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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO ROSEMAR TAVARES GONÇALVES ORIENTADORA DRA. DENISE DE ALMEIDA GUIMARÃES RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE CNDIDO MENDES

PS-GRADUAO LATO SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

FLEXIBILIZAO DAS RELAES DE TRABALHO

ROSEMAR TAVARES GONALVES

ORIENTADORA DRA. DENISE DE ALMEIDA GUIMARES

RIO DE JANEIRO 2005

2

UNIVERSIDADE CNDIDO MENDES

PS-GRADUAO LATU SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

FLEXIBILIZAO DAS RELAES DE TRABALHO

Apresentao de monografia Universidade

Cndido Mendes como condio prvia para a

concluso do curso de Ps-Graduao em Direito

do Trabalho.

3 AGRADECIMENTOS

A todos os autores, corpo docente do Projeto A Vez do

Mestre, aos funcionrios e aos colegas da turma. E

tambm s pessoas que, direta e indiretamente

contriburam para a confeco do presente trabalho.

4 DEDICATRIA

Dedico este trabalho ao meu filho Daniel, que

apesar da tenra idade soube compreender e aceitar

preciosos momentos em que no podamos ficar

juntos. E sempre como um doce sorriso, me

irradiando alegria.

5 RESUMO

Diante de um quadro atual de competio econmica, com livre fluxo

dos mercados, surge a necessidade das empresas se adequarem s

mudanas decorrentes desse novo cenrio. E, somando-se a essa profunda

revoluo tecnolgica, geradora de modificaes radicais na organizao da

produo surge tambm a constante necessidade de combate ao desemprego.

Neste contexto, verifica-se a discusso sobre a necessidade de

flexibilizao das relaes do trabalho como forma de combater a rigidez das

organizaes e da legislao trabalhista, a fim de que, se mantenha os nveis

de emprego em sintonia com as transformaes econmico-sociais. Logo, a

norma jurdica deve ser um instrumento de adaptao do direito aos fatos,

numa sociedade em constante mutao, onde a flexibilizao teria o poder de

evitar a extino de empresas, com reflexos nas taxas de desemprego.. A

sobrevivncia da empresa, em razo da modificao de preceitos legais e

institucionais, procuraria outorgar aos trabalhadores certos direitos mnimos e

ao empregador a possibilidade de adaptao de seu negcio, principalmente

em pocas de crise econmica. Em suma, empregado e empregador sofrem

juntos e diretamente os efeitos dos mercados, e a flexibilizao pode ser o

caminho para possibilitar que ambos sobrevivam nessa atual realidade num

contexto. necessrio, porm, que prevalea a justia social, e, entre os

princpios universais do direito do trabalho, encontra-se o princpio das

garantias mnimas ao trabalhador, princpio este que deve ser respeitado no

mundo inteiro. Logo, a flexibilidade pode ser conveniente em dado momento da

sociedade, mas deve ser acompanhada da adoo de outras medidas,

presentes nos diversos ordenamentos jurdicos que visam evitar a perda do

ponto de equilbrio na relao jurdica trabalhista. O presente trabalho

desenvolve reflexes acerca da flexibilizao nas relaes de trabalho,

traando um perfil de sua evoluo histrica e o impacto na legislao

brasileira e comparada.

6 METODOLOGIA

O presente trabalho foi desenvolvido com vasta pesquisa bibliogrfica e

tambm com avaliaes de textos capturados na Internet.

Utilizei tanto livros de leitura corrente como tambm livros de referncia,

o que muito me auxiliou na pesquisa de informaes dispersas e especficas.

Foi fundamental, pois a pesquisa bibliogrfica foi indispensvel na evoluo

histrica do fenmeno da flexibilizao.

7 SUMRIO

INTRODUO 08

CAPTULO I 12

POSSVEIS CAUSADORES DA FLEXIBILIZAO 12

1.1 Viso histrica 12

1.1.1 O marco da Revoluo Industrial 13

1.1.2 O impacto da globalizao 17

1.1.3 Processo da flexibilizao no ordenamento

jurdico brasileiro 18

1.1.4 Fatores causadores da flexibilizao 21

1.1.5 A poltica brasileira de flexibilizao 24

CAPTULO II 26

POSICIONAMENTO ACERCA DA FLEXIBILIZAO 26

2.1 Denominao 26

2.1.1 Conceito 28

2.1.2 Correntes acerca da flexibilizao 31

CAPTULO III 32

FORMAS DE CLASSIFICAR A FLEXIBILIZAO 32

CAPTULO IV 37

FORMAS DE FLEXIBILIZAO 37

4.1 Contrato por tempo determinado 37

8 CAPTULO V 47

REPERCUSSO DA FLEXIBILIZAO EM DIVERSOS

SEGMENTOS SOCIAIS 47

5.1 Posicionamento do Constitucionalista Ives Gandra

Martins noticiado pela imprensa 49

5.2 Posicionamento do Ministro Arnaldo Lopes Sssekind 50

5.2.1 Posicionamento da Magistratura e do

Ministrio Pblico de Trabalho 51

5.2.2.1 - Magistratura Nacional do Trabalhador 53

5.2.2.2 Associao dos Magistrados Brasileiros 53

5.2.2.3 Sindicalistas 53

CAPTULO VI 55

SINDICALISMO FRENTE FLEXIBILIZAO NO BRASIL 55

6.1 O pluralismo de Fontes do Direito 55

6.2 Corporativismo e Estado Social 55

6.2.1 Representao sindical na realidade brasileira 57

6.2.2 Unicidade e pluralidade sindical 58

6.2.2.1 Crticas ao sistema da unicidade sindical 59

6.2.2.2 Pluralidade sindical como pr-requisito para

a flexibilizao 61

CONCLUSO 64

BIBLIOGRAFIA 71

NDICE 75

9

INTRODUO

As normas que regulam as relaes jurdicas so efeitos que encontram suas causas em fenmenos e relaes outras, as quais visam regulamentar. O

direito nasce do fato e no o fato se origina do direito. Assim, ao estudar-se o

fenmeno da flexibilizao nas relaes de trabalho no podemos ocultar os

fatores que criaram suas origens, que remonta ao fato social, econmico e

tecnolgico, bem como influncia das novas tcnicas empresariais.

As transformaes sociais e econmicas ensejam novos modelos

administrativos, visando ao aprimoramento da indstria, suas necessidades e

viabilidade de mercado em um mundo, onde a competio se massifica. A

Economia, ao se comportar de forma globalizada, promete para o terceiro

milnio acentuada tendncia que se iniciou nos anos 90, no sentido de impor

suas caractersticas polarizantes, onde se formam distintos mercados,

individualizados em blocos continentais. Os mercados dos continentes

americanos (cone norte e sul), Europeu e Asitico. No se pode ignorar foco a

futuros conglomerados mercantis, que se formam nos continentes africano e da

Oceania, que marcham junto marca definitiva da polarizao continental

mercantil.

Causa dessa massificao, como resultado do avano tecnolgico, do

aumento da densidade demogrfica mundial, da transformao econmica,

aliadas s novas tcnicas de administrao empresariais, caminha a tendncia

que se visualiza em necessidade de rompimento com antigos modelos, que se

firmaram durante dcadas.

Tal rompimento se evidencia com as atuais reformas que assistimos,

onde gradualmente, todavia com profundidade, vai se impondo com alterao

de normas e princpios, que ao acompanharem as novas tendncias mundiais,

10 tornam paulatinamente obsoletos os modelos que vigoraram durante dcadas,

e, aos poucos, caem no desuso.

A transformao social, caracterizada pela dinmica da evoluo

tecnolgica, econmica e social, exige por parte do legislador observao e

atualizao constante, ora, rompendo com regras e princpios anteriores, ora

apenas readaptando s atuais tendncias. Assim, a lei, por ser esttica, deve

ser constantemente revista, a fim de acompanhar os avanos, e mesmo os

efeitos muitas vezes desordenados que uma reforma estrutural scio-

econmica possam vir a ensejar.

Tem sido voz corrente nos pases industrializados e em processo de

industrializao ligados a OIT (Organizao Internacional do Trabalho) a

necessidade de reviso do carter rgido de suas normas, eis que adotam

padres clssicos de legislao trabalhista, com a maior parte de suas regras

inderrogveis pela livre vontade pactuantes, fator limitativo da teoria da

autonomia da vontade e que dificulta o processo de competitividade dos

mercados. Fala-se na necessidade de reforma para adequao aos

imperativos que transcendem a era Ps-Industrial, a da economia globalizada.

As reformas que vm sendo feitas neste campo tm estado circunscritas

a modificao na estrutura do contrato de emprego, desde a sua formao e

durao, passando pelas questes de jornada de trabalho e remunerao, at

extino contratual, mormente no que toca denncia vazia. A tendncia atual e

futura um aprofundamento maior, visando ao abrandamento da rigidez da

norma em outros institutos ligados clssica estrutura contratual, onde quer-se

abranger as frias, o dcimo terceiro salrio, as estabilidades provisrias de

emprego, etc., dando escopo generalizado primazia da negociao no campo

das relaes laborais.

Com o fim de elaborar pesquisa e dialogar acerca da flexibilizao das

normas que regem as relaes de trabalho dentro do quadro de transformao

social e econmica dos novos mercados, visualizando o rompimento que, de

11 forma total ou parcial, importa na quebra de princpios bsicos, que a mais de

um sculo serve de modelo para o mundo, quer o presente estudo verificar sua

evoluo e seu impacto no direito brasileiro.

Igualmente, tem por escopo a anlise das causas que envolvam a

necessidade de mudanas na ordem jurdica, das vrias modalidades de

flexibilizao, que paulatinamente se instaura em nosso modelo de relaes de

trabalho, com a retirada organizada da interveno estatal das relaes

individuais de trabalho, com maior valorizao da Teoria da Autonomia da

Vontade em todos os seus nveis e seguimentos profissionais. Envolve tal

estudo uma breve abordagem em relao s fontes do direito, que deixa de ver

o Estado como o principal ente positivador das normas passando aos prprios

atores sociais a possibilidade de se auto-regulamentarem, atravs de

verdadeiras fontes autnomas de direito, tendo como primado o contrato

coletivo (negociao assistida).

Ainda, pretende-se questionar a legitimidade e representatividade das

organizaes sindicais, como atores da negociao social, frente ao atual

sistema vigente no Brasil, relativo unidade sindical. Por tal sistema o

empregado v-se filiado obrigatoriamente a uma determinada estrutura de

representao profissional, sem possibilidade de escolha do grupo ou entidade

organizada que ir represent-lo. At onde vai a necessidade da reforma

sindical, tornando-a mais democrtica e livre (como pr-requisito introduo

generalizada do primado da negociao), com o fortalecimento dos

seguimentos representativos diante dos novos poderes que paulatinamente

recebem com a introduo desse modelo, que implanta a supremacia das

deliberaes negociadas das partes em se tratando de relaes de trabalho.

Se o negociado prevalece sob o legislado, com nfase absoluta negociao

coletiva, como representao do novo sistema, preocupante a legitimidade

daqueles que negociam em nome do trabalho e do capital.

12 A tais aspectos, pretende-se dialogar sobre solues que visem a

responder perguntas que se originam de questionamentos naturais e indagam

a eficcia abrandadora da lei protecionista frente a negociao coletiva e o

possvel rompimento com princpios que at ento eram considerados bsicos

nas relaes laborais.

Ainda, concentra-se o presente estudo no alargamento que o instituto da

flexibilizao vem ganhando no mundo e, especificamente no Brasil, como

reflexo da economia globalizada.

Tais so as propostas presente estudo, que se realiza nas linhas que se

seguem.

13

CAPTULO I

POSSVEIS FATORES CAUSADORES DA

FLEXIBILIZAO

1.1 - Viso Histrica

Essa composio de elementos que estimularam a maleabilidade das relaes trabalhistas, com a releitura do modelo at ento existente, podem ser

visualizados atravs das necessidades cobradas pelo mundo ps industrial em

diversas etapas, que se seguem.

A primeira dessas etapas advm da necessidade de adaptao

permanente do ordenamento jurdico-laboral mobilidade das variveis

econmicas. Desta forma, ocorre a adaptao da legislao s necessidades

empresariais, isto porque a flexibilidade que as empresas reclamam estar

relacionada fundamentalmente com a capacidade de reestruturao da

empresa s mudanas no setor produtivo. Sob tal prisma, a flexibilizao se

relaciona com a capacidade dos sistemas de fixao e comportamento dos

custos do trabalho, para adaptar-se a um mercado em permanente

transformao. Verifica-se, na histria, empresas que reduzem de forma

drstica suas matrizes nos pases de origem, para contratar trabalhadores a

custo menor em outros pases. Com isso, h perda de capitais de giro em

determinadas localidades em prol de sua concentrao em outras reas, fato

que induz a questionamentos relativos a necessidade de tornar as relaes que

envolvem direitos laborais volteis, tal qual o capital, tudo com o escopo de

segurar a concentrao de capitais, e, por conseqncia o emprego.

14 A segunda etapa visa ao debate e reflexo sobre os fundamentos, a

evoluo histrica e a finalidade do direito do trabalho. Ficaremos ento diante

de fatores histricos, pois a flexibilizao queira ou no significa o retorno ao

passado, onde as partes se auto-regulamentavam. Se coloca em questo

elementos fundamentais de constituio do direito do trabalho e das relaes

laborais ao longo do tempo.

Assim, torna-se interessante uma pequena avaliao ao longo da

histria, para melhor compreenso dos principais marcos que influenciaram as

relaes laborais.

1.1.1 O marco da Revoluo Industrial

Visualizando a cincia do direito como fruto dos fatos econmicos e

sociais, procura-se atravs deste tpico, traar de forma resumida a trajetria

da evoluo do Direito do Trabalho, enfocando as situaes ensejadoras da

necessidade de sintonizar o mesmo atual realidade.

A Revoluo Industrial1, sc. XIX, assume papel preponderante no que

tange s mudanas sociais e econmicas. A mquina substituindo a fora

humana responsvel pela evoluo na esfera trabalhista ao longo do tempo.

Desde ento, este marco da histria abarcou considerveis opinies a

seu respeito. Havia alguns pensamentos que associavam s mquinas a

responsabilidade pela crise no trabalho e organizavam-se para destru-las. Do

sc. XVIII at o Manifesto Comunista, em 1848, inexistia, praticamente,

atividade regulamentadora do Estado sob as relaes de trabalho. Nesta

poca, o homem no amparado por um sistema que regule suas relaes

com os empregadores, vigorando a teoria da autonomia da vontade em sua

plenitude. Todavia, essa fase coloca em nfase a ausncia de equilbrio entre

1 Para ORLANGO GOMES, a origem histrica do Direito do Trabalho est vinculada ao fenmeno da Revoluo Industrial, situando o incio do processo com a descoberta por Thomas Newcomen da mquina a vapor em 1.712. Gomes, Orlando e GOTTSCHALK, lson. Curso de direito do trabalho. 14 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 1.

15 os contratantes, devido a supremacia do capital e a hipossuficincia do

trabalho. Os salrios, alm de baixos, eram impostos pelos locadores de mo-

de-obra, mulheres e menores eram utilizados em escalas excessivas, j que

utilizava-se remunerao em ndices inferiores aos dos homens e adultos.

Esses fatos vo provocando uma lenta reao na sociedade2.

O Manifesto Comunista, em 1848, seguido da Revoluo Francesa,

instituiu um Direito do Trabalho de contornos imprecisos, nos dizeres de

ORLANDO GOMES, onde se traavam as primeiras regras relativas a jornada

de trabalho. O direito sindicalizao surgiu na Frana em 1884.

KARL MARX publicou em 1867 o primeiro volume de sua obra,

denominada, O Capital, que previa como reflexo da automao da produo o

efeito que minimizaria a participao do trabalhador no processo produtivo.

Assim como ele, DAVI RICARDO, no incio do sc. XIX partilhava do mesmo

raciocnio3.

J em um terceiro momento, na Conferncia de Berlim, em 1891, o

poltico BISMARK sobressaltou as necessidades relativas aos seguros sociais.

Neste perodo, aponta-se a instituio em 1892 da lei de acidentes do trabalho,

de tanta repercusso no mundo jurdico.

Aps a primeira guerra mundial o Direito do Trabalho se consolida. O

Tratado de Versailles, em 1919, que estabeleceu nove princpios gerais

relativos regulamentao do trabalho, recomendando sua aduo pelos

pases que o firmaram. Esse perodo deu incio efetivo a atividade legislativa

dos Estados em favor dos trabalhadores. Em seguida instituiu-se a

Organizao Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de elaborar

normas internacionais pertinentes s relaes laborais, visando maior equilbrio

aos contratantes.

2 Sobre esse perodo histrico, evidenciando a realidade passada na Blgica, retratou o filme Deans, Um Grito de Justia ... 3 MARTINS, Srgio Pinto. Flexibilizao das condies de trabalho. So Paulo: Atlas, 2000, p. 18.

16 Durante os anos 50 e 60, aps a segunda guerra mundial, a Europa

agraciada com o florescimento econmico e com o fortalecimento dos

sindicatos. O valor da dignidade humana visto como algo a ser preservado.

Segurana no emprego, participao nos lucros, proteo do menor e da

mulher so alguns dos direitos conquistados e assegurados aos trabalhadores.

No final da dcada de 60, o clima de prosperidade antes presente,

comea a ceder espao para a crise econmica. Em 1973, a crise do petrleo,

em 1979 e 1980, desorganizao dos mercados, problemas como elevao

dos preos de matrias primas, dificuldades de aplicao das polticas

monetrias e fiscais, e a inflao afeta pases industrializados de economia de

mercado.

Neste contexto as relaes laborais e o direito do trabalho passam a ser

profundamente atingidos pela crise econmica e as normas pertinentes aos

trabalhadores so postas em risco. Os avanos alcanados nesse ramo do

direito passam a ser de difcil aplicao pelos empresrios, que se viam

obrigados enxugar seus quadros de efetivo.

Verifica-se, desde a revoluo industrial a tendncia da interveno do

Estado nas relaes de trabalho, buscando equilbrio nas relaes laborais,

onde o capital, historicamente sempre se posicionou com supremacia ftica.

Durante o perodo de crise, o Estado, a pretexto de proporcionar o

equilbrio nessas relaes, intervm de forma ampla e intensa, assumindo uma

postura protecionista que norteou as relaes trabalhistas desde o seu

surgimento. Por esse motivo, os moldes de contratao so rgidos, e diante da

crise econmica funcionam como barreiras que funcionam o acesso ao

mercado de trabalho. Desde ento, os desempregados so obrigados a

formentar o mercado informal. Novas formas de contratao so necessrias e

a estratgia para solucionar esses problemas consiste em flexibilizar os rigores

do Direito do Trabalho.

17

As mudanas na sociedade so rpidas e a cincia do Direito, por sua

vez, procura se moldar s novas realidades. O contedo social, como fonte

material a ensejar a doutrina flexibilizadora nas relaes laborais nasceram,

portanto, com a crise europia do final da dcada de 60, abarcado pela crise do

petrleo de 1973.

Ao lado das referidas crises, surge no final dos anos 80 e durante a

dcada de 90, por decorrncia do avano tecnolgico, que se aperfeioaram,

juntamente com a transformao dos meios de comunicao, que se tornaram

mais geis, o aprimoramento dos mercados, que com maior nfase, uniram

pases na troca de bens de consumo. A formao de mercados continentais

como a Unio Europia e a comercializao entre blocos continentais geraram

o fenmeno da globalizao dos mercados, tornando a competitividade

acirrada, os capitais volteis, sempre em busca de custos menores de

produo com o propsito de maior sobrevivncia de mercado.

Tal poltica de mercado, que envolve menores custos na produo vem

afetando diretamente as relaes de trabalho. Onde se tutela menos o

trabalho, abre-se maior espao ao capital, pois a reduo do custo do trabalho

ser maior competitividade no novo mundo globalizado e, por decorrncia,

maior possibilidade de sobrevivncia e lucro.

E no se pode ouvidar que onde se concentra o capital e a indstria,

menor o ndice de emprego e crise social.

O terceiro milnio nasce marcado por essa nova fase, reflexo da crise

que se iniciou no final dos anos 60, passando pela crise energtica do petrleo

dos anos 70 e 80. Tudo isso agravado pelas tendncias globalizantes

derivadas da revoluo tecnolgica que se firmou na dcada de 90, que gerou

a globalizao dos mercados. Desta, surgiu a necessidade de reduo do

custo do trabalho, com a conseqente flexibilizao das regras protecionistas

que iluminaram e equilibraram as relaes laborais durante dcadas.

18

A anlise dos principais marcos na evoluo das relaes laborais,

ajudam a entender o momento atual, que tem o cunho de flexibilizar as normas

trabalhistas ante as modificaes constantes na sociedade, de forma a que se

amolde a atual regulamentao com as atuais circunstncias comportamentais

da economia e seus reflexos nas relaes de trabalho.

1.1.2 O impacto da globalizao

A globalizao, em seu sentido amplo, constitui um processo, que tem

por escopo integrar o intercmbio internacional envolvendo as pessoas, as

empresas e as naes como um todo, contemplando vrios aspectos, entre os

quais o poltico, o cultural e o econmico, com conseqncias mais dramticas

e inquietantes relativas a este ltimo.

Tambm a organizao das naes em blocos regionais com vistas a

uma expanso de mercados e obteno de desenvolvimento maior e mais

rpido faz parte dos processos de globalizao.

Dentro desta concepo, mister se faz a associao de que as relaes

de trabalho de um modo geral devem ser modernizadas, para fornecer a

sintonia no nvel regional e tambm internacional, j que os investidores so

mais atrados, em outros aspectos, por legislaes mais flexveis e com menos

encargos trabalhistas.

A globalizao dos mercados que aos olhos dos internacionais4, se

deve revoluo tecnolgica nos campos da informtica e automao das

ltimas trs dcadas, tornou o mundo pequeno e integrado. As informaes

ultrapassam velozmente as barreiras nacionais e se incorporam nos processos

4 Aqueles que enxergam o mundo caminhando em direo a um s mercado PASTORE, Jos. Flexibilizao dos mercados de trabalho e contratao coletiva. So Paulo: LTR, 1994.

19 produtivos em todas as partes do mundo, gerando novas formas de

relacionamento entre os empregados e empregadores. A competio entre as

empresas aumenta a cada dia, com bens e servios cada vez mais

diversificados, preos mais baixos e melhor qualidade de vida.

Esse quadro revela a volatividade dos capitais, que se deslocam com

facilidade, em busca de melhores condies nos campos da energia, ecologia

e mo-de-obra.

No que toca mo-de-obra, segundo JOS PASTORE5 nada consegue

deter a liberdade de movimento do capital. Quando as empresas verificam que

em um dado pas custa a mo-de-obra cinco vezes mais do que a mesma mo-

de-obra em outro local, o deslocamento de capital quase instantneo.

Por bvio, junto com o deslocamento dos capitais, seguem as indstrias

e, por sua vez, os empregos, que se tornam escassos. Isso gera instabilidade e

crise.

Atualmente, o problema mundial do desemprego gera competio entre

as naes, com atrativos dos mais variados para atrair a indstria, atenuando,

assim, a crise de desemprego6. Uma das principais questes vem a ser o custo

da produo, onde se inclui, como um de seus elementos a mo-de-obra, que

a todo custo, e, em troca do emprego, se barateia, s custas, muitas vezes, da

dignidade da pessoa humana do trabalhador.

1.1.3 Processo de flexibilizao no ordenamento jurdico brasileiro

Durante o governo de CASTELLO BRANCO, em 1966, se verificou a

primeira manifestao da flexibilizao, sendo retomado durante o governo

5 PASTORE, Jos. Ob. Cit., p.12. 6 Poder-se-ia definir tais atrativos utilizados por regies como reduo de impostos federais, estaduais e municipais, reduo dos custos diretos e indiretos da mo-de-obra, criao de ambientes propcios ao escoamento da produo, etc.

20 FERNANDO HENRIQUE CARDOSO e discutido vorazmente no governo Lula,

com a proposta de uma nova regulamentao no ordenamento jurdico

trabalhista.

Remontando perodos anteriores, os anos 30 marcam o incio do

processo de construo e desconstruo dos direitos dos trabalhadores. Neste

perodo surgem projetos que sugerem a reforma das relaes trabalhistas,

apropriando-se ideologicamente das conquistas operrias, sendo levantadas

questes pertinentes valorizao da produtividade, incluso de empresas

brasileiras no mercado internacional, assim como a reduo dos encargos

trabalhistas.

A CLT (Consolidao das Leis Trabalhistas) editada acalentando

inmeros direitos e garantias aos trabalhadores, servindo ento de

amortecedor das futuras reivindicaes trabalhistas. Posteriormente, durante a

ditadura militar, essa estrutura normativa comea a ser questionada. Os

conflitos econmicos e polticos vivenciados durante estes governos so

enfrentados com mecanismos de frenagem a vrios direitos polticos e sociais

inerentes aos trabalhadores.

Devido crise econmica, servindo de justificativa para a queda da

produtividade, que se manifesta o primeiro sinal da flexibilizao no nosso

ordenamento jurdico. Com o advento da Lei n 5.106/66, institudo o FGTS

(Fundo de Garantia por Tempo de Servio) marcando a queda da estabilidade

no emprego, direito atribudo a todos os trabalhadores urbanos em 1935. Com

esta forma de poltica salarial apresentada pela ditadura militar, veio o arrocho

salarial e conseqentemente a represso por parte do movimento sindical.

A Constituio da Repblica de 1988, por sua vez, colocou fim

transio entre a estabilidade e o FGTS, abarcando uma srie de direitos aos

trabalhadores, direitos estes que j eram exercidos por algumas categorias

profissionais conquistados por negociaes coletivas. Desde ento, as Leis

21 Ordinrias e Complementares foram de grande valia na integrao de texto

constitucional no que concerne regulamentao de vrios dispositivos

relativos s relaes laborais.

Se a dcada de 80 ficou marcada pelos problemas econmicos, os anos

90 preservaram a lembrana de ataques ao patrimnio do trabalhador. A

poltica neoliberalista interfere no mercado de trabalho, refletindo na queda do

nvel de emprego e no rendimento dos trabalhadores, assim como o precrio

fornecimento de recursos pblicos destinados sade, educao, previdncia,

assistncia social e por conseqncia o enfraquecimento da rede de proteo

social.

A justificativa dos governantes para o crescente empobrecimento da

sociedade o ajuste fiscal. E o contrato de trabalho, por sua vez atingido

com a reduo ou extino de direitos.

Na dcada de 90, direitos trabalhistas a ser questionados e tratados

como custos que impedem a entrada da modernidade no Brasil. So eles,

proteo contra dispensa arbitrria, participao dos trabalhadores na gesto

dos lucros das empresas, licena paternidade, ampliao do aviso prvio

proporcional ao tempo de servio trabalhado, reduo de riscos inerentes ao

trabalho, adicional de remunerao por atividades penosas, proteo do

empregado contra efeitos da automao, representao dos trabalhadores por

empresa e direito de greve dos servidores.

Assim como o governo, os empresrios interpretam estes custos como

obstculo e consideram a legislao anacrnica. Defendem a reduo dos

encargos sociais, a flexibilizao dos direitos e a livre negociao. As

propostas empresariais e governamentais se confundem muitas vezes e

parecem sadas da mesma fonte, alm claro, de evidenciar determinadas

ambigidades. o caso da defesa intransigente da liberdade de negociao, o

livre confronto da vontade entre o capital e o trabalho.

22

Por fim, o antigo governo de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

manifesta uma retomada de tendncia, que at ento se tornava hegemnica

pela fora militar, cuja essncia a busca da produtividade em um contexto de

desregulamentao da economia. Surge o chamamento dos sindicatos para

participar da flexibilizao, conferindo-lhes maior legitimidade ao processo

(diga-se, sistema sindical fraco, de filiao do trabalhador obrigatria, dentro do

princpio da umicidade sindical imposta pela Constituio Federal de 1988).

imperioso ressaltar que a Constituio da Repblica de 1988 adotou

timidamente a postura da flexibilizao sob a tutela sindical no artigo 7, incisos

VI, XIII e VIV e artigo 8, inciso VI, por vezes delegando a participao de

trabalhadores e empregadores em colegiados que tratem de interesses

profissionais e previdencirios, livres, para discusso e deliberao,

assegurando meios de permitir o trato das relaes de trabalho em reunies

preliminares, traduzindo um confronto com a rigidez das normas trabalhistas.

1.1.4 Fatores causadores da flexibilizao

O movimento flexibilizador das normas trabalhistas caminham junto

histria da evoluo econmica. O trabalho segue os movimentos da

economia. Os bons momentos da produo refletem a melhoria das condies

sociais de uma nao. As crises econmicas, ao contrrio, reduzem o

consumo, ensejam o enxugamento dos custos, tornam o trabalho escasso,

fazem incidir a lei da oferta e da procura, onde a reduo do nmero de postos

e o barateamento da produo, banalizam as conquistas sociais do valor do

trabalho humano.

O mundo ps-moderno, teve a agravante da evoluo tecnolgica, com

a substituio em larga escala do homem pela mquina, fato que agravou a

crise no emprego, somada a globalizao dos mercados, devido a rapidez das

informaes. Tal cenrio, gerou a volatilidade dos capitais, que visando o lucro,

23 transfere seus investimentos para pases ou locais onde a legislao menos

intervenha no custo da produo, sendo o trabalho um desses componentes.

Nesse contexto, a indstria procura se instalar nos locais onde a lei

menos intervenha na relao de trabalho, impondo direitos sociais bsicos,

gerando perda de empregabilidade nos pases socialmente estruturados. Gera

crise e necessidade de mudana.

Assim, as causas do movimento flexibilizador das normas trabalhistas

so geradas pela necessria reduo do custo social do trabalho, com o fito de

segurar os escassos empregos ainda existentes e com a esperana de criar

novos postos de trabalho, contornando, assim, o problema atual de todas as

naes do mundo, que o desemprego.

Em outras palavras, poder-se-ia dizer que troca-se os direitos sociais e

as conquistas adquiridas durante sculos pela manuteno do emprego. Ou

seja, melhor ficar mal empregado do que sem emprego.

OCTVIO BUENO MAGANO7 aponta como fatores determinantes da

flexibilizao a crise econmica dos anos 70, o desenvolvimento da tcnica, a

atuao das empresas multinacionais e o desaparecimento da Guerra Fria.

Aduz que o declnio da atividade econmica, decorrente do aumento

brusco do preo do petrleo, elevou assustadoramente a taxa de desemprego,

na generalidade dos pases europeus. A fim de evitar novas dispensas,

resolveram os parceiros sociais entrar em vrios tipos de entendimentos, como

a reduo de horas de trabalho, o trabalho a tempo parcial, etc.

A tecnologia vem acarretando mudanas paulatinas nas condies de

trabalho, com freqente automao da produo sem a interferncia do fator

7 MAGANO, Octvio Bueno. Flexibilizao do Direito do Trabalho. So Paulo: Revista do Advogado, dez. 1998, p.7.

24 humano, ou com a mnima tarefa humana de alimentao e controle da

mquina. Diz-se que a tecnologia est provocando a desintegrao da classe

dos trabalhadores, segmentando-a.

SRGIO PINTO MARTINS8 menciona como causas do fenmeno o

desenvolvimento econmico de cada pas, como elemento influenciador na

necessidade de flexibilizar; a globalizao, que determina a competio

econmica internacional, fazendo que os capitais fujam das economias

excessivamente regulamentadas; as crises econmicas como a do petrleo,

que aumentam os preos e reduzem o consumo; as mudanas tecnolgicas a

partir da automao, com a substituio dos trabalhadores por mquinas; os

encargos sociais altos que dificultam a contratao de trabalhadores; aspectos

culturais como a introduo paulatina da mulher no mercado de trabalho; a

economia informal que decorre da rigidez da legislao trabalhista, fazendo

com que os empregadores fujam das obrigaes formais do emprego.

Em estudo relativo a questiones Laborales de autoria do jurista

mexicano da Universidad Nacional Autnoma de Mxico, MANUEL ALONSO

OLEA9, aponta no campo especfico do direito do trabalho os seguintes

reflexos da flexibilizao: 1) multiplicao de contratos atpicos, 2) maior

incidncia dos contratos de tempo parcial; 3) debilitao do princpio da

estabilidade; 4) maior utilizao dos contratos a prazo determinado; 5)

ressurgimento do trabalho a domiclio; 6) decadncia do mdulo hebdomadrio;

7) difuso da subcontratao; 8) expanso da multiplicidade de empregos; 9)

incorporao das mulheres no mercado de trabalho; 10) elastecimento da

economia submersa; 11) ambivalncia da conveno coletiva, com

admissibilidade dos efeitos in melius e in pejus; 12) utilizao do contrato de

aprendizagem como medida de fomento ao emprego; 13) reviso da

seguridade social, com vistas conteno das despesas respectivas.

8 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p.41 - 42 9 OLEA, Manuel Alonso. Questiones Laborales. Mxico: Universidad Nacional Automa de Mxico, 1988, p. 122-134.

25 Muitos sustentam que a flexibilizao, que ventila a Europa com

alastramento nos demais espaos do globo, no passa de um slogan para

diminuir, em poca de crise, os direitos que se reconheceram aos

trabalhadores, sendo que em melhores pocas esses se restauraro.

1.1.5 A poltica brasileira de flexibilizao

JOS CARLOS AROUCA10 noticia que a modernizao das relaes do

trabalho sob a viso neoliberal comeou a ser pensada no governo

FERNANDO COLLOR DE MELLO e foi estruturada pelo economista Edward

Amadeo, do Ministrio do Trabalho, que via no pas uma crise de

empregabilidade. O modelo costurado pela Fora-tarefa, constituda em 1998

dirigia-se no somente ao art. 7 da Constituio Federal, mas tambm ao art.

8. Foi redigida a PEC 623 e enviada ao Congresso, sem que antes fossem

ouvidos os sindicatos e a sociedade civil, apesar de seu contedo relativo a

pluralidade sindical e mutilao do poder normativo da Justia do Trabalho,

bem como a restrio ao direito de acesso do trabalhador ao Poder Judicirio.

Todavia no deu certo, dado as eleies presidenciais que se aproximava e

que culminou com a vitria de Lula, um ex-lder sindical. Ainda, somou-se a

existncia de direitos constitucionais que no se submetiam vontade das

partes contratantes, como o seguro desemprego, o FGTS, a criminalizao da

reteno dolosa do salrio, o salrio-famlia, aposentadoria, seguro contra

acidentes do trabalho, prazo prescricional, etc. Ainda, outros direitos

fundamentais como isonomia salarial, proibio de qualquer discriminao,

proteo ao meio ambiente, sade, dentre outros elencados.

A partir da a natureza tutelar do Direito do Trabalho foi contestada e

virada do avesso, pois, para o pensamento neoliberal, s prejudicava aquele

que devia ser protegido.

10 AROUCA, Jos Carlos. Ob. Cit., p.18.

26 Em seguida constou da carta de intenes ao FMI a subordinao s

suas recomendaes de urgente mudana nas instituies do trabalho, o que

deu causa a PEC 623/98. Por esta, altera-se o art. 618 da CLT, para sem a

reforma sindical, fazer com as condies de trabalho ajustadas mediante

conveno ou acordo coletivo prevaleam sobre o disposto em lei, desde que

no contrariem a Constituio Federal e as normas de segurana e sade do

trabalhador. Justificou-se o projeto atravs da legitimidade do sindicato como

interlocutor dos empregados e empregadores, que somente negociariam in

pejus para flexibilizar direitos despidos de proteo constitucional.

Questiona-se a capacidade e legitimao dos sindicatos, diante do

sistema da unicidade sindical, onde existe um sindicato por base territorial, ao

qual o empregado vem a ser representado obrigatoriamente, sem processo de

escolha democrtica. Ainda questiona-se a fora desses sindicatos, vistos por

muitos como pelegos, fracos, passvel de influncia interessada dos

movimentos empresariais, como apto negociao in pejus.

Tais fatores levaram a discusso por parte da sociedade civil e das

entidades sindicais a reflexo quanto a oportunidade de se introduzir o instituto

no direito brasileiro e se o sistema da unicidade sindical comporta de forma

eficaz atuar como representante da classe profissional, podendo negociar nos

limites mnimos estabelecidos por lei, como essenciais dignidade da pessoa

do trabalhador.

H de se convir que a trajetria histrica acima descrita retrata o

desenvolvimento do Direito Laboral e seu destino, influenciado, ao longo dos

tempos, pelo ideal neoliberalista.

27 CAPTULO II

POSICIONAMENTOS ACERCA DA FLEXIBILIZAO

2.1 Denominao

Muitas so as denominaes atribudas ao fenmeno que caracteriza a

destituio do rigor das normas jurdicas.

Na doutrina encontramos expresses como Direito do Trabalho da Crise

ou da Emergncia, Adaptabilidade, Desregulamentao ou Deslegalizao e

por fim Flexibilizao.

Faremos uma anlise de cada uma das terminologias, a fim de apurar a

que melhor se enquadra ao fenmeno.

Direito do Trabalho da Crise: vincula a idia de que novas medidas

devem ser adotadas pelo Direito laboral a fim de enfrentar obstculos oriundos

da crise econmica mundial. Conforme ensina Srgio Pinto Martins, a crise

no apenas uma das questes que envolvem a necessidade de mudana de

normas trabalhistas rgidas, mas tambm as novas tecnologias, o desemprego,

a falta de criao de empregos, a globalizao etc. a crise uma das causas

da flexibilizao do Direito de Trabalho. A crise econmica, contudo, uma

companheira de viagem indesejvel, mas histrica, do Direito do Trabalho.11

Direito do Trabalho da Emergncia: por sua vez, conota o aspecto

transitrio das inovaes. Esta denominao atrai o sentido de que as

mudanas vigorariam somente enquanto durasse a crise, o que no procede, j

que so os fatos sociais que determinaro se as medidas implantadas devem

ser perpetuadas, abolidas ou aprimoradas.

11 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p.21

28 Adaptabilidade: traduz o sentido de acomodar as normas, o que muito

pertinente.

Desregulamentao ou Deslegalizao: espelha o raciocnio de

substituio das normas oriundas do Estado, pelas normas das partes, coletiva

ou individual.12 Este termo se confunde com a proposta da flexibilizao, pelo

que vale distingui-los:

A flexibilizao e a desregulamentao fazem parte do movimento de

modernizao das relaes de trabalho.

A flexibilizao, conforme vimos anteriormente, a maleabilidade da

aplicao das normas trabalhistas, tendo por caracterstica a atuao dos

sindicatos como protagonista e o Estado como coadjuvante nas relaes

laborais. Aos sindicatos caberia a funo de regulamentar diretamente e

mediante acordos e convenes coletivas, clusulas contratuais em

consonncia com os interesses das classes dos trabalhadores e das classes

patronais.

Equivale a uma fenda nos princpios da inderrogabilidade das normas do

ordenamento jurdico e no da inalterabilidade in pejus, das condies

contratuais acertadas em favor do trabalhador, objetivando preservar a sade

da empresa e manuteno dos empregos.

Em suma, a legislao persiste norteando a relao laboral com

algumas normas irrenunciveis e os sindicatos participam complementando a

atuao estatal que passa at ento mais discreta.

J na desregulamentao, no h interveno do Estado nas relaes

laborais. Consiste na revogao direta das normas trabalhistas, com normas de

carter particular fonte das convenes e contratos coletivos, fonte obrigatria

12 Idem, Ibidem, p. 22.

29 do direito disciplinador das relaes de trabalho sem limitaes legais. AMAURI

NASCIMENTO MASCARO, observa que vocabulrio que deve ser restrito ao

direito coletivo do trabalho, e no aplicado ao direito individual do trabalho, para

o qual existe a palavra flexibilizao. Desregulamenta-se o coletivo e flexibiliza-

se o individual.13

Por fim, ainda que alguns crticos interpretem os dois movimentos como

uno, vimos quais so suas diferenas marcantes, assim como suas propostas,

que nada mais so que os mecanismos de modernizao das relaes de

trabalho, sendo que a flexibilizao preserva regras mnimas de proteo ao

trabalhador, ao passo que a desregulamentao a subtrai.

Concluindo, o vocabulrio Flexibilizao, expresso nova, oriunda da

palavra flexibilizar, que a qualidade de flexvel, malevel, submisso,

faculdade de ser manejado. Por seu verdadeiro sentido a expresso eleita

pela maioria dos doutrinadores para retratar o fenmeno em questo, que tem

o escopo de tornar malevel uma norma rgida. Significa o ajuste da norma a

uma nova realidade.

2.1.1 - Conceito

Existe uma variedade de sentidos, dispensados a este fenmeno,

veremos os mais considerveis.

ROSITA DE NAZAR SIDRIM NASSAR, em sua obra Flexibilizao do

Direito do Trabalho, transcreve o significado da flexibilizao luz do

entendimento dos tcnicos da Organizao de Cooperao e Desenvolvimento

Econmico (OCDE), sendo ele:

a capacidade de os indivduos na economia e em

particular no mercado de trabalho de renunciar a seus

13 PAULO: Saraiva, 2001, p. 139.

30 costumes e de adaptar-se a novas circunstncias . Esta

faculdade de adaptao depende de uma lado, das

aptides pessoais, entendem-se os talentos e as

qualidades dos indivduos bem como seu desejo de

mudana, enquanto que o clima existente pode ser de

ordem econmica, social ou poltica. Assim concebida, a

flexibilidade situa-se num quadro mais amplo da

capacidade de mudana sobre os planos econmico e

social, qual deve ser experimentada tanto pelas

instituies como pelos indivduos, pelos empregadores e

trabalhadores.14

Prossegue a referida autora, mencionando que a flexibilizao consiste

no conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito Laboral de novos

mecanismos capazes de compatibiliz-lo com as mutaes decorrentes de

fatores de ordem econmica e tecnolgica.15

J CSSIO MESQUITA BARROS JR., entende que a flexibilidade do

Direito do Trabalho consiste nas medidas ou procedimentos de natureza

jurdica que tm a finalidade social e econmica de conferir a possibilidade de

ajustar a sua produo, emprego e condies de trabalho s contingncias

rpidas ou contnuas do sistema econmico.16

O Jurista LUIZ CARLOS AMORIM ROBORTELLA, entende que a

flexibilizao instrumento da poltica social caracterizado pela adaptao

constante das normas jurdicas realidade econmica, social e institucional,

mediante intensa participao de trabalhadores e empresrios, para eficaz

regulao do mercado de trabalho, tendo como objetivo o desenvolvimento

14 NASSAR, Rosita de Nazar Sidrim. Flexibilizao do Direito do Trabalho. So Paulo: LTR, 1991, p. 18-19 15 Idem, Ibidem, p. 20. 16 BARROS JR., Cssio Mesquita. Trabalho e processo. In: Flexibilizao no direito do trabalho. So Paulo: Saraiva, n2, 1994, p. 14.

31 econmico e o progresso social.17 Ou seja, a possibilidade de as partes

trabalhador e empresa estabelecerem, diretamente ou atravs de suas

entidades sindicais, a regulamentao de suas relaes sem total

subordinao ao Estado, procurando regul-las na forma que melhor atenda

aos interesses de cada um, trocando recprocas concesses. No mesmo

sentido concorda JLIO ASSUNO MALHADAS.18

SRGIO PINTO MARTINS menciona que consiste a flexibilizao do

Direito do Trabalho no conjunto de regras que tem por objetivo instituir

mecanismos tendentes a incompatibilizar as mudanas de ordem econmica,

poltica ou social, existentes na relao entre capital e o trabalho.19

Dentre os vrios conceitos visualizados, JOS CARLOS AROUCA20

aduz que o verbo Flexibilizar tornar frgil o que rgido e, assim, flexibilizar

direitos relativiz-los, extrair sua fora protetiva que lhe d importncia a ponto

de lig-lo ordem pblica. Menciona o citado autor que a mesma se d a

partir da priorizao do capital e conseqentemente superao da velha

questo social.

OCTVIO BUENO MAGANO21 a conceitua como o processo de ajustar

a norma a situaes fticas, de forma menos rgida. Diz que simboliza ainda, a

troca do genrico pelo individualizado; do vlido pelo eficaz; do fantasioso pelo

real. Significa, finalmente, a predominncia da conveno coletiva sobre a lei;

da autonomia dos grupos profissionais sobre o paternalismo estatal.

E ainda importante salientar que a flexibilizao consiste tambm na

maneira de amenizar o princpio da proteo relao do trabalho,

favorecendo a sua sintonia com a realidade. 17 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. So Paulo: LTR, 1994, p. 7. 18 MALHADAS, Jlio Assuno. A flexibilizao das condies de trabalho em face da nova Constituio. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em homenagem ao professor Amauri Nascimento Mascaro. So Paulo: LTR, 1991, p. 143. 19 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p. 25. 20 AROUCA, Jos Carlos. Flexibilizao de Direitos Fundamentais. So Paulo: LTR, 1990, p. 18. 21 MAGANO, Octvio Bueno. So Pualo: Revista do Advogado, 54, dez 1998, p. 7-13.

32 2.1.2 Correntes acerca da flexibilizao

Sem informar suas fontes primrias, na viso de SRGIO PINTO

MARTINS22 so trs as correntes sobre a flexibilizao das relaes de

trabalho. A flexibilista, a antiflexibilista e a semiflexibilista.

Os adeptos da primeira corrente, a flexibilista, o direito do trabalho

percorre trs fases diferentes: a fase da conquista, que procura resguardar os

direitos apoderados pelos trabalhadores, a fase promocional, e por fim a fase

na qual ocorre a adaptao desses direitos realidade, com maior atuao das

convenes coletivas de trabalho desenvolvendo clusulas in meluis e in pejus,

no anseio de fornecer atendimento s condies de cada poca e de cada

setor. Assim, no momento de estabilidade econmica, aplica-se a lei, e no

perodo em que as crises surgirem, recorre-se flexibilizao, tanto para pior

quanto para melhor.

Por sua vez, a corrente antiflexibilista entende ser a proposta de

flexibilizao mero pretexto para minimizar os direitos conquistados pelos

trabalhadores. Os defensores deste posicionamento vislumbram a

possibilidade de agravamento das condies de trabalho dos menos

favorecidos economicamente, sem qualquer emprenho em promover o

fortalecimento das relaes laborais.

J os adeptos da corrente semiflexibilista, pregam a observncia da

autonomia privada coletiva e tambm sua valorizao plena. A flexibilizao

seria elaborada pela forma coletiva, havendo assim, a desregulamentao do

direito coletivo do trabalho por via dos acordos e convenes coletivas,

preservando apenas a aplicao da norma legal mnima relacionada somente a

regras bsicas.

22 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p. 35

33 CAPTULO III

FORMAS DE CLASSIFICAR A FLEXIBILIZAO

Muitos doutrinadores tm procurado classificar o fenmeno da

flexibilizao segundo o contexto de cada legislao, com acepes em

relao a suas causas e efeitos.23

O Ordenamento Jurdico Trabalhista pode ser desmembrado em rgido e

flexvel. No primeiro, prevalece a atuao Estatal para solucionar e reger

questes laborais, no havendo espao para as negociaes coletivas. Na

segunda, ocorre exatamente o contrrio. A legislao quando existe, dispe de

regras mnimas de proteo ao trabalhador, dando maior legitimidade as

negociaes coletivas para definir as demais condies de trabalho.

Em relao legalidade, a flexibilizao pode ser dividida em legal ou

ilegal. Legal quando as normas so previstas e aceitas no ordenamento

jurdico, ao passo que a segunda, como o prprio ttulo descreve, vai de

encontro ao sistema, contribuindo para iludir a lei e os direitos inerentes aos

trabalhadores.

Pode ainda ser legislada ou negociada pelos sindicatos24. Em vrios

pases europeus, como a Blgica, Dinamarca, Espanha e Itlia, a flexibilizao

negociada. A idealizao de uma legislao flexvel tambm forma de

flexibilizao. crvel, nos regimes em que isso permitido, a flexibilizao

individualizada, com regras flexveis at no contrato de trabalho ou em normas

que permitam a individualizao da flexibilizao.

Quanto a finalidade, a flexibilizao pode ter o cunho de proteger o

trabalhador, visando desta forma preservar a ordem pblica e social,

23 NASSAR, Rosita de Nazar Sidum, procura classificar a flexibilizao de acordo com o critrio do objeto, quanto ao modo de concreo, ao fundamento e extenso. Ob. Cit., p. 23. 24 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p. 37.

34 adequando a lei realidade dos fatos, e desproteger, quando tem por escopo a

total destruio de direitos dos trabalhadores, conquistados ao longo dos

tempos.

O contedo da flexibilizao, por sua vez, pode ser: misto, quando o

modelo jurdico normativo combina regras legais assegurando princpios

mnimos de proteo ao trabalhador, com as conquistas coletivas; e aberto,

quando isenta de legislao, prevalecendo somente s normas oriundas das

negociaes para nortear as demandas trabalhistas.

Ainda pode ser dividida ainda em:

a) quantitativa externa, quando se trata da contratao do trabalhador e

das facilidades com que pode ser dispensado conforme a

necessidade da empresa;

b) quantitativas internas, que atrela a utilizao do tempo do

empregado, como horrio de trabalho, trabalho a tempo reduzido, a

variao da funo do trabalhador;

c) flexibilizaes funcionais, que se refere aos mtodos ou tcnicas de

gesto de mo-de-obra como resultado das exigncias da produo.

No tocante a mobilidade, pode a flexibilizao se desmembrar em

externa e interna. A primeira envolve a probabilidade de acolher o trabalhador,

de verificar a forma de contratao, se por tempo determinado ou

indeterminado, ou de dispensar trabalhadores. Deve ser observada tambm a

disposio produtiva do empregador, para saber se haver contrataes ou

dispensas dos trabalhadores. O empregador poder optar se a melhor

alternativa ser a subempreitada, a empreitada, o trabalho em domiclio,

cooperativa, terceirizao, trabalho temporrio, etc. J a flexibilizao interna,

ser interpretada como a mobilidade horizontal ou vertical do trabalhador. Este

pode ser transferido, mudado de funo, como no caso da extino da

aposentadoria por invalidez, prevista no art. 475, 1, da CLT, de suspenso

dos efeitos do contrato de trabalho. Tudo isso consiste em mobilidade interna,

35 que o empregador pode adotar para evitar a dispensa, adaptando a mo-de-

obra s necessidades organizacionais da empresa sem afetar a continuidade

do contrato de trabalho. Na mobilidade vertical, o trabalhador pode ser

rebaixado ou promovido de funo, ao passo que na mobilidade horizontal, o

mesmo pode ser transferido de um local para outro, do turno da noite para o

dia, etc.

Ainda citando a obra do professor SRGIO PINTO MARTINS25, a

flexibilizao pode abranger direitos dos trabalhadores, assim como,

compensao da jornada de trabalho, reduo dos salrios durante as crises

econmicas e da empresa, remunerao varivel, participao nos lucros ou

resultados desvinculados da remunerao e suspenso do trabalho.

Quanto flexibilizao dos salrios, a proposta de que em ocasio de

crises econmicas seja estabelecido novo mecanismo para contribuir com a

adequao realidade. Possibilidade contemplada pelo artigo 7, inciso IV, da

Constituio Federal.

Em reportagem divulgada pelo jornal O Globo em 200126, a montadora

Volkswagen apresentou proposta ao Sindicato dos Metalrgicos do ABC

paulista, Luiz Marinho, uma alternativa para evitar a demisso de trs mil

funcionrios da unidade de Anchieta, em So Bernardo do Campo. A sugesto

da fbrica consistia em dividir em vrias parcelas o pagamento dos benefcios

como participao nos lucros e resultados (PLR), o dcimo terceiro salrio e o

reajuste salarial combinado na data-base para compensar a reduo salarial e

evitar que os trabalhadores experimentassem a queda da renda mensal.

Segundo o presidente da Volks no Brasil a idia era de um acordo amplo, que

durasse no mnimo cinco anos. Trata-se de uma forma de reestruturao da

empresa que j tinha experimentado a flexibilizao em 1998, quando a crise

econmica ameaou demitir 7.500 funcionrios. O mesmo sindicato negociou

25 MARTINS, Srgio Pinto. Ob. Cit., p. 39. 26 Volks: salrio e jornada menores. Montadora prope reduo de 20% para no dispensar trs mil de fbrica do ABC. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, Caderno Economia, 17 out 2001, p. 17.

36 um acordo no qual foi aceito a reduo da carga horria, com o respectivo

corte de salrio. Na poca, os 17 mil trabalhadores, juntamente com os 6 mil

colegas da fbrica de Taubat, aceitaram por unanimidade a proposta da

empresa. No acordo, fechado dez dias antes do Natal, a jornada teve uma

semana de cinco dias e trs semanas de quatro dias durante o ms, com

reduo de 15% do salrio.

O acordo descrito durou todo o ano de 1999 e englobou parcelamento

da participao nos lucros e do reajuste da data-base, na ocasio de 2,98%,

para fazer frente reduo nos salrios.

Porm, a flexibilizao no se esgota por aqui. Ela pode recair-se

tambm na legislao, de forma a estabelecer direitos e obrigaes para as

empresas na proporo do seu tamanho. Assim pequenas, mdias e grandes

empresas podero ser contempladas por uma poltica tributria e previdenciria

na medida de suas possibilidades.

Por fim, conclumos que a flexibilizao pode ocorrer de diferentes

maneiras de forma a alcanar seu objetivo, combinando muitas vezes variveis

nas relaes de trabalho combinadas com variveis previdencirias e fiscais.

Dentre as vrias classificaes doutrinrias, no se poderia deixar de

fazer meno ao tratamento dispensado pelo Magistrado, Professor e Jurista

CLUDIO ARMANDO COUCE DE MENEZES27 onde separa a flexibilizao de

proteo ao contrato de emprego de proteo ao emprego ou ao trabalho.

Menciona o autor que a idia de proteo ao contrato de trabalho

encontra mecanismos destinados a resguardar o empregado da dissoluo do

vnculo que o liga ao empregador: limitao ou proibio da despedida

arbitrria, garantia e estabilidade no emprego, acidente profissional, encargos

27 MENEZES, Cludio Armando Couce de. 1 Congresso Brasil Itlia de Direito do Trabalho, realizado em Roma e em Bolonha, 17 e 19 abr. 2001, Braslia: Anamatra, 42, jun 2002, p. 47-64.

37 civis, polticos e militares. A flexibilizao vista como proteo ao emprego,

indicam medidas implementadas para aumentar ou manter postos de trabalho.

Dentro desses expedientes encontram-se as mais diversas tcnicas de

flexibilizao.

38 CAPTULO IV

FORMAS DE FLEXIBILIZAO

Podemos encontrar diversas manifestaes de flexibilizao, dentre

eles, na forma de trabalho, na contratao, na remunerao, no tempo de

durao do contrato e na dispensa do trabalhador, dentre inmeras outras

situaes. Pesquisaremos a seguir, de forma breve, algumas maneiras que tem

servido de instrumento para a modernizao nas relaes de trabalho, abrindo

espao para a autonomia da vontade dos participantes das relaes de

trabalho. Tal espao se observa, ora de forma policiada pelo Estado, onde d-

se maiores opes aos negociantes, ora de forma genrica, onde as partes

podem dispor de forma absoluta dessa autonomia.

No Brasil alguns institutos ao longo do tempo vm sendo lentamente

flexibilizados, citaremos os mais relevantes.

4.1 Contrato por tempo determinado

Nesta modalidade de contratao h um desgaste pelas legislaes em

razo de crises econmicas e do desemprego. Trata-se de forma menos

onerosa para o empregador quando finalizado o pacto laboral j que no cabe

a empresa pagar a indenizao de 40% sobre os depsitos do FGST (Fundo

de Garantia por Tempo de Servio) nem aviso prvio.

O artigo 443 da CLT, nos seus pargrafos 1 e 2 dispe sobre o

contrato por tempo determinado, sendo merecida sua transcrio:

1 Considera-se como prazo determinado o contrato

de trabalho cuja vigncia dependa de termo prefixado ou

da execuo de servios especificados ou ainda da

39 realizao de certo acontecimento suscetvel de previso

aproximada.

2 O contrato por prazo determinado s ser vlido em

se tratando de servio cuja natureza ou transitoriedade

justifique a predeterminao do prazo; de atividades

empresariais de carter transitrio; de contrato de

experincia.

A Lei 9.601/1998 surge da necessidade de se adequar fora de

trabalho insero do Brasil no mundo globalizado, logo, a referida lei vem

para instituir espcie de modalidade de contratao com reduo de encargos

sociais, porm, subordinada a negociao com sindicato em conveno ou

acordo coletivo. Versa sobre a possibilidade de contratao sem necessidade

de justificao para contratao, conforme previsto na alnea a do 2 do

artigo 443 da CLT.

Existe ainda a possibilidade de prorrogao do contrato por mais de uma

vez, no aplicando a regra do artigo 451 da CLT desde que o pacto seja

ajustado mediante negociao coltiva.

A Lei 9.601/98 tem o escopo de oportunizar a criao de novos postos

de trabalho, minimizando o nmero de desempregados, e, por conseguinte, o

nmero de excludos sociais.

So ainda espcies de contratos por tempo determinado:

Contrato por obra certa ou servio certo

Regulamentado pela Lei 2.959/1956. Trata-se de contrato celebrado

comumente por empresas de construo civil pelo perodo de obra, porm, no

pode exceder o limite de 2 anos estipulado pela regra do artigo 445 da CLT. E

40 mesmo com o trmino normal do contrato, o empregado tem direito

indenizao de 70% da maior remunerao percebida na empresa desde que

tenha mais de 12 meses de servio (artigo 2).

Contrato de aprendizagem

O contrato de aprendizagem tambm espcie de pacto por tempo

determinado. O Decreto 31.546/1952, alterado pela Lei 10.097/00 informa que

a durao mxima de aprendizagem de dois anos (art. 428, pargrafo 3 da

CLT). Tal contrato no gera relao de emprego e pode ser celebrado atravs

de aprendizes entre 14 e 18 anos, regularmente matriculados em

estabelecimentos profissionalizantes.

Contrato de safra

Trata-se de modalidade de contratao prevista no artigo 14, pargrafo

nico, da Lei n 5.889/1973 e recai sobre trabalhadores que lidam com

atividades agrrias que dependem de variaes estacionais.

Aps a expirao do contrato, o safreiro faz jus indenizao

equivalente a 1,5 do salrio mensal, por ms de servio ou frao superior a 14

dias.

Contrato Temporrio de Trabalho

A Lei 6.019/1974, de 3 de janeiro de 1974, regulamentada pelo Decreto

73.841/74, de 13 de maro de 1974, oficializou o trabalho temporrio em nosso

pas.

Segundo o artigo 2 da referida Lei, o trabalho temporrio aquele

prestado por pessoa fsica a uma empresa, para atender a necessidade

41 transitria de substituio de seu pessoal regular ou permanente ou acrscimo

extraordinrio de servios.

empregado temporrio, aquele que presta servios na empresa de

trabalho temporrio (ETT), cujo conceito est contido no artigo 3 da mesma

Lei, sendo ele: pessoa fsica ou jurdica urbana, cuja atividade consiste em

colocar disposio de outras empresas, temporariamente, trabalhadores,

devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.

O contrato de trabalho temporrio continua sendo uma espcie de

contrato de trabalho por tempo determinado, no entanto, preserva

caractersticas prprias. Quanto aos sujeitos, fazem parte: o trabalhador, o

tomador dos servios e ou cliente e a empresa de trabalho temporrio. Esta s

pode disponibilizar o trabalhador tomador de servios por um perodo mximo

de 3 meses. Esta modalidade de contratao visa atender necessidade

transitria da empresa para substituir pessoal regular e permanente ou pelo

acrscimo extraordinrio de servios.

Trabalho em domiclio

O trabalho distncia mais uma espcie de flexibilizao da relao

de emprego. gnero que abrange o trabalho em domiclio e o tele-trabalho.

O artigo 6 da CLT reza que no h distino entre o trabalho realizado

no estabelecimento do empregador e o executado no domiclio do empregado,

desde que esteja caracterizada a relao de emprego.

Nesta modalidade de contratao, o empregado pode trabalhar tanto na

sede do empregador como em seu prprio domiclio, e se optar por essa

ltima, certo que a subordinao entre empregado e empregador ser mais

amena. Mas imprescindvel, ainda que tnue, a subordinao, juntamente

com a pessoalidade, pois se o trabalhador for substitudo, no se configura o

42 pacto laboral. Uma vez configurada a relao empregatcia, dificilmente esta

relao dar ensejo a horas extras, salvo se comprovada que a produo s

pode ser alcanada com mais de oito horas de trabalho dirio.

valioso diferenciar o empregado em domiclio do trabalhador

autnomo, pois este apesar de poder executar seu servio em casa no tem

subordinao, mas autonomia na prestao de servio, assumindo riscos da

atividade.

Trabalho Intermitente

Nesta modalidade de contratao o empregado no presta servios

todos os dias, mas nos perodos em que h necessidade de trabalho. Existe

uma alternncia de perodos de atividade do empregado com perodos de

desocupao.

Caracteriza-se pelo fato do trabalho poder ser prestado

esporadicamente. Por semanas, dias da semana, alguns dias do ms ou do

ano, enfim, trata-se de trabalho fixo e descontnuo, j que h descontinuidade

da prestao do servio para o mesmo tomador, que pode, dependendo do

caso, implicar a inexistncia do vnculo empregatcio, pelo trabalho ser

eventual.

Importante diferenci-los do trabalho sazonal, pois neste a prestao de

servios se d em determinadas pocas do ano, como em colheitas, sempre na

mesma poca todos os anos.

No se confunde com o trabalho temporrio, onde o trabalhador presta

servios por no mximo trs meses, pois no trabalho intermitente o trabalhador

pode chegar a no prestar servio dentro do referido perodo.

43 Distingue-se tambm do trabalho a tempos parciais, que tem por

caracterstica o trabalhador laborando diariamente, embora com jornada

reduzida e geralmente com contratao por tempo indeterminado, afinal, no

trabalho intermitente o trabalhador convocado quando h preciso, situao

que no pode ser prevista pelo trabalhador, que no sabe quando nem quantas

horas por dia sero necessrias.

muito comum este tipo de contratao em hotis, que quando esto

em pocas de temporada, feriados prolongados ou diante de algum grande

evento, se vem carentes de um maior nmero de funcionrios para engrossar

o quadro de garons, faxineiros, arrumadoras etc. Tambm em cruzeiros,

assim como o comrcio em pocas de Natal.

Flexibilizao nos horrios

Seria uma alternativa para atenuar os efeitos do desemprego, pois com

uma menor jornada de trabalho h possibilidade de uma contratao de um

maior nmero de funcionrios, conspirando para quem sabe, maior rendimento

dos empregados refletindo maior produtividade para empresa.

A flexibilizao dos horrios pode ser empregada de diversas maneiras,

como anualizao, recuperao, horrios individualizados e horrios cclicos.

A anualizao consistiria na diviso de horas de trabalho durante o ano,

envolvendo assim, a durao anual, a durao mdia e a durao semanal

mxima.

A durao anual sugere no estabelecimento de um nmero de horas de

trabalho no ano, que sero distribudas de acordo com as necessidades das

pessoas envolvidas, podendo ter mais trabalho durante alguns meses e menos

em outros.

44 A durao semanal mdia sugere que seja estabelecido um limite

mximo e mnimo de horas a serem trabalhadas durante a semana, dentro de

um parmetro anual.

A recuperao, por sua vez, seria uma opo para compensar a

paralisao da empresa quando no se foi possvel o funcionamento.

A flexibilizao da jornada de trabalho prope que o empregado tenha

liberdade para montar seu horrio de acordo com a sua convenincia, com isto,

chegando mais cedo poder sair mais cedo, e se ingressar mais tarde deixar

mais tarde o estabelecimento de trabalho, ou quem sabe, se tiver

disponibilidade de trabalhar mais horas em um dia, pode trabalhar menos no

outro, fazendo assim uma compensao, tudo isso, fazendo respeitar um

nmero mnimo de horas trabalhadas durante o ano, no ms ou na semana.

Podendo ainda, a empresa, estabelecer um horrio fixo e outro mvel para

tornar mais organizado o fluxo de funcionrios e a produo da mesma.

importante distinguir o horrio flexvel do horrio livre, pois neste o

empregado trabalha o horrio que almeja, ao passo que com o horrio flexvel

o empregado deve atender o horrio obrigatrio ou fixo, determinado pelo

empregador, acatando ainda um limite mximo e mnimo de trabalho. De

acordo com esta teoria, o trabalhador vinculado ao horrio livre tem a faculdade

de no trabalhar em determinado dia, elaborando o horrio que bem queira,

possibilidade que no estende ao empregado que tem horrio flexvel.

As vantagens da adoo desta modalidade de contratao recaem tanto

para o empregado quanto para o empregador.

Flexibilizao dos salrios

Trata-se de uma alternativa, autorizada pelo inciso VI do artigo 7 da

Constituio Federal, que permite que ante a maior retrao da economia, a

45 fim de que no haja demisses em massa, que seja negociada mediante

conveno ou acordo coletivo a possibilidade de reduo salarial.

So modalidades de flexibilizao dos salrios as remuneraes

variveis, em que o trabalhador pode receber uma importncia fixa

mensalmente, mas em consonncia com os fatores ligados produo tais

como, comisses sobre vendas, bnus pela produtividade alcanada,

participao nos lucros ou resultados da empresa. No desobedecendo,

contudo a regra do artigo 2 da CLT que consagra que ao empregador cabe

assumir os riscos de sua atividade, no podendo transferi-los para o

empregado, no podendo o mesmo receber apenas pelo que produz, sendo-

lhe assegurado ao menos o salrio mnimo mensal.

H ainda proposta de flexibilizao salarial de que certos benefcios que

so conferidos aos empregados no sejam considerados como salrio, assim,

o empregador ir conced-los, sem a discusso se haver incluso em outras

verbas ou se ter a incidncia do FGTS e da contribuio previdenciria.

Poderia ocorrer esse fato com o chamado salrio-utilidade, previsto no artigo

458 da CLT. Caso a utilidade no seja avaliada como salrio, o empregador

forneceria determinados benefcios ao empregado, como alimentao,

transporte etc., pois em compensao, no teria de se preocupar com a

integrao de tais utilidades no salrio e com a incidncia de encargos sociais,

que encarecem o seu provimento.

Contrato a tempo parcial

Trabalho a tempo parcial definido pela CLT, no seu artigo 58-A, como

aquele cuja durao no extrapole 25 horas semanais.

Dentre as caractersticas desta modalidade de contratao, est a

regularidade, pois o empregado trabalha diariamente e no apenas em alguns

dias da semana ou do ms. Vigora um ajuste de vontades para realizao do

46 trabalho, que no imposto ao empregado que exerce parcialmente seu

trabalho, compatibilizando com seus demais afazeres.

O nmero de horas a ser trabalhado menos do que o normal, pois o

empregado trabalha entre seis e oito horas por dia. A legislao ptria

contempla esta modalidade de contratao; o artigo 444 da CLT permite que as

partes estabeleam livremente as condies de trabalho e como as horas de

trabalho so inferiores ao normal, nada impede a fixao do tempo parcial

pelas partes interessadas. vlido to somente para atuais empregados,

mediante negociao coletiva sob pena de perder a validade.

Job sharing

Trata-se de contratao de mais de uma pessoa para exercer a mesma

atividade. exemplo de infrao ao princpio da impessoalidade, inerente ao

contrato de trabalho.

A Alemanha regula este tipo de contratao que configura o trabalho de

equipe.

O empregador pode, exigir trabalho em caso de algum da equipe

afastar-se da empresa por qualquer motivo. nula a despedida de toda a

equipe, sendo os demais transferidos para outros cargos. Esta informalidade

permite um maior nmero de contratados de baixa qualificao.

Contrato de solidariedade

O Brasil no dispe de legislao neste sentido, que versa sobre

contratos de pessoas em vias de aposentadoria, que em sua jornada e salrios

reduzidos, visando a contratao de outras pessoas.

47 A Alemanha criou um tipo de aposentadoria que atinge os trabalhadores

com aos menos 55 anos, empregado por pelo menos 5 anos e que ainda tenha

emprego em tempo integral, pode este, entrar em acordo com o empregador

para diminuir a sua carga horrio de trabalho pela metade, desde que no

inferior a 18 horas semanais. Assim, far jus a 70% do salrio equivalente

sua atribuio em tempo integral. Esporadicamente, poder haver trabalho em

tempo integral, em certos perodos e trabalho em regime de meio expediente

em outros. Caso o empregador contrate outro trabalhador complementar, o

trabalho deste, o Estado o reembolsa com 20% do salrio conferido ao

empregado contratado por meio expediente.

48 CAPTULO V

REPERCUSSO DA FLEXIBILIZAO EM DIVERSOS

SEGMENTOS SOCIAIS

Na mdia, o alvo de noticirio, vem a ser os casos prticos que envolvem

a negociao coletiva em detrimento de garantias mnimas e a abertura de

forma mais avantajada do nosso sistema normativo a agasalha com maior

nfase a negociao coletiva, no sentido de prevalecer sob o mnimo

protecionista estabelecido em lei.

Caso Volkswagen

No decorrer do nosso trabalho, foi selecionado um caso que tomou

grande espao na mdia de nosso pas e que serve de exemplo prtico do que

vem a ser a flexibilizao das normas trabalhistas.

Os metalrgicos da Volkswagen no ABC paulista travaram uma

negociao atravs dos sindicatos, que mobilizaram at a sede da empresa na

Alemanha para melhor decidirem acerca dos seus interesses.

Faremos uma recapitulao.

Em outubro de 2001, a Volks apresenta aos metalrgicos, proposta de

reduo de jornada em 20% com o correspondente corte no salrio, para

poupar a dispensa de trs mil trabalhadores da unidade de So Bernardo do

Campo, no ABC paulista. A proposta abarca ainda a diviso em vrias parcelas

do pagamento de benefcios como participao nos lucros e resultados (PLR),

o dcimo terceiro salrio e o reajuste salarial combinado na data base (INPC

acumulado em 12 meses, em torno de 7,7%) para compensar a reduo

salarial, e evitar que os trabalhadores sintam a queda na renda mensal,

49 preocupando-se assim com os efeitos sociais oriundos das referidas

mudanas.

Os sindicatos no chegaram a um consenso, e os funcionrios em

protesto pela demisso por carta de trs mil funcionrios decidiram entrar em

greve.

Esta durou apenas uma semana e terminou com o acordo aprovado

pelos 16 mil empregados da montadora, no qual aceitam a reduo em 15%

dos salrios mediante a suspenso das 3.075 demisses anunciadas. Dos

demitidos, 1500 sero readmitidos imediatamente e o restante ficar de licena

remunerada at o final de janeiro de 2002. A empresa tambm abriu um

Programa de Demisso Voluntria (PDV) para 700 trabalhadores. Caso este

nmero no fosse alcanado, a empresa completaria a relao com os

funcionrios que estavam de licena remunerada. Segundo, o presidente do

Sindicato dos Metalrgicos, a empresa alem desejava pagar um bnus de

R$3.000,00 a quem aderisse ao PDV28.

Citando o referido caso, e, sob uma tica menos benvola do que possa

parecer o caso acima, o Magistrado Paulista e Livre-docente da USP JORGE

LUIZ SOUTO MAIOR29 questionou essa moderna negociao, ponderando

que no demonstrou a empresa, a real necessidade de reduo de fora de

trabalho, sem que se colocasse em evidncia prejuzos sade ou a

sobrevivncia da empresa. Disse que o referido caso no pode legitimar a

reforma da CLT, sendo que deve-se na verdade adotar medidas necessrias

para cumprir o dever constitucional de uma verdadeira poltica de emprego.

28 Volks reduz salrios em 15% no ABC paulista. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, Caderno Economia, 22 nov. 2001, p. 36. 29 Artigo em revista Juzes para a Democracia, 2000, p. 8.

50 5.1 Posicionamento do Constitucionalista Ives Gandra

Martins noticiado pela imprensa

Outra reportagem que tambm deve ser reproduzida a concedida pelo

profundo conhecedor da Constituio Brasileira, o ilustre tributarista IVES

GANDRA MARTINS, que mediante esta entrevista ao jornal O Globo30, tece

seu posicionamento sobre o polmico assunto, pelo que vale transcrev-lo:

O GLOBO: Qual a sua opinio sobre a flexibilizao das

leis trabalhistas?

IVES GANDRA MARTINS: Pessoalmente, sou favorvel.

A economia muda como as nuvens. Leis flexveis so a

melhor soluo para garantir o essencial: o emprego.

Sem a flexibilizao, o caminho ser o desemprego e a

informalidade.

Alm disso, os direitos no esto sendo revogados, mas

suspensos temporariamente.

O GLOBO: O senhor acha que as empresas voltaro a

conceder benefcios suspensos nos acordos?

GANDRA: Claro. Esses acordos sero vlidos por tempo

determinado, para enfrentar perodos de crise.

O GLOBO: possvel negociar direitos constitucionais?

GANDRA: Acho que direitos sociais e polticos no so

clusulas ptreas. Eles tm de ser flexveis, porque as

coisas mudam. Qualquer cidado pode dispor do direito

30 Projeto que reforma a CLT deve ser votado hoje. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, Caderno Economia, 21 nov. 2001. p. 23.

51 que tem, se for de seu interesse. Alm do mais, no

adianta o cidado ter direitos sem poder exerc-los.

O GLOBO: O modelo sindical brasileiro capaz de

garantir bons acordos para os trabalhadores?

GANDRA: O trabalhador brasileiro est sub-

representado, porque a discusso sobre pluralidade

sindical tem sido barrada. Mas esse outro debate.

5.2 Posicionamento do Ministro Arnaldo Lopes Sssekind31

Como a autoridade de membro integrante da comisso que redigiu o

projeto de CLT, que vigora no Brasil e ex-Ministro do Trabalho e ex-Presidente

do Tribunal Superior do Trabalho, o Ministro Sssekind se posiciona

contrariamente forma como se pretende incrementar e alargar a flexibilizao

no sistema brasileiro.

Aduziu o jurista que o sucesso da negociao coletiva prende-se

garantia da liberdade e da autonomia sindical, ao razovel ndice de

sindicalizao do grupo representado e ao espao para a complementao e

suplementao do sistema legal de proteo ao trabalho. Menciona que no

Brasil e em alguns pontos do imenso territrio surgiram sindicatos bastante

expressivos, que pouco a pouco, conquistaram a autonomia, agora consagrada

no art. 8 da Constituio Federal, o que tem aumentado, significativamente o

nmero de convenes coletivas. Mas inegvel que o nosso pas ainda est

desigualmente desenvolvido, e, tal circunstncia fundamenta o

intervencionismo bsico da legislao trabalhista, assim como o poder

normativo da justia do trabalho.

31 SSSEKIND, Arnaldo. A Conveno Coletiva de Trabalho em Confronto com a lei. Jornal dos Trabalhadores no Comrcio do Brasil, abr. 2002.

52 Questiona o Ministro a flexibilizao das normas trabalhistas, com

reduo de custos sociais do trabalho, sem observncia da necessidade de

flexibilizao das normas fiscais que oneram o custo empresarial, como o fim

da tributao incidente sobre os salrios, representada por contribuies que

devem ser atendidas por outras fontes, como as referentes ao INCRA, ao

SEBRAE, ao salrio-educao e ao SESI/SESC/SET.

Menciona ainda que preciso considerar que os salrios prevalecentes

ente ns so to insignificantes, que essa criticvel incidncia no onera

demasiadamente a produo de bens e servios, se comparada com a de

outros pases. Exemplifica com a mdia do salrio-hora do brasileiro somada a

encargos sociais que era em 1995, menor 7,6 vezes que na Alemanha,

demonstrando que o custo do trabalho no Brasil em mdia 4 vezes menor

que na Frana, Estados Unidos, Japo, Gr-Bretanha e Espanha.

Fundamenta no sentido que enquanto tiver desigualdade de

desenvolvimento social no Brasil se justifica o intervencionismo bsico da lei

nas relaes privadas de trabalho.

Conclui mencionando que o que se est pretendendo, no a

valorizao da conveno coletiva, como instrumento de conquistas de classe

trabalhadora, mas desvaloriz-la, utilizando-a para destruir o que foi construdo.

5.2.1 Posicionamento da Magistratura e do Ministrio

Pblico do Trabalho

O assunto no se esgota por aqui, e como foi dito anteriormente h

contradies, que reservam espao aos que enxergam a flexibilizao sob

outro ngulo32.

32 In: http://.trt10.gov.br. Capturado 27, dez 2004

http://.trt10.gov.br/

53 Procuradores e juzes do trabalho manifestam-se contra alterao da

CLT. Como resultado do 2 Encontro Jurdico de Magistrados e Procuradores

do Trabalho da 10 Regio, seus participantes encaminharam a parlamentares,

sociedade e sindicatos, a Moo de Repdio proposta do governo de

mudana da Consolidao das Leis do Trabalho, que seria a sobreposio das

leis pelas convenes apresentadas.

A proposta dos magistrados ampliar dos debates sociedade e

entidades de classes. A nota afirmava que foi inadmissvel a urgncia das

votaes do Projeto n 5483/01, pelo qual seria extinta a Justia do Trabalho,

nico meio de proteo do trabalhador.

Veja na ntegra a Moo de Repdio, in verbis:

Os magistrados e procuradores do trabalho da 10

Regio, reunidos por ocasio de seu II Encontro Jurdico,

cuja temtica central circundou na discusso dos efeitos

da flexibilizao das normas trabalhistas, vm a pblico

externar seu veemente repdio ao Projeto de Lei

n5483/01, na sua forma de tramitao e contedo.

Tratando-se de matria completa, de alta repercusso

social, mister se faz a realizao de um amplo debate

com a sociedade, sendo inadmissvel o regime de

urgncia proposto pelo Executivo Federal. Alm da

patente inconstitucionalidade da matria versada no

Projeto, revelada pela pretenso de ampliar as hipteses

de flexibilizao autorizadas expressamente pelo art.7

da Constituio Federal de 1988, a referida proposta, se

aprovada, consagrar a retirada de direitos e conquistas

histricas dos trabalhadores, sob o ilusrio argumento de

que haver a igualdade nas negociaes coletivas.

54 Nesse contexto, a perspectiva a do agravamento da

crise social e da concentrao de renda.

5.2.2.1 Magistratura Nacional do Trabalhador

Outro no o posicionamento da Magistratura Nacional do Trabalho,

onde declarou o Presidente da Associao Nacional dos Magistrados

Trabalhistas, HUGO MELLO FILHO33, entidade que congrega todos os juzes

que atuam na rea trabalhista no Brasil, em resultado de consenso em

encerramento do 11 Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho, que a

alterao atenderia muito mais aos interesses empresariais e no se vislumbra

nenhuma vantagem em favor do trabalhador, que seria colocado a frente com o

empregador sem nenhuma garantia mnima de direitos.

5.2.2.2 - Associao dos Magistrados Brasileiros

Igualmente a AMB se posicionou contra a flexibilizao da CLT, rgos

que rene os Magistrados de todo o Brasil, nos moldes de declarao de seu

Presidente em nome da entidade, durante encontro com o Presidente do TST34

5.2.2.3 Sindicalistas

Igualmente os sindicalistas, atravs de reunio de vrias entidades do

movimento de categorias repudiaram as reformas, por ato pblico35.

Como se v, ressalvada a classe empresarial e governo, a classe

profissional, os seguimentos especializados da magistratura dentre outros,

majoritariamente so contrrios a flexibilizao generalizada. Entendem que o

Estado deve intervir no mnimo indispensvel valorao do trabalho e da

33 Jornal do Comrcio, Coluna Direito e Justia, de 4 maio 2003. 34 Jornal do Comrcio, Coluna Geral, de 3 maio 2003 35 Internet: Informes do PT, Coluna ltima Notcias, 20 jul. 2004

55 dignidade da pessoa do trabalhador, alis como previsto na Carta

Constitucional, art. 5 e 7.

56 CAPTULO VI

SINDICALISMO FRENTE FLEXIBILIZAO NO

BRASIL

6.1 O pluralismo de Fontes do Direito do Trabalho

O ordenamento jurdico evidencia como fontes formais do direito, mormente do direito do trabalho, vrios meios pelos quais se estabelecem as

normas jurdicas, ao que, ao contrrio de outros sistemas, onde vigora a teoria

monista e v no Estado o nico plo de irradiao da norma, o direito brasileiro

vem a ser partidrio da teoria pluralista, onde descentralizado e diversos so

os centros de positivao da norma. Exemplo disso, vem a ser a conveno e o

acordo coletivos de trabalho36.

Assim, a flexibilizao encontra respaldo no pluralismo de fontes, como

mecanismo para dinamizar e adaptar o cotidiano das relaes de emprego s

necessidades da economia. Pode-se identificar duplo regramento: as normas

heternomas, provenientes da atuao estatal (atualmente fixando um mnimo

de direitos aos trabalhadores e excepcionalmente permitindo uma flexibilizao

controlada), e as normas autnomas, advindas da contratao coletiva

(atualmente, salvo excees, apenas as mais benficas ao empregado). E isso

facilita a introduo do fenmeno da flexibilizao, nos projetos de reforma da

legislao.

6.2 Corporativismo e Estado Social

Na batalha entre os interesses do corporativismo (classes profissionais e

empresariais) e o Estado Social, formaram-se duas foras antagnicas, mas

36 NORRIS, Roberto. Curso de Direito do Trabalho em homenagem ao prof. Arion Sauo Romita. Rio de Janeiro: Forense, 2.000, p. 38.

57 que se complementam:37 a publicizao das relaes privadas com o Estado

intervindo na contratao entre as particulares, mediante estatuto mnimo de

direitos voltados tutela dos trabalhadores. E, de outra parte a privatizao

de parcela da legislao, deixada a cargo das entidades sindicais. A forma

proposta para conciliar essas foras foi conceber os sindicatos como terceiro

gnero, ente hbrido, com personalidade jurdica de direito privado, porm

detentor de prerrogativas normativas.

No Brasil prevalecem ambos, tanto a lei e a sentena normativa criam

novos direitos com a interferncia do Estado com as convenes coletivas de

autoria das partes representadas por entidades sindicais.

De acordo com o art. 611 da CLT, a natureza das normas so

temporrias, e, sucessivas, em face das convenes coletivas. Difere do

princpio civilista da imutabilidade do ato