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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE “UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO SOBRE AS CRIANÇAS E O CONCEITO DE MORTE” Por: Dirciléia das Chagas Porcino Orientadora Prof. Carly Machado Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

“UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO SOBRE AS CRIANÇAS E O CONCEITO

DE MORTE”

Por: Dirciléia das Chagas Porcino

Orientadora

Prof. Carly Machado

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

“UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO SOBRE AS CRIANÇAS E O CONCEITO

DE MORTE”

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em

Psicopedagogia.

Por: Dirciléia das Chagas Porcino

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AGRADECIMENTOS

....a Deus, a minha mãe, minhas irmãs,

ao meu namorado. Obrigado pelo

incentivo e companheirismo.

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DEDICATÓRIA

.....dedica-se a, Leir das Chagas Porcino,

Sandra das Chagas Porcino, Liliana das

Chagas Porcino e Gilberto Alves

Nascimento.

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RESUMO

Este trabalho aborda o tema “Um Olhar Psicopedagógico sobre as

Crianças e o Conceito de Morte”. Analisando crianças pré-operacionais com

idade de 2 a 7 anos, relacionando com o desenvolvimento cognitivo e o

desenvolvimento social. No entanto, as experiências individuais da criança

bem como a cultura, que coloca a sua disposição os aspectos formais que

representam os eventos de cada sociedade e, portanto, também o evento da

morte, estando presente tanto no âmbito educacional como na clínica

psicopedagógica. A problemática deste estudo encontra-se em compreender

que a morte de um ente querido pode causar dificuldades de aprendizagem

nos sujeitos, para tanto o trabalho de intervenção fica a cargo do

Psicopedagogo.

Palavras Chaves: Desenvolvimento cognitivo, Desenvolvimento sócio-cultural,

morte e Psicopedagogia.

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METODOLOGIA

, Os métodos que levam ao problema proposto, como leitura de livros,

revistas, pesquisa bibliográfica através dos principais autores. Contar passo a

passo o processo de produção da monografia. CHAUÍ (2000), FERNANÁNDEZ (1999), JOBIM E SOUZA (1994), OLIVEIRA

(1997), PAPALIA (1981), RAPPAPORT (1981), TORRES (1979) e

VYGOTSKY (1984).

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Desenvolvimento Infantl: Concepções de Piaget e Vygotsky 10

1.1 Piaget e o desenvolvimento infantil 10

1.2 Vygotsky e o desenvolvimento Social 14

1.3 As diferenças entre Piaget e Vygotsky 18

CAPÍTULO II - A Linguagem como mediadora entre o social e o indivíduo na

conceituação de Bakhtin 21

2.1 Considerações sobre a dialética e a concepção dialógica da verdade 25

2.2 Entoação e apreciação: o encontro da palavra com a vida 26

CAPÍTULO III – Conceito de morte 33

3.1: O Psicopedagogo diante do fenômeno da morte 39

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

INTRODUÇÃO

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A partir do tema: “Um Olhar Psicopedagógico sobre as Crianças e o

Conceito de Morte”, a investigação sobre aquisição do conceito de morte em

Piaget, assinala que a perspectiva mais lógica para iniciar a investigação sobre

este conceito é ligando-o à estrutura do desenvolvimento cognitivo, uma vez

que a compreensão da morte ou de qualquer outro fenômeno natural está

limitado pela capacidade com que a criança é capaz de perceber, interpretar,

classificar e interagir com o estímulo e seu ambiente.

Como a compreensão da morte na criança não se faz independente do

desenvolvimento cognitivo global, além da idade, esta tem sido a outra variável

empregada na investigação do conceito de morte (Papalia e Olds, 1981).

Uma outra reflexão, a partir da necessidade de uma nova interpretação

da morte, acerca da concepção da linguagem, tomando como base as teorias

desenvolvidas por Vygotsky e Bakhtin. Nesse sentido, a linguagem é entendida

como espaço de recuperação do sujeito como ser histórico, social e cultural.

A partir da observação da dificuldade de responder as questões éticas

e estéticas colocadas sobre a morte, na cultura ocidental, tem-se como

proposta entender o sentido da palavra para também verificar o sentido real de

como devem ser tratadas as questões humanas e sociais. A criança é o objeto

de análise para tentar entender criticamente a cultura do adulto. Para tanto, é

importante compreender a análise de algumas falas do cotidiano de crianças

para mostrar como elas constroem a realidade social. Esta internalização é

construída pela prática diária no tratamento com o outro, na escola, através

dos aparelhos de televisão presente em quase todos os lares e dentro da

própria casa com os pais.

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9Para tentar trazer alguns elementos referentes às crianças e o conceito

de morte, apresentarei no primeiro capítulo os conceitos de Piaget e Vygotsky

sobre uma determinada visão do desenvolvimento cognitivo, e o

enfoque na linguagem verbal como exercício do social.

No segundo capítulo apresentarei a palavra como mediadora entre o

social e o indivíduo na conceituação de Bakhtin, pensar dialeticamente a

realidade social. Ao aprender a falar, a criança também aprende a pensar, na

medida em que cada palavra é a revelação das experiências e valores de sua

cultura.

No terceiro capítulo, apresentarei uma visão da morte, ilustrando as

diferentes maneiras de se ver e ver o outro diante de um vasto cenário cultural,

fator decisivo para a promoção de valores individuais ou em grupos na prática

do exercício no processo de entendimento da morte.

Com isso gostaríamos de investigar o significado que a morte pode ter

como uma força ativa no desenvolvimento cognitivo, emocional e social da

criança. Veremos que a negação ou o silêncio em torno da morte em nada

ajuda no desenvolvimento da criança. Ao contrário, quando se tenta manter

esta atitude de negação, o crescimento da criança tende a ser prejudicado.

CAPÍTULO I

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DESENVOLVIMENTO INFANTIL: CONCEPÇÕES DE

PIAGET E VYGOTSKY

1.1 Piaget e o desenvolvimento infantil.

De acordo com a concepção piagetiana, o desenvolvimento ocorre no

sentido de o sujeito adquirir uma determinada visão do mundo que o cerca,

que lhe permite um estado de adaptação e de equilíbrio em relação às

situações as quais está continuamente exposto. Para tanto o organismo é

biologicamente dotado de estruturas e de um modelo de funcionamento destas

estruturas que lhe permite procurar manter um estado de conforto interno

(homeostase) e que, do ponto de vista da evolução mental, irá buscar

conseguir também processos que lhe permitam manter-se em interação

harmoniosa com as solicitações advindas do mundo exterior, qualquer que seja

sua natureza. Assim, a criança irá passo a passo caminhando no sentido da

adaptação mental e do equilíbrio de suas estruturas cognitivas. Estas não lhe

serão dadas diretamente pelo desenvolvimento biológico, mas resultarão da

interação de um substrato maturacional orgânico e da busca de maneiras

melhores de responder as solicitações do ambiente físico e social

(Rappaport,1981).

Neste sentido no primeiro estágio, o sensório-motor, (0 a 24 meses) a

vida social da criança se restringe, na nossa cultura ocidental basicamente, ao

contato, com os elementos da família. À medida que ocorre exercício das

habilidades motoras e o advento de alguma forma de linguagem, embora

ainda rudimentar, as possibilidades de exploração do ambiente físico e social

são ampliadas consideravelmente. No período pré-operacional (2 a 7 anos) a

criança será exposta a uma variedade de estimulações, que lhe ampliarão as

oportunidades de contatar com o universo, de formar impressões dos objetos,

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11das relações causais da noção de espaço e tempo, que surgirão apenas no

período subseqüente operacional-concreto (7 aos 11/12), caracterizam-se pelo

pleno desenvolvimento do raciocínio lógico matemático, capacitando a criança

a representar e operar mentalmente sobre a realidade.

Assim, a criança partirá de um mundo restrito ao ambiente doméstico,

onde atuava basicamente através de suas capacidades sensoriais motoras,

para uma tentativa de inserção numa sociedade muito mais ampla. Neste

sentido terá como tarefa evolutiva procurar desenvolver seu repertório

comportamental e sua vida mental, no sentido de encontrar recursos próprios

para lidar adequadamente com esta nova situação. Para tanto, continuarão

utilizando-se dos esquemas sensoriais motores já formados na fase anterior, e

será justamente através da atualização destas potencialidades já adquiridas

que a criança apresentará harmonia em sua atuação no mundo externo. A

criança terá competência no nível comportamental para atuar de modo

coerente e harmonioso, dando ao espectador uma impressão de equilíbrio.

Impressão porque, à medida que intensificamos nosso relacionamento com a

criança, percebemos que as explicações dadas por ela às diversas situações

vivenciadas estão em desacordo com as nossas próprias crenças. Isto porque,

se o nosso pensamento adulto é lógico e socializado, o da criança pré-

operacional apresenta uma tendência lúdica, uma ausência de preocupação

com a possibilidade de comprovação empírica dos julgamentos por ela

emitidos a respeito dos fenômenos naturais, das relações de causa e efeito,

etc... ou mesmo da aceitação social de suas explicações (Rappaport, 1981).

E é neste sentido que será aprofundado o estudo no pensamento da

criança como um pensamento egocêntrico pré-operatório, cuja constituição e o

modo de funcionamento diferem daqueles apresentados pelos adultos ou

mesmo pelas crianças mais velhas. É um pensamento onde predomina uma

visão do mundo que parte do próprio eu, sem ser disso consciente, e sem ser

inclusive consciente de sua maneira peculiar de pensar. A criança pré-

operacional não consegue pensar seu próprio pensamento, ela o vivencia

apenas, e, assim sendo, emite julgamento sobre a realidade externa e sobre o

outro sujeito sem qualquer preocupação com a veracidade (Rappaport,1981).

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12Ainda segundo a autora, Isso não decorre de uma situação de

egoísmo onde pode haver uma tentativa de fazer com que a realidade externa

esteja a serviço de necessidades do próprio eu. Mas decorre, de um estado de

confusão eu - outro e eu - objeto, do qual a criança é basicamente

inconsciente. Existe uma comunhão de idéias, sentimentos, pensamentos,

entre a criança pré-operacional e a realidade externa física e social. Ocorre

uma crença intrínseca em sua própria percepção e argumentação que não é

passível de discussão, justamente pela ausência de lógica que caracteriza a

visão de mundo da criança nesta fase.

São egocêntricas porque ignoram a natureza do seu próprio

pensamento (e também do pensamento dos outros), ou simplesmente porque

falam e pensam para si mesmas, estendendo o seu próprio conteúdo a todos

os outros seres vivos humanos ou não, bem como a objetos inanimados (ex: “a

árvore está triste,” “a boneca está com fome”, “o sol foi dormir”, etc.)

(Rappaport, 1981).

Neste sentido o desenvolvimento é contínuo e cada aquisição nova

baseia-se nas aquisições anteriores, servindo de substrato para as aquisições

subseqüentes. Quanto mais jovem a criança, mais egocêntrica será seu

pensamento, e quanto mais se aproximar dos 7 anos, mais próxima estará do

pensamento socializado.

O raciocínio da criança pré-operacional é centralizado, rígido e

inflexível, dada a impossibilidade de levar em conta várias relações ao mesmo

tempo. Como exemplo, podemos lembrar as dificuldades que a criança tem em

entender as relações de parentesco. Como pode uma pessoa ser ao mesmo

tempo mãe e filha, irmão de seu pai e seu tio, etc.

Segundo Rappaport (1981) Piaget, enfatiza que na fase pré-

operacional existem dois planos de realidade: o do brinquedo (nas quais os

dados do mundo externo são assimilados ao eu da criança, com predomínio da

fantasia) e o da observação (quando acorre acomodação dos esquemas –

submissão do eu – aos dados do mundo externo). Estes dois planos coexistem

e muitas vezes se misturam como pode ser observado no realismo intelectual.

A criança toma como verdade uma percepção momentânea. Por exemplo, se

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13pedimos a uma criança que desenhe uma pessoa de perfil, ela o fará

colocando dois olhos e duas pernas. Neste caso a criança desenha conforme

entende a situação, e não como vê.

Segundo Rappaport (1981), a família, a escola e os companheiros são

considerados agentes socializadores fundamentais, à aprendizagem social.

No caso da criança pequena, a família é sem dúvida, o principal agente

socializador. Os pais têm a responsabilidade de fazer com que seus filhos

desenvolvam características de personalidade e de comportamento que sejam

consideradas adequadas ao seu sexo e aos vários subgrupos culturais a que

pertencem (religião classe social, etc.).

O que se constata de maneira geral, é que o tipo de ambiente familiar,

adotado por parte dos pais de ou de outro tipo de práticas de criação infantil,

resulta em maior ou menor competência da criança para enfrentar situações

diversas, bem como em sentimentos positivos ou negativos para consigo

mesma (em termos e autoconceito). Assim, as crianças mais saudáveis

psicologicamente são aquelas cujos pais adotam práticas disciplinares

consideradas democráticas, evitam os castigos físicos, solicitam a participação

da criança em decisões familiares que lhe dizem respeito (atividades

escolares, esportivas ou de lazer, por exemplo), procuram fazer com que seus

filhos se tornem competentes e independentes, levando em consideração a

idade da criança, seu sexo habilidade, etc.

É o tipo de atitude encontrada com maior freqüência em famílias de

classe média com alto nível educacional. Já no caso de pais autoritários, que

freqüentemente usam a punição (algumas vezes até espancamentos

violentos), impondo aos seus filhos seu próprio ponto de vista sem qualquer

explicação, embora possam diferir no grau de afeto dedicado às crianças,

podem desenvolver atitudes que favoreçam a adaptação social (principalmente

pelo conformismo), mas não uma personalidade feliz, com possibilidade de

ampla realização pessoal (embora possam ter sucesso profissional ou social).

Pais permissivos inconsistentes, desorganizados (em termos de suas

atividades pessoais ou da rotina doméstica) tendem a fazer com que seus

filhos sejam imaturos, inseguros e com baixa auto-estima. Em geral, estes pais

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14são eles mesmos imaturos e inseguros, e seus filhos são os que têm maior

dificuldade de adaptação social e realização pessoal.

Embora seja fácil reconhecer que o ideal é uma atmosfera doméstica

democrática, não é tão fácil chegar a ela, especialmente em nossa cultura,

onde apenas recentemente abandonamos um padrão familiar rigidamente

patriarcal. O que vemos, na maioria das vezes, são tentativas de se criar esta

atmosfera democrática gerando conflitos em pais que sofrem uma educação

autoritária e repressiva. Isto, quando pensamos em pais de classe média com

nível educacional elevado, porque na classe baixa continuamos a ter, na

maioria das famílias, uma educação autoritária, rígida, mais voltadas para o

conformismo do que para o desenvolvimento pessoal da criança

(Rappaport,1981).

1.2 Vygotsky e o desenvolvimento Social

As concepções de Vygotsky (1987), sobre o funcionamento do cérebro

humano fundamentam-se em sua idéia de que as funções psicológicas

superiores são construídas ao longo da história social do homem.

Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos

desenvolvidos culturalmente, o ser cria as formas de ação que o distinguem de

outros animais. Sendo assim, a compreensão do desenvolvimento psicológico

não pode ser buscada em propriedades naturais do sistema nervoso. Vygotsky

rejeitou, portanto, a idéia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando

com a noção do cérebro como sistema aberto, de grande plasticidade, cuja

estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da

espécie e do desenvolvimento individual.

Para Vygotsky (1987), trás a compreensão das concepções sobre o

desenvolvimento humano como processo sócio-histórico é a idéia de

mediação. Enquanto sujeito de conhecimento o homem não tem acesso direto

aos objetos, mas um acesso mediado, isto é, feito através dos recortes do real

operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe. O conceito de mediação

inclui dois aspectos complementares. Refere-se ao processo de representação

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15mental: a própria idéia de que a criança é capaz de operar mentalmente sobre

o mundo supõe, necessariamente, a existência de conteúdo mental de

natureza simbólica que representa os objetos, situações e eventos do mundo

real no universo psicológico da criança. Essa capacidade de lidar com

representações que substituem o real é que possibilita que a criança faça

relações mentais na ausência dos referenciais concretos, imagine coisas

jamais vivenciadas, faça planos para um tempo futuro, transcenda o espaço e

o tempo presentes, libertando-se dos limites dados pelo mundo fisicamente

perceptível e pelas ações motoras. A operação com sistemas simbólicos e o

desenvolvimento da abstração e da generalização permite a realização de

formas de pensamentos que não seriam possíveis sem esses processos de

representações e definem o salto aos processos psicológico superiores,

tipicamente humanos. O desenvolvimento da linguagem surge em razão da

necessidade de comunicação da criança com os demais membros de seu

grupo, passando posteriormente a mediar suas representações mentais uma

vez que é um sistema simbólico; e também a exercer um papel no auto

controle de comportamento, que no ser humano adquirem status de funções

psicológicas superiores justamente em razão do papel mediador da linguagem.

Vygotsky (1987) aponta que os primeiros balbucios da criança pequena, se

constituem numa forma de comunicação sem pensamento. Destaca,

entretanto, que a função social da fala já é aparente desde os primeiros meses

de vida da criança, na fase pré-intelectual da linguagem. A criança tenta atrair,

por meio de sons variados, a atenção do adulto, e comunica suas sensações

de prazer pela mãe ou adulto significativo do seu meio circundante. Portanto a

criança, nos primeiros meses de vida, possui um pensamento pré-linguístico e

uma linguagem pré-intelectual. O movimento crucial ocorre por volta dos dois

anos, quando as curvas do pensamento pré-linguístico e da linguagem pré-

intelectual se encontram e se juntam, iniciando um novo tipo de organização

do pensamento e da linguagem. Nesse momento o pensamento torna-se

verbal e a fala, racional. A criança descobre, ainda que difusamente, que cada

um tem seu nome e a fala começa a servir ao intelecto e os pensamentos

começam à ser verbalizados. Para Vygotsky (1987), o pensamento e a palavra

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16não são ligados por um elo primário, mas, ao longo da evolução do

pensamento e da fala, tem início uma conexão entre ambos, que se modifica e

se desenvolve.

Para Vygotsky não há lugar para dicotomias que isolam o fenômeno,

fragmentando-o e imobilizando-o de maneira artificial; tudo está em movimento

e todo movimento é causado por elementos contraditórios que coexistem,

posteriormente, numa nova totalidade. “O significado de uma palavra

representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica

difícil dizer, se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do

pensamento” (VYGOTSKY, 1987, p.104).

O autor acima citado ressalta que o pensamento e fala se encontram e

se distanciam em vários momentos, buscando evidenciar que, tanto a

especificidade de cada um quanto a unidade dialética que necessariamente

regem os dois podem ser observadas no desenvolvimento das relações

verbais da criança com seu meio. Acrescenta ainda que os significados das

palavras são formações dinâmicas que se modificam e evoluem à medida que

a criança se desenvolve e de acordo com as várias formas pelas quais o

pensamento funciona e também, sugere que a análise do desenvolvimento

ontogenético da linguagem é uma oportunidade para o estudo do processo de

passagem do pensamento à palavra. É necessário estabelecer uma distinção

fundamental entre os dois planos da linguagem verbal e observar como eles se

comporta ao longo do desenvolvimento da linguagem na criança, refere-se ao

aspecto interno da linguagem verbal. A observação do desenvolvimento na

criança revela a presença de um movimento independente em cada uma

dessas esferas fonética, e semântica.

Portanto, a criança começa a dominar a fala exterior construindo-a da

parte para o todo. Dito de outra maneira, a criança, quando penetra na

corrente da linguagem, começa utilizando sons que acabam por se traduzir em

palavras para, em seguia, articular palavras que irão formar frases numa

complexidade cada vez mais ampla. Em relação ao significado, ocorre o

inverso. A primeira palavra da criança tem a força de uma frase completa. Isso

significa dizer que, semanticamente, a criança parte do todo indiferenciado ou

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17de um complexo significativo e só mais tarde começa a dominar as unidades

semânticas separadas. Exatamente por surgir como um todo indistinto e

amorfo, o pensamento da criança deve encontrar expressão em uma única

palavra. À medida que seu pensamento se torna mais diferenciado, não é mais

possível expressar-se por meio de uma única palavra. O avanço a fala em

direção às frases auxilia o pensamento a progredir de um todo homogêneo

para partes mais bem definidas.

Exemplos: A palavra mancebo (do latim mancipium) significava,

originalmente, “escravo”. Pelo fato de se preferirem escravos jovens fortes,

passou a significar “moço, jovem, forte”. Depois o termo passou a designar

amante, provavelmente porque nas casas romanas muitas vezes os jovens

escravos passavam a amantes de suas senhoras. Daí mancebia designado

concubinato, e o verbo amancebar-se. Mancebo também significa “cabide

onde se pendura roupas, chapéus, etc.”, numa reminiscência do significado de

escravo (Oliveira, 1997).

De modo similar ao que acontece na história de uma língua, a

transformação dos significados também ocorre no processo aquisição da

linguagem pela criança. O sistema e relações e generalizações contida numa

palavra muda ao longo do desenvolvimento. Ao aprender, por exemplo, a

palavra lua, a criança pequena pode aplicar inicialmente essa palavra não só a

própria lua, como a abajures, lustres, lanternas e outros focos de luz visíveis à

noite ou em ambientes escuros. Por outro lado, pode pensar que nescau

refere-se apenas ao leite morno com chocolate que sempre toma, não

aceitando essa designação, por exemplo, para leite gelado com chocolate. Ao

tomar posse dos significados expressos pela linguagem, a criança os aplica o

seu universo de conhecimentos sobre o mundo, a seu modo particular de

“recortar” sua experiência. Ao longo de seu desenvolvimento, marcado pela

interação verbal com adulto e crianças mais velhas, a criança vai ajustando

seus significados e modo a aproximá-los cada vez mais dos conceitos

predominantes no grupo cultural e lingüístico de que faz parte (Oliveira, 1997).

1.3 As diferenças entre Piaget e Vygotsky

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18

Comparando as características da fala interior com as da fala exterior

Vygotsky reconhece que a fala interior oferece enormes dificuldades para ser

investigada. Admite que Piaget, ao chamar a atenção para fala egocêntrica e

constatar sua importância teórica, foi pioneiro em apontar o caminho para uma

investigação experimental da fala interior. Entretanto Vygotsky ressalta que

Piaget não percebeu a característica mais importante da fala egocêntrica, sua

relação genética com a fala interior, o que acarretou uma interpretação

distorcida de sua função e de sua estrutura.

Piaget (apud Oliveira, 1997), pesquisando sobre o uso da linguagem

nas crianças, admite que todas as conversas infantis podem ser classificadas

em fala egocêntrica e fala socializada. Na fala egocêntrica, a criança fala

apenas para si própria, sem interesse pelo seu interlocutor. Nesse sentido, não

tenta comunicar-se, não espera resposta e, frequentemente, não se preocupa

em saber se alguém está prestando atenção no que diz. Na fala socializada,

ao contrário, a criança procura efetivamente estabelecer um contato com o

outro. Piaget acrescenta que a tendência da fala egocêntrica é se atrofiar à

medida que a criança se aproxima da idade escolar. Admite, assim que a fala

egocêntrica deriva, de uma socialização insuficiente da fala e que seu destino

é o desaparecimento. Para Piaget, a fala se desenvolve primeiro como fala

interior, depois como fala egocêntrica, e finalmente se transforma em fala

socializada. O movimento é do interior para o exterior, ou melhor, do individual

para o social.

Vygotsky (1987), discordando dessa interpretação teórica de Piaget,

sustenta que a linguagem, a partir dos dois anos até por volta dos sete anos,

apresenta duas funções simultaneamente, sem que a criança seja capaz de

diferenciá-las com nitidez: a função interna, de coordenar e dirigir o

pensamento, e a função externa, de comunicar os resultados do pensamento

para outras pessoas. Exatamente porque a criança não é capaz de diferenciar

essas duas funções, acontece o que Piaget denomina de fala egocêntrica, ou

seja, a criança fala alto sobre seus planos interiores e suas ações, não fazendo

distinção entre a fala para si mesma e a fala social dirigida para o outro.

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19Vygotsky (1987), parte da premissa de que a função primordial da fala, tanto

na criança quanto nos adultos, é o contato social. A fala mais primitiva da

criança é, portanto, essencialmente social. A princípio, é global e

multifuncional, e, posteriormente, suas funções tornam-se diferenciadas. Numa

certa idade, a fala social da criança divide-se muito nitidamente em fala

egocêntrica e fala comunicativa, tanto uma como outra são essencialmente

sociais, embora suas funções sejam diferentes. A fala egocêntrica emerge

quando a criança transfere formas sociais e cooperativas de comportamento

para a esfera das funções psíquicas interiores e pessoais.

A fala egocêntrica de acordo com Vygotsky (1987) tem um papel

fundamental na atividade da criança, pois não só acompanha suas atividades,

mas está também a serviço de sua orientação mental, ajudando a criança a

superar suas dificuldades. A culminância da fala egocêntrica se dá no futuro; o

seu desenvolvimento é transformar-se em fala interior. A decrescente

vocalização da fala egocêntrica observa em criança em idade escolar, tem um

significado positivo e indica a aquisição de uma nova capacidade da criança, a

de pensar as palavras, em vez de pronunciá-las.

Um outro aspecto importante é que Vygotsky (1987) percebe a fala

egocêntrica como um fenômeno de transição das funções interpsíquicas para

as intrapsíquicas; quer dizer, da atividade social e coletiva da criança para a

sua atividade mais individualizada. Dessa forma, o curso principal do

desenvolvimento da criança caracteriza-se por uma individualização gradual.

Essa perspectiva acarreta uma mudança radical na compreensão da

construção da subjetividade e da consciência, pois as relações sociais e o uso

da linguagem assumem um papel de destaque nesse processo. Dessa forma,

estudar a consciência ou o processo de construção da subjetividade da criança

não se resume ao fato de se ter acesso ao seu mundo interno, mas sim em

resgatar o reflexo do mundo externo no mundo interno, ou seja, a interação da

criança com a realidade.

Uma das observações mais interessantes de Vygotsky (1987), foi

admitir que a fala egocêntrica é um estágio do desenvolvimento que precede a

fala interior e que ambas possuem estruturas semelhantes. A fala egocêntrica

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20é, para ele, um meio por intermédio do qual se pode ter acesso a formação

específica da fala interior. A partir dessa abordagem, Vygotsky encontra uma

estratégia para superar as dificuldades do estudo experimental da fala interior.

Comparando a fala interior com a fala exterior, mostra que a fala interior é

regida por uma sintaxe especial que a faz parecer desconexa e incompleta. Ao

observar a fala egocêntrica, esse autor constata que à medida que esta se

desenvolve, revela uma tendência para uma forma de abreviação totalmente

específica, ou seja, a criança omite o sujeito de uma frase e todas as palavras

com ele relacionadas, enquanto mantém o predicado. Esclarece, entretanto,

que o predomínio da predicação é um produto do desenvolvimento. No início, a

fala egocêntrica tem uma estrutura idêntica à fala social, mas no processo de

sua transformação em fala interior torna-se gradualmente menos completa e

coerente e, portanto, regida por uma sintaxe totalmente predicativa. Ressalta,

assim que essa tendência à predicação é, também, a forma sintática

fundamental da fala interior. Mas essa característica não é exclusiva da fala

egocêntrica da criança, aparecendo também na fala exterior, quando os

interlocutores coincidem. Quando isso ocorre, o diálogo apresenta uma sintaxe

simplificada, utilizando-se de um número muito reduzido de palavras, enfim, a

função da fala se reduz ao mínimo.

.

CAPÍTULO II

A LINGUAGEM COMO MEDIADORA ENTRE O SOCIAL E

O INDIVÍDUO NA CONCEITUAÇÃO DE BAKHTIN

Nesse capítulo serão mostradas as categorias básicas da concepção

de linguagem em Bakhtin, a interação verbal cuja realidade fundamental é seu

caráter dialógico. Para ele, toda enunciação é um diálogo; faz parte de um

processo de comunicação que não será interrompido. Não há enunciado

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Conceito de Morte”, a investigação sobre aquisição do conceito de morte em Piaget, assinala que a perspectiva mais lógica

21isolado, todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que

o sucederão: um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podemos ser

compreendido no interior dessa cadeia. Faraco expressa o dialogismo em

Bakhtin da seguinte maneira: “Ele aborda o dito dentro do universo do já-dito;

dentro do fluxo histórico da comunicação; como réplica do já-dito e, ao mesmo

tempo, determinada e já prevista” (FARACO, apud JOBIM E SOUZA, 1994

p.100).

Para Bakhtin, as relações dialógicas são muito particulares e não

podem ser reduzidas as relações que se estabelecem entre as réplicas de um

diálogo real; são, por assim dizer, muito mais ampla, heterogênea e complexa.

Dois enunciados distantes um do outro no tempo e no espaço, quando

confrontados em relação ao seu sentido, quer seja entre os enunciados de um

diálogo real e específico, quer seja no âmbito mais amplo do discurso das

idéias criadas por vários autores ao longo do tempo e em espaços distintos.

Nessa vertente, Segundo Jobim e Souza (1994), Bakhtin desenvolve uma

reflexão original da questão da autoria, a qual gerou vários desdobramentos

para a compreensão do papel do outro, não só na interação verbal, mas

também na comunicação estética.

A questão da autoria é, por assim dizer, um tema essencial na sua

concepção dialógica da linguagem. Para Bakhtin, a palavra não pertence ao

falante unicamente. É certo, diz ele, que o autor (falante) tem seus direitos

inalienáveis em relação à palavra, mas o ouvinte também está presente de

algum modo, assim como todas as vezes que antecederem aquele ato de fala

ressoa na palavra do autor. Afirmando que tudo o que é dito está situado fora

da alma do falante e não pertence somente a ele. O falante não é o Adão

bíblico que nomeia o mundo pela primeira vez. Cada um de nós encontra um

mundo já articulado, elucidado e avaliado de muitos modos diferentes – já –

falado por alguém. Ao usar as palavras para falar sobre um determinado

tópico, encontramos habitados por outras falas de outras pessoas. Segundo

Jobim e Souza (1994), para Bakhtin, a linguagem nunca está completa, ela é

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22uma tarefa, um projeto sempre caminhando e sempre inacabado.

Com base nessas reflexões, Bakhtin afirma que a língua a e palavra

são quase tudo na vida humana e, portanto, uma realidade tão abrangente e

com tantas facetas não pode ser compreendida unicamente, segundo ele, a

lingüística tradicional é incapaz de apreciar a natureza do diálogo. A

especificidade das relações dialógicas precisa de uma abordagem que

considere os aspectos metalingüísticos que constituem qualquer enunciado, e

que não são redutíveis às relações lógicas da língua. Embora as relações

lógicas na língua sejam evidentes e necessárias, elas não esgotam toda a

complexidade presente nas relações dialógicas.

Uma ilustração inteligente e divertida sobre o que acabamos de dizer é

a que nos apresenta Lewis Carroll no diálogo abaixo:

- Eu sempre digo o que penso – respondeu vivamente

Alice.

- Ou, pelo menos, penso que digo... É a mesma coisa,

vocês sabem.

- Não é a mesma coisa, de modo nenhum! – disse o

Chapeleiro. – Se fosse assim, “vejo o que como” seria a

mesma coisa que “como o que vejo”.

- Se fosse assim, “gosto de tudo que tenho” seria a

mesma coisa que “tenho tudo que gosto” – disse a Lebre

de Março.

- Se fosse assim – disse, por sua vez, o Rato Silvestre,

com uma voz de quem está sonhando alto – “respiro

quando durmo” seria a mesma coisa que “durmo quando

respiro”.

- Para você é a mesma coisa, sim – disse o Chapeleiro. E

a conversa morreu. (Lewis Corroll, apud Jobim e Souza,

1994 p. 101).

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23

O jogo de palavras utilizado nesse diálogo interroga a própria língua,

destacando o lugar privilegiado ocupado pelo sentido em qualquer enunciado

verbal. Desse modo, fica evidente que a estrutura formal da língua, por si só, é

inadequada para dar conta do sentido do enunciado. Realismo, humor e

imaginação literária revelam de maneira surpreendente e divertida um dos

pontos principais da concepção teórica de Bakhtin, ou seja, de que as

questões metalingüística são fundamentais na formulação de uma teoria da

linguagem mais abrangente.

No fragmento abaixo, Humpty Dumpty, questiona o pragmatismo de

Alice em relação ao uso da linguagem, destaca uma outra dimensão da língua

a da variabilidade do sentido de uma mesma palavra de acordo com o contexto

em que ocorre. Essa dimensão de acordo com Bakhtin, está, ao mesmo

tempo, oculta e evidente no jogo do diálogo.

Eu não sei o que você quer dizer quando diz “gloria”,

replicou Alice. Humpt Dumpty sorriu com desdém. –

Evidente que você não sabe – até que eu lhe diga. Quer

dizer “há um belo e estrondoso desafio para você! “- Mas

“gloria” não significa “um belo e estrondoso desafio”, Alice

contestou. “Quando uso uma palavra”, disse Humpty

Dumpty – num tom zangado – “ela significa exatamente o

que eu quero que ela signifique – nem mais, nem menos”.

“A questão”, disse Alice, “é se você pode fazer as

palavras significarem tantas coisas diferentes”.

“A questão – disse Humpty Dumpty – é saber qual o

significado mais importante – isto é tudo”. Alice estava

muito intrigada para dizer qualquer coisa... (L.Carroll

apud Jobim e Souza, 1994, p.102).

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24Importa aqui considerar como a criação literária de Lewis Corroll é

capaz de revelar as limitações das teorias lingüísticas mais tradicionais. Esta

como Bakhtin muito propriamente nos diz, não conseguem dar conta da

variabilidade do sentido da palavra.

As relações dialógicas pressupõem a língua como

sistema, mas não existem propriamente no sistema da

língua. Dito de outra forma, as preposições lógicas

podem se contradizer, mas somente as pessoas são

capazes de discordar. Todo enunciado pretende ser justo,

verdadeiro, belo, autêntico etc. O valor do enunciado não

é determinado pela língua, como sistema puramente

lingüístico, mas pelas diversas formas de interação que a

língua estabelece com a realidade, com o sujeito falante e

com outros enunciados, que, por assim dizer, são

verdadeiros, falsos, belos... (Bakhtin apud Jobim e Souza,

1994, p.102).

2.1 Considerações sobre a dialética e a concepção dialógica da

verdade.

Marson & Emerson ( apud Jobim e Souza, 1994), chama a atenção

para o fato de que as relações dialógicas na perspectiva de Bakhtin são,

muitas vezes, interpretadas nas coordenadas da perspectiva dialética,

considerando que essa interpretação é incorreta. Consideramos, entretanto,

que o fundamental é uma compreensão de qual concepção de dialética

Bakhtin, discorda profundamente. Entre a sua concepção dialógica e a

dialética monológica de Hegel. Para Bakhtin, a dialética hegeliana esvazia o

diálogo de sua condição essencial. Em seu trabalho “Delos apuntes de 1970 –

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251971”, Bakhtin afirma de forma sintética:

Diálogo e dialética. Tome o diálogo e remova as

vozes (separação entre as vozes), elimine as entonações

(emocionais e pessoais), e das palavras vivas e das

réplicas se extraem noções e julgamentos abstratos,

introduza tudo na consciência abstrata. O resultado é a

dialética (Bakhtin apud Jobim e Souza, 1994, p.103).

Se na perspectiva dialógica o mundo é um acontecimento vivo, para a

dialética monológica é um contato mecânico de oposição, um contato entre

coisas, mas não entre pessoas. A dialética sistematiza e dá uma forma

acabada ao diálogo, evidenciando uma maneira monológica de pensar a

realidade; esta, evidentemente, contrapõe-se à verdadeira realidade polifônica

que se caracteriza o eterno diálogo da vida. A monologização do pensamento

conduz o diálogo para uma forma vazia, para uma interação sem vida entre as

pessoas.

Bakhtin compara a dialética monológica de Hegel às idéias

dogmáticas que, semelhantes a um peixe dentro de um aquário, tocam o fundo

e as paredes e não conseguem seguir mais profundamente. (Bakhtin apud

Jobim e Souza, 1994).

Algumas formas de conhecimentos expulsam a essencial característica

polifônica da realidade, interpretando de forma incorreta o eterno movimento

do mundo e seu estado permanente de inacabamento. O sentido dialógico da

verdade proposto por Bakhtin se caracteriza pela idéia oposta ao mundo de

conhecimento monológico. Para esse autor, a verdade não se encontra no

interior de uma única pessoa, mas está no processo de interação dialógica

entre pessoas que a procuram coletivamente. Uma das características

fundamentais do dialogismo é conceber, a unidade do mundo nas múltiplas

vozes que participam do diálogo da vida. Melhor dizendo, a unidade do mundo,

na concepção de Bakhtin, é polifônica.

A polifonia é um dos mais instigantes e originais conceitos de Bakhtin.

Esse conceito tem sua origem nos seus estudos da obra de Dostoievsky, autor

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26que Bakhtim descreve como sendo um escritor polifônico por excelência.

(Jobim e Souza, 1994).

2.2 Entoação e apreciação: o encontro da palavra com a vida.

O discurso verbal é diretamente ligado à vida em si e não pode ser

distorcido dela sem perder sua significação. Quando deparamos com um

enunciado do tipo “Eu não acredito mais em você”, percebemos que ele

envolve uma série de critérios (éticos, políticos, cognitivos, afetivos) que levam

em consideração muito mais do que está incluído nos estritamente verbais do

enunciado. São os julgamentos de valor e as avaliações que fazem com que o

discurso verbal se envolva diretamente com a vida, formando com ela uma

unidade indissolúvel. A língua em si, tomada isoladamente, não pode,

naturalmente, ser verdadeira ou falsa, ousada ou tímida. Cada ato de fala não

é só o produto do que é dado, sempre cria algo que nunca existiu antes, algo

absolutamente novo e não repetitivo que se revela na entoação. Ao

destacarmos as próprias conversas cotidianas que ocorrem entre as crianças,

é possível compreender melhor como a entonação é especialmente sensível a

todas as vibrações sociais e efetivas que envolvem o falante e, principalmente,

observar como ela atua constituindo e se integrando ao enunciado como parte

essencial da estrutura de sua significação. O diálogo a seguir, onde ocorre

entre André (cinco anos), Rafaela (seis anos) e um adulto, ilustra esse aspecto

da linguagem.

Rafaela: - Meu pai gosta de ler livro de música. Meu pai é

cantor. Está lá na Espanha. Deu uma boneca espanhola

pra mim. Minha mãe trabalha no hospital Souza Aguiar.

(com certo ar de orgulho sobre o que diz)

Adulto: - E seu pai, André, trabalha em que?1

André: - É... (hesitante) numa fábrica.

Adulto: - Numa fábrica! De quê, André você sabe?

André: - De chicletes. (Entusiasmado André continua)

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27cada dia ele traz quatro caixas para mim.

Adulto: - E sua mãe, André, também trabalha fora?

André: - Trabalha... (Pausa) Numa fábrica de brinquedos.

Minha mãe traz todo dia quatro caminhões pra mim. Ela

trabalha sábado e domingo. Quando minha mãe chega

do trabalho ela me leva em quatro cinemas. Já vi

Trapalhões, Rambo III,...

Rafaela: - Hi! Rambo não podia entrar nem criança!

Esse diálogo, além de ilustrar como os julgamentos de valor estão

presentes nos enunciados, mostra também como à lógica dos desejos infantis

se sobrepõe a lógica do real. Desejos e mentiras brincam nas palavras das

crianças, mas o que imporá observar neste pequeno fragmento é o movimento

das tendências afetivo-volitivas, quer dizer, dos desejos, das necessidades,

dos interesses e das emoções presentes nessa conversa. Portanto, a

compreensão mútua de suas falas depende não apenas da relação afetivo-

emocional que há entre os participantes do diálogo, mas de como essa relação

acontece na entoação.

No diálogo apresentado anteriormente fica evidente como a entoação

permite colocar algo novo no próprio ato de fala, algo que é particular ao

falante, e implica, portanto, sua singularidade. A entoação é, por assim dizer,

testemunha da singularidade da situação dialógica e do particular

direcionamento e responsabilidade dos participantes do diálogo. A experiência

passada dos interlocutores do diálogo é única e, portanto, esse algo novo que

tanto André quanto Rafaela colocam no seu enunciado incluem uma instância

avaliativa que se expressa no seu tom emocional-volitivo e, por isso, a

entoação traz consigo a marca da individualidade sem perder, contudo, sua

dimensão social. Assim, qualquer enunciado se realiza na interdependência da

experiência individual com a pressão permanente de valores sociais que

circulam no contexto do sujeito falante.

Para Bakhtim (apud Jobim e Souza, 1994), a característica

fundamental da entoação é estabelecer uma estreita relação da palavra com o

1 Este diálogo é uma tradução da autora Jobim e Souza (1994, p. 105)

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28contexto extra verbal e, por isso, ela se localiza na fronteira entre o verbal e o

não verbal, do dito e do não dito. A entoação é especialmente sensível a todas

as vibrações da atmosfera social que envolve o falante; na entoação, a palavra

se relaciona com a vida. A situação extra verbal não age sobre o enunciado de

fora, como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua significação.

De acordo com Bakhtin (apud Jobim e Souza, 1994), o contexto extra

verbal do enunciado compreende três fatores: o horizonte espacial comum dos

interlocutores (a unidade do que é visível por eles no momento da interação

verbal); o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos

interlocutores; e a avaliação comum da situação sobre a qual os interlocutores

se expressam. Embora esses fatores permaneçam sem articulação ou

especificação verbal, os enunciados dependem diretamente deles, pois são

eles que dão real sustentação ao que é dito. Isso quer dizer que cada ato de

fala conta com algo que se refere ao horizonte espacial e ideacional dos

falantes e que, portanto, é presumido por eles. É a partir do presumido pelos

falantes na interação verbal que a entonação pode ser compreendida.

A língua, como fato social, supõe para qualquer enunciado um direcionamento,

quer, dizer o fato de orientar-se para um outro. Sem isso um enunciado não

pode existir. Não há diálogo entre elementos abstratos da linguagem, quer

dizer, entre sentenças, mas somente entre pessoas.

Todo enunciado tem um destinatário (de diferentes tipos e de diversos

graus de proximidade). O destinatário é a segunda pessoa do diálogo (não no

sentido aritmético do termo) e o ato de fala é moldado pela compreensão

responsiva dessa segunda pessoa. Mas, adicionalmente à segunda pessoa, há

uma terceira pessoa (novamente não no sentido aritmético) para cada ato de

fala; a ela, Bakhtin chama de destinatário superior. O destinatário superior é

aquele que antecipa a compreensão de um enunciado quer dizer, prevê sua

compreensão, num espaço metafísico ou num tempo historicamente distante.

Bakhtin (apud Jobim e Souza, 1994), justifica a existência desse destinatário

superior porque, para ele, o autor ou falante nunca pode entregar toda a

responsabilidade do julgamento de sua obra discursiva à vontade livre de

destinatários existentes e próximos. Por isso supõe, com maior ou menor grau

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29de consciência, certa instância superior na compreensão de sua obra,

instância essa que pode localizar-se em diversas direções. Nesse sentido,

cada diálogo se efetua como se existisse um fundo de compreensão resposta

de um terceiro que presencia (o diálogo) de forma invisível e que está acima de

todos os participantes do diálogo.

Interação verbal, consciência e ideologia, destacando o valor da fala. A

fala, condição de comunicação e as estruturas sociais estão indissoluvelmente

ligadas. Segundo Jobim e Souza (1994), para Bakhtin tanto o conteúdo a

exprimir quanto sua objetivação externa são criadas a partir de um único e

mesmo material – a expressão semiótica. Não existe, portanto, atividade

mental sem expressão semiótica. Isso significa admitir que o centro

organizador e formador da atividade mental não estão no interior do sujeito,

mais fora dele, na própria interação verbal. Acrescenta, ainda, que não é a

atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão

que organiza a atividade mental, que modela e determina sua orientação; não

é tanto a expressão que se adapta as possibilidades de nossa expressão, aos

seus caminhos e as suas orientações possíveis. Nas palavras de Pedro (quatro

anos), isso se evidencia da seguinte maneira:

(Adulto) – Mas eu queria te fazer mais uma pergunta.

(Pedro) – Qual é?

(Adulto) – Como é tua escola?

(Pedro) – Ah, isso é difícil de explicar, não dá para

explicar.

(Adulto) – Mas você gosta da escola?

(Pedro) – Às vezes sim, às vezes não.

(Adulto) – Qual vez você gosta da escola?2

(Pedro) – Qualquer vez você eu gosto, qualquer vez eu

não gosto! (impaciente)

(Adulto) – Mas o que você gosta na escola?

(Pedro) – Isso que eu falei. Mas vamos gravar as

musicas²

2 Este diálogo é parte de uma conversa gravada no ambiente familiar entre Pedro e sua mãe

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30Nesse diálogo podemos observar a dificuldade vivenciada por Pedro

para encontrar as palavras que expressam adequadamente seus sentimentos

mais íntimos em relação à escola. Seu mundo interior busca se adaptar as

possibilidades de sua expressão, mas não para expressar e dar forma aos

seus sentimentos. Contudo, Bakhtin ressalta que ao expressarmos nossa

compreensão sobre qualquer tema para uma outra pessoa, nossa palavra

retorna sempre modificada para o interior do nosso pensamento. Quanto mais

falo e expresso minhas idéias, tanto melhor as formulo no interior de meu

pensamento. O aperfeiçoamento, a diferenciação e o aprimoramento de

qualquer conteúdo ideológico ocorrem no processo de expressão e

externalização desses conteúdos na interação verbal. Desse modo, Pedro, ao

dizer: “Ah, isto é difícil de explicar, não dá para explicar”, verbaliza um

enunciado que nega saber sobre si, mas, pela própria negação, encontra uma

forma para estruturar sua vivência interior que, embora difusa, começa a

conquistar certa concretude na palavra. Fora de sua objetivação, de sua

realização num material determinado (gesto, palavra, grito etc.), a consciência

é pura ficção. Contudo uma vez materializada, a expressão exerce um efeito

reversivo sobre a atividade mental; ela põe-se então a estruturar a vida interior,

a dar-lhe uma expressão ainda mais definida e estável.

Com isso Bakhtin afirma que, a atividade mental do sujeito, assim como sua

expressão exterior, se constitui a partir do território social. Em conseqüência,

todo o itinerário que leva a atividade mental (conteúdo a exprimir) à sua

objetivação externa (enunciação) situa-se completamente em território social.

A personalidade que se exprime revela-se um produto total da inter-relação

social. Isso significa que, na perspectiva de Bakhtin, qualquer que seja a

enunciação, mesmo a expressão verbal de uma necessidade qualquer, é, na

sua totalidade, socialmente dirigida.

Ora, tanto Bakhtin quanto Vygotsky destacam o valor fundamental da

palavra como o modo mais puro de interação social. Mas, se para Vygotsky o

significado da palavra é a chave da compreensão da unidade dialética entre

pensamento e linguagem e, como conseqüência, da constituição da

consciência e da subjetividade, para Bakhtin, a palavra, além de instrumento

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31da consciência, é, também, espaço privilegiado da criação ideológica (Jobim e

Souza, 1994).

Segundo Jobim e Souza (1994), para Bakhtin é no fluxo da interação

verbal que a palavra se transforma e ganha diferentes significados, de acordo

com o contexto em que surge, sua realização como signo ideológico está no

próprio caráter dinâmico da realidade dialógica das interações sociais. O

diálogo revela-se uma forma de ligação entre a linguagem e a vida, permitindo

que a palavra seja o próprio espaço no qual se confrontam os valores sociais

contraditórios. Esses conflitos dinamizam o processo de transformação social,

o qual irá refletir-se irremediavelmente na evolução semântica da língua. Cabe

ressaltar, contudo, que a evolução semântica da língua é abordada, em cada

um desses autores, a partir de ênfases distintas: Vygotsky trabalha a evolução

semântica da língua tendo como referência as transformações do significado

da palavra ao longo do desenvolvimento do sujeito; Bakhtin amplia essa

perspectiva, tratando de desvendar a evolução semântica da língua partindo do

confronto ideológico dos valores sociais contraditórios ao longo da história

social humana.

De modo geral, o que a de comum entre esses dois autores é a busca

de um elo dinamizador das transformações sociais, que passa,

necessariamente, por situar a linguagem, na sua acepção dialógica, como

catalisadora dessa mediação. Entretanto, enquanto Vygotsky destaca o

significado da língua ao longo do desenvolvimento da criança, a preocupação

de Bakhtin é situar a palavra no amplo conjunto de texto veiculado pelo diálogo

e que refletem a estrutura simbólica de uma determinada cultura.

Seu interesse é incluir, no âmbito de sua análise, o mecanismo

específico pelo qual o contexto ideológico exerce uma influência constante

sobre a consciência individual e vice-versa.

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32

CAPÍTULO III

CONCEITO DE MORTE

Vida e morte não são, para nós humanos, simples acontecimentos

biológicos, as coisas aparecem e desaparecem, os animais começam e

acabam, somente o ser humano vive e morre, isto é, existe. Vida e morte são

acontecimentos simbólicos, são significações, possuem sentidos e fazem

sentidos. Assim, morrer é um ato solitário. Morre-se só: a essência da morte é

a solidão. O morto parte sozinho; os vivos ficam sozinhos ao perdê-lo. Restam

saudade e recordação.

A morte constitui ainda um tabu em nossa sociedade, a despeito de

fazer parte do desenvolvimento do homem. Apesar de o tema ter despertado

interesse nas áreas do conhecimento, isso não miniminiza ou reduz os efeitos

que as idéias construídas em torno da morte têm causado no homem, em

diferentes estágios de seu ciclo de vida. A morte é, pois, tema tão antigo

quanto o homem. Chauí (2000).

Sendo então o conceito de morte ainda um tabu, se os adultos têm

dificuldades de falar e reconhecer os aspectos da morte, como falar sobre a

morte às crianças? Esta é uma preocupação daqueles que lidam com crianças.

O adulto, em geral, não só adota a atitude de negar a explicação sobre a

morte, como também tenta muitas vezes, afastá-la magicamente. Com este

procedimento, procura-se minimizar o significado que a morte pode ter como

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33uma força ativa no desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança.

Entretanto, essa negação ou este silêncio em torno da morte em nada ajuda

no desenvolvimento da criança. Ao contrário, quando se tenta manter esta

atitude geral de negação, o crescimento da criança tende a ser prejudicado. A

maneira de abordar o tema deve estar de acordo com o nível de compreensão

das crianças. (Torres apud Papalia e Olds, 1981).

É importante pensar o tema da morte tomando como referência o olhar

da criança. Sabe-se que contrariamente ao que se espera, aqueles que estão

em volta de uma criança são pessoas que, por não conhecerem o psiquismo

infantil, dificultam através da linguagem o entendimento e o próprio processo

de luto frente à perda de pessoas ou animais queridos. Por não conseguirem

admitir a idéia da morte em suas vidas, consideram a criança despreparada

para tal enfrentamento.

O homem tem criado formas de reduzir sua angústia e medo frente à

morte, através de desenvolvimento de pensamento assentados numa visão de

encontro pós-morte, de ressurgimento em outra espécie ou, diferentemente,

tentando negar à única certeza da vida, a morte.

Segundo Morim (apud Célia Maria, 2006), é nas atividades e crenças diante da

morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental. A morte,

segundo o mesmo autor, permanece como um grande mistério para o homem.

Este prefere ignorá-la ou contemplá-la, por vezes, indo ao seu encontro.

Como foi dito antes, o homem busca se iludir, negando a morte na sociedade

atual. Os adultos preferem aproveitar a vida; a tecnologia leva à longevidade.

Muitas vezes, a morte passa a ser vista como um fato exclusivamente

biológico, distanciando-se do seu aspecto profundamente humano.

No dizer de Áriès (apud Célia Maria, 2006), existe uma dimensão

“clandestina” para a “expressão” da morte na sociedade contemporânea. No

mundo ocidental, o consumismo não pode pactuar com a morte. Quem pensa

na morte não procura comprar nem capitalizar. A morte é, pois, a certeza de

que o homem volta as costas, procurando deixar este enigma para ser

desvendado não se sabe quando.

O significado da morte vem sofrendo influências históricas e culturais

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34ao longo do tempo. Da mesma forma, os ritos a ela relacionados variam de

acordo com a história de um povo e sua cultura. O homem tem procurado

mecanismos que garantam afastar a morte de seu cotidiano, mediante

cuidados com a saúde física, evitando ou se protegendo contra os riscos da

morte antecipada, ao se expor à situação de muita vulnerabilidade como a

locais perigosos. Não é incomum que se procure evitar o assunto através da

utilização de brincadeiras e piadas em torno da morte, ou ainda, uma rápida e

perceptível fuga dos ambientes, em que se fala da morte e do morrer, como:

se não falar da morte possa driblá-la, afastando-a.

Assim, torna-se freqüente as pessoas evitarem falar sobre a morte.

Não é de se estranhar que adultos, pais e familiares tentem “proteger” uma

criança da situação que envolve falar sobre a morte ou ver a concretude da

morte através do corpo inerte de um ente querido.

O adulto, de modo geral, não só adota uma atividade de negação em relação à

necessidade de comunicar a morte à criança, mas vai além, tentando afastá-la

da situação, esta atitude se associa a três suposições básicas:

1) a de que a criança não compreende a morte;

2) a de que só os adultos compreendem a morte;

3) a de que os fenômenos relacionados com a morte são prejudiciais à

criança.

Ou seja, de acordo com essas suposições, as crianças são tidas como

inocentes no reino da morte, e as influências são vista como um mundo as

quais as duras realidades não devem ser introduzidas. Esta atitude se reflete

na psicologia, onde até bem pouco tempo poucas teorias ou livros sobre o

desenvolvimento consideravam a morte como uma preocupação cultural da

infância. Só mais recentemente psicólogos vêm enfatizando a importância do

significado da morte no desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança,

chamando atenção para o fato de que silenciar sobre o tema da morte diante

da criança em vez de ajudar prejudica seu crescimento. Para citar apenas um

exemplo, Assumpção (1994) apresenta trabalhos de Adah Maurer, para quem

a pergunta “de onde vêm os bebês?” não é de forma alguma uma pergunta

sobre a sexualidade adulta e sim uma pergunta profundamente religiosa e

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35filosófica sobre a não-existência, ainda para esta autora, o conceito de infinito

é gratificante porque o equacionamos com a idéia de imortalidade. Por isso as

crianças falam em milhões, trilhões etc, pois tais números são para elas mais

fascinantes do que os menores.

Tentando explicar e responder às idéias das crianças sobre a morte

parece ser muito melhor do que permitir que medos mágicos e não explicitados

atuem em sua imaginação.

Se a abordagem da morte com criança pode ser vista como um fator facilitador

para o seu desenvolvimento, o silêncio em relação à morte pode vir a ser

causa de atraso ou até de perturbações graves neste mesmo

desenvolvimento.

As repercussões deste silêncio se fazem sentir no curso do desenvolvimento,

sobretudo quando ocorre uma morte, e esta não é explicitamente comunicada

à criança. Distúrbios de aprendizagem, fracasso escolar, fobias, tiques são

comuns em crianças que passaram por esta experiência da não comunicação

da morte. Do ponto de vista cognitivo, é preciso ressaltar, como o fez Piaget há

40 anos, que o encontro da criança com a idéia da morte desempenha um

papel importante no desenvolvimento intelectual. A idéia da morte põe a

curiosidade da criança em movimento, porque para ela, nas primeiras idades,

toda causa está ligada a um motivo ou interação de um inventor. A morte

intriga porque não cabe no tipo de explicação que ela dá para todas as coisas.

É um fenômeno misterioso por excelência. Por isso, nas perguntas sobre

plantas, animais e corpos humanos, segundo Assumpção (1994), Piaget

aponta as que concernem à morte que levarão a criança a ultrapassar o

estágio do desenvolvimento.

Em sua pesquisa, realizada em 1940, ampliada e republicada em

1972, estudou a relação entre desenvolvimento do pensamento e conceito de

morte, ampliando e aprofundando as concepções de Piaget. Mostra como a

criança progride realizando uma série de descobertas, e ao estabelecer a

relação entre morte e humanidade como uma categoria na qual ela mesma

está incluída, atinge o máximo de seu desenvolvimento.

Do ponto de vista afetivo, o medo da morte pode ser considerado um

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36medo básico e universal, na medida em que a criança bem cedo percebe que

tem um corpo e que este é falível e morre e por isso mesmo todas as etapas

do desenvolvimento podem ser entendidas como forma de protesto contra a

morte.

Portanto, estas reflexões nos mostram como as etapas do

desenvolvimento afetivo - emocional estão intimamente ligadas à luta contra a

morte, e como este desenvolvimento vai depender da elaboração da ausência

do outro, única forma possível de se elaborar a própria morte. As implicações

práticas desta formulação são óbvias, toda prática terapêutica deve se ampliar

a partir desta compreensão.

Através de pesquisas piagetianas, Torres (1979) nos mostra que as

crianças entre 4 e 13 anos foram classificadas em três níveis de

desenvolvimento cognitivo: pré-operacional (PO), operacional concreto (OC) e

operacional formal (OF). Os três níveis de conceito de morte, correspondentes

aos três níveis de desenvolvimento cognitivo e apontam para um

desenvolvimento gradual do conceito de morte, que se inicia por uma etapa em

que a criança equaciona morte com um estágio temporário, admitindo o

funcionamento biológico do morto, e evolui até chegar a conceber a morte

como definitiva, envolvendo a cessação das funções biológicas.

No nível 1, as crianças, embora não neguem a morte, são incapazes

de separá-la da vida. Admitem vida na morte, quer atribuir a fatores externos a

impossibilidade de o morto realizar atividade ou ter sensibilidade. Também não

compreende a morte como processo definitivo e irreversível, mencionando

modos pelo qual o morto poderá tornar a viver.

No nível 2, as crianças já fazem oposição entre vida e morte e não

mais atribuem vida e consciência ao morto. Definem a morte a partir de

aspectos perceptivos, reconhecendo sobretudo a imobilidade do morto.

Entretanto, ainda não são capazes de estabelecer generalizações e de dar

explicações biologicamente essenciais.

No nível 3, as explicações são amplas, envolvendo generalizações ou

enfoque na paralisação de órgãos essenciais.

A hipótese de diferenças culturais explica até certo ponto a

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37discrepância na evolução do conceito. Segundo Torres (1979), na perspectiva

teórica de Piaget o egocentrismo desempenha um papel não somente no

nascimento mias também na formação da criança.

Cabe lembrar que, considerando-se a forte relação entre o nível de

desenvolvimento cognitivo e a conceituação da morte, a abordagem do tema

com a criança requer que se respeite, tanto quanto possível, a sua capacidade

de abstração. O processo de aprendizagem do que representa a morte deverá,

dessa maneira, ocorrer em etapas graduais, de acordo com a capacidade

intelectual e emocional da criança (Torres, 1979).

Observa-se a influência das experiências que está presente em todas

as crianças, através dos meios de comunicação e através das crenças que são

transmitidas pela cultura e explicada no discurso dos pais. São fatores que

influenciam nas concepções de morte para crianças.

Para Vygotsky (1984) a consciência individual é, portanto, um fato

social e ideológico. O mundo que se revela, para a criança se dá pelos

discursos que ela assimila, formando seu repertório de vida. Pelo fato de a

consciência ser determinada socialmente não se pode inferir que a criança

seja meramente reprodutiva, o que se ressalta é, portanto, a criatividade do

sujeito: é influenciada pelo meio, mas se volta sobre ele para transformá-lo. A

criança é socialmente determinada pelas condições sociais e econômicas.

Portanto, a palavra não é só meio de comunicação, mas também conteúdo da

própria atividade psíquica. A inter-relação pensamento e linguagem, suas

raízes genéticas, natureza do processo de desenvolvimento da criança e o

papel da instrução no desenvolvimento, ele parte do pressuposto de que a

linguagem é constituidora do sujeito na relação do pensamento, chave para a

compreensão da natureza da consciência. Assim, a unidade do pensamento

verbal está no significado das palavras.

Se o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala,

então é nele que está à unidade do pensamento verbal, são formações

dinâmicas e não estáticas, suas modificações são percebidas com o

desenvolvimento da criança e também com as várias formas pelas quais o

pensamento funciona, na interação da criança com a realidade da morte.

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38Do ponto de vista social, a morte seria um rompimento irreversível do

sujeito com os grupos dos quais participa e, consequentemente, com o

cumprimento dos papéis por ele assumidos pela finitude de sua própria

natureza biológica.

Dessa maneira, as formas estereotipadas no discurso da vida cotidiana

respondem por um discurso social que as consolidam, refletindo, assim,

ideologicamente a composição social do grupo. Segundo Bakhtin ( apud Jobim

e Souza, 1994), a palavra é o fenômeno ideológico por excelência ou todo

signo é ideológico. Por essa razão, que a maioria das pessoas sente

ansiedade a respeito da morte. Durante a vida toda elas tratam de suas

ansiedades através de canções, piadas e jogos em relação à morte, os

preconceitos que se afloram nada mais são do que exercício constante dos

elementos culturais desse grupo social.

Assim, a atividade mental da criança e sua expressão exterior se

constituirão a partir do território social. Em conseqüência todo o itinerário que

leva a atividade mental (conteúdo a exprimir), à sua objetivação externa

(enunciação), situa-se completamente em território social. Tendo na vivência

das experiências de cada indivíduo (criança) um produto da inter-relação social

desses sujeitos em relação à morte, que transita em nosso contexto social,

definindo valores, que serão apreendidos pela criança no discurso do “outro”,

como forma cristalizada e estereotipada sobre a morte.

3.1: O Psicólogo diante do fenômeno da morte

O Psicopedagogo é um profissional que trabalha com a

interdisciplinaridade, junção de varias disciplinas para se pensar uma temática.

O especialista da psicopedagogia lida todos os dias com o sujeito da

aprendizagem.

A tarefa do Psicopedagogo é refletir sobre as dificuldades de

aprendizagem, tanto no nível preventivo como no nível curativo, sendo assim

atua tanto na esfera institucional como na área clínica.

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39Na instituição o Psicopedagogo tem como meta organizar o que está

desorganizado. É nesse espaço da instituição que o Psicopedagogo dialoga

com professores, equipe pedagógica, pais e educandos, fazendo diagnósticos

e intervindo quando necessário.

Na clínica o Psicopedagogo tem como objetivos diagnosticar e tratar

patologias que estão gerando insucesso ou fracasso escolar. O

Psicopedagogo que atua na área clínica tenta na sua intervenção criar um

ambiente acolhedor e propicio para que o sujeito possa sentir o gosto pelo

aprender e pelos objetos do conhecimento, bem como ressignificar o desejo

pelo aprender, observando assim o que o sujeito tem de positivo, tese

defendida pela Psicopedagoga Argentina Alicia Fernández, em seu livro “A

Inteligência Aprisionada”.

Defende-se aqui que o Psicopedagogo deve estar atento e conhecer o

que significa o fenômeno da morte, pois segundo o pai da Psicanálise Sigmund

Freud, em seu texto “Luto e Melancolia”, a perda de um ente querido pode

ocasionar a perda de desejo pelas coisas externas.

Sabendo que a morte é um fenômeno que anda lado a lado com os

humanos.

Conclui-se que dia menos dia o Psicopedagogo irá se deparar em seu

consultório ou em sua sala da instituição escolar com sujeitos apresentando

dificuldades de aprendizagem causadas pela perda de um ente querido. No

entanto diante desse argumento o que deve fazer o Psicopedagogo diante da

questão da morte?

O Psicopedagogo deve observar na sua escuta clínica a queixa

relatada no momento do primeiro contato. Feito esse procedimento, o

especialista deverá pesquisar sobre o tema da morte para só depois dar inicio

as sessões de diagnóstico que começa com a entrevista familiar e com a

anamnese, visando conhecer a história do sujeito.

O diagnóstico é o passo inicial do tratamento psicopedagógico, nele a

queixa pode ser confirmada, ou seja, os dados fornecidos pelo responsável

legal e escola podem ser checados. O diagnóstico é um dos instrumentos

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40mais importantes do Psicopedagogo, pois “não é o paciente que necessita de

um diagnóstico, mas o terapeuta, para poder intervir” (FERNÁNDEZ, 1991: 23).

Ainda dentro das sessões de diagnóstico o Psicopedagogo aplicará

outros procedimentos tais como: entrevista operativa centrada na

aprendizagem (EOCA); provas projetivas; provas piagetianas ou operatórias;

hora lúdica; análise do material escolar; provas pedagógicas e visitas a escola.

Percorridas todas essas etapas exemplificadas no parágrafo anterior

que servem para a montagem do diagnóstico, deve-se pensar na devolutiva

com o sujeito e depois com os responsáveis, já pensando no enquadramento

das sessões de intervenção.

Para a intervenção faz-se necessário que o Psicopedagogo crie um

planejamento destacando os objetivos que se deseja atingir. O planejamento

deve ser composto por conteúdos que se pensa em trabalhar para disparar a

aprendizagem, a metodologia adequada à idade do sujeito e por fim uma

avaliação para rever os avanços alcançados na aprendizagem durante a

execução do planejamento de intervenção.

Na instituição escolar o Psicopedagogo poderá realizar um trabalho de

conscientização envolvendo os discentes para juntos refletirem sobre a morte,

ressaltando que é importante buscar a cooperação de todos os docentes da

instituição.

Na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I vem dos Pedagogos,

e no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e Médio é provinda dos Professores

do Ensino Religioso, para discutir a temática da morte na vida dos humanos,

assim como compreender o fenômeno da morte nas várias culturas e tradições

religiosas.

O Professor do Ensino Religioso, segundo os Parâmetros Curriculares

Nacionais dessa disciplina deve apresentar ou ministrar o tema da morte,

contemplados nos eixos temáticos Teologias e Ritos.

Se os Pedagogos não souberem lidar com a questão da morte, devido

a sua complexidade e por este tema não fazer parte da sua formação

acadêmica, o Psicopedagogo deverá ser o mediador e desenvolver temáticas

sobre o assunto bem como administrar projetos interdisciplinares sobre o

Page 41: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Conceito de Morte”, a investigação sobre aquisição do conceito de morte em Piaget, assinala que a perspectiva mais lógica

41fenômeno da morte, sem esquecer jamais as etapas do desenvolvimento

cognitivo e social em que os sujeitos se encontram.

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42

CONCLUSÃO

Ao se aproximar dos 24 meses a criança estará desenvolvendo

ativamente a linguagem, o que lhe dará possibilidade de, além de utilizar a

inteligência prática decorrente dos esquemas sensoriais motores formado na

fase anterior, inicia a capacidade de representar, formar esquemas simbólicos.

Teremos, então, uma criança que no nível comportamental atuará de

modo lógico e coerente, em função dos esquemas sensoriais motores

adquiridos na fase anterior, e que ao nível de entendimento da realidade estará

em adaptação, em função da ausência de esquemas conceituais.

Portanto, desde o nascimento, o aprendizado da criança está

relacionado ao desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente

organizadas. É o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos

de desenvolvimento que, se não fosse o contato do indivíduo com o ambiente

cultural, não ocorreriam.

O significado das palavras evolui, são formações dinâmicas e não

estáticas, sua modificação percebe-se com o desenvolvimento da criança e

também com as várias formas pela qual o pensamento funciona. Tendo uma

unidade garantida pela centralidade da linguagem, cujo método de análise é a

dialética. É o princípio constituído da linguagem, o que quer dizer que toda vida

da linguagem, está impregnada de relações dialógicas, com destaque ao

caráter coletivo, social da produção de idéias. O humano não existe isolado,

sua experiência de vida, entrecruza-se e interpenetra com o outro. Em

linguagem bakhtiana, “a noção do eu nunca é individual, mas social”.

De acordo com o desenvolvimento cognitivo, em geral, parece que as

crianças saudáveis têm o conceito de morte entre os 5 e 7 anos, visto que é

nesta idade que, a maior parte delas, fazem a transição do pensamento pré-

operacional para o operacional concreto. Entretanto, a cultura pode exercer

influência na formação de vários conceitos e do conceito de morte em

particular, podendo desenvolver formas modeladoras e estereotipadas, sobre a

morte ditada pelo social.

A psicopedagogia tem um papel importante a desempenhar nesta

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Conceito de Morte”, a investigação sobre aquisição do conceito de morte em Piaget, assinala que a perspectiva mais lógica

43problemática: compreender a morte como um fenômeno inerente a vida dos

sujeitos e sabendo que este pode causar dificuldades na aprendizagem,

propiciar ao indivíduo um olhar menos cristalizado, menos pré-concebido,

respeitando o desenvolvimento cognitivo e a linguagem verbal como exercício

social e a palavra como mediadora entre o social e o indivíduo.

O papel da família também é importante, a comunicação nos

momentos de luto, é fundamental. A dor não compartilhada é pior, não ajuda

em nada se enclausurar na dor. A criança espera orientação dos pais que na

maioria dos casos não é dada. Isso é prejudicial à criança, porque ela poderá

estar alimentando sentimentos de culpa, dúvidas e medos que, sem a ajuda

dos pais, ficarão sem solução. É preciso conversar, os pais acham que

conversar sobre a morte vai amedrontar a criança. Mas é muito importante

falar abertamente com ela e não fazer de conta que a criança não entende.

A psicopedagogia pode ampliar esse diálogo de maneira que as

famílias sejam orientadas para juntos, pais e filhos, conversem sobre o tema

da morte e compartilhem a dor de uma forma positiva para todos,

proporcionando um clima descontraído de conforto, suavizando a dor e as

ansiedades e possibilitando a elaboração satisfatória sobre a ocorrência

inevitável da morte.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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44

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