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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DOMESTRE FATORES ATUANTES NA EVOLUÇÃO DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO Curso : Docência do Ensino Superior Autor: Demétrio Marcelo Ribeiro Garcia Orientador: Prof Diva Data de Entrega: 29 set 04

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DOMESTRE

FATORES ATUANTES NA EVOLUÇÃO DO

SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

Curso : Docência do Ensino Superior

Autor: Demétrio Marcelo Ribeiro Garcia

Orientador: Prof Diva

Data de Entrega: 29 set 04

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

FATORES ATUANTES NA EVOLUÇÃO DO

SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

OBJETIVOS: Analisar os principais fatores que atuaram no Sistema Educacional Brasileiro, assim como as principais reformas e movimentos que resultaram na reconstrução da política educacional brasileira, do período colonial até o Governo Castelo Branco..

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AGRADECIMENTOS

A todos o corpo docente do Projeto “A vez do mestre”, à professora DIVA, em especial, pela paciência e competência com que levou esse trabalho à frente. Enfim, essa dedicatória vai para todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a concretização desse trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse livro a minha mulher ANA, que tanto

colaborou para a confecção e o aperfeiçoamento

desse trabalho (com seus palpites que são

intermináveis), aos meus filhos LUISA, JOÃO

VICTOR e o pequeno ARTHUR, que sem eles

para atrapalhar a toda hora, não teria a menor

graça, e por fim, para minha mãe, que não precisa

de maiores explicações, mãe é mãe.

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RESUMO

Esse trabalho é de extrema importância no que tange aos fundamentos da

educação no Brasil, seu desenvolvimento, seu abandono, seus prós e contras, num

país já tão contraditório.

No decorrer do trabalho vão surgindo perguntas que estarão sempre sem

respostas definitivas, pois não conseguimos encontrar uma resposta que satisfaça

a nossa curiosidade e, por que não, nossa decepção com a educação de um povo

que merecia muito mais.

A proposta foi buscar a educação em seu início, nas escolas jesuíticas, fazendo

um paralelo com as mudanças políticas ocorridas no Estado, mostrando o

quanto a influência política tendeu a direcionar e, em algumas vezes, a modificar

radicalmente a forma e o tipo de educação ministrada no Brasil.

Por fim, temos a proposta de mostrar como o somatório de todas essas questões,

de vital importância para o Brasil, contribuíram para o presenciamos no Brasil

contemporâneo.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada se destina, dentro de uma abordagem teórico-metológica, a

destrinchar cada período de nossa riquíssima história ( da colônia à Republica nova até chegar ao

governo Castelo Branco), relacionando-os com a política educacional superior adotada pelos

vários governos brasileiros.

Será mostrado passo a passo, a relação entre o Governo X Educação, utilizando com

referência: bibliografias, outros trabalhos relacionados com o tema, bem como, internet e jornais

da época.

Para se entender a atual situação superior no Brasil, devemos ficar atentos com os enlaces

que começaram a acontecer há muito tempo atrás, só assim entenderemos os gargalos existentes

em nossa educação e a forma contraditória de como se tornou instrumento de exclusão social,

principalmente quando desemboca no terceiro grau.

Através dessa investigação histórico-político-educacioal, co-relacionaremos tempo/ação,

trazendo esse resultado para os dias atuais, mostrando essa relação científico-temporal entre

políticas passadas e problemas atuais no Sistema educacional brasileiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULOI 10

AEDUCAÇÃO: DA COLÔNIA “AO IMPÉRIO 10

CAPÍTULOII 28

A EDUCAÇÃO: DA REPÚBLICA AO GOVERNO CASTELO BRANCO 28

CONCLUSÃO 81

BIBLIOGRAFIA 83

ÍNDICE 84

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INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como objetivo principal caracterizar a conjuntura da educação no Brasil,

desde a sua criação (Brasil Reino Unido a Portugal e Algarves), bem como seu desenvolvimento

durante a vida política brasileira, mostrando suas tentativas de melhoria, através de medidas

político-econômicas, e por fim, fazer uma relação entre as mudanças educacionais no decorrer do

tempo e a sua atual situação.

Devido ao tema acima exposto, este trabalho faz parte do campo da História do Poder, e

não , simplesmente, da História Educacional ou História Política.

Em primeiro lugar porque não se trata de todas as medidas políticas adotadas pelos

governos brasileiros, da época (somente medidas relacionadas à educação); Em segundo lugar,

não se trata de História econômica, puramente, pois o trabalho não tem a proposta, muito menos a

pretensão, de se aprofundar em teorias e fórmulas educacionais.

A pesquisa irá se desenvolver numa junção de ambas, tanto política com econômica,

resultando numa História de Poder.

Podemos entender com História de Poder uma forma de dominação, formas de sujeição

que funcionam localmente (ou não), por exemplo, numa oficina, numa empresa, no Estado, numa

sociedade do tipo servil/escravista, ou seja, em todos os lugares temos essa relação de poder.

Tudo isso são formas de poder, que têm seu próprio modo de funcionamento,

procedimento e técnica, sendo todas essas formas de poder heterogêneas.

Esta é a idéia de poder, que não é localizado, de um poder que não é propriedade, que não

se restringe a uma concepção jurídica de poder, desta concepção de poder a partir a lei e do

soberano, a partir da regra e da proibição, enfim, um poder que está imbricado nas relações

sociais com os “nós entrecruzados de uma malha”.

Observamos então, uma relação (e uma identificação) entre essa definição de história do

poder e as medidas político-econômicas adotadas pelos governos (do Reino Unido ao Governo

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Militar – Castelo Branco), os quais influenciaram o Estado (a partir dessas mudanças políticas,

teremos mudanças educacionais e posteriormente, mudanças sociais).

Para que o trabalhos seja melhor entendido é necessário que se faça a definição dos

conceitos usados:

Política Educacional – É o conjunto de medidas tomadas pelo governo de um país, com o

intuito de influir sobre os mecanismos sociais. Embora dirigidas ao campo educacional, essas

medidas obedecem também a critérios sociais, na medida em que determinam, por exemplo, quais

segmentos da sociedade se beneficiarão com as diretrizes educacionais emanadas do Estado.

Essa política educacional depende da visão que os governantes têm do papel do Estado no

conjunto da sociedade. De maneira geral, podem-se classificar as políticas educacionais:

estruturais, de estabilização conjuntural e de expansão.

A política estrutural está voltada para modificações da estrutura educacional do país,

regulando o funcionamento do mercado educacional (mudando o padrão da política educacional

vigente).

A política de estabilização conjuntural visa a superação de desequilíbrios ocasionais,

podendo envolver tanto uma luta contra a evasão escolar, como o combate ao analfabetismo.

A política de expansão tem por objetivo a manutenção ou aceleração do desenvolvimento,

aparando arestas existentes, com o único intuito de promover o aperfeiçoamento do sistema

educacional buscando aprimorar uma qualidade.

A problemática apresentado pela pesquisa será mostrar a criação do ensino no Brasil, suas

orientações e objetivos no decorrer dos tempos, mostrado, ao final, a relação entre esses

acontecimentos e a atual situação do Ensino no Brasil.

Para isso, a pesquisa irá tratar com o hipótese, a política educacional calculada de cada

governo, a prioridade e o incentivo dados à Docência , como forma de melhoria social no Brasil.

Para analisar tais mudanças, a pesquisa será dividida em dois capítulos : o primeiro

capítulo começará mostrando a educação feita por jesuítas ( a primeira a ser efetiva no Brasil), até

o fechamento do capítulo com o fim do Primeiro Império.

O segundo capítulo irá no mostrar uma política educacional mais recente, compreendida

entre o final da República velha e o Governo Castelo Branco, com a criação da primeira Lei de

Diretrizes para a Educação.

Por fim, iremos Ter uma conclusão comentando a relação educação/governos,

desenvolvendo a importância de cada governo da época para o desenvolvimento da educação no

Brasil.

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CAPÍTULO I

A Educação: da Colônia ao Império

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A EDUCAÇÃO: DA COLÔNIA AO IMPÉRIO

1.1 – Condições favoráveis para a educação jesuítica

A economia colonial brasileira fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava

teve implicações de ordem social e política bastante profundas. Ela favorece o aparecimento da

unidade básica do sistema de produção, de vida social e do sistema de poder representado pela

família patriarcal.

O isolamento e a estratificação sociais, esta a princípio, basicamente dual, aliados à

necessidade de manutenção de um esquema de segurança, favoreceram uma estrutura de poder

fundada na autoridade sem limites do dono de terras.

Foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a importação de formas

de pensamento e idéias dominantes na cultura medieval européia, feita através da obra dos

Jesuítas. Afinal, ao branco colonizador, além de tudo, se impunha distinguir-se, por sua origem

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européia, da população nativa, negra e mestiça, então existente. A classe dominante, detentora do

poder político e econômico, tinha de ser também detentora dos bens culturais importados.

Não é pois de se estranhar que na Colônia tenham vingado hábitos aristocráticos de vida.

No propósito de imitar o estilo da Metrópole, era natural que a camada dominante procurasse

copiar os hábitos da camada nobre portuguesa. E, assim, a sociedade latifundiária e escravocrata

acabou por ser também uma sociedade aristocrática. E para isso contribuiu significativamente a

obra educativa da Companhia de Jesus.

As condições objetivas que portanto favoreceram essa ação educativa foram, de um lado, a

organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da

formação mesma dos padres da Companhia de Jesus. A primeira condição consistia na

predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de

agregados e escravos. Apenas aqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número

restrito, porquanto deveriam estar excluídos dessa minoria as mulheres e os filhos primogênitos,

aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. Destarte, a escola era freqüentada

somente pelos filhos homens que não os primogênitos. Estes recebiam apenas, além de uma

rudimentar educação escolar, a preparação para assumir a direção do clã, da família e dos

negócios, no futuro. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe

dominante que estava destinada a educação escolarizada.

A segunda condição consistia no conteúdo cultural de que se faziam portadores os padres.

Que conteúdo era esse? Era, antes de tudo, a materialização do próprio espírito da Contra-

Reforma, que se caracterizou sobretudo por uma enérgica reação contra o pensamento crítico, que

começava a despontar na Europa, por um apego a formas dogmáticas de pensamento, pela

revalorização da Escolástica, como método e como filosofia, pela reafirmação da autoridade, quer

da Igreja, quer dos antigos, enfim, pela prática de exercícios intelectuais com a finalidade de

robustecer a memória e capacitar o raciocínio para fazer comentários de textos. Se aos Jesuítas de

então faltava o gosto pela ciência, sobrava-lhes, todavia, um entranhado amor às letras, cujo

ensino era a maior preocupação. “Humanistas por excelência e os maiores do seu tempo,

concentravam todo o seu esforço, do ponto de vista intelectual, em desenvolver nos seus

discípulos, as atividades literárias e acadêmicas, que correspondiam, de resto, aos ideais de

“homem culto” em Portugal, onde, como em toda a península ibérica, se encastelara o espírito da

Idade Média e a educação, dominada pelo clero, não visava por essa época senão a formar

letrados eruditos. O apego ao dógma e à autoridade, a tradição escolástica e literária, o

desinteresse quase total pela ciência e a repugnância pelas atividades técnicas e artísticas tinham

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forçosamente de caracterizar, na Colônia, toda a educação modelada pela Metrópole, que se

manteve fechada e irredutível ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação.

Resta-nos agora saber de que forma esse tipo de conteúdo veio corresponder aos anseios

da minoria dominante na estrutura da sociedade nascente.

O ensino que os padres jesuítas ministravam era completamente alheio à realidade da vida

da Colônia. Desinteressado, destinado a dar cultura geral básica, sem a preocupação de qualificar

para o trabalho, uniforme e neutro (do ponto de vista nacional, como quer Fernando de Azevedo),

não podia, por isso mesmo, contribuir para modificações estruturais na vida social e econômica

do Brasil, na época. Por outro lado, a instrução em si não representava grande coisa na construção

da sociedade nascente. As atividades de produção não exigiam preparo, quer do ponto de vista de

sua administração, quer do ponto de vista da mão-de-obra. O ensino, assim, foi conservado à

margem, sem utilidade prática visível para uma economia fundada na agricultura rudimentar e no

trabalho escravo. Podia, portanto, servir tão-somente à ilustração de alguns espíritos ociosos que,

sem serem diretamente destinados à administração da unidade produtiva, embora sustentados por

ela, podiam dar-se ao luxo de se cultivarem. Evidentemente, a esse tipo de desocupados sociais,

cujo destino não estava associado a uma atividade manual – então reservada aos cativos e,

portanto, estigmatizada – ou mesmo profissional definida, só podia interessar uma educação

literária, humanista, capaz de dar brilho à inteligência. A esse tipo de indivíduos convinha bem a

educação jesuítica, “portanto não perturbava a estrutura vigente, subordinava-se aos imperativos

do meio social, marchava paralelamente a ele. Sua marginalidade era a essência de que vivia e se

alimentava.

Casavam-se, portanto, os objetivos da população, que buscava educação com os objetivos

da educação jesuítica. Aqueles, identificados exclusivamente com a ilustração da mente, estes

representados pelo conteúdo cultural “importado em bloco do Ocidente, internacionalista, de

tendência inspirada por uma ideologia religiosa católica e a cuja base residiam as humanidades

latinas e os comentários das obras e Aristóteles, solicitadas num sentido cristão. Tratando-se de

uma cultura neutra do ponto de vista nacional (mesmo português), estreitamente ligada à cultura

européia, na Idade Média, e alheia a fronteiras políticas – como tinha de ser a cultura difundida

por uma associação essencialmente internacional, com o característico de verdadeira milícia

papalina – é certo que essa mesma neutralidade (se nos colocarmos do ponto de vista qualitativo)

nos impede de ver, nessa cultura, nas suas origens e nos seus produtos, uma cultura

especificamente brasileira, uma cultura nacional ainda em formação”.

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1.1.2– Objetivos da Educação Jesuítica

Não se podem perder de vista, evidentemente, os objetivos práticos da ação jesuítica no

Novo Mundo: o recrutamento de fiéis e servidores. Ambos foram atingidos pela ação educadora.

A catequese assegurou a conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante criação de

escolas elementares para os “curumins” e de núcleos missionários no interior das nações

indígenas. A educação que se dava aos “curumins” estendia-se aos filhos dos colonos, o que

garantia à evangelização destes. A simples presença dos padres já era garantia de manutenção da

fé entre os colonos. Quanto aos servidores da Ordem, estes deveriam ser preparados para o

exercício do sacerdócio e foi principalmente para eles que se fundaram os colégios, onde se

passou a ministrar o ensino das ciências humanas, as letras e as ciências teológicas. Foi também

na camada dominante que se recrutaram os homens que iriam engrossar as fileiras dos sacerdotes

da Ordem.

Assim, os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para a

população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os homens da classe

dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe

sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última. A parte da população escolar que

não seguia a carreira eclesiástica encaminhava-se para a Europa, a fim de completar os estudos,

principalmente na Universidade de Coimbra, de onde deviam voltar os letrados.

A obra de catequese, que, em princípio, constituía o objetivo principal da presença da

Companhia de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar, em importância, à educação

da elite. E foi com esta característica que ela se firmou durante o período em que estiveram

presentes no Brasil os seus membros e também com essa mesma característica que ela sobreviveu

à própria expulsão dos Jesuítas, ocorrida no século XVIII. Dela estava excluído o povo e foi

graças a ela que o Brasil se “tornou por muito tempo, um país da Europa”, com os olhos voltados

para fora, impregnado de uma cultura intelectual transplantada, alienada e alienante. Foi ela, a

educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de classe, com as características que tão

bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e

atingiu o período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural,

mesmo quando a demanda social de educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais

baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar. Era natural que assim

fosse, porque esse tipo de educação veio a transformar-se no símbolo da própria classe, distintivo

desta, fim, portanto, almejado por todo aquele que procurava adquirir status. Na época colonial

mesma, “... já não era somente pela propriedade da terra e pelo número de escravos que se media

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a importância ou s avaliava a situação social dos colonos: os graus de bacharel e os de mestre em

artes (dados pelos colégios) passaram a exercer o papel de escada ou de ascensor, na hierarquia

social da Colônia, onde se constituiu uma pequena aristocracia de letrados, futuros teólogos,

padres-mestres, juizes e magistrados.

Símbolo de classe, esse tipo de educação livresca, acadêmica e aristocrática foi fator

coadjuvante na construção de poder na Colônia. Isso porque a classe dirigente, aos poucos, foi

tomando consciência do poder público. Os primeiros representantes da Colônia junto às Cortes

foram os filhos dos senhores de engenho educados no sistema jesuítico. Casaram-se, assim,

portanto, a grande propriedade, o mandonismo e a cultura transplantada expandida pela ação

pedagógica dos Jesuítas.

1.2 – Queda da Educação Jesuítica

Esse complexo sobreviveu mesmo à expulsão dos Jesuítas em 1759. A decadência

econômica em que entrou o Reino Português, principalmente com a queda da mineração, e o

atraso cultural que, entre outras coisas, teve no fanatismo religioso um de seus fatores, fez com

que surgisse na Metrópole um descontentamento geral em relação aos Jesuítas. Na Colônia, já se

faziam notar os atritos entre estes e a população, em torno da questão da escravização dos índios.

Juntava-se a isso a presença, tanto no Reino, quando na Colônia, de idéias provindas do

enciclopedismo, declaradamente anticlericais. Da ascensão do Marquês de Pombal, cuja linha de

pensamento estava estreitamente vinculada ao enciclopedismo, resultou a expulsão dos Jesuítas

de Portugal e de seus domínios.

Inúmeras foram as dificuldades daí decorrentes para o sistema educacional. Da expulsão

até as primeiras providências para a substituição dos educadores e do sistema jesuítico transcorreu

um lapso de 13 anos. Com a expulsão, desmantelou-se toda uma estrutura administrativa de

ensino. A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a

graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a

ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da educação.

Mas, apesar disso, a situação não mudou em suas bases. Recorde-se de que os Jesuítas

mantiveram, além de colégios para a formação de seus sacerdotes, seminários para a formação do

clero secular. Era esse o clero que atuava principalmente nas fazendas de onde ele proviera,

constituído, como era, de filhos das famílias proprietárias, Foram estes que formaram a massa de

tios-padres e capelães de engenho e que, por exigência das funções, foram também os mestres -

escola ou preceptores dos filhos da aristocracia rural. Formados nos seminários dirigidos pelos

Jesuítas, eles foram os naturais continuadores de sua ação pedagógica, Compuseram também o

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maior contingente de professores recrutados para as chamadas aulas régias introduzidas com a

reforma pombalina. Assim, “embora parcelado e fragmentário e rebaixado de nível, o ensino mais

variado nos seus aspectos orientou-se para os mesmos objetivos, religiosos e literários, e se

realizou com os mesmos métodos pedagógicos, com apelo à autoridade e à disciplina estreita,

concretizados nas varas de marmelo e nas palmatórias de sucupira, tendendo a abafar a

originalidade, a iniciativa e a força criadora individual, para pôr em seu lugar a submissão, o

respeito à autoridade e a escravidão aos modelos antigos”.

O século XIX, no Brasil, viu porém surgir uma estratificação social algo mais complexa

do que a predominante no período colonial. A presença, pelo menos, de uma camada

intermediária, se não surgia, mas acentuada com a mineração, fez-se cada vez mais visível,

principalmente na zona urbana, onde se radicou. Sua participação na vida social passou então a

ser mais ativa, não tanto pelas atividades produtoras a que estava ligada – o artesanato, o pequeno

comércio, a burocracia – mas sobretudo pelo comprometimento político. Foi nesta camada

intermediária que se recrutaram os indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e principalmente à

política. O período marcante de sua presença foi o da Regência, por isso mesmo um dos períodos

mais conturbados do século.

O mercado interno, criado e reforçado com a economia de mineração, foi um fator

importante na ascensão dessa classe intermediária, que Nelson Wernek Sodré prefere chamar de

pequena burguesia, pelas afinidades que teve com a mentalidade burguesa, também em plena

ascensão na Europa. Essa classe desempenhou relevante papel na evolução da política no Brasil

monárquico e nas transformações por que passou o regime no final do século. E se ela pôde fazê-

lo, isso se deve sobretudo ao instrumento de que dispôs para afirmar-se como classe: a educação

escolarizada.

1.2.1- A relação entre o desenvolvimento econômico- educacional

Assim, o período que se seguiu à independência política viu também diversificar-se um

pouco a demanda escolar: a parte da população que então procurava a escola já não era apenas

pertencente à classe oligárquico-rural. A esta, aos poucos, se somava a pequena camada

intermediária, que, desde cedo, percebeu o valor da escola como instrumento de ascensão social.

Desde muito antes, o título de doutor valia tanto quanto o de proprietário de terras, como garantia

para a conquista de prestígio social e de poder político. Era compreensível, portanto, que ,

desprovida de terras, fosse para o título que essa pequena burguesia iria apelar, a fim de firmar-se

como classe e assegurar-se o status a que aspirava.

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Mas, se essa camada intermediária procurou a educação, como meio de ascensão social,

são suas relações com a classe dominante que vão proporcionar-nos uma compreensão maior da

característica dominante no ensino brasileiro, na época e posteriormente. Essas relações são ainda

relações de dependência. Uma vez que as camadas inferiores viviam na servidão ou na

escravatura e o trabalho físico era tido como degradante, não é de se estranhar que se

considerasse o ócio como um distintivo de classe. Não era, pois, a essas camadas que a classe

intermediária iria ligar-se, mas à camada superior, de quem iria depender para obter ocupações

consideradas mais dignas, como as funções burocráticas, administrativas, intelectuais. “Numa

estrutura social, como a existente no Brasil do início do século XIX, a camada intermediária, em

que são recrutados os intelectuais, deveria depender da classe dominante, cujos padrões aceita e

consagra. Nada a aproxima das classes dominadas, que fornecem trabalho.” Se assim é, o ensino

que essa classe procurava era justamente aquele que se proporcionava a própria classe dominante,

porque era o único que “classificava”. Vemos assim que, embora já existissem duas camadas

distintas freqüentando escolas, o tipo de educação permanecia o mesmo para ambas, ou seja, a

educação das elites rurais.

Todavia, se, por um lado, a pequena burguesia se ligou à classe dominante da qual

dependia, por outro, ela estava, pela própria característica de classe burguesa, vinculada às idéias

liberais então dominantes na Europa. Essa foi a contradição maior, no dizer de Nelson Wernek

Sodré, em que viveu essa nova classe emergente de um lado, suas relações de dependência para

com a aristocracia rural, e, de outro lado, sua ligação com a ideologia burguesa que primava, na

Europa, pela contestação da antiga ordem fundada em idéias aristocrático-feudais. E seria essa

contradição que iria acabar provocando não só a ruptura das duas classes aqui no Brasil, como a

vitória dos ideais burgueses sobre a ideologia colonial, que se concretizou, numa primeira fase,

com a abolição da escravatura e a proclamação da República e, posteriormente, com a

implantação do capitalismo industrial.

Que tipo de escola predominou nessa ordem social é o que aqui nos importa verificar. Em

primeiro lugar, convém assinalar a herança recebida da Colônia. Além de algumas escolas

primárias e médias, em mão de eclesiásticos, existiam também os seminários episcopais, entre os

quais sobressaiu o seminário de Olinda, fundado em 1800 pelo Bispo Azeredo Coutinho, famoso

por seu espírito de renovação científica, e ainda algumas aulas régias criadas com a reforma

pombalina.

A presença do príncipe Regente, D. João, por 12 anos, trouxe sensíveis mudanças no

quadro das instituições educacionais da época. A principal delas foi, sem dúvida, a criação dos

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primeiros cursos superiores (não-teológicos) na Colônia. Embora organizados na base de aulas

avulsas, esses cursos tinham um sentido profissional prático. Dentre as escolas superiores,

distinguiram-se a Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar, esta mais tarde

transformada em Escola Central e Escola Militar de Aplicação, que tiveram a incumbência de

formar engenheiros civis e preparar a carreira das armas. Os cursos médico-cirúrgicos da Bahia e

do Rio de Janeiro foram as células das nossas primeiras Faculdades de Medicina. Não se pode

omitir a criação de um curso da Economia Política, que ficou a cargo de José da Silva Lisboa. O

Gabinete de Química organizado na Corte e o Curso de Agricultura criado na Bahia, em 1812,

foram duas tentativas de implantação do ensino técnico superior, que, se não vingaram, pelo

menos tiveram o mérito de trazer para a Colônia opções diferentes em matéria de educação

superior. Deve-se assinalar ainda a presença da Missão Cultural Francesa, que teve como

conseqüência a criação da Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, em

1820. Esta seria transformada depois em Escola Nacional de Belas Artes. Finalmente, a criação

do Museu Real, do Jardim Botânico, da Biblioteca Pública, cujo acervo inicial foi de 60.000

volumes, vindos da Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Portugal, e, ainda, a Imprensa Régia

completaram o quadro da criação da infra-estrutura cultural de que necessitava a Corte para viver

na Colônia.

Com D. João, no entanto, não apenas nascia o ensino superior, mas também se iniciava um

processo de autonomia que iria culminar na Independência política. Todavia, o aspecto de maior

relevância dessas iniciativas foi o fato de terem sido levadas a cabo, com o propósito exclusivo de

proporcionar educação para uma elite aristocráticas e nobre de que se compunha a Corte. A

preocupação exclusiva com a criação de ensino superior e o abandona total em que ficaram os

demais níveis do ensino demonstram claramente esse objetivo, com o que se acentuou uma

tradição – que vinha da Colônia – a tradição da educação aristocrática. Ao mesmo tempo

lançaram-se as bases para uma revolução cultural que, embora lenta, culminou de certa forma na

introdução de hábitos de pensamento e ação que vigoravam na Europa do século XIX e

compuseram a ideologia da burguesia brasileira em ascensão, no final do século.

A independência política não modificou o quadro da situação do ensino, pelo menos de

imediato. Considerada por João Cruz Costa como “simples transferência de poderes dentro de

uma mesma classe, (a Independência) entregaria a direção da nova ação aos proprietários de

terras, de engenhos e aos letrados”. O papel, portanto, que os letrados passaram a desempenhar na

nova ordem política foi de indiscutível relevância, uma vez que foram eles que, em sua maioria,

ocuparam os cargos administrativos e políticos. A importância assumida pela educação de

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letrados durante toda a monarquia estava diretamente ligada à necessidade de o país ter de

preencher o quadro geral da administração e da política. A escola, representada sobretudo pelas

novas Faculdades de Direito, criadas na década de 1820 – uma em S. Paulo e outra em Recife,

ambas em 1827 – passou a desempenhar o papel de fornecedora do pessoal qualificado para essas

funções. Apesar da existência de cursos de Medicina, Engenharia e Artes, que as antecederam, as

Faculdades de Direito lograram uma supremacia na formação dos quadros superiores do Império.

Por outro lado, a forma assumida pelo ensino superior, mormente o jurídico, de currículo

universalista e humanístico, acabou por influenciar ou mesmo condicionar a estrutura do ensino

secundário. Vejamos como se deu isso. O Ato Adicional de 1834 “conferiu às Províncias o direito

de legislar sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, excluindo, porém,

de sua competência as Faculdades de Medicina e Direito e as Academias então existentes e outros

quaisquer estabelecimentos que, no futuro, fossem criados por lei geral”. Isso suscitou uma

dualidade de sistemas, com superposição de poderes (provincial e central) relativamente ao ensino

primário e secundário. O poder central se reservou, e a ela se limitou, o direito de promover e

regulamentar a educação no Município Neutro e a educação de nível superior, em todo o Império,

enquanto delegou às Províncias a incumbência de regulamentar e promover a educação primária e

média em suas próprias jurisdições. Esse monopólio do ensino superior de que gozou o poder

central, aliado ao currículo vigente nas duas escolas de Direito, que contavam com a preferência

da população escolar, acabou influindo sobre a composição do currículo e toda a estrutura da

escola secundária, segunda afirma Maria de Lourdes Mariotto Haidar. Isso se deveu a que:

a) o ensino secundário destinava-se ao preparo dos candidatos ao ensino superior, razão por

que seu conteúdo se estruturou em função deste;

b) os candidatos aos cursos superiores eram examinados nesses próprios cursos, segundo

critérios fixados por estes mesmos.

Esse caráter propedêutico assumido pelo ensino secundário, somado ao seu conteúdo

humanístico, fruto da aversão a todo tipo de ensino profissionalizante, próprio de qualquer

sistema escolar fundado numa ordem social escravocrata, sobreviveu até há pouco e constituiu o

fator mesmo do atraso cultural de nossas escolas.

1.3– A Descentralização educacional de 1834

A descentralização ocorrida em o Ato Adicional de 1834, como já se disse, delegou às

províncias o direito de regulamentar e promover a educação primária e secundária. O que ocorreu

a contar de então foi a tentativa de reunir antigas aulas régias em liceus, sem muita organização.

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Nas capitais, foram criados os liceus provinciais. A falta de recursos, no entanto, que um sistema

falho de tributação e arrecadação da renda acarretava, impossibilitou as Províncias de criarem

uma rede organizada de escolas. O resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário, acabou

ficando nas mãos da iniciativa privada e o ensino primário foi relegado ao abandono, com

pouquíssimas escolas, sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-escola, que,

destituídos da habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam na contingência

de ensinar.

O fato de a maioria dos colégios secundários estarem em mãos de particulares acentuou

ainda mais o caráter classista e acadêmico do ensino, visto que apenas as famílias de altas posses

podiam pagar a educação de seus filhos.

A transformação que esses colégios sofreram no decorrer do século XIX, no sentido de se

tornarem meros cursos preparatórios para o ensino superior, foi uma decorrência da pressão

exercida pela classe dominante, a fim de acelerar o preparo de seus filhos e assim interligá-los no

rol dos homens cultos. A legislação decorrente desse processo culminou com a isenção da

obrigatoriedade de freqüência, com o que se instituiu a matrícula por disciplina e se eliminou a

seriação. Aos poucos, tanto liceus provinciais, quanto colégios particulares foram-se convertendo

em meros cursinhos preparatórios para os exames de admissão ao ensino superior existente. Até o

Colégio Pedro II, criado na Corte e único mantido pelo Governo Central para servir de modelo,

não pôde escapar à pressão. E, apesar dos cuidados que mereceu por parte dos governantes, ele

acabou por transformar-se também num curso preparatório. Se, além disso, se levar em conta que

nem liceus provinciais, nem colégios particulares podiam conferir o grau de bacharel – privilégio

do Colégio Pedro II e requisito para inscrição nos cursos superiores – pode-se imaginar quanto

desinteresse havia nas províncias pela organização séria do ensino. Geralmente, o preparo

começava nas províncias para terminar com a passagem pelos exames parcelados que o Pedro II

realizava para conferir o grau de bacharel. Por aí se pode avaliar quão propedêutico era o ensino

secundário e, ao mesmo tempo, quão seletivo acabou de ser.

Completam o quadro geral do ensino, no período monárquico, além de poucas escolas

primárias (em 1888, 250.000 alunos para uma população se 14 milhões de habitantes), dos liceus

provinciais, em cada capital de província e dos colégios particulares, em algumas cidades

importantes, alguns cursos normais, o Liceu de Artes e Ofícios, criado na Corte, em 1856, e mais

alguns cursos superiores, que foram enriquecidos com a transformação da antiga Escola Central

em Escola Politécnica, e a criação da Escola de Minas de Ouro Preto, no Governo de Rio Branco

(1871-1876).

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Para se ter uma idéia da predominância do ensino jurídico sobre os demais ramos,

assinale-se que em 1864, nas duas Faculdades de Direito, estavam matriculados 826 alunos,

contra 294 em Medicina, 154 em Engenharia (Escola Central) e 109 na Escola Militar e de

Aplicação. Considerando que nessas Faculdades, além do ensino relacionado com a profissão, que

era a do Direito, também se ministrava ensino ligado às humanidades, pode-se compreender o

quanto predominou, na educação das camadas que freqüentavam as escolas, a formação

acadêmica, humanística e retórica.

Se se lembrar, além disso, de que a educação popular estava abandonada e de que a

educação média era meramente propedêutica, pode-se ajuizar do quanto a educação foi

minimizada, a ponto de transformar-se em mera ilustração e preparação para o exercício de

funções, nas quais a retórica tem papel mais importante do que a criatividade. Tais funções eram

exercidas por aqueles que praticavam o jornalismo ou a política, razão pela qual as camadas em

ascensão ou as camadas dirigentes revelaram preferência especial pelas Faculdades de Direito.

A cultura transmitida pela escola “guardava, pois, o timbre aristocrático”. E o guardava

em função das “exatas necessidades da sociedade escravista”. Enquanto não predominavam nessa

sociedade relações de teor capitalista, nenhuma contradição de caráter excludente pôde ocorrer

entre as camadas que procuravam a educação: a aristocracia rural e os estratos médios.

A constituição da República de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo,

consagrou também a descentralização do ensino, ou melhor, a dualidade de sistemas, já que, pelo

seu artigo 35, itens 3.º e 4.º, ela reservou à União o direito de “criar instituições de ensino superior

e secundário nos Estados” e “prover a instrução secundária no Distrito Federal”, o que,

conseqüentemente, delegava aos Estados competência para prover e legislar sobre educação

primária. A prática, porém, acabou gerando o seguinte sistema: à União cabia criar e controlar a

instrução superior em toda a Nação, bem como criar e controlar o ensino secundário acadêmico e

a instrução em todos os níveis do Distrito Federal, e aos Estados cabia criar e controlar o ensino

primário e o ensino profissional, que, na época, compreendia principalmente escolas normais (de

nível médio) para moças e escolas técnicas para rapazes.

1.4 – O Auge do Sistema Educacional no Império

Era, portanto, a consagração do sistema dual de ensino, que se vinha mantendo desde o

Império. Era também uma forma de oficialização da distância que se mostrava, na prática, entre a

educação da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a educação

do povo (escola primária e escola profissional). Refletia essa situação uma dualidade que era o

próprio retrato da organização social brasileira. O que, no entanto, não ocorria ao sistema assim

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consagrado era o fato de a nova sociedade brasileira, que despontava com a República, já ser mais

complexa do que a anterior sociedade escravocrata. Havia vários estratos sociais emergentes. O

povo já não abrangia apenas a massa homogênea dos agregados das fazendas e dos pequenos

artífices e comerciantes da zona urbana: transparecia a heterogeneidade da composição social

popular, pela divergência de interesses, origens e posições. Existia já uma pequena burguesia, em

si mesma heterogênea, uma camada média de intelectuais letrados ou padres, os militares em

franco prestígio, uma burguesia industrial, ensaiando seus primeiros passos, e todo um

contingente de imigrantes que, na zona urbana, se ocupavam de profissões que definiam classes

médias e, na zona rural, se ocupavam da lavoura. Estes últimos eram, tanto no que respeitava ao

nível cultural, quanto ao que caracterizava os interesses, bastante diferentes das camadas

camponesas que se ocupavam da economia de subsistência e, mais diferentes ainda, do

contingente saído da escravidão. Todo esse complexo organismo social já não podia comportar-se

em instituições de caráter simplista. A pressão não tardaria, pois, a provocar a ruptura das

limitações impostas pela Constituição. E a instituição da escola, calcada no princípio da dualidade

social, iria aos poucos ter seus alicerces comprometidos pelo crescimento e complexificação

dessas camadas.

A dualidade do sistema educacional brasileiro, se, de um lado, representava a dualidade da

própria sociedade escravocrata, de onde acabara de sair a República, de outro, representava ainda,

no fundo, a continuação dos antagonismos em torno da centralização e descentralização do poder.

A vitória dos princípios federalistas que consagrou a autonomia dos poderes estaduais fez com

que o Governo Federal, reservando-se uma parte da tarefa de proporcionar educação à nação, não

interferisse de modo algum nos direitos de autonomia reservados nos Estados, na construção de

seu sistema de ensino. Como um não interferiu na jurisdição do outro, as ações eram

completamente independentes e, o que era natural, díspares, em muitos casos. Isso acabou

gerando uma desorganização completa na construção do sistema educacional, ou melhor, dos

sistemas educacionais brasileiros.

A par dessa dualidade, a 1.ª República tentou várias reformas, sem êxito, para a solução

dos problemas educacionais mais graves. A primeira delas, a de Benjamin Constant, a mais

ampla, não chegou sequer a ser posta em prática, a não ser em alguns aspectos. Tentou a

substituição do currículo acadêmico por um currículo enciclopédico, com inclusão de disciplinas

científicas, consagrou o ensino seriado, deu maior organicidade ao sistema todo, atingindo a

reforma as escolas primárias, as escolas normais, as secundárias (através da reforma do Distrito

Federal), além “do ensino superior, artístico e técnico, em todo território do país” e da criação do

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Pedagogium, centro de aperfeiçoamento do magistério e “impulsor das reformas”. Faltava, porém,

para a execução da reforma, além de uma infra-estrutura institucional que pudesse assegurar-lhe a

implantação, o apoio político das elites, que viam nas idéias do reformador uma ameaça perigosa

à formação da juventude, cuja educação vinha, até então, sendo pautada nos valores e padrões da

velha mentalidade aristocrático-rural. Era toda uma estrutura social e econômica entrando no

processo de formação do povo e colocando-se como entrave à renovação pedagógica. Se a

reforma Benjamin Constant teve o mérito de romper “com à antiga tradição do ensino

humanístico”’, não teve, porém, o cuidado de pensar a educação a partir de uma realidade dada,

pecando, portanto, pela base e sofrendo dos males de que vão padecer quase todas as reformas

educacionais que se tentou implantar no Brasil. Ademais, é preciso que se leve em conta o nível

de preparação que o Governo vinha manifestando para com a reconstrução do sistema

educacional. A própria criação do Ministério da Instrução, Correios e Telégrafos, de curta

duração, reunindo num só órgão a administração de coisas tão díspares, denunciava o grau de

importância que assumia, para as classes dirigentes do momento, a educação do povo.

Outras reformas se seguiram a essa, mas não lograram acarretar nenhuma mudança

substancial ao sistema. Algumas delas, como a Lei Orgânica Rivadávia Corrêa, no Governo do

Marechal Hermes da Fonseca, em 1911, chegaram até a ocasionar um retrocesso na evolução do

sistema, em virtude de facultar total liberdade e autonomia nos estabelecimentos e suprimir o

caráter oficial do ensino, o que trouxe resultados desastrosos. A reforma Carlos Maxmiliano

representou uma contramareha: reoficializou o ensino, reformou o Colégio Pedro II e

regulamentou o ingresso nas escolas superiores. E a reforma Rocha Vaz, no Governo Arthur

Bernardes, em 1925, representou a última tentativa do período no sentido de instituir normas

regulamentares para o ensino, tendo o mérito de estabelecer, pela primeira vez, um acordo entre a

União e os Estados, com o fim de promover a educação primária, eliminar os exames

preparatórios e parcelados, ainda vigentes e herança do Império. Foi, na verdade, uma tentativa de

impor a sistematização sobre a desordem.

1.5 – Novas Reformas no Ensino

Todas as reformas, porém, não passaram de tentativas frustradas e, mesmo quando

aplicadas, representaram o pensamento isolado e desordenado dos comandos políticos, o que

estava muito longe de poder comparar-se a uma política nacional de educação. Segundo Fernando

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Azevedo, “do ponto de vista cultural e pedagógico, a República foi uma revolução que abortou e

que, contentando-se com a mudança do regime não teve o pensamento ou a decisão de realizar

uma transformação radical no sistema de ensino para provocar uma renovação intelectual das

elites culturais e políticas, necessárias às novas instituições democráticas”. Caso se leve em conta

que as elites, que passaram desde logo a controlar o poder, representavam as oligarquias do café,

às quais se juntaram, pouco a pouco, as velhas oligarquias rurais de atuante ação política, no

tempo do Império, é justo concluir-se que o tipo de educação reivindicado por essa classe a Nação

só poderia ser aquele ao qual ela mesma vinha sendo submetida. A “renovação intelectual de

nossa elites culturais e políticas” foi um fato que não se deu, visto que o comando político,

econômico e cultural se conservou nas mãos da classe que tinha recebido aquela educação

literária e humanista, originária da Colônia e que tinha atravessado todo o Império “sem

modificações essenciais”.

Depois, a vitória do fechamento, que dava plena autonomia aos Estados, acentuou, não só

no plano econômico, mas também no plano educacional, as disparidades regionais. Colocando o

ensino à mercê das circunstâncias político-econômicos locais, o federalismo acabou por

aprofundar a distância que já existia entre os sistemas escolares estaduais. Sim, porque os Estados

que comandavam a política e a economia da Nação e eram, em conseqüência, sede do poder

econômico, estavam em condições privilegiadas para equipar, com melhores recursos, o aparelho

educacional, enquanto os Estados mais pobres, sem a possibilidade de qualquer ingerência nos

destinos do país e, mais ainda, sem condições de colocar em pé de igualdade suas reivindicações

junto ao poder público, ficavam à mercê da sua própria sorte. Esse liberalismo político e

econômico, que acabou por transformar-se num liberalismo educacional foi fator de relevância no

aprofundamento das desigualdades sócio- econômicas e culturais das diversas regiões do país, o

que, evidentemente, redundou na impossibilidade de se criarem uma unidade e continuidade de

ação pedagógica. Vamos ver, assim, a educação e a cultura tomando impulso em determinadas

regiões do sudeste do Brasil, sobretudo em São Paulo, e o restante dos Estados seguindo, “sem

transformações profundas, as linhas do seu desenvolvimento tradicional, predeterminadas na vida

colonial e no regime do Império”.

Na verdade, o controle do poder pelas oligarquias rurais, que, evidentemente, propunham

reformas e legislavam sobre a educação, acabou por projetar no sistema escolar a mesma

mentalidade que havia sido plasmada na Colônia e tinha vigorado durante a Monarquia. “O

mesmo espírito literário e livresco, a mesma falta de audácia construtiva e a mesma preocupação

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excessiva de fórmulas jurídicas, ou de formalismo e de “jurisdicismo”, nas expressões de José

Maria Belo”.

Mesmo a burguesia industrial em ascensão copiava os modelos de comportamento e

educação da classe latifundiária. E era natural que assim fosse: era esta última que tinha fornecido

parte de seu capital humano e econômico para engendrar o processo de industrialização. Era, pois,

no comportamento da classe oligárquica que ia a burguesia nascente buscar seus exemplos e era a

educação dessa classe que ela iria solicitar para si.

Além disso, as próprias classes médias emergentes, que não tinham, como já se disse

antes, nenhuma afinidade ou ligação com as camadas mais pobres da população, não possuíam

senão o mesmo modelo de educação a copiar. Viam elas nessa educação de classe, vigente em

todo o território nacional, um instrumento bastante eficaz de ascensão social. Anísio Teixeira

assinalou bem esse aspecto, ao afirmar que “para esta sociedade aparentemente renovada mas

realmente estacionária, assim como o latifúndio se faz o molde para a industrialização, a educação

de elite se faz o molde para certo tipo moderado de educação para ascensão social, que não fosse

suscetível de quebrar a estrutura aristocrática e conservadora da sociedade”.

As novas pretensões educacionais das classes emergentes responderam, todavia, depois, as

camadas dominantes com certos mecanismos de defesa que, na oferta da educação escolarizada,

se caracterizaram pela escassez de oportunidades e conservação do caráter eminentemente

literário. Buscavam, com isso, preservar o patrimônio da educação para o ócio.

Agradava a situação o fato de que nem a estrutura econômica da Nação permitia oferecer

educação técnica em abundância, dada a falta de recursos e a escassez da demanda de mão-de-

obra qualificada, determinada pelo nível de industrialização do país, nem tampouco as populações

estavam interessadas nesse ensino técnicos, símbolo de classe dominada. A velha mentalidade

escravocrata não era privilégio das camadas dirigentes: era também uma característica marcante

do comportamento das massas que se acostumaram, após três séculos, a ligar trabalho com

escravidão. O povo, principalmente as camadas médias que almejavam ascender na escala social,

afastou logo de si a idéia de educar-se para o trabalho. Decorreu daí que, malgrado os esforços

privatistas das camadas dominantes, a educação, que acabou por expandir-se, foi justamente

aquela que representava o próprio símbolo de classe. Foi, assim, que a falta de tradição de classe

média, aliada ao fator escravidão, fez com que a “intenção do sistema escolar brasileiro de prover

às necessidades educativas da cada classe, sem lhe alterar a estrutura social, confirmando a

distribuição da educação às estreitas necessidades da cada classe”. Não lograsse êxito. A classe

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média aspirava ao status de elite e não podia ver na educação para o trabalho, tão estigmatizado

durante três séculos, um objetivo almejável.

Era essa uma situação que iria delinear-se mais claramente após a I Grande Guerra e

caracterizar profundamente o período seguinte. No começo da República, as classes médias que

emergiam na zona urbana não tinham ainda a força numérica que iria ter a contar dos anos 30.

Durante todo o período de que estamos tratando, o predomínio numérico coube às populações

estabelecidas na zona rural. Esse fato, determinado pela estrutura sócio-econômica vigente, foi

também fator determinante na composição efetiva da demanda escolar, no decorrer do período.

Para uma economia de base agrícola, como era a nossa, sobre a qual se assentavam o latifúndio e

a monocultura e para cuja produtividade não contribuía a modernização dos fatores de produção,

mas tão-somente se contava com a existência da técnicas arcaicas de cultivo, a educação

realmente não era considerada como fator necessário. Se a população se concentrava na zona rural

e as técnicas de cultivo não exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, está claro

que, para esta população camponesa, a escola não tinha qualquer interesse. Enquanto as classes

médias e operárias urbanas procuravam a escola, porque dela precisavam para, de um lado

ascender na escala social e, do outro, obter um mínimo de condições para consecução de emprego

nas poucas fábricas, para a grande massa composta de populações trabalhadoras da zona rural, a

escola não oferecia qualquer motivação. Essa foi a razão pela qual o índice de analfabetismo no

período foi bastante alto e as reivindicações escolares das classes emergentes puderam ser, de

alguma forma, atendidas. A I República teve, assim, um quadro de demanda educacional que

caracterizou bem as necessidades sentidas pela população e, até certo ponto, representou as

exigências educacionais de uma sociedade cujo índice de urbanização e de industrialização ainda

era baixo. A permanência, portanto, da velha educação acadêmica e aristocrática e a pouca

importância dada à educação popular fundavam-se na estrutura e organização da sociedade. Foi

somente quando essa estrutura começou a dar sinais de ruptura que a situação educacional

principiou a tomar rumos diferentes. De um lado, no campo das idéias, as coisas começaram a

mudar-se com movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; de

outro, no campo das aspirações sociais, as mudanças vieram como aumento da demanda escolar

impulsionada pelo ritmo mais acelerado do processo de urbanização ocasionado pelo impulso

dado à industrialização após a I Guerra e acentuado depois de 1930.

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1.6 - Integração e Desintegração de Fatores

Do que acaba de ser exposto decorre naturalmente uma conclusão: os fatores atuantes na

organização e evolução do ensino, quais sejam o sistema econômico, a herança cultural, a

demanda social de educação e o sistema de poder permaneceram durante o período que antecedeu

a década de 20, integrados na formação de um complexo sócio-econômico-político-cultural que

fez com que a educação ofertada à população brasileira correspondesse às reais exigências da

sociedade então existente.

Uma vez que a economia não fazia exigências à escola em termos de demanda

econômica de recursos humanos; que a herança cultural havia sido criada a partir da importação

de modelos de pensamento provenientes da Europa; que a estratificação social,

predominantemente dual na época colonial, havia destinado à escola apenas parte da aristocracia

ociosa; que essa demanda social de educação, mesmo quando englobou no seu perfil os estratos

médios urbanos, procurou sempre na escola uma forma de adquirir ou manter status, alimentando,

além disso, um preconceito contra o trabalho que não fosse intelectual e uma vez, enfim, que

todos esses aspectos se integravam, é possível afirmar-se que a educação escolar existente, com

origem na ação pedagógica dos Jesuítas, correspondia às exatas necessidades da sociedade como

um todo. A função social da escola era, então, a de fornecer os elementos que iriam preencher os

quadros da política, da administração pública e formar a “inteligência” do regime. É possível,

assim, pensar na ausência de uma defasagem entre educação e desenvolvimento, nessa época, ou

seja, é possível pensar numa ausência de defasagem entre os produtos acabados oferecidos pela

escola e a demanda social e econômica de educação.

A contar do momento, porém, em que um desses fatores começa a fazer exigências

diferentes à escola, o complexo entra em crise. A intensificação do processo de urbanização, que

tem na deterioração das formas de produção no campo e na industrialização crescente suas causas

principais, passou a criar, desde a primeira República, os germes do desequilíbrio.

No que toca à demanda social de educação, esse processo fez modificar-se

substancialmente o seu perfil, introduzindo nele um contingente cada vez maior de estratos

médios e populares que passaram a pressionar o sistema escolar para que se expandisse. A estreita

oferta de ensino de então começou a chocar-se com a crescente procura.

Já com respeito à economia, a evolução de um modelo exclusivamente agrário -

exportador para um modelo parcialmente urbano-industrial, afetou o equilíbrio estrutural dos

fatores influentes no sistema educacional pela inclusão de novas e crescentes necessidades de

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recursos humanos para ocupar funções nos setores secundário e terciário da economia. O modelo

econômico em emergência passou, então, a fazer solicitações à escola.

Esses dois aspectos – o crescimento acelerado da demanda social de educação, de um

lado, e o aparecimento de uma demanda de recursos humanos, de outro – criaram as condições

para a quebra do equilíbrio. Uma vez estabelecido o desequilíbrio, que se acentuou sobretudo a

contar de 1930, a crise do sistema educacional obedeceu, na sua escala evolutiva, ao jogo de

forças que esses fatores mantinham entre si. Esse jogo, naturalmente, obedeceu, por sua vez, às

regras do crescimento espontâneo próprio do sistema capitalista. E a crise se manifestou

sobretudo pela incapacidade de as camadas dominantes reorganizarem o sistema educacional, de

forma que se atendesse harmonicamente, tanto à demanda social de educação, quanto às novas

necessidades de formação de recursos humanos exigidos pela economia em transformação. Nesse

processo, a herança cultural atuou desfavoravelmente na mentalidade, tanto dos dirigentes que

organizaram a escola, quanto das próprias camadas que passaram a pressionar o sistema escolar.

Os aspectos que o desequilíbrio apresentou foram, então, de duas ordens.

a) de ordem quantitativa, representados pela pequena oferta, pelo baixo rendimento e

pela discriminação social do sistema;

b) de ordem estrutural, representados pela expansão de um tipo de ensino que já não

correspondia às novas necessidades criadas com a expansão econômica e estratificação social

mais diversificadas.

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CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO: DA REPÚBLICA AO GOVERNO CASTELO

BRANCO

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2.1 - As novas Exigências Educacionais da Industrialização

2.1.1 - A Influência da Revolução Capitalista na Expansão do Ensino

A análise que nos propomos fazer daqui para a frente diz respeito exclusivamente ao

problema da defasagem entre educação e desenvolvimento, defasagem que, a nosso ver, se vem

acentuando com a passagem de um modelo econômico para outro. Limita-se, portanto, esta

análise à constatação da distância que vai se ampliando entre os produtos acabados oferecidos

pela escola e aquilo que o deferido modelo está a exigir relativamente à formação de recursos

humanos. Como a vigência de tal modelo não propôs mudanças estruturais profundas na escola,

as exigências educacionais foram pronunciadamente exigências relacionadas com o ensino e,

muito raramente, com a pesquisa.

E tendo em vista esses fatos que passaremos à reflexão sobre a influência da Revolução

Industrial na expansão do ensino.

Desde a segunda metade do século XIX, os países mais desenvolvidos vinham cuidando

da implantação definitiva da escola pública, universal e gratuita. De fato, esse século se

caracterizou, quanto à educação, pela acentuada tendência do Estado de agir como educador. È

que as exigências da sociedade industrial impunham modificações profundas na forma de se

encarar a educação e, em conseqüência, na atuação do Estado, como responsável pela educação

do povo. As mudanças introduzidas nas relações de produção e, sobretudo, a concentração cada

vez mais ampla de população em centros urbanos tornaram imperiosa a necessidade de se

eliminar o analfabetismo e dar um mínimo de qualificação para o trabalho a um máximo de

pessoas. O capitalismo, notadamente o capitalismo industrial, engendra a necessidade de fornecer

conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção,

seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Ampliar a área social de atuação

do sistema capitalista industrial é condição de sobrevivência deste. Ora, isto só é possível na

medida em que as populações possuam condições mínimas de concorrer no mercado de trabalho e

de consumir. Onde, pois, se desenvolvem relações capitalistas, nasce a necessidade da leitura e

da escrita, como pré-requisito de uma melhor condição para concorrência no mercado de trabalho.

Por outro lado, comparando um tipo de vida com outro, a proletarização representa um

progresso em relação à vida e ao trabalho nas economias de subsistência. É que o capitalismo

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gera, onde predominava antes esse tipo de economia, uma ampliação da oferta de trabalho

assalariado. Isso, por sua vez, representa um crescimento constante da demanda social da

educação.

A intensificação do capitalismo industrial no Brasil, que a Revolução de 30 acabou por

representar, determinou conseqüentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. Se

antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela

população, nem pelos poderes constituídos (pelo menos em termos de propósitos reais), a nova

situação implantada na década de 30 veio modificar profundamente o quadro das aspirações

sociais, em matéria de educação, e, em função disso, à ação do próprio Estado. Lourenço Filho

mostra-nos isso através de pesquisa realizada sobre a evolução da taxa de analfabetismo, a contar

de 1900. Segundo ele, “é fácil compreender que, em grupos de população muito dispersos, de

economia incipiente, muitas vezes reduzia à prática de agricultura de subsistência ou pouco mais

que isso, em regime quase geral de subemprego, as expectativas de melhoria dos padrões de vida

são exíguas, não apresentando maior sentido prático a preparação formal que a escola passa a

proporcionar. Nessas circunstâncias, a demanda é reduzida, ainda em face de mais ampla oferta”.

2.1.2 – O Reduzido interesse pela instrução: um problema sempre

presente

Ocorria, no entanto, que não era apenas o setor ligado à economia de subsistência que

determinava a presença de um reduzido interesse pela instrução. Também na economia de

exportação, na região cafeeira, esse desinteresse era evidente. Isso se explica pela estrutura que

assumia e ainda assume, em parte, a propriedade de terras no Brasil. Se exploração agrícola de

então se fazia em moldes capitalistas, esses aspectos, todavia, não atingiam diretamente as formas

de produção, o labor de terra, mas, quase exclusivamente, o setor de comercialização. Sendo

abundante a mão-de-obra – praticamente inexgotável pela presença de enormes áreas de

economia de subsistência – e sendo, portanto, barato o trabalho, a produção se fazia intensiva de

mão-de-obra, com métodos rudimentares e arcaicos. Além disso, a população ligada a esse tipo de

economia não via utilidade prática na educação formal ministrada pelas escolas.

“Dá-se o contrário, porém, como continua a afirmar Lourenço Filho, onde haja grupos

mais adensados, com economia de mercado ascendente e maior diferenciação do trabalho, por

deslocamento crescente de elementos ativos dos setores econômicos primários (agricultura,

pecuária, mineração) para as manufaturas e atividades industriais em geral. Quando isso se passa,

vêm a crescer as ocupações terciárias (administração, transportes e serviços em geral) cuja

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influência na integração das pequenas comunidades logo se faz sentir. Então a leitura e a escrita

passaram a ter preço, são sentidas como úteis e benéficas, e a demanda do ensino normalmente se

eleva, ao mesmo tempo que maiores recursos, advindos de maior produção, possibilitaram maior

e mais diferenciada oferta”.

A predominância do setor agrícola na nossa economia, aliada a formas arcaicas de

produção e à baixa densidade demográfica e de urbanização, respondia, portanto, pela escassa

demanda social de educação. Era esse também um dos aspectos assumidos pelo nosso

subdesenvolvimento.

A forma como se instalou o regime republicano no Brasil e como se conduziram no

poder as elites, em nada modificando a estrutura sócio-econômica. Influiu para que, de um lado,

não houvesse pressão de demanda social de educação e, de outro, não se ampliasse a oferta, nem

se registrasse real interesse pela educação pública, universal e gratuita. Não é, pois, à falta de

recursos materiais que se deve imputar maior soma de responsabilidade pela ausência de

educação do povo, mas à estrutura sócio- econômica que sobreviveu com a República.

2.2 – A Revolução de 1930 e o seu resultado educacional

A Revolução de 30, resultado de uma crise que vinha de longe destruindo o monopólio

do poder pelas velhas oligarquias, favorecendo a criação de algumas condições básicas para a

implantação definitiva do capitalismo industrial no Brasil, acabou, portanto, criando também

condições para que se modificassem o horizonte cultural e o nível de aspirações de parte da

população brasileira, sobretudo nas áreas atingidas pela industrialização. É então que a demanda

social de educação cresce e se consubstancia numa pressão cada vez mais forte pela expansão do

ensino. Mas, assim como a expansão capitalista não se fez por todo o território nacional e de

forma mais ou menos homogênea, a expansão da demanda escolar só se desenvolveu nas zonas

onde se intensificavam as relações de produção capitalista, o que acabou criando uma das

contradições mais sérias do sistema educacional brasileiro. Sim, porque, se, de um lado, iniciamos

nossa revolução industrial e educacional com um atraso de mais de 100 anos, em relação aos

países mais desenvolvidos, de outro, essa revolução tem atingido de forma desigual o próprio

território nacional. Daí resultou uma defasagem histórica e, se assim podemos exprimir-nos,

geográfica, que se tem traduzido pela presença de contradições cada vez mais profundas

patenteadas através dos seguintes fatos:

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a) O fato de vivermos, em matéria de educação, como nos demais aspectos da vida

social, duas ou mais épocas históricas, simultaneamente, e de sermos com isso obrigados a

resolver problemas que outros povos já resolveram há um século ou mais, enquanto enfrentamos

situações mais complexas, cuja superação está a exigir uma tradição cultural e educacional, que

ainda não temos.

b) E, com isso, o fato de expor-nos ao risco de enfrentar e até mesmo, a nosso ver, de

passar a viver o dualismo educacional que se traduz pela presença do analfabetismo e ausência de

educação primária gratuita e universal, ao lado de uma profunda e sofisticada preocupação

pedagogizante.

Além disso, a expansão capitalista trouxe também a luta de classe. A expansão escolar,

que se verificou a contar de então, foi afetada por essa luta, porque oscilou entre necessidades

sociais “decorrentes do desenvolvimento das relações capitalistas e temores vinculados à luta de

classes que se aprofundou na mesma época em ligação dialética com o referido

desenvolvimento”.

Essa luta assumiu no terreno educacional características assaz contraditórias, uma vez

que o sistema escolar, a contar de então, passou a sofrer, de um lado, a pressão social de

educação, cada vez mais crescente e cada vez mais exigente, em matéria de democratização do

ensino, e, de outro lado, o controle das elites mantidas no poder, que buscavam, por todos os

meios disponíveis, conter a pressão popular, pela distribuição limitada de escolas, e, através da

legislação do ensino, manter o seu caráter “elitizante”.

O que se verificou, a partir daí, foi o fato de a expansão do sistema escolar, inevitável,

ter-se processado de forma atropelada, improvisada, agindo o Estado mais com vistas ao

atendimento das pressões do momento ao que propriamente com vistas a uma política nacional de

educação. É por isso que cresceu a distribuição de oportunidades educacionais, mas esse

crescimento não se fez de forma satisfatória, nem em relação à quantidade, nem em relação à

qualidade.

O tipo de escola que passou a expandir-se foi o mesmo que até então educara as elites e

essa expansão, obedecendo, como já se disse, às pressões da demanda e controlada pelas elites,

jamais ocorreu de forma que tornasse universal e gratuita a escola elementar e adequado e

suficiente o ensino médio superior. Assumindo a forma de uma luta de classes, a expansão da

educação no Brasil, mormente a contar de 1930, obedeceu às normas da instabilidade própria de

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uma sociedade heterogênea profundamente marcada por uma herança cultural academicista e

aristocrática.

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2.2.1 - O Crescimento da demanda social da Educação e a expansão do Ensino

A modalidade social favorecida com a nova ordem político-econômica, a contar da década de

1930, vem quebrar, em parte, a rigidez do sistema social predominantemente dualista,

estabelecendo novas oportunidades, quer para camadas intermediárias incipientes, quer para os

imensos estratos agregados à lavoura, em vias de mobilizar-se em direção aos centros urbanos, ou

já nestes estabelecimentos. O rompimento das barreiras que separavam nitidamente, do restante

da população, uma enriquecida e poderosa classe de donos de terra e comerciantes significou, por

seu lado, modificações mais ou manos profundas no sistema educacional que, até 30, fora

composto de compartimentos estanques a serviço de uma estratificação social rígida. Retratando a

sociedade, o sistema educacional brasileiro fora, até então, um sistema acentuadamente dualista:

de um lado, o ensino primário, vinculado às escolas profissionais, para os pobres, e, de outro, para

os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino superior, para o qual preparava o ingresso.

Essa ordem de coisas, no que diz respeito ao sistema educacional global, se manteve em

equilíbrio, enquanto se manteve uma ordem social menos complexa. E a articulação interna dos

vários níveis do sistema, quer no que concerne ao subsistema para os pobres, quer no que

concerne ao subsistema para os ricos, era viável, já que como dissemos o equilíbrio social se

mantinha, como também se mantinha o mesmo nível das aspirações culturais para o conjunto da

população.

O que caracteriza a viabilidade de um sistema educacional e o que torna possível sua

concretização, no espaço e no tempo, são dois fatores essenciais:

a) Um mínimo de coerência interna capaz de dar, como quer Jayme Abreu, consistência

lógica ao sistema e que signifique, de um lado, a existência de objetivos bem definidos para cada

um dos níveis de ensino e, de outro, uma articulação entre os vários níveis capaz de fazer com

que, ao lado da independência própria criada pelos objetivos de cada nível, se crie também entre

eles uma interdependência. É essa interdependência que faz com que o ensino secundário seja

continuação do primário, ao mesmo tempo que ele se proponha objetivos próprios relacionados

com a formação do adolescente e ainda com o seu preparo para continuar estudos em nível

superior.

b) Uma certa coerência externa, que vise, antes de tudo, a uma adequação do sistema

global de ensino às exigências do contexto sócio-econômico-cultural, em que está imerso. Essa

adequação representa uma dinâmica, na qual a escola busca uma readaptação constante ao nível

do desenvolvimento social e econômico, quer gerando produtos acabados, que se traduzam por

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recursos humanos de que carece o sistema econômico, quer absorvendo os produtos gerados pelo

progresso científico-tecnológico, quer, enfim, desempenhando um papel importante junto a este

último, criando ou recriando, no seu próprio âmbito, o progresso de que carece o meio.

Vê-se, por aí, que a coerência externa de um sistema educacional se define por sua

capacidade de responder às solicitações que o contexto lhe faz. Incluem-se entre elas as

solicitações do sistema econômico vigente. Um sistema de industrialização dependente, que

importa tecnologia, evidentemente tem solicitações a fazer quanto à formação de recursos

humanos para o trabalho especializado, mas tem poucas solicitações a fazer quanto à formação de

pesquisadores e cientistas.

O divórcio entre o ensino e a pesquisa no Brasil esteve, até certo ponto, coerente com o

tipo de solicitação que o sistema econômico vinha fazendo à escola.

É de sua coerência interna e externa que depende o grande rendimento de um sistema

educacional. Esse rendimento pode também ser, se não completamente mensurável, pelo menos

observado pelos dois aspectos sob os quais se apresenta:

a) O rendimento quantitativo, que se mede pela relação existente entre a oferta e a

demanda, de um lado, e a matrícula e os produtos acabados do sistema, de outro. Nesse sentido. O

rendimento do sistema escolar caracteriza-se por sua capacidade de atender as exigências

quantitativas da demanda social de educação, ou, ainda, de absorver a população escolarizável

presente, ao mesmo tempo que assegura a essa população o mínimo de educação compatível com

o nível de desenvolvimento sócio - econômico do contexto, mediante retenção da população

escolarizável, em seu âmbito, e garantia de conquista de sua formação cultural e qualificação

mínima para o trabalho.

b) O rendimento qualitativo, que se mede pela capacidade de o sistema responder às

necessidades da economia e da sociedade, oferecendo a estas os produtos acabados de que

necessitam para o seu desenvolvimento. Uma vez que o sistema econômico não exige mais do

que a qualificação de mão-de-obra, a avaliação do rendimento qualitativo fica limitada à medição

da capacidade de a escola oferecer essa qualificação de forma adequada.

O antigo regime conseguiu manter um mínimo de coerência interna e externa em seu

sistema educacional, já que as escolas profissionais de nível pós-primário vinculadas ao ensino

primário para os pobres eram terminais, não davam acesso ao ensino superior, nem possibilitavam

mobilidade para o sistema educacional da “elite”. Satisfaziam, no entanto, as aspirações da

demanda escassa, cujos horizontes culturais não iam além da necessidade da conquista rápida de

uma profissão. O sistema escolar da elite, por sua vez, satisfazia, em certo sentido, a demanda

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efetiva também restrita de educação, quer quanto à quantidade, quer quanto à qualidade,

porquanto sempre foi próprio das aspirações da classe dominante o ilustrar-se simplesmente,

através da preparação para as carreiras liberais. Dessa forma, o ensino secundário propedêutico

vinculava-se completamente ao superior, tendo mesmo sido seu objetivo exclusivo, durante

séculos, a preparação para o ingresso nas Faculdades. Por outro lado, o modelo de

desenvolvimento não demandava o tipo de educação que as sociedades industrializadas, por

exemplo, exigem.

Esse equilíbrio, como já dissemos, se manteve enquanto se manteve a ordem social

dualista. Foi, porém, quebrado, quando esta ordem passou a sofrer a pressão das camadas

emergentes que o capitalismo industrial impulsionado pela Revolução de 30 acabou por acarretar.

O rompimento da velha ordem trouxe para a pauta das reivindicações sociais das novas camadas a

necessidade crescente de educação escolar. E foi esse crescimento da demanda social efetiva de

educação que acabou rompendo com a velha estrutura dualista da escola, já que cresceu,

sobretudo a partir de então, a procura de educação que possibilitasse acesso a posições mais altas,

ou seja, a educação das elites. A partir daí rompe-se o equilíbrio do sistema dual e, com isso, o

mínimo de coerência interna e externa que conseguia manter o sistema na ordem social dualista.

As relações que o sistema educacional passou a manter com a sociedade global foram as

mais contraditórias possíveis. Isso porque, no momento em que começaram os rompimentos, a

nova ordem já não conseguia produzir o sistema escolar de que carecia, nem o setor social, nem o

econômico. As pressões oriundas da demanda tiveram de ser satisfeitas, em parte, e o foram da

forma mais precária. Refletindo as incoerências do novo regime implantado, que nem rompera de

todo com o passado, nem se comprometera de todo com o futuro, implantando completamente

uma autêntica revolução burguesa, o sistema educacional brasileiro oscilou entre as novas

exigências educacionais emergentes e a velha estrutura da escola, fazendo expandir

aceleradamente o ensino, mas o mesmo ensino vigente até 1930.

2.3 - Crescimento e Expansão Geral do Ensino

Analisando o sistema educacional brasileiro em 1960. Florestan Fernandes assinalava: “É

certo que a República falhou em suas tarefas educacionais. Mas falhou por incapacidade criadora:

por não ter produzido os modelos de educação sistemática exigidos pela sociedade de classes e

pela civilização correspondente, fundada na economia capitalista, na tecnologia científica e no

regime democrático. Em outras palavras, suas falhas provêm das limitações profundas, pois se

omitiu diante da necessidade de converter-se em Estado educador, em vez de manter-se como

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Estado fundador de escolas e administrador ou supervisor do sistema nacional de educação.

Sempre tentou, não obstante, enfrentar e resolver os problemas educacionais tidos como “graves”,

fazendo-o naturalmente segundo forma de intervenção ditada pela escassez crônica de recursos

materiais e humanos. Isso explica por que acabou dando preeminência às soluções educacionais

vindas do passado, tão inconsistentes diante do novo estilo de vida e das opções republicanas, e

por que simplificou demais a sua contribuição construtiva, orientando-se no sentido de multiplicar

escolas invariavelmente obsoletas, em sua estrutura e organização, e marcadamente rígidas, em

sua capacidade de atender às solicitações educacionais das comunidades humanas brasileiras”.

Todavia, se o papel do Estado se revelou ineficaz na solução dos problemas educacionais que

surgiam, não se pode esquecer que a forma como se processou a expansão teve na demanda um

papel importante, se não predominante. Vejamos como.

As relações que um sistema educacional pode manter coo desenvolvimento global da

sociedade são de duas ordens:

a) Numa primeira posição, a escola é tida como fator de mudança social. Neste caso, ou

seu rendimento é assegurado por um mínimo de coerência interna e externa e sua dinâmica se

exprime por uma readaptação constante e uma participação ativa no desenvolvimento. A

educação é tida aqui como fator de desenvolvimento e, como tal, não só corresponde às

necessidades quantitativas da demanda, como, e principalmente, cria e orienta essa demanda. A

expansão do ensino, pois, não se restringe apenas aos horizontes culturais da demanda, mas, pelo

contrário, orienta-se pelas necessidades reais do desenvolvimento, com revisão constante das

naturais defasagens.

b) Numa segunda posição, a escola é mantida em atraso em relação ao desenvolvimento.

Seu rendimento é mínimo e se fundamenta na ausência de um mínimo de coerência interna e

externa. O sistema escolar mantém-se inerte em relação ao desenvolvimento e só se expande

mediante pressão da demanda efetiva e na direção em que esta exija. A demanda, portanto,

comanda a expansão.

Para maior clareza e objetividade de nossa exposição, precisemos mais nosso conceito de

demanda social de educação. Esta pode constituir-se em demanda potencial, ou tornar-se

demanda efetiva. Isso quer disser que nem sempre a demanda da potencial se traduz, em sua

totalidade, por uma procura efetiva de mais escola. Numa sociedade, a demanda potencial de

educação tem sido um fator que cresce em função do crescimento demográfico. A demanda

efetiva, porém, é um fator que cresce não só em função do crescimento demográfico, mas também

em função de outras causas. A industrialização e a deteriorização das relações de produção, no

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setor agrícola, as quais tiveram como conseqüência a aceleração do processo de urbanização,

constituem um fator que pode ser computado como determinante de uma procura efetiva de mais

educação.

Quando afirmamos que a educação, tida como fator de mudança social e de

desenvolvimento, é capaz de criar uma demanda, isso significa que ela é capaz de transformar a

demanda potencial em demanda efetiva de educação, seja pela elasticidade da oferta que ela

proporciona, seja pela real integração do sistema educacional num sistema global de

desenvolvimento, com o conseqüente equilíbrio entre a qualificação profissional e as

necessidades do sistema de produção. Nesta perspectiva, a garantia de trabalho que a qualificação

dada pela escola oferece é a pedra de toque da motivação concreta da população para a procura de

educação escolarizada, o que também concorre para que o sistema de educação, criando a procura

efetiva, acabe por criá-la e orientá-la na direção em que exige o desenvolvimento global.

No caso brasileiro, o que se verificou, na verdade foi o fato de a escola manter-se em

atraso, em relação ao desenvolvimento. A ruptura do equilíbrio, em que se encontrava a sociedade

dual, provocou o rompimento da estabilidade do sistema dual do ensino. Esse rompimento foi

gerado por uma expansão escolar que consistiu, antes de tudo, numa expansão em função das

pressões da demanda efetiva em crescimento. Nessa expansão, todavia, o Estado teve uma

participação meramente passiva, tentando, quando muito, soluções de emergência diante das

crises provocadas pela pressão social. É verdade que a ineficácia das soluções está ligada também

a outros fatores e não só à pressão social da demanda. Importa levar em conta que a forma como

se comportou e se tem comportado o Estado brasileiro, em relação aos problemas da educação,

está vinculada profundamente à estrutura do poder político, que passou a predominar depois de

30. Mas a esta aspecto voltaremos adiante. Por enquanto, interessa-nos estabelecer com a

demanda social de educação se transformou em fator-chave da expansão do ensino no Brasil e

como esta expansão, rompendo o citado equilíbrio, não criou, todavia, condições para mudanças

mais profundas, permanecendo a estrutura da escola a mesma do antigo regime.

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2.4 - A Reforma Francisco Campos

Assumindo o poder em fins de 1930, o Governo Provisório tratou logo de estabelecer

condições de infra-estrutura administrativa para fazer prevalecer alguns dos princípios básicos em

que se fundamentava o novo regime. Dessa forma, e como conseqüência disso, criaram-se logo

novos Ministérios. E o da Educação e Saúde Pública foi instituído logo após a tomada do poder,

no ano de 1930. Era esse Ministério a primeira das grandes realizações práticas, mas, diga-se de

passagem, não constituía propriamente uma novidade, já que no início da República ele existira,

embora tivesse tido curta duração. Sua ação se fez sentir logo, através dos atos de seu primeiro

Ministro da Educação e Saúde Pública Sr. Francisco Campos. A chamada reforma Francisco

Campos efetivou-se através de uma série de decretos. São eles os seguintes:

1. Decreto n.º 19.850 – de 11 de abril de 1931:

Cria o Conselho Nacional de Educação.

2. Decreto n.º 19.851 – de 11 de Abril de 1931:

Dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime

universitário.

3. Decreto n.º 19.852 – de 11 de abril de 1931:

Dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro.

4. Decreto n.º19.890 – de 18 de abril de 1931:

Dispõe sobre a organização do ensino secundário.

5. Decreto n.º 20.158 – de 30 de junho 1931:

Organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras

providências.

6. Decreto n.º21.241 – de 14 de abril de 1932:

Consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário.

Antes de passarmos à análise dessa reforma, seja-nos permitido recordar-nos aqui de

alguns aspectos relevantes:

O primeiro deles relaciona-se com o ponto de partida, ou seja, com a estrutura do ensino

existente até então, o qual, de modo geral, nunca estivera organizado à base de um sistema

nacional. O que existia eram os sistemas estaduais, sem articulação com o sistema central,

alheios, portanto, a uma política nacional de educação. Foi esse, aliás, um dos pontos visados nos

ataques do chamado movimento renovador.

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Até essa época, o ensino secundário não tinha organização digna desse nome, pois não

passava, na maior parte do território nacional, de cursos preparatórios, de caráter, portanto,

exclusivamente propedêutico. Além disso, todas as reformas que antecederam o movimento

renovador, quando efetuadas pelo poder central, limitaram-se quase exclusivamente ao Distrito

Federal, que as apresentava como “modelo” aos Estados, sem, contudo, obrigá-los a adotá-las.

São, portanto, justas as palavras de Maria Tetis Nunes, ao referir-se à reforma Francisco

Campos: “Ela é, teoricamente, uma grande reforma”. Efetivamente, credita-se-lhe, entre outros

méritos, o de haver dado uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. Era a

primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante,

era pela primeira vez imposta a todo o território nacional. Era, pois, o início de uma ação mais

objetiva do Estado em relação à educação.

Tentaremos também uma análise da reforma, em seu conjunto, procurando manter no

centro de nossas cogitações o problema que nos propusemos com relação a esta 4.ª parte, ou seja,

o de saber como as reformas do ensino refletiram as contradições políticas e sociais por que

passava o Brasil, na época.

2.5 - A Reforma do Ensino Superior

2.5.1 - O aparecimento das Universidades no Brasil

Embora o ensino superior tenha sido criado há mais de um século, durante a permanência

da família real portuguesa no Brasil, de 1808 a 1821, a primeira organização desse ensino em

Universidade, por determinação do Governo Federal, só apareceu em 1920, com a criação da

Universidade do Rio de Janeiro, pelo decreto n.º 14.343, de 7 de setembro de 1920, durante o

Governo Epitácio Pessoa. Não passou, porém, essa primeira criação, da congregação de três

escolas superiores existentes no Rio: a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola

Politécnica.

Em 1912, já havia sido criada a Universidade do Paraná, oficializada pela Lei Estadual

n.º 1.284. Dela faziam parte as Faculdades de Direito, Engenharia, Odontologia, Farmácia e

Comércio. Todavia, o Governo Federal, através do Decreto-lei n.º 11.530, de março de 1915, que

determinava a abertura de escolas superiores apenas em cidades com mais de 100.000 habitantes,

deixava de reconhecer oficialmente a Universidade do Paraná, uma vez que Curitiba, naquela

época, não atingia essa população. Oficialmente reconhecida somente em 1946, não deixou,

todavia, de funcionar, segundo o testemunho de Ernâni Cartaxo, durante todo o período que vai

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de 15 de março de 1913, quando foram abertos seus cursos, até a sua oficialização pelo Governo

Federal.

Em 1927, surgia, por iniciativa de Francisco Mendes Pimentel, a Universidade de Minas

Gerais. Também não passou da agregação das Escolas de Direito, Engenharia e Medicina.

Eram estas as únicas Universidades brasileiras, recém-criadas, existentes antes do

decreto 19.851, de 11 de abril de 1931, que instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras,

adotando, para o ensino superior, o regime universitário. Na mesma data, pelo decreto 19.852, o

Governo reorganizou a Universidade do Rio de Janeiro, incorporando-lhe, além dos três cursos já

existentes, a Escola de Minas Gerais, as Faculdades de Farmácia e Odontologia, a Escola de Belas

Artes, o Instituto Nacional de Música e a Faculdade de Educação, Ciências e Letras, esta última

nunca implantada.

Na verdade, apesar da reorganização da Universidade do Rio de Janeiro, a primeira

Universidade a ser criada e organizada, segundo as normas dos Estatutos das Universidades, foi a

Universidade de São Paulo, surgida em 25 de janeiro de 1934. As demais universidades, até

então, tinham-se organizado pela simples incorporação dos cursos existentes e autônomos. A

Universidade de São Paulo foi criada segundo as normas do decreto e apresentava a novidade de

possuir uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que segundo Fernando Azevedo, passou a

ser a medula do sistema, tendo por objetivos a formação de professores para ( 1ª linha da página

133 está ilegível)

Em 1935, Anísio Teixeira, como Secretário da Educação, criava a Universidade do

Distrito Federal, de estrutura arrojada, caracterizada pelo fato de não possuir as três faculdades

tradicionais e ter uma Faculdade de Educação, na qual se situava o Instituto de Educação. Teve,

porém, essa Universidade curta duração: em 1939, ela foi extinta, ao incorporar-se à Universidade

do Brasil, na qual se transformara a Universidade do Rio de Janeiro, desde 1937.

Também em 1935 era criada a Universidade de Porto Alegre, a primeira a incluir, em sua

estrutura, uma Faculdade de Estudos Econômicos.

A partir de então, começaram a surgir universidades, públicas e privadas, por todo o

território nacional, em número que, em 1969, já somava 46.

2.6 - O Estatuto das Universidades Brasileiras.

O decreto n.º 19.851, de 11 de abril de 1931, que instituiu o regime universitário no

Brasil e se constituiu no Estatuto das Universidades Brasileiras, fixou os fins do ensino

universitário da seguinte forma:

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“Art. 1.º - O ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral,

estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar

ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior; concorrer, enfim,

pela educação do indivíduo e da coletividade pela harmonia de objetivos entre professores e

estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a grandeza da Nação e

para o aperfeiçoamento da Humanidade”.

A formulação de tão vastos e pretensiosos objetivos denuncia claramente uma visão

distorcida, tanto da realidade educacional brasileira de então, quanto dos limites que comporta

toda e qualquer instituição, sobretudo a instituição escolar. A investigação científica e o preparo

para o exercício profissional têm sido, na verdade, os reais objetivos da Universidade moderna.

Mas, apesar de ambos constarem da declaração de princípios da legislação, a Universidade

brasileira vem perseguindo, desde sua criação, apenas os objetivos ligados à formação

profissional, salvo raríssimas exceções. A falta de tradição de pesquisa deve-se, como já se

assinalou, a fatores tais como a estratificação social, a herança cultural (que pesa fortemente na

manutenção de uma estrutura arcaica de ensino), a forma como tem evoluído a economia e,

sobretudo, como se tem processado a industrialização. Mas, poder-se-ia incluir também, entre

outros fatores, a própria forma como se organiza o ensino: nossas leis referentes ao ensino

superior têm sido omissas quanto à previsão de situações objetivas e definidas para as atividades

de pesquisa. Salvo algumas referências nos títulos reservados às finalidades ou à atividade do

professor catedrático, nada mais, de efetivamente objetivo, tem constado do corpo das leis, que

regulamente o trabalho de pesquisa. O primeiro exemplo disso é a reforma de que estamos

tratando.

A organização da administração previa a existência de órgãos e funções básicas, tais

como a Reitoria, o Conselho Universitário, a Assembléia Universitária e a Direção de cada escola.

Instituíram-se várias categorias para a composição do corpo docente de cada unidade, tais como o

catedrático, o auxiliar de ensino e os cursos equiparados ( dados pelos livres-docentes), os de

aperfeiçoamento e especialização.

Relativamente, porém, à estrutura global da Universidade, o artigo 5.º estipulava a

obrigatoriedade de pelo menos três dos seguintes cursos para a constituição de uma Universidade:

Direito, Medicina, Engenharia e Educação, Ciências e Letras. Com isso, consagrava-se a falta de

diversificação de nosso ensino superior, ao mesmo tempo que se reforçava a velha concepção

aristocrática de ensino. A lei refletia, assim, uma das contradições de nossa vida política e social.

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O poder que havia derrubado a antiga ordem social oligárquica era composto de forças

antagônicas, que se sustentavam precariamente, pois só eventualmente se achavam ligadas.

Enquanto não houve radicalização de posições entre progressistas e conservadores, entre tenentes

e constitucionalistas, foi possível o compromisso mútuo, mútua tolerância e a mútua concessão.

Dessa forma, o velho sobreviveu do novo, até na organização do ensino. É à velha concepção,

ainda remanescente, que se devem imputar a consagração e a obrigatoriedade de manter, na

constituição de Universidades brasileiras, esses cursos formadores de profissionais para as

carreiras liberais.

A autonomia individual de cada escola, consagrada pelos artigos 8.º e 9.º, eliminou a

possibilidade de uma estruturação mais orgânica da Universidade, ao mesmo tempo que

representou a sobrevivência, no âmbito universitário, do espírito federalista, tão caro às forças

dominantes da Velha República. Foi essa sobrevivência que, acarretando a simples agregação ou

soma de escolas auto-suficientes e independentes, impediu a Universidade brasileira, até nossos

dias, de viver um verdadeiro regime universitário. O artigo 8.º chagou até a prever a possibilidade

de formação de Universidades (federal, estadual ou particular).

Mas, por outro lado, em flagrante contradição com a descentralização interna, a

dependência administrativo-burocrática de cada escola, em relação ao Ministério da Educação, a

cujo titular competia nomear até os membros dos Conselhos Técnico- administrativos denunciava

uma tendência acentuadamente centralizadora. Essa dupla ação centralizadora e

descentralizadora, oscilante e dúbia, foi mais um reflexo do momento político em que vivia a

nação. Ainda não estava encerrada a luta entre centralização e descentralização do ensino. Ela

teve continuidade na evolução do sistema educacional até nossos dias.

Finalmente, a dependência total de todas as demais categorias docentes, em relação ao

catedrático, ao mesmo tempo que consagrava um espírito aristocrático na condução do ensino,

criava o mesmo tipo de relacionamento vigente entre os políticos e sua clientela, numa verdadeira

transplantação, para o âmbito universitário, das relações sócio-políticas características do

coronelismo.

2.7 - AS LUTAS IDEOLÓGICAS EM TORNO DA EDUCAÇÃO NA

PRIMEIRA FASE DO NOVO REGIME

2.7.1 - As lutas ideológicas e o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

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A Constituição de 1891, ainda em vigor até 1934, pelo seu artigo 72, parágrafo 6,

declarava: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”.

Já a Constituição de 1934, pelo se artigo 153, declarava: “O ensino religiosa será de

freqüência facultativa, e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno

manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas

primárias, secundárias, profissionais e normais”.

Modificando um pouco o teor da prescrição, a Constituição 1937 determinava, pelo seu

artigo 183: “O ensino religioso poderá ser contemplado com matéria de curso ordinário das

escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos

mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos”.

A questão do ensino religioso poderia ser considerada uma questão de ordem secundária

na evolução do sistema educacional brasileiro, se não fossem as polêmicas que suscitou e as lutas

ideológicas em que se envolveu. O problema evoluiu, evidentemente, e a forma como foi

encarado pela lei também evoluiu, como bem o demonstram os artigos acima citados pertencentes

a três Constituições diferentes. A proscrição do ensino religioso da 1.ª Constituição da República

e a sua instituição nas Constituições de 1934 e 1937 foram feitas à base de lutas de caráter

ideológico. Essas lutas tiveram seu ponto culminante no início da década de 1930, quando foi

retomada a questão, por causa do conteúdo das reformas educacionais que começavam a ser

implantadas em alguns Estados e por causa dos princípios abraçados pelo movimento renovador

da educação que tinham dado ênfase à necessidade da permanência da laicidade do ensino. Além

da laicidade, o movimento renovador reivindicava a institucionalização da escola pública e sua

expansão, assim como a igualdade de direitos dos dois sexos à educação. Estes três aspectos-

laicidade, obrigatoriedade do Estado de assumir a função educadora e coeducação – constituíram

o pomo da discórdia entre os educadores que, pela Associação Brasileira de Educação, acorriam

às Conferências Nacionais de Educação. Logo, dois grupos se definiram: o dos que promoviam e

lideravam as reformas e o movimento renovador, e o dos que, em sua maioria católicos,

combatiam sobretudo os três aspectos acima citados. A Igreja Católica, que até então

praticamente monopolizava, no Brasil, o ensino médio, estava, desde a proclamação da

República, agastada com a laicidade do ensino, instituída pela 1.ª Constituição Republicana.

Agora, em face do alcance do movimento renovador e em face, principalmente, das

reivindicações que este fazia em torno da necessidade de se implantar efetivamente o ensino

público, de âmbito nacional obrigatório e gratuito, ela se via ameaçada de perder aquele quase

monopólio.

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É evidente que, na ordem social oligárquico-aristocrática, na qual a educação escolar se

constituía em privilégio das elites, carecia de sentido a ação estatal, com vistas a fazer expandir o

ensino público e gratuito. A elite pagava a sua educação e a Igreja exercia um quase monopólio

do ensino. Outra era, porém, a situação que começava configurar-se na ordem social burguesa. As

classes médias em ascensão reivindicavam o ensino médio, e as camadas populares, o ensino

primário. Daí por que o movimento renovador compreendeu que havia chegada a hora de o

Estado assumir o controle da educação e que, portanto, esta deveria ser gratuita e obrigatória,

dadas as necessidades da nova ordem econômica em implantação. Mas a ala católica entendeu

que a campanha em favor da escola pública, universal e gratuita redundaria no monopólio estatal

da Educação. Não entendeu ela que nem o Estado tinha condições materiais de implantar o

monopólio, nem tinha a intenção de fazê-lo. A campanha em torno da escola pública foi uma

campanha que, crescendo de intensidade na época, visava, antes de tudo, à concretização de um

dos princípios máximos do movimento: o do direito de todos à educação. Entendiam os

reformadores que esse direito só poderia ser garantido, na sociedade de classes em de educação

compatível com o nível do desenvolvimento então alcançado. Daí a razão pela qual o ensino, sem

se tornar monopólio do Estado, deveria ser também público e gratuito. Como ensino ministrado

pelo Estado, numa sociedade heterogênea, ele só poderia se leigo, a fim de garantir aos educandos

o respeito à sua personalidade e confissão religiosa e a fim de evitar que a escola se transformasse

em instrumento de propaganda de doutrinação religiosa. Por fim, entendiam os reformadores que

o direito de todos significava a igualdade de direito do homem e da mulher às mesmas

oportunidades educativas. Entendiam também que as diferenças que pudessem existir, quanto à

ação pedagógica, só poderiam advir das naturais diferenças psicológicas dos indivíduos, seus

interesses e aptidões. Essas diferenças, segundo as descobertas da ciência, não advinham da

diferença de sexos. Nesse sentido, porém, eram intransigentes os católicos: confundiam eles uma

questão essencialmente pedagógica com questão de ordem moral baseadas, evidentemente, em

princípios sedimentados em hábitos de educação religiosa.

Vê-se, portanto, que a luta ideológica travada não se revestia apenas de caráter religioso:

estava também mesclada de aspectos políticos e econômicos. De um dos lados estavam os

partidários das teses católicas, logo identificados pelos reformadores como partidários da escola

tradicional e, portanto, partidários também da velha ordem. O perigo representado pela escola

pública e gratuita consistia não apenas no risco de esvaziamento das escolas privadas, mas

consistia sobretudo no risco de extensão de educação escolarizada a todas as camadas, com

evidente ameaça para os privilégios até então assegurados às elites. Insurgindo-se contra as

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reivindicações do movimento renovador, a Igreja Católica tomou o partido da velha ordem e, com

isso, da educação tradicional.

As lutas que se desenrolavam no seio das Conferências Nacionais de Educação,

promovidas pela Associação Brasileira de Educação, refletiam, assim, no setor educacional, as

lutas ideológicas que a sociedade brasileira enfrentava e teria de enfrentar, no início do novo

regime.

Se, porém, ao movimento renovador não faltava consistência, já que ele conseguira, de

alguma sorte, implantar reformas educacionais em alguns Estados, ele se mostrava, contudo,

bastante confuso, no campo teórico. As mais diversas doutrinas sobre educação se misturavam,

sem objetividade. Quando se reuniu, em dezembro de 1931, a IV Conferência Nacional de

Educação, à qual o Governo havia solicitado a elaboração de diretrizes para uma política nacional

de educação, a polêmica em torno do ensino leigo e da escola pública se tornou tão acirrada, que

não houve clima, nem condições para atender ao pedido do Governo, com o que ficou

configurada a falta de uma definição objetiva do era e do que pretendia o movimento renovador.

Foi então que os líderes desse movimento resolveram precisar seus princípios e torná-los

públicos, através de um documento endereçado “Ao Povo e ao Governo”. Surge, pois, o

“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova “, publicado em 1932. Ele representou o auge da luta

ideológica, porque, se de um lado definiu e precisou a ideologia dos reformadores, de outro,

acabou aprofundando os debates e a polêmica que continuou durante a V Conferência Nacional

de Educação, reunida no mesmo ano e durante os anos seguintes, segundo testemunho de

Fernando Azevedo, sobretudo por ocasião da elaboração dos projetos das Constituições de 1934 e

1937. Esses debates se fizeram públicos através de jornais e publicações várias. Só entraram em

declínio após a implantação do Estado Novo.

As constituições de 34 e 37, adotando o ensino religioso, facultativo, fizeram concessão

aos católicos. Mas tentaram a conciliação das partes disputantes, atendendo também a algumas

reivindicações do movimento renovador. Adiante, voltaremos ao assunto. Contentemo-nos, por

enquanto, com o saber que a inclusão do ensino religioso em caráter facultativo, nas duas

Constituições, é o resultado prático dessa luta. Fazendo-o incluir nas duas constituições, quais o

Governo adotar nesse primeiro período, como já dissemos, uma política de conciliação e

compromisso.

2.8 - O Conteúdo do “Manifesto”

2.8.1 - Educação e desenvolvimento

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O “Manifesto”, elaborado por Fernando Azevedo e assinado por 26 educadores

brasileiros, líderes do movimento de “renovação educacional”, inicia-se estabelecendo a relação

dialética que deve existir entre educação e desenvolvimento, colocando aquela, porém, numa

situação de primazia no que respeita aos problemas nacionais. “Pois, como diz o documento, se a

evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é

impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças

culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores

fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade”. Situa, portanto, a educação no

processo de desenvolvimento, ao mesmo tempo que define dialeticamente a relação entre aquela e

este.

O Manifesto representa, efetivamente, a ideologia dos renovadores. É a afirmação de

uma tomada de consciência e um compromisso. Mas, justamente por refletir as incoerências do

período, o Manifesto exibe também suas inconsistências. Assim, por exemplo, enquanto apresenta

uma concepção avançada da educação e suas relações com o desenvolvimento, denunciando uma

visão globalizante deste último, permanece, todavia, no terreno do romantismo, quando cogita das

causas dos problemas educacionais. Ao colocar estes como decorrência da falta de uma “filosofia

de vida” por parte dos educadores, o Manifesto demonstra que a compreensão da realidade

educacional, por parte dos pioneiros, estava ainda muito próxima da concepção liberal e idealista

dos educadores românticos do século XIX. É certo que o documento encarece também a

necessidade da aplicação dos métodos científicos aos problemas educacionais. Mas prefere

abordar o assunto de maneira que preconize preferentemente a ação isolada do educador, o que

denuncia também certa incoerência com o próprio conceito de educação e desenvolvimento

contido na introdução, conceito que faz prever a necessidade de uma ação objetiva, científica, mas

conjunta de toda uma estrutura do sistema educacional em conexão com a estrutura do

desenvolvimento econômico. Essa incoerência é tanto maior quanto reconhece o Manifesto a

necessidade de se “transferir do terreno administrativo para o dos planos políticos-sociais a

solução dos problemas escolares”, numa avançada concepção, para a época, do nível em que

devem ser tratados esses problemas.

O documento tem por objetivo imprimir uma direção mais firme ao movimento

renovador e defini-lo mais objetivamente. Opondo-se ao empirismo das reformas parciais, o

Manifesto surge como uma convicção abertamente definida da necessidade de se construir e

aplicar um programa de reconstrução educacional de âmbito nacional. Nesse sentido, ele não se

opõe, mas ao contrário, parece apoiar as reformas que Francisco Campos estava implantando no

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país. Segundo o autor do documento. “O nosso programa concretiza uma nova política

educacional, que nos preparará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central

estrutura política e social da nação”.

Percebe-se, portanto, boa dosagem de otimismo e confiança nos poderes da educação,

fatores que constituíam a tônica mesma de todo o movimento renovador, mas percebe-se também

a consciência da precariedade das reformas parciais e improvisadas e da importância e

necessidade de se adotar um programa nacional de reorganização da educação.

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2.9 - Os fundamentos do movimento renovador

O Manifesto afirma que a finalidade da educação se define de acordo com a filosofia de

cada época. Assim, a nova educação tem de ser “uma reação categórica, intencional e sistemática

contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial, e verbalista, montada para uma

concepção vencida”. E tinha de ser essa a noção, porque a situação vigente era de conflito entre o

novo e o velho, entre o novo regime político e as velhas oligarquias, entre o capitalismo industrial

e o predomínio da economia agrícola. A sociedade estava mudando. Urgia que a educação escolar

refletisse essas mudanças. Cada época se caracteriza por sua concepção própria de vida, por um

ideal próprio, que exerce, através da ação pedagógica, uma pressão constante sobre o educando.

Segundo o autor do Manifesto, “o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da

educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o conteúdo real variou sempre de

acordo com a estrutura e as tendências sociais da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua

força inspiradora, da própria natureza da realidade social’.

O momento histórico pedia, pois, que a educação se convertesse, de uma vez por todas,

num direito, porque, na verdade, ela é um direito biológico do ser humano e, como tal, deve

concretizar-se e, para tanto, deve estar acima de interesses de classe. Enfim, ela deve vincular-se

efetivamente ao meio social, saindo a escola se seu secular isolamento.

O Manifesto apresenta a novidade de deslumbrar a educação como um problema social.

Mas não se detém aí. Para ele, o método científico, aplicado ao estudo dos problemas

educacionais, acabou gerando uma nova concepção de educação , segundo a qual é o educando,

com o seu interesse, suas aptidões e tendências, quem deve ser o centro da ação pedagógica.

Preconiza, portanto, a mudança de métodos educacionais fundamentando seu parecer sobre as

descobertas da psicologia. Foi analisando a educação, do ponto de vista filosófico, sociológico e

psicológico, que o Manifesto fundamentou as reivindicações de mudança, que suscitou em prol da

educação escolar brasileira.

2.9.1 - Reivindicações contidas no “Manifesto”

Começa ele por solicitar uma ação mais objetiva da parte do Estado. Para tanto, a

primeira grande reivindicação do Manifesto é feita em prol da escola pública. Segundo ele, “do

direito da cada indivíduo à sua educação integral decorre logicamente para o Estado, que o

reconhece e proclama, o dever de considerar a educação, na verdade de seus graus e

manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a

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desempenhar com a cooperação de todas as instituições sociais”. Sendo, portanto, função do

Estado, cabe-lhe, a este, proporcioná-la, de tal forma que nenhuma classe social seja excluída do

direito de beneficiar-se dela e ainda de tal forma que ela não constitua privilégio de uns em

detrimento de outros, devendo ser ministrada de forma geral, comum e igual.

Prossegue o Manifesto afirmando, num apelo que é também uma tomada de posição

ideológica, o seguinte:

“Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à

organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a

seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir,

dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma

minoria, por um privilégio exclusivamente econômico. Afastada a idéia de monopólio da

educação pelo Estado, num país em que o Estado, pela sua situação financeira, não está ainda em

condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário

estimular, sob sua vigilância, as instituições privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre

nós, não como uma conscrição precoce arrolando, da escola infantil à universidade, todos os

brasileiros e submetendo-se durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para

ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em

que todas as crianças, de 7 a 15 anos, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais

à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos”.

Vê-se, pois, que se trata de uma tomada de posição ideológica em face do problema

educacional. Reivindicando uma ação firme e objetiva do Estado, no sentido de assegurar escola

para todos, contestando a educação como privilégio de classe, sem, contudo, recusar a

contribuição da iniciativa particular, de cujo controle não deve o Estado abrir mão, o Manifesto

toca profundamente no aspecto político da educação. E ao abordá-lo, toma partido em favor da

uma ação vigorosa do estado, no sentido de que este, se não elimina, pelo menos não deixe

aumentar as distâncias já então existentes entre as classes sociais, no que respeita às

oportunidades educacionais.

O Manifesto sugere em que deva consistir a ação do Estado, reivindicando a laicidade do

ensino público, a gratuidade, a obrigatoriedade e a co-educação. Reconhecendo pertencer ao

cidadão o direito vital à educação, e ao Estado o dever de assegurá-la de forma que ela seja igual

e, portanto, única, para todos quantos procurem a escola pública, é evidente que esse direito só

possa ser assegurado a todas as camadas sociais, se a escola for gratuita. Por outro lado, a

necessidade de colocar “o ambiente escolar acima das seitas, disputas religiosas, de dogmatismo”

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e de excluir do mesmo “qualquer influência perturbadora à personalidade do educando”, impõe-se

que seja leigo o ensino, na escola pública. Os reclamos do desenvolvimento fazem que a educação

se torne, cada vez mais uma necessidade social e econômica, além, de ser, como já o dissemos,

um direito humano. Decorre daí o imperativo de torná-la compulsória para todos os membros da

sociedade. Sua obrigatoriedade constitui também uma forma de extinguir os privilégios de classe,

relativamente à educação. E, finalmente, decorrente do direito de todos à educação pedagógica

obedecer as diferenças psicológicas de ordem geral e não às de ordem sexual. A co-educação põe

em pé de igualdade, quanto à qualidade da educação, os educandos de ambos os sexos.

Por fim, o Manifesto completa o elenco de suas reivindicações solicitando autonomia

para a função educativa e descentralização do ensino. Quanto à primeira, esclarece ele que a

unidade de função educativa decorre da necessidade de se fazer desenvolver no indivíduo, e ao

máximo, suas “capacidades vitais”. Para tanto, a ação educativa deve ser exercida através da uma

estrutura única, não fragmentária. A organização do sistema escolar deve visar obter essa ação

unificadora. A esse respeito, escreve o autor do Manifesto: “A seleção dos alunos nas suas

aptidões naturais, a supressão de instituições criadas sobre base econômica, a incorporação dos

estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e a

reação contra tudo que lhes quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa

de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador, que modifica

profundamente a estrutura ;intima e a organização dos elementos constitutivos do ensino e dos

sistemas escolares”.

Mas essa unidade de organização e unidade de ação, não as pode obter o sistema

educacional se, em seu funcionamento, ele sofrer a “ação de poderes estranhos, capazes de impor

à educação fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções

biológicas”. Daí decorre, portanto, a necessidade de se garantir a autonomia da função educativa.

“Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às

questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que resulta, para a

educação pública, de influências e intervenções estranhas que conseguiram sujeitá-la a seus ideais

secundários e interesses subalternos”.

Mas o Manifesto choca-se com o espírito da Revolução de 1930, sobretudo com a

Reforma Francisco Campos, a esse tempo já promulgada, quando prega a descentralização. Nele

se adverte que unidade não significa uniformidade, mas pressupõe multiplicidade. Define o papel

que devem desempenhar a União e os Estados, quando diz: “A União, na capital, e aos Estados,

nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos

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princípios gerais fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e

deveres, o e fundamentos da educação nacional. Ao Governo Central, pelo Ministério da

Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e

os rumos gerais da educação.

2.9.2 - Plano de reconstrução educacional

Criticando o sistema educacional então vigente, de estrutura dual, já que se dividia em

dois subsistema – o ensino primário e profissional, para os pobres, e o ensino secundário e

superior, para os ricos – o Manifesto acaba propondo à substituição desse sistema por outro, de

estrutura unificada, que pode assim resumir-se em suas linhas gerais:

1. Na base do sistema, as escolas pré-primárias e o ensino primário, único.

a) uma base comum, de 3 anos (fundamental);

b) um ensino diversificado, dividido em:

- seção predominantemente intelectual – onde se estudariam as humanidades, ciências

químicas e biológicas;

- seção preferentemente manual, subdividida em:

- extração de matéria-primas: escolas agrícolas; escolas de mineração; escolas de pesca.

- elaboração de matérias-primas: escolas industriais e profissionais.

- Distribuição de produtos elaborados: escolas de transportes; escolas de comunicações;

escolas de comércio.

2) O ensino superior deveria ser mais diversificado, organizando-se, segundo o sistema

universitário, em cursos para as carreiras liberais e para as profissões técnicas.

Enfim, o Manifesto assinala que, como a escola secundário tradicional formava o reduto

dos interesses de classe, que criaram o dualismo educacional, era nela que estava o “ponto

nevrálgico da questão”. De fato, até nossos dias, o ensino médio continuou a pecar por falta de

organização unitária capaz de oferecer condições para a democratização do ensino. Como se vê,

também essa reivindicação dos pioneiros, no que respeita à escola média, estava muito à frente da

época, já que a própria reforma Francisco Campos, que, em muitos sentidos, foi um avanço,

acabou solidificando e aprofundando o dualismo, por não haver possibilitado qualquer

flexibilidade entre os ramos secundário e profissional.

Quanto ao problema da educação de nível superior, adverte o Manifesto que “ela deve

ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora

ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita) e

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de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciências e das

artes”. Enfim, que ela se organize segundo seus modernos objetivos, a saber: ensino pesquisa e

extensão.

Por último, assinala o Manifesto a impossibilidade de se organizar o sistema e dar-lhe

unidade de ação sem a unidade de formação de professores, os quais, de todos os graus do ensino,

devem ter formação universitária. Critica a forma como vinha sendo até então recrutado o

professorado e propõe que a reorganização do ensino superior seja feita de tal forma, que das

elites que ele prepare faça parte o professorado de todos os níveis.

2.9.3 - O significado histórico do “Manifesto”

Ao proclamar a educação como um direito individual que deve ser assegurado a todos,

sem distinção de classes e situação econômica; ao afirmar ser dever do Estado assegurá-la,

principalmente através de escola pública gratuita, obrigatória e leiga, e, finalmente, ao opor-se à

educação-privilégio, o Manifesto trata a educação como um problema social, o que é um avanço

para a época, principalmente se nos lembrarmos de que a sociologia aplicada à educação era uma

ciência nova. Na ordem filosófica e estritamente administrativa, no Brasil. Ao proclamar a

educação como um problema social, o Manifesto não só estava traçando diretrizes novas para o

estudo da educação no Brasil, mas também estava representando uma tomada de consciência, por

parte dos educadores, até então praticamente inexistente.

Essa tomada de consciência vinha-se processando graças à influência que, desde a

segunda década do século, certos educadores vinham recebendo das correntes americanas e

européias ligadas ao chamado movimento das Escolas Novas. Prova disso é a incontestável

presença, no Manifesto, na parte referente aos fundamentos da Educação Nova, do pensamento de

Dewey acerca do papel do interesse no processo educativo.

Por outro lado, a reivindicação de escola pública, gratuita, obrigatória e leiga é

conseqüência da nova situação criada com a ascensão de novas classes sociais e a

complexificação crescente de todo organismo social. A educação pública , gratuita, obrigatória e

leiga é uma conquista do Estado burguês, e surgiu na Europa com a ascensão da burguesia s o

desenvolvimento da vida urbana. Historicamente, pois, é uma conquista resultante da decadência

da antiga ordem aristocrática e, como tal, representa, no Brasil, uma reivindicação ligada à nova

ordem social e econômica, que começa a se definir mais precisamente após 1930.

Além disso, a campanha encetada pelo Manifesto em favor da autonomia da função

educativa confirma também o que acabamos de asseverar, principalmente se nos lembrarmos de

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que imperaram sempre, de modo geral, em todos os ramos e níveis da administração pública, na

vigência da velha ordem oligárquica, os mesmos princípios imperantes na política comandada

pelo coronelismo: o partidarismo e o nepotismo. A condição “sine qua non”de sobrevivência do

novo regime estava na liquidação desse processo. A organização e funcionamento do sistema

educacional estava na mesma dependência.

Quanto ao plano de “reconstrução educacional” elaborado pelo documento é

evidentemente impertinente uma apreciação à luz dos valores e necessidades do contexto atual.

Mas uma apreciação de seu significado histórico é oportuna e viável.

O próprio documento é enfático, ao assinalar que não se trata de um plano, mas de suas

linhas gerais. Tomando-o neste sentido, pode-se afirmar que é um plano avançado para a época e

a realidade educacional brasileira de então, e isso porque propõe algumas providências realmente

importantes, tais como a unificação do sistema e sua reestruturação de forma que organize a

educação profissional de níveis médio e superior e, ainda, a formação universitária para os

professores de todos os níveis.

Representa, portanto, a reivindicação de mudanças totais e profundas na estrutura do

ensino brasileiro, em consonância com as novas necessidades do desenvolvimento da época.

Representa ao mesmo tempo, a tomada de consciência, por parte de um grupo de educadores, da

necessidade de se adequar a educação ao tipo de sociedade a à forma assumida pelo

desenvolvimento brasileiro da época. É a tomada de consciência da defasagem já existente entre

educação e desenvolvimento e o comprometimento do grupo numa luta pela redução dessa

defasagem.

É evidente que o documento não questionava a nova ordem que se estava implantado.

Nesse sentido, o grande avanço que representa o documento para a teoria da educação no Brasil e

que ele propõe, em última instância, adequar o sistema educacional a essa nova ordem, sem

todavia questioná-la. Com isso manifestava o documento seu pleno acordo como novo regime e a

nova situação. Refletia ele, pois, o pensamento pedagógico dos representantes dessa nova situação

que tiveram a lucidez de equacionar o problema das relações entre a escola e a nova ordem social,

política e econômica.

Por fim, voltando ao problema proposto no início desta parte de nosso trabalho, ocorre-

nos perguntar – já que afirmamos que o movimento renovador teve consciência da defasagem

existente entre a escola e a nova ordem social, sem todavia questioná-la, antes aceitando-a: - Que

funções teve esse movimento junto às estruturas de poder, as quais, segundo afirmamos,

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exerceram, através da legislação do ensino, um controle efetivo sobre a expansão dos ensinos e

dos rumos que tomou?

Naturalmente, desde que aceitamos que a sociedade brasileira, após 1930, iniciou a

liquidação da velha ordem oligárquica, sem no entanto eliminá-la totalmente; desde que

concordemos com que o poder passou a ser estruturado e as lideranças manipuladas de forma que

acomodavam velhas e novas posições; enfim, desde que admitamos que o regime se estabeleceu à

base do compromisso tácito entre o novo e o velho, é incontestável que, na estrutura então vigente

do sistema educacional, o movimento renovador representava a nova ordem de coisas e a posição

ao tradicional. Constituía ele, na verdade, no terreno da educação escolarizada, a vanguarda,

aquilo que na política era representado pela ala jovem dos tenentes e da classe média. Estava a

favor da ordem que então se implantava e não a questionava. Mas estava também consciente da

defasagem existente entre a nova situação econômica e social e a escola tradicional. A sua luta era

contra a escola tradicional, não contra o Estado burguês. Representava o pensamento das

lideranças jovens na composição das estruturas de poder da época, estruturas que, como já

afirmamos, contavam também com velhas lideranças.

A evolução do sistema educacional brasileiro vai refletir as tentativas a acomodação e

compromisso entre a ala jovem e a ala velha das classes dominantes, a partir de então. O

“Manifesto” representa o pensamento da primeira. As Constituições e a legislação do ensino

representam, daí para cá, uma tentativa constante de acomodação dessas duas alas. Mas a prática

educacional continuou a representar o predomínio das velhas concepções.

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2.9.4 - As vitórias e as derrotas do movimento renovador

As lutas ideológicas encetadas, no período, entre o movimento renovador e “os

representantes da escola tradicional”, como quer Fernando Azevedo, tiveram conseqüências

práticas na elaboração do texto das Constituições de 1934 e 1937. Em ambas sente-se muito bem

o espírito de acomodação que presidiu à elaboração do texto.

A Constituição de 1934, em seu Capítulo II – Da Educação e da Cultura- representa, em

sua quase totalidade, uma vitória do movimento renovador, salvo no seu artigo 153, que, como já

assinalamos, instituiu o ensino religioso facultativo, favorecendo os interesses verbalizados pelos

representantes da Igreja Católica. Excetuado isso, quase todo o texto constitucional, no capítulo

referente à educação, (1ª linha da página 152 está ilegível) Manifesto. Assim o e, por exemplo, o

artigo 148, que afirma ser a educação direito de todos e dever dos poderes públicos proporcioná-

la, concomitantemente com a família.

Pertence também ao “Manifesto” o conteúdo de vários artigos da Constituição: o de n.º

150, referente à fixação do Plano Nacional de Educação, à ação supletiva da União, o ensino

primário integral, à gratuidade do ensino, etc., o de n.º 151 , que representa a vitória da luta pela

descentralização do ensino, como se vê de seu texto: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal

organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes

estabelecidas pela União”; e os de n.º 156 e 157, que são uma tentativa de organização dos

recursos fixados para a educação, também reivindicados pelo “Manifesto”, na parte relativa ao

problema da autonomia da função educativa.

Vê-se, destarte, que a luta não foi tão inglória. Apenas foi de pouca duração essa vitória,

já que, três anos após, era promulgada outra Constituição, com o golpe de Estado que instalou o

Estado Novo. Esta última Constituição não teve a amplitude da outra, quanto à educação, antes

tratou-a muito restritamente. Continuou, todavia, declarando a necessidade de a União “fixar as

bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes” dessa educação (art.

15, n.º IX), e mantendo a gratuidade e obrigatoriedade do ensino (art. 130). Foi mais enfática na

questão do ensino profissional, embora se referisse a ele como “um ensino destinado às classes

menos favorecidas”, o que denunciava bem a ideologia do Governo, em sua política educacional,

favorável a um sistema educacional de discriminação social.

Mas a Constituição de 1937 estava longe de dar a ênfase que dera a de 1934 ao dever do

Estado como educador. No seu artigo 128, que inicia com a seção “Da educação e da Cultura”,

preferiu antes a fórmula suave de tratar o problema, proclamando a liberdade da iniciativa

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individual e de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares”, quando ao que

respeitava o ensino. Na Constituição de 1934, ao contrário, o Governo começa determinando o

dever da União, Estados e Municípios de favorecer as ciências, artes e cultura e, além do direito à

educação, o dever do Estado de assegurá-la.

A Constituição de 1937 é, no entanto, mais moderada, ao tratar do ensino religioso,

afirmando no artigo 133, que ele “poderá ser contemplado como matéria de curso ordinário das

escolas”... “não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de

freqüência compulsória par parte dos alunos”.

Como se vê, o Movimento Renovador teve suas vitórias e suas derrotas, voltaremos a

ocupar-nos delas, quando tratarmos da Constituição de 1946 e das demais reformas do ensino. Por

enquanto, bastam-nos essas referências sobre o primeiro período da Revolução de 30, que se

encerra em 1937.

Antes de finalizar este capítulo, postaríamos de ressaltar dois pormenores das duas

Constituições, aqui assinaladas, nos quais se reporta ao problema que vimos estudando. São eles

referidos, na Constituição de 34, no seu art. 150, parágrafo único, letra “c” e na Constituição de

1937, artigo 129.

O primeiro está assim enunciado:

Art. 150.......

“Parágrafo único. O plano nacional de educação (..........) obedecerá às seguintes normas:

por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à

finalidade do curso”.

Como em todo o texto não há referência ao estudo e levantamento das necessidades

educacionais do país, nem ao estudo de captação e aplicação de recursos de acordo com essas

necessidades, pode-se facilmente concluir quanto ao alcance social que têm a prescrição legal da

limitação da matrícula à capacidade dos estabelecimentos e a oficialização da seleção para

ingresso. A Constituição não se refere a um plano de expansão das escolas, mas sim a plano de

limitação de matrículas, prova de que, por parte do Governo, se cuidou de conter a expansão do

ensino em limites estreitos.

O segundo aspecto de que falamos está na Constituição de 1937, artigo 129,assim

redigido:

“O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas, ( grifo

nosso) é em matéria de educação o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse

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dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos

Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais”.

Fernando Azevedo elogiou largamente a preocupação que a Constituição de 1937 tivera

para com o ensino profissional, declarando ser ela amais democrática, das Constituições em

matéria de ensino. Não atentou, porém, o mestre para esse pormenor, de suma importância para

compreensão da evolução do sistema do ensino no Brasil, sobretudo do ensino profissional. Não

observou, por exemplo, que, oficializando o ensino profissional, como ensino destinado aos

pobres, estava o Estado cometendo um ato lesivos aos princípios democráticos: estava o Estado

instituindo oficialmente a discriminação social, através da escola. E fazendo isso, estava orientado

e escolha da demanda social de educação. Com efeito, assim orientada para um tipo de educação

capaz de assegurar acréscimo de prestígio social, a demanda voltaria naturalmente as costas às

escolas que o Estado mesmo proclamava como sendo as escolas dos pobres. Aí está, para a nossa

tese, a prova de que, do lado da oferta, ou seja, do lado do Estado, existiu uma grande

responsabilidade na orientação da escolha do tipo de educação feita pela demanda.

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2.9.5 - A POLÍTICA EDUCACIONAL DOS ÚLTIMOS ANOS

2.9.5.1 - A EDUCAÇÃO BRASILEIRA APÓS 1964: SÍNTESE DOS FATOS

As rupturas da sociedade brasileira com a velha ordem oligárquica foram analisadas por

Octavio Ianni em seu livro O Colapso do Populismo no Brasil. Objetivando apresentar os passos

dados pelo populismo, desde o seu nascimento com Vargas, até sua extinção, com a queda de

Goulart, aquele autor mostrou que o que comumente se chamada Revolução Brasileira se

constitui de uma série de conflitos iniciados na década de 1920 e que tiveram, na Revolução de

30, um ponto alto. Esses conflitos denunciavam rupturas no sistema oligárquico-rural e

prenunciavam a implantação gradual da origem social burguesa e da ordem econômica industrial

capitalista.

Durante o período que vai de 30 a 64, as relações política e economia caracterizaram-se

por um equilíbrio mais ou menos estável entre o modelo político getuliano, de tendências

populistas, e o modelo de expansão da indústria. Dentro deste último, o Estado teve papel

importante, como já assinalamos, na direção dessa expansão e na implantação de condições

mínimas de infra-estrutura e indústria básica. É por esse motivo que o empresariado não só se

apoiou no poder público, como também o apoiou, inclusive apoiou ou tolerou o nacionalismo,

como ideologia do Governo, em determinadas épocas. Então o modelo político tinha sua

contrapartida no modelo econômico e o equilíbrio se manteve, embora, às vezes, de forma

precária, enquanto durou o apoio da classe empresarial e das Forças Armadas à política de

compromissos de Vargas. A penetração mais intensa do capital internacional foi fator de

rompimento daquele equilíbrio e Vargas perdeu o apoio do empresariado e das Forças Armadas.

Daí para frente a internacionalização da economia brasileira já não podia mais coincidir com a

política de massas e com os apelos do nacionalismo. O Governo Kubitschek aprofundou bastante

a distância entre o modelo político e a expansão econômica, já que continuara adotando a política

de massa, mas acelerara a expansão industrial, abrindo mais as portas da economia nacional ao

capital estrangeiro. As contradições chegam a um impasse com a radicalização das posições de

direta e esquerda. Os rumos do desenvolvimento precisavam então ser definidos, ou em termos de

uma revolução social e econômica pró-esquerda, ou em termos de uma orientação dos rumos da

política e da economia de forma que eliminasse os obstáculos que se interpunham à sua inserção

definitiva na esfera de controle do capital internacional. Foi esta última a opção feita e levada a

cabo pelas lideranças do movimento de 1964.

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Celso Furtado analisa bem a evolução do modelo brasileiro de então. Distingue ele

duas fases:

a) uma que se inicia em 64 e se define como um período de “recuperação econômica” no

qual o Governo se ocupa da captação de recursos e recuperação do nível de investimento público;

b) outra que se define como uma fase de retomada da expansão (67 / 68 em diante) com

acentuado desenvolvimento do setor industrial.

O modelo é concentrador da renda já que segue o caminho das sociedades periféricas que

se industrializam a partir de um processo de modernização introduzido pela modificação nos padrões

do consumo de uma camada restrita da população. Esse processo condiciona a industrialização que se

faz intensiva de capital em meio a um excedente de mão-de-obra.

Não cabe aqui toda a análise feita pelo autor. Deve-se apenas lembrar que a expansão

nesses moldes implica o estabelecimento de uma estratégica que pressupõe prioridades que

favorecem determinadas camadas sociais, por serem estas as mais “capazes” de ajudar a alimentar o

processo, dadas as suas possibilidades de consumo. Essa estratégia que adota, entre outras medidas, o

arrocho salarial das classes trabalhadoras e o aumento do poder aquisitivo das camadas altas e médias

altas, impõe uma redefinição das funções do Estado. Nessa redefinição fica evidente a necessidade de

se alijar a própria população da esfera das decisões. A criação e preservação de condições políticas e

sociais para que a economia se expanda no sentido desejado definem essas novas funções do Estado

que então se expressam, politicamente, em termos de:

a) reforço de executivo e conseqüente remanejamento das forças na estrutura do poder;

b) aumento do controle feito pelo Conselho de Segurança Nacional;

c) centralização e modernização da administração pública;

d) cessação do protesto social.

É nesse sentido que nos parece válida a interpretação de Cardoso e Faletto quando

analisam a fase de transição das sociedades latino-americanas de fortalecimento do mercado interno

para a da diferenciação da economia capitalista. A primeira fase pode ser sustentada, segundo eles,

pelas “relações estáveis entre nacionalismo e populismo”, enquanto a segunda – “baseada na

formação de bens de capital e no fortalecimento dos grupos empresariais – está marcada pela crise do

populismo e da organização política representativa dos grupos dominantes”.

Se levarmos em conta a insuficiência da interpretação que limita o problema do

desenvolvimento nas sociedades chamadas periféricas a uma “determinação mecânica e imediata do

interno pelo externo”, impõem-se a necessidade de se compreender que esse mesmo desenvolvimento

é fator de uma complexa estrutura que nem privilegia em demasia o econômico, nem, ao mesmo

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tempo, se resume numa simples trama de mecanismos que coloca o setor interno inteiramente à

mercê do externo.

A teoria da dependência que os autores defendem assinala que “há uma série de fatos e

situações que aparecem conjuntamente e em um momento dado” e que podem ser interpretados a

partir da compreensão das conexões entre os fatores internos e externos. Mas estas conexões se

expressam como um modo particular de relações sociais no âmbito interno. Logo, é neste último e em

sua manifestação que deve ser centralizada a análise da dependência.

Assim sendo, compreende-se melhor por que as mudanças ocorridas no setor interno,

quer no que concerne à economia, quer no que concerne à ordem política, assumiram vital

importância no processo da reorientação dos rumos tomados pelo desenvolvimento desde 1964. Eles

não foram ditados apenas e “mecanicamente” de fora para dentro. Foram também o fruto da atuação

de grupos sociais conflitantes. As relações de dominações que se vão definido nessa fase de

superação do modelo getuliano populista e nacionalista e de fortalecimento do empresariado

industrial tiveram, como contrapartida, mudanças na estrutura política e econômica.

O antigo esquema de dominação entra em crise em função de novos interesses

fortalecidos e do acirramento de seu confronto. É nesse sentido e com base nas lições da própria

história, que nos parece válida a colocação segundo a qual “a política continua sendo o meio pelo

qual se possibilita a determinação econômica”.

Esse processo implica uma redefinição das funções do Estado. Essa reorientação, por

sua vez, tem sido função de “uma redefinição da vinculação centro-periferia”, no atual estágio de

expansão do capitalismo internacional. A nova vinculação pressupõe, ao mesmo tempo, melhor

integração dos países periféricos no mercado mundial e um reforço de sua situação na periferia desse

mercado.

É nesse sentido que se coloca a modernização como expressão, tanto de integração

centro-periferia, quanto de dominação em âmbito interno e externo. Internamente, ela aciona

mecanismos mais eficientes de controle, quer no setor da administração privada, enquanto

compartimentaliza a produção e o trabalho em qualquer âmbito, eliminando ou diminuindo os perigos

da integração social dos trabalhadores e a visão crítica do conjunto do sistema produtivo.

Externamente, a modernização não apenas assegura a expansão de mercados, mas também aumenta

as distâncias entre os centros criadores de ciência e tecnologia e os países seus consumidores. Se no

âmbito da produção científica dos próprios países centrais já se consubstanciou há muito a perda, por

parte dos criadores ou produtores de ciência, do controle dos produtos de seu trabalho, nas relações

entre países centrais e países periféricos, o controle da produção científica por aqueles assinala uma

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necessidade de expansão do mercado consumidor dos produtos por eles criados. Isso só pode ser feito

mediante a modernização, que em princípio, se observa nos hábitos de consumo das populações dos

países periféricos para depois se consubstanciar na instalação de indústrias no próprio centro desse

mercado consumidor. Vista sob este prisma, a modernização impede um desenvolvimento autônomo

e transforma-se em mecanismo de deminação ou de controle do setor interno pelo externo.

A redefinição do jogo político, determinado em parte pelo fortalecimento do

empresariado, teve apoio na própria modernização e na evolução dos interesse e fortalecimento das

forças armadas. Esses foram os setores internos da estrutura social que conseguiram impor-se ao

restante da sociedade. E o “modelo econômico” adotado nada mais significou do que o reforço de um

modelo que já se vinha desenvolvendo à base da modernização dos hábitos de consumo das classes

altas e médias altas e que precisava, portanto, centralizar mais os investimentos em setores que nem

sempre eram básicos para o conjunto da população. Mas isso não pode, evidentemente, ser levado a

cabo dentro de um processo político democrático: pressupõe, antes, a centralização e, ao mesmo

tempo, o alijamento, da esfera das decisões, de amplos setores da sociedade. Daí as razões dos itens

a), b), c) e d) acima citados.

Se o significado da educação como fator de desenvolvimento foi percebido desde o

início da implantação do nosso regime, isso não foi demonstrado, pelo menos em toda a sua

plenitude, senão a começar de 1968. Como esse ano assinala também o início de mudanças mais

profundas na vida da sociedade e da economia – já que foi a época em que a expansão foi retomada

de forma mais acelerada – pode-se perceber que o sistema educacional foi marcado por dois

momentos nitidamente definidos em sua evolução, a partir de 1964.

O primeiro corresponde àquele em que se implantou o regime e se traçou a política da

recuperação econômica. Ao lado da contenção e da repressão, que bem caracterizaram essa fase,

constatou-se uma aceleração do ritmo do crescimento da demanda social de educação, o que

provocou, conseqüentemente, um agravamento da crise do sistema educacional, crise que já vinha de

longe.

Esta, na verdade, acabou por servir de justificativa para a assinatura de uma série de

convênios entre o MEC e seus órgãos e a Agency for International Development (AID) – para

assistência técnica e cooperação financeira desse Agência à organização do sistema educacional

brasileiro. Este é, então, o período dos chamados “Acordos MEC-USAID”.

O segundo momento começou com as medidas práticas, a curto prazo, tomadas pelo

Governo, para enfrentar a crise, momento que se consubstanciou, depois no delineamento de uma

política de educação que já não via apenas na urgência de se resolverem problemas imediatos, ditados

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pela crise, o motivo único para reformar o sistema educacional. Mais do que isso, o regime percebeu,

daí para a frente, entre outros motivos, por influência da assistência técnica dada pela USAID, a

necessidade de se adotarem, em definitivo, as medidas para adequar o sistema educacional ao modelo

do desenvolvimento econômico que então se intensificava no Brasil.

O que se vai descrever nos próximos capítulos serão justamente os principais aspectos

que assumiu a evolução da crise, no primeiro momento, seguida das medidas práticas para contê-la, e

as reformas básicas que se sucederam, no segundo momento: Nesse sentido, procuraremos descrever

e analisar não só os principais documentos relativos ao tema, mas sobretudo, o papel assumido pela

ajuda internacional dada através da USAID e a função mediadora dos órgãos governamentais entre os

interesses externos e os internos na reorganização da educação brasileira.

Destacamos, na primeira fase, a expansão da demanda social da educação e suas bases

sociais e econômicas, a expansão do ensino, que se seguiu a ela, e a criação de mecanismos para

levantar recursos para essa expansão, como, por exemplo, a instituição do salário-educação. Como o

Governo assumiu o papel acumulador de capital para promover a expansão econômica, essa fase vai

caracterizar-se por uma expansão do ensino que, embora grande, teve de ser contida dentro de certos

limites, a fim de não comprometer a política econômica adotada. Daí por que a oferta, apesar de ter

crescido, ficou aquém da demanda. Essa defasagem teve seu ponto alto no acúmulo insustentável dos

“excedentes”, candidato ao ensino superior que, embora aprovados nos exames vestibulares, não

lograram classificação para as vagas oferecidas naquele nível.

Esse período vai se marcado também pelas primeiras medidas legais que reformaram o

ensino superior, medidas que, no entanto, não trouxeram qualquer solução prática real para o

problema dos excedentes. A partir do momento em que se configurou, de forma aguda, a crise, o

Governo se dispôs a tomar medidas que visavam à sua solução a curto e a longo prazo. Esse período

de transição caracterizou-se pela constituição de comissões para estudar os problemas relativos à crise

e propor soluções.

Foi nessa altura que foram assinados todos os convênios através dos quais o MEC

entregou a reorganização do sistema educacional brasileiro aos técnicos oferecidos pela AID. Os

convênios, conhecidos comumente pelo nome de “Acordos MEC-USAID” tiveram o efeito de situar

o problema educacional na estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um sentido

objetivo e prático a essa estrutura. Lançaram, portanto, as principais bases das reformas que se

seguiram e serviram de fundamento para a principal das comissões brasileiras que completaram a

definição da política educacional: a Comissão Meira Matos.

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Por outro lado, ao provocarem protestos de todos os lados, os Acordos MEC-USAID

tiveram também o efeito de agravar a crise educacional. A Comissão Meira Matos teve assim uma

dupla função: a) atuar como interventora nos focos de agitação estudantil e b) estudar a crise em si,

para propor medidas de reforma. Sob este aspecto, o relatório que ela apresentou nada mais fez do

que reforçar as propostas surgidas com os Acordos MEC-USAID, como se verá depois.

Além do relatório Meira Matos que tanta influência iria ter na política educacional

adotada a seguir, surgiu na época outro documento elaborado pelo Grupo de Trabalho da Reforma

Universitária que, além de relatório, apresentou o anteprojeto, depois transformado na Lei n.º 5.540.

Resultado dessas comissões de estudos foram as medidas práticas imediatamente tomadas, tais como

as relativas ao aumento da matrícula do ensino superior (Decreto-Lei 405, de 31 de dezembro de

1968, e 8 de maio de 1969) e à contenção do protesto estudantil (Decreto-Lei 477, de 11 de fevereiro

de 1969). Nesses estudos e medidas veio a delinear-se a política educacional que se implantou a partir

daí, numa fase, portanto, já nova para o sistema. Essa política se concretizou na reforma geral do

ensino, criada pelas Leis 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fixou normas para a organização e

funcionamento do ensino superior, seguida de outros decretos que a regulamentaram, e pela Lei

5.692, de 11 de agosto de 1971, que reformou o ensino de 1.º e 2.º graus.

Caracterizou, finalmente, essa segunda fase a integração do planejamento educacional

no Plano Nacional de Desenvolvimento, tratada a área da educação como área prioritária. Isso, por si

só, é o suficiente para demonstrar as inovações por que tem passado o sistema educacional nos

últimos anos.

A vista do exposto, impõe-se não só um estudo descritivo-analítico dos principais fatos

que marcaram a evolução do sistema educacional, a iniciar de 1964, mas também, e principalmente,

uma reflexão sobre o significado das mudanças que nele ocorreram. É nesse sentido que julgamos

necessária a introdução de um capítulo sobre a ajuda internacional para a educação, seu significado

no atual contexto ( 1ª linha da página 198 ilegível) e, como decorrência disso, as formas que

assumiram essa ajuda no âmbito interno da sociedade brasileira e suas conseqüências para a

reorganização do ensino. É com base nesse pormenor que pretendemos não apenas descrever a

evolução das transformações por que passou o sistema nacional de educação, como também, partindo

da averiguação dessas transformações, indagar acerca do sentido da modernização que delas adveio.

E isso será possível sem uma referência aos Acordos MEC-USAID.

2.9.7 - A AJUDA INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÀO BRASILEIRA

2.9.7.1 - A ajuda internacional para a educação no atual estágio da expansão capitalista

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Um dos aspectos que atualmente mais avultam nas redefinições dos rumos e das

estratégias de desenvolvimento das sociedades periféricas é o tipo de atuação que sobre estas vêm

exercendo as agências internacionais de ajuda e cooperação, pertençam ou não à Organização das

Nações Unidas. É possível identificar, na maioria dessas agências do mundo capitalista, não só

aspectos ideológicos mas também objetivos e formas de atuação semelhantes nos países do Terceiro

Mundo. As diferenças neste último caso decorrem muito mais do estágio de integração desses países

na esfera de influência do capitalismo, do que propriamente de diferenças de objetivos ou de

ideologias.

Em todas, é possível identificar um determinado conceito do subdesenvolvimento que o

define de forma insuficiente, parcial, na maioria dos casos partindo de pressupostos que o consideram

como uma fase anterior ao desenvolvimento, estando, portanto, os países nele imersos apenas “em

relação aos países desenvolvidos. Com base nesse pressuposto, adotamos um tipo de interpretação

que consiste em admitir como “causas” ou “fatores” do subdesenvolvimento elementos como:

a) a presença ou a predominância política de grupos sociais oligárquicos e tradicionais na

estrutura de poder;

b) a predominância do setor agrário-exportador sobre o industrial;

c) os períodos de transição de uma sociedade, tida como tradicional, para uma sociedade

moderna, como fenômeno que se dá naturalmente.

Enfim, identificam, como afirmam Cardoso e Faletto, tradicional com subdesenvolvido e

moderno com desenvolvido. E, mais ainda, ao partirem dessa base teórica, as agências internacionais

apontam, para ajuda ao desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo, o atual estágio das

sociedades do centro do mundo capitalista como um modelo a alcançar, admitindo que o

desenvolvimento é apenas questão de tempo. Conseguem, as mais das vezes, relacionar fatores

históricos com o subdesenvolvimento, partindo, evidentemente, do pressuposto de que a mera

seqüência cronológica dos fatos, que marcaram a evolução das atuais sociedades subdesenvolvidas,

fornece as bases científicas para as interpretações do subdesenvolvimento.

Não se pode negar que o subdesenvolvimento compreende, em parte, todos estes

aspectos. É possível identificar fatores históricos que geraram situações favoráveis a ele, como é

inegável que o atraso científico, tecnológico e, em certos aspectos, cultural é também um indicador

do subdesenvolvimento.

O que torna insuficiente essa teoria do subdesenvolvimento é o apego a aspectos

particulares para interpretar a totalidade do subdesenvolvimento. Na verdade, teorias desse tipo não

oferecem apenas uma interpretação parcial: elas oferecem também, consciente ou inconscientemente,

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uma explicação distorcida ou até tendenciosa, porque partem de pressupostos reconhecidamente

inconsistentes para propor estratégias de ação que levem a considerar a modificação nos hábitos de

consumo, de ação e de pensamento das populações dos países “em atraso” como a única forma viável

de colocá-los em consonância com o atual estágio de desenvolvimento dos países “mais avançados”.

Segundo essa estratégia que na verdade compartimenta a realidade dos países

subdesenvolvidos, o problema do subdesenvolvimento deve ser tratado, predominantemente, como

um problema técnico. Daí a superioridade do planejamento sobre a ação não planejada, a necessidade

de se incluir nos investimentos feitos pelos países centrais nos países periféricos, a educação como

fator importante na produção de recursos humanos, para o desenvolvimento desejado. Além disso,

essa estratégia atribui os malogros desses investimentos à falta de experiência das autoridades

governamentais e administrativas, à falta de “planos concretos”, à falta de preparo de pessoal e coisas

que tais.

É com base nessa forma de encarar o subdesenvolvimento que tais agências

internacionais têm proposto formas de cooperação para o desenvolvimento da educação no Terceiro

Mundo. Elas diferem apenas quanto ao estágio de desenvolvimento, ou melhor, de integração dos

países periféricos aos países centrais.

Nas sociedades coloniais, os investimentos externos no setor educação que geralmente

emanam das metrópoles, têm sempre por objetivo criar hábitos de consumo próprio destas camadas

mais altas da população e, ao mesmo tempo, criar, através do ensino, mão-de-obra de baixo nível.

Esse é o caso das sociedades coloniais da época contemporânea. Nesse caso, a dependência cultural é,

a um tempo, fator e instrumento de reforço da dependência política e da dependência econômica.

Nesse sentido, os argumentos de Ali Mazrui, ao analisar a influência das sociedades

multinacionais sobre os processos educativos nos países africanos são importantes para a

compreensão da estratégia da ajuda internacional para o desenvolvimento da educação. Segundo ele,

com a emergência do nacionalismo nesses países, o investimento ocidental em educação, ao invés de

diminuir, aumentou. Isso se explica pelo fato de que o crescimento do investimento em educação

pelas multinacionais, como foi o caso africano, tem representado uma forma de criar ou expandir

mercados, o que faz supor, com Tugendhat, citado pelo autor que “uma das grandes razões do

progresso das sociedades multinacionais, no decorrer dos últimos trinta anos do século XIX, foi o

desenvolvimento do nacionalismo nesses países”.

Mazrui assinala que o nacionalismo criou tarifas aduaneiras protetoras que levaram as

empresas estrangeiras a investirem naqueles países diretamente, em vez de para eles exportarem. Para

tanto, contribuiu bastante a ocidentalização, ou a “desafricanização” do pessoal aí recrutado para

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operar nas multinacionais, entendida a desafricanização como a ação de ocidentalizar os africanos.

Nesse sentido, teve papel preponderante o ensino ocidental.

De certo modo, isso é fenômeno comum nas sociedades subdesenvolvidas recém-saídas

do colonialismo ou que, de uma ou de outra forma, atravessam um processo de nacionalismo

econômico ou político. Isso serve para reforçar a tese de que a ajuda internacional para a educação

procura desenvolver estratégias diferentes, conforme o contexto político e econômico das sociedades

em que pretende atuar ou onde já atua. Essa suposição, se confirmada, vem corroborar a teoria da

dependência desenvolvida por Cardoso e Faletto, que atribuem singular importância ao setor interno

das sociedades periféricas, quer quanto ao contexto econômico, quer quanto à estrutura social e às

lutas internas pela conquista do poder pelas camadas ou grupos dominantes. São, assim, as condições

internas de cada país que determinam as estratégias de intervenção do setor externo e, assim, a

própria forma de dependência.

Em se tratando de sociedades colonizadas ou recém-saídas do colonialismo, a ajuda

internacional tem sido instrumento eficiente de fornecimento e preparo de mão-de-obra ou de

recursos humanos da vários níveis de qualificação, culturalmente adaptados aos objetivos da

consolidação da dependência, mesmo após a emergência das sociedades nacionais.

Nos períodos de plena vigência do nacionalismo, a implantação de empresas no seio

dessas sociedades, em conseqüência dos obstáculos criados à importação de produtos

industrializados, é facilitada por um trabalho prévio de criação de hábitos de consumo, ação e

pensamento, para o qual contribui extraordinariamente o processo educacional Iato sensu e stricto

sensu.

Nas fases de superação do nacionalismo – este sempre decorrência da evolução do

mercado interno – a diversificação e fortalecimento do empresariado industrial concorre para que o

setor externo atue como reforço nas redefinições do modelo econômico e na reestruturação do poder

político que a decadência do populismo e do próprio nacionalismo acaba por favorecer. Mas é sempre

em função dos rumos que tomam essas redefinições e reorganizações que se manifesta o setor

externo. Então, avulta igualmente a importância de uma redefinição da estratégia da cooperação

internacional para a educação.

Antes, todavia, de analisarmos esse último aspecto, ocupemo-nos primeiro da análise da

ajuda em si.

Em primeiro lugar, importa indagar se a ajuda ou cooperação técnica e financeira dos

países desenvolvidos para os países subdesenvolvidos resulta em benefícios reais para estes últimos.

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No que toca especificamente à educação, favorece ela realmente o desenvolvimento e a expansão do

ensino? Em que aspectos?

Se se leva em conta que geralmente os países subdesenvolvidos apresentam um contexto

acentuadamente heterogêneo, sobretudo na fase de sua industrialização, como já se assinalou aqui, no

caso específico do Brasil, outras questões devem ser também levantadas, tais como as propostas por

Le Than Khoi: se as distâncias sociais são grandes, nesses países, quais os grupos que mais se

beneficiam da ajuda? São estruturais ou apenas quantitativas as mudanças que esta acarreta do

desenvolvimento? Se apenas quantitativas, não teria a ajuda a função de perpetuar e consolidar a

ordem existente?

Se se considera a importância do comportamento geral do contexto interno das

sociedades beneficiárias, não se pode deixar de salientar que a ajuda quase sempre se faz sentir

justamente onde e quando são perceptíveis condições mínimas de integração das populações na esfera

de influência do capitalismo.

A partir desse pressuposto objetivo, a estratégia geral da ajuda para o desenvolvimento

da educação segue, mais ou menos, as seguintes fases e assume os aspectos assinalados por Le Than

Khoi, quando se trata do que ele chama de ajuda vinculada, geralmente no caso dos países mais

pobres ou menos industrializados:

a) Em primeiro lugar, quando a ajuda é feita à base de inversão da capital (construção de

escolas), todo o circuito que vai da elaboração dos estudos, transporte de material, até o fornecimento

de pessoal, favorece o país assistente, porque apenas uma pequena parte da ajuda aproveita mão-de-

obra local.

b) “A ajuda vinculada obriga os países beneficiários a pagarem preços superiores aos

preços mundiais e a se responsabilizaram por fretes de transporte e seguro junto às empresas dos

países de origem”

c) Quando à manutenção do pessoal de cooperação que representa 70% da ajuda à

educação, os recursos não são inteiramente gastos localmente. Pelo menos a metade, talvez até dois

terços são conservados no país de origem ou para ele voltam sob a forma de poupança. Até mesmo as

despesas com consumo do pessoal se fazem sempre com importação de produtos manufaturados e até

alimentares oriundos dos países industrializados. Assim apenas uma pequena parte de renda favorece

a economia local (aluguel, serviços domésticos, alimentação de base).

d) Além disso, para o país que recebe um técnico é diferente o “valor” de sua

remuneração paga pelo país que o envia, em confronto com o custo de um técnico local para o país

beneficiário.

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e) Na maior parte das vezes, a ajuda exterior acarreta encargos decorrentes de

alojamento. Transporte, etc., que, podem atingir ou ultrapassar a despesa que o país beneficiário

suporta, se ele empregasse técnicos nacionais.

É por isso válida e oportuna a transcrição de um trecho de um depoimento do Boletim

do Departamento de Estado Americano, n.º 59, de dezembro de 1968, citado por Le Than Khoi, no

qual se lê: “O maior erro mantido a respeito do programa de ajuda ao estrangeiro é o de acreditar que

enviamos dinheiro ao estrangeiro. Nós não o fazemos. A ajuda ao estrangeiro consiste em material,

matérias-primas, serviços e produtos alimentares americanos. Desta forma, 93% dos fundos da AID

são gastos diretamente nos Estados Unidos”. (Conforme William S. Gand: “Foreign aid: what it is;

how it works, why we provide it”, State Department Bulletin, vol. LIX, n.º 1.537, p. 605).

Do ponto de vista do setor externo, todavia, os benefícios financeiros por este auferidos

não são as únicas vantagens resultantes da “ajuda” ao desenvolvimento da educação nos países

periféricos. Outros aspectos, alguns da maior relevância, merecem aqui destaque.

De forma bem evidente, a ajuda favorece dois tipos de situações, quando dada sob a

forma de bolsas de estudo: uma que diz respeito ao país doador , outra que diz respeito ao país

beneficiário. Geralmente o treinamento ou a formação de pessoal dos países subdesenvolvidos sob a

forma de bolsas de estudos concedidas pelos países que prestam a ajuda, favorece o êxodo de

cérebros, ou, pelo menos, pode esse treinamento ser considerado uma de suas causas. Quer o

treinamento ou a formação seja no país doador da bolsa, quer no do bolsista, é forçoso concluir que

sempre obedece a um modelo estrangeiro que, por isso mesmo, não facilita a integração do indivíduo

ou a qualificação por ele recebida nos quadros das reais exigências do seu país. Valores e aspirações

intelectuais, bem como a manipulação de instrumentos específicos de atuação, próprios de uma

realidade econômica, social, cultural e cientificamente mais avançada alienam o indivíduo do seu

meio acarretando-lhe desadaptação, inadequado aproveitamento, frustrações, enfim, uma série de

conflitos que o levam ou a isolar-se da própria realidade, ou a “fugir” para o exterior. No caso de

ocorrer essa última alternativa, são evidentes para o país favorecedor da bolsa os benefícios

decorrentes: ele ganha um técnico ou um cientista, sem geralmente haver arcado com o ônus de sua

educação de base. Quando é a primeira alternativa que ocorre, de qualquer forma, o treinamento ou a

formação desse indivíduo desadaptado em nada beneficia o seu país.

Se, todavia, não ocorre nenhuma das duas alternativas, há ainda o risco de o indivíduo

atuar ou negativa ou ineficazmente em (e para) sua realidade sócio-cultural e econômica, por achar-se

culturalmente adaptado aos modelos de pensamento e ação assimilados com o tipo de qualificação

recebia.

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Esse tem sido o caso específico dos cientistas treinados segundo métodos de pesquisas

construídos e próprios de sociedades, tecnologia e cientificamente mais avançadas. Usando modelos

bastante sofisticados, eles atuam, ou procuram atuar, em um contexto cujo grau de

subdesenvolvimento não comporta o grau avançado de sofisticação ou, se o comporta, é para ajustá-lo

apenas às necessidades do tipo de empresa existente em seu país. Esta quase sempre mantém, junto a

uma restrita camada social, hábitos de consumo que a identificam com as elites dos países mais

desenvolvidos. Nesse caso, é evidente que o preparo de cientistas serve a interesses econômicos que

não são básicos para o conjunto da população.

São, a esse respeito, pertinentes as observações de André Béteille acerca dos “perigos da

metodologia da pesquisa” importada de países avançados e aplicadas ao estudo de realidades

subdesenvolvidas. Tomando por base o caso da Índia, em suas observações, ele assinala que a

metodologia da pesquisa americana, construída lentamente segundo necessidades, condições e

objetivos de uma sociedade capitalista avançada, orientada para o concreto e a prática, se, por um

lado, tem a vantagem de “normalizar as regras a observar” na pesquisa, comporta, de outro lado, o

risco de valorizar a metodologia em si mais do que os problemas a estudar e a elucidar. Esse risco

cresce mais quando se transfere um tal tipo de metodologia de um para o outro meio intelectual.

Atualmente a pesquisa, nos Estados Unidos, envolve bastante para o trabalho em equipe, o que supõe

que ela se baseia no aprofundamento da especialização de cada colaborador. Essas condições não

apenas são difíceis de ser encontradas nas realidades subdesenvolvidas: a sofisticação do modelo

tende a fazer crescer a preocupação pelo domínio da técnica da pesquisa em si e a diminuir a

preocupação com a problemática do contexto da sociedade em questão. Isso não significa, como

entende o autor citado, que os cientistas “devam em cada país construir seus próprios métodos de

pesquisa; mas a desproporção entre problemas a estudar e os meios disponíveis aparecem às vezes

exagerados em países como a Índia, ou, se quisermos, na maior parte das sociedades

subdesenvolvidas. Essas desproporções acarretam, em conseqüência, outra despreocupação entre “as

vastas dimensões da máquina de pesquisa utilizada e o valor dos resultados finais”, como assinala o

autor, citando Manheins. E, mais ainda, a generalização desse emprego da metodologia em países

pobres tem de levar em consideração um fato concreto: “A nova metodologia custa caro”.

Enfim, na medida em que as agências internacionais de ajuda à educação nos países do

Terceiro Mundo partem de uma concepção de subdesenvolvimento, que na realidade procura explicar

o global pelo particular, ela tem também por estratégia a compartimentação da realidade e, nesse

sentido, não só se comporta acriticamente como ajuda, ou favorece o desencadeamento da organização

de sistemas educacionais ou reformas de ensino que atribuem acentuado valor ao estudo do processo

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educacional em nível micro-social, evidenciando-lhe mais os aspectos psicopedagógicos do que os

aspectos macrossociais. Nesse sentido, não só favorece a importação de técnicas de ensino

modernizantes, que privilegiam o estudo da aprendizagem em si, isolando-a do seu contexto, mas

também, o que é ainda mais grave, imprime uma direção quase única à pesquisa educacional. Esta

passa então a refletir a compartimentação e a desvalorizar os estudos do macro - sistema educacional e

suas relações com o contexto global da sociedade.

É sintomática a supervalorização das áreas tecnológicas com predominância do

treinamento específico sobre a formação geral e a gradativa perda de status das humanidades e

ciências sociais, de modo geral, nas reformas do ensino desencadeadas por situação desse tipo de

ajuda internacional para a educação.

Para tentar possíveis respostas às questões atrás levantadas, cremos que alguns elementos

precisam ainda ser melhor evidenciados na nossa análise.

Quando o desenvolvimento e à expansão do ensino, parece-nos que a ajuda internacional

só interfere quando o contexto interno apresenta certas condições básicas, como a expansão da

demanda social de educação, que nem sempre encontra, no sistema vigente, elasticidade de oferta de

oportunidades educacionais. Mas não é apenas isso que condiciona a interferência da ajuda. A

estrutura social e política de dominação pode utilizar-se da seletividade do ensino como instrumento

de manutenção do status quo. Também o tipo de modelo econômico pode lucrar com a permanência

de mão-de-obra de baixo nível para cuja manutenção contribui a falta de uma escolarização mais

extensa.

Somente, pois, quando há necessidade de redefinição na expansão econômica que

implique o aparecimento ou o incremento de demanda econômica de recursos humanos de vários

níveis de qualificação e também quando o remanejamento das forças na estrutura do poder objetive

utilizar-se da modernização como ideologia de justificação e necessite aumentar as oportunidades

educacionais em determinada direção, é que as pressões da demanda social de educação começam a

ser consideradas. Esse processo é sempre definido em termos de interesses, pelo aumento ou não da

participação social no jogo político, com estratégias definidas em função das condições internas

criadas.

Em princípio, a estratégia da ajuda ataca principalmente o problema em seus aspectos

quantitativos. Daí ser comum a identificação pura e simples da explosão da demanda com a explosão

demográfica. Então, as soluções propostas envolvem, quase sempre, a obtenção de maior rendimento

da rede escolar existente, com a menor aplicação de recursos, com base em estudos de “rentabilidade”

do sistema.

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Já no que concerne à qualidade do ensino, os programas de ajuda identificam, e

necessariamente, o baixo nível de qualidade com a “democratização” ou a expansão do ensino,

distorcem, portanto, o conteúdo problemática, para justificar um tipo de ação que isola de seu contexto

o processo educacional. A estratégia sempre adotada é a do treinamento de pessoal docente e técnico,

do aumento dos recursos materiais (como o aparelhamento de escolas) e a reorganização do currículo,

com vistas ao treinamento, em nível desejado, do pessoal destinado a preencher as categorias

ocupacionais das empresas em expansão. Tem isso por base a necessidade de adequar a educação às

“necessidades do desenvolvimento”.

Nas sociedades subdesenvolvidas, em que são acentuadas as distâncias sociais e a

estrutura de dominação interna privilegia camadas e grupos restritos, a expansão do ensino é sempre

controlada por mecanismos legais, que a mantêm seletiva e, como se viu no caso brasileiro,

socialmente discriminante. A ajuda internacional para a educação privilegia muito o ensino superior,

que, nessas sociedades em fase de modernização, tem como função precípua definir ou redefinir a

situação dos indivíduos na estrutura social. É óbvio que, nesse caso, a ajuda vem privilegiar as

camadas mais altas da população. Além disso, ao modernizar a estrutura do ensino, em qualquer dos

seus níveis, vem não só favorecer o controle da educação pelos órgãos centrais do Governo, o que

implica, no caso da Universidade, perda de autonomia, mas também ensejar mudanças

acentuadamente quantitativa, favorecendo a expansão da oferta do ensino, sem contudo favorecer a

real mobilidade social que seria de se esperar. E isso porque a modernização, de modo geral, implica

hierarquização e compartimentação de ocupações e achatamento de níveis salariais, o que

evidentemente faz acompanhar a extensão da escolaridade, tanto em nível horizontal, quanto em nível

vertical, de perda constante e contínua de etatus. A diferença, portanto, entre o atual modelo

educacional e o antigo modelo da sociedade tradicional consiste em que este conferia ou assegurava

status, enquanto aquele está acarretando, pela massificação do ensino e perda de poder aquisitivo que

o trabalho qualificado pode oferecer ao indivíduo, perda progressiva de status pelas profissões de nível

superior.

Cremos, pois, nesta altura, que se nos afigura óbvia a resposta às questões que nos

propusemos atrás:

São estruturas ou apenas quantitativas as mudanças que a ajuda acarreta ao

desenvolvimento da educação? Se quantitativas, não teria a ajuda a função de perpetuar e consolidar a

ordem existente?

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2.9.7 - A crise da educação brasileira no período 64 / 68 e a ajuda da AID

2.9.7.1 - Base sociais e econômicas da crise estudantil

A crise a que nos referimos tem, em verdade, sua gênese num período anterior: ela foi o

resultado da aceleração do ritmo de crescimento da demanda efetiva de educação. Esse crescimento

resultou da conjugação de dois fatores:

a) A implantação da indústria de base, acelerada sobretudo na segunda metade da

década de 50, que criou uma quantidade e uma variedade de novos empregos;

b) A determinação dos mecanismos tradicionais de ascensão da classe média.

Quanto ao primeiro fator, resulta que, uma vez acelerada a industrialização, a tendência à

criação de serviços é imensa, devido à necessidades de obras de infra-estrutura, crescimento do setor

terciário, e organização burocrática, em crescente complexificação. Além disso, é preciso não

esquecer que este foi o período da instalação de grandes firmas multinacionais, as quais, por si sós,

possibilitaram a criação de uma infinidade de outras firmas menores, além de um esquema

burocrático, que exige uma extensa gama de serviços. Segundo Luiz Antônio Rodrigues da Cunha,

não são só essas grandes empresas que criam diretamente serviços e ocupações; o Estudo, como

propulsor da expansão econômica, mantém vários mecanismos concentradores de capital e órgão de

planejamento e administração além das suas próprias empresas. A necessidade da criação de infra-

estrutura de comunicações, transporte e energia já é o suficiente para formar uma fonte de empregos

que exigem os mais diversos níveis de habilitação.

Esse primeiro fator acabou indo ao encontro dos interesses da classe média. E é aqui que

entra a explicação do segundo fator.

Ainda de acordo com Luiz Antônio Rodrigues da Cunha, o que se verificou, de uns anos

para cá, foi “a mudança do modelo de ascensão da classe média. Anteriormente, esta passava pela

constituição de capital através da poupança, investimento em pequenas empresas, reprodução do

capital, nova poupança, etc. O alvo da ascensão social para as camadas médias era a abertura de um

pequeno negócio ou o exercício de uma atividade profissional, por conta própria. A partir, no entanto,

desse processo de concentração de capital, renda e mercado, os canais “tradicionais” de ascensão

tornam-se cada vez mais estreitos. Em função disso, as alternativas de ascensão das camadas médias

transferem-se para as hierarquias ocupacionais, que se ampliam e multiplicam, tanto no setor privado

quanto no setor público da economia”.

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Tem-se, assim, de um lado, uma crescente demanda de pessoal, por parte do sistema

econômico, e, de outro, uma crescente oferta de trabalho por parte das camadas médias, que vêem nas

hierarquias ocupacionais das empresas a única forma de manter ou conquistar status.

Mas, se a procura de pessoal aumenta, a presença apenas da oferta de trabalho não

significa emprego. Entre uma e outra, está a exigência de qualificação para a edequação às atividades

próprias de cada nível e rumo das hierarquias de ocupacionais (1ª linha da página 206 está ilegível)

para as classes médias, de conquistar postos e, para as empresas, de preencher os seus quadros.

Como respondeu o sistema educacional brasileiro a essas duas pressões, a da demanda

efetiva de educação e a da demanda do sistema econômico para a formação de recursos humanos? É o

que passaremos a enfocar, daqui para a frente.

Antes de mais nada, convém lembrar que as grandes reformas educacionais só vão

ocorrer depois que a crise do sistema atingir sua fase aguda. Portanto, até 1968, nenhuma resposta

viável tinha sido dada às pressões acima assinaladas. E foi justamente da incapacidade do antigo

sistema de responder a essas pressões que resultou o impasse. A Lei de Diretrizes e Bases não havia

criado a estrutura aberta de que carecia o desenvolvimento da Nação e a inelasticidade da oferta era

acompanhada de uma estrutura escolar que não respondia, nem de longe, à demanda de recursos

humanos criada pela expansão econômica. A demanda de pessoal com qualificação de nível médio

crescia em ritmo mais acelerado do que a oferta. Isso criou um déficit que cresceu, também, nos

últimos anos.

Um dos aspectos da crise, portanto, está na crescente incapacidade de o sistema

educacional oferecer os recursos humanos de que carece a expansão econômica.

Ao lado disso, porém, está a pressão da demanda social de educação que, por sua vez,

cresce, na medida em que a própria expansão econômica destrói os “canais tradicionais” de ascensão

social das classes médias.

A política educacional adotada após 1964 vai evoluir de forma diferente nos dois

momentos antes assinalados. Em princípio, ela vai procurar atender às exigências quantitativas da

demanda social de educação. No momento, aliás, ela vai preocupar-se predominantemente com esse

aspecto. Todavia, sua ação vai resultar ineficiente, tanto mais quanto a crise econômica do início da

década de 60 vai exigir, por parte do novo regime e segundo sua ideologia, a adoção de uma política

econômica de contenção. Porém, mais do que em conter gastos, o Governo estava preocupado em

capitalizar, em acumular, para investir. A expansão da rede escolar, segundo as exigências da

demanda social de educação, poderia comprometer em parte a política econômica do Governo. Daí

por que a expansão se deu em limites estreitos e, por não acompanhar nem ao menos o ritmo do

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crescimento da demanda, acabou agravando a crise do sistema educacional. Este já não respondia nem

às exigências do sistema econômico, nem às da demanda de educação.

Os quadros 54 e 55 evidenciam esse fato com mais precisão. Neles procuramos colocar

os dados referentes à expansão do ensino nos seus níveis, em dois períodos diferentes a 1964/68. A

diferença entre ambos dá bem a medida da atuação do Governo, no manejo da política educacional.

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2.9.8 - A REFORMA UNIVERSITÁRIA

A Lei 5,540, de 28 de novembro de 1968, e o Decreto-Lei n.º 464, de 11 de fevereiro de

1969, vieram reafirmar princípios já adotados em legislação anterior e a estrutura, já em implantação.

Para tanto, ficaram logo definitivamente consagradas em lei as seguintes mudanças:

1. Organização – A lei que o ensino superior passe a ser ministrado preferentemente em

Universidades e só excepcionalmente em estabelecimentos isolados. Assim mesmo, o Conselho

Federal de Educação fica incumbido de estudar e fixar os distritos geo-educacionais para a

aglutinação, em Universidades ou federação de escolas, dos estabelecimentos isolados de ensino

superior já existentes.

Essa política de aglutinação faz parte da política de concentração de esforços e recursos

materiais e humanos para obtenção de maior economia de aplicação de recursos e maior

produtividade.

A menor fração da estrutura universitária passa a ser o Departamento, o qual congregará

disciplinas afins.

2. Administração – Além do Reitor, que responde pelo executivo na Universidade, a

administração passa a ser exercida pelos seguintes órgãos principais:

2.1. Um órgão central de coordenação do ensino e da pesquisa;

2.2. Um Conselho de Curadores, quando se tratar de autarquia, composto de membros

da Universidade, representantes do Ministério da Educação e Cultura e membros da Comunidade, ao

qual compete a fiscalização econômico-financeira da Universidade.

No âmbito das unidades, há, além do diretor, um Conselho Departamental ou uma

Congregação, com funções deliberativas , e um Colegiado de Coordenação Didática.

Em todos os órgãos de direção superior das unidades e da Universidade haverá sempre

representação de todas as categorias docentes, bem como a representação discente.

3. Cursos – A Universidade, através de suas unidades, deve promover cursos de

graduação, pós-graduação, extensão, aperfeiçoamento e especialização.

Os cursos de graduação compõem-se de:

1. Um ciclo básico, comum, para áreas afins, visando à:

“a) recuperação de insuficiências evidenciadas pelo concurso vestibular, na formação de

alunos;

c) orientação para a escolha da carreira;

d) realização de estudos básicos para ciclos ulteriores”.

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2. Um ciclo profissional, composto, por sua vez, de cursos de curta duração e de cursos

de longa duração, já explícitos anteriormente.

Além dessa estrutura, a legislação de que tratamos tomou algumas providências

práticas, tais como: a unificação do vestibular, por universidade e por região; a extinção da cátedra e a

previsão de mais de um professor em cada nível de carreira (em cada categoria docente) por

departamento; e a submissão das decisões do Conselho Federal de Educação ao Ministro da Educação

e Cultura, prevendo, inclusive, a devolução, por parte deste último, para reexame, das decisões do

Conselho, das quais estiver divergindo.

Algo de importante para os dois relatórios antes mencionados, mas que não constou dos

textos legais, foi a possibilidade de a nomeação de reitores e diretores de unidades recair em pessoas

alheias ao corpo-docente universitário. A legislação teve, portanto, a precaução de evitar o

agravamento dos problemas de autonomia administrativa no ensino superior.

Em 1971, as condições para o ingresso na Universidade foram fixadas pelo Decreto n.º

68.908, de 13 de julho de 1971, que dispôs sobre o Concurso Vestibular. Esse decreto, depois

regulamentado por portarias ministeriais, previa o vestibular classificatório, que eliminava, de uma

vez por todas, o problema jurídico dos excedentes e determinava que a sua execução fosse realizada

ao mesmo tempo, em todo o Território Nacional ou, pelo menos, para diferentes regiões. Além disso,

previa que as provas fossem idênticas para toda a Universidade ou grupo de Instituições interessadas,

bem como previa sua gradativa unificação para regiões cada vez mais amplas. Dispôs ainda que as

provas se limitassem, daí para frente, a conteúdos relativos às disciplinas obrigatórias do ensino de

grau médio.

Resta-nos agora refletir sobre o significado dessas mudanças. Resumindo-as, podemos

afirmar que a racionalização administrativa e a modernização conseguiram organizar uma estrutura

universitária, com a predominância das seguintes características:

a) Integração de cursos, áreas, disciplinas.

b) Composição curricular, que teoricamente atende a interesses individuais dos alunos

pela presença de presença de disciplinas obrigatórias e optativas e pela matrícula por disciplina.

c) Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa.

d) Cursos de vários níveis e de duração diferente.

e) Incentivo formal à pesquisa.

f) Extinção da cátedra.

g) Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias docentes.

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h) Dinamização da extensão universitária, etc.

O que nos falta saber agora é qual a extensão real dessas modificações e, também, em

que grau elas contribuíram para criar as mudanças reais reivindicadas, já há algum tempo, pela

sociedade. Para quem vive, atualmente, no âmbito da Universidade, não é difícil perceber que, apesar

dos grandes avanços, ela continua a organizar-se segundo normas mais ou menos rígidas. É assim, por

exemplo, que a pretensa exigência de rigor e de racionalização está criando um tipo de curso baseado

em, currículos mínimos prefixados e cargas horárias mínimas, no qual a preocupação com o tempo

gasto e com o cumprimento de exigências formais de realização de programas está dando

continuidade a um processo antigo de desvirtuamento de valores. Os cursos estão sendo avaliados

mais pelo seu número de horas-aula do que pelo conteúdo real e padrão cultural que eles são capazes

de possibilitar aos alunos.

A exigência, indiscutivelmente necessária, de que o ensino esteja aliado à pesquisa não

conta, todavia, com uma estrutura real de recursos, nem sequer com mecanismos de ordem

administrativa capazes de possibilitá-lo. A implantação gradual de tempo integral e de dedicação

exclusiva, com o objetivo formal de garantir esse propósito, não está sendo feita segundo critérios

racionais, nem conta ainda , por parte da maioria dos professores, com a devida “abertura” para

empregar o tempo remunerado em trabalho de pesquisa séria. Para boa parte dos docentes, o regime

especial de trabalho continua sendo mais uma oportunidade de exibir uma situação privilegiada dentro

da unidade escolar, do que uma forma de assumir maiores responsabilidades em relação ao ensino e à

pesquisa.

A dependência cultural tem evoluído com a importação de modelos de pensamento e os

“modismos” pontificam, mais que a originalidade, nos meios docentes. Nesse sentido, processaram-se

as mudanças sem que estas tivessem ajudado a criar condições para a formação de um padrão

intelectual mais autêntico, mais autônomo.

2.9.9 - O novo modelo e sua funcionalidade

A questão que se coloca, inicialmente, para nós é a de saber por que o Governo resolveu,

em determinado momento, promover a Reforma Universitária, quando era ela reivindicação da ala

mais contestada da sociedade brasileira na época.

Florestan Fernandes dá-nos uma resposta aceitável após 1964 a atuação do Governo , em

relação à Universidade, passou por duas fases. A princípio, ele defendeu os interesses dos estratos

conservadores manipuladores da cátedra contra a ofensiva de professores e estudantes que advogavam

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a reforma. Depois, mudou de tática, quando percebeu que “a extinção do antigo padrão de escola

superior não ameaçava o status quo.

E mais ainda:

“Sob a pressão constante de tendências modernizadoras que partiam do interior do país,

dos Estados Unidos e de organismos econômicos, educacionais e culturais internacionais, e sob a

egide conservadora preferiu tomar a liderança política da “reforma universitária”. Iria, portanto,

modernizar sem romper com as antigas tradições, nem ferir interesses conservadores. Ao mesmo

tempo, iria controlar a inovação.

Assim, pois, a modernização da universidade ocorreu menos por pressão da rebelião

estudantil do que pela descoberta de que a inovação poderá ser manipulada sem ameaças à estrutura

de poder, ao mesmo tempo em que se ajustaria mais a um certo padrão de desenvolvimento

econômico, apontado este aspecto pelas forças internas e externas interessadas nessa modernização.

Assim, pois, o Governo não só cedeu às pressões, como também assumiu a responsabilidade da

inovação. E foi esse fato que deu sentido ao “expurgo” dos aspectos político-ideológicos que

informavam as propostas da reforma universitária vindas de própria Universidade e à sua

caracterização como modernização técnico-administrativa. Ao fazer essa opção, o Governo assumiu a

posição dos dirigentes da AID, que tendiam a enfocar a educação como fenômeno isolado do resto do

contexto social e político, e a identificar reformas das instituições com remodelações de caráter

predominantemente técnico-administrativo, como se “seu rendimento intenso constituísse uma função

exclusiva de sua organização interna, da qualidade do pessoal (ou de sua motivação) e da adequação

das relações entre meios e fins. Em suma, bastaria uma “boa organização” e uma “boa direção” para

se ter um “bom rendimento” ou um “rendimento ótimo”. A instituição retiraria de si própria as forças

de seu dinamismo e do seu crescimento, como se fosse auto-suficiente e se determinasse por si

mesma”.

Nesse contexto, a racionalização, a eficiência e a produtividade tornam-se valores

absolutos: têm validade em si e por si mesmos. A racionalidade técnica procura sobrepor-se a

qualquer opção de ordem política e a neutralizar o processo de inovação de qualquer ingerência de

caráter ideológico. Essa é uma posição obviamente ilusória, pois que a técnica não ocorre no vazio,

mas num determinado contexto histórico-político-econômico. A pretensa neutralidade técnica é uma

farsa que busca camuflar, com a racionalidade das decisões técnicas, o fortalecimento de uma

determinada estrutura de poder que procura, sob várias formas, substituir a participação social pela

decisão de poucos. A tecnologia, a ciência, as decisões de origem técnica sempre acontecem numa

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situação concreta, não numa situação abstrata. E são também decorrência delas e, portanto, utilizadas

em função de estruturas políticas, sociais e econômicas.

A separação do processo político em relação ao processo do planejamento (que é o

processo racional) é uma distorção decorrente da distorção das próprias funções do Estado, ou, talvez,

mais do que distorções nestas, opções feitas pelo Estado em função de interesses prevalecentes nos

estratos que manipulam o seu aparelho.

Dumerval Trigueiro Mendes faz uma análise das distorções na filosofia atual do poder,

ressaltando que:

“Em primeiro lugar o Estado criou o que se poderia chamar de desvio tecnocrático.

Pretende-se esvaziar o desenvolvimento (consciência e processo) de sua substância política,

substituindo a “ratio”” política pela “ratio” técnica. O desvio, no plano metodológico, consiste em

opor a idéia de “eficiência” (conceito ambíguo) à de “participação”. O pretexto é a complexidade das

estruturas na qual a tecnocracia corta fácil e o lucro é a neutralidade que afasta a controvérsia”. ( 1ª,2ª

e parte da 3ª linha da página 232 está ilegível) população – instituição, grupo, classe, etc. – por seu

turno deve concentrar-se nos próprios interesses. Não cabe à Universidade preocupar-se com o que

acontece além de seus muros, nem tampouco à Igreja ou aos Sindicatos. Os estudante são para estudar,

os trabalhadores para cuidar do seu ofício, a Igreja da sua fé, e assim por diante. Dessa forma, se

desfazem as solidariedades não só das estruturas, como das pessoas e grupos juntamente com os seus

dinamismos convergentes. Na sociedade, qualquer parte decepada do todo perde o contato com a fonte

de seu próprio dinamismo”.

Assim pois, o modelo de análise que propõe o isolamento do processo e do fenômeno

educacional, longe de apenas simplista e distorcido, consubstancia uma proposta que resulta em

teorias que pretendem dar justificativas à preservação de um determinado status quo. Comporta-se,

dessa forma, como uma estratégia teórica, que, longe de ser ingênua, tem objetivos seus definidos na

manutenção da ordem político-econômico-social.

O novo modelo de Universidade, decorrente dessa proposição, consiste exatamente

naquele que acabamos de descrever. Teoricamente, ele pretende agregar a racionalidade

administrativa à universidade para torná-la mais moderna e adequada às exigências do

desenvolvimento. Mas, politicamente, essa racionalidade administrativa acaba aumentando, no seio da

própria Universidade, o controle dos órgãos centrais sobre toda a vida acadêmica e, externamente, o

controle da própria Universidade pelos órgãos de administração federal de ensino.

A partir daí, é possível afirmar que a atual modernização tem uma funcionalidade

política, não só pelo controle que exerce externamente sobre a Universidade, mas sobretudo por retirar

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da Universidade qualquer chance de interferir sobre, ou de controlar os resultados daquilo que ela

mesma produz.

Ao utilizar, porém, um modelo que é próprio de uma realidade desenvolvida e, portanto,

eficaz para o conjunto dessa realidade, o Governo acabou por criar, no seio da Universidade brasileira,

o esfacelamento das antigas estruturas, grupos e pessoas. A introdução da matrícula por disciplina, por

exemplo, se tem uma funcionalidade prática na obtenção de maior economia no emprego de recursos

(o que é bem duvidoso em nossa realidade), desfez os grupos de estudantes, que antigamente

caminhavam juntos na sua vida acadêmica. Nesse sentido, não só atingiu em cheio o espírito de

solidariedade, como eliminou uma condição essencial para o desenvolvimento do espírito de grupo ou

de classe. E, com isso, retirou do corpo discente a pré-condição que dava dinamismo à sua própria

existência. O resultado prático de uma medida como essa, foi a eliminação de uma das vigas mestras

da solidariedade e da união entre os próprios estudantes.

Ademais, é forçoso admitir que a atual modernização, ao utilizar mecanismos de

administração que eliminam cada vez mais o óbices do livre fluxo do comando das esferas mais para

as instâncias inferiores, esvaziou os antigos cargos de chefia ou de direção de seu conteúdo próprio,

determinado por certo grau de liberdade e opção e de determinação na condução e administração das

instituições. No que concerne à Universidade, isso é verificável, tanto no que respeita às suas relações

com a administração pública federal, como no que respeita ao seu próprio âmbito. No primeiro caso,

decisões que antes eram tomadas pelas próprias Universidades, através de seus órgãos administrativos,

passaram para a instância superior, como é o caso das normas de seleção, contratação e nomeação do

seu próprio pessoal, deixaram de subordinar-se aos reitores ou a administração central da

Universidade, para subordinar-se diretamente a órgãos que se situam fora do seu âmbito.

O setor interno de cada universidade, todavia, reflete a estrutura de dominação que sobre

ela paira. Órgãos superiores de cada Universidade, ligados à área de planejamento pessoal,

coordenação curricular e de administração, tornaram-se plenipotentes, ao criarem mecanismos que

subordinam diretamente ao seu controle, serviços, órgãos administrativos e colegiado de cursos de

cada unidade ou escola. Dessa forma, os cargos de direção da unidade, atualmente, têm muito pouca

ingerência sobre os serviços do ensino, secretaria, pessoal e colegiados de coordenação didática.

Assim, da mesma forma que os atuais reitores tiveram esvaziadas suas funções e

restringidas suas liberdades de fazer opções ou traçar linhas gerais de comando, os atuais diretores

tiveram seus cargos transformados em pouco mais do que cargos de administração predial ou, quando

muito, de intermediários na fluição e cumprimento das ordens que lhes vêm de cima.

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O antigo modelo de Universidade – não estamos aqui a defendê-lo – se pensarmos bem,

possibilitava maior margem de independência, tanto na Universidade em suas relações com a

administração pública federal, quanto em seu próprio âmbito. Os desmandos e abusos ocorreram

menos em função do modelo existente, do que os estratos sociais que manipulavam a cátedra e os

órgãos encarregados de sua direção.

Dessa forma, a modernização acabou criando uma complexidade administrativa e uma

intrincada teia de mecanismos de controle dentro e fora da Universidade, que a tornou mais

conservadora na sua estrutura geral do que a do antigo modelo.

O que dá um toque modernizante à Universidade brasileira atual e camufla sua estrutura

rígida e conservadora é o fato de ele utilizar-se de meios mais modernos de comunicação e controle

administrativo e pedagógico, ter diversificado sua oferta de cursos, tanto no que tange aos ramos do

conhecimento, quanto no que tange às formas de duração. E, ainda, o fato de ela ter dado um caráter

mais racional à aplicação de recursos, evitando “duplicar meios para fins idênticos”. Acrescente-se,

finalmente, a isso o fato de ela haver ingressado, há pouco, na fase de incentivo à pesquisa, cujos

objetivos discutíveis já salientamos páginas atrás.

Com tudo isso, a racionalidade só veio acarretar um poderoso aumento do esquema de

dominação dentro e fora da Universidade, do que resultou a perda total de sua autonomia.

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Conclusão:

Após o fim desta pesquisa, concluímos que cada modificação impetrada, durante

determinado período na educação brasileira, está diretamente relacionada com o perfil do governo da

época e com a política-econômica adotada por este governo.

Foi assim, primeiramente, com os jesuítas, os quais, devido à grande força da igreja e,

ainda, ao início da colonização brasileira, tiveram total liberdade para impor sua ideologia através da

catequese, o que, no momento, era, exatamente, o que de melhor podia acontecer ao Brasil.

Vemos, no decorrer desse processo, surgir um governante ( D. José I e seu ministro

Marquês de Pombal, ambos “Despotas escalrecidos”) que presava a arte e o desenvolvimento

científico, acima da religião (achavam, mesmo, que a religião era o freio da educação). Essa postura

irá acarretar na expulsão dos jesuítas do Brasil e a educação brasileira entregue nas mãos de

professores indicados por Pombal.

Mais à frente, com as mudança de governante, teremos a volta dos jesuítas ( um imperador católico

era sinônimo de uma igreja forte, e, consequentemente, uma educação marchando paralelamente com

a religião, ou seja, tudo se interligava).

Entramos no Império e continuamos observando que quando a política era de descaso e

inconsequência para com o Estado, esse descaso era refletido na educação (um bom exemplo é o

governo de D. Pedro I). Já com D. Pedro II (último governo do Brasil Império) a educação conseguiu

passar de muito ruim para ruim, ou seja, houve uma evolução, devido a valorização dada por D. Pedro

II à cultura (patrocinou várias descobertas, ficando conhecido esse período como “Messenato”, em

homenagem ao Rei Messenas – grande propulsor das artes e das ciências), porém, mesmo assim, não

havia, ainda, a consciência do alto grau de importância da educação. Esse descaso, com a educação, se

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deve tanto ao nível das pessoas que vinham para o Brasil (a maior parte era composta da classe mais

baixa), bem como, e principalmente, pelo motivo que essas pessoas vinham para o Brasil (pensavam

em vir para o Brasil, fazer riqueza e voltar para Portugal, para poder gastar a fortuna conseguida),

visto ambos motivos, fica claro, para nós, concluirmos o porquê de toda pouca importância dada ao

Brasil, no que tange o desenvolvimento científico. O interesse era de explorar, e não de desenvolver.

Com o início da República, a educação continua sendo tratada da mesma maneira, só

havendo um “suspiro” de melhoria no Governo Rodrigues Alves, porém nesse momento, aconteceu

uma resistência muito grande do povo (talvez até devido á ignorância da população) aos métodos

pouco ortodoxos do Governo (Quem não se lembra da Revolta da Vacina?).

Novamente, temos um hiato de descaso e falta de vontade para com a educação, só acontecendo nova

melhoria no Governo de Vargas, onde este devido a Ter ficado por 15 anos, consecutivos, no poder,

conseguiu algumas melhorias ( a criação do SENAI E SENAC, por exemplo), ‘ainda aquém do que o

Brasil necessita.

E por fim, iremos observar no Governo de Castelo Branco, a primeira reforma educacional, real, do

Brasil, onde tentou-se diminuir um pouco a defasagem entre o ensino do Brasil e dos países de

primeiro mundo (o presidente compreendera ser a educação a mola mestra do desenvolvimento,

tentando suprir a falta de recursos brasileiros para atendê-la, foi buscar ajuda na cúpula

interamericana, sendo encaminhado posteriormente ao BID e a AID, em palavras do próprio Castelo

Branco : “ Seria a ambicionada educação para o desenvolvimento”).

Em suma, fazendo um estudo do grau de preocupação de cada Governo para com a educação do Brasil

( dos jesuítas até Castelo Branco ; da construção de escolas até a especialização de docentes), iremos

Ter uma plástica perfeita da política adotada naquele determinado governo, é uma simbiose perfeita

entre a importância e desenvolvimento, entre modo de governar e tipo de educação, ou seja, uma

simbiose perfeita entre política e educação, quando uma vai bem a outra vem subindo junto e vice-

versa, nem que essa melhoria de ambas seja a longo prazo.

A atual situação do ensino no Brasil (principalmente o ensino superior, que é onde toda a carência irá

desaguar, às vezes na forma de exclusão, outras vezes na formação de profissionais deficientes) está

refletindo toda essa política de idas e vindas dos nossos antigos governos.

Concluímos que a solução para esse problema que se alastra por séculos de descaso, somente terá

chance de melhorar com outros tantos séculos de boa política (boa vontade e bom senso de nossos

governantes já é um belo caminho a trilhar).

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Um país onde dominasse muito fácil pela falta de cultura, enquanto nossos políticos continuarem

colocando seus interesses na frente do país, essa situação nunca estará sanada. Resta a nós tentarmos

reverter essa situação.

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BIBLIOGRAFIA

• LAROSA, Marco Antônio. Como produzir uma monografia passo a passo... siga o

mapa da mina. Rio de Janeiro: WAK, 2002.

• LEITE, Glacyra Lazzari. As lutas ideológicas em torno da educação. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 1976. ( Tese de Mestrado )

• TEIXEIRA, Anísio. Educação Progressiva. São Paulo: Nacional , 1954.

• CHAUÍ, Marilena, FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Ideologia e mobilização

popular. Rio de Janeiro: Cedec, Paz e Terra, 1978.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO....................l............................................................................. 08

CAPÍTULO I..................................................................................................... 10

A EDUCAÇÃO: DA COLÔNIA AO IMPÉRIO............................................... 10

1.1 - Condições favoráveis para a educação jesuítica ........................................ 11

1.1.1- Objetivos da Educação jesuítica.............................................................. 13

1.2- Queda da Educação jesuítica.................................................................... 14

1.2.1- A Relação entre o desenvolvimento econômico e a educação.. ...............15

1.3- A Descentralização educacional de 1834................................................. 18

1.4- O Auge do Sistema Educacional no Império .......................................... 20

1.5- Novas Reformas no Ensino...................................................................... 23

1.5- Integração e Desintegração de Fatores.................................................... 26

CAPÍTULO II......................................................................................................28

A EDUCAÇÃO: DA REPÚBLICA AO GOVERNO CASTELO BRANCO....28

2.1- As Novas Exigências Educacionais da Industrialização...............................29

2.1.1- A Influência da Revolução Capitalista na Expansão do Ensino................29

2.1.2- O Reduzido interesse pela instrução: um problema sempre presente.......30

2.2- A Revolução de 1930 e o seu resultado educacional....................................31

2.2.1- O Crescimento da demanda social da educação........................................33

2.3 – Crescimento e Expansão geral do Ensino....................................................35

2.4 – A Reforma Francisco Campos.....................................................................38

2.5 – A Reforma do Ensino Superior....................................................................39

2.5.1- O Aparecimento da Universidade no Brasil................................................39

2.6- O Estatuto das Universidades brasileiras........................................................40

2.7- As Lutas ideológicas em torno da Educação na 1ª fase do novo regime.........42

2.7.1- As Lutas ideológicas e o Manifesto dos pioneiros da Educação nova..........42

2.8- O conteúdo do Manifesto.................................................................................45

2.8.1- Educação e desenvolvimento.........................................................................45

2.9- Os Fundamentos do Movimento Renovador.....................................................47

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2.9.1- Reivindicações contidas no Manifesto..........................................................47

2.9.2- Plano de Reconstrução e Desenvolvimento...................................................50

2.9.3- O Significado histórico do Manifesto............................................................51

2.9.4- As Vitórias e as derrotas do Movimento Renovador.....................................54

2.9.5- A Política Educacional dos últimos anos.......................................................57

2.9.5.1- A Educação brasileira após 64-síntese dos fatos........................................57

2.9.6- A Ajuda Interna para a educação brasileira....................................................62

2.9.6.1- A Ajuda Interna para a educação brasileira no atual estágio capitalista......62

2.9.7- A Crise da Educação brasileira no período 64/68...........................................71

2.9.7.1- Bases Sociais e econômicas da crise estudantil............................................71

2.9.8 – A Reforma Universitária.................................................................................74

2.9.9- O Novo Modelo e sua funcionalidade...............................................................76

CONCLUSÃO.............................................................................................................81

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................83

ÍNDICE........................................................................................................................84

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PROJETO A VOZ DO MESTRE

Pós Graduação: “Docência em Ensino Superior - Latu Sensu”

Título: FATORES ATUANTES NA EVOLUÇÃO DO SISTEMA EDUCACIONAL

BRASILEIRO

Data de Entrega: 29 de setembro de 2004

Auto Avaliação: Como você avaliaria esta monografia?

Avaliado por :________________________________Grau____________________

Rio de Janeiro, de de 2004