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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
DOCÊNCIA SUPERIOR (TURMA 701)
ORIENTADORA: MARIA ESTHER
A REPRESENTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA
TRANSFORMADORA
ELAINE SCHOTT HEIZER
ÍNDICE
2
AGRADECIMENTOS.................................................................................................3
INTRODUÇÃO ............................................................................................................4
RESUMO......................................................................................................................7
CAPITULO 1 – GESTÃO EDUCACIONAL............................................................9
CAPÍTULO 2 - PROCESSO DE REFLEXÃO.....................................................12
CAPITULO 3 – PRINCÍPIO DA REFLEXIBILIDADE.........................................19
CAPÍTULO 4 - A REPRESENTAÇÃO COMO UM PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO..........................................................................................................23
CAPITULO 5 - PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM..........................27
CAPÍTULO 6 - METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.....................................................................31
PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CULTURAIS ...................................................33
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu irmão Alexandre, pelo incentivo e colaboração, fornecendo-me
valiosas sugestões, `a minha mãe Ilce, pela preciosa educação dada aos filhos.
Em especial , ao meu meu filho Diogo, motivo maior para que cada dia, eu tenha
mais vontade de seguir em frente, rumo à um futuro promissor.
4
INTRODUÇÃO
A instituição educacional brasileira, notadamente no que se refere à escola
pública, enfrenta uma séria crise de qualidade. De maneira geral, os debates e
as discussões que essa crise tem suscitado, nos vários setores da sociedade
civil, destacam a relação entre a má-qualidade de ensino e o despreparo dos
professores na condução de projetos pedagógicos que formem cidadãos
capacitados a atuarem, de maneira efetiva, nos rumos da história de sua
comunidade e de seu povo. Ao contrário de reforçar qualquer discurso que, ao
estabelecer uma correlação direta entre crise educacional e formação dos
professores, omite o dever do Estado de propiciar aos profissionais da
educação condições dignas de trabalho e acaba por responsabilizá-Ios pelos
fracassos da escola, pretendo, neste trabalho de pesquisa, enfatizar a
importância do professor na construção de novas formas do fazer pedagógico
que apontem para a edificação de uma sociedade mais justa e igualitária,
assumindo-o como protagonista desse processo. Nessa perspectiva, coloco-me
no campo da formação do professor reflexivo, entendendo que as ações do
professor não são meros resultados de suas escolhas individuais face às
demandas da sala de aula. Romper com o discurso que reforça a 'culpa' do
professor com relação às mazelas da educação formal significa situar suas
ações nos contextos social e cultural que as influenciaram. Para isso, é
necessário relacionar o trabalho pedagógico que se empreende no aqui e no
agora da sala de aula a um projeto mais amplo de sociedade. Nesse sentido,
podemos falar em hegemonia do paradigma da modernidade.
Interessada em estabelecer uma organização racional da vida social, a
modernidade definiu para a instituição escolar a tarefa de disciplinar o indivíduo,
fazendo-o aceitar os ditames da racionalidade científica. A identidade do
professor insere-se nesse projeto. Com a crença absoluta na ciência, a
modernidade fixou, no campo da educação, alguns mitos que definem a
identidade do professor: se a competência desse profissional é avaliada
5
segundo sua capacidade de aplicação das regras científicas aos problemas da
sala de aula, então ele passa a acreditar que a questão pedagógica restringe-se
aos aspectos metodológicos; se o saber científico se fundamenta na linearidade,
então o professor passa a acreditar que o processo de ensino -aprendizagem
também se dá linearmente; se há a convicção de que o saber científico possui
autonomia, então o professor passa a acreditar que o seu papel como educador
é o de transmitir esse saber e não o de produzir, num trabalho solidário com seus
alunos, saberes que os instrumentalizem a compreender a realidade que vivem e
a transforma-la; se o conhecimento reduz-se ao saber científico, o professor
passa a acreditar que o saber acadêmico é meramente acumulativo e para
adquiri 10, basta um esforço de memorização.
Esses mitos, que determinam ao professor a função de simples executor de
tarefas, fazem com que ele, no exercício de sua prática, perca sua dimensão
humana e profissional. A estrutura hierárquica em que se constituiu o sistema
educacional permite a interferência de especialistas científicos na elaboração
dos currículos e programas de ensino, retirando do professor grande parte de sua
autonomia. Destituído da autonomia, o professor não encontra o sentido de sua
vida e de sua profissão no quotidiano escolar e enfrenta séria crise de
identidade. Professor em crise, escola em crise. Não há como pensar
alternativas que retirem a escola da crise, sem pensar em enfrentar a crise por
que passam os professores. Nenhuma reforma educacional possui chances de
sucesso se não contar com os professores como parceiros. Se estes hoje
sentem-se incapacitados a implementar mudanças, é necessário que se diga
que a responsabilidade dessa 'incapacidade' não é totalmente deles. Na
verdade, a crise por que passa a escola, refletida nos altos índices de retenção e
na dificuldade dos alunos de enfrentar as exigências do mundo contemporâneo, é
resultado do modelo racionalista da modernidade e não da “incompetência
inventada” dos professores.
6
Diante dessa realidade, há a urgência de se gestar uma nova identidade do
professor que, mediante a restituição de sua autonomia, capacite-o a enfrentar os
mitos da pedagogia moderna e o torne consciente de seu papel na articulação de
um pro cesso de transformação do sistema educacional. A formação de
professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma
"nova" profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura
profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das
escolas.Não se trata de uma formação de professores que centra sua
preocupação na transmissão de metodologias de ensino 'redentoras'. A nova
cultura profissional de que fala Nóvoa é gestada a partir do interesse do
professor de reorganizar sua identidade, encontrando os vínculos entre a sua
identidade pessoal e sua identidade profissional; uma reorganização que faz o
professor ganhar a consciência de que estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos
próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma
identidade profissional. Trata-se de um processo de formação de professores em
perspectiva crítico-reflexiva, que objetiva, prioritariamente, a construção de um
pensamento autônomo, em que o sujeito, ao refletir sobre sua prática, percebe-se
como produtor de saberes e imbuído da capacidade de decidir, de criar e rec riar
a realidade, articulando novos saberes em novas práticas.
Na maioria das vezes, o debate sobre a qualidade de ensino, na qual se insere o
tema da formação do professor, se restringe aos campos da sociologia e da
filosofia, no intuito de apresentar a escola como uma instituição marcada por
interesses de grupos sociais e pelo desejo de se solidificar a construção de uma
sociedade moderna, pautada pelos valores da democracia e da igualdade social.
7
RESUMO
O objetivo é verificar as maneiras pelas quais a história e a cultura se atualizam
no espaço quotidiano da sala de aula, elegendo como objeto de análise
interações em que estão envolvidos participantes do trabalho pedagógico, na
convicção de que é no discurso que as realidades se constroem e se
reconstroem e de que, portanto, é a partir do discurso que a transformação
educacional deve ser pensada. O pesquisador engajar-se em interações com os
sujeitos de pesquisa visando, a partir de um processo reflexivo, à compreensão
de suas ações e à criação de novas alternativas que apontem para uma
educação emancipatória, entendida como sendo aquela que propicia situações
de aprendizagem que problematizam a realidade e estimulam a curiosidade dos
alunos no sentido de compreendê-Ia e buscar soluções para os problemas
vivenciados, segundo as necessidades e urgências de seu grupo social. É nesse
sentido que o grupo adere à pesquisa colaborativa.
Associando-se à análise sócio -cultural que o movimento de formação do
professor reflexivo empreende, nosso grupo de pesquisa defende a ideia de que
o professor interage com seus alunos pautando-se por representações 1
construídas socialmente em interações em que esse profissional esteve
envolvido, sem que tenha, necessariamente, consciência delas. Nesse sentido, é
nossa preocupação analisar as representações reveladas nas interações entre
pesquisador e sujeitos de pesquisa, buscando as relações entre elas e práticas
pedagógicas tradicionais ou emancipatórias (cf. Abreu, 1998; Corazza, 1999;
Cardoso, 2000). Além disso, o grupo tem assumido também a tarefa de analisar
a linguagem da reflexão, com o objetivo de subsidiar a criação de instrumentos
para a reflexão crítica e para a pesquisa colaborativa (cf. Romero, 1998; Liberali,
1999). Esses trabalhos enfatizam, de maneira geral, a análise de interações ou
entre pesquisador e sujeito de pesquisa ou entre professor e alunos. Uma análise
que vise ao gerenciamento das representações dos sujeitos de pesquisa em
8
diferentes contextos interracionais é ainda pouco privilegiada. Este trabalho
procura preencher essa lacuna, buscando as conexões entre as representações
emergidas em contexto de reflexão sobre a ação do professor e em contexto de
sala de aula. Essa orientação é pautada pela possibilidade da existência de
incompatibilidades entre o que o professor enuncia em contextos distanciados de
sua prática e o que enuncia em interações de sala de aula. Dessa forma, as
representações declaradas pelo professor, nas sessões reflexivas, podem ser
contrastadas com as representações que aparecem na sala de aula, na sua
relação com o aluno.
9
CAPITULO 1 – Gestão Educacional
O projeto em questão, denominado Gestão Democrática da Escola Pública,
concebia a escola como um espaço de cultura e de organização política das
classes populares e enfatizava a importância do professor nesse processo de
organização. Apesar de fundamentado em bases políticas bastante sólidas, o
projeto não alcançou o sucesso desejado, em termos de resultados concretos.
Mas a experiência proporcionou um aprendizado inestimável: o do diálogo.
Como alguém que banhou-se nessa história, posso afirmar que, ao contrário de
desestimular para a luta da construção da escola transformadora, o processo, ao
ensinar o valor da análise e da reflexão permanentes, revigorou nossas forças no
sentido de continuar buscando, coletivamente, alternativas para uma educação
pública democrática e popular.
Embalada pelo sonho de compreender as razões pelas quais o projeto
emancipador não conseguiu sobreviver às dificuldades. O processo de reflexão
no qual mergulhei indicava-me o discurso como um possível caminho de análise.
É minha hipótese que muito do fracasso do projeto relaciona-se com o fato de
que, apesar de, ideologicamente, ter proposto o rompimento com velhas
representações associadas ao trabalho pedagógico, através de metodologias
renovadas e da implantação de espaços amplos de debates, o projeto não
propiciou a construção efetiva de novas representações de escola, de aluno, de
papel de professor e de processo de ensino-aprendizagem. Sem essa
transformação de base, a interação professor-aluno continuou se pautando pelas
mesmas relações que norteiam o processo de transmissão de conteúdos, qual
seja, o professor ensina e o aluno absorve os conhecimentos transmitidos. A meu
ver, a lacuna se deve à inobservância da importância da interação da sala de
aula na construção de novos paradigmas pedagógicos. A ênfase na dimensão
política destacou o valor dos espaços de discussão e debate, mas relegou ao
esquecimento a sala de aula, em sua experiência c oncreta e quotidiana das
interações, nas quais se revelam as representações dos agentes da ação
10
educativa. Com isso, não foram oportunizados ao professor, mesmo aquele
extremamente engajado no processo de transformação, processos reflexivos que
o levassem a analisar a sua ação em sala de aula e a relacioná-Ia com suas
representações, de modo a romper com aquelas que definiam uma ação mais
conservadora.
Esse contexto, somado à importância da formação do professor discutida
anteriormente, define os objetivo s desta pesquisa, a saber:
ü compreender e negociar os significados que professores atribuem aos
saberes que vão se constituindo em suas salas de aula, na interação com
seus alunos, relacionando-os às suas representações; b. contribuir na
reelaboração de práticas pedagógicas, tendo em vista a co-construção de
conhecimentos; c. favorecer a formação de professores reflexivos que se
interessem em desenvolver o processo de reflexão no seu local de
trabalho;
ü analisar as representações de professores de escola pública que
participam de projetos pedagógicos transformadores, a partir de
interações de sala de aula e de sessão reflexiva; b. analisar as interações
entre professor e pesquisadora, em sessões reflexivas, verificando em
que medida esta última contribui para a formação do professor reflexivo.
Em vista desses objetivos, esta investigação busca responder as seguintes
questões:
1. quais as representações de aluno, papel de professor, processo de
ensinoaprendizagem e de escola que um professor de escola pública,
participante de um projeto pedagógico transformador3, revela em seus
discursos, em contexto de sessão reflexiva e em contexto de sala de aula?;
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2. como as representações definem as interações entre esse professor e seus
alunos, tendo em vista o processo de ensino-aprendizagem?;
3. que formas de negociação se estabelecem nas interações entre
pesquisadora e professor, tendo em vista a formação do professor reflexivo?
Era fundamental, para mim, que o professor sujeito desta pesquisa estivesse
envolvido em projetos pedagógicos diferenciados para que a análise de suas
representações fosse realizada no sentido de encontrar as semelhanças e as
dessemelhanças com as representações que pautam uma prática pedagógica
conservadora.
Tendo em vista o objetivo desta pesquisa de contribuir na organização de um
fazer pedagógico que vise à co-construção do conhecimento, a terceira seção do
capítulo teórico dedica-se à discussão da teoria vygotskyana, no que concerne à
relação entre desenvolvimento e processo de ensino-aprendizagem, para
apresentá-Ia como uma possibilidade de ruptura com os paradigmas tradicionais
de construção de conhecimento, que privilegiam uma relação mono lógica entre
professor e alunos.
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CAPÍTULO 2 - Processo de reflexão
Este trabalho pretende situar a importância do professor no processo de
superação de uma prática pedagógica que tem favorecido a formação de
indivíduos acríticos, que aceitam passivamente a ordem estabelecida. Para tanto,
discute o movimento de formação do professor reflexivo e toda crítica que vêm
sendo empreendida em relação à pedagogia elaborada a partir dos valores da
modernidade. A primeira seção deste capítulo tem como objetivos localizar essa
crítica e apresentar os princípios que embasam o movimento de formação do
professor reflexivo.
A aceitação da idéia da complexidade da ação humana por parte desse
movimento impõe-nos a necessidade de discutir uma abordagem teórica que nos
apresente algumas formas de estabilidade a partir das quais possamos nortear
nossas ações como educadores e como pesquisadores. O conceito de mundos
representados, explorado por Bronckart (1997), a partir de Habermas
(1981/1987), foi a alternativa encontrada. A segunda seção deste capítulo discute
esse aporte teórico e busca em Bakhtin4 (1929/1995; 1953/1997; 1934-
1935/1998), subsídios para uma abordagem enunciativa dos mundos
representados.
A terceira seção dedica-se àexposição da abordagem vygotskyana do processo
de ensino-aprendizagem como sendo aquela que, ao considerar a importância
do outro na construção do conhecimento, aponta-se, como uma alternativa para
romper com os paradigmas tradicionais do fazer pedagógico.
Os princípios da formação do professor reflexivo são definidos a partir da crítica
que a filosofia vem elaborando em torno do dogmatismo com que a modernidade
analisa o mundo e as relações humanas. A crítica tem favorecido amplas
discussões no campo da ciência, destacando a complexidade como um
13
elemento fundamental a ser considerado nas análises científicas.
Para os adeptos do pós-modernismo, a modernidade, em seu apego
àracionalidade, fundou a falácia da verdade universal, propagando a idéia de que
o mundo possui uma ordem natural e à ciência cabe desvendá-Ia para expô-Ia
em regras e normas universais. Segundo Torraine (1992:30), para a
modernidade, nosso mundo é um mundo único, "um cosmos que repousa sobre
si próprio, que possui em si mesmo o seu próprio centro de g ravidade".
A modernidade, marcada pelos ideais renascentistas, caracterizou-se por um
processo de luta contra todas as formas de domínio tradicionais da Idade Média.
A luta desembocou na construção de um mundo sem trevas, iluminado pela
ciência e pela ação instrumental, voltado para os interesses e necessidades da
sociedade, os quais a própria racionalidade define.
O vazio instaurado pela rejeição de toda transcendência e de todo e qualquer
princípio moral medieval é substituído pela idéia de sociedade, mais
especificamente, pela idéia da utilidade social. A sociedade passa a ser o
conjunto dos efeitos produzidos pelo progresso do conhecimento. Seu
funcionamento é garantido pela definição de papéis a serem cumpridos pelos
agentes sociais. Assim, a racionalidade moderna esquadrinha completamente os
comportamentos humanos, ligando-os aos estatutos universalizantes que a
ciência descobriu. Temos, dessa forma, o planejamento racional da vida social,
que instaura o totalitarismo dos adminis tradores burocratas. Todos os valores
são definidos a partir desse planejamento. O bem, o mal, o belo, a justiça são
valores estabelecidos segundo sua adequação ao funcionamento natural do
corpo social.
Para o setor educacional, essa forma de conceber o mundo determinou para a
escola a tarefa de disciplinar o indivíduo, libertando-o da visão irracional do
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mundo e preparando o para participar de uma sociedade que se organiza pela
razão. A ordem natural do mundo, prevista pela modernidade, deve ser ensinada
nas escolas, de maneira a formar um ser natural, bom, razoável e capaz de
sociabilidade, que se posiciona dentro da ordem universal e não se perde na
confusão e no caos.
Na pedagogia da modernidade, o professor é mero transmissor dos
conhecimentos legitimados pela ciência. Como todo conhecimento é fixo e
estável, o professor deve apenas aceitá-Io, assimilá-Io e retransmiti-Io. Educar,
nesse caso, é sinônimo de ensinar e a escola, simples retransmissora de
conhecimentos. Impera, na pedagogia da modernidale, a 'epistemologia da
verdade única', no dizer de Kincheloe (1997), que fixa o real em formas estáticas
de conhecimento.
Assim como esquadrinha a vida social, a modernidade burocratiza também o
fazer pedagógico. Ao considerar o processo de aquisição do conhecimento
como linear, a pedagogia incorpora as estratégias do gerenciamento científico,
elaboradas por Taylor para uso exclusivo no sistema de produção. Dessa forma,
conhecimento também é concebido como mercadoria. Se produzir a mercadoria,
de forma eficaz no menor tempo possível, requer a fragmentação do processo de
produção em pequenas tarefas, com o trabalhador executando apenas uma
delas, o ato de ministrar conhecimento ganha a mesma dimensão. Assim, o
conteúdo é também fragmentado em seqüências ordenadas a serem ministradas
em diferentes disciplinas por diferentes professores. A eficiência desse processo
pode ser comprovada através de testes e exercícios apresentados aos alunos
para que os respondam objetivamente. Para a escola, a relatividade é
inconcebível.
Assim como o gerenciamento científico determina um trabalhador alienado do
produto de seu trabalho, a pedagogia científica determina um professor alienado
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do contexto sócio -cultural em que o conhecimento foi produzido, pois para ele
basta racionalizar a sua ação: seqüenciar a informação a ser transmitida,
considerando o nível de complexidade, apresentá-Ia ao aluno e depois testar a
sua assimilação. Segundo Schõn (1995:81), essa é uma estratégia de ensino
que organiza um tipo de saber - que não é propriamente o científico, mas o
escolar - em categorias:
"Existe, primeiro que tudo, a noção de saber escolar, isto é, um tipo de
conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos. É
uma visão dos saberes como factos e teorias aceites, como proposições
estabelecidas na seqüência de pesquisa. O saber escolar é tido como certo,
significando uma profunda e quase mística crença em respostas exactas. É
molecular, feito de peças isoladas, que podem ser combinadas em sistemas
cada vez mais elaborados de modo a formar um conhecimento avançado. A
progressão dos níveis mais elementares para os níveis mais avançados é vista
como um movimento das unidades básicas para a sua combinação em estruturas
complexas de conhecimento" .
Além de impor essa fragmentação nos conteúdos, a pedagogia científica prevê
uma outra fragmentação: impregnada de uma mentalidade hierárquica, ela
separa as instâncias de concepção das instâncias de execução. As instâncias de
concepção delimitam rigorosamente o campo de atuação dos agentes das
instâncias de execução. É dessa mentalidade que surgem os manuais dirigidos
aos professores, que lhes indicam o que, como e quando devem ministrar em
suas aulas.
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"Um ethos técnico é criado, o qual em primeiro lugar, se limita à visão de
cognição do professor, que reduz o ato intelectual de ensinar a uma mera técnica.
Os professores tornam se seguidores de regras, leitores de livros- guias e são
desencorajados a se engajarem em atos interpretativos" (Kincheloe, 1997:20).
o movimento de formação do professor reflexivo critica a pedagogia moderna,
repudiando a idéia da universalidade e aderindo, nesse caso, à<; reflexões
empreendidas pelo pós -modernismo e pelo pós -estruturalismo.
Os pós-modernos condenam todas as metanarrativas, os amplos esquemas
interpretativos com os quais se imagina poder conectar ou representar todas as
coisas. Esse discurso totalizante da modernidade constitui-se num esforço de
fazer sucumbir a heterogeneidade, com técnicas e práticas que tentam controlar
e dominar as diferenças emergi das em contextos localizados e particulares. Há,
nos pós-modernos, uma aceitação absoluta do efêmero, do fragmentário, do
descontínuo e do caótico. "O pós-modernismo nada e até se espoja, nas
fragmentárias e caóticas correntes das mudanças, corno se isso fosse tudo o que
existisse" (Harvey, 1992:49).
Não há a menor intenção de transcender a essas correntes, opor-se a elas e
definir os elementos 'eternos e imutáveis' que poderiam estar contidos nelas. O
potencial revolucionário encontra-se na oposição a todas as formas de
metanarrativas, pois só assim é possível prestar estreita atenção a outros
mundos e outras vozes que a modernidade ocultou e silenciou.
Ao desmitificar a universalidade do saber, o pós-modernismo defende que o
saber não se reduz à ciência. O saber científico é apenas uma forma de saber
que se sustenta no valor da verdade, utilizando-se de um dispositivo
metanarrativo de legitimação, constituindo-se assim numa espécie de discurso;
um discurso que, a partir de 'jogos de linguagem', administra os meios pelos
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quais consegue 'provar' as suas verdades e refutar qualquer enunciado contrário
(Lyotard, 1989). Por assim proceder, o saber científico lança para a obscuridão
todos os outros tipos de saberes.
Segundo Lyotard, é a partir dos jogos de linguagem que as idéias da totalidade e
da unicidade são construídas. Eles criam linguagens e poderes que definem a
maneira com que enxergamos a realidade. Mas, de fato, o que os jogos revelam
não é a realidade em si, mas uma representação dela dentro de um determinado
marco perceptivo. Assim, "não se pode saber o que é próprio do saber, ou seja,
quais os problemas que o seu desenvolvimento e a sua difusão encontram hoje,
se não se sabe nada da sociedade na qual ele se insere. E hoje, mais do que
nunca, saber qualquer coisa sobre ele é, antes de mais nada, escolher a maneira
de a interrogar, que é também a maneira corno ela pode fornecer as respostas"
(Lyotard, 1989: 37).
Essa idéia de Lyotard indica para o pós-estruturalismo a importância
dalinguagem:
"A própria natureza da linguagem é também redefinida. Não mais vista como
veículo neutro e transparente de representação da 'realidade', mas como parte
integrante e central de sua própria definição e constituição, a linguagem também
deixa de ser vista como fixa, estável e centrada na presença de um significado
que lhe seria externa e ao qual lhe corresponderia de forma unívoca e inequívoca.
Em vez disso, a linguagem é encarada como um movimento em constante fluxo,
sempre indefinida, não conseguindo nunca captar de forma definitiva qualquer
significado que a precederia e ao qual estaria inequivocadamente amarrada"
(Silva, 1995 :249).
É nesse sentido que o pós-estruturalismo fala em representação como sendo o
resultado de um complexo processo de significação (Silva, 1999): a realidade
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não possui um significado único e cabal, mas é fruto de um ato interpretativo
condicionado ao contexto particular em que se insere o sujeito. O moderno
empreende uma luta contra as particularidades, cruzando todas as fronteiras da
geografia, da etnicidade, da classe, da nacionalidade, da religião e da ideologia.
Para os pós-estruturalistas, essas fronteiras determinam a percepção que o
sujeito tem sobre a realidade que vivencia.
Para escapar da ditadura de sentidos modernista, é necessário explorar as
qualidades do discurso humano, fundamentando-se nelas para descobrir a
maneira como o conhecimento é produzido em seus lugares particulares. Isso
significa ter consciência de que o conhecimento é um conjunto de códigos
utilizados segundo uma situação particular, obscurecida por uma nebulosa de
elementos discursivos.
Aliando-se a essa tese pós-estruturalista, Usher e Edwards (1996:20) afirmam
que "há um crescente reconhecimento de que todo o conhecimento é parcial,
local e especifico, ao invés de universal e ahistórico, e ele está impregnado de
poder e de interesses realmente, o que caracteriza a modernidade é
precisamente o ocultamento desta parcialidade e o enraizamento do
conhecimento numa dissimulação de neutralidade". O movimento de formação do
professor reflexivo assume essa tese e se propõe a ser um campo de reflexão do
setor educacional que objetiva repensar as práticas pedagógicas a partir da
perspectiva de que a sala de aula é um espaço complexo em que vários saberes
entram em disputa.
19
CAPITULO 3 – Princípio da reflexibilidade
Desenvolvida num contexto de reformas educacionais em vários países
desenvolvidos (e.g. Espanha, Portugal, Estados Unidos e Austrália), o movimento
de formação do profes sor reflexivo toma como base as idéias de Schõn (2000)
que, por sua vez, é altamente influenciado por John Dewey, principalmente no que
concerne à idéia de que o pensamento reflexivo, entendido como "a espécie de
pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe
consideração séria e consecutiva" (Dewey, 1959, apud Lalanda e Abrantes,
1996), é a melhor maneira de pensar.
A preocupação inicial de Schõn não se voltava exclusivamente para o profissional
da área da educação; interessava ao autor reformular o conceito de 'profissional
eficiente' como sendo aquele que inclui no seu desempenho um forte componente
de reflexão a partir de situações práticas reais. Para Schõn, a vida real não é tão
dogmática quanto quer fazer crer o racionalismo técnico, pois apresenta sempre
situações inusitadas que, ao escaparem da explicação racional, desafiam o
profissional a assumir a cada uma delas como única, problematizando-a para
compreendê-Ia e, então, agir adequadamente. Conforme Alarcão (1996: 17):
"A análise da actividade profissional, feita por SchOn, salienta o valor
epistemológico da prática e revaloriza o conhecimento que brota da prática
inteligente e reflectida que desafia os profissionais não apenas a seguirem as
aplicações rotineiras de regras e processos já conhecidos, ainda que, através de
processos mentais heurísticos correctos, mas também a dar resposta a questões
novas, problemáticas, através da invenção de novos saberes e novas técnicas
produzidos no aqui e no agora que caracteriza um determinado problema. É o
conhecimento contextualizado, a alinhar- se ao lado dos conhecimentos
declarativo e processual desenvolvidos por uma epistemologia científica e
técnica. Por detrás da epistemologia da prática que SchOn defende está uma
20
perspectiva do conhecimento, construtivista e situada, e não uma visão objectiva
e objectivante como a que subjaz ao racionalismo técnico".
Portanto, para Schõn, a atividade profissional requer do realizador uma
competência teórica, prática e criativa para agir em contextos instáveis,
indeterminados e complexos. Nóvoa (1995:29), citando McBride, adequa essa
idéia ao campo de formação de professores, afirmando que:
"Para a fonnação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como
um ambiente educativo, onde trabalhar e fonnar não sejam actividades distintas.
A fonnação deve ser encarada como um processo pennanente, integrado no dia-
a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à
margem dos projectos profissionais e organizacionais " .
Assim, o conceito de formação do professor reflexivo reclama do professor uma
nova identidade, que não mais se vincule à imagem do técnico especializado,
aplicador de regras científicas. Essa imagem vai à falência, ao verificarmos que a
ação pedagógica é também uma ação espontânea e improvisada, visto que a
sala de aula apresenta situações que não são possíveis de serem captadas pelo
puro racionalismo, pois são frutos das interrelações subjetivas que ocorrem entre
os agentes do processo ensino-aprendizagem Isto é, acontecem na sala de aula,
desvios e conflitos que tomam caminhos inesperados e impregnam o espaço de
incertezas e complexidade.
"Na verdade, o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário
psicossocial vivo e mutável, definido pela interacção simultânea de múltiplos
factores e condições. Nesse ecossistema o professor enfrenta problemas de
natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de
aprendizagem ou a formas de comportamentos de grupos, requerem um
tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente detenninados
21
pelas características situacionais do contexto e pela própria história da tunna
enquanto grupo social" (Gómez, 1995: 102).
Essa ênfase na prática não deve levar à distorção de que a teoria é inócua. O
que se questiona aqui é a existência de uma teoria científica única e objetiva que
dê conta de todas as premências da prática. A noção de formação do professor
reflexivo propõe uma nova relação entre teoria e prática, que supera a relação
linear e mecânica proposta pelo racionalismo-técnico e alcança uma perspectiva
dialética em que, num movimento dinâmico, prática e teoria se fazem e se
refazem.
"O modelo de ensino reflexivo permite a interacção harmoniosa entre a prática e
os referentes teóricos. Uma prática reflexiva leva à (re)construção de saberes,
atenua a separação entre teoria e prática e assenta na construção de uma
circularidade em que a teoria ilumina a prática e a prática questiona a teoria"
(Amaral et aI., 1996:99).
Já em 1969, Paulo Freire alertava-nos para a relação dialética entre teoria e
prática e a importância da reflexão sobre a ação diante dessa dialeticidade.
Dizia o educador que qualquer ação do homem sobre o mundo carrega
implicitamente uma teoria, mesmo que seu agente não tenha consciência dessa
existência. Para uma ação consciente voltada para a transformação, é
necessário desencadear um processo permanente de reflexão, em que o agente
incide sobre sua ação para desvelá-Ia em seus objetivos, em seus meios e em
sua eficiência. Apenas esse processo reflexivo poderá revelar os vínculos entre a
ação e a teoria. "E se a teoria e a prática são algo indicotomizável, a reflexão
sobre a ação ressalta a teoria, sem a qual a ação (ou a prática) não é verdadeira.
A prática, por sua vez, ganha urna significação nova ao ser iluminada por urna
teoria da qual o sujeito que atua se apropria lucidamente" (Freire,
1977/1992:40,41). Nesse sentido, os conceitos elaborados por Schõn6 são
22
extremamente valiosos.
23
Capítulo 4 - A Representação como um processo de
significação
Embora esteja inserido no paradigma da modernidade, Habermas (1987), ao
fazer a crítica aos modos de racionalidade definidos pela sociedade
contemporânea, aponta novas formas de repensar a universalidade. Para o autor,
a racionalidade técnico-instrumental desenvolvida pela sociedade moderna deve
ser questionada, pois, apesar de ter levado a humanidade a um amplo progresso
tecnológico, não concretizou a emancipação dos homens no que se refere a
todas as formas de repressão social. Com sua obsessão em relação à
objetividade, a modernidade, entendida pelo viés positivista, excluiu de suas
preocupações aspectos da convivência humana e da ética, não resolvendo,
assim, questões do mundo social e da subjetividade. Diante disso, Habermas
(1981/1987) indica, em sua teoria da ação comunicativa, a necessidade de se
desenvolver uma racionalidade comunicativa que, ao levar em conta contextos
interativos, destaca a subjetividade como elemento constitutivo da racionalidade.
O filósofo propõe assim uma mudança de paradigma: o parâmetro da
racionalidade não se situa mais na relação monológica entre sujeito e objeto,
pautada pelo interesse de se conhecer e de se controlar a natureza, mas se
encontra na relação intersubjetiva, portanto dialógica, em que sujeitos se engajam
numa interação a fim de alcançarem, através de manifestações de apoio ou de
crítica, o consenso acerca de algo do mundo da vida.
Para Habermas, não se trata mais de buscar a gênese dos objetos da ciência,
mas de investigar as condições sob as quais as proposições relativas a tais
objetos podem ser validadas (Freitag, 1993:20). Partindo desse pressuposto,
Habermas elege o discurso como elemento fundamental de análise, numa
tentativa de reconstituir as condições universais para a produção de enunciados,
tendo em vista a busca do consenso: ''a teoria da ação
24
comunicativa se propõe corno tarefa investigar a 'razão' inscrita na própria prática
comunicativa e reconstruir a partir da base de validade da fala um conceito não
reduzido de razão"14 (Habermas, 1984/1997:506). Dessa forma, o autor funda
uma teoria que permite examinar os modos de racionalidade existentes na vida
social e cultural dos homens, desmistificando, assim, a idéia de que a
racionalidade científica é a única forma de racionalidade possível.
Essa racionalidade comunicativa de que fala Habermas está pautada pela idéia
de que todo conteúdo proposicional, inserido numa comunicação lingüística que
almeja o entendimento mútuo, expressa quatro pretensões à validade: a da
compreensão do enunciado, a da sinceridade dos interlocutores, a da verdade
contida nos conteúdos proposicionais e a da concordância com as normas
sociais.
A estabilidade de uma interação será alcançada se houver consenso com
relação a essas pretensões à validade. No caso de uma ou mais pretensões
receber algum questionamento, os interagentes tendem a, numa postura
cooperativa, buscar o consenso, com base em argumentos. Para Habermas,
toda manifestação racional encarna um saber que é, em princípio, criticável: a
verdade de uma afirmação ou a legitimidade de uma norma não é dada a priori,
elas são construídas na situação comunicativa, mediante a congruência entre o
enunciado e as pretensões à validade: ''para a racionalidade da manifestação é
essencial que o falante estabeleça urna relação com seu enunciado, urna
pretensão de validade suscetível de crítica que pode ser aceita ou rechaçada por
seu ouvinte" (Habermas, 1981/1987:28). O consenso, nesse caso significa o
reconhecimento intersubjetivo da validade de um proferimento fundamentalmente
aberto à crítica.
Dada essa critibilidade inerente ao enunciado, Habermas assinala a importância
da fala argumentativa, através da qual os participantes da situação comunicativa
25
tematizam as pretensões à validade que se colocam como duvidosas e, por meio
de argumentos, tentam legitimá-Ias. A argumentação pressupõe então razões
que estejam, necessariamente, conectadas com a pretensão à validade do
enunciado problematizado. O consenso que advém desse processo
argumentativo requer que os agentes superem a subjetividade inicial de seus
respectivos pontos de vista e, em favor de uma comunidade de convicções
racionalmente motivadas, assegurem a unidade do mundo objetivo e a
intersubjetividade do contexto em que se desenrola a ação comunicativa.
Embora seja necessária uma unidade para que os homens possam orgamzar
comunidades de comunicação e assim atuar comunicativamente, Habermas
afirma que essa unidade não é ontológica; ela pressupõe uma postura
permanentemente reflexiva, em que os homens questionam-se acerca das
condições sob as quais se constitui para os membros da comunidade de
comunicação a unidade do mundo objetivo. Essa unidade é, portanto, um
consenso intersubjetivamente construído e compartilhado, que garante um saber
de fundo, a partir do qual os homens orientam sua ação social. Nesse sentido,
Habermas refere-se a um sistema de interpretação que, conectada a uma
tradição cultural, guarda com as traduções do espanhol para o português das
citações de Habermas.
A realidade uma relação simbólica, associada a pretensões à validade que são,
por princípio, passíveis de crítica e de revisão. Com base em Popper (1972, apud
Habermas, 1981/1987), Habermas indica o mundo objetivo, o mundo social e o
mundo subjetivo como constituintes desse sistema de interpretação:
Como parte de um processo cooperativo de interpretação que tem como
finalidade a obtenção de definições da situação que podem ser
intersubjetivamente reconhecidas. Nesse processo, os conceitos dos três
mundos atuam como um sistema de coordenadas que todos supõem em comum,
26
em que os contextos da situação podem ser ordenados de forma que se alcance
um acordo acerca daquilo que os implicados podem tratar em cada caso como
um fato ou com uma norma válida ou como uma vivência subjetiva" (Habermas,
1981/1987: 104).
27
CAPITULO 5 - Processo de ensino-aprendizagem
Contrapondo-se aos estudos do desenvolvimento realizados pela psicologia
tradicional, que insiste em analisar as funções psíquicas de forma isolada,
Vygotsky elabora uma teoria sociopsicológica do desenvolvimento em que
interessa explicar o funcionamento e desenvolvimento da mente humana em suas
relações com as situações culturais, institucionais e históricas em que o homem
está envolvido. Define nessa relação a importância da linguagem como
mediadora no processo de solidificação da cultura. Nesse sentido, concentra-se
na análise do processo de significação da palavra, entendendo que esta, por ser
social, não possui natureza intrínseca: para Vygotsky, o significado é sempre um
conteúdo generalizante que reflete uma realidade conceitualizada, socialmente
construída. Visto dessa forma, o significado da palavra permite uma análise das
relações entre o desenvolvimento da capacidade de pensar da criança e o seu
desenvolvimento social. Davydov e Zinchenko (1997: 159) enfatizam essa
importância afirmando que "mudanças qualitativas na situação social em que vive
e atua urna criança levam a mudanças significativas em sua mente, isto é, ao
desenvolvimento da mente". Na verdade, o significado está intrinsecamente
associado àcultura; diferentes culturas criam padrões de significações
diferenciados.
"Uma pessoa precisa de uma estrutura que leve em conta a base cultural e
histórica de intelectos individuais; o conhecimento institucionalizado e as rotinas
coletivas; a categorização da realidade com suas tipificações; a visão de mundo,
as expectativas normativas de como as pessoas, as situações e o mundo são e
deveriam ser; e assim por diante. Tudo isso é o conhecimento implícito 15, que
tem suas origens além do indivíduo, e é essa base sociocultural que forma o pano
de fundo interpretativo de nossos intelectos individuais" (Hundeide, apud Daniels,
1997: 103).
Para Piaget, o pensamento é originalmente autístico; são as pressões sociais
28
que o transformam em pensamento socializado, por meio de uma forma de
pensamento a que ele nomeia de pensamento egocêntrico. Correspondentes a
essas formas de pensamento estão a fala egocêntrica e a fala socializada. A fala
egocêntrica manifesta-se quando a criança descreve sua ação, falando para si
própria, sem nenhuma preocupação com seu interlocutor, portanto, é uma fala
destituída de sua função comunicativa. A fala socializada objetiva comunicar-se
com o outro, de forma a influenciá-Io. Para Piaget, a fala egocêntrica não cumpre
nenhuma função e por isso tende a desaparecer à medida que a fala se socializa.
Considerando essas formas de pensamento e de fala como estágios do
desenvolvimento, é possível afirmar que Piaget associava-se à corrente da
psicologia tradicional que concebia o desenvolvimento como um processo que
partia do individual para o social, isto é, de dentro para fora. As pesquisas de
Vygotsky tendem a provar o contrário.
29
CAPÍTULO 6 - Metodologia de pesquisa
Esta pesquisa assume as discussões colocadas hoje pelo pós-estruturalismo,
que, ao combater a idéia da universalidade, celebra a tolerância à pluralidade e
às diferenças, destacando a importância do discurso na constituição do sujeito.
No setor educacional, foco de atenção deste trabalho, o pós-estruturalismo
propõe um amplo debate sobre currículo, pedagogia e transformação
educacional (Usher, 1996), sem ter a pretensão de organizar uma nova
metanarrativa pedagógica, como bem desejaria uma mentalidade modernista.
Conforme discutido no capítulo teórico, a adesão a essas discussões significa,
para a pesquisa, considerar a ação como centro de análise, entendida como algo
situado no sujeito que, por sua vez, se insere numa história específica como
participante de uma atividade social. Isso requer que se contextualize a práxis,
explorando as condições sociais, históricas e culturais que a justificam. Para
Kemmis (1987), a práxis é reflexiva por definição, pois analisá-Ia significa
proceder uma leitura da situação em que ela está envolvida, localizando o agente
na história. A análise contribui para a reinterpretação de experiências particulares
e da história coletiva. Por isso, a práxis é inerentemente social e política: ela
incorpora aprendizados individuais e idéias construídas socialmente e
expressam, através da ação, os valores e as interpretações do sujeito, ajudam a
justificar a escolha.
Segundo André, a pesquisa etnográfica prevê uma interação entre o pesquisador
e a situação estudada, pois se interessa em compreender as maneiras
particulares com que os sujeitos de pesquisa interpretam as situações vividas e
as relações nas quais estão envolvidos. Esse tipo de pesquisa enfatiza o
processo e não os resultados finais, porque, mais do que testar teorias,
interessa-se em buscar novas formas de entender a realidade. Magalhães (1998:
30
173), ao definir o conceito de colaboração, amplia essa abordagem da
etnografia:
"colaborar, seja em relação ao pesquisador, ao professor, ao coordenador ou ao
aluno, significa agir no sentido de explicar, tomar mais claro seus valores, suas
representações, procedimentos e escolhas, com o objetivo de possibilitar aos
outros participantes, questionamentos, expansões, recolocações do que está em
negociação. Dessa forma, o conceito de colaboração, envolvido em uma
proposta de construção crítica do conhecimento, não significa simetria de
conhecimento e/ou semelhança de idéias, sentidos, representações e valores.
De fato, implica conflitos, tensões e em questionamentos (Bakhtin, 1930; Pechey,
1989) que propiciem aos interagentes possibilidades de distanciamento, reflexão
e conseqüente auto-compreensão dos discursos da sala de aula e de sua
relação com aqueles valorizados de objetividade e neutralidade do
conhecimento, foco na racionalidade técnica, compreensão do processo ensino-
aprendizagem como transmissão e devolução do conhecimento, separação entre
o que sabe/diz e o que aprende/devolve, ênfase no domínio do saber e,
simultaneamente, na docilidade quer do professor quer do aluno) e os não
valorizados pela escola, isto é, que levem em conta questões contextuais, que
propiciem novos papéis ao professor e ao aluno, que estabelecem novas
relações entre "ideologia e conhecimento escolar, entre significado e controle
social" Giroux, 1988:45). "
31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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coordenador. Dissertação de Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da
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PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CULTURAIS