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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO PROJETO A VEZ DO MESTRE OS CONTOS DE FADAS E A CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS: UM OLHAR DA PSICOPEDAGIA. POR: ELIANE LOPES ESTRELA RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS CONTOS DE FADAS E A CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS:

UM OLHAR DA PSICOPEDAGIA.

POR:

ELIANE LOPES ESTRELA

RIO DE JANEIRO – 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS CONTOS DE FADAS E A CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS:

UM OLHAR DA PSICOPEDAGIA.

Monografia apresentada à Universidade

Cândido Mendes - Projeto A Vez do Mestre -

para obtenção parcial do grau de

especialista em psicopedagogia orientado

pelo professor MS Nilson Guedes de

Freitas.

Por: Eliane Lopes Estrela

Rio de Janeiro

2005

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AGRADECIMENTOS

A MINHA MÃE, pois sem sua ajuda não teria

tido coragem para realizar este trabalho.

AO MEU MARIDO, que foi incansável, paciente

e dedicado neste meu desafio.

AOS MEUS FILHOS QUERIDOS, que me

deram apoio e força para que eu voltasse a

estudar.

A MINHA CACHORRINHA LILI, por não ter se

zangado por falta de atenção durante a

elaboração desta monografia.

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DEDICATÓRIA

DEDICO ESTA MONOGRAFIA A TODOS QUE

ME AJUDARAM NESTE PROCESSO.

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EPÍGRAFE

“Há homens que lutam um dia e são bons.

Há outros que lutam um ano e são melhores.

Há os que lutam muitos anos e são muito bons.

Porém, há os que lutam toda a vida.

Esses são os imprescindíveis.”

(Bertolt Brecht)

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RESUMO

Vimos através desta pesquisa que devido aos valores culturais de cada grupo

social expressos nos contos, sua transmissão de geração em geração não

pode se romper com perigo de por em risco a sobrevivência do grupo. O

trabalho a seguir tem como objetivo principal alertar e auxiliar os educadores

quanto à influência negativa e a reação dos contos de fadas no

desenvolvimento da criança de 4 a 7 anos. Como contribuição utilizamos na

nossa pesquisa alguns teóricos como: Bettelheim, Amaral, Cardoso, Piaget e

outros. Fazemos assim uma breve abordagem através da história com o intuito

de demonstrar como surgiram os contos, mitos e todas essas narrativas que ao

mesmo tempo vão solucionar dificuldades, auxiliar a criança a encontrar o seu

Eu, como também verificar as diferenças existentes entre os contos de fadas e

os demais contos. Para facilitar esse entendimento, procuramos esclarecer

sobre as contribuições e os problemas de ordem emocional e psíquica que os

contos de fadas podem trazer para as crianças.

Palavras Chaves: valores culturais; sobrevivência do grupo; contos de fadas;

ordem emocional e psíquica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................... 08 1. A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA VIDA DA CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS ............................................ 11 2. HISTÓRICO DOS CONTOS DE FADAS E SUA FORMAÇÃO .......... 16 3. FANTASIA, VIOLÊNCIA E MEDO NOS CONTOS DE FADAS .......... 21 4. CONFLITOS E SIMBOLOGIA NOS CONTOS DE FADAS ................ 26 5. UMA REFLEXÃO: BENEFÍCIOS E PREJUÍZOS DOS CONTOS DE FADAS ................................................................. 30 CONCLUSÃO ........................................................................................... 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 39 ANEXO ..................................................................................................... 40

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INTRODUÇÃO

A Fantasia, Violência e Medo presentes nos Contos de Fadas têm

influência no desenvolvimento mental e emocional da criança?

No livro Fantasia, Violência e Medo na Literatura Infantil, a psicóloga

Ofélia Boisson Cardoso faz uma pesquisa na qual há um levantamento dos

elementos que constituem o conteúdo dos contos de fada.

As reações das crianças ao tratamento destes elementos muitas vezes

são vivas e imediatas e foram observadas pela psicóloga em questão e por

educadoras no convívio com crianças de escolas onde trabalharam. Para elas

as conseqüências e o prejuízo de imediato a médio e a longo prazo causados

ao desenvolvimento das crianças são preocupantes.

Constataram pela leitura de vários contos de fada que seu conteúdo é

rico em material que irá contribuir com imagens que vão influenciar as atitudes

mentais das crianças, podendo resultar em nocividade ou não, dependendo da

criança ser sadia ou predisposta a um envolvimento em situações perigosas.

São histórias que transmitem, de geração em geração, violência, medo e

angústia impregnados no inconsciente coletivo.

Em conversas com adultos, mães e avós, de crianças que ouvem ou

vêem e assistem histórias na TV e no teatro infantil os educadores tomaram

conhecimento de reações como não querer ir mais ao teatro, ter pesadelos a

ponto de cair da cama e quebrar o braço, crises de choro como também se

levantar da poltrona deixando no chão poças de xixi.

Estudo e leituras em livros de psicologia e literatura infantil levaram-nas

a uma grande preocupação de como elementos nocivos à mente infantil estão

sendo passados através das histórias que estão sendo contadas para nossas

crianças. Histórias essas que não foram destinadas a elas. São contos

tradicionais que resumem uma filosofia de outros tempos.

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Outro fator de preocupação é a permanente publicação dessas histórias

pelas editoras que levam mais em conta o fator comercial, deixando de lado o

aspecto educativo.

Basta manusear os livros de histórias publicados pelas editoras e

dispostos em estantes de livrarias para se constatar a sedução que causam

não só as crianças como aos adultos.

Alertar e auxiliar aos Educadores (pais, professores e outros) quanto à

influência negativa dos Contos de Fadas no desenvolvimento da criança de 4 a

7 anos é fator fundamental para podermos ajudar essas crianças.

A narração dos contos de fadas merece nos dias de hoje um maior

conhecimento sobre suas características e sobre a sedução que eles exercem

sobre os homens de todas as idades e através dos tempos.

Os conflitos emocionais graves podem se instalar a partir dos contos de

fadas.

Estes conflitos levam o ser humano à perda do desejo de viver ou a não

tentativa de fazê-lo. Por isso há necessidade de cada indivíduo achar um

significado para a vida.

No estágio da criança de 4 a 7 anos, como em qualquer outro, seja

externa ou internamente é impulsionada por um motivo que se traduz por uma

necessidade que provocará uma mudança até o momento em que haja sua

satisfação, isto é, que seja restabelecido o equilíbrio. Então o interesse pelo

conto de fadas dependerá do conjunto de noções adquiridas e de seu

desenvolvimento afetivo, embora cada fase se constitua em progresso sobre as

anteriores.

Dos 4 a 7 anos como nos outros estágios, o espírito infantil se empenha

em assimilar o universo de si próprio.

Na fase de socialização da ação está presente a subordinação e coação

espiritual exercida pelos adultos.

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Em sua evolução os contos de fadas ora foram condenados, ora

amplamente elaborados, sendo que alguns contos misturavam-se com outros.

A criança não aceita conscientemente que dentro dela possam existir

forças que as quais ela não possa manter controle, pois isto seria assustador.

Nela a ação toma o lugar da emoção, embora com orientação adulta ela possa

dizer o porquê da sua reação emocional.

A criança inteligente e tranqüila, criada sem ameaças percebe o perigo e

tenta evitá-lo. Os neuróticos pelo contrário, envolvem-se na situação perigosa

agem como se movidos por incontrolável impulso.

O fato dos contos de fada colocarem a criança em ambiente muito

diferente do que encontrará ao crescer também é contabilizado como

sumamente prejudicial.

A partir dos conflitos internos e profundos do ser motivam nossas

relações com o mundo fazendo com que o organismo busque a satisfação de

seus desejos, de sua carência e assim se desenvolva.

São várias as necessidades das crianças, mas fundamentalmente

devemos destacar a necessidade do crescimento de padrões físicos e mentais.

Um dos mais poderosos recursos no ativamento do desenvolvimento

psicológico da criança é a narração de contos de fadas, devido à sua

capacidade de encantar e de atingir a imaginação infantil.

O conto é veículo transmissor de conhecimento e de valores culturais. O

conto levanta questões em que o indivíduo se vê confrontado. Lida com

aspectos da vida social e do comportamento humano e com etapas

fundamentais da vida.

A eliminação dos elementos nocivos destes contos não iria resolver toda

a problemática de violência, angústia e medo dessas crianças, mas suprimiria

fatores de muita importância responsáveis pela formação de neuroses nessas

crianças.

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1. A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS

NA VIDA DA CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS.

Os contos de fadas são importantes para as crianças por que elas

gostam de ouvir histórias. Seria este o mais importante argumento para narrá-

las se os educadores não tivessem preocupações quanto a influência que as

narrativas exercem e suas conseqüências sobre a vida adulta.

As crianças normais ou não em todos os níveis de inteligência acham os

contos de fadas folclóricos mais satisfatórios do que todas as outras estórias

infantis. A razão de seu êxito está em que esses contos começam onde a

criança realmente se encontra no seu ser psicológico e emocional, com seu

ego em germinação, sofrendo pressões internas graves, pré-conscientes e

inconscientes (Bettelheim, 1980).

O período de desenvolvimento mental da criança de 4 a 5 anos é

decisivo na determinação da atitude mental, e é nesta fase que se encontram

as raízes dos conflitos emocionais graves e neuroses (Boisson Cardoso, 1969).

São estes conflitos que levam o indivíduo à perda do desejo de viver ou

a não tentativa de fazê-lo. Por isso há necessidade de cada indivíduo achar a

cada idade uma quantidade, por menor que seja, de significado para a vida,

coerente com o desenvolvimento de nossa mente. Ao mesmo tempo, alerta

quanto à dificuldade de encontrar atividades na vida infantil mais adequadas a

esta tarefa, além daquelas experiências de impacto com os pais e com outros

responsáveis pela criança. O autor embora decepcionado com a literatura

destinada a desenvolver a mente e a personalidade da criança, conclui que é o

conto de fadas que canaliza melhor este tipo de informação para as crianças,

embora outros tipos de literatura cumpram este importante papel de dotar a

vida, em geral, de mais significados (Bettelheim, 1980).

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Todo menino, antes de se apossar do saber, é como o primitivo, e suas

imagens superam a realidade que o cerca e, naturalmente, a toda a concepção

racional, o mito nasce, desse trabalho de imaginação pura, entregue a si

mesma e não adulterada pela intromissão e pela tirania dos elementos

racionais. E sobre o mito, a pergunta de Ortega y Gasset.

Que seria do homem mais sábio da terra se lhe tirassem, de repente, de sua alma, todos os mitos? ”Para ele “o mito, a imagem fantástica é uma função interna sem a qual a vida psíquica ficaria mutilada. O mito não encontra, naturalmente, no mundo externo o seu objeto adequado mas, em troca, suscita em nós as correntes indiretas dos sentimentos que nutrem o pulso vital, mantém a vontade de viver. Ele chega ao ponto de dizer que o mito é “a harmonia psíquica” (Amaral Lucia, 1977, p. 17 e 18).

É fato que os contos de fadas são fontes riquíssimas de imagens. Estas

são indispensáveis à esquematização representativa e cuja importância reside

na função simbólica que dá origem ao pensamento.

Na criança entre 4 a 7 anos as imagens são muito vivas e persistentes e

é nessa mente plástica que se vai fazer chegar o material de toda uma

bagagem cultural contida nos contos de fadas.

Tais narrativas se fundamentam em “lições de vida” dadas pela

sabedoria ancestral, a sabedoria dos povos, que, desde a origem dos tempos,

vêm constituindo a humanidade em contínua evolução. E que a natureza

humana não muda, continua a ser uma mistura de “paixões da alma” e

“necessidades básicas” e que justamente essa mistura constitui a matéria-

prima dos contos de fadas.

Essa herança cultural que lhe vai sendo transmitida, tem como “veículo

de expressão” a narrativa. Ela estimula e alimenta os recursos de que a criança

necessita para lidar com seus problemas interiores. É de muito valor no

presente, pois apesar das ansiedades sobre seu futuro, a criança desconhece

o que ele lhe solicitará ou poderá ser (Bettelheim, 1980).

A imagem de uma fada boa satisfaz completamente as necessidades

emocionais da criança, na idade em questão, porém, não raro, fadas e

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feiticeiras assumem duplo aspecto e também atemorizam e punem (Boisson

Cardoso, 1969).

Todo funcionamento psicológico se ocupa do conhecimento em seu

aspecto dinâmico, relacionado com forças da vida humana, energéticas e

subjacentes. São elas as motivações conscientes e inconscientes, afetos,

emoções, valores e interesses com suas conexões causais contínuas e

significativas. Essa afirmação faz lembrar de Freud com suas descobertas

revolucionárias (Piaget, 1967).

A criança encontra de forma simbólica nos contos de fadas sugestões e

de como lidar com seus problemas existenciais e de como chegar, em

segurança, à maturidade. Os contos tratam das pressões internas graves e se

ocupam de soluções para dificuldades urgentes da criança (Bettelheim, 1980).

As situações são simplificadas neste tipo de narrativa, os personagens

esboçados claramente, tipicamente e sem ambivalência tão de acordo com a

polarização que domina a mente infantil. Tudo isto leva a criança a não se

confundir, a poder escolher os personagens e com eles se identificar e a

compreender o essencial do problema e assim gostar dos contos de fadas. A

criança de acordo com seus interesses e necessidades do momento, poderá

extrair significados diferentes do mesmo conto e, mais tarde, voltando a ele,

ampliá-lo ou substituí-los por novos significados (Bettelheim, 1980).

A importância da história de fadas para a criança, vai depender de cada

história, das situações e de suas figuras típicas que devem ser específicas para

cada criança, de acordo com sua idade e também com seu nível de

desenvolvimento psicológico o qual apresenta estruturas distintas e sucessivas.

A criança de 4 a 7 anos encontra-se no estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de submissão ao adulto (Piaget, 1967, p.13).

Mas o encantamento que as crianças sentem pelos contos de fadas se

deriva do fato deles serem uma “obra de arte” “um substituto da vida”. Ao

estabelecerem relações profundas delas com o mundo.

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Para a criança completar sua vida incompleta com outras figuras e

formas, ser mais do que é, alcançar a plenitude que sente, vencendo suas

limitações. A criança como todo homem deseja absorver o mundo circundante,

integrá-lo a si e, hoje através da Ciência e Tecnologia estender seu “Eu”

curioso e faminto até os mais remotos e profundos segredos do Universo.

Dessa forma única que seu “Eu” limitado se une com a existência

humana coletiva, sua individualidade se torna social e se apodera das

experiências alheias, que, potencialmente são dele porque fazem parte de tudo

que a humanidade como um todo, é capaz.

Tratar da importância dos contos de fadas na vida da criança é ir além

do mundo exterior da criança, é mergulhar no real de sua interioridade e tecer

considerações sobre seu valor na vida do homem e da humanidade.

A narração desses contos merece nos dias de hoje um maior

conhecimento sobre suas características e sobre a sedução que eles exercem

sobre os homens de todas as idades e através dos tempos.

Na nossa opinião, não acreditamos que estas possíveis semelhanças entre o pesamento da criança e o dos primitivos sejam devidos a uma hereditariedade qualquer. Apermanência das leis do desenvolvimento mental são suficientes para explicar estas convergências, e, como todos os homens, incluindo os “primitivos, começaram sendo crianças, o pensamento infantil precede o de nossos longínquos antepassados, do mesmo modo que precede o nosso (Piaget, 1967, p. 32).

A educação moderna, já capacitada pelos muitos estudos sobre

desenvolvimento do ser humano e em especial da criança, ao se dar conta do

valor ético-existencial e imaginário dos contos de fadas poderá contribuir para a

aquisição da consciência de si próprio e para o desenvolvimento do

relacionamento interindividual. É pela solução de seus conflitos internos e de

consciência crítica que a criança deve ser levada a dar direção positiva a sua

vida.

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Necessário se faz, então, o educador conhecer com profundidade as

narrativas dos contos de fadas. É preciso mesmo mergulhar em sua origem,

evolução, funções e nas transformações ocorridas ao longo do tempo.

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2. HISTÓRICO DOS CONTOS DE FADAS

E SUA FORMAÇÃO

Os contos de fadas existem há milênios e em diversas culturas e em

todos os continentes.

Existe uma preocupação pedagógica, segundo a qual as histórias

deveriam servir para instruir as crianças, ou seja, desde o seu primeiro registro

por escrito, os contos de fadas já começaram a ter seus detalhes, de enorme

riqueza simbólica deturpados.

Foi a partir do século XIX que contos infantis diversos foram reunidos,

sob um conceito único, tomando forma literária e resultando em várias

coletâneas cuja base é a coletânea primeira, realizada por Grimm.

Porém, desde os primórdios da humanidade, o conhecimento e os

valores humanos são transmitidos pelo “contar histórias”.

Devido aos preceitos morais, às verdades, enfim aos valores culturais de

cada grupo social expressos nos contos, sua transmissão de geração em

geração não pode romper com o fio condutor, sob pena de por em perigo a

coesão social e a sobrevivência do grupo.

Os contos e lendas para a infância têm um longo passado, uma história

que se perde na noite dos tempos e que o ser humano repete em sua evolução

da espécie. Na infância da humanidade o homem achou-se diante de forças

poderosas e estranhas, que ele não sabia explicar e que, no entanto temia

(Boisson Cardoso, 1969).

O temor impeliu a humanidade a compor suas estórias e lendas, levada

pela necessidade de catarse; de exteriorizar angústias e medos. Essas

primitivas composições, deram origem a muitas outras, notadamente a partir da

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Antiguidade Clássica e da Antiguidade Oriental, quando, evoluindo

intelectualmente, puderam os homens comunicar-se por meio de uma palavra

mais elaborada e registrar o que compunham, legando ao futuro essas

memórias (Boisson Cardoso, 1969).

Alguns dos contos que hoje têm grande curso em nossa cultura, nada

mais são do que modificações, versões ou adaptações de lendas muito

antigas.

Algumas estórias folclóricas e de fadas desenvolveram-se a partir dos mitos; outras foram a eles incorporadas. As duas formas incorporaram a experiência cumulativa de uma sociedade, já que os homens desejavam relembrar a sabedoria passada e transmiti-las às gerações futuras. Estes contos fornecem percepções profundas que sustentaram a humanidade através das longas vicissitudes de sua existência, uma herança que não é transmitida sob outra forma tão simples e diretamente, ou de modo tão acessível às crianças (Bettelheim, 1980, p.34).

A história é um relato dos acontecimentos, objetivos da vida da

humanidade, seus feitos, as ações culturais dos vários grupos humanos e

étnicos e sua definição como nação. Já os contos relatam acontecimentos

subjetivos, as vivências interiores, a realidade interior de cada cultura e

ressaltam a maneira de como se constituíram as estruturas psicológicas das

pessoas e dos grupos humanos.

Estes contos de origem obscura, longínqua, antiqüíssima eram

transmitidos oralmente, em suas variantes, pelas várias culturas e regiões do

planeta, tendo sempre um fundo comum. Por isso podem ser considerados

como, dentre as várias formas de narrativa, a mais universal.

Hoje encontramos os textos em revistas, nas coleções dos estudiosos,

seções infantis das livrarias em edições luxuosas ou não, em livros traduzidos

ou adaptados.

As versões de conto podem variar, mas as emoções são similares, o que

se modifica é a manifestação individual dessas emoções as quais refletem os

costumes e as crenças do grupo que conta a história.

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Os contos maravilhosos são desdobramentos de uma ação que vai

resultar em uma seqüência, podendo chegar a várias seqüências. A ação, diz

ele, parte de uma falta ou malfeito apresenta funções intermediárias e finaliza

com outras funções utilizadas como desenlace como, por exemplo, um

casamento, uma recompensa, etc.

O que surpreende os estudiosos é a sobrevivência destes contos, os

quais sofreram várias transformações ou não, de acordo, com o contexto sócio-

histórico a que tiveram que se adaptar.

E só através de comparação destes textos feita através dos tempos se

pode descrever suas transformações, também só pela comparação de vários

contos feita na mesma época se chega a saber o seu porquê, isto é, a

desvendar os seus “segredos”.

O ouvinte ou leitor vai encontrar nestas narrativas personagens

imaginários e reais, situações do dia-a-dia, enfim um universo social e familiar

com tudo que a imaginação produz e apavora e que resulta em conflito latente

para os indivíduos.

Desfilam nestes contos etapas da vida social como namoro, casamento,

velhice, morte; questões como rivalidade, integração de idades, incesto,

antagonismos dos sexos; sentimentos de amor e ódio, desconfiança, alegria,

perseguição, angústia, medo, amizade. Não raro encontram-se pares

contrastantes deste fenômeno como generosidade e mesquinhez, bem contra o

mal, pobreza contra riqueza, sucesso contra fracasso, vitória contra derrota,

etc.

Os contos tradicionais explicam o mundo, são depositários dos medos,

angústias, protestos e crença num mundo melhor. São eles muito semelhantes,

e essa semelhança vem do fato das semelhanças e limitações da vida humana.

Nas suas formas orais, literárias, “mass-mediatizadas”, os contos

permitem a crianças e adultos conceber estratégias para se posicionarem no

mundo e compreender o que os rodeia. Aprendidos na infância, fornecem

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significados, estruturam e dão forma às figuras e aos conflitos com que o

homem se confronta no seu dia-a-dia.

As narrativas são “legados do passado” cheias de dualismo, céu-inferno,

Deus-demônio, que fazem vacilar a fé no coração dos homens, sobretudo no

dos jovens. Lembra que, os jovens não conseguem encontrar uma fórmula que

os tranqüilize e preserve sua crença, sem a qual a vida se torna muito dura e

limitada (Boisson Cardoso, 1969).

Os contos para a infância estão cheios desse poder maléfico opondo-se

ao do bem e, embora a vitória seja sempre por último, a criança que os lê ou

ouve, antes de chegar ao epílogo já passou por todas as torturas da

expectativa e já compôs, em sua mente plástica, um cenário terrível, onde

gênios do mal atuam poderosamente, ameaçando de mil maneiras diferentes a

vida material e a paz de espírito.

Tais sejam o nível de maturidade e a sensibilidade da criança, ela pode

sentir-se verdadeiramente transtornada. O epílogo feliz nesses casos, em nada

contribuirá para apagar os vestígios do transtorno (Boisson Cardoso, 1969).

Chegaram até os dias de hoje algumas fórmulas para iniciar ou terminar

os contos como “Era uma vez...” e “... viveram felizes para sempre”. Essas

fórmulas têm um significado: a primeira dá aos temas e universalidade quanto

ao tempo e lugar e a última mostra o merecimento e a felicidade que os

personagens centrais podem receber por se desenvolverem como seres

humanos.

Nas transformações que se sucederam algumas formas de narrativas se

distinguiram de outras, orais ou escritas, pela resolução final do conflito como,

por exemplo, os contos de fadas. Estas narrativas, conforme as culturas e as

formas de organização social dão aos leitores ou ouvintes elementos de

resposta, mas com o ensino constante de que perigos e dificuldades podem ser

ultrapassados pela perseverança.

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Os contos de fadas, dizem alguns, não envelhecem apesar da distância

que existe entre nosso tempo ultra moderno e os tempos arcaicos porque são

lições de vida, e contém as “paixões da alma” e as “necessidades básicas”ao

ser humano. Como exemplo pode-se citar impulso de auto-realização, desejo

de aceitação, vontade de poder e preservação física, como a luta contra o

cansaço, a fome, a morte, a violência.

Constata-se que, através dos contos, ou mesmo de milênios, os contos

de fadas, transmitindo significados, manifestos e encobertos, falam a todos os

níveis, atingindo tanto à mente simples da criança, quanto à do adulto refinado.

Porém em sua evolução os contos de fadas ora foram condenados, ora

amplamente elaborados, sendo que alguns contos misturavam-se com outros.

Tomaram forma definida só mesmo, redigidos, não estavam mais sujeitos a

mudanças contínuas. Estas consistiam em interesses e preocupações

momentâneas dos ouvintes, bem como problemas da época tudo isto captado

pelo contador de histórias.

Em sua origem, porém, mitos e contos de fadas confundiam-se sendo

que há contos de fadas derivados de mitos bem como alguns contos

incorporados a eles. O motivo deste fato está em que ambos, contos de fadas

e mitos, incorporam experiência cumulativa de uma sociedade cuja sabedoria

os homens desejam transmitir às gerações futuras. É uma herança que só tem

uma forma simples, direta e acessível de transmissão às crianças, os contos de

fadas.

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3. FANTASIA, VIOLÊNCIA E MEDO

NOS CONTOS DE FADAS

Os contos de fadas, a mais universal das formas narrativas,

tradicionalmente transmitiam à criança, a herança da sabedoria milenar dos

grupos humanos alimentando a imaginação infantil e estimulando as fantasias,

bem como, simultaneamente, respondiam às questões mais importantes da

criança, enfim eram um importante agente de sua socialização.

A imaginação, na infância, funciona na direção do equilíbrio mental:

como mecanismo de defesa que é quanto às exigências culturais; servindo de

instrumento de luta contra decepções, frustrações e outros sofrimentos

infligidos pela educação ao ser ainda imaturo. Só mesmo após

desenvolvimento e amadurecimento a imaginação será controlada pela

inteligência que ajudará a criança a resolver sus problemas ao longo da vida

(Boisson Cardoso, 1969).

As imaginações e projeções são úteis às crianças, no momento em que

elas estão com determinado sentimento, como por exemplo, de insegurança na

hora de conciliar o sono. Neste momento, imaginar, por tempo suficiente, um

Anjo da Guarda ou a Mãe Protetora Celeste que vela o sono pode trazer

sentimento de confiança, naquilo que ela necessita para crer em si mesma,

uma confiança que lhe será imprescindível na resolução de seus problemas

com suas próprias e crescentes habilidades racionais. Chegará o dia em que

reconhecerá que, o que, para ela, será literalmente verdadeiro, era apenas um

símbolo (Bettelheim, 1980).

Ofélia afirma que “na infância as imagens conscientes e as

inconscientes, não se distinguem de forma nítida. Por isso os seres

deformados, ameaçadores e cruéis, recalcados no inconsciente, mostram-se

poderosamente ativos na mente infantil, e tão viva é sua imagem que parece

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real”. E prossegue a autora informando que suas imagens causam prejuízos ao

desenvolvimento da criança (Boisson Cardoso, 1969).

No entanto, conforme comentário da obra de Bruno, estes contos

considerados por pais e educadores até pouco tempo como “irreais”, “falsos” e

cheios de crueldade são, para as crianças, o que há de mais real, algo que lhes

fala, em linguagem acessível, do que real dentro dela. Há como um temor que

a fantasia afaste as crianças da realidade, mas, nos dias atuais, é do

conhecimento dos educadores que a fantasia desperta na alma alegria, e

desejo de realizar, suscitando também confiança na sociedade. Variando de

função é ela a companheira de sempre, em todas as idades (Bettelheim, 1980).

Uma fantasia é sempre egoísta. É um sonho em que ele que sonha é o herói ou a heroína. É a história do mundo como deveria ser. O mundo do qual nós, adultos, entramos com um copo de uísque, através das páginas de um romance, ou das portas de um cinema, é o mundo em que a criança entra através das portas da fantasia. A fantasia é sempre uma evasão da realidade, um mundo em que os desejos se realizam, um mundo onde não há fronteiras. O lunático faz excursões nele. Mas a fantasia também é bastante habitual na criança normal. O mundo da fantasia é mais atraente do que o do sonho. No do sonho temos pesadelos, mas do da fantasia exercemos certo controle, e só fantasiamos o que agrada ao nosso ego (Boisson Cardoso, 1969, p.25).

Bruno, fazendo uma comparação entre os dois mundos, o do conto de

fadas e o dos sonhos, diz haver traços semelhantes mas uma grande

vantagem do primeiro devido sua estrutura consistente, começo definido e

trama satisfatória em seu final. Ainda outras vantagens, importantes na

comparação que o autor faz com fantasias particulares é que no conto de

fadas, que pode correr paralelo àquelas fantasias edípicas, vingativamente

sádicas ou depreciativas dos pais, pode-se falar abertamente sobre ele. Isto

porque a criança não necessita manter em segredo seus sentimentos, ela pode

falar sobre o que acontece no conto de fadas, e não precisa se sentir culpada

por gostar desses pensamentos suscitados pela narrativa (Bettelheim, 1980).

A criança de 4 a 7 anos não aceita conscientemente que dentro dela

possam existir forças, (raiva, desejo de destruir, etc) que as quais ela não

possa manter controle, pois isto seria assustador. Nela a ação toma lugar da

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emoção, embora com orientação adulta ela possa “dizer” o porquê da sua

reação emocional, como por exemplo, o “bati” porque estou “zangado”. Só na

puberdade seu desenvolvimento afetivo o fará reconhecer suas emoções.

Antes os “processos infantis inconscientes só se tornam claros para as

crianças através de imagens que falam diretamente a seu inconsciente. As

imagens evocadas pelos contos de fadas assim o fazem”. Certos

comportamentos não são considerados como por uma criança dentro da

realidade, pois isto geraria nela muita ansiedade impedindo sua compreensão,

mas como ela sabe que “o gênio é uma figura imaginária, por isso ela pode se

permitir reconhecer o que motivou o gênio, sem ser forçada a fazer uma

aplicação direta a si mesma”. Tudo pode acontecer neste mundo fantástico, da

terra-do-nunca e a criança pode oscilar em achar que são fatos verdadeiros ou

apenas mentirosos ou de estórias (Bettelheim, 1980).

O mais importante para este autor é que, como o contos de fadas

garante um final feliz, não há como a criança sentir temor de seu inconsciente

vir à tona ao se equiparar ao conteúdo da estória, uma vez que tem

assegurado, qualquer que seja a descoberta, um “viverá feliz para sempre”.

Constatamos o seguinte paradoxo: “os exageros fantásticos dos contos

de fadas dão-lhe o toque de veracidade psicológica” ”enquanto explanações

realistas parecem psicologicamente mentirosas, embora verdadeiras de fato”.

... para crescer biologicamente, a criança precisa de fantasia, seja a que se manifesta no sonho, seja a que está subtendida na vida desperta. As estórias ajudam-na nessa fase e facilitam-lhe a liquidação do complexo-de-édipo. Delas alimenta-se também o mundo infantil (Boisson Cardoso, 1969, p. 97).

É necessário que os educadores tenham em mente que uma criança

não se mantém dominada pela fantasia quando consegue atender às

necessidades imperiosas de seu ego isto é quando traduz seus desejos em

ação. O interesse pelo seu próprio corpo, em sexo, e o desejo de domínio, de

um certo poder prendem-na ao seu meio, ao mundo real, e evitam que ela se

mantenha na abstração, completamente dominada pela fantasia. Na idade em

questão, de 4 a 7 anos já foram assimilados os princípios de causalidade e de

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identidade e só mesmo a frustração poderá originar fantasias monumentais e

dominadoras de seu ser.

Outra observação é a de que o mundo não é percebido pela criança

somente pelos sentidos, através de suas revelações diretas, mas também pelo

que lhe é mostrado e contado a respeito deste mundo pelos educadores e para

a criança de 4 a 7 anos vale o que a mãe lhe ensinou.

O mundo é percebido pela infância não só através do que os sentidos lhe revelam diretamente; mas também através do que os adultos, a começar pelos genitores, lhe contam e mostram, a respeito desse mundo. O montante considerável, qualidade e quantidade, de medos que avassalam os homens, torturando-os, a ponto de impelirem ao suicídio, encontra a meu ver, sua gênese, nessa precoce comunicação verbal entre a criança e seus familiares. É um erro pensar que só o que ela vê e interpreta deixa resíduo em sua mente e concorre para formação de seu caráter, fazendo-o produtivo ou improdutivo, biófilo ou necrófilo. O que se lhe diz, sob a forma de comentários, opiniões, ameaças e, principalmente, de lendas e estórias, atua poderosamente na esfera emocional e contribui de maneira decisiva para estruturar-lhe mal ou bem a personalidade (Boisson Cardoso, 1969, p.187,188).

A autora ainda baseada na teoria do condutismo de Watson nos informa

de que o homem nasce com predisposições, mas não com os medos da

espécie os quais vivenciará mais tarde devido à variada coleção que chega a

possuir no curso da existência. A própria imaginação contribui para dar volume

ao medo tornando-o insuportável, há pessoas mais vulneráveis a este ou

aquele temor, há os que constroem um mundo mágico, atraente e acolhedor

onde todos os desejos se realizam (Boisson Cardoso, 1969).

Contra encantamentos, isto é, poderes sobrenaturais e maléficos, os

homens são impotentes, mesmo as autoridades e isto deixam a criança

desprotegida e desamparada.

Adultos ignorantes, babás e empregadas usam personagens imaginários

como bruxas e feiticeiros e ameaças como “castigos de Deus” ou do “fogo do

inferno” para obter a obediência das crianças, também as estórias cujo enredo

envolve este assunto. São fantasias mórbidas que vão desequilibrar o homem,

aniquilá-lo acovardá-lo perante a coletividade. São fantasias destruidoras do

seu impulso de sobrevivência.

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A imagem de uma fada boa satisfaz completamente as necessidades emocionais da infância. Funciona como uma espécie de anjo da guarda, que tem por missão aconselhar para o bem e proteger, afastando os perigos (Boisson Cardoso, 1969, p.97).

A criança inteligente e tranqüila, criada sem ameaças percebe o perigo e

tenta evitá-lo. Os neuróticos, pelo contrário, envolvem-se na situação perigosa,

agem como se movidos por incontrolável impulso, masoquista, como se

buscassem o sofrimento. É um mecanismo denunciador de intenso sentimento

de culpa, podemos dizer que é autopunição. Não há como escapar, na infância

deste sentimento, porém há aqueles que o superam não vindo a ter grandes

sofrimentos em sua vida emocional.

Todos os juízos da criança de 4 a 7 anos são pré-logias, são parciais,

são emocionais e sua identificação nos contos de fadas se dará, em geral, com

o herói ou com a vítima, dependendo do tipo psicológico do ouvinte ou leitor e

de seus problemas.

Há, porém, nas estórias e episódios que estimulam no espírito infantil,

mesmo na criança sadia, sentimentos de vingança. São estórias de violência

gratuita, acompanhadas pela inteligência, e também pela emoção. Pode a

criança aceitar ou rejeitá-la, de acordo com o nível de seu egocentrismo, porém

um comprometimento já se efetuou em sua afetividade. Nesta faixa de idade a

que nos estamos referindo ao ouvirem as estórias as crianças aceitam-nas

como realidades e confrontam seus episódios com os eventos do cotidiano.

Elas não conseguem ainda ter deslocamento suficiente no tempo, isto é, ter

perspectiva histórica, então é o fenômeno emocional que a impressiona e é isto

que prevalece.

Em seu desenvolvimento a criança de 4 a 7 anos instrumentada pela

função simbólica, a percepção de si mesma, poderá transformar-se em

consciência de si, ampliando-se na direção, do passado e do futuro. É a fase

da individualidade, diferenciada, fase explosiva, com função dinamogênica e

ativadora. É a fase da construção do Eu. É, dentro do desenvolvimento normal

de uma criança, a fase dos conflitos.

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4. CONFLITOS E SIMBOLOGIA

NOS CONTOS DE FADAS

Embora o conto de fadas possa ter fatos do cotidiano em seu conteúdo,

ele não é uma informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos

interiores que ocorrem num indivíduo (Bettelheim, 1980).

Por isso sua riqueza simbólica não pode ser deturpada como o fazem

algumas versões e adaptações. Esses contos falam de pressões do id, internas

e graves que se tornam inconscientemente compreensíveis e vão buscar na

realidade os caminhos da sua satisfação através do ego.

A exemplo de todos os mecanismos psíquicos que se desenvolvem no

ser, o dinamismo natural da fantasia inerente ao mundo mágico infantil tem

uma utilidade biológica que funciona em benefício da adaptação do indivíduo

ao meio (Boisson Cardoso,1969).

Todo processo psíquico marca uma passagem contínua e ininterrupta do

inconsciente à consciência e vice-versa pois, como informa Piaget, o

inconsciente não é uma região isolada do espírito (Piaget, 1971).

No entanto, uma incursão da criança nesta região vai lhe trazer muitos

benefícios.

Para dominar os problemas psicológicos do crescimento - superar decepções narcisistas, dilemas epídicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral – a criança necessita entender o que está se passando dentro do seu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados – ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da estória em respostas a pressões inconscientes. Com isto, a criança adequa o conteúdo inconsciente às fantasias conscientes, o que a capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas

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dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida(Bettelheim, 1980, p. 16).

No período de 4 a 7 anos a criança passa a ter atividade cognitiva

intensa de conhecimento de si própria, de fora para dentro, isto é passa a ter

consciência de si através da função simbólica. É atividade prioritária nesta fase,

quando expulsa de dentro de si o que lhe é alheio, e está empenhada na

construção do seu Eu. Aparecem manifestações de rebeldia, negativismo

quanto ao outro e concomitantemente sedução e imitação do outro. Ainda frágil

nesta etapa o Eu necessita da admiração alheia para completar sua

construção.

Os materiais de fantasia, sob forma simbólica oferecidos pelos contos de

fadas vão dar significado a toda luta da criança em busca de uma auto-

realização, com a garantia de um final feliz (Bettelheim, 1980).

Encontram-se nos contos de fadas figuras e situações que personificam

e ilustram os conflitos internos anteriormente mencionados e, sutilmente, sua

solução e os próximos passos para elevação de sua personalidade. Em sua

maneira simples, direta, caseira o conto de fadas, sem fazer solicitações ao

ouvinte ou leitor, impede que se desenvolva na criança, por menor que seja,

um sentimento de inferioridade e sempre lhe reassegura e dá esperanças para

um final feliz.

Uma diferenciação entre sinais e símbolos se faz necessária para

entender o simbolismo nos contos de fadas. Os primeiros têm significação, são

pontos de referência para a ação e mantém com esta permanente ligação,

sendo o comportamento – sinal uma reação sensório-motora ao signo. Já o

símbolo é um signo que se refere a outra coisa, não se achando ligado a ações

externas específicas, referindo-se diretamente a uma cognição. Então, o

comportamento simbólico é uma resposta operacional, cognitiva, a um signo

que representa algo diferenciado (Piaget, 1976).

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Os contos de fadas são narrativas, portanto são seqüências de símbolos

verbais e como tal, em qualquer meio humano, podem apresentar perigos. A

linguagem difere de outros símbolos. Esses outros símbolos como imagens,

costumes e gestos, são de muitas formas mais espontâneos à personalidade

da criança e, seja como for, não podem ser facilmente manipulados pela

sociedade. A linguagem é, apresentada à criança normal como um sistema

pré-fabricado (Piaget, 1976).

A mente da criança é dominada pela polarização e, por

desconhecimento disto, muitos autores excluíam-na em seus livros e peças

infantis, com o pretexto de que na realidade somos todos simultaneamente

bons e maus. Nos bons contos de fadas as figuras não são ambivalentes pois

que nesta forma narrativa, assim como na mente infantil, prevalece a

polarização. É esta que facilitará a identificação da criança com aqueles

personagens que vão lhe trazer apelos positivos.

Então a criança tem uma base para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e que, por conseguinte, uma pessoa tem que fazer opções sobre quem quer ser. Esta decisão básica sobre a qual todo o desenvolvimento ulterior da personalidade se construirá, é facilitada pelas polarizações do conto de fadas (Bettelheim,1980, p.18).

Por ser o inconsciente um poderoso determinante do comportamento

faz-se necessário apresentar às crianças uma atividade como os contos de

fadas onde o material inconsciente reprimido possa, em certo grau, dar entrada

na consciência e ser trabalhado em sua imaginação. Isto reduzirá os danos

potenciais que ele pode causar à criança e também aos adultos, e à sociedade.

Existe uma recusa difundida em deixar as crianças saberem que a fonte de tantos insucessos na vida está na nossa própria natureza – na propensão de todos os homens para agir de forma agressiva, não social e egoísta, por raiva e ansiedade. Em vez disso, queremos que nossos filhos acreditem que, inerentemente, todos os homens são bons. Mas as crianças sabem que elas não são sempre boas; e com freqüência, mesmo quando são, prefeririam não sê-lo. Isto contradiz o que lhes é dito pelos pais, e portanto faz a criança sentir-se um monstro a seus próprios olhos (Bettelheim, 1980, p.17).

Há nos dias de hoje o conhecimento de que os conflitos internos,

profundos do ser humano têm origem em impulsos primitivos instintivos, inatos

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e em emoções violentas. Desconhecer o papel que tais energias exercem no

desenvolvimento das pessoas é negar a elas uma existência satisfatória.

Então com seu simbolismo os contos de fadas estariam dando uma

contribuição valiosa nesta direção.

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5. UMA REFLEXÃO: BENEFÍCIOS E PREJUÍZOS

DOS CONTOS DE FADAS

Além de entretenimento e satisfação da curiosidade das crianças o conto

de fadas tem outras funções.

Uma análise dos capítulos anteriores nos leva à afirmação de que o

conto de fadas exerce influência sobre a mente plástica da criança,

enriquecendo-a ou deformando-a.

No primeiro caso temos o benefício da satisfação da necessidade de

crescimento na infância. Por ser uma narrativa o conto como qualquer atividade

humana deve satisfazer a uma necessidade, apoiando-se num estudo de

profunda motivação, ou seja, numa preparação ou prontidão do organismo para

agir.

São várias as necessidades da criança, mas fundamentalmente

devemos destacar a necessidade do crescimento de padrões físicos e mentais.

Um dos mais poderosos recursos no ativamento do desenvolvimento

psicológico da criança é a narração de conto de fadas, devido à sua

capacidade de encantar e atingir a imaginação infantil pela apreensão fácil

decorrente de sua estrutura, de seus temas, de suas fórmulas de repetição e

finalmente pela linguagem metafórica que permite à criança projetar-se em

diferentes personagens e situações fantásticas.

Todo homem deseja experimentar certas situações perigosas, confrontar-se com provas excepcionais, entrar à sua maneira no Outro Mundo _ e ele experimenta tudo isto, no nível de sua vida imaginativa, ouvindo ou lembrando contos de fadas (Bettelheim,1980, p.46).

A criança é diferente do adulto biológica e psicologicamente, tanto quantitativa quanto qualitativamente e por isso apresenta quadro próprio de interesses.

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Os processos infantis de crescimento precisam ser estendidos não com

base em processos interpretativos dos adultos mas sim com compreensão da

criança em termos de si mesma (Moya, 1972).

É preciso conhecê-la, utilizar suas energias, canalizar seus desejos e

interesses, sem violentar nem reprimir os seus impulsos naturais. A criança

precisa estar satisfeita consigo mesma e com o que está fazendo.

O conto de fadas é fonte de imaginação criadora através da fantasia que

psicologicamente é uma realidade para a criança, embora tenha ela

consciência da ilusão na ficção. Por necessidade é que o ser imaturo, de bom

grado, abandona-se à fantasia e nela crê como uma verdade.

Secar, na infância, a fantasia, não é apenas matar a infância, não é apenas secar as fontes de poesia, é ainda verdadeiramente estancar o desenvolvimento de um dos processos mais fecundos da inteligência, é liquidar, talvez para sempre, o senso criador e a capacidade inventiva (Moya, 1972, p. 160).

A narrativa dos contos de fadas tem como base os símbolos verbais e

são estes que levam a mente a configurações anteriores que, pela imaginação,

reconstroem experiências reais e comuns.

Assim a palavra no panorama mental tem o poder de um esquema que

subordina extensa rede de representações. Por isso poderá uma simples

palavra vir a ser um poderoso estímulo fecundo e fértil capaz de envolver

apreciável contexto mental (Moya, 1972).

Porém, o poder da linguagem verbal só se torna um benefício se a

passagem das sensações para as idéias aconteça gradativamente, sem saltos

abruptos, pois só se alcança os objetos intelectuais a partir das sensações.

A palavra é uma abstração e por isso ela exige do ouvinte ou leitor dos

contos de fadas um grau de emancipação das experiências sensíveis,

suficiente para perceber o significado das várias seqüências de símbolos

verbais.

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A abstração, como qualquer atividade mental, não marcha inteiramente

por si mesma, à parte do mundo exterior de coisas e pessoas (Moya, 1972).

Como imagem e símbolo a linguagem intervém no pensamento

imaginativo da criança, estruturando seus devaneios e a conduz à salvo para a

maturidade. Os acontecimentos reais só se tornam importantes para a criança

pelo significado simbólico que a criança lhes atribui ou que elas encontra neles.

A qualidade literária da narração do conto de fadas é que vai prender

prioritariamente a atenção da criança, claro que em obra adequada a sua faixa

etária, contribuindo como toda obra de arte o faz para o estabelecimento de

relações profundas da criança com o mundo, enfim procedendo uma

socialização dela como indivíduo e como ser que faz parte da humanidade e do

universo.

Vai ela satisfazer a necessidade de visualizar saídas positivas e seguras

em quaisquer oportunidades apresentadas pela realidade nesta idade de

transformações em que ela necessita de segurança para suas lutas internas.

Possibilitando soluções para os grandes problemas psicológicos do

crescimento como resistência aos pais, medo de crescer, consideração do

outro sexo como ameaçador, sentimento de inferioridade e complexo de culpa,

a vida da criança ganhar um significado. Estas soluções trazem para a criança

o reconhecimento de que um dia suas qualidades serão consideradas

fortificando assim sua auto-estima tão necessária à sua formação.

A criança necessita de sugestões, em forma simbólica, de como lidar

com as questões que lhe perturbam o espírito, de como se confrontar

honestamente com as características básicas do ser humano, com a

complexidade da existência e o conto de fadas, com sua natureza irrealística,

através de seus personagens e ações, contribui para dar informações sobre os

processos interiores que ocorrem nela e que são reais tanto quanto a criança o

é.

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Há os que acreditam que não é a linguagem da realidade cotidiana, de

fatos tangíveis ou de lugares reais, que vai fazer com que o leitor ou ouvinte

tenha recursos interiores que lhe permitam enfrentar condições adversas em

sua vida presente. É sim, a linguagem das situações fantasiosas dos contos,

que o colocando como implicado na estória, ao mesmo tempo, dá a ele

distância suficiente para não fazê-lo ficar angustiado.

Resumindo os muitos benefícios que falamos anteriormente temos: a

maior contribuição dos contos de fadas se dá em termos emocionais,

desenvolvendo a fantasia da criança fornecendo escapes a seus medos e

ansiedades e promovendo a recuperação e consolo às pressões de seus

problemas psicológicos (Bettelheim, 1980).

Nas quatro tarefas acima citadas há concordância, embora com sérias

ressalvas feitas por alguns autores.

... focalizo espécimes da literatura infantil e analiso-os, do ponto de vista da interferência nociva que podem ter ao desenvolvimento emocional da criança, concorrendo para perturbá-la ou até determinar a neurose. Referindo-me a desenvolvimento emocional da criança, não tenho em mira uma posição estática; não me limito a flagrantes de uma fase que é superada no tempo. Encaro, antes, o processo; o dinamismo que representa a vida humana; e, principalmente, a persistência dos prejuízos espirituais que, ocorridos em tenra idade, refletem-se no curso da existência, marcando-a de forma indeléve (Cardoso, Ofélia, B., 1969, p.9).

O comportamento emocional pode ter sua origem em fatos apavorantes

relatados por pessoas principalmente ligadas pelo afeto à criança. Também

seres ameaçadores, cruéis, contribuem, em crianças predispostas a neuroses,

para o desencadear do processo neurótico. O material recalcado pode,

sobretudo, quando liberado, através do sonho, se tornar real, acovardar o

indivíduo perante a sociedade e destruir seu impulso de sobrevivência.

Na faixa de idade em questão neste trabalho é o emocional que

prevalece e as estórias são aceitas ou rejeitadas. Ora, todos os contos de

fadas foram elaborados pelo adulto que projetou neles seus próprios

fantasmas, medos e ódios.

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As estórias infantis revelam o novo paradigma do século XXI e num

mundo que mudou os contos tradicionais continuam a privilegiar os interesses

coletivos em oposição ao interesses comuns. Então há que sacrificar liberdade

de escolha, criatividade, espontaneidade e aceitar o auto-controle severo das

sociedades antigas e arcaicas e os valores estabelecidos e consagrados, enfim

seguir as regras para ser feliz.

Dizer que os contos de fadas trazem alívio ao sofrimento infantil através

de resgate, escape e consolo, é aceitar a idéia de que só a evolução psíquica,

ou seja, a maturidade, no futuro, pode trazer a felicidade. Nas sociedades

modernas o alívio psicológico deve advir da aceitação de si próprio, da crença

de que seu Eu é perfeito, necessitando apenas florescer, manifestar-se,

conforme o pensamento nietszchiano.

Numa sociedade em mudança incutir valores pré-estabelecidos, através

de uma simbologia que vai moldar o espírito infantil, é impedir a adaptação aos

novos tempos que pede coragem, determinação, aceitação de si próprio com

suas peculiaridades para atingir a meta imaginada.

Os valores dos contos de fadas são tradicionais e pré-estabelecidos, que

vão dificultar a adaptação da criança aos novos e instáveis ambientes das

sociedades em mutação.

Tanto quanto a linguagem dos contos de fada pode ser um poderoso

estímulo ao desenvolvimento mental tanto quanto pode se tornar um

instrumento manipulador das mentes infantis.

Um herói nos contos de fadas tem sempre, como mérito de sua missão,

a vitória e sua força interior provém de gênios e fadas e de seus objetos e

palavras mágicas. No entanto, este fato leva a não privilegiar a persistência do

indivíduo no curso de sua vida e a solidariedade de um companheiro na

solução dos problemas surgidos, enfim de um companheiro tão igual e

imperfeito como o próprio leitor ou ouvinte.

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Encontram-se nos contos de fadas cujo conteúdo valoriza a mentira, e

onde os personagens falsos e mentirosos obtêm vantagens, denigrem a

reputação alheia, são bem sucedidos e com isso conquistam o respeito da

sociedade. Outros que têm atuação das mais perniciosas são aqueles que

exageram no sentimentalismo e na dramaticidade prejudicando a infância

porque concorre para intensificar o sentimento de culpa. A criança de 4 a 7

anos não tem consciência moral formada e suas faltas são na maior parte das

vezes impulsos inconscientes.

O fato dos contos de fada colocarem a criança em ambiente muito

diferente do que encontrará ao crescer também é contabilizado como

sumamente prejudicial.

Identificando-se com heróis de uma estória, muitas vezes a criança

experimenta emoção forte demais para sua idade, como por exemplo, a de se

sentir desamparada ao se encontrar perdida numa floresta. Este tema é dos

mais angustiantes porque lhe retira toda proteção, e a criança se sente

indefesa.

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CONCLUSÃO

A presente pesquisa pretendeu apresentar o seguinte problema: a

fantasia, violência e medo presentes nos Contos de Fadas têm influência no

desenvolvimento mental e emocional da criança?

Sendo a narração do conto de fadas uma atividade humana ela, como

qualquer outra, influencia a criança. Tornou-se então necessário determinar

qual a influência, como acontece porque a preocupação com os contos de

fadas, especialmente em relação à criança na faixa de 4 a 7 anos, objeto de

nosso estudo.

A origem deste trabalho são as dúvidas que surgiram em nosso espírito,

após, como professoras observamos e conversamos sobre reações de

crianças desta faixa etária nas escolas.

Para desenvolvermos esta pesquisa nos servimos de alguns autores

com opiniões fortemente contraditórias e alguns pontos em comum a respeito

dos contos de fada e outros estudiosos do desenvolvimento infantil que foram

nos ajudando a construir uma base sobre a qual pudéssemos elaborar uma

conclusão.

A necessidade da fantasia em qualquer idade é ponto de convergência

entre os autores consultados. Porém, na faixa em questão pelo menos até aos

6 anos, quando ela admite o impossível e a fantasia faz parte de seu cotidiano

as incongruências só são aceitas se a criança puder fazer uma relação com a

realidade.

Os novos aspectos psicanalíticos abordados não invalidam o

pensamento de autores que lhes são contraditórios, pois o simbolismo do conto

de fadas que os psicanalistas põem em relevo realmente trazem alívio, escape,

recuperação e consolo, mas o que não pode ser aceito é o conteúdo do conto

de fadas impressionar de maneira prejudicial a célula nervosa da criança com

vivências emocionais desagradáveis.

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A eliminação dos elementos nocivos destes contos não iria resolver toda

a problemática de violência, angústia e medo dessas crianças, mas suprimiria

fatores de muita importância responsáveis pela formação de neuroses nessas

crianças.

A educação moderna, já capacitada pelos muitos estudos sobre

desenvolvimento do ser humano e em especial da criança, ao se dar conta do

valor ético-existencial e imaginário dos contos de fadas poderá contribuir para a

aquisição da consciência de si próprio e para o desenvolvimento do

relacionamento individual.

Dessa forma única que seu Eu limitado se une com a existência humana

coletiva sua individualidade se torna social e se apodera das experiências

alheias, que, potencialmente são dele porque fazem parte de tudo que a

humanidade como um todo, é capaz.

O que surpreende os estudiosos é a sobrevivência destes contos, os

quais sofreram várias transformações ou não de acordo com o contexto sócio-

histórico a que tiveram que se adaptar. E só através de comparação destes

textos feitas através dos tempos que se pode descrever suas transformações,

também só pela comparação de vários contos feitos na mesma época se chega

a saber o seu porque, isto é, desvendar os seus segredos.

Encontram-se nos contos de fadas figuras e situações que personificam

e ilustram os conflitos internos e, sutilmente, sua solução e os próximos passos

para elevação de uma personalidade. Em sua maneira simples, direta, caseira

o conto de fadas, sem fazer solicitações ao ouvinte ou leitor, impede que se

desenvolva na criança, por menor que seja, um sentimento de inferioridade e

sempre lhe reassegura e dá esperanças para um final feliz.

Estudiosos alertam para o fato de que a exposição fora da hora a

determinados conflitos pode aumentar a ansiedade sobre si mesmo e sobre o

mundo.

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Livrando-a de influências perniciosas, os educadores devem selecionar

os contos infantis, aprender como contá-los, ouvir as crianças, levá-las a

representar as situações a vivenciar os personagens com os quais elas se

identificaram.

Os escritores de contos destinados à infância que eles possam através

de simbologia adequada aos novos tempos fazer a criança ouvir suas estórias

com uma voz a lhe dizer siga em frente.

Um raio “lazer” poderá fazer coisas mais maravilhosas e uma operação plástica poderá transformar Borralheiras nas princesas mais lindas e graciosas.

Até meninos de coração ruim poderão tornar-se bons mediante um simples transplante. Tudo isso pode ser posto em prática para uma literatura renovada, de acordo com as crianças que ouvem falar continuamente em lua, operações plásticas e transplantes. Nada mais fantástico do que o simples cotidiano que parece, cada dia, mais irreal (Amaral, Lucia, 1977. p. 24).

A análise de dados obtidos e a reflexão que ela nos leva remeteu-nos à

dedução que ao lidar com as fantasias nos contos de fadas, é recurso

fundamental no processo do desenvolvimento humano. Através dos contos de

fadas penetramos magicamente pelo nosso inconsciente tendo assim condição

básica para se conhecer o significado profundo da nossa vida.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Cardoso, Ofélia, B. Fantasia, Violência e Medo na Literatura Infantil.

Volumes 1, 2, e 3 - Rio de janeiro: Conquista, 1969

- Bettelheim, Bruno. A Psicanálise dos contos de fada - Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1980

- Amaral, Maria, Lucia. Criança é Criança (Literatura Infantil e seus

Problemas)- Petrópolis: Vozes Limitada , 1977.

- Fisher, Ernst. Sociologia da Arte. Volume 1 – Rio de Janeiro: Zahar, 1971

- Furth, Hans, G. Piaget na Sala de Aula – Rio de Janeiro: Forense, 1967

- Piaget, Jean. Seis Estudos de Psicologia – Rio de Janeiro: Forense, 1967

- Piaget, Jean. Formação do Símbolo na Criança – Rio de Janeiro: Zahar,

1971

- Moya, Álvaro de. Shazan! – São Paulo : Perspectiva, 1972

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ANEXO

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ÍNDICE

CAPA ........................................................................................................ 01 FOLHA DE ROSTO .................................................................................. 02 AGRADECIMENTO .................................................................................. 03 DEDICATÓRIA ......................................................................................... 04 EPÍGRAFE ............................................................................................... 05 RESUMO .................................................................................................. 06 SUMÁRIO ................................................................................................. 07 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 08 1. A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA VIDA DA CRIANÇA DE 4 A 7 ANOS ............................................ 11 2. HISTÓRICO DOS CONTOS DE FADAS E SUA FORMAÇÃO .......... 16 3. FANTASIA, VIOLÊNCIA E MEDO NOS CONTOS DE FADAS .......... 21 4. CONFLITOS E SIMBOLOGIA NOS CONTOS DE FADAS ................ 26 5. UMA REFLEXÃO: BENEFÍCIOS E PREJUÍZOS DOS CONTOS DE FADAS ................................................................. 30 CONCLUSÃO ........................................................................................... 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 39 ANEXO ..................................................................................................... 40

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-Graduação “Lato Sensu”

Título da Monografia:

Os Contos de Fadas e a criança de 4 a 7 anos: um olhar da psicopedagogia.

Data da Entrega: ____________________________

Avaliação: Como você avaliaria esta Monografia?

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Avaliado por: __________________________________ Grau: ____________

__________________, ____ de _____________ de 200__.