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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA DELAÇÃO PREMIADA: CONTROVÉRSIAS SOBRE SUA APLICAÇÃO NA LEI 9.034/95 Por: Fátima del Pilar Fernandez Mendes Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DELAÇÃO PREMIADA: CONTROVÉRSIAS SOBRE SUA

APLICAÇÃO NA LEI 9.034/95

Por: Fátima del Pilar Fernandez Mendes

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DELAÇÃO PREMIADA: CONTROVÉRSIAS SOBRE SUA

APLICAÇÃO NA LEI 9.034/95

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Fátima del Pilar Fernandez Mendes

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AGRADECIMENTOS

A DEUS pela oportunidade e

privilégio de compartilhar tamanha

experiência e crescimento

profissional. À FAMÍLIA pelo apoio,

por ter me proporcionado a alegria

de poder fazer crescer meus

conhecimentos quanto a direitos e

obrigações de todos. Pelo carinho,

amizade, amor. AO PROFESSOR E

ORIENTADOR Francis Rajzman

pelo incentivo, simpatia e presteza

nos auxílios às atividades sobre o

andamento desta Monografia. AOS

COLEGAS de classe, em especial

AMIGA Rita de Cássia Garcia, pela

ajuda, troca de ideias para

elaboração do trabalho, numa

demonstração de amizade e

solidariedade. AOS DEMAIS

PROFESSORES,

COORDENADORES E

FUNCIONÁRIOS DO AVM por toda

atenção, simpatia e respeito.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu pai, mãe,

irmã e avós, que sempre estiveram ao

meu lado, acreditando na minha

capacidade e me dando apoio e força

para nunca desistir dos meus objetivos e

sonhos.

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RESUMO

O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de traçar um estudo sobre o

instituto da Delação Premiada, seu conceito, natureza jurídica. Examinaremos

as leis ordinárias penais brasileiras que dispõe sobre o benefício, sobretudo a

Lei 9.034/95, que traz os crimes praticados por organizações criminosas.

Atualmente, a evolução tecnológica acabou por auxiliar a atuação dessas

organizações, que, mais complexas, dificultaram o trabalho da polícia e a real

solução desses crimes. Então será visto o conceito de organização criminosa,

suas principais características, os mecanismos utilizados em seu combate, nos

quais a Delação Premiada tem se destacado. Esta é uma medida de política

criminal utilizada pelo Estado, que apesar de ser ainda muito criticada por

vários estudiosos do Direito Penal, não se pode negar que é uma forma eficaz

de combate à criminalidade organizada. Isto se denotará com a exposição dos

argumentos favoráveis e contrários à utilização da Delação Premiada, além de

casos reais ocorridos em nosso país que demonstram que, beneficiando o

acusado que confessa e auxilia o Estado com informações, talvez seja o único

meio de desmantelar organizações criminosas perigosas.

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METODOLOGIA

O presente trabalho monográfico visa analisar as controvérsias na

aplicação do instituto da delação premiada na legislação pátria, sobretudo nos

crimes praticados por organizações criminosas.

Para tanto, o trabalho será desenvolvido a partir da pesquisa

bibliográfica em livros anteriormente publicados, de doutrinadores que tratam

do tema em estudo, a serem realizadas em bibliotecas.

A pesquisa pretende também observar a realidade do país frente às

organizações criminosas, citando casos do cotidiano. Além disso, a pesquisa

terá cunho do que é o crime organizado, como ele tem se apresentado nos

dias de hoje, bem como das dificuldades enfrentadas pelos poderes Executivo

e Judiciário no combate a tais delitos. A explicação dos motivos que tem

levado o Estado a se socorrer da delação premiada nesses casos.

No mais serão realizadas pesquisas na internet sobre o tema, por

exemplo, em trabalhos monográficos já efetuados e em acordo com o assunto

ora tratado, sítios de nossos Tribunais Superiores, onde serão colhidas

jurisprudências atuais do tema e por fim, serão realizadas pesquisas em

periódicos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Da Delação Premiada 11

CAPÍTULO II - Do Crime Organizado 22

CAPÍTULO III – Controvérsias acerca da utilização do instituto da Delação

Premiada 37

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 49

ÍNDICE 53

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo apresentar estudos

relacionados à área de Direito Penal, mais especificamente sobre as

controvérsias da aplicação do instituto da delação premiada na legislação

pátria, sobretudo nos crimes praticados por organizações criminosas.

A pesquisa se justifica na importância do tema na atualidade. É um

assunto que vem sendo pensado por nossos tribunais e aplicadores do Direito,

sendo de grande relevância seu entendimento e análise por parte desses e da

própria sociedade.

Como dito, é um tema atual, tendo em vista o crescimento

intolerável de crimes praticados por organizações criminosas, corroborado pela

globalização, sobretudo a larga utilização da internet e crescente quantidade

de acordos firmados internacionalmente.

Diante disso faz-se necessário o estudo acerca da aplicação da

Delação Premiada aos réus que colaboram com a Justiça, com o Estado, no

desmantelamento das organizações criminosas. Isto, pelo estudo das

controvérsias na sua aplicação, sobre se fere princípios que regem o Direito

Penal, Processo Penal, Constitucional e se é o melhor meio de combate ao

crime organizado.

A razão da pesquisa sobre o instituto da Delação Premiada então, é

exatamente o fato de o tema estar em voga, de se estudar o nível em que se

encontra a prática de crimes organizados nos dias de hoje e a efetividade ou

não de sua aplicação, pelo Estado, no combate a tais crimes.

Como dito, o objeto de estudo será a aplicação da Delação

Premiada na Legislação Brasileira. Partirá de uma análise da origem do

benefício em nosso país, para uma discussão acerca das diferenças de sua

utilização em cada lei que prevê sua aplicabilidade, em especial como é

aplicada ao crime organizado, tendo em vista a atualidade do tema, cuja

compreensão é de suma importância.

O limite temporal alcança desde a origem (a primeira previsão) da

Delação Premiada em nossa Legislação até as variadas previsões hoje

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existentes em Leis Ordinárias Especiais, especificamente na Lei 9.034/95. Já o

limite geográfico da pesquisa é a aplicação da Delação Premiada no território

Brasileiro, em especial nos crimes organizados praticados no Brasil.

Num primeiro momento do estudo, faz-se necessária a

apresentação de um conceito de delação premiada, a origem em nossos

ordenamentos jurídicos. Será apresentada a evolução histórica da utilização do

benefício da delação premiada no Brasil, bem como a evolução nas previsões

legislativas.

O principal aspecto a ser analisado nessa primeira parte do trabalho

é a natureza jurídica da delação premiada, sua função de ajudar ao Direito e

Processo Penal. Será visto que a delação premiada é tida muitas vezes como

meio de prova no processo penal, muito embora não se confunde com outros

institutos de Direito Penal, que serão mais adiante diferenciados.

Vai-se notar que não há no Código de Processo Penal nenhum

dispositivo que regule a delação premiada, apesar de ser a mesma prevista em

várias leis especiais que serão listadas para análise no primeiro capítulo do

trabalho, mas claro que será dado maior enfoque na previsão do instituto

benéfico na lei de crimes praticados por organizações criminosas (Lei nº

9.034/95). No entanto, pela diferença em como a delação é aplicada a cada

uma dessas leis, é possível notar controvérsias acerca de sua utilização como

prova, por exemplo, no processo penal, bem como de seus efeitos com relação

a cada delito praticado.

No segundo capítulo, se estudará os crimes organizados. O conceito

de organização criminosa, suas características, como as novas tecnologias

favoreceram a prática de delitos por essas organizações, bem como o modo

com que os diplomas legais brasileiros respondem à criminalidade organizada:

os métodos e aspectos legais e processuais utilizados pela polícia, pelo

Ministério Público na perseguição a esses criminosos.

Por último, no terceiro momento do trabalho, será analisada a

constitucionalidade do benefício da delação premiada, se ele respeita os

princípios constitucionais e processuais penais, se respeita a ética e a moral

como vistas pela sociedade.

Serão analisados os argumentos de dois lados: o que está a favor

da utilização da delação premiada na persecução de criminosos que agem de

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forma organizada, por ser às vezes a única forma que se apresenta viável e

eficaz na solução dos conflitos.

E o lado contra essa utilização, por acreditar ser inconstitucional por

violar os princípios da ética, da moral e de nosso ordenamento jurídico, eis que

seria um modo de aceitar e valorizar a traição (atitude condenada pela

sociedade em geral), ao se conceder prêmio aos criminosos que de alguma

forma delataram o crime e seus comparsas à polícia. Desta forma, um dos

vários princípios que serão estudados e que seria desrespeitado pela utilização

do instituto, é o princípio da Unidade da Pena.

Sendo assim, ver-se-á que independente de tais controvérsias,

diante do crescimento sem freios de delitos cometidos por organizações

criminosas, o fato é que prêmios de redução de pena ou até mesmo perdão

judicial ao réu colaborador tem sido um fator determinante na ajuda ao

combate desses tipos de crimes. No Brasil, cada vez mais essa alternativa tem

sido utilizada, na tentativa de frear a atuação de organizações criminosas que

têm se mostrado cada vez mais especializadas e difíceis de serem

controladas, sobretudo auxiliadas pela Globalização.

CAPÍTULO I

DA DELAÇÃO PREMIADA

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1.1 – Conceito

A delação premiada tem previsão em diversas leis ordinárias

especiais, entre elas a Lei nº 9.034/95, objeto de estudo deste trabalho. Faz-se

necessária antes de tudo a análise do conceito de delação premiada, bem

como a diferença desse conceito em relação a outros benefícios previstos em

nosso Código Penal de 1940.

Segundo o dicionário Aurélio, delação1 significa o ato de delatar;

denúncia. O verbo delatar, por sua vez, significa “denunciar, revelar (crime ou

delito); denunciar como culpado; denunciar-se como culpado.” Delator então é

aquele que delata.

Premiada2, ainda segundo o dicionário Aurélio, vem do verbo

premiar: “conceder prêmio ou galardão; recompensar, remunerar.” Prêmio é

“bem material ou moral recebido por serviço prestado, trabalho executado ou

méritos especiais; recompensa; galardão”.

1.2 – Definições doutrinárias

Não há uma única definição para o instituto da delação premiada na

doutrina Brasileira, divergindo os estudiosos sobre sua conceituação jurídica,

tendo em vista o fato de que tal benefício não possui previsão em nossos

Códigos Penal e Processual Penal.

Como a delação premiada tem previsão apenas em leis ordinárias

especiais, cada uma trouxe consigo uma maneira de aplicar o benefício,

trazendo efeitos diferenciados dependendo do crime praticado. Portanto,

necessário se faz apresentar aqui alguns conceitos jurídicos de delação

premiada trazidos por importantes doutrinadores penalistas.

Para Adalberto Aranha, delação premiada é quando um acusado, ao

ser ouvido na polícia ou interrogado em juízo, afirma alguma coisa. O acusado

diz ser autor de um fato criminoso, e, além disso, atribui o fato a outra pessoa,

que teria com ele praticado o delito.

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Prático da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 101. 2 Ibidem. p. 254.

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Nas suas palavras: “A delação, ou chamamento de co-réu, consiste

na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na

polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso,

igualmente atribuiu a um terceiro a participação como seu comparsa.

Afirmamos que a delação somente ocorre quando o acusado e réu também

confessa, porque, se negar a autoria e atribuí-la a um terceiro, estará

escusando-se e o valor da afirmativa como prova é nenhum. Portanto, o

elemento essencial da delação, sob o prisma de valor como prova, é a

confissão do delator, pois com a escusa de modo algum pode atingir o terceiro

apontado”.3

Nesse sentido, Natalia de Oliveira Carvalho, em seu livro “A Delação

Premiada no Brasil”, afirma que deve haver confissão prévia do co-réu, pois

caso seja feita apenas uma imputação do fato criminoso a um terceiro, isso

apenas configuraria prova testemunhal, eis que o co-réu não daria a si

nenhuma parcela de culpa pelo ato criminoso.4

Tourinho Filho, corroborando do mesmo conceito de Aranha, cita

expressões como: “delação”, “chamada de corréu”, “chamamento de

cúmplice”, para explicar que delação premiada é quando durante o

interrogatório, o réu além de atribuir a si a culpa no delito, incrimina outro,

responsabiliza outro como participante da ação criminosa.5

Para Damásio de Jesus, delação premiada é: “incriminação de

terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de

seu interrogatório ou outro ato processual. Configura aquela incentivada pelo

legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios como redução de

pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando, etc.” 6.

Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, afirma que ocorre delação

premiada quando um co-réu ao ser interrogado, além de admitir a prática de

um delito do qual está sendo acusado, vai além, atribuindo alguma conduta

3 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 122. 4 CARVALHO, Natália de Oliveira. A Delação Premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 98. 5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal – V. 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p.239. 6 JESUS, Damásio de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=716. Acesso em: 6.fev.2012.

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criminosa por parte de um terceiro, envolvendo uma terceira pessoa na mesma

imputação que lhe é feita.7

1.3 – Natureza Jurídica Fabiana Greghi, em seu artigo “A delação premiada no combate ao

crime organizado”8, afirma que em relação à natureza jurídica da delação

premiada, a maior parte da doutrina sustenta a ausência de semelhança com

qualquer prova nominada.

Delação premiada para a autora, não se confunde com a prova de

confissão em sentido estrito, nem com a prova testemunhal. A primeira é um

meio de prova através do qual o acusado ou suspeito faz uma declaração

voluntária sobre fato pessoal e próprio em relação à prática de um fato

criminoso.9

Então, para que seja levada em conta a prova de confissão, é

necessário que o acusado seja atingido pela afirmação incriminadora. O que

difere então da delação premiada, é que nesta, além da pessoa se acusar da

prática de um crime, imputa tal ação a um terceiro que teria com ele realizado

o ato.

Para Greghi, a delação premiada também não se confunde com a

prova testemunhal, porque a testemunha é a pessoa que não está envolvida

no crime, nem como vítima, nem como autora do fato. É uma “pessoa estranha

ao feito e equidistante das partes”. O delator, por sua vez, é autor do fato

criminoso, tendo interesse na solução do litígio10.

Diferentemente da testemunha, o delator não presta compromisso

de falar a verdade, eis que amparado pelo princípio do nemo tenutur se

detegere, ou seja, não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ele tem

interesse, eis que parte, podendo obter por meio da delação premiada,

benefício processual, o que não ocorre no testemunho.

7 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.208. 8 GREGHI, Fabiana. A Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. Disponível em: http://www.lfg.com.br. 08 julho. 2009. Acesso em: 6.fev.2012. 9 Idem. 10 GREGHI, Fabiana. Op Cit.

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Conclui-se que a natureza jurídica da delação premiada é a de

prova anômala, inominada, ou seja, ela não está elencada como meio de prova

em nossa lei penal, mas não há como negar sua qualidade probatória.11

1.4 – Evolução histórica da Delação Premiada no Brasil

No Brasil, o instituto da delação premiada teve origem na época do

Brasil-Colônia. As leis portuguesas que aqui vigoraram foram: Ordenações

Afonsinas, que ficaram em vigor até 1.512; as Ordenações Manuelinas, que

perduraram até 1.569, sendo substituída pelo Código de D, Sebastião até o

ano de 1.613 e por fim, as Ordenações Filipinas, até 1.916.12 O Código

Filipino13 refletiu os aspectos penais até o ano de 1.830, num livro que ficou

conhecido por Livro V, do rei Filipe II.

O instituto da delação premiada era tratado no Título CXVI, do Livro

V das Ordenações Filipinas “Como se perdoará aos malfeitores, que derem

outros á prisão”, que assim previa:

Qualquer pessôa, que der á prisão cada hum dos culpados, e participantes em fazer moeda falsa, ou em cercear, ou per qualquer artificio mingoar, ou corromper a verdadeira, ouem falsar nosso sinal, ou sello, ou da Rainha, ou do Principe meu filho, ou em falsar sinal de algum Védor de nossa fazenda, ou Dezembargador, ou de outro nosso Official Mór, ou de outros Officiaes de nossa Caza, em cousas, que toquem a seus Oficios, ou em matar, ou ferir com bésta, ou espingarda, matar com peçonha, ou em a dar, ainda que morte dela se não siga, em matar atraiçoadamente, quebrantar prisões e Cadêas de fóra per força, fazer furto, de qualquer sorte e maneira que seja, pôr fogo acinte para queimar fazenda, ou pessôa, forçar mulher, fazer feitiços, testemunhar falso, em soltar presos por sua vontade, sendo Carcereiro, em entrar em Mosteiro de Freiras com proposito desonesto, em fazer falsidade em seu Officio, sendo Tabellião, ou Scrivão; tanto que assi der á prisão os ditos malfeitores, ou cada hum delles, e lhes provar ou forem provados cada hum dos ditos delictos, se esse, que o assi deu á prisão, em que he culpado aquelle, que he preso, havemos por bem que, sendo igual na culpa, seja perdoado livremente, postoque não tenha perdão da parte.

11 Idem. 12 DUARTE, Liza Bastos. O Direito Penal no Brasil. Disponível em: http://professoraliza.spaces.live.com/blog/cns!2E6E79D93F50580F!230.entry. Acesso em:30.jan.2012. 13 Idem.

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E se não fôr participante no mesmo maleficio, queremos que haja perdão para si (tendo perdão das partes) de qualquer maleficio, que tenha, postoque grave seja, e isto não sendo maior aquelle, em que he culpado o que assi deu á prisão. E se não tiver perdão das partes, havemos por bem de lhe perdoar livremente o degredo, que tiver para África, até quatro anos, ou qualquer culpa, ou maleficio, que tiver comettido, porque mereça degredo até os ditos quatro anos. Porém, isto se entenderá, que o que dérá prisão o malfeitor, não haja perdão de mais pena, nem degredo, que de outro tanto, quanto o malfeitor merecer. E além do sobredito perdão, que assi outorgamos, nos praz, que sendo o malfeitor, que assi foi dado á prisão, salteador de caminhos, que aquelle, que o descobrir, e der á prisão, e lho provar, haja de Nós trinta cruzados de Mercê.14

Nota-se que a delação premiada a essa época servia não só como

diminuição de pena, ou exclusão desta, mas como efetivo prêmio, ao prever

que além do perdão o delator receberia “trinta cruzados de mercê” caso

provasse e desse à prisão o “salteador de caminhos”. Além disso não havia

critério sobre os casos em que poderia ser utilizado o instituto da delação

premiada, tanto que era aplicado aos casos de crimes de falsificação de

moeda e aos crimes bárbaros, como assassinatos.15

A delação premiada se fez presente ainda em movimentos histórico-

políticos, a citar: a Inconfidência Mineira16 (Joaquim Silvério dos Reis delatou

seus companheiros e obteve da Fazenda Real perdão por suas dívidas) e

Golpe Militar de 1.96417 (para punir aqueles que eram contra o regime militar

repressivo).

Logo após o Livro V, foi proclamada a Independência do Brasil, o

que reclamou uma nova Constituição, bem como, um novo Código Penal. Este

14 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: Evolução Histórica. São Paulo: RT, 2001, pp.181-182. 15 Idem. 16 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. Franca: Lemos e Cruz, 2006, p.111. 17 PILETTI, José Jobson de A. Arruda. Toda a História: História Geral e História do Brasil. Ed. 7. São Paulo: Editora Ática, 1998, p.191.

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foi sancionado em 16 de dezembro de 1.830 por D. Pedro I, ficando conhecido

como Código Criminal do Império do Brazil18.

O Código Penal de 1.830 não trouxe a previsão do benefício da

delação premiada, instituto este que desapareceu de nosso ordenamento

jurídico até o final do século XX. Ressurgiu em várias legislações penais

especiais, embora com efeitos diversos, o que junto com a falta de previsão

nos Códigos Penal e Processual Penal, traria divergências quanto a sua

aplicação. É o que se verá em seguida.

1.4.1 – Delação Premiada na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)

Após ter sumido de nossa lei Penal, o instituto da delação premiada

voltou a ter previsão em nosso país, por meio de leis penais especiais, e a

primeira que tratou do tema foi a Lei de Crimes Hediondos19, em seus artigos

7º e 8º, trazendo duas hipóteses de uso desse instituto.

1) Antigo art.159, §4º do Código Penal de 1940: “se o crime é

cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade,

facilitando a libertação do sequestrado, terá a sua pena reduzida de um a dois

terços.” Posteriormente, veio a Lei nº 9.269/96 modificando esse dispositivo,

que hoje assim se encontra previsto: “se o crime é cometido em concurso, o

concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do

sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”20 Assim, se tornou

possível que em um crime cometido por duas ou mais pessoas, e não mais por

quadrilha ou bando (que exige no mínimo quatro pessoas envolvidas), pudesse

ser aplicado o instituto da delação premiada ao delator do comparsa que com

ele praticou o delito.

2) Art. 8º, § único: “o participante e o associado que denunciar à

autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a

pena reduzida de um a dois terços.”21

A lei em estudo, portanto, trouxe duas hipóteses de aplicação do

instituto da delação premiada, duas causas de diminuição de pena, para

18 DUARTE, Liza Bastos. Op. Cit. 19 BRASIL. Lei de Crimes Hediondos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm. Acesso em: 10.fev.2012. 20BRASIL. Código Penal de 1940. Disponível em: http://www.dji.com.br/codigos/1940_dl_002848_cp/cp157a160.htm. Acesso em: 10.fev.2012. 21 BRASIL. Lei de Crimes Hediondos. Op. Cit.

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aquele que resolve de forma voluntária e espontânea ajudar a Justiça na

resolução de conflitos criminosos.

1.4.2 – Delação Premiada nos Crimes contra a Ordem Tributária,

Econômica e contra as Relações de Consumo (Lei nº: 8.137/90)

O dispositivo da Lei que prevê a hipótese de utilização da delação

premiada nos delitos contra a ordem tributária, econômica e contra as relações

de consumo é o § único do artigo 16, que tendo sido alterado pela Lei nº

9.080/95, estabelece o seguinte:

Nos crimes previstos nesta lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços22.

O autor José Alexandre Marson Guidi analisando os requisitos de

concessão do benefício da delação premiada nos crimes em tela, afirma que o

delito tem de ser praticado por quadrilha ou em coautoria, e que um dos

criminosos deve agir de forma não só voluntária, como espontânea ao

confessar a prática do crime. Além disso, deve indicar ao delegado de polícia

ou ao juiz os detalhes da atividade criminosa. Deve-se atentar para o fato de

que o legislador não exigiu que a colaboração fosse eficaz na ajuda à

Justiça23.

A mesma Lei nº 9.080/95 também acrescentou o §2º ao artigo 25 da

Lei nº7.492/86, que define os crimes cometidos contra o Sistema Financeiro

Nacional, dando a mesma redação do § único do artigo 16 da lei ora em

comento24.

1.4.3 – Delação Premiada na Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98)

Diz o artigo 1º, § 5º da referida lei:

22 BRASIL. Lei 8.137/90. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm. Acesso em: 11.fev.2012. 23 GUIDI, José Alexandre Marson. Op. Cit. p.113. 24 BRASIL. Lei 9.080/95. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9080.htm. Acesso em: 11.fev.2012.

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A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime25.

1.4.4 – Delação Premiada na Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas (Lei nº 9.807/99)

A referida lei estabelece normas para a organização e a

manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas

ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou

condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à

investigação policial e ao processo criminal26.

Os artigos 13 e 14 são os que merecem destaque nessa lei, tendo

em vista que estabelecem os requisitos para obter o benefício da delação

premiada.

Não só testemunhas e vítimas de crime serão protegidas, pelo que

souberem e disserem sobre o crime, mas também aqueles acusados, réus,

que colaborarem com a resolução do conflito delituoso, terão a necessidade de

proteção por terem “delatado” seus comparsas. Eis os dispositivos que tratam

dos réus colaboradores:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza,

25 BRASIL. Lei 9.613/98. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 11.fev.2012. 26 BRASIL. Lei 9.807/99. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-9807.html. Acesso em: 11.fev.2012.

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circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços27.

Pode-se perceber que os requisitos necessários à obtenção do

benefício da delação premiada nesse caso são mais rigorosos, e para tanto o

benefício também será maior: o réu, sendo primário, poderá obter perdão

judicial pelo crime que cometeu.

1.4.5 – Delação Premiada na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06)

A Lei nº 11.343/06 trouxe o instituto da delação premiada em seu

artigo 41:

O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços28.

Nota-se que o benefício trazido pela nova lei de drogas é apenas de

redução da pena de um terço a dois terços. Convém salientar que antes da

entrada em vigor dessa nova lei, era aplicado ao caso de crime de drogas o

artigo 32, §2º, da Lei nº 10.409/0229, que previa a possibilidade de obter

perdão judicial. Logo, aos criminosos que praticaram o delito antes da entrada

em vigor da Lei 11.343/06, deve ser preservado o direito ao perdão judicial, eis

que a nova lei, por ter retirado o melhor benefício, não deve retroagir para

prejudicar o réu.

27 BRASIL. Lei 9.807/99. Op. Cit. 28 BRASIL. Lei 11.343/06. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 11.fev.2012. 29 BRASIL. Lei 10.409/02. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10409.htm. Acesso em: 11.fev.2012.

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1.4.6 - Delação Premiada nos Crimes praticados por Organizações

Criminosas (Lei nº 9.034/95)

Objeto principal do presente trabalho é estudar a aplicação do

instituto da delação premiada aos casos de crimes cometidos por organizações

criminosas.

Este instituto tem se mostrado importante e eficaz no combate ao

crime organizado, muito embora seja criticado por muitos aplicadores do

Direito, como será visto em capítulo próprio.

É notório que a globalização e o avanço nos meios tecnológicos têm

facilitado a ação dessas organizações que estão se desenvolvendo

rapidamente e cada vez mais de forma especializada. Então, por questões de

política criminal, o Estado tem aplicado a delação premiada como um prêmio

àquele que estando envolvido na organização, colabore com a Justiça, eis que

muitas vezes sem a ajuda se tornaria impossível o desmantelamento dos

referidos grupos.

A previsão da delação premiada na referida lei está no artigo 6º e

possui a seguinte redação: “Nos crimes praticados em organização criminosa,

a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea

do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”30.

Ou seja, em relação às demais leis que fazer previsão da delação

premiada, nos casos em que houver a prática de crime por organização

criminosa, haverá mais uma exigência: o apontamento da autoria do delito, não

sendo suficiente contar a trama delituosa31.

Aqui somente foi citado e analisado o dispositivo da Lei nº 9.037/95

que trata da aplicação do benefício no crime organizado. A seguir será visto o

conceito de crime organizado, bem como os mecanismos legais e processuais

que vêm sendo aplicados no combate aos mesmos, principalmente a

importância que a aplicação do instituto da delação premiada tem revelado na

luta pelo Estado.

30 BRASIL. Lei 9.034/95. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm. Acesso em: 11.fev.2012. 31 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 44.

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CAPÍTULO II

DO CRIME ORGANIZADO

2.1 – Evolução Histórica do Crime Organizado

Sabe-se que crimes são praticados desde os primórdios da sociedade.

Eram realizados por uma pessoa de forma isolada ou em grupos de pessoas

com o mesmo objetivo criminoso, assim como se vê nos dias de hoje. No

entanto, a associação de pessoas com objetivos definidos não foi desde o

início objeto da consecução de crimes.

Eduardo Araújo da Silva afirma que a maioria das atividades de

organizações criminosas antigas, ao contrário do que se vê hoje, não tinham

dedicação à atividades criminosas. As organizações nasceram com natureza

de movimentos populares, o que não foi repudiado pela sociedade32.

O autor afirma que os relatos mais remotos dessas associações, no

século XVI, mostram que as associações eram formadas com o objetivo de

32 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado: Procedimento Probatório. São Paulo: Atlas, 2003, p.19.

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proteger pessoas que residiam na área rural, portanto menos desenvolvida e

mais desamparada no que tange às prestações de serviços públicos, contra as

arbitrariedades impostas pelo Estado33. Ou seja, o caráter da organização em

nada parecia com as máfias que se tem hoje, o escopo era tão somente opor-

se à tirania do Império.

Ocorre que a evolução da humanidade é natural. Modernizaram-se os

meios de comunicação, os equipamentos tecnológicos, meios de transporte e

de processamento de dados, e com isso, também cresceu a criminalidade,

sobretudo a criminalidade organizada34.

As ações praticadas por organizações criminosas tem se mostrado cada

vez mais desenvolvidas, complexas. Suas atividades hoje ultrapassam as

fronteiras do próprio Estado onde se estruturaram. Ou seja, a sociedade tem

se desenvolvido nesse sentido, e essa evolução não está sendo acompanhada

pelas leis brasileiras, que se mostram insuficientes para combater essas

atividades criminosas35.

Os métodos de investigação previstos no Código de Processo Penal

(1940) precisam ser revistos e atualizados. E enquanto nada é feito, são

editadas leis especiais na tentativa de combater, ou ao menos frear o

desenvolvimento das organizações criminosas36.

2.2 – Conceitos e Características das Organizações Criminosas

Dar um conceito à organização criminosa é sem dúvida tarefa das mais

difíceis. Crime Organizado apresenta diversas acepções segundo o autor

Rafael Pacheco. Para ele, “a única característica absoluta que envolve uma

definição do que venha a ser crime organizado é a falta de unanimidade entre

os autores sobre o que ele realmente é”.37 Muitas são as definições trazidas

por doutrinadores a fim de ajudar a compreender o fenômeno do crime

organizado.

33 Ibidem. p.20. 34 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit. p.5. 35 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit. 36 Idem. 37 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Mecanismos de Controle e Infiltração Policial. Curitiba: Juruá, 2011, p.41.

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Então, primeiramente faz-se uma análise em separado das palavras que

compõe a expressão “organização criminosa”. Segundo o Dicionário Aurélio,

organização38 significa associação ou instituição com objetivos definidos.

Crime, para o aplicador do Direito, é fato típico, ilícito e culpável.

Diante disso, vamos nos valer de algumas definições trazidas por

doutrinadores penalistas:

Segundo Batlouni39, os Criminologistas assim definem crime organizado:

Crime organizado é qualquer cometido por pessoas ocupadas em estabelecer em divisão de trabalho: uma posição designada por delegação para praticar crimes que como divisão de tarefa também inclui, em última análise, uma posição para corruptor, uma para corrompido e uma para um mandante.

O FBI40 (Federal Bureau of Investigation) concebe por crime organizado:

Qualquer grupo que tenha de alguma forma uma estrutura formalizada e cujo objetivo primário seja obter lucros através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm suas posições através do uso da violência, corrupção de funcionários públicos, suborno ou extorsão e geralmente tem um impacto significativo na população local, da região ou país como um todo.

Para Alberto Silva Franco41:

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intricado esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil

38 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Prático da Língua Portuguesa. Op Cit. p.230. 39 Ibidem. p. 7. 40 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Mecanismos de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. p.42. 41 FRANCO, Alberto Silva. Um difícil processo de tipificação. Boletim IBCCRIM. São Paulo, nº 21, p.5, set.2004 apud PACHECO, Rafael. Op.Cit. p. 43.

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disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os Poderes do próprio Estado.

Ainda nos conceitos e características de crime organizado trazidos por

Rafael Pacheco, encontramos os elementos essenciais para uma definição

utilizados pela Polícia Federal brasileira42:

Compreendem a associação ilícita e seus crimes resultantes, objetivo de obter vantagem financeira, potencial ofensivo da organização, entre eles, a intimidação por violência ou ameaça e o poder de corrupção, além do controle de uma área ou atividade.

Por último, temos a definição de Guaracy Mingardi:

Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possui hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do Silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território43.

O fato é que, de todas as definições trazidas, não há uma mais certa.

Os conceitos são produzidos principalmente a partir de características, de

acordo com o momento histórico, de como o crime organizado tem se

mostrado quando da elaboração de uma norma, por exemplo.

No Brasil, a Lei 9.034/95, que traz as normas de combate ao crime

organizado, também não define ao certo o que seriam organizações

criminosas. Deixou em aberto os tipos penais que configuram crime

organizado, ou seja, quaisquer delitos cometidos por bando ou quadrilha

poderiam ser caracterizados como tais44.

A lei 10.217/01, que alterou dois dispositivos da Lei 9.034/95, também

não trouxe um conceito certo de crime organizado. Ao contrário, certificou que

42 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Mecanismos de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. p.45. 43 MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: Boletim IBCCRIM, p.82 apud MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.Cit. p.9. 44 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Mecanismos de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. pp.48-51.

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quadrilha, bando, associações criminosas e organizações criminosas são

expressões que não se confundem45.

Concluindo, seria da competência do Poder Legislativo editar lei que

trouxesse um conceito fixo de organização criminosa, a fim de trazer

segurança no combate a tais delitos, no que nosso país ainda se mostra

carente.

No entanto, trazer uma definição fixa seria inócuo, tendo em vista que

com os avanços tecnológicos que ocorrem a cada segundo, cada lei elaborada

seria insuficiente e ineficaz na luta contra os crimes praticados por

organizações criminosas, eis que se desenvolvem com muita rapidez e de

forma complexa.

Nesse sentido, Batlouni afirma:

Embora sigamos com a especificação de alguns de seus elementos essenciais que se verificam na grande maioria das organizações criminosas, é preciso destacar que elas evoluem em velocidade muito maior do que a capacidade da Justiça de percebê-las, analisa-las e principalmente combatê-las. Assim como a vacina sempre persegue a doença, os meios de combate à criminalidade organizada sempre correm atrás dos estragos causados pela sua atividade. Amanhã e depois seguramente surgirão outras formas novas, que, pela simples verificação de atividades organizadas para prática de crimes, serão consideradas também organizações criminosas46.

2.3 – O Crime Organizado no Brasil

No Brasil existem vários tipos de delitos que são cometidos por

organizações criminosas. Estas cada vez mais se desenvolvem de forma

complexa e principalmente se especializam em crimes contra a administração

pública, tráfico ilícito de entorpecentes, quadrilhas de roubo, sequestros, jogo

do bicho, lavagem de dinheiro.

Logo, conforme tudo que já foi exposto na parte referente aos conceitos,

somente é possível extrair características dessas atividades criminosas. E o

autor Marcelo Mendroni traz um rol das características principais, quais sejam:

45 Idem. 46 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit. p.11.

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Estrutura hierárquico-piramidal – A pirâmide da organização

criminosa seria dividida em pelo menos três partes, ou seja, três graus de

subordinação: aviões, gerentes e chefes. Na base da pirâmide estão os aviões:

de acordo com o delito a ser praticado, pessoas com especializações ligadas

às funções de execução a serem desempenhadas são contratadas e passam a

ser conhecidas por aviões47.

Os gerentes são os famosos “testas-de-ferro”, “laranjas”. Os chefes os

contratam por sentirem neles confiança e capacidade de comando. Portanto,

recebem ordens do chefe e repassam as mesmas para os aviões que estão

logo abaixo deles na pirâmide48.

Os chefes são pessoas que ocupam cargos públicos importantes, são

poderosos e ocupam posição elevada na sociedade. Eles não costumam ser

encontrados facilmente, isto porque contratam os “laranjas”. Dessa forma

consegue dificultar o trabalho da polícia, sobretudo a produção de prova

criminal diretamente contra eles (os chefes)49.

Divisão direcionada de tarefas – O crime vai sendo praticado pelas

pessoas da organização criminosa de acordo com as especialidades destas.

Cada uma realiza a etapa do delito de acordo com sua habilidade pessoal.

Como exemplos, temos o crime de tráfico de drogas e roubo de veículos.

Naquele, as etapas de consecução do crime são: aquisição da droga, mistura,

revenda, distribuição. Neste, subtração dos veículos, desmanche, revenda.

Cada etapa então é realizada de pelo que tiver maior habilidade para o

desempenho, de acordo com as ordens obtidas pelos superiores (chefes da

organização)50.

Membros restritos – Para integrar uma organização criminosa, o

“candidato” deve passar por alguns testes, como testes de habilidade,

parentesco, indicação, análise de fichas criminais. Deve ainda ter disposição

de praticar delitos, obedecer regras, manter segredos51.

Agentes públicos participantes ou envolvidos – Para que

organizações criminosas mais bem desenvolvidas possam sobreviver

47 Ibidem. pp.14-15. 48 Idem. 49 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit pp.14-15. 50 Idem.

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necessário se faz buscar auxílio de agentes públicos. Isto acontece muito em

nosso país. Os agentes públicos podem participar da atividade criminosa ou

apenas viabilizar sua consecução, auxiliando de alguma forma52.

Orientação para a obtenção de dinheiro e de poder – O objetivo das

organizações criminosas é a obtenção de lucros da maneira mais fácil e ilícita

possível. Por último temos a característica do domínio territorial – Para a

solidificação de uma organização criminosa faz-se mister o estabelecimento

desta em uma base territorial53.

2.3.1 – Principais Organizações Criminosas brasileiras

a) Comando Vermelho – Surgiu no período da Ditadura Militar, dentro

do presídio da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. O principal objetivo

do Comando Vermelho era conseguir melhorias nas condições carcerárias e

reprimir a violência entre os detentos. Lema do Comando Vermelho: “O inimigo

está fora das celas. Aqui dentro somos todos irmãos e companheiros”. A

facção tomou conta de 70% dos pontos de vendas de drogas no Rio de

Janeiro e, em razão do volume de negócios, virou interlocutor dos cartéis

internacionais de drogas54.

No ano de 2000 as favelas que eram controladas pelo Comando

Vermelho (CV) forma dominadas por milicianos e hoje são ocupadas por

Unidades de Polícia Pacificadora. As facções do Terceiro Comando e Amigos

dos Amigos são as principais rivais do Comando Vermelho55.

b) PCC (Primeiro Comando da Capital) – Organização criminosa de

São Paulo, o PCC também foi criado com o objetivo de proteger os direitos das

pessoas encarceradas no Brasil. Surgiu na década de 90, em Taubaté, São

Paulo. O PCC desenvolveu milhares de ataques, onde as principais atividades

51 Ibidem. p.16. 52 Idem. 53 Idem. 54 BARROS, Marco Antônio de, Lavagem de Capitais e Obrigações Civis correlatas. São Paulo:Ed. RT, 2004, p. 115. 55 Comando Vermelho In: Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comando_Vermelho. Acesso em: 01.mar.2012.

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do grupo eram: assassinatos, tráfico de drogas, extorsão, rebeliões e

atividades terroristas56.

2.3.2 – Classificação dos delitos praticados por organizações criminosas

De acordo com o autor Mario Daniel Montoya57, os principais delitos

praticados por organizações criminosas são classificados em níveis, quais

sejam:

a) Ilícitos de primeiro nível (que produzem movimentação de dinheiro

diretamente) = tráfico de drogas, de armas, sequestro, furto de

caminhões de transporte e de conteiners, contrabando de pedras

preciosas e tabaco, agiotagem, falsificação de moeda, jogo do bicho,

exploração da prostituição, especulação na bolsa de valores.

b) Ilícitos de segundo nível (não produzem resultado financeiro de

imediato, mas há controle da atividade e manutenção de poder) =

homicídios por encomenda, vingança com acertos de contas,

lavagem de dinheiro, transformação de capital lícito em ilícito, delitos

bancários, ameaça, corrupção.

c) Ilícitos de terceiro nível (para expandir e proteger todo o sistema

criminoso) = delitos intimidativos, terrorismo político, manipulação da

imprensa.

2.4 – Mecanismos brasileiros de combate ao Crime Organizado

Tendo observado a quantidade de crimes que podem ser cometidos por

meio de organizações criminosas, sua estrutura complexa e de rápido

desenvolvimento, juntamente com a falta de uma norma ou de estudos que

conceituem de forma unânime o que vem a ser organização criminosa, resta

claro que o Brasil não possui legislação eficaz no combate a tais atividades

criminosas.

Nesse sentido, Eduardo Araújo da Silva afirma que os mecanismos

processuais tradicionais não se mostram suficientes para investigar todas as

atividades do crime organizado pela sua difícil constatação58.

56 Primeiro Comando da Capital. In: Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Comando_da_Capital. Acesso em: 01.mar.2012. 57 MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado – Aspectos legais, Autoria mediata. Responsabilidade penal das estruturas organizadas de poder. Atividades criminosas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 69.

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Cada vez mais as organizações criminosas se especializam de tal

forma, que seria necessária uma atualização legal todos os dias na tentativa

de combater de forma eficaz as atividades criminosas em questão.

O Brasil regulamenta diversos métodos de investigação e vem

modernizando o ordenamento jurídico com relação ao tema. Serão tecidos

breves comentários acerca desses mecanismos legais em seguida.

Cumpre ressaltar que, na tentativa de incrementar a eficiência

processual em relação ao crime organizado, surge uma tendência a ser

utilizado o instrumento da Delação Premiada, instituto este que foi conceituado

em capítulo anterior.

Tendo em vista as características especiais dos grupos, este benefício

tem se mostrado umas das formas mais eficazes de se chegar à origem da

formação da organização criminosa, motivo pelo qual será dada maior ênfase

a essa medida (em capítulo posterior) inovadora no combate ao crime

organizado, eis que objetivo principal do presente trabalho.

2.4.1 – Da interceptação telefônica e ambiental

“Entende-se por interceptação telefônica a captação de conversa por

um terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores ou com o

conhecimento de um só deles”. Eis a definição de interceptação telefônica

trazida por Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes

Filho59.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elenca como

direito fundamental a inviolabilidade do sigilo das comunicações. No entanto,

esse dispositivo traz exceção. Excepcionalmente o sigilo poderá ser rompido

para fins de investigação criminal e instrução processual penal.

A lei que fundamenta a lícita interceptação telefônica é a Lei nº

9.296/96. Para que seja realizada a quebra do sigilo, portanto, devem ser

observados os dispositivos dessa lei específica, bem como deve existir ordem

judicial nesse sentido.

58 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado: Procedimento Probatório. Op.Cit. pp.40-41. 59 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 141.

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Em nosso país a interceptação telefônica é utilizada para investigação

de diversos crimes, não sendo meio de prova exclusivo para os delitos

praticados por organizações criminosas. Mas, quanto a estes, tem se mostrado

um mecanismo de combate bastante eficiente.

Já a interceptação ambiental vem a ser a captação de uma

comunicação no próprio ambiente, por um terceiro, sem a ciência dos

comunicadores. Possui os mesmos requisitos observados para a interceptação

telefônica. Este meio de prova foi considerado lícito pelo STF, inclusive na

forma clandestina, em decisão na Apelação de nº 447/RS:

PLENÁRIO

Licitude da Gravação Ambiental Promovida por Interlocutor

É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-Prefeito, atual Deputado Federal, e outra, pela suposta prática do delito de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei 201/67, art. 1º, XIV). Narrava a denúncia que os então Prefeito e Secretária Municipal de Transportes e Serviços Públicos de Município do Estado do Rio Grande do Sul, em conjunção de vontades e comunhão de esforços, teriam praticado ato de ofício contra disposição expressa do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, consistente em determinar que os fiscais municipais de trânsito deixassem de autuar os veículos da Prefeitura, por qualquer infração de trânsito, e que não procedessem ao lançamento no sistema informatizado do DETRAN dos autos de infração, a fim de "satisfazer interesse pessoal (dos denunciados) em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal". Também por votação majoritária, o Tribunal absolveu os denunciados. No que se refere ao delito de prevaricação, entendeu-se, por unanimidade, ausente o elemento subjetivo do tipo, haja vista que a instrução criminal não evidenciara o especial fim de agir a que os denunciados supostamente teriam cedido. Quanto ao crime de responsabilidade, considerou-se, por maioria, tendo em conta a gravação ambiental e depoimentos constantes dos autos, inexistir robusta comprovação da conduta típica imputada ao ex-Prefeito, sujeito ativo do delito, não sendo possível, tratando-se de crime de mão própria, incriminar, por conseguinte, a conduta da então Secretária Municipal.

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Asseverou-se que a gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-Secretária Municipal, seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-Prefeito. Vencidos, quanto a esse ponto, os Ministros Joaquim Barbosa, revisor, Eros Grau, Cezar Peluso e Marco Aurélio, que condenavam os dois denunciados pelo crime de responsabilidade. Vencidos, no que tange à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita. AP 447/RS, rel. Min. Carlos Britto, 18.2.2009. (AP-447)60

2.4.2 – Ação Controlada

Nos termos do artigo 2º, inciso II, da Lei 9.034/95, ação controlada é o

direito que tem a polícia de aguardar o melhor momento para agir:

Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretiza no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações61.

Na visão de Eduardo Araújo da Silva, ação controlada é:

A ação controlada por policiais, em outros termos, consiste em estratégia de investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para acompanhar os atos de seus membros até o momento mais apropriado para a obtenção da prova e efetuar suas prisões62.

60 YOSHIKAWA, Daniella Parra. Pleno do STF admite gravação ambiental clandestina como prova lícita (Informativo 536). Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090310154043831&mode=print. Acesso em: 05.mar.2012. 61 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit p.49. 62 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado: Procedimento Probatório. Op.Cit. p.93.

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2.4.3 – Infiltração de agentes

Segundo Rafael Pacheco, “a infiltração tem se mostrado um importante

meio de investigar os delitos cometidos por organizações criminosas”. Para

ele, o agente infiltrado vem para dar apoio na identificação, neutralização e

destruição das organizações criminosas, que cada vez mais vem preocupando

as autoridades políticas e a sociedade63.

Apesar de polêmico, a infiltração de agentes se mostra como um

avanço investigatório, uma forma eficiente de fazer com que os criminosos

revelem toda a ação criminosa.

Para Alberto Silva Franco, o agente infiltrado “é um funcionário da

polícia que, falseando sua identidade, penetra no âmago da organização

criminosa para obter informações e, dessa forma, desmantelá-la” 64.

O policial passa assim a frequentar o ambiente onde são praticados os

delitos pelas organizações criminosas, presenciando toda a trama delituosa,

captando provas, confissões chaves dos crimes.

Porém, assim como o benefício e mecanismo de combate Delação

Premiada, a ação dos agentes infiltrados é encarada como uma forma antiética

e imoral de investigação criminosa.

Critica-se as atitudes dos policiais, deles mesmo cometerem delitos,

praticar atos imorais na persecução dos delitos, como por exemplo, quando

falseiam carteiras de identidade fingindo ser outras pessoas para com

segurança poderem adentrar no ambiente criminoso, colher provas, sem

correrem risco de serem descobertos, ou até mesmo quando coagidos a

cometer crimes como prova de sua real identidade perante o grupo organizado

criminoso65.

Nosso ordenamento jurídico pátrio recentemente dispôs sobre a

infiltração de agentes policiais como forma de prova e investigação das

atividades das organizações criminosas. Tivemos o projeto de Lei 3.516/89 que

trazia dispositivo tratando do tema, mas o mesmo foi vetado pelo Presidente

63 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Mecanismos de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. p.107. 64 FRANCO, Alberto Silva. Leis Penais Especiais e sai Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2002, p. 584.

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da República, sob o fundamento de que sua utilização contrariava o interesse

público66.

Mais tarde, em 2001, veio a Lei 10.217, que “consertou” o dispositivo

supra, afirmando que somente haveria infiltração policial se mediante

autorização judicial:

V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. Parágrafo Único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração67.

Não obstante as críticas à utilização desse mecanismo de combate ao

crime organizado, tendo em vista que nossos diplomas legais não trazem seu

processamento, tem sido aplicado por analogia o procedimento previsto na Lei

de Interceptação Telefônica, e, além disso, por nossos tribunais seu uso tem

sido de alto valor na repressão e prevenção ao crime organizado, como de

colarinho branco, corrupção, tráfico de drogas, desde que monitorado e com

cautela68.

2.4.4 – Prova testemunhal (Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas)

“Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal”69.

Falar de proteção às pessoas vítimas ou testemunhas de crime é

questão delicada, mais ainda quando se trata de crime organizado, eis que

necessitam de segurança, garantia de que, após delatarem o que sabem,

65 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Medidas de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. pp.142-147. 66 Ibidem. pp.111-113. 67 PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Medidas de Controle e Infiltração Policial. Op.Cit. pp.111-113. 68 Ibidem. p.147. 69 BRASIL. Lei 9.807/99. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-9807.html. Acesso em: 05.fev.2012.

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poderão viver na tranquilidade. A Lei 9.807/99 prevê as circunstâncias que se

fazem necessárias para que seja garantida tal proteção70.

O diploma supramencionado carece, no entanto, de recursos à efetiva

proteção dessas pessoas, na medida em que, sendo necessário haver

mudança de domicílio em decorrência de esta ter delatado o que sabe sobre

um crime, haveria de levar consigo seus familiares, o que acarretaria grande

custo para o Estado. A consequência, portanto, é a dificuldade de implantação

desses programas de proteção71.

A Lei 9.807/99 traz como requisitos de ingresso nos programas de

proteção os seguintes: situação de risco, relação de causalidade,

personalidade e conduta compatíveis, inexistência de limitações à liberdade e

anuência do protegido72.

O programa consiste em várias medidas de proteção, dentre elas:

segurança nas residências, incluindo o controle das telecomunicações; escolta

e segurança nos deslocamentos da residência; transferência da residência de

forma definitiva ou provisória a depender do caso; preservação da identidade,

imagem e dados pessoais, podendo haver alteração completa do nome; apoio

e assistência social, médica e psicológica; sigilo em relação aos atos

praticados, entre outras73. No entanto, como já exemplificado, muitas críticas

vem sendo feitas com relação à efetividade da lei.

Não obstante a redação da lei supra representar grande avanço

direcionado à investigação policial e também aos casos de crimes praticados

por organizações criminosas, tendo em vista que a prova testemunhal ainda é

amplamente utilizada, ainda se duvida de sua real efetividade. A consequência

é o grande número de pessoas que poderiam ser a chave para a solução de

muitos delitos, mas resolvem não colaborar com a Justiça, eis que predomina

o medo e a insegurança diante da inércia das autoridades estatais.

70 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit.p.89. 71 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit. pp.94-101. 72 Subsecretaria de promoção e defesa dos Direitos Humanos – Coordenação geral de proteção à testemunhas.Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/spddh/cgpvta/sistema.htm. Acesso em: 05.mar.2012. 73 Processo Penal – atualização – Lei nº 12.483/11 – proteção a testemunhas. Disponível em: http://www.pensandodireito.net/2011/10/processo-penal-%E2%80%93-atualizacao-%E2%80%93-lei-n%C2%BA-12-48311-%E2%80%93-protecao-a-testemunhas/. Acesso em: 05.mar.2012.

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Passemos para o estudo do mecanismo legal de combate conhecido

por Delação Premiada. Em momento anterior foi estudado conceito, natureza

jurídica, leis ordinárias nacionais que tratam do benefício, evolução histórica.

No capítulo que se segue faremos uma análise da controvérsia de sua

aplicação na Lei 9.034/95, mostrando argumentos contra e a favor de sua

utilização.

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CAPÍTULO III

CONTROVÉRSIAS ACERCA DA UTILIZAÇÃO DO

INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

3.1 – Delação Premiada como mecanismo de combate ao Crime

organizado – Lei 9.034/95

Já estudamos em capítulo próprio que o instituto da delação premiada

não tem previsão em nosso Código Processual Penal. No entanto, existem em

nosso ordenamento jurídico diversas leis especiais que a preveem como

mecanismo eficiente de combate aos mais variados delitos.

Dentre as leis que dispõe sobre o benefício estão: A Lei de Proteção às

Vítimas e Testemunhas, Lei 9.807/99, que também trata da aplicação deste

benefício aos réus colaboradores; Lei 9.613/98, que trata dos crimes de

Lavagem de Dinheiro; A Lei de Crimes Hediondos, Lei 8.072/90; Lei dos

Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo, Lei

8.137/90; Lei que trata dos crimes praticados por Organizações Criminosas,

Lei 9.034/95.

Nesta última, o dispositivo que traz a possibilidade de aplicação da

Delação Premiada é o seu artigo 6º, que assim dispõe:

“Nos crimes praticados por organização criminosa, a pena será reduzida

de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar

ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria” 74.

A delação premiada na Lei 9.034/95 deve ser aplicada sempre que o

acusado, em colaboração espontânea, traga para as autoridades

esclarecimentos ainda desconhecidos sobre as infrações penais e sua autoria.

A intenção é reduzir a pena daquele acusado que na verdade fale não

74 BRASIL. Lei 9.034/95. Op. Cit.

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somente sobre o fato pelo qual está sendo investigado, mas sim outros fatos

que tenham sido praticados pela organização criminosa75.

Os atos praticados por organizações criminosas se tornam cada vez

mais danosos e complexos, tendo em vista que pela quantidade inimaginável

de pessoas que possam estar envolvidas em cada delito cometido, ficam

prejudicadas as investigações e a solução dos mesmos.

O uso de alta tecnologia tem auxiliado aos próprios criminosos, que a

utilizam para descobrir a existência de escutas e grampos. A “lei do silêncio”

também colabora para que nada seja dito sobre o crime organizado. Com isso,

o surgimento da delação premiada vem desempenhando grande papel na

apuração de provas, na medida em que oferece assistência ao colaborador e a

sua família76.

O uso da delação premiada, ou seja, a concessão de benefício de

redução da pena àquele acusado que delate seus comparsas e o modo de

operação de suas atividades tem trazido ótimos resultados, eis que sem a

ajuda de alguém que efetivamente participou dos delitos, fica difícil a solução

dos mesmos, o desmantelamento do grupo.

Tarefa quase impossível para a polícia é chegar na origem da formação

das organizações criminosas, tendo em vista que são atividades que envolvem

muitas pessoas, até mesmo que trabalham de forma honesta e legal e nem

sabem que estão participando, ou ao menos colaborando, para a prática de

delitos. Sendo assim, a melhor forma que tem se mostrado algo suficiente para

acabar com o crime organizado é através da concessão de prêmio àquele que

colabore para a investigação e com a justiça.

O fato é que, o instituto da delação premiada tem sido alvo de diversas

críticas. Por um lado, se mostra efetivo no combate ao crime organizado. Por

outro, antiético, imoral e contrário ao que preconizam diversos princípios

constitucionais e penais.

Veremos a seguir os argumentos utilizados a favor da aplicação do

instituto da delação premiada, bem como a fundamentação daqueles que são

contra sua aplicação, tanto nos crimes praticados por organizações criminosas

quanto nos outros delitos.

75 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. Op.Cit. pp.37-38.

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3.2 – Argumentos favoráveis à Delação Premiada

Segundo José Alexandre Marson Guidi, o instituto da delação premiada,

muito embora seja criticado pela maioria da doutrina, possui vários benefícios,

sendo uma forma eficaz de combate ao crime organizado e a forma escolhida

pelo Estado para afrontar essas organizações77.

No entendimento de Eduardo Araujo da Silva, o acusado e ora

colaborador, ao confessar seus crimes para as autoridades policiais, os auxilia

concretamente, e também ao Ministério Público, no recolhimento de provas

contra os coautores e integrantes das organizações criminosas, possibilitando

as prisões dos mesmos. Para o autor, a delação premiada constitui um meio

poderoso no combate às organizações criminosas78.

Corroborando positivamente com o pensamento desses autores, Paulo

José Freire e Marcus Túlio Alves Nicolino, em um artigo publicado em uma

revista, afirmam que:

O surgimento da colaboração premiada tornou-se uma ferramenta de maior utilidade e eficácia para as investigações e aceitar desenvolvimento da prova no processo penal, viabilizando condenações que seriam quase impossíveis ou pouquíssimo prováveis79.

Uma das provas utilizadas no processo penal é a prova testemunhal.

Mas nos casos de crimes praticados em organização criminosa, é difícil

encontrar uma pessoa que se apresente como testemunha, logo, fazem as

vezes de testemunha os próprios criminosos que estão sendo investigados, eis

que difícil penetrar nessas organizações80.

Os chefes das organizações quase nunca “aparecem” na trama

delituosa, ou seja, ficam aproveitando os produtos do crime, enquanto que

outros criminosos participantes do grupo delinquem, matando, extorquindo,

vendendo drogas. Então, faz-se necessário colocar esses outros criminosos

76 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado – Procedimento Probatório. Op. Cit. pp.42-43. 77 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado. Op.Cit. p.145. 78 SILVA, Eduardo Araujo da. Delação Premiada é arma poderosa contra o crime organizado. In Revista Consultor Jurídico, 15 set. 2005, p. 30. 79 TEOTÔNIO, Paulo José Freire; NICOLINO, Marcus Túlio Alves. O Ministério Público e a colaboração premiada. In Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n. 21, 2003, p. 26. 80 TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. In Revista CEJ, Brasília, n. 37, 2007, p. 74.

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contra seus chefes, se tornando então delatores desses, importantes armas no

combate à criminalidade e proteção da comunidade81.

Na tentativa de colocar os subordinados contra seus chefes na

organização criminosa, ao delatarem sobre os crimes e demais autorias, esses

criminosos são vistos como traidores. Eis um argumento utilizado contra a

delação premiada, mas os autores supracitados não a consideram de forma

quantitativa a ponto de eliminar a utilização da delação no combate aos delitos

aqui estudados.

Guilherme de Souza Nucci afirma que a ética é um juízo de valor que se

mostra variável de acordo com a época e os bens que se apresentam em

conflito. Em razão disso acredita que a ética não pode ser empecilho à

utilização do instituto da delação premiada que tenha por objetivo enfrentar a

criminalidade organizada82.

Nesse sentido, há decisão do TRF que assim dispõe:

II – Nada há de amoral ou ilegal no instituto da delação premiada, trazido ao cenário nacional pela Lei nº 9.807/99, pois o mesmo apenas é a efetivação legislativa do entendimento dos Tribunais em relação à aplicabilidade da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal83.

David Teixeira de Azevedo afirma que:

“o agente que se dispõe a colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado respeito aos valores sociais impetrantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que ilumina o ordenamento jurídico e o meio social” 84.

Além de todos esses posicionamentos a favor da aplicação do instituto

da delação premiada à consecução de delitos praticados por organizações

criminosas, ainda temos o posicionamento de Marcello Maddalena, citado por

Alberto Silva Franco, onde diz que:

A delação premiada favorece tanto a prevenção geral quanto à repressão dos crimes mais graves, como os

81 TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Op.Cit. 82 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 418. 83 BRASIL. Tribunal Regional Federal – Habeas Corpus – 3299/RJ. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/907/1/20575177.pdf. Acesso em: 10.mar.2012. 84 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 83, p. 6, out. 1999.

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ligados às organizações criminosas, facilitando a desagregação destas, que ameaçam a própria essência das instituições democráticas85.

Na visão ainda de Valdir Sznick, a delação premiada não se considera

uma “dedo-duragem” ou traição, mas sim uma colaboração, uma medida de

política criminal adotada pelo Estado86.

Por último e não menos importante, é de grande valia trazer o

entendimento de nossa Corte Suprema acerca do tema Delação Premiada:

PROVA – DELAÇÃO – VALIDADE. Mostra-se fundamentado o provimento judicial quando há referência a depoimentos que respaldam delação de co-réus. Se de um lado a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas87.

3.3 – Argumentos contrários à Delação Premiada

Apesar dos inúmeros argumentos favoráveis à aplicação do instituto da

delação premiada, a técnica de sua utilização tem sido muito criticada. Em

outros países que se utilizam dessa técnica, o fazem por meio da previsão

expressa em seus ordenamentos Penais e Processuais Penais. No entanto,

em nosso país, a delação premiada é prevista não por nossos Códigos Penal e

de Processo Penal, mas por leis esparsas, onde não há sistematicidade88.

No Brasil a delação premiada foi inserida por uma política criminal de

emergência, como forma de combate principalmente ao crime organizado, que

ora estudamos no presente trabalho89.

Um dos argumentos utilizados por doutrinadores que condenam a

utilização de tal benefício é o de que a delação premiada seria antiética. Nos

dizeres de Alberto Silva Franco:

A delação premiada, qualquer que seja o nome que se lhe dê e quaisquer que sejam as consequências de seu reconhecimento continua a ser indefensável, do ponto de vista ético, pois se trata da consagração legal da traição,

85 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.352. 86 SZNICK, Valdir. Crime Organizado – Comentários. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1997. p.366. 87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=470&ano=3&txt_processo=12030&complemento=1. Acesso em: 10.mar.2012. 88 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p.6. 89 Idem.

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que rotula, de forma definitiva, o papel do delator. Nem, em verdade, fica ele livre em nosso País, do destino trágico que lhe é reservado – pois as verbas orçamentárias reservadas para dar-lhe proteção são escassas ou contingenciadas90.

Então, sabendo que o Estado não possui aparatos suficientes para sua

proteção, o corréu normalmente opta por não revelar nada, ou seja, raramente

se decide pela traição, o que faz com que o instituto fracasse, na posição do

supracitado autor e demais doutrinadores que fundamentam contra a delação

premiada.

Luiz Flávio Gomes também corrobora o entendimento de que a delação

premiada seria antiética, ao defender ser um equívoco pedagógico dispor em

lei dispositivos que concedam prêmios a traidores, porque assim se estaria

difundindo uma cultura de Direito como instrumento de antivalores91.

Outra crítica à delação premiada é a de que ela fere o princípio de que

ninguém é obrigado a oferecer provas contra si mesmo, “nemo tenetur se

detegere”. O corréu tem o direito de não se auto-incriminar, ou seja, para ele

ser beneficiado pelo instituto, necessariamente deve confessar a prática do

delito, ao que estaria renunciando o direito ao silêncio92.

Para Luiz Flávio Gomes a delação premiada feriria ainda outros

princípios, como o da igualdade e da proporcionalidade. O Ministério Público

tenta o acordo com o corréu, oferecendo o prêmio aos que cometem delitos

hediondos ou de crime organizado, ou seja, os delinquentes que cometem

outros tipos de crime não têm a mesma oportunidade93.

Além disso, fere o princípio da proporcionalidade ao se aplicar aos

criminosos que cometeram os mesmos delitos, penas diferentes,

independentemente do grau de culpabilidade de cada um. Para o autor, a

aplicação do benefício da delação premiada é indicativa de falha do Estado. As

formas de investigação que temos são insuficientes, e, devido a essa falta de

90 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.221. 91 GOMES, Luiz Flávio e CERVINI, Raúl. Crime Organizado. São Paulo: RT, 1997, p.165. 92 QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p.26. 93 GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: Enfoque criminológico, jurídico e político – criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, pp.166-167.

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preparo, se utiliza de uma estrutura tecnológica que contraria princípios

éticos94.

Miguel Reale Júnior também possui opinião no sentido de considerar

antiética a utilização da delação premiada ao corréu colaborador. Afirma ser

eticamente reprovável: “Porque é o Estado fazendo um negócio com o

delinquente para dizer você seja covarde e delate seus comparsas porque o

barco está afundando, porque você vai ganhar um prêmio”95.

Apesar de encontrarmos julgados de nossos Tribunais acerca da

legalidade da utilização da delação premiada como prova da prática de delitos,

também encontramos posicionamento contrário, como se denota da decisão

proferida no Habeas Corpus de nº92853/2007:

Tendo em vista que, caso o co-réu esteja sendo beneficiado pelo instituto da Delação Premiada, seria ainda mais nocivo, parcial e no mínimo suspeito seu testemunho, visto que nesse contexto, a delação premiada, instituto que pretende deferir diminuição de pena ou perdão judicial aos criminosos que ''voluntariamente'' colaborarem com a elucidação do crime. Daí surge a tensão entre o instituto em questão e o valor confiança, vez que o incentivo à traição ofende este atributo tão importante para o convívio em sociedade. Assim, não nos parece correto premiar uma ação que é desestimulada pelo conjunto do Direito Penal. Desta forma, acatar a delação premiada como algo legítimo seria desconsiderar os valores perseguidos pela agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea c, bem como pela qualificadora do art. 155, § 4º, inciso II, ambos do Código Penal Brasileiro. Além do mais, insta observar que a aceitação da delação como prova é capaz de gerar testemunhos falsos, acusações inverídicas e negócios escusos, já que o interesse do delator é lucrar, como se pôde observar nos recentes episódios envolvendo o empresário Luís Vedoin que, além de pretender o benefício do favor premial, envolveu-se em caso de venda de dossiês contra candidato à presidência da República. Outro efeito indesejável é a posição de hipossuficiência em que se coloca o Estado ao propor a delação premiada, vez que assume a insuficiência da máquina investigativa, fazendo com que o acusado espere primeiro ver o que poderá lucrar com o

94 GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: Enfoque criminológico, jurídico e político – criminal. Op. Cit. 95 Controvérsias na Delação Premiada. Disponível em: http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA1019663-3586,00.html. Acesso em: 24.mar.2012.

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fornecimento do seu testemunho, para só em seguida revelar as informações96.

3.4 – Casos Brasileiros famosos de aplicação da Delação

Premiada

Já analisamos o pensamento do doutor e mestre em Direito Processual

Penal Eduardo Araújo da Silva. Viu-se que para ele a utilização da delação

premiada é um importante armamento contra o crime organizado. Em suas

palavras:

Trata-se de um poderoso instituto do combate às organizações criminosas, pois ainda na fase de investigação criminal, o colaborador, além de confessar seu crime para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia e o Ministério Público nas suas atividades de recolher provas contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva)97.

Diz ainda que são “extraordinários os benefícios que a delação

premiada pode trazer para as investigações criminais em relação ao crime

organizado”. O autor critica o fato de que a delação premiada não seja ainda

tão abrangente no Brasil como em outros países98.

Ainda assim, podemos citar alguns casos famosos ocorridos em nosso

país, nos quais foi aplicada a benesse da delação premiada, com resultados

satisfatórios para a Polícia Judiciária Brasileira. Vejamos:

3.4.1 – Caso Doroty Stang99

A missionária Doroty Stang, de 73 anos, foi assassinada a tiros no dia

12 de fevereiro de 2005, em Anapu, Pará. Delataram os assassinos que, a

pedido de um fazendeiro, receberam 50 mil reais para praticar o delito.

O homem que teria “arranjado” a arma para o cometimento da

atrocidade, Amair Feijoli da Cunha, conhecido como “Tato”, requereu o

96 STF – MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS: HC 92853 PA. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14775325/medida-cautelar-no-habeas-corpus-hc-92853-pa-stf. Acesso em: 24.mar.2012. 97 SOUZA, Fátima. Como funciona a Delação Premiada. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/delacao-premiada1.htm. Acesso em: 24.mar.2012. 98 Idem. 99 SOUZA, Fátima. Como funciona a Delação Premiada. Op.Cit.

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benefício da delação premiada para em troca delatar tudo o que sabia a

respeito.

Em seu julgamento havia sido condenado a 27 anos de prisão, mas a

polícia, entendendo que as informações dadas por “Tato” de fato auxiliaram na

elucidação do crime, o beneficiaram com o instituto da delação premiada. Sua

pena foi reduzida em um terço, tendo sido efetivamente condenado ao final a

18 anos de reclusão.

3.4.2 – Caso “Leite Fraudado” 100

O caso ocorreu no estado de Minas Gerais, no ano de 2007. Uma

empresa e 29 de seus funcionários e diretores foram acusados e processados

por terem fraudado leite. Eles teriam adulterado as substâncias que

compunham o produto, ou seja, adicionaram soro e substâncias químicas

(citrato de sódio, peróxido de hidrogênio e soda cáustica).

A Polícia Federal teve dificuldades em obter confissões por parte dos

infratores no caso e, para tanto, a Procuradoria solicitou que fosse aplicado o

benefício da delação premiada a alguns funcionários, que decidiram então falar

tudo o que sabiam. Relataram que as fraudes vinham sendo praticados a mais

de dois anos.

Mais uma vez a polícia considerou que as informações trazidas pelos

funcionários foram esclarecedoras e também de forma satisfatória contribuíram

para a elucidação dos fatos, fato pelo qual tais funcionários receberam o

benefício da delação.

3.4.3 – Caso Eloá101

O assassinato da jovem de 15 anos Eloá, por seu ex-namorado, no ano

de 2008, chocou todo o Brasil. Eloá passou cinco dias sendo mantida em

cárcere privado por Lindembergue em sua própria casa. A história teve final

trágico com a morte da menina a tiros.

Emocionado, o pai da vítima, Everaldo Santos, ex-cabo da polícia militar

de Alagoas, ao aparecer na televisão comentando o assassinato da filha, foi

100 Idem. 101 SOUZA, Fátima. Como funciona a Delação Premiada. Op.Cit

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reconhecido como integrante de um grupo de extermínio, formado por policiais

civis e militares que atuava no estado de Alagoas, o que tornou o caso por

demais complexo.

O juiz do caso Marcelo Tadeu, da 16ª Vara de Execuções Penais, do

Tribunal de Justiça de Alagoas, ao ver que o pai de Eloá não queria confessar

por medo de morrer, concordou: “se ele voltar, ele morre”. O magistrado lhe

aconselhou a confessar tudo, pois essa seria a melhor opção. Em troca teria a

garantia de ficar preso bem longe de Alagoas, onde correria grande perigo de

morte e ainda ganharia uma redução de pena.

Sendo assim, nota-se que, embora a delação premiada esteja prevista

em leis ordinárias especiais de forma bem diferenciada para cada crime, as

intenções das leis são as melhores possíveis.

A polêmica que gira em torno da eticidade da delação premiada haverá

de existir ainda por muito tempo ou para sempre. No entanto, é notório que sua

utilização tem sido cada vez mais aplicada, tendo em vista ser um novo

instrumento usado em busca da verdade material, principalmente nos casos de

crimes praticados por organizações criminosas.

CONCLUSÃO

A delação premiada, como se viu no presente trabalho, foi trazida para

nosso ordenamento jurídico penal de forma assistemática, tendo cada lei

especial seu modo de dispor sobre o benefício.

Concluiu-se que a natureza jurídica da delação premiada é a de prova

anômala, inominada, ou seja, ela não está elencada como meio de prova em

nossa lei penal, mas não há como negar sua qualidade probatória.

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Com o estudo da Organização Criminosa e os delitos praticados por

estas, se conclui que a sociedade brasileira vive atualmente num clima de

insegurança diante do incansável aumento da criminalidade.

Diante da complexidade da atuação dessas organizações, o país se viu

obrigado a buscar técnicas mais eficazes para seu combate, tendo em vista

ser detentor de insuficientes instrumentos processuais normais para obtenção

de provas.

Dentre os mecanismos utilizados para combater o crime organizado

estudou-se: a interceptação telefônica e ambiental, a ação controlada, a

infiltração de agentes e a prova testemunhal. Nenhum desses meios se

mostrou tão eficaz quanto a Delação Premiada.

As características peculiares da criminalidade organizada exigiu que

fosse feita uma adaptação das leis. Descobriu-se que a colaboração do

acusado na elucidação do conflito é necessária e talvez seja a única maneira

de desmantelar as organizações criminosas.

Ao final do estudo foram trazidos os argumentos de quem é contra e

quem é a favor da aplicação do benefício da delação premiada. Os

fundamentos dos doutrinadores que são contra se baseiam principalmente no

fato de que sua utilização fere diversos princípios constitucionais penais, como

o da proporcionalidade da pena, o da igualdade e presunção de inocência.

Além disso, condenam que a delação é antiética, eis que o Judiciário se

basearia em relatos de um traidor (o corréu delator) para resolver um delito, e

ainda por cima o beneficiaria com redução da pena ou até mesmo o perdão.

Ao contrário, os fundamentos dos estudiosos a favor de sua aplicação

se sustentam basicamente no fato de que beneficiar aquele que colaborou com

a justiça seria uma forma bem eficaz, de modo que viabilizaria condenações

que seriam muito provavelmente impossíveis de acontecer.

Não se pode admitir o silêncio dos criminosos como uma postura ética e

moral. O que realmente deve existir é o dever de colaborar com a Justiça, esta

uma obrigação para com a sociedade.

Logo, apesar das controvérsias e das críticas em relação ao tema, o

instituto da delação premiada vem sendo cada vez mais utilizado nos casos de

crimes previstos na Lei 9.034/95, e o melhor, não se pode negar que de forma

bastante satisfatória.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

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DA DELAÇÃO PREMIADA 11

1.1 – Conceito 11

1.2 – Definições Doutrinárias 11

1.3 – Natureza Jurídica 13

1.4 – Evolução Histórica da Delação Premiada no Brasil 14

1.4.1 - Delação Premiada na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)

16

1.4.2 - Delação Premiada nos Crimes contra a Ordem Tributária,

Econômica e contra as Relações de Consumo (Lei nº: 8.137/90)

17

1.4.3 - Delação Premiada na Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº

9.613/98) 18

1.4.4 - Delação Premiada na Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas (Lei nº 9.807/99) 18

1.4.5 - Delação Premiada na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06)

19

1.4.6 - Delação Premiada nos Crimes praticados por Organizações

Criminosas (Lei nº 9.034/95) 20

CAPÍTULO II

DO CRIME ORGANIZADO 22

2.1 - Evolução Histórica do Crime Organizado 22

2.2 - Conceitos e Características das Organizações Criminosas

23

2.3 - O Crime Organizado no Brasil 26

2.3.1 - Principais Organizações Criminosas brasileiras 27

2.3.2 - Classificação dos delitos praticados por organizações criminosas

28

2.4 - Mecanismos brasileiros de combate ao Crime Organizado

29

2.4.1 - Da interceptação telefônica e ambiental 30

2.4.2 - Ação Controlada 32

2.4.3 - Infiltração de agentes 32

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2.4.4 - Prova testemunhal (Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas)

34

CAPÍTULO III

CONTROVÉRSIAS ACERCA DA UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO DA DELAÇÃO

PREMIADA 37

3.1 - Delação Premiada como mecanismo de combate ao Crime organizado –

Lei 9.034/95 37 3.2 - Argumentos favoráveis à Delação Premiada 39

3.3 - Argumentos contrários à Delação Premiada 41

3.4 - Casos Brasileiros famosos de aplicação da Delação Premiada 44

3.4.1 - Caso Doroty Stang 45

3.4.2 - Caso “Leite Fraudado” 45

3.4.3 - Caso Eloá 46

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 49

ÍNDICE 53