abordagem policial e a fundada suspeita

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7 tMINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURíDICAS E ECONÔMICAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM SEGURANÇA PÚBLICA ABORDAGEM POLICIAL E SUA (IN)FUNDADA SUSPEITA ROGÉRIO FERNANDES LIMA POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO VITÓRIA/ES

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Page 1: abordagem policial e a fundada suspeita

7

tMINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURíDICAS E ECONÔMICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM SEGURANÇA PÚBLICA

ABORDAGEM POLICIAL E SUA (IN)FUNDADA SUSPEITA

ROGÉRIO FERNANDES LIMA

POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO

VITÓRIA/ES

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8

2008

ROGÉRIO FERNANDES LIMA

ABORDAGEM POLICIAL E SUA (IN)FUNDADA SUSPEITA

Monografia de conclusão do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Segurança Pública apresentada ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, sob a orientação do Professor Drº Sandro José da Silva.

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VITÓRIA/ES

2008

ROGÉRIO FERNANDES LIMA

ABORDAGEM POLICIAL E SUA (IN) FUNDADA SUSPEITA

Monografia de conclusão do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em

Segurança Pública apresentada ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas

da Universidade Federal do Espírito Santo.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________

Professor Drº Sandro José da Silva

_____________________________________

Professor Mestre Marcio Luiz Boni

_____________________________________

Professor Especialista Adriana Lacerda

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Agradeço a Deus que possibilitou minha

chegada até o presente estágio, fazendo

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11

com que superasse todos os obstáculos;

a minha mãe, Solange Barroso Lima, que

sempre, junto a mim, deu-me força e

apoio.

A polícia apresenta suas armas, Escudos transparentes, cassetetes Capacetes reluzentes E a determinação de manter tudo Em seu lugar. O governa apresenta suas armas Discurso reticente, novidade inconsistente E a liberdade que cai por terra Aos pés de um de Godard A cidade apresenta suas armas Meninos nos sinais, mendigos pelos E o espanto está nos olhos de quem vê O grande monstro a se criar Os negros apresentam suas armas As costas marcadas, as mãos calejadas

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E a esperteza que só tem quem ta Cansado de apanhar

Selvagem, Paralamas do Sucesso

(Herbert Viana, Bi Ribeiro, João

Barone e Gilberto Gil; gravadora

EMI; 1986)

RESUMO

O presente trabalho monográfico objetiva buscar um maior entendimento

acerca do tema “abordagem policial e a fundada suspeita”, tendo por base a

legalidade da ação policial, vendo se esta era pautada em preconceitos raciais

ou quaisquer outros; para tanto foi feito um estudo comparado em diversas

áreas do Direito Público – Direito Constitucional, Administrativo, Penal,

Processual Penal, bem como o estudo adentrou a área sociológica, tendo por

escopo formar uma opinião sólida a respeito da melhor maneira de se

compreender o procedimento policial, bem como o proceder do cidadão.

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SUMÁRIO

RESUMO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............................................................. 09

3 DIREITO DE IR E VIR ................................................................................. 13

4 ESTADO-ADMINISTRAÇÃO ...................................................................... 19

5 PODER DISCRICIONÁRIO ........................................................................ 22

6 PODER DE POLÍCIA .................................................................................. 24

7 ABORDAGEM POLICIAL ............................................................................ 27

8 CIDADANIA ................................................................................................. 31

9 ELEMENTO SUSPEITO ............................................................................. 36

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 44

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 51

Page 8: abordagem policial e a fundada suspeita

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1. INTRODUÇÃO

Qualquer atividade desenvolvida requer procedimentos adequados, dentro

desta ótica é que buscamos entender o procedimento policial da abordagem e

busca pessoal, observando, precipuamente, a abordagem a pessoas, esta a

mais crítica, pois vem a restringir o ir e vir do cidadão.

Assim sendo, o estudo em tela buscou unir a prática deste pós-graduando, o

qual serve nos quadros da briosa Polícia Militar do Espírito Santo com as

atividades desenvolvidas na Academia.

O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, tema que é muito

novo nos ambientes universitários, mas sim fomentar o debate acerca do

assunto, haja vista que podemos vir a ser abordados a qualquer momento.

O ponto inicial da pesquisa foi abordar os princípios constitucionais, enfocando,

principalmente, o direito de ir e vir do cidadão, adiante se analisou o surgimento

do Estado enquanto Administração, enfocando então o poder discricionário e o

poder de polícia, até chegarmos na abordagem, e sua real necessidade.

Diante disto concluímos o presente trabalho na esperança de motivar a

pesquisa sobre o tema, haja vista que não se trata somente de um caso de

policia ou de direito, mas sim de um caso de exercício da cidadania.

Page 9: abordagem policial e a fundada suspeita

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2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:

Os princípios constitucionais consubstanciam a inter-relação, o fio condutor

entre todos os conceitos jurídicos, refletindo a evolução, sócio-política-

econômica dos valores culturais de uma época; são, desta forma, necessários

para o entendimento científico do Direito e sua história. Afinal, o Direito não

pode ser compreendido dissociado de sua história, sob o risco desta

interpretação ser equivocada, alienada e alienante.

Antes de adentrar ao estudo específico dos princípios constitucionais, mister se

faz uma prévia explanação sobre a questão dos princípios.

Segundo a professora, Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas:

O termo princípio, etimologicamente, advém do latim (principium, principii) e nos remete à idéia de começo. Consoante De Plácido e Silva, princípio, derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar que exprime o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do plural, quer significar as normas elementos ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, os princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica (...)1

Os princípios constituem abstrações desprovidas de concreção. Exercem uma

função ordenadora, apta a indicar rumos nos momentos de instabilidade.

Mostram-se invocáveis quando da exegese dos textos básicos, nos períodos

de normalidade institucional, os princípios funcionam imediatamente como

critérios interpretativos e de integração, conferindo coerência geral ao sistema.

1 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins. Campinas: PUC. Revista Jurídica, 2001. Volume 17. Nº 01. P.14-37

Page 10: abordagem policial e a fundada suspeita

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A moderna teoria jurídica, que tem no professor J.J. Canotilho, como esteio

maior, entende prestar-se o princípio a resolver, com maior flexibilidade em

relação às normas, as antinomias normativas, enquanto os princípios postulam

uma otimização recíproca, que é irreconduzível a soluções de tudo ou nada. Já

as normas conflitantes podem exigir instrumentos mais radicais de soluções.

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores

fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes

não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar sua força

sobre todo o mundo jurídico; os princípios constitucionais são aqueles valores

albergados pelo Texto Maior a fim de dar sistematização ao documento

constitucional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é

mais importante, espraiar os seus valores, pulverizá-los sobre todo o mundo

jurídico.

É bom salientar que os princípios não exigem um comportamento específico,

isto é, estabelecem ou pontos de partidas ou metas genéricas; as regras, ao

contrário, são específicas ou em pautas; os princípios não são aplicáveis à

maneira de um tudo ou nada, pois enunciam uma ou algumas razões para

decidir em determinado sentido, sem obrigar a uma decisão particular, já as

regras enunciam pontos dicotômicos, isto é, estabelecem condições que

tornam sua aplicação e conseqüências que se seguem necessariamente; os

princípios têm um peso ou importância relativa, ao passo que as regras têm

uma impossibilidade mais estrita, assim, os princípios comportam avaliação,

sem que a substituição de um por outro de maior peso signifique a exclusão do

primeiro, já as regras, embora admitam exceções, quando contraditadas

provocam a exclusão do dispositivo colidente; o conceito de validade cabe bem

para as regras, que ou são válidas ou não o são, mas não para os princípios,

que, por serem submetidos à avaliação de importância, mais bem se encaixam

no conceito de legitimidade.

Page 11: abordagem policial e a fundada suspeita

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Uma vez incorporados à Constituição, os princípios fundamentais passam a

suscitar interesse no tocante à sua tipificação ou enquadramento normativo.

Seria então o caso de indagar da força jurídica dos princípios, isto é, se os

mesmos têm alguma ou acentuada expressão normativa.

O professor Jorge Miranda esclarece detalhadamente que os princípios não se

colocam além ou acima do direito, também eles, numa visão ampla,

superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes

legais, fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem as normas,

contrapõem-se tão somente aos preceitos, as normas jurídicas é que se

dividem em normas princípios e normas disposições, constituem normas

básicas de ordenação constitucional.

A distinção, pois, entre princípios e normas jurídicas não resultam na negação

dos princípios como espécies normativas, uma vez positivadas no texto

constitucional, ascendem os princípios à categoria normativa, pelo que devem

ser tidos como normas jurídicas, alguns auto-executáveis enquanto

diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações

político-constitucionais.

Para José Afonso da Silva:

os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, os princípios, que começam por ser à base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.2

Os princípios constitucionais se preocupam, sobretudo, em estabelecer os

limites da eficácia de tais normas, cujo excesso da generalidade as insere,

segundo, certos juristas, numa categoria especial, isto é, num tipo à parte, sem 2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 19ª. 2001

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que isso invalide, em absoluto, o título de normatividade que já lhes foi

outorgado pela doutrina dominante.

Mas não é unicamente a generalidade o traço imperante na caracterização dos

princípios, Domenico Farias, que lhes não recusa o caráter de genuínas

normas jurídicas, acrescenta o da fecundidade, uma idéia, todavia, retorna com

freqüência, se não exclusiva, decerto preponderante – os princípios são a alma

e o fundamento de outras normas. Substancialmente é a idéia de fecundidade

do princípio aquela que se acrescenta à mera generalidade.

Esclarece, em seguida, as duas funções capitais que se inferem da

fecundidade dos princípios, a saber – a interpretativa e a integrativa. Com

efeito, escreve Farias: ‘A forma jurídica mais definida mediante a qual a

fecundidade dos princípios se apresenta é, em primeiro lugar, a função

interpretativa e integrativa’.

O recurso aos princípios se impõe ao jurista para orientar a interpretação das

leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. Antes ainda das Cartas

Constitucionais, ou, melhor, antes que, sob o influxo do jusnaturalismo

iluminista, máximas jurídicas muito genéricas se difundissem nas codificações,

o recurso aos princípios era uma necessidade de interpretar e integrar as leis.

Partindo-se da função interpretativa e integrativa dos princípios – cristalizada

no conceito de sua fecundidade – é possível chegar, numa escala de

densidade normativa, ao grau do mais alto àqueles já subiram na própria esfera

do direito positivo: o grau constitucional.

Deve-se compreender que uma Constituição não é fundamentalmente um

projeto para o futuro, é uma forma de garantir direitos e limitar poderes, acima

de tudo limitar poderes de déspotas. O próprio poder constituinte não tem

autonomia: serve para criar um corpo rígido de regras garantidoras de direitos

e limitadores de poderes.

Page 13: abordagem policial e a fundada suspeita

19

Os princípios constitucionais são o cerne do ordenamento jurídico pátrio, sendo

corporificados pela vontade do cidadão, servindo de base para legislações

infraconstitucionais. E por ser expressão da vontade do cidadão, tem por

escopo tutelar as garantias primordiais à vida das pessoas, buscando desta

maneira que uma Nação consiga atingir seus objetivos precípuos.

Na concepção jurídica, como também, fora dela, princípios designam ‘a

estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia

mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, de onde todas

as demais idéias, pensamentos ou normas derivam se reconduzem ou se

subordinam’.

Na ciência jurídica tem-se utilizado o termo princípio ora para designar a

formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo,

ora para designar determinados tipos de normas jurídicas, ora para estabelecer

os postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas

independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito

ou normas legais vigentes. É imprescindível entender dos princípios, pois

assim sabemos quais são os valores primordiais de um povo.

3. DIREITO DE IR E VIR:

Para falar no direito de ir, vir e permanecer, liberdade de locomoção, deve-se

fazer uma inserção sociológica, filosófica e jurídica, ou no dizer de Afonso

Arinos de Melo Franco:

A justificação dos direitos públicos individuais, ou liberdades individuais, pode ser encontrada na teoria jurídica, na filosofia do direito, ou em argumentos meta-jurídicos, éticos e religiosos3

3 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito Constitucional: Teoria da Constituição: Constituições do Brasil. Rio de Janeiro: Forense. 1976. P.45

Page 14: abordagem policial e a fundada suspeita

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Em que pese seja ambos os termos – direitos humanos e direitos fundamentais

– comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de

passagem, procedente para a distinção é que o termo direito fundamental se

aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecido e positivado na esfera

do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a

expressão ‘ direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito

internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao

ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada

ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos

os povos e tempos, de tal sorte que revelam o inequívoco caráter

supranacional.

O direito de ir, vir e permanecer, é, pois, um direito fundamental, inscrito na

Carta Magna de nosso país, sendo a liberdade da pessoa humana de se

locomover livremente por toda parte, um bem intransigível e inegociável,

obedecidos os preceitos legais.

A Constituição da República Federativa do Brasil em seu preâmbulo nos diz:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil4

A Carta magna continua em seu artigo 1º, a reconhecer como valores em seus

incisos: a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Continuando o Constituinte de 1988, buscou fortalecer os seus conceitos,

também no artigo 4º, do citado diploma legal, reconhecendo: prevalência dos

direitos humanos. 4 BRASIL, Constituição (1988), Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

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Finalmente em seu artigo 5º, considerado pelos doutrinadores constitucionais o

que mais defende os direitos fundamentais, chegando a codificá-los, nos seus

incisos II, X e XV –

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.5

É importante salientar que é pela locomoção que o homem externa um dos

aspectos fundamentais da sua liberdade física. Circular consiste em deslocar-

se de um ponto para outro; em um sentido amplo, contudo, deve incluir o

próprio direito de permanecer. Este circulação há de se dar, é óbvio, segundo

os meios tecnológicos existentes e as várias obras realizadas. O direito de

circular, pois, encontra duas sortes de limitações. Uma concernente à própria

manifestação deste direito, e a outra que pode defluir das regulamentações

impostas pelos poderes públicos aos meios de locomoção e a utilização das

vias e logradouros públicos. O circular caracteriza a liberdade do homem poder

movimentar-se por todos os espaços públicos e privados, sendo que seu

impedimento de transitar só poder ocorrer se vier a violar direito de terceiro,

pois as normas de convívio social, bem como as normas jurídicas não nos

permitem ultrapassar os direitos alheios em detrimento de nossas vontades.

Consistindo no poder de fazer tudo aquilo que não prejudique outrem, como,

por exemplo, o exercício dos direitos naturais de cada homem, que tem por

limites apenas aqueles que assegurem aos outros membros da sociedade o

gozo desses mesmos direitos, limites esses que somente podem ser

determinados pela lei, pensamento, este fundado desde a Revolução

Francesa, encontrado-se no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão, promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte Francesa em 3

de setembro de 1791. 5 Op. Cit.

Page 16: abordagem policial e a fundada suspeita

22

Se a liberdade de ir e vir for tolhida ou ameaçada, a Constituição assegura

meios ou instrumentos processuais eficazes, como o habeas corpus, para que

de imediato, se suspenda a violação ou ameaça de violação, bem como

existem outros remédios constitucionais que garantem o exercício dos direitos

fundamentais, sejam eles violados pelo Estado ou por particulares.

No direito comparado percebemos que a liberdade é uma dimensão essencial

da pessoa, entendida como liberdade geral de atuação ou se preferir, liberdade

geral de auto-determinação, que se apresenta como a melhor interpretação da

Constituição, como um valor superior do ordenamento jurídico, que se

concretiza num conjunto de manifestações da Carta Maior como concede a

outras categorias de direitos fundamentais, tais como direito de imagem, direito

a intimidade, liberdade ideológica, entre outros.

Com a inviolabilidade do direito à liberdade, pretende o Estado dar proteção ao

cidadão no seu relacionamento no meio social, sem qualquer restrição, salvo

para resguardar o bem comum ou o interesse público, ou seja o ordenamento

jurídico garante ao brasileiro ou estrangeiro, em território nacional, a

inviolabilidade de sua locomoção em terras nacionais, colocando que todos são

livres para transitarem por onde queiram, obedecidos as leis pátrias, isto

porque as leis são a emanação da vontade popular.

A liberdade individual é um conceito básico do pensamento político moderno,

eis por que as constituições têm associado este termo ao uso de outros

direitos, sua inserção nos textos constitucionais no capítulo referente aos

direitos e garantias fundamentais, tem tradição histórica no constitucionalismo

brasileiro, de vez que somente foi extirpada, praticamente, nos períodos de

exceção, embora constasse nas Cartas que nestes períodos vigoraram.

Page 17: abordagem policial e a fundada suspeita

23

A garantia e o gozo dos direitos individuais, entre os quais incluímos o direito à

liberdade, dependem do regime e da forma de governo de cada nação e, por

que não dizermos, da situação política dominante.

Na esfera da liberdade individual, também chamada de liberdade geográfica,

significando um espaço de vida na qual a interferência de terceiros, particulares

ou Estado, apenas ocorre se houver vontade do homem livre, ou seja, a esfera

íntima do particular poder se movimentar.

Os remédios também são tradicionais, haja vista que na esfera da vida privada,

a qual se constitui e organiza, atualmente, sob o signo das obrigações

privadas, advindas de contratos (de massa, de consumo, ou privados

propriamente) ou de responsabilidade civil (relações involuntárias como dizem

os clássicos), segundo lhe convenha ou bem lhe pareça.

Claro está que essa liberdade de ir, ficar ou permanecer termina onde atenta

contra o bem geral.

Na prática, porém, os que exercem autoridade, por mais cultos e bem

intencionados que sejam, podem involuntariamente ofender ou limitar

excessivamente a liberdade do indivíduo, assim como este, voluntariamente ou

não, pode opor obstáculos excessivos ao exercício legítimo da autoridade ou

ofender a liberdade dos outros indivíduos pela extensão abusiva da sua

própria.

Direitos individuais, liberdades públicas, direitos do homem e do cidadão são

expressões equivalentes, mas comumente se distingue, para facilidade do

estudo ou por conceituação doutrinária.

O conteúdo dos direitos individuais em direitos relativos à igualdade civil, à

liberdade civil e à liberdade política. São também denominadas obrigações

negativas do Estado, porque sua declaração significa que o Estado não deve

Page 18: abordagem policial e a fundada suspeita

24

fazer nada que os possa lesar. São limitações à autoridade, à atividade dos

poderes públicos, dos governos e das autoridades em geral.

A liberdade civil é o direito de todos os homens exercerem e desenvolverem

sua atividade física, intelectual e moral, e compreende a liberdade física, isto é,

o direito de ir e vir, de não ser detido arbitrariamente, mas apenas de acordo

com a lei, quando a transgredir, inviolabilidade do domicílio, o direito de

propriedade, de que não pode ser despojado senão por motivos de utilidade ou

necessidade pública, mediante prévia e justa indenização.

A definição de liberdade, dada pela Declaração de 1791, obedecendo aos

anseios do terceiro estado em França revolucionária, pode não ser perfeita,

mas não se conhece nenhuma tão clara – A liberdade consiste em poder fazer

tudo que não prejudique a outrem.

Desta forma, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites

senão os que asseguram aos demais membros da sociedade ao gozo dos

mesmos direitos.

As limitações somente a lei poderá determinar, a lei não pode proibir senão as

ações nocivas à sociedade, tudo que não é proibido por lei, não pode ser

impedido e ninguém será obrigado a fazer aquilo que a lei não determinar.

Tudo isso é a liberdade que são os direitos do indivíduo à vida, à associação, à

locomoção, à comunicação do pensamento, prerrogativas fundamentais do

cidadão, direitos comumente chamados individuais, naturais e inalienáveis.

O Estado, por um princípio essencial de justiça, tem de respeitá-los, não lhes

podendo traçar outros limites senão aqueles absolutamente necessários à

coexistência social.

Page 19: abordagem policial e a fundada suspeita

25

Quer isso dizer, que cada homem pode exercer suas atividades físicas e

espirituais, pode exercer seus direitos até onde não prejudique igual direito dos

outros homens e não ofenda o bem público.

Em suma o direito de ir, vir e permanecer é o direito fundamental do cidadão

movimentar-se livremente, podendo circular por todos os espaços públicos ou

privados, desde que autorizados e permitidos, haja vista que na ocorrência de

proibição esta deverá estar pautada na legalidade, seja para proteção do

patrimônio público, seja para defesa da propriedade, conforme preconiza nossa

Carta Política de 1988 e que a interferência neste direito requer a necessidade

do ato, pois não é qualquer vontade que pode conter o livre transitar do

cidadão.

4. ESTADO-ADMINISTRAÇÃO:

O Estado é a mais complexa das organizações criadas pelo homem, podendo-

se, mesmo dizer que ele é sinal de um alto estágio da civilização.

Neste sentido, podemos dizer que o Estado surge num momento bem definido,

qual seja o século XVI, com o surgimento dos Estados português e espanhol;

todavia não se nega que na Antiguidade Clássica (cidades gregas e romanas)

já apresentasse sinais precursores dessa realidade, contudo os autores

preferem localizar seu aparecimento no início dos tempos modernos, onde se

reúnem, nas entidades políticas denominadas, todas as características próprias

de Estado.

A palavra estado deriva do latim status, que significa estado, posição e ordem.

Em seu sentido ontológico, Estado significa um organismo próprio dotado de

Page 20: abordagem policial e a fundada suspeita

26

funções próprias, ou seja, o modo de ser da sociedade politicamente

organizada, uma das formas de manifestação do poder.

Entre as várias correntes doutrinárias sobre as finalidades do Estado, nota-se

com alento a corrente contratualista, e tem como expoentes – John Locke e

Thomas Hobbes – segundo esta teoria, o Estado teve sua origem a partir de

um pacto social firmado entre os indivíduos. Para eles, os fins estatais devem

ficar adstritos à mera aplicação do direito.

Os defensores dos fins relativos do Estado sustentam a posição de que este

deve ater-se a conservar o patrimônio público, ordenar a vida em sociedade e

incentivar a economia, a cultura e o ensino. Sua preocupação deve residir nas

suas relações com o indivíduo e na solidariedade dos mais fortes para com os

mais fracos.

O Estado, portanto, é uma sociedade, pois se constitui essencialmente de um

grupo de indivíduos unidos e organizados permanentemente para realizar um

objetivo comum. E se denomina sociedade política, porque, tendo sua

organização determinada por normas de Direito positivo, é hierarquizada na

forma de governantes e governados, e tem uma finalidade própria, o bem

público.

O Estado, enquanto entidade una, é um ser indivisível, o que nos condiciona a

crer na existência de funções do poder do Estado, ou seja, tripartição de

funções, quais sejam – legislativa executiva e judiciária.

Neste sentido, escreve a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro: ‘embora o

poder estatal seja uno, indivisível e indelegável, ele desdobra-se em três

funções: a legislativa, a executiva e a jurisdicional.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Page 21: abordagem policial e a fundada suspeita

27

o que há, portanto, não é separação de poderes com divisão absoluta de funções, mas, sim, distribuições das três funções estatais precípuas entre os órgãos independentes, mas harmônicos e coordenados no seu funcionamento, mesmo porque o poder estatal é uno e indivisível.6

Dentro desta ótica, o Estado, como Administração (Governo), tem como

objetivo, proporcionar aos cidadãos uma melhor condição de vida, bem como o

seu desenvolvimento – econômico, social, cultura e educacional – neste rol, é

que se incluem as funções precípuas definidas pelo legislador constituinte.

Artigo 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:7

O professor Hely Lopes Meirelles sintetiza a compreensão de funcionamento

do Estado da seguinte forma: ‘ numa visão global, a Administração é, pois, todo

o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à

satisfação das necessidades coletivas’

Sendo o Estado uma criação do homem, através do pacto social, escolheram

os cidadãos, este ente para gerir suas vidas, abrindo mão por suposto, de sua

autotutela, onde poderiam fazer justiça com as próprias mãos, delegando,

desta forma ao Estado, o qual através de suas funções – legislativa, cria as leis

em sentido genérico; executiva, que além de executar as leis dá provimento às

necessidades básicas dos nacionais, bem como aos serviços próprios de

Estado e a jurisdicional, que enfrentam o caso em concreto, dirimindo as

querelas entre os cidadãos, bem como entre as funções de Estado.

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 1998. 23ª. P.61-62 7 Op. Cit.

Page 22: abordagem policial e a fundada suspeita

28

Diante deste pacto é que os cidadãos permitem que o ente, Estado, entre em

suas particularidades em proveito da coletividade, onde, dever-se-á ter como

princípio o interesse público em detrimento do individual.

5. PODER DISCRICIONÁRIO:

É o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para

a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência

e conteúdo; neste caso, da discricionariedade, apesar do ente da

administração pública ter a liberdade na sua decisão (discricionariedade), esta

está intimamente ligada a preceitos legais preestabelecidos, contudo não

vinculantes.

A discricionariedade resulta da permissão da lei, posto que, contrariamente, ela

procede da própria disciplina normativa, a dizer, da maneira pela qual se regula

dada situação.

Desta forma, tem-se o preceito que diz que a discricionariedade implica

liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração

ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária

a lei.

Sob o ponto de vista jurídico, utiliza-se a teoria da formação do direito por

degraus de Kelsen, considerando-se os vários degraus pelos quais se

expressa o direito, a cada ato acrescenta-se um elemento novo não previsto no

anterior, esse acréscimo se faz com o uso da discricionariedade, esta existe

para tornar possível esse acréscimo.

A faculdade discricionária diferencia-se da vinculada pela maior liberdade de

ação que é conferida ao administrador, sendo possível que para praticar um

ato discricionário e livre, no âmbito em que a lei lhe confere essa faculdade.

Page 23: abordagem policial e a fundada suspeita

29

Desta forma, conclui-se que a discricionariedade será sempre relativa e parcial,

porque, quanto à competência, à forma e à finalidade do ato, a autoridade está

subordinada ao que a lei dispõe como para qualquer ato vinculado. Sendo que,

para a prática do ato discricionário, deverá o ente da administração ter:

competência legal para praticá-lo, deverá obedecer a forma legal para

realização e deverá atender à finalidade legal de todo ato administrativo, que é

o interesse público.

Em suma, está aqui a se dizer que a discricionariedade é pura e simplesmente

o fruto da finitude, isto é, da limitação da mente humana. À inteligência dos

homens falece o poder de identificar sempre, objetiva e inobjetável, a medida

idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal.

Ao considerarmos o ato discricionário, não podemos ter este ato como verdade

única e absoluta, sendo imune à apreciação por parte do Poder Jurisdicional do

Estado, mas sim, sabermos, até mesmo, por princípio constitucional, de acordo

com a Magna Carta.

O Poder Judiciário deverá apreciar o ato administrativo com a observância dos

princípios da oportunidade e conveniência, não se entrenhando quanto ao seu

mérito, mas em sua análise, deverá sopesar o princípio da razoabilidade

aplicado pelo agente público.

A rigor, pode-se dize que, com relação ao ato discricionário, o judiciário pode

apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não

ultrapassou os limites da discricionariedade, neste caso, pode o judiciário

invalidar o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei

e invadiu o campo da legalidade.

A discricionariedade – poder discricionário ou função discricionária, segundo as

definições dos doutrinadores, que assim se dividem – é o limite de liberdade

Page 24: abordagem policial e a fundada suspeita

30

que remanesce ao agente público para atuar, optando dentre as opções que se

apresentam diante do caso concreto, primado pela observância do princípio da

razoabilidade, escolhendo a que melhor se adeqüe ao interesse público.

6. PODER DE POLÍCIA:

O poder de polícia é o conjunto de atribuições concedidas a Administração,

para disciplinar e restringir direitos e liberdades individuais, em face do

interesse público. É a faculdade de que dispõe a Administração Pública para

condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais,

em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Hodiernamente adota-se no

direito brasileiro, o poder de polícia como a atividade consistente em limitar o

exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.

O Poder de Polícia é o conjunto de atos da Administração Pública que servem

para atingir o bem comum ou interesse público, sendo discricionários ou

vinculados, que agem de maneira preventiva ou repressiva, utilizando-se da

coercitividade e auto-executoriedade, sendo, contudo, objeto de apreciação do

Poder Judiciário, nestes casos o Poder Público tem por escopo evitar lesão aos

direitos individuais ou propriedade, visto que a Administração Pública deve

primar pelo princípio da legalidade.

Segundo o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

com este esclarecimento sobre o que se deve entender pela difundida expressão, poder de polícia, chega-se a um conceito didático que põe em evidência a característica de instrumentalidade acima sublinhada: denomina-se polícia à função administrativa que tem por objeto aplicar concreta, direta e imediatamente as limitações e os condicionamentos legais ao exercício de direitos fundamentais, compatibilizando-os com interesses públicos, também legalmente

Page 25: abordagem policial e a fundada suspeita

31

definidos, com a finalidade de possibilitar uma convivência ordeira e valiosa.8

Neste ponto encontra-se entrechoque de interesses, quais sejam: autoridade

da Administração Pública e a liberdade individual, observando-se que o

interesse particular não pode estar sobre o interesse da coletividade.

O poder de polícia informa todo o sistema de proteção que funciona, em

nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo, qual

seja o de assegurar a tranqüilidade, a segurança e a salubridade públicas,

caracteriza-se pela competência para impor medidas que visem a tal

desideratum, podendo ser entendido como a faculdade discricionária da

Administração de limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do

interesse coletivo.

Não existe qualquer incompatibilidade entre os diretos individuais e os limites a

eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, a idéia de limite surge do

próprio conceito de direito subjetivo, tudo aquilo que é juridicamente garantido

é também juridicamente limitado.

De outra forma, entretanto, descaberia falar em limitação a direitos, pois atos

restritivos, legais ou administrativos, nada mais significam senão a formulação

jurídica do âmbito do Direito, por isso, é ilegal a ação da Administração que, a

pretexto de exercer o Pode de Polícia, se interna na esfera juridicamente

protegida da liberdade e da propriedade; o que em fazendo a Administração

Pública estaria retornando a um estado medieval, onde o Senhor feudal ditava

as ordens aos seus vassalos, controlando, inclusive suas vidas, forma esta,

inadmissível em nossos dias de Estado Democrático de Direito.

A polícia judiciária objetiva investigar, apurar e fornecer elementos de conduta

ilícita praticada por determinado nacional, para que este saiba que não está

8 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. 12ª. P.386

Page 26: abordagem policial e a fundada suspeita

32

acima da Lei, tendo por isto, um caráter repressivo (coercitivo), proporcionando

ao Ministério Público que leve os fatos ao Poder Judiciário, para que este diga

o direito.

Proporcionando à coletividade uma resposta do Estado, que é uno, através de

suas funções: legislativa, executiva e judiciária; defendendo assim o princípio

da isonomia, manifestando desta forma, que atitudes separadas de

particulares, que atentem contra o ordenamento jurídico pátrio devem ser

objeto da tutela do Estado, demonstrando desta maneira a força do Estado na

consecução do interesse público e proteção da coletividade.

No Estado brasileiro, a polícia judiciária é representada pelas seguintes

instituições: Polícias Civis estaduais, Polícia Federal e Polícia Judiciária Militar.

A partir desta conceituação de Polícia Judiciária, podemos elaborar um

conceito de Polícia Administrativa, sendo que a busca desta polícia,como

atividade primeira, é a prevenção, cabendo-lhe, também, a repressão de

atividades anti-sociais ou contrárias ao interesse público, que infrinjam o

interesse da coletividade.

Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina:

Renato Alessi, sempre preciso, não desconheceu o caráter eventualmente repressivo da polícia administrativa e realçou seus vários traços ao defini-la como a atividade administrativa preordenada à proteção do todo social e de suas partes, mediante uma ação, ora de observação, ora de prevenção, ora de repressão contra os danos que a eles poderiam ocorrer em razão da atividade de indivíduos.9

A atividade da Administração Pública expressa em atos normativos ou

concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na

forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora

fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos

9 MELLO, Celso Antonio Bandeira de.

Page 27: abordagem policial e a fundada suspeita

33

particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os

comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.

Sobre a discricionariedade do poder de polícia, temos que a rigor, no Estado de

Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela

Administração Pública. Há isto sim, atos em que a Administração Pública pode

manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação da

administração é totalmente vinculada.

Desta forma, pode-se, asseverar que a polícia administrativa se expressa ora

através de atos no exercício de competência discricionária, ora de competência

vinculada.

À polícia administrativa remanescem todas as demais formas de atuação,

preventivas e repressivas, com suas sanções aplicáveis executoriamente sobre

a propriedade e a atividade privadas, atuando, apenas excepcionalmente,

através de um constrangimento sobre as pessoas, quando em ação de

resposta, contemporânea da transgressão administrativa em curso ou iminente.

Por fim, temos que entender o poder de polícia como uma atividade

desempenhada pela Administração, e no caso brasileiro, deve estar em

consonância com a Carta Magna de 1988, obedecido o Estado Democrático de

Direito, que visa um não fazer do indivíduo em face da coletividade, não

facultando ao administrador ou agente público, desviar-se da legalidade, o que

fazendo responderá por desvio de finalidade ou desvio de poder.

7. ABORDAGEM POLICIAL:

Abordar é à maneira de aproximação a uma pessoa com um objetivo definido.

Page 28: abordagem policial e a fundada suspeita

34

Pode-se falar de várias formas de abordagem, contudo o objetivo deste estudo

é falar sobre a abordagem policial, não se remetendo, entretanto, às técnicas e

táticas operacionais, mas sim a abordagem propriamente dita.

Àquela, onde o agente público, imbuído de autoridade, exercendo o poder de

polícia, interpela o transeunte, baseada em sua fundada suspeita, rompendo

assim com uma garantia individual do cidadão abordado, qual seja, o seu

direito de ir, vir e permanecer e estar, tudo isto com o escopo de proporcionar

aos cidadãos uma maior sensação de segurança, fazendo valer, desta forma, o

interesse público da coletividade em detrimento ao individual.

A Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, em sua instrução modular, traz a

seguinte definição de abordagem policial:

dizem os nossos dicionários que abordar é: acometer e tomar, aproximar-se, chegar, interpelar. No nosso caso, poderíamos considerar como sendo uma técnica policial de aproxima-se de uma pessoa ou pessoas, a pé, montadas ou motorizadas, e que emanam indícios de suspeição; que tenham praticado ou estejam na iminência de praticar ilícitos penais, com o intuito de investigar, orientar, advertir, prender, assistir, etc...10

A abordagem policial é acima de tudo um método profilático de evitar que

ilícitos ocorram, preservando, desta forma, a ordem pública, trazendo para o

citadino uma maior sensação de segurança.

Para falarmos em abordagem policial, contudo, não se pode deixar de falar

sobre a busca pessoal, haja vista que acontecem, quase sempre,

simultaneamente, sendo conhecida, vulgarmente, pela população como:

revista, geral, dura, baculejo, etc...

A busca pessoal encontra sua previsão legal explicita no Código de Processo

Penal brasileiro, devendo ser feita por mandado judicial ou com fundada

suspeita.

10 POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO. Instrução Modular. Vitória. 5ª. 1999. P.111

Page 29: abordagem policial e a fundada suspeita

35

art. 244 – A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja de posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca domiciliar.11

As dúvidas sobre a legalidade da busca pessoal com mandado judicial na

verdade são inócuas, contudo a busca pessoal, baseada na fundada suspeita é

a que gera questionamentos, dúvidas e incertezas, e diante da assertiva,

pergunto-me: onde repousa o sustentáculo jurídico da busca pessoal, baseado

na fundada suspeita?

A fundada suspeita sustenta-se na discricionariedade do agente público, de

maneira a exercitar o poder de polícia, onde, este agente (policial) baseado em

sua experiência e tirocínio policial, realiza a abordagem policial e posterior

busca pessoal, com o intuito de evitar que ilícitos ocorram, agindo

preventivamente.

Observa-se, contudo, que o policial não pode ficar restrito apenas a

subjetividade de seu raciocínio, a fim de se evitar erros que o levem a atitudes

contra legem, devendo observar quanto as atitudes dos transeuntes,

características incomuns ou suspeitas que venham a colidir com informações

passadas pelos órgãos policiais ou comunitários, bem como, se trazem,

suspeição de volumes incompatíveis ou externadores em partes do corpo.

Outro ponto a se salientar é que normalmente o policial trabalha em um setor

específico de policiamento, por isso, familiariza-se com as pessoas que

transitam por aquele local, desta forma uma pessoa com características

diferentes da região, fazem nascer no agente público uma suspeição, que

somente cessará com a abordagem policial e, se necessário a busca pessoal.

Os pontos citados acima formam no raciocínio do policial a sensação de

insegurança, gerando a fundada suspeita, e que acarretará na abordagem

11 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO. São Paulo: RT editores. 2ª. 2000. P.361

Page 30: abordagem policial e a fundada suspeita

36

policial e busca pessoal, que deverá ser levada a termo dentro dos princípios

da administração pública, aqui também neste caso, quais sejam: moralidade,

impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência.

Por isso, quando se fala em discricionariedade não se quer dizer a vontade

única e exclusiva do agente público, porque o ato discricionário não é

totalmente discricionário ou desregrado, por estar sempre vinculado a Lei, pois

se assim não fosse o agente público estaria cometendo um ato arbitrário, ou

desvio de poder, cerceando desta forma os princípios e garantias

fundamentais.

Na literatura policial não se encontra vasta bibliografia pertinente ao tema,

dando uma melhor fundamentação a definição de fundada suspeita, da

mesma opinião é a compartilhada pela douta professora Ana Clara Victor da

Paixão, a qual se expressa da seguinte maneira:

o termo fundada suspeita utilizado no art. 244 do Código de Processo Penal é a chave que abre todas as portas, autorizando buscas e apreensões sem mandado e justificando todos os abusos cometidos. No altar da fundada suspeita são sacrificados os direitos à publicidade, à intimidade e a dignidade, que a Constituição Federal pretendeu assegurar a todas as pessoas, brasileiras ou estrangeiras, residentes em solo pátrio.12

Contudo o entendimento majoritário da doutrina baseia-se na verdade, isso

também deve ser observado no tocante a revista, ou busca pessoal, por

identidade de razões, uma vez que a Constituição tutela a intimidade e a

privacidade da pessoa, não apenas em seu domicílio, mas igualmente fora

dele.

E, ademais, ambas são medidas vexatórias, como reconhece Tourinho, em que

pese entender que o emprego de fundadas suspeitas no parágrafo 2º do artigo

240, para justificar a busca pessoal, signifique menor exigência do que as

fundadas razões exigíveis para a busca domiciliar. De forma diferente pensa o 12 PAIXÃO, Ana Clara Victor da. A Busca e a Apreensão no Processo Penal. Disponível em:<http://www.ujgoias.com.br/cgd/2a/2a020.htm>

Page 31: abordagem policial e a fundada suspeita

37

professor Tornaghi, que equipara as duas expressões, afirmando: a fundada

suspeita de que fala esse dispositivo (art. 240, parágrafo 2º) é o mesmo que a

fundada razão da qual falei ao tratar da condição de legitimidade da busca

domiciliar.

Diante destas considerações é que forma-se um senso crítico de que a

fundada suspeita não pode ficar totalmente ao alvedrio do agente público na

tomada de atitude, ou seja, existe a necessidade de motivação por parte do

administrado (cidadão), que enseje no raciocínio do policial uma atitude

preventiva, e não somente um ato reflexo, em cima de bases preconceituosas

da qual ouvimos relatos diuturnamente.

8. CIDADANIA:

O conceito de cidadania pode variar de acordo com a ciência que a estuda,

pois para o direito - cidadão é o nacional, brasileiro nato ou naturalizado, no

gozo dos direitos políticos e participantes da vida do Estado, tendo capacidade

de votar e ser votado, por isso a cidadania, dentro da Carta Magna de 1988

sofre restrições ao seu exercício pleno, sendo, inclusive, adquirida

gradualmente, conforme se depreende dos artigos 12 e 14 da Constituição da

República.

Diante do histórico ditatorial brasileiro, onde vemos vários casos de abuso ou

excesso de poder através dos mais variados modelos arbitrários de gestão

pública bem como supressão da vontade popular são salutar uma análise da

redemocratização como fator de geração do sentimento de cidadania.

Marcio Luiz Boni, analisando Dallari nos ensina:

Dalmo de Abreu Dallari afirma na obra Direitos Humanos e Cidadania,

que o momento e o ambiente da Revolução Francesa nasceu da

moderna concepção de cidadania, para eliminar privilégios; e que o dia

11 de julho de 1789 foi um marco para as modificações na organização

e sistema da França quando o povo invadiu a prisão de Bastilha, em

Page 32: abordagem policial e a fundada suspeita

38

Paris, onde se achavam os presos acusados de serem inimigos do

regime político absolutista.13

Na visão do autor, apesar de séculos de lutas e vitórias, este não é o único

supedâneo para sustentar a aquisição da cidadania, pois esta, muito mais do

que exercício do direito de voto, é a garantia de exercício de uma gama de

direitos individuais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração.

Como destacado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello:

enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) –

que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais –

realçam o principio da liberdade e os direitos de segunda geração

(econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as

liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da

igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de

titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações

sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um

momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e

reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto

valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial

inexauribilidade.14

A sociedade brasileira, vítima inconteste, de várias violações aos seus direitos

fundamentais, sendo estes fatos algo como que costumeiro em nossa história,

sempre buscou uma saída, através das manifestações populares para o

retorno ao exercício das suas liberdades fundamentais, inclusive, insurgindo-se

contra a atitude arbitrária dos governantes.

Segundo Paulo Bonavides com a evolução das garantias fundamentais do

cidadão houve um incremento nos direitos materiais e formais incorporados ao

ordenamento jurídico.

13 BONI, Márcio Luiz. Cidadania e Poder de Polícia na abordagem policial. Campos dos Goytacazes. 2005. 14 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas 23 ed. 2008. pg. 31.

Page 33: abordagem policial e a fundada suspeita

39

Segundo o Major PMES Márcio Luiz Boni:

A cidadania é um fenômeno complexo e historicamente definido,

construído pela sociedade em busca de direitos civis, políticos e

sociais. A cidadania plena, combinando liberdade, participação e

igualdade são um ideal do Ocidente, talvez inatingível.15

O que nos leva a concluir que para o Oficial Superior a cidadania não passa de

uma quimera para a sociedade ocidental.

Na evolução histórica das sociedades vimos que os direitos se solidificam de

variadas maneiras, pois existem países que aderiram ao Commom Law, como

exemplo os países anglo-saxões, outros ao contrário, preferiram o Civil Law,

dentre eles o Brasil, sendo que o Civil Law nos prende mais ao positivismo da

Lei, por isso na construção da cidadania, dependendo do caminho a ser

seguido vai variar o seu exercício e conseqüente respeito.

Observamos que no Brasil, no período da ditadura de Vargas, na vigência da

Constituição Polaca, foi o período, a contrario senso, que mais se aflorou a

aquisição de direitos civis, entre eles os trabalhistas.

Ainda dentro da análise de Márcio Luiz Boni, diante da visão minimalista de

Estado, ocorre uma relativização dos direitos indisponíveis, haja vista o alto

custo para o Estado manter e implementar tais políticas, ex vi:

A busca da cidadania dita por ideal com direitos civis, políticos e

sociais, depois de um lento e longo período de conquistas, enfrenta os

obstáculos do pensamento neoliberal e da globalização, em face da

proposta de “Estado-Mínimo”. Dentro desta ótica, direitos tidos como

indisponíveis passam a ser relativizados diante dos seus custos para o

Estado. 16

15 Op. Cit. 16 Op. Cit.

Page 34: abordagem policial e a fundada suspeita

40

O que se busca é a melhoria dos mecanismos de representação popular,

objetivando conseguir a consolidação e ampliação da democracia, fugindo-se

de um Estado clientelista e parcial.

Assim, superar a posição de subserviente (periférico) é imprescindível para a

conquista do amadurecimento da sociedade, do contrário estaremos alinhados,

estruturalmente, com o centro hegemônico.

Uma primeira relação de cidadania diz respeito à autonomia de uma sociedade

de traçar ela mesma suas próprias políticas.

Numa segunda relação, a cidadania é sinônimo de democracia, sob o viés

político, é a capacidade da sociedade se organizar e participar ativamente, no

ponto de vista sóciopolítico-econômico é a consagração dos direitos mínimos

do homem, e sob o viés cultural é a possibilidade do homem definir seus

próprios valores através da educação.

Por isso, podemos concluir que cidadania é a sociedade autônoma, e sendo,

autônoma, consegue escolher um conjunto de políticas adequadas ao

ambiente econômico, político e social existente, e estendê-los a todos, por isto

é democrática e que caminha ao desenvolvimento.

Na observação de Márcio Luiz Boni:

Comparato ressalta a importância dos meios de participação popular

para o controle político. E, ao detalhar a participação na administração

da coisa pública, afirma que a polícia, como braço armado da

Administração Pública, sempre foi imune aos controles democráticos

que, em nível estadual, sempre obedeceu à política de segurança dos

Governadores, sem estar minimamente vinculada aos interesses da

comunidade.17

17 Op. Cit.

Page 35: abordagem policial e a fundada suspeita

41

Deve ser ressaltado que não é somente aproximando a policia do povo que os

problemas terão fim, mas é necessário que sejam estabelecidos marcos

delimitadores para o controle da atividade policial, através de um conselho de

cidadãos, o qual seria eleito por sufrágio comunitário e velaria pela atuação

policial em sua região, participando ativamente na política de segurnaça

pública local.

Esta opção pode ser utópica, mas contribuiria, sobremaneira, para resolução

de conflitos e busca da paz social.

A prevenção do momento de crise, e da ação violenta ou ilícita, diminuiria a

demasiada intervenção policial no cotidiano social, o que, em certos momentos,

ensejam o uso da força para o seu controle, criando, com isto mais violência.

A Carta Política, promulgada, após vinte e quatro anos de período de exceção,

é um marco da cidadania no Brasil, em razão da ruptura com a ordem jurídica

autoritária e a conseqüente positivação de direitos e garantias que valorizam a

cidadania, sendo um marco para toda América Latina.

O fenômeno da globalização é para os países como o Brasil, em

desenvolvimento, uma grande incógnita, pois apresentam aspectos positivos e

negativos, o que requer do governo maior atenção com as decisões neoliberais

que tomam, principalmente na minimilização do Estado, o que pode causar um

processo de exclusão social que venha a comprometer as conquistas sociais

adquiridas.

Podemos enfocar que a segregação social, mas não somente ela, mas somado

a um conjunto de fatores, pode levar a um aumento no agravamento da

criminalidade e violência, verificando-se o declínio do ente estatal de enfrentar

os problemas cotidianos.

Segundo Márcio Luiz Boni:

Page 36: abordagem policial e a fundada suspeita

42

Reconhecida à existência e gravidade desses problemas; verifica-se

que à segurança enquadra-se no conceito de cidadania. A gestão da

segurança social é uma necessidade que integra o rol das funções-

síntese do Estado, devendo, portanto, ser garantida ao cidadão de

maneira efetiva, democrática e humanizada com respeito aos direitos,

e também obediência aos deveres.18

A cidadania deve ser entendida como o entrechoque de direitos e deveres, e

que neste embate de direitos da coletividade e direitos particulares, prevalecer-

se-ão os direitos da coletividade em detrimento dos individuais.

Por isso, podemos concluir que a potencial consciência e respeito aos direitos

e deveres das partes envolvidas, nas diversas relações sociais, evitariam a

intromissão do Estado através de seu aparelhamento repressivo.

Está ínsita a relação causal entre a cidadania e a atividade policial, atuando

juntas, lado a lado, em busca da ordem e tranqüilidade públicas no conjunto do

sistema de segurança e justiça.

A atividade pública de segurança abrange a maioria dos direitos integrantes do

conceito de cidadania, e precisa de maior concretude, tanto na relação entre os

órgãos e os seus agentes, em prol do reconhecimento profissional, quanto no

cumprimento de seu mister constitucional.

9. ELEMENTO SUSPEITO:

Na análise desenvolvida por Márcio Luiz Boni acerca do trabalho produzido

pelas professoras Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, do Centro de Estudos

de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, temos:

18 Op. Cit.

Page 37: abordagem policial e a fundada suspeita

43

A noção de cidadania pode se apresentar paradoxal à idéia de poder

de polícia, num exame imediato dos princípios de liberdade e

autoridade. Entretanto, o que se constata é que ambos coexistem de

forma complementar e harmônica, pois ao passo que se sustentam no

interesse público, a cidadania e o poder de polícia são pilares do

Estado Democrático de Direito.19

Abordagens policiais são mecanismos, lastreados no poder de polícia estatal, e

utilizados preventiva e repressivamente pelos integrantes das polícias militares,

civis – estadual e federal, para o cumprimento da missão constitucional de

polícia ostensiva e preservação da ordem pública.

Analisando a natureza jurídica das abordagens policiais, concluímos que estas

são atos administrativos praticados pelos agentes policiais e que, como tal,

devem preencher os requisitos que compõem o ato administrativo, sujeitando-

se aos controles – por parte dos poderes legislativos e judiciários, bem como a

própria Administração, através da autotutela, primando, primordialmente pelo

atendimento aos princípios explícitos no artigo 37, caput da Constituição

Federal, bem como aos princípios constitucionais implícitos.

Em especial ao princípio da legalidade – na forma ampla ou estrita; e o

princípio da moralidade; não nos esquecendo de ressalvar mais dois

importantíssimos controles da atividade policial, o realizado por pelo Ministério

Público, tendo como lastro o artigo 129 da Carta Magna, bem como o efetivado

pela participação popular o qual possui mecanismos próprios, seja através da

Ação Popular, seja através da Ação Civil Pública.

Os desvios de finalidade, excessos ou abusos do poder de polícia na atuação

policial, além de possibilitarem a invalidação de seus atos, podem ensejar a

responsabilização nas esferas penal, civil e administrativa.

19 Op. Cit.

Page 38: abordagem policial e a fundada suspeita

44

Entretanto, apesar dos limites delineados pela lei, somente uma análise do

caso em concreto permite mensurar, se houve, ou não, transposição destes

balizadores.

Dado ao maior exercício da cidadania observa-se um crescimento do

questionamento acerca da discriminação e seletividade nas abordagens

policiais, estereotipando, por sua vez um determinado segmento social ou

racial, criando, desta forma, um grupo de excluídos ou escolhidos para

servirem, primeiramente, a abordagem policial.

As professoras - Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, do Centro de Estudos

de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes,

desenvolveram o artigo “’Elemento Suspeito’. Abordagem Policial e

Discriminação na cidade do Rio de Janeiro”, com base na pesquisa

“Abordagem Policial, Estereótipos Raciais e Percepções da Discriminação na

Cidade do Rio de Janeiro”, realizada em 2003, na qual se buscou conhecer as

experiências da população carioca com a polícia, principalmente nas

abordagens policiais, e conhecer os mecanismos e critérios de construção da

suspeita por parte dos policiais, para verificar a influência dos filtros sociais e

raciais na atuação da polícia.

No artigo, constata-se a percepção da população carioca acerca da

seletividade social no desenvolver da abordagem policial, todavia as

pesquisadoras não conseguiram delimitar um paralelo das abordagens a

veículos na cidade do Rio de Janeiro com a filtragem racial dos policiais

rodoviários dos Estados Unidos da América.

Nota-se que, apesar da seletividade, a população aprova o desenvolvimento de

atividades de abordagens policiais, contudo, consideram, em geral,

preconceituosas.

Page 39: abordagem policial e a fundada suspeita

45

Segundo as pesquisadoras Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, em pesquisa

realizada na população carioca abordada - cerca de 60% acreditam que a

Polícia escolhe pela aparência física quem será abordado(a), incluindo aí cor

da pele (40,1%) e modo de vestir (19,7%). Na opinião de 80% dos cariocas, os

jovens são mais parados do que as pessoas mais velhas; para cerca de 60%,

os negros são mais parados que os brancos e os pobres mais do que os ricos.

Além disso, 43% da população classificaram a PM fluminense como muito

racista e, em outra pergunta, 30% afirmaram que ela é mais racista do que o

restante da sociedade.

Observemos as conclusões das pesquisadoras citadas:

Entretanto, os resultados gerais da pesquisa quantitativa não

confirmaram imediatamente essas percepções. Quando se considera a

simples experiência de ter sido parado(a) alguma vez e o número de

abordagens sofridas, há uma relação consistente com gênero e idade,

mas não com raça, renda ou escolaridade. O peso dessas variáveis só

aparece, como veremos, quando se diferenciam tipos de abordagem e

tipos de tratamento que a Polícia dispensa aos cidadãos. 20

Por sua vez Márcio Luiz Boni nos relata:

Segundo as pesquisas de Ramos e Musumeci, nas abordagens a

veículos não foi possível identificar o aspecto discriminatório, em face

da dificuldade de se estimar a dimensão e composição da parcela de

pessoas que possui e/ou dirige veículos particulares, haja vista que ela

não se distribui de forma aleatória pelos grupos etários, raciais ou

econômicos da população carioca. Qualquer comparação entre o total

de pessoas paradas pela polícia (sendo mais de 50% em abordagens

automobilísticas) e o total de moradores da cidade tenderia a sub-

representar no primeiro grupo os muito jovens e o segmento mais

20 RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. “Elemento Suspeito”. Abordagem Policial e Discriminação na cidade do Rio de Janeiro. CESEC/Boletim Segurança e Cidadania, Rio de Janeiro, ano 03, n. 08, dez. 2004. Disponível em: <http://www.ucam.edu.br/cesec/publicacoes/zip/boletim08.pdf>.

Page 40: abordagem policial e a fundada suspeita

46

pobre da população, no qual se incluem, majoritariamente, as pessoas

negras.21

Constatou-se que nas abordagens realizadas nas pessoas a pé ou em

transportes coletivos, a pesquisa detectou que, há, porém, outras situações de

abordagem policial típica e predominantemente racializadas, além de filtradas

(em sentido inverso ao das blitz) por gênero, idade, território e classe social.

Márcio Luiz Boni em sua Dissertação nos relata:

Antes do artigo “’Elemento Suspeito’. Abordagem Policial e

Discriminação na cidade do Rio de Janeiro”, em outra pesquisa sobre a

questão da discriminação na abordagem policial, o Datafolha apontou

que os negros e pardos continuam sendo discriminados pela polícia.22

Uma indagação pode ser feita – a cor da pele justifica um tratamento diferente?

No tocante a abordagem policial, na apresentação do Major PMES Márcio Luiz

Boni, após análise de pesquisa do Instituto Datafolha:

Segundo pesquisa realizada pela Datafolha, 86% dos homens que se

consideram pretos já enfrentaram uma revista policial na rua. Entre os

brancos, 71% tiveram essa experiência. Entre os pardos, 82%. Se o

paulistano for preto e jovem (16 a 25 anos), a incidência da abordagem

policial é maior, atinge 91% do segmento. Essas mesmas pessoas

foram, em média, revistadas cerca de 10 vezes. Brancos do mesmo

segmento etário sofreram revista policial, em média, 7,4 vezes, do que

podemos observar, e na região metropolitana da Grande Vitória não

fugiria ao padrão nacional, o elemento suspeito é sempre o

negro/pardo, jovem e estereotipado.23

Com o fito de ilustrar o tema vertente do elemento suspeito trazemos a lume a

estória narrada por Luís Fernando Veríssimo:

21 Op. Cit. 22 Op. Cit. 23 Op. Cit.

Page 41: abordagem policial e a fundada suspeita

47

ATITUDE SUSPEITA

Sempre me intriga a notícia de que alguém foi preso? Em atitude

suspeita? É uma frase cheia de significados. Existiriam atitudes

inocentes e atitudes duvidosas diante da vida e das coisas e qualquer

um de nós estaria sujeito a, distraidamente, assumir uma atitude que

dá cadeia!

- Delegado, prendemos este cidadão em atitude suspeita.

- Ah, um daqueles, é? Como era a sua atitude?

Suspeita.

- Compreendo. Bom trabalho, rapazes. E o que é que ele alega?

- Diz que não estava fazendo nada e protestou contra a prisão.

- Humm. Suspeitíssimo. Se fosse inocente não teria medo de vir dar

explicações.

- Mas eu não tenho o que explicar! Sou inocente!

- É o que todos dizem meu caro. A sua situação é preta. Temos ordem

de limpar a cidade de pessoas em atitudes suspeitas.

- Mas eu estava só esperando o ônibus!

- Ele fingia que estava esperando um ônibus, delegado. Foi o que

despertou a nossa suspeita.

- Ah! Aposto que não havia nem uma parada de ônibus por perto.

Como é que ele explicou isso?

- Havia uma parada sim delegado. O que confirmou a nossa suspeita.

Ele obviamente escolheu uma parada de ônibus para fingir que

esperava o ônibus sem despertar suspeita.

- E o cara-de-pau ainda se declara inocente! Quer dizer que passava

ônibus, passava ônibus e ele ali fingindo que o próximo é que era o

dele? A gente vê cada uma...

- Não senhor delegado. No primeiro ônibus que apareceu ele ia subir,

mas nós agarramos ele primeiro.

- Era o meu ônibus, o ônibus que eu pego todos os dias para ir para

casa! Sou inocente!

- É a segunda vez que o senhor se declara inocente, o que é muito

suspeito. Se é mesmo inocente, por que insistir tanto que é?

- E se eu me declarar culpado, o senhor vai me considerar inocente?

- Claro que não. Nenhum inocente se declara culpado, mas todo

culpado se declara inocente. Se o senhor é tão inocente assim, por que

estava tentando fugir?

Page 42: abordagem policial e a fundada suspeita

48

- Fugir, como?

- Fugir no ônibus. Quando foi preso.

- Mas eu não estava tentando fugir. Era o meu ônibus, o que eu tomo

sempre!

- Ora, meu amigo. O senhor pensa que alguém aqui é criança? O

senhor estava fingindo que esperava um ônibus, em atitude suspeita,

quando suspeitou destes dois agentes da lei ao seu lado. Tentou fugir

e...

- Foi isso mesmo. Isso mesmo! Tentei fugir deles.

- Ah, uma confissão!

- Porque eles estavam em atitude suspeita, como o delegado acaba de

dizer.

- O quê? Pense bem no que o senhor está dizendo. O senhor acusa

estes dois agentes da lei de estarem em atitude suspeita?

- Acuso. Estavam fingindo que esperavam um ônibus e na verdade

estavam me vigiando. Suspeitei da atitude deles e tentei fugir!

- Delegado...

- Calem-se! A conversa agora é outra. Como é que vocês querem que

o público nos respeite se nós também andamos por aí em atitude

suspeita? Temos que dar o exemplo. O cidadão pode ir embora. Está

solto. Quanto a vocês...

- Delegado, com todo o respeito, achamos que esta atitude, mandando

soltar um suspeito que confessou estar em atitude suspeita é um

pouco...

- Um pouco? Um pouco?

- “Suspeita.24

Concluindo com os entendimentos acima vemos que o elemento suspeito no

Brasil é o negro, o pobre, o mal-vestido, o tatuado, ou seja qualquer pessoa

que atraía a atenção do policial mais pelos seus caracteres estigmatizante,

seletivos, baseados em preconceitos do que pela sua potencial periculosidade

ao risco da ordem pública.

24 VERÌSSIMO, Luís Fernando. A Grande Mulher Nua. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.

Page 43: abordagem policial e a fundada suspeita

49

Apoiados no trabalho de Joana Domingues Vargas podem reforçar o

entendimento de que, realmente, o fator ‘cor’ é um diferencial na seleção de

pessoas para abordagem policial.

O que me parece pertinente reter sobre a questão é a necessidade de

se conhecer quem são os responsáveis pela categorização dos

atributos dos suspeitos. Para o caso em pauta, não se trata de

autodefinição (como acontece com os censos ou pesquisas que se

utilizam de questionários, abertos ou não), mas, conforme já assinalado

para as outras variáveis, de informação fornecida pela vítima em sua

interação com a polícia ou, em casos mais raros, em que o indiciado é

levado à delegacia (como um flagrante, por exemplo), da transcrição

desta informação do documento de identificação para o registro

policial.25

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em seu Direito Civil – Teoria

Geral nos relatam:

Exaurindo todas as vertentes que decorrem da matéria, Ingo Wolfgang

Sarlet estabelece que dignidade da pessoa humana é a qualidade

intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do

mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da Comunidade,

implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer

ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de

propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos

destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais

seres humanos.26

Isto posto ao afirmarmos que a abordagem policial é ato administrativo,

obedecendo, pois seus requisitos, e atendendo aos princípios constitucionais,

entre eles – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,

não podemos admitir que o agente de segurança pública aja imbuído de

25 VARGAS, Joana Domingues. Indivíduos sob suspeita: a cor dos indivíduos acusados de estupro no fluxo do sistema de justiça criminal. Acessado no site <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581999000400004> 26 DE FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris editora. 4ª ed. 2006. p.94.

Page 44: abordagem policial e a fundada suspeita

50

critérios preconceituosos, trazendo, com isso, toda forma de constrangimento

ao cidadão, reforçamos aqui que parte dessas atitudes é baseada, na lógica do

direito, ao uso do Civil Law em detrimento do Commom Law. E que para

atender a Carta Constitucional, bem como os pactos e tratados internacionais

que o Brasil é signatário é importante que seja respeitada a dignidade da

pessoa humana, a qual é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se

manifesta particularizadamente na consciente autodeterminação e na

responsável condução da vida levando consigo a pretensão ao respeito por

parte dos demais.

10. COSIDERAÇÕES FINAIS:

No final do século XX, início do XXI, observou-se um aumento significativo nos

índices de criminalidade e violência urbana no Brasil, sendo objeto de pesquisa

dos principais núcleos de violência das universidades brasileiras.

O atual comportamento tem causado espanto, haja vista que cidades pacíficas

a cada dia vêm se tornam mais violentas, chegando-se, em alguns casos, do

Poder do Estado sofrer concorrência direta dos delinqüentes – sejam eles das

Milícias ou do tráfico de drogas, criando um verdadeiro Poder paralelo.

Diante deste quadro podemos questionar a teoria contratualista de Rousseau,

onde o homem abre mão de fazer justiça com as próprias mãos e a entrega ao

Estado, contudo este Ente não tem conseguido atender aos seus anseios,

ferindo, desta forma, a teoria da tri-partição dos poderes ou funções pregada

por Montesquieu, sendo que as funções estatais não atendem nem

proporcionam a paz que tranqüiliza o cidadão

Nesta conjuntura é que o presente trabalho se propõe a estudar o mecanismo

estatal da Abordagem Policial em face ao respeito aos Direitos Humanos e às

garantias fundamentais do cidadão, preconizados na Carta Política de 05 de

outubro de 1988 – a dita Constituição Cidadã, proporcionando aos nacionais

uma maior sensação de segurança, bem como, uma maior e efetiva presença

do Estado.

Page 45: abordagem policial e a fundada suspeita

51

Num primeiro momento nos deparamos com uma grande questão, qual seja:

qual a fundamentação legal que garante ao policial interromper o ir e vir do

cidadão, bem como constrangê-lo, através da busca pessoal, sob o jugo da

aprovação popular?

A resposta, que poderia parecer fácil num primeiro momento, nos é cara, pois

embasarmos a abordagem policial apenas na fundada suspeita codificada no

Art. 244 do Código de Processo Penal é muito simplório, a pesquisa se fez

necessária.

Um questionamento surge – o que seria a fundada suspeita?

Em minha experiência, tanto como policial militar quanto como acadêmico,

deparei-me com questionamentos de ambos os lados.

Quando prelecionava para a tropa antes de um turno de serviço e policiais

questionavam sobre a fundamentação legal para a abordagem policial,

respondia, sem titubear que a garantia legal encontrava-se no artigo 244 do

CPP, contudo, permanecia a dúvida sobre o elemento chamado ‘fundada

suspeita’; haja vista o subjetivismo que a própria narrativa do texto legal nos

apresenta, vale ressaltar que tanto na Academia de Polícia como no Curso de

Direito a matéria foi tratada de maneira muito superficial, mas que, em debates

no Curso de Especialização em Segurança Pública, em especial com os

Professores Doutores – Jacqueline Muniz, Roberto Kant de Lima e Sandro

José da Silva, o tema ganhou cores vivas, principalmente acerca da questão

da seletividade racial/social que os policiais adotam ao realizarem abordagens

policiais, e confrontando com o procedimento adotado nos países que utilizam-

se do Commom Law existe uma melhor adequação, das partes envolvidas –

abordado e executor na aplicação desta praxe policial, não havendo mácula

alguma para o cidadão, o qual de pronto já entende o posicionamento a ser

tomado, bem como sabe que existe uma pertinência jurídica com sua parada e

revista e não apenas aspectos raciais ou segregadores da atividade policial.

Page 46: abordagem policial e a fundada suspeita

52

A fundada suspeita trata-se de elemento essencialmente subjetivo, cabendo ao

aplicador da Lei, em especial o policial militar, usando de sua experiência

profissional para avaliar toda a situação, optando pelo melhor momento de

efetuar a abordagem policial, bem como quais cidadãos irão ser submetidos a

abordagem e a busca pessoal.

Por óbvio que a abordagem policial causa um constrangimento aos cidadãos, o

que nos é relatado face nossa experiência profissional, tanto por civis quanto

por policiais, e que o questionamento acerca da atividade policial é inevitável,

alegando, que na maioria das vezes as abordagens são pautadas em

preconceitos – raciais ou sociais, servindo, como parâmetros os fatores de

discriminação social e que os agentes públicos sentem receio em abordar

pessoas mais esclarecidas, fato que ficou claro na pesquisa das professoras

Silvia Ramos e Leonarda Musumeci, bem como da análise apresentada pelo

Major da PMES Márcio Luiz Boni.

Quando estive na graduação pude observar por parte de meus colegas de sala

questionamentos do tipo: o porquê das blitz e abordagens, sendo surpreendido

por um amigo, que não admitia a abordagem policial, por entender ser esta,

uma violência.

Em princípio devemos fazer uma reflexão histórica acerca da Corporação

Polícia Militar no Brasil, anteriormente chamada de Tropa de Milícia, a qual

servia em primeiro plano aos interesses do Rei de Portugal, reprimindo e

contendo manifestações (legítimas) contrárias aos interesses da Coroa, bem

como a captura de escravos fugidos.

No país inteiro disseminou as Polícias Militares, exceção feita ao Rio Grande

do Sul, onde, até hoje, chama-se Brigada Militar, ressalve-se que a gênese das

tropas de milícias era, primordialmente, proteger o patrimônio da Coroa.

A Polícia Militar do Estado do Espírito Santo tem seu surgimento em 06 de abril

de 1835, sendo, pois uma das mais antigas do país, contudo somente no ano

de 1992, retornou com as atividades de formação de Oficiais no próprio Estado,

Page 47: abordagem policial e a fundada suspeita

53

criando uma Academia de Polícia – EsFO, haja vista que durante um grande

período os Oficiais eram formados em outras co-irmãs de várias Unidades

Federativas, especialmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro,

Paraná, Pernambuco, entre outras, não proporcionando, desta forma, à

Corporação uma doutrina unitária de policiamento, mas sim deixando uma

grande confusão do modus operandi da Briosa, fragilizando, desta forma, um

conceito particular de abordagem policial, não proporcionando a criação de

standarts próprios, buscando eliminar a questão do preconceito racial/social.

Ponto relevante a ser levantado é que, em gênese, a Polícia Milita não se

objetivou a segurança pública, mas sim, a segurança interna (manter a ordem)

e a segurança externa (força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro).

Exemplos clássicos de como eram tratadas as Corporações militares no Brasil,

tem-se a Polícia Militar do Estado de São Paulo, que baseava sua formação e

treinamento ao exército francês, sendo que alguns dos rituais são observados

até hoje na Academia do Barro Branco, local de formação dos Oficiais daquela

polícia, como exemplo um tipo de ballet específico; por outro lado temos a

Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, a qual sempre primou pelo

treinamento físico-militar, sendo, pois treinada aos moldes do exército

prussiano.

Vale lembrar que na época não havia nenhum controle externo das Polícias

Militares por parte da União Federal, sendo no ápice ocorreu a Revolução

Constitucionalista de 1932, quando o Estado de São Paulo tentou romper o

Pacto Federativo, momento em que houve dificuldade por parte do Exército

brasileiro para conter a revolta, face aos fatos o Exército brasileiro passou a

controlar as forças públicas estaduais, criando mecanismos de controle seja no

tocante ao efetivo das tropas, treinamento e quanto ao armamento

equipamento a ser utilizados pelas corporações, haja vista que à época da

Revolução de 1932, a Polícia do Estado de São Paulo possuía até tanques de

guerra; porém nos dias atuais o governo do Rio de Janeiro anuncia a compra

de um helicóptero de guerra para ser utilizado no policiamento da cidade do

Rio de Janeiro.

Page 48: abordagem policial e a fundada suspeita

54

Já na década de 1960, ocorreu o Golpe militar de 31 de março de 1964,

entrado, o país, em um estado de exceção, cabendo às Polícias Militares

executar o serviço de controle e repressão das lícitas, manifestações

populares.

Ressalte-se que mesmo em passado metade do século XX, não era missão,

precípua, das polícias militares a segurança pública ou da comunidade,

estando aquartelada e agindo, somente subsidiariamente.

Com o processo de redemocratização do país na década de 1980, e com o

advento da Constituição de 05 de outubro de 1988, sobrou a Polícia Militar

ocupar o seu verdadeiro papel junto a comunidade, cumprindo sua missão

constitucional, contudo, devemos entender que, devido ao passado da

Corporação, não que isso a isente de culpa, e seus abusos.

O relacionamento com a Sociedade Civil Organizada sofreu e sofrerá ainda

durante um período uma resistência de ambos os lados, e a imagem só poderá

ser mudada através da mudança de atitudes.

Por outro lado, nos deparamos com os questionamentos dos policiais quanto a

maneira que as pessoas recebem a abordagem, muitas, inclusive, colocando-

se acima do bem e do mal; atitude esta que é facilmente compreendida, pois

desde o Brasil Colônia sempre houve uma segregação social no país, e haviam

e há ‘os donos do poder’, os privilegiados que sempre passam a espreita do

poder estatal, seja quando a Corte de Portugal se transferiu para o Brasil,

quando do bloqueio continental imposto por Napoleão Bonaparte, o que já faz

200 anos, que trouxeram consigo seus serviçais, fazendo com que, os que aqui

habitavam cedessem suas moradias aos recém chegados, sem, inclusive,

receber a indenização devida, o que ocasionou a ida dos legítimos proprietários

ocupar um lugar nos morros cariocas, ou seja, quando um parlamentar desvia

dinheiro público dizendo a opinião pública ou que ganhou trezentas vezes na

loteria ou que o uso de cartões corporativos foi um pequeno erro por parte da

autoridade pública, fazem com que outros se achem certos ao serem

abordados por policiais e utilizando-se do seguinte jargão – “sabe com quem

Page 49: abordagem policial e a fundada suspeita

55

você está falando?”, buscando, desta forma intimidar o trabalho desempenhado

pela autoridade pública, utilizando das atitudes acima para justificar à sua

própria.

No confrontamento do que – você sabe com quem está falando e é a polícia! É

que se insere agora, em atendimento aos preceitos constitucionais, pois a nova

dogmática a ser utilizada para elaboração de um novo ordenamento jurídico

acerca da abordagem, bem como, delineia a quem deve ser cobrado, pois

desde o fim do pleito eleitoral o cidadão sabe a quem cobrar as atitudes.

Então, no momento em que o agente público – policial determina ao cidadão, o

qual transita tranquilamente, que encoste seu veículo, desça, apresente seus

documentos ou ainda, que afaste as pernas para ser executada uma revista ou

busca pessoal, ferindo, em tese, princípios constitucionais, este servidor

público não o faz baseado na mórbida vontade de humilhar o cidadão, ou

diminuí-lo perante aos demais, mas o faz por que, os mesmos cidadãos

quando acordaram com o pacto contratualista de Rousseau, Locke e Hobbes,

destinaram poderes aos seus representantes para que efetuassem

contratações e treinassem pessoas para executar o policiamento tecnicamente,

desta feita o policial, preposto do Estado, utilizando-se do Poder de Polícia a

ele confiado para interromper o ir e vir do cidadão, dentro da discricionariedade

a ele confiada, contudo esta discricionariedade não é vaga, ampla e irrestrita,

deve-se pautar-se na Lei e no respeito ao cidadão, observando em cada caso

específico o preconizado no artigo 244 do Código de Processo Penal brasileiro,

pois se desta forma não fosse, estaríamos tratando de arbitrariedade.

Observa-se que no caso, o policial está objetivando tutelar a proteção coletiva,

em abstrato, em detrimento ao interesse individual do cidadão abordado,

justificando-se, pois, no confronto de princípios fundamentais prevalecerá

sempre o bem do coletivo em face ao individual, e que o Estado primará para o

bem do interesse público, neste caso a segurança pública.

Por isso, vê-se que não é dado ao policial um poder irrestrito para que este

aborde indiscriminadamente os cidadãos, mas sim, que este criando em seu

Page 50: abordagem policial e a fundada suspeita

56

senso de dever uma fundada suspeita, deva abordar e sanar a dúvida em

benefício da coletividade, devendo primar pelo princípio da impessoalidade,

não estando, também, acima da Lei.

Por outro lado ao cidadão não é dado o direito de se recusar a cumprir a ordem

legal emanada da autoridade competente, respondendo, neste caso pelo ilícito

de desobediência, mas estando amparado por Lei e regulamentos a denunciar

possíveis abusos praticados pelos policiais.

No tocante ao assunto, reforça-se que nos dias atuais com o aumento dos

índices de violência e criminalidade, e em conformidade com os preceitos

constitucionais, artigo 144 da Constituição Federal, a segurança pública, dever

do Estado, direito e responsabilidade de todos (...) e dentro do senso de

cidadania, é que a abordagem policial é um meio lícito e eficiente para a

prevenção de cometimentos de crimes e violências, haja vista que não

podemos nos basear nos ensinamentos do mestre italiano Lombroso, onde,

para esse, o criminoso tinha um perfil característico, mas sim a policia e

cidadão devem criar um meio eficiente e comum de combater a insegurança

pública, sendo parceiras na condução das políticas de segurança pública, não

permitindo que valores preconceituosos influam na determinação das

abordagens policiais, mas sim externando o respeito por parte do policial ao

cidadão abordado e vise e versa.

Page 51: abordagem policial e a fundada suspeita

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