universidade candido mendes prÓ-reitoria de planejamento … forneiro pereira.pdf · sempre...

79
I EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE UM ELO NO DESENVOLVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA RAQUEL FORNEIRO PEREIRA ORIENTADOR: PROF. Ms. NILSON GUEDES DE FREITAS RIO DE JANEIRO AGOSTO/2002 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Upload: phamnhan

Post on 01-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

I

EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE

UM ELO NO DESENVOLVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA

RAQUEL FORNEIRO PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. Ms. NILSON GUEDES DE FREITAS

RIO DE JANEIRO AGOSTO/2002

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Trabalho monográfico apresentado comocondição prévia para a conclusão do Cursode Pós-Graduação “Lato Sensu” emPsicomotricidade.

RIO DE JANEIRO AGOSTO/2002

EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE

UM ELO NO DESENVOLVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA

RAQUEL FORNEIRO PEREIRA

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Agradeço a Deus por me abençoar a cada dia eme permitir vencer mais esta etapa, à minha avóEliete e ao meu filho Ruan pelo amor e dedicação;e ao meu professor Nilson por sua orientação eincentivo.

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

RESUMO

A realização deste trabalho possibilita uma reflexão sobre a

Educação física e sua relação com a Psicomotricidade no âmbito escolar; como

elas interagem e contribuem no desenvolvimento da criança, que lugar ocupam

hoje dentro do processo educativo, de que maneira são reconhecidas pelos

profissionais da área e por outros profissionais da educação e qual o seu real

valor. O desenvolvimento e aprendizagem somente se tornarão significativos,

quando o objetivo do trabalho estiver de acordo com as necessidades e

interesses das crianças, sendo respeitadas e valorizadas as diferenças

individuais, em um ambiente que oportune a experimentação, a livre expressão

e criação. Fazer um elo da Educação física com a psicomotricidade no âmbito

escolar, é garantir as crianças vivenciar as atividades com liberdade de poder

manifestar-se quanto aos seus desejos, interferindo no processo e não

simplesmente realizando movimentos mecanizados e, além disso, é investir na

criança e em todas as suas possibilidades de atuação, valorizando seus

aspectos: cognitivo, afetivo, social e motor.

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

Educação Física e sua abordagem histórica (o preconceito

ainda existe) 11

1.1. Lúdico: considerando a importância do brincar e do

brinquedo 15

1.2. A criatividade e o desejo da criança 24

CAPÍTULO II

Psicomotricidade e algumas abordagens 29

2.1. Alguns elementos psicomotores e seus conceitos 33

2.2. Corpo e movimento 41

2.3. Educação Musical: contribuindo no desenvolvimento

psicomotor da criança, de sua personalidade e suas

formas de relação 46

2.4. A importância do relaxamento e da respiração no

desempenho das atividades 50

CAPÍTULO III

Breve visão geral do processo de desenvolvimento da

criança 52

3.1. Desenvolvimento e capacidades físico-motoras 54

3.2. Desenvolvimento e capacidades percepto-cognitivas 57

3.3. Desenvolvimento e capacidades sócioafetivas 61

3.4. Desenvolvimento psicossexual 64

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CAPÍTULO IV

Educação Física e Psicomotricidade no cotidiano escolar 67

4.1. Ginástica 69

4.2. Dança 70

4.3. O jogo e o esporte: agentes socializadores 72

CONCLUSÃO 76

BIBLIOGRAFIA 77

ANEXOS 79

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento corporal da criança se dá em conjunto com os

desenvolvimentos cognitivo e afetivo/emocional, sendo esta uma divisão

didática. Na prática, o indivíduo apresenta estes desenvolvimentos

entrelaçados. Por isso, as atividades psicomotoras ou de educação física são

sempre resultados de um planejamento em equipe, integrado as demais áreas.

A descoberta do corpo, de suas sensações, de seus limites e

movimentos é de fundamental importância para a criança da educação infantil,

pois, nesta fase, ela está construindo sua imagem corporal. Para isso, ela

precisa descobrir seu corpo e também o corpo do outro. As atividades

psicomotoras são essenciais nesta construção, porque, brincando e explorando

o espaço, ela se organiza, tanto nos aspectos motor e sensorial, como no

emocional, ampliando assim, seus conhecimentos de mundo. Neste momento,

a linguagem corporal é a forma de comunicação mais utilizada pela criança.

Na Educação Infantil começamos a exploração intensa do mundo,

das sensações, das emoções, ampliando estas vivências com movimentos

mais elaborados. A linguagem corporal começa, então, a ser substituída pela

fala e pelo desenho, no entanto, é essencial que continue sendo explorada. O

trabalho com movimentos e ritmos, de grande relevância para a organização

das descobertas feitas, torna-se mais sofisticado. Nesta etapa, a atenção é

voltada para o desenvolvimento do equilíbrio e de uma harmonia nos

movimentos.

Aprender a controlar a musculatura e também os pensamentos e

desejos, contendo-se num momento intenso ou mesmo se colocando em

movimentos em instantes de maior dificuldade, são atividades importantes para

que a criança entenda seu corpo e possa fazer o uso adequado dele.

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Todos os dias, no trabalho de Educação Física, acontecem grandes

aventuras exploratórias como: percursos com diferentes objetivos, trabalhando

a movimentação, o equilíbrio estático ou dinâmico e a organização espacial, e

jogos que buscam trabalhar a lateralidade, a coordenação viso-motora e a

percepção.

Aos poucos, são introduzidos jogos que visam a melhorar as

relações sociais, podendo ser realizados, inicialmente, em duplas e,

gradativamente, acrescidos de um número maior de componentes, formando

então, um grupo. Também, neste momento, são executados jogos com regras

bem simples no início, buscando ampliar, ao máximo, as situações vividas.

Não menos importante é o trabalho de sensibilização e

discriminação visual, auditiva e tátil, que contribui, também, para a construção

da imagem corporal.

A partir dos seis anos de idade, as crianças são estimuladas a

construir regras e jogos em equipe, concomitantemente com um trabalho de

expressão corporal mais estruturado, e com um trabalho psicomotor que se

estende até a 4ª série.

Os jogos no Ensino Fundamental já são, em sua maioria, coletivos,

com o intuito de buscar a construção não apenas de duplas ou grupos, mas de

equipes. Inicialmente, esses jogos e suas regras são construídos junto com o

grupo, que, aos poucos, inicia um trabalho de pesquisa sobre jogos já

existentes dia-a-dia na prática como: futebol, queimado, vôlei etc. A

organização destas atividades, a gradação das regras que serão adotadas,

bem como o seu desenvolvimento, também exigido durante a atividade, são de

responsabilidade dos alunos que, assim, vão desenvolvendo autonomia e

valoras.

A partir da classe de alfabetização, as aulas de Educação Física

mesclam alunos de diferentes idades, permitindo que cada um participe de

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

acordo com sua característica, buscando o grupo mais adequado às suas

necessidades.

Neste segmento, dando continuidade a algo que já se inicia na

Educação Infantil, a Educação Física enfatiza junto com a psicomotricidade,

jogos e atividades que propiciem a construção de uma ação cidadã. Cada

esporte, cada modalidade, cada brincadeira e aspecto cultural abordado e

aplicado na prática, estará sempre levando em conta o aspecto social e o

desenvolvimento corporal da criança.

Torna-se necessário então, conhecer o que é psicomotricidade, o

que é educação física e como elas interagem no processo de desenvolvimento

da criança. Nesta busca do saber mais e aplicar este saber nas aulas de

educação física, sabemos que temos de tratar a criança de acordo com a sua

fase, faixa etária e suas necessidades reais. Conhecer as fases de

desenvolvimento da criança, que tipo de atividades devem ser aplicadas e o

que de fato é importante para a criança, é o primeiro degrau para a formação

de uma criança desenvolvida e bem mais feliz.

Por esta razão, o trabalho inicia-se falando sobre a educação física e

sua abordagem histórica, como ela era vista e a atual posição que se encontra

nas escolas, conquistando seu espaço e ainda enfrentando preconceitos.

Neste capítulo 2, também são considerados alguns fatores indispensáveis no

processo de desenvolvimento da criança, como: a importância do brincar e do

brinquedo ao proporcionar o lúdico e estimular a criatividade, assim como o

desejo da criança.

Num outro momento, é apresentado no capítulo 3, a abordagem da

psicomotricidade, como ela surgiu, os diferentes conceitos e elementos que

envolve em sua prática nas diferentes áreas de atuação e o seu objetivo de

estudo, enquanto área de conhecimento, voltado para sua unidade e

especificação de trabalho, que é o corpo e sua expressão dinâmica

fundamentado no movimento, no intelectivo e no afeto do ser humano, que

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

podem também contribuir na formação de sua personalidade e de suas formas

de relação.

Para tentar entender como acontece o processo de desenvolvimento

da criança, o trabalho apresentará detalhadamente no capítulo 4, as diferentes

fases da criança, o que ela precisa, deseja, quais são as suas possibilidades

na infância e como elas desenvolvem suas capacidades físico-motoras,

percepto-cognitivas, sócio-afetivas e psicossexual.

E por fim, no capítulo 5 mostrará a relação da educação física com a

psicomotricidade, como elas interagem e atuam no cotidiano escolar e algumas

das diferentes propostas de atividades que podem ser aplicadas nas aulas de

educação física como: ginástica, dança, jogos e esportes, contribuindo no

comunicar, no pensar, no sentir e no agir da criança.

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA ABORDAGEM HISTÓRICA

(O PRECONCEITO AINDA EXISTE)

O mundo em que vivemos sofre constantes transformações.

Sociedades se modificam à medida que os valores são alterados, de acordo

com a evolução dos tempos.

Com isso torna-se necessário que o ser humano esteja

constantemente se aperfeiçoando como indivíduo e como ser social, para

poder se inter-relacionar com este mundo transitório, em todos os aspectos de

caráter sócio/político/econômico/cultural, buscando dessa forma melhorar sua

qualidade de vida, fator mais essencial à sua humanização.

Através desta dinâmica evolutiva podemos considerar a Educação

Física, enquanto área do conhecimento, elemento fundamental no processo de

desenvolvimento do homem, influindo direta e favoravelmente na sua formação

integral.

O homem não nasceu pulando, saltando, jogando. Todas essas

atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas,

como respostas a determinados estímulos, desafios ou necessidades

humanas. Para garantir sua subsistência e adaptar-se as condições do meio

ambiente, o homem primitivo possuía muitas qualidades físicas. Para poder

sobreviver estava constantemente exercitando-se, com isso aprendeu

naturalmente a caçar, pescar, nadar, construir, lutar, defender-se, exercícios

úteis que lhe permitiam satisfazer suas principais necessidades, impostas na

sua relação com a natureza e com os outros homens.

Assim, como os exercícios físicos, os jogos e as danças já faziam

parte da vida do homem e eram praticados de diferentes formas: jogos de

mímica, de lutas, danças guerreiras ou religiosas. Sem saber, o homem

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

descobria maneiras de exteriorizar seu estado de espírito, seus sentimentos.

Ao longo dos tempos, ele foi se agrupando, constituindo pequenos povos, que

por sua vez, foram se transformando em diferentes civilizações, cada qual

originando sua própria cultura. A utilização do corpo também modificou-se em

função de novas necessidades do seu meio de convivência.

No Brasil, os valores da sociedade são usualmente estabelecidos

por uma classe dominante minoria privilegiada que de certa forma controla e

domina as manifestações dos indivíduos, da massa popular. É esta forma de

dominação exercida por aqueles que detêm o poder, basicamente estruturada

em favor de seus próprios interesses e privilégios, que acaba influenciando a

consciência geral. Esse fato se verificou na década de 70, quando presenciou-

se a existência de um regime autoritário de poder: a Ditadura Militar.

Em função desta nova perspectiva política, o sistema educacional foi

totalmente reformulado, e a partir daí, as conseqüências desta reforma

desencadearam inúmeras mudanças em nossa sociedade. Se por um lado o

Regime Militar favoreceu a expansão da Educação Física, pois houve um

aumento significativo de suas escolas, por outro, a qualidade do ensino ficou

seriamente comprometida. Principalmente devido ao comportamento dos

professores e profissionais da área que, influenciados pelas características da

política educacional vigente, e com uma postura totalmente autoritária,

apresentavam uma forte tendência em valorizar o rendimento físico, a perfeição

e o domínio dos movimentos adquiridos através da aplicação de métodos

rígidos de automatização e adestramento, para se atingir uma melhor

performance nas atividades.

Nos tempos atuais, apesar de muitos progressos obtidos no setor

educacional, através de inúmeros movimentos, debates, discussões e

realizações, a Educação Física ainda necessita de mudanças. Sobretudo no

sentido de convencer a sociedade e até mesmo todo o corpo docente,

constituído por profissionais de outras áreas, quanto ao seu real valor,

contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento do

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

indivíduo, por meio de uma educação relevante, responsável e realmente

comprometida com o momento histórico evolutivo.

O ato de aprender a Educação Física não se limita apenas à

execução mecânica do exercício motor, mas constitui-se em atividade

relacionada ao cotidiano da criança. à ludicidade e ao lazer. Considerando que

a criança se apropria de noções de conhecimento à medida que age

(cognição), observa e se relaciona com o mundo, é enfrentado desafios e na

troca constante de informações com outras crianças e com os adultos que ela

se desenvolve.

A Educação Física deve ajudar a criança a criar situações,

experimentar desafios e desequilíbrios, auxiliando-a na ação consciente,

verificando suas hipóteses, sem jamais pretender substituir a sua verdade pela

verdade do adulto. Além disso, deve garantir a afetividade do desenvolvimento

infantil, para a busca da autoconfiança, livre expressão e iniciativa, sendo um

coadjuvante nos prováveis medos existentes. Portanto, faz-se necessário

valorizar junto à criança, uma auto-imagem positiva, pelo trabalho de aceitação

e convivência com as inúmeras diferenças existentes entre os mais variados

grupos de suas relações sociais.

O lazer por suas características: a espontaneidade, a ludicidade, a

livre escolha e o caráter relativamente desinteressado, deve ser incorporado ao

cotidiano da criança tornando-se um espaço privilegiado para a aquisição de

informações e conhecimentos, para a vivência da cultura e para o seu

crescimento pessoal e social.

Voltando à Educação Física, considera-se um absurdo as

obrigatoriedades impostas pela escola muitas vezes desvinculadas da

realidade de vida da criança, pois a mesma passa seis ou sete anos brincando

e aproveitando em total harmonia, interagindo com os outros, com a natureza e

suas transformações. Hoje, a proposta é de fato, promover o lazer, através da

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

alegria e da brincadeira, considerando o vasto conhecimento da cultura infantil,

repleta de significados, historicamente elaborados e muitas vezes ignorados.

A educação, no aspecto global, exige de todos os seus profissionais

uma reflexão sobre os valores culturais, sobre a influência e a importância que

cada disciplina transmite para a construção do conhecimento, desenvolvimento

e formação do indivíduo na sociedade. Mesmo assim, observa-se que o

preconceito ainda existe dentro das escolas. A educação física muitas vezes

fica colocada de lado, quando não é aplicada apenas como momento de

recrear, momento livre, sem objetivo e onde nada acontece. O corpo docente

que envolve profissionais de outras áreas, ainda adota estratégias de punição

aos seus alunos, excluindo-os das aulas de Educação Física, caso eles não

cumpram com as propostas dadas. É preciso que se desenvolva nesses

profissionais a consciência do erro que estão cometendo.

Os currículos escolares deverão ter seus conteúdos compatíveis

com as experiências vividas pelo aluno, assim como a integração dos

professores ao incluir conscientemente a educação física em suas disciplinas,

pois a educação física é uma disciplina transformadora em potencial, onde a

atividade intelectual e a atividade corporal não se confrontam, mas se

harmonizam, de forma a melhor integrarem o ser humano (o aluno) no seu

relacionamento intrapessoal e interpessoal, na organização de suas emoções e

na descoberta do seu mundo.

Existem ainda hoje profissionais que ao desconhecer a importância

da educação física, evidenciam o autoritarismo, inibem e bloqueiam o

educando, enchendo de tarefas tradicionais, para que não sobre tempo nem na

escola e nem em casa de praticarem a atividade física, gerando neste, um

intenso sentimento de inadequação e comprometendo a construção da

personalidade, das opiniões e da sua relação com o mundo.

A escola é uma instituição social onde a criança passa a maior parte

do seu dia e, portanto, deve ser ela a proporcionar para seus alunos a

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

integração de todo conhecimento que eles receberem: a nível corporal, mental,

emocional e social, ou seja, trabalhando o aluno como um ser

multidimensional, onde a sua motricidade interage de forma complexa com as

capacidades cognitivas, sociais e afetivas, e é justamente nas aulas de

educação física, onde o lúdico prevalece, que são criadas oportunidades para a

criança se aperfeiçoar e desenvolver os movimentos naturais e aprendidos.

1.1. LÚDICO: CONSIDERANDO A IMPORTÂNCIA DO

BRINCAR E DO BRINQUEDO

É difícil tentar falar a sério sobre alguma coisa que é tão

desconsiderada desse ponto de vista. O que ocorre é que o lúdico vem sendo

negado, exatamente pelas suas características, em nome da produtividade da

sociedade moderna como um todo. Restrito à criança, até mesmo no âmbito

infantil começa a ser negado, cada vez, mais precocemente na sociedade

moderna, em nome da necessidade de preparação para o futuro, e o mesmo

acontece nas salas de aula.

Viver o lúdico é viver o momento, o presente, o agora. E esse não

representa o passado ou a preparação para o futuro.

Segundo Huizinga,

“a atividade lúdica, entre outras características, tem um poder muito grande

de fascinar aqueles que com ela se envolvem, sendo desligada de interesses e praticada

dentro de limites espaciais e temporais”.

(Huizinga, 1971, p. 110)

A partir do potencial lúdico, através de brincadeiras e jogos, a

criança vai estruturando e construindo seu mundo interior e exterior que,

apesar de se manterem individualizados deverão estar sempre

interrelacionados na busca de maior e mais harmônica interação com o

ambiente. Através de uma brincadeira de criança, podemos compreender como

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

ela vê e constrói o mundo, como ela gostava que fosse, quais as suas

preocupações e que problemas a estão assediando. Pela brincadeira, ela

expressa o que teria dificuldades de traduzir com palavras. É necessário

considerar sempre o brincar como um ato de grande importância, que

oportuniza à criança a escolha entre os múltiplos tipos de brinquedos e as

brincadeiras que ajudam a criança, estruturar a capacidade de raciocínio e

adquirir flexibilidade no contato com o mundo, dando asas à fantasia e à sua

criatividade.

Liberman afirma que,

“o lúdico é um traço da personalidade que persiste da infância até a juventude e idade adulta, com função muito importante no estilo cognitivo dos indivíduos”.

(Liberman, 1978, p. 5)

O lúdico parece, de fato, ser um traço da personalidade ou ter uma

influência marcante na sua construção. As manifestações lúdicas do indivíduo

sofrem bloqueios, com péssimas conseqüências na sua vida de relação, na sua

alegria, senso de humor e espontaneidade.

Esses componentes lúdicos ficam comprometidos quando a pessoa

sofre uma interferência negativa, desvios na personalidade, sendo necessárias,

em alguns casos, intervenções ludoterápicas, através das quais busca-se levar

a pessoa a entrar em harmonia consigo mesma e com o mundo.

A brincadeira pode ser considerada como um meio pelo qual a

criança efetua suas primeiras grandes realizações, que através do prazer, ela

expressa a si própria e as suas emoções e fantasias.

Há uma estreita ligação entre o brincar e a fantasia da criança. A

fantasia lúdica, aborda questões relativas à necessidade que a criança tem de

usar a brincadeira para entender o que acontece a sua volta.

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

São por vezes, sentimentos sobre os quais a própria criança

permaneceria ignorante, ou sob quais estaria esmagada se não lidasse com

eles exprimindo-os sob a forma de fantasia lúdica.

O brincar, numa perspectiva sociocultural, define-se por uma

maneira que as crianças tem para interpretar e assimilar o mundo, os objetos, a

cultura, as relações e o afeto das pessoas. Por causa disso, transformou-se no

espaço característico da infância para experimentar o mundo adulto sem

riscos, como participante responsável.

Nessa perspectiva, o brincar é, ao mesmo tempo, espaço de

constituição infantil e lugar de superação da infância, pela relação que

estabelece com a representação e o trabalho adulto. É uma forma de atividade

sócio infantil, cujo aspecto imaginativo e diverso do significado cotidiano da

vida, fornece uma oportunidade educativa única para as crianças. Na

brincadeira, as crianças podem pensar e experimentar situações novas ou

mesmo do seu cotidiano, isentas das pressões situacionais. No entanto, é

importante ressaltar que, a brincadeira também pode ser o espaço de

reiteração de valores retrógrados, conservadores, com as quais a maioria das

crianças se confronta diariamente. A contradição dessa atividade só pode ser

encontrada e resolvida a partir de uma decisão pedagógica e objetiva sobre os

caminhos que se quer ampliar para as crianças.

A brincadeira traz vantagens sociais, cognitivas e afetivas na medida

em que ela, junto com o brinquedo, forneça estrutura básica para as mudanças

das necessidades e da consciência. E a partir daí, a ação na esfera

imaginativa, numa situação imaginária, a criação das intenções voluntárias e

formação dos planos de vida real e motivações volitivas, tudo aparece no

brinquedo, que se constitui no mais alto nível do desenvolvimento.

Nenhuma criança brinca para passar o tempo como, muitas vezes, o

adulto imagina e, justamente por não saber interpretar o brincar da criança e

fazer uma leitura de suas manifestações lúdicas, o adulto perde a grande

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

oportunidade de penetrar no seu mundo e compreender o verdadeiro sentido

de brincar.

“O sonho é a entrada real para o inconsciente e isso se aplica tanto a adultos quanto às crianças. Mas a brincadeira é a estrada real para o mundo consciente e inconsciente da criança: se quisermos entender seu mundo interno e ajudá-lo, precisamos aprender a andar nessa estrada”.

(Bettelheim, 1987, p. 165)

A criação de uma situação imaginária na vida da criança, é a

primeira manifestação de sua emancipação em relação a restrições

situacionais. O primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera

com um significado alienado numa situação real. O segundo é que, no

brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço, ela faz o que mais

gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer e, ao mesmo tempo,

ela aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando-se a regras, e

por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição às

regras e a renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no

brinquedo.

Continuamente a situação do brinquedo exige que a criança aja

contra o impulso imediato. A cada passo a criança vê-se frente a um conflito

entre as regras do jogo e o que ela faria se pudesse, de repente, agir

espontaneamente. No jogo, ela age de maneira contrária à que gostaria de

agir.

Segundo Vygotsky,

“o maior alto controle da criança ocorre na situação de brinquedo. Ela mostra o máximo de força de vontade quando renuncia a uma atração imediata do jogo”.

(Vygotsky, 1989, p. 113)

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Assim, o atributo essencial do brinquedo é que uma regra torna-se

um desejo e uma idéia que se tornou um desejo, um conceito que se

transformou numa paixão, encontram seu protótipo no brinquedo, que é o reino

da espontaneidade e liberdade. Satisfazer as regras é uma fonte de prazer. A

regra vence porque é o impulso mais forte. Tal regra é uma regra interna, uma

regra de autoconcentração e autodeterminação, e não uma regra que a criança

obedece à semelhança de uma lei física.

O brinquedo cria na criança uma forma de desejo. Ensinar a desejar,

relacionando seus desejos a um eu fictício, ao seu papel no jogo e suas regras.

Dessa maneira, são as maiores aquisições que no futuro tornarão seu nível

básico de ação de moralidade.

A brincadeira pode transformar-se, assim, em espaço privilegiado de

interação e confronto de diferentes pontos de vista. Nessas interações, elas

buscam resolver no nível simbólico, a contradição entre a liberdade e a

brincadeira e a submissão as regras por elas mesmas estabelecidas,

determinando os limites entre a realidade e os seus próprios desejos, além de

desenvolver o autocontrole.

Vygotsky diz que,

“a aprendizagem resulta no desenvolvimento das funções superiores, mediante a apropriação e internalização de signos e instrumentos num contexto de interação. A aprendizagem humana pressupõe uma natureza social específica e um processo mediante o qual as crianças tem acesso à vida intelectual e afetiva daqueles que o rodeiam”.

(Vygotsky, 1984, p. 115)

Portanto, a brincadeira é situação privilegiada de aprendizagem

infantil. Ao brincar, o desenvolvimento infantil pode alcançar níveis mais

complexos, por causa das possibilidades de interação entre os pares numa

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

situação imaginária, e pela negociação de regras de convivência e de

conteúdos temáticos. A experiência na brincadeira permite às crianças: decidir

incessantemente e assumir papéis a serem representados; atribuir significados

diferentes aos objetos transformando-os em brinquedos, levantar hipóteses,

resolver problemas e pensar/sentir sobre seu mundo mais amplo ao qual não

teriam acesso ao seu cotidiano. E, por essa razão, a brincadeira também cria

para as crianças uma “zona de desenvolvimento proximal”, que não é outra

coisa senão a distância entre o nível atual de desenvolvimento, determinado

pela capacidade de resolver independentemente um problema ou com a ajuda

de outrem sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de um

companheiro mais eficaz. Além disso, ela possui três características: a

imaginação, a imitação e a regra. Essas características estão presentes em

todos os tipos de brincadeiras infantis, sejam elas tradicionais, de faz-de-conta,

de regras, e podem aparecer também no desenho, como atividade lúdica.

Cada uma dessas características pode aparecer de forma mais

evidente em um tipo ou outro de brincadeira, tendo em vista a idade e a função

específica que desempenha junto às brincadeiras, já que, estas, são

aprendidas pelas crianças de todas as idades, nas relações que estabelecem

com parceiros mais experientes da mesma idade, ou mais velhos, quando mais

crescidas.

O contato, manipulação e o uso dos brinquedos, por seu lado,

possibilita às crianças uma aprendizagem multidisciplinar das formas de se

pensar na sociedade. Os brinquedos são nesta perspectiva , objetos

socioculturais portadores de imagem, além das funções cognitivas e motoras.

Ao se apresentarem como uma produção do mundo adulto dirigido às crianças,

propõem a estas uma forma singular de ver e representar a realidade, assim

como, trazem em si uma concepção de infância.

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Segundo Brougére,

“um brinquedo é a realidade e uma forma de representar. Entendidos dessa maneira, os brinquedos, sejam industrializados ou artesanais, constituem-se em mediadores das crianças, facilitando a construção dos papéis sociais e dos sistemas de representação, através de sua utilização nas brincadeiras”.

(Brougére, 1995, p. 15)

Dessa forma, a brincadeira poderá configurar-se como espaço de

diagnóstico dos interesses e necessidades, transformando-se em espaço de

experimentação e estabilização entre as crianças e adultos, possibilitando a

criação de um vínculo com o trabalho nas diferentes áreas do conhecimento.

O brincar, sob o ponto de vista pedagógico, pode ser ainda

entendido como atividade que proporciona um exercício, simbólico cultural com

objetos, pessoas e todo o meio que circunda a criança, num movimento de

significação e ressignificação da realidade.

Lima acrescenta,

“hoje há unanimidade em que brincar tem função essencial no processo de desenvolvimento da criança, principalmente nos primeiros anos de vida, nos quais ela tem de realizar a grande tarefa de compreender e de inserir em seu grupo, constituir a função simbólica, desenvolver a linguagem, explorar e conhecer o mundo físico”.

(Lima, 1991, p. 19)

A criança que brinca abre seu canal de possibilidades e

potencialidades através das relações que estabelece durante esta atividade.

Com isso, vai construindo as normas sociais que regem o comportamento

humano: vai adquirindo valores e crenças da sua cultura, vai desenvolvendo

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

sua capacidade de usar a linguagem e, fundamentalmente, vai reunindo todos

esses avanços para a construção, dentre outras coisas, do seu imaginário, que

é fruto das influências individuais e grupais. Além disso, a movimentação em

torno do brincar facilita a incorporação, por parte da criança, dos jogos e dos

papéis que regem as atividades humanas.

Gradativamente, a criança vai delineando que formas de

comportamento envolvem sentimentos, ações etc., e são elas que traçam o

perfil de cada ser humano no contexto social.

Tanto na prática, quanto na teoria, as manifestações lúdicas e o

potencial criativo do ser humano como brincar, aparecem relacionados à

grande criatividade é a fantasia da criança.

Para Winnicott, a relação entre a manifestação lúdica e o potencial

criativo, se vê sob o brincar como uma experiência criativa indispensável ao

desenvolvimento integral do ser humano. Para ele, a criança manifesta a sua

criatividade através do brincar e busca descobrir o seu eu, usando a

imaginação, a criatividade. Ele afirma que,

“é no brincar, que a criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral e, é somente sendo criativo, que o indivíduo descobre o seu eu”.

(Winnicott, 1975, p. 80)

A liberdade de criação e o brincar estão diretamente associados,

embora não ocupem o mesmo espaço. Pois o brincar localiza-se numa terceira

área que contrasta com a realidade psíquica e com o mundo real do indivíduo.

Ser criativo requer a capacidade de relacionar-se com a realidade externa,

rompendo com o preestabelecido, com o estereotipado, de maneira sadia, na

busca de novos caminhos, alternativas e soluções do dia-a-dia. E nesse

momento, é através das manifestações lúdicas que a criança deixa fluir sua

criatividade, sua capacidade de reinventar a realidade.

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

No desenvolvimento da criança, pode-se afirmar que não é possível

separar o lúdico da criatividade e vice-versa. Parece que uma criança com

dificuldade de brincar terá dificuldade também para criar. Sua liberdade de

criação estará comprometida na medida em que as manifestações lúdicas são

bloqueadas. É importante que o ambiente favoreça a manifestação lúdica na

criança, no sentido de não limitar, não castrar, não dominá-la evitando-se que

se torne um adulto frustrado e infeliz, sem garra para romper a mesmice, com

padrões preestabelecidos.

A criatividade, assim como a brincadeira e o jogo, é a manifestação

lúdica, a mais significativa talvez, justamente pelo compromisso direto com o

novo, com a ruptura de padrões e posturas racionarias ultrapassadas e

cristalizadas de mentes fechadas às mudanças, às transformações que

poderiam levar o ser humano a atingir seu grau máximo de educação. É

através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o

indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. Em contraste, existe um

relacionamento de submissão com a realidade externa, onde o mundo em

todos seus pormenores é reconhecido apenas como algo a ajustar-se ou a

exigir a adaptação.

São vários os autores que consideram os brinquedos muito

importantes, porque são facilitadores das brincadeiras e servem de estímulos

ao comportamento lúdico, sendo por isso, instrumento para a construção da

realidade infantil através da experimentação, proporcionando a aprendizagem

do desenvolvimento da criança. O brinquedo é a maneira correta de viabilizar a

passagem da criança do mundo imaginário para a vida prática, através do faz-

de-conta, colocando para fora suas emoções começando a desenvolver todo

um processo de organização mental e de estrutura, que lhe será útil no futuro

quando irá abstrair isso para a sua vida prática.

Quando se utiliza de brinquedos é porque a criança sente prazer em

brincar e, nesse sentido, o brincar é universal, facilita o crescimento e portanto

a saúde, conduz a relacionamentos grupais, é a forma de comunicação consigo

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

mesmo e com os outros, tem lugar e um tempo muito especial, não sendo algo

só de dentro, subjetivo, interno ou de fora, objetivo, externo mais se

constituindo justamente num espaço potencial entre o “Eu e não Eu”, entre o

mundo interno e externo, que justamente vão se formando a medida em que o

brincar se desenvolve de forma criativa, prazerosa e original.

Entende-se por fim, que os brinquedos são instrumentos através dos

quais, a criança vivencia sua natureza lúdica, dando-lhe significado, elaborando

e interpretando o mundo. Brincar para a criança é dar vazão a sua fantasia e a

todos os seus impulsos. É a sua própria vida.

1.2. A CRIATIVIDADE E O DESEJO DA CRIANÇA

O nosso sistema educacional está voltado ainda para a reprodução

de movimentos e conhecimentos, ao invés de preparar o aluno para a

produção de novas idéias e de conhecimentos. Mesmo sabendo que a

prioridade deve ser dada ao espaço para a fantasia, para a imaginação e

criatividade, isso não vem ocorrendo. Diante das pressões sociais, as crianças

vêm sendo trabalhadas e orientadas a aprender e repetir conteúdos

tradicionais.

Levando para o lado da atividade motora expontânea, a porta aberta

à uma criatividade sem fronteira, se caracteriza como sendo a expressão livre

das pulsões ao nível imaginário e simbólico, ao desenvolvimento livre da

comunicação e expressão corporal.

Colocar à disposição das crianças diferentes tipos de objetos e

observar a forma como elas os utilizam, ou estimular movimentos e observar

como eles se sentem e se descobrem até para produzir um novo movimento, é

uma contribuição muito rica e progressiva de ensinamentos para o

desenvolvimento da criança, porque as situações assim espontaneamente

criadas, ordenam-se freqüentemente em torno de um assunto, consciente ou

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

inconsciente, que é necessário perceber e explorar, penetrando assim nas

motivações e criatividade do grupo.

O desejo profundo da criança é de ser dona de seus atos,

verdadeiramente livre, não julgada e não submetida afetivamente ao desejo do

adulto. Vastos campos de atividade devem ser deixados para que ela aí crie e

exprima com toda a liberdade sem coação educativa. Deve ser permitida à

criança, explorar sozinha elementos (sons, materiais, objetos, temas) e os

movimentos Dom próprio corpo, desenvolvendo suas buscas, necessidades e

sua criatividade.

É somente nessas condições que a expressão, a emoção, o

movimento e o aprendizado se tornam autênticos, livres, espontâneos,

sincréticos; que as atitudes de inibição e de oposição às propostas

desaparecem e que a criança pode assumir seu desejo, buscar e fazer com

prazer, com dinamismo, alegria e criatividade.

A atividade motora espontânea é vivida no presente, um presente

que evolui a modificar-se sem cessar, colocando em questão o passado, e

preparando um futuro que é, ele próprio, evolução constante através de uma

seqüência de presentes. Por isso, a atividade espontânea é a base da

criatividade, dessa busca constante do novo e do diferente. Mas, percebe-se

que em certos momentos esse movimento perpétuo imobiliza-se na busca de

uma estrutura, de uma certa permanência. Essa permanência é uma tentativa

de projeção do presente no futuro, que com o passar Dom tempo irá solicitar o

novo, que para acontecer, necessita do desenvolver da criatividade. Criar é

portanto, de início, responder a esse desejo de sobrevivência. É criar pára si

mesmo; só secundariamente a criação torna-se meio de comunicação, de

movimentação, e só depois de socializar-se, que o desejo de criar torna-se

desejo de criar para o outro.

A criança começa aprender e se desenvolver quando adquire

conhecimentos. Situações de aprendizagem desafiadoras geram no indivíduo a

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

necessidade interna básica de talvez, romper com seus próprios limites,

enquanto movimentos em busca do novo. Por vezes, essa experiência vem

acompanhada de sensações, sentimentos e emoções, com alegria e prazer, ou

dor, incômodo e conflito.

O processo criativo possibilita a criança realizar uma nova

combinação daquilo que já existe, sem que esta seja apenas uma

reorganização do velho, mas que possibilite efetivamente a emergência de uma

nova estrutura mental favorecendo na elaboração das habilidades cognitivas de

forma mais completa, levando-a a adaptar-se e a ser criativo na vida,

desenvolvendo-se a cada dia.

A partir do momento em que a criança descobre seu poder de agir,

seu poder de ação sobre seu corpo e, por intermédio desse corpo, sobre os

objetos e sobre o outro, ela quer exercer este poder. Seu desejo, então, não é

mais ser reconhecida como objeto, mas também como sujeito; sujeito que age

e é dono de seus atos.

Mas ela vai logo encontrar obstáculos, resistências, oposições;

resistência e oposição dos objetos e dos outros. Nesse momento, a criança

reage com uma agressividade que é simplesmente afirmação de seu desejo de

existir, de sua pulsão de vida. Passa a ser cada vez mais agressiva na medida

em que se opõe a outras vidas às quais deve disputar seu espaço e seus

meios de existência.

Quando surge esta agressividade primária, parte integrante da

pulsão de vida e movimento, deve ser respeitada e não culpabilizada pelo

adulto. Trata-se, não de destruí-la, o que teria por efeito destruir todo o

dinamismo, afirmação e desejo da criança, mas de orientá-la quanto aos seus

desejos e investimentos aceitáveis pela sociedade.

É preciso que a criança encontre desde cedo, a resistência do

objeto e do outro em relação aos seus desejos. A partir daí, ela poderá fazer a

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

experiência da oposição do real à realização de seus projetos, desejos, para

que aceite quando preciso, a limitação de seu poder e até mesmo a frustração.

Se as primeiras reações freqüentemente são reações de revolta

contra o fracasso, com agressividade nas atitudes; pouco a pouco, sob

condição de que o adulto não interfira nem para julgar, nem para ajudar,

demonstrar ou explicar, a criança aprenderá ter paciência e perseverança que

asseguram a serenidade do desejo através das dificuldades de sua realização.

Tão rápido elas abandonam uma tarefa imposta, como são capazes de

perseverar e tentar várias vezes num projeto que é realmente o que quer, a

expressão de seu próprio desejo. Da mesma forma que a criança se confronta

com as dificuldades do espaço, das circunstâncias, ela se confronta com o

outro e com o grupo, o que faz com que ela aprenda pouco a pouco os limites

de sua liberdade e de seus desejos em oposição à dos outros.

Ao lidar com a criança na escola, o educador deve ter

disponibilidade, paciência e um pouco de imaginação, para poder seguir com

sua proposta e orientar a imaginação, criatividade e desejo da criança, sem

frustrá-la e decepcioná-la.

Criar é basicamente formar. É poder dar uma forma a algo. É uma

necessidade vital, pulsional de todo ser humano.

O ato criativo abrange a capacidade de compreender, e esta, por

sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar. Se basta por ele

mesmo. É o significante e o significado que está expressando algo das

experiências afetivas mais íntimas do ser.

A expressão criadora permite à criança estar em relação com o que

está no mais profundo dela mesma e que é manifestado pela liberação dos

fantasmas sensoriomotores originais do corpo, suas descargas de prazer ou

desprazer, da sua história afetiva inconsciente. Essa comunicação

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

desencadeia um bem-estar sensorial tônico e afetivo que evolui para o prazer

de dar e partilhar.

A criação como a expressão favorecem a descentração por permitir

à criança afastar-se da sua produção. Ela olha essa produção do lado de fora,

como espectador, numa tomada de consciência que lhe permite evoluir ao

pensamento operatório.

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CAPÍTULO II

PSICOMOTRICIDADE E ALGUMAS ABORDAGENS

A sociedade atual caracteriza-se pela tendência à reabilitação dos

valores corporais, pela transformação de costumes e de idéias. A nova geração

procura restituir o valor do corpo e a sua significação.

Esta importância dada ao corpo, pela nossa sociedade, vem se

refletir por meios dos movimentos artísticos contemporâneo, de teatro, da

dança e, sobretudo, por realizações inspiradas pela psicanálise.

Na psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, toda obra de

Henri Wallon e de Jean Piaget colocava em evidência o papel da atividade

corporal no desenvolvimento das funções cognitivas. Wallon (1942, p. 18)

afirmava que, “o pensamento nasce para retornar a ele”. Piaget (1936, p. 12)

sustentava que, ”mediante a atividade corporal a criança pensa, aprende, cria e

enfrenta os problemas”.

Dupré colocou em evidência a síndrome da debilidade motora, ao

tratar, nos hospitais, crianças com dificuldades de movimentos. Segundo ele,

“existem estreitas relações entre as anomalias psíquicas e as anomalias motoras, considerando-as como expressão de uma solidariedade original e profunda entre o movimento e o pensamento".

(Dupré, 1900, p. 20)

A partir daí, a atividade motora e a atividade mental passaram a ser

vistas como atividades que estão em constante inter-relação, podendo uma

influenciar a outra, por meio de seus dois componentes sócio afetivo e

cognitivo.

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A psicomotricidade justifica a sua existência em qualquer troca

induzida psicologicamente repercutida no aspecto corporal de pacientes e vice-

versa, quanto na condição verdadeiramente psicomotora do ser humano,

sobretudo até a idade de sete anos. Efetivamente, até a idade em que a

criança adquire o pensamento operatório concreto, que lhe dá acesso a

aprendizagem escolar, existe uma absoluta unidade entre a motricidade e a

inteligência, entre a ação e o pensamento.

O objetivo da psicomotricidade é o desenvolvimento das

possibilidades motoras e criativas do ser humano em sua globalidade, partindo

do seu corpo, levando a centralizar sua atividade e a procura do movimento e

do ato, incluindo tudo o que deriva dela própria: disfunções, patologias,

educação, aprendizagem e outros.

A psicomotricidade deve ser compreendida em sua integridade,

partindo de fenômenos que envolvem o desejar e o querer, já que ela consiste

na unidade dinâmica das atividade, dos gestos, das atitudes e posturas,

enquanto sistema expressivo, realizador e representativo do ser em ação e da

coexistência com outrem.

O corpo está presente em todas as situações e é solicitado a agir

com destreza em todos o momentos. É através do movimento, que o homem

participa do mundo, e através dele manifesta a própria intencionalidade. O ato

motor não é somente uma sucessão de impulsos psicológicos, mas sim o modo

de o indivíduo colocar-se em relação com o mundo externo, possibilitando

assim a expressão de uma imagem mental.

Alguns conceitos vem sendo desenvolvidos sobre a

psicomotricidade:

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

6 Psicomotricidade é uma ciência da educação e da saúde destinada a estudar, analisar, orientar todas as condutas do indivíduo: motoras, neuromotoras, perceptomotoras. Estimula a percepção e a consciência do corpo como lugar de sensação, expressão e criação.

6 É a integração das funções motrizes e mentais, sob o efeito do desenvolvimento do

sistema nervoso. Destaca as relações existentes entre a motricidade, a mente e a

afetividade das pessoas.

6 É uma ciência cujo objetivo de estudo é o homem através do seu corpo em

movimento, nas suas relações com seus mundos interno e externo.

Sendo assim, a psicomotricidade, como toda ciência, corresponde a

um objetivo de estudo próprio, do qual retira sua unidade e especificação, isto

é, o corpo e a sua expressão dinâmica, fundamentado em três conhecimentos

básicos:

O movimento, que segundo os conhecimentos atuais, ultrapassa o

ato mecânico e o próprio indivíduo, sendo a base das posturas e

posicionamentos diante da vida;

O intelectivo, que encerra a gênese e todas as qualidades da

inteligência do pensamento humano, seu desenvolvimento depende do

movimento para se estabelecer, desenvolver e operar.

O afeto, que é a própria pulsão interna do indivíduo, que matiza a

motivação e envolve todas as relações do sujeito com os outros, com o meio e

consigo mesmo.

Se realmente a psicomotricidade e quem trabalha com ela,

estiverem fundamentados nesses três conhecimentos (o movimento, o

intelectivo e o afeto), o desenvolvimento do indivíduo dar-se-á através da

promoção, preservação e recuperação da movimentação corporal.

A aprendizagem da criança está diretamente ligada ao

desenvolvimento psicomotor. E este é um fator importantíssimo para unir a

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Psicomotricidade com a Educação Física e desenvolver a criança

integramente.

A psicomotricidade entende que a aprendizagem é um processo

complexo que resulta da vivência, da experiência percebida por cada indivíduo.

Processo dinâmico e hierárquico que envolve: processos neurológicos,

atividades bioelétricas, reações químicas, eficiência sinóptica, desenvolvimento

da memória, metabolismo protéico e sistema nervoso íntegro de condições.

A criança vem ao mundo com o poder mental muito desorganizado.

Seus reflexos são subcorticais (ela não comanda). É a partir do

desenvolvimento do córtex cerebral que vai dominando seus gestos, suas

intenções corporais. Ao longo da vida vai formando circuitos neuroniais

específicos para cada atividade.

O amadurecimento da rede neuronial ocorre melhor através de

estímulos recebidos e isso por conseqüência do desenvolvimento do córtex

cerebral, responsável por todo o processo de comando corporal. Existem dois

parâmetros de amadurecimento: céfalo-caudal e próximo-distal, o que caminha

simultaneamente no decorrer do crescimento da criança.

A partir dessa colocação, cabe salientar a visão de alguns autores:

“Síndrome da debilidade motora e suas conseqüências na aprendizagem; com reações como sincinesias (movimentos involuntários biklaterais), ou paratonias (movimentos não necessários, impossibilidade de um relaxamento, ou ainda reflexo exacerbado)”.

(Dupré, 1900, p.21)

“Psicologia Genética. Desenvolveu o conceito das praxias (movimentos ajustados dentro de uma seqüência temporo-espacial para um

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

determinado fim) onde os movimentos automáticos são de nível subcortical. A córtex cerebral é que dá a consciência ao homem. A atividade mental começa a se intensificar quando o indivíduo desenvolve suas praxias, que são suas habilidades motoras. Do nível da sensação para o da percepção”.

(Piaget, 1978, p. 52)

“Tônus + afetividade. O desenvolvimento emocional da criança quando bem orientado permite uma melhor prontidão para a aprendizagem. Existe a valorização contudo do desenvolvimento da organização dos movimentos e da percepção a partir do crescimento cortical”.

(Wallon, 1973, p. 42)

“Há um permanente conflito no homem que é a questão básica de toda a sua relação com a sociedade. Ela reprime as suas pulsões, instintos ou aspirações com valores padronizados pela cultura adotada, o que recai em sérias conseqüências de comportamento”.

(Freud, 1948, p. 292)

A evolução da criança e o seu processo de desenvolvimento se faz

de forma não unitária, isto é, segmentar e diversificada. Não se realiza de um

modo regular e progressivo, mas um pouco com a evolução histórica de toda a

humanidade: por saltos qualitativos que se seguem a períodos de lenta

maturação e são sucedidos por rupturas, por revoluções. É preciso que a

criança possa integrar cada um de seus progressos, antes de adquirir um novo.

2.1. ALGUNS ELEMENTOS PSICOMOTORES E SEUS

CONCEITOS

O mundo psicomotor surge na escola. Nas aulas de educação Física

e até mesmo nas salas de aula, cria-se um espaço para o corpo: o movimento,

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

o dinamismo e a liberdade são vividos intensamente pelas crianças. A inibição

e o bloquei psicomotor podem levar ao isolamento, a criança se torna

observadora do mundo ativo e espontâneo dos companheiros.

Cada criança é única. O esquema do desenvolvimento é comum a

todas as crianças, mas as diferenças de caráter, as possibilidades físicas, o

meio e o ambiente familiar, colaboram para que crianças com a mesma idade

tenham comportamentos diferentes.

A harmonia do desenvolvimento com todos os seus componentes é

tão importante quanto a aquisição de tantas performances numa determinada

idade. Não se trata para a criança de realizar uma corrida de obstáculos, o

mais rapidamente possível, mas desenvolver seu corpo e sua mente de

maneira equilibrada.

O desenvolvimento é contínuo, a criança se desenvolve desde os

primeiros dias de vida. O movimento e o esforço muscular são fundamentos da

vida psíquica. Eles permitem que se afirme o sentimento do Eu, essa força

voluntária que supera os obstáculos que o mundo lhe opõe. É na ação que o

Eu toma consciência de si mesmo e do mundo. É na vontade que se determina

a vida psicológica. A vida emotiva e a Vida motora não são isoladas, elas

apenas se complementam orientadas pelos elementos psicomotores. Alguns

deles são:

• Esquema Corporal

A formação do eu, isto é, da personalidade, compreende o

desenvolvimento do esquema corporal, através da qual a criança toma

consciência de seu corpo e das possibilidades de expressar-se por seu

intermédio.

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Segundo Wallon,

“o esquema corporal é um elemento básico e indispensável para a formação de personalidade da criança. É a representação, relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo.”

(Wallon, 1989, p. 9)

O indivíduo percebe os seres e as coisas que o cercam, em função

de sua própria pessoa. O desenvolvimento da personalidade, dentre outros

aspectos envolve, pelo indivíduo, progressiva tomada de consciência de seu

corpo, de seu ser, das possibilidades de agir e de transformar o mundo em sua

volta.

A criança se sente bem à medida que conhece seu corpo, que se dá

conta que ele lhe obedece, e que pode utilizá-lo, não somente para se

movimentar, como para agir, segundo seu desejo e controle.

Um aluno cujo esquema corporal não está adequadamente

construído em sua percepção, não coordena bem seus movimentos. É possível

constatar que se atrapalha quando se veste ou se despe, que as habilidades

manuais lhe são penosas e difíceis. Na escola, a caligrafia é feia e a leitura não

harmoniosa, não expressiva, o gesto vem após a palavra, lhe é difícil seguir i

ritmo da leitura, sendo comum parar no meio das palavras que fala ou lê.

Para o desenvolvimento do esquema corporal sugerem-se

atividades de identificação, reconhecimento, localização e conhecimento das

funções de todas as partes do corpo, assim como, aplicação de conceitos

espaciais e temporais, reprodução de movimentos e ritmos, equilíbrio estático,

expressão com o corpo de diversos sentimentos, realização de movimentos

complexos e diferenciados e a dissociação de movimentos, com vários

segmentos corporais e outros.

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

• Lateralidade

A lateralidade traduz-se por estabelecimento da dominância lateral

da mão, olho e pé, do mesmo lado do corpo.

Durante o crescimento, a dominância lateral da criança se define

naturalmente, mostrando-se mais forte e mais ágil do lado direito ou do lado

esquerdo. A lateralidade corresponde a dados neurológicos, sendo também

influenciada por certos hábitos sociais.

Quando existe dominância lateral da mão, olho e pé do mesmo lado

do corpo, diz-se que há homolateralidade. Quando, porém a criança é destra

no uso da mão, mas prefere chutar com o pé esquerdo, por exemplo, diz-se

que tem lateralidade cruzada.

Não devemos confundir lateralidade (dominância de um lado do

corpo em relação ao outro, nos níveis de força e precisão), com a noção de

lado esquerdo ou direito do corpo. Quando a lateralidade está bem definida, a

criança tem mais facilidade de saber o que está à sua direita ou à sua

esquerda, embora a educação da lateralidade não comece por essas

informações. Elas emergirão espontaneamente, como resultantes da

comparação da posição dos objetos em relação ao eixo corporal. Essa

comparação será tão mais facilmente aprendida quanto mais homogêneo for o

domínio lateral da criança (preferência do olho, pé e mão do mesmo lado do

corpo).

Quando a lateralidade não está bem definida, é comum ocorrerem

problemas na orientação espacial, dificuldades na discriminação e na

diferenciação entre o lado dominante e o outro lado, desconhecimento de

esquerda/direita, incapacidade de seguir a direção gráfica (leitura começando

pela esquerda , por exemplo).

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Não se deve jamais forçar a criança a alterar sua dominância lateral.

Se ela apresentar lateralidade cruzada ou ambidestria e manifestar distúrbios,

convém submetê-la à avaliação mais acurada. Qualquer procedimento para

levá-la a reorganizar sua dominância homolateral deve ser clinicamente

orientado e cumprido na escola.

• Estruturação Espacial

É a organização do mundo exterior, a partir do Eu como referência,

depois com relação a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em

movimento.

A estruturação espacial leva à tomada de consciência, pela criança,

da situação e das possibilidades motoras e de agir expressando seu próprio

corpo em um determinado meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação quer

pode ter em relação às pessoas e coisas. Também favorece o estabelecimento

de relações dos objetos entre si, colocando-os em lugares determinados ou

movimentando-os.

O processo de estruturação espacial compreendem exercícios que

desenvolvam a posição e a relação no espaço de indivíduos, objetos e

situações e a compreensão das relações espaciais que envolvem noções como

acima, abaixo, no meio, maior, menor, igual, fora, dentro, longe, perto etc.

Portanto, a estruturação espacial é parte integrante de nossa vida. É

difícil dissociar os três elementos fundamentais da psicomotricidade:

corpo/espaço/tempo, e quando opera-se com toda essa dissociação, limita-se a

um aspecto bem preciso e restrito da realidade.

Quando se deseja que a criança adquira uma noção espacial, não

se pode deixar de levar em conta suas possibilidades e conhecimentos

corporais, sua emotividade (diante do educador e das outras crianças), o tempo

de que dispõe, e seu próprio ritmo.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

• Orientação Temporal

É a capacidade da criança se situar em função da sucessão, da

duração e da periodicidade dos acontecimentos, bem como do caráter

irreversível do tempo, avaliar o movimento no tempo, distinguir o rápido do

lento, o sucessivo do simultâneo.

As noções temporais são muito abstratas, muitas vezes bem difíceis

de serem adquiridas pelas crianças. Dois tipos de tempo podem ser

considerados: o subjetivo e o objetivo.

O tempo subjetivo varia conforme as pessoas e a atividade do

momento (o momento do prazer passa mais depressa do que o momento de

aborrecimento).

A noção do tempo subjetivo deve ser desenvolvida por meio do

diálogo, levando a criança a se conscientizar dos próprios sentimentos, em

situações diferentes.

O tempo objetivo é o tempo matemático, idêntico e cronológico (uma

hora dura sempre sessenta minutos...).

A noção de tempo objetivo pode ser desenvolvida a partir de pontos

de referência, tais como: hora das refeições, hora de dormir, dias de atividades

especiais, como o lazer no Domingo, festas de natal, ano novo, datas de

aniversário etc.

Quando a criança tem problemas na orientação temporal,

geralmente apresenta, também dificuldades que envolvem a estruturação

espacial, manifestas por exemplo, na ordenação dos elementos de uma sílaba.

Do mesmo modo, sente dificuldades em reconstruir uma frase cujas palavras

estejam misturadas, sendo a estrutura da língua um difícil quebra-cabeça para

ela.

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A desorganização espacial ou temporal pode acarretar sério

fracasso em matemática. Com efeito, para calcular a criança deve ter pontos

de referência, colocar os números corretamente, possuir noção de fileira, de

coluna, deve conseguir combinar as formas para fazer construções

geométricas, dentre outros.

Algumas atividades são sugeridas para desenvolver a orientação

temporal: a sucessão dos acontecimentos, a duração de intervalos, ritmo

regular e ritmo irregular, locomoção rápida e lenta, renovação cíclica de certos

períodos, o caráter irreversível do tempo etc.

• Tônus, Postura e Equilíbrio

O tônus, a postura e o equilíbrio constituem a capacidade da criança

de conquistar atitudes habituais cômodas e suscetíveis de serem mantidas com

o mínimo de fadiga e sem desequilíbrios ou vícios de postura. Permitem relaxar

e dinamizar articulações, bem como possibilitam o equilíbrio para os

deslocamentos em posição ereta, com regulação do tônus muscular

necessário. Crianças com problemas na tonicidade muscular, na postura,

apresentam, geralmente impressão de desleixo ou de cansaço. Não

conseguem ficar quietas e estão sempre como desengonçadas.

O desenvolvimento do tônus, da postura e do equilíbrio envolve,

dentre outros, exercícios para: fortalecimento da tonicidade dos músculos

posturais, equilíbrio estático, flexibilização da coluna vertebral, equilíbrio

dinâmico e força muscular.

Todo movimento humano, sob todas as suas formas, inclusive sua

ausência (relaxamento) elabora-se sobre o fundo tônico.

O tônus muscular é uma tensão dos músculos pela qual as posições

relativas das diversas partes do corpo são corretamente mantidas e que se

opõe às modificações passivas dessas posições.

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Em condições normais o músculo esquelético só está em repouso

aparente, pois ele é sede de uma constante contração tônica. Esta contração é

controlada por centros nervosos localizados no cerebelo e nódulos estriados.

Verifica-se o estado do tônus muscular através da resistência de um músculo à

mobilização passiva de um segmento do corpo:

- grande resistência – hipertonia;

- pequena resistência – hipotonia;

- resistência normal – tônus normal.

O tônus prepara o guia gestos, expressa ao mesmo tempo a

satisfação ou mal-estar do sujeito, não é apenas o alcance do gesto mas o

próprio gesto vivido.

O equilíbrio corporal é o conjunto de reações do sujeito à gravidade,

isto é, suas adaptações às necessidades de bipedestação e dos

deslocamentos em posição ereta. Através de exercícios, a criança deve

encontrar por si só as posturas necessárias ao equilíbrio, como aumento das

alturas, deslocamentos com aumento do grau de dificuldade, equilíbrio de

objetos e do corpo em diferentes situações.

• Pré-escrita, Psicomotricidade Fina ou Coordenação

Dinâmica Manual

O domínio harmonioso e delicado do gesto, a estruturação espacial

e a orientação temporal são os três fundamentos da escrita, que supõe: uma

direção gráfica, as noções de em cima e embaixo, esquerda e direita, a noção

de antes e depois, para ordenação dos movimentos de escrever.

Crianças que têm transtornos na coordenação dinâmica manual

geralmente tem problemas visomotores, apresentando inúmeras dificuldades

em desenhar, recortar, escrever...e, em todos os movimentos que exijam

precisão na coordenação olho/mão.

Page 41: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Exercícios para o desenvolvimento da coordenação dinâmica

manual têm como finalidade fazer com que a criança atinja o domínio do gesto

e dos objetos que manipula, bem como a percepção e a compreensão da

imagem a reproduzir. Esses exercícios, quando orientados, se dividem em dois

grupos: os puramente motores e os de grafismo, preparatórios para a escrita

no plano vertical e no papel.

Os exercícios motores para a pré-escrita e leitura colaboram para a

educação de ambas as mãos e de todos os dedos, desenvolvendo movimentos

simultâneos ou dissociados, estes diferentes em cada membro do par.

Algumas sugestões para desenvolver estes movimentos: lançar e receber

bolas, picar, rasgar e recortar papel, decalcar, abrir e fechar as mãos etc.

Esquema corporal, lateralidade, estruturação espacial, orientação

temporal, tônus, postura, equilíbrio e a coordenação dinâmica manual devem

ser trabalhados na criança simultaneamente e não em seqüência. Entretanto,

os pré-requisitos próprios de determinados comportamentos precisam ser

respeitados. Por exemplo: não se pode exercitar a estruturação espacial, sem

que se tenha desenvolvido e dominado o esquema corporal que por sua vez é

trabalhado quando a criança tem a imagem corporal, que é a percepção e o

sentimento que ela tem de seu próprio corpo. Ligada a aspectos relacionais e

envolve experiências interiores, expectativas sociais e emoções. A imagem é

tudo aquilo que foi vivido pela criança com seu corpo.

2.2. CORPO E MOVIMENTO

A escola não pode negar como fato histórico a corporeidade

humana, a infinidade de gestos, expressões, movimentos, que os seres

humanos foram e são capazes de realizar, originando jogos, brincadeiras,

danças, esportes, lutas e diferentes formas de ginástica constituindo desta

forma, o verdadeiro patrimônio lúdico da humanidade.

Page 42: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

O grande desafio da psicomotricidade nas aulas de educação física

é propiciar ao educando o conhecimento do seu corpo, usando-o como

instrumento de expressão e satisfação de suas necessidades, respeitando

suas experiências anteriores e dando-lhe condições de adquirir e criar novas

formas de movimento.

O movimento humano é aquele que nos diz respeito enquanto

especificidade de nossa ação profissional, por isso, temos que ter claro ser ele,

humano, social e culturalmente construído. Assim sendo, ao resgatarmos uma

visão antropológica de movimento humano, passamos a percebê-lo em sua

totalidade como resultante da interação de seus componentes biofisiológicos e

socioculturais.

O movimento corporal ou movimento humano que é tema da

Educação Física não é qualquer movimento, não é todo movimento. É o

movimento humano com determinado significado/sentido, que por sua vez lhe é

conferido pelo contexto histórico cultural.

No projeto educacional em relação ao corpo do aluno, o que está em

jogo são duas maneiras diferentes de se ver o corpo: num caso, corpo que é

simples meio e que é treinado para se transformar num instrumento de luta

contra o espaço. Uma corrida é luta contra o tempo. Num outro, é o corpo

reconciliado com o espaço e o tempo e que não deseja vencê-los mas apenas

usufruí-los.

Considerando que o movimento humano só se concretiza através do

corpo do homem, este movimento passa a integrar uma totalidade e não

somente o ato motor, mas toda e qualquer ação humana que vai, desde a

expressão até o gesto mecânico. Não é apenas o corpo que entra em

movimento, mas é o homem todo que age e se movimenta.

A educação física junto com a psicomotricidade, devem associar o

corpo, a emoção, a consciência, a busca do prazer, fazendo o aluno sentir-se

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

bem com o seu corpo no tempo e no espaço, onde este corpo conseguirá

interferir na ordem estabelecida a partir do momento em que se apresentar

como expressão de individualidade e ao mesmo tempo coletividade, em que se

relaciona com o outro, respeitando-o e sendo respeitado, com espaço de

liberdade e possibilidade de expressão.

O movimento corporal mostra a sua importância na emergência da

consciência e da constante reciprocidade dos aspectos cinéticos e tônicos da

motricidade, assim como as interações entre as atitudes, a sensibilidade e a

acomodação perceptiva e mental, no decurso do desenvolvimento da criança.

Wallon prioriza os aspectos afetivos afirmando que,

“estes são mais importantes do que qualquer tipo de outros comportamentos anteriores, pois em qualquer movimento existe uma condicionante afetiva que lhe insufla algo de intencional”.

(Wallon, 1973, p. 38)

Existe, portanto, uma evolução tônica e corporal que constitui o

prelúdico da comunicação verbal, que é chamada diálogo tônico.

O diálogo tônico, que ocupa uma grande importância na gênese

psicomotora, tem como instrumento operativo e relacional o corpo. Para Wallon

(1973, p. 41), “a ação desempenha o papel fundamental de estruturação

cortical e está na base da representação”.

O primeiro contato que a criança faz com o mundo é feito através

dos movimentos. É por um verdadeiro diálogo tônico que a criança se introduz

na cultura. Durante muito tempo a forma de contato que a criança estabelece

com o mundo é realizada, principalmente com a mão, por meio de um

verdadeiro diálogo corporal e gestual.

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

As primeiras relações vão ocasionar uma alteração na tonicidade do

indivíduo e vão se traduzir em esquemas de relação, uns hipertônicos e outros

hipotônicos. Estas impressões vão modificar a musculatura, constituindo assim

a história do indivíduo, refletida numa diferenciada disposição motora.

Os primeiros atos intencionais surgem na simbiose afetiva com o

meio. O meio já representa uma forma de possessão, sendo a partir desse

auto-reconhecimento que se iniciam as descobertas e o domínio do próprio

ambiente. Esta forma de aquisição só é possível através da seqüência das

aquisições motoras essenciais (posição de pé, marcha, preensão global etc.).

A evolução autônoma não é somente maturação, seguindo um

programa inscrito nas origens das estruturas da hereditariedade. Ela é também

assimilação das influências físicas e humanas. A evolução é, portanto, o

resultado do equipamento neurofisiológico básico e da assimilação dos

estímulos sociais e culturais (mundo humano).

Segundo Wallon,

“o movimento contém sempre potência psíquica. É deslocamento no espaço de uma carga afetiva e possui modulação tônica em reação ao meio. O tônus transforma o fisiológico em psicológico; o tônus é o suporte do movimento cuja expressão da afetividade e corticalização decorrente da experiência com o meio. Mais do que contração muscular ou deslocamento no espaço, tem significado de relação afetiva com o mundo e constrói uma história biossocial”.

(Wallon, 1973, p. 42)

Page 45: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A partir do movimento estrutura-se o pensamento ou seja, o

movimento transforma-se em ato social.

Ser Humano Meio Individualidade Coletividade Maturação Apropriação da Nervosa e Experiência Social Psicomotora Movimentos

Sendo o movimento uma resposta muscular à estimulação sensorial,

podemos relacioná-lo na unidade sensório-motora, isto é, levando em

consideração a informação motora. Esta informação motora pode ser

distinguida dentro da sensibilidade que traz ao corpo: uma sensibilidade

interoceptiva, que é a sensibilidade visceral; uma sensibilidade proprioceptiva,

que é ligada às posturas, movimentos e atitudes; e a sensibilidade

exteroceptiva, que é aquela que engloba as funções táteis, visuais e auditivas.

Quanto aos movimentos pode-se considerar:

Movimento reflexo: reação involuntária, esteriotipada e localizada

no organismo a um estímulo específico. Os reflexos podem se inatos ou

adquiridos por aprendizagem. Ex.: reflexo pupilar – reflexo de sucção.

Page 46: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Movimentos voluntários: são atos intencionais, que encerram dois

elementos importantes: motivação e antecipação. Tais características dão ao

movimento voluntário a conotação de atividade psicomotora por excelência, já

que o projeto motor é a intencionalidade convertida em ato, representa o ponto

onde se reúnem as faculdades intelectuais e psíquicas e as possibilidades

motrizes.

Movimentos automáticos: reações globais do organismo aos

estímulos do meio, sem possibilidades de decomposição e análise. São

reações aprendidas tornando-se involuntários, isto é, a partir de um estímulo,

surge uma cadeia de respostas que se sucedem com o controle consciente do

sujeito. Ex.: Na marcha, os primeiros movimentos são voluntários seguindo-se

uma ação automática.

O movimento é o resultado de uma computação de processos

cognitivos de imagens e de simbolizações que é simultaneamente: ação e

representação, onde o indivíduo descobre e edifica a linguagem, o corpo, as

emoções, assimilando o saber teórico e prático da própria sociedade.

2.3. EDUCAÇÃO MUSICAL: CONTRIBUINDO NO

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR DA

CRIANÇA, DE SUA PERSONALIDADE E SUAS

FORMAS DE RELAÇÃO

A criança vivencia a música desde os primeiros meses de vida ainda

intra-uterina. As pesquisas recentes revelaram a capacidade do feto de

perceber os sons através das vibrações vindas do exterior do seu espaço

uterino. O som é sua primeira experiência musical. Desta forma, o bebê pode já

se reconfortar com a voz materna que logo identifica pela sua sonoridade. A

partir daí, outros sons também são apreciados.

Page 47: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A partir do nascimento, várias devem ser as experiências musicais

da criança, pois muito contribuirão para o desenvolvimento das suas

percepções, principalmente a rítmica e auditiva. Nos primeiros anos de vida, a

criança está mais receptiva para as propostas musicais, mesmo que a intenção

desta prática não seja de formar músicos e sim apenas auxiliar no

desenvolvimento das percepções do indivíduo, aumentar a sua capacidade de

concentração, de memória, desenvolver o raciocínio lógico além de serem um

forte agente desencadeador das emoções humanas.

Os benefícios trazidos pela prática da iniciação musical, estendem-

se para todas as áreas de aprendizagem. Por haver uma identificação natural

da criança com a linguagem musical, todo trabalho a ser desenvolvido na

Educação Infantil deve buscar ilustrar-se com atividades musicadas. Ao dançar

e cantar, a criança exercita ao mesmo tempo o equilíbrio, o ritmo, a noção

espacial, a expressão corporal, a afinação da voz, a relação com o grupo etc.

Além de auxiliar a psicomotricidade, a música dinamiza a integração da criança

com o grupo.

O tempo musical permite à criança ajustar seus movimentos,

buscando sincronia entre sua organização tônica e a música ouvida.

A expressão própria dos movimentos rítmicos da criança está

diretamente ligada ao seu equilíbrio emocional. Seus gestos devem estar

ajustados ao tempo e ao espaço exteriores sendo harmônicos ao que for

proposto.

Este processo deve traduzir espontaneidade e bem-estar. Todo

automatismo indicará o fracasso deste ajustamento. O objetivo da proposta

musical deve ser sempre colocar a criança frente a uma situação global de

ajustamento ao tema musical sem implicar num esforço maior de análise

perceptiva. Utilizando-se a dança ainda como referência na educação, quando

se trata dos aspectos psicomotores, o importante é a improvisação da

Page 48: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

expressão e dos gestos, não se levando em conta a reprodução dos passos

ensinados.

Em determinadas atividades, existem algumas crianças que não

estão em condições de um desempenho razoável, dada à heterogeneidade que

a maioria dos grupos apresenta. Esta realidade leva a exaustivos e repetitivos

ensaios da atividade que só desestimulam a espontaneidade da criança que

precisa ainda de mais tempo.

A personalidade da criança é o resultado de um crescimento lento e

gradual. O sistema nervoso chega à maturidade por etapa sobreposta e

seqüências naturais. E este processo independe da interferência sistemática. A

atuação da escola pode sim aprimorar ou acelerar o processo da formação da

personalidade mas é o convívio da criança que estrutura a sua personalidade.

O atendimento que se dá a criança na sua trajetória educacional é que, amplia

a sua potencialidade e facilita a sua aprendizagem.

O corpo representa para o homem seu primeiro veículo de

comunicação com o mundo. É através dele que o homem demonstra sua

percepção mais íntima do mundo que o cerca. E ao mesmo tempo ele

expressa a sua leitura deste mundo.

Neste sentido, a educação favorece esse desenvolvimento a partir

de um diálogo igual e verdadeiro, compreendido por ambas as partes, do

adulto e da criança, com a orientação adequada para a solução das questões

levantadas.

Nesse momento, a psicomotricidade ganha espaço e age como

ciência que se dedica a compreender esse processo e auxilia a relação

homem/mundo, considerando os aspectos cognitivo, afetivo e motor da criança,

que caminham dentro de uma mesma expectativa. O exercício físico é

fundamental para o desenvolvimento corporal, mental e emocional da criança,

Page 49: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

assim como, as sensações, as percepções e as ações constituem um ciclo que

se desenvolve, se enriquece e se organiza para constituir sua personalidade.

Todas as formas de relação advém de uma atitude corporal, que

sensibiliza o corpo, seus reflexos e suas posturas.

As atividades musicais se constituem numa das mais completas

propostas que visam o desenvolvimento dos aspectos básicos da formação da

personalidade da criança. Atuam na esfera emocional através do ritmo e da

melodia. As formas de relação podem ser:

Quanto ao aspecto motor: Nas danças, nos jogos cantados, na

execução dos instrumentos, o que estimula a sincronia rítmica permanente ou

em qualquer atividade de deslocamento que seja orientada pela música.

Quanto ao aspecto cognitivo: No desempenho das atividade há o

estímulo do conhecimento geral, da memória e do crescimento das

potencialidades da criança. O vocabulário também é muito enriquecido nas

peças cantadas, desenvolvendo-se assim o raciocínio.

Quanto ao aspecto afetivo: Na música, que tem uma singular

propriedade: lidar com a emoção do indivíduo. E neste aspecto pode-se utilizar

a música para a busca do equilíbrio psíquico desde a mais tenra idade. Basta

que seja bem orientada.

Os elementos naturais da música são o ponto de partida das

atividades: o ritmo, o som e a melodia.

Algumas atividades podem ser sugeridas, trabalhando os elementos

naturais da música: sensibilização rítmica, a primeira manifestação de

sensibilização rítmica é corporal; dancinhas simples e bem marcadas podem

facilitar o início do trabalho musical e corporal; representação de bichinhos e

dramatizações de histórias onde a expressão seja livre; acompanhamento de

Page 50: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

músicas ouvidas em cds ou instrumento, com desempenho do próprio corpo. É

importante a liberdade dos gestos, o que desinibe e aprimora os movimentos.

Peças musicais também contribuem muito para a sincronia de gestos e

movimentos.

2.4. A IMPORTÂNCIA DO RELAXAMENTO E DA

RESPIRAÇÃO NO DESEMPENHO DAS

ATIVIDADES

O relaxamento, assim como o movimento, estão muito relacionados,

à medida que ambos requisitam o domínio do corpo. O relaxamento diário

ajuda a melhorar e equilibrar comportamentos, a ajustar o tônus muscular e

auxilia também na tomada de consciência do corpo.

Primeiramente deve-se exercitar o relaxamento global para a

obtenção dos descondicionamentos, depois parte-se para o relaxamento

segmentário, que é aquele que traz o controle das diferentes partes do corpo, a

eliminação de sincinesias alivia as tensões, diminuindo assim a rigidez.

Cada atividade agitada deve ser contrabalançada com uma calma e

o relaxamento deve fechar a proposta de uma atividade com criança. Este

procedimento equilibra a dinâmica de qualquer grupo. O relaxamento deve ser

anunciado pela música e conduzido por ela, quando não acompanhado de uma

atividade plástica.

Quanto à respiração, deve-se afirmar que é o fator dos mais

importantes no complexo organismo humano. Através da respiração

conseguimos o equilíbrio ideal das nossas funções menos cansativas e mais

produtivas com a educação respiratória, assim como nossa concentração é

exercitada.

Page 51: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A criança desempenha muito melhor as atividades se acostumada a

pensar na sua respiração, por isso deve-se sempre iniciar uma atividade

praticando a boa e correta respiração, sentindo o corpo, sua pulsação e

procurando, com o tempo, coordenar a respiração com as atividades físicas.

Alguns exercícios de respiração podem ser realizados durante as

atividades:

Deitado em decúbito dorsal em completo silêncio, sentir com

a ponta dos dedos o ar enchendo os pulmões ao entrar e esvaziando-os ao

sair.

O exercício citado acima com uma interrupção.

O exercício citado acima com duas ou mais interrupções.

A observação simultânea da respiração e da pulsação.

A mesma observação após um exercício físico.

Observação à queda rítmica da pulsação e da necessidade de

inspiração à medida que o corpo repousa.

Respiração com movimento:

- sou uma bola de encher que estica quando enche e encolhe

quando esvazia;

- estico meu corpo quando encho e vou esvaziando em lances,

à medida que intercepto a respiração;

- abro os olhos na inspiração de olhos fechados e solto o ar

para um lado de cada vez, de olhos abertos;

- procuro conscientizar-me de expirar nos movimentos que

comprimem o abdome e inspirar nos que liberam.

Obs.: A respiração deve acontecer no abdome e não nos ombros.

Page 52: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CAPÍTULO III

BREVE VISÃO GERAL DO PROCESSO DE

DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

A criança é um ser que se move, que pensa, que sente e como tal

deve ser encarada. Compreendê-la de acordo com suas necessidades, falhas,

esforços, imaturidade, comportamentos, esquema de crescimento, entre outros

aspectos, é fundamental para o equilíbrio e efetividade do processo ensino-

aprendizagem e do desenvolvimento da criança. A criança é um ser ativo em

desenvolvimento, participando de várias situações em ambientes dinâmicos,

isto é, em constantes transformações. Ela é, ao mesmo tempo, um ser único e

um ser social, pois é um indivíduo que vive em sociedade. Essas

características têm de ser levadas em consideração durante todo o momento

em que se estiver trabalhando com a criança, jamais deixando de atender às

suas necessidades individuais e coletivas. Levando em conta também por meio

de estímulos internos, proporcionar uma relação da criança consigo mesma e,

por meio de estímulos externos, criar uma relação dela com as outras pessoas

e com o mundo.

Segundo o modelo do paradigma indivíduo/ambiente de Krebs,

“a individualidade e a socialização não estão separadas. Estas duas questões vão refletir-se na personalidade da criança, pois representam a indissociabilidade entre o “Eu social” e o “Eu indivíduo”. A individualidade está relacionada a estímulos internos, que dependem da natureza biológica e das experiências vivenciadas pela criança. A socialização relaciona-se com a capacidade de a criança lidar com estímulos externos, dependentes do contexto em que ela está inserida”.

(Krebs, 1994, p. 21)

Page 53: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A motricidade da criança de 3 a 6 anos, deve ser assinalada como a

fase do aperfeiçoamento de múltiplas formas de movimento e da aquisição das

primeiras combinações de movimento. Individualmente diferenciados, são

verificadas claros progressos especialmente nas formas de movimentos como:

andar, trepar e subir, correr e pular, lançar e pegar, pendurar e balançar, rodar

e rolar, carregar, bater e equilibrar.

Quanto ao desenvolvimento cognitivo, a criança em idade pré-

escolar encontra-se no estágio pré-operacional do desenvolvimento do

pensamento, fase em que adquire a função simbólica. Assim, os processos de

pensamentos da criança são usados a fim de encadearem ao real, ao presente,

ao concreto; para tanto, utiliza símbolos para representar objetos, lugares e

pessoas, e sua mente pode ir acima do aqui e agora.

Quanto ao seu comportamento sócio-emocional, a criança encontra-

se em idade pré-escolar, no estágio do personalismo. Ela chega a “consciência

do eu”, que só pode surgir quando a criança se torna capaz de ter uma imagem

de si mesmo, uma representação de si própria e que, uma vez estabelecida, se

afirmará claramente com o negativismo, a crise de oposição por volta dos 2

anos e meio aos 3 anos. Segundo Piaget,

“afirmar-se através da oposição ou fazendo tolices, unicamente para captar a atenção, é mais elementar das reações desta etapa. É muito importante entender que para a criança, esta reação significa que ela deixou de se confundir com o outro e que quer também que isto seja reconhecido pelo outro”.

(Piaget, 1964, p. 63)

Esta afirmação de personalidade vai crescendo até chegar ao final

do período pré-escolar, estabelecendo relacionamentos novos com seu meio,

ligações que não são estabelecidas definitivamente, mas que se fortalecem e

se enfraquecem segundo os interesses e as circunstâncias.

Page 54: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

É por isso, que as aulas de educação física devem estar integradas

com a psicomotricidade e, nesse elo, proporcionar atividades motoras que

ajudem as crianças a conhecerem seu corpo eficientemente e dominar uma

ampla variedade de habilidades fundamentais. Isso contribui positivamente

para o desenvolvimento das capacidades físico-motoras, sócio-afetivas e

percepto-cognitivas. A capacidade físico-motora envolve todo o aspecto

fisiológico relacionado a aptidão física e às habilidades motoras, por exemplo,

velocidade, força, coordenação, equilíbrio etc. A capacidade percepto-cognitiva

prioriza, na percepção, o desenvolvimento dos sentidos (tato, visão e audição)

e, na cognição, a capacidade de o aluno solucionar problemas,

compreendendo a realidade em que está inserido, refletindo sobre ela e nela

interferindo. A capacidade socioafetiva estimula as relações interpessoais, a

cooperação e o respeito, cultivando valores e regras morais do contexto

sociocultural do aluno.

3.1. DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES FÍSICO-

MOTORAS

A capacidade do ser humano modificar o seu próprio ambiente, ou

seja, mostrar que é capaz de fazer, de agir, faz parte do seu desenvolvimento

psicomotor.

O domínio psicomotor envolve o processo de mudança e

estabilização na estrutura física e função neuromuscular. O crescimento físico

é bastante lento e uniforme, o ser humano, ao nascer, apresenta movimentos

amplos e desordenados. Com o passar do tempo, quando apresenta domínio

do próprio corpo e já é capaz de se locomover pelo ambiente, adquire um

grande número de movimentos característicos da espécie humana (saltar,

arremessar, chutar, receber, rebater etc.), que pouco a pouco, vão sendo

executados com maior facilidade. Posteriormente, estes movimentos são

combinados a movimentos mais complicados determinados pela própria

cultura. O processo e desenvolvimento motor vai dar condições ao ser humano,

Page 55: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

por meio de uma série de mudanças na capacidade de se mover, para adaptar-

se ao meio ambiente. Nesse sentido, as aulas de educação física podem

contribuir para a aquisição de movimentos naturais por meio da seleção e

estruturação das tarefas motoras mais adequadas, para que as necessidades e

expectativas das crianças sejam atendidas.

Os diferentes tipos de movimento e suas características, são

classificados em movimentos naturais e movimentos aprendidos, que se

subdividem em:

MOVIMENTOS NATURAIS MOVIMENTOS APRENDIDOS

• Movimentos reflexos • Habilidade específica

• Movimentos rudimentares 6 do esporte;

• Movimentos fundamentais 6 da dança;

• Combinação de movimentos

fundamentais

6 do trabalho

Características: próprios da

espécie humana, sem a

necessidade de aprendizagem

Características: determinados

culturalmente pela necessidade de

aprendizagem

A primeira fase é a dos movimentos reflexos. São movimentos primordiais

para a sobrevivência e proteção do bebê e, exatamente por isso, são controlados

involuntariamente e são automáticos. Os movimentos reflexos de ajustamento postural

(controlar a cabeça, o tronco), de preensão (pegar com as mãos) e de natação, são

considerados como base para os movimentos voluntários (como manutenção da postura

ereta), da manipulação (pegar e receber) e de locomoção (andar e nadar). Os

movimentos reflexos possuem 2 estágios. O primeiro é a Informação Codificada, que é

a responsável das respostas involuntárias para suprir suas necessidades de nutrição e

proteção. E o segundo estágio é a Informação Decodificada, que inicia o controle dos

movimentos, trocando as atividades sensório-motoras pelo comportamento perceptivo-

motor.

Page 56: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A fase seguinte é a dos movimentos rudimentares que se

caracterizam pelos primeiros movimentos voluntários. Eles envolvem

basicamente controle do corpo desde a postura feral, até a capacidade de

manter a postura ereta e movimentos da manipulação (quando a criança tenta

alcançar objetos com as mãos e passa a manipulá-los). Também possui dois

estágios, a Inibição do reflexo, que está interligado ao último estágio da fase

anterior pois vai desde o nascimento até por volta de um ano de vida e se

desenvolve à medida que os movimentos vão ficando mais elaborados. E o

outro estágio é o Pré-controle, que aumenta o grau de precisão e controle dos

movimentos de manipulação, locomoção e estabilização (a criança está entre 1

e 2 anos de vida quando já acontece desenvolvimento nos processos

cognitivos).

A terceira fase, a do movimento fundamental, acontece quando os

meninos e meninas começam a desenvolver um crescimento das habilidades

motoras básicas. Na faixa etária de 2 a 7 anos, eles estão na época das

descobertas, na busca de como executar uma variedade de movimentos com

maior fluidez e controle. São conhecidos também como padrões fundamentais

de movimento: andar, correr, saltar, arremessar, rebater, chutar, rolar, receber

etc. são um aperfeiçoamento da fase dos movimentos rudimentares.

A quarta fase é a da combinação dos movimentos fundamentais,

onde os movimentos em vez de serem identificados como aprendizagem,

passam a ser uma ferramenta que se pode aplicar a várias habilidades, então

progressivamente refinadas, combinadas e elaboradas. Esta fase vai dos 7 aos

12 anos, onde há um aumento na capacidade de combinar os movimentos

fundamentais e uma melhora na execução dos mesmos. O nível que a criança

atingirá na execução e nas combinações dependerá das fases anteriores,

principalmente, a aquisição do padrão maduro de movimentos fundamentais.

Nesta fase, a criança vai selecionando, também, as formas de combinações

mais eficientes, o que irá facilitar a transposição para a fase seguinte, que se

refere a movimentos mais complexos e mais específicos. Nesta quarta fase, a

criança passa por três estágios: transição, aplicação e utilização para a vida.

Page 57: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A última fase é a dos movimentos especializados, ou seja, é a fase

dos movimentos culturalmente determinados. A partir do nível de

desenvolvimento atingido na fase anterior, haverá uma melhora relativa do

domínio de habilidades específicas em que haverá um contínuo refinamento

(melhoria na execução), combinação de movimentos de estabilidade

(manutenção e controle do corpo), locomoção e manipulação. Isto possibilita a

sua utilização em tarefas motoras mais complexas. Esta fase inicia-se por volta

dos 12/13 anos e não tem limite determinado. Acredita-se que três aspectos

podem influenciar este limite: a motivação para a prática de atividades motoras,

a oportunidade de poder praticá-las e o talento individual que estaria ligado às

capacidades e limitações de cada um.

3.2. DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES

PERCEPTO-COGNITIVAS

Para se entender o desenvolvimento percepto-cognitivo, é

necessário buscar fundamentação sobre a percepção em primeiro lugar e,

depois, sobre a cognição, em estudos realizados por Piaget. A percepção

direta, digamos, é o ato, efeito ou a faculdade de perceber e adquirir

conhecimentos através dos sentidos. O ser humano possui capacidade de

relacionar três níveis de percepção, de acordo com os estímulos que recebe:

MOVIMENTOS DETERMINADOS CULTURALMENTE

COMBINAÇÃO DOS MOVIMENTOS FUNDAMENTAIS

MOVIMENTOS FUNDAMENTAIS

MOVIMENTOS RUDIMENTARES

MOVIMENTOS REFLEXOS

A PARTIR DOS 12 ANOS

7 A 12 ANOS

2 A 7 ANOS

1 A 2 ANOS

VIDA INTRA-UTERINA A 4 MESES APÓS O

NASCIMENTO

Page 58: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Exterocepção – os estímulos são recebidos pelos

receptores externos do indivíduo, ou seja, os órgãos dos sentidos. São

sensações em nível tátil, auditivo, gustativo, olfativo ou visual que vão

fornecer informações a serem codificadas pelo organismo.

Interocepção – responde aos estímulos em níveis viscerais,

o organismo pode manifestar sensações de dor ou prazer, de acordo com a

resposta mais interna que o corpo pode oferecer.

Propriocepção – diz respeito à percepção dos estímulos em

nível de músculos, ligamentos e tendões. É o mais importante para a

educação física, pois refere-se à cinestesia; o corpo vai desenvolver

capacidades diferenciadas e hábeis para propósitos expressivos, assim

como para objetivos intencionalmente determinados. Desenvolve a memória

que permite a automatização de movimentos.

Piaget divide o processo cognitivo da criança em estágios. Por exemplo, de

7 a 11 anos, ela se encontra no 5º estágio, o das operações intelectuais concretas

(começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação.

A idade médica de 7 anos, que coincide com o começo da

escolaridade propriamente dita, marca uma modificação decisiva no

desenvolvimento mental. Em cada um dos aspectos complexos da vida

psíquica, quer se trate da inteligência, quer da vida afetiva, das relações sociais

ou da atividade individual, observa-se o aparecimento de formas de

organização que completam as construções esboçadas no decorrer do período

precedente assegurando-lhe um equilíbrio mais estável, as quais também

inauguram uma série ininterrupta de novas construções.

A criança, nessa idade apresenta um duplo progresso, demonstra

concentração individual quando trabalha sozinha e colaboração afetiva quando

está em grupo. Tem início a construção lógica, que permite a coordenação dos

pontos de vista entre si. Ela consegue cooperar, porque não confunde mais seu

próprio ponto de vista com o dos outros. O essencial é que ela se torna

suscetível a um começo de reflexão, liberando-se do seu egocentrismo social e

Page 59: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

intelectual e tornando-se capaz de novas coordenações, que serão de maior

importância tanto para a inteligência, quanto para a afetividade.

Segundo Piaget,

“o pensamento da criança em idade escolar (ensino fundamental) apresenta certas propriedades que salientam seus caracteres de reversibilidade e associativo”.

(Piaget, 1964, p. 18)

A reversibilidade quer dizer que a criança pode rever cadeia de

pensamentos, não mais se limitando a uma conclusão errada inflexível,

característica de estágios anteriores à evolução cognitiva. O caráter associativo

de pensamento significa que uma série de pensamentos ou elementos

cognitivos podem ser interpretados pela criança. Entretanto, ela ainda

encontra-se limitada, em termos cognitivos, ao seu mundo imediato e

concretamente real. Por um outro lado, adquire o conceito de orientação, pelo

qual realiza a integração dos vários fatores socioemocionais do processo de

desenvolvimento. Quanto menos idade possuir, maior será a sua dificuldade

em processar estímulos variados ao mesmo tempo. Precisa-se respeitar o

processo de construção em que as capacidades intelectuais se desenvolvem.

A teoria cognitiva de Jean Piaget exerce hoje relevante papel em

todas as áreas da Psicologia e nos campos aplicados à educação e a

psicoterapia. Abandonando a idéia de avaliar o nível de inteligência de um

indivíduo por meio de suas respostas a itens de determinados testes, procurou

acompanhar o processo do pensamento da criança para, então, chegar ao

conceito de inteligência como capacidade geral de adaptação do organismo. A

sua teoria descreve uma interação entre fatores biológicos e sociais. Segundo

Piaget,

“há um equilíbrio entre as ações inversas, que pode ser adquirido através das invariantes funcionais,

Page 60: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

levando o indivíduo à aquisição do conhecimento”.

(Piaget, 1964, p. 19)

Para compreender a totalidade do organismo em sua organização e

equilíbrio, é preciso permitir ao indivíduo realizar uma atividade intelectual

contínua, enfatizando cinco conceitos fundamentais ou invariantes funcionais:

• Esquema – são padrões originais de pensamento que a

pessoa usa para lidar com situações específicas em seu ambiente (unidade

estrutural do desenvolvimento cognitivo);

• Acomodação – processo pelo qual o indivíduo ajusta seu

pensamento às condições ou situações existentes;

• Assimilação – aquisição de novas informações pelo uso

das estruturas cognitivas já existentes;

• Adaptação – ajuste de novas informações, criando outras

estruturas cognitivas;

• Equilíbrio – harmonia entre o esquema e a adaptação.

Nas aulas de educação física, pode-se perceber que a escolha e a

seleção das atividades são tão importantes quanto o encorajamento e a

oportunidade de participação de todas as crianças. O professor deve começar

com estruturas simples (esquema) e, progressivamente, chegar às mais

complexas, permitindo que as crianças vivenciem uma variedade de atividades

motoras (assimilação). Além disso, é necessário também que, se disponha de

um tempo suficiente para familiarizar-se com os movimentos e/ou aparelhos

(acomodação), dando oportunidade para que as crianças tomem suas próprias

decisões em relação à melhor forma de movimentar-se e manter o corpo sob o

controle (adaptação). A duração e a complexidade das atividades devem estar

de acordo com o nível de desenvolvimento da criança (equilíbrio).

A criança dos 7 aos 10 anos, se encontra na fase das operações

concretas. O termo operação se refere a esquemas internos eficazes quando a

criança já possui a capacidade de reversibilidade e, cognitivamente, evolui na

Page 61: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

objetividade do pensamento, classificando, seriando e enumerando os objetos

e suas propriedades (peso e volume). Ela passa a ter interesse por jogos com

regras, interpretando-as e modificando-as de acordo com as situações

vivenciadas em aula.

Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo da criança acontece

em 4 períodos:

⇒ Sensório-motor – caracterizado pelas atividades reflexas

(0-2 anos);

⇒ Pré-operacional – em que a criança pode lidar

simbolicamente com certos aspectos da realidade, mas seu pensamento

ainda se caracteriza pela irreversibilidade (2-7 anos);

⇒ Operações concretas – em que a criança adquire o

esquema de conservação (7-11 anos);

⇒ Operações formais – caracterizado pelo pensamento

proposicional, representa o ideal da evolução cognitiva do ser humano (11

anos em diante).1

3.3. DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES SÓCIO-

AFETIVAS

As emoções e os movimentos são condutas edificadas pela

tonicidade que, como plasma de maturação neuromuscular, vai permitindo a

edificação das posturas e atitudes. Atitudes que são consideradas como

estruturas intermediárias entre o real e a representação, que influenciam

1 Piaget, J., 1952, p. 8

Page 62: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

dialeticamente o desenvolvimento da inteligência e da afetividade. Aquilo que

transforma o fisiológico em psicológico é a tonicidade, daí as suas relações

com as emoções, que são, ao mesmo tempo, condutas motoras e condutas

sociais nas primeiras modalidades de adaptação. Tanto no adulto, quanto na

criança, a emoção é um fator de desorganização de comportamentos e ao

mesmo tempo um fator de comunicação e expressão, com significado

interafetivo e intersocial.

A infância é a etapa mais importante em direção à maturidade, por

isso é o período em que deve-se proporcionar à criança condições adequadas

para sua evolução, lembrando que ela é um ser multidimensional e que sua

motricidade interage complexamente com as dimensões cognitiva, afetiva e

social. Assim, seu comportamento, seu envolvimento na sociedade, suas

relações interpessoais, seus papéis e suas atitudes, estão ligados diretamente

ao processo de crescimento e desenvolvimento, sob uma perspectiva

ecológica.

Bronfenbrenner2 diz que, “o ambiente importante para o

desenvolvimento não é somente aquele em que a criança está participando

diretamente, mas todo aquele no qual ela também participa indiretamente”. A

sua proposta teórica fundamenta-se no princípio de que “os maiores avanços

na compreensão científica da base intrapsíquica e os processos interpessoais

do desenvolvimento humano requerem uma investigação em ambientes reais,

tanto imediatos quanto remotos, nos quais os seres humanos vivem”.

A estrutura social do ser humano baseia-se em relações

interpessoais, formadas por um sistema de duas ou mais pessoas, sendo

obtidas sempre que uma presta atenção ao comportamento da outra ou

participa com ela em alguma atividade. Três características são fundamentais

para que essas relações aconteçam: reciprocidade, equilíbrio de poder e

afetividade.

2 Bronfenbrenner, 1979, p. 21

Page 63: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Ü Reciprocidade – está relacionada à maneira como os

participantes interagem entre si, buscando encorajamento e motivação. O

resultado dessa interação pode levá-los a participar de situações mais

complexas.

Ü Equilíbrio de poder – sugere uma igualdade em termos de

influência na atividade em que estão envolvidos. O ideal é que a dominância

não permaneça sempre com o mesmo indivíduo, pois para que a

aprendizagem realmente contribua com o processo cognitivo e social, faz-se

necessário que o ser em desenvolvimento tenha oportunidade de exercitar o

controle sobre a situação apresentada.

Ü Afetividade – sugere o desenvolvimento de sentimentos mais

pronunciados entre os indivíduos que se envolvem numa mesma situação.

Esses sentimentos podem variar quanto à qualidade, assumindo características

positivas, negativas, ambivalentes ou assimétricas.

Neste importante momento do desenvolvimento do ser humano,

ocorre o ajustamento psicossocial. Os grupos de parceria e a própria escola

desempenham relevante papel nesse ajustamento. Os grupos de amizade

oferecem à criança na fase de sete aos dez anos certo apoio social, modelos

humanos a imitar e a noção fundamental dos diferentes papéis que os

indivíduos exercem na sociedade. A escola oportuniza à criança conhecer

autoridades fora do ambiente familiar. Existem ligações sociais e cognitivos que

só podem ser aprendidas com a interação humana.

A socialização da criança é adquirida na fase da latência, porque o

interesse sexual parece estar submerso. Os amigos tornam-se muito

importantes, mas quase todos os grupos são de crianças do mesmo sexo. Elas

estão explorando e aprendendo seus papéis sexuais: os meninos parecem

centralizar-se mais nos modelos do que as meninas. Nesse momento, as

meninas se interessam mais por atividades de jogos e brincadeiras de

meninos, do que o inverso.

Page 64: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

A ligação afetiva com os pais é menos visível, mas ainda existe. Em

relação aos amigos, a afetividade é especial. Formam-se amizades e

descobrem-se novos modelos de jogos e brincadeiras uns com os outros.

Também se estabelecem lideranças e a popularidade se torna importante bem

como a aprendizagem do papel sexual. Os padrões de relacionamento formam-

se aos 6 ou 7 anos, mas são praticados e refinados durante os anos escolares.

Além disso, a independência da criança evolui muito devido à sua maior

capacidade de ir a alguns lugares sozinha, de realizar novas tarefas por si

própria. Este é o período em que as alterações nela são menos perceptíveis.

3.4. DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL3

A cada nova fase que a criança enfrenta, representa-se em sua vida

mais uma experiência difícil, tanto no plano acadêmico, quanto no emocional.

Nesse momento, ela terá que elaborar um novo esquema corporal, lidar com

uma nova auto-imagem e novas sensações.

Todo ser humano tem de si uma imagem física estruturada. Aceitar

alterações da imagem corporal quase sempre causa tensões e aborrecimentos,

quando não verdadeiras penas. Além disso, tais modificações não lhe

asseguram uma melhoria de auto-imagem e, muitas vezes complicam as suas

relações com o meio ambiente, tornando-o desajustado, pouco agradável e

pouco amado.

Para que se entenda um pouco dessas transformações que ocorrem

com a criança, torna-se necessário conhecer os diferentes estágios do

desenvolvimento psicossexual, assim como as estruturas psicológicas que

organizam sua personalidade:

Estágio Oral (1º ano) – durante o primeiro ano a criança

estabelece relação com o mundo através da boca. A criança satisfaz

3 Estudo em Freud, S., 1948, p. 353-357

Page 65: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

(gratifica) a sua fome, através da boca, por meio da qual também incorpora

os objetivos pela estimulação tátil agradável que tal exploração corporal

provoca. Mais tarde, a criança desenvolve os seus dentes com os quais

morde e mastiga, funções essas também importantes. A boca constitui

nesta fase o órgão privilegiado de relação com o objeto e com o próprio

corpo. O pôr a mão e o pé na boca traduzem necessariamente mais um

aspecto importante da incorporalização do seu ego.

Estágio Anal (2º e 3º anos) – surge a relação com o

controle do esfincter anal que implica uma sensação de desconforto. Surge

então, um aspecto de repressão social quando se exige da parte da criança

a regulação de um impulso instintivo. É a época dos primeiros conflitos e

das primeiras repressões que se exercem ao nível da constenção familiar.

Estágio Fálico (4º e 5º anos) – neste período o órgão

genital torna-se o principal órgão de satisfação para a criança. Nascem as

manifestações auto-eróticas próprias desta idade. É neste período que

desenvolve o complexo de Édipo. Este complexo envolve a atração sexual

pelo pai do sexo oposto e a hostilidade e a oposição com o pai do mesmo

sexo. O menino deseja a mãe e elimina o pai, a menina deseja o pai e

elimina a mãe. Este complexo desempenha um papel muito importante nas

atitudes adultas.

Estágio Genital (puberdade) – ao estágio fálico segue-se

um período de latência em que se desenrola a problemática de Édipo, que

vem a ser ativada no período de abordagem à adolescência. No estado pré-

genital, a criança começa a ser atraída por objetos reais iniciando-se a

verdadeira adaptação ao mundo real. É nisto que se traduz a passagem da

auto-orientação da criança para a aprendizagem social do adolescente.

Sendo assim, fica completada a organização da personalidade da

criança, que situa no corpo e na sua elaboração integrada um papel muito

Page 66: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

importante no seu desenvolvimento psicossexual. Essa organização encontra-

se dependente de três estruturas psicológicas:

6 Id – princípio do prazer; área instintiva; substrato biológico

da personalidade; interior.

6 Ego – princípio da realidade; área de mediação entre o

instinto e a realidade; princípio de execução dependente da subjetividade e

da objetividade.

6 Superego – princípio da constância; área dos valores

morais aprendidos socialmente; valores; identificação; socialização; exterior.

As três estruturas representam potencialmente motivos de conflito e

objetivos de comportamento do indivíduo. A mediação realista do ego pretende

a superação dos conflitos, quer interiores, quer exteriores, quer mais uma vez

se vem a refletir numa imagem do corpo. No caso de uma gratificação realista,

trata-se de uma personalidade equilibrada, no caso de uma gratificação

impossível ou de uma repressão e opressão social, trata-se de uma

personalidade desintegrada.

Page 67: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CAPÍTULO IV

EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE

NO COTIDIANO ESCOLAR

A criança desenvolve-se e matura-se no contato com o mundo

vivenciando e experimentando as relações com o corpo, que é no início o seu

único meio de comunicação. Todas as suas inaugurações são corporais e

estão intimamente ligadas à emoção e ao prazer. A corporeidade é a

linguagem mais primitiva desse indivíduo desde a sua fase uterina. A escola

pode utilizar o corpo como fonte primária: aquela na qual a criança pode

observar e engajar-se em padrões de atividades conjuntas, progressivamente

mais complexas, com ou sob a orientação direta de pessoa ou de pessoas que

já possuam conhecimentos e habilidades ainda não adquiridos pela criança e

com quem ela desenvolveu um relacionamento emocional positivo. O corpo

também pode ser utilizado como fonte secundária: aquela na qual são dadas

oportunidades, recursos e encorajamento para a criança engajar-se em

atividades que ela tenha aprendido no contexto de desenvolvimento primário,

mas então sem envolvimento ativo ou orientação direta de outra pessoa que

possua conhecimentos e habilidades além dos níveis adquiridos pela criança.

Mas o sistema educacional persiste em dissociar corpo-mente, em

fragmentar a criança em cognitivo, afetivo e motor esquecendo-se do psíquico.

Esquece que o movimento é a chave da vida e existe em todas as formas com

que esta se apresenta. Quando o homem desempenha movimentos

intencionais ele está coordenando os domínios cognitivo, psicomotor e afetivo.

O movimento está em ligação direta com a criança, pois é parte dela

que se comunica com o mundo e também é a parte dele que a criança irá

organizar-se enquanto sujeito pensante e atuante para dar conta da sua

participação na sociedade.

Page 68: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Neste sentido, fazer um elo da educação física com a

psicomotricidade no cotidiano escolar, atenderá às exigências de um corpo que

pertence a uma cultura, a um momento histórico, político e socioeconômico,

que está em constante desenvolvimento.

Na educação física o movimento livre, espontâneo, é o mais

importante para a construção da ação motora, pois é a partir dele que se pode,

mais tarde, criar movimentos direcionados para uma prática esportiva. Quanto

mais numerosas e mais ricas forem as situações vividas pela criança, maior

será o número de esquemas por ela adquirido. A Educação Física tem como

objetivo, estimular o desenvolvimento psicomotor e, como princípio

fundamental, despertar a criatividade, além de contribuir para a formação

integral do educando, utilizando-se das atividades físicas e da educação

psicomotora, que associadas aos potenciais intelectuais, afetivos e sociais,

garantirá a ele segurança e equilíbrio, permitindo-lhe desenvolver-se, e

organizar corretamente as suas relações com os diferentes meios nos quais

deve evoluir.

Desse modo, a educação física junto com a psicomotricidade no

cotidiano escolar, visam melhorar e oportunizar o sujeito ao movimento,

conscientizando-o do seu próprio corpo, da consciência do esquema corporal,

domínio do equilíbrio, construção e controle das coordenações global e parcial,

organização das estruturas espaço-temporal, melhoria das possibilidades de

adaptação ao mundo externo, estruturação das percepções. Os benefícios

serão notados ao longe da vida desse sujeito, pois será, seja na dança, na

ginástica, nos jogos, nos esportes, na família ou na escola, um ser bem

resolvido em suas questões internas, podendo a cada dia se libertar para as

questões externas.

Page 69: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

4.1. GINÁSTICA

A ginástica está associada as aulas de educação física, pois pode

ser conceituada como a arte de exercitar o corpo, já que, traz em si uma

movimentação corporal cuja construção se deu a partir das relações sociais.

Hoje, na sociedade brasileira, encontramos diferentes focos de

valorização do corpo:

• Corpo-Máquina – força de trabalho e sua exercitação ainda

é via adestramento.

• Corpo-Atlético – busca a performance e o corpo belo

(sociedade de consumo).

• Corpo-Saudável – busca a atividade física, como uma

forma compensatória à vida sedentária.

Contudo, a ginástica como meio da educação física, tem como

objetivo principal, proporcionar a criança o conhecimento do seu próprio corpo,

dos movimentos e dos seus limites. Através de atividades que permitam a

expressão, a criação (ao invés de movimentos mecanizados e repetitivos),

enfim, o corpo em movimento agindo em todas as suas possibilidades de

expansão.

A ginástica pode ser aplicada nas aulas de Educação Física através

de várias opções, usando movimentos naturais ou elementos fundamentais em

suas variadas formas com e sem elementos. As variações da ginástica estão

dispostas nos seguintes tipos:

Ginástica natural.

Ginástica olímpica.

Ginástica rítmica desportiva.

Ginástica com elementos.

Page 70: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Todos esses tipos de ginástica podem ser organizados

separadamente, trabalhando fundamentos básicos de cada um, ou de forma

circuitada utilizando diferentes materiais. As atividades podem ser direcionadas

pelo professor, mas podem ser construídas pelas próprias crianças. Nesse

momento, elas tanto estão aprendendo atividades novas, quanto estão sendo

incentivadas a criação de novos movimentos, o que leva ter motivação,

segurança, criatividade e auto-estima a partir de sua própria idéia.

É importante ressaltar que durante os dinâmicos exercícios de

ginástica, a criança necessita de muita atenção, além de completo esforço

corporal, o que significa que, a todo instante ela estará precisando rever suas

atitudes, comportamentos e posturas. A ginástica é fundamental como prática

física, pois leva à criança a experimentação de várias emoções e sentimentos,

como o medo e o prazer de sua superação, a coragem de se lançar no espaço

contra os novos desafios, o risco de se aventurar em variadas e diferentes

posturas, se equilibrar sobre diversas posições, fortalecendo ainda mais sua

auto-estima e autoconfiança, além de orientá-la as ações e comportamentos

sociais.

4.2. DANÇA

A dança é uma atividade que utiliza o corpo em movimento como um

meio de expressão, comunicação e criação. Torna-se um potente canal para

sublimar a energia (pulsões evitando frustrações) gerando a produção da

atividade expressiva, comunicativa e artística, que estabelece as fronteiras

para o mundo, não só no contexto sócio-cultural como também na estruturação

da personalidade. A dança utiliza o corpo como instrumento de manifestação e

ao mesmo tempo como reflexo da estrutura social. As questões vitais de prazer

(sexualidade), energia (agressividade), alegria (lúdico) são tendências do

homem fomentada pela sociedade através de valores racionalizados. Os

movimentos portanto, são retirados das práticas racionais onde estas questões

ocorrem. As idéias, as concepções, as tendências, são manipuladas em função

de facilitar a possibilidade e a comunicação, tendo o corpo como instrumento.

Page 71: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Enquanto meio de comunicação, o corpo interfere nos padrões de

relações sociais: ele age, interage na sociedade, ao mesmo tempo que sofre

suas influências. Ele é um fator social de: cooperação humana, união,

expressão de vida, de movimento (individual e em grupo) e diversão, que

através da dança, enquanto atividade física, acompanha uma necessidade

orgânica como: impulso da fome, do sexo, da ludicidade e também o impulso

combativo.

Aplicar a dança nas aulas de Educação Física é também trabalhar

na criança a cinestesia corporal, que envolve componentes internos e externos.

Os aspectos internos envolvem as sensações dos músculos quando se faz

algum movimento proporcionando o retro-alinhamento, que permitirão

desenvolver as devidas adaptações para o desempenho motor. Os aspectos

externos envolvem conceitos pertinentes às relações espaço-temporais, ou

seja, relação do próprio corpo e deste em relação ao próprio ambiente que o

cerca.

A dança pelo seu nível de exigência em relação a postura corporal e

aperfeiçoamentos dos reflexos posturais dinâmicos, pelo retroalinhamento ou

relação à colocação do centro de gravidade, favorece a manutenção do

equilíbrio mais constante. O corpo dançante, ao executar movimentos

necessita de perceber aspectos ligados às estruturas de uma boa consciência

corporal e que sem um bom equilíbrio dividiria sua atenção disso resultaria

dificuldade da percepção dos aspectos bilateralidade, lateralidade e

dominância dos segmentos corporais exigidos pelos movimentos.

Ao se falar em ritmo, pode-se admitir que a dança se origina nele,

que é a pulsão ou ritmo próprio e característico de uma pessoa.

Os movimentos de uma pessoa se processam durante algum tempo

e podem ser medidos com exatidão através de três fatores: andamento,

duração e intensidade.

Page 72: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Assim, o ritmo das formas, dos movimentos, das linhas, das cores, é

que dão nascimento as variações de movimento potencial ou liberado pela

velocidade ou intensidade do movimento. É ele que dá colorido e expressão ao

movimento pelas suas várias nuances, intensidades com suave, forte e a

velocidade dos ritmos rápidos e lentos. É o ritmo que estabelece conexão

profunda com o eu interior proporcionando a expressão de forte e variadas

emoções expressas pela dimensão interior do ser ao comunicar-se como o

exterior em relação com o outro ou com o ambiente.

4.3. O JOGO E O ESPORTE: AGENTES

SOCIALIZADORES

O jogo faz parte da vida do ser humano. O ato de jogar é tão antigo

quanto à própria história do homem. Ele é caracterizado como uma atividade

livre, fundamentalmente lúdica, contendo regras não convencionais, de caráter

competitivo, que possui como característica principal a espontaneidade e

possibilita a expressão de vivências culturais de forma intensa e total.

Na infância o jogo é essencial. Brincando e jogando, a criança

reproduz suas vivências, transformando a realidade de acordo com seus

interesses e desejos, de forma dinâmica e criativa.

Os elementos do jogo, como o conjunto de regras, a competição, o

tempo e o espaço em que ele ocorre, colocam a criança em situações de

adaptação e readaptação, que provocam diferentes atitudes comportamentais

e, conseqüentemente, exigem que ela esteja constantemente desempenhando

seu papel social de criança.

Desta forma, o jogo não representa apenas as experiências vividas,

mas prepara o indivíduo para o que está por vir, exercitando habilidades e

principalmente estimulando o convívio social.

Page 73: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

Ao analisar a evolução do jogo na criança, verifica-se que o jogo,

inicialmente egocêntrico e espontâneo, torna-se cada vez mais socializador.

A criança de 7 anos só consegue seguir regras simples. Muitas

vezes ela quebra as regras do jogo, mas não o faz intencionalmente, e sim

porque ainda não consegue se lembrar de todas as regras. Nesta fase, a

criança não dá muito valor à competição, pois tem uma idéia não muito definida

do que seja ganhar ou perder. Geralmente ela não joga para vencer ou superar

os outros, mas pelo simples prazer da atividade. O educador nesse momento,

deve procurar não despertar o sentimento de competição acirrada,

aproveitando essa disposição natural da criança para jogar pelo simples prazer

de jogar. Além disso, deve selecionar jogos simples, com poucas regras, para

serem praticados pelas crianças que estão nesta fase de desenvolvimento. A

interação social precisa ser incentivada, dando-se destaque às atividades de

linguagem.

No período de 8 a 12 anos, os jogos tornam-se cada vez mais

coletivos e menos individuais, uma vez que a criança já tem noção do que seja

cooperação e esforço grupal e exige regras definidas para regulamentar o jogo.

Ela observa e controla os outros membros do grupo para verificar se estão

seguindo adequadamente as regras. A violação das regras geram grandes

discussões; nesta fase, surge um forte sentimento de competição. O fato de

perder torna-se quase intolerável para algumas crianças, dando origem a

cenas de choro e até mesmo agressão. Nesse momento, o educador deve

procurar despertar o espírito de cooperação e de trabalho conjunto no sentido

de metas comuns. A criança precisa de ajuda para aprender a vencer, sem

ridicularizar uma atitude de compreensão e aceitação, e quando o clima da

aula é de cooperação e respeito mútuo, a criança sente-se segura

emocionalmente e tende a aceitar mais facilmente o fato de ganhar ou perder

como algo normal, decorrente do próprio jogo.

Page 74: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

O papel do educador é fundamental, no sentido de preparar a

criança para a competição sadia, na qual impere o respeito e a consideração

pelo adversário.

O espírito de competição deve ter como tônica o desejo do jogador

de superar a si próprio, empenhando-se para aperfeiçoar, cada vez mais, suas

habilidades e destrezas. A situação de jogo deve constituir um estímulo

desencadeado do esforço pessoal tendo em vista o auto-aperfeiçoamento.

Jogo supõe relação social. Por isso, a participação em jogos

contribui para a formação de atitudes sociais: respeito mútuo, solidariedade,

cooperação, obediência às regras, senso de responsabilidade, iniciativa

pessoal e grupal. É jogando que a criança aprende o valor do grupo como força

integrada e o sentido da competição salutar e da colaboração espontânea e

consciente.

Através de jogos, a criança aplica seus esquemas mentais a

realidade que a cerca, aprendendo-a e assimilando-a. A criança, brincando,

produz as suas vivências, transformando o real de acordo com os seus

interesses. Ela aplica no jogo toda a sua sensibilidade de questionar aquilo que

é aparente, não aquilo que lhe é dado pelo adulto.

O verdadeiro jogo em si cria ordem e uma ordem muito eficaz,

porque é aceita pelo grupo e elaborada conjuntamente. E por ele ser livre de

pressões e avaliações, cria um clima de liberdade, propício à aprendizagem e

estimulando a moralidade, o interesse, a descoberta e a reflexão.

O esporte também é de grande importância no desenvolvimento da

criança. ele aparece da atração do homem pelo jogo, já que o lúdico também

se evidencia na sua prática, e surge principalmente quando existe a

possibilidade da livre escolha, de forma diversificada, que oportuniza um amplo

conhecimento das suas diferentes modalidades. Mesmo aquelas que não

fazem parte do seu cotidiano. Como conteúdo das aulas de educação física, o

Page 75: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

esporte é supervalorizado por alunos no período escolar de 5ª a 8ª séries, que

na maioria das vezes nem se lembra de utilizar os demais conteúdos como:

ginástica e dança. Mesmo não sabendo, quando praticam esportes, os alunos

envolvem vários fatores que contribuem no seu desenvolvimento como:

aperfeiçoamento físico, meio de socialização, meio de desenvolver uma

consciência coletiva, meio de comunicação e unidade nacional, busca de

prazer, fim estético, atividade profissional, esporte pelo esporte com um fim em

si mesmo.

Page 76: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

CONCLUSÃO

O objetivo desse trabalho foi ressaltar a importância da relação e

atuação da Educação Física com a Psicomotricidade no desenvolvimento

corporal da criança. Para isso, uma breve reflexão foi feita sobre a história da

educação física e da psicomotricidade e como elas vêm conquistando e

alcançando seu espaço no âmbito escolar.

Verifica-se hoje que há uma preocupação com o desenvolvimento

harmonioso da criança, onde atender às suas necessidades, garantir sua

autonomia e liberdade de expressão, tornam-se fundamentais para o seu

crescimento e amadurecimento.

Nesse sentido, a relação da Educação Física com a

psicomotricidade desponta como prática enriquecedora e que deve ser

reconhecida e valorizada por todos os profissionais da instituição escolar. Em

outras palavras, é necessário que todos participem conscientemente do

processo de desenvolvimento da criança, sabendo como se deve agir para

garantir à ela, um lugar com liberdade de expressão, escolha e criação, tendo

segurança e acolhimento necessários para vivenciar todas as possibilidades e

experiências oferecidas no dia-a-dia.

Este trabalho procurou mostrar que cada criança é única, com seus

limites, desejos e experiências, onde a consciência e a cultura corporal são

influenciadas pela sociedade e pelo momento histórico, que é inerente a cada

sujeito. Por fim, a pesquisa mostra aos profissionais envolvidos diretamente

com a criança, que as atividades corporais oferecidas nas aulas de Educação

Física são de extrema importância para o seu crescimento e desenvolvimento,

logo, para que isso aconteça, devemos dar-lhe a possibilidade de existir, de

tornar-se uma pessoa única, diferente dos outros em sua maneira de pensar,

se comunicar, agir e sentir.

Page 77: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, G. Eutonia. Um caminho para percepção corporal. São Paulo:

Martins Fontes, 1983.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas,

1996.

BOMTEMPO, Edda. Psicologia do brinquedo: aspectos teóricos e

metodológicos. São Paulo: Nova Stella/Universidade de São Paulo, 1986.

BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano:

experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1995.

CASTELLANI FILHO, Lino. Pelos meandros da Educação Física. São Paulo:

Secretaria de Estado da Educação, 1992.

COSTE, J. C. A psicomotricidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

ECO, Humberto. Huinzinga e o jogo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

FONSECA, V. & MENDES, N. Escola, escola, quem és tu? Porto Alegre:

Artes Médicas, 1987.

FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da

educação física. 3. ed., São Paulo: Scipione, 1986.

FREUD, S. Três ensaios para uma teoria sexual. In: Obras completas. v. 1,

Madrid: Biblioteca Nueva, 1948.

GONÇALVES, Maria Cristina & TEUBER, Silvia Pessoa. Aprendendo a

Educação Física: da técnica aplicada ao movimento livre. Paraná: Bolsa,

1998.

HUINZINGA, John. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São

Paulo: Perspectiva/Ed. USP, 1996.

KREBS, Ruy Jornada et al. Desenvolvimento humano: uma área emergente

da ciência do movimento humano. Santa Maria: Kinesis, 1996.

KREBS, Ruy Jornada et al. Teoria dos sistemas ecológicos. Santa Maria:

Pallotti, 1997.

LAPIERRE, André. A simbologia do movimento: psicomotricidade e

educação. Trad. Márcia Lewis. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

Page 78: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

MARANHÃO, Diva. Ensinar brincando: a aprendizagem pode ser uma

grande brincadeira. Rio de Janeiro: Wak, 2001.

MEDINA, João Paulo S. A Educação Física Cuida do Corpo e” Mente”. 4.

ed., Campinas: Papirus, 1985.

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro:

Zahar, 1978.

PIAGET, Jean. Seis estudos da psicologia. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1978.

VALADARES, Solange & ARAÚJO, Rogéria. Educação Física no cotidiano

escolar. 3. ed., Minas Gerais: Fapi, 1999.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins torres,

1989.

WALLON, Henry. Psicologia e Educação na Infância. Lisboa: Estampa, 1973.

WINNICOTT, D. W. A criança e o seu número. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

Page 79: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO … FORNEIRO PEREIRA.pdf · sempre resultados de um planejamento em equipe, ... a coordenação viso-motora e a ... das diferentes

ANEXOS