leituras suplementares

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Page 1: Leituras suplementares
Page 2: Leituras suplementares

FÍSICAMODERNA

Paul A. Tiplerex-Professor da Oakland University

Ralph A. LlewellynUniversity of Central Florida

Tradução e Revisão Técnica

Ronaldo Sérgio de Biasi, Ph.D.Professor Emérito do Instituto Militar de Engenharia – IME

SEXTA EDIÇÃO

Page 3: Leituras suplementares

Este Material Suplementar contém ilustrações, leituras suplementares, revisão de conceitos clássicos que podem ser usados como apoio para o livro Física Moderna, Sexta Edição, 2014. Este material é de uso exclusivo de professores e estudantes que adquiriram o livro.

Material Suplementar traduzido do material original:

– Ilustrações da obra em formato de apresentação (acesso restrito a docentes);– Leituras Suplementares arquivos em formato (.pdf) contendo material de apoio às seções do livro-texto (acesso

livre);– Revisão de Conceitos Clássicos arquivos em formato (.pdf) contendo material complementar às seções do

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MODERN PHYSICS, SIXTH EDITIONFirst published in the United States byW. H. FREEMAN AND COMPANY, New York Copyright © 2012, 2008, 2003, 2000 by W. H. Freeman and Company

All Rights Reserved.

Publicado originalmente nos Estados Unidos porW. H. FREEMAN AND COMPANY, New York Copyright © 2012, 2008, 2003, 2000 by W. H. Freeman and Company

Todos os Direitos Reservados.

ISBN: 978-1-4292-5078-8

Reservados todos os direitos. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida sob quaisquer formas ou por quaisquer meios, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação, ou por qualquer sistema de armazenagem e recuperação de informações sem permissão da Pearson Education, Inc.

Edição em língua PORTUGUESA publicada por LTC — LIVROS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS EDITORA LTDA., Copyright © 2014.

Obra publicada pela LTC:FÍSICA MODERNA, Sexta EdiçãoDireitos exclusivos para a língua portuguesaCopyright © 2014 by LTC — Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional

Imagem de capa: Steven R. White, University of California, Irvine Editoração Eletrônica do material suplementar: |

Page 4: Leituras suplementares

iv

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1Leitura Suplementar 1O Experimento de Michelson-Morley 1

Leitura Suplementar 2O Caso dos Gêmeos Identicamente

Acelerados 4

CAPÍTULO 2Leitura Suplementar 1O Periélio da Órbita de Mercúrio 6

Leitura Suplementar 2O Retardo da Luz em um Campo

Gravitacional 8

CAPÍTULO 3Leitura Suplementar 1Demonstração da Equação de Compton 10

CAPÍTULO 4Leitura Suplementar 1A Previsão de Rutherford e os Resultados

de Geiger e Marsden 11

Leitura Suplementar 2Crítica da Teoria de Bohr e da “Velha”

Mecânica Quântica 13

CAPÍTULO 5Leitura Suplementar 1O Experimento de Duas Fendas 14

CAPÍTULO 6Leitura Suplementar 1Solução Gráfica do Poço Quadrado Finito 16

Leitura Suplementar 2Transições entre Estados Quânticos 18

Leitura Suplementar 3O Artifício de Schrödinger 21

Leitura Suplementar 4O Diodo Túnel 23

CAPÍTULO 7Leitura Suplementar 1Átomos com Mais de um Elétron Externo 25

Leitura Suplementar 2O Efeito Zeeman 28

CAPÍTULO 8Leitura Suplementar 1Temperatura e Entropia 32

Leitura Suplementar 2Demonstração do Teorema da

Equipartição para um Caso Particular 33

CAPÍTULO 9Leitura Suplementar 1Outras Ligações Covalentes 34

CAPÍTULO 10Leitura Suplementar 1Condução de Calor – O Modelo Quântico 40

Leitura Suplementar 2Bandas de Energia em Sólidos:

Uma Abordagem Alternativa 41

Leitura Suplementar 3Como Funcionam os Transistores 43

CAPÍTULO 11Leitura Suplementar 1O Modelo da Gota de Líquido e a

Equação de Weizsäcker 46

Page 5: Leituras suplementares

v

Leitura Suplementar 2Sequências de Decaimentos 48

Leitura Suplementar 3Níveis de Energia do Decaimento Alfa 51

Leitura Suplementar 4O Efeito Mössbauer 53

Leitura Suplementar 5O Modelo de Camadas de Mayer e Jensen 56

Leitura Suplementar 6Energia Nuclear 59

Leitura Suplementar 7Interações de Partículas com a Matéria 66

Leitura Suplementar 8Efeitos Biológicos da Radiação Ionizante 70

CAPÍTULO 12Leitura Suplementar 1Em que Circunstâncias uma Grandeza

Física É Conservada? 73

Leitura Suplementar 2Ressonâncias e Estados Excitados 75

Leitura Suplementar 3Teoria das Cordas 78

Page 6: Leituras suplementares

1

CAPÍTULO 1 LEITURA SUPLEMENTAR 1

O Experimento de Michelson-Morley

No interferômetro de Michelson, mostrado de forma esquemá-tica na Figura 1-8a, os raios luminosos são análogos aos barcos do Exemplo 1-1, com a Terra correspondendo à margem do rio. A imagem vista pelo observador é constituída por uma série de franjas de interferência alternadamente claras e escuras (Figura 1-8b). A interferência entre as ondas luminosas no ponto A é o resultado da diferença ∆n do número de ciclos n1 e n2 nos dois percursos, que produz uma diferença de fase entre as ondas que chegam de volta ao ponto A. O número de ciclos n em qualquer percurso é dado por

1-7

considerando que é o comprimento de onda da luz e L é o comprimento do percurso. Para ∆n = 0 ou um número inteiro, a interferência é construtiva (ou seja, a diferença de fase é 0, 2, 4,...) e a intensidade luminosa é máxima. Para ∆n = 1/2 ou 1/2 mais um número inteiro, a interferência é destrutiva (ou seja, a diferença de fase é , 3, 5,...) e a intensidade lumi-nosa é mínima. Valores intermediários de ∆n resultam em inten-sidades intermediárias. Embora o valor absoluto de ∆n para uma franja específica seja difícil de determinar, é óbvio que, no caso de duas franjas consecutivas, sejam elas claras ou escu-ras, os valores de ∆n diferem de 1. A distância entre máximos ou mínimos vizinhos é denominada largura da franja.7 (Veja a Figura 1-8b.)

Observe na Equação 1-7 que uma variação de L ou de (ou de ambos) resulta em uma variação de n. É a variação de L no per-curso 2, causada pelo espaço entre M2 e M1, que produz a figura da interferência da Figura 1-8b. A variação da velocidade da luz devido ao movimento da Terra que Michelson e Morley estavam tentando observar resultaria em uma variação de , já que a velocidade c de uma onda está relacionada ao comprimento de onda através da equação

1-8

na qual f é a frequência da onda.8 Assim, se c muda para c, muda para , o que por sua vez produz uma mudança em n.

Com o interferômetro em repouso no laboratório enquanto a Terra se move para a esquerda através do éter com velocidade v, os dois raios luminosos da Figura 1-8a correspondem aos barcos da Figura 1-6a, os pontos A, B e C do interferômetro são

análogos aos pontos correspondentes na margem do rio e o éter faz o papel do rio. (Na Figura 1-6a, a margem do rio está se “movendo” para a esquerda em relação ao rio “estacionário”.) Raciocinando desta forma, Michelson obteve uma expressão para a diferença ∆t entre os tempos de percurso dos dois raios luminosos produzidos pelo espelho semitransparente situado em A que era igual à Equação 1-6:

1-6

em que a velocidade no percurso 1 é maior que no percurso 2 porque t2 > t1. O fato de que a velocidade é maior no percurso 1 significa que 1 > 2 (de acordo com a Equação 1-8) e, por-tanto, que existe uma diferença, ∆n", no número de ciclos asso-ciados aos dois caminhos (de acordo com a Equação 1-7), além da diferença ∆n' causada pelo espaço entre M2 e M1. Natural-mente, as franjas de interferência observadas seriam o resultado de uma combinação dos dois efeitos.

O interesse de Michelson estava na parte de ∆n associada à diferença na velocidade da luz ao longo dos dois percursos, e ele imaginou um método engenhoso para isolar este efeito do efeito total, tornando ao mesmo desnecessário o conhecimento da direção do movimento da Terra através do éter. Se o interfe-rômetro é girado de 90° em torno de um eixo perpendicular ao plano formado pelos raios luminosos, o percurso 2 se torna para-lelo à suposta direção de v e os valores da velocidade da luz ao longo dos dois percursos se invertem. Nesta nova configuração, a diferença entre os tempos de percurso, ∆t, passa a ser

e o módulo da diferença dos tempos de percurso após uma rota-ção de 90°, ∆ttotal, é dado por

1-9

A diferença correspondente entre os números de ciclos asso-ciados aos dois caminhos, ∆N, é dada por

1-10

Page 7: Leituras suplementares

2 Leitura Suplementar 1

O valor de ∆N calculado com o auxílio da Equação 1-10 tam-bém é igual ao deslocamento das franjas de interferência no visor do aparelho. Lembre-se de que cada ponto no visor do interferômetro (Figura 1-8b) corresponde a uma certa diferença de fase entre os dois raios luminosos; a diferença de fase entre dois máximos de luminosidade consecutivos é igual a 2. A rotação do interferômetro faz com que uma diferença de fase adicional ∆ = 2∆N seja introduzida em todos os pontos, des-locando assim a figura de interferência de uma distância dada por ∆/2 = ∆N.

Recentemente, foram executados experimentos semelhantes ao de Michelson-Morley usando técnicas e equipamentos de alta precisão. Em um desses experimentos, executado por T. S. Jaseja et al.9 em 1964, os espelhos da Figura 1-8a foram subs-tituídos por lasers iguais (Figura 1-9). Como veremos no Capí-tulo 9, o laser é uma cavidade ressonante para a luz na qual é produzida uma onda estacionária entre dois espelhos paralelos. A frequência da onda estacionária (que é igual à frequência da luz emitida) é proporcional à velocidade da luz no laser e inver-samente proporcional à distância entre os espelhos paralelos. Se a distância entre os espelhos paralelos dos dois lasers é a mesma, a diferença de frequência entre as ondas emitidas pelos dois lasers (ou seja, a frequência de “batimento”) depende apenas da diferença entre as velocidades da luz nos dois lasers. Se o sistema for girado de 360°, qualquer movimento da Terra em relação ao éter fará com que a frequência de batimento varie periodicamente, da mesma forma como se esperava que o espaçamento das fran-jas de interferência variasse com a rotação do interferômetro no experimento de Michelson-Morley. Nos vários experimentos realizados com lasers, não foi observada nenhuma variação na

frequência de batimento, dentro dos limites do erro experimen-tal. O mais recente desses experimentos10 estabeleceu um limite superior de 15 m/s para a velocidade da Terra em relação ao éter. Muitas alternativas foram sugeridas para explicar o resultado negativo do experimento de Michelson-Morley, como a existên-cia de uma camada estacionária de éter arrastada pela Terra (Figura 1-10) e a variação da velocidade da luz com o movi-mento relativo entre a fonte e o observador (Figura 1-11), mas nenhuma dessas hipóteses foi confirmada experimentalmente. Na verdade, todas as observações realizadas até o momento levam à conclusão de que a propagação da luz não é afetada pelo movimento da Terra.

Laser 1

Laser 2

Rotação

Detector de batimentos

1–2 Espelho semitransparente

L

v

L

d

c

Terra

Telescópio

Estrela

φ

v

L

FIGURA 1-9 Arranjo experimental de Jaseja et al. para a versão do expe-rimento de Michelson-Morley usando lasers.

FIGURA 1-10 Aberração estelar. A luz proveniente de uma estrela, pro-pagando-se em linha reta com velocidade c, penetra no tubo de com-primento L de um telescópio. Enquanto a luz atravessa o tubo, o teles-cópio se desloca de uma distância d = L sen = vt, considerando que v é a velocidade orbital da Terra, e t = (L cos )/c é o tempo que a luz leva para atravessar o tubo. Assim, = tan-1 (v/c) = 20,5 segundos de arco. Observações da estrela realizadas seis meses depois, quando o vetor velocidade da Terra tem o sentido oposto, exigem uma correção no alinhamento do telescópio de 20,5 segundos de arco no sentido oposto, ou seja, a variação em um ano na direção de alinhamento do telescópio para observar a estrela é de 41 segundos de arco. Esta obser-vação está em desacordo com a hipótese de que uma camada estacio-nária de éter é arrastada pela Terra, proposta para explicar o resultado negativo do experimento de Michelson-Morley.

Page 8: Leituras suplementares

O Experimento de Michelson-Morley 3

FIGURA 1-11 Variação do brilho de Algol, uma estrela binária na constelação de Perseu. (a) Uma das estrelas é cerca de três vezes mais brilhante que a outra. Quando a estrela mais brilhante é eclipsada pela companheira, a redução de intensidade é maior; quando a estrela eclipsada é a menos brilhante, a redução de intensidade é menor. As duas estrelas giram em torno do centro de gravidade do sistema uma vez a cada 69 horas, a uma veloci-dade de aproximadamente 250 km/s. (b) Em extremidades opos-tas da órbita de cada estrela, o vetor velocidade orbital v aponta na direção da Terra e na direção oposta. De acordo com a teoria clássica da luz, a velocidade da luz de cada uma das estrelas em pontos extremos da órbita deveria ser c + v e c – v, o que levaria à formação de imagens “fantasmas”, com uma das estrelas do par aparecendo simultaneamente em duas posições diferentes. O fato de que essas imagens não são observadas é considerado uma confirmação do segundo postulado de Einstein.

4

2

3

0

1

0 1 2

Tempo (dias)

c.m.

Para a Terra

v v

3

Bril

ho to

tal

(uni

dade

s ar

bitr

ária

s)

(a)

(b) A

B

Page 9: Leituras suplementares

4

CAPÍTULO 1 LEITURA SUPLEMENTAR 2

O Caso dos Gêmeos Identicamente Acelerados

É importante chamar a atenção para o fato de que a diferença de idade biológica entre os gêmeos do famoso paradoxo se deve à relatividade da simultaneidade e não a outra causa qualquer. S. P. Boughn21 propôs uma engenhosa variante do problema dos gêmeos que ajuda a refutar a ideia de que a rapidez com a qual um viajante envelhece depende das acelerações que ele experi-menta e chama atenção para a importância do sincronismo dos relógios em muitas previsões da relatividade restrita. Vamos descrever uma situação na qual os gêmeos são submetidos a acelerações iguais e, mesmo assim, um deles envelhece mais depressa.

Suponha que dois gêmeos, Décio e Jane, estão planejando uma viagem na qual serão acelerados do referencial inercial S, onde vivem, para um novo referencial inercial, S, que está se movendo com velocidade v em relação a S. Eles dispõem de espaçonaves iguais, contendo a mesma quantidade de combus-tível, que estão estacionadas no eixo x de S. A espaçonave de Jane se encontra x0 unidades de distância à direita da espaçonave de Décio (Figura 1-36a). Os gêmeos sincronizam os relógios com os de Papai e Mamãe, que permanecerão em S durante a viagem. No dia em que fazem 21 anos, os gêmeos se despedem dos pais, ligam os motores e aceleram para a direita ao longo do eixo x. Depois de consumir todo o combustível no mesmo intervalo de tempo, as duas espaçonaves atingem a mesma velo-cidade v (já que são iguais e transportavam a mesma quantidade de combustível) e passam a se mover com velocidade constante em S. Comparando os registros das duas espaçonaves, Décio e Jane chegam à conclusão de que sofreram a mesma aceleração, mas descobrem, perplexos, que Jane está mais velha que Décio! Além disso, a distância entre as espaçonaves aumentou durante a viagem (Figura 1-36b). Como isso é possível?

Para compreender o que aconteceu, considere dois eventos em S: a chegada dos gêmeos ao novo referencial. Suponha que ambos cheguem no dia do aniversário (lembre-se de que o tempo de aceleração foi o mesmo para as duas espaçonaves). De acordo com a transformação de Lorentz, o instante em que ocorrem esses eventos em S, o novo referencial dos gêmeos, é dado por

na qual v é a velocidade de S em relação a S e os índices D e J indicam que as coordenadas se referem a Décio e Jane, respec-tivamente. Os gêmeos observam que existe um intervalo de tempo entre seus aniversários (!) dado por

As coordenadas do segundo membro representam o ponto de vista de Papai e Mamãe, que permanecem em S; logo, tD – tJ = 0, xJ – xD = x0 e, portanto,

Assim, do ponto de vista dos gêmeos, o aniversário de Jane ocorreu em tj, ou seja, vx0/c2 unidades de tempo antes do ani-versário de Décio. Além disso, a distância entre as espaçonaves é dada por

A Figura 1-36c mostra as linhas do universo dos gêmeos e ilus-tra claramente os resultados que acabamos de calcular.

O fato de que um dos gêmeos envelheceu mais depressa que o outro, embora as acelerações tenham sido iguais, pode pare-cer paradoxal, mas é fácil de explicar. Como no caso de Homero e Ulisses, as situações dos gêmeos não são iguais. Se Jane come-çou a viagem x0 unidades à direita de Décio, embora os relógios dos irmãos estivessem sincronizados em S, havia uma diferença de vx0/c2 unidades de tempo entre os relógios em um referen-cial S dotado de uma velocidade v em relação a S. Quando os gêmeos chegam ao referencial S, esta é exatamente a diferença de tempo que observam. Mais uma vez, a explicação de um suposto paradoxo está na relatividade da simultaneidade.

Page 10: Leituras suplementares

O Caso dos Gêmeos Identicamente Acelerados 5

x

ct ct´

x´Chegadade Décio

a S

Chegada de Jane a S

Linha do universo de Décio

Linha do universo de Jane

(c)

(b)

(a)

x0 x0

x D́

x J́

t D́

t J́

x0

> x0

FIGURA 1-36 (a) Os gêmeos, ao iniciarem a viagem. (b) Os gêmeos, ao chegarem ao referencial S. (c) As linhas do uni-verso de Décio e Jane, traçadas no referencial inercial S, mos-tram que a chegada de Jane a S, no dia do seu aniversário, aconteceu no instante tj, anterior ao instante tD da chegada de Décio, o que a torna mais velha. O gráfico foi desenhado para = 0,75.

Page 11: Leituras suplementares

6

CAPÍTULO 2 LEITURA SUPLEMENTAR 1

O Periélio da Órbita de Mercúrio

Uma terceira previsão da teoria da relatividade geral de Einstein era a de que a precessão da órbita do planeta Mercúrio apresen-taria um excesso da ordem de 0,01° por século em relação aos resultados obtidos usando a teoria clássica. Como a discrepân-cia entre os resultados experimentais e os teóricos era bem conhecida na época de Einstein, a explicação dessa diferença constituiu um triunfo imediato para a nova teoria. De acordo com a mecânica newtoniana, as órbitas dos planetas deveriam ser elipses fechadas, com o Sol situado em um dos focos e os eixos apontando sempre para as mesmas direções do espaço. Na prática, porém, as atrações gravitacionais dos outros planetas fazem com que os eixos principais da elipse girem lentamente em torno do Sol (Figura 2-24). Na ausência de outros planetas, a teoria gravitacional de Newton prevê que a órbita seria uma elipse perfeita, com a distância r entre o Sol e o planeta sendo dada por

2-55

sendo rmin a distância do ponto de máxima aproximação, conhe-cido como periélio, e é a chamada excentricidade da órbita, definida como a razão entre a distância entre os focos e o com-primento do eixo maior (no caso de um círculo, = 0) e é a coordenada angular do planeta em relação ao eixo maior. A Tabela 2-2 mostra a excentricidade das órbitas de alguns planetas.

A rotação dos eixos principais da elipse é descrita em termos de uma mudança progressiva na direção de rmin na Figura 2-24 e conhecida como precessão do periélio. A lei da gravitação de Newton permite determinar a influência gravitacional dos outros planetas e, portanto, calcular o valor total da precessão do perié-lio para um dado planeta. Os resultados, porém, não estão de acordo com as observações experimentais. No caso de Mercú-rio, por exemplo, a precessão observada é de 9,55 minutos de

FIGURA 2-24 As órbitas dos planetas são elipses, com o Sol em um dos focos. A força gravitacional dos outros planetas faz com que os eixos das elipses girem lentamente em torno do Sol, com a reta que liga o Sol à posição do periélio se deslocando de um ângulo ∆ a cada revo-lução. Este deslocamento é conhecido como precessão do periélio. No caso do planeta Mercúrio, ∆ = 9,55 minutos de arco por século.

Planeta

r

φ∆φ

Sol Periélio

rmin

Tabela 2-2 Precessão da órbita de alguns planetasn (segundos de arco/século)

Planetan (órbitas

por século) rmin (UA)* Relatividade geral Observado

Mercúrio 415,2 0,206 0,307 43,0 43,1 0,5

Vênus 162,5 0,0068 0,717 8,6 8,4 4,8

Terra 100,0 0,017 0,981 3,8 5,0 1,2

Ícaro† 89,3 0,827 0,186 10,0 9,8 0,8

*Unidade astronômica (UA) = distância média Terra-Sol = 1,50 1011 m.† Ícaro é um dos milhares de asteroides que existem no Sistema Solar. Foi incluído na tabela porque o periélio de sua órbita é menor que o da órbita de Mercúrio.

Page 12: Leituras suplementares

O Periélio da Órbita de Mercúrio 7

arco por século, enquanto a precessão prevista é de apenas 8,85 minutos de arco por século.21 Existe, portanto, uma diferença sem explicação de cerca de 0,7 minuto (42 segundos) de arco por século. (O valor exato da discrepância experimental é de 43,1 segundos de arco por século. Veja a Tabela 2-2.)

A existência da discrepância era conhecida na época em que Einstein formulou a teoria da relatividade geral; ele concluiu o primeiro artigo que publicou sobre o assunto explicando a ori-gem da discrepância e mostrando que sua teoria permitia calcu-lar o valor correto da precessão.22 De acordo com a teoria da relatividade geral, o ângulo que aparece na Equação 2-49 deve ser substituído por um ângulo ∆:

2-56

sendo que o valor de ∆, a correção relativística da precessão, é dado por

2-57

em que G é a constante gravitacional, M é a massa do Sol e R é o semieixo maior da órbita.

Como era de se esperar, a órbita do planeta Mercúrio, que possui o menor valor de R e a maior excentricidade, é também aquela para a qual a correção relativística é maior. Substituindo os parâmetros da Equação 2-51 por valores apropriados, obte-mos ∆ = 43,0 segundos de arco por século, em concordância quase perfeita com os resultados experimentais. (A Tabela 2-2 mostra também os resultados para outros planetas.) Einstein ficou tão satisfeito com suas conclusões que escreveu em uma carta endereçada a Arnold Sommerfeld:

O maravilhoso de tudo é que não só ela [a teoria da relatividade geral] permite chegar à teoria de Newton, em primeira aproxi-mação, mas também ao movimento do periélio de Mercúrio, em segunda aproximação.

Page 13: Leituras suplementares

8

CAPÍTULO 2 LEITURA SUPLEMENTAR 2

O Retardo da Luz em um Campo Gravitacional

Einstein foi levado a formular a teoria da relatividade geral por-que a teoria da gravitação de Newton era incompatível com a teoria da relatividade restrita. A teoria da relatividade geral resol-veu esse problema, além de remover algumas dificuldades con-ceituais associadas à teoria de Newton. Entre essas dificuldades estavam a exclusão das partículas de massa zero da teoria clás-sica e o fato de que a força gravitacional clássica era uma ação à distância (isto é, sem contato entre as massas envolvidas) e transmitida instantaneamente (isto é, com velocidade infinita), em conflito com o princípio estabelecido pela teoria da relativi-dade restrita de que a velocidade da luz constituía um limite absoluto para a transmissão de sinais. Na teoria da relatividade geral, esta última dificuldade é contornada usando o princípio de equivalência para substituir o campo gravitacional em todos os pontos do espaço por referenciais acelerados. Em cada um desses referenciais locais, a teoria da relatividade restrita pode ser aplicada, juntamente com o primeiro postulado de Einstein, o princípio da relatividade. O resultado de tudo isso, que envolve um tratamento matemático extremamente complexo, é produzir um intervalo no espaço-tempo modificado ds (Equação 2-43) que usamos anteriormente em duas dimensões:

2-58

Esta expressão liga a gravidade, representada pelo termo (1 2GM/c2r2), às coordenadas geométricas do espaço-tempo. Observe que, se M = 0, a expressão para (ds)2 se reduz à forma já conhecida da relatividade restrita, mas, se M 0, o valor do intervalo passa a depender da massa. Qualitativamente, se asso-ciarmos ds a um gradiente, (ds)2 pode ser considerado como o equivalente à curvatura do espaço-tempo. Assim, chegamos à ideia de que a presença de massa em uma dada região do espaço altera a curvatura do espaço-tempo nessa região.

Esta breve discussão qualitativa não faz justiça a um assunto tão importante e complexo, mas nos permite propor uma ana-

logia bidimensional para o efeito da massa sobre a curvatura do espaço-tempo. Ilustrando o chamado “modelo da membrana de borracha”, a Figura 2-25a mostra as trajetórias de um raio lumi-noso A e uma partícula com uma (pequena) massa de repouso B que estão atravessando uma região do espaço-tempo bidimen-sional na qual não existem grandes massas. A linha do universo do raio luminoso é a linha reta correspondente a uma velocidade c e ds = 0; na ausência de forças externas, a linha do universo da partícula também é uma linha reta, mas com uma velocidade menor que c e ds 0. Na Figura 2-25b, a presença de uma

FIGURA 2-25 Espaço-tempo bidimensional na ausência de massa (a) e na presença de uma massa M (b), de acordo com o modelo da mem-brana de borracha. A e B são as linhas do universo de um raio luminoso e de uma partícula com massa de repouso diferente de zero. Os pontos T e V indicam as posições da Terra e de Vênus no momento em que Shapiro realizou uma de suas medições.

A

B

(a)

(b)

V

T

M

Page 14: Leituras suplementares

O Retardo da Luz em um Campo Gravitacional 9

grande massa M distorce o espaço-tempo. A luz e a partícula agora se movem ao longo das trajetórias A e B. A trajetória da partícula revela a “atração gravitacional” da massa M, mas não como uma misteriosa ação à distância. Na verdade, a partícula continua a se mover ao longo da trajetória mais curta (a cha-mada geodésica) do espaço-tempo distorcido. O raio luminoso faz exatamente a mesma coisa!

Assim, a linha do universo da luz deixa de ser uma reta, o que faz com que a luz sofra um retardo do ponto de vista de observadores distantes. Suponha, por exemplo, que a massa M da Figura 2-25b seja o Sol e que T e V sejam, respectivamente, a Terra e Vênus. Quando os dois planetas se encontram em posi-ções diametralmente opostas em relação ao Sol (o que os astrô-nomos chamam de conjunção superior), a trajetória que a luz tem que percorrer para ir de um planeta ao outro é ligeiramente mais longa que o “caminho direto”, isto é, o caminho que a luz percorreria se uma massa M não estivesse presente para distor-cer o espaço-tempo. A distância entre os planetas nessa situação pode ser calculada com grande precisão a partir das órbitas; assim, não é difícil calcular o tempo necessário para a luz viajar de um planeta para o outro. Nas circunstâncias, a luz levaria cerca de 20 minutos para fazer uma viagem de ida e volta entre Vênus e a Terra. Como a linha do universo para a luz é ligeira-mente mais comprida na presença do Sol, a luz parece se pro-pagar mais lentamente que o normal. Assim, se a teoria da rela-tividade geral estiver correta, a luz levará um pouco mais de 20 minutos para fazer o percurso. A diferença será maior se a luz passar muito perto do Sol, isto é, se atravessar uma região na qual o espaço-tempo está muito distorcido.

Em 1971, I. I. Shapiro e colaboradores23 anunciaram os resul-tados de uma série de experimentos nos quais sinais de radar foram refletidos pelas superfícies de Mercúrio, Vênus e Marte quando o Sol se encontrava entre a Terra e esses planetas. A Figura 2-26 mostra um gráfico do retardo dos sinais refletidos por Vênus em

FIGURA 2-26 Retardo dos sinais de radar refletidos por Vênus em fun-ção da data da observação. O retardo máximo, que ocorre quando a reta que liga a Terra e Vênus tangencia a superfície do Sol, é de 200 s. A curva mostra as previsões teóricas, de acordo com a teoria da relatividade geral. [Fonte: I. I. Shapiro et al., Physical Review Letters, 26, 1132 (1971).]

–300 –200 –100 0 100 200 300

Tempo (dias)

Ret

ardo

(�

s)

40

80

120

160

200

0

Conjunção superior 25 de janeiro de 1970

função do dia da observação. A curva representa a previsão da teo-ria da relatividade geral. A concordância entre os dados teóricos e experimentais é evidente, mas o experimento se torna ainda mais notável quando nos damos conta de que a incerteza nos dados, que é de 20 s, exige que as posições relativas dos planetas sejam conhecidas com uma precisão de alguns quilômetros.

Page 15: Leituras suplementares

10

CAPÍTULO 3 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Demonstração da Equação de Compton

Sejam 1 e 2 os comprimentos de onda dos raios X incidente e espalhado, respectivamente (Figura 3-18). Os momentos cor-respondentes são

e

em que foi usada a relação c = f. Como Compton usou a linha K do molibdênio ( = 0,0711 nm; veja a Figura 3-15b), a ener-gia do raio X incidente (17,4 keV) é muito maior que a energia de ligação dos elétrons de valência do alvo de grafita (11 eV, aproximadamente) e, portanto, os elétrons espalhados podem ser considerados praticamente livres.

De acordo com a lei de conservação do momento, temos:

ou

3-26

considerando que pe é o momento do elétron depois da colisão e é o ângulo de espalhamento do fóton, medido como na Figura 3-18. A energia do elétron antes da colisão é simplesmente a energia de repouso E0 = mc2 (veja o Capítulo 2). Depois da coli-são, a energia do elétron passa a ser (E2

0 p2e c2).

De acordo com a lei de conservação da energia, temos:

Passando o termo p2c para o primeiro membro e elevando ambos os membros ao quadrado, obtemos:

ou

3-27

Combinando as Equações 3-26 e 3-27 para eliminar o termo p2

e , obtemos:

Multiplicando ambos os membros por hc/p1p2E0 e usando a relação = h/p, obtemos a equação de Compton:

ou

3-25

FIGURA 3-18 O espalhamento de raios X pode ser considerado como a colisão de um fóton de momento h/1 com um elétron livre. Usando as leis de conservação do momento e da energia, é possível expressar a diferença entre os comprimentos de onda do fóton incidente e do fóton espalhado em função da massa do elétron e do ângulo de espa-lhamento (Equação 3-25).

E1 = hf1

E2 = hf2

p1 = h/λ1

p2 = h /λ2

φ

θ

mpe = E2 – E0

21––c

Page 16: Leituras suplementares

11

CAPÍTULO 4 LEITURA SUPLEMENTAR 1

A Previsão de Rutherford e os Resultados de Geiger e Marsden

Depois dos resultados animadores descritos no Exemplo 4-2, Geiger e Marsden iniciaram uma série de experimentos nos quais mediram:

1. O número de partículas por unidade de área para os quais o ângulo de espalhamento estava compreendido entre e d.

2. A variação do número de partículas com a espessura da folha de metal.

3. A variação do número de partículas com a massa atômica dos elétrons do alvo.

4. A variação do número de partículas espalhadas com a velo-cidade v das partículas antes do espalhamento, que ajustavam colocando folhas de um material absorvente entre o feixe e o alvo.5

O número N de partículas cujo ângulo de espalhamento está entre e d é igual ao número de partículas incidentes cujo parâmetro de impacto está entre b e b + db (Figura 4-10). Esse número, por sua vez, é igual ao produto da intensidade do feixe incidente, I0, pela área 2bdb que aparece na Figura 4-10. Para determinar a área, começamos por diferenciar a Equação 4-3, obtendo:

4-7

Ignorando o sinal negativo (já que estamos interessados apenas no valor absoluto da área), multiplicando a Equação 4-7 por 2bI0 e usando uma identidade trigonométrica (veja o Problema 4-48), obtemos:

4-8

na qual fizemos q = 2e para a partícula e Q = Ze para o núcleo do alvo, que contém Z cargas positivas. As N partículas cujo ângulo de espalhamento está entre e d passam por uma zona esférica de raio r e centro no átomo responsável pelo espa-lhamento (Figura 4-11). A área dessa zona é Az = (2rsen)(rd). Assim, o número de partículas espalhadas por núcleo e por unidade de área com ângulo de espalhamento entre e d é dado por6

4-9

FIGURA 4-10 O número de partículas com parâmetro de impacto entre b e b + db é proporcional à área 2bdb. Para essas partí-culas, o ângulo de espalhamento está entre e d.

Núcleo da folha

Área 2πb db

dθθb

db

Page 17: Leituras suplementares

12 Leitura Suplementar 4

De acordo com o modelo nuclear de Rutherford, portanto, o número de partículas por núcleo observadas na tela de um cintilômetro de área Az (veja a Figura 4-11) é dado por

4-10

Como o número de núcleos por unidade de área da folha de metal é igual a nt, o cintilômetro deve observar um número total ∆N = nt∆N1 de partículas com ângulo de espalhamento entre e d. Assim, temos:

4-6

para qual Ek = mv2/2 é a energia cinética das partículas antes do espalhamento.

A Equação 4-6 pode ser usada para calcular teoricamente o número ∆N de partículas que serão observadas na tela do cinti-lômetro de acordo com o modelo nuclear de Rutherford. Observe que, segundo a Equação 4-6, ∆N é proporcional a sen4(/2), a Z2, a t e a E

k2. A Figura 4-12 mostra os resultados obtidos por Geiger

e Marsden para o número de partículas espalhadas por unidade de área em função de (Equação 4-9). A energia cinética Ek das partículas antes do espalhamento era 7,7 MeV. Também foi examinada a variação de ∆N com outros parâmetros. No final do artigo The Laws of Deflection of Particles through Large Angles,7 Geiger e Marsden resumem da seguinte forma os resul-tados das observações:Os experimentos descritos neste trabalho foram executados para testar uma teoria do átomo proposta pelo Prof. Rutherford, baseada no fato de que existe no centro dos átomos uma carga elétrica intensa, altamente concentrada. A verificação se baseia nas leis de espalhamento que foram deduzidas dessa teoria. As seguintes rela-ções foram verificadas experimentalmente (o negrito é nosso):

1. O número de partículas que emergem de uma folha de metal fazendo um ângulo com o feixe original varia como 1/sen4(/2) quando as partículas são contadas em uma área definida a uma distância constante da folha. Esta relação foi testada para ângulos entre 5o e 150o; nessa faixa, o número de partículas variou entre 1 e 250.000, em boa concordância com a teoria.

2. O número de partículas espalhadas em uma dada dire-ção é diretamente proporcional à espessura da folha de metal para pequenas espessuras. Para grandes espessuras, a redução de velocidade das partículas no interior da folha faz com que o número de partículas aumente um pouco mais rapidamente com a espessura.

3. O espalhamento por átomo para folhas de diferentes mate-riais varia aproximadamente com o quadrado do peso atômico. Esta relação foi testada para folhas com átomos de pesos atômicos entre o do carbono e o do ouro.8

4. O número de partículas espalhadas por uma mesma folha de metal é aproximadamente proporcional ao inverso da quarta potência da velocidade das partículas inciden-tes [ou seja, a E

k2]. Esta relação foi testada para um intervalo

de velocidades tal que o número de partículas espalhadas variou de 10 vezes.

A excelente concordância, em uma faixa de quatro ordens de grandeza, entre os valores de ∆N medidos por Geiger e Mars-den e os valores teóricos está ilustrada na Figura 4-9a, que mos-tra os resultados obtidos com folhas de ouro e de prata. Como se pode ver, os pontos experimentais obedecem de perto à varia-ção linear com sen4(/2) prevista pela teoria. A Figura 4-9b mostra os resultados obtidos com folhas de diferentes espessu-ras. Os dados experimentais mostram que ∆N varia linearmente com a espessura, como prevê a teoria, para os quatro materiais investigados. A variação de ∆N com Ek também está de acordo com as previsões teóricas. Todas essas observações servem para mostrar que a equação F = kqQ/r2 usada para chegar às Equa-ções 4-6 e 4-9 está correta e que o modelo nuclear de Ruther-ford está de acordo com os resultados experimentais.

Folha

Cintilômetro

r sen θ

r

r

dθθ

r dθ

FIGURA 4-11 As partículas com ângulo de espalhamento entre e d passam por uma zona esférica de raio r e centro no átomo respon-sável pelo espalhamento. A área dessa zona é Az = (2rsen)(rd). O cintilômetro está situado a uma distância r da folha e ocupa uma fra-ção fci dessa área igual à razão (área do cintilômetro)/(área da superfí-cie) = Aci/Asup = fci e, portanto, detecta um número de partículas ∆N1 = (N/Asup)(Aci) = Ncifci devido ao espalhamento de um núcleo.

10

30°

60°

90°

120°

150°

180°

N/A

sup

θ

10

102

103

104

105

106

1

FIGURA 4-12 Número de partículas espalhadas por unidade de área em função do ângulo de espalhamento . A curva é proporcional à fun-ção sen4(/2). Os pontos experimentais foram obtidos por Geiger e Marsden usando partículas de 7,7 MeV. [Fonte: R.D. Evans, The Atomic Nucleus, New York, McGraw-Hill, 1955.]

Page 18: Leituras suplementares

13

CAPÍTULO 4 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Crítica da Teoria de Bohr e da “Velha” Mecânica Quântica

Como vimos neste capítulo e no anterior, muitos fenômenos (a radiação de corpo negro, o efeito fotelétrico, o efeito Compton, o espectro ótico do hidrogênio, os espectros de raios X de muitos elementos) podem ser “explicados” por várias hipóteses de quan-tização. Essas “teorias”, uma estranha mistura de ideias clássicas e quânticas, são conhecidas pelo nome genérico de “velha” mecâ-nica quântica. Aplicar esta mecânica quântica a um problema específico nos primeiros anos do século XX era uma mistura de arte e ciência, pois ninguém conhecia exatamente as regras. Os sucessos da teoria de Bohr, porém, foram inegáveis e espetacu-lares. Várias linhas espectrais desconhecidas foram previstas e, mais tarde, observadas. Não só a constante de Rydberg foi expressa em termos de constantes conhecidas, mas a pequena variação no valor da constante de elemento para elemento foi explicada pela pequena variação da massa reduzida. O raio da primeira órbita de Bohr do hidrogênio, 0,0529 nm, era compatível com o diâmetro conhecido da molécula de hidrogênio, 0,22 nm. Os comprimen-tos de onda dos espectros característicos de raios X podiam ser calculados a partir da teoria de Bohr.

Os fracassos da teoria de Bohr e da velha mecânica quântica foram mais de omissão. Apesar de prever corretamente as tran-sições do espectro do hidrogênio, a teoria não permitia calcular as probabilidades dessas transições, isto é, a teoria era incapaz de prever as intensidades relativas das linhas do espectro. A teo-ria também não podia ser aplicada aos espectros óticos de áto-

mos com mais de um elétron. Finalmente, havia um sério pro-blema filosófico associado ao fato de que as premissas básicas da teoria não tinham uma justificativa lógica. Por que, por exem-plo, os elétrons dos átomos, embora possuíssem uma aceleração centrípeta, não irradiavam energia, como exigia a teoria eletro-magnética clássica, cuja validade tinha sido exaustivamente tes-tada? Por que as moléculas das paredes de um corpo negro só podiam oscilar com certas frequências? Não havia razão para esperar que a lei de Coulomb continuasse a ser válida e as leis de radiação tivessem que ser revistas, ou que as leis de Newton pudessem ser empregadas, mas apenas certos valores de momento angular fossem permitidos. Durante a década de 1920, os cien-tistas procuraram sanar esses problemas e uma teoria sistemá-tica, hoje conhecida como mecânica quântica ou mecânica ondu-latória, foi formulada por de Broglie, Schrödinger, Heisenberg, Pauli, Dirac e outros. Vamos estudar alguns aspectos dessa teo-ria nos próximos dois capítulos e aplicá-la ao estudo de átomos, núcleos e sólidos nos capítulos restantes do livro. Como vamos ver, embora seja muito mais satisfatória do ponto de vista filo-sófico, esta teoria é algo abstrata e às vezes difícil de aplicar à solução de problemas. Apesar das limitações, a teoria de Bohr resulta em um modelo que é fácil de visualizar, permite calcular os níveis de energia corretos para o hidrogênio e constitui mui-tas vezes a maneira mais simples de descrever os cálculos da mecânica quântica.

Page 19: Leituras suplementares

14

CAPÍTULO 5 LEITURA SUPLEMENTAR 1

O Experimento de Duas Fendas

O significado do dualismo onda-partícula pode ser ilustrado atra-vés de uma discussão do experimento de duas fendas, seguindo uma linha de raciocínio proposta por R. P. Feynman.13 Vamos considerar o caso em que o experimento é realizado com elétrons, mas o resultado seria o mesmo se as partículas fossem fótons. A Figura 5-21a mostra o arranjo experimental. (Trata-se de mais um experimento imaginário; não tente reproduzi-lo em casa!) Todos os elétrons saem da fonte com a mesma energia e, por-tanto, com o mesmo comprimento de onda . O detector de elé-trons pode ser movimentado verticalmente ao longo da parede para que o número de elétrons que chegam ao detector seja regis-trado em função do ângulo , o que permite medir o número de elétrons por minuto (ou seja, a taxa de contagem do detector) em cada ponto da parede. Durante a execução do experimento, duas coisas se tornam evidentes. Em primeiro lugar, ou o detec-tor revela a chegada de um elétron ou permanece sem ser acio-nado; em outras palavras, não é observado nenhum “meio elé-tron” ou “elétron parcial”. Em segundo lugar, a taxa de contagem do detector varia de acordo com a posição ao longo da parede, ou seja, a probabilidade de que o detector acuse a presença de um elétron é função do ângulo . O resultado do experimento é a curva P12 da Figura 5-21b, que mostra o número de elétrons detectados por minuto em função da posição do detector.

Vamos agora analisar a curva da Figura 5-21b para ver se conseguimos compreender o comportamento dos elétrons. Como

o detector revela a presença apenas de partículas completas, é natural imaginar que, para chegar ao detector, cada elétron obser-vado tenha passado pela fenda 1 ou pela fenda 2. Assim, todos os elétrons que chegam à parede passaram por uma das duas fendas e, portanto, a curva observada, P12, deve ser a soma dos efeitos dos elétrons que passaram pela fenda 1 com os efeitos dos elétrons que passaram pela fenda 2. Podemos verificar se este raciocínio está correto bloqueando a fenda 2 e repetindo o experimento apenas com a fenda 1 aberta. O resultado é a curva P1 da Figura 5-21c. Quando repetimos o experimento com a fenda 1 bloqueada e a fenda 2 aberta, o resultado é a curva P2 da Figura 5-21c. Observe que, ao contrário das expectativas, a curva P12 não é igual à soma das curvas P1 e P2, ou seja, P12 P1 P2.

Em analogia com nossa experiência com outros tipos de onda, como as ondas luminosas, por exemplo, atribuímos este resultado aos efeitos da interferência. P12 é a figura de interferência formada pelas ondas de matéria associadas aos elétrons. A curva passa por um máximo em = 0o e a posição do primeiro mínimo é dada por d sen = /2, na qual d é a distância entre as fendas. Se /d << 1, como é comum neste tipo de experimento, a posição do pri-meiro mínimo é dada aproximadamente por = /2d. Como pode-mos calcular os efeitos da interferência? Basta procedermos como no caso das ondas clássicas, em que somamos as amplitudes das ondas, levando em conta as fases relativas, e elevamos o resultado

FIGURA 5-21 (a) Arranjo experimental para produzir uma figura de interferência no experimento de duas fendas com elétrons. O detector pode ser deslocado ao longo da parede. (b) Taxa de contagem do detector, P12, com as duas fendas abertas. (c) Taxas de contagem P1 e P2 apenas com a fenda 1 aberta e apenas com a fenda 2 aberta.

Canhão de elétrons

Detector

θ

Fendas Parede

1

2

x x

P12 P1

P2

(a) (c)(b)

Page 20: Leituras suplementares

O Experimento de Duas Fendas 15

ao quadrado para calcular a intensidade da onda resultante. Assim, se as funções de onda do elétron são 1 para os elétrons que pas-sam pela fenda 1 e 2 para os elétrons que passam pela fenda 2, as intensidades para as três funções que aparecem nas Figuras 5-21b e 5-21c são as seguintes:

5-29

Isso significa que os elétrons são detectados como partículas, mas se propagam como ondas. Em outras palavras, os elétrons se comportam como partículas apenas quando são observados! É isso que significa o dualismo onda-partícula. Este resultado é conhecido como princípio de complementaridade de Bohr: Os aspectos corpuscular e ondulatório são complementares. Ambos são necessários, mas não podem ser observados simul-taneamente. Dependendo do arranjo experimental, podemos observar um ou outro aspecto, mas não os dois ao mesmo tempo. Existem muitas sutilezas associadas ao fato de que a natureza funciona desta forma, como a que será discutida a seguir.

Suponha que uma fonte luminosa tenha sido instalada entre as fendas e a parede, como na Figura 5-22a. Como as partículas carregadas espalham a luz, um elétron que passe pela fenda 2 e chegue ao detector percorrendo a trajetória indicada por uma linha tracejada produzirá um clarão no ponto A, ou seja, nas vizinhanças da fenda 2. Do mesmo modo, um elétron que passe pela fenda 1 produzirá um clarão nas vizinhanças da fenda 1. Quando realizamos o experimento, eis o que acontece: sempre que o detector registra a chegada de um elétron, observamos um clarão das proximidades da fenda 1 ou nas proximidades da fenda 2, mas nunca das proximidades das duas fendas ao mesmo tempo; em outras palavras, os elétrons não passam parcialmente pela fenda 1 e parcialmente pela fenda 2. Em outras palavras, quando “observamos” o elétron (isto é, quando fazemos incidir sobre ele um feixe luminoso), podemos determinar qual foi a sua trajetória. Como este fato parece não estar de acordo com as conclusões anteriores, vamos examinar a situação mais de perto.

Se fizermos um gráfico do número de elétrons que chegaram ao detector passando pela fenda 1 em função da posição do detec-tor, obteremos a curva P1 da Figura 5-22c; se fizermos um gráfico do número de elétrons que chegaram ao detector passando pela fenda 2, obteremos a curva P2. Essas curvas são iguais às curvas P1 e P2 da Figura 5-21c, que foram feitas com uma das fendas fechada e correspondem exatamente ao que esperamos. Entre-tanto, quando fazemos um gráfico do número total de elétrons que chegam ao detector em função da posição do detector, obte-mos a curva P12 da Figura 5-22b, que é simplesmente a soma de P1 e P2; a figura de interferência simplesmente desapareceu! Ao “observarmos” os elétrons no momento em que estão passando pelas fendas, alteramos as trajetórias. Assim, por exemplo, um elétron que poderia ter contribuído para um máximo da curva P12 pode ser desviado na direção de um mínimo de P12. Em outras palavras, foi a observação dos elétrons que fez desaparecer a figura de interferência. Em termos mais técnicos, o fato de havermos determinado que um elétron passou por uma das fendas significa que localizamos a posição do elétron com uma precisão x d/2, considerando que d é a distância entre as fendas. De acordo com o princípio de indeterminação, devemos ter

Assim, se um elétron estava se dirigindo originalmente para o máximo de interferência de P12 em = 0o com um momento p = /h, a interação com a luz o faz sofrer um desvio cuja inde-terminação angular é dada por

O valor acima corresponde aproximadamente à distância entre o máximo central e o primeiro mínimo da figura de difração. Assim, a simples observação do elétron é suficiente para fazer desaparecer a figura de interferência.

FIGURA 5-22 (a) Uma fonte luminosa é usada para determinar por qual das fendas o elétron passou. (b) Taxa de contagem P12 com as duas fen-das abertas e a fonte luminosa ligada. (c) Taxas de contagem P1 e P2 para os elétrons que passaram pelas fendas 1 e 2, respectivamente.

Canhão de elétrons

Detector

Fendas Parede

1Fonte luminosa

2

x x

P 1́2 P 1́

P 2́

(a) (c)(b)

A

Page 21: Leituras suplementares

16

CAPÍTULO 6 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Solução Gráfica do Poço Quadrado Finito

Nesta Leitura Suplementar, é apresentada uma discussão mais detalhada da aplicação da equação de Schrödinger a um poço de potencial quadrado unidimensional finito, um problema fisi-camente mais realista que o poço infinito cuja solução será útil para futuras discussões. Vamos primeiro deslocar os eixos V(x) e x de modo a tornar o potencial simétrico em relação ao ponto x = 0, com as paredes em a, como na Figura 6-8b. O objetivo é facilitar os cálculos. Como nos casos anteriores, estamos inte-ressados em soluções para 0 < E < V0.

A Equação 6-33 é a equação de Schrödinger para a > x > +a com V(x) = V0; a solução geral é

6-36

na qual B1 e B2 são constantes. A condição de que (x) → 0 para x → nos dá B2 = 0 para x < a. Da mesma forma, B1 = 0 para x > a e, portanto,

6-37a

6-37b

A Equação 6-26 é a equação de Schrödinger para a > x > a com V(x) = 0; a solução geral, como vimos, é

6-38

em que A1 e A2 são constantes. Ao contrário do que acontece no caso do poço quadrado infinito, porém, não podemos eliminar a função seno ou a função cosseno exigindo que a função seja nula nas fronteiras do poço, já que a profundidade do poço não é infinita. Entretanto, como as duas funções senoidais possuem simetrias diferentes (o cosseno é par e o seno é ímpar), pode-mos estudá-las separadamente quando o potencial é definido de forma simétrica, como na Figura 6-8b.

As Equações 6-37 e 6-38 são funções contínuas e as deriva-das primeiras também são contínuas; assim, as funções comple-tas (x) e (x) para o poço quadrado finito também são contí-nuas, o que é suficiente para que sejam funções de onda aceitáveis, contanto que também sejam contínuas em x = a e x = a.

Como podemos assegurar a continuidade da função de onda nesses dois pontos? Vamos considerar primeiro a solução par, (x) = A2 cos kx.

Em x = a,

6-39a

6-39b

Em x = a,

6-40a

6-40b

Observamos imediatamente que B1 = B2, o que também podería-mos ter concluído a partir da simetria do potencial. Combinando as Equações 6-39 e 6-40, obtemos:

ou

6-41

Substituindo k e na equação acima por seus valores, dados pelas Equações 6-27 e 6-34, obtemos:

6-42

No caso das soluções ímpares, (x) = A1 sen kx, um raciocínio semelhante leva à condição

6-43

Page 22: Leituras suplementares

Solução Gráfica do Poço Quadrado Finito 17

Embora muito trabalhosa do ponto de vista matemático, a solu-ção destas equações transcendentais pode ser obtida grafica-mente com relativa facilidade. As soluções são os pontos nos quais os gráficos de tan ka e cot ka têm valores em comum com /k. A solução gráfica aparece na Figura 6-15. O primeiro passo consiste em traçar os gráficos de tan ka e cot ka em fun-ção de ka. Esses gráficos, naturalmente, são a curva de tan em função de e o negativo da curva da cot em função de que estudamos nos cursos de trigonometria. O “ângulo” ka depende tanto da energia E da partícula quanto da largura 2a do poço. O segundo passo consiste em traçar a curva de /k em função da ka. O ponto no qual a curva de /k intercepta o eixo ka é o ponto E = V0, que corresponde à altura do poço. Vale a pena chamar a atenção para algumas propriedades das soluções do poço qua-drado finito:

1. Quando aumentamos gradualmente a profundidade do poço, ou seja, quando deslocamos para a direita o ponto da Figura

FIGURA 6-15 Soluções gráficas das Equações 6-41 e 6-43. A figura mostra duas curvas diferentes de /k, que correspondem a diferentes valores de V0. O valor de V0 em cada caso é dado pelo valor de ka para o qual /k = 0, indicado pelas setas. Na curva de cima, por exemplo, /k = 0 para ka = (2mV0)1/2a/ = 2,75. Os valores permitidos de E são dados pelos valores de ka nas interseções das curvas de /k com as curvas de tan ka e cot ka.

0

1

2

3

4

–cot ka

α /k

ka

tan ka

tan kaα /k

–cot ka

n = 6

n = 5n = 4

n = 3

n = 2

π 2π 3ππ /2 3π /2 5π/2

6-15 em que /k = 0, uma nova solução e uma nova energia permitida aparecem toda vez que o ponto em que /k = 0 passa por um múltiplo inteiro de /2.

2. Quando reduzimos gradualmente a profundidade do poço, ou seja, quando deslocamos para a esquerda o ponto da Figura 6-15 em que /k = 0, uma solução e uma energia permitida desaparecem toda vez que o ponto em que /k = 0 passa por um múltiplo inteiro de /2. Entretanto, por menor que seja a profundidade do poço, existe sempre pelo menos uma ener-gia permitida, contanto que V0 > 0.

Obter os valores das constantes nas expressões gerais de (x) não é particularmente útil para nossos propósitos, pois já conhe-cemos a forma geral das funções de onda do poço quadrado finito. (Veja a Figura 6-12, lembrando que, nesse caso, L = 2.) Usando o método gráfico que acabamos de descrever, é possível construir o diagrama de níveis de energia de um poço quadrado finito.

Page 23: Leituras suplementares

18

CAPÍTULO 6 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Transições entre Estados Quânticos

Como vimos, a equação de Schrödinger leva à quantização da energia em sistemas ligados. A existência de níveis quantizados de energia é demonstrada experimentalmente através da obser-vação da energia emitida ou absorvida quando o sistema sofre uma transição de um nível para outro. Nesta Leitura Suplemen-tar, vamos examinar alguns aspectos dessas transições em um sistema unidimensional; os resultados podem ser aplicados facil-mente a sistemas mais complicados.

Na física clássica, uma partícula carregada emite radiação sempre que é acelerada. Se a carga está oscilando, a frequência da radiação emitida é igual à frequência de oscilação. Uma dis-tribuição estacionária de carga não emite radiação.

Considere uma partícula de carga q em um estado quântico n descrito pela função de onda

na qual En é a energia e n(x) é uma solução da equação de Schrödinger independente do tempo para uma certa energia poten-cial V(x). A probabilidade de que a partícula seja encontrada no intervalo entre x e x + dx é *

nndx. Se fizermos muitas medições em sistemas iguais (isto é, em partículas com a mesma função de onda), a carga média encontrada no mesmo intervalo será dada por q*

nndx. Assim, a grandeza q*nn representa uma densi-

dade de carga . Como já observamos, quando a função de onda está associada a uma única energia, a densidade de probabilidade é independente do tempo; isso significa que a densidade de carga nesse caso também é independente do tempo:12

É razoável, portanto, que esta distribuição estacionária de carga não emita radiação. (Este argumento, no caso do átomo de hidro-gênio, é usado para explicar o primeiro postulado de Bohr.) Por outro lado, observamos que os sistemas sofrem transições de um nível de energia para outro e que as transições são acompa-nhadas por emissão ou absorção de radiação. A causa das tran-sições é a interação do campo eletromagnético com uma partí-cula carregada. Para calcular as probabilidades de emissão e

absorção, é necessário um tratamento detalhado dessa interação. A solução completa é complexa demais para ser analisada neste livro; entretanto, podemos aprender muita coisa com um trata-mento semiclássico, como o que é apresentado a seguir.

Vamos escrever a função de onda de uma partícula que está sofrendo uma transição do estado n para o estado m como uma mistura das funções de onda dos estados n e m:

6-52a

Não precisamos nos preocupar com os números a e b; queremos apenas mostrar que, se a e b forem diferentes de zero, a densi-dade de probabilidade e a densidade de carga oscilarão com uma frequência angular nm dada pela relação de Bohr hf = nm = En Em, ou seja,

6-52b

Para simplificar a notação, vamos supor que as funções inde-pendentes do tempo n(x) e m(x) são reais. A densidade de pro-babilidade associada à função de onda nm(x,t) é dada por

6-52c

Os dois primeiros termos são independentes do tempo. O ter-ceiro termo da Equação 6-52c contém os produtos

e

onde nm é a frequência angular de Bohr, dada pela Equação 6-52b. Somando esses termos e usando a identidade

Page 24: Leituras suplementares

Transições entre Estados Quânticos 19

vemos que a densidade de probabilidade depende do tempo e é dada por

6-52d

Assim, a função de onda formada por uma mistura de funções de onda correspondentes a dois estados puros leva a uma distri-buição de carga que oscila com a frequência de Bohr.

Podemos descrever a radiação de um sistema da seguinte forma: Em um certo instante, um sistema se encontra em um estado excitado n descrito pela Equação 6-52a com a = 1 e b = 0. Por causa da interação do sistema com o campo eletromag-nético (que não foi incluído na equação de Schrödinger), a dimi-nui e b deixa de ser nulo. Nesse momento, a densidade de carga começa a oscilar com frequência angular nm. Entretanto, o sis-tema não irradia energia continuamente, como prevê a teoria clássica. Em vez disso, a oscilação da densidade de carga indica que existe uma probabilidade finita de que um fóton de energia nm = En Em seja emitido, deixando o sistema no estado m, no qual a = 0 e b = 1. A emissão do fóton é um processo esta-tístico. A Figura 6-16 mostra a variação de |nm|2 durante uma transição do primeiro estado excitado para o estado fundamen-tal do poço quadrado infinito.

Transições Tipo Dipolo ElétricoO sistema clássico mais simples capaz de irradiar ondas eletro-magnéticas é o dipolo elétrico oscilante. O valor esperado do momento dipolar qx de uma partícula cuja função de onda é é dado por

De acordo com o que foi discutido anteriormente, se a função de onda corresponde a um estado estacionário, o valor esperado do momento dipolar é independente do tempo. Caso, porém, a função seja uma mistura como a representada pela Equação 6-52a, a função q(x) possui termos dependentes do tempo que oscilam com a frequência de Bohr. De acordo com a Equação 6-52d, o momento dipolar pode ser escrito na forma

6-52e

A integral que aparece na Equação 6-52e é chamada de ele-mento de matriz. Existem muitos casos em que esta integral é nula. Por exemplo: se n e m são funções de onda do poço qua-drado infinito, um cálculo direto mostra que o elemento de matriz da Equação 6-52e é nulo se n e m são ambos pares ou ambos ímpares. Em casos como esse, dizemos que as transições do tipo dipolo elétrico são proibidas entre os estados envolvidos. A ausência de uma transição entre dois estados devido ao fato de que o elemento de matriz é nulo muitas vezes pode ser expressa através de uma regra de seleção. Assim, por exemplo, uma regra de seleção para o poço quadrado infinito especifica que, para que uma transição do tipo dipolo elétrico seja possível, a dife-rença entre os números quânticos dos estados envolvidos deve ser 1, 3, 5, ... (e não 2, 4, 6, ...). Vamos encontrar outros exem-plos de regras de seleção na próxima seção, quando estudarmos o oscilador harmônico, e no Capítulo 7, quando examinarmos as transições entre os estados estacionários dos átomos. As tran-sições que discutimos até agora, produzidas pela perturbação de um sistema de cargas pelo campo eletromagnético próprio,

FIGURA 6-16 Densidade de probabilidade nm|2 (Equação 6-52d) para uma partícula em um poço quadrado infinito sofrendo uma transição do primeiro estado excitado (n = 2) para o estado funda-mental (m = 1). As contribuições a e b para a mistura de 2 e 1 (veja a Equação 6-52a) foram calculadas (a) para a = 1 e b = 0; (b) para a = 0,75 e b = 0,25; (c) para a = 0,50 e b = 0,50; (d) para a = 0,25 e b = 0,75; (e) para a = 0 e b = 1. A distribuição de probabi-lidade que aparece em (a) é a do primeiro estado excitado, antes de começar a transição; a que aparece em (e) é do estado funda-mental, depois de completada a transição.

0 +A–A

Ψnm

2

(c)

0 +A–A

Ψnm

2

(d )

0 +A–A

Ψnm

2

0 +A–A

Ψnm

2

(a)

0 +A–A

Ψnm

2

(e)

(b)

Page 25: Leituras suplementares

20 Leitura Suplementar 6

são chamadas de transições espontâneas. Se um sistema (um átomo, por exemplo) se encontra em um certo estado e é exposto a uma radiação externa cuja frequência é igual à frequência de Bohr correspondente a uma transição para um estado de maior energia, o sistema pode sofrer essa transição absorvendo um fóton da radiação externa. Se o sistema está em um estado exci-tado e é exposto a uma radiação externa cuja frequência é igual

à frequência de Bohr correspondente a uma transição para um estado de menor energia, o sistema pode sofrer essa transição emitindo um fóton com a mesma frequência que a radiação externa. Esta emissão estimulada, que acontece nos masers e nos lasers, é importante porque o fóton emitido está em fase com o fóton que estimulou a transição. Os lasers serão discuti-dos no Capítulo 9.

Page 26: Leituras suplementares

21

CAPÍTULO 6 LEITURA SUPLEMENTAR 3

O Artifício de Schrödinger

A equação de Schrödinger dependente do tempo para o oscila-dor harmônico simples é

[1]

cujas soluções estacionárias são

nas quais (x) satisfaz a equação independente do tempo

[2]

A solução da Equação 2 para obter as funções de onda (x) e os níveis de energia correspondentes não é trivial. Entretanto, os níveis de energia podem ser obtidos (sem recorrer a nenhuma aproximação!) usando um artifício engenhoso proposto por Schrödinger.

Lembrando que definimos e,

consequentemente, . Note que é a frequência angular clássica do oscilador: x = x0 cos t, que satisfaz a equa-ção m(d2x/dt2) = Kx. Substituindo x e dx em termos de y e dy na Equação 2, obtemos

e

[3]

Esta última equação pode ser escrita na forma

[4]

Para confirmar que isso é verdade, note que

Assim, a equação de Schrödinger do oscilador harmônico sim-ples se torna

[5]

Operando na Equação 5 pela esquerda com obtemos

Acontece que, para qualquer função f(y),

Assim, para f(y) = temos:

o que nos dá

[6]

Como, de acordo com a Equação 3,

vemos que, para e E = E , a Equação 6 se torna

[7]

As Equações 3 e 7 têm exatamente a mesma forma. Isso signi-fica que se existe uma solução (y) cujo nível de energia cor-

Page 27: Leituras suplementares

22 Leitura Suplementar 6

respondente é E, então d

dyy

d

dyy

também é uma

solução, e a energia correspondente é E . A mesma trans-

formação pode ser usada várias vezes; cada vez que é executada, a energia é reduzida de . Isso significa que o espaçamento dos níveis de energia do oscilador harmônico simples é .

Page 28: Leituras suplementares

23

CAPÍTULO 6 LEITURA SUPLEMENTAR 4

O Diodo Túnel

Uma variação do problema do tunelamento consiste em consi-derar duas barreiras de potencial, de altura finita V0 e largura finita a, separadas por uma distância L, como na Figura 6-32. Uma partícula que se encontre inicialmente na região entre as duas barreiras oscila de um lado para outro, incidindo periodi-camente nas barreiras. Cada vez que a partícula incide em uma das barreiras, existe uma probabilidade pequena, mas finita, de conseguir atravessá-la por tunelamento. Este comportamento é responsável por vários fenômenos físicos e pelo funcionamento de dispositivos como o diodo túnel e a junção Josephson.

Como seria de se esperar, também existe a probabilidade de que um elétron proveniente do exterior consiga atravessar as duas barreiras, como mostra a Figura 6-32. A região entre as barreiras pode ser considerada como um poço de potencial; a diferença está no fato de que, ao contrário do que acontece no caso do poço de potencial representado na Figura 6-8, paredes do poço possuem uma largura finita. Como nos casos estudados anteriormente, a solução da equação de Schrödinger leva a uma quantização da energia na região entre as duas barreiras, o que nos dá um resultado muito interessante: se a velocidade v de um elétron que se aproxima do poço é tal que a energia cinética Ek

é igual a um dos níveis de energia permitidos no interior do poço, En, isso significa que a largura do poço é igual a um múl-tiplo inteiro de metade do comprimento de onda do elétron (veja a Equação 6-23):

6-80

Nesse caso, as ondas refletidas nas paredes do poço interferem construtivamente e, em consequência, a probabilidade de o elétron atravessar as duas barreiras pode chegar a 100%, embora o coeficiente de transmissão associado a cada barreira seja menor que 0,01! (Um fenômeno ótico análogo é obser-vado no interferômetro de Fabry-Perot.) Esta transmissão res-sonante para certas energias levou à criação do diodo túnel ressonante por Esaki, Chang e Tsu.18 Este dispositivo pode ser usado em várias aplicações importantes. Os diodos túnel que aparecem na micrografia que acompanha esta Leitura Suple-mentar, por exemplo, foram usados para gerar uma frequência de 720 GHz, o que constituiu na época um recorde para osci-ladores semicondutores.

FIGURA 6-32 Densidade de probabilidade para um pacote de ondas incidindo em duas barreiras. As duas barreiras têm uma altura V0 e a energia das partículas é E < V0. Como, em cada choque, parte do pacote é transmitida e parte é refletida, uma parte do pacote fica retida entre as duas bar-reiras. Os picos estreitos são causados pelas des-continuidades do potencial.

Ψ(x, t )2

x

t

Page 29: Leituras suplementares

24 Leitura Suplementar 6

Micrografia eletrônica de um conjunto de diodos túnel fabri-cado por Gerhard Sollner e colaboradores, no MIT Lincoln Laboratory. Cada diodo tem 8 m de largura. Camadas de semicondutor com uma espessura da ordem de nanômetros formam um poço quântico em cada diodo. Os diodos foram usados para gerar uma frequência de 720 GHz, o que consti-tuiu na época um recorde para osciladores semicondutores. [A micrografia é cortesia de T.C.L. Gerhard Sollner, MIT Lin-coln Laboratory.]

Page 30: Leituras suplementares

25

CAPÍTULO 7 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Átomos com Mais de um Elétron Externo

Os níveis de energia e espectros óticos são muito mais compli-cados no caso de átomos com mais de um elétron na camada externa. Nesta Leitura Suplementar, vamos discutir qualitativa-mente os níveis de energia do hélio e dos metais alcalinoterrosos, elementos que pertencem à segunda coluna da tabela periódica. Esses átomos são formados por um caroço mais dois elétrons em uma camada externa do tipo s. Quase todos os espectros obser-vados podem ser explicados em termos da transferência de um dos elétrons externos para um estado de maior energia. Essas transições são conhecidas como transições normais. As transi-ções que envolvem a excitação simultânea dos dois elétrons da camada externa para estados de maior energia são chamadas de transições anômalas e serão discutidas apenas de passagem.

No modelo usado para calcular os níveis de energia desses elementos, o átomo é composto por dois elétrons iguais subme-tidos ao potencial elétrico do núcleo e dos outros elétrons. O mais simples desses átomos é o hélio, mas o berílio, o magné-

sio, o cálcio, o estrôncio, o bário e o rádio se comportam de forma semelhante. Vamos considerar o magnésio (Z = 12) como um exemplo específico. A configuração do estado fundamental é (1s22s22p6)3s2. No estado fundamental, os dois elétrons exter-nos têm os mesmos números quânticos espaciais (n = 3, = 0, m = 0) e spins antiparalelos por causa do princípio de exclusão, de modo que o spin resultante é zero. Quando um dos elétrons externos é transferido para um estado de maior energia, como o estado 3p, os números quânticos espaciais dos dois elétrons não são mais iguais e o spin resultante S pode ser igual a 1 (spins paralelos) ou a 0 (spins antiparalelos). Os estados com S = 0 são chamados de singletos. Para S = 1, existem três valores possí-veis para o momento angular total j, que correspondem às três orientações possíveis do vetor S em relação a L: j = 1, j = e j = 1 (exceto para = 0, caso em que existe apenas um valor possível para j, j = ). A interação spin-órbita faz com que os três estados possuam energias ligeiramente diferentes, ou

FIGURA 7-24 Diagrama de níveis de energia do átomo de hélio. O desdobramento dos tripletos é pequeno demais para ser visí-vel na escala da figura. Observe que não existem transições entre níveis que não pertencem ao mesmo conjunto, pois isso violaria a regra de seleção ∆S = 0.

Ene

rgia

, eV

0 1sns 1snpSingletos Tripletos

1snd 3sns 3snp 3snd

–3

–4

–5

–6

–2

–1

–24

–25

1

2

2

3

4 4

33

4

3

4

2

3

4

2

3

4

1S 1P 1D 3S 3P 3D

504,8728,1

396,

5

58,4

501,

6

492,

266

7,8

447,

158

7,6

318,

838

8,9

471,3706,5

Page 31: Leituras suplementares

26 Leitura Suplementar 7

seja, produz um desdobramento fino. Por essa razão, os estados com S = 1 são chamados de tripletos. Neste caso, portanto, exis-tem dois conjuntos diferentes de níveis de energia e dois con-juntos de linhas espectrais, um para S = 0 e outro para S = 1. Alguns dos níveis de energia e transições para o átomo de hélio aparecem na Figura 7-24.

A Figura 7-25 mostra o diagrama de níveis de energia do magnésio e as transições principais. Na escala deste diagrama, como na da Figura 7-24, o desdobramento fino dos estados tri-pleto não pode ser observado. Repare que todas as transições do magnésio, exceto uma, obedecem à regra de seleção ∆S = 0, isto é, os estados tripleto e singleto não se misturam. Uma tran-sição que viole esta regra, como a transição indicada na figura (entre o estado tripleto 3s3p e o estado fundamental) é conhe-cida como linha de intercombinação. Observe que, na ausência de linhas de intercombinação, existem certos estados excitados a partir dos quais o átomo não pode decair facilmente. Os esta-dos 21S0 e 23S1 do hélio são dois exemplos (veja a Figura 7-24). Estados desse tipo são conhecidos como estados metaestáveis e sua existência é importante para o funcionamento dos lasers, como veremos no Capítulo 9. Voltaremos à questão das linhas de intercombinação em um momento, após discutirmos a dife-rença de energia entre os estados singleto e tripleto.

Examinando de perto a Figura 7-25, podemos ver que os níveis de energia dos singletos são maiores que os dos tripletos com a mesma configuração eletrônica. Considere, por exemplo, os estados que possuem um elétron no estado 3p. Se não fosse pela interação eletrostática dos dois elétrons, o estado singleto 1P1 (j = 1, já que S = 0 e = 1) e os estados tripleto 3Pj (com j = 2, 1 ou 0, já que S = 1 e = 1) teriam a mesma energia, a não ser pelo pequeno desdobramento fino. Evidentemente, a energia de interação eletrostática entre os dois elétrons é muito maior nos estados singleto do que nos estados tripleto.

A causa dessa diferença de energia é um efeito quântico sutil que tem a ver com a simetria da função de onda total de duas partículas iguais. Como vimos na Seção 4-7, a função de onda de duas partículas em uma dimensão, com uma das partículas no estado n e a outra no estado m, é dada por

7-66

considerando que o sinal positivo se aplica a uma função simé-trica em relação à permuta das duas partículas e o sinal negativo a uma função antissimétrica. Dissemos na ocasião que a função de onda de um sistema de elétrons é sempre antissimétrica; deve-mos agora incluir o spin na função de onda. A função de onda total de duas partículas pode ser escrita como o produto da parte espacial (x), dada pela Equação 7-66, por uma função asso-ciada ao spin. A função de onda total, incluindo o spin, é, por-tanto, igual a . A parte de spin da função de onda é simétrica para o estado tripleto (S = 1) e antissimétrica para o estado sin-gleto (S = 0). Assim, para que a função de onda total seja antis-simétrica, é preciso que a parte espacial da função de onda seja antissimétrica se o estado for um tripleto e que seja simétrica se o estado for um singleto. Observe na Equação 7-66 que, se

FIGURA 7-26 Densidade de probabilidade em função da distância entre dois elétrons. (a) No estado singleto, a parte espacial S da função de onda é simétrica e a parte de spin A é antissimétrica. A densidade de probabilidade é máxima em x = 0. (b) No estado tripleto, a parte espa-cial é antissimétrica e a parte de spin é simétrica. A densidade de pro-babilidade é mínima em x = 0. Como a distância média entre os elétrons é maior no estado tripleto, a energia do sistema é menor neste estado.

E, e

V

0

–3

–4

–5

–6

–7

–1

–2

–7,62 3

44

3

456

456

5

876

4

4 456

56

5

3

34

567

1S 1P 3D3,2,13S1D

457,11

383,

8338

3,23

382,

94518,37

517,27

516,74

1502,3

1503,3

765,

75 1487,7

571,11

1182,83

552,

8488

0,67

1208

,328

5,21

202,

58

3sns 3snpSingletos Tripletos

3snd1F

3snf 3snd3F4,3,2

3snfsP2,1,0

3snp3sns

3

567

FIGURA 7-25 Diagrama de níveis de energia do átomo de magnésio. O desdobramento dos tripletos é pequeno demais para ser visível na escala da figura. Observe que as energias dos singletos são maiores que as dos triple-tos correspondentes. Isso acontece porque, como mostra a Figura 7-26, a distância média entre os elétrons da última camada é maior nos estados tripleto do que nos estados singleto.

ψSχA2

ψAχS2

(a)

(b)

Page 32: Leituras suplementares

Átomos com Mais de um Elétron Externo 27

FIGURA 7-27 Estados 33P normal e anômalo do átomo de magnésio. Os estados de maior energia, 3P, são estados anômalos e estão apro-ximadamente duas vezes mais distantes do estado fundamental (que não aparece na figura) que os estados 3P normais. Observe que as tran-sições entre níveis que não pertencem ao mesmo conjunto, ilustradas pelo espectro experimental que aparece na parte inferior da figura, vio-lam a regra de seleção ∆ 1.

x1 = x2, a função de onda espacial antissimétrica é nula. Este é um exemplo da propriedade geral, ilustrada na Figura 7-26, de que, no estado antissimétrico, as partículas tendem a se manter mais afastadas do que no estado simétrico. Como a energia de interação devido à repulsão eletrostática é positiva e varia inver-samente com a distância entre as partículas, essa energia é maior no estado em que a parte espacial da função de onda é simétrica e a parte de spin é antissimétrica (S = 0), do que no estado em que a parte espacial da função de onda é simétrica e a parte de spin é simétrica (S = 1). A diferença é da ordem de 1 eV, ou seja, muito maior que o desdobramento fino.16

A simetria das funções de onda também explica a regra de seleção S = 0 que proíbe transições entre singletos e tripletos. Como foi visto na Leitura Suplementar Transições Entre Níveis de Energia, uma transição entre dois estados m e n pode ser atribuída a uma oscilação da distribuição de carga. No caso de uma radiação do tipo dipolo elétrico, o momento dipolar de um elétron isolado é dado por

No caso de estados envolvendo dois elétrons, o elemento de matriz nxm dx se torna n(x1 + x2)m dx. Como vimos, a parte espacial da função de onda total é antissimétrica para os estados tripleto e simétrica para os estados singleto. Assim, em uma transição de um estado tripleto para um estado singleto, m é uma função antissimétrica a e n é uma função simétrica s; nesse caso, a parte dependente do tempo do momento dipolar se torna

7-67

Acontece (leia com atenção, pois se trata de um raciocínio sutil!) que, se os dois elétrons forem permutados, o valor de qx não poderá mudar, já que os elétrons são iguais; entretanto, a troca faz a mudar de sinal, enquanto os valores de s (veja a Seção 6-7) e x1 x2 permanecem os mesmos. Como o valor da inte-gral não pode mudar quando os dois elétrons são permutados, esse valor deve ser nulo. A conclusão é que as transições entre estados singleto e estados tripleto são proibidas, ou seja, ∆S = 0. (Esta conclusão pode ser estendida a outros conjuntos de esta-dos e outros tipos de radiação.)

Já que as transições com ∆S 0 são proibidas, o leitor deve se estar perguntando por que as linhas de intercombinação, como a linha de 457,11 nm do magnésio mencionada no texto e mos-trada da Figura 7-25, são observadas experimentalmente. A explicação está em nossa hipótese de que a função de onda total, que deve ser antissimétrica em relação ao intercâmbio de partí-culas idênticas, pode ser escrita como o produto de uma fun-ção espacial por uma função de spin, que individualmente podem ser simétricas ou antissimétricas. Quando o acoplamento spin-órbita é considerável, a separação entre a parte espacial e a parte de spin da função de onda deixa de constituir uma boa aproxi-mação e, portanto, não existe mais uma função espacial cujo elemento de matriz possa se anular. No caso dos elementos leves (pequenos valores de Z), o acoplamento spin-órbita é relativa-mente fraco e, portanto, a regra de seleção ∆S = 0, que proíbe as linhas de intercombinação, é respeitada quase absolutamente. É o que acontece, por exemplo, no caso do hélio (Figura 7-24). À medida que Z aumenta, porém, a proibição vai se tornando menos rigorosa, o que explica a existência da linha de intercom-binação do Mg na Figura 7-25.

Até agora, estivemos discutindo os estados dos átomos nos quais apenas um dos elétrons externos é transferido para outro nível. Também existem estados nos quais dois ou mais elétrons externos são transferidos simultaneamente para outros níveis. Vamos concluir esta Leitura Suplementar com uma breve dis-cussão desses chamados estados anômalos. Tomando novamente o magnésio como exemplo, o primeiro estado excitado normal é o estado 33P (veja a Figura 7-25), para o qual a configuração dos elétrons externos é 3s3p. O primeiro estado anômalo, como seria de se esperar, é aquele no qual os dois elétrons externos são transferidos para o nível 3p, isto é, um estado com a confi-guração 3p2. A energia de excitação do átomo para atingir este estado é 5 eV, ou seja, aproximadamente duas vezes maior do que a energia de excitação para atingir o estado normal 33P, que é 2,4 eV (Figura 7-25). A Figura 7-27 mostra os estados 33P normal e anômalo, incluindo o efeito spin-órbita, juntamente com as transições observadas entre esses estados. Todas as seis transições (denominadas tripleto anômalo) que ocorrem entre os níveis 3P e 3P da Figura 7-27 violam a regra de seleção ∆ = 1, Equação 7-28. A regra surgiu da solução da equação de Schrödinger para um único elétron. No caso de transições envolvendo estados excitados de dois ou mais elétrons, ∆ para o átomo como um todo pode ser zero, contanto que as mudan-ças de nível dos elétrons associados à transição respeitem a regra de seleção ∆ = 1. Estados anômalos foram observados na maioria dos elementos, mas são relativamente raros nos elemen-tos leves, pois nesses elementos a energia de formação desses estados é, na maioria dos casos, maior que a energia de ioniza-ção. Por outro lado, os estados anômalos são numerosos nos elementos pesados, o que explica em parte a maior complexi-dade dos espectros desses elementos.

2j

10

pp 3P´

2

10

sp 3P

f

Page 33: Leituras suplementares

28

CAPÍTULO 7 LEITURA SUPLEMENTAR 2

O Efeito Zeeman

Como foi dito no Capítulo 3, o desdobramento das linhas espec-trais de um átomo por ação de um campo magnético externo foi investigado sem sucesso por Faraday, previsto por Lorentz com base na teoria clássica e observado pela primeira vez por Zee-man,17 nome pelo qual o efeito é hoje conhecido.

Na mecânica quântica, a mudança da frequência e do com-primento de onda de uma linha espectral indica que houve uma mudança da energia de um dos estados envolvidos na transição ou das energias dos dois estados. Por questões históricas, o efeito Zeeman associado a transições entre estados do tipo singleto é chamado de efeito Zeeman normal, enquanto o efeito associado a transições entre estados dos quais pelo menos um tem o spin diferente de zero recebe o nome de efeito Zeeman anômalo.18 Como, na verdade, não existe uma diferença fundamental entre os dois efeitos, não faremos nenhuma distinção entre eles, a não ser por uma exceção: como a presença do spin complica um pouco os cálculos no caso do efeito Zeeman anômalo, o efeito Zeeman em transições entre estados do tipo singleto será discu-tido em primeiro lugar.

Efeito Zeeman NormalNo caso de estados do tipo singleto, o spin é zero e o momento angular total J é igual ao momento angular orbital L. Quando o átomo é submetido a um campo magnético externo, a energia varia por causa da interação do momento magnético do átomo com o campo magnético, que é dada por

7-68

onde, como na Equação 7-54, a direção z foi definida como a direção de B. Substituindo z pelo seu valor, dado pela Equação 7-43, temos: z = mgLB = me/2me e, portanto,

7-69

Como m pode assumir 2 1 valores diferentes, cada nível de energia é desdobrado em 2 1 níveis. A Figura 7-28 mostra o desdobramento dos níveis de energia no caso de uma transi-ção de um estado com = 2 para um estado com = 1. De acordo

com a regra de seleção ∆m = 0 ou 1, as únicas transições per-mitidas são as nove transições mostradas na figura.

Como os desdobramentos do estado inicial e do estado final são iguais, existem apenas três energias de transição diferen-tes: E0 + eB/2me, E0 e E0 eB/2me, que correspondem às transições com ∆m = 1, 0 e 1, respectivamente. É fácil ver que existem sempre três energias diferentes, sejam quais forem os valores de nos estados inicial e final. Como a variação da frequência de cada linha do espectro com o campo magnético é igual à variação da energia de transição correspondente divi-dida por , as variações de frequência das três linhas são eB/2me, 0 e eB/2me.

Efeito Zeeman AnômaloComo já dissemos, o efeito Zeeman é chamado de anômalo se o spin de pelo menos um dos estados envolvidos na transição é dife-rente de zero. Nesse caso, o cálculo dos desdobramentos dos níveis de energia é complicado pelo fato de que o momento magnético total não é paralelo ao momento angular total. Isso acontece por-

FIGURA 7-28 Desdobramento dos níveis de energia produzido por um campo magnético, no caso de estados singleto com = 2 e = 1 (efeito Zeeman normal). Cada nível é desdobrado em 2 + 1 níveis. As nove transições que respeitam a regra de seleção ∆m = 0 ou 1 dão origem a apenas três linhas espectrais porque a diferença de energia entre níveis vizinhos é eB/2me, independentemente do valor de .

ml

+2+1

l = 2 0–1–2

Energia

+1l = 1 0

–1

Be––––2me

Be––––2me

Page 34: Leituras suplementares

O Efeito Zeeman 29

que a razão entre o momento magnético associado ao spin e o momento angular intrínseco é duas vezes maior do que a razão entre o momento magnético associado ao momento angular orbi-tal e o momento angular orbital. Considere um átomo com momento angular orbital L e spin S. O momento angular total é

enquanto o momento magnético total é

Como g = 1 e gs = 2 (aproximadamente; veja a Equação 7-47), temos:

7-70

A Figura 7-29 mostra um modelo vetorial da combinação de L e S para determinar o valor de J. Os momentos magnéticos tam-bém estão representados por vetores. Modelos como este podem

ser usados para determinar o desdobramento dos níveis, mas o cálculo é muito trabalhoso e nos limitaremos a discutir somente os resultados.19

Cada nível de energia é desdobrado em 2j 1 níveis, que cor-respondem aos possíveis valores de m. Para os campos magné-ticos normalmente produzidos em laboratório, que são pequenos em comparação com o campo magnético interno associado ao efeito spin-órbita, os desdobramentos dos níveis são pequenos em comparação com o desdobramento fino. Ao contrário do que acontece no efeito Zeeman normal, os desdobramentos de Zee-man desses níveis dependem de j, e s, e, em geral, existem mais de três linhas, já que os desdobramentos dos estados inicial e final são diferentes. O desdobramento de cada nível, ou seja, a varia-ção de energia produzida pelo campo magnético, é dado por

7-71

onde g, conhecido como fator g de Landé,20 é dado por

7-72

Observe que, para s = 0, temos j = , g = 1, e a Equação 7-71 fornece um desdobramento igual ao do efeito Zeeman normal, como era de se esperar. A Figura 7-30 mostra o desdobramento de Zeeman dos níveis responsáveis pelo dubleto amarelo do sódio, 2P1/2, 2P3/2 e 2S1/2. De acordo com a regra de seleção ∆mj = 0 ou 1, existem quatro linhas associadas à transição 2P1/2 → 2S1/2 e seis linhas associadas à transição 2P3/2 → 2S1/2, como está indi-cado na figura. As energias dessas linhas podem ser calculadas em função de eB/2me usando as Equações 7-71 e 7-72.

Para valores elevados do campo magnético externo, o des-dobramento de Zeeman se torna maior que o desdobramento fino. Quando B é tão grande que o desdobramento fino pode ser ignorado, o desdobramento de Zeeman passa a ser dado por

FIGURA 7-29 Diagrama vetorial usado para determinar o momento magnético total para S 0. O momento magnético não é para-lelo ao momento angular total J porque s/S é duas vezes maior que L/L. (Os sentidos de L, s e foram invertidos para tornar o desenho mais compacto.)

FIGURA 7-30 Desdobramento dos níveis de energia produzido por um campo magnético no caso dos níveis 2P3/2, 2P1/2 e 2S1/2 do sódio, mostrando o efeito Zeeman anômalo. As transições envolvidas são as linhas D1 e D2 da Figura 7-22 (dubleto amarelo do sódio). O desdobramento dos níveis depende de L, S e J, o que faz com que o número de linhas seja maior do que no efeito Zeeman normal. [As fotografias foram extraídas de H. E. White, Introduction to Atomic Spectra, New York: McGraw-Hill Book Company, 1934, com permissão da editora.]

B

S

LJ

µs

µµL

Campo fraco

Sem campo +3/2mj

+1/2–1/2–3/2

2P3/2

+1/2

–1/2

2S1/2

+1/2–1/2

2P1/2

Page 35: Leituras suplementares

30 Leitura Suplementar 7

FIGURA 7-31 Efeito Paschen-Back. Quando o campo magnético externo é tão intenso que o desdobramento de Zeeman é maior que o desdo-bramento causado pela interação spin-órbita, os momentos L e S são desacoplados, o espaçamento entre os níveis se torna uniforme e apenas três linhas espectrais são observadas, como no efeito Zeeman normal. Como mostra a ilustração da direita, cada uma das três linhas é, na reali-dade, um dubleto constituído por duas linhas muito próximas. As transições são as mesmas que aparecem na Figura 7-30. A posição dos níveis foi calculada para x = 2,7.

Nesse caso, o desdobramento é semelhante ao que ocorre no efeito Zeeman normal e apenas três linhas são observadas. Este comportamento em campos magnéticos elevados é conhecido como efeito Paschen-Back em homenagem aos descobridores, F. Paschen e E. Back. A Figura 7-31 mostra a transição do des-dobramento dos níveis do efeito Zeeman anômalo para o efeito Paschen-Back com o aumento do módulo de B. A razão para a diferença é que um campo magnético elevado desacopla os momentos L e S, fazendo com que passem a executar uma pre-cessão em torno de B de forma quase independente. Em outras palavras, as projeções de L se comportam como se S 0 e o espectro se reduz a três linhas, cada uma das quais é, na reali-dade, um dubleto de linhas muito próximas.

SOLUÇÃOA linha D1 é emitida na transição 32P1/2 → 32S1/2. Os valores de g de Landé podem ser calculados com o auxílio da Equa-ção 7-72.

No caso do nível 32P1/2, temos:

No caso do nível 32S1/2, temos:

Os deslocamentos dos níveis de energia podem ser calcula-dos com o auxílio da Equação 7-71.

No caso do nível 32P1/2, temos:

No caso do nível 32S1/2, temos:

2P1/2

8

6

4

2

0∆E

–2

–4

–6

–80 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5

1

ms

0

–1

0

0

0

–1

+1

2P3/2

2S1/2

x

x = µBB––––∆E

3––2

mj =

ml

0

2

1

–1

–2

1

–1

1––2

1––2

+

1––2

1––2

1––2

+

1––2

1––2

+

ml + 2ms

1––2

1––2

+

1––2

1––2

3––2

1––2

f

EXEMPLO 7-5 Campo Magnético do Sol Os campos mag-néticos do Sol e das estrelas podem ser estimados medindo o desdobramento de Zeeman das linhas espectrais. Suponha que a linha D1 do sódio emitida em uma certa região do disco solar seja desdobrada em quatro componentes pelo efeito Zee-man (veja a Figura 7-30). Qual é a intensidade do campo magnético solar nessa região se a diferença entre a linha com maior comprimento de onda e a linha com menor compri-mento de onda é 0,022 nm? (O comprimento de onda da linha D1 é 589,8 nm.)

Page 36: Leituras suplementares

O Efeito Zeeman 31

O deslocamento da linha de maior comprimento de onda (que corresponde à transição mj = 1/2 → mj = +1/2) é dado por

O deslocamento da linha de menor comprimento de onda (que corresponde à transição mj = +1/2 → mj = 1/2) é dado por

A diferença de energia entre os dois fótons é

Como = c/f = hc/E, ∆ = hc∆E/E2 = 0,022 nm. Assim, temos:

onde E = hc/ = hc/589,9. Finalmente, temos:

Em comparação, o campo magnético da Terra é da ordem de 0,5 gauss.

Page 37: Leituras suplementares

32

CAPÍTULO 8 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Temperatura e Entropia

Na Revisão de Conceitos Clássicos A Teoria Cinética dos Gases, mostramos que a pressão exercida por um gás é proporcional ao número n de moléculas por unidade de volume e à energia cinética média E

–k das moléculas. No caso de um recipiente con-

tendo moléculas monoatômicas de um único tipo,

Comparando este resultado com a lei dos gases perfeitos, mos-tramos também que a energia cinética média das moléculas é proporcional à temperatura absoluta:

Emv kT

Tk = =2

2

3

2∝ 8-4a

Assim, a temperatura absoluta é uma medida da energia cinética média (de translação) de um gás e não depende da composição do gás ou de suas outras propriedades. Poderíamos usar a ener-gia cinética média para definir uma escala de temperatura válida para qualquer substância igualando a energia cinética média à temperatura absoluta. Na verdade, o que fizemos foi algo pare-cido: definimos uma escala na qual a temperatura é proporcio-nal à energia cinética média, como na Equação 8-4a; a constante de proporcionalidade é a constante de Boltzmann.

Voltando nossa atenção para as máquinas térmicas e usando um exemplo proposto por Feynman, definimos uma temperatura padrão ou de referência como 1 K. O calor fornecido por uma máquina a esta temperatura padrão é chamado de Qs. Isso signi-fica que, se uma máquina absorve uma quantidade Q de calor a uma temperatura T, ela fornece a um escoadouro de calor à tem-peratura padrão uma quantidade de calor Qs. Sabemos (1) que o calor Q é uma função crescente da temperatura T, já que o calor é uma forma de energia e T é uma medida de quantidade de energia; (2) que Q é proporcional a Qs. Podemos expressar as duas propriedades através da equação

8-46b

considerando que f é uma função crescente de T. Como a efi-ciência das máquinas reversíveis é independente do fluido de trabalho, f (T ) também é independente do fluido de trabalho e podemos definir a função f (T ) como a própria temperatura, medida em unidades do nosso padrão:

8-4c

onde

A temperatura T é chamada de temperatura absoluta. (É possí-vel mostrar que esta temperatura e a temperatura definida ante-riormente em termos da energia cinética média das moléculas representam a mesma grandeza.)

Assim, se temos duas máquinas térmicas, uma operando entre T1 e 1 K e a outra entre T2 e 1 K, os calores absorvidos estão relacionados através da equação

8-4d

Para uma máquina térmica operando entre T1 e T2, (Q1/T1)absorvido = (Q2/T2)fornecido e o valor de Q/T permanece constante. A grandeza Q/T = S recebe o nome de entropia. A unidade de entropia no SI é o joule/kelvin (J/K). A Equação 8-4d é a expressão matemática de uma lei da termodinâmica segundo a qual a entropia não muda nos ciclos reversíveis. No caso dos ciclos irreversíveis, é possível demonstrar que a entropia aumenta sempre, ou seja, que ∆S > 0. Como não existem ciclos reversíveis na natureza, concluímos que a entropia do universo está sempre aumentando.

Page 38: Leituras suplementares

33

CAPÍTULO 8 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Demonstração do Teorema da Equipartição para um Caso Particular

Como a demonstração geral do teorema da equipartição exige o uso de ferramentas sofisticadas de mecânica estatística, vamos demonstrar o teorema apenas para um caso particular, o de um conjunto de partículas clássicas que se comportam como oscila-dores harmônicos simples ao se moverem em uma dimensão sob a ação de uma força elástica semelhante à de uma mola de cons-tante elástica . Como a energia cinética de uma partícula é mv2

x/2 e a energia potencial é x2/2, a energia total é dada por

8-15

De acordo com a Equação 8-1, a distribuição de Boltzmann é

8-16

A probabilidade de que um dos osciladores tenha uma energia E correspondente a uma velocidade entre vx e vx dx e um des-locamento entre x e x dx em relação à posição de equilíbrio é dada por

8-17

em que a constante A pode ser determinada a partir da condição de normalização de que a probabilidade total seja igual a 1:

8-18

Separando as integrais, temos:

8-19

As duas integrais da Equação 8-19 têm a mesma forma. Resol-vendo-as com o auxílio da Tabela B1-1, obtemos:

8-20

A energia média por oscilador é, portanto,

8-21

ou

8-22

Note que o primeiro termo da Equação 8-22 é igual à integral da energia cinética multiplicada por fB(E), ou seja, é igual à ener-gia cinética média do oscilador. O segundo termo é igual à energia potencial média. Essas integrais também podem ser calculadas com o auxílio da Tabela B1-1. Substituindo A (dado pela Equa-ção 8-20) e as duas integrais por seus valores na Equação 8-22, obtemos:

8-23

Os dois aspectos importantes deste resultado são os seguintes: (1) tanto a energia cinética média como a energia potencial média dependem apenas da temperatura absoluta; (2) os dois valores médios são iguais a kT/2. Este resultado, obtido para o caso par-ticular do oscilador harmônico, constitui um exemplo do teo-rema geral da equipartição da energia:

Em equilíbrio, cada grau de liberdade contribui com kT/2 para a energia média por molécula.

Page 39: Leituras suplementares

34

CAPÍTULO 9 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Outras Ligações Covalentes

Como já observamos quando estávamos discutindo a molécula de H2, as ligações covalentes que envolvem dois elétrons s são conhecidas como ligações s. Outros átomos com um elétron na última camada também formam moléculas com ligações cova-lentes tipo s, como K2 e NaH. As energias de dissociação e dis-tâncias de equilíbrio de várias moléculas com ligações s apare-cem na Tabela 9-3. Observe que as ligações mais fortes são as que envolvem o hidrogênio e que duas dessas moléculas, o NaH e o LiH, também aparecem entre as moléculas iônicas da Tabela 9-2, pois são moléculas com ligações mistas.

Átomos como o oxigênio e o nitrogênio, cujos elétrons de valência ocupam estados p ( = 1, m = 1, 0, 1) também podem formar moléculas diatômicas através de ligações cova-lentes. Como existem seis estados p possíveis (ou seja, três orbi-tais atômicos) para cada átomo, existem seis orbitais molecula-res, cada um dos quais pode ser ocupado por dois elétrons. (As camadas completas praticamente não participam das ligações moleculares e serão ignoradas na discussão que se segue.) Além

disso, existe uma infinidade de moléculas poliatômicas que pos-suem ligações covalentes. Essas moléculas podem ser grandes ou pequenas, variando desde moléculas relativamente simples, como a água, cuja massa molecular é 18, até moléculas gigan-tescas, como as proteínas, com massas moleculares que podem chegar a 1 milhão. Como no caso das moléculas diatômicas, a estrutura dessas moléculas pode ser explicada pela aplicação das leis básicas da mecânica quântica às ligações entre os áto-mos que as compõem. Como o leitor pode imaginar, o estudo dos orbitais pode se tornar um problema extremamente difícil, dependendo do número de átomos envolvidos. Nesta Leitura Suplementar, vamos limitar a discussão a três tipos de ligações envolvendo os orbitais p: ligações pp, que estão presentes em moléculas homonucleares como o O2; ligações sp dirigidas, como as que existem em H2O; e ligações sp híbridas, que ocor-rem em muitas moléculas que contêm carbono.

No Capítulo 7, resolvemos a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio e mostramos na Figura 7-11 as densidades de probabilidade para os estados com = 1. No caso do estado = 1, m = 0, a função densidade de probabilidade tem a forma de um haltere, com máximos sobre os semieixos positivo e nega-tivo do eixo dos z. No caso dos estados = 1, m = 1, as fun-ções têm forma toroidal, com o máximo no plano xy. A variação angular é proporcional a cos para o estado m = 0 e propor-cional a sen ei para m = 1. Esses resultados, naturalmente, não podem ser aplicados diretamente a outros átomos, mas a forma geral das funções permanece a mesma, de modo que vamos usá-las para estudar os orbitais moleculares tipo p. Para este fim, é mais conveniente classificar os orbitais p em termos das direções no espaço ao longo das quais a densidade de pro-babilidade é máxima em vez de classificá-los através do número quântico m, o que equivale a escolher certas combinações line-ares de soluções da equação de Schrödinger. Essas combinações são conhecidas como orbitais atômicos px, py e pz. O orbital pz é simplesmente a função de onda correspondente a m = 0. Os orbitais px e py são combinações lineares das funções de onda correspondentes a m = 1. A variação angular desses orbitais é dada por

Tabela 9-3 Energia de dissociação e distância de equilíbrio para várias moléculas covalentes com ligações s

MoléculaEnergia de

dissociação (eV)Distância de

equilíbrio (nm)

H2 4,52 0,074

Li2 1,10 0,267

LiH 2,43 0,159

LiNa 0,91 0,281

Na2 0,80 0,308

NaH 2,08 0,189

NaRb 0,61 0,359

K2 0,59 0,392

KNa 0,66 0,347

Rb2 0,47 0,422

Cs2 0,43 0,450

Page 40: Leituras suplementares

Outras Ligações Covalentes 35

9-4

Para esses orbitais, a distribuição de carga do elétron é máxima nas direções x, y e z, como se pode ver na Figura 9-9a. As três distribuições são mostradas esquematicamente na Figura 9-9b.

Ligações ppVamos discutir primeiro as ligações covalentes pp, que podem ocorrer quando dois átomos com elétrons na camada p se apro-ximam um do outro. Para simplificar o problema, vamos supor que os elétrons da última camada dos dois átomos são elétrons 2p. O raciocínio para elétrons 3p, 4p, etc., é muito semelhante, mas se torna necessário trabalhar com um número maior de orbitais moleculares. Embora os dois átomos possam se apro-ximar com qualquer orientação e vindos de qualquer direção, vamos supor arbitrariamente que ambos têm a orientação da Figura 9-9b e estão se aproximando ao longo do eixo dos z, como na Figura 9-10. Como vimos para o caso do H2, as possí-veis superposições das funções de onda atômicas do tipo 1s levam a dois orbitais moleculares 1s, um ligante e outro antili-gante (Figura 9-8). Como, no caso que estamos estudando, os orbitais 1s dos dois átomos estão completos, os dois orbitais moleculares (Figura 9-11), cada um dois quais pode acomodar dois elétrons, também estão completos. O mesmo acontece com os dois orbitais moleculares do tipo 2s, já que os orbitais atô-micos 2s dos dois átomos também estão completos. O caso dos orbitais atômicos 2p é um pouco diferente. Quando os dois áto-mos se aproximam, eles também se combinam para formar orbi-tais moleculares; entretanto, para uma dada distância entre os átomos, a superposição é muito maior entre os orbitais pz do que entre os orbitais px e pz. Assim, embora os três orbitais formem orbitais moleculares ligantes e antiligantes, o orbital ligante que

pz

pxpy

z

y

x

(b)

z

y

x

z

y

x

pzpypx

z

y

x

(a)

FIGURA 9-9 (a) Os orbitais atômicos px, py e pz. [Este grá-fico gerado em computador é cortesia de Paul Doherty, The Exploratorium.] (b) Distribuições de probabilidade dos três orbitais atômicos p. O núcleo está na origem.

z

y

x

y

pz

py

px

pz

py

px

x

FIGURA 9-10 Dois átomos com orbitais atômicos 2p se aproximam ao longo do eixo z. A superposição das funções de onda simétricas leva a um acúmulo de carga negativa entre os dois núcleos, que resulta em orbitais moleculares ligantes. A superposição das funções de onda antis-simétricas resulta em orbitais moleculares antiligantes. Os orbitais s não são mostrados na figura.

resulta da combinação dos orbitais pz dos dois átomos tem uma energia menor que os outros orbitais devido à maior superposi-ção de funções de onda simétricas e é, portanto, mais estável.

Page 41: Leituras suplementares

36 Leitura Suplementar 9

No caso dos orbitais antiligantes, ocorre o contrário: a energia do orbital molecular que resulta dos orbitais pz é maior que a dos orbitais associados a px e py, que neste exemplo têm a mesma energia. A Figura 9-11 mostra a energia dos orbitais que acaba-mos de discutir em função da distância entre os dois átomos.

Agora estamos em condições de compreender por que as moléculas diatômicas com ligações covalentes pp são relativa-mente estáveis. O nitrogênio (Z = 7) tem três elétrons 2p; em consequência, a molécula de N2 possui seis elétrons 2p, o sufi-ciente para completar os orbitais ligantes pz, px e py. Assim, espe-ramos que o N2 seja muito estável, isto é, pouco reativo, o que está de acordo com os resultados experimentais (a energia de ligação do N2 é 9,8 eV e a distância de equilíbrio é 0,11 nm). O oxigênio (Z = 8) possui quatro elétrons 2p; em consequência, a molécula de O2 tem oito elétrons nos orbitais 2p. Os orbitais p ligantes (veja a Figura 9-11) comportam apenas seis elétrons; assim, dois dos elétrons do O2 devem ocupar o estado seguinte, que é o orbital antiligante px, py. Esperamos, portanto, que o O2 seja menos estável (mais reativo) que o N2, o que é confirmado pelos resultados experimentais. A energia de ligação do O2 é bem menor que a do N2 (veja a Tabela 9-4). A molécula de O2 pode ser quebrada em reações químicas de energia relativamente baixa. O flúor (Z = 9), que se segue ao oxigênio na tabela perió-dica, tem cinco elétrons 2p. A molécula de F2 possui, portanto, 10 elétrons em orbitais p, quatro dos quais devem ocupar os orbitais antiligantes px, py. Assim, o F2 é ainda menos estável que o O2, reagindo violentamente com muitos elementos e com-postos. Na verdade, a energia de ligação do flúor, 1,6 eV, está no limite inferior da faixa de energia dos fótons do espectro visível, que vai de 1,6 a 3,3 eV. Por essa razão, a molécula de F2 se decompõe quando é exposta à luz, um fenômeno conhe-cido como fotólise.

À primeira vista, moléculas formadas por átomos com maio-res valores de Z nos quais os elétrons da subcamada externa estão em orbitais p, como nos três casos que acabamos de dis-cutir, deveriam apresentar um comportamento semelhante. Entretanto, os elementos análogos ao N, com uma subcamada externa np3 (P, As, Sb e Bi), e os elementos análogos ao O, com

uma subcamada externa np4 (S, Se, Te, Po), são todos sólidos à temperatura ambiente. Como vamos ver no Capítulo 10, as inte-rações nos sólidos são bem diferentes e os efeitos das ligações moleculares geralmente não são observados. Por outro lado, os elementos análogos ao F (Cl, Br, I, At) são gases e formam molé-culas com propriedades muito semelhantes às do F2.

Finalmente, não esperamos que o Ne (e os outros gases nobres, Ar, Kr, Xe, Rn) formem moléculas. A molécula de Ne2 teria 12 elétrons em orbitais p, de modo que todos os orbitais antiligan-tes teriam que ser ocupados. Extrapolando os valores que apare-cem na Tabela 9-4, obtemos um valor negativo para a energia de ligação do Ne2, o que está de acordo com a observação experi-mental de que os átomos de Ne não formam moléculas.

Ligações sp DirigidasMuitas moléculas estáveis são formadas por ligações covalen-tes sp, nas quais um dos átomos possui um elétron de valência no orbital s e o outro um ou mais elétrons de valência em orbi-tais p. O mecanismo é semelhante ao que acabamos de discutir e será ilustrado tomando como exemplo a molécula de HCl. A função de onda 1s do átomo de hidrogênio já foi discutida. O átomo de cloro, como o átomo de flúor, tem cinco elétrons p. Isto significa que, dos três orbitais atômicos 3p, dois estão ocu-pados por pares de elétrons (com os spins antiparalelos) e o ter-ceiro contém um elétron desemparelhado. É este elétron desem-parelhado que participa da ligação covalente. Como os outros quatro elétrons do orbital 3p não participam significativamente do processo, vamos ignorá-los no resto da discussão. A Figura 9-12a mostra o que acontece quando as funções de onda dos dois átomos se superpõem e o lado positivo da função de onda

Ene

rgia

, eV

Ligante

0 Distância r

Antiligante

Ligante

Antiligante

Ligante

Antiligante

Pz

2p

2s

1s

r → •

Pz

Px , Py

Px , Py

FIGURA 9-11 Energias dos orbitais moleculares ligantes e antiligantes para átomos com elétrons 2p na última subcamada. O diagrama não está em escala.

Tabela 9-4 Propriedades de algumas moléculas covalentes com ligações pp

N2 O2 F2

Número total de elétrons 2p 6 8 10

Energia de ligação (eV) 9,8 5,1 1,6

Distância de equilíbrio (nm) 0,11 0,12 0,14

(a)

(b)

ΨClΨH

– + + +

Cl 3p H 1s

FIGURA 9-12 (a) Representação esquemática das funções de onda do elétron desemparelhado 3p do Cl e do elétron 1s do H na orientação do orbital ligante. (b) Densidades de probabilidade correspondentes, mostrando a região de superposição (sombreada) na qual um acúmulo de carga negativa promove a ligação dos átomos.

Page 42: Leituras suplementares

Outras Ligações Covalentes 37

do orbital 3p do átomo de cloro está mais próximo do átomo de hidrogênio. Nesse caso, a superposição das funções de onda faz com que haja uma maior densidade de probabilidade na região entre os dois átomos, como se pode ver esquematicamente na Figura 9-12b. O resultado é a formação de um orbital sp ligante. Se a superposição ocorresse com o lado negativo da função de onda do orbital 3p do átomo de cloro mais próximo do átomo de hidrogênio, o resultado seria a formação de um orbital sp antiligante.

Vamos agora aplicar o mesmo raciocínio à molécula de H2O. A máxima superposição das funções de onda dos elétrons acon-tece quando dois dos quatro elétrons 2p do átomo de oxigênio estão em um dos orbitais (pz, por exemplo) com os spins empa-relhados, o terceiro elétron está no orbital px e o quarto elétron está no orbital py. Os elétrons que estão nos orbitais px e py for-mam ligações sp com os elétrons de dois átomos de hidrogênio. Se não fosse pela repulsão eletrostática entre os núcleos de hidro-gênio, as duas ligações O–H seriam mutuamente perpendicula-res, uma na direção do eixo x e a outra na direção do eixo y. O efeito da repulsão pode ser calculado e o resultado está de acordo com a observação experimental de que o ângulo entre as liga-ções é 104,5o (Figura 9-13).

Como já dissemos, os elétrons que participam de uma liga-ção covalente deixam de pertencer a um átomo isolado e passam a ser compartilhados por dois átomos. Por essa razão, uma des-crição precisa da distribuição de carga em uma molécula requer o emprego de orbitais moleculares em lugar dos orbitais atômicos dados pela Equação 9-4. Entretanto, os orbitais moleculares são qualitativamente muito parecidos com os orbitais atômicos.

Um raciocínio semelhante ajuda a explicar a formação da molécula de amoníaco, NH3. A configuração eletrônica do nitro-gênio no estado fundamental é 1s22s22p3. A superposição das funções de onda é máxima quando os três elétrons p do nitro-gênio estão desemparelhados nos orbitais px, py e pz. Esses três elétrons se unem a átomos de hidrogênio, através de ligações sp dirigidas, para formar a estrutura tridimensional que aparece na Figura 9-14. Por causa da repulsão entre os átomos de hidrogê-nio, os ângulos entre as ligações são um pouco maiores que 90o. Nesse caso, o ângulo é 107,3o. A molécula tem forma de pirâ-mide, com o átomo de nitrogênio no vértice e os três átomos de hidrogênio na base. Quando o nitrogênio é substituído por outros átomos do tipo np3 com maiores valores de Z, o ângulo entre as

O H

H

x

py

px

y

z

104,5°

+

++

+

– –

FIGURA 9-13 Densidades de probabilidade dos orbitais ligantes sp da molécula de H2O.

ligações diminui, já que os átomos de hidrogênio ficam mais distantes, o que reduz a repulsão mútua.

A Tabela 9-5 mostra as propriedades de várias moléculas dia-tômicas com ligações sp dirigidas. Observe que várias dessas moléculas também aparecem como moléculas iônicas na Tabela 9-2. Os ângulos entre as ligações de várias moléculas poliatômi-cas com ligações sp dirigidas aparecem na Tabela 9-6. As molé-culas estão separadas em dois grupos: o grupo das que contêm dois átomos de H e o grupo das que contêm três átomos de H. Dentro de cada grupo, as moléculas estão dispostas na ordem crescente da massa atômica do átomo que contribui com os elé-trons p para a ligação. Como era de se esperar, nos dois grupos o ângulo se aproxima de 90o para grandes valores de Z.

+ +

+

+

+

+

+

+

+

H

H

N

H

107,3°

FIGURA 9-14 Densidades de probabilidade dos orbitais 2p do N e dos orbitais 1s do H que participam das ligações sp dirigidas da molécula de NH3. Os sinais e se referem aos sinais relativos das funções de onda.

Tabela 9-5 Energia de dissociação e distância de equilíbrio para várias moléculas covalente com ligações sp

MoléculaEnergia de

dissociação (eV)Distância de

equilíbrio (nm)

HF 5,90 0,092

HCl 4,48 0,128

HBr 3,79 0,141

HI 3,10 0,160

LiF 5,98 0,156

LiCl 4,86 0,202

LiI 3,67 0,238

NaF 4,99 0,193

NaCl 4,26 0,236

NaBr 3,76 0,253

KF 5,15 0,217

KCl 4,43 0,267

Page 43: Leituras suplementares

38 Leitura Suplementar 9

Ligações sp HíbridasComo exemplo final, vamos considerar o caso mais complicado, mas muito importante, das ligações entre átomos de carbono e átomos de hidrogênio e outros átomos. Embora seja do tipo 2p, o átomo de carbono não foi incluído na discussão anterior por uma razão especial, que explicaremos em seguida. A configu-ração dos elétrons do carbono no estado fundamental é 1s22s22p2. De acordo com o que vimos até aqui, deveríamos esperar que o átomo de carbono fosse divalente, com os dois elétrons 2p for-mando ligações sp dirigidas para produzir moléculas como H2C, da mesma forma como o oxigênio forma ligações sp dirigidas com o hidrogênio para produzir H2O. A característica mais importante da química dos compostos de carbono, porém, é o fato de que compostos tetravalentes de carbono, como o CH4, nos quais as quatro ligações são equivalentes, são muito mais comuns que os compostos divalentes. Da mesma forma, seria de se esperar que elementos como B, Al e Ga, que contêm ape-nas um elétron p, formassem moléculas como BCl, B2O, Al2O e GaF, mas, na prática, esses elementos se comportam como se tivessem três elétrons de valência, formando moléculas como BCl3 e Al2O3.

A valência 4 do carbono tem uma origem interessante. Um dos primeiros estados excitados do carbono ocorre quando um elétron 2s é excitado para um estado 2p, o que resulta na confi-guração eletrônica 1s22s12p3. Nesse estado excitado existem qua-tro elétrons desemparelhados, que ocupam os orbitais 2s, 2px, 2py e 2pz. Se os quatro elétrons ligantes fossem descritos por esses orbitais atômicos, deveríamos ter três ligações semelhan-tes fazendo entre si ângulos de aproximadamente 90o e uma ligação diferente associada ao orbital 2s, que não possui uma direção preferencial. As quatro funções de onda corresponden-tes a esses quatro orbitais atômicos possuem energias da mesma ordem, mas não exatamente iguais. Mais uma vez, as previsões não estão de acordo com os resultados experimentais. Entre-tanto, é possível encontrar quatro combinações lineares desses orbitais que possuem energias iguais e dão origem a ligações com as orientações observadas experimentalmente. Essas fun-ções de onda híbridas são da forma

9-5

As funções da Equação 9-5 são conhecidas como orbitais sp3

híbridos.

Essa mistura de orbitais atômicos, conhecida como hibridi-zação, desempenha um papel extremamente importante na for-mação dos compostos de carbono. A Figura 9-15 mostra a estru-tura tetraédrica da molécula de metano (CH4); a Figura 9-16 mostra a molécula de etano (CH3–CH3), que é semelhante à molécula de CH4, exceto pelo fato de que uma das ligações C–H é substituída por uma ligação C–C.

Os orbitais do carbono também podem formar orbitais híbri-dos a partir da configuração sp2, com os orbitais s, px e py se combinando para formar três orbitais no plano xy que fazem entre si um ângulo de 120o, enquanto o orbital pz permanece sem se misturar. Entre as substâncias que apresentam esta configu-ração estão a grafita, na qual as ligações no plano xy são respon-sáveis pela estrutura lamelar característica do material, e molé-culas orgânicas como o eteno (H2C=CH2) e o benzeno (C6H6).

A ligação covalente híbrida sp2 do carbono é responsável pela formação de moléculas de carbono conhecidas como fullerenos. O primeiro fullereno a ser descoberto (em 1985) foi o C60. Deno-minada buckminsterfullereno,3 esta notável molécula é um esfe-roide com uma estrutura que possui a mesma simetria que uma bola de futebol, ou seja, é formada por hexágonos e pentágonos, com um átomo de carbono em cada vértice. Devido à seme-lhança com uma bola de futebol, o C60 recebeu o apelido de

Tabela 9-6 Ângulos entre as ligações de várias moléculas poliatômicas com ligações sp dirigidas

MoléculaÂngulo da ligação (˚) Molécula

Ângulo da ligação (˚)

H2O 104,5 NH3 107,3

H2S 93,3 PH3 93,3

H2Se 91,0 AsH3 91,8

H2Te 89,5 SbH3 91,3

FIGURA 9-16 Densidades de probabilidade da molécula de C2H6 (etano).

H

H

HC

H

109,5°109,5°

109,5° 109,5°

FIGURA 9-15 Densidades de probabilidade da molécula de CH4 (metano).

H

H

H

H

H H

C C

Page 44: Leituras suplementares

Outras Ligações Covalentes 39

“buckyball”.* (Veja a Figura 9-17a.) De acordo com o matemá-tico do século XVIII, Leonhard Euler,4 para que uma figura geo-métrica desse tipo pudesse assumir a forma de um esferoide, deveria ter exatamente 12 pentágonos, mas o número de hexá-gonos poderia variar consideravelmente. A molécula de C60, com 0,71 nm de diâmetro, é constituída por 12 pentágonos e 20 hexá-gonos. Pouco depois da descoberta do C60, os cientistas encon-traram outro fullereno quase com a mesma estabilidade, o C70. Mais tarde, foram descobertos fullerenos com um número de átomos de carbono que vai de 20 até 960. A transformação das ligações duplas (C=C) da configuração sp2 híbrida em ligações

(a) (b)

FIGURA 9-17 (a) Representação esquemática do buckminsterfullereno, a molécula C60. (b) A ligação de um átomo de H a cada um dos 60 áto-mos de C da buckyball, uma possibilidade teórica que até hoje não foi observada, produziria a chamada “fuzzyball”.* [Partes (a) e (b) de Ian Worpole, Scientific American 265(4), Outubro de 1991, p. 5.]

simples deixa uma valência livre, permitindo que átomos de outros elementos, como o hidrogênio, se liguem ao exterior dos fulle-renos (veja a Figura 9-17b). Esta possibilidade está apenas come-çando a ser investigada. As propriedades dos fullerenos sólidos, que são igualmente notáveis, serão discutidas no Capítulo 10.

Não temos espaço para discutir outros aspectos interessantes dos compostos de carbono. A grande família de compostos de carbono, conhecidos como compostos orgânicos por desempe-nharem um papel primordial na química dos seres vivos, deve sua existência aos orbitais híbridos do carbono, que permitem a formação de ligações químicas com outros átomos de carbono e outros elementos para formar longas cadeias. Apesar da com-plexidade das moléculas poliatômicas, suas características podem ser compreendidas à luz dos conceitos de mecânica quân-tica discutidos nos capítulos anteriores.*Fuzzy, em inglês, significa felpudo. (N.T.)

Page 45: Leituras suplementares

40

CAPÍTULO 10 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Condução de Calor – O Modelo Quântico

Os bons condutores de eletricidade são também bons conduto-res de calor. De acordo com a teoria clássica, isso acontece por-que, nos metais, o gás de elétrons é responsável pela condução tanto de eletricidade como de calor. As previsões teóricas da teoria clássica da condução de calor, discutida na Revisão de Conceitos Clássicos Condução de Calor – O Modelo Clássico, apoiam essa ideia. Em particular, a conclusão de que a razão entre a condutividade térmica e a condutividade elétrica é pro-porcional à temperatura e é a mesma para todos os metais (lei de Weidemann-Franz) é confirmada na prática. Entretanto, o valor clássico dessa razão constante é bem menor que o valor experimental. Como vamos ver em seguida, uma correção do modelo com base na teoria quântica leva a um valor da constante que está muito mais próximo dos resultados experimentais.

Quando substituímos v por uF, a velocidade de Fermi, a Equação CC-6, da Revisão de Conceitos Clássicos, Condução de Calor – O Modelo Clássico, usada para calcular a conduti-vidade térmica de um gás, se torna

na qual C é o calor específico por unidade de volume e CV é o calor específico molar a volume constante. De acordo com a Equação 10-30, Cv = 2RT/2TF = 2RkT/2EF e, portanto,

Como R = NAk e EF = mu2F, temos:

10-31

De acordo com a Equação CC-9 da Revisão de Conceitos Clás-sicos, Condução de Calor – O Modelo Clássico e a Equação 10-31, o número de Lorentz é dado por

10-32

Assim, a lei de Wiedemann-Franz também é prevista pelo modelo quântico, e, além disso, existe uma boa concordância entre o valor teórico do número de Lorentz, L = 2,45 108 W /K2, e os valores experimentais da Tabela CC-1 da Revi-são de Conceitos Clássicos, Condução de Calor – O Modelo Clássico.

Page 46: Leituras suplementares

41

CAPÍTULO 10 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Bandas de Energia em Sólidos: Uma Abordagem Alternativa

Em uma abordagem alternativa para determinar os níveis de energia dos elétrons em sólidos, consideramos os níveis de ener-gia dos átomos isolados e examinamos o que acontece com esses níveis quando os átomos se unem para formar o sólido. Como vimos na Seção 9-2, quando dois átomos de hidrogênio se apro-ximam um do outro, os dois estados 1s (um de cada átomo) se desdobram em dois estados moleculares que possuem diferen-tes simetrias espaciais e diferentes energias. A função de onda simétrica S está associada a uma energia potencial menor e a uma molécula estável, enquanto a função de onda antissimétrica está associada a uma energia maior e não leva à formação de uma molécula estável (veja as Figuras 9-6 e 9-8).

Vejamos agora o que acontece quando aproximamos mais de dois átomos. A Figura 10-25 mostra em gráficos unidimensio-nais as possíveis funções de onda de um conjunto de seis áto-mos cujos elétrons de valência estão em um orbital s. Este seria o caso, por exemplo, de seis átomos de sódio, cada um com um elétron no orbital 3s. Na Figura 10-25a, a função de onda é simé-trica entre átomos vizinhos. A concentração de carga entre dois átomos é aproximadamente a mesma que no estado simétrico para dois átomos, ilustrado no lado esquerdo da Figura 9-6b. Na Figura 10-25f, a função de onda é antissimétrica entre átomos

vizinhos e é semelhante à função de onda do estado antissimé-trico para dois átomos, ilustrado no lado direito da Figura 9-6b. Os seis estados (doze, se levarmos em conta o spin), que têm a mesma energia quando os átomos estão muito distantes uns dos outros, se desdobram em seis diferentes níveis de energia quando os átomos estão próximos. O nível de menor energia está asso-ciado à função de onda da Figura 10-25a e o de maior energia à função de onda da Figura 10-25f. Como vimos na Seção 6-3, as funções de onda com menor curvatura são as que correspon-dem às menores energias. A diferença entre as duas energias depende da distância interatômica, como na Figura 9-8b, mas não do número de átomos, já que a concentração de carga para estes casos extremos (função de onda totalmente simétrica e totalmente antissimétrica) não muda quando o número de áto-mos aumenta. A Figura 10-26 mostra o desdobramento dos esta-dos 1s e 2s para seis átomos em função da distância interatô-mica. No caso de N átomos, cada banda tem N estados, de modo que as bandas são quase contínuas nos sólidos macroscópicos, para os quais N 1023. Dependendo do tipo de átomo, do tipo de ligação e da estrutura cristalina, as bandas podem estar sepa-radas por uma larga banda proibida, podem estar próximas ou podem se superpor parcialmente.

FIGURA 10-25 Funções de onda com diferentes simetrias para um conjunto de seis átomos em uma dimensão. O estado associado à função simé-trica (a) é o que possui menor energia, enquanto o estado associado à função antissimétrica (f) é o que possui maior energia. A energia aumenta à medida que a curvatura da função de onda total aumenta.

(c)

(d)

(a)

(b)

(e)

(f )

(c)

(d)

(a)

(b)

(e)

(f )

Page 47: Leituras suplementares

42 Leitura Suplementar 10

Distância interatômica

Bandas permitidas

Banda proibida

2s

1s

Energia

FIGURA 10-26 Desdobramento dos estados 1s e 2s de um conjunto de seis átomos em função da distância interatômica.

Page 48: Leituras suplementares

43

CAPÍTULO 10 LEITURA SUPLEMENTAR 3

Como Funcionam os Transistores

Vamos discutir primeiramente o chamado transistor bipolar, mostrado na Figura 10-44. Em condições normais de operação, a junção emissor-base está polarizada diretamente e a junção base-coletor está polarizada inversamente, como na Figura 10-44a. O emissor tipo p emite buracos que atravessam a junção emissor-base e penetram na base. Como a base é muito estreita, a maior parte desses buracos atravessa a base e chega ao coletor. A esses buracos está associada uma corrente Ic do emissor para o cole-tor. Entretanto, alguns buracos se recombinam na base, produ-zindo uma carga positiva que tende a impedir a passagem de corrente. Para evitar que isso aconteça, parte dos buracos que não chegam ao coletor são recolhidos da base na forma de uma corrente de base Ib em um circuito ligado à base. Na Figura 10-44, portanto, Ic é ligeiramente menor que Ie e Ib é muito menor que Ic e Ie. Costuma-se expressar Ic na forma

10-50

na qual é chamado de ganho de corrente do transistor. Depen-dendo do tipo de transistor, o valor de pode variar de 10 até quase 1000.

A Figura 10-44b mostra um transistor pnp funcionando como amplificador. Uma pequena tensão alternada de entrada vs é apli-cada em série com a tensão de polarização Veb. A corrente de base é, portanto, a soma de uma corrente contínua Ib produzida pela

tensão de polarização Veb e uma corrente alternada ib produzida pela tensão de sinal vs. Como o valor instantâneo da tensão de sinal pode ser positivo ou negativo, o valor da tensão de polari-zação Veb deve ser suficiente para que a junção emissor-base esteja sempre polarizada diretamente. A corrente de coletor é a soma de duas correntes: uma corrente contínua Ic = Ib e uma corrente alternada ic = ib. Assim, temos um amplificador de corrente no qual a corrente de saída ic é vezes maior que a corrente de entrada ib. Neste tipo de amplificador, as correntes contínuas Ic e Ib, embora essenciais para o funcionamento do transistor, são consideradas apenas de passagem. A tensão do sinal de entrada, vs, está rela-cionada à corrente de base pela lei de Ohm:

10-51

para a qual rb é a resistência interna do transistor entre a base e o emissor. A corrente de coletor ic produz uma tensão de saída vL entre os terminais da resistência de carga RL que é dada por

10-52

De acordo com a Equação 10-50, temos:

FIGURA 10-44 (a) Um transistor pnp polarizado. (b) Uso de um transistor pnp como amplificador. Uma pequena variação ib na corrente de base resulta em uma grande variação ic na corrente de coletor. Assim, um pequeno sinal aplicado ao circuito base-emissor resulta em um grande sinal entre os terminais do resistor de carga RL situado no circuito emissor-coletor. (c) O mesmo circuito mostrado em (b), usando um símbolo esque-mático para representar o transistor.

Tipo p

Tipo p

Tipo n

e

c

b

Ic

Ib

Ie

Veb

Vec+–

+–

(a)

p

p

n

e

c

b

Ib + ib

Rb

RL

vs

Ic + ic

Veb

Vec+–

+

Entrada

Saída

(b)

e

b

Ib + ib

Rb

RL

vs

Ic + ic

Veb

Vec+–

+–

(c)

c

Page 49: Leituras suplementares

44 Leitura Suplementar 10

Assim, a relação entre a tensão de saída e a tensão de entrada pode ser expressa na forma

10-53

A razão entre a tensão de saída e a tensão de entrada é chamada de ganho de tensão do amplificador:

10-54

Em um circuito prático, podemos ter = 100 e RL/(Rb + rb) = 0,5. Nesse caso, o ganho de tensão é 50. Um cálculo mais deta-lhado mostra que vL e vs estão defasadas de 180o, ou seja, quando vs atinge o valor máximo positivo, vL atinge o valor máximo negativo. No caso de um amplificador simples, essa mudança de fase não é importante porque todas as tensões de entrada, independentemente da frequência, são afetadas da mesma forma. O amplificador de tensão que acabamos de descrever é a base de muitos circuitos usados em sistemas de comunicações.

Um amplificador típico, como os que são usados nos apare-lhos de som, contém vários transistores como o da Figura 10-44 ligados em cascata, de tal forma que a saída de um transistor serve de entrada para o transistor seguinte. Assim, a pequena tensão produzida pela cabeça de leitura controla a alta potência necessária para fazer funcionar os alto-falantes. A potência con-sumida pelos alto-falantes é fornecida pelas fontes de tensão contínua ligadas aos transistores. A resistência de um semicon-dutor depende da concentração de impurezas; os diodos polari-zados inversamente possuem uma capacitância que pode ser controlada pela tensão de polarização. Essas duas propriedades são usadas para incorporar resistores e capacitores aos circuitos integrados, nos quais mais de um milhão de transistores, além dos resistores e capacitores associados, são fabricados em um único cristal, ou “pastilha”, de silício.

Circuitos IntegradosOs circuitos integrados combinam dispositivos eletrônicos ati-vos (transistores) com dispositivos eletrônicos passivos (diodos, resistores e capacitores) em uma única pastilha de silício. Um circuito integrado pode conter milhões de transistores de um tipo chamado transistor de efeito de campo metal-óxido-semi-condutor (MOSFET*), no qual a corrente que atravessa o dis-positivo não é controlada por uma corrente, como nos transis-tores bipolares, mas por uma tensão. Um MOSFET dispõe de três terminais: fonte, porta e dreno. Vamos ilustrar o funciona-mento para um MOSFET npn (veja a Figura 10-45), mas o MOSFET pnp funciona de maneira análoga. Os terminais da fonte e do dreno estão ligados a regiões tipo n e o centro do dis-positivo é feito de material tipo p. O terminal da porta está sepa-rado do centro do dispositivo por um material isolante. Na ausên-cia de uma tensão aplicada ao terminal da porta, os elétrons, que são maioria nas regiões da fonte e do dreno, não podem passar pelo centro do dispositivo porque, como o centro é feito de mate-rial tipo p, a concentração de elétron é muito pequena e os pou-cos elétrons que existem estão distribuídos por um volume muito grande. Assim, a corrente que atravessa o dispositivo é pratica-mente nula. Quando uma tensão positiva é aplicada à porta, os poucos elétrons que existem na região tipo p são atraídos pela tensão positiva e se acumulam nas proximidades do isolante, formando uma região com uma alta concentração de elétrons, chamada canal, que liga a região da fonte à região do dreno, permitindo a passagem de corrente elétrica. Assim, a aplicação de uma pequena tensão à porta permite controlar uma grande corrente entre a fonte e o dreno, e o MOSFET funciona como um amplificador.

O Futuro dos TransistoresNos últimos 50 anos, a velocidade e a densidade dos transisto-res (número de transistores por unidade de área) têm dobrado a cada dois anos, uma tendência conhecida como “lei de Moore” por causa de Gordon Earle Moore, um executivo americano que fez esta previsão em 1975. Entretanto, os cientistas acreditam que esta evolução não poderá persistir por muito tempo sem esbarrar em sérias limitações físicas. Por exemplo: para concen-trar um número maior de transistores em um dado volume e, ao mesmo tempo, manter a dissipação de calor em um nível tole-rável, os projetistas tiveram que reduzir a resistência dos tran-

FIGURA 10-45 Um MOSFET npn. A largura do canal, da qual depende a resistência entre a fonte e o dreno, é controlada por uma tensão apli-cada à porta.

EXEMPLO 10-11 Correntes em uma Junção pn Compare as correntes em junções pn polarizadas diretamente com ten-sões de 0,25 V e 0,75 V. Compare também as correntes em uma junção pn polarizada diretamente com 0,75 V e em uma junção pn polarizada inversamente com o mesmo valor de tensão. Suponha que os diodos estão operando a 297 K.

SOLUÇÃOA corrente nos diodos é dada pela Equação 10-49. No pri-meiro caso, lembrando que k/e = 8,63 eV/K, temos:

Assim, um aumento de 0,50 V na tensão direta aplicada faz com que a corrente seja multiplicada por mais de 100 milhões!

O efeito de uma inversão de polaridade é igualmente notá-vel:

*Do inglês Metal-Oxide-Semiconductor Field Effect Transistor. (N.T.)

Page 50: Leituras suplementares

Como Funcionam os Transistores 45

sistores, aumentando a concentração de dopantes nas regiões da fonte, canal e dreno. Essa concentração atualmente é da ordem de 1%, próxima do limite de solubilidade dos dopantes no silí-cio. Em concentrações maiores, os átomos dos dopantes tendem a formar aglomerados em vez de estabelecer ligações covalen-tes com átomos de silício. A busca de novos dopantes que pos-sam ser usados em maiores concentrações até agora se revelou infrutífera.

A redução da espessura da camada isolante entre o terminal da porta e o canal também está chegando perto do limite. Atual-

mente, a espessura da camada isolante é da ordem de 1,5 a 2,0 nm, o que corresponde a apenas três ou quatro camadas atômicas. Uma solução seria substituir o isolante por um material com maior constante dielétrica, mas as tentativas nesse sentido até o momento não se revelaram promissoras. Esses e outros problemas terão que ser resolvidos para que a produção dos circuitos integrados con-tinue a apresentar a mesma evolução dos últimos 50 anos.

Page 51: Leituras suplementares

46

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 1

O Modelo da Gota de Líquido e a Equação de Weizsäcker

O fato de que a densidade da matéria nuclear e a energia de liga-ção por núcleon são aproximadamente iguais para todos os nuclí-deos estáveis foi notado pela primeira vez no início da década de 1930. Isso levou os físicos a comparar o núcleo a uma gota de líquido, que também apresenta uma densidade constante, independente do número de moléculas. A energia necessária para remover moléculas de uma gota de líquido é o chamado calor de vaporização, que é proporcional à massa total e, por-tanto, ao número de moléculas da gota, do mesmo modo como a energia de ligação é proporcional ao número de núcleos. Usando esta analogia, Weizsäcker propôs em 1935 uma equação para calcular a massa de um núcleo (ou a energia de ligação, já que as duas grandezas estão relacionadas pela Equação 11-10) em função de A e Z, conhecida como equação de Weizsäcker. Vamos apresentar uma das versões da equação e discutir a ori-gem dos diferentes termos. A energia de ligação é dada por

11-12

O primeiro termo da Equação 11-12 reflete o fato de que o número de interações é proporcional a A; graças à existência deste termo, a energia de ligação por núcleon é aproximada-mente constante.

O segundo termo é uma correção do primeiro. Os núcleons que estão na superfície do núcleo têm menos vizinhos e, por-tanto, menos interações que os núcleons da região central. Este efeito é análogo ao da tensão superficial em uma gota de líquido. A área da superfície é proporcional a R2; portanto, é proporcional a A2/3. O termo é negativo porque a um número menor de inte-rações corresponde uma energia de ligação menor. Este é o termo responsável pelo fato de que a energia de ligação por núcleon é muito pequena para pequenos valores de A (Figura 11-10).

O terceiro termo representa a energia eletrostática associada à repulsão entre os prótons. Esta energia é igual à energia média de repulsão de um par de prótons, 6ke2/5R (veja o Problema 11-73) multiplicada pelo número de pares de prótons, que é igual a Z(Z 1)/2. Assim, o terceiro termo é

11-13

Como a repulsão entre os prótons diminui a energia de ligação, este termo é negativo. Embora o efeito exista para todos os núcleos com Z > 1, ele é mais importante para núcleos com grandes valo-res de Z e é o principal responsável pela diminuição gradual da energia de ligação por núcleon para grandes valores de A.

O quarto termo, de origem puramente quântica, reflete o fato de que, se N Z, a energia do núcleo aumenta e a energia de ligação diminui por causa do princípio de exclusão. A grandeza A 2Z = N Z 2Z = N Z é a diferença entre o número de nêutrons e o número de prótons. A expressão (A 2Z)2/A = (N Z)2/A é um termo empírico, conhecido como termo de sime-tria, que se anula para N = Z e não depende do sinal de N Z.

O último termo é um termo empírico que reflete a tendência dos núcleons de formar pares com núcleons do mesmo tipo (veja o parágrafo que precede a Tabela 11-2). A contribuição para a energia de ligação L é positiva, se Z e N são pares, e negativa, se Z e N são ímpares. Se Z é par e N é ímpar ou vice-versa, a contribuição do termo é nula (Tabela 11-3). Os resultados de muitos experimentos foram usados para ajustar os coeficientes da Equação 11-12, ou de equações um pouco mais sofisticadas, para a melhor concordância possível com os valores medidos. A curva da Figura 11-10 representa um desses ajustes. A Tabela 11-3 mostra os valores dos coeficientes a1, a2, a3, a4 e a5 usados para gerar a curva da Figura 11-10.

De acordo com as Equações 11-10 e 11-12 e a discussão pre-cedente, a equação de Weizsäcker para a massa M(Z, A) de um núcleo pode ser escrita na forma

11-14

Page 52: Leituras suplementares

O Modelo da Gota de Líquido e a Equação de Weizsäcker 47

A precisão da Equação 11-14, que é de 0,2 MeV, pode ser vista como excelente, considerando a forma como foi obtida. A equação tem muitas aplicações interessantes. Por exemplo: uma versão um pouco mais sofisticada da Equação 11-14 foi usada por P. A. Seeger9 para calcular e tabular as massas de quase 7500 nuclídeos, incluindo muitos que até hoje não foram observados. A equação também proporciona uma visão global de algumas propriedades dos núcleos. Fazendo (M/Z)A = 0, por exemplo, obtemos o valor de Z para o qual a massa é mínima em uma série de isóbaros. Fazendo A = (R/R0)3 na Equação 11-14 e usando os valores experimentais das massas e dos coeficientes, é possível determinar o valor de R0; o resultado, R0 = 1,237 fm, está em excelente concordância com os resultados obtidos por outros métodos. Plotando os valores de M(Z, A)c2 calculados a partir da Equação 11-14 em função de N e de Z em um gráfico tridimensional, obtemos uma figura em forma de vale cuja parte mais profunda coincide com a linha de estabilidade (veja a Figura 11-15). Como vamos ver na Seção 11-4, este tipo de gráfico pode ser muito útil no estudo do decaimento .

SOLUÇÃOPara o 50Fe, Z = 26, N = 24 e A = 50. Substituindo na Equa-ção 11-14 mp e mn pelos valores que aparecem na Tabela 11-1 e os coeficientes a1, a2, a3, a4 e a5 pelos valores que aparecem na Tabela 11-3, obtemos:

O termo entre colchetes é a energia de ligação. Assim, em unidades de energia, a energia de ligação do 50Fe é 294,0 MeV. Em unidades unificadas de massa, a energia de ligação é

A massa do 50Fe em unidades unificadas é, portanto,

M(26,50) = 50,40 u 0,44 u = 49,96 u

Este resultado concorda muito bem com o valor experimental, 49,96299 u (http://en.wikipedia.org/wiki/Isotopes_of_iron).

EXEMPLO 11-6 Os Isótopos do Berílio O berílio (Z = 4) tem oito isótopos conhecidos,** dos quais apenas um, o 9Be, é estável. Compare a massa atômica do 8Be com a de dois átomos de 4He e a massa atômica do 9Be com as do 7Li e do 2H. O que se pode concluir dessas comparações?

SOLUÇÃOAs massas atômicas desses isótopos aparecem no Apêndice A:

4He e 8Be A massa atômica de dois átomos de 4He é 8,005204 u. A massa do 8Be é maior que este valor; a dife-rença é 1,01 10-4 u = 0,0941 MeV/c2. Assim, o 8Be tem a tendência de se decompor espontaneamente em dois nuclí-deos de 4He, liberando 0,0941 MeV no processo. É exata-mente o que ocorre na prática.

7Li-2H e 9Be A soma das massas do 7Li e do 2H é 9,030105 u. A massa do 9Be é menor que este valor; a diferença é 0,017931 u = 16,7 MeV/c2. Isso significa que o 9Be não pode se decom-por espontaneamente em um dêuteron e um nuclídeo de 7Li.

Tabela 11-3 Valores experimentais dos coeficientes da equação de Weizsäcker

a5 (N, Z)

Coeficiente a1 a2 a3 a4 Par-par Ímpar-ímpar Par-ímpar, ímpar-par

Valor (MeV/c2) 15,67 17,23 0,75 93,2 12 12 0

EXEMPLO 11-4 O Último Nêutron do 4He Determine a energia de ligação do último nêutron do 4He.

SOLUÇÃO1. A energia de ligação L do segundo nêutron do 4He é dada

por

2. As massas envolvidas aparecem no Apêndice A

3. Substituindo esses valores na equação do item 1, obtemos:

EXEMPLO 11-5 Massa do 50Fe Os isótopos do ferro 49Fe e 51Fe são emissores de pósitrons, mas o isótopo 50Fe jamais foi observado.* Determine o valor esperado da massa do 50Fe.

*Na verdade, o isótopo 50Fe foi observado em 1997 (R.E. Tribble et al., Phys. Rev. C 16, 917 (1997). (N.T.) **Na verdade, o berílio possui 9 isótopos conhecidos, de 6Be a 14Be. (N.T.)

Page 53: Leituras suplementares

48

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Sequências de Decaimentos

Em muitos decaimentos, o núcleo A se transforma em outro núcleo B que, por sua vez, se transforma no núcleo C. Nesses casos, a equação para o decaimento do núcleo B não é tão sim-ples como a Equação 11-17 porque é preciso incluir um termo adicional para a produção de B a partir de A. Se A é a constante de decaimento de A e B é a constante de decaimento de B, a equação diferencial para a taxa de decaimento de B é

11-25

Resolvendo esta equação (veja, por exemplo, o Problema 11-21), obtemos:

11-26

A Figura 11-13 ilustra o caso particular em que B = 5A. Exis-tem dois casos especiais de interesse. O primeiro é aquele no

qual o nuclídeo A (conhecido como nuclídeo pai) tem uma meia-vida muito maior que o nuclídeo B (conhecido como nuclídeo filho). Nesse caso, A << B. Para tempos muito menores que a meia-vida de A, o número de núcleos A é praticamente cons-tante. Assim, ANA AN0A = R0 e, se NB = 0 em t = 0, a Equa-ção 11-25 se torna

11-27

que descreve o decaimento quando B é produzido a uma taxa cons-tante R0. Para tempos no intervalo B << t << A, o número de núcleos B é aproximadamente constante e igual ao valor limite

11-28

Um exemplo é o 226Ra, que se transforma em 222Rn, que, por sua vez, se transforma em 218Po. A meia-vida do 226Ra é 1620 anos e a meia-vida do 222Rn é 3,83 dias. Para intervalos de tempo maio-res que cerca de 10 dias e muito menores que 1620 anos, o número de núcleos de 222Rn permanece constante (dNB/dt = 0) porque a taxa de formação a partir do 226Ra é igual à taxa de decaimento. Esta situação é conhecida como equilíbrio secular.

O segundo caso de interesse é aquele em que o nuclídeo pai tem um tempo de vida maior (não necessariamente muito maior) que o nuclídeo filho e o tempo transcorrido t é maior ou da mesma ordem que A. Neste caso, podemos desprezar eBt em presença de eAt e a Equação 11-26 se torna

11-29

Assim, após um tempo suficientemente longo, a taxa de decai-mento do nuclídeo filho se torna igual à do nuclídeo pai. Esta situação é conhecida como equilíbrio transitório.

FIGURA 11-13 Variação do número de átomos pais, de acordo com a Equação 11-18, para N0 = 1000. O número de átomos filhos (radioati-vos) varia com o tempo, de acordo com a Equação 11-26. As curvas foram traçadas para B = 5A.

EXEMPLO 11-9 Cálculo do Tempo de Produção Em um experimento de laboratório, folhas finas de prata são coloca-das nas proximidades de uma fonte de nêutrons. A captura de nêutrons pelos nuclídeos de 107Ag produz 108Ag, que é radio-ativo e sofre decaimento com uma meia-vida de 2,4 min

Page 54: Leituras suplementares

Sequências de Decaimentos 49

(ou seja, um tempo médio de vida de 3,5 min). Por quanto tempo é necessário submeter as folhas ao bombardeio de nêu-trons para que o número de nuclídeos de 108Ag produzidos seja 95% do número máximo que pode ser produzido?

SOLUÇÃO1. O tempo necessário para produzir N nuclídeos de 108Ag bom-

bardeando 107Ag a uma taxa constante R0 é dado pela Equa-ção 11-26 com N0B = 0, B A B = e eAt 1:

em que N0 = R0 é o número máximo de nuclídeos filhos que pode ser produzido.

2. Para que N seja igual a 95% de N0, devemos ter:

ou

3. Explicitando a exponencial, temos:

4. O tempo médio de vida é dado por

5. Substituindo pelo seu valor na equação do item 3 e tomando o logaritmo natural de ambos os membros, obtemos:

Observação: O tempo necessário para produzir 95% do número máximo possível de núcleos de 108Ag pode também ser estimado a partir de um gráfico como o da Figura 11-14. A estimativa obtida é três tempos médios de vida, o que concorda razoavelmente bem com o valor calculado.

EXEMPLO 11-10 Cálculo da Atividade de uma Amostra Radioativa O isótopo radioativo 90Sr (também conhecido como “estrôncio 90”) é produzido em reatores nucleares e em testes de armas nucleares. Como o isótopo possui uma meia-vida nem muito longa nem muito curta (29 anos) e o estrôncio é facilmente absorvido pelos organismos vivos por apresentar propriedades químicas semelhantes às do cálcio, a presença de 90Sr no ambiente, causada por acidentes em reatores ou por testes nucleares, cons-titui um grande risco para a saúde. O produto do decaimento do 90Sr é o 90Y, que também é radioativo, com uma meia-vida de 64 horas. Suponha que uma amostra contém inicialmente 1 g de 90Sr. Determine a atividade da amostra após três dias (aproxima-damente uma meia-vida do 90Y) e após um mês.

SOLUÇÃOO número de núcleos N0A inicialmente presentes na amostra de 1 g é dado pelo número de Avogadro dividido por 90, a massa molecular do estrôncio 90:

No instante t = 0, a atividade se deve inteiramente ao 90Sr e é dada por R0A = AN0A (Equação 11-19). A constante de decai-mento do 90Sr é

Assim, temos:

DEPOIS DE 3 DIASDepois de três dias, o número de núcleos de 90Y presentes na amostra, NB, é dado pela Equação 11-26 com t = (3 d) (8,64 104 s/d) = 2,59 105 s e N0B = 0. A constante de decaimento do 90Y é

Substituindo N0A, A, B e t por seus valores na Equação 11-26, obtemos:

Desprezando A no denominador em comparação com B, temos:

e a atividade após 3 dias é, portanto,

FIGURA 11-14 Número relativo de núcleos radioativos em função do tempo, para uma taxa de produção constante. O número relativo é dado por N/N0 = 1 et/, onde é o tempo médio de vida e N0 é o produto da taxa de produção R0 pelo tempo médio de vida. N/N0 → 1 para t/ → .

0

1,0

0,2

0,4

0,6

0,8

21 3 4

N/N

0

t /τ

Page 55: Leituras suplementares

50 Leitura Suplementar 11

na qual desprezamos a variação do número de núcleos de 90Sr durante o período de três dias. Observe que a atividade total é maior que em t = 0. Cerca de um terço dessa atividade se deve ao 90Y.

DEPOIS DE 1 MÊSComo este intervalo de tempo equivale a mais de 11 meias-vidas de 90Y, o equilíbrio secular já foi atingido; assim, o número de núcleos de 90Y pode ser calculado com o auxílio da Equação 11-28:

A atividade total após um mês, mais uma vez desprezando a variação do número de núcleos de 90Sr, é dada por

Observe que a atividade do filho é igual à do pai, como era de se esperar para dois nuclídeos em equilíbrio secular.

Exercícios

4. O radioisótopo 222Rn é um filho de meia-vida relativamente curta do 226Ra e representa um sério risco para a saúde em várias regiões do mundo. Por que é extremamente difícil remover 222Rn do ambiente usando métodos químicos?

5. O que aconteceria com a atividade de uma amostra como a do Exemplo 11-10 se o produto do decaimento do nuclídeo filho fosse um neto radioativo com uma meia-vida muito menor que a do nuclídeo filho?

Page 56: Leituras suplementares

51

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 3

Níveis de Energia do Decaimento Alfa

A energia liberada em um decaimento , Q, é igual à diferença entre a massa do nuclídeo pai e a soma das massas dos produtos do decaimento, que incluem pelo menos o nuclídeo filho e uma partícula . Considere o decaimento do 232Th (Z = 90) em 228Ra (Z = 88) e uma partícula :

11-33

A energia Q é geralmente expressa em termos de massas atô-micas (que incluem as massas dos elétrons) porque, como já observamos, essas são as massas medidas nos espectrômetros de massa. Se MP é a massa do átomo pai, MF é a massa do átomo filho e MHe a massa de um átomo de hélio, a energia do decai-mento, Q, de acordo com a lei de conservação da massa-ener-gia, é dada por

11-34

Observe que as massas dos dois elétrons do átomo de He compensam o fato de que o átomo filho possui dois elétrons a menos que o átomo pai. Aplicando a Equação 11-34 ao exemplo da Equação 11-33, a massa do átomo de 232Th é 232,038124 u. A massa total dos produtos do decaimento é a soma da massa do 228Ra, 228,031139 u, e do 4He, 4,002603 u, um total de 232,033742 u. De acordo com a Equação 11-34, Q/c2 = 232,038124 232,033742 = 0,004382 u. Multiplicando este resultado pelo fator de conversão 931,5 MeV/c2, obtemos Q = 4,08 MeV. Assim, a energia de repouso do 232Th é maior que a soma das energias de repouso do 228Ra e do 4He; isso significa que o 232Th é instável em relação ao decaimento .

A energia cinética da partícula (no caso de decaimentos para o estado fundamental do núcleo filho) é ligeiramente menor que a energia de decaimento Q por causa da pequena energia de recuo do núcleo filho. Se o núcleo pai está em repouso antes de decair, o núcleo filho e a partícula têm momentos iguais e opostos. Chamando de p o módulo do momento de uma das par-tículas, a energia do decaimento é dada por

11-35

(Como não estamos calculando diferenças de massa, tanto faz usarmos massas nucleares ou massas atômicas, já que a massa dos elétrons é muito menor que a massa dos núcleos.) Fazendo p2/2MHe = E e MHe/MF = 4/(A 4), na qual A é o número de massa do núcleo pai, obtemos:

11-36

Como A é muito maior que 4 para a maioria dos núcleos que sofrem decaimento , E é praticamente igual a Q. No caso do decaimento do 232Th, a energia cinética da partícula corres-ponde a 98% da energia de decaimento (veja o Problema 11-27). Observe que a carga elétrica e o número de núcleons são con-servados nos decaimentos .

Se todos os decaimentos correspondessem a transições do estado fundamental do núcleo pai para o estado fundamental do núcleo filho, as partículas emitidas teriam todas a mesma ener-gia cinética, dada pela Equação 11-36. Quando as energias das partículas emitidas são observadas com alta resolução, porém, verifica-se que as partículas podem ser emitidas com várias ener-gias diferentes, como se pode ver na Figura 11-19, que mostra as energias das partículas produzidas no decaimento do 227Th para 223Ra. O pico de maior energia, 0, corresponde a decai-mentos para o estado fundamental do núcleo filho, com uma energia total Q = 6,04 MeV dada pela Equação 11-34. O pico 30 se deve a partículas com uma energia 30 keV menor que a energia máxima, o que indica que o decaimento ocorre para um estado excitado do núcleo filho 30 keV acima do estado funda-mental. (A menos que tenha sido produzido recentemente em uma reação nuclear ou em um decaimento, é provável que o núcleo pai se encontre no estado fundamental; nesse caso, a energia da partícula emitida depende apenas do estado em que se encontra o núcleo filho após o decaimento.) Esta interpreta-ção do pico 30 é confirmada pela observação do raio de 30 keV que o núcleo filho emite ao voltar ao estado fundamental. Como a meia-vida do estado excitado do núcleo filho é muito pequena, o raio é observado quase simultaneamente com a emissão da partícula . A Figura 11-20 mostra o diagrama de níveis de energia do 223Ra, obtido a partir da medida das energias

Page 57: Leituras suplementares

52 Leitura Suplementar 11

FIGURA 11-20 Níveis de energia do 223Ra, determinados a partir da medida da energia das partículas emitidas pelo 227Th. Apenas os níveis de menor energia e algumas das transições envolvendo emissão de raios são mostrados na figura.

400

1200

800

1600

Energia, MeV

α235

α247

α286

α280

α330

α334

α342

α350

α376 α174α124

α80α30

α61α0

5,70 5,905,80 6,00

Núm

ero

de p

artíc

ulas

6,04 MeV

286 keV280 keV

247 keV235 keV

174 keV

124 keV

80 keV

61 keV

30 keV

0223Ra

227Th

γ

γ γ

γ

γ

α174

α80

α286

α280

α247

α235

α61

α30

α0

α124

FIGURA 11-19 Espectro de partículas do 227Th. As partículas de maior energia (linha 0) correspondem ao decaimento para o estado fundamental do 223Ra, com um ganho de energia Q = 6,04 MeV. As partículas da linha 30 correspondem a transições para o primeiro estado excitado do 223Ra, 30 keV acima do estado fundamental. Os níveis de energia do núcleo filho, o 223Ra, podem ser determinados a partir da medida da energia das partículas .

das partículas e dos raios emitidos no decaimento do 227Th. Apenas o nível fundamental e os primeiros nove níveis excitados do 223Ra aparecem na figura, e estão indicadas apenas algumas transições entre estados, responsáveis pela emissão de raios .

EXEMPLO 11-11 Decaimento do 232Th por Emissão de Prótons? Mostre que o 232Th, que, como foi visto, é instável em relação ao decaimento , não pode reduzir a energia que possui emitindo um próton, ou seja, é estável em relação à emissão de prótons.

SOLUÇÃOA emissão de um próton pelo 232Th pode ser representada pela seguinte equação:

Este processo seria semelhante a um decaimento , com MHe substituída por MH na Equação 11-34. Assim, temos:

e, portanto, Q = 7,29 MeV. Como a energia Q é negativa, a soma das massas dos produtos do decaimento é maior que a massa do núcleo pai, e a emissão de um próton pelo 232Th violaria a lei de conservação da energia.

Page 58: Leituras suplementares

53

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 4

O Efeito Mössbauer

Um fenômeno interessante associado ao decaimento é o efeito Mössbauer. Como os estados excitados têm um tempo de vida finito, sua energia, de acordo com o princípio de indetermina-ção de Heisenberg, não é perfeitamente definida e os fótons emitidos pelos núcleos que sofrem uma transição do mesmo estado excitado para o estado fundamental não têm todos a mesma energia. A largura da distribuição de energia dos fótons, , está relacionada ao tempo médio de vida do estado excitado através da equação = /. Em princípio, é possível determinar a largura da distribuição de energia (e, portanto, o tempo de vida do estado excitado) usando uma técnica conhecida como fluo-rescência ressonante, que se baseia na absorção e reemissão de um fóton emitido por um átomo ou núcleo do mesmo tipo. Se a distribuição de energia do estado excitado tem um valor médio E0 e uma largura , a seção de choque para absorção de fótons apresenta um máximo em E0 e cai para um valor igual à metade do máximo em E0 /2; a medida da seção de choque em fun-ção da energia permite determinar o valor de e, portanto, o valor do tempo de vida . A fluorescência ressonante é obser-vada facilmente nas transições atômicas, mas não nas transições nucleares, já que o recuo dos átomos envolvidos é muito dife-rente nos dois casos. Nas transições atômicas, que envolvem

fótons de baixa energia, da ordem de 1 eV, a energia do recuo é muito menor que , como se pode ver na estimativa a seguir. O tempo de vida típico de um estado atômico excitado é da ordem de 108 s; assim,

A energia de recuo Er é dada pela Equação 11-47, em que M é a massa atômica. Para um átomo com A = 50, temos:

Assim, a largura natural da distribuição de energia dos fótons emitidos em uma transição atômica é 10.000 vezes maior que a energia de recuo (veja a Figura 11-24a). No caso nuclear, porém, a energia dos fótons é 105 a 106 vezes maior. Para um estado nuclear com o mesmo tempo de vida e um núcleo com o mesmo número de massa que no exemplo anterior, a energia de recuo é

FIGURA 11-24 Diagrama esquemático mostrando a distribuição de energia dos fótons emitidos (esquerda) e absorvidos (direita) (a) por um estado atômico e (b) por um estado nuclear. No caso do átomo, mostrado em (a), a superposição (região sombreada) entre a distribuição de ener-gia dos fótons emitidos por um estado E0 e a energia dos fótons que o átomo deve absorver para que o estado E0 seja excitado torna possível o fenômeno da absorção ressonante. No caso do núcleo, mostrado em (b), não há superposição e, por isso, a absorção ressonante não é possível. (As escalas dos eixos de energia dos dois diagramas são diferentes.)

Γ Γ

E0 – Er E0 + Er

E0E

Γ

E0 – Er E0 + Er

E0E

(a) (b)

Page 59: Leituras suplementares

54 Leitura Suplementar 11

Assim, a energia de recuo é aproximadamente um milhão de vezes maior que a largura da distribuição de energia e a absor-ção ressonante, que depende da superposição das distribuições de energia dos fótons emitidos e absorvidos, ilustrada na Figura 11-24a para o caso das transições atômicas, não existe no caso das transições nucleares, como mostra a Figura 11-24b. Em outras palavras, se a largura da distribuição de energia do estado excitado, , é menor que 2Er = E0/Mc2, o número de fótons emi-tidos por um núcleo com a energia correta para ser absorvido por outro núcleo da mesma espécie é desprezível e a fluores-cência ressonante da radiação gama não pode ser observada, a não ser que a distribuição de energia dos fótons emitidos e absor-vidos seja alargada pelo efeito Doppler, o que faz com que haja pelo menos uma pequena superposição entre as distribuições da Figura 11-24b.

A agitação térmica dos átomos produz um alargamento das distribuições de energia mas não afeta a energia média, já que se trata de um movimento aleatório e as probabilidades de aumento ou diminuição de energia são iguais. À temperatura ambiente, o alargamento causado pelo efeito Doppler é da ordem de D = 106E0, o que corresponde a 10 vezes a largura natural para tran-sições atômicas e é muito maior que a largura natural das transi-ções nucleares. Como a largura de linha Doppler D é da mesma ordem que a energia de recuo Er no caso das transições nucleares, as distribuições de energia se superpõem parcialmente e a fluo-rescência ressonante se torna possível (Figura 11-25).

Em 1950, P. Moon conseguiu observar a fluorescência res-sonante nuclear colocando uma fonte de radiação na periferia de uma ultracentrífuga e fazendo-a girar até que atingisse uma velocidade tangencial de 800 m/s. Isso introduziu um desloca-mento Doppler que compensou o deslocamento causado pelo recuo, fazendo com que as distribuições de energia dos átomos da fonte e dos átomos do absorvedor se superpusessem. Variando a velocidade de rotação da ultracentrífuga, Moon conseguiu medir a seção de choque para absorção em função da energia e calcular a meia-vida do estado excitado dos núcleos da fonte, obtendo um valor da ordem de 1011 s.

Em 1958, Rudolf Mössbauer14 estava estudando os fótons de 129 keV emitidos por uma fonte de 191Ir, para os quais o

FIGURA 11-26 (a) Diagrama esquemático do decaimento do 57Fe a partir de um estado metaestável situado 14,4 keV acima do estado fundamen-tal, mostrando o desdobramento hiperfino dos níveis produzido por um campo magnético na posição do núcleo. (b) Absorção de raios gama emitidos pelo 57Fe por núcleos de 57Fe pertencentes a um cristal de Fe2O3 em função da velocidade relativa entre a fonte e o absorvedor, mos-trando o desdobramento hiperfino. [Fonte: O. C. Kistner e A. W. Sunyar, Physical Review Letters, 4, 412 (1960).]

Área = 1

Área de superposição ≈ Γ/D

2DÁrea = 1

(b)

(c)

(a)

FIGURA 11-25 (a) Linha sem alarga-mento Doppler, com largura natural . (b) Linha com alargamento Dop-pler, com a mesma área que a linha mostrada em (a). (c) Na fluorescência ressonante, a absorção é proporcional à área de superposição que, na ausên-cia de recuo, é dada aproximada-mente por /D.

14,4 keV

150

145

140

135

–10 –8 –6 –4 –2 20 4 6 8 10Núm

ero

rela

tivo

de c

onta

gens

Velocidade da fonte, mm/s

–5 –4 –3 –2 –1 1 2 3 4 50

Variação de energia, 107 eV

3––2

1––2

1––2

+

+

1––2

1––2

3––2

+

3––2

I =

(a)

1––2

I =

(b)

alargamento Doppler à temperatura ambiente é aproximada-mente duas vezes maior que o deslocamento devido ao recuo, de modo que as distribuições da Figura 11-24b se superpõem parcialmente e a fluorescência ressonante pode ser observada. Quando Mössbauer resfriou a fonte e o absorvedor, esperava que a absorção diminuísse por causa do menor alargamento Doppler, que deveria reduzir a superposição das distribuições. Em vez disso, porém, observou um aumento considerável da absorção. Na verdade, em baixas temperaturas, tudo se passava como se não houvesse recuo! A explicação desse efeito está no fato de que, em baixas temperaturas, um átomo de um sólido não pode sofrer um recuo independentemente dos outros áto-mos por causa da quantização dos modos de vibração da rede cristalina; o momento associado ao recuo deve ser absorvido pelo cristal como um todo. Sendo assim, a massa da Equação 11-47 deve ser substituída pela massa do cristal, que é tão maior

Page 60: Leituras suplementares

O Efeito Mössbauer 55

que a massa do átomo que a energia de recuo se torna total-mente irrelevante. O fóton emitido, portanto, tem uma energia E0 e pode ser absorvido sem recuo por um núcleo que se encon-tre na mesma situação. O experimento seguinte de Mössbauer consistiu em destruir a ressonância movendo a fonte ou o absor-vedor, o que tinha o efeito de introduzir um desvio Doppler externo. Nesse caso, porém, o desvio necessário era apenas da ordem de , que é igual a 4,6 106 eV no caso do 191Ir. A velocidade necessária para obter um desvio dessa ordem é de apenas alguns centímetros por segundo. Nos casos em que o estado excitado é metaestável, as distribuições da Figura 11-24b são particularmente estreitas. Por essa razão, uma fonte muito usada neste tipo de experimento é o 57Fe, que possui um estado

metaestável com uma energia 14,4 keV acima do estado fun-damental e uma meia-vida de 107 s, que corresponde a uma largura natural de 108 eV, ou seja, 1/1012 da energia da tran-sição. A capacidade de executar uma “varredura” da energia dos raios gama fazendo variar a velocidade da fonte permitiu aos cientistas realizar uma grande variedade de experimentos com uma precisão muito maior do que era possível antes da descoberta do efeito Mössbauer. Assim, por exemplo, a Figura 11-26a mostra o desdobramento dos níveis de energia dos esta-dos responsáveis pela emissão do raio gama de 14,4 keV do 57Fe causado pelo campo magnético interno, que torna possível determinar o valor do campo magnético na posição do núcleo de ferro usando o efeito Mössbauer (Figura 11-26b).

Page 61: Leituras suplementares

56

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 5

O Modelo de Camadas de Mayer e Jensen

Considere um núcleon de massa m submetido a um potencial radial V(r). A equação de Schrödinger para este problema em três dimensões é a Equação 7-9. Como estamos supondo que V(r) é independente de e , a parte angular da equação pode ser sepa-rada e resolvida usando os métodos do Capítulo 7. O resultado é que o quadrado do momento angular pode assumir apenas os valores ( 1)2 e a componente z do momento angular apenas os valores m. A equação radial é a Equação 7-24, com o poten-cial eletrostático substituído pela função V(r):

11-56

Naturalmente, a solução desta equação depende da forma da energia potencial V(r). Embora V(r) não seja conhecida, sabe-mos que é muito diferente do potencial proporcional a 1/r usado no Capítulo 7 para estudar os níveis de energia dos elétrons. Como a força nuclear é muito intensa a curta distância e se torna praticamente nula a alguns fermis da superfície do núcleo, a forma exata de V(r) não é muito importante. Várias funções foram propostas para V(r). A mais simples é o poço quadrado finito (Figura 11-36b),

onde rN é o raio do núcleo. Este potencial leva a uma força de atração infinita na superfície do núcleo e não permite obter os números mágicos corretos. A Figura 11-37a mostra os níveis de energia de um poço quadrado infinito, e a Figura 11-37b os níveis de energia de um poço finito com os cantos arredonda-dos, como o da Figura 11-36a. Este último potencial é descrito pela equação

11-57

onde o raio R0 e a espessura da superfície t estão definidos na Figura 11-5b. Os níveis foram rotulados usando um número quântico n e uma letra que obedece à notação espectroscópica: s para = 0, p para = 1, etc. O número n não é o número quân-tico principal, mas apenas o número de ordem dos estados com o mesmo valor de . Assim, por exemplo, 1p é o estado de menor energia com = 1, 2p é o segundo estado de menor energia com = 1, e assim por diante. O primeiro número depois da letra na Figura 11-37b é o número de partículas iguais que podem ocu-par o nível correspondente. Este número é igual a 2(21), ou seja, 2 1 valores diferentes de m vezes 2 por causa das duas orientações possíveis do spin. O segundo número é o número total de estados com energia menor ou igual à do nível corres-pondente. De acordo com este modelo, os números mágicos deveriam ser 2, 8, 20, 40, 70, 92 e 138, já que existem diferen-ças de energia relativamente grandes depois desses números. Embora os três primeiros números, 2, 8 e 20, concordem com o fato de que o 4He (N = 2 e Z = 2), o 16O (Z = N = 8) e o 40Ca (Z = N = 20) são mais estáveis que o normal, os números res-tantes não são números mágicos. Por exemplo: não existe nada no modelo que permita prever que um núcleo com 50 partículas do mesmo tipo será particularmente estável. Cálculos realizados usando outros modelos para o poço de potencial levaram a resul-tados semelhantes.

Para resolver o problema, Mayer e Jensen observaram que, como a força nuclear depende do spin, o acoplamento spin-órbita é muito forte, o que faz com que os spins e os momentos angu-lares de cada núcleon se acoplem separadamente. Assim, o efeito

V(r )

(b)

(a)

r

FIGURA 11-36 (a) Poço de potencial nuclear com cantos arredondados. (b) Aproximação do poço quadrado finito.

Page 62: Leituras suplementares

O Modelo de Camadas de Mayer e Jensen 57

spin-órbita nos núcleons obedece ao acoplamento j-j20 e não ao acoplamento L-S que caracteriza a interação spin-órbita no caso dos elétrons (veja a Seção 7-5). Esta forte interação spin-órbita faz com que a energia de um núcleon seja menor, se o spin e o momento angular orbital estiverem paralelos, e maior se, o spin e o momento angular orbital estiverem antiparalelos. No caso dos elétrons atômicos, vimos que a energia é diferente se o momento total j é igual a 1/2 ou a 1/2; entretanto, este desdobramento fino dos níveis de energia é muito pequeno em comparação com as diferenças de energia entre as camadas e subcamadas e pode ser desprezado em primeira aproximação. No caso dos núcleos, a situação é diferente. Como a interação spin-órbita é muito mais forte, o desdobramento para valores de maiores que 2 é comparável à distância entre as camadas e subcamadas. (O modelo de camadas não permite calcular a inten-sidade da interação spin-órbita; ela é tratada como um parâme-tro ajustável, cujo valor deve ser escolhido para a melhor con-cordância possível com os resultados experimentais.) A Figura 11-38 mostra os níveis de energia nucleares quando a interação spin-órbita proposta por Mayer e Jensen é levada em conside-ração. Como já observamos, os estados em que o spin e o momento angular orbital estão paralelos têm uma energia menor que os estados em que o spin e o momento angular orbital estão antiparalelos, ou seja, quanto maior o valor de j, menor a ener-gia, ao contrário do que acontece no caso dos átomos. (O fato de que a força de atração entre um núcleon e um núcleo é maior quando o spin e o momento angular orbital do núcleon são para-lelos também pode ser demonstrado em experimentos de espa-lhamento.) Observe, também, que o desdobramento é maior para maiores valores de . Na verdade, o espalhamento do nível 1g é tão grande que a diferença de energia entre os estados 1g9/2 (n = 1, = 4, j = s = 9/2) e 1g7/2 (n = 1, = 4, j = s = 7/2) é suficiente para colocar os dois subníveis em camadas diferen-tes. Como existem 2j 1 valores possíveis de mj, o estado 1g9/2 pode ser ocupado por 10 nêutrons ou prótons, o que faz com

que o número mágico correspondente à quinta camada seja 50 e não 40. A diferença de energia entre os estados 1h11/2 e 1h9/2 é responsável pelo número mágico seguinte, 82. Como são partí-culas distintas, os prótons e nêutrons ocupam diferentes conjun-tos de estados. O espaçamento entre os níveis de energia que aparece na Figura 11-38 é para o caso dos prótons; como os nêutrons não estão sujeitos à repulsão eletrostática, o espaça-mento é ligeiramente diferente para os dois tipos de partícula.

Argumentos puramente qualitativos não são suficientes para determinar a ordem exata dos níveis. Não podemos saber, por exemplo, se o nível 2s1/2 está acima ou abaixo do nível 1d3/2. Questões dessa natureza muitas vezes podem ser esclarecidas experimentalmente. Como exemplo das previsões do modelo de camadas, vamos considerar um nuclídeo constituído por uma camada completa e mais um nêutron ou um próton. Estes são os nuclídeos mais simples (com exceção, é claro, dos que con-têm apenas camadas completas) e apresentam algumas analo-gias com os átomos dos metais alcalinos, que contêm um elétron a mais que uma camada completa. Muitos dos níveis de energia destes nuclídeos podem ser descritos em termos da excitação

FIGURA 11-38 Níveis de energia de uma partícula em um poço nuclear, incluindo o desdobramento spin-órbita. O número de estados em cada nível aparece à direita, seguido pelo número total de estados com ener-gia menor ou igual à do nível correspondente. Os números totais que precedem uma grande distância entre níveis são os números mágicos. O espaçamento mostrado na figura é para o caso dos prótons; como os nêutrons não estão sujeitos à repulsão eletrostática, o espaçamento é ligeiramente diferente (menor).

FIGURA 11-37 Níveis de energia de uma partícula (a) em um poço qua-drado infinito e (b) em um poço quadrado finito com cantos arredon-dados como o da Figura 11-36a. Os números entre parênteses correspondem ao número de estados em cada nível; os números entre colchetes, ao número total de estados com energia menor ou igual à do nível correspondente.

1i (26) [138]3p

1i2f

3s1h2d

1g2p

1f

2s

1d

1p

1s

3p (6) [112]2f (14) [106]

1h (22) [92]

3s (2) [70]2d (10) [68]

1g (18) [58]

2p (6) [40]1f (14) [34]

2s (2) [20]1d (10) [18]

1p (6) [8]

1s (2) [2]

(a) (b)

12 [148]10 [136]

2 [16] 4 [20] 20

8 [28] 28

4 [32] 6 [38] 2 [40]10 [50] 50

8 [58] 6 [64]12 [76] 4 [80] 2 [82] 82

10 [92] 8 [100]

6 [106]14 [120] 4 [124] 2 [126] 126

6 [14]

2 [2] 2 4 [6] 2 [8] 8

2g

1i

3p

2f

1g

1d

1s

1p

2s

1f

2p

2d

3s

1h

1i11/22g9/2

3p1/2

1i13/2

2f7/2

3s1/2

1h11/2

1g7/2

2p3/2

2p1/2

1d3/2

1d5/2

1p1/2

1s1/2

3p3/2

1h9/2

2d3/2

2d5/2

1g9/2

1f5/2

1f7/2

2s1/2

1p3/2

2f5/2

Page 63: Leituras suplementares

58 Leitura Suplementar 11

Tabela 11-5 Momentos angulares e momentos magnéticos de alguns núcleos com a última camada incompleta

IsótopoNúmero ímpar de

partículasN ou Z é um

número mágicoEstado

previstoValor experimental do

spinValor experimental do

momento magnético (N)115B6 5 – p32 32 2,689

136C7 7 – p12 12 0,702

157N8 7 N p12 12 0,283

178O9 9 Z d52 52 1,894

179F8 9 N d52 52 4,722

2713Al14 13 – d52 52 3,6413919K20 19 N d32 32 0,094120Ca21 21 Z f72 72 1,5954121Sc20 21 N f72 72 –5728Ni29 29 Z p32 32 –9140Zr51 51 – g72 52 1,30311549In66 49 – g92 92 –

20581Tl124 81 – s12 12 1,628

20983Bi126 83 N h92 92 4,080

do núcleon a mais. A Tabela 11-5 mostra vários núcleos com um núcleon a mais ou a menos que uma camada ou subcamada completa, juntamente com o estado previsto para o núcleon e os valores experimentais do spin e do momento magnético do núcleo. Em todos os casos, exceto um, o spin observado é igual ao previsto. O modelo de camadas também permite prever com precisão razoável o momento magnético desses núcleos. Assim, por exemplo, o valor experimental do momento magnético do 17O é 1,89N, muito próximo do de um nêutron isolado (1,91N), o que está de acordo com o modelo de camadas, já que os outros oito nêutrons e oito prótons formam camadas com-pletas. Da mesma forma, o momento magnético do 11B é 2,69N, próximo do de um próton isolado (2,79N), e o do 41Ca é 1,60, próximo do de um nêutron isolado. Em geral, porém, os valores experimentais dos momentos magnéticos dos núcleos com valores ímpares de A não concordam com o modelo simplificado que atribui esses momentos apenas ao núcleon a mais. Para uma discussão mais completa do sucesso do modelo de camadas, o leitor deve consultar o excelente livro de Mayer e Jensen, Mayer, M. e J. H. D. Jensen, Elementary Theory of Nuclear Shell Structure, Wiley, New York, 1955.

A região da tabela periódica em que o modelo de camadas se revela menos adequado é a das terras raras. Nessa região, os

momentos quadrupolares previstos a partir das órbitas dos pró-tons são muito menores que os valores observados experimen-talmente. Muitos estados excitados desses núcleos podem ser descritos mais facilmente como rotações ou vibrações do núcleo como um todo, usando o modelo da gota de líquido. Do ponto de vista do modelo de camadas, os núcleos das terras raras estão entre os números mágicos de nêutrons 82 e 126. Esta é exata-mente a região para a qual os cálculos baseados no modelo de camadas são menos precisos, já que existem muitas partículas do lado de fora de uma camada completa. Várias extensões do modelo de camadas explicam de forma satisfatória o compor-tamento desses núcleos não esféricos. Em uma dessas extensões, o chamado modelo coletivo, os núcleons das camadas internas completas são considerados como uma gota de líquido defor-mada pela interação com os núcleons externos que giram em torno do caroço e o arrastam com ele. Em outro modelo, conhe-cido como modelo unificado, a equação de Schrödinger é resol-vida para partículas isoladas submetidas a um potencial não esférico, correspondente a um núcleo de forma elipsoidal. O modelo foi desenvolvido principalmente por J. Rainwater, A. Bohr (filho de Niels Bohr) e B. Mottleson, que receberam o Prê-mio Nobel de Física de 1975 por esse trabalho.

Page 64: Leituras suplementares

59

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 6

Energia Nuclear

Reatores Nucleares de FissãoA descoberta de que vários nêutrons são emitidos no processo de fissão levou a especulações quanto à possibilidade de que esses nêutrons pudessem produzir novas fissões, dando origem a uma reação em cadeia. Em 2 de dezembro de 1942, menos de quatro anos depois que Hahn e Strassmann24 descobriram a fis-são nuclear, um grupo de pesquisadores liderado por Enrico Fermi produziu a primeira reação em cadeia autossustentada em um reator nuclear construído na Universidade de Chicago.25

Para que uma reação nuclear seja autossustentada, é preciso que, em média, pelo menos um dos nêutrons emitidos pela fis-são do 235U seja capturado por outro núcleo de 235U e provoque a fissão do segundo núcleo. O fator de reprodução de um reator, representado pela letra k, é definido como o número médio de nêutrons resultantes de fissões que produzem novas fissões. No caso do 235U, o número máximo possível de k é 2,4, mas este número normalmente é bem menor, por duas razões principais: (1) alguns nêutrons escapam da região que contém os núcleos fis-sionáveis; (2) alguns nêutrons são capturados por núcleos não fissionáveis. Quando k é exatamente igual a 1, a reação é autos-

sustentada; quando k é menor que 1, a reação não prossegue. Quando k é maior que 1, o número de fissões aumenta rapida-mente e a reação se torna “explosiva”. É o que acontece nas bombas nucleares. Nos reatores nucleares para produção de ener-gia, o valor de k é mantido muito próximo de 1 (veja a Figura 11-50). Quando k é exatamente igual a 1, dizemos que o reator está crítico; quando k < 1, que está subcrítico; quando k > 1, que está supercrítico.

Como a maioria dos nêutrons emitidos na fissão tem uma energia da ordem de 1 MeV (veja a Figura 11-51), enquanto a seção de choque para captura de nêutrons é muito maior para baixas energias (veja a Figura 11-52), a reação em cadeia só se mantém se os nêutrons perderem energia antes de escaparem do reator. Os nêutrons de alta energia (1 a 2 MeV) perdem rapida-mente energia através de colisões inelásticas com o 238U, o isó-topo mais abundante do urânio natural. (O urânio natural con-tém 99,28% de 238U e apenas 0,72% de 235U.) Depois que a ener-gia dos nêutrons cai abaixo de 1 MeV, o principal processo de perda de energia passa a ser o espalhamento elástico, no qual um nêutron colide com um núcleo em repouso e, de acordo com a lei de conservação do momento, transfere parte da energia

Núcleo de 235U

Fragmentos de fissão

Nêutron

FIGURA 11-50 Representação esquemática de uma reação em cadeia como a que ocorre com o 235U. Os fragmentos de fissão estão representados apenas para as primeiras três fissões. No caso do 235U, o número máximo de nêutrons produzidos que causam outras fissões é 2,4 por fissão. Neste exemplo, k = 1,6. Embora existam 42 nêutrons no diagrama, basta absorver alguns desses nêutrons para que o fator de reprodução seja reduzido para k = 1, o valor necessário para que a reação se mantenha estável.

Page 65: Leituras suplementares

60 Leitura Suplementar 11

cinética para o núcleo. Este processo de transferência de ener-gia só é eficiente quando as massas dos dois corpos são da mesma ordem; em uma colisão elástica, um nêutron não transfere muita energia para um núcleo de 238U, que tem uma massa muito maior. Este tipo de colisão é análogo à colisão de uma bola de gude com uma bola de sinuca; a bola de gude é desviada pela bola de sinuca, mas a energia cinética permanece praticamente inalte-rada. Por essa razão, costuma-se colocar no núcleo do reator, além do material físsil, um material de baixa massa atômica, como água ou grafita, conhecido como moderador, que reduz a energia dos nêutrons, aumentando a probabilidade de que um nêutron induza fissão antes de escapar do reator. Os nêutrons perdem energia através de colisões com os núcleos do modera-dor até entrarem em equilíbrio térmico com o moderador. A dis-tribuição de energia dos nêutrons em equilíbrio térmico com o moderador, ou nêutrons térmicos, é uma distribuição de Maxwell-Boltzmann com energia média igual a 3kT/2. A Tabela 11-5 mostra o número aproximado de colisões necessárias para ter-malizar (reduzir à energia térmica) um nêutron de 1 MeV para alguns núcleos normalmente usados como moderadores.

Os reatores que usam a água natural como moderador não podem atingir com facilidade a condição de criticalidade k = 1 usando urânio natural como combustível, por várias razões. Embora o número de nêutrons emitidos por fissão (ou seja, o maior valor possível de k) seja 2,4, já comentamos que muitos desses nêutrons escapam do reator ou são capturados por núcleos não fissionáveis. Lembrando, da Seção 11-7, que a seção de choque total é a soma das seções de choque parciais e notando que a razão entre a seção de choque de uma determinada reação (Equação 11-62) e a seção de choque total é igual à probabili-dade relativa de que a reação ocorra, a probabilidade relativa de que um nêutron térmico produza uma reação de fissão é dada por f /(f + a), em que f é a seção de choque parcial para fis-são e a é a seção de choque para todos os outros tipos de absor-ção de nêutrons térmicos, principalmente reações (n,). Assim, o valor de k é dado por

11-68

Os valores de f e a para o urânio natural podem ser calcu-lados a partir das abundâncias isotópicas e das seções de choque de cada isótopo. A seção de choque para fissão do 235U é 584 b para nêutrons térmicos, enquanto a seção de choque do 238U é zero. As seções de choque para reações (n,) são 97 b para o 235U e 2,75 b para o 238U (veja a Tabela 11-5 e a Figura 11-52). Os valores de f e a são, portanto,

0 8764 5321 10 119 12

1000

100

1

10

Energia do nêutron, MeV

Câmara de nuvens

Tempo de trânsito

Emulsões

Núm

ero

rela

tivo

de n

êutr

ons

FIGURA 11-51 Espectro de energia dos nêutrons emitidos na fissão do 235U por nêutrons térmicos. [Fonte: R.B. Leachman, Proceedings of the International Conference on the Peaceful Uses of Atomic Energy, Vol. 2, United Nations, New York, 1956.]

10–3

10–3

10–2

10–2

10–1

10–1

100

100

101

101

102

102

103

103

104

104 105 106 107

0,025 eV

Seç

ão d

e ch

oque

par

a fis

são,

b

235U

584 b

238U

Energia do nêutron, eV

FIGURA 11-52 Seções de choque do 235U e do 238U para a fissão indu-zida por nêutrons. No caso do 235U, a região abaixo de 0,01 eV mostra uma variação com 1/v semelhante à que é observada na reação (n,) e pelo mesmo motivo. A reação de absorção e irradiação compete com a fissão e tem uma seção de choque de 97 b para uma energia de 0,025 eV. As numerosas ressonâncias entre 1 eV e 100 eV estão associadas a estados excitados do núcleo de 236U.

Tabela 11-5 Propriedades de alguns núcleos usados como moderadores

Nuclídeo (n, ) barnsNúmero de colisões para

termalizar1H 0,333 182H 0,51 103 254He 0 4312C 3,5 103 110238U 2,75 2200

Page 66: Leituras suplementares

Energia Nuclear 61

e

Assim, de acordo com a Equação 11-68, o maior valor possível de k em um reator alimentado com urânio natural é dado por

Como este valor está próximo de 1, se um número significativo de nêutrons escapar do reator ou for absorvido pelo moderador, o reator se tornará subcrítico. Por causa da seção de choque rela-tivamente alta para captura de nêutrons do núcleo de hidrogênio (veja a Tabela 11-5), não é fácil atingir a criticalidade usando água comum (água “leve”) como moderador e urânio natural como combustível. Uma das possíveis soluções é enriquecer o combustível em 235U, ou seja, aumentar a concentração relativa de 235U. Quando o teor de 235U no combustível é aumentado de 0,7% para 3% (uma concentração típica para o urânio usado em reatores), o valor de k na Equação 11-68 aumenta de 1,32 para 1,82, o suficiente para tornar viável o funcionamento do reator. (A Figura 11-53 mostra a posição ocupada pelo processo de enriquecimento no ciclo de combustível de um reator de água leve.) Outra solução é usar urânio natural como combustível, mas empregar água pesada (D2O) como moderador em lugar da água comum (H2O). Isso é possível porque a seção de choque para captura de nêutrons do deutério é muito menor que a do hidrogênio. Embora o custo de fabricação da água pesada seja relativamente elevado, a maioria dos reatores canadenses utiliza este sistema para evitar a construção de instalações de enrique-cimento de urânio e também para minimizar o problema de armazenamento de rejeitos radioativos.* A Tabela 11-6 mostra as seções de choque para fissão por nêutrons térmicos e as ener-gias críticas para vários núcleos.

EXEMPLO 11-21 Fissão do 239Pu e do 233Pa por Nêutrons Térmicos Determine as energias de excitação do 239Pu e do 233Pa quando esses nuclídeos absorvem um nêutron térmico. Compare os resultados com as energias críticas para fissão e verifique se os resultados estão de acordo com os valores das seções de choque que aparecem na Tabela 11-6.

SOLUÇÃOA energia de excitação do 239Pu é dada por

Este valor é bem maior que a energia crítica para fissão que aparece na Tabela 11-6 (6,0 MeV) e, portanto, esperamos que a seção de choque para fissão do 239Pu seja relativamente ele-vada, o que realmente acontece.

Um cálculo semelhante para o 233Pa fornece uma energia de excitação de 5,22 MeV, que é bem menor que a energia crítica para fissão da Tabela 11-6 (7,1 MeV). Assim, espera-mos que a seção de choque para fissão do 233Pa por nêutrons térmicos seja muito pequena, o que realmente acontece.

FIGURA 11-53 Diagrama esquemático do ciclo de combustível nuclear para reato-res de água leve alimentados com urânio. A usina de conversão de UF6 transforma o U3O8, um sólido conhecido como yellow-cake* por causa da cor, em UF6, o gás uti-lizado na usina de enriquecimento. Na usina de enriquecimento, o 235UF6 é sepa-rado do 238UF6 com base no fato de que as duas moléculas possuem massas ligei-ramente diferentes. O ciclo completo inclui uma usina de reprocessamento e o armazenamento dos rejeitos radioativos.

*bolo amarelo, em inglês. (N.T.)

Rejeitos de baixo nível

Depósito subterrâneo

Reprocessamento e conversão

Armazenamento

Usina nuclear

Plutônio

Fabricação do combustível

Usina de enriquecimento

Extração e moagem

Conversão para UF6

Urânio

Depósito de rejeitos de alto nível

*Os reatores brasileiros Angra I e Angra II funcionam com água leve e urânio enriquecido. (N.T.)

*Do inglês pressurized water reactor. (N.T.)**E também no Brasil. (N.T.)

A Figura 11-54 mostra, de forma simplificada, o funciona-mento de um reator de água pressurizada (PWR*), do tipo usado nos Estados Unidos** para gerar eletricidade. Dos 131 reatores comerciais construídos até hoje nos Estados Unidos, havia 103 em operação em 2013, 69 dos quais eram do tipo PWR. Nesse tipo de reator, as fissões que acontecem no núcleo do reator aque-cem a água do circuito primário. A água do circuito primário, que também serve de moderador, é mantida a uma alta pressão para

Page 67: Leituras suplementares

62 Leitura Suplementar 11

não se transformar em vapor. A água quente passa por um troca-dor de calor onde aquece a água do circuito secundário, transfor-mando-a em vapor. Esse vapor é usado para mover as turbinas que produzem eletricidade. Note que a água do circuito secundá-rio não passa pelo núcleo do reator e, portanto, não é contaminada pelos nuclídeos radioativos que são formados em grande número no processo de fissão. Todos os outros reatores nucleares comer-ciais em operação nos Estados Unidos são reatores de água fer-vente (BWR*). Nesse modelo de reator, não existe o circuito secundário; o vapor d’água é produzido no núcleo do reator e vai diretamente para a turbina. Listas completas das usinas nucleares em funcionamento no mundo são mantidas por várias organiza-ções, como, por exemplo, a World Nuclear Association, cujo endereço na Internet é http://world-nuclear.org/.

Para que um reator funcione com segurança, é preciso man-ter o fator de reprodução k o mais próximo possível de 1. Isso é conseguido através de mecanismos naturais de realimentação e de controles ativos. Quando k se torna maior que 1 e o número de fissões aumenta, a temperatura do reator tende a aumentar. O aumento de temperatura reduz a densidade da água, tornando-a um moderador menos eficaz, o que reduz o número de fissões. O controle ativo é exercido através de barras feitas de um mate-rial como o cádmio, que possui uma seção de choque muito grande para captura de nêutrons. Quando o reator é ligado, as barras de controle estão totalmente inseridas no núcleo e k é menor que 1. As barras são removidas gradualmente, o que faz com que o número de nêutrons capturados diminua e o valor de k aumente. Caso o valor de k ultrapasse 1, as barras são nova-mente inseridas.

Tabela 11-6 Seções de choque de alguns núcleos para fissão por nêutrons térmicos

NuclídeoSeção de choque

(barns)Energia crítica

(MeV)

229Th 30 8,3

230Th 103 8,3

230Pa 1500 7,6

233Pa 101 7,1

233U 531 6,5

234U 5 103 6,5

235U 584 6,2

238U 2,7 106 5,9

236Np 3000 5,9

238Np 17 6,0

239Pu 742 6,0

240Pu 8 102 6,3

241Am 3,2 6,5

244Am 2200 6,0

244Cm 1 6,3

245Cm 2000 5,9 *Do inglês boiling water reactor. (N.T.)

(a)

(b)

(c)

(a)

(b)

(c)

(a)

(b)

(c)

(a) O desenho mostra o primeiro reator nuclear do mundo, o CP-1 (Chicago Pile número 1). Projetando-se para fora da estrutura, perto do alto da escada, pode-se ver uma das barras revestidas com cádmio usadas para controlar a reação nuclear. A finalidade da cortina de plástico que envolvia o reator, que no desenho aparece aberta na parte da frente, era conter os gases radioativos gerados durante a operação do reator. A notí-cia de que o reator havia sido testado com sucesso foi transmitida por telefone por A. H. Compton ao conselheiro do Presidente Roosevelt (e reitor da Universidade de Harvard) J. B. Conant com as seguintes palavras: “O navegador italiano [ou seja, Fermi] chegou ao Novo Mundo”. “Como eram os nativos?” – perguntou Conant. “Muito amigáveis” – respondeu Compton. (b) A única fotografia conhecida do CP-1, tirada quando a 19a camada de grafita estava sendo colocada. Camadas de grafita contendo urânio metálico e/ou óxido de urânio eram separadas por blocos de grafita pura. A camada 18, quase coberta na foto, continha óxido de urânio. (c) Enrico Fermi, líder do grupo de cientistas responsável pela primeira reação nuclear produzida pelo homem, em 2 de dezembro de 1942. [(a) e (b) American Institute of Physics, Emilio Segrè Visual Archives; cortesia do Argonne National Laboratory, University of Chicago. (c) Cortesia do Argonne National Laboratory.]

Page 68: Leituras suplementares

Energia Nuclear 63

Gerador de eletricidade

Condensador

Lago, rio ou mar (reservatório de água fria)

20°CBomba Bomba Bomba

Barra de combustível

Vapor

PressurizadorBarra de controle

Vaso do reator

Núc

leo

Água superaquecida

Água resfriada por evaporação

Turbina a vapor

Estrutura de aço

Torre de resfriamento

Estrutura de contenção

+–

FIGURA 11-54 Desenho simplificado de um reator de água pressurizada (PWR). A água que circula no núcleo do reator funciona como mode-rador e como fluido de transferência de calor e não se mistura com a água usada para gerar o vapor que movimenta as turbinas. Muitos sistemas, como os mecanismos de resfriamento de emergência, foram omitidos na figura. Um segundo tipo de reator é o reator de água fervente, ou BWR, no qual a água aquecida no núcleo do reator se transforma em vapor e é usada diretamente para movimentar as turbinas.

A fotografia, tirada no dia 5 de outubro de 1957, mostra o vaso de pres-são com 14 toneladas de urânio natural e 75 kg de urânio altamente enriquecido sendo instalado no primeiro reator comercial do mundo, situado em Shippingport, Pensilvânia. O reator foi construído pela Wes-tinghouse para a Duquesne Light Company. Pequeno em comparação com os reatores atualmente em operação, o reator de 90 MWe foi des-ligado em 1982 e mais tarde se tornou o primeiro reator comercial a ser desmontado. O vaso de pressão, hoje selado com cimento, está guardado no depósito federal de rejeitos nucleares de Hanford, Washing-ton. [American Institute of Physics, Emilio Segrè Visual Archives; cor-tesia da Westinghouse.]

O controle de um reator através da inserção mecânica de barras só é possível porque alguns nêutrons envolvidos no processo de fissão (conhecidos como nêutrons retardados) não são emitidos imediatamente após a fissão. Se todos os nêutrons fossem nêutrons prontos, ou seja, nêutrons emitidos imediatamente após a fissão, o controle mecânico não seria possível, já que o tempo necessário para que um nêutron pronto produza outra fissão é da ordem de 1 ms e, portanto, flutuações estatísticas do número de nêutrons tor-nariam a reação explosiva antes que a posição das barras de con-trole pudesse ser ajustada. Entretanto, cerca de 0,65% dos nêu-trons são emitidos com um retardo médio de 14 s. Esses nêutrons não são emitidos no processo de fissão e sim no decaimento de fragmentos de fissão. Um desses decaimentos é o seguinte:

No decaimento do 87Br, que tem uma meia-vida de 56 s, a ener-gia de excitação do 87Kr* é maior que a energia de separação de um nêutron e, portanto, um nêutron é emitido com um retardo médio de 56 s. O Exemplo 11-23 ilustra o efeito dos nêutrons retardados.

EXEMPLO 11-22 Tempo de Duplicação da Velocidade da Reação Se o tempo de geração (tempo médio para que um nêutron emitido em uma fissão provoque uma nova fissão) é 1 ms e o fator de reprodução é 1,001, quanto tempo é neces-sário para que a velocidade da reação dobre de valor?

SOLUÇÃO1. Como a velocidade da reação é multiplicada por k a cada

geração, a velocidade após N gerações, R(N), é dada por

Page 69: Leituras suplementares

64 Leitura Suplementar 11

na qual R(0) é a velocidade inicial da reação.2. Para que a velocidade dobre de valor, devemos ter R(N) =

2R(0) e, portanto,

2R(0) = R(0) kN

ou seja,

2 = (1,001)N

3. Tomando o logaritmo natural de ambos os membros, pode-mos obter o número de gerações necessário para que a velocidade da reação dobre de valor:

N ln(1,001) = ln 2

ou seja,

4. O tempo necessário para que as 700 gerações ocorram é

t = 700 0,001 s = 0,7 s

Observação: Este tempo é menor que o necessário para que a posição das barras de controle seja ajustada mecanica-mente.

EXEMPLO 11-23 Efeito dos Nêutrons Retardados Su-pondo que 0,65% dos nêutrons são emitidos com um retardo de 14 s, calcule o tempo médio de geração e o tempo de dupli-cação para k = 1,001.

SOLUÇÃOComo o tempo de geração é 0,001 s para 99,35% dos nêu-trons e 14 s para 0,65% dos nêutrons, o tempo médio de gera-ção é

Note que esses poucos nêutrons retardados fazem com que o tempo de geração se torne quase 100 vezes maior. O tempo necessário para que as 700 gerações ocorram é

Este tempo é mais do que suficiente para que a posição das barras de controle seja ajustada mecanicamente.

11-69

Como a seção de choque para fissão com nêutrons rápidos do 239Pu é maior que a do 235U, um reator rápido regenerador não precisa de moderador. Uma vantagem adicional é o fato de que a produção média de nêutrons por nêutron absorvido (ou seja, o valor máximo de k) para o 239Pu é 2,7 para uma energia dos nêutrons de 1 MeV. Um reator alimentado inicialmente com uma mistura de 238U e 239Pu precisa de apenas um dos 2,7 nêu-trons para manter a reação em cadeia e pode produzir uma quan-tidade maior que a do combustível que consome, se um ou mais nêutrons emitidos na fissão do 239Pu forem capturados pelo 238U. Estudos práticos mostram que um reator rápido regenerador típico pode dobrar o suprimento de combustível em 7 a 10 anos.

Três graves problemas de segurança têm limitado o uso comercial dos reatores rápidos regeneradores. Em primeiro lugar, no caso da fissão do 239Pu, a fração de nêutrons retarda-dos é apenas 0,3%, o que torna o tempo de geração muito menor que nos reatores comuns, diminuindo a margem de segurança dos controles mecânicos. Em segundo lugar, como a tempera-tura de operação dos reatores regeneradores é mais elevada e o uso de um moderador não é necessário nem desejável, utiliza-se uma substância com alta capacidade de transferência de calor, como o sódio fundido, em lugar de água (que serve ao mesmo tempo como moderador e veículo para transferência de calor nos reatores comuns de 235U). Nos reatores rápidos, quando a temperatura do reator aumenta, a diminuição da densidade do material usado para transferir calor constitui uma realimenta-ção positiva, já que a absorção de nêutrons diminui, o que aumenta o número de fissões, produzindo um aumento de tem-peratura ainda maior, e assim por diante. Na verdade, outro processo que ocorre simultaneamente ajuda a reduzir este pro-blema, particularmente em reatores rápidos regeneradores. Com o aumento da temperatura, as ressonâncias para a reação (n, ) se tornam mais largas por causa do efeito Doppler, o que aumenta o número de nêutrons absorvidos e diminui o número disponível para reações de fissão. O terceiro problema diz res-peito à perda do líquido refrigerante. Embora isso também seja um problema sério no caso dos reatores convencionais, resfria-dos a água, como será discutido na seção “A Segurança dos Reatores de Fissão”, a situação se torna ainda mais grave no caso dos reatores rápidos regeneradores, já que o líquido refri-gerante não é usado como moderador e, portanto, sua perda não resulta em uma redução do número de reações de fissão. Por causa dessas e de outras considerações de segurança, os reato-res regeneradores não foram adotados nos Estados Unidos. Exis-tem, porém, vários reatores desse tipo em operação na França, Inglaterra e Rússia.

É também possível construir um reator regenerador que fun-cione com nêutrons térmicos. Nesse caso, o combustível utili-zado é uma mistura de 232Th, o único isótopo natural do tório, com 233U, um nuclídeo físsil obtido a partir do próprio tório. Como a abundância de tório na crosta terrestre é um pouco maior que a de urânio, o uso de tório em reatores regeneradores mais do que dobraria as reservas de combustível nuclear. O 233U não é encon-

Reatores RegeneradoresComo a pequena concentração de 235U no urânio natural limita a quantidade de urânio que pode ser extraída economicamente do subsolo, reatores baseados na fissão do 235U não poderão atender às necessidades de energia da humanidade a longo prazo. Uma alternativa possível é o reator regenerador, um tipo de reator capaz de produzir mais combustível do que consome. Quando o 238U (que é muito mais abundante que o 235U, mas apresenta uma pequena seção de choque para fissão) captura um nêutron, o resultado é uma reação (n,) que produz 239U. O 239U decai por emissão (com uma meia-vida de 23,5 minutos) para 239Np, que, por sua vez, decai por emissão (com uma meia-vida de 2,35 dias) para o nuclídeo físsil 239Pu:

Page 70: Leituras suplementares

Energia Nuclear 65

trado na natureza, mas pode ser produzido através da seguinte sequência de reações:

11-70

A meia-vida do 233Th é 22,3 minutos e a do 233Pa é 27,0 dias. A seção de choque para fissão do 233U por nêutrons térmicos é ligeiramente menor que a do 235U, mas o nuclídeo produz mais nêutrons por fissão, 2,5 em vez de 2,4. A diferença pode não parecer significativa, mas é suficiente para permitir que o 233U, além de sustentar uma reação em cadeia, forneça um nêutron para iniciar as reações de regeneração da Equação 11-70. Nem o 235U nem o 239Pu produzem, a partir da fissão induzida por nêutrons térmicos, um número de nêutrons suficiente para rege-nerar os núcleos físseis consumidos. O 233U é, portanto, um com-bustível melhor que o 235U e muito melhor que o 239Pu para uso em reatores que trabalham com nêutrons térmicos.

A Segurança dos Reatores de Fissão A preocupação com a segurança dos reatores de fissão começou com o incêndio ocorrido no reator de Windscale, na Inglaterra, em 1957, e aumentou após os acidentes de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979, Chernobyl, na Ucrânia (que na época pertencia à União Soviética), em 1986, e Fukushima, no Japão, em 2011. Muitas pessoas temem que um reator possa explodir como uma bomba atômica, mas isso é impossível. O urânio enriquecido usado nos reatores de água leve contém, no máximo, 4% de 235U, o que é insuficiente para provocar uma explosão nuclear; o urânio das bombas atômicas contém mais de 90% de 235U. Outra preocupação, mais realista, é fusão do núcleo (parte central do reator, que contém os elementos de

combustível) por causa do calor produzido pelo decaimento dos fragmentos de fissão, mesmo depois de interrompida a reação em cadeia. No caso de uma pane geral no sistema de resfria-mento, um reator de água pressurizada deixa rapidamente de funcionar por causa da perda do moderador, mas é possível que o calor residual seja suficiente para o núcleo fundir e, em casos extremos, perfurar o vaso de contenção. Em Chernobyl, não houve fusão; por outro lado, 40% do núcleo chegou a fundir em Three Mile Island e, no caso de Fukushima, houve fusão com-pleta do núcleo de três reatores. Uma fusão parcial também ocorreu no reator Enrico Fermi, perto de Detroit, em 1966, o único reator rápido regenerador construído até hoje nos Estados Unidos, que foi desativado após o acidente.

O problema mais grave dos acidentes que envolvem reatores nucleares é a liberação de materiais radioativos, como aconte-ceu em Chernobyl e Fukushima. O reator de Chernobyl era um modelo que usava grafita como moderador e tinha uma dupla finalidade: gerar energia elétrica e produzir plutônio para armas nucleares. Na ocasião do acidente, o reator estava funcionando com baixa potência e o sistema de resfriamento tinha sido par-cialmente desativado. O calor produzido pela fissão transformou em vapor a água usada para resfriar o reator, o que causou uma explosão e expôs a grafita ao ar, provocando um incêndio. Não existem reatores do mesmo tipo em operação no mundo, a não ser na Ucrânia e na Rússia. Um acidente semelhante não seria possível em reatores que usam a água como moderador. Além disso, ao contrário do reator de Chernobyl, a maioria dos reato-res dispõe de um vaso de contenção com paredes de concreto e aço de pelo menos 1 m de espessura (Figura 11-54).

Um problema que ainda não foi resolvido é o que fazer com os rejeitos nucleares que todo reator produz. Até o momento, ainda não se conhece um método perfeitamente seguro de arma-zenar esses rejeitos por longos períodos de tempo. O reproces-samento do combustível nuclear acarreta outros problemas de segurança, entre os quais a possibilidade de desvio do combus-tível reprocessado, especialmente o 239Pu, para uso em arma-mentos, e a liberação de radioisótopos para o ambiente nas usi-nas de reprocessamento. Ainda não existe um consenso quanto à forma de resolver esses e outros problemas de segurança asso-ciados ao uso de reatores nucleares de fissão.

Page 71: Leituras suplementares

66

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 7

Interações de Partículas com a Matéria

Nesta Leitura Suplementar, vamos discutir sucintamente as prin-cipais interações de partículas carregadas, nêutrons e fótons com a matéria. O conhecimento dessas interações é importante para o projeto de detectores de radiação, para o aperfeiçoamento das blindagens contra a radiação e para o estudo dos efeitos da radia-ção sobre os seres vivos. Em todos os casos, o principal objetivo é determinar quais são os parâmetros responsáveis pela atenu-ação da radiação ao atravessar um material.

Partículas CarregadasAo atravessar um material, uma partícula carregada sofre fre-quentes colisões com elétrons. Isso muitas vezes faz com que a partícula deixe um rastro de átomos ionizados. Se a energia da par-tícula é muito maior que a energia de ionização dos átomos, a perda de energia em cada choque com um elétron é uma pequena fração da energia da partícula. (De acordo com as leis da mecâ-nica, uma partícula não pode perder uma fração significativa da energia cinética para uma partícula de massa muito menor por causa da conservação do momento; quando uma bola de sinuca em movimento se choca com uma bola de gude estacionária, a energia cinética da bola de sinuca quase não muda.) Como o número de elétrons em qualquer material é muito grande, pode-mos considerar a perda de energia como contínua. Depois de percorrer uma certa distância, conhecida como alcance, a par-tícula perde toda a energia cinética que possuía e entra em repouso. Perto do final da trajetória, a hipótese de que a perda de energia é contínua deixa de ser válida porque a energia ciné-tica é pequena e os choques isolados são importantes. No caso de elétrons, isso pode levar a uma variação estatística significa-tiva do alcance das trajetórias, mas, no caso de prótons e outras partículas pesadas com energia inicial maior que 1 MeV, a varia-ção é no máximo de alguns poucos por cento se todas as partí-culas tiverem inicialmente a mesma energia. A variação estatís-tica do alcance é conhecida como dispersão.*

Podemos ter uma ideia dos fatores importantes envolvidos na interação de uma partícula carregada com a matéria, consi-derando um modelo simples. Sejam ze a carga e M a massa de uma partícula que se aproxima com velocidade v de um elétron de massa me e carga e, e seja b o parâmetro de impacto. Pode-mos estimar o momento transferido para o elétron supondo que a força entre a partícula e o elétron tem um valor constante F = kze2/b2 durante o tempo que a partícula leva para passar pelo elétron, t 2b/v (Figura 11-56). O momento transferido para o elétron é igual ao impulso, que é dado aproximadamente por

11-73

na qual k é a constante de Coulomb. (O mesmo resultado é obtido por integração do impulso variável, supondo que a partícula se move em linha reta e o elétron permanece em repouso.) A ener-gia fornecida ao elétron é, portanto,

11-74

Esta é a energia perdida pela partícula em um único choque.Para determinar o número de choques, considere uma casca

cilíndrica de espessura db e comprimento dx (Figura 11-57).

FIGURA 11-56 Modelo para calcular a energia perdida por uma partí-cula carregada em uma colisão com um elétron. O impulso transferido para o elétron é da ordem de Ft, sendo F = kze2/b2 é a força máxima e t = 2b/v é o tempo que a partícula passa nas vizinhanças do elétron.*Straggling, em inglês. (N.T.)

M

ze

vb

2b

e–

Impulso ≈ Ft = kze2––––

b2

F = kze2––––

b2

2b––v

Page 72: Leituras suplementares

Interações de Partículas com a Matéria 67

Existem Z (NA/A) 2b db dx elétrons na casca, considerando que Z é o número atômico, NA é o número de Avogadro, A é a massa atômica e é a massa específica. A energia perdida para os elétrons do material é, portanto,

Integrando a equação de um valor mínimo de b até um valor máximo de b, obtemos:

11-75

em que

11-76

A faixa de valores de b pode ser estimada a partir de considera-ções de caráter geral. Por exemplo: o modelo certamente não é válido se a duração da colisão é maior que o tempo que o elé-tron leva para completar uma órbita. A exigência de que 2b/v seja menor que esse tempo estabelece um valor máximo para b. O limite inferior de b pode ser obtido a partir do fato de que a velocidade máxima que o elétron pode adquirir através de uma colisão é 2v (uma consequência da aplicação das leis da mecâ-nica clássica à colisão de uma partícula pesada com uma partí-cula leve). Seja como for, L é uma função que não varia muito com a energia; a principal variação da perda de energia por uni-dade de comprimento na Equação 11-75 não é dada por L, mas por outros parâmetros. A Equação 11-75 mostra que dK/dx varia inversamente com o quadrado da velocidade da partícula e é diretamente proporcional ao quadrado da carga da partícula. Como Z/A 1/2 para todos os íons, a perda de energia é apro-ximadamente proporcional à massa específica do material.

A Figura 11-58 mostra uma curva experimental da perda de energia por unidade de comprimento dK/dx em função da ener-gia da partícula. Podemos ver na figura que a perda de energia passa por um máximo em um valor de energia relativamente pequeno e varia muito pouco com a energia em altas energias. Entre os pontos B e C da curva, a perda de energia é proporcio-nal a 1/v2 (Equação 11-75). Como, para velocidades não relati-vísticas, v2 = 2K/M, em que M é a massa da partícula, isso sig-nifica que dK/dx 1/K. No caso de partículas relativísticas, ou seja, partículas cuja energia está à direita do ponto C da figura,

a velocidade quase não varia com a energia, e a perda de ener-gia varia apenas por causa da pequena variação de L. A parte inicial da curva, entre A e B, não está de acordo com nosso modelo simplificado. No caso de energias muito baixas, o pro-cesso de perda de energia é muito mais complicado. As partí-culas com energia cinética maior que a massa de repouso mc2 são conhecidas como partículas de ionização mínima. Para essas partículas, a perda de energia por unidade de distância percor-rida é aproximadamente constante e o alcance é aproximada-mente proporcional à energia. A Figura 11-59 mostra o alcance em função da energia para o caso dos prótons no ar.

Como, no caso de partículas de alta energia, o alcance é apro-ximadamente proporcional à energia e, como vimos, a perda de energia é aproximadamente proporcional à massa específica do material, o alcance de partículas de alta energia é aproximada-mente proporcional à massa específica do material. Assim, por exemplo, o alcance de um próton de 6 MeV é 40 cm no ar, mas na água, que é aproximadamente 800 vezes mais densa que o ar, o alcance é apenas 0,5 mm.

Muitas vezes, é conveniente normalizar a perda de energia com a distância percorrida definindo um parâmetro de espes-sura :

11-77

Quando expressamos a perda de energia na forma dK/d, em que é dado pela Equação 11-77, obtemos uma expressão seme-lhante à Equação 11-75, com a diferença de que a massa espe-cífica não aparece do lado direito da equação e, portanto, a expressão não varia muito de material para material.

Se a energia da partícula carregada é muito maior que a ener-gia de repouso, a perda de energia em consequência da emissão de ondas eletromagnéticas é importante. Essa radiação é conhe-cida como bremsstrahlung (veja a Seção 3-4). A razão entre a perda de energia por radiação e a perda de energia por ioniza-ção é proporcional à energia da partícula e ao número atômico Z do material usado como alvo. Essa razão é igual a 1 para elé-trons de 10 MeV no chumbo.

O fato de que a perda de energia por unidade de distância percorrida é muito grande em baixas energias, como mostra o pico B da Figura 11-58, tem importantes implicações para os tratamentos médicos com radiação nuclear. A Figura 11-60 mos-tra a perda de energia em função da distância de penetração para partículas carregadas na água. A maior parte da energia é per-

FIGURA 11-58 Perda de energia dK/dx em função da energia para uma partícula carregada. A perda de energia é aproximadamente pro-porcional a 1/v2, na qual v é a velocidade da partícula. Assim, na região não relativística entre B e C, dK/dx é proporcional a 1/K, e na região rela-tivística à direita de C, dK/dx varia muito pouco com K. Em baixas energias, na região entre A e B, a situação é complexa porque a captura e perda de elétrons faz a carga da partícula variar.

M

ze

vx

dx

b

db

O volume da casca é 2πb db dxO número de elétrons na casca é n2πb db dx

FIGURA 11-57 Em uma distância dx, a partícula carregada colide com n2 b db dx elétrons com parâmetro de impacto entre b e b + db, em que n = Z(NA/A) é o número de elétrons por unidade de volume do material.

Mc2 10 Mc2 100 Mc2

K

B

A

C

–dK ––––––

– dx

Page 73: Leituras suplementares

68 Leitura Suplementar 11

dida no final da trajetória das partículas. O pico da curva é conhe-cido como pico de Bragg. Um feixe de partículas carregadas pode ser usado para destruir células cancerosas sem afetar célu-las sadias se a energia for escolhida de tal forma que a maior parte da perda de energia ocorra a uma distância apropriada da superfície do corpo.

NêutronsComo os nêutrons não possuem carga elétrica, eles interagem com os elétrons do alvo apenas através dos momentos magné-ticos das duas partículas. Esta interação é muito usada para investigar as propriedades magnéticas dos materiais; entretanto, não resulta na transferência de energia cinética para os elétrons. Os nêutrons do feixe incidente perdem energia apenas através de interações de espalhamento ou captura com os núcleos do alvo. No caso de nêutrons com energia cinética muito maior que a energia térmica kT, os processos mais importantes são o espalhamento elástico e o espalhamento inelástico. Em um feixe colimado de nêutrons, todas as interações de espalhamento e captura removem nêutrons do feixe. Isso é bem diferente do que acontece com prótons e outras partículas carregadas pesa-

das, que perdem energia gradualmente através de colisões com elétrons. Um nêutron é removido do feixe ao sofrer a primeira colisão.

A probabilidade de que um nêutron seja removido de um feixe é proporcional ao número de nêutrons do feixe e à distân-cia percorrida no interior do material. Seja a seção de choque total para o espalhamento ou absorção do nêutron. Se I é a inten-sidade do feixe incidente de nêutrons (número de partículas por unidade de tempo e unidade de área), o número de nêutrons removidos do feixe por unidade de tempo é R = I por núcleo (Equação 11-62). Se n é a concentração de núcleos (número de núcleos por unidade de volume) e A é a área do feixe incidente, o número de núcleos encontrados em um intervalo dx é nA dx. O número de nêutrons removidos do feixe no intervalo dx é, portanto,

11-78

para o qual N = IA é o número total de nêutrons do feixe por unidade de tempo. A solução da Equação 11-78 é

11-79

Dividindo ambos os membros da Equação 11-79 pela área do feixe, obtemos uma equação semelhante para a intensidade do feixe:

11-80

De acordo com a Equação 11-80, a intensidade do feixe de nêu-trons diminui exponencialmente com a distância percorrida no interior do material. Depois de percorrida uma distância carac-terística x1/2, o número de nêutrons é metade do número inicial; depois de percorrida uma distância 2x1/2, o número de nêutrons é um quarto do número inicial, e assim por diante. Não existe, portanto, um alcance definido, como no caso das partículas car-regadas.

Depois de percorrida a distância de meia penetração x1/2, N = N0/2. De acordo com a Equação 11-79, temos:

11-81

Na maioria dos casos, os nêutrons perdem energia principal-mente através de colisões elásticas. (Em materiais de massa atô-mica intermediária, como o ferro e o silício, o espalhamento inelástico também pode ser importante, mas na discussão a seguir vamos considerar apenas o espalhamento elástico.) A perda de energia em uma colisão elástica é máxima nas colisões frontais. O valor da perda de energia pode ser calculado considerando a colisão frontal de um nêutron de massa m e velocidade vL com um núcleo de massa M em repouso no referencial do laborató-rio (veja o Problema 11-82). O resultado é que a fração de ener-gia perdida por um nêutron nesse tipo de colisão é dada por

11-82

Esta fração tem o valor máximo de 1 para M = m e é aproxima-damente igual a 4m/M para M >> m.

60

10

20

30

40

70

80

50

21 3 4 65 7 8

R, c

m

K, MeV

FIGURA 11-59 Alcance em função da energia cinética para prótons no ar seco. A relação entre alcance e energia é aproximadamente linear, exceto para baixas energias.

FIGURA 11-60 Perda de energia por unidade de distância percorrida em função da profundidade de penetração de íons de hélio e neônio na água. A maior parte da perda de energia acontece perto do final da tra-jetória, no chamado pico de Bragg. Em geral, quanto maior a massa do íon, mais estreito é o pico.

42 6 8 181210 14 16

Per

da d

e en

ergi

a

(uni

dade

s ar

bitr

ária

s)

Distância de penetração na água, cm

NeHe

Page 74: Leituras suplementares

Interações de Partículas com a Matéria 69

FIGURA 11-61 Seção de choque dos fótons em função da energia no caso do chumbo. A seção de choque total é a soma das seções de cho-que para o efeito fotelétrico, o efeito Compton e a produção de pares.

EXEMPLO 11-25 Penetração de Nêutrons no Cobre A seção de choque total para espalhamento e absorção de nêu-trons de uma certa energia pelo cobre é 0,3 barn. (a) Deter-mine a fração de nêutrons com essa energia que penetram 10 cm no cobre. (b) Para que distância de penetração a intensi-dade do feixe de nêutrons é metade do valor inicial?

SOLUÇÃO1. Como n = 8,47 1028 núcleos/cm3 para o cobre (veja o

Exemplo 10-5), temos:

11-83

De acordo com a Equação 11-79, se o feixe tem N0 nêu-trons em x = 0, o número de nêutrons em x = 0,10 m é dado por

A fração de nêutrons que penetram 10 cm é, portanto, 0,776 ou 77,6%.

2. De acordo com a Equação 11-81, para n = 8,47 1028 núcleos/m3 e = 0,3 1028 m2, temos:

FótonsA intensidade de um feixe de fótons, como a de um feixe de nêutrons, diminui exponencialmente com a profundidade de penetração. A variação da intensidade com a penetração é dada pela Equação 11-80, na qual é a seção de choque total para absorção e espalhamento. Os processos mais importantes de remoção de fótons do feixe são o efeito fotelétrico, o efeito Compton e a produção de pares. A seção de choque total é a soma das seções de choque para os três processos, ef, ec e pp. A Figura 11-61 mostra as seções de choque parciais e a seção de choque total em função da energia no caso do chumbo. A seção de choque para o efeito fotelétrico é dominante em baixas energias, mas diminui rapidamente com o aumento da energia; além disso, é proporcional a Z4 ou Z5, dependendo da faixa de energias considerada. Se a energia dos fótons é muito maior que

a energia de ligação dos elétrons, os elétrons podem ser consi-derados livres e o efeito Compton se torna o mecanismo prin-cipal. A seção de choque para o efeito Compton é proporcional a Z. Se a energia dos fótons é maior que 2mec2 = 1,02 MeV, o fóton pode desaparecer, dando origem a um par elétron-pósi-tron. Este processo, conhecido como produção de pares, foi discutido na Seção 2-4. A seção reta para produção de pares aumenta rapidamente com a energia dos fótons e é a compo-nente dominante da seção de choque total em altas energias. Como vimos na Seção 2-4, a produção de pares não pode ocor-rer no espaço vazio. Se considerarmos a reação → e + e, existe um referencial no qual o momento total do par elétron-pósitron é nulo; entretanto, não existe nenhum referencial no qual o momento do fóton seja nulo. Assim, para que a lei de conservação do momento seja respeitada, é preciso que exista um núcleo nas proximidades para absorver o momento do fóton. A seção reta para produção de pares é proporcional a Z 2.

1

40

50

60

70

20

30

10

0,2 1 20,5 5 20

Produção de pares

Efeito Compton

Total

Efeito fotelétrico

10 50 100σ,

bar

nsEfóton, MeV

Page 75: Leituras suplementares

70

CAPÍTULO 11 LEITURA SUPLEMENTAR 8

Efeitos Biológicos da Radiação Ionizante

Os efeitos biológicos da radiação ionizante podem ser catastró-ficos. Basta uma pequena ionização para prejudicar seriamente o funcionamento de uma célula ou mesmo matá-la. Cinco gran-dezas são usadas para medir a radiação ionizante: energia, ati-vidade, exposição, dose absorvida e dose equivalente.

A atividade de uma amostra radioativa é a taxa de decaimento da amostra, ou seja, o número de decaimentos que acontecem na amostra por unidade de tempo (veja a Seção 11-3). A uni-dade de atividade no SI é o becquerel (Bq).

A exposição é uma medida da intensidade da radiação ioni-zante no ar. A unidade de exposição mais usada é o roentgen (R), definido como a intensidade de radiação que produz (1/3) 109 C de carga elétrica (íons positivos ou elétrons) em 1 cm3 de ar seco nas CNTP.

A dose absorvida é uma medida da energia, na forma de radiação ionizante, absorvida por um material. A unidade de dose absorvida no SI é o gray (Gy), definido como a absorção de uma energia de 1 J por kg do material. Outra unidade muito usada é o rad (acrônimo de radiation absorbed dose, ou seja, dose absorvida da radiação), definido como a absorção de uma energia de 0,01 J por kg do material. Entre as duas unidades existe, portanto, a seguinte relação:

11-93

Como 1 R de radiação ionizante deposita uma energia de cerca de 8,7 103 J por kg, o rad e o roentgen são unidades da mesma ordem de grandeza.

A dose equivalente é uma medida dos danos causados aos seres vivos pela radiação ionizante. Esses danos dependem tanto do número de íons produzidos pela radiação, que é proporcio-nal à energia absorvida, como da distância entre os íons. Quando os íons estão muito próximos, como no caso da ionização por partículas , os efeitos biológicos são maiores. O rem (acrônimo de roentgen equivalent in man, ou seja, equivalente do roentgen no homem) é definido como a dose que causa o mesmo efeito biológico que 1 rad de radiação ou . Um rem tem o mesmo efeito biológico sobre uma pessoa, seja qual for o tipo de radia-ção. A relação entre o rem e o rad é a seguinte:

11-94

em que RBE* é o fator de eficácia biológica relativa. A Tabela 11-10 mostra o valor do RBE para vários tipos de radiação ioni-zante. A unidade de dose equivalente no SI é o sievert (Sv), definido como o produto da dose em grays pelo RBE:

11-95

As principais unidades usadas para medir a radiação ionizante aparecem na Tabela 11-11, juntamente com alguns fatores de conversão.

Nossos conhecimentos a respeito dos efeitos de grandes doses de radiação foram obtidos principalmente através do estudo das vítimas de explosões de bombas atômicas. Doses de menos de 25 rem aplicadas ao corpo inteiro não parecem produzir efeitos imediatos. Doses de 50 a 100 rem danificam os tecidos forma-dores de sangue, e doses maiores que 500 rem geralmente levam à morte de 50% das vítimas em um curto período de tempo. Doses maiores que 700 rem são invariavelmente fatais.

Tabela 11-10 Valores do RBE para vários tipos de radiação ionizante

Tipo de radiação RBE

Fótons < 4 MeV 1

Fótons > 4 MeV 0,7

Partículas < 30 keV 1,7

Partículas > 30 keV 1

Nêutrons lentos 4 ou 5

Nêutrons rápidos 10

Prótons 10

Partículas 10

Íons pesados 20

*Do inglês relative biological effectiveness. (N.T.)

Page 76: Leituras suplementares

Efeitos Biológicos da Radiação Ionizante 71

Os efeitos a longo prazo de doses subletais recebidas durante um longo período de tempo são mais difíceis de avaliar. Uma dose entre 100 e 500 rem multiplica por dois a probabilidade de que o indivíduo afetado morra de câncer. Não se sabe muito a respeito dos efeitos de doses muito pequenas. É possível que exista um limiar, abaixo do qual os danos produzidos pela radiação são totalmente reparados pelo organismo; entretanto, também é pos-sível que não exista um limiar e que os efeitos cancerígenos da radiação sejam proporcionais à dose cumulativa, mesmo no caso de pequenas doses. A questão vem sendo objeto de muitas pes-quisas, mas ainda não existem resultados conclusivos.

A Tabela 11-12 mostra algumas exposições típicas a que os seres humanos estão sujeitos. A dose interna é produzida pelo decaimento no interior do corpo de nuclídeos radioativos, como 14C e 40K. A precipitação radioativa causada por testes de armas nucleares na atmosfera e pelo acidente de Chernobyl se deve principalmente ao 90Sr e ao 137Cs, que têm uma meia-vida de aproximadamente 30 anos. Se os testes nucleares na atmosfera continuarem suspensos e não houver novos acidentes, esta fonte de radiação se tornará insignificante a médio prazo. A atmosfera nos protege da maior parte dos raios cósmicos; a dose que rece-bemos hoje é de aproximadamente 40 mrem/ano ao nível do mar e aumenta de 1 mrem/ano para cada 30 m de altitude.

Um dos produtos da cadeia de decaimentos do 238U é o 222Rn, que decai por emissão com uma meia-vida de 3,82 dias. Este decaimento é seguido por outros decaimentos e que resul-tam na formação de 210Pb, que tem uma meia-vida de 22,3 anos.

Tabela 11-11 Unidades usadas para medir a radiação ionizante

Unidade convencional Unidade do SI

Grandeza Nome Símbolo Nome Símbolo Fator de conversão

Energia elétron-volt eV joule J 1 MeV 1,602 1013 J

Exposição roentgen R coulomb/quilograma C/kg 1 R 2,58 104 C/kg

Dose absorvida rad rad ou rd gray Gy J/kg 1 rad 102 J/kg 102 Gy

Dose equivalente rem rem seivert Sv 1 rem 102 Sv

Atividade curie Ci becquerel Bq 1/s 1 Ci = 3,7 1010 decaimentos/s

3,7 1010 Bq

Tabela 11-12 Dose média de radiação recebida pela população dos Estados Unidos

Fonte de radiação Dose média (mSv/ano)

Raios cósmicos 0,27 (= 27 mrem/ano)

Nuclídeos radioativos internos

0,39

Produtos 0,10

Solo 0,28

Radônio 2,0

Raios X, medicina nuclear 0,53

Precipitação 0,01

Usinas nucleares 0,01

O radônio é um gás inerte, que se difunde nos materiais sem reagir quimicamente. É considerado um perigo para a saúde porque tende a se acumular no porão das casas e entra nos pul-mões junto com o ar respirado. Quando o radônio decai enquanto se encontra no pulmão, a energia depositada nos delicados teci-dos do pulmão pela partícula emitida pelo nuclídeo ou um dos seus produtos pode danificar as células e produzir câncer do pulmão. Este é o maior risco para a saúde humana causado pela radioatividade natural.

A maior fonte artificial de radiação são os raios X usados em exames médicos. A dose varia muito de acordo com o tipo de aparelho e o tempo de exposição, que, por sua vez, depende da sensibilidade do filme ou detector. No caso de uma radio-grafia simples do tórax, alguns aparelhos portáteis aplicam uma dose de 1000 milirrems; a dose média está em torno de 200 milirrems. Quando as melhores técnicas são usadas, a dose necessária para tirar uma radiografia do tórax pode ser menor que 6 milirrems. Como os riscos ainda não são perfeitamente conhecidos, a exposição de seres vivos à radiação ionizante deve ser limitada ao mínimo indispensável. A Tabela 11-13 mostra alguns limites recomendados pelo National Council on Radiation Protection and Measurement, um órgão do governo americano.

ProblemasOs problemas que se seguem ajudarão o leitor a se familiarizar com o cálculo de doses de radiação ionizante.

1. No passado não muito distante, imaginava-se que o rádio tinha poderes curativos quando ingerido (o que não é ver-dade!). Em um caso famoso, que levou à criação de limites de exposição, um homem de 100 kg consumiu cerca de 3,5 104 Bq de 226Ra aproximadamente 1 Ci) por dia durante mais de três anos antes de falecer. A partícula emitida pelo 226Rn tem uma energia de 4,78 MeV. Supondo que todo o rádio tenha permanecido no corpo do homem e ignorando a radioatividade dos produtos do decaimento do rádio, calcule a dose de radiação que o homem estava rece-bendo por hora (em sieverts) depois de tomar o elixir de rádio durante um ano. Compare o resultado com a dose média recebida por um residente dos Estados Unidos, de acordo com a Tabela 11-12.

2. De acordo com a Tabela 11-10, 0,5 Gy de raios X equivale a quantos grays (a) de nêutrons rápidos, (b) de partículas , (c) de íons pesados?

Page 77: Leituras suplementares

72 Leitura Suplementar 11

3. Uma única dose de 5,0 Sv é fatal para aproximadamente 50% das vítimas. A quantos grays equivale essa dose, se a radia-ção é constituída (a) por raios X, (b) por raios ; (c) por raios de baixa energia, (d) por nêutrons rápidos?

4. A absorção de raios X pela matéria é descrita pela lei de Lambert

em que I é a intensidade de um feixe de intensidade inicial I0 depois de percorrer uma distância x em um material cuja massa específica é . O parâmetro , que depende do mate-rial e do comprimento de onda da radiação, é conhecido como coeficiente de absorção. O coeficiente de absorção do ferro para raios X de 0,04 nm é 0,375 cm2/g. Qual é a intensidade relativa I/I0 de um feixe de raios X de 0,04 nm depois de atra-vessar uma placa de ferro com uma espessura de (a) 0,5 cm, (b) 1,0 cm, (c) 2 cm, (d) 4 cm? A massa específica do ferro é 7,87 g/cm3.

5. A máxima exposição ao radônio recomendada pelo governo americano é 4 pCi por litro de ar. (a) Se a capacidade pul-monar de um adulto é de 3,5 litros, quantos átomos de 222Rn existem nos pulmões de uma pessoa que se encontra em um

Tabela 11-13 Doses máximas recomendadas

Dose máxima permissível

Exposição ocupacional (corpo inteiro)

Limite anual futuro 5 rems em um ano

Limite anual passado 10-15 rems em um ano

Dose total até N anos de idade (N 18) 5 rems

Pele 15 rems em um ano

Mãos 75 rems em um ano (25 rems por trimestre)

Antebraços 30 rems em um ano (10 rems por trimestre)

Outros órgãos, tecidos e sistemas de órgãos 15 rems em um ano (5 rems por trimestre)

Mulheres férteis (em relação ao feto)

Limites para exposições não ocupacionais 0,5 rem no período de gestação

Média da população 0,17 rem em um ano

Um indivíduo na população 0,5 rem em um ano

Estudantes 0,1 rem em um ano

aposento no qual a concentração de radônio é igual ao máximo recomendado? (b) Se a energia total absorvida pelos pulmões em consequência do decaimento de um núcleo de 222Rn para 210Pb é 20,3 MeV e os pulmões têm uma massa de 2,0 kg, qual é a dose em rems recebida por uma pessoa que passa um ano respirando unicamente ar contaminado com radônio na concentração indicada no item (a)? (c) Supondo que o risco de câncer do pulmão para não fumantes é proporcional à dose em rems da radiação recebida pelos pulmões, por qual fator é multiplicada a probabilidade de câncer de pulmão de uma pessoa como a mencionada no item (b), supondo que a dose a que as pessoas são normalmente expostas é de 150 mrem por ano?

6. Começando 12 dias após o acidente com um reator nuclear em Chernobyl, ocorrido em 26 de abril de 1986, e durante oito dias, a população de parte da Flórida foi exposta a uma radiação maior que o normal por causa da contaminação da atmosfera com 131I, que produziu uma atividade adicional de 1,36 pCi/m3. Obtenha uma expressão para a exposição total a este isótopo durante o período de oito dias e calcule a dose equivalente recebida por um morador da região. Que fração da máxima exposição anual recomendada representa esta dose?

Page 78: Leituras suplementares

73

CAPÍTULO 12 LEITURA SUPLEMENTAR 1

Em que Circunstâncias uma Grandeza Física É Conservada?

As seis leis de conservação que discutimos até agora (da ener-gia, da carga, do momento angular, do momento linear, do número bariônico e do número leptônico) se aplicam às quatro interações fundamentais. Em que circunstâncias uma grandeza física é conservada?

A equação de Schrödinger dependente do tempo (Equação 6-6) pode ser escrita na seguinte forma, semelhante à da Equação 6-52:

12-11

na qual é a função de onda do sistema e Hop é o operador hamil-toniano (isto é, o operador que representa a energia), dado pela Equação 6-51. Suponhamos que a energia potencial V(x) (e, por-tanto, Hop) não varie com o tempo. Vimos na Seção 6-4 que o valor esperado de uma grandeza física observável f é dado por

12-12

na qual fop é o operador que representa a grandeza f. Para que f seja conservada, o valor esperado f deve ser independente do tempo. A questão inicial pode, portanto, ser expressa da seguinte forma: Em que circunstâncias f é independente do tempo? Para responder à pergunta, vamos supor que fop é independente do tempo e calcular d f /dt:

12-13

O complexo conjugado da Equação 12-13 é

12-14a

Como Hop é real12, temos:

12-14b

Combinando as Equações 12-11 e 12-14b com a Equação 12-13, obtemos:

12-15

A expressão entre parênteses é conhecida como comutador de Hop e fop. De acordo com a Equação 12-15, para que d f /dt seja zero, ou seja, para que f seja conservada, é preciso que (Hop fop fopHop) = 0. Para isso, é necessário que Hop fop = fopHop, caso em que dizemos que os operadores Hop e fop comutam. Assim, che-gamos à seguinte regra:

Operadores que comutam com o hamiltoniano representam grandezas físicas que são conservadas.

Para dar um exemplo óbvio, o operador hamiltoniano (que repre-senta a energia total do sistema) certamente comuta com ele mesmo; em consequência, a energia total é uma grandeza con-servada.

A parte difícil do problema é descobrir quais são os opera-dores que comutam com o hamiltoniano, já que a forma com-pleta de Hop raramente é conhecida nos problemas de física nuclear e de partículas. Entretanto, para verificar se uma gran-deza é conservada, não é necessário conhecer a forma completa de Hop; basta provar que Hop é invariante em relação a uma ope-ração de simetria relacionada a essa grandeza. Assim, por exem-plo, a invariância de Hop em relação a translações no espaço leva à conservação do momento linear, e a invariância de Hop em relação a translações no tempo leva à conservação da energia total. Um operador de simetria aceitável Uop é aquele que trans-forma em de acordo com a equação

12-16

de tal forma que a função da onda permanece normalizada e , a nova função, satisfaz a equação de Schrödinger. Não vamos determinar aqui qual deve ser a forma da relação entre Uop e fop para que fop corresponda a uma grandeza física observável; limi-tar-nos-emos a apresentar a solução proposta por H. Weyl:

12-17

Page 79: Leituras suplementares

74 Leitura Suplementar 12

Considerando que b é uma constante real arbitrária, que não depende de x e t. Uma transformação como a da Equação 12-17 é conhecida como transformação de calibre global, na qual “global” significa “em todos os pontos do espaço” e “calibre” significa “escala”. Em outras palavras, uma transformação desse tipo muda a escala de medida da mesma forma em todos os pon-tos do espaço. Se a função da Equação 12-16 também satis-faz a equação de Schrödinger, dizemos que a equação de Schrödinger é invariante de escala em relação à operação de simetria Uop; isso significa que a operação Uop não tem nenhum efeito, a não ser o de mudar a escala de medida em todos os pontos do espaço. Em consequência, fop representa uma gran-deza conservada. O exemplo a seguir ilustra a relação que existe entre os conceitos de transformação de calibre global e conser-vação de uma grandeza física.

Multiplicando a Equação 12-19 por eibQop e levando em conta o fato de que Qop não varia com o tempo, temos:

12-20

Comparando a Equação 12-20 com a Equação 12-11, vemos que

12-21

Como b é uma constante arbitrária, podemos escolher um valor para b tal que bQop << 1 e expandir as exponenciais da Equação 12-21 em potências dos expoentes, conservando ape-nas os primeiros dois termos, para obter

12-22

Efetuando os produtos e desprezando o termo de segunda ordem em bQop, obtemos:

Assim, Q = q é conservado. Isso mostra que a invariância de escala global leva à conservação da carga elétrica.

EXEMPLO 12-7 Conservação da Carga Elétrica Use uma transformação de calibre global para provar que a carga elé-trica é conservada.

SOLUÇÃO(x,t) descreve um sistema de carga q que satisfaz a Equação 12-11. Se definirmos o operador carga Qop, o valor esperado de q, Q, será conservado se Hop e Qop comutarem, ou seja, se HopQop = QopHop. Nesse caso, Qop = q, e a carga q será conservada.

Para provar que a invariância de escala global implica que Hop e Qop comutem, vamos fazer

12-18

para a qual também satisfaz a Equação 12-11. Nesse caso, temos:

12-19

Existem também transformações de calibre locais, nas quais a grandeza b da Equação 12-17 é função da posição e do tempo. Embora o tratamento matemático desse caso seja complexo demais para ser discutido aqui, a simetria das interações funda-mentais em relação a transformações de calibre locais leva à conservação de várias outras grandezas, que são discutidas na subseção “Outras Leis de Conservação” do texto impresso.

Page 80: Leituras suplementares

75

CAPÍTULO 12 LEITURA SUPLEMENTAR 2

Ressonâncias e Estados Excitados

As partículas que decaem através da interação forte têm um tempo de vida tão curto (da ordem de 1023 s) que não podem ser obser-vadas diretamente. Mesmo que esteja se movendo com uma velo-cidade próxima da velocidade da luz, uma partícula desse tipo percorre uma distância de apenas c = (3 108 m/s)(1023 s) = 3 1015 m = 3 fm (o diâmetro de um núcleo atômico, aproxi-madamente) antes de decair, o que é insuficiente para que deixe um rastro em uma câmara de bolhas ou de centelhas. A existência dessas partículas é deduzida a partir de ressonâncias nas seções de choque dos hádrons ou a partir da distribuição de energia dos produtos do decaimento. O primeiro processo é o análogo nuclear do efeito Frank-Hertz, discutido na Seção 4-5.

A Figura 12-14 mostra a seção de choque em função da energia para o espalhamento de mésons e por prótons. Existe um pico acentuado na seção de choque para uma energia dos mésons de 195 MeV (no referencial do laboratório). Este valor corresponde a uma energia total no referencial do centro de massa (incluindo as energias de repouso do méson e do próton) de 1232 MeV. A largura da ressonância no referencial do centro de massa é aproximadamente 100 MeV, o que corres-ponde a um tempo de vida do estado da ordem de = /∆E 1023 s. Apesar do pequeno tempo de vida, este estado hoje é considerado uma partícula que, sob vários aspectos, é tão fun-damental quanto as da Tabela 12-3, que são estáveis em relação a decaimentos mediados pela interação forte. A partícula é deno-minada ∆(1232). A estranheza é zero, já que tanto o próton como o píon possuem estranheza zero. O isospin é 3/2, já que I = 1/2 e I3 = 1/2 para o próton e I = 1 e I3 = 1 para o méson . O spin e a paridade podem ser determinados a partir de medidas da distribuição angular dos produtos do decaimento. A partícula ∆(1232) é um estado excitado do núcleon, uma das nove ressonâncias ∆ para as quais S = 0 e I = 3/2.

A Figura 12-14 mostra também a seção de choque para o espalhamento de mésons por prótons. Nesse caso também é observada uma ressonância para uma energia total de 1232 MeV no referencial do CM, mas o pico não é tão acentuado como no caso do espalhamento (, p). Além disso, o espalhamento (, p) apresenta ressonâncias adicionais que não são observadas no espalhamento (, p). Isso acontece porque o estado (, p) é uma mistura de estados de isospin. Como I = 1 para o píon e 1/2 para o núcleon, um sistema constituído por um píon e um núcleon pode ter I = 3/2 ou I = 1/2. Como I3 = +1 para o méson e

I3 = 1/2 para o próton, a ressonância (, p) só pode ter I = 3/2. Entretanto, como I3 = 1 para o méson , o estado (, p) é uma mistura de I = 3/2 e I = 1/2. A ressonância com I = 3/2 é a partícula ∆(1232). As ressonâncias para energias de 1520 MeV e 1675 MeV são conhecidas como ressonâncias N porque possuem o mesmo isospin e a mesma estranheza que o núcleon. As dezessete ressonâncias N que foram observadas até o momento possuem S = 0 e I = 1/2 e, como as ressonâncias ∆, são consi-deradas estados excitados do núcleon. A ressonância ∆(1232), a primeira partícula desse tipo a ser observada experimental-mente, foi descoberta por Fermi e colaboradores em 1951 e tam-bém é conhecida como ressonância de Fermi.

Outro método de detecção se baseia na medida da energia dos produtos do decaimento. Considere o decaimento A → B

FIGURA 12-14 Seção de choque para o espalhamento de mésons e por prótons. A ressonância observada para uma energia dos píons de 195 MeV, correspondente a uma energia total no referencial do cen-tro de massa (incluindo a energia de repouso) de 1232 MeV, indica a existência de uma nova partícula, que recebeu o nome de partícula ∆. Outras ressonâncias no espalhamento p indicam outras partícu-las com energia de repouso ainda maior. ∆E é a largura da curva na metade da altura máxima.

0

25

1000

50

1200

75

100

200

1400

125

150

1600

175

1800

0 200 400 600 800

2000

Energia total do sistema -p, MeV

Ek(π), MeV

σ, m

iliba

rns

∆E

π+p

π–p

Page 81: Leituras suplementares

76 Leitura Suplementar 12

C. Suponha que apenas a partícula C seja observada. Como vimos anteriormente, para que a energia e o momento sejam conservados, a partícula C deve ter um certo valor de energia. Por outro lado, se o decaimento produz três partículas, como na reação A → B C D, a energia da partícula C pode variar dentro de uma certa faixa, como na Figura 12-15a. Se o decai-mento ocorre em duas etapas, como na reação

12-28a

a distribuição de energia da partícula C é mais estreita, como na Figura 12-15b, já que tanto E como C são produtos de decai-mentos envolvendo apenas duas partículas. Se alguns decaimen-tos produzem três partículas e outros ocorrem em duas etapas, a distribuição de energia da partícula C tem a forma da Figura 12-15c. A Figura 12-16 mostra a distribuição experimental de energia do méson na reação

12-28b

(Esta é apenas parte de uma análise muito complicada da reação.) A curva suave é a distribuição esperada quando existem três par-tículas no estado final. A presença de um pico para uma energia cinética de aproximadamente 300 MeV sugere que existe uma partícula intermediária com um tempo de vida muito pequeno. A reação observada é na verdade uma mistura de duas reações, ambas com dois estágios. As reações são as seguintes:

12-28c

e

12-28d

Nas Equações 12-31a e 12-31b, os píons produzidos no segundo estágio correspondem à partícula C da discussão anterior e as partículas e correspondem à partícula intermediária E, cuja massa pode ser calculada a partir da lei de conservação da energia. A Tabela 12-8 mostra alguns dos mésons e bárions cujo decaimento é mediado pela interação forte. Muitas outras res-sonâncias foram descobertas, mas as propriedades de algumas ainda não são perfeitamente conhecidas.

Ec

B + C + D AB + E A

C + D

N

(a)

(c )

Ec

B + C + D A

B + E AC + D

N(b)

Ec

N

FIGURA 12-16 Distribuição da energia cinética dos mésons + produ-zidos na reação K p → + 0. A curva suave é a distribui-ção esperada quando existem três partículas no estado final. A presença de um pico sugere que a reação ocorre em duas etapas, K p → e → 0 ou K p → e → 0. A energia de repouso das partículas e é 1385 MeV.

FIGURA 12-15 Distribuição da ener-gia da partícula C (a) se o decai-mento produz três partículas, através da reação A → B C D; (b) se o decaimento produz duas partículas, um das quais decai, como nas rea-ções A → B E e E → C D; (c) se o decaimento às vezes produz três partículas, como em (a), e às vezes produz duas partículas, como em (b). Um pico na distribuição de energia, como em (b) e (c), pode revelar a existência de uma partícula, como E, que não pode ser detectada direta-mente.

0

4

0

8

80

12

28

160120

16

20

320200 240 280

24

36040

Ek (π+), MeV

Núm

ero

de e

vent

os

EXEMPLO 12-9 Tempo de Vida da Ressonância (1520) Use a largura da ressonância (1520) dada na Tabela 12-8 para estimar o tempo de vida da partícula.

SOLUÇÃOA largura indicada na Tabela 12-8 é a largura na metade da altura máxima da ressonância (1520), como a largura ∆E da Figura 12-14. De acordo com a tabela, o valor é 16 MeV. O tempo de vida da ressonância (1520) é, portanto,

EXEMPLO 12-10 Decaimento da Ressonância (2030) De acordo com a Tabela 12-8, a ressonância decai através da reação → N K

–0. Quais são as resso-nâncias N da tabela que podem ser produzidas por esse decai-mento? Qual é a energia cinética total dos produtos do decaimento?

SOLUÇÃOComo a massa da ressonância (2030) é 2030 MeV/c2 e a da partícula K

–0 (de acordo com a Tabela 12-3) é aproximada-mente 498 MeV/c2, as ressonâncias N que podem ser produ-zidas pelo decaimento são aquelas para as quais

A única ressonância N da Tabela 12-8 cuja massa satisfaz esta desigualdade é N(1470). A energia cinética total dos produtos do decaimento é, portanto,

Ek = 2030 498 1470 = 62 MeV

Page 82: Leituras suplementares

Ressonâncias e Estados Excitados 77

Tabela 12-8 Algumas ressonâncias mesônicas e bariônicas

Partícula Massa (MeV/c2)Largura (MeV)

Modo principal de decaimento I B S JP†

Ressonâncias mesônicas

(770) 770 153 1 0 0 1

(783) 783 10 0 1 0 0 1

(1670) 1666 166 0 0 0 3

J(3100) 3097 0,06 Hádrons 0 0 0 1

K*(890) 892 51 K 1–2 0 1 1

K*(1420) 1425 100 K 1–2 0 1 3

Ressonâncias bariônicas

(1232) 1232 120 N 3–2 1 0 3–

2

(1620) 1620 140 N 3–2 1 0 1–

2

(1700) 1685 250 N 3–2 1 0 3–

2

N(1470) 1470 300 N 1–2 1 0 1–

2

N(1670) 1670 160 N 1–2 1 0 5–

2

N(1688) 1688 145 N 1–2 1 0 5–

2

(1405) 1405 40 ∑ 0 1 1 1–2

(1520) 1520 16 NK–

0 1 1 3–2

(1670) 1670 30 NK–

0 1 1 1–2

∑(1385) 1382 35 1 1 1 3–2

∑(1670) 1670 50 ∑ 1 1 1 3–2

∑(2030) 2030 175 NK–

1 1 1 7–2

(1530) 1532 9 1–2 1 2 3–

2

(1820) 1823 30 K– 1–

2 1 2 3–2

?

(2030) 2030 20 ∑K– 1–

2 1 2 ?

†JP indica o spin J e a paridade P da partícula.

Page 83: Leituras suplementares

78

CAPÍTULO 12 LEITURA SUPLEMENTAR 3

Teoria das Cordas

Teoria das cordas é o nome dado a vários modelos da física segundo os quais os objetos elementares de que é feito o uni-verso são pequenas entidades unidimensionais vibratórias, cha-madas cordas, e não as partículas pontuais, sem dimensões, do Modelo Padrão. O comprimento das cordas é da mesma ordem que o comprimento de Planck, 1,6 1035 m (veja a Seção Exploratória, As Unidades “Naturais” de Planck, no Capítulo 13). Cada corda vibra ou oscila com uma certa frequência e, como uma corda de violão, pode vibrar em diferentes modos ou harmônicos; a cada modo corresponde uma partícula diferente. Assim, a massa de uma partícula depende da forma como a corda vibra. Por que as cordas estão sempre vibrando? Porque (de acordo com os modelos), na ausência de forças externas, as cor-das tendem a se contrair para diminuir a energia potencial. Entre-tanto, a lei de conservação da energia impede que o comprimento se reduza a zero e por isso as cordas oscilam, mais ou menos como uma mola oscila quando é distendida e depois liberada. A maior parte dos modelos admite a existência de cordas aber-tas, ou seja, de cordas com duas pontas, e de cordas fechadas, isto é, de cordas cujas extremidades estão unidas para formar curvas contínuas. Duas cordas podem se unir para formar uma curva única ou se dividir para formar mais de uma corda, modi-ficações que são interpretadas, respectivamente, como a absor-ção e a emissão de partículas. As cordas apresentam muitas outras propriedades, algumas das quais serão discutidas a seguir, enquanto as demais serão deixadas para outra ocasião.

A Promessa das CordasO principal motivo pelo qual os modelos baseados em cordas têm sido objeto de interesse nos últimos anos é a grande difi-culdade que os físicos encontram para combinar as duas gran-des teorias da física moderna: a mecânica quântica e a relativi-

dade geral (ou teoria da gravitação). O reino da mecânica quân-tica é normalmente o reino das dimensões atômicas e subatô-micas (pequenas regiões do espaço-tempo), enquanto o reino da relatividade geral é o reino dos corpos de grande massa, como estrelas e galáxias (que ocupam grandes regiões do espaço-tempo). Quando tentamos descrever fenômenos físicos que se passam em dimensões da ordem do comprimento de Planck ou menores, as duas teorias oferecem visões claramente incompa-tíveis da realidade, que é previsível e contínua para a relativi-dade geral e aleatória e descontínua para a mecânica quântica.

Segundo muitos físicos teóricos, quando as partículas pon-tuais são substituídas por cordas, o problema de incompatibili-dade desaparece (tudo se torna previsível e contínuo) e surge uma teoria quântica da gravidade! A teoria das cordas resolve outro problema do Modelo Padrão, o de exigir a inserção manual de cerca de 20 parâmetros livres e considerar mais de 60 partí-culas, divididas em três famílias, como “fundamentais”. A teo-ria das cordas exige a inserção manual de apenas um parâmetro livre, o comprimento das cordas, e talvez consiga explicar por que as partículas estão divididas em três famílias. Além disso, é possível que as várias versões da teoria das cordas sejam casos particulares ou formulações alternativas de uma teoria das super-cordas mais geral, como a teoria M, proposta por Edward Whit-ten em 1995, mas ainda na infância, que combina em uma única teoria as cinco teorias das cordas mais populares.

A partir de um modelo baseado em cordas, talvez seja pos-sível formular uma teoria capaz de explicar a origem de todos os fenômenos físicos, ou seja, uma hipotética Teoria de Tudo, buscada sem sucesso por Einstein, Weyl, Eddington e muitos outros que os sucederam. A figura a seguir ilustra os enormes avanços que já foram conseguidos no sentido de unificar as apa-rentemente desconexas teorias da física e os grandes desafios teóricos que temos pela frente. Na verdade, muitos físicos acre-ditam que uma teoria de tudo é um sonho impossível.

Page 84: Leituras suplementares

Teoria das Cordas 79

O Caminho para a Teoria de Tudo

Interação elétrica

Interação magnética

Teoria de Tudo

Interação eletronuclear

Interação de cor

Interação eletrofraca

Glashow, Salam e Weinberg

Maxwell e Oersted

Interação forte Interação fracaInteração

eletromagnética

Interação gravitacional

Alguns ProblemasComo vimos, a teoria das cordas se propõe a substituir o Modelo Padrão por um modelo mais geral, capaz de conciliar a mecâ-nica quântica com a relatividade geral e explicar todos os fenô-menos físicos através de uma Teoria de Tudo. Entretanto, para conseguir esse objetivo, a teoria terá que superar muitos obstá-culos. Vamos examinar rapidamente alguns dos problemas mais sérios que a teoria das cordas terá que enfrentar no futuro.

Dimensões Adicionais Todas as teorias das cordas se pro-põem a determinar, a partir de primeiros princípios, o número de dimensões do espaço-tempo. No caso da teoria M e das cinco teorias das cordas que a inspiraram, esse número é 10, muito maior que as quatro a que estamos acostumados. As dimensões adicionais são necessárias para assegurar a coerência interna da teoria. Por exemplo: a massa de repouso de um fóton é deter-minada pela energia do modo de vibração da corda que repre-senta o fóton. Essa energia inclui uma contribuição do efeito Casimir, cujo valor depende do número de dimensões do uni-verso. Para que a massa de repouso do fóton tenha o valor deter-minado experimentalmente (zero), é preciso que o universo tenha 10 dimensões.

Uma explicação para o fato de que não podemos observar essas dimensões adicionais é que são muito pequenas para serem detectadas pelos instrumentos de que dispomos atualmente. Uma analogia muito usada é a seguinte: quando observamos uma mangueira, de longe, temos a impressão de que estamos vendo apenas uma linha, ou seja, um objeto unidimensional. Ao nos aproximarmos, porém, percebemos que a mangueira tem uma segunda dimensão, a largura (ou circunferência). Um inseto na superfície da mangueira pode se mover em duas dimensões. Na verdade, uma mosca no interior da mangueira pode se deslocar

em três dimensões. Da mesma forma, para observar as dimen-sões adicionais da teoria das cordas, temos que nos aproximar muito de uma corda. Do ponto de vista experimental, isso sig-nifica que precisamos “observar” a corda com partículas de com-primento de onda extremamente pequeno, ou seja, com partícu-las de energia extremamente elevada.

Supersimetria Todas as teorias das cordas incluem a supersi-metria (SUSY) entre férmions e bósons. Isso significa que todas as partículas que aparecem do lado direito da Tabela 12-12 devem existir, a despeito do fato de que, até o momento, nenhuma foi observada. A busca dessas partículas é um dos objetivos princi-pais do acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC), que começou a funcionar recentemente no CERN.

Comprovação Experimental Até o momento (2013), nenhuma versão da teoria das cordas foi comprovada experimentalmente. Todas as previsões das teorias das cordas que concordam com os resultados experimentais já tinham sido feitas pelas duas teo-rias mais importantes da física moderna: a mecânica quântica e a relatividade geral. Embora as teorias das cordas incluam neces-sariamente a SUSY, a recíproca não é verdadeira. Assim, a des-coberta de superparceiras nos experimentos do LHC não pode ser encarada como prova definitiva de que a teoria das cordas está correta. Além disso, existem versões da teoria das cordas nas quais a energia necessária para criar as superparceiras é muito maior que a disponível no LHC; assim, se os experimen-tos do LHC não forem bem-sucedidos, isso não significará neces-sariamente que a teoria das cordas está errada.

Outras Dificuldades A teoria das cordas terá que superar outros problemas igualmente sérios para se tornar uma teoria física testável. Muitos são de natureza matemática, já que a teo-ria, na forma atual, não é uma estrutura matemática exata e sim uma série de aproximações. Um dos maiores problemas é o cha-

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mado cenário, ou estrutura vazia, que está longe de ser compre-endido e parece admitir até 10500 formas distintas, cada uma correspondendo a um universo diferente com diferentes partí-culas, diferentes constantes universais, etc. Todos reconhecem

que ainda resta muito a fazer e que duas possibilidades para o futuro são (1) que a teoria das cordas se revele uma das realiza-ções mais notáveis da história da física e (2) que a teoria das cordas não leve a nada. Não percam os próximos capítulos.