ensino silábico passou

a dominar o alfabético. O método do bá-bé-bi-bó-bu começava a ser adotado. Com poucas

modificações superficiais, esse tipo de cartilha iria ser o modelo dos livros de alfabetização.

A moda das escolas que ensinavam as crianças a ler e a escrever espalhou-se pelo

mundo. Apesar de a escola se encarregar da alfabetização, os alunos que freqüentavam essas

escolas pertenciam a famílias com certo status na sociedade. O povo simples e pobre continu-

ava fora da escola.

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2.2.1 Cartilhas da Língua Portuguesa

João de Barros (1496-1571) escreveu a gramática portuguesa mais antiga, publicada

em 1540. Junto com a gramática, publicou a Cartinha, que é um outro diminutivo de “carta”,

ao lado da “cartilha”. O nome “cartinha” ou “cartilha” tem a ver com “carta”, no sentido de

esquema, mapa de orientação.

A Cartinha de João de Barros trazia o alfabeto (em letras góticas, que eram as da im-

prensa da época); depois, vinham as “taboas” ou “tabelas”, com todas as combinações de

letras que eram usadas para escrever todas as sílabas das palavras da língua portuguesa. Em

seguida, havia uma lista de palavras, cada uma começando com uma letra diferente do alfabe-

to e ilustrada com desenhos. Por último, vinham os mandamentos de Deus e da Igreja, e al-

gumas orações. João de Barros incluiu, também, um gráfico que permitia fazer todas as com-

binações de letras das “taboas”.

A Cartinha de João de Barros não era um livro para ser usado na escola, uma vez que

a escola, naquela época não alfabetizava. O livro servia, igualmente, para adultos e crianças.

Para se alfabetizar, a pessoa decorava o alfabeto, tendo o nome das letras como guia para sua

decifração, decorava as palavras-chave para pôr em prática o princípio acrofônico, próprio do

alfabeto, e depois punha-se a escrever e a ler, interpretando, nas “taboas”, as sílabas da fala

com a correspondente forma de escrita.

A Cartilha do ABC, que há poucos anos se podia comprar em alguns supermercados

ou em certas lojas de estações de trem e rodoviárias, segue o mesmo esquema da Cartinha de

João de Barros. Muitas pessoas que não puderam ir à escola, ou que saíram dela porque foram

consideradas “burras” demais para aprender, aprenderam a ler através de livrinhos como esse.

Outra cartilha famosa foi a de Antonio Feliciano de Castilho, chamada Metodo por-

tuguez para o ensino de ler e do escrever, publicada em 1850. Essa obra tinha como uma de

suas características mais importantes o emprego dos chamados “alfabetos picturais ou icôni-

cos”, já usados na Grécia antiga e muito em voga durante o Renascimento.

Castilho apresentava, também, “textos narrativos” para ensinar o uso das letras, fazen-

do uma lição para cada uma delas e para os dígrafos.

Além do método de Castilho, outra cartilha portuguesa que ficou muito famosa inclu-

sive no Brasil, foi a de João de Deus (1830-1896) chamada Cartilha maternal ou arte de lei-

tura.

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A cartilha de João de Deus apresentava uma forte tendência para o privilégio da escrita

sobre a leitura, embora, no título da obra, haja um destaque à leitura.

2.3 A Alfabetização no Brasil

No Brasil, depois da grande influência da Cartilha maternal (1870) de João de Deus,

apareceram inúmeras outras.

O mais antigo, o método sintético3 partia do alfabeto para a soletração e silabação, se-

guindo uma ordem hierárquica crescente de dificuldades desde a letra até o texto. Este método

foi utilizado até o aparecimento da Cartilha maternal.

O método analítico4 inicia-se com a Cartilha maternal e vai assumir importância mai-

or na década de 30, quando a psicologia passa a fazer testes de maturidade psicológica e a

condicionar o processo a resultados obtidos nesses estudos. Exemplos típicos desse caso é a

Cartilha do povo (1928) e o famoso Teste ABC (1934) ambos de Lourenço Filho.

Com o passar do tempo, apareceram cartilhas que seguiam o método misto, ou seja,

misturavam estratégias dos métodos sintético e analítico. Um bom exemplo é a cartilha Cami-

nho Suave (1948), de Branca Alves de Lima, que trazia o período preparatório.

Até a década de 50, as cartilhas escolares ainda davam ênfase à leitura. Achavam im-

portante ensinar o abecedário. A leitura era feita através de exercícios de decifração e de iden-

tificação de palavras, por meio dos quais os alunos aprendiam as relações entre letras e sons

seguindo a ortografia da época.

Na década de 50, alfabetizada era a pessoa que, segundo a Unesco, fosse capaz de ler e

escrever, mesmo que somente frases simples. Imaginava-se que, para ler, era preciso primeiro

aprender o sistema de escrita, sem levar em conta o conhecimento da criança, tratando-a como

um vazio a ser preenchido. O educando não era um usuário da escrita e, na vida cotidiana, não

conseguia extrair sentido das palavras nem colocar idéias no papel por meio do sistema de

escrita.

Naquela época, também, a escola começou a se dedicar à alfabetização dos alunos po-

bres, carentes de recursos materiais e culturais, que empregavam dialetos diferentes da fala

3 Propunha que o aluno tinha de aprender primeiro as letras ou sílabas e o som das mesmas, para, depois, chegar a palavras ou frase. 4 Defendia que o melhor era oferecer ao aluno a totalidade, ou seja, palavras, frases ou pequenos textos, para que ele fizesse uma análise e chegasse às partes, que são sílabas e letras.

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culta. A ênfase passou a ser dada à produção escrita pelo aluno e não mais à leitura. O impor-

tante, agora, era aprender a escrever palavras. A atividade escolar deixou de privilegiar a a-

prendizagem e passou a cuidar quase que exclusividade do ensino – aquilo que o professor

deveria fazer em sala de aula. Em lugar do alfabeto, apareceram as palavras-chave, as sílabas

geradoras e os textos elaborados apenas com as palavras já estudadas. As "famílias" de letras

passaram a ser estudadas em uma ordem crescente de dificuldade. Completadas todas as le-

tras, o aluno começava seu livro de leitura, agora também programado de maneira a ter difi-

culdades crescentes, libertando, aos poucos, o aluno da cartilha e levando-o a ler autores de

textos infantis. Essa cartilha já trazia em si o esquema de todas as outras cartilhas que apare-

ceram depois, caracterizando a alfabetização pelo estudo da escrita e usando como técnica o

monta-e-desmonta do método do bá-bé-bi-bó-bu.

Parecia que ia dar certo, mas não foi bem assim. A escola percebeu, logo de início, que

muitos alunos tinham dificuldade em seguir o processo escolar de alfabetização. E as reprova-

ções na primeira série tornaram-se freqüentes. Os dados estatísticos mostravam que a escola

não conseguia alfabetizar mais de cinqüenta por cento de seus alunos. A repetência e a evasão

escolar foram sempre um monstruoso fantasma para as crianças, pais e professores.

Diante desse quadro, a escola começou a investigar, mais uma vez o que estava errado

com a alfabetização escolar. A primeira coisa que saltou aos olhos dos estudiosos foi o fato de

as cartilhas serem esquemáticas demais, o que podia dificultar a sua aplicação. Alguns profes-

sores podiam não saber exatamente como usar aquele tipo de livro, comprometendo, assim, o

processo educativo. Era necessário dar uma ajuda especial aos professores, uma orientação

mais pormenorizada, subsídios mais práticos para seu uso em sala de aula. Foi assim que a

cartilha ganhou um companheiro: o manual do professor.

Mesmo assim, o índice de repetência continuou assustador. Onde será que residia o

segredo de tanta reprovação na primeira série? A cartilha era, “logicamente”, perfeita, o pro-

fessor tinha todos os subsídios necessários para aplicar o método das cartilhas; então, a difi-

culdade deveria residir nas crianças. Deveria haver “algo” em certos alunos que não permitia

que aprendessem adequadamente.

Já que o manual do professor não resolveu o problema da repetência e da evasão de

grande parte dos alunos, a escola foi buscar socorro nas universidades.

A partir dos anos 50, a psicologia começou a fazer um enorme sucesso nas universida-

des do Brasil. Muitos alunos pesquisavam para teses, aplicando teorias que, muitas vezes,

nem eles próprios tinham entendido muito bem. E a escola tornou-se um bom laboratório para

esses pesquisadores. Sem formação pedagógica, sem formação lingüística, os psicólogos co-

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meçaram a aplicar uma variedade de testes e chegaram à conclusão de que a grande dificulda-

de de aprendizagem das crianças na alfabetização devia-se ao fato de as crianças repetentes

serem de famílias carentes. Carentes de alimentação na infância, carentes de emoções que as

motivassem para aquisição de cultura, enfim, carentes de praticamente tudo. Assim, não podi-

am aprender. Para resolver o problema, já que não era conveniente deixar essas crianças fora

da escola, foi inventado um período que precedesse a alfabetização, o chamado período prepa-

ratório, no qual as crianças seriam treinadas nas habilidades básicas até ficarem “prontas”

para se alfabetizarem. Sem “prontidão” não se podia realizar um processo de alfabetização

eficiente. Os psicólogos inventaram, então, uma série de exercícios para as crianças realiza-

rem antes da alfabetização: fazer curvinhas, completar figuras, fazer bolinhas, etc. Além da

cartilha e do manual do professor, surgiu, então, o livro de “exercícios de prontidão”.

Apesar do enorme esforço em aperfeiçoar a “prontidão”, o índice de cinqüenta por

cento de reprovação na primeira série manteve-se mais ou menos inalterado. Aquela imensa

parafernália não serviu para resolver o mais importante: a aprendizagem da leitura e da escrita

pelas crianças.

No início de década de 80, os resultados da pesquisa pioneira de Emília Ferreiro e Ana

Teberosky, descrevendo a psicogênese da língua escrita a partir de referencial piagetiano,

provocaram significativas alterações na fundamentação teórica do processo ensino-

aprendizagem da lectoescrita, deslocando seu eixo de "como se ensina" para "como se apren-

de" a ler e a escrever.

Na perspectiva dos trabalhos desenvolvidos por Ferreiro, os conceitos de prontidão,

imaturidade, habilidades motoras e perceptuais, deixam de ter sentido isoladamente como

costumam ser trabalhados pelos professores. Estimular aspectos motores, cognitivos e afeti-

vos, são importantes, mas vinculados ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos. Essa

nova concepção de alfabetização ficou conhecida como "construtivista" e explica que o a-

prendizado da leitura e da escrita segue uma linha de evolução regular, independente da classe

social do aprendiz, de ele ter/não ter cursado a pré-escola e do dialeto falado. Ferreiro e Tebe-

rosky (1986) se limitaram a apresentar a descrição da psicogênese da língua escrita, evitando

qualquer sugestão metodológica, deixando essa tarefa a cargo dos especialistas em alfabetiza-

ção.

A Psicogênese da Língua Escrita caracteriza-se pela sucessão de etapas cognitivas que,

sem a instrução direta vinda dos adultos, são, de forma original, formuladas pelas crianças em

processo de conhecimento a partir da interação com o meio social e escolar.

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Os níveis estruturais da linguagem escrita explicam as diferenças individuais e os dife-

rentes ritmos dos alunos e segundo Emilia Ferreiro são classificados em pré-silábico, silábico

e alfabético.

Nos meados da década de 80, aparece, pela primeira vez, a palavra letramento no livro

de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística, de 1986. Segundo

Soares (2000) podemos conceituar letramento como "estado em que vive o indivíduo que não

só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na soci-

edade em que vive".

Nos anos 90, começaram a surgir os ciclos básicos de alfabetização em alguns estados

como nos traz a própria Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Título

V, Capítulo II, Seção I, Artigo 23:

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases criou os ciclos na organização de ensino. Com

isso podemos perceber que a classe de alfabetização em um ano não dá conta da alfabetização

que agora é vista não somente como a aprendizagem mecânica do ler e escrever, mas como

um período onde a criança é levada a dominar as práticas de leitura e de escrita desta nossa

sociedade grafocêntrica.

Nestas últimas décadas, houve muita reflexão, discussão e revisão das práticas tradi-

cionais de alfabetização inicial, as quais não estavam tendo resultado satisfatório como pode-

mos observar no quadro abaixo:

Taxa de aprovação ao final da 1ª série do Ensino Fundamental (MEC/INEP)

1956 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

41,8% 47% 46% 49% 51% 51% 51% 50% 53%

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 53% 58% 65% 68,7% 70,7% 70,7% 74,3% 75,8%

A partir dos anos de 1997 e 1998, algumas secretarias de educação passaram a adotar o sistema de ciclos, previs-to na LDBEN

Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, e em nosso caso específico da Lín-

gua Portuguesa, podemos perceber nitidamente que:

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social e efeti-va, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, ex-

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pressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz co-nhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a to-dos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos. (PCN - Língua Portuguesa , p. 15)

Este documento, atualmente, é tido como um dos referenciais para a elaboração de

projetos, discussões pedagógicas, planejamento e reflexão sobre a prática educativa nas esco-

las.

O INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional) realiza desde 2001 uma pesquisa anual

focalizando alternadamente habilidades e práticas de leitura e escrita e habilidades matemáti-

cas da população jovem e adulta (de 15 a 64 anos) no Brasil.

Neste ano de 2005, foi divulgado, em 8 de setembro, o 5º INAF - Um diagnóstico para

a inclusão social pela educação - avaliação de leitura e escrita.

Com base nos resultados do teste de leitura, o INAF classifica a população estudada

em quatro níveis:

§ Analfabeto - não consegue realizar tarefas simples que envolvem decodifica-

ção de palavras e frases.

§ Alfabetizado Nível Rudimentar - consegue ler títulos ou frases, localizando

uma informação bem explícita.

§ Alfabetizado Nível Básico - consegue ler texto curto, localizando uma infor-

mação explícita ou que exija uma pequena inferência.

§ Alfabetizado Nível Pleno - consegue ler textos mais longos, localizar e rela-

cionar mais de uma informação, comparar vários textos, identificar fontes.

Obtêm-se os seguintes resultados:

EVOLUÇÃO DOS NÍVEIS DE ALFABETISMO

Leitura e escrita 2001 a 2005

2001 2003 2005 Analfabeto 9% 8% 7% Alfabetizado Nível Rudimentar 31% 30% 30% Alfabetizado Nível Básico 34% 37% 38% Alfabetizado Nível Pleno 26% 25% 26%

Com os dados apresentados, podemos perceber que, ainda hoje, em nosso país o índice

de analfabetos ainda é significante e, se somado com os alfabetizados em nível rudimentar,

atinge a marca de 1/3 da população estudada. Esse percentual não obtém o que é tido como

conhecimento básico para quem vive em uma sociedade letrada.

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Em suma, todo este estudo sobre a história da alfabetização, desde o surgimento da es-

crita, passando por métodos, cartilhas e teóricos, até os dias de hoje nos aponta como os índi-

ces de alfabetismo sempre foram insatisfatórios.

Então faz-se necessário um repensar da aquisição da língua escrita para que o processo

de aprendizagem seja mais eficaz e atenda às exigências de nossa sociedade grafocêntrica.

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3 ALFABETIZAR LETRANDO

3.1 O que é Letramento?

Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive. (SOARES, 2000)

O termo letramento passou a ter veiculação no setor educacional há pouco menos de

vinte anos, primeiramente entre os lingüistas e estudiosos da língua portuguesa.

No Brasil, o termo foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em 1986, na obra "No

mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística". Dois anos depois, passou a representar

um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em "Adultos não alfabeti-

zados: o avesso dos avessos".

Segundo Soares (2003), foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa quan-

to ao significado da palavra e nada foi encontrado nem mesmo nas edições mais recentes dos

anos de 1998 e 1999.

Na realidade, o termo originou-se de uma versão feita da palavra da língua inglesa "li-

teracy", com a representação etimológica de estado, condição ou qualidade de ser literate, e

literate é definido como educado, especialmente, para ler e escrever.

Assim como as sociedades no mundo inteiro, tornam-se cada vez mais centradas na

escrita, e com o Brasil não poderia ser diferente. E como ser alfabetizado, ou seja, saber ler e

escrever, é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas

da sociedade atual, é preciso letrar-se, ou seja tornar-se um indivíduo que não só saiba ler e

escrever, mas exercer as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que

vive (Soares, 2000).

3.2 Sociedade Letrada/Sujeito Letrado

"Letrado" poderia ser, então, o sujeito - criança ou adulto - que, independentemente de (já) ter ido à escola e de ter aprendido a ler e escrever (ter sido alfabetizado?), usasse ou compreendesse certas estratégias próprias de uma cultura letrada. (KLEI-MAN, 1995, p. 19, apud MELLO; RIBEIRO, 2004, p. 26).

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Para um sujeito ser considerado letrado não é necessário que tenha frequentado a escola

ou que saiba ler e escrever, basta que o mesmo exercite a leitura de mundo no seu cotidiano,

sendo um cidadão partícipe de sua comunidade, atuando em associações, clubes, instituições,

igreja, entre outros. Quem é letrado

[...] utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabeti-zado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se co-municar, mesmo que tudo seja carregado de sua particularidades. Ele demonstra com isso que conhece de alguma forma as estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém infor-mações importantes para ele. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004 ).

O sujeito analfabeto não compreende a decodificação dos signos, mas possui um deter-

minado grau de letramento pela prática de vida que tem em uma sociedade grafocêntrica, ele é

letrado, porém não com plenitude.

Uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias li-das por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos "lidos", ela também pode ser considerada letrada. (SOARES, 2003, p. 43 apud PEIXOTO et al, 2004).

Como Soares nos relata, este é um outro grau de letramento, e há ainda aquele indiví-

duo que, mesmo tendo escolarização ou sendo alfabetizado, possui um grau de letramento

muito baixo, ou seja, é capaz de ler e escrever, mas tem dificuldade ao fazer o uso adequado

da leitura e da escrita, não possuindo habilidade para essas práticas, não sendo capaz de com-

preender e interpretar o que lê assim como não consegue escrever cartas ou bilhetes. Por esse

indivíduo ser alfabetizado mas não dominar as práticas sociais da leitura e da escrita, conside-

ra-se um sujeito iletrado. No entanto, em uma sociedade grafocêntrica, acredita-se que não há

sujeito com grau "zero de letramento", ou seja, sujeito iletrado, pois os tipos e os níveis de

letramento estão ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo

no seu meio social.

3.3 Alfabetizar Letrando

Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou so-brepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também a-proximá-los: a distinção se faz necessária porque a introdução, no campo da educa-ção, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só

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o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90 apud COLELLO, 2004)

O processo de letramento inicia-se quando a criança nasce em uma sociedade grafo-

cêntrica, começando a letrar-se a partir do momento em que convive com pessoas que fazem

uso da língua escrita, e que vive em ambiente rodeado de material escrito. Assim ela vai co-

nhecendo e reconhecendo práticas da leitura e da escrita. Já o processo da alfabetização inici-

a-se quando a criança chega à escola. Cabe à educação formal orientar esse processo metodi-

camente, mas, segundo Peixoto (et al, 2004), não basta apenas o saber ler e escrever, neces-

sário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de

escrita que a sociedade faz, pois: enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita

por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos

da aquisição de uma sociedade. (TFOUNI, 1995, p. 20 apud COLELLO, 2004).

Depois que iniciaram-se os estudos do letramento, o conceito de alfabetização foi re-

duzido à mera decodificação, ao simples ensinar a ler e escrever. Não devemos desmerecer a

árdua tarefa, a importância de ensinar a ler e a escrever, pois a aquisição do sistema alfabético

se faz necessária para o indivíduo entrar no mundo da leitura e da escrita.

Na realidade, alfabetização e letramento, esses dois processos, caminham juntos, ou

melhor o processo de letramento, como vimos, antecede a alfabetização, permeia todo o pro-

cesso de alfabetização e continua a existir quando já estamos alfabetizados. Segundo Soares

(2000) deve-se alfabetizar letrando:

Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradi-cionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem ne-cessárias e significativas práticas de produção de textos.

3.4 O Papel do Educador no Letramento

O educador que se dispõe a exercer o papel de "professor-letrador" considera que:

[...] o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos, nem transmissão de idéias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição "no processo de humanização". Processo este de fun-damental papel no exercício de educador que acredita na construção de saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instru-

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mento de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios conceitos e conhecimento. (FREIRE, 1990 apud PEIXOTO et al, 2004).

Mas se faz necessário que o educador, principalmente o que já se encontra há anos e-

xercendo o papel de professor-alfabetizador e que confia plenamente na mera aquisição de

decodificação, aceite romper paradigmas e acreditar que as transformações que ocorrem na

sociedade contemporânea atingem todos os setores, assim como também a escola e os saberes

do educador, pois métodos que aprenderam há décadas podem e devem ser aprimorados, atua-

lizados ou até mesmo modificados. O conhecimento não pode manter-se estagnado, pois ele

nunca se completa ou se finda.

Então, antes de o professor querer exercer esse papel de "professor-letrador" é neces-

sário que ele se conscientize e busque ser letrado, domine a produção escrita, as ferramentas

de busca de informação e seja um bom leitor e um bom produtor de textos. Mas para que se

torne capaz de letrar seus alunos, é preciso que conheça o processo de letramento e que reco-

nheça suas características e peculiaridades. E Soares (2000) pensa que:

Os cursos de formação de professores, em qualquer área de conhecimento, deveriam centrar seus esforços na formação de bons leitores e bons produtores de texto naque-la área, e na formação de indivíduos capazes de formar bons leitores e bons produto-res de textos naquela área.

Percebemos que a ineficácia na formação dos professores reflete na formação de um

sujeito que seja um bom leitor e produtor de textos. Atualmente, temos recursos a que o pró-

prio educador pode recorrer para aprimorar seu conhecimento. Mas ainda não são todos os

que têm essa coragem de reconhecer que precisa aprender e aprender sempre. O professor,

hoje em dia, tem a oportunidade de estudar os Parâmetros Curriculares Nacionais e cito aqui,

em especial, o de Língua Portuguesa que traz, em linguagem simples, o ensino da língua de

forma contextualizada para auxiliá-lo em sua prática em sala de aula e em seu planejamento.

Os estudos realizados por Peixoto (et al, 2004) sobre o papel do "professor-letrador",

ao analisar a prática do letramento pelo professor, destacou alguns passos para o desempenho

desse papel que considero relevante citar:

1) investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados; 2) planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utilizá-la; 3) desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da socieda-de;

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4) incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam; 5) recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo, esse conhecimento; 6) não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibi-lidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos e lingua-gens diferentes; 7) avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo; 8) trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a auto-estima e a alegria de conviver e cooperar; 9) ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor-aprendiz tanto quanto os seus educandos; e 10) reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização.

Esses passos devem servir como norteadores à prática dos professores que buscam e-

xercer verdadeiramente o papel de "professor-letrador".

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4 ANÁLISE DA ESCRITA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Segundo Soares (2000), "alfabetizar letrando significa orientar a criança para que a-

prenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita". Para

elucidar este processo de aquisição da língua escrita, buscamos evidenciar as práticas e inter-

venções realizadas pela professora alfabetizadora na formação do sujeito letrado.

Portanto, neste estudo, vamos analisar as hipóteses de escrita construídas por duas cri-

anças que, no ano de 2004, freqüentaram o 1º ano do ciclo de alfabetização do Ensino Fun-

damental da Escola Municipal Pedro Paulo da Silva, em Santa Cruz da Serra, no município de

Duque de Caxias.

A professora iniciou o ano letivo com um trabalho baseado na metodologia tradicio-

nal, até que, em março do presente ano, aconteceu o I Seminário de Professores Alfabetizado-

res, com o tema "De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo". A partici-

pação neste seminário despertou na professora a necessidade de modificar sua prática do dia-

a-dia como professora alfabetizadora, já que, a partir daquele seminário, os professores inte-

ressados na proposta teriam a oportunidade de participar, mensalmente, de um grupo de estu-

dos, como também de ter um encontro semanal com a professora-adjunta para auxiliar na ela-

boração do planejamento e discutir questões práticas da sala de aula.

A partir dos encontros semanais com a professora-adjunta do referido projeto, a práti-

ca da professora foi se reformulando e atividades de leitura e escrita passaram a fazer parte de

sua rotina, sendo, então, possível "planejar as atividades diárias garantindo que as de leitura

tenham a mesma importância que as demais". (PCN - Língua Portuguesa, p. 58).

A rotina diária passou, então, a se iniciar com a leitura compartilhada realizada pela

professora (textos da literatura infantil, informativos, músicas, poemas, entre outros).

Para os alunos não acostumados com a participação em atos de leitura, que não co-nhecem o calor que possui, é fundamental ver seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista por meio dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode des-pertar o desejo de fazer também. (PCN - Língua Portuguesa, p. 58).

A professora aprendeu, também, a organizar a sua turma em duplas produtivas de tra-

balho:

De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler automaticamente é que reside a possibilidade de, com ajuda dos já leitores, aprender a ler pela prática da leitura. Trata-se de uma situação na qual é necessário

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que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para descobrir o que não sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa circunstância requer do aluno uma atividade re-flexiva que, por sua vez, favorece a evolução de suas estratégias de resolução das questões apresentadas pelos textos. Essa atividade só poderá ser realizada com a intervenção do professor, que deverá colocar-se na situação de principal parceiro, agrupar seus alunos de forma a favore-cer a circulação de informações entre eles, procurar garantir que a heterogeneidade do grupo seja um instrumento a serviço da troca, da colaboração e, consequentemen-te, da própria aprendizagem, sobretudo em classes numerosas nas quais não é possí-vel atender a todos os alunos da mesma forma e ao mesmo tempo. A heterogeneida-de do grupo, se pedagogicamente bem explorada, desempenha a função adicional de permitir que o professor não seja o único informante da turma. (PCN - Língua Por-tuguesa, p. 56).

E de acordo com a intenção da atividade, faz as variações, por exemplo: em uma ativi-

dade de escrita: alfabético (escriba) / pré-silábico (redator) ou silábico-alfabético/alfabético

em que ambos compartilham a função de escriba.

As atividades realizadas com textos que os alunos sabem de cor também proporcionam

momentos preciosíssimos de reflexões, uma vez que os alunos de escrita não-alfabética têm

como tarefa a ordenação de frases ou palavras do texto.

Nas atividades de "leitura" o aluno precisa analisar todos os indicadores disponíveis para descobrir o significado do escrito e poder realizar a "leitura"(...) pelo ajuste da "leitura" do texto, que conhece de cor, aos segmentos escritos; (...) garante que o es-forço de atribuir significado às partes escritas coloque problemas que ajudem o alu-no a refletir e aprender . (PCN - Língua Portuguesa, p. 83)

Embora não leiam de forma convencional, os alunos utilizam-se de critérios para en-

contrar as palavras, como, por exemplo, identificando com que letra começa e/ou termina

determinada palavra. E, depois de concluída a ordenação, fazem o ajuste da leitura, uma vez

que o texto já é de seu domínio oral. Para os alunos alfabéticos, a realização da tarefa dá-se

com a montagem do texto com letras móveis (número exato de letras, sem sobrar alguma) ou

a escrita do texto.

As propostas de escrita mais produtivas são as que permitem aos alunos monitora-rem sua própria produção, ao menos parcialmente. As escritas de listas ou quadri-nhas que se sabe de cor permite, por exemplo, que a atividade seja realizada em gru-po e que os alunos precisem se pôr de acordo sobre quantas e quais letras irão usar para escrever. Cabe ao professor que dirige a atividade escolher o texto a ser escrito e definir os parceiros em função do que sabe acerca do conhecimento que cada aluno tem sobre a escrita, bem como, orientar a busca de fontes de consulta, colocar ques-tões que apóiem a análise e oferecer informação específica sempre que necessário. (PCN - Língua Portuguesa, p. 84)

Ao término dessa atividade, os alunos podem compartilhar a escrita para se discutirem

as questões ortográficas. É importante lembrar que, nessa atividade, a intervenção do profes-

sor é essencial, pois é a intervenção que leva os alunos à reflexão e ao avanço.

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31

Uma vez por semana, acontecia a roda de leitura na qual os alunos faziam emprésti-

mos de livros.

[...] periodicamente os alunos tomam emprestado um livro (do acervo de classe ou da biblioteca da escola) para ler em casa. No dia combinado, uma parte deles relata suas impressões, comenta o que gostou ou não, o que pensou, sugere outros títulos do mesmo autor ou conta uma pequena parte da história para "vender" o livro que o entusiasmou aos colegas. (PCN - Língua Portuguesa, p. 63)

Também proporcionava momentos de escrita individual, em dupla e coletiva, em que a

própria professora era a escriba.

4.1 Análise da Escrita de Sergio Murilo

Sérgio Murilo Júnior é uma criança de 6 anos que freqüentou, em 2004, uma sala de

aula juntamente com mais 22 colegas. Iniciaram o ano letivo, em fevereiro, nas seguintes

hipóteses de escrita: 17 alunos na hipótese pré-silábica5 e 6 alunos na hipótese silábica6 com

algum valor sonoro.

Quadro 1 - Escrita 1 : Lista de Animais

Em abril, a professora sentiu a necessidade de realizar um diagnóstico dos alunos, e,

para isso utilizou uma lista de animais como podemos observar no Quadro 1

5 Hipótese pré-silábica - nível onde não se busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são esta-belecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. 6 Hipótese silábica - nível onde a criança compreende que as diferenças na representação escrita está relacionada com o som das palavras, o que a leva a sentir a necessidades de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas.

12/04/2004

UNIOF HRSPPDIO borboleta galinha

ROUN FCMIOR

minhoca foca

PNIOR HUNIOUSSI leão cão

COELHO PEIXE coelho peixe

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Sérgio Murilo Júnior encontrava-se na hipótese pré-silábica e já sabia que a escrita

tinha uma direção, que seqüências de letras são usadas para escrever, que coisas diferentes

devem ter escritas diferentes e que é preciso um número mínimo de grafias para que algo

esteja escrito (neste caso quatro letras).

O menino que já escrevia seu nome completo, utilizou, com freqüência, partes de seu

nome para compor as palavras da lista. Temos, como exemplo, a escrita da palavra leão

"PNIOR". E escreveu, corretamente, as palavras cujas grafias já conhecia de memória como

ocorre na escrita de peixe e coelho.

Infelizmente, ao realizar esse primeiro diagnóstico, a professora propôs a atividade co-

letivamente, não tendo a oportunidade de acompanhar a leitura das palavras individualmente,

dificultando a interpretação da escrita realizada por cada aluno.

Como o primeiro diagnóstico, deixou dúvidas com relação à hipótese de escrita de al-

guns alunos da turma. Posteriormente, a professora realizou uma entrevista diagnóstica indi-

vidual, quando, após cada palavra escrita, solicitava sua leitura para que pudesse identificar,

com precisão, a hipótese de escrita.

No Quadro 2, podemos perceber o avanço de Sérgio Murilo, que agora se encontra na

hipótese silábica com algum valor sonoro e já compreende que cada grafia representa uma

emissão sonora, embora pense que qualquer letra serve para representar qualquer sílaba, como

na escrita da palavra coxinha e perceba o valor sonoro contido em determinada sílaba, como

podemos observar nas escritas de risole, torta e pastel.

Quadro 2 - Escrita 2: Lista de Festa

14/05/2004

S K L A bri ga dei ro

H S I L A re fri ge ran te

I S E ri so le

L M S

co xi nha

O A tor ta

A E U pas te "l"

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No Quadro 3, percebemos um grande avanço na escrita de Sérgio Murilo, que ora usa

letras para representar as sílabas e ora as usa para representar os fonemas, ou seja, apresenta

uma escrita silábica-alfabética:

Quadro 3 -Escrita 3: Lista da Festa Julina

Em meados de setembro, Sérgio Murilo já se encontra na hipótese alfabética, isto é,

sabe que cada um dos caracteres da escrita corresponde a um valor sonoro menor que a sílaba

como podemos perceber no Quadro 4.

Quadro 4 - Escrita 4: Lista de Objetos da Sala de Aula

01/07/2004

BA D I A ban dei ri nha

BA R A A ba rra qui nha

CA X CA can ji ca

TU Q RA fo guei ra

FE TA fes ta

MI TO mi lho

PAE pé

E MOTU D MI Eu gosto de milho.

16/09/2004

VETILADO APOTADO ventilador apontador

CADENO ALONO

caderno aluno

LIVO COLA livro cola

XIJI giz

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No Quadro 5, observar-se a escrita de uma música cujo texto é de domínio oral do a-

luno.

Quadro 5 - Escrita 5: Música Borboletinha

No Quadro 6, uma lista de Natal, podemos observar como Sérgio Murilo vem se aper-

feiçoando no uso da pauta sonora:

Quadro 6 - Escrita 6: Lista de Natal

18/10/2004

BOBOLETIIA Borboletinha

TANA COZI IA

tá na cozinha

FAZEDO XOCOLATE fazendo chocolate

PARA AMADIIA para a madrinha

POTI POTI

poti poti

PERNADEPAU perna de pau

OLIO DE VIDO

olho de vidro E NARI I

e nariz DE PICA PAU

de pica pau

19/11/2004

SINO sino

NATAU

natau

PREZENTE presente

ARVORE

arvore

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4.2 Análise da Escrita de Martiane

Martiane é uma criança de 6 anos que freqüentou uma sala de aula com 23 alunos que

iniciaram o ano letivo em fevereiro nas seguintes hipóteses de escrita: 13 alunos na hipótese

pré-silábica, 1 aluno na hipótese silábica com valor sonoro, 6 alunos na hipótese silábica-

alfabética e 1 aluno na hipótese alfabética.

Em abril, sua professora sentiu a necessidade de realizar um diagnóstico da turma, uti-

lizando uma lista de animais como podemos observar no Quadro 7.

Quadro 7 - Escrita 1: Lista de Animais

Martiane encontrava-se na hipótese pré-silábica e já sabia que a escrita tem uma dire-

ção, que se usam seqüências de letras para escrever, que coisas diferentes devem ter escritas

diferentes e que é preciso um número mínimo de grafias para que algo esteja escrito (nesse

caso quatro letras).

Nesta época, Martiane ainda não escrevia seu nome corretamente e percebermos que

seu repertório de letras era bastante restrito, sendo composto de vogais e as consoantes C, B e

M.

Infelizmente, ao realizar este primeiro diagnóstico, a professora propôs a atividade co-

letivamente, não tendo a oportunidade de acompanhar a leitura das palavras individualmente,

dificultando a interpretação da escrita realizada por cada aluno.

Como o primeiro diagnóstico deixou dúvidas com relação à hipótese de escrita de al-

guns alunos da turma, a professora realizou uma entrevista diagnóstica individual, quando,

12/04/2004

EIOU borboleta

EOAIB galinha

EULA

minhoca

IMOUA foca

OAOUEOA

leão

CAIUO cão

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após cada palavra escrita, a professora solicitava a leitura para que pudesse identificar com

precisão a hipótese de escrita.

No Quadro 8, em que a professora solicitou a escrita de uma lista de coisas encontra-

das em uma festa de aniversário, percebemos um pequeno avanço na escrita de Martiane que

ainda se encontra na hipótese pré-silábica, mas seu repertório de letras aumentou.

Quadro 8 - Escrita 2: Lista de Festa

No Quadro 9, percebemos um grande avanço na escrita de Martiane, que ora usa le-

tras para representar as sílabas e ora as usa para representar os fonemas, ou seja, uma escrita

silábica-alfabética:

Quadro 9 - Escrita 3: Lista da Festa Julina

14/05/2004

CANOBE brigadeiro

OAOTBE

refrigerante

UOEYO risole

BOUQE coxinha

OIUBQ

torta

BOUQO pastel

01/07/2004

T G I A BA TA CI NIA ban dei ri nha ba rra qui nha

CU I CA SO CI A can ji ca fo guei ra

SE I A TI FO fe "is" ta mi lho

PÉ Pé

ROUGTIFO

Eu gosto de milho.

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Em meados de setembro, Martiane já se encontra na hipótese alfabética, isto é, sabe

que cada um dos caracteres da escrita corresponde a um valor sonoro menor que a sílaba co-

mo podemos perceber no Quadro 10:

Quadro 10 - Escrita 4: Lista de Objetos da Sala de Aula

No Quadro 11, podemos observar a escrita de uma música que é um texto de domínio

oral da aluna.

Quadro 11 - Escrita 5: Música Borboletinha

18/10/2004

BORBOLETINA Borboletinha

TANA COZINA

tá na cozinha

FAZIDO XOCOLATE fazendo chocolate

PARA MADIRNA

para a madrinha

POTI POTI poti poti

PERNADEPAU

perna de pau

OLO DE VIDO olho de vidro

E NARIIS

e nariz

DE PICAPAU de pica pau

16/09/2004

VÃOTILADO APÃOTADO ventilador apontador

CADENO ALUNO

caderno aluno

LIVÔ DITI livro giz

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No Quadro 12, uma lista de produtos que podemos encontrar no supermercado e no

Quadro 13 uma lista de Natal, podemos perceber como Martiane vem se aperfeiçoando no

uso da pauta sonora:

Quadro 12 - Escrita 6: Lista de Supermercado

A leitura compartilhada que esteve presente todos os dias na rotina e os textos constru-

ídos coletivamente favoreceram para que no final do ano letivo os alunos já estivem constru-

indo, individualmente, seus textos, como podemos observar no Quadro 14, em que Martiane

escreveu uma cartinha para o Papai Noel:

Quadro 14 - Escrita 8: Cartinha Para o Papai Noel

29/10/2004

SAU sal

LEITE

leite

SABONETI sabonete

BISCOITO

biscoito

XOCOLATE chocolate

FEIJÃO

feijão

AROIS arroz

CARNE

carne

BOMBRIU bombril

REFRIGERATI

refrigerante

19/11/2004

SINO sino

ENFEITES

enfeites

PREZENTES presentes

PAPAI NOEU

papai noel

ARVORE DE NATAL árvore de natal

NO NATAL GANHAMOS

MUTOS PREZENTES no natal ganhamos muitos presentes

10/12/2004

PAPAI NOEL

MEU NOME É MARTIANE SOU UMA MENINA MUTO QUIETA OBEDIENTE E GOSTO DE FAZER DEVER.

PAPAI NOEL GOSTO DE VOSE. NO NATAL QUERO UMA BONECA DO GUGU QUE PORSA BRINCA DE METICO

E PARA MARTIELE UMA BONECA QUE ASEMDE NO ESCURO E CANTA DE NOITE

BEJINHO DA MARTIANE

Quadro 13 - Escrita 7: Lista de Natal

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Ao concluirmos este estudo de casos percebemos como a relação da criança com a di-

versidade de textos, seja como ouvinte, como redador ou como leitor, enriquece significati-

vamente o processo de aquisição da língua escrita. Nesse processo, o professor-letrador é o

mediador desta relação sendo modelo de leitor, aquele que colabora para a formação de um

sujeito letrado, de um futuro bom leitor.

Se nos remetermos aos caminhos trilhados pela alfabetização aos longos dos anos, ve-

rificamos que estes foram marcados pela memorização, "decoreba", cópia e descontextualiza-

ção. E essas são marcas que não fazem mais sentido neste processo, pois, no contexto atual a

ênfase está na relação da criança com a textualização do mundo social.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alfabetização, há décadas, é vista como o nó da educação brasileira e esse foi o foco

de todo o estudo realizado. Iniciamos com uma viagem pela história da alfabetização, antes

mesmo de ela ser entendida como tal, partindo do surgimento da escrita e concluindo com um

retrato de como se encontram hoje os níveis de alfabetização em nosso país com base nos

índices apresentados recentemente pelo INAF, os quais ainda apontam 7% de analfabetos no

país.

Com isso, percebemos que tudo que já foi feito ainda é pouco e que muita teoria e dis-

cussão não foram suficientes para mudar as estatísticas. Do que precisamos, verdadeiramente,

é conscientizar o professor alfabetizador, pois somente quando ele tiver consciência da impor-

tância de seu papel, na formação do educando em seu exercício das práticas sociais de leitura

e escrita na sociedade em que vive, é que vai romper com paradigmas tradicionais e perceber

que não basta alfabetizar. Hoje os nossos alunos necessitam de um processo de aprendizagem

que focalize o alfabetizar letrando.

O alfabetizar letrando - um repensar da aquisição da língua escrita - é o título deste es-

tudo que buscou elucidar, para o professor alfabetizador, o quão simples é permear a alfabeti-

zação com o letramento, desde que se tenha uma prática comprometida e uma dedicação con-

tínua não só em relação à formação dos educandos, mas, principalmente, com a sua formação

enquanto profissional da educação.

O estudo de caso realizado com dois alunos possibilitou perceber como a inserção de

algumas práticas diárias (como a leitura compartilhada, a utilização de textos que os alunos

saibam de cor e de listas, a roda de leitura entre outras) reflete positivamente no desenvolvi-

mento da língua escrita, assim como no gosto pela leitura enriquecendo o processo alfabetiza-

dor. O mais curioso é que todas essas práticas já estão previstas, desde 2001, nos Parâmetros

Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa, que é encontrado em todas as escolas. Então, por

que você, professor alfabetizador, ainda hoje desconhece o conteúdo dos PCNs? Isto porque

sua formação foi falha. Cabe, agora, o investimento em políticas públicas visando à formação

inicial e continuada do professor alfabetizador para que, antes de letrar o educando, ele bus-

que letrar-se.

Enquanto não houver uma ação significativa, um investimento na formação do profes-

sor alfabetizador, as estatísticas continuarão gritando e retratando o que encontramos em nos-

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sas escolas: alunos que chegam à 4ª série sem estarem alfabetizados e letrados, e professores

descomprometidos por falta de formação, de conhecimento e de valorização.

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REFERÊNCIAS

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização e Letramento: repensando o ensino da lín-gua escrita. Disponível em: <http://hottopos,com/videtur29/silvia.htm> Acesso em: 30 out. 2004. FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo . Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. HAMZE, Amelia. Alfabetização. Disponível em: <http://www.pedagogia.brasilescola.com/alfabetizacao.htm> Acesso em: 30 out. 2004. INAF. Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. Disponível em: <www.imp.org.br> Acesso em: 15 out. 2005. MEC. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília, 2001. ______ . Programa de formação de professores alfabetizadores. Documento de apresenta-ção. Secretaria de Educação Fundamental. 2001a. MELLO, Maria Cristina; RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral. Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004. PEIXOTO, Cynthia Santuchi et al. Letramento você pratica? Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno09-06.html> Acesso em: 30 out. 2004. PERNAMBUCO, Déa Lucia Campos. A alfabetizadora construtivista representada por professoras.Disponível em:<http:www.anped.org.br/25/posteres/dealuciacampospernambuco10.rtf> Acesso em: 28 mar. 2004. SOARES, Magda Becker. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Disponível em: <http://www.anped.org.br/26/outrostestos/semagdasoares.doc> Acesso em: 30 out. 2004. ______ . Letrar é mais que alfabetizar. Jornal do Brasil. nov. 2000.

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TEBEROSKY, Ana; CARDOSO, Beatriz. Reflexões sobre o ensino da leitura e da escrita. Petrópolis: Vozes, 1993.

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REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BUARQUE, Cristovam; WERTHEIN Jorge .Alfabetização para todos: um grito de guerra. Disponível em: <http://www.unesc.org.br/noticias/artigos/alfabetizacao.asp> Acesso em: 28 mar. 2004. FERREIRO, Emília. Uma aula inédita para 10 mil professores. Nova escola. n. 139, jan./fev. 2001. _____. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzales, 24. ed. Atualizada. São Paulo: Cortez, 2001. FREITAS, Maria Teresa de Assunção Freitas. Vygotsky e Bakhtin Psicologia e Educação: um intertexto. 3. ed. São Paulo: Ática, 1996. LEITE, Sergio Antonio da Silva (org). Alfabetização e letramento. In.: Alfabetização e le-tramento: contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas: Komedi: Arte Escrita, 2001. 98p. LEMLE, Miriam. Alfabetização: dever do Estado, direito do cidadão. Disponível em: <http://www.eduline.com.br/revistas2000/Art_Novembro200.htm>. Acesso em: 28 mar. 2004. PEREIRA, C. M.; MARQUES, V. P.; TORRES, E. F. Dos tempos da caverna ao computador. Revista Universidade e Sociedade, v. 13, n. 17, jun. 1998. p. 28-30. SOARES, Magda Becker. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autênti-ca, 1998.

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Para referência desta pagina: ROCHA, Halline Fialho da. Alfabetizar letrando: um repensar da aquisição da língua escrita. Petrópolis, 2009. 44 p. Monografia (Especialização em Supervisão Educacional e Inspeção Escolar) - Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, 2005. Pedagogia em Foco. 2005. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/let02.pdf>. Acesso em: dia mês ano.