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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE Jornalismo Cidadão: O papel dos meios de comunicação na construção da cidadania Por: Rafaela Pereira Gomes Orientador Prof. Ms. Marco A. Larosa Rio de Janeiro Setembro-2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Jornalismo Cidadão: O papel dos meios de

comunicação na construção da cidadania

Por:

Rafaela Pereira Gomes

Orientador

Prof. Ms. Marco A. Larosa

Rio de Janeiro

Setembro-2003

Jornalismo Cidadão 2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Jornalismo Cidadão: O papel dos meios de

comunicação na construção da cidadania

Apresentação de monografia à

Universidade Candido Mendes como

condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Comunicação para o Terceiro Setor.

Jornalismo Cidadão 3

AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio e incentivo. Ao meu

orientador pela paciência e dedicação. E aos

autores que sem eles nada poderia ser escrito.

Jornalismo Cidadão 4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha mãe e minha amiga

Ana Margarida. Foi com a sua ajuda que pude

concluir esse e tantos outros trabalhos.

Jornalismo Cidadão 5

RESUMO

A proposta é defender um novo jornalismo. Um tipo de

jornalismo que ajude as pessoas a superarem sua sensação

de impotência e alienação, desafiando-as a envolver-se,

engajar-se e tomar para si a responsabilidade sobre

problemas comunitários.

É a interatividade entre jornalistas, imprensa com o

leitor. É preciso abrir espaço para que a comunidade

tenha voz e vez. Dessa forma, os conceitos de cidadania e

ser cidadão poderão ser, enfim, compreendidos e

“utilizados” por toda a sociedade.

Esse conceito de jornalismo público vem dos EUA,

quando tentaram atrair os leitores para a importância das

eleições. No Brasil, ainda mais com o aumento das

atividades de entidades, ONGs (Organizações Não

Governamentais) e outras instituições do Terceiro Setor,

se faz necessário um jornal que leve em consideração o

leitor, que ouça seus problemas e seus anseios.

Jornalismo Cidadão 6

METODOLOGIA

Para realizar essa monografia utilizei os seguintes

recursos: pesquisas em sites, livros e entrevistas com

alguns profissionais.

Por ser um assunto relativamente novo no Brasil, a

literatura não é muito extensa, sendo preciso recorrer à

sites estrangeiros.

Jornalismo Cidadão 7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

CIDADÃO E A HISTORIA DA CIDADANIA 12

CAPÍTULO II

UM GÊNERO QUE O BRASIL COMEÇA A CONHECER 19

CAPÍTULO 3

O PAPEL DA MÍDIA 35

CAPÍTULO 4

UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA 40

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA 48

ÍNDICE 50

FOLHA DE AVALIAÇÃO 51

ANEXOS 52

Jornalismo Cidadão 8

INTRODUÇÃO

A mídia brasileira atravessa uma fase de transição

para adequação do seu modus operandi e da sua linguagem à

febre do “politicamente correto”. Muitos são os motivos

para esse desenvolvimento: crescimento do chamado

terceiro setor, consolidação das culturas do voluntariado

e da responsabilidade social, e pelo incremento das ações

de prevenção e combate à discriminação e por políticas

públicas afirmativas de grupos historicamente segregados

– as chamadas minorias – no Brasil.

Essa questão surgiu nos EUA – conhecido como

jornalismo cívico - quando tentaram atrair os leitores

para a importância das eleições. Já em terras brasileiras

se faz necessário um jornal que leve em consideração o

leitor, que ouça seus problemas e seus anseios. A

imprensa, desde o tempo de Gutenberg, é genuinamente um

espaço público, sendo-o assim por natureza e função.

Antes de sermos jornalistas, somos cidadãos. Exercer a

profissão é, antes de tudo, entender e praticar, através

do ofício, a função social do jornalista, que tem entre

suas prioridades promover a cidadania.

Toda essa preocupação e mudança no modo de pensar e

agir das redações vem ajudando para que o conceito de

Jornalismo Cidadão no Brasil se solidifique. É preciso

que a imprensa cidadã ganhe uma brasilidade e não apenas

copie os padrões existentes, principalmente o americano.

Jornalismo Cidadão 9

Apesar do crescimento na maneira de agir, algumas

redações jornalísticas ainda promovem o jornalismo

espetáculo. Na maioria dos canais na TV aberta,

principalmente, é possível se deparar com programas que

“cultuam” a violência, a desgraça e o sofrimento de

famílias.

Diferente de uma simples campanha, o Jornalismo

Cidadão não é apenas de uma série de reportagens sobre um

problema social, mas a adoção permanente de uma ou mais

causas públicas por um veículo de comunicação. Foi o que

fez o Correio Brasiliense em suas campanhas de Paz no

trânsito e Eu quero paz. Esse tipo de jornalismo

caracteriza-se pela existência e a manutenção de um

vínculo social por parte do veículo, ou, como o definiu

Carlos Eduardo Lins e Silva (revista Imprensa, janeiro de

1997), “o jornalismo cívico é um elo entre os cidadãos e

os problemas da comunidade”.

Vivemos o que é chamado de a Era da Informação,

porém, os meios de comunicação ainda não cumprem

devidamente o seu papel. O que precisa ser feito é evitar

o pânico, a anestesia, a resignação, a desistência de se

indignar. Zuenir Ventura, jornalista colunista do Jornal

O Globo, escreveu num artigo que (O Globo – 28/05/03) a

culpa não é apenas da imprensa, o que está fora da ordem

é o trato que se dá da notícia e a realidade em que

vivemos.

Jornalismo Cidadão 10

“Onde está o exagero – nos relatos ou na

própria realidade? Cada um dos acontecimentos

noticiados correspondia a um sentimento real –

um susto, um choque, um grito de dor. Se a

imprensa não pode alarmar, não deve, por outro

lado, perder a capacidade de se espantar. Não

pode, enfim, aceitar como natural o absurdo que

é a violência” (Zuenir Ventura, O Globo,

28/05/03, em anexo).

A proposta é defender um novo jornalismo. Um tipo de

jornalismo que ajude as pessoas a superarem sua sensação

de impotência e alienação. Tomar para si a

responsabilidade sobre problemas comunitários. É a

interatividade entre jornalistas/imprensa com o leitor,

não deixando apenas a coluna de cartas à redação. Um

jornalismo especializado, mais produzido, onde estejam

incluídas noções de cidadania e respeito.

O compromisso com a democracia não é apenas do

Terceiro Setor. É o compromisso maior do jornalismo e da

imprensa também. Compromisso que começa pela efetiva

prática da liberdade de expressão e pela ausência de

qualquer censura previa. É livre a manifestação de

pensamento, sem a qual democracia não há. Neste sentido,

para a consolidação da democracia convergem o Terceiro

Setor e a imprensa.

Jornalismo Cidadão 11

A imprensa tem prestado inestimáveis serviços ao

Terceiro Setor. No entanto, basta olhar atentamente para

constatar que as relações entre os dois, nos últimos

anos, têm se caracterizado mais pela divergência que pela

convergência. O Terceiro Setor muito se queixa de uma

parte da imprensa incapaz de compreender a prática

privada em favor de um objetivo público, que não o

valoriza, e que freqüentemente o atinge com críticas, nem

sempre consistentes, e quase sempre conjunturais.

É preciso abrir espaço para que a comunidade tenha

voz e vez. Dessa forma, o conceito de cidadania e ser

cidadão poderão ser, enfim, compreendidos e “utilizados”

por toda a sociedade.

Jornalismo Cidadão 12

Capítulo I

Cidadão e a historia da cidadania

Na Roma antiga, o conjunto de cidadãos que

constituíam uma cidade era chamado de civitae. A cidade

era a comunidade organizada politicamente. Era

considerado cidadão aquele que estava integrado na vida

política da cidade. Naquela época, e durante muito tempo,

a noção de cidadania esteve ligada à idéia de privilégio,

pois os direitos de cidadania eram explicitamente

restritos a determinadas classes e grupos.

Afinal, o que é ser cidadão? A etimologia da palavra

cidadão é: “aquele que vive na cidade”, mas, com o

reconhecimento dos direitos civis e sua consagração em

documentos. Ainda no período medieval, a palavra passou a

ser usada para designar a liberdade do homem, seus

direitos e os privilégios que deve ter.

Ser cidadão é ter direito à vida, à propriedade, à

igualdade perante a lei. Em resumo, ter direitos civis. É

também participar no destino da sociedade, votar, ser

votado e ter direitos políticos. Os direitos civis e

políticos não asseguram a democracia sem os direitos

sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo

na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho,

ao salário justo, à saúde e á uma velhice tranqüila.

Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos

e sociais.

Jornalismo Cidadão 13

Cidadania não é uma definição estanque, mas um

conceito histórico, o que significa que seu sentido varia

no tempo e no espaço. É muito diferente ser cidadão na

Alemanha, nos Estados Unidos ou no Brasil (para não falar

dos países em que a palavra é um tabu), não apenas pelas

regras que definem quem é ou não titular da cidadania

(por direito territorial ou de sangue), mas também pelos

direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão

em cada um dos Estados-nacionais contemporâneos.

Mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a

prática da cidadania vêm se alterando ao longo dos

últimos 200 ou 300 anos. Isso ocorre tanto em relação a

uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para

sua população, ao grau de participação política de

diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto),

quanto aos direitos sociais, à proteção social oferecida

pelos Estados aos que dela necessitam.

No sentido moderno, cidadania é um conceito

derivado da Revolução Francesa (1789) para designar o

conjunto de membros da sociedade que têm direitos e

decidem o destino do Estado. Essa cidadania moderna liga-

se de múltiplas maneiras aos antigos romanos, tanto pelos

termos utilizados como pela própria noção de cidadão. Em

latim, a palavra ciuis gerou ciuitas, “cidadania”,

”cidade”, “Estado”.

Jornalismo Cidadão 14

Cidadania é uma abstração derivada da junção dos

cidadãos e, para os romanos, cidadania, cidade e Estado

constituem um único conceito – e só pode haver esse

coletivo se houver, antes, cidadãos. Ciuis é o cidadão

livre e, por isso, ciuitas carrega a noção de liberdade

em seu centro.

Essas definições foram sofrendo alterações ao longo

do tempo, seja pelas alterações dos modelos econômicos,

políticos e sociais ou como conquistas, resultantes das

pressões exercidas pelos excluídos dos direitos e

garantias a poucos preservados.

“A cidadania expressa um conjunto de direitos

que dá à pessoa a possibilidade de participar

ativamente da vida e do governo de seu povo.

Quem não tem cidadania está marginalizado ou

excluído da vida social e da tomada de decisões,

ficando numa posição de inferioridade dentro do

grupo social”.

(DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. 1998.

P.14).

Consta no livro “A história da cidadania” que a

cidadania foi instaurada a partir dos processos de lutas

que culminaram na Declaração dos Direitos Humanos, dos

Estados Unidos da América do Norte, e na Revolução

Francesa. Esses dois eventos romperam o princípio de

legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos

súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos

do cidadão.

Jornalismo Cidadão 15

“Desse momento em diante todos os tipos de luta

foram travados para que se ampliasse o conceito

e a prática de cidadania e o mundo ocidental e

o estendesse para mulheres, crianças, minorias

nacionais, étnicas, sexuais e etárias. Nesse

sentido pode-se afirmar que, na sua acepção

mais ampla, a cidadania é a expressão concreta

do exercício da democracia”.

(PINSKY, Jaime, História da cidadania, 2003, p.

10).

O conceito cidadania, usado por todas as correntes

de pensamento, deve ser conceituado levando-se em

consideração o contexto social do qual se está falando.

Com isso a mesma adquire características próprias, que se

diferenciam conforme o tempo, o lugar, e sobretudo as

condições sócio-econômicas existentes. Enquanto num

contexto desenvolvido, a cidadania é vista com ênfase nos

direitos políticos, num contexto terceiro-mundista jamais

pode ser pensada de fora de uma totalidade que envolve

questões da autonomia, da democracia e do

desenvolvimento, as quais, relacionado-se dialeticamente

entre si, definem a cidadania.

No Brasil, estamos gestando a nossa cidadania. Damos

passos importantes com o processo de redemocratização e a

Constituição de 1988. Mas, muito temos que andar. Ainda

predomina uma visão reducionista da cidadania - votar, e

de forma obrigatória, pagar os impostos, ou seja, fazer

coisas que são impostas - e se encontra muitas barreiras

culturais e históricas para a vivência da cidadania.

Jornalismo Cidadão 16

Os direitos que temos não nos foram conferidos, mas

conquistados. Muitas vezes compreendemos os direitos como

uma concessão, um favor de quem está em cima para os que

estão em baixo. Contudo, a cidadania não é dada, ela é

construída e conquistada a partir da capacidade de

organização, participação e intervenção social.

A cidadania não surge do nada como um toque de

mágica, nem tão pouco a simples conquista legal de alguns

direitos significa a realização destes direitos. É

necessário que o cidadão participe, seja ativo, faça

valer os seus direitos. Se o cidadão não se apropriar

desses direitos fazendo-os valer, esses serão letra

morta, ficarão apenas no papel.

Construir cidadania é também construir novas

relações e consciências. A cidadania é algo que não se

aprende com os livros, mas com a convivência, na vida

social e pública. É no convívio do dia-a-dia que

exercitamos a nossa cidadania, através das relações que

estabelecemos com os outros, com a coisa pública e o

próprio meio ambiente. A cidadania deve ser perpassada

por temáticas como a solidariedade, a democracia, os

direitos humanos, a ecologia e a ética.

A cidadania é tarefa que não termina. A cidadania

não é como um dever de casa, onde faço a minha parte,

apresento e pronto. Enquanto seres inacabados que somos,

sempre estaremos buscando, descobrindo, criando e tomando

Jornalismo Cidadão 17

uma consciência mais ampla dos direitos. Nunca poderemos

chegar e entregar a tarefa pronta, pois novos desafios na

vida social surgirão, demandando novas conquistas e,

portanto, mais cidadania.

Sonhar com cidadania plena em uma sociedade pobre,

em que o acesso aos bens e serviços é restrito, seria

utópico. Contudo, os avanços da cidadania, se têm a ver

com a riqueza do país e a própria divisão de riquezas,

dependem também da luta e das reivindicações, da ação

concreta dos indivíduos.

Afinal, a vida pode ser melhorada com medidas muito

simples e baratas, ao alcance até de pequenas

prefeituras, como proibição de venda de bebidas

alcoólicas a partir de certo horário, controle de ruídos,

funcionamento de escolas como centros comunitários no

final de semana, opções de lazer em bairros da periferia,

estímulo às manifestações culturais das diferentes

comunidades, e muitas outras.

1.1 - Os profetas sociais e o deus da cidadania

A contribuição original dos hebreus à civilização

foi a concepção de um deus que não se satisfazia em

ajudar os exércitos, mas que exigia um comportamento

ético por parte de seus seguidores. Um deus pouco

preocupado em ser o objeto da idolatria das pessoas e com

Jornalismo Cidadão 18

o sacrifício de animais imolados em seu holocausto, mas

muito comprometido com problemas vinculados à exclusão

social, à pobreza, à fome e à solidariedade.

A doutrinação dos chamados profetas sociais

estabelece os fundamentos do monoteísmo ético, que é, por

sua vez, a base das grandes religiões ocidentais

(cristianismo e islamismo, além do judaísmo) e se

constitui, provavelmente, na primeira expressão

documentada e politicamente relevante do que se poderia

chamar de pré-história da cidadania.

O paradoxal é que esses profetas tomaram a bandeira

nostálgica das mãos da população mais pobre. Pela

primeira vez, desde que o mundo era mundo, ouviu-se o

grito dos oprimidos e dos injustiçados. Amós (745 a.C.)

ousou fazer ouvir bem alto o retrato de uma sociedade

injusta. Mais que isso, e nisso se consistiu seu caráter

revolucionário, teve coragem de dizer quais os caminhos

que a sociedade deveria tomar para superar a injustiça e

criar uma sociedade de pessoas com direitos individuais e

sociais.

Ele e Isaías (740 e 701 a.C.) romperam com o

ritualismo e com o pequeno deus nacional, um deus que

necessitava do templo para se impor. Ao criticarem o que

existia e proporem uma nova sociedade, cortaram suas

amarras e parte mar aberto. Desistem do deus do templo,

de qualquer templo, e criam o deus da cidadania.

Jornalismo Cidadão 19

Capítulo II

Um gênero que o Brasil começa a conhecer

O Civic Journalism é um movimento que vem se

expandindo há mais de uma década nos Estados Unidos e já

vêm enfrentado questionamentos. Seu alicerce está no

princípio de que a missão do jornalismo e dos jornalistas

não se limita aos fatos e às notícias. Exige engajamento

nas soluções dos problemas reportados e noticiados, no

caso, problemas sociais e suas correspondentes políticas

públicas.

No Brasil, no entanto, ainda não recebeu uma

tradução definitiva. Jornalismo Cívico tem uma conotação

muito específica, mas afeita ao campo do patriotismo e

dos símbolos nacionais. Outros termos, também usuais, são

Jornalismo Público, Comunitário, Horizontal e Cidadão.

Optei por utilizar o termo Jornalismo Cidadão, por

agregar valores e representar uma gestão mais

participativa.

Quando grandes jornais resolvem, por exemplo,

dedicar parte de seu esforço de cobertura as causas

públicas, estão praticando jornalismo cidadão. Quando

empresas não-jornalísticas resolvem financiar ou dar

apoio institucional a coberturas dos mesmos assuntos,

também ingressam na mesma linha. Mas não se trata apenas

de uma série de reportagens sobre um problema social, mas

Jornalismo Cidadão 20

da adoção permanente de uma ou mais causas públicas por

um veículo de comunicação. É o que tem feito a TV Globo

no programa como o Globo Comunidade. E o que fez o

Correio Brazilense com relação as suas ‘campanhas’ de Paz

no Trânsito e Eu quero paz.

A idéia do Jornalismo Cidadão é aumentar a conexão e

a interatividade entre a mídia e o público e reconhecer

que, para ter uma mídia útil, é necessário que o público

tenha acesso e seja parta integrante dela. Da mesma

forma, é necessário que o público esteja atento ao que a

mídia produz. Não é possível ter boa qualidade de vida,

bons colégios, políticos ou leis se a comunidade não

presta atenção ao que acontece, não fiscaliza.

“A defesa que faço deste nascente jornalismo

cívico não significa a apologia da substituição

do jornalismo investigatório ou do jornalismo

de denuncia ou de qualquer restrição à

liberdade de expressão. Longe disso. Apenas

acredito que quanto mais plural nossa imprensa

for em suas atitudes e compromissos, tanto mais

nossa democracia será consolidada. Tanto mais a

imprensa cumprirá a contento seu objetivo

público. O jornalismo cívico contribuirá para

tornar nossa imprensa mais aberta, e

representativa de uma sociedade cada vez mais

Jornalismo Cidadão 21

complexa. Como o Terceiro Setor, a imprensa não

é um fim em si mesma. É apenas um dos múltiplos

e indispensáveis meios para se consolidar a

democracia”.

(Texto de Falcão, Joaquim. Ioschpe, Evelyn. 3º

Setor - Desenvolvimento Social Sustentado.

1997. 164).

Hoje a imprensa brasileira cobre cada vez mais as

questões sociais. Na década passada aumentou mais de

quatro vezes o número de reportagens sobre infância e

adolescência nos 50 principais jornais do país. Mas a

qualidade das matérias não acompanhou sua evolução

quantitativa.

Boa parte das reportagens foca apenas a catástrofe

(o analfabetismo, a violência, as drogas etc), deixando

de fora contexto e causas. A cobertura sobre meninos de

rua, por exemplo, dá a impressão de que essas crianças

“brotam” nas calçadas como flores; faltam informações

para o leitor perceber que elas são de oportunidades, da

desestruturação familiar, do desemprego, da ausência ou

descontinuidade das políticas públicas.

Mas não é só a mídia que peca hoje. Quando cobre com

uma perspectiva positiva – como em reportagens sobre

voluntariado – fica só na descrição das ações que dão

Jornalismo Cidadão 22

certo, omitindo críticas e análises mais profundas.

Quando cobre ações governamentais nessa perspectiva,

produz textos denominados “chapa-branca”.

2.1 - Sua história

O jornalismo cívico, como gênero, é uma invenção

americana, mas que tem sido replicado em outros paises.

Em 1995, o jornalista norte-americano Davis Merritt

escreveu um livro a que chamou ‘Public journalism and

public life’, que viria servir de inspiração a um

movimento conhecido como jornalismo cívico ou jornalismo

público. Merritt partiu da constatação de que o

jornalismo americano estava em crise, estendendo-se essa

crise a democracia. Segundo Merritt, o público

desinteressou-se dos jornais e da política e o déficit de

confiança entre os cidadãos e as instituições enfraqueceu

de uma maneira preocupante.

O autor propôs uma mudança no jornalismo e em cada

jornalista, não apenas para mudar algumas práticas, mas

também, para repensar o próprio papel do jornalismo numa

democracia moderna. Na sua proposta de mudança, ele parte

de algumas constatações: o jornalismo ignora as suas

obrigações e responsabilidades no efetivo funcionamento

de uma vida pública; essa falta contribui para o declínio

da participação dos cidadãos nos assuntos públicos; o

jornalismo pode – e deve – ser o fator principal na

Jornalismo Cidadão 23

revitalização da vida pública; é, pois, fundamental que

existam mudanças culturais e geracionais na profissão. A

perspectiva de Merritt sobre o papel do jornalismo teve

seguidores nos meios jornalísticos americanos e em meios

acadêmicos, apesar de ter desencadeado também enormes

críticas.

Hoje, há numerosos centros especializados em

fomentá-lo nos EUA, e é um assunto com vasta indexação

nos sites de busca da Internet e com centenas de páginas

especializadas. Uma das principais instituições do gênero

é o Pew Center for Civic Journalism, de Washington,

criado pelo pioneiro The Pew Charitable Trust of

Philadelphia.

Essa organização tomou a iniciativa, em 1933, de

explorar diversas formas de encorajar o cidadão a se

envolver nas soluções de seus problemas comunitários,

culminado com a formulação de um convite para que o

veterano Ed Fouhy, jornalista de TV que nas campanhas

eleitorais de 1988 e 1992 promoveu debates presidenciais,

estivesse à frente da iniciativa.

Outra referência obrigatória é o The Poynter

Institute for Media. Além de lugares como Charlote

(Carolina do Norte), Madison (Wisconsin), Tallahassee

(Flórida), Boston (Massachusetts), San Francisco

(Califórnia) e Seatle (Washington) onde se localizam os

Jornalismo Cidadão 24

principais centros que consolidam experiências de

jornalismo voltado para a cidadania.

A fundação Pew Trust foi criada em 1948 pelos

herdeiros de Joseph Newton Pew, proprietário da Sun Oil

Company. A proposta era financiar projetos de jornalismo

que dessem ressonância às idéias do patriarca.

O jornalismo cívico passou por um longo caminho nos

seis anos desde a criação do Centro Pew de Jornalismo

Cívico, nos Estados Unidos. Quando a Fundação

Assistencial Pew decidiu criar o Centro Pew de Jornalismo

Cívico, ela não estava preocupada com o jornalismo; sua

preocupação era o engajamento cívico. O Fundo temia que a

democracia fosse rompida. Os cidadãos não estavam

votando, não se apresentavam como voluntários e não

participavam ativamente da vida cívica; as pessoas não

estavam se mobilizando para ajudar a cuidar dos problemas

de suas comunidades.

“Imaginou-se se o jornalismo poderia ser uma

parte do problema. Estariam os meios de

comunicação tratando as pessoas nas reportagens

como espectadores de algum espetáculo anormal

cívico, em vez de participantes ativos de uma

sociedade auto-governante?”

(Schaffer, Jan. diretor executivo do Centro Pew

de Jornalismo Cívico, em anexo).

Jornalismo Cidadão 25

A hipótese que formularam foi simples: se os

jornalistas fizessem seu trabalho de forma diferente, os

cidadãos também fariam seu trabalho de forma diferente? O

jornalismo cívico é um rótulo amplo colocado sobre os

esforços dos editores e diretores de jornalismo para

tentar fazer seu trabalho como jornalistas, de forma que

possa superar a sensação de impotência e alienação das

pessoas.

Essa nova realidade mostra que os jornais norte-

americanos queriam e querem ter um contato mais próximo

com os seus leitores. Envolvê-los na elaboração das

noticias e publicar as suas histórias já é uma prática

corrente em muitos casos. Está é a principal conclusão de

um estudo intitulado “Jornalismo Interativo”, realizado

pelo Pew Center for Civic Journalism (PCCJ), entre

janeiro e abril de 2001, junto de 360 jornais diários

norte-americanos.

“Isto representa uma mudança na relação entre

as redações e o público para toda uma geração

de jornalistas que começou a trabalhar depois

do Watergate. Uma das novas práticas adotadas

por 58% dos diários, é a divulgação do endereço

eletrônico do repórter junto a noticia que

assina, sendo que, em pouco mais de 40% dos

casos é publicado o número do telefone do

jornalista”.

(Schaffer, Jan. diretor executivo do Centro Pew

de Jornalismo Cívico, em anexo).

Jornalismo Cidadão 26

2.2- Reinventando o jornalismo.

As características do Jornalismo Cidadão

O Jornalismo Cidadão caracteriza-se pela existência

e manutenção de um vínculo social por parte do veículo. É

um elo entre os cidadãos e os problemas da comunidade.

Alzira Alves de Abreu, professora da Fundação Getúlio

Vargas, do Rio de Janeiro, no XXVI Encontro Anual GT03 –

Controles Democráticos e Cidadania, em Caxambu, MG, fez o

seguinte questionamento: Jornalismo Cidadão é igual a

denuncismo?

“Nas duas últimas décadas, entre os profissio-

nais da mídia, passou a prevalecer à idéia de

que eles devem praticar um jornalismo de

‘utilidade social’, idéia que identifica a ação

jornalística como tendente a servir aos

interesses concretos dos cidadãos, a responder

as preocupações dos seus leitores ou de sua

audiência. Por outro lado, na sua prática

diária, os jornalistas mudaram de orientação.

Ontem eles eram engajados politicamente, tinham

uma ação dentro de partidos ou movimentos

políticos, eles queriam mudar o mundo, fazer a

revolução social. Hoje, eles são profissionais,

são os técnicos da informação que praticam um

jornalismo apartidário, neutro e não quer mudar

o mundo, mas sim ajudar a construir a

cidadania”.

(ABREU, Alzira Alves, FGV-RJ, em anexo).

Jornalismo Cidadão 27

O Jornalismo Cidadão propõe a aproximação das

comunidades com a imprensa, de forma a envolverem os

cidadãos num diálogo que conduza à resolução de

problemas. O Jornalismo Cidadão encara o jornalista como

um participante ativo na vida da comunidade, envolvendo-

se nas suas causas e ajudando a encontrar soluções. Os

defensores desse tipo de jornalismo põem em causa algumas

das concepções tradicionais do jornalismo, tais como a

objetividade e a eqüidistância. Segundo este modelo, o

jornalismo deve, não apenas informar, mas, também formar

pessoas.

Os profissionais comprometidos com esse tipo de

jornalismo fazem com que a cobertura de notícias locais

seja mais relevante. Quem faz acredita que as

investigações de denúncias precisam vir sempre

acompanhadas das investigações de soluções. É um

jornalismo capaz de dar poder e engajar os leitores.

O jornalista cidadão acredita ser possível criar

cobertura noticiosa que motive as pessoas a pensar e até

a agir, em vez de simplesmente atraí-las para assistir. E

ele acredita que é sua responsabilidade fazê-lo. Vale

lembrar que os jornalistas cidadãos não querem dizer aos

leitores e telespectadores o que pensar ou como agir.

Eles estão simplesmente criando uma zona neutra de poder,

armando os cidadãos com informações e, às vezes, com

métodos para conduzir responsabilidades e oferecer alguma

imaginação ou soluções para um problema.

Jornalismo Cidadão 28

Quando o jornalista exerce sua cidadania, ele

transforma, ele mostra as oportunidades para que os

leitores, telespectadores e ouvintes tornem-se cidadãos

ativos em sua comunidade. Com essa idéia na cabeça, os

profissionais podem mudar o seu redor ou seu ambiente de

trabalho, não apenas por sua excelência, mas porque foram

cidadãos no exercício de sua profissão.

“Agora, dependendo dos seus pontos de vistas,

esse é um retorno aos fundamentos do bom

jornalismo ou uma nova e revolucionária

abordagem de como relatar as notícias? Acredito

pessoalmente que é mais do que apenas bom

jornalismo, pelo menos o tipo de jornalismo que

pratiquei por 22 anos no ‘Philadelphia

Inquirer’. Ele emprega todas as ferramentas do

bom jornalismo, mas não receia envolver-se mais

com a comunidade. Ouvindo, sendo um catalisador

de atividade e auxiliando a comunidade a

estabelecer sua própria capacidade. E não tem

medo de afirmar: se o velho jornalismo não está

funcionando, vamos reinventá-lo”.

(Schaffer, Jan. diretor executivo do Centro Pew

de Jornalismo Cívico, em anexo).

Para o professor da UnB (universidade Nacional de

Brasília) e jornalista, Luiz Martins, o jornalismo cívico

ganhou vida própria, a partir do conceito criado por

Jornalismo Cidadão 29

David Merrit, editor-chefe do Wichita Eagle, o veículo de

maior circulação no estado do Kansas. Freqüentemente

associado à direita americana o civic journalism não

merece tal estigma, pois o combate ao consumo de drogas e

a redução da violência são problemas de todos,

independentemente de ideologias.

“E, quando uma causa é pública, não faz sentido

falar em lobby, mas em advocacy, campo

necessariamente associado à defesa de idéias

emancipatórias e a causas de interesse público.

Enquanto o lobby proporciona dividendos

materiais e políticos privados, a advocacy gera

ganhos quantitativos e qualitativos para o bem-

estar coletivo, para a sociedade como um todo”.

(Martins, Luiz. Jornalista e professor da UnB,

em anexo).

A compreensão e a promoção dos valores da cidadania,

como base essencial dos princípios do Jornalismo Cidadão,

estabelecem, para os jornalistas, uma nova perspectiva.

Assim, compreende-se que o exercício desta nova abordagem

começa pela capacidade de uma convivência mais fraterna,

democrática e produtiva entre aqueles que se propõem a

esta empreitada. A missão de melhorar começa pela

capacidade de auto-crítica de cada um dos envolvidos nos

afazeres do cotidiano e encontra na certeza do dever

cumprido a prova de sua viabilidade.

Jornalismo Cidadão 30

Fazer Jornalismo Cidadão significa fazer um

jornalismo pela defesa de valores sociais, como a ética e

a dignidade. O profissional que não está envolvido, não

consegue envolver outras pessoas. Quando o profissional

faz Jornalismo Cidadão, ele faz com que as coisas

aconteçam. Ele se compromete e compromete a sociedade, o

governo e o indivíduo com a solução, com a busca de

solução. Não basta saber o que está acontecendo, não

basta estar informado: é preciso sentir-se responsável e

contribuir para a transformação da realidade.

No Brasil, poucos exemplos podem ser dados de

Jornalismo Cidadão. Em junho de 2000, a revista Imprensa,

em parceria com o Instituto Ayrton Senna, inaugurou uma

seção mensal intitulada Jornalismo Cívico. A coluna foi

tomando forma e serviu como espaço para novas idéias e

experiências de sucesso, mas mais ainda como meio de

propagar esse novo tipo de jornalismo especializado.

Hoje, a coluna não existe mais, mas a semente do

Jornalismo Cidadão já foi plantada.

“O espaço que abrimos, em aliança com a Revista

Imprensa, é um momento de reflexão sobre a

profissão, uma ação que pretende valorizar o

jornalismo que participa e transforma a

realidade. Mensalmente, a coluna vai se dedicar

ao Jornalismo Cívico, que resgata a cidadania

do jornalista e de seu trabalho”.

(revista Imprensa, nº 149/junho de 2000, em

anexo).

Jornalismo Cidadão 31

Outro grande exemplo de Jornalismo Cidadão no Brasil

é o caderno Razão Social – o espaço da empresa cidadã,

encartado no jornal O Globo, sempre no primeiro sábado do

mês. A proposta é abrir um espaço para divulgar ações

sociais feitas por empresas socialmente responsáveis. O

primeiro exemplar foi lançado em junho de 2003, já com

sucesso garantido.

“Um dos melhores jornalistas com quem já tive a

oportunidade de trabalhar repete sempre essa

frase: “a notícia é a contra-mão do óbvio”.

Simples e precisa. Dificilmente o aniversário

de uma jovem de 15 anos merecerá espaço na

primeira página de um jornal. Se essa mesma

jovem ficar grávida ou tiver quíntuplos, as

chances crescem exponencialmente. É verdade que

o número de empresas no Brasil que podem ser

chamadas ‘socialmente responsáveis’ vem

crescendo a cada ano. É verdade também que o

investimento que elas fazem no bem-estar da

comunidade e dos seus funcionários tem

aumentado. Mas, infelizmente, ele ainda está

longe de ser chamado de óbvio. Se não é óbvio,

é notícia. Hoje estamos lançando a revista

Razão Social – o espaço da empresa cidadã. Que

tem, como principal objetivo, transformar em

notícia o trabalho das empresas que investem

tempo, talento e recursos para fazer um Brasil

melhor. Pouco importa se é um grande banco ou

uma pequena fábrica. Uma empreiteira ou um

Jornalismo Cidadão 32

escritório de contabilidade. O nosso critério,

como em qualquer notícia, será sempre

jornalístico. O nosso maior objetivo é ajudar a

fazer com que o tema ‘responsabilidade social’

se torne obrigatório no dia-a-dia das empresas

no Brasil. Que as palavras como solidariedade,

ética e cidadania sejam tão óbvias que deixem

de ser notícia”.

(Agostinho Vieira, editorial Razão Social

junho/03, em anexo).

2.3 - Jornalismo especializado

Essa é uma cadeira comum em quase todas as

faculdades de Comunicação no país. É através do

jornalismo especializado que grandes produções

jornalísticas são feitas. É a noticia mais trabalhada, a

apuração com maior cobertura e para um público

diferenciado.

Jornalismo especializado é a informação de assuntos

determinados para públicos determinados e definido

previamente. Funciona juntamente com as editorias de cada

jornal: jornalismo cultural, econômico, político e

científico, por exemplo.

Nesse tipo de jornalismo o grande desafio do

jornalista é preservar a precisão dos dados colhidos – as

Jornalismo Cidadão 33

informações – usando uma linguagem acessível. O

profissional deve ter conhecimento prévio sobre o assunto

antes de fazer as entrevistas, mas não precisa ser um

especialista na área. Alguns acreditam que a

especialização, através de um curso de pós-graduação ou

até cursando outra faculdade, é interessante para quem

quer trabalhar com um único assunto.

Com o passar do tempo, o jornalista especializado

não pode deixar se envolver pelo conhecimento que

adquiriu, sob pena de perder a capacidade de simplificar

a informação especializada para o leitor comum. Outra

preocupação constante é evitar termos técnicos demais e

explicar aqueles que forem indispensáveis para

entendimento do que está sendo dito.

Mas será esse profissional um jornalista ou um

especialista? Essa existência e necessidade de um

jornalismo especializado são um dos principais argumentos

utilizados pelos que defendem o fim da exigência de

diploma universitário para o exercício da profissão de

jornalista. Alegam que cabe aos especialistas (médicos,

engenheiros, advogados etc) produzir reportagens sobre

assuntos relacionados a suas respectivas áreas de

atuação. Juarez Bahia afirma o contrário.

Jornalismo Cidadão 34

“Seja uma seção de crítica política ou artes,

uma proclamação religiosa ou um relatório

industrial, quem realiza a literatura técnica

do produto a ser comunicado não é o pastor,

político, artista, gerente de produção ou

engenheiro. Mas sim, um especialista treinado

em noticias. O jornalista especializado, por

sua vez, deve estar preparado com algo mais do

que diploma. Deve ter informação científica,

experiência, contato com a literatura técnica”.

(BAHIA, Juarez, Jornal, história e técnica).

Jornalismo Cidadão 35

Capítulo III

O papel da mídia

Estariam os meios de comunicação tratando as pessoas

nas reportagens como espectadores de algum espetáculo

anormal cívico, em vez de participantes ativos de uma

sociedade auto-governante?

Uma forma como os jornalistas tentam fazer

Jornalismo Cidadão é buscar novas definições de notícia.

A maior parte dos jornalistas define notícia como

conflito: encarregado x desafiador, vencedor x perdedor,

pró x contra. O Jornalismo Cidadão busca expandir esta

definição. Ele busca ir além da cobertura de um evento,

uma reunião ou uma controvérsia. Ele tenta conduzir o

conhecimento, e não apenas o desenvolvimento das

notícias. Ele trata da cobertura do consenso e do

conflito, reportagens sobre sucessos e fracassos;

reportagens que possam auxiliar outras comunidades a

lidarem com questões difíceis.

Uma das experiências mais ambiciosas do Centro Pew

realizou-se em Spokane, Washington, em 1999, quando o

jornal “Spokesman-Review” utilizou ferramentas de

mapeamento do Jornalismo Cidadão para determinar os

momentos fundamentais da vida dos jovens que determinam

se eles terão sucesso ou fracassarão quando adultos,

possivelmente terminando na prisão. A idéia não foi

Jornalismo Cidadão 36

apenas cobrir este assunto, mas também descobrir alguns

pontos de intervenção para as agências de assistência

social da comunidade.

Esta é uma definição muito diferente de notícia. O

Jornalismo Cidadão lida com reenquadramento de

reportagens para torná-las mais relevantes para os

leitores. É a comunidade quem deve definir que tipo de

cobertura e fatos jornalísticos a mídia terá de cobrir.

Por isso é importante ligar fatos que acontecem do outro

lado do mundo com a realidade das pessoas que acessam

essa mídia. A interatividade e a conexão irão marcar o

jornalismo nesse século. Não pode mais haver

distanciamento do jornalista em relação aos fatos que ele

cobre. Ele precisa interagir, mostrar o que aconteceu e

dizer como aquilo vai afetar a vida das pessoas.

Para o bem ou para o mal, os meios de comunicação

informam os cidadãos. São funções cruciais em uma

sociedade em que a informação e o conhecimento têm cada

vez mais valor. É importante que, agora que a imprensa

fala cada vez mais sobre as questões sociais, ela também

busque qualificar esse trabalho.

O primeiro passo para isso é compreender que o

jornalismo não precisa necessariamente defender uma causa

– como as crianças, os índios ou a ecologia. A causa

principal do bom jornalismo é a informação de qualidade.

Jornalismo Cidadão 37

Quando um jornal oferece ao seu leitor as informações

relevantes sobre um determinado tema, permite que esse

leitor forme sua opinião com base em uma compreensão mais

profunda do mundo. Oferece instrumentos para que o

cidadão atue na sua realidade para melhora-la. Mas quando

a imprensa oscila entre a catástrofe e o encantamento

prevalece a deformação dos cidadãos e da cidadania.

O segundo passo para qualificar a informação

jornalística – que deveria estar sendo ensinado nas

faculdades e nas próprias redações – é que o jornalista e

os meios de comunicação têm que ser éticos, do contrário

estarão prejudicando a sociedade que os sustenta.

A cobertura da catástrofe e da violência muitas

vezes atribui a indivíduos problemas que, na verdade, são

sociais. Por exemplo, quem trabalha com adolescentes em

situação de risco sabe que são poucos, aqueles que não

têm solução. Mas é muito difícil para esses adolescentes

superarem seus problemas enquanto sua família continua

desestruturada pela pobreza e desemprego, e a sociedade

continua excluindo-os de oportunidades de educação, saúde

e lazer de qualidade.

Outro exemplo de matérias nos moldes do Jornalismo

Cidadão foi produzida pelo jornal “The Orange Country

Register”, da Califórnia, que realizou experiências com

Jornalismo Cidadão 38

uma nova técnica narrativa, para contar a história das

‘Crianças de Motel’; crianças dolorosamente pobres que

viviam em motéis residenciais literalmente em frente ao

parque temático da Disneylândia. A história foi contada

na forma de diálogos, utilizado as próprias palavras das

crianças.

E a reação a esse trabalho foi surpreendente. Ela

incluiu 200 mil dólares em doações, 50 toneladas de

alimentos, 8 mil brinquedos e milhares de horas de

voluntários dedicadas a auxiliar as ‘Crianças de Motel’.

Posteriormente, a repórter Laura Saari afirmou que todos

estavam trabalhando juntos em busca de uma solução.

Devido à abordagem do texto, ninguém sentiu que estava

sendo acusado. Assim, em vem de gastarem energia

defendendo-se, eles foram às ruas.

Esse é o diferencial do Jornalismo Cidadão. Ele

trata da redefinição de equilíbrio. Os jornalistas

relatam os dois lados de uma história e acreditam que são

imparciais e equilibrados. Os jornalistas cidadãos

sugerem que um termo melhor é cobertura bipolar, e não

equilibrada. O equilíbrio está no meio, e não nos

extremos. Os jornalistas cidadãos tentam assegurar que

todas as pessoas afetadas pela questão tenham voz na

história.

Jornalismo Cidadão 39

O Jornalismo Cidadão estimulou numerosas

experiências. Ele não defende o abandono do papel de

vigilante, mas sim que ele seja acrescido de

responsabilidades extras. Ele lida com o fornecimento de

pontos de entrada para envolver as pessoas e encorajar a

interatividade entre jornalistas e cidadãos. Ele busca

criar conversas de duas vias com os leitores, ao

contrário da busca de informações de uma só via, como tão

freqüentemente se vê no jornalismo tradicional.

Além de revelar as questões sociais em sua devida

complexidade, a abordagem ética do Jornalismo Cidadão

implica também em assumir a posição política de quem

informa. Muitos meios de comunicação têm contornos

nitidamente político-partidários, mas não se assumem

enquanto tal. Usam o discurso da “defesa do bem público”

para favorecer ou prejudicar determinador grupos.

Produzir uma cobertura mais profunda, elaborada e

ética das questões sociais é o melhor caminho para que os

meios de comunicação de fato contribuam para a construção

de uma sociedade mais justa e democrática. Esse é o papel

da mídia. Essa é a função do jornalista.

Jornalismo Cidadão 40

Capítulo IV

Universidade Solidária

Da mesma maneira com que o Jornalismo Cidadão vem

ganhando terreno nas redações, ele recebe ajuda de

algumas universidades. A importância de ensinar Ética no

jornalismo e como escrever para transformar um cidadão

são conceitos que já estão sendo levadas em conta.

O nome já diz tudo – Comunicação Social – é a

“obrigação” das faculdades e dos alunos terem um

comprometimento maior com a sociedade e com o social

local.

Na UnB, por exemplo, Jornalismo Cidadão é tema

recorrente de palestras, seminários e aulas da Faculdade

de Comunicação (FAC). Aproximar mídia e comunidade é uma

tarefa abraça pela FAC. Num cenário de aldeia global, os

novos jornalistas devem deparar-se com uma sociedade que

tem múltiplos acessos à informação. A eles cabe humanizar

o trato dessas informações para atrair leitores,

aproximar a atividade jornalística da vida das pessoas.

Luiz Martins, vice-diretor da faculdade, acredita que a

mídia precisa tratar as informações públicas com caráter

emancipatório – para fazer a comunidade interpretá-las –

e não sob prisma manipulatório.

Jornalismo Cidadão 41

Por ser uma proposta inovadora para os bancos da

faculdade de jornalismo, essa iniciativa da UnB é apenas

um ponto de início. Nada muda instantaneamente. É preciso

implantar a idéia aos poucos e depois provar que dá

certo. É preciso sempre ensinar e lembrar aos alunos que

o jornalismo tem a função de servir à sociedade, à

democracia e à vida pública. É preciso criar um modelo de

jornalismo em que os profissionais deverão estar ligados

às aspirações da comunidade.

Além desse enfoque a UnB criou o projeto SOS

Imprensa, um serviço de utilidade pública para um

assessoramento participativo. Um serviço acadêmico, sem

fins lucrativos, para a construção de uma imprensa

melhor. O SOS Imprensa se divide em subprojetos para o

estudo de diversos temas relacionados à imprensa e ao

aperfeiçoamento de seus papéis frente aos usuários. Estes

projetos são de responsabilidade de bolsistas do CNPq e

do PIBIC-UnB.

Segundo informações do próprio site, o SOS Imprensa

atua em favor da liberdade de expressão com

responsabilidade. Não proporciona serviços de advocacia,

mas está disposto a ouvir, sem pré-julgar, qualquer

pessoa que se considere vítima dos meios de comunicação

de massa e orientá-la quanto aos seus direitos e

procedimentos necessários.

Jornalismo Cidadão 42

Criado em 1996, o projeto tem acolhido estudantes de

Comunicação dispostos a fortalecer o exercício da

cidadania perante a mídia, seja como bolsistas, seja como

voluntários. A equipe deste Projeto de Extensão da UnB

também acompanha permanentemente noticiários e

programações, com vistas à realizações de debates,

seminários e apresentações de trabalhos em fóruns

especializados.

Outra faculdade que também investe em aproximar a

sociedade da mídia, é a FACHA – Faculdades Integradas

Hélio Alonso, no Rio de Janeiro. Na sua estrutura, além

de vários departamentos, possui um conhecido como NEEC –

Núcleo de Educação e Comunicação Comunitária, coordenado

pelo Professor Nailton de Agostinho Maia.

Um dos projetos do NEEC é a TV FACHA. Seu objetivo é

estimular estudantes, docentes e comunidades a

compreenderem a televisão como ferramenta para

reconstrução social com ética. São alunos do curso de

Comunicação Social das Faculdades Integrantes Hélio

Alonso que produzem os programas semanais, veiculados no

telão da Faculdade e na TV Comunitária, canal 14 da TV à

cabo. A produção de documentários é o carro chefe do

trabalho de pesquisa de forma de linguagem na TV FACHA. O

NEEC orienta o modo de criação coletivo da TV, que

realiza também encontros com outras TV´s Comunitárias.

Jornalismo Cidadão 43

“Jornalismo Cidadão, Cívico são termos novos,

mas se referem a algo muito antigo. Desde que a

verticalidade assumiu de fato o lugar no

processo de comunicação e educação. O que

queremos e entendemos é que comunicação é um

outro processo e não esse que temos na grande

mídia. Queremos uma comunicação horizontal,

onde todos possam e tenham direito de atuar”.

(Nailton de Agostinho Maia, professor e

coordenador do NEEC, em anexo).

A USP – Universidade de São Paulo - também tem um

espaço dedicado a essas discussões: o NEC – Núcleo de

Comunicação e Educação. Criado em 1996, o NEC tem

dedicado especial atenção a inter relação entre

Comunicação e Educação, área interdisciplinar emergente

de grande importância para esses dois campos do saber.

Sua proposta de trabalho é a de buscar caminhos para

uma maior e mais eficaz integração da comunicação no

espaço educativo. Atendendo a professores e alunos,

orientando teses, promovendo cursos, o NEC adquiriu uma

experiência que vem oferecer à comunidade.

A Universidade Católica de Santos, em São Paulo, a

partir do princípio de que a universidade é uma

organização católica eminentemente comunitária, a serviço

Jornalismo Cidadão 44

da comunidade, tem procurado transmitir o saber, coloca-

lo à disposição da comunidade e elaborar novos

conhecimentos. Através do NECOM – Núcleo de Extensão

Comunitária – a UNISANTOS operacionaliza a Extensão

Comunitária. Como conseqüência desse compromisso público

regional a UNISANTOS busca um fator diferenciado através

da circulação constante do saber universitário na

comunidade.

A evolução nas tecnologias de comunicação e

informação provoca profundas mudanças na maneira como os

seres humanos vivem, pensam e trabalham. Agora, para ser

cidadão, é preciso aprender a navegar num oceano de

informações. E a escola, o lugar tradicionalmente

dedicado ao ensino e à aprendizagem, à transmissão de

informações, tem que introduzir a comunicação. Informação

é poder. É preciso aprender a ler criticamente as

informações que se recebe.

A educação pela comunicação é um ótimo jeito de

formar cidadãos para uma sociedade em que a informação e

o conhecimento valem cada vez mais.

Jornalismo Cidadão 45

Conclusão

Jornalismo Cidadão é isso. Jornalismo que transforma

e denuncia. Mas também aponta as saídas. O desejo é de

construir e de contribuir para um país melhor e não o de

simplesmente expor a desgraça alheia.

O espaço editorial que o Jornalismo Cidadão está

ocupando nos meios de comunicação é cada vez mais amplo.

Editorias de economia, política, cotidiano, entre outras,

vêm apontando que, quando as questões sociais são

mostradas sob nova perspectivas, um novo olhar, a matéria

é capaz de transformar omissões em compromissos. Essa é a

nova maneira de ver, perceber e informar, quando o

jornalista mostra que a transformação da realidade é

responsabilidade de todos e está ao alcance de cada um.

Os jornalistas brasileiros estão olhando a realidade

de uma nova forma. Buscando soluções, tentando enxergar o

país que dá certo, as matérias, ao invés de imobilizarem

os leitores com o sentimento de impotência, tentam

mostrar que há saídas para os desafios que o país

enfrenta.

E qual o lucro final de todo esse trabalho? Para a

comunidade: está sendo possível, e será ainda mais,

assistir a jornalismo de qualidade que também aumenta a

capacidade da comunidade para lidar com problemas; o

Jornalismo Cidadão 46

fornecimento aos leitores de meios de agir faz com que

eles tomem providencias; o Jornalismo Cidadão aumenta de

forma mensurável o conhecimento dos leitores sobre

assuntos específicos; e os esforços desse tipo de

jornalismo influência positivamente as percepções dos

meios de comunicação pelas pessoas.

Para o jornalismo, os ganhos também acontecem: ganha

profundidade com ressonância mais autêntica com a

comunidade, em vez de jornalismo que apenas reflete os

dois lados de uma questão; jornalistas redescobrem suas

comunidades e rompem alguns velhos estereótipos; todos os

tipos de inovações nas redações – novas páginas, novos

empregos, novos critérios, novas declarações de missão,

novo vocabulário; por fim, o Jornalismo Cidadão produz um

ambiente que permite os editores assumirem novos riscos.

É claro que o Jornalismo Cidadão não possui todas as

respostas sobre o que aflige os meios de comunicação. Mas

ele pode receber boa fatia de crédito por fazer surgir

alguns remédios. E acredito que necessitamos tentar de

tudo e agarrar rápido tudo o que for bom.

Mudar o enfoque do noticiário não depende apenas de

“incentivadores” como o Grande Prêmio Ayrton Senna de

Jornalismo ou as pesquisas da ANDI. Mudar o jornalismo

depende do próprio jornalista, do profissional que

acredita no seu papel de cidadão-transformador.

Jornalismo Cidadão 47

Fazer a escolha pelo Jornalismo Cidadão pode

contaminar toda uma redação de um jornal a ponto de

transformar o foco do trabalho inteiro. Tornar-se “um

mediador da sociedade” e “prestar serviços à população”

implica em compromisso de todos. Notas que viram

matérias, matérias que viram seções e cadernos, cadernos

que viraram o compromisso social do jornal como um todo.

Mas que uma decisão estratégica, o jornal toma em suas

mãos a ação de ser co-responsável na transformação da

sociedade.

Jornalismo Cidadão 48

BIBLIOGRAFIA

LIVROS

* DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania.

São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.

* PINSKY, Jaime e Carka Pinsk, História da cidadania. São

Paulo: Editora Contexto, 2003.

* IOSCHPE, Evelyn. 3º Setor - Desenvolvimento Social

Sustentado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997.

* BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. São Paulo:

Editora Ática, 1990.

* FERNANDES, Rubens César. Privado, porém público – O

Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro: Editora

Relume-Dumará, 1994.

REVISTAS E JORNAIS

* Revista Imprensa, janeiro de 1997.

* Revista Imprensa, nº 143/outubro de 2000.

* Revista Imprensa, nº 146/janeiro de 2001.

Jornalismo Cidadão 49

* Revista Imprensa, nº 149/junho de 2000.

* Revista Imprensa, nº 152/setembro de 2000.

* Revista Imprensa, nº 155/dezembro de 2000.

* O Globo – 28/05/03

* Razão Social – o Espaço da empresa cidadã, junho/03.

SITES

* Site da Assessoria de Comunicação da Faculdade Nacional

de Brasília: www.unb.br

* Site Questões Globais – uma publicação do Departamento

de Estado dos Estados Unidos: www.usinfo.state.gov/

* Site da Aponcs: www.anpocs.org.br

* Site do Observatório da Imprensa:

www.observatoriodaimprensa.com.br

* Site do especialista em Marketing Institucional Luis

Paixão Martins: www.luispaixaomartins.net

* Site da Faculdade de Comunicação de Brasília:

www.unb.br/fac/sos/artigos

* Site do projeto SOS Imprensa: www.unb.br/fac/sos

* Site da Universidade Católica de Santos:

www.unisantos.br/necom

Jornalismo Cidadão 50

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

CIDADÃO E A HISTORIA DA CIDADANIA

12

1.1 - Os profetas sociais e o deus da cidadania 17

CAPÍTULO II

UM GÊNERO QUE O BRASIL COMEÇA A CONHECER

19

2.1- Sua história 22

2.2- Reinventando o jornalismo. As características

do Jornalismo Cidadão

26

2.3 - Jornalismo especializado 32

CAPÍTULO 3

O PAPEL DA MÍDIA

35

CAPÍTULO 4

UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA

40

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA 48

ÍNDICE 50

FOLHA DE AVALIAÇÃO 51

ANEXOS 52

Jornalismo Cidadão 51

FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-Graduação “Lato Sensu”

Comunicação para o Terceiro Setor

Título da monografia: Jornalismo Cidadão – o papel dos

meios de comunicação na construção da cidadania

Autor: Rafaela Pereira Gomes

Orientador: Marcos Antonio Larosa

Data da Entrega: 30 de setembro de 2003

Avaliado por:

___________________________________ Nota ________

___________________________________ Nota ________

___________________________________ Nota ________

Nota Final ________

Rio de Janeiro, ______ de _________________ de 2003.

Jornalismo Cidadão 52

Anexos

Culpa da imprensa? Zuenir Ventura – colunista do Jornal O Globo

Artigo exibido dia 28 de abril de 2003

Não são poucos os leitores que crêem na hipótese de que a

violência no Rio é, em grande parte, uma construção virtual da

imprensa, uma espécie de reflexo amplificado de seus exageros.

Quando se viaja, então, a pergunta é inevitável: “por que vocês só

falam de violência?”. Numa cidade do interior, um jovem repórter

insistiu para que eu, em nome do jornalismo, assumisse a

responsabilidade pelo medo que nos cerca. Como se já não bastasse o

casal Garotinho repassando a culpa de tudo para a mídia.

Anteontem, uma leitora indignada escreveu para O GLOBO

perguntando até quando o Rio seria “massacrado pela propaganda da

violência”. Ela citava o exemplo de sua empresa, e de outras que

estavam sendo prejudicadas pelo que considera ser uma distorção da

imprensa local, que ignora o que de ruim se passa em outras cidades

para se concentrar nas baixarias daqui. Gaúcha morando no Rio há

cinco anos, ela contava: “Ando de carro importado que não é

blindado, com pulseira de ouro e tudo a que tenho direito, e afirmo

que nunca fui assaltada”.

Jornalismo Cidadão 53

Um testemunho animador. Mas inúmeros outros podem se contrapor

a ele. De qualquer maneira, dei uma olhada no jornal para ver se do

que fora publicado havia o que não fosse notícia ou tivesse recebido

destaque inadequado. É verdade que nos últimos dias – e não só – os

fatos policiais predominaram no noticiário. Na nossa primeira

página, Rosinha e Chiquinho confraternizam numa grande foto,

enquanto o texto fala do escândalo em que o secretário é acusado de

proteger o tráfico na Mangueira.

Nas páginas de dentro, mais notícias relacionadas com

violência. De um lado, a matéria do juiz barbaramente espancado e

torturado por jovens bandidos de classe média. Mais adiante, o

enterro da estudante morta numa falsa blitz. Embaixo, o incidente

dos quatro pitboys que agrediram freqüentadores de uma boate gay,

espancado dois guardadores de carro e desafiando PMs. Ontem, a

manchete era o crime brutal, hediondo, “infame”, como disso o

ministro Gil, de Almir Chediak. Exagero? Onde está o excesso – nos

relatos ou na própria realidade?

Cada um dos acontecimentos noticiados correspondia a um

sentimento real – um susto, um choque, um grito de dor. Se a

imprensa não pode alarmar, não deve, por outro lado, perder a

capacidade de se espantar. Tem de evitar o pânico, mas também a

anestesia, a resignação, a desistência de se indignar. Não pode,

enfim, aceitar como natural o absurdo que é a violência.

Entrevista – Nailton Agostinho Maia, professor e

coordenador do NEEC (Facha)

- O que é comunicação Social?

Comunicação social. O próprio nome do curso já devia obrigar os

cursos nessa área a atuarem num compromisso direto com a sociedade,

e o social local – com todas as problemáticas e as coisas boas do

bairro.

Mas isso não acontece na real. Os cursos são voltados para formar

profissional que atue na grande corporação, sempre o macro, de falar

para o mundo o país inteiro.

Jornalismo Cidadão 54

- Qual a sua análise sobre as discussões sobre Jornalismo Cidadão?

Essas discussões de jornalismo comunitário, cidadão, cívico, a

comunicação comunitária... já vem desde de muito tempo. Não vejo

isso como algo novo, você tem os termos, cidadão, cidadania, já o

comunitário fica meio de lado. Antes você tinha o participativo –

comunicação participativa. Outros tratavam de comunicação

horizontal. Tudo para dizer a mesma coisa na horizontalidade todos

participam. E participar é o que se espera do direito cívico. Que

todos tenham esse direito e que exerçam a participação. Jornalismo

cidadão, cívico são termos novos. Mas é algo antigo porque desde que

a verticalidade assume de fato o lugar no processo de comunicação e

educação, os alternativos, aqueles comunicadores de linha de fogo

começam a aparecer. Ou seja, eles querem e entendem que comunicação

é um outro processo e não esse que temos na grande mídia: falando de

um outro lugar para todo mundo. Querem uma comunicação que todos

podem e tenham direito de atuar.

- E os alunos, como devem se preparar para essa realidade?

Penso que hoje, antes mesmo dos alunos chegarem na faculdade, eles

devem ter durante todos seus estudos, começando no fundamental, uma

disciplina específica para essas discussões. O que antigamente foi

chamado de moral e cívica. Penso ser importante essa cadeira, com

outro nome, mas com um conteúdo de virtude, moral e ética. E a

faculdade deve tratar disso, com discussão sobre ética. É um lugar

do conhecimento, não devia formar trabalhadores para empresa nenhuma

de comunicação. A conseqüência natural dessa discussão na

universidade deverá ser o emprego e não o principal. Mas esse não é

o desenho que nós temos do mundo acadêmico, que quer a

profissionalização. Os estudantes já querem chegar tratando das

práticas.

- E o jornalismo cidadão nas faculdades, como deve ser abordado?

A mesma coisa nessa linha de jornalismo cidadão. Se tratar esse tipo de jornalismo com a mesma prática que se faz na imprensa de hoje, iremos formar profissionais com modelagens. Não irá mudar em nada. Uma matéria dessa é diferente das outras, e um jornalismo que deve sair desse modelo. É preciso que a gente crie uma brasilidade desse jornalismo cidadão. Eu defendo isso. Nosso modelo de comunicação é todo americano. Aqui, ainda mais nesse jornalismo cidadão, o protagonista teria um tempo maior de fala.

Jornalismo Cidadão 55

- Qual o papel do jornalista na formação de um cidadão?

O jornalismo tem que ajudar a isso. O conforto é o direito a voz.

Poder falar, escrever, produzir... fazer parte dessa comunicação. E

o jornalismo tinha que ajudar nesse sentido, não em transformar

outra empresa cidadã. Penso muito numa possibilidade de uma ova

ordem social a partir dessa recuperação da fala, do diálogo. Os

cursos de comunicação estão indo, mas nessa linha de

responsabilidade social, terceiro setor. Ainda não é espontâneo.

Que fim levou?

Luiz Garcia – colunista do Jornal O Globo

Artigo exibido dia 2 de abril de 2003

Por que os jornais não publicam boas notícias? A última vez

que me fizeram essa pergunta foi mês passado, em Campinas, num

debate com professores. Mas ela persegue em toda parte, e há muito

tempo, jornalistas que se metem a explicar a profissão a pessoas que

lêem jornal todo dia – e têm idéias próprias, nem sempre generosas,

a respeito.

Na verdade, a certeza ou a desconfiança de que amamos a

notícia ruim preocupa a gente também. Anos atrás, um grande jornal

tentou enfrentar a má impressão publicando reportagens marcadas pelo

rótulo de “Boa notícia” acima de tudo. A tentativa não durou. Boas

notícias eram raras, e tudo também parecia ser confissão de que não

era boa nenhuma de todas as outras notícias daquela edição.

Quando o ouvinte é paciente, sempre se pode explicar a

aparente vocação para o triste e o ruim com uma definição das

notícias. Por exemplo, a de que ela é o registro da quebra de rotina

ou de frustração de expectativa. Existe quando ocorre o inesperado:

ou o que se temia ou aquilo com que se sonhava.

Jornalismo Cidadão 56

A definição explica o registro de fatos associados à violência

e ao medo (por mais que sejam freqüentes) e também se aplica à

manifestação de honestidade e eficiência em áreas – o serviço

público, por exemplo – tradicionalmente tidas como berço da preguiça

e refúgio da incompetência. Ou seja, áreas em que a rotina é

negativa.

Mas o conceito não se presta para o fato de que, em algum

lugar, alguém está trabalhando como deve e ganhando honestamente o

seu salário. Isso irrita e ofende o cidadão que cumpre sua obrigação

e descobre que não há lugar na comunicação de massa para elogio ou

simples registro de seu esforço cotidiano. Por que é assim? Existe

uma resposta em que a imprensa fica muito bem, e outra bem menos

generosa. Você tem direito a ambas.

Primeiro: grande número dos, digamos assim, fatos feios

exigem, em algum momento, uma tomada de posição dos cidadãos, em

defesa da sociedade, em nome do instinto de sobrevivência. E o povo

depende da mídia para conhecer a extensão do perigo e descobrir hora

e forma de reagir.

Segunda: grande quantidade das notícias dita desagradáveis –

sobre violência e discórdia, derrotas e vergonhas – todo mundo adora

ler. A má notícia aumenta Ibope e vende jornal. A péssima, muito

mais.

Jornalismo Cidadão 57

Isso posto, servilmente dá-se aqui a quem reclama, cobrando

uma boa notícia que ninguém deu (ou deu escondido). Estamos desde

hoje em abril, o outono já se instalou. Que fim levou nossa estival

epidemia de dengue, presença obrigatória de todos os inícios de ano?

Perdemos a chance de dar esse raro tipo de notícia importante: a que

vale pelo que rigorosamente não aconteceu.

O nascimento de um cidadão Moacyr Scliar

História da Cidadania – Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky

Para renascer, e às vezes para nascer, é preciso morrer, e ele

começou morrendo. Foi uma morte até certo ponto anunciada, precedida

de uma lenta e ignominiosa agonia. Que teve inicio numa sexta-feira.

O patrão chamou-o e disse, num tom quase casual, que ele estava

despedido: contenção de custos, você sabe como é, a situação não

está boa, tenho que dispensar gente.

Por mais que esperasse esse anúncio – que na verdade até

tardara um pouco, muitos outros já haviam sido postos na rua – foi

um choque. Afinal, fazia cinco anos que trabalhava na empresa. Um

cargo modesto, de empacotador, mas ele nunca pretendera mais:

afinal, mal sabia ler e escrever. O salário não era grande coisa,

mas permitira-

Jornalismo Cidadão 58

lhe, com muito esforço, sustentar a família, esposa e dois filhos

pequenos. Mas já não tinha salário, não tinha emprego - não tinha

nada.

Passou no departamento de pessoal, assinou os papéis que lhe

apresentaram, recebeu se derradeiro pagamento, e, de repente, estava

na rua. Uma rua movimentada, cheia de gente apressada. Gente que

vinha de lugares e que ia para outros lugares. Gente que sabia o que

fazer.

Ele, não. Ele não sabia o que fazer. Habitualmente iria para

casa, contente com a perspectiva do fim de semana, o passeio no

parque com os filhos, a conversa com os amigos. Agora, a situação

era outra. Como poderia chegar em casa e contar à mulher que estava

desempregado? Há mulher, que se sacrificava tanto, que fazia das

tripas coração para manter a casa funcionando? Para criar coragem,

entrou num bar, pediu um martelo de cachaça, depois outro e mais

outro. A bebida não o reconfortava; ao contrário, sentia-se cada vez

pior. Sem alternativa, tomou o ônibus para o humilde bairro em que

morava.

A reação da mulher foi ainda pior do que ele esperava.

Transtornada; torcia as mãos e gritava angustiada, o que é que vamos

fazer, o que é que vamos fazer. Ele tentou encorajá-la, disse que de

imediato procuraria emprego. De imediato significava, naturalmente,

segunda-feira; mas antes disso havia o sábado e o domingo, muitas

horas

Jornalismo Cidadão 59

penosas que ele teria de suportar. E só havia um jeito de fazê-lo:

bebendo. Passou o fim de semana embriagado. Embriagado brigando com

a mulher.

Quando, na segunda-feira, saiu de casa para procurar trabalho,

sentia-se de antemão derrotado. Foi a outras empresas, procurou

conhecidos, esteve no sindicato; como antecipara, as respostas eram

negativas. Terça foi a mesma coisa, quarta também, e quinta, e

sexta. O dinheiro esgotava-se rapidamente, tanto mais que o filho

menor, de um ano e meio, estava doente e precisava ser medicado. E

assim chegou o fim de semana. Na sexta à noite ele tomou uma

decisão: não voltaria para casa.

Não tinha como fazê-lo. Não poderia suportar ver os filhos

chorando, a mulher a mirá-lo com ar acusador. Ficou no bar até que o

dono o expulsou, e depois saiu a caminhar, cambaleante. Era muito

tarde, mas ele não estava sozinho. Nas ruas havia muitos como ele,

gente que não tinha onde morar, ou que não queria um lugar para

morar. Havia um grupo deitado sob uma marquise, homens, mulheres e

crianças. Perguntou se podia ficar com eles. Ninguém lhe respondeu e

ele tomou o silêncio como concordância. Passou a noite ali, dormindo

sobre jornais. Um sono inquieto, cheio de pesadelos. De qualquer

modo, clareou o dia e quando isso aconteceu, ele sentiu um

inexplicável alívio: era como se tivesse ultrapassado uma barreira,

como se tivesse se livrado de um peso. Como se tivesse morrido? Sim,

como se tivesse morrido. Morrer não lhe parecia tão ruim, muitas

vezes pensara em imitar o gesto do pai que, ele ainda era criança,

se atirara sob um trem. Muitas vezes

Jornalismo Cidadão 60

pensava nesse homem, com quem nunca tivera muito contato e

imaginava-o sempre sorrindo (coisa que na realidade raramente

acontecia) e feliz. Se ele próprio não se matara, fora por causa da

família; agora, que a família era coisa do passado, nada mais o

prendia à vida.

Mas também nada o empurrava para a morte. Porque, num certo

sentido, era um morto-vivo. Não tinha passado e também não tinha

futuro. O futuro era uma incógnita que não se preocupava em

desvendar. Se aparecesse comida, comeria; se aparecesse bebida,

beberia (e bebida nunca faltava; comprava-a com as esmolas. Quando

não tinha dinheiro sempre havia alguém para alcançar-lhe uma

garrafa). Quanto ao passado, começava a sumir na espessa névoa de um

olvido que o surpreendia – como esqueço rápido as coisas, meu Deus –

mas que não recusava; ao contrário, recebia-o como uma bênção. Como

uma absolvição. A primeira coisa que esqueceu foi o rosto do filho

maior, garoto chato, sempre a reclamar, sempre a pedir coisas.

Depois, foi o filho mais novo, que também chorava muito, mas que não

pedia nada – ainda não falava. Por último, foi-se a face devastada

da mulher, aquela face que um dia ele achara bela, que lhe aquecera

o coração. Junto com os rostos, foram os nomes. Não lembrava mais

como se chamava.

E ai começou a esquecer coisas a respeito de si próprio. A

empresa em que trabalhara. O endereço da casa onde morava. A sua

idade – para que precisava saber a idade? Por fim, esqueceu o

próprio nome.

Aquilo foi mais difícil. É verdade que, havia muito tempo,

ninguém lhe chamava pelo nome. Vagando de um lado para o outro, de

bairro em bairro, de cidade em cidade, todos lhe eram desconhecidos

e ninguém exigia apresentação. Mesmo assim foi com certa inquietação

que pela primeira vez se perguntou: como é mesmo o meu nome? Tentou,

por algum tempo se lembrar. Era um nome comum, sem nenhuma

peculiaridade, algo como José da Silva (mas não era José da Silva);

mas isto, ao invés de facilitar, só lhe dificultara a tarefa. E

algum momento tivera uma carteira de identidade que sempre carregava

consigo; mas perdera esse documento. Não se preocupava – não lhe

fazia falta. Agora esquecia seu nome... Ficou aborrecido, mas não

Jornalismo Cidadão 61

por muito tempo. É alguma doença, concluiu, e esta explicação o

absolvia: um doente não é lembrado a lembrar nada.

De qualquer modo, aquilo mexeu com ele. Pela primeira vez em

muito tempo – quanto tempo? Meses, anos? – decidiu fazer alguma

coisa. Resolveu tomar um banho. O que não ra habitual em sua vida,

pelo contrário: já não sabia mais há quanto tempo não se lavava. A

sujeira formava nele uma crosta – que de certo modo o protegia.

Agora, porém, trataria de lavar-se, de aparecer como fora no

passado.

Conhecia um lugar, um abrigo mantido por uma ordem religiosa.

Foi recebido por um silencioso padre, que lhe deu uma toalha, um

pedaço de sabão e o conduziu até o chuveiro. Ali ficou, muito

tempo, olhando a água que

Jornalismo Cidadão 62

corria para o ralo – escura no início, depois mais clara. Fez a

barba, também. E um emprego lhe cortou o cabelo, que lhe chegara aos

ombros. Enrolado na toalha foi buscar as roupas. Surpresa:

- Joguei fora – disse o padre – Fediam demais.

Antes que ele pudesse protestar, o padre entregou-lhe um

pacote:

- Tome. É uma roupa decente.

Ele entrou no vestiário. O pacote continha cuecas, camisa, uma

calça, meias, sapatos. Tudo usado, mas em bom estado. Limpo. Ele

vestiu-se, olhou no espelho. E ficou encantado: não reconhecia o

homem que via ali. Ao sair, o padre, de trás de um balcão,

interpelou-o:

- Como é mesmo o seu nome?

Ele não teve coragem de confessar que esquecera como se

chamava.

- José as Silva.

O padre lançou-lhe um olhar penetrante – provavelmente todos

ali eram José da Silva – mas não disse nada. Limitou-se a fazer uma

anotação num grande caderno.

Ele saiu. E sentia-se outro. Sentia-se como que – embriagado?

– sim, como que embriagado. Mas embriagado pelo céu, pela luz do

sol, pelas árvores, pela multidão que

Jornalismo Cidadão 63

enchia as ruas. Tão arrebatado estava que, ao atravessar a avenida,

não viu o ônibus. O choque, tremendo, jogou-o à distancia. Ali

ficou, imóvel, caído sobre o asfalto, as pessoas rodeando-o.

Curiosamente, não tinha dor; ao contrário, sentia-se leve, quase que

como flutuando. Deve ser o banho, pensou.

Alguém se inclinou sobre ele, um policial. Que lhe perguntou:

- Como é que está, cidadão? Dá para agüentar, cidadão?

Isso ele não sabia. Nem tinha importância. Agora sabia quem

era. Ra um cidadão. Não tinha nome, mas tinha um título: cidadão.

Ser cidadão era, para ele, o começo de tudo. Ou o fim de tudo. Seus

olhos se fecharam. Mas seu rosto se abriu num sorriso. O último

sorriso do desconhecido, o primeiro sorriso do cidadão.