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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL NA ATIVIDADE MÉDICA
FLÁVIA RIGONI GONÇALVES
Itajaí (sc), maio de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL NA ATIVIDADE MÉDICA
FLÁVIA RIGONI GONÇALVES
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. Rogério Ristow
Itajaí (sc), maio de 2006
MEUS AGRADECIMENTOS:
A Deus, caminho divino, por ter sido amigo fiel em todas as horas;
Ao meu Orientador, Professor Msc. Rogério Ristow, pela exortação e conhecimentos
recebidos;
Aos meus pais, Ademir de Castro Gonçalves e Maria Terezinha Rigoni Gonçalves, por terem fomentado a concretização deste sonho: o da
carreira jurídica;
A minha amiga, Angélica Pasquali, por ter me ajudado nessa longa caminhada;
Por fim, aos meus amigos, que me ajudaram de uma forma ou de outra nessa empreitada;
ESTE TRABALHO DEDICO:
Aos meus familiares, companheiros excepcionais, motivações para minhas conquistas...
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (sc), maio de 2006.
Flávia Rigoni Gonçalves Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Flávia Rigoni Gonçalves , sob o
título Responsabilidade Criminal por Erro Médico, foi submetida em [Data] à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Rogério Ristow
(Orientador e Presidente da Banca), ___________________ (Membro) e
____________________(Membro) e aprovada com a nota 0,00 (___________).
Itajaí (sc), maio de 2006
Prof. Msc Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca
Prof. Msc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
Arts. Artigos
Caput Cabeça do artigo
Cop Conceito Operacional
CEM Código de Ética Médica
CFM Conselho Federal de Medicina
CRM Conselho Regional de Medicina
CP Código Penal
In verbis Nestas palavras
Iter Criminis Caminho do crime
p. Página
p. ex. Por exemplo
Post mortem Depois da morte
RT Revista dos Tribunais
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.
Crime:
“(...) em sentido amplo, crime é o ilícito penal. Mais precisamente: é o fato
(humano) típico (isto é, objetivamente correspondente ao descrito in abstracto
pela lei), contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei
contrapõe a pena (em sentido estrito) como sanção específica”3.
Responsabilidade:
“(...) é a obrigação de assumir as conseqüências de ação própria ou, na
dependência das circunstâncias, alheias. Assim, aquele que é o sujeito da ação
poderá responder por ela perante as autoridades competentes, arcando com o
ônus de suas decisões”4.
Dolo:
“(...) de acordo com a teoria finalista da ação, que passamos a adotar, é elemento
subjetivo do tipo. Integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não constituem
simples formas naturalísticas de comportamento, mas ações ou omissões
dolosas; assim, dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do
tipo”5.
Culpa:
“(...) consiste na prática não intencional do delito, podendo o agente agir por
1 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia” PASOLD, César Luis. Prática de pesquisa jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p.40. 2 “Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos” , PASOLD, César Luis. Prática de pesquisa jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 56. 3 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 546. 4 MORAES, Irany Novah. Erro médico e a justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 551. 5 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 287.
negligência, a imprudência ou a imperícia”6
Medicina:
“Estudo e prática do diagnóstico, tratamento com drogas e prevenção de
doenças. A medicina envolve o estudo da estrutura e funções dos sistemas do
corpo e das anormalidades causadas pelos processos patológicos”7.
Punibilidade:
“(...) surge para o Estado o direito de impor a pena ao sujeito, que tem o dever de
não obstaculizar a aplicação da sanção. Origina-se, então, a relação jurídico-
punitiva entre o Estado e o cidadão”8.
Pena:
(...) é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de
uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na
diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”9.
Crime Comum:
“(...) pode ser cometido por qualquer pessoa. A lei não exige nenhum requisito
especial”10.
Crime Próprio:
(...) só pode ser cometido por determinada pessoa ou categoria de pessoas”11
6 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. FÜHRER, Maximilianus Roberto Ernesto. Resumo de direito penal. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 35. 7 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico”. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 11. 8 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 156. 9 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 519. 10 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 261. 11 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 261.
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 4
DO PROFISSIONAL DA MEDICINA ........................ .......................... 4 1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS........................... .................................................4 1.2 DA PROFISSÃO MÉDICA............................ ....................................................6 1.2.1 ATIVIDADE MÉDICA ............................................................................................6 1.2.2. DEONTOLOGIA MÉDICA ....................................................................................7 1.3 O ATO MÉDICO ...............................................................................................9 1.4 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MÉDICO................ .....................................13 1.5 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE ...................... ...........................................16 1.6 EQUIPE MÉDICA ...........................................................................................18 1.7 DO ERRO MÉDICO ........................................................................................19
CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 21
RESPONSABILIDADE CRIMINAL.......................... ......................... 21 2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS........................... ...............................................21 2.2 TIPICIDADE PENAL............................... ........................................................22 2.3 DA ANTIJURIDICIADADE........................... ...................................................23 2.4 DA CULPABILIDADE............................... ......................................................25 2.5 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA CONDUTA ................ .................................27 2.5.1 CRIME DOLOSO .........................................................................................27 2.5.1.2 CONCEITO...................................................................................................28 2.5.1.3 ELEMENTOS DO DOLO ..................................................................................28 2.5.1.4 ESPÉCIES DE DOLO ......................................................................................30 2.5.1.4.1 Dolo natural ............................. .............................................................30 2.5.1.4.2 Dolo normativo ........................... ..........................................................30 2.5.1.4.3 Dolo direto ou determinado ............... .................................................31 2.5.1.4.4 Dolo indireto ............................ .............................................................31 2.5.2 CRIMES CULPOSOS .........................................................................................33 2.5.2.1 Conceito................................... ................................................................34 2.5.2.2 Inobservância do dever objetivo de cuidado. .......................................34
2.5.3 CRIME PRETERDOLOSO...........................................................................35 2.5.3.1 CONCEITO...................................................................................................35 2.6 SUJEITOS DO DELITO E CONCURSO DE AGENTES....... ..........................37 2.6.1 SUJEITOS DO DELITO .......................................................................................37 2.6.2 CONCURSO DE AGENTES .................................................................................38 2.7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ......................... ............................................41 2.7.1 TENTATIVA .....................................................................................................41
CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 43
ASPECTOS DESTACADOS ACERCA DAS INFRAÇÕES PENAIS MÉDICAS ......................................................................................... 43 3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS........................... ...............................................43 3.2 CRIMES PRÓPRIOS DO MÉDICO.................................................................43 3.2.1 OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO DE DOENÇA ............................................................44 3.2.2 ATESTADO FALSO ...........................................................................................44 3.3 OUTROS CRIMES LIGADOS AO EXERCÍCIO DA MEDICINA. ....................45 3.3.1 HOMICÍDIO CULPOSO .......................................................................................46 3.3.2 LESÃO CORPORAL CULPOSA ...........................................................................47 3.3.3 VIOLAÇÃO DO SEGREDO PROFISSIONAL ............................................................47 3.3.4 INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA ..................................................48 3.3.5 EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA ......................................................................49 3.3.6 CHARLATANISMO E CURANDEIRISMO................................................................50 3.3.7 EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES ................................................51 3.3.8 PRESCRIÇÃO DESNECESSÁRIA DE ENTORPECENTE ............................................52 3.3.9 REMOÇÃO ILEGAL DE ÓRGÃO OU TECIDO ..........................................................53 3.3.10 COMPRAR OU VENDER ÓRGÃO PARA TRANSPLANTE ........................................54 3.3.11 UTILIZAR ÓRGÃO HUMANO OBTIDO POR MEIO IRREGULAR .................................54 3.3.12 RECOLHER, TRANSPORTAR , GUARDAR OU DISTRIBUIR ÓRGÃO HUMANO OBTIDO POR MEIO IRREGULAR ..............................................................................................54 3.3.13 REALIZAR O IMPLANTE EM DESACORDO COM A LEI ..........................................55 3.3.14 DEIXAR DE RECOMPOR CADÁVER ...................................................................55 3.3.15 PUBLICAR ANÚNCIO OU PROMOVER APELO PÚBLICO ........................................56 3.4 RESPONSABILIDADE MÉDICA DIANTE DA CONDUTA IMPRE VISÍVEL DO PACIENTE............................................................................................................57 3.4.1 ABANDONO DO HOSPITAL PELO PACIENTE ........................................................57 3.4.2 TRANSFUSÃO DE SANGUE ................................................................................57 3.5 ASPECTOS DA INTERVENÇÃO MÉDICA E CIRÚRGICA DIAN TE DA RECUSA DO PACIENTE E DE SUA FAMÍLIA ................ ....................................59 3.5 DO ABORTO LEGAL ................................ .....................................................60 3.5.1 DO ABORTO NECESSÁRIO ................................................................................60 3.5.2 DO ABORTO SENTIMENTAL ...............................................................................61 3.5.3 A INDÚSTRIA CLANDESTINA DO ABORTO ...........................................................61
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................... 63
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................... 66
ANEXOS........................................................................................... 69
RESUMO
A presente monografia tem como objetivo realizar uma
pesquisa a respeito da responsabilidade criminal por erro médico, de modo a
destacar os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, que
de acordo com o capítulo 1, analisa o tema do profissional médico, partindo-se da
evolução histórica da medicina até a formação do profissional da área, suas
atividades, seus atos, destacando ainda, a relação médico - paciente. O capítulo 2
vem tratar da responsabilidade criminal, do fato típico e da antijuridicidade como
elementos constitutivos para a definição de crime, o dolo, a culpa e o preterdolo,
como elementos subjetivos, e abordando ainda, sobre os institutos da
culpabilidade e do concurso de pessoas. No capítulo 3, visa o estudo, a descrever
sobre os crimes próprios praticado por médicos, bem como, os crimes comuns
que tenham ligações com a medicina, em que o médico pode ser autor, co-autor
ou partícipe de uma conduta criminosa.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho intitulado de Responsabilidade Criminal
por Erro Médico tem como objetivo institucional produzir uma monografia para a
obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-
UNIVALI; como objetivo geral, investigar o instituto da responsabilidade criminal
em decorrência da conduta criminosa, e como objetivo específico, descrever os
crimes praticados pelo médico, mencionando para isso o tipo legal e a sua
conseqüente culpabilidade.
No entanto, esclarece-se, desde já, que esta pesquisa
monográfica não tem como finalidade esgotar todo o tema e tampouco abordá-lo
em sua completude. Trata-se apenas de uma investigação de cunho
academicista, objetivando trazer à baila os aspectos legais/doutrinários acerca da
conduta típica do médico, e sua responsabilização criminal.
Para tanto, no primeiro Capítulo, far-se-á uma breve
consideração geral acerca da evolução da medicina, desde a sua formação pelo
povos da antigüidade até a inovação do sistema circulatório do sangue no século
XVII. Em seguida, abordar-se-á sobre a atividade médica, o ato médico, bem
como a relação médico – paciente, ressaltando para item suas característica
fundamentais.
No Capítulo 2, abordar-se-ão as considerações gerais sobre a
responsabilidade criminal, destacando a diferença entre a infração penal e
infração civil, de modo que, toda infração penal é uma infração civil, mas nem
toda infração civil é uma sanção penal. Dando seguimento sobre uma breve
descrição sobre o Direito Penal, tratando de vários requisitos que devem estar
presentes para caracterizar a responsabilização criminal, como por exemplo, será
abordado sobre a tipicidade penal, a antijuridicidade, os elementos subjetivos da
conduta, bem como o instituto da culpabilidade.
No Terceiro e último capítulo, buscar-se-á apresentar um
estudo destacado acerca das infrações penais médicas, de modo que, a
2
responsabilidade criminal do médico possuí previsão em legal tanto no Código
Penal brasileiro como em outras legislações penais esparsas contidas em nosso
diploma jurídico. Neste capítulo será ainda destacado especificamente sobre os
crimes próprios do médico, sendo que neste caso somente o profissional da
medicina poderá ser sujeito ativo, e também, num segundo ponto, serão tratados
outros crimes que podem ser praticados pelo médico e por outras pessoas,
podendo inclusive, o médico ser co-autor ou partícipe, nesses crimes.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
� O descumprimento das normas estabelecidas acarreta sanção penal (interesse público) ou reposição material (interesse privado), ou ambas. Essa relação de direito/dever denomina-se responsabilidade, desde que presente a imputabilidade do agente, ou seja, consciência da conduta adotada. A responsabilidade tanto pode ser civil, como criminal.
� A responsabilidade criminal sempre decorre da culpa no sentido amplo. Nela se encontram a culpa stricto sensu e o dolo.
� O médico pode incorrer em qualquer delito previsto nas leis penais como autor, co-autor ou partícipe.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo12, na Fase de Tratamento de
Dados o Método Cartesiano13, e, o Relatório dos Resultados expresso na
presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.
12 “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral: este é o denominado método indutivo”. PASOLD, César Luiz. Prática de pesquisa jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 104. 13 “Base lógico-comportamental proposta por Descartes, muito apropriada para a fase de tratamento dos dados colhidos, e que pode ser sintetizadas em quatro regras: duvidar, decompor, ordenar, classificar e revisar. Em seguida, realizar o juízo de valor”. PASOLD, César Luiz. Prática de pesquisa jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 237.
3
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas14, do Referente15, da Categoria16, do Conceito Operacional17 e da
Pesquisa Bibliográfica.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a responsabilidade criminal por erro médico.
14 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. PASOLD, César Luiz. Op. cit. p . 107. 15 “explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Op. cit. p. 62. 16 “palavra ou expressão estratégia à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. PASOLD, César Luiz. Op. cit. p. 31. 17 “Quando nós estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, estamos fixando um Conceito Operacional”. PASOLD, César Luiz. Op. cit. p. 45.
CAPÍTULO 1
DO PROFISSIONAL DA MEDICINA
1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Antes de falar sobre o profissional médico, vejamos um
pouco sobre a evolução histórica da medicina; e da atuação de outros
profissionais da área da saúde.
Sobre o assunto, Neri Souza18 narra que:
1. Por meio de descobertas arqueológicas, descobrimos que os povos da antigüidade, como os egípcios, já realizavam operações complexas, fato que comprova grande desenvolvimento e inteligência desse povo. Este povo fez grandes avanços na medicina graças ao seu sofisticado processo de mumificação de corpos. Os mumificadores, ao abrirem os corpos dos faraós para retirar as entranhas, conseguiam muitas informações sobre a anatomia humana. No entanto, foram os gregos os pioneiros no estudo dos sintomas das doenças. Eles tiveram como mestre Hipócrates, considerado até hoje como o pai da medicina.
Após essas descobertas feitas pelos povos antigos, Irany
Moraes19 relata que:
2. Na Idade Média, era comum que o médico procurasse curar praticamente todas as doenças utilizando o recurso da sangria. Este era feito, principalmente, com a utilização de sangue-sugas. Porém, neste período os conhecimentos avançavam pouco, pois havia uma forte influência da Igreja Católica que condenava as pesquisas científicas.
18 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 15. 19 MORAES, Irany Novah. Erro médico e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 66.
5
3. No período do Renascimento Cultural, compreendido nos séculos XV e XVI, houve um grande avanço da medicina. Movidos por uma grande vontade de descobrir o funcionamento do corpo humano, médicos buscaram explicar as doenças através de estudos científicos e testes de laboratórios. Contudo, no século XVII, Willian Harvey fez uma nova descoberta: o sistema circulatório do sangue. A partir daí, os homens passaram a compreender melhor a anatomia e a fisiologia.
Hoje podemos conceituar medicina como20:
4. (...) uma ciência milenar, sendo encontrado em todas as civilizações da história da humanidade em grupo de homens dedicados ao estudo e a cura das doenças, como os pajés entre os índios, curandeiros no século XV, benzedeiras, parteiras, e os alquimistas da idade média. Com o passar dos séculos, a profissão foi se aperfeiçoando, sendo hoje praticamente de modo uniforme em toda parte do mundo.
Com o passar do tempo, apesar do diagnóstico caber ao
médico, podem ser necessários outros profissionais para completar o tratamento
até chegar à cura. Assim, há diversas áreas que atuam em conjunto com a
medicina. São exemplos a Farmácia e Bioquímica (que produz e estuda os
medicamentos e realiza exames laboratoriais), a Nutrição (que estuda a ação dos
alimentos ou a falta deles sobre o corpo humano), a Psicologia (que estuda as
alterações emocionais e comportamentais), a Enfermagem (que estuda e age nos
cuidados com o enfermo), a Fisioterapia (que age no sentido de retornar os
pacientes ao mais próximo possível de seu estado motor anterior e realizando a
reeducação postural), a Odontologia (que age na prevenção de bactérias nos
dentes e na limpeza bucal), dentre outras áreas.
Porém, vale ressaltar que, para o presente trabalho será
tratado somente sobre o profissional médico, em razão do objeto da presente
pesquisa.
20 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 21.
6
1.2 DA PROFISSÃO MÉDICA
1.2.1 Atividade médica
No Brasil, objetivando regular e fiscalizar o exercício da
medicina, foi baixado o Decreto nº 20.931/32, que ainda se encontra em pleno
vigor, permitindo somente a prática da medicina ao profissional habilitado,
devidamente registrado perante o Conselho Regional de Medicina- CRM.
Tal diploma legal garante ao profissional o direito de poder
praticar qualquer ato médico, uma vez possuidor de registro junto ao CRM. Por
seu turno, o Conselho Federal de Medicina- CFM, não faz diferenciação entre
médicos portadores de certificado de especialistas e não – portadores, salvo para
efeito de propaganda, assim, mesmo que em toda sua carreira o médico somente
tenha trabalhado como clínico, poderá ele efetuar uma cirurgia plástica ou
cerebral no paciente, mesmo sem o título de especialista nesta ou naquela área,
sendo ao médico vedado apenas efetuar a propaganda de que exerce tal
especialidade, se o mesmo não possuir o título de especialista junto a respectiva
sociedade.
Essa indiferença parece não ser a melhor para a classe
médica, e nem para a sociedade, uma vez que pode desmotivar o profissional
médico a perseguir a especialização.
Ocorre em geral que, para um médico ser aceito como
membro de uma determinada sociedade de especialidade, necessário se faz que
o mesmo participe do curso de formação de especialista, com duração de dois ou
três anos em estabelecimento credenciado pela sociedade, concomitante com um
estágio, e ao final desse período se submete a provas teóricas e práticas, de
modo a ser aprovado dentro dos critérios daquela sociedade, passando a receber
o título de membro, ficando a sofrer a fiscalização profissional não só do CRM,
mas também da sociedade da qual faz parte.
7
Sobre o assunto, leciona Irany Novah Moraes21:
5. O título de especialista caracteriza notória e publicamente o profissional, após ter sido aprovado por seus pares. É oportuno lembrar aqui as especialidades reconhecidas, em sua maioria organizadas em sociedades que, por sua vez, integram, como filiadas, a Associação Médica Brasileira (AMB). Esta entidade deve conferir o título de especialista mediante concurso de títulos e provas, havendo subestabelecimento dessa atribuição às Sociedades Especializadas para a avaliação da competência. Nenhum médico pode ser membro direto da AMB, mas sempre como associado de uma das associações credenciadas. Atualmente existem dois órgãos que oficialmente expedem o título de especialista. A AMB, pelo seu Conselho Específico, que tem cinqüenta e quatro Sociedades Especializadas com credenciais para expedir título de especialista em sua área, e o Conselho Federal de Medicina, que também outorga o título de especialista.
A medicina traz diversas áreas a ser seguidas pelo médico,
a título de especialização. Desse modo, o profissional encontrará o melhor ramo
para ser seguido a seu modo. Vejamos algumas especializações como
Cardiologia, Pneumologia, Dermatologia, Endocrinologia, Gastroenterologia,
Hematologia, Moléstias Infecciosas, Nefrologia, Neurologia, Otorrinolaringologia,
Reumatologia, Urologia, Pediatria, Psiquiatria, Oftalmologia, Oncologia, ou ainda,
Medicina do Trabalho.
Dessa forma, o médico, encontrará no título de especialista
o reconhecimento de sua competência dentro de uma disciplina de aplicação. É
essa qualificação específica que lhe daria legitimidade, então, para exercê-la.
1.2.2. Deontologia Médica
A Deontologia Médica tem por princípio conduzir o
facultativo sob uma orientação moral e jurídica, nas suas relações com os
21 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 88.
8
doentes, com os colegas e com a sociedade, investigando e tentando explicar
uma forma de comportamento, tomando, como objeto de sua reflexão, a ética e a
lei.
Compete aos Conselhos de Medicina o direito de disciplinar,
fiscalizar e julgar os médicos, devolvendo-lhes a confiança e o prestígio com que
sempre foram distinguidos, desde os tempos mais remotos.
Esse direito/dever de disciplinar e fiscalizar o trabalho
exercido pelos médicos, veio regulamentado, primeiramente, pela Lei nº 3.268 de
30 de setembro de 1957, e em seguida, com o Decreto nº 44.045 de 19 de julho
de 1959, ouvidos os Conselhos Regionais, quando da I Conferência Nacional de
Ética Médica, realizada no Rio de Janeiro, de 24 a 28 de novembro de 1988.
Assim, Genival Veloso22 menciona em sua obra que:
(...) após a I Conferência Médica, no mesmo ano, é formado
pela Resolução CFM nº 1.246/1988, o Código de Ética Médica. Composto ao todo
de 141 artigos, o Código de Ética traz princípios fundamentais, direitos e deveres
do Médico, a relação com o paciente e com os próprios médicos,
responsabilidade profissional, doação e transplantes de órgãos, segredo médico,
perícia médica, dentre outros.
Vejamos alguns aspectos relevantes sobre o profissional
médico no Código de Ética Médica23:
6. Art. 6º. O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
22 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998, p. 126. 23 Resolução CFM nº 1.246/1988
9
7. Art. 31. Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.
8. Art. 32. Isentar-se de responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que este tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu responsável.
9. Art. 53. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente, ao exercer a profissão em qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria vontade; parágrafo único. Ocorrendo quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou psíquica dos pacientes a ele confiados, o médico está obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.
10. Art. 55. Usar da profissão para corromper os costumes, cometer ou favorecer crime”.
Portanto, o conjunto de normas que regulam o
comportamento do profissional da Medicina constitui o Código de Ética Médica. É
compreensível a importância dessa codificação para os Conselhos e para os
pacientes em geral, a fim de combater, reprimir e prevenir certas infrações
médicas, por necessidade da defesa social e da proteção ao paciente.
1.3 O ATO MÉDICO
Em recente pronunciamento, o CFM trouxe a Resolução nº
1.627/200124, que esclarece alguns pontos sobre ato médico, vejamos:
11. Art. 1º. Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnico – profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para: 1. A promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidade ou profilaxia (prevenção primária); 2. A prevenção da evolução das
24 Resolução CFM nº 1.627 de 23 de outubro de 2001.
10
enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária); 3. A prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária);
12. § 1º- As atividades de prevenção secundárias, bem como as atividades de prevenção primária e terciária que envolvam procedimentos diagnósticos de enfermidade ou impliquem em indicação terapêutica ( prevenção secundária), são atos privativos do profissional médico.
13. § 2º- As atividades de prevenção primária e terciária que não impliquem na execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos podem ser atos profissionais compartilhados com outros profissionais da área da saúde, dentro dos limites impostos pela legislação pertinente.
14. Art. 3º. As atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos privativos incluem-se entre os atos médicos e devem ser exercidos unicamente por médico.
15. Art. 4º. O Conselho Federal de Medicina fica incubido de definir, por meio de resolução normativa devidamente fundamentada, os procedimentos médicos experimentais, os aceitos e os vedados para utilização pelos profissionais médicos.
Assim, nesse rumo, entende-se como ato profissional, uma
ação, procedimento ou atividade que a legislação regulamentadora de uma
profissão atribua aos agentes de uma categoria profissional; ainda que esta não
lhe seja exclusiva ou seja privativa daqueles profissionais.
Todo ato profissional deve ser praticado por pessoa
adequadamente preparada, devidamente habilitada e que esteja exercendo
legalmente sua profissão, de acordo com a legislação vigente. Os atos
profissionais privativos ou exclusivos de uma profissão configuram o que se
11
denomina o monopólio profissional, que decorre principalmente da necessidade
que a sociedade tem daquele serviço e da importância que lhe atribuiu.
Esses atos profissionais podem ser atribuídos de maneira
privativa aos agentes de uma profissão, caso em que só podem ser executados
por um agente profissional legalmente habilitado daquela categoria profissional,
ou podem ser típicos de uma profissão ou mesmo específicos dela, mas sendo
compartilhados com agentes de outra categoria profissional, ou diversas dela.
Uma categoria particular de ato profissional é o ato médico
ou profissional de médico, em que é a ação ou procedimento praticado por um
médico com os objetivos gerais de prestar assistência médica, investigar a
enfermidade ou condição de enfermo ou ensinar disciplinas médicas. Como
prática clínica, é sempre exercido em favor de paciente que lhe solicitou ajuda ou
está evidente que dela necessita, mediante contrato implícito ou explícito,
utilizando os recursos disponíveis nos limites da previsão legal, da codificação
ética, da possibilidade técnico – científica, da moralidade da cultura e da vontade
do paciente. Essa ação ou procedimento deve estar voltada para o incremento do
bem-estar das pessoas.
No entendimento de Alexandre dos Santos25, ele preceitua
que:
16. Os atos médicos podem ser privativos de profissional médico ou podem ser compartilhados com outros profissionais, caso a legislação que regulamentou aquela profissão assim o determine. No entanto, mesmo que alguns atos profissionais médicos, eventualmente, possam ser compartilhados com agentes de outras profissões, nenhum deles podem ser negado ou restrito. Desta definição, ressaltam as seguintes observações: 1. O ato médico é um ato profissional aceito pela comunidade médica e consoante com os objetivos e os objetivos da Medicina, deve estar, sempre que possível, sintonizado com o melhor conhecimento científico; 2. Reconhece-se na Medicina quatro objetos fundamentais e
25 SANTOS, Alexandre Martins dos. Responsabilidade penal médica. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 52/53.
12
essenciais: o enfermo, a enfermidade, o indivíduo e a coletividade; 3. O ato médico deve ser exercido sempre com boa-fé e em benefício de quem dele necessita (de preferência quando este expressa o desejo de ser atendido e cuidado, e consente nas medidas diagnósticas e terapêuticas que devem ser tomadas).
Assim, nem sempre os atos médicos se restringem à
realização de procedimentos médicos mais conhecidos como tal. Como sucede
com consultas e operações cirúrgicas. Porque, como já foi mencionado, os atos
médicos não incluem apenas os procedimentos exclusivamente médicos ou
privativos de médicos, mas os atos e procedimentos tipicamente médicos que
podem ser compartilhados com outros profissionais, em virtude de sua natureza
ou de definição legal.
Alexandre Martins26, classifica alguns procedimentos
privativos do médico como:
(...) diagnóstico de enfermidade e indicação e realização de procedimentos terapêuticos e diagnósticos em enfermos; 2. Elaboração da história clínica (história da doença e anamnense), relatórios de exames e os respectivos laudos; 3. Execução e solicitação de exames físicos, psíquicos e complementares visando ao diagnóstico de enfermidades ou ao acompanhamento terapêutico; 4. Pedido, indicação, realização ou execução, interpretação, laudos e valorização de exames principais, subsidiários e complementares ou quaisquer outros procedimentos destinados ao diagnóstico médico, para as quais os médicos estejam devidamente capacitados e habilitados; 5. Realização de procedimentos clínicos, cirúrgicos ou quaisquer outros com finalidade diagnóstica, profilática, terapêutica ou de reabilitação que impliquem em algum procedimento diagnóstico ou terapêutico; 6. Realização de perícias administrativas, cíveis ou penais em sua área de competência; 7. Indicação de prescrição de lentes de grau e contato; 8. Prática de embalsamento; 9. Lavagem de ouvidos; 9. Chefia de equipe médica; 10. Exame de paternidade, utilizando a técnica de DNA.
26 SANTOS, Alexandre Martins dos. Responsabilidade penal médica. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 54/55/71/72.
13
Por fim, vale ressaltar que o ato médico deve estar sempre
limitado pela Lei, pelo Código de Ética, pelas possibilidades técnico – científicas
disponíveis, pela moralidade vigente na cultura e pela vontade do paciente.
1.4 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MÉDICO
O Código de Ética Médica27 em seu capítulo II, regula os
direitos do médico, tais como:
Art. 20. Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de religião, raça, sexo, nacionalidade, cor, opção sexual, idade, condição social, opinião política ou de qualquer outra natureza;
Art. 21. Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no país;
Art. 22. Apontar falhas nos regulamentos e normas do exercício da profissão ou prejudiciais ao paciente, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à Comissão de Ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição;
Art. 23. Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente;
Art. 24. Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina;
27 Resolução CFM nº 1.246/1988
14
Art. 25. Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte do seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição;
Art. 26. Requerer desagravo público ao Conselho Regional de Medicina quando atingido no exercício de sua profissão;
Art. 27. Dedicar ao paciente, quando trabalhar com relação de emprego, o tempo que sua experiência e capacidade profissional recomendarem para o desempenho de sua atividade, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas prejudique o paciente;
Art. 28. Recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
Percebe-se os inúmeros direitos do médico que não devem
passar despercebido. O médico deve gozar de todos os seus benefícios e de ter
uma liberdade maior para diagnosticar e de tratar dos seus paciente.
No que tange as obrigações médicas, o CEM28 em seu
Capítulo XII dispõe que é vedado ao médico:
Art. 122. Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos;
Art. 123. Realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha dado consentimento por escrito, após devidamente esclarecido sobre a natureza e conseqüência da pesquisa. Parágrafo único. Caso o paciente não tenha condições de dar seu livre consentimento por escrito, a pesquisa somente poderá ser realizada, em seu próprio benefício, após expressa autorização de seu responsável legal;
28 Resolução CFM nº 1.246/1988
15
Art. 124. Usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis conseqüências;
Art. 125. Promover pesquisa médica na comunidade sem o conhecimento dessa coletividade e sem que o objetivo seja a proteção da saúde pública, respeitadas as características locais;
Art. 126. Obter vantagem pessoais, ter qualquer interesse comercial ou renunciar à sua independência profissional em relação a financiadores de pesquisa médica da qual participe;
Art. 127. Realizar pesquisa médica em ser humano sem submeter o protocolo a aprovação e acompanhamento de comissão isenta de qualquer dependência em relação ao pesquisador;
Art. 128. Realizar pesquisa médica em voluntários, sadios ou não, que tenham direta ou indiretamente dependência ou subordinação relativamente ao pesquisador;
Art. 129. Executar ou participar de pesquisa médica em que haja necessidade de suspender ou deixar de usar terapêutica consagrada e, com isso, prejudicar o paciente;
Art. 130. Realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para o mesmo, não lhe impondo sofrimento adicionais.
Caso essas vedações sejam infringidas pelo médico caberá
a este penalidades previstas no próprio Código de Ética Médica. Tendo este
infringido, nascerá a responsabilidade ética, que se caracteriza pela infração de
um ou mais dispositivos do código de ética e conduta da profissão a que pertence
o profissional infrator.
16
1.5 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE
A designação paciente, tradicionalmente atribuída aos
clientes dos médicos (e de outros profissionais da saúde), importa em destacar o
reconhecimento de sua qualidade de enfermo não só como objeto de uma
atuação científico – técnico mas, principalmente, como sujeito de uma interação
interpessoal responsável e humana dirigida para libertá-lo do padecimento.
Alexandre dos Santos29 relata que a relação médico –
paciente põe em foco três modalidades particulares de interação entre pessoas,
que perfazem as três dimensões que existem em cada relação profissional, mas
que é bem mais nítida na Medicina do que em outras áreas, vejamos:
uma relação socieconômica, porque a execução de todo ou qualquer ato profissional, inclusive de uma to médico, presume a existência de um contrato de prestação de serviço (que pode ser explícito ou tácito, de acordo com a representação cultural do serviço e a praxe do lugar onde ele se concretize), mas que se organiza como uma atividade do mercado de trabalho social; 2. Uma relação técnico – científica, pois todo procedimento profissional, especificadamente todo ato médico, naquilo que possível, deve ser uma atividade cientificamente fundamentada, uma aplicação científica, uma técnico destinada a controlar a natureza em benefício da humanidade em geral e de cada doente em particular. Um instrumento criador e aperfeiçoador do conhecimento científico a serviço dos seres humanos. Ainda que o ato médico não se confunda com a atividade científica, nem deva ser reduzido a ela, não pode ser entendido a não ser como ciência aplicada, uma modalidade de tecnologia. O ato médico não necessita ser obrigatoriamente científico, mas não pode contrariar o que tenha sido cientificamente estabelecido. Pois nem todo ato médico é uma aplicação científica. Isso não pode acontecer sempre porque o conhecimento científico ainda não tem resposta para todos os problemas postos pela enfermidade e necessidades dos enfermos. Não à toa a Medicina costuma ser definida, com muita propriedade, como ciência e arte de curar; 3. Uma relação intersubjetiva de ajuda, de alguém que a necessita com alguém
29 SANTOS, Alexandre Martins dos. Responsabilidade penal médica. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 67/68.
17
que a possa exercer; posto que os atos médicos, sobretudo no domínio da clínica, configuram uma interação de alguém que precisa de ajuda com alguém que está apto, capaz e habilitado para ajudá-lo.
Percebe-se, como já exposto no item acima, que na
medicina a relação médico – paciente é muito mais complexa do que em outras
áreas. Há uma relação de ajuda recíproca entre o médico e o paciente, onde o
paciente precisa de ajuda e esse alguém é o médico que possui habilidade
técnica para praticar esse ato de ajudar.
No mesmo sentido, Irany Moraes30 descreve que:
O mecanismo pelo qual se estabelece a relação médico com seu paciente é sui generis. Na maioria das vezes ela se verifica em decorrência de uma doença. O motivo que leva o paciente a procurar o médico costuma ser dor, sangramento, febre, enfim, um mal que o aflige. Certamente, só esse fato já cria condições diferentes para o relacionamento do qual vou tratar. O doente chega ao médico contrariado por viver uma situação de infortúnio, condição de certa ou muita angústia; entretanto, essa situação de relativa inferioridade leva em si uma enorme dose de esperança.
Para melhor compreensão sobre a relação médico –
paciente, o mesmo autor31 traz algumas recomendações para o fortalecimento da
relação, assim:
(...) se o doente o procurou por indicação de outro paciente, perguntar qual seu relacionamento com este e indagar como ele está passando; 2. Proceder com o paciente como seu médico de família, permitindo que ele assim o sinta; 3. Lembrar sempre que as condições em que o paciente vai a médico nunca são espontâneas e sempre por necessidade, no momento de dor ou de aflição; 4. Tornar fácil o contato, ser simpático, não se atrasar, não se reclamar, não empregar palavras ríspidas de crítica ou
30 MORAES, Irany Novah. Erro médico e justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 402. 31 MORAES, Irany Novah. Erro médico e justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 404.
18
chulas; 5. Fazer exame completo e bem feito (não esquecer de medir a pressão arterial, contar ao doente os valores encontrados), se atento à história, não cortar a palavra do paciente, mesmo que ele esteja contando fatos circunstanciais e sem interesse para o caso; 6. Dar atenção, responder às perguntas, explicar seu problema, mas não falar demais; 7. Não mostrar exageradamente dúvidas nem convicções; 8. Não se descartar o caso, encaminhando o doente a outro colega, sob a alegação de que essa não é sua especialidade, mas não assumir responsabilidade que não lhe cabe; 9. Apresentar o diagnóstico e o prognóstico com firmeza, cautela e sempre com esperança. Falar só o necessário. Ao encaminhar o doente a outro colega, jamais adiantar os procedimentos que serão adotados; 10. Dar ao paciente, bem como a seus familiares, alívio de tensões descabidas, esperança de cura ou, pelo menos, de não sofrer.
Todos esses procedimentos podem parecer supérfluos,
embora não o sejam. O procedimento formal é o mais profissional e,
consequentemente, torna-se mais respeitado e, certamente, terá melhor
qualidade. Assim, o vínculo médico – paciente será mais estreito, resultando em
maior confiança, o que levará o paciente a obedecer mais atentamente às
prescrições, beneficiando-se com o tratamento.
1.6 EQUIPE MÉDICA
No entendimento de Irany Moraes32:
Trata-se de uma modalidade peculiar aos grandes centros, nos quais os médicos detentores de grandes clínicas transformam-se em pessoas jurídicas e utilizam seus nomes pólos de atração para os doentes de certas especialidade. Estes grupos representam uma mescla de clínica privada e Medicina Previdenciária, pois aceitam doentes da previdência pública e da clínica particular. Todos esses grupos acabam criando um mercado de trabalho para os médicos que se orgulham de trabalhar com este ou aquele professor, usufruindo assim os benefícios resultantes do prestígio dos seus líderes e dirigentes, além de encontrarem no sistema um modo de sobreviver e de se atualizar.
32 MORAES, Irany Novah. Erro médico e justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 171/172.
19
A medicina moderna de grupo possui duas espécies de
médicos: a dos que integram seu quadro e a dos credenciados. No primeiro caso,
estão os médicos contratados, os que atendem em seu ambulatórios e no
segundo, há um grupo, que na maioria é formada por especialistas.
O Código de Ética Médica33, traz algumas vedação em
relações de médicos com médicos, assim vejamos:
Art. 76. É vedado ao médico: servir-se de sua posição hierárquica para impedir, por motivo econômico, político, ideológico ou qualquer outro, que médico utilize as instalações e demais recursos da instituição sob sua direção, particularmente quando se trate da única existente na localidade;
Art. 79. Acobertar erro ou conduta antiética de médico;
Art. 80. Praticar concorrência desleal com outro médico;
Art. 83. Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico do paciente, desde que autorizado por este ou seu responsável legal;
Art. 85. Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.
1.7 DO ERRO MÉDICO
O erro médico é a conduta culposa, derivada da imperícia,
imprudência ou negligência, causadora de dano ao paciente, de modo que poderá
gerar ao autor do fato três conseqüências.
A primeira, trata-se de uma punição administrativa, que será
aplicada pelo Conselho Regional de Medicina. Essa punição poderá ser aplicada
33 Resolução CFM nº 1.246/1988
20
mesmo não ocorrendo dano material ou moral ao paciente, no caso do médico
adotar conduta vedada pela Medicina.
O segundo caso é a chamada reparação civil (patrimonial)
de natureza meramente particular, ou seja, depende da vontade da vítima, que
poderá abranger tanto a indenização material, como a moral.
E, por fim, a punição criminal, objeto do presente estudo.
Caso a conduta médica tipificar crime ou contravenção penal, será o médico
responsabilizado criminalmente pela sua ação ou omissão.
Neste norte, o Direito Penal brasileiro admite apenas a
responsabilidade subjetiva, de modo que, por ela, o médico poderá ser
incriminado. Assim, na responsabilidade subjetiva o agente responde pelo fato, ou
porque voluntariamente o causou e queria o resultado da ação, ou porque,
voluntariamente, também, foi inadimplente em relação ao dever geral de cuidado
que deveria cercar a referida ação.
Assim, no presente capítulo procurou-se destacar algumas
considerações gerais acerca do profissional médico, trazendo pontos relevantes
da sua formação antiga pelos povos, abordando mais especificamente sobre as
atividades do médico, tais como o ato médico, a relação médico – paciente, suas
obrigações e direitos, sendo por fim, destacado o erro médico decorrente da
culpa, bem como a punição criminal.
No próximo capítulo, abordar-se-á sobre a responsabilidade
criminal do médico, bem como os elementos que definem o crime, ou seja, o fato
típico e a antijuridicidade.
21
CAPÍTULO 2
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Ocorre responsabilidade criminal, sempre que o
comportamento omissivo ou comissivo de um agente for enquadrado em uma
norma jurídica a que seja cominado uma sanção criminal, devendo dita conduta,
ainda, ser antijurídica e o agente culpável, isto é, reprovada para o Direito Penal.
A responsabilidade criminal diferencia-se da
responsabilidade civil na sua forma de aplicação da sanção. Enquanto essa rege
a sanção civil, aquela aplica-se a sanção penal. Vale destacar que toda infração
penal é uma infração civil, mas nem toda infração civil é uma sanção penal. Isso
porque, para que haja uma infração penal, deve estar tipificada como crime;
enquanto com a sanção civil, basta a ocorrência do dano (ação ou omissão)
causado a outrem e o dever de reparar.
Dessa forma, havendo um ilícito penal haverá uma sanção
penal. Posto que, “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”.34 Sendo assim, o Direito Penal, é a ciência que estuda
as ações humanas reprimidas pelo Estado, e também é onde, estabelecem as
penas (sanção penal) aplicáveis aos autores do fatos criminosos.
Nesse entendimento leciona Fernando Capez35:
O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüências, as
34 Constituição Federal de 1988, art.5º, inciso XXXIX
22
respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.
Podemos dizer, ainda, que a função do Direito Penal é dar
maior proteção aos bens jurídicos mais importantes para a subsistência do corpo
social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade, etc., já que outras
áreas do direito são incapazes de protege-los.
Como bem entende Alexandre Martins36:
O Direito Penal tem como objetivo proteger os bens jurídicos aquartelados pelo Estado, entre os quais estão a vida, a integridade física e psíquica, o patrimônio, o sentimento religioso, o respeito aos mortos, os bons costumes, a família, a honra, a liberdade, a paz social, a administração pública, o meio ambiente e tantos outros bens ou me melhor vernáculo, todos os bens e ainda o ser humano e toda a extensão de seus direitos. O objetivo do Direito Penal é alcançado de duas formas, a primeira é quando o Estado aplica uma pena ao autor de um crime, demonstrando o caracter eductivo-punitivo da pena, a segunda opera quando a sociedade toma conhecimento da aplicação da pena ao autor de um delito e assim, pelo menos em tese, outros potenciais criminosos são desencorajados a praticar igual crime, é o caracter educativo-preventivo da apenação.
Após uma breve descrição sobre o Direito Penal, para a
existência da responsabilização criminal devem estar presentes vários requisitos
como por exemplo, tipicidade penal, culpabilidade, antijuridicidade, dentre outros
que serão abordados adiante.
2.2 TIPICIDADE PENAL
A tipicidade está amparada no princípio da reserva legal ou
legalidade, onde “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
35 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: São Paulo: Saraiva, 2003, p.1. 36 SANTOS, Alexandre Martins dos. Responsabilidade penal médica. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p.03.
23
prévia cominação legal”37, ficando a lei a tarefa de definir, isto é, dizer o que é
crime. Desse modo, a lei assegura que não pode ser considerado crime o fato
que não estiver previsto na lei.
Fernando Capez38 conceitua tipo penal como sendo:
(...) um molde criado pela lei, em que está descrito o crime com todos os seus elementos, de modo que as pessoas sabem que só cometerão algum delito se vierem a realizar uma conduta idêntica à constante do modelo legal.
Nesses termos, o tipo penal é composto dos seguintes
elementos: o núcleo, que é o verbo do tipo, por exemplo matar, subtrair, expor,
ofender, etc.; e as elementares, que são certos requisitos exigidos em alguns
casos pelo tipo penal como o sujeito ativo (funcionário público), sujeito passivo
(alguém), ou referência ao lugar, tempo, ocasião ou modo de execução.
O tipo possui duas espécies39: o tipo permissivo, que são os
tipos penais que não descrevem fatos criminosos. Por exemplo, as causas de
exclusão da ilicitude (art. 23 CP); e o tipo incriminadoras, que ao contrário, são os
tipos que descrevem as condutas proibidas.
Por todo o exposto, típica é a conduta humana real que se
enquadra ao modelo descritivo na lei (tipo penal).
2.3 DA ANTIJURIDICIADADE
Para a existência do ilícito penal é necessário que a conduta
típica seja, também, antijurídica.
37 BRASIL, Constituição. Constituição da República Federatva do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Art. 5º, inciso XXXIX, e ANTONIO, Luiz de Toledo Pinto; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Código penal. São Paulo: Saraiva, 2000. Art. 1º. 38 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: São Paulo: Saraiva, 2003. p. 173. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003.p.186/187.
24
A antijuridicidade é a contradição entre uma conduta descrita
pelo agente e o ordenamento jurídico. Como bem define Mirabete40:
O fato típico, até prova em contrário, é um fato que, ajustando-se ao tipo penal, é antijurídico. A antijuridiciadade, como elemento de análise conceitual do crime, assume, portanto, o significado de ‘ausência de causas excludentes de ilicitude’. A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico.
Assim, a antijuridicidade, nada mais é, que a violação do
ordenamento jurídico. No entanto, o direito prevê causas que excluem a
antijuridicidade do fato típico, ou seja, são as chamadas, causas excludentes da
antijuridicidade, ou ilicitude.
Entretanto, vale ressaltar, que tais causas não implicam o
desaparecimento da conduta típica, podendo ocorrer que um fato típico não seja
necessariamente ilícito, ante a ocorrência de causas excludentes.
Podemos encontrar as causas de exclusão da ilicitude na
própria lei penal brasileira, ou seja, no Código Penal, como por exemplo em seu
art. 23, segundo o qual, “não há crime” quando o agente pratica o fato em estado
de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no
exercício regular de direito. No mesmo diploma legal, em sua parte especial,
podem ser encontradas outras causas de exclusão da ilicitude como, por
exemplo, o art. 128, que menciona a possibilidade de o médico praticar o aborto
se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de
estupro.
Assim, tais causas de exclusão da antijuridicidade estão
previstas no art. 23 do Código Penal, bem como em outras normas penais, sejam
elas na parte especial (art. 142 do CP) ou em lei extravagantes.
40 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: São Paulo: Atlas, 2005, p. 173.
25
2.4 DA CULPABILIDADE
A culpabilidade costuma ser definida como juízo de
censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e
ilícito. Assim, toda vez que o agente praticou uma conduta típica e antijurídica,
fica ele passível de ser submetido a uma censura por parte do poder punitivo
estatal, onde, afere-se se o agente deve ou não ser criminalmente
responsabilizado.
Sobre a culpabilidade, Fernando Capez41 entende que:
A culpabilidade é vista como a possibilidade de reprovar o autor de um fato punível porque, de acordo com as circunstâncias concretas, podia e devia agir de modo diferente. Funda-se, portanto, na possibilidade de censurar alguém pela causação de um resultado provocado por sua vontade ou inaceitável descuido, quando era plenalmente possível que o tivesse evitado. Sem isso, não há reprovação e, por conseguinte, punição. Sem culpabilidade não pode haver pena (nulla poena sine culpa), e sem dolo ou culpa não existe crime (nullum crimen sine culpa).
Segundo a teoria adotada pelo Código Penal (Teoria
Normativa da Culpabilidade), a culpabilidade apresenta três elementos, quais
sejam, a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de
conduta diversa.
A imputabilidade é a capacidade do agente de entender o
caráter ilícito de sua conduta. Desse modo, leciona Mirabete42:
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita ter consciência e vontade dentro do que se denomina autodeterminação, ou seja, se tem ele a capacidade de entender, diante de suas condições psíquica, a antijuridicidade de sua conduta e de adequar essa conduta à sua compreensão. A essa capacidade psíquica denomina-se imputabilidade. Esta é, portanto, a condição pessoal
41 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p.281.
26
de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se segundo esse entendimento.
Existem, entretanto, as causas que excluem a
imputabilidade. São elas, a doença mental, desenvolvimento mental incompleto,
desenvolvimento mental retardado e embriaguez completa proveniente de caso
fortuito ou força maior. As três primeiras, estão descritas no art. 26 do Código
Penal; e a última, no art. 28 do mesmo diploma legal.
O segundo elemento é a chamada potencial consciência da
ilicitude. No entendimento de Luiz Prado43:
É o elemento intelectual da reprovabilidade, sendo a consciência ou o conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta. Trata-se, então, da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito de sua ação – consciência potencial (não real) da ilicitude. Para esse conhecimento, basta que o autor tenha base suficiente para saber que o fato praticado está juridicamente proibido e que é contrário às normas mais elementares que regem a convivência.
O Código Penal, em seu art. 21, dispõe sobre o erro sobre a
ilicitude do fato, o chamado erro de proibição. Tal erro sempre exclui a atual
consciência da ilicitude. De modo que, o erro de proibição, faz com que o agente
não saiba que pratica um ato ilícito; falta a consciência de que a conduta era
ilícita.
E por fim, o último elemento da culpabilidade é a
exigibilidade de conduta diversa. Que é a conduta que poderia ser evitada pelo
agente. Assim, para Mirabete44:
É também necessário que, nas circunstâncias do fato, fosse possível exigir do sujeito um comportamento diverso daquele que
42 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 197. 43 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista do Tribunais, 2002, p. 353. 44 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 197.
27
tomou ao praticar o fato típico e antijurídico, pois há circunstâncias ou motivos pessoais que tornam inexigível conduta diversa do agente. É o que se denomina exigibilidade de conduta diversa.
A lei prevê duas hipóteses, que levam à exclusão da
exigibilidade de conduta diversa, quais sejam, a coação moral irresistível, que o
emprego da força física ou moral para que alguém faça ou deixe de fazer alguma
coisa; e a obediência hierárquica, que é a obediência a ordem não
manifestamente legal de superior hierárquico.
2.5 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA CONDUTA
O Código Penal em seu artigo 18 incisos I e II, distingue o
crime doloso, ou seja, aquele praticado com vontade dirigida para a realização do
resultado típico, do crime culposo, onde, o resultado punível não ocorre
voluntariamente. E há ainda, o crime preterdoloso, que se caracteriza por um
misto de dolo e culpa juntos, em que o agente quer um tipo de resultado e acaba
culposamente dando causa a outro. Este se caracteriza, portanto, por uma
conduta inicialmente dolosa (o agente realmente quer praticar a conduta típica) e
por um resultado culposo, ou seja, involuntário mais grave, que vai além do que
foi por ele desejado.
2.5.1 CRIME DOLOSO
O crime doloso nada mais é que a vontade (intenção) do
agente de praticar uma conduta típica. A esta vontade (intenção) denomina-se de
dolo, que constitui elemento subjetivo de uma categoria de tipo de crime: o crime
doloso.
Há divergências doutrinárias sobre a posição do dolo na
estrutura teórica do crime. Assim, para os adeptos da teoria naturalista, o dolo é
faz parte da culpabilidade, como elemento subjetivo. No entanto, para a teoria
finalista, o dolo pertence ao tipo penal, em que, para a existência do fato típico, é
imprescindível identificar o elemento subjetivo do autor, consistente na finalidade
de satisfazer a conduta criminosa.
28
2.5.1.2 Conceito
João José Leal45 entende que:
A doutrina moderna, no entanto, deslocou o dolo do campo da culpabilidade, atribuindo-lhe a condição de elemento do tipo penal e criando o conceito de dolo natural, ou seja, de um dolo desprovido da consciência da antijuridicidade do fato. A partir desse entendimento, o dolo pode ser definido como a vontade e consciência de realizar os elementos objetivos do tipo penal.
Nesse contexto, é a vontade de realização de um tipo penal
descrito, com o conhecimento de todas as suas circunstâncias objetivas. Assim, o
agente tem a vontade e a consciência de realizar os elementos objetivos do tipo
penal.
2.5.1.3 Elementos do dolo
Segundo a doutrina tradicional, dois são os elementos do
dolo, a consciência e a voluntariedade. A consciência há de abranger a ação ou a
omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo igualmente
compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a atividade
desenvolvida pelo sujeito ativo.
Fernando Capez46 preceitua que:
Consciência (conhecimento do fato que constitui a ação típica) e vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). Para os adeptos da corrente finalista, a qual o CP adota, o dolo pertence à ação final típica, constituindo seu aspecto subjetivo, ao passo que a consciência da ilicitude pertence à estrutura da culpabilidade, como um dos elementos necessários à formulação do juízo de reprovação. Portanto, o dolo e a potencial consciência da ilicitude são elementos que não se fundem em um só, pois cada qual pertence a estruturas diversas. A consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado
45 LEAL, João José. Direito penal geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p.240.
29
e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la. Ressalta-se que o dolo abrange também os meios empregados e as conseqüências de sua atuação.
Nesse rumo, a consciência deve prever o resultado que ela
deseja. Deve satisfazer todos os componentes do tipo. Para a vontade, este
definido como a intenção clara e precisa de executar toda a ação típica, descrita
em cada tipo penal.
No mesmo sentido entende João José Leal47:
O dolo, de acordo com entendimento generalizado na doutrina, apresenta dois componentes subjetivos: um inteletivo e outro volitivo. O primeiro constitui a representação ou a consciência do fato: o agente deve ter conhecimento da conduta, do resultado (para os crimes de ação e resultado) e da relação causal entre uma e outro. Consciência da conduta típica significa conhecê-la em todos os elementos descritivos, normativos e subjetivos especiais contidos no tipo. Assim, se o agente causa a morte de uma pessoa, por erro substancial e invencível, pensando matar um animal, desaparece o dolo e a conduta torna-se atípica. Também não há dolo na conduta do estudante que leva consigo o Código Penal do colega, pensando de boa fé ser o seu próprio Código. Agir dolosamente significa também que o agente quer a conduta e o resultado daí decorrente. Este querer exteriorizado de modo objetivo é que constitui elementos volitivo do dolo. O tipo doloso, portanto, será sempre uma infração penal voluntária ou intencional.
Vale ressaltar que a vontade dolosa seja exteriorizada
através de ação ou omissão capaz de contribuir para a realização do tipo penal.
Pode-se dizer, então, que o elemento intelitivo consiste na consciência da
conduta e do resultado, além da relação causal entre uma e outro, enquanto que
o elemento volitivo consiste na vontade de praticar tanto a conduta como o
resultado.
46 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p.185. 47 LEAL, João José. Direito penal geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p.241/242.
30
2.5.1.4 Espécies de dolo
2.5.1.4.1 Dolo natural
Para Fernando Capez48, esse dolo compõem-se apenas
pela consciência e vontade. Assim, vejamos:
É o dolo concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõem-se apenas de consciência e vontade, sem a necessidade de que haja também a consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado. Dessa forma, qualquer vontade é considerada dolo, tanto a de beber água, andar, estudar, quanto a de praticar um crime. Afasta-se a antiga concepção de dolus malus do direito romano. Sendo uma simples vontade, ou está presente ou não, dispensando qualquer análise valorativa ou opinativa. Foi concebido epna doutrina finalista, integra a conduta e, por conseguinte, o fato típico. Não é elemento da culpabilidade, nem tem a consciência da ilicitude como seu componente.
Nesta modalidade de dolo, diferentemente do dolo
normativo, compõem-se apenas da consciência e da vontade, sem que haja
necessidade do fato praticado ser lícito ou ilícito. Não se trata-se nesse caso do
chamado dolus malus. Onde, este o querer precisa ser algo errado, contrário. Por
fim, para esta modalidade basta um simples querer da parte do agente.
2.5.1.4.2 Dolo normativo
Conceitua Fernando Capez49 que essa modalidade de dolo:
É o dolo da teoria clássica, ou seja, da teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. Por essa razão, para que haja dolo, não basta o agente queira realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que ela é ilícita, injusta,
48 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 186. 49 CAPEZ. Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 187.
31
errada. Como se nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende de juízo de valor, ou seja, a consciência da ilicitude. Só há dolo quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha a consciência de que está cometendo algo censurável.
Assim, nota-se que nessa modalidade de dolo, não basta um
simples querer, mas um querer contrário a norma lícita, ou seja, algo errado
(dolus malus). Deixa-se de ser um elemento puramente psicológico (um simples
querer), para ser um fenômeno normativo, que exige a conduta ilícita (um querer
algo ilícito).
No entanto, entendem os doutrinadores, como por exemplo
Damásio E. de Jesus, que este dolo normativo está ultrapassado. Pois o dolo é
um fenômeno puramente psicológico, cuja existência depende de mera
constatação, sem apreciações valorativas (ou o agente quer ou não). Assim, o
dolo é o natural.
2.5.1.4.3 Dolo direto ou determinado
É a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado. Ou
seja, o agente quer diretamente o resultado pretendido. No entendimento de João
José Leal50, “é a forma comum de sua manifestação, o dolo consiste na intenção
diretamente manifestada de realizar um evento certo, determinado”.
Portanto, o agente atua querendo como certa a realização
de um determinado fato típico.
2.5.1.4.4 Dolo indireto
Para Magalhães Noronha51 entende-se como dolo indireto:
É indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede na espécie anterior. Comporta duas formas: o alternativo e o eventual. Dá-se o primeiro quando o agente quer
50 LEAL, João José. Direito penal geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p. 242/243. 51 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138/139.
32
um dos eventos que sua ação pode causar: atirar para matar ou ferir. Do eventual já dissemos no parágrafo anterior: o sujeito ativo prevê o resultado e, embora não seja este a razão de sua conduta, aceita-o.
Nesse sentido, possui duas formas: o dolo alternativo e o
dolo eventual. Damásio52 faz a distinção entre o dolo alternativo e eventual,
dizendo que:
Há dolo alternativo quando a vontade do sujeito se dirige a um ou outro resultado. Ex.: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção alternativa: ferir ou matar. Ocorre dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza. Ex.: o agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outras pessoas. Percebe-se que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar terceiro é lhe indiferente que este último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo, a título de dolo eventual.
No entanto, o Código Penal não faz distinção entre dolo
direto ou dolo indireto. Sendo que, o art. 18, Inciso I do CP, apenas conceitua dolo
como sendo aquele em que o agente quer o resultado ou assume o risco de
produzi-lo.
52 JESUS, Damásio E. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 290/291.
33
2.5.2 Crimes culposos
A culpa é o elemento normativo da conduta. É assim
chamado, porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o
qual não se sabe se ela está ou não presente.
O vocabulário culpa, em sentido amplo “lato sensu”, equivale
à culpabilidade, compreendendo o dolo e a culpa em sentido estrito “stricto
sensu”. Conseuqüentemente, esta é uma das formas de culpabilidade.
Para Fernando Capez53 a culpa:
(...) não está descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo. Isso se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o legislador antever todas as formas de realização culposa, pois seria mesmo impossível, por exemplo, tentar elencar todas as maneiras de se matar alguém culposamente. É inimaginável de quantos modos diferentes a culpa pode apresentar-se na produção do resultado morte (atropelar por excesso de velocidade, disparar inadvertidamente arma carregada, ultrapassar em local proibido, deixar criança brincar com fio elétrico etc.). Por essa razão, sabedor dessa impossibilidade, o legislador limita-se a prever genericamente a ocorrência da culpa, sem defini-la. Com isso, para a adequação típica será necessário mais do que simples correspondência entre a conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível que se proceda um juízo de valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a que um homem de prudência média teria na mesma situação. A culpa decorre, portanto, da comparação que se faz entre o comportamento realizado pelo sujeito no plano concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana, teria naquelas mesmas circunstâncias.
Assim, a conduta normal é aquela ditada pelo sendo comum,
e está prevista na norma. Se, por exemplo, um motorista conduz bêbado um
veículo, basta proceder-se a um juízo de valor de acordo com o senso comum
para se saber que essa não é uma conduta normal, praticada pela aquele agente.
Deve, portanto, proceder um juízo de valor sobre a conduta do agente, para se
34
saber se houve culpa ou não. Comparando essa conduta com uma outra que um
homem de prudência teria na mesma situação.
2.5.2.1 Conceito
Para João José Leal54: “o crime culposo consiste na conduta
violadora do dever de cuidado (comportamento negligente ou imprudente),
causadora de um resultado ilícito involuntário e que, nas circunstâncias, era
previsível ou deveria ter sido previsto ou evitado”.
Desse modo, comete um crime culposo, o agente que
deixando de empregar devida atenção ou diligência de que era capaz em face
das circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação ou o resultado,
vindo a cometer um delito. Porém, sem a intenção de cometê-lo.
2.5.2.2 Inobservância do dever objetivo de cuidado
Tal inobservância manifesta por meio de três modalidades: a
imprudência, a negligência e a imperícia. Essas modalidades estão previstas no
art. 18, II do CP.
Na imprudência, há um descuido por parte do agente. Uma
das características fundamentais da imprudência é a de que nela a culpa se
desenvolve paralelamente à ação. Desse modo, enquanto o agente pratica a
conduta ilícita, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência. Assim, ocorre a
imprudência na conduta do motorista que, efetua ultrapassagem numa curva sem
a necessária visibilidade a frente, ou, resolve cruzar a via pública com intenso
movimento de pedestre.
Já na negligência, há a culpa de forma omissiva. Entende
nesse sentido Fernando Capez55:
Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta.
53 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 191. 54 LEAL, João José. Direito Penal Geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p.253.
35
Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Exemplos, deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, não sinalizar devidamente perigoso cruzamento, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança etc.
Por fim, a imperícia preceitua como a inaptidão técnica em
profissão ou atividade, ou seja, falta de habilidade técnica necessária para
realização de alguma atividade. Caso mais conhecido, é o do médico que não
tendo habilitação necessária, realiza cirurgia ou prescreve remédios inadequados.
2.5.3 CRIME PRETERDOLOSO
Além do crime doloso e culposo, existe outra forma de
culpabilidade: o preterdolo ou preterintenção.
2.5.3.1 Conceito
Magalhães Noronha56, conceitua em sua obra que:
Existe delito preterdoloso quando o resultado vai além do dolo do sujeito ativo. Assim, no caso em que uma pessoa desfere em outra um soco, com intenção de machucá-la, acontecendo, entretanto, que ela, perdendo o equilíbrio, vai ao chão e, batendo com a cabeça na guia da calçada, fratura a base do crânio, vindo a falecer. Discute-se acerca da estrutura desse delito. Uns afirmam existir nele um misto de dolo e acaso; outros, somente um crime doloso; alguns, apenas delito culposo; e, finalmente, diversos, uma figura bifronte: dolosa e culposa ao mesmo tempo. Para estes, há dois crimes na figura preterdolosa: o minus delictum (o que o delinqüente queria praticar), atribuível a título de dolo, e o majus delictum (o que realmente se vem a verificar), imputando a título de culpa. Parece-nos essa a opinião mais fundamentada.
Pode-se dizer que o crime preterdoloso é uma das espécies
de crime qualificado pelo resultado. O crime qualificado pelo resultado é um único
55 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: São Paulo: Saraiva, 2003, p. 194. 56 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 146.
36
delito, que resulta da fusão de duas ou mais infrações autônomas. Trata-se
assim, de crime complexo.
Nesse sentido, Fernando Capez57 menciona que crime
qualificado pelo resultado:
É aquele em que o legislador, após descrever uma conduta típica, com todos os seus elementos, acrescenta-lhes um resultado, cuja ocorrência acarreta um agravamento da sanção penal. O crime qualificado pelo resultado possui duas etapas: 1ª) prática de um crime completo, com todos os seus elementos (fato antecedente); 2ª) produção de um resultado agravador, além daquele que seria necessário para a consumação (fato conseqüente). Na primeira parte, há um crime perfeito e acabado, praticado a título de dolo ou culpa, ao passo que, na segunda, um resultado agravador produzido dolosa ou culposamente acaba por tipificar um delito mais grave. Exemplo: a ofensa à integridade corporal de outrem, por si só, já configura o crime previsto no art. 129, caput, do CP, mas, se o resultado final caracterizar uma lesão grave ou gravíssima, essa conseqüencia servirá para agravar a sanção penal, fazendo com que o agente responda por delito mais intenso.
É cediço que no crime preterdoloso o agente em primeira
fase conclui completamente o crime em que está atuando, com todos os seus
elementos, é o chamado fato antecedente. Num segundo momento, ocorre a
produção de um resultado agravador não previsto pelo agente, chamado fato
conseqüente. Assim, nesse último há um resultado mais grave que acaba se
tipificar um delito mais grave. Desse modo, a aplicação da pena será mais grave
em face desse agravador produzido dolosamente ou culposamente.
Por fim, pode-se dizer que só há responsabilização no fato
culposo se houver previsão para isso. Isso porque, todos os crimes são punidos
na modalidade dolosa como regra, sendo a modalidade culposa como exceção.
57 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: São Paulo: Saraiva, 2003, p. 200.
37
2.6 SUJEITOS DO DELITO E CONCURSO DE AGENTES
2.6.1 Sujeitos do delito
Sujeito ativo é quem pratica o fato descrito na norma penal.
Nesse sentido, Mirabete58 denomina sujeito ativo como:
(...) aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico. Só o homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou participação), pode ser sujeito ativo do crime, embora na Antiguidade e na Idade Média ocorressem muitos processos contra animais. A capacidade geral para praticar crime existe em todos os homens.
Para a maioria dos crimes, o sujeito ativo pode ser praticado
por qualquer pessoa, bastando para isso a capacidade geral. Entretanto, para
alguns delitos é necessária a existência de uma capacidade especial, ou seja,
certa condição jurídica trazida pela norma penal como por exemplo, ser
funcionário público, no crime previsto no art. 312 do CP ou ser médico, no delito
inscrito no art. 269 do mesmo diploma legal. Nestes casos, são chamados de
crimes próprios, ou delitos de mão própria.
Cumpre ressaltar que, o sujeito ativo do crime pode receber,
conforme a situação processual, várias denominações como, agente, indiciado,
acusado, denunciado, réu, sentenciado, condenado, recluso, detento (nas normas
processuais) e criminoso ou delinqüente (como objeto das ciências penais).
Em contraposição, o sujeito passivo do crime é o titular do
bem jurídico lesado ou ameaçado pelo sujeito que pratica a ação ou omissão
descrita na norma penal incriminadora.
No ensinamento de Damásio de Jesus59, existem duas
espécies de sujeito passivo:
58 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 122. 59 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 153.
38
Se o crime é, sob o aspecto formal, a violação da norma penal, substancialmente é a lesão de um bem por ela tutelado. Assim, sempre há um sujeito passivo juridicamente formal em todo crime, pelo simples fato de ter sido praticado, independentemente de seus efeitos. Este sujeito passivo formal é o Estado, titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo. Por outro lado, considerado o crime sob o prisma material, há sempre aquele que sofre a lesão do bem jurídico de que é titular (vida, integridade física, honra, patrimônio, etc.).
Como acontece no caso do sujeito ativo, o sujeito passivo
também recebe casos especiais, em que, determinados delitos só podem ser
sofridos por certas pessoas como, o recém-nascido no crime de infanticídio (art.
123 do CP), a mulher, no crime de estupro (art. 213 do CP), etc.
No entanto, podem existir crimes com sujeito passivo não
determinado, nos quais o interesse lesado pertence genericamente a uma
coletividade indeterminada, por exemplo, os crimes contra a incolumidade pública,
ou os crimes contra o sentimento religioso. Neste último, o morto não sendo titular
de direitos, não é sujeito passivo de crime. Punem-se, entretanto, os delitos
contra o respeito aos mortos, descritos nos arts. 209 a 212 do Código Penal,
sendo vítimas, no caso, a família ou a coletividade.
2.6.2 Concurso de agentes
Concurso de agentes, significa dizer que um crime pode ser
praticado por várias pessoas em concurso. Nessa hipótese, está-se diante de um
caso de concurso de agentes, concurso de delinqüentes, co-autoria, co-
delinqüência ou participação. O Código Penal trata do concurso de agentes em
seu art. 29 ao art. 31.
Para que ocorra o concurso de agentes, são indispensáveis
certos requisitos. Segundo Mirabete60, esses requisitos são:
1) pluralidade de condutas, onde é indispensável, do ponto de vista objetivo, que haja nexo causal entre cada uma delas e o
60 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2005, p.229.
39
resultado; 2) relevância causal de cada uma das ações, em que essas pessoas concorrem para o evento e por ele serão responsabilizadas; 3) liame subjetivo entre os agentes, ou seja, há que se exigir a consciência de que cooperam numa ação comum; e 4) identidade de fato, em que deve haver a consciente e voluntária participação no fato, mas não é indispensável o acordo prévio de vontades para a existência do concurso de pessoas.
No concurso de agentes existem os chamados autores, co-
autores e partícipes do delito. Autor é aquele que executa a conduta expressa
pelo verbo típico da figura delitiva. Co-autor é quando várias pessoas realizam as
características do tipo; é em última análise, a própria autoria.
Fala-se em participação, em sentido estrito, como a
atividade acessória daquele que colabora para que realize a conduta do autor ou
do co-autor; ou seja, o partícipe não comete a conduta descrita pelo preceito
primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a realização do
crime.
O Código Penal não classificou expressamente as formas de
participação. Para Damásio de Jesus61:
A participação pode ser: a) moral e b) material. A participação moral é o fato de incutir na mente do autor principal o propósito criminoso ou reforçar o preexistente. Participação material é o fato de alguém insinuar-se no processo da causalidade física. Ex.: A aconselha B a matar C. Praticada a figura típica do homicídio, A é partícipe moral do fato delituoso cometido por B (autor principal). A, sabendo que B pretende matar C, empresta-lhe uma arma. Praticada a conduta criminosa, A é partícipe material do comportamento principal de B. A determinação e a instigação são as formas de participação moral. Ocorre a determinação ou induzimento quando uma pessoa faz surgir na mente de outra a intenção delituosa. Suponha-se que B e C discutam, não restando qualquer resquício de ressentimento. Após, A incute na mente de B a idéia homicida contra C. A característica da determinação é a inexistência da resolução criminosa na pessoa do autor principal.
61 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.425.
40
Segundo dispõe o art. 30 do CP, não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime. Nesses termos, Damásio62 conceitua circunstâncias como sendo:
(...) dados acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Não se consideram circunstâncias as causas de exclusão da antijuridicidade e da culpabilidade. As circunstâncias podem ser: a) objetivas (materiais ou reais) e b) subjetivas (ou pessoais). Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades de vítimas. Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito com a pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes.
Desse modo, em caso de co-autoria ou participação, as
condições pessoais do sujeito ativo, como por exemplo a reincidência, não se
comunicam com os outros participantes. No entanto, as elementares, sejam de
caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se entre os agentes, pois, as elementares
compõe os elementos típicos do crime, ou seja, dados que integram a definição
da infração penal.
O art. 31 do CP, dispõe que: “ O ajuste, a determinação ou
instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis,
se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
No entendimento de Fernando Capez63:
São atípicos o auxílio, a instigação e o induzimento de fato que fica na fase preparatória, sem que haja início de execução (CP, art. 31). Ex.: Um sujeito pede a um chaveiro uma chave falsa para cometer furto e é atendido pelo irresponsável profissional; no entanto, comete o furto por escalada, sem usar o artefato. Como
62 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 438. 63 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.357.
41
não houve nenhuma contribuição causal do chaveiro, este não será considerado partícipe do furto. Seu auxílio não chegou a ingressar sequer na fase de execução, sendo, portanto, impunível.
2.7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Diz-se crime consumado quando foram realizados todos os
elementos constantes de sua definição legal. Segundo o art. 14, inciso I do CP,
consuma o crime: “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição
legal”.
Na realização do crime há um caminho a percorrer entre o
momento da idéia de sua realização até aquele em que ocorre a consumação. A
esse caminho se dá o nome iter criminis, que é composto de quatro fases. Para
Damásio64:
A primeira fase é a chamada cogitação, em que o agente apenas mentaliza, idealiza, deseja. Nessa fase não há punição. A segunda é a preparação; nessa fase ainda não se iniciou a agressão ao bem jurídico. O agente não começou a realizar o verbo constante da definição legal. A terceira é a fase de execução; nesta, o bem jurídico começa a ser atacado pelo agente ativo, em que inicia a realização do núcleo do tipo, e o crime já torna punível. Por fim, a consumação é quando todos os elementos que se encontram descritos no tipo penal já forma realizados.
2.7.1 Tentativa
O art. 14, inciso II do CP, dispõe que: “quando, iniciada a
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.
Nesse rumo, a tentativa é a realização incompleta do tipo penal, ou seja, o agente
percorre o iter criminis até a execução, mas acaba não se consumando por
circunstâncias alheias à sua vontade.
64 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.331/332.
42
Há casos em que não ocorre a tentativa. Assim, nos crimes
culposos, preterdolosos, unissubsistentes (de ato único), os omissivos puros e
habituais, não se admitem tentativa.
A punição da tentativa é preconizada por duas teorias. A
teoria subjetiva, em que a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime
consumado, pois o que vale é a intenção do agente, e a teoria objetiva, onde não
se pune a intenção, mas o efetivo percurso objetivo do iter criminis. O Código
Penal adotou a teoria objetiva.
Nesse norte, o art. 14, parágrafo único do CP dispõe que:
“Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída
de um a dois terços”. Para Capez65:
(...) o critério para a redução da pena pela tentativa há de ser o mesmo para todos os participantes nos delitos praticados em concurso de agentes. O percentual redutor é, portanto, incindível e deverá beneficiar de forma uniforme todos os participante, pouco importando que contra alguns existam agravantes e em prol de outros atenuantes, até porque tais circunstâncias não são elevadas em consideração no momento da fixação do percentual redutor, mas tão somente o iter criminis percorrido.
No mesmo sentido Damásio66 salienta que:
A diminuição de um a dois terços não decorre da culpabilidade do agente (CP, art. 59), mas da própria gravidade do fato constitutivo da tentativa. Quanto mais o sujeito se aproxima da consumação menor deve ser a diminuição da pena (um terço); quanto menos ele se aproxima da consumação, maior deve ser a atenuação (dois terços).
Assim, o Direito Moderno orienta-se no sentido de punir a
tentativa com a mesma pena do crime consumado, podendo o juiz diminuí-la
conforme as circunstâncias.
65 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.246. 66 JESUS, Damásio. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.341.
43
CAPÍTULO 3
ASPECTOS DESTACADOS ACERCA DAS INFRAÇÕES PENAIS MÉDICAS
3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A responsabilidade penal do médico tem sua previsão no
Código Penal brasileiro. Mas, não é exclusividade do Código Penal tipificar delitos
que podem ser praticados por médicos. Há outros diplomas legais em nosso
ordenamento jurídico que também o fazem. Como exemplo a Lei de
Contravenções Penais, em seu artigo 66, prevê como contravenção referente à
administração pública o médico se omitir de comunicar determinados crimes
passíveis de ação pública dos quais, porventura, tome conhecimento no exercício
da profissão.
3.2 CRIMES PRÓPRIOS DO MÉDICO
Antes de adentrar nas infrações cometidas pelo médico, vale
destacar que, existem crimes que somente podem ser praticados por
determinados agentes, ou seja, os chamados crimes próprios. No nosso caso,
somente o médico pode ser sujeito ativo.
Outrossim, no caso de uma pessoa “comum”, auxiliar um
médico a praticar um crime próprio deste, como por exemplo o delito de omissão
de notificação de doença, tanto o médico como o particular responderão pelo
mesmo delito. Isso porque, a elementar de natureza pessoal, médico, comunica-
se ao partícipe. No entanto Damásio67 salienta que:
É preciso que o partícipe estranho tenha cooperado acessoriamente na produção do resultado ou tenha de qualquer modo determinado o intraneus a realizar a conduta típica com
44
consciência e vontade de consentir em crime próprio. É imprescindível que o partícipe conheça a qualidade pessoal do autor.
3.2.1 Omissão de notificação de doença
Quando o médico, no exercício da profissão, deparar com
paciente portador de quaisquer das doenças listadas como de notificação
compulsória, tem ele o dever de notificar às Autoridades Sanitárias, dando-lhe
ciência do fato, sob pena de incorrer no crime previsto no art. 269 do CP.
A simples omissão a esse dever importará tipificação do
delito. Essa notificação obrigatória tanto pode ter por objetivo o isolamento
compulsório do paciente, como sua submissão ao tratamento que venha a ser
imposto, se possível, como, por fim, política global governamental de combate ou
prevenção. Por óbvio que tal situação de obrigatoriedade de notificação
permanece enquanto permanecer o estado de gravidade da doença especificada,
a critério das autoridades sanitárias.
A atual lista de doenças de notificação compulsória tem por
base a Portaria MS-993/GM, de 4.9.200068, sendo que as autoridades estaduais e
municipais podem acrescentar outras doenças.
O sujeito passivo é a coletividade. O crime consuma-se com
o fim do prazo estabelecido no regulamento para a notificação, ou seja, cada
doença tem um prazo. Impossível a tentativa. O objeto jurídico é a saúde pública.
A pena para este crime é de detenção de 6 meses a 2 anos, e multa.
3.2.2 Atestado falso
Esse crime está previsto no art. 302 do CP, e também é
delito que se circunscreve ao médico, no exercício da profissão. Tal delito não
comporta modalidade culposa, ou seja, sempre é praticado com consciência e
intenção (dolo).
67 JESUS, Damásio E. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 443. 68 http://www.funasa.gov.br/epi/epi01.htm
45
Assim, por exemplo, quando o médico atesta existência de
doença fictícia, ou saúde de quem é enfermo, ou doença diversa da real, está o
profissional da medicina praticando a conduta tipificada no art. 302 do CP.
No entanto, não se pode confundir o crime de atestado
médico com o crime de falsidade ideológica. Pois, este possui natureza mais
grave e cuja conduta delituosa tem por efeito prejudicar direito, criar obrigações,
ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Além da responsabilidade criminal, o médico fica sujeito as
sanções pelo órgão da classe, com base no art. 110 do Código de Ética Médica69.
O art. 301, § 1º do CP, dispõe sobre o crime de falsidade
material de atestado ou certidão. Trata-se de falsificar, no todo ou em parte,
atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para
prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção
de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem.
No crime de falsidade de atestado médico (art. 302 do CP),
consuma-se no momento em que o médico fornece o falso atestado. Admite a
tentativa, e a pena é de 1 mês a 1 ano de detenção.
Já no crime de falsidade material de atestado ou certidão
(art. 301, § 1º do CP), a consumação ocorre independente do uso. Admite a
tentativa. A pena é de detenção de 3 meses a 2 anos. Porém, se o crime é
cometido com o fim de lucro, aplica-se além da pena privativa de liberdade, a de
multa (art. 301, § 2º). Nos dois crimes, o objeto jurídico violado é a fé pública.
3.3 OUTROS CRIMES LIGADOS AO EXERCÍCIO DA MEDICINA
Nesse ponto, será abordado outros crimes que pode ser
praticado pelo médico, por qualquer pessoa ou outros profissionais da área como
dentista, farmacêutico, veterinário, etc. Não se trata assim, de crime próprio.
69 Resolução CFM nº 1.246/1988
46
3.3.1 Homicídio culposo
A conduta penalmente punível descrita no art. 121 é matar
alguém. O crime de homicídio culposo, previsto no art. 121, §3º do Código Penal,
ocorre quando, há a prática não intencional de homicídio, faltando, porém, o
agente a um dever de atenção e cuidado.
Desse modo, quando se diz que a culpa é elemento do tipo
do crime de homicídio culposo, faz-se referência à inobservância do dever de
diligência. Isso porque, a conduta torna-se típica no momento em que o sujeito
realiza uma ação causadora do resultado morte sem o discernimento e prudência
que uma pessoa normal deveria ter. Assim, a inobservância do cuidado
necessário objetivo é elemento do tipo culposo, do homicídio.
Como já observado, são modalidades de culpa a
imprudência, (precipitação), a negligência (omissão displicente) e a imperícia
(falta de habilidade técnica).
O § 4º do mesmo diploma legal, diz respeito ao homicídio
culposo qualificado. Ou seja, se o crime resulta de inobservância de regra técnica
de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à
vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar
prisão em flagrante, a pena é aumentada de um a dois terço.
Assim, qualifica o homicídio culposo a circunstância de o
fato ter sido praticado pelo médico com inobservância de regra técnica de
profissão, arte ou ofício. Ex.: o médico, diante de uma cirurgia, deixa de observar
regra técnica, causando a morte do paciente.
No presente caso, não se confunde com a imperícia, que
indica inabilidade de ordem profissional, insuficiência de capacidade técnica. Na
qualificadora o sujeito tem conhecimento da regra técnica, mas não a observa.
Para Damásio70:
70 JESUS, Damásio E. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 84.
47
A qualificadora só é aplicável a profissional, uma vez que somente nessa hipótese é maior o cuidado objetivo necessário, mostrando-se mais grave o seu descumprimento. Quando se trata, por exemplo, de amador, o grau de censurabilidade da inobservância do dever de cuidado não vai além do que normalmente se exige para a existência do crime culposo. A incidência da qualificadora significaria aplicar pena agravá-la diante da mesma circunstância.
3.3.2 Lesão corporal culposa
O caput deste artigo, previsto no art. 129 do CP, descreve a
conduta de ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. A integridade
corporal diz respeito a alteração física (anatômica) do corpo. Já a ofensa à saúde
é a debilitação funcional do organismo (doença), seja ela, fisiológica ou mental.
A lesão corporal culposa apresenta um tipo simples, descrito
no § 6º, do art. 129 do CP, e um tipo qualificado, descrito no § 7º do mesmo
artigo.
Para o autor que violar o art. 129, caput, do Código Penal, a
pena é de detenção de 2 meses a um ano. A sanção, porém, é aumentada de um
terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura
diminuir as conseqüências do seu ato ou foge para evitar prisão em flagrante,
conforme art. 129, § 7º do CP. Para essa qualificadora aplica-se do mesmo modo
que a qualificadora do homicídio culposo (art. 121, § 4º do CP).
3.3.3 Violação do segredo profissional
Tal crime disposto no art. 154 do CP, descreve a ação de
revelar alguém, sem justa causa, de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, cuja revelação importe dano a outrem. Assim, o
objeto jurídico é preservar a liberdade individual.
Para o médico, o sigilo embora não tenha caráter absoluto,
deve ser tratado com a maior delicadeza, só podendo ser quebrado em hipóteses
muito especiais; tratando-se de investigação de crime, sua revelação deve ser
48
feita em termos, ressalvando-se os interesses do cliente, pois o médico não se
pode transformar em delator de seu paciente.
No caso do médico cometer essa quebra de sigilo, além da
punição criminal incorrerá também nas infrações previstas nos arts. 102 e 103 do
CEM. Desse modo, o art. 103 do CEM, ressalta a questão do sigilo profissional
também quando o paciente é menor de idade. Isso porque, o médico não pode
revelar, inclusive aos pais ou responsáveis, quando esse menor puder avaliar e
conduzir-se por seus próprios meios para solucionar questão referente à sua
saúde.
A lei não faz qualquer menção quanto a menoridade. Sendo
assim, devendo entender como menor, as pessoas menores de 16 anos, ou seja,
absolutamente incapaz.
A violação de segredo profissional consuma-se com a
revelação para terceiro. Admite a tentativa, por meio escrito; a ação penal é
pública condicionada (art. 154, parágrafo único do CP) e a pena é de detenção de
3 meses a 1 ano, ou multa. Não contempla a lei a forma culposa.
3.3.4 Infração de medida sanitária preventiva
Tal crime previsto no art. 268 do Código Penal, consiste em
violar, por ação ou omissão imprópria, determinação constante de regulamento do
Poder Público que se destina a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa.
O sujeito passivo é a coletividade, pois o objeto jurídico
afetado é a saúde pública, ou seja, entende-se aquela que diz respeito a toda a
coletividade ou a um número indeterminado de pessoas.
A consumação do crime ocorre imediatamente com a
violação, mesmo sem a introdução ou propagação. Admite-se a tentativa, e a
pena é de detenção de um mês a um ano, e multa.
49
No entanto, a sanção é aumentada de um terço, se o agente
é funcionário da Saúde Pública ou exerce profissão de médico, farmacêutico,
dentista ou enfermeiro. Não prevê a lei a forma culposa, constituindo o fato mera
infração administrativa.
3.3.5 Exercício ilegal da medicina
Para exercer a Medicina não basta o médico cursar e ser
diplomado por Escola de Medicina reconhecida pelas autoridades do ensino. É
necessário que o diplomado se inscreva no órgão de classe (Conselho Regional
de Medicina), nos termos do CEM.
Assim, eventual exercício da Medicina, ainda que a título
gratuito, mas sem que o médico esteja inscrito no órgão de classe, ou estando
inscrito mas excedendo-lhe os limites, ensejará a aplicação da pena prevista no
art. 282 do Código Penal. Tal crime tem como objeto jurídico a incolumidade
pública.
A jurisprudência contempla que não só o médico pode ser
sujeito ativo do crime como pode também ser praticado em concurso de agentes,
vejamos:
Exercício Ilegal da Medicina. Delito caracterizado. Médico que dá cobertura aos atos próprios da profissão praticados por curioso. Condenação decretada. Inteligência do art. 282 do Código Penal. (...) Pratica, também, o delito do art. 282 do CP o médico que assume a responsabilidade do tratamento dirigido por quem não for profissional. (RT 430/384)
Outrossim, para a verificação deste delito se faz necessária
a prática reiterada de atos exclusivos de médico, ou seja, consuma-se com a
habitualidade. Impossível a tentativa, em face da habitualidade. O sujeito passivo
é a comunidade e, secundariamente, o paciente.
A pena para esse crime é de detenção de 6 meses a 2 anos,
e, tendo o crime praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa. O dolo do
50
crime previsto neste artigo é a vontade de exercer ilegalmente a profissão ou de
exceder os limites para ela prefixados na lei, ainda que gratuitamente. Não prevê
a lei modalidade culposa.
Por fim, pode ocorrer concurso material entre o crime de
exercício ilegal da medicina com outros crimes. Assim, a jurisprudência entende
que:
É perfeitamente admissível o concurso material dos crimes de exercício ilegal da medicina (art. 282, CP), e de estelionato (art. 171, caput, CP) inocorrendo o alegado bis in idem. (RT 748/544)
3.3.6 Charlatanismo e Curandeirismo
Como regra geral, esses delitos são praticados por pessoas
leigas em Medicina. Nada impede, entretanto, que o médico incida nesses delitos.
A tipificação encontra-se no art. 283 para o charlatanismo, e o art. 284 para o
curandeirismo, ambos do CP. Do mesmo modo que o crime de exercício ilegal da
medicina, o charlatanismo e o curandeirismo são crimes cometidos contra a
incolumidade pública.
Por charlatanismo compreende-se o ato de inculcar ou
anunciar cura por meio secreto. O núcleo do tipo penal encontra-se na conduta
anti-social do agente, pelo engodo, pela mentira, pela insinceridade, consciente
de que está enganando o paciente, criando falsa expectativa de cura por meio
secreto ou garantindo-lhes resultado infalível, relativos à saúde.
O médico regularmente inscrito, mas de má conduta
profissional, pode praticá-lo quando, afastando-se dos métodos corretos, adota
outros inúteis ou mirabolantes, com a intenção de explorar a ingenuidade do
paciente.
O sujeito passivo é a comunidade e, secundariamente, o
paciente. Crime de perigo abstrato, consuma-se com a simples inculcação ou
anúncio. Neste crime, não se exige a habitualidade; basta apenas um ato. Admite
51
a tentativa. A pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa. A lei se omite
quanto a modalidade culposa.
Por curandeirismo entende-se a prática habitual e grosseira
do agente em prescrever ou ministrar qualquer substância, assim como o uso de
gestos ou palavras, para curar ou diagnosticar. Se se tratar de crenças religiosas,
a prática de gestos e palavras entre os adeptos, ainda que com o propósito de
curar mas sem a conotação de profissão e exploração, não configura o delito.
São três as condutas do curandeiro: 1) prescrever (receitar),
ministrar (dar) ou aplicar (empregar) qualquer substância (nociva ou não,
medicinal ou não); 2) usar gestos, palavras ou qualquer outro meio (benzeduras,
rezas, esconjuros, passes) e 3) fazer diagnóstico (determinação da doença por
análise dos sintomas).
Há o entendimento de que o sujeito ativo somente pode ser
quem não tem conhecimentos médicos. No entanto, o médico pode tanto auxiliar
o curandeiro, como partícipe, como benzer ou exorcizar pessoalmente, atuando
como o próprio feiticeiro. O sujeito passivo é a comunidade, e a consumação
ocorre com a habitualidade, desse modo ficando impossível a tentativa neste
crime. O elemento subjetivo é o dolo de praticar, reiteradamente, uma das
condutas previstas no artigo. Não há a modalidade culposa.
A pena é de detenção de 6 meses a 2 anos. No entanto, o
parágrafo único, menciona que se o crime é cometido mediante remuneração,
aplica-se também a multa.
Tanto o charlatanismo como no curandeirismo, a conduta do
agente denota abuso ou exploração da ignorância do paciente, da ingenuidade da
população, relativos à saúde e com proveito do agente, material ou imaterial.
3.3.7 Exercício arbitrário das próprias razões
Neste crime, definido no art. 345 do Código Penal, prevê a
conduta típica de fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão
própria. A ação pode ser praticada por qualquer meio: violência, ameaça, fraude,
52
etc. O dolo é a vontade de empregar o meio (violência, ameaça, etc.) com o fim
de satisfazer a pretensão real ou supostamente legítima. A lei não prevê a
modalidade culposa.
Quanto aos sujeitos dos delito, qualquer pessoa pode
praticar tal crime; inclusive o médico. Questão controvertida é a conduta do
médico de reter o paciente no hospital; de modo que, tal conduta caracteriza o
crime do art. 345 do CP, e não o crime de cárcere privado, descrito no art. 148 do
CP. Nesse sentido, jurisprudência tem se manifestado que:
A retenção de paciente em hospital, até a satisfação das despesas de internamento e tratamento, não caracteriza o crime de cárcere privado, definido no art. 148 do Código Penal, por inexistir dolo específico. Sendo a retenção um meio para consecução de uma pretensão legítima, a ação delituosa caracteriza antes o exercício arbitrário das próprias razões, punível nos termos do art. 345 do Código Penal. (RT 512/423)
O sujeito passivo nesse crime é o Estado, titular da
regularidade da administração da justiça, bem como qualquer pessoa que sofre
qualquer lesão em decorrência da conduta típica. A consumação ocorre com a
satisfação da pretensão, ou seja, quando o sujeito ativo faz justiça com as
próprias mãos. A tentativa é possível. A pena é de detenção de 15 dias a um mês,
ou multa.
3.3.8 Prescrição desnecessária de entorpecente
Tal crime previsto no art. 15 da Lei 6.368/76, tem como
condutas típicas prescrever, que significa receitar, e ministrar, quer dizer aplicar,
substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.
Nas duas hipóteses, por culpa, o sujeito indica ou ministra a
substância em dose evidentemente maior que a necessária. Nesse caso, não
basta que a dose seja maior. Exige-se que a apresente “evidentemente maior”
53
(exagerada). Segundo, tem que estar em desacordo com a determinação legal ou
regulamentar.
O delito só pode ser praticado por médicos, dentista,
farmacêutico ou profissional de enfermagem. No verbo prescrever, o delito atinge
a consumação com a entrega da receita ou com a recomendação verbal. Na
ministração, com a efetiva aplicação da substância.
O objeto jurídico é a saúde pública. O sujeito passivo é a
coletividade, e as pessoas que recebem as receitas. Tratando-se de modalidade
culposa, é inadimissível a tentativa. A pena é de detenção de 6 meses a 2 anos, e
pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa.
3.3.9 Remoção ilegal de órgão ou tecido
A Lei 9.434/97 estabelece uma série de regras para a
remoção de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. A remoção tanto pode ser
doador vivo, como post mortem.
Se a remoção for de pessoa viva, é indispensável a plena
aquiescência do doador, com prévia advertência das conseqüências para sua
saúde. Em caso de remoção post mortem, é necessária a prévia identificação do
corpo e que, em vida, dita pessoa não tenha se declarado “não doador”.
O diagnóstico de morte encefálica há de ser feito por dois
médicos que não pertençam à equipe cirúrgica de transplante. A remoção deve
ser executada por equipe médico-cirúrgica autorizada pelo SUS, e precedida de
exames de triagem de infecção e infestação, realizados pela mesma forma
procedida para a coleta e transfusão de sangue.
O descumprimento de quaisquer desses deveres acarretará
a cada qual dos membros da equipe médica, a sanção prevista no art. 14 dessa
lei; podendo a pena chegar até seis anos de reclusão e multa.
Qualifica o crime, se a remoção irregular se der mediante
paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe, na forma do §1º do art.
54
14 da mesma lei. Qualifica ainda, se a remoção for de pessoa viva e resultar
nesta incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias, ou perigo
de vida, ou debilidade permanente ou aceleração de parto, na forma do §2º do
mesmo artigo.
Nas mesmas circunstâncias, se resultar incapacidade
permanente, ou perda ou inutilização de membro, ou deformidade permanente ou
aborto, ou morte do doador, na forma dos § 3º e § 4º, a pena pode chegar até 20
anos de reclusão e multa.
3.3.10 Comprar ou vender órgão para transplante
Ainda que a remoção tenha se dado pela forma regular, se o
tecido, órgão ou parte do corpo humano extraído for objeto de compra e venda,
na forma do art. 15 da Lei 9.434/97, cada qual dos envolvidos, inclusive aquele
que intermedia, facilita ou obtém vantagem com a transação, será apenado o
infrator com reclusão de três a oito anos de reclusão e multa.
3.3.11 Utilizar órgão humano obtido por meio irregu lar
Na forma do art. 16 da lei de transplante, a utilização de
tecido, órgão ou membro do corpo humano, ciente de que a remoção se deu em
desacordo com as normas legais, acarretará a cada qual dos membros da equipe
cirúrgica a pena de um a seis anos de reclusão e multa.
Isso significa que, se a equipe cirúrgica for a mesma a
executar a remoção e a seqüente implantação, cada qual estará cometendo dois
delitos distintos, em concurso material, na forma do art. 69 do Código Penal.
3.3.12 Recolher, transportar, guardar ou distribuir órgão humano obtido por
meio irregular
Pelo art. 17 da mesma lei, quaisquer atos dessas condutas
de recolher, ou transportar, ou guardar ou distribuir, isoladamente consideradas
ou em conjunto, de partes do corpo humano, cuja remoção tenha se dado em
desacordo com as normas preestabelecidas, e desde que esse agente tenha
55
ciência da forma irregular da remoção ficará exposto à punição de seis meses a
dois anos de reclusão e multa.
Neste caso, também é possível o concurso material (art. 69
do CP), ou seja, se a pessoa ou pessoas que recolhem, transportam, guardam ou
distribuem tecidos, órgãos ou partes do corpo humano são as mesma que fizeram
a remoção irregular serão punidas por ambos os delitos.
3.3.13 Realizar o implante em desacordo com a Lei
A Lei 9.434/97 tento prevê normas para a remoção, como
para o implante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. Pelo art. 10 da
mesma lei, o implante só pode ser feito com o expresso consentimento do
receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do
procedimento.
Vale ressaltar algumas considerações acerca do assunto
como, se o receptor é menor de idade, é imprescindível o assentimento, ao
menos de um dos pais. Se se tratar de genitores separados, é imprescindível o
assentimento do genitor que tiver a guarda do menor.
Pelo art. 18 da citada lei, o descumprimento desses
requisitos exporá cada qual dos membros da equipe médica à pena de detenção
de seis meses a dois anos. Também poderá haver concurso material, se a equipe
ou algum de seus integrantes tiver participado da remoção e se esta tiver sido
irregular.
3.3.14 Deixar de recompor cadáver
Pelo art. 8º da lei de transplantes de órgãos, tão logo
concluída a regular remoção post mortem de tecido, órgão ou parte do corpo
humano, a equipe médica cirúrgica deve recompor o cadáver, com imediata
entrega à família ou responsáveis, para o sepultamento.
Na hipótese de inexistência conhecida de familiares ou
responsáveis legais, o corpo deve ser entregue aos interessados, mediante
56
declaração e recibo. O descumprimento dessa obrigação positiva, na forma do
art. 19 da lei, exporá cada qual dos membros da equipe à pena de detenção seis
meses a dois anos.
O núcleo da figura do tipo é recompor o corpo e liberá-lo
para o sepultamento. Assim, tão logo encerrado o ato cirúrgico de recomposição
do corpo, este é liberado para a administração do estabelecimento de saúde. A
partir dessa liberação do corpo, compete ao responsável legal pelo
estabelecimento, ou quem se incumbir desse mister (administrador ou outrem,
nos termos do Regulamento interno ou Estatuto), promover a efetiva entrega aos
familiares ou interessados.
3.3.15 Publicar anúncio ou promover apelo público
A Lei 9.434/97 em seu art. 11, proíbe qualquer tipo de
anúncio ou campanha para promover doação de órgãos, ou criação de fundos
destinados a este fim.
Somente pelo SUS pode promover campanha de
esclarecimento público, quer para motivar os cidadãos a permanecerem na
condição de doadores naturais, quer para incentivá-los à doação em vida.
Pelo mesmo art. 11 referido, também está vedado qualquer
tipo de anúncio público, de equipe médica ou e estabelecimento de saúde, no
sentido de que estão autorizados a promover transplantes; ou ainda apelo público
ou campanha para doação a determinada pessoa; ou para formação de fundos
para financiar transplante em benefício de particulares.
Na forma do art. 20, quem descumprir essa proibição ficará
sujeito à multa de cem a duzentos dias-multa.
57
3.4 RESPONSABILIDADE MÉDICA DIANTE DA CONDUTA IMPRE VISÍVEL DO
PACIENTE
3.4.1 Abandono do hospital pelo paciente
Situação peculiar é a vontade do paciente em deixar o
hospital, em momento clínico contra-indicado e, por isso mesmo, sem alta
médica. Se o paciente conscientemente tomar essa decisão, ou seus familiares, o
médico nada poderá fazer em contrário, exceto tentar demovê-los do propósito,
alertando-se da imprudência e dos riscos.
Para evitar discussão sobre a responsabilidade dessa
imprudência (ou dolo, se ocorrer a intenção de abreviar a vida de paciente
portador de doença curável, por parte de terceiro), o médico e a direção da casa
de saúde devem se acautelar por todas as formas possíveis, fazendo declaração
assinada pelos envolvidos, testemunhas, etc., e inclusive – nos casos de perigo
de vida – notificando ou comunicando por escrito a autoridade policial.
No caso de o paciente vier a óbito por decorrência dessa
saída do hospital (sem alta médica e em momento absolutamente impróprio), o
processo criminal será dirigido contra quem deliberou e executou essa decisão.
Em se tratando de doente comprovadamente “terminal”,
nada impede que ele deixe o hospital, também, por decisão própria (se
consciente), ou por decisão da família (se inconsciente, como é comum), tanto por
motivos sentimentais como econômicos. É lícita essa decisão e o médico não
pode impedi-la, competindo-lhe apenas registrar sua discordância, pelas razões
que tiver, se as tiver.
3.4.2 Transfusão de sangue
Não há qualquer dúvida de que a transfusão de sangue é
modalidade terapêutica de alto valor, em determinadas circunstâncias. Por óbvio
que o sangue, além da compatibilidade com o paciente, não pode estar
contaminado por qualquer tipo de doença transmissível.
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A responsabilidade por essa contaminação (de natureza
jurídica objetiva) cabe ao fornecedor do sangue (laboratório ou hospital), diante
dos deveres que este possui tanto de fiscalização na coleta (modo e saúde do
doador, para evitar a propagação de doenças transmissíveis), como na análise,
classificação e conservação do produto.
Entretanto, há casos em que o paciente consciente (ou
família, quando inconsciente) não concorda em receber a transfusão de sangue,
por motivos religiosos ou outro qualquer. Se o paciente estiver em iminente perigo
de vida, a decisão cabe apenas ao médico. Porém, em caso de ausente perigo de
vida, a questão é similar ao internamento em hospital voluntário, ou seja, quando
o interesse em jogo é exclusivamente pessoal, a vontade do paciente prevalece,
desde que maior e capaz.
No caso de discordância do paciente em receber transfusão
de sangue, cumpre ao médico alertá-lo e tentar convencê-lo a aceitar essa
terapêutica, com o propósito de preservar a vida, com saúde. Mas não pode
obrigá-lo.
Por outro lado, se paciente que professa determinada
religião ao adota filosofia de vida que se incompatibiliza com a transfusão de
sangue der “entrada” no hospital em estado inconsciente e se o médico que
atender concluir ser aconselhável a transfusão de sangue, determinando de
imediato essa providência, nenhuma conseqüência lhe advirá, relativamente à
vontade ou anuência do paciente.
Em se tratando de perigo de vida, a transfusão de sangue
deverá ser executada (desde que existente o produto) mesmo contra a vontade
do paciente, em cumprimento aos arts. 46 e 56 do CEM, sem qualquer receio de
processo administrativo ou judicial.
59
3.5 ASPECTOS DA INTERVENÇÃO MÉDICA E CIRÚRGICA DIAN TE DA
RECUSA DO PACIENTE E DE SUA FAMÍLIA
O crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do
CP, pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive o médico. A conduta típica
é coagir, compelir, forçar, obrigar a vítima à prática de um ato ou de uma
abstenção, ou seja, a fazer ou não fazer algo, violando-se sua vontade.
A coação pode constituir-se em violência direta ou imediata
(vias de fato ou lesão corporais) contra o ofendido ou terceiro, ou imediata, contra
a coisa de interesse da vítima.
Tal crime é tipicamente subsidiário, só ocorrendo quando o
fato não constitui ilícito mais grave, como o roubo, a extorsão, o estupro,
desobediência etc.
No entanto, prevê o mesmo artigo dois casos de exclusão da
antijuridicidade, casos especiais de estado de necessidade em favor de terceiros.
O primeiro é o da intervenção médica ou cirúrgica, sem o
consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por
iminente perigo de vida. Exemplo comum seria qualquer intervenção médica, que,
por questão religiosa, não tem o consentimento do paciente ou de seus
responsáveis, quando há risco de vida para aquela.
Neste caso a jurisprudência tem manifestado no sentido de
que:
Uma vez comprovado efetivo perigo de vida para a vítima, não cometiria delito nenhum o Médico que, mesmo contrariando a vontade expressa dos por ela responsáveis, à mesma tivesse ministrado transfusão de sangue. (RJDTACRIM 7/175)
O segundo caso trata da coação exercida para impedir
suicídio, que, embora não se constitui em ação típica, é ilícita.
60
3.5 DO ABORTO LEGAL
No entendimento de Damásio de Jesus71, aborto “é a
interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da
concepção)”.
O aborto legal é o permitido por lei em dois casos,
mencionado no Código Penal. O primeiro é o chamado aborto necessário ou
terapêutico, previsto no art. 128, I, trata-se da hipótese em que o fato, quando
praticado pelo médico, não é punido, desde que não haja outro meio de salvar a
vida da gestante. No segundo, é o aborto permitido, descrito no art. 128, II, em
que a gravidez resulta de estupro. Este chamado de aborto sentimental ou
humanitário.
3.5.1 Do aborto necessário
Dispõe o art. 128, inciso I do Código Penal, que: “Não se
pune o aborto praticado por médico; I- se não há outro meio de salvar a vida da
gestante;”.
O dispositivo é necessário porque, na hipótese, é
dispensada a necessidade da atualidade do perigo. Havendo perigo para a vida
da gestante, o aborto está autorizado. Esse risco pode decorrer de anemias
profundas, diabetes, cardiopatias, tuberculose pulmonar, câncer uterino, etc.,
situações que, com o avanço da medicina hoje, podem, normalmente, ser
contornadas, sem a interrupção da gravidez.
Desse modo, só é permitido o aborto necessário, quando
não há outro meio de salvar a vida da gestante.
Nos termos legais, dispensa-se o consentimento da
gestante.
71 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p.119
61
3.5.2 Do aborto sentimental
No mesmo diploma legal, dispõe o art. 128, inciso II que:
“Não se pune o aborto praticado por médico; II- se a gravidez resulta de estupro e
o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal”.
O código penal, também permite a prática do aborto no caso
de resultar a gravidez de estupro (art. 213 do CP).
Justifica-se a norma permissiva porque a mulher não deve
ficar obrigada a cuidar de um filho resultante coito violento, não desejado. O
médico deve valer-se dos meios à sua disposição para a comprovação do estupro
como o inquérito policial, processo criminal, peças de informações, testemunhas,
etc., inexistindo esses meios, ele mesmo deve procurar certificar-se da ocorrência
do delito sexual.
Nestes caso de aborto, é exigível o consentimento da
gestante ou do representante legal, quando incapaz.
É pacífico na doutrina que, por analogia in bonan partem
está também autorizado o aborto quando a mulher engravidou em razão de
atentado violento ao pudor (art. 214 do CP).
Nos dois tipos de aborto, ocorre a consumação com a
interrupção da gravidez com a morte do produto da fecundação. É possível a
caracterização da tentativa, quando o resultado não ocorre por circunstâncias
alheias à vontade do agente. Inexiste o crime de aborto culposo.
3.5.3 A indústria clandestina do aborto
Como visto, o art. 128 e incisos não pune o médico pelo
crime de aborto quando se tratar de aborto necessário ou sentimental. No
62
entanto, o aborto se tornou um negócio crescente e altamente lucrativo no Brasil.
Isso porque, como salienta Warley Rodrigues Belo72:
(...) o aborto é tacitamente legal para quem tem um nível econômico que permita pagar por um atendimento seguro e elitizado para abortar. Infelizmente, o aborto só é crime nos casos em que a mulher, invariavelmente de baixa renda, se submete aos chamados ‘açougues’ na periferia da cidade ou se utilizam de objetos pontudos, que habitualmente culminam em complicações na interrupção do processo de gravidez, e a polícia toma conhecimento do fato.
Desse modo, é incontestável o risco à saúde das mulheres
quando submetidas ao aborto clandestino. Aliado ao fato de que é um processo
naturalmente perigoso.
72 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 130.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização da presente pesquisa, chega-se a
algumas considerações acerca do tema proposto.
Destaca-se, no entanto, que a presente investigação
bibliográfica é apenas o início de um estudo que, certamente, merece maior
aprofundamento face à notória relevância acerca da Responsabilidade Criminal
por Erro Médico no Direito Penal brasileiro.
Informa-se, por sua vez, que o presente trabalho não
procurou esgotar o tema relativo à Responsabilidade Criminal por Erro Médico,
ficando com a finalidade de elucidar um pouco o assunto em questão, de modo a
fornecer uma pequena contribuição sobre o estudo.
Assim sendo, o presente estudo limitou-se a reunir
elementos dispersos na doutrina e na legislação, a fim de demonstrar e conceituar
a responsabilidade criminal do médico, diante de uma fato jurídico cometido por
ele descrito como típico na norma penal.
O profissional médico, como qualquer outro profissional
liberal da elite intelectual, tem mais deveres do que direitos. Isso porque, segundo
o Código de Ética Médica, a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser
humano e da coletividade e, em benefício dos quais deverá agir com o máximo
zelo e o melhor de sua capacidade profissional, consciente de suas condutas.
Assim, o Código de Ética Médica estabelece uma série de
normas de conduta profissional, de modo que o médico deve cumprir seus
encargos. Quando estes encargos não forem cumpridos, o profissional poderá
responder criminalmente perante o órgão de classe por infração prevista no
próprio Código de Ética.
Outrossim, do mesmo modo, pode ocorrer a
responsabilização criminal sempre que o comportamento omissivo ou comissivo
64
do médico for descrita em uma norma jurídica a que seja cominada uma sanção
criminal.
Por força disso, para que haja uma sanção criminal a
conduta deve ser descrita como típica. Isso porque, para a existência do ilícito
penal é necessário que a conduta típica seja, também, antijurídica.
Dessa forma, havendo um ilícito penal, consequentemente,
haverá uma sanção penal, da qual o agente será responsabilizado. Tal
responsabilidade criminal decorre sempre da culpa no sentido amplo, de modo
que nela se encontram a culpa stricto sensu e o dolo.
Nesse aspecto, vale destacar a teoria finalista da ação, da
qual descreve que para a existência do fato típico, é imprescindível identificar os
elementos subjetivos do autor, dolo ou culpa, consistente na finalidade de
satisfazer a própria lascívia.
Desta análise resulta que o médico, sujeito ativo do delito,
somente poderá ser responsabilizado criminalmente se agiu com dolo ou culpa.
Isso porque, como visto, a conduta dolosa e culposa é um dos elementos que
formam o fato típico e, sem a conduta não há fato típico. A conseqüência será a
atipicidade do fato.
Nessa seqüência, feita as considerações gerais sobre o
profissional médico, passando pelos aspectos penais para a descrição do tipo
penal, a presente monografia finaliza com as infrações penais cometidas pelo
médico, destacando os crimes próprios e os outros crimes ligados ao exercício da
medicina.
Outrossim, em resposta às hipóteses apresentadas na
introdução, em face da investigação realizada ao longo deste trabalho
monográfico, pôde-se chegar as seguintes considerações:
No que concerne à primeira hipótese (o descumprimento
das normas estabelecidas acarreta uma responsabilidade criminal e/ou uma
reposição civil), verificou-se que, o erro médico pode acarretar ao médico uma
65
responsabilidade civil pertencente à área jurídica do direito privado, devendo o
autor reparar o dano causado, bem como pode surgir para o autor do fato uma
responsabilidade criminal decorre de sua conduta culposa ou dolosa.
Em resposta à segunda hipótese apresentada na
introdução, qual seja, a responsabilidade criminal sempre decorre da culpa em
sentido amplo, observou-se que, a culpa em sentido amplo abrange a culpa stricto
sensu, em que o agente não quer o resultado danoso, mas é por ele responsável,
por ter adotado a conduta omissiva ou comissiva, imprudente, imperita ou
negligente, e abrange o dolo, que ao contrário da culpa stricto sensu o agente
quer o resultado danoso ou assume o risco de produzi-lo.
E por fim, no que tange à terceira hipótese (o profissional
médico pode incorrer em qualquer delito previsto nas leis penais), constatou-se
que em alguns casos somente o médico pode ser autor de um crime, os
chamados crimes próprios, e em outros casos, o médico pode ser autor, co-autor
e partícipe de uma conduta criminosa, em crimes comuns que tenham ligação
com a medicina.
Desta forma, as hipóteses apresentadas na introdução, ao
longo da investigação realizada, foram confirmadas.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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ANEXOS
LEI N.º 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde. Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos para a triagem de sangue para doação, segundo dispõem a Lei n.º 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo.
CAPÍTULO II DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO
CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE. Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. § 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos. § 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde. § 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica. Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem. § 1º A expressão "não-doador de órgãos e tecidos" deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição. § 2º A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei. § 3º O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão "não-doador de órgãos e tecidos".
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§ 4º A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade. § 5º No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente. Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais. Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas. Art. 7º (VETADO) Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necropsia. Art. 8º Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.
CAPÍTULO III DA DISPOSIÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO
VIVO PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fim de transplante ou terapêuticos. § 1º (VETADO) § 2º (VETADO) § 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. § 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada. § 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização. § 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde. § 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto. § 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.
CAPITULO IV DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES
Art . 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. Art. 11. É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de anúncio que configure: a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades; b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único;
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c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em beneficio de particulares. Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos. Art. 12. (VETADO) Art . 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.
CAPÍTULO V DAS SANÇÕES PENAIS E ADMIMSTRATIVAS
Seção i Dos Crimes
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa. § 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa. § 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa § 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido: I - Incapacidade para o trabalho; II - Enfermidade incurável ; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. § 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa. Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação. Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei: Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei: Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa. Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11: Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.
Seção II Das Sanções Administrativas
Art . 21. No caso dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanentemente pelas autoridades competentes.
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§ 1.º Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos realizados. § 2.º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas, bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos. Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes realizados, conforme o disposto no art. 3.º § 1.º, ou que não enviarem os relatórios mencionados no art. 3.º, § 2.º ao órgão de gestão estadual do Sistema único de Saúde, estão sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa. § 1.º Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13. § 2.º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição. Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
CAPÍTULO VI DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art . 24. (VETADO) Art . 25. Revogam-se as disposições em contrário, Particularmente a Lei n.º 8.489, de 18 de novembro de 1992, e Decreto n.º 879, de 22 de julho de 1993. Brasília,4 de fevereiro de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDoso Nelson A. Jobim
Carlos César de Albuquerque