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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA LATERALIDADE ROBERTO GOUVEIA GRIMALDI Prof. Orientador Celso Sanches RIO DE JANEIRO 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO

DESENVOLVIMENTO DA LATERALIDADE

ROBERTO GOUVEIA GRIMALDI

Prof. Orientador

Celso Sanches

RIO DE JANEIRO

2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO

DESENVOLVIMENTO DA LATERALIDADE

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em

Psicomotricidade.

Por: Roberto Gouveia Grimaldi

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DEDICATÓRIA

Esta monografia é dedicada à todos

aqueles que torcem, me encorajam,

apóiam os meus sonhos, para que eu

tenha força para transformar em

realidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pois sem a presença dele na

minha vida, tudo seria em vão.

À minha família, em especial aos

meus pais, por tudo que representam.

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RESUMO

A pesquisa foi realizada através de levantamento bibliográfico, onde se

propõe investigar, na evolução psicomotora da criança, a atuação da

psicomotricidade no desenvolvimento da lateralidade.

A criança é ativa desde a mais tenra idade. Sua atividade não é feita ao

acaso, mas é motivada e dirigida para algum fim. A criança percebe seu próprio

corpo por meio de todos os sentidos. Seu corpo ocupa um espaço no ambiente em

função do tempo, capta imagens, recebe sons, sente cheiros e sabores, dor e calor,

movimenta-se.

A entidade corpo é centro, o referencial. A noção do corpo está no centro

do sentimento de mais ou menos disponibilidade e adaptação que temos de nosso

corpo e está no centro da relação entre o vivido e o universo. É nosso espelho

afetivo-somático ante uma imagem de nós mesmos, do outro e dos objetos.

A lateralidade diz respeito à percepção dos lados direito e esquerdo e da

atividade desigual de cada um desses lados visto que sua distinção será manifestada

ao longo do desenvolvimento da experiência.

As atividades psicomotoras auxiliam a criança a adquirir boa noção de

espaço e lateralidade e boa orientação com relação a seu corpo, aos objetos, às

pessoas e aos sinais gráficos. Os objetivos das atividades psicomotras são de levar a

criança a descobrir seu lado dominante. Todavia fortalecer-se-á o lado não-

dominante por meio de exercícios simétricos,a fim de estabelecer um equilíbrio de

força e de destreza entre os dois lados.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO...........................................................................................................7

CAPÍTULO I – O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA.....................................10

CAPÍTULO II – CONHECIMENTO CORPORAL...................................................15

CAPÍTULO III - LATERALIDADE..........................................................................18

CAPÍTULO IV – A PSICOMOTRICIDADE: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE

AJUDA À MATURAÇÃO............................................................30

CAPÍTULO V – A PSICOMOTRICIDADE..............................................................34

CAPÍTULO VI – JOGOS DE LATERALIDADE.....................................................39

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................45

ANEXO.......................................................................................................................47

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INTRODUÇÃO

Analisando o desenvolvimento dos primeiros anos de vida busca-se neste

trabalho salientar, no desenvolvimento da criança, a definição de sua lateralidade.

Salientar também que o desenvolvimento não depende só da maturação dos

processos orgânicos mas também do intercâmbio com outros e que isto é importante

na primeira infância

Através da educação do corpo como um todo e da independência

segmentária é que podemos levar a criança a uma lateralização completa e definida

(Coste, 1992).

Percebe-se que a lateralização está presente em todos os níveis de

desenvolvimento da criança, mas somente está definida, à medida em que esta

criança atravessar todas as fases de seu desenvolvimento.

Deve-se considerar como de grande importância no desenvolvimento

infantil a coordenação viso-motora, a organização das percepções táteis e visuais,

através de experiências que desenvolvam sua estruturação espacial, da qual

dependerá a lateralização.

A partir dos sete anos a criança será capaz de perceber que direita e

esquerda não dependem somente uma da outra, mas também da posição de outra

pessoa em relação a ela e de seus deslocamentos, acontecendo, então, uma

descentralização de seus pontos de referência. Também a partir desta idade, crianças

que não apresentam uma lateralidade definida, certamente encontrarão dificuldades

na aprendizagem escolar.

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A educação psicomotora é uma ação pedagógica e psicológica, utilizando

meios da educação física, com o objetivo de normalizar ou melhorar o

comportamento da criança (Sánchez, martinez e Peñalver, 2003).

Esta educação psicomotora não é uma técnica misteriosa ou à parte; é uma

ação essencialmente educativa, é a aplicação simples, a fins de reabilitação, dos

meios trazidos pelo que deveria ser a educação física da criança. Considera a criança

em seu todo e propõe-se a refazer as etapas mal sucedidas do desenvolvimento

psicomotor.

É através do corpo que a criança vai descobrir o mundo, experimentar

sensações e situações, expressar-se, perceber-se e perceber as coisas que a cercam. À

medida que a criança se desenvolve, quanto mais o meio permitir, ela vai ampliando

suas percepções e controlando seu corpo através da interiorização das sensações.

Com isso ela vai conhecendo seu corpo e ampliando suas possibilidades de ação. O

corpo é, portanto, o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e

interagir com o mundo. Ele servirá de base para o desenvolvimento cognitivo, para a

aquisição de conceitos referentes ao espaço e ao tempo, para um maior domínio de

seus gestos e harmonia de movimentos

O presente estudo tem como objetivos demonstrar a importância da

psicomotricidade para a definição da lateralidade no desenvolvimento infantil e,

verificar de que forma a coordenação visomotora, a organização das percepções

táteis e visuais, através de experiências que desenvolvam sua estruturação espacial,

dependerá a lateralização.

A hipótese da pesquisa consiste de que forma a psicomotricidade pode atuar

no desenvolvimento da lateralidade da criança?

O estudo foi delimitado a um levantamento de dados bibliográficos, através

de livros especializados, sobre a atuação da psicomotricidade e a definição da

lateralidade, que se propõe investigar, na evolução psicomotora da criança, a atuação

da psicomotricidade no desenvolvimento da lateralidade.

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Esta monografia tem por finalidade, descrever a importância da atuação da

psicomotricidade na definição da lateralidade em crianças com idade entre 4 e 7

anos.

No primeiro capítulo será descrito o desenvolvimento psicomotor e

cognitivo da criança.

No segundo abordou-se sobre o conhecimento corporal, a noção do corpo e

o esquema corporal da criança.

O terceiro capítulo é sobre a lateralidade, onde se descreve a definição, a

evolução, o desenvolvimento e as dificuldades que a criança pode vir a ter.

Já o quarto capítulo discute sobre a atuação da psicomotricidade na

pedagogia, como uma forma de ajuda à maturação do sistema nervoso.

No quinto capítulo aborda-se a psicomotricidade o seu campo de atuação e

a educação psicomotora.

E por último o sexto capítulo traz os jogos de lateralidade, seus objetivos e

aplicação dos exercícios para definição tanto do membro superior quanto do membro

inferior.

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CAPÍTULO I

O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Os primeiros anos de vida têm uma importância capital: o desenvolvimento

da inteligência, da afetividade, das relações sociais é tão rápido que usa realização

determinará em grande parte as capacidades futuras. Qualquer perturbação poderá

também, se não foi detectada a tempo e tratada de maneira adequada, diminuir

consideravelmente as capacidades futuras (Le Boulch, 1985).

Cada criança é única. O esquema do desenvolvimento é comum a todas as

crianças, mas as diferenças de caráter, as possibilidades físicas, o meio e o ambiente

familiar explicam que com a mesma idade crianças perfeitamente “normais” possam

comportar-se de maneiras diferentes. A criança que progrediu inicialmente muito

rápido pode deduzir o seu ritmo e ser alcançada por aquela criança que parecia

“atrasada” alguns meses antes.

O movimento, assim como o exercício, é de fundamental importância no

desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança. Estimula a respiração e a

circulação. Graças ao exercício físico são fortalecidos os músculos e os ossos.

O movimento permite à criança explorar o mundo exterior através de

experiências concretas sobre as quais são construídas as noções básicas para o

desenvolvimento intelectual. É importante que a criança viva o concreto.

A harmonia do desenvolvimento com todos os seus componentes é tão

importante quanto a aquisição de tantas performances numa determinada idade. O

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importante não é a criança realizar uma corrida de obstáculos, o mais rápido possível,

mas sim desenvolver seu corpo e sua mente de maneira equilibrada. A partir do

momento em que certas aquisições, como a linguagem, por exemplo, se desenvolvem

rapidamente, os progressos em outras áreas estacionam, é preciso compreender que a

criança não pode centrar seus esforços em todos os aspectos ao mesmo tempo.

Desta maneira, fazer julgamentos do desenvolvimento de uma criança é muito

mais complexo do que parece: não é suficiente apreciar, baseado num manual, é

preciso ter em vista o conjunto da criança e de suas condições de vida familiar e não

se preocupar com apenas um déficit.

O que caracteriza uma criança inadaptada, seja qual for o tipo ou

inadaptação, é a falta por razões constitucionais, acidentais, afetivas etc, de certas

etapas de elaboração de seu Ego corporal.

A educação deve ser pensada em função da criança de sua idade,

necessidades e interesses e não tendo em vista apenas um objetivo particular, por

exemplo, a aprendizagem da leitura e da escrita; ou em função de uma filosofia e

ainda menos em função de uma tradição.

As necessidades e interesses da criança podem ser estabelecidos através da

observação objetiva dos estágios de desenvolvimento e do comportamento nas

diferentes idades. A determinação do estágio de desenvolvimento da criança é

indispensável para que se estabeleçam as condutas educativas que poderão favorecer

os diversos aspectos de desenvolvimento e conhecimento e, portanto, simplificar a

adaptação da criança ao meio em que vive.

Como critérios de avaliação podemos sugerir:

- Observação do desenvolvimento psicomotor;

- O desenho, em especial da figura humana, que está intimamente ligado à

evolução do esquema corporal;

- O comportamento social.

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O meio ambiente terá de ser favorável para que a criança tenha uma

maturação normal fazendo com que sua inteligência seja desenvolvida.

É muito importante saber que a escola irá recebe-la para implantar e

reforçar a sabedoria, mas que o bom desempenho da criança dependerá como ela foi

preparada anteriormente no meio familiar. Nos primeiros anos de vida, os principais

educadores são os pais, ou aqueles que, às vezes, os substituem. Os pais devem estar

conscientes da importância da influência do meio sobre a evolução de seus filhos.

Numerosos distúrbios de desenvolvimento de uma criança de família

desfavorecida são atribuídas à hereditariedade, embora sejam resultado das

condições desfavoráveis de vida, antes e logo após o nascimento. Tais crianças, se

recebessem cuidados e afeição necessária de sua família, teriam as mesmas

oportunidades que as outras crianças.

Fonseca (1998) afirma que a criança é ativa desde a mais tenra idade. Sua

atividade não é feita ao acaso, mas é motivada e dirigida para algum fim.

Graças ao movimento do seu corpo e coordenação entre suas sensações, a

criança sai do egocentrismo primitivo e começa a elaborar o universo extremo.

Suponhamos que a criança queira alimentar-se mas não há alimentos presentes para

despertar os movimentos. Essa atividade é iniciada, dirigida e mantida por situações

ou condições internas, que chamamos de motivo.

A sensação visual está unida à noção de cor e a experiência se torna mais

impregnante se tornar associada à ação corporal.

Aos 3 ou 4 anos é que a criança adquire as primeiras noções de aqui, ali, lá,

acolá, frente, trás, longe, perto, etc. (Demeur e Stals, 1991).

É preciso considerar o conceito de prontidão para aprendizagem. Esta

depende de alguns aspectos tais como: um certo grau de desenvolvimento mental;

coordenação dos olhos suficiente para uma clara percepção; habilidades para atender

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a símbolos; experiências para que a criança possa relacionar o que lê as coisas que já

conhece; interesse em histórias e capacidade de aprender o conhecimento seguinte;

interesse ou desejo de aprender maturação social e emocional. Esta prontidão está

vinculada ao domínio do esquema corporal da criança.

Considerando-se a linguagem como compreensão, temos:

- até os 8 ou 9 meses de vida: a criança passa por uma fase pré-lingüística.

- entre os 8 e 18 meses, ela entra numa etapa compreensiva.

- entre os 18 meses e os 3 anos, instala-se o pensamento concreto ou a

representação mental dos objetos.

- dos 3 aos 6 anos, é a etapa mais importante para o desenvolvimento da

linguagem. Aos 4 anos a criança já possui elementos para comunicar-se de

maneira social e usa os conceitos verbais, fala para esclarecer dúvidas. É a

época das perguntas. Aos 5 anos, seu vocabulário está muito enriquecido.

Aos 6, vão se modificando as noções de relatividades em função da colocação

de seu próprio corpo.

A maioria dos autores têm posto os conceitos de imagem do corpo e

esquema corporal.

A ambigüidade introduzida por esta dupla terminologia cria a impressão de

que a existiria por um lado, um corpo verdósico, e por outro lado, um corpo

espiritual e teria que se fazer um esforço para unir os dois corpos.

Bachelard, citado por Le Boulch (1985), tem posto em evidência que

existem dois tipos de imagem, as imagens que são reflexo da realidade objetiva,

suporte de uma forma de representação mental, permitindo às vezes estruturar o real

(imagens reprodutivas) e de modificá-lo (imagens antecipadoras). As imagens do

tipo alucinatórias ou fantasmas estão em ação direta com a objetividade, e o

subjetivo, servindo de suporte a uma forma de imaginação que, quando se afasta

muito do real, torna-se delírio.

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O corpo material e subjetivo é o centro deste conflito. O trabalho de Le

Boulch (1985) faz da educação psicomotora um meio prático de ajudar a criança a

dispor de uma imagem do corpo operatório, a partir do qual poderá exercer sua

disponibilidade. Esta conquista passa por vários estágios de equilíbrio, que

correspondem aos estágios da evolução psicomotora.

A etapa do “corpo vivido”, de acordo com Vayer (1984), termina na

primeira imagem do corpo identificado pela criança como seu próprio EU. Até então,

sua atividade mental, que tinha se desenvolvido a partir do estágio objetal, estava

feita só por imagens alucinatórias, traduzindo os episódios de sua vivência afetiva.

A etapa do “corpo percebido” corresponde à organização do esquema

corporal. Antes deste período, este conceito não tinha fundamento na medida em que

descrevia uma atividade perceptiva, cujo desenvolvimento só era possível depois da

chegada da maturação da função de interiorização. A partir deste período, a imagem

visual do corpo estará associada as sensações táteis e as sensações cinestésicas

correspondentes (Vayer, 1984).

A estruturação do esquema corporal organiza-se a partir de uma estreita

interligação entre as duas imagens. Como resultado, a criança dispõe de uma imagem

do “corpo operatório” no sentido piagetiano que permite programar mentalmente

ações em torno do objeto e também em torno do seu “próprio corpo”.

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CAPÍTULO II

CONHECIMENTO CORPORAL

De acordo com Guillarme (1983), a criança percebe seu próprio corpo por

meio de todos os sentidos. Seu corpo ocupa um espaço no ambiente em função do

tempo, capta imagens, recebe sons, sente cheiros e sabores, dor e calor, movimenta-

se. A entidade corpo é centro, o referencial. A noção do corpo está no centro do

sentimento de mais ou menos disponibilidade e adaptação que temos de nosso corpo

e está no centro da relação entre o vivido e o universo. É nosso espelho afetivo-

somático ante uma imagem de nós mesmos, do outro e dos objetos.

O esquema corporal, da maneira como se constrói e se elabora no decorrer

da evolução da criança, não tem nada a ver com uma tomada de consciência

sucessiva de elementos distintos, os quais, como num quebra-cabeça, iriam pouco a

pouco encaixar-se uns aos outros para compor um corpo completo a partir de um

corpo desmembrado.

O esquema corporal revela-se gradativamente à criança da mesma forma

que uma fotografia revelada na câmara escura mostra-se pouco a pouco para o

observador, tomando contorno, forma e coloração cada vez mais nítidos (Bueno,

1998).

A elaboração e o estabelecimento deste esquema parecem ocorrer

relativamente cedo, uma vez que a evolução está praticamente terminada por volta

dos quatro ou cinco anos. Isto é, ao lado da construção de um corpo 'objetivo',

estruturado e representado como um objeto físico, cujos limites podem ser traçados a

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qualquer momento, existe uma experiência precoce, global e inconsciente do

esquema corporal, que vai pesar muito no desenvolvimento ulterior da imagem e da

representação de si.

O conceito corporal, que é o conhecimento intelectual sobre partes e

funções; e o esquema corporal, que em nossa mente regula a posição dos músculos e

partes do corpo.

O esquema corporal é inconsciente e se modifica com o tempo.

Quando tratamos de conhecimento corporal, inserimos a lateralidade, já que é a

bússola de nosso corpo e assim possibilita nossa situação no ambiente.

A lateralidade diz respeito à percepção dos lados direito e esquerdo e da

atividade desigual de cada um desses lados visto que sua distinção será manifestada

ao longo do desenvolvimento da experiência.

Segundo Fonseca (1998), perceber que o corpo possui dois lados e que um é

mais utilizado do que o outro é o início da discriminação entre a esquerda e direita.

De início, a criança não distingue os dois lados do corpo; num segundo momento, ela

compreende que os dois braços encontram-se um em cada lado de seu corpo, embora

ignore que sejam "direito" e "esquerdo".

Aos cinco anos, aprende a diferenciar uma mão da outra e um pé do outro.

Em seguida, passa a distinguir um olho do outro. Aos seis anos, a criança tem noção

de suas extremidades direita e esquerda e noção dos órgãos pares, apontando sua

localização em cada lado de seu corpo (ouvidos, sobrancelhas, mamilos, etc.). Aos

sete anos, sabe com precisão quais são as partes direita e esquerda de seu corpo.

As atividades psicomotoras auxiliam a criança a adquirir boa noção de

espaço e lateralidade e boa orientação com relação a seu corpo, aos objetos, às

pessoas e aos sinais gráficos.

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Alguns estudiosos preferem tratar a questão da lateralidade como parte da

orientação espacial e não como parte do conhecimento corporal.

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CAPÍTULO III

LATERALIDADE

3.1 - Definições

A lateralidade é a propensão que o ser humano possui de utilizar

preferencialmente mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: mão, olho e

pé. Isto significa que existe um predomínio motor, ou melhor, uma dominância de

um dos lados. O lado dominante apresenta maior força muscular, mais precisão e

mais rapidez. É ele que inicia e executa a ação principal. O outro lado auxilia esta

ação e é igualmente importante. Na realidade os dois não funcionam isoladamente,

mas de forma complementar (Sánchez, Martinez, Peñalver, 2003).

Quando pregamos um prego em uma parede, a mão auxiliar segura o prego

enquanto a outra, com precisão e força muscular suficiente, bate o martelo; quando

escrevemos, uma mão segura a folha enquanto a outra escreve. Podemos citar outros

exemplos de dominância dos membros superiores como enfiar uma linha em uma

agulha, bordar, riscar uma folha com régua, atirar em um alvo, dar cartas de baralho,

pentear-se, recortar com tesoura e diversas outras ações da vida quotidiana.

A dominância ocular pode ser percebida quando perfuramos um cartão e

pedimos para a criança observar um objeto qualquer à sua frente através do buraco;

quando pedimos que olhe por um caleidoscópio ou um buraco de fechadura. É

preciso tomar cuidado ao afirmarmos qual é a dominância ocular, pois, às vezes, um

problema na vista pode mascarar essa percepção.

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Podemos observar a dinâmica dos membros inferiores, quando pedimos à

criança que brinque de amarelinha4 com um pé e depois com o outro. Verificamos,

então, qual o lado que teve mais facilidade, isto é, qual apresentou mais precisão,

mais força, mais rapidez e também mais equilíbrio. Podemos pedir, também, que

chute uma bola em um determinado alvo, que faça um desenho na areia com os

dedos do pé, que arraste com um pé um objeto até um lugar preestabelecido.

Os dentistas afirmam que se pode ver, também, a lateralidade do indivíduo

pela observação de seus dentes, pela mastigação. O lado dominante fica mais gasto.

Mas, para nós, leigos no assunto, é muito difícil constatar essa dominância.

Guillarme (1983) introduz aqui o conceito de prevalência e faz uma

distinção entre este termo - que para ele significa a freqüência de utilização de um

lado, com suas implicações psicológicas e sociais - e o termo dominância - com

implicações orgânicas e significando a relação existente entre esta utilização

preferencial e o predomínio de um hemisfério cerebral.

Se uma pessoa tiver a mesma dominância nos três níveis - mão, olho e pé -

do lado direito, diremos que é destra homogênea, se for o lado esquerdo. Se ela

possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, isto é, executar os mesmos

movimentos tanto com um lado como com o outro, o que não é muito comum, é

chamada de ambidestra.

Podem ocorrer, entretanto, alguns casos em que a criança contrarie essa

tendência natural e passe a utilizar a mão não-dominante em detrimento da

dominante. Diremos que tem lateralidade cruzada, quando usa a mão direita, o olho e

o pé esquerdo ou qualquer outra combinação. Desta maneira, a pessoa pode

apresentar destralidade contrariada (um destro usando a mão esquerda) e

sinistralidade contrariada (um sinistro usando a mão direita).

São diversos os motivos que ocasionam um desvio da lateralidade. Por

exemplo: um acidente que provoque uma amputação ou uma paralisia no lado

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dominante faz com que a pessoa passe a usar o outro lado. É chamado de falsa

sinistralidade ou falsa destralidade, conforme o caso.

Podem ocorrer, também, casos em que esta mudança de prevalência manual

modifique-se por motivo de identificação com alguém ou por imposição dos pais ou

professores ou por motivo afetivo ou por qualquer outro.

Este assunto de lateralidade, desvio da escolha da mão, mudança de

prevalência remete-nos a um outro que tem causado muita polêmica entre os diversos

pesquisadores do assunto. É o problema das teorias e hipóteses que explicam o

porquê da preferência, pelo indivíduo, de um lado do corpo em relação ao outro.

3.2 - Hipóteses sobre a Prevalência Manual

3.2.1 - Visão Histórica

Defontaine, Brandão, Guillarme apresentam uma compilação das opiniões

mais freqüentemente encontradas ao logo dos anos.

Wright e Sarasin (in Defontaine, 1980), estudando os utensílios utilizados

pelo homem da idade da pedra, mostram que estes não se prestavam a uma

preferência manual particular e que havia um igual número de destros e canhotos.

Foi na idade do bronze que começou a surgir uma preferência pelo lado direito. Isto é

explicado pelo fato de que os camponeses tiveram que se adaptar a ferramentas que

não eram mais feitas por eles, mas por pessoas específicas.

Outra explicação sobre a supremacia da destralidade aponta para as técnicas

guerreiras, pelas quais se ensinavam os homens a pegar a espada ou a lança com a

mão direita enquanto a esquerda protegia o coração com o escudo.

Há alguns anos, a concepção religiosa e moral associava o lado direito à

verdade, bondade, coisas boas, sacras, preciosas; e o lado esquerdo, ou sinistro, ao

profano, ruim, caráter mal formado. Vale ressaltar que o termo “sinistro” vem do

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latim “sinistrum”, cujo significado é anormal, funesto, terrível; sentido este, ainda

hoje, muitas vezes empregado.

Existem outras explicações que tentam mostrar a preferência pela

destralidade, mas, para nós, elas têm valor apenas histórico.

3.2.2 - Hereditariedade

Esta teoria tenta explicar a preferência lateral pela transmissão hereditária.

Chamberlein (in Defontaine, 1980) fala em uma predisposição hereditária.

Trankell, citado por Defontaine, acredita em uma hereditariedade do tipo

mendeliano, tendo a destralidade um caráter dominante, embora cientificamente não

tenha sido provada esta hipótese. Defontaine (1980) critica esta posição, afirmando

que Trankell encontrou em suas pesquisas a presença de canhotos vindos de família

de canhotos, mas encontrou-os, da mesma forma, provenientes de família completa

de destros.

Ele cita também Zazzo que estudou gêmeos homozigotos e que, segundo esta

teoria, deveriam ter a mesma dominância. Isto não foi verificado em todos os casos.

Poderia a ação educativa ter exercido aí uma influência sobre eles?

O fato é que este tipo de transmissão ainda permanece desconhecido. Para

muitos pesquisadores como Ajuriaguerra e Guillarme o fator hereditário não deve ser

rejeitado, mas também não se pode considerá-lo como desempenhando um papel

único. Outros fatores são necessários para explicar o desenvolvimento da

lateralidade.

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3.2.3 - Hipótese da Dominância Cerebral

Segundo esta teoria, existe uma dominância em um dos lados do cérebro, e

que funciona de forma cruzada. Isto quer dizer que, no destro, encontramos uma

dominância do córtex cerebral esquerdo; e no canhoto, o hemisfério cerebral direito

controla e coordena as atividades do lado esquerdo.

Esta conclusão foi tirada dos estudos por Broca, citado por Guillarme (1983),

em indivíduos afásicos. Afasia significa a perda da capacidade de usar e

compreender a linguagem oral e escrita. Ele verificou que um distúrbio no hemisfério

cerebral esquerdo provocaria um prejuízo na linguagem e uma paralisia do lado

direito (hemiplegia).

Existiria, portanto, uma correlação entre a preferência lateral e domínio

hemisférico. Brandão (1984) nos alerta sobre o cuidado que devemos ter com esta

afirmação, pois nas funções simbólicas, abstratas, intelectivas não existe esta relação.

Ele explica

“Normalmente, as áreas responsáveis pela elaboração do pensamento simbólico correspondem às áreas do hemisfério esquerdo, quer o indivíduo seja destro ou canhoto; raramente elas podem corresponder ao hemisfério direito. (...) A lateralidade não corresponde, pois, a uma dominância das atividades globais de um hemisfério, mas a uma dominância exclusiva na execução das atividades motoras e tônicas de um dos hemisférios... Pode haver uma coincidência entre a localização das áreas responsáveis pelas elaborações simbólicas, próprias do hemisfério esquerdo, e a das áreas de dominância lateral, como acontece nos destros, mas isto não significa que, no canhoto, a dominância das funções simbólicas se localize em áreas do hemisfério direito”(p. 241).

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Brandão (1984), cita ainda outra hipótese que é a organização estrutural

adquirida do cérebro. Segundo esta teoria, aposição do embrião no útero pode

provocar uma diferença na irrigação sangüínea, o que favoreceria mais um

hemisfério do que outro.

3.2.4 - Influência do Meio Psico-social-afetivo e Educacional

Segundo esta hipótese, a preferência por uma determinada lateralidade se dá

través do aprendizado. Aprendemos a escrever com a mão direita ou esquerda, de

acordo com o nosso meio, seja por imposição, por imitação, por questão afetiva etc.

Segundo este raciocínio, então, não deveria haver problema algum oriundo da

escolha da mão preferencial, o que não se verifica.

Ajuriaguerra (1984), Defontaine (1980), Guillarme (1983) e Brandão (1984)

acreditam que nenhuma dessas teorias sozinhas são suficientes para explicar o

fenômeno da lateralização. Ela é o resultado da associação de diversos fatores,

posição esta, com a qual também concordamos.

3.3 - Evolução e Desenvolvimento da Lateralidade

Brandão (1984), faz uma análise exaustiva sobre a evolução da lateralidade

desde o nascimento até sua definição. Para ele, no primeiro estágio das atividades do

bebê, época em que elas são puramente reflexas e espontâneas, os movimentos

globais dos braços e mãos são bimanuais e mais ou menos simétricos. A criança não

demonstra aí qualquer dominância; pega os objetos com as duas mãos, de forma

proporcional para os dois lados.

A partir do segundo mês, por modificação do desenvolvimento do tônus, a

criança acrescenta ações mais assimétricas e mais unilaterais, dependendo do tipo de

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movimento a ser executado, do estímulo, da intensidade do mesmo, do local de

atuação e das condições do tônus.

Entre o quarto e o sétimo mês, a criança não consegue segurar dois objetos ao

mesmo tempo, um em cada mão; quando vê um objeto novo, o tônus dos flexores se

relaxam e ela larga o que tinha em suas mãos. Somente no fim deste estágio é que ela

poderá executar a preensão de um outro objeto, sem largar o que retinha.

Brandão (1984) salienta ainda que neste momento, se colocarmos os objetos

para a criança segurar sempre de um lado só, possivelmente a mão deste lado chegará

primeiro e a repetição disso poderá fazer com que a habilidade de uma das mãos se

aperfeiçoe.

Com vinte e oito semanas, a criança já pode segurar em uma das mãos um

objeto enquanto abre a outra mão para segurar um outro.

Até um ano de idade, portanto, não se verifica nenhuma preferência pelo uso

de uma das mãos e só a partir daí uma se torna mais hábil, apresenta mais facilidade

e começa a dominar mais. A lateralidade, portanto, começa a se evidenciar neste

período, mas só podemos falar em dominância propriamente dita entre os 5 e 7 anos.

Para Guillarme, entre 6 e 7 anos.

Brandão (1984), cita que a lateralidade deve surgir naturalmente, da própria

criança, e não ser imposta. Deve surgir dela mesma, graças à imagem proprioceptiva

que ela tem de seu corpo e às suas preferências naturais pelo uso de uma das mãos.

A criança precisa experienciar os dois lados sem interferências. Ela precisa se

descobrir. Os pais têm que ter muito cuidado para não direcioná-la. Ao entregar o

garfo ou a colher, por exemplo, devem colocar o mesmo na mesa em frente à criança

e deixar que ela segure com a mão que quiser. Muitas vezes, sem querer, ao ensiná-

las os movimentos corretos, colocam-se os objetos em sua mão direita. Isto é um

direcionamento. Espera-se primeiro que a criança pegue no talher ou qualquer outro

utensílio e só depois pode-se ensiná-la qualquer coisa.

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A proporção de destros é, sem dúvida, muito maior do que a de canhotos.

Existem diversos autores que comprovam isto como, por exemplo, Guillarme (1984).

O meio ambiente em que vivemos foi feito pelo e para o destro, desde objetos

mais simples como tesoura, régua, cartas de baralho, algumas espécies de carteiras

em sala de aula , até a nossa escrita. Ela é realizada da esquerda pra a direita e de

cima para baixo e isto favorece o destro. Fisiologicamente, nenhum canhoto escreve

como um destro (Defontaine, 1980).

O canhoto apresenta duas espécies de dificuldades: as motrizes, pois os

movimentos centrípetos da mão são mais fáceis de realizar do que os centrífugos (ele

acaba tendo que inclinar sua mão); e as visuais, pois à medida que escreve, ele

esconde com sua mão o que acabou de realizar.

A sua postura pode também piorar com o tempo. Ele pode pender a cabeça ou

até deitar sobre a carteira para ler o que escreve. Tem que aprender a virar a folha

sem inclinar demais e sem provocar com isto um rotação do punho que acaba lhe

dando dores nos braços, cansaço, má postura, o que pode chegar a desestimulá-lo

para a escrita.

Quando escreve, está contrariando sura tendência natural. Esta é uma das

razões por que muitos canhotos apresentam inicialmente a escrita especular, isto é,

uma forma de escrita que pode ser lida se projetada em um espelho, chamada

também de escrita em espelho.

Estas dificuldades e mais as afetivas, pois muitos canhotos se vêem como

diferentes, como anormais, fazem com que acabem contrariando sua lateralidade.

Contrariam-na também quando imitam uma pessoa que tenha lateralidade diferente

da sua, e com a qual possuem grande identificação, ou quando imitam os gestos de

seus pais, por exemplo.

Não podemos deixar de falar da pressão social representada pelos pais e

professores para a destralidade. Muitos pais tentam “forçar”, “dirigir” a preferência

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pela mão direita dos filhos para que estes não encontrem dificuldades mais tarde,

num mundo de destros. Dirigem a mão que segura a colher, que desenha, que escova

os dentes. Ensinam a manusear os objetos do dia-a-dia com a direita, e as iniciativas

com a esquerda são logo reprimidas.

Isto se verifica também na escola. Muitos professores, cônscios de que nossa

escrita foi feita para o destro, também tendem a dirigir a mão de seus alunos. Houve

um tempo em que eles amarravam a mão esquerda das crianças nas costas para que

só a direita permanecesse livre para escrever. Felizmente, hoje não se usam mais

estes métodos tão drásticos, mas podemos perceber que ainda encontramos essas

imposições, conscientes ou inconscientes, numa época em que se está ressaltando a

importância de se dar à criança a liberdade de experienciar os dois lados para poder

se definir melhor.

Na realidade, o canhoto homogêneo ou puro tem as mesmas possibilidades

que o destro puro. Basta para isto que se programe, organize a si mesmo e a sua

escrita na orientação correta. Ele pode ser tão rápido e executar as mesmas tarefas

com a mesma precisão do destro.

Alguns autores defendem a posição de que o canhoto é tão hábil quanto o

destro. Outros dizem que o canhoto, embora tenha as mesmas possibilidades, é mais

lento e menos preciso e só no desenho livre a eficiência motora é equivalente para os

dois.

A ambidestria é outro fator que tem merecido vários estudos. Algumas

atividades como a dança e a educação física têm incentivado bastante o domínio dos

dois lados. Brandão (1984) afirma que a ambidestria não pode ser tolerada, pois

prejudica o desenvolvimento da criança e acarreta várias conseqüências como

diminuição da habilidade e velocidade manuais, aparecimento de sincinesias de

imitação, influência no desenvolvimento das funções intelectivas, no ajustamento

emocional e afetivo da criança, um atraso inicial da linguagem e alterações da

escrita.

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Para que uma criança se torne hábil, capaz de executar com velocidade todas

as suas atividades, é necessária uma especialização entre a mão esquerda e a direita,

isto é, que ela tenha desenvolvido definitivamente a sua lateralidade.

3.4 - Perturbações da Lateralização

O problema reside quando uma pessoa apresenta uma lateralidade cruzada ou

é mal lateralizada, o que pode resultar em muitos efeitos negativos tais como:

a) Dificuldade em aprender a direção gráfica.

b) Dificuldade em aprender os conceitos esquerda e direita.

Deve-se aqui fazer uma distinção entre lateralidade como domínio de um dos

lados do corpo e como conhecimento das noções de direita e esquerda. Estes últimos

conceitos devem suceder à definição de sua própria lateralidade.

Uma criança toma seu corpo como ponto de referência no espaço e, se ela se

confunde ou não conhece sua dominância, pode não perceber o eixo de seu corpo e

conseqüentemente será difícil saber qual lado é o direito ou o esquerdo.

A lateralidade é importante porque permite à criança fazer uma relação entre

as coisas existentes em seu meio. Dizemos que uma criança que já tenha uma

lateralidade definida e que esteja consciente dos lados direito e esquerdo de seu

corpo está apta para identificar esses conceitos no outro e no espaço que a cerca.

Obedece, portanto, a algumas etapas: primeiro assimila os conceitos em si mesma,

depois os objetos em relação a si mesma. Em seguida, descobre-os no outro que está

à sua frente e finalmente nos objetos entre si.

O conceito estável de esquerda e de direita só é possível aos 5 ou 6 anos e a

reversibilidade (possibilidade de reconhecer a mão direita ou a mão esquerda de uma

pessoa à sua frente) não pode ser abordada antes dos 6 anos, 6 anos e meio.

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c) Comprometimento na leitura e escrita

O ritmo da escrita pode se mais lento. A criança talvez não tenha força e

precisão suficientes para imprimir maior velocidade.

A escrita torna-se muitas vezes ilegível e mesmo especular.

d) Má postura – o que pode resultar em um desestímulo decorrente do esforço que

precisa fazer para escrever.

e) Dificuldade de coordenação fina, isto é, há uma probabilidade de maior

imprecisão dos movimentos finos.

f) Dificuldade de discriminação visual: a criança pode apresentar confusão nas letras

de direções diferentes como d, b, p, q.

g) Perturbações afetivas que podem ocasionar reações de insucessos, falta de

estímulo para a escola, baixa auto-estima.

h) Distúrbio da linguagem e do sono.

i) Aparecimento de maior número de sincinesias.

A sincinesia é o comprometimento de alguns músculos que participam e se

movem, sem necessidade, durante a execução de outros movimentos envolvidos em

determinada ação. É involuntária e geralmente inconsciente.

Ela está relacionada com o estado de fundo tônico. Verifica-se tensão

muscular nos braços, pés, por exemplo, que não estão executando o movimento. Isto

quer dizer que, ao realizar um movimento com as mãos e os pés, pode-se observar

sincinesia nos olhos (podem ficar arregalados ou tensos), na boca (abertura,

mordidura de língua, língua para fora), nos outros membros, etc.

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Defontaine (1980) distingue dois tipos de sincinesias:

1) sincinesias de imitação: quando se encontram sobre dois membros simétricos

para a execução de um movimento voluntário de um dentre eles. O outro

membro imita o movimento em toda a sua seqüência;

2) sincinesias axiais: as crianças devem ser observadas em posição de decúbito

dorsal para melhor verificar seus membros superiores e inferiores. Elas

podem apresentar sincinesias ao nível das mãos e pés. A sincinesia manifesta-

se de maneira idêntica para as mesmas incitações.

Normalmente uma criança de até 5 anos apresenta sincinesias, havendo

uma diminuição aos 7 e o desaparecimento aos 10 anos.

As sincinesias podem ser verificadas quando a mão não dominante executa

o movimento e a probabilidade é maior quando existe uma lateralidade contrariada.

j) Dificuldades de estruturação espacial, pois esta faz parte integrante da

lateralização.

A lateralização é a base da estruturação espacial e é través dela que uma

criança se orienta no mundo que a rodeia.

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CAPÍTULO IV

A PSICOMOTRICDADE: UMA PRÁTICA

PEDAGÓGICA DE AJUDA À MATURAÇÃO

O desenvolvimento da personalidade da criança e de sua inteligência requer a

organização e a estruturação do eu e do mundo a partir da concepção de algumas noções

fundamentais, que são descobertas a partir das vivências da criança, de suas

experiências e que, no começo aparecem polarizadas como oposições ferrenhas entre

dois pólos que conformam uma unidade: grande-pequeno, aberto-fechado, alegre-

triste... Esse mundo de contrastes, carregado de racionalidade e de afetividade, é o

mundo da criança pequena, projetando através dessas noções primitivas seu estado

anímico e o mundo de seus afetos (Aucouturier, 1986).

Na criança, a sensório-motricidade se constitui na principal via de expressão de

seu mundo interno, organizado por esses contrastes e por essas polarizações de

conceitos básicos, especialmente na faixa etária compreendida entre os primeiros meses

e os 6 ou 7 anos, etapa, na qual a criança se encontra em uma situação de globalidade

(união permanente e estreita entre corpo e mente). Essa forma de expressão permanece

durante toda a vida, embora de forma diferente, devido ao complexo e amplo

desenvolvimento das capacidades de cada pessoa. Por isso, a psicomotricidade se centra

em conhecer a criança a partir de sua atividade motora e desenvolve uma prática

pedagógica direcionada a descobrir a infraestrutura simbólica que tem toda a ação

espontânea.

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Assim, o conceito de psicomotricidade guarda uma estreita relação com o estudo

da dimensão somatopsíquica da pessoa e das marcas psíquicas da “pulsão”

(Autocouturier, 1986). A partir desse ponto de vista, aprofundar o conceito de

psicomotricidade nos levará necessariamente a analisar a relação existente entre “psique

e soma” e a estudar o termo “maturação” de um ponto de vista global. Dessa maneira,

poderá ser abordada a maturação biológica, a maturação sensório-motora, a afetiva e a

cognitiva.

Como a prática psicomotora tem por objetivo favorecer e potencializar a

adaptação harmônica da pessoa a seu meio, a partir de sua identidade que se fundamenta

e se manifesta por meio das relações que o corpo estabelece com o tempo, o espaço e os

outros (Rota, 1994).

4.1 – A Simbologia da Ação

A ação da criança tem sempre um objetivo, a transformação do outro, e mais

adiante, quando a criança já pode exercer um certo controle sobre seu corpo, seu

objetivo será a transformação do ambiente a partir de sua ação sobre ele. Tal ação

representa a manifestação externa da união entre o corpo e a mente e, portanto, está

carregada de simbologia (Sánchez, Martinez e Peñalver, 2003).

Podemos observar essa simbologia em uma primeira fase através dos jogos pré-

simbólicos ou proto-simbólicos nos quais a criança expressa, através de sua ação, o

mundo imaginário mais arcaico, as primeiras imagens ainda não simbolizadas, mas com

um forte valor perceptivo. Os seguintes exemplos são uma mostra disso: a percepção da

presença ou da ausência do outro está vinculada aos primeiros jogos de aparecer e

desaparecer, de se aproximar e se afastar, de pegar e largar... jogos que estão

relacionados, todos eles, com a presença ou a ausência do outro em seu campo visual.

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As atividades relacionadas com a representação de si mesmo aparecem nas

brincadeiras de unir e separar os objetos... e naquelas em que o prazer de destruir dá

chance de construir outra vez, em uma primeira tentativa de unificar a globalidade

corporal. As atividades relacionadas com os limites do corpo podem ser observadas nos

jogos de cobrir-se com panos ou buscar espaços onde encaixar e delimitar seu corpo.

Essas ações, como representações inconscientes são parte dessa primeira fase simbólica

(Sánchez, Martinez e Peñalver, 2003).

4.2 – Os Parâmetros da Expressividade Motora

O termo expressividade motora significa a maneira única, original e individual

de ser e de estar no espaço, como conseqüência do funcionamento psíquico da criança.

Poderíamos defini-lo como a expressão de nossa história profunda, ligada a nossas

pulsões de apego e de domínio através do corpo, do espaço e do tempo, manifestadas

aqui e agora (Le Boulch, 1986).

Mas, junto dessa maneira de se manifestar no espaço por meio do corpo, existe

também uma maneira de ser psíquica, que se expressa por meio do pensamento e da

linguagem, e que manifesta a união entre soma e psique. Quando se trabalha em um

contexto de prática educativa e preventiva, deve-se fazer com que a criança viva uma

expressividade motora harmoniosa consigo mesma, com o ambiente e com os outros.

Segundo Aucouturier (1986), existem três níveis de expressão motora através

dos quais a criança expressa e projeta sua história profunda:

- Um primeiro nível corresponderia às sensações internas do corpo, especialmente

ligadas ao sistema labiríntico, dependendo dele as sensações de equilíbrio. A

criança vive essas sensações desde o período pré-natal, aparecendo ao longo de

toda a vida associadas a experiências motoras.

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- Um segundo nível de expressividade motora se centra nas experiências de

prazer-desprazer, imagens e vivências surgidas a partir do encontro com o olhar

do outro.

- Um terceiro nível de expressividade motora refere-se à aparição do “faz-de-

conta”, que se traduz na proliferação de jogos simbólicos e de jogos organizados

ou sociomotores.

Através da observação desses níveis da expressividade motora, pode-se

comprovar que a criança é um ser global.

A partir da prática psicomotora se atende, se observa e se compreende a

criança em suas diferentes modalidades de relação. O conhecimento das pautas e dos

princípios do desenvolvimento psicomotor e da formação do esquema corporal, assim

como o aprofundamento na observação dos parâmetros psicomotores, constituem um

meio excelente para completar a compreensão da criança em sua unidade corporal.

Os parâmetros psicomotores poderiam ser então definidos como o conjunto de

elementos a partir dos quais a expressividade motora pode ser analisada. Tais

parâmetros reúnem em sua denominação a exploração que a criança realiza do mundo

externo até si, constituído por aspectos como o movimento, o espaço, o tempo, os

objetos e os outros (Le Boulch, 1985).

Por isso, observar a criança agindo, explorando o espaço, os objetos e os

outros, é de uma riqueza extraordinária uma vez que nos ajuda a compreender a

totalidade corporal em que vive, a entender a manifestação profunda de sua

personalidade. Apresentamos, a seguir, cada um dos parâmetros (movimento, espaço,

tempo, objetos, os outros) para ampliar tal marco de conhecimento.

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CAPÍTULO V

A PSICOMOTRICIDADE

De acordo com Ferreira (2000), a Psicomotricidade é uma nova abordagem

do corpo humano. Ela estuda o indivíduo e suas relações com o corpo. É uma

ciência-encruzilhada, uma técnica em que se cruzam e se encontram múltiplos pontos

de vista e que utiliza os conhecimentos de várias ciências como a Biologia, a

Psicologia, a Psicanálise, a Sociologia e a Lingüística.

É uma terapia que se dispõe a desenvolver as faculdades expressivas do

indivíduo. Toda ciência é relativa a um objeto de estudo que dele tira sua unidade e

especificação. No caso da psicomotricidade, o objeto de estudo é o corpo e a sua

expressão dinâmica (Coste, 1992).

A Psicomotricidade, como toda ciência, corresponde a um objetivo de

estudo próprio, do qual retira sua unidade e especificação, isto é, o corpo e sua

expressão dinâmica, fundamentado em três conhecimentos básicos a saber:

- o movimento, que segundo os conhecimentos atuais, ultrapassa o ato

mecânico e o próprio indivíduo, sendo a base das posturas e posicionamentos

diante da vida;

- o intelectivo, que encerra a gênese e todas as qualidades da inteligência do

pensamento humano, seu desenvolvimento depende do movimento para se

estabelecer, desenvolver e operar;

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- o afeto, que é a própria pulsão interna do indivíduo, que matiza a motivação e

envolve todas as relações do sujeito com os outros, com o meio e consigo

mesmo (Bueno, 1998).

O psicomotricista deve estar habilitado a atuar na promoção, preservação e

recuperação da movimentação corporal, como instrumento de desenvolvimento

humano.

O campo de ação do psicomotricista abrange duas correntes de intervenção:

a pedagógica e a terapêutica. De acordo com estes pontos de vista, o psicomotricista

poderá atuar em creches, centro de estimulação precoce, escolas maternais, jardins de

infância e estabelecimentos de 1º, 2º e 3º graus, clínicas de reabilitação, hospitais e

centros geriátricos.

Envolve-se com o desenvolvimento global e harmônico do indivíduo desde

o nascimento. Portanto, é a ligação entre o psiquismo e a motricidade.

Há várias definições acerca do que seja a psicomotricidade e seu estudo é

bastante recente. O termo evoluiu seguindo uma trajetória primeiramente teórica

depois prática, até chegar a um meio-termo entre essas duas.

Dentro da evolução da psicomotricidade, no início deste século a sua noção

fixou-se sobretudo no desenvolvimento motor da criança. Depois foi estudada a

relação entre o atraso do desenvolvimento motor e o atraso intelectual da criança.

Seguiram-se estudos sobre o desenvolvimento da habilidade manual e de aptidões

motoras em função da idade até se chegar à posição atual da psicomotricidade:

ultrapassar os problemas motores e trabalhar também a relação entre o gesto e a

afetividade e a qualidade de comunicação por intermédio dos mesmos.

Essa abordagem globalizante vem atingido cada vez mais os profissionais

de diversas áreas. Contudo, existe uma dificuldade muito grande desse profissional

assumir totalmente essa abordagem, visto que implica eterno estudo das áreas

psicológica, neurológica, social, emocional e motora (Bueno, 1998).

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Hoje existe a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, a qual vem lutando

para que os profissionais atuantes caminhem de forma séria e estruturada. Ela define

a psicomotricidade como “uma ciência que tem por objetivo o estudo do homem por

meio do seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo”.

A psicomotricidade considera o ser físico e social em transformação

permanente e em constante interação com o meio, modificando-o e modificando-se.

Na psicomotricidade é trabalhada a globalidade do indivíduo; é uma disciplina que

estuda a implicação do corpo, a vivência corporal, o campo semiótico das palavras e

a interação entre os objetos e o meio para realizar uma atividade.

O desenvolvimento psicomotor acontece num processo conjunto de todos os

aspectos (motor, intelectual, emocional e expressivo), dividindo-se em duas fases:

primeira infância (0 a 3 anos) e segunda infância (3 a 7 anos), completando-se

maturacionalmente por volta dos 8 anos de idade.

Coste (1992) afirma que a psicomotricidade tem por objetivo maior fazer do

indivíduo:

- Um ser de comunicação.

- Um ser de criação.

- Um ser de pensamento operativo, ou seja, a psicomotricidade leva em conta o

aspecto comunicativo do ser humano, do corpo e da gestualidade.

Em sua prática, a psicomotricidade nos revela, o homem é o seu corpo,

dando-nos a visão de que precisamos atuar nesse corpo: Para que uma pessoa se

exprima enquanto corpo que realiza mais livremente seus próprios desejos, é

necessário que ela cresça não em sua individualidade absoluta, mas em suas relações

com os outros e o mundo.

A partir das primeiras experiências psicomotoras que a criança vai

constituindo pouco a pouco o seu modo pessoal de ser, de sentir, de agir e reagir

diante dos outros, dos objetos e do mundo que a rodeia, e a qualidade da relação que

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a criança estabelece com o meio é que condicionará a saúde mental da mesma.

Mediante a relação com as pessoas e com os objetos, a criança se comunica e

expressa suas dificuldades, sejam elas de ordem motora, emocional ou cognitiva.

Nesse ano e em futuros, acreditamos que a psicomotricidade caminha para

sua própria identidade, e a clareza de atuação dos profissionais atualmente nela

envolvidos determinará o seu percurso e concreticidade.

5.1 - Educação Psicomotora

Abrange todas as aprendizagens da criança, processando-se por etapas

progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada indivíduo.

Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepções vivenciadas, com

uma intervenção direta a nível de cognitivo, motor e emocional, estruturando o

indivíduo como um todo. A educação psicomotora passa pela facilitação das

condições naturais e prevenção de distúrbios corporais. Ela se realiza na escola, na

família e no meio social com a participação dos educadores, dos pais. Dirige-se

prioritariamente a crianças em condições de freqüentar a escola e sem

comprometimentos maiores.

Le Boulch (1981) comenta que “ a educação psicomotora deve se considerada

como uma educação de base na escola elementar, ponto de partida de todas as

aprendizagens pré-escolares e escolares.

Vayer (1989) coloca que, do ponto de vista educativo, o papel e lugar da

educação psicomotora na educação geral corresponderá, naturalmente, às diferentes

etapas do desenvolvimento da criança, e assim entendemos que: no curso da primeira

infância a educação psicomotora permanece sendo o núcleo fundamental de uma

ação educativa que começa a diferenciar-se em atividades de expressão, organização

das relações lógicas e as necessárias aprendizagens de leitura-escrita-ditado; no curso

da grande infância a diferenciação entre as atividades educativas se faz mais

acentuadamente, e a educação psicomotora mantém então a relação entre as

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diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento de todos os

aspectos da personalidade.

Lapierre (1989) coloca que a educação psicomotora é uma ação

psicopedagógica que utiliza os meios da educação física, com a finalidade de

normalizar ou melhorar o comportamento do indivíduo.

Vayer e Picq (1985) sugerem que se investiguem as técnicas mais eficazes

para se obter uma melhora progressiva no comportamento geral da criança. A

consciência do corpo, o domínio do equilíbrio, o controle e mais tarde a eficácia das

diversas coordenações gerais e segmentares, a organização do esquema corporal, a

orientação no espaço e, finalmente, melhores possibilidades de adaptação ao mundo

exterior são os principais objetivos da educação psicomotriz.

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CAPÍTULO VI

JOGOS DE LATERALIDADE

Os objetivos da seqüência de exercícios levará a criança a descobrir seu lado

dominante. Todavia fortalecer-se-á o lado não-dominante por meio de exercícios

simétricos,a fim de estabelecer um equilíbrio de força e de destreza entre os dois

lados (Bueno, 1998).

O jogo é uma atividade natural do ser humano. O jogo faz com que a

criança se envolva com o que está fazendo, colocando seu sentimento e emoção

através da ação.

O jogo integra os aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais e seria

muito interessante todos os profissionais da área e o professor criarem oportunidades

para que a motivação permita aos alunos participarem ativamente do processo

ensino-aprendizagem. A psicomotricidade pode ajudar e muito, através de exercício

preparatórios.

6.1 - Exercícios de Lateralidade

a) colocar mãos sobre o contorno de mãos desenhadas pela parede, direita sobre

direita, esquerda sobre esquerda;

b) Colocar pés sobre o contorno de pés desenhados pelo chão, direita sobre

direita, esquerda sobre esquerda;

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c) Desenhar uma linha ou colocar um fio no chão esticado, pedindo que se

posicione em um dos lados e a seguir através de sua solicitação ele deverá se

deslocar com o corpo para o lado solicitado (direita ou esquerda);

d) Fazer gestos diante do espelho, imitando o educador. Colocar-se ao lado do

indivíduo, diante do espelho e ao levantar a parte do corpo ele deverá repetir

levantando o mesmo lado e nomeando (direita e esquerda);

e) Colocar a mão direita em alguma parte corporal lado esquerdo e a mão

esquerda em alguma parte corporal do lado direito e através de algum aviso

fará a inversão dos lados;

f) Colocar um fio esticado verticalmente entre o teto e o chão. De frente,

encostar o nariz e o umbigo no fio e perceber as partes do corpo que ficaram

para fora. Fazer o mesmo de costa encostando a nuca e as nádegas. Sinalize

os lados das sobras (direita e esquerda).

6.2 - Jogos para os Membros Inferiores

Estes jogos são indicados para crianças a partir de 4 anos (Bueno, 1998).

- Pular em um só pé.

Pode-se organizar este jogo em forma de corrida de revezamento. O trajeto

será feito na ida com a perna que a criança escolher espontaneamente, a volta deverá

ser feita com a outra perna.

- Coloca-se um saco de grãos em um dos pés da criança e pede-se-lhe que vá em

frente sem deixá-lo cair.

- Exercício de equilíbrio: manter-se, durante o maior tempo possível, sobre um pé e

depois sem deixá-lo cair.

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- Corrida seguida de chute.

- Jogo da amarelinha

A criança pula com o pé direito na ida e com o pé esquerdo na volta.

- Controlar uma bola com os pés

Colocam-se diversos obstáculos; a criança deve passar entre eles, mas

controlando a bola com o pé esquerdo se o obstáculo à esquerda (e vice-versa se o

obstáculo estiver a direita).

Caso a criança erre o pé baterá contra o obstáculo; portanto, para acertar, a

criança deve mudar o pé todas as vezes.

6.3 - Jogos para os Membros Superiores

Também destinada para crianças a partir dos 4 anos.

- Bater um ritmo no tamborim;

- a mão dominante bate o ritmo;

- tentar com a outra mão e perceber que o ritmo é mantido com dificuldade.

- Jogas dados: com a qual das mãos joga com maior facilidade?

- Carregar um saco bem pesado: a criança o pegará com mão dominante e o braço da

mão livre ficará afastado do corpo a fim de manter o equilíbrio. Tentar, mudando de

mão. Pode-se fazer uma corrida de revezamento: carregar o saco a três metros do

ponto de partida, largá-lo e voltar; a criança seguinte parte sem o saco, pega-o e o

traz de volta, etc.

- Jogos cantados: as crianças, agrupadas duas a duas, batem nas mãos:

- uma vez mão direita na mão esquerda;

- uma vez mão esquerda na mão direita;

- uma vez as duas mãos juntas.

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Elas cantam “atirei o pau no gato” ou “pirulito que bate, bate”.

- Fazer girar a “corda de pular” com uma mão e depois com a outra.

- Jogos de equilíbrio (em corrida de revezamento):

- a criança conserva uma mão nas costas e a outra mão na horizontal, braço

estendido. Coloca-se-lhe nessa mão um saco pesando um quarto de quilo.

A criança deve andar, braço estendido, sem deixar cair o saco, até um

certo ponto; fará o trajeto de volta mudando o saco de mão.

- Em vez de um saco, dá-se à criança uma colher na qual coloca-se uma

batata ou uma bola de gude.

- Jogos com arcos

- ensinar a criança a rodar o arco sobre si mesma. Esse exercício exige boa

destreza manual; para que a criança consiga executá-lo deve-se insistir

quanto á velocidade do movimento.

- Para os exercícios seguintes as crianças trabalharão inicialmente com a

mão de sua escolha; quando o movimento estiver bom, começa-se a

aprendizagem com a outra mão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É através do corpo que a criança vai descobrir o mundo, experimentar

sensações e situações, expressar-se, perceber-se e perceber as coisas que a cercam. À

medida que a criança se desenvolve, quanto mais o meio permitir, ela vai ampliando

suas percepções e controlando seu corpo através da interiorização das sensações.

Com isso ela vai conhecendo seu corpo e ampliando suas possibilidades de ação. O

corpo é, portanto, o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e

interagir com o mundo. Ele servirá de base para o desenvolvimento cognitivo, para a

aquisição de conceitos referentes ao espaço e ao tempo, para um maior domínio de

seus gestos e harmonia de movimentos.

Analisando o desenvolvimento dos primeiros anos de vida buscou-se neste

trabalho salientar, no desenvolvimento da criança e a definição de sua lateralidade.

Salientar também que o desenvolvimento não depende só da maturação dos

processos orgânicos mas também do intercâmbio com outros e que isto é importante

na primeira infância.

Este intercâmbio tem uma influência determinante na orientação do

temperamento e da personalidade, e é através destas relações com as outras pessoas

que o “ser” se descobre e que a personalidade se constrói pouco a pouco como sua

imagem corporal (núcleo central da personalidade e ponto de partida na organização

práxica e gnósica).

Com o término da pesquisa conclui-se que a psicomotricidade pode atuar na

definição da lateralidade, mas sem intervir na dominância da criança, onde a

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consciência da lateralidade e da discriminação de direita e esquerda auxilia a

perceber os movimentos do corpo no espaço.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiquiatria Infantil. Paris: Masson, 1984. AUCOUTURIER, E. A Prática Psicomotora – Reeducação e Terapia. Porto Alegre: artes Médicas, 1986. BRANDÃO, S. Desenvolvimento Psicomotor da Mão. Rio de Janeiro: Enelivros, 1984. BUENO, J. M. Psicomotricidade: Teoria e Prática. São Paulo: Lovise, 1998, p. 17-40, 51-94. COSTE, J.C. A Psicomotricidade. São Paulo: Guanabara Koogan, 1992, p. 10-14. DEFONTAINE, J. Manuel de Réédication Psychomotrice. Tomes 1-4, Paris, Maloine S/A, 1980. DEMER, A. e STALS, L. Psicomotricidade: educação e reeducação. Níveis maternal e infantil. São Paulo: Manole, 1991. FERREIRA, C. A. M. Psicomotricidade da Educação Infantil à Gerontologia – Teoria e Prática. São Paulo: Lovise, 2000, p. 153-166. FONSECA, V. Manual de Observação Psicomotora. Lisboa: Editorial Notícias, 1998, p. 42-63. GUILLARME, J.J. Educação e Reeducação Psicomotoras. Trad. Arlene Caetano, Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. LAPIERRE, A. B. A Reeducação Física. São Paulo: Manole, 1984. LE BOULCH, J. O desenvolvimento Psicomotor: do nascimento até 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. PICH e VAYER, P. A Criança Diante do Mundo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

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ROTA, I. A Prática Psicomotora Preventiva-eductaiva. Curso de Pós-graduação em prática psicomotora educativa, Universidade de Múrcia, 1994. SÁNCHEZ, P. A., MARTINEZ, M. R., PEÑALVER, I. V. A Psicomotricidade na Educação Infantil: Uma Prática Preventiva e Educativa. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 17-60, 69-75. VAYER, P. O Equilíbrio Corporal: uma abordagem dinâmica dos problemas da atitude e do comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

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ANEXO

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ATIVIDADE EXTRA-CLASSE

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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