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7 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O ACIDENTE DE TRABALHO EM FACE DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004 Por: Márcio da Silva Lima Orientador Prof: Willian Rocha Rio de Janeiro 2008 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

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  • 7

    UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    PS-GRADUAO LATO SENSU

    PROJETO A VEZ DO MESTRE

    O ACIDENTE DE TRABALHO EM FACE DA EMENDA

    CONSTITUCIONAL 45/2004

    Por: Mrcio da Silva Lima

    Orientador

    Prof: Willian Rocha

    Rio de Janeiro

    2008

    UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

  • 8

    PS-GRADUAO LATO SENSU

    PROJETO A VEZ DO MESTRE

    O ACIDENTE DE TRABALHO EM FACE DA EMENDA

    CONSTITUCIONAL 45/2004

    Apresentao de monografia Universidade

    Candido Mendes como condio prvia para a

    concluso do Curso de Ps-Graduao Lato

    Sensu.

    AGRADECIMENTOS

  • 9

    amiga Renata Sartini, pela amizade e

    companheirismo.

    amiga Brbara Aguiar, pela ajuda fundamental.

    DEDICATRIA

  • 10

    Dedico essa Monografia a minha querida esposa,

    pela compreenso de minha ausncia e seu

    companheirismo. A minha querida Tia e Av pelo

    apoio em todos os momentos.

    A minha me e meu pai pela formao e pelo que

    sou hoje.

  • 11

    RESUMO

    A presente monografia tem por escopo, analisar a Competncia para Julgar os

    Acidentes de Trabalho em face da Emenda Constitucional n 45/2004. A

    competncia da Justia do Trabalho com advento da Emenda 45 passou a

    abranger o acidente de trabalho e a doena profissional em todos os contratos

    de atividade, no ficando mais restrita esfera da relao de emprego ou

    contrato de trabalho em sentido estrito. Dessa forma, a determinao da

    competncia de Juzo depende do pedido e da causa de pedir. Trata-se de

    prejuzos produzidos dentro de relaes laborais de outra banda, o que se

    busca no crdito prprio do contrato de trabalho, mas indubitavelmente a ele

  • 12

    diretamente relacionado. Espera-se que a nova redao do art. 114 da

    Constituio, determinada pela Emenda Constitucional 45/2005 venha a

    pacificar os entendimentos sobre qual o juzo apto a conhecer dessas

    demandas.

    SUMRIO 1 INTRODUO............................................................................................................ p. 7 2 COMPETNCIA ESPECIALIZADA DA JUSTIA DO TRABALHO...................... p. 9 2.1 EVOLUO HISTRICA..................................................................................................... p. 9 2.1.1 Anlise acerca das Constituies Federais de 1934 a 1969..................................... p. 9 2.1.2 A competncia da justia do trabalho na Constituio Federal de 1988.................. p. 14 2.2 ANLISE ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45........................................ p. 18 2.3 OBSERVAES ACERCA DO LIMITE PROCESSUAL................................................... p. 24 2.3.1 Da Jurisdio............................................................................................................ p. 24 2.3.2 Anlise da competncia relativa e absoluta............................................................. p. 26 3 DO ACIDENTE DE TRABALHO............................................................................. p. 28 3.1 CONSIDERAES GERAIS DO ACIDENTE DE TRABALHO........................................ p. 28 3.2 DISCIPLINA DA MATRIA NAS CONSTITUIES ANTERIORES.............................. p. 30 3.3 A QUESTO DA RESPONSABILIDADE CONCORRENTE EM FACE DA INDENIZAO DO ACIDENTE DE TRABALHO

    p. 32

    4 OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45 EM FACE DOS ACIDENTES DE TRABALHO

    p. 37

  • 13

    4.1 DAS DEFINIES................................................................................................................. p. 37 4.2 OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45.................................................... p. 41 4.3 INTERPRETAO EM CONSONNCIA COM O PRINCIPIO DA PROTEO............ p. 44 5 ANLISE PROCESSUAL E JURISPRUDENCIAL............................................... p. 46 5.1 DAS AES ACIDENTARIAS............................................................................................ p. 46 5.2 DA JURISPRUDNCIA........................................................................................................ p. 48 5.2.1 Observaes quanto as criticas............................................................................................ p. 52 5.3 DOS JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL................................................ p. 56 6 CONCLUSO.............................................................................................................. p. 59 7 BIBLIOGRFIA.......................................................................................................... p. 62

  • 14

    INTRODUO

    A presente pesquisa monogrfica apresenta como tema de estudo, os

    acidentes de trabalho em face da Emenda Constitucional n 45 de 31 de

    dezembro de 2004.

    As longas indefinies na doutrina e jurisprudncias sobre a

    competncia para demandas com origem em acidente do trabalho obrigam a

    uma anlise mais aprofundada do tema sob a perspectiva da Emenda

    Constitucional n. 45/04. O surgimento de pretenses indenizatrias originadas

    de relaes de trabalho, como danos morais e assdio sexual e moral, mas

    principalmente, acidentes do trabalho, geram situaes tormentosas do ponto

    de vista processual. H grandes e antigas divergncias na jurisprudncia e

    doutrina na identificao de qual o Juzo apto ao processamento e julgamento

    de tal tipo de pretenso. A dificuldade de identificao do rgo de jurisdio

    competente para a demanda refere-se principalmente s circunstncias do

    direito material aplicado e interpretao das regras constitucionais de

    delimitao de atribuies materiais.

    Ocorre que a determinao da competncia de Juzo depende do pedido

    e da causa de pedir. Se por um lado, trata-se de prejuzos produzidos dentro

    de relaes laborais de outra banda, o que se busca no crdito prprio do

    contrato de trabalho, mas indubitavelmente a ele diretamente relacionado.

    Espera-se que a nova redao do artigo 114 da Constituio da Republica

    Federativa do Brasil de 1988, determinada pela Emenda Constitucional n.

    45/04 venha a pacificar os entendimentos sobre qual o juzo apto a conhecer

    dessas demandas.

    A presente monografia foi estruturada em cinco captulos, dispostos da

    seguinte maneira:

    Inicialmente, apresenta-se o levantamento histrico da competncia da

    Justia do Trabalho, assim como noes acerca do limite processual de

    jurisdio e competncia.

  • 15

    Em seguida, trata-se do acidente de trabalho, analisando seus principais

    aspectos.

    No captulo quatro, enfoca-se a adequada interpretao sobre a matria,

    agora j sob a tica do Texto Constitucional posterior Emenda Constitucional

    n. 45/04, bem como seus reflexos.

    Por ltimo observam-se as anlises processuais e jurisprudenciais do

    tema provocados pela Emenda Constitucional n. 45/04, no que se relaciona ao

    acidente de trabalho. O que se pretende demonstrar aqui o desacerto de tal

    entendimento, que parte de premissas equivocadas, analisando-se

    pontualmente as argumentaes que tm alimentado o debate at o momento

    e, ao mesmo tempo, introduzir uma discusso nova, qual seja a

    insustentabilidade da tese da competncia da Justia Estadual em face da

    nova redao dada ao artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil de 1988 pelo advento da Emenda Constitucional n. 45/04.

  • 16

    2. DA COMPETNCIA ESPECIALIZADA DA JUSTIA DO TRABALHO

    2.1. EVOLUO HISTRICA

    2.1.1. Anlise acerca das Constituies Federais de 1934 a 1969

    O Direito do Trabalho no surgiu no Brasil concomitantemente

    introduo do trabalho subordinado nos modos de produo. Ao contrrio, um

    largo perodo se formou entre a solidificao do modo de produo baseado no

    trabalho subordinado e a iniciativa estatal de produo de legislao. No Brasil

    a Justia do Trabalho foi fruto de uma opo governamental, ao contrrio de

    pases como Inglaterra, Frana, Alemanha e Mxico, em que o Direito do

    Trabalho e a funo jurisdicional trabalhista nasceram de intensas

    reivindicaes sociais.

    Setenta anos depois da criao das primeiras leis trabalhistas no

    Brasil, a opo de privilgio ao regramento estatal, desestmulo a

    autocomposio dos conflitos e o crescente enfraquecimento dos sindicatos

    trouxeram reflexos aos rgos de jurisdio trabalhista abarrotada de

    processos. A nica forma de solver as pendncias dos contratos de emprego

    o socorrer-se Justia do Trabalho.

    Na ausncia da justia especializada, o Direito do Trabalho legislado

    no pas obrigava que eventuais lides envolvendo trabalhador e tomadores de

    servios fossem solvidos pelo juiz de direito. O contrato de emprego era

    confundido com os contratos de atividade previstos nos artigos 1.216 a 1.236

    do Cdigo Civil de 19161, de modo que no se identificava a necessidade de

    um rgo judicirio prprio para conhecer e julgar eventuais demandas. O

    reconhecimento da importncia de se criar um rgo prprio para solver as

    controvrsias de relaes de trabalho subordinado acompanhou a criao

    legislada do prprio Direito Material do Trabalho.

    O primeiro rgo especializado, de que se tem notcia, a que se

    atribuiu dar soluo a conflitos de trabalho, foi inaugurado em 1922, no Estado

  • 17

    de So Paulo. Limitava-se a conhecer de lides relativas a trabalho rural,

    integrado ao juiz da comarca, de um representante dos proprietrios rurais e

    outro dos trabalhadores. Em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho,

    vinculado ao Ministrio da Agricultura Indstria e Comrcio. O rgo tinha uma

    abrangncia ampla, podendo se manifestar sobre matrias trabalhistas e

    previdencirias. As funes eram consultivas e decisrias.

    Apenas em 1932, como conseqncia da Revoluo de 1930, criado

    o Ministrio do Trabalho. O carter modernizante do mesmo levou tambm

    formao das Juntas de Conciliao e Julgamento, tendo por objeto de atuao

    a composio dos conflitos individuais de trabalho.

    A Carta Constitucional de 1934 no utilizava a expresso competncia,

    mesmo porque, haja vista, no ser a Justia do Trabalho rgo integrante do

    Poder Judicirio. A Justia do Trabalho possua carter administrativo,

    estruturada em Juntas de Conciliao e Julgamento, Conselhos Regionais do

    Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho. A Carta referia apenas em seu

    Art. 22 que para dirimir questes entre empregadores e empregados, regidas

    pela legislao social, ficaria instituda a Justia do Trabalho.

    Enunciava a Carta de 19372

    Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relaes entre

    empregadores e empregados, reguladas na legislao social,

    instituda a Justia do Trabalho, que ser regulada em lei e qual

    no se aplicam as disposies desta Constituio relativas

    competncia, ao recrutamento e s prerrogativas da justia comum.

    As duas Constituies da dcada de 1930 evidenciam que se tratava a

    Justia do Trabalho de uma justia do emprego, vez que as questes ou

    conflitos a serem analisados eram os oriundos das relaes entre

    empregadores e empregados. A direo iria se manter nas Cartas

    Constitucionais posteriores.

    1 BRASIL. Lei n 3.071, de 1 de jan. 1916. Cdigo Civil. 2 BRASIL, Constituio da Republica Federativa do de 1937.

  • 18

    A idia de se manter a Justia do Trabalho no mbito administrativo foi

    instituda na Constituio de 1934, artigo 122 e mantida na Carta de 1937,

    artigo 139. O legislador de 1946, todavia, optou por integrar a Justia do

    Trabalho ao Poder Judicirio, estabelecendo:

    Art. 123. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios

    individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as

    demais controvrsias oriundas de relaes do trabalho regidas por

    legislao especial.

    1 Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da

    competncia da justia ordinria.

    Foi igualmente apenas a partir da Carta de 1946 que, aos juzes do

    trabalho, no plano constitucional, foram asseguradas as garantias previstas

    para os demais magistrados, como vitaliciedade, inamovibilidade e

    irredutibilidade de vencimentos.

    A Justia do Trabalho tambm possua competncia para analisar

    litgios oriundos de questes que envolvessem diaristas e mensalistas da

    Unio, Estados, Distrito Federal, Territrios e Municpios, bem como autarquias

    com fins econmicos, mas desde que tais trabalhadores no fossem

    funcionrios pblicos, nem gozassem de garantias especiais.

    O regramento do perodo, no entanto, manteve excludo o segmento

    urbano da sociedade brasileira. A legislao trabalhista estruturada nesta fase

    histrica no se aplicava a 70% da populao nacional, a qual dirigia seus

    servios no mbito rural. No obstante o significativo avano da tutela estatal

    do trabalho, no se pode esquecer que se manteve a limitao de abrangncia

    a apenas 1/3 dos trabalhadores nacionais. Foi apenas no incio da dcada de

    60, com o governo progressista de Joo Goulart, que se possibilitou a extenso

    da legislao trabalhista ao campo. Em 1963 surgiu o Estatuto do Trabalhador

    Rural, diploma que espraiou significativamente o universo da proteo laboral

    legislada.

  • 19

    Na Lei Maior de 1967, referiu o constituinte3:

    Art. 134. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios

    individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as

    demais controvrsias oriundas de relaes de trabalho regidas por lei

    especial.

    [...]

    2 Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da

    competncia da justia ordinria.

    A reforma de 1969, com a Emenda Constitucional n 1, determinava:

    Artigo 142: Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios

    individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei,

    outras controvrsias oriundas de relaes de trabalho.

    A Emenda Constitucional n 7, de 1977 manteve a redao do artigo

    142, apenas alterando a redao do 2o, relativo a acidentes do trabalho.

    Manteve-se a competncia da justia ordinria dos Estados, do Distrito Federal

    e dos Territrios, apenas acrescentando a expresso salvo excees

    estabelecidas na Lei Orgnica da Magistratura Nacional. O artigo 110 da

    mesma norma determinava que:

    Os litgios decorrentes das relaes de trabalho dos servidores com a

    Unio, inclusive as autarquias e as empresas pblicas federais,

    qualquer que seja seu regime jurdico, processar-se-o e julgar-se-o

    perante os juzes federais, devendo ser interposto recurso, se couber,

    para o Tribunal Federal de Recursos.

    Segundo Rodrigo Trindade de Souza:

    As caractersticas polticas do regime poltico inaugurado em 1964

    mostraram-se pouco propcias efetivao da legislao protetiva

    laboral e uma atuao prestigiada e significativa do Judicirio

    Trabalhista. Os motivos principais podem ser enumerados: pequeno

    nmero de Varas Trabalhistas, instaladas principalmente nas grandes

    3 BRASIL, Constituio da Republica Federativa do, de 1967.

  • 20

    cidades; atuao restrita do Ministrio Pblico do Trabalho e

    represso ao movimento sindical.4

    A Carta de 1969 perpetuou a vocao da Justia do Trabalho para ser

    uma justia do emprego, mas previa que, atravs de lei ordinria, pudesse o

    legislador atribuir competncia para conhecer de lides que no estivessem

    ligadas a uma relao empregatcia.

    Percebe-se que os subscreventes das Cartas de 1946, 1967 e 1969

    associavam a expresso relao de trabalho com a relao estabelecida entre

    empregado e empregador. Afirmava-se a competncia para julgar conflitos

    entre empregados e empregadores, bem como outras demandas oriundas de

    relao de trabalho. A impreciso tcnica justificvel. A base da fora de

    trabalho, inserida nos modos de produo vigentes, era o trabalho

    subordinado. Outros tipos de trabalho no subordinado eram raros, afastados

    do modo de produo capitalista e bastante diferente da realidade da relao

    de emprego. No havia, portanto, motivos para a indicao de termos jurdicos

    tecnicamente apropriados.

    Ainda assim, a doutrina da poca j oferecia crticas continuidade da

    opo do constituinte. Lamarca observou que o que acontece que o

    legislador nacional, temeroso e reacionrio, pois que tem receio de um rgo

    do Governo, criou e mantm uma justia de emprego5. Mas o mesmo autor

    resignava-se e conclua que o Direito Individual do Trabalho at ento deveria

    se limitar ao contrato individual de trabalho:

    Torna-se, por vezes, muito complicado saber se um dissdio individual

    ou no trabalhista. A Constituio fala em dissdios individuais e

    coletivos entre empregados e empregadores; ora, se h uma ao

    entre empregado e empregador e se somente se pode falar em

    empregado e em empregador diante de um contrato individual de

    trabalho, resulta lgico que a competncia constitucional da Justia

    do Trabalho, no plano especfico do Direito Individual do Trabalho,

    4 SOUZA, Rodrigo Trindade. Competncia da justia do trabalho para relaes de trabalho. Curitiba: Juru, 2005, p.25. 5 LAMARCA, Antonio. O livro da competncia , So Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p 116.

  • 21

    somente pode dizer respeito a questes exsurgentes de um contrato

    individual de trabalho6.

    Ainda que parea evidente, resta por registrar que a qualidade de

    empregado e empregador a determinar a competncia da Justia do Trabalho

    no significa que as partes processuais devessem necessariamente ter tal

    qualidade no nvel de direito material, no momento da apresentao da ao.

    No se limitou o direito de ao trabalhista quele indivduo que fosse

    empregado ou empregador. A regra era a de que tivesse a continuidade da

    relao empregatcia, ainda que j extinta, a determinante para a criao do

    direito pleiteado.

    A prtica inclusive na atualidade demonstra que a maioria das

    demandas envolve ex-empregado e ex-empregador.

    2.1.2. A competncia da Justia do Trabalho na Constituio Federal de

    1988

    Com o fim do regime de exceo e redemocratizao do pas,

    solidificou-se vontade de reerguimento do Estado democrtico sobre as

    bases de uma nova carta constitucional, com a convocao de uma nova

    Assemblia Nacional Constituinte.

    Ives Gandra da Silva Martins Filho7 relembra que para facilitar os

    trabalhos, foi elaborado um anteprojeto pela Comisso Affonso Arinos, mas

    que foi rejeitado em bloco pela j instalada Assemblia, a qual preferiu

    comear do zero8 .

    Segundo o autor, na Subcomisso temtica referente ao Poder

    Judicirio e Ministrio Pblico, o anteprojeto aprovado em maio de 1987, cujo

    relator foi o Deputado Plnio de Arruda Sampaio, previa a competncia da

    6 LAMARCA, Antonio. O livro da competncia So Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p 117. 7 FERRARI, Irany, Histria do trabalho, do direito do trabalho e da justia do trabalho , Obra escrita em co-autoria com NASCIMENTO, Amauri Mascaro e MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. So Paulo: LTr, 1998.p. 206. 8 Idem, p. 207

  • 22

    Justia do Trabalho para a apreciao das controvrsias referentes a acidentes

    do trabalho.

    Na comisso temtica de Organizao dos Poderes e Sistema de

    Governo, o anteprojeto aprovado em junho de 1987, tendo por relator o

    deputado Egdio Ferreira Lima, mantinha mais ou menos a mesma linha do que

    aprovado na Subcomisso, no que concerne Justia do Trabalho. Mas

    estabelecida controvrsia no Congresso em diversas matrias sobre os direitos

    dos trabalhadores9, o deputado sistematizador e relator Bernardo Cabral, em

    Plenrio, apresentou substitutivo ao Projeto Geral para afastar os acidentes do

    trabalho da competncia do judicirio trabalhista, mas incluindo os litgios

    contra a Administrao Direta.

    O legislador de 1988 foge dos termos usuais das Cartas anteriores.

    Substitui a expresso de litgios entre empregados e empregadores para as

    controvrsias entre trabalhadores e empregadores. A redao primitiva do

    artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, abaixo

    transcrita recebida pelos operadores do Direito do Trabalho como a que mais

    abriu os limites da jurisdio da Justia do Trabalho.

    Art. 114. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios

    individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores,

    abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao

    pblica direta e indireta dos Municpios, do Distrito Federal, dos

    Estados e da Unio, e, na forma da lei, outras controvrsias

    decorrentes da relao de trabalho, bem como os litgios que tenham

    origem no cumprimento de suas prprias sentenas, inclusive

    coletivas.

    A significativa ampliao de atribuies ocorreu com a outorga de

    competncia para litgios originrios de relao de trabalho subordinado entre

    servidores e os rgos da administrao pblica direta e indireta da Unio,

    Estados e Municpios. Ressalta-se que, Carta de 1967 estabelecia privilgio ao

    Poder Pblico, afirmando da competncia para esse tipo de demanda Justia

  • 23

    Federal. Somou-se outorga de competncia para as reclamaes

    apresentadas contra entes de Direito Pblico Externo, de modo a tambm

    transferir parcela de jurisdio da Justia Federal para a do Trabalho.

    Compreendeu o constituinte que o critrio determinante para a

    identificao da competncia Especializada devia ser a matria, pouco

    importando a natureza jurdica do empregador. Por esse motivo, alterou-se a

    regra vigente da Constituio de 1967, para retirar da Justia Federal a

    atribuio de apreciar feitos trabalhistas aforados contra a Unio ou rgos de

    representao estrangeira. A mudana no foi feita de forma brusca e imediata:

    tratou-se de estabelecer disposio transitria, de modo que a transferncia

    ocorresse sem sobressaltos para a administrao da Justia.

    A atribuio da Justia do Trabalho de conhecer de demandas que

    envolvessem relao de trabalho no subordinado nem mesmo chegou a ser

    sugerida na Assemblia Nacional Constituinte de 1988. Segundo Chiarelli que,

    ao contrrio, havia quem entendesse da inviabilizao de mesmo o empregado

    domstico ter acesso Corte Trabalhista10. Manteve-se a concepo da

    justia do emprego. Permaneceu a Justia do Trabalho, no mbito

    constitucional, com a atribuio de processar, conciliar e julgar as demandas

    com origem em conflitos havidos a partir da relao de emprego.

    Mas alguns avanos se fizeram sentir para outras relaes jurdicas de

    trabalho diversas das de emprego. Ainda que no inseridas especificamente no

    mbito constitucional, abriu-se a possibilidade de alargamento de competncia

    material da Justia do Trabalho. A expresso trabalhadores dava margem para

    ampliao das atribuies da Justia Laboral na medida em que possibilitava

    que demandas oriundas de outras relaes de trabalho fossem processadas

    neste ramo do Judicirio, caso houvesse outorga expressa em legislao

    infraconstitucional. Ou seja, deixaria a Justia do Trabalho de ser a justia do

    9 Em especial pela atuao do chamado Centro bloco de partidos de direita agrupados informalmente no andamento dos trabalhos 10 CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. O trabalho na constituio .So Paulo: LTr, 1989, p. 274.

  • 24

    emprego, caso houvesse lei fixando a competncia para outras relaes de

    trabalho.

    O texto constitucional revogado do artigo 114 da Constituio da

    Repblica Federativa do Brasil de 1988 utilizava-se da expresso e na forma

    da lei, outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho. A interpretao

    gramatical indica que a conjuno aditiva e obrigava a existncia de

    regramento infraconstitucional com hierarquia de lei para a ampliao das

    atribuies do Judicirio Trabalhista.

    Assim, foi outorgada Justia do Trabalho tambm a responsabilidade

    de conhecer de demandas sobre trabalhador avulsas, pequenas empreitadas

    que esta descrita no artigo 652, a, III, da CLT11, dissdios com origem no

    cumprimento de convenes coletivas de trabalho, mesmo quando ocorram

    entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador12 e

    execuo de ofcio das contribuies sociais13. Tambm a jurisprudncia abriu

    caminho para a anlise de outras questes, como dano moral, descumprimento

    de normas relativas segurana, higiene e sade dos trabalhadores14, aes

    relativas ao cadastramento no Programa de Integrao Social PIS15,

    11 interessante anotar que ao tempo da publicao da EC 45/2004 havia no Congresso Nacional projeto de lei com o objetivo de redimensionar a competncia da Justia do Trabalho, a partir de nova redao do art. 652 da CLT, para assim constar: Art. 652 1 Compete ao juiz do trabalho processar e julgar os litgios decorrentes de relaes de trabalho que, no configurando vnculo de emprego, envolvam: I representante comercial autnomo e tomador de servios; II corretor e tomador de servios; III transportador autnomo e empresa de transporte ou usurio de servios; IV empreiteiro e subempreiteiro, ou qualquer destes e o dono da obra, nos contratos de pequena empreitada, sempre que os primeiros concorrerem pessoalmente com seu trabalho para a execuo dos servios, ainda que mediante o concurso de terceiros; V parceiro ou arrendatrio rural e proprietrio; VII cooperativas de trabalho e seus associados; 2 O juiz decidir os litgios a que se refere o 1 deste artigo com base no direito comum, observadas as normas processuais constantes desta Consolidao das Leis do Trabalho. 3 Quando for controvertida a natureza da relao jurdica e o juiz no reconhecer a existncia de contrato de emprego alegado pela parte, poder ele decidir a lide com fulcro nas normas de direito comum, desde que, observados os princpios do contraditrio e da ampla defesa, seja o provimento jurisdicional compatvel com o pedido. 12 BRASI. . Lei 8.984 de 07 fev. 1995, art. 1. Competncia da Justia do Trabalho. 13 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n 20, de 15 dez. 1998. Modifica o sistema de previdncia social, estabelece normas de transio e d outras providncias. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008. 14 Smula 736 do STF: Compete justia do trabalho julgar as aes que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas segurana, higiene e sade dos trabalhadores. 15 Enunciado 300 do TST: Compete Justia do Trabalho processar e julgar aes ajuizadas por empregados em face de empregadores relativos ao cadastramento no Programa de Integrao Social (PIS).

    http://www.planalto.gov.br/

  • 25

    levantamento de depsitos de FGTS16 e reconhecimento de abusividade de

    greve.17

    Todavia, outras formas de relao de trabalho permaneceram

    excludas do mbito de atribuies da Justia do Trabalho. Controvrsias como

    as decorrentes de parcerias agrcolas ou representao comercial ainda

    deveriam ser processadas no Juzo Estadual, diante da falta de norma

    infraconstitucional especfica que levasse tais questes para a Especializada.

    Importante modificao na estrutura da Justia do Trabalho ocorreu em

    1999. A Emenda Constitucional n 24 de 09 de dezembro de 199918 extinguiu a

    representao classista, de modo que as Juntas de Conciliao e Julgamento

    passaram denominao de Varas do Trabalho.

    Ao que foi visto at agora, desde sua instituio em plano

    constitucional, com excluso da competncia normativa, as atribuies

    funcionais da Justia do Trabalho foram montadas, basicamente, em uma base

    de dois fundamentos: a) dissdios individuais e coletivos entre empregados ou

    trabalhadores e empregadores; b) na forma da lei ordinria, outras

    controvrsias oriundas da relao de trabalho.

    2.2. ANLISE ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004

    Aps doze anos de tramitao no Congresso Nacional, a Proposta de

    Emenda Constituio que trata da Reforma do Poder Judicirio teve sua

    votao concluda no dia 17 de novembro de 2004 pelo Senado e publicada em

    08 de dezembro do mesmo ano. Na chamada Reforma do Judicirio levada a

    efeito pelo Congresso Nacional, destacam-se notveis mudanas produzidas

    16 Enunciado 176 do TST: A Justia do Trabalho s tem competncia para autorizar o levantamento do depsito do Fundo de Garantia do Tempo de Servio na ocorrncia de dissdio entre empregado e empregador. 17 Enunciado 189 do TST: A justia do Trabalho competente para declarar a abusividade, ou no, da greve. 18 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n 24, de 9 dez. 1999. Altera dispositivos da Constituio Federal pertinentes representao classistas na Justia do Trabalho. Disponvel em: <

    http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008

    http://www.planalto.gov.br/

  • 26

    com a dilatao da competncia da Justia do Trabalho. Em especial, est a

    regra do inciso I do artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil de 198819, o qual outorga especializada, atribuies de processar e

    julgar litgios que tenham origem nas relaes de trabalho.

    A primeira verso da reforma teve origem na previso da prpria

    Constituio de ser revista aps cinco anos de sua vigncia, segundo

    disposio do artigo 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias. A

    instalao do Congresso Revisor de 1993 gerou parecer do deputado Nelson

    Jobim, propondo diversas atribuies funcionais do judicirio trabalhista.

    Nenhuma delas, no entanto, chegou a ser implementada, pois a parte chamada

    de reforma do Judicirio no chegou a ser apreciada nos prazos

    estabelecidos para a atuao do Congresso Revisor.

    Posteriormente, o relatrio do deputado Aloysio Nunes Ferreira

    simplesmente previu a extino do judicirio trabalhista como rgo autnomo,

    com a esdrxula proposta de incorporao pela Justia Federal comum. Eram

    tempos de CPI do Judicirio, aclaramento de ms-condutas de ex-presidentes

    de Tribunais Regionais do Trabalho e auge das idias de precarizao dos

    direitos trabalhistas.

    Passados os acontecimentos do incio da dcada de 90, lanou-se

    novo relatrio, agora da deputada Zulai Cobra (PSDB/SP). A primeira verso

    do trabalho ampliava as atribuies do judicirio trabalhista para toda e

    qualquer relao de trabalho. Todavia, na verso seguinte houve retrocesso e

    a parlamentar limitou a competncia s relaes de emprego. Na redao do

    projeto, preservava-se a locuo relao de emprego no que seria o inciso I do

    artigo 115 da Constituio da Republica Federativa do Brasil de 1988. Em outro

    inciso VIII repetia-se regra de que a lei ordinria poderia aumentar a

    BRASIL. Constituio (1988). Inciso I, artigo 114: Compete Justia do Trabalho processar e

    julgar: I as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios .Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 27

    competncia a Justia do Trabalho para outras controvrsias decorrentes da

    relao de trabalho.

    Em reao, as Amatras e a Anamatra20 conseguiram junto bancada

    do Partido dos Trabalhadores e apoio do deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS)

    o restabelecimento da verso anterior, somando-se a competncia para o

    funcionalismo pblico estatutrio, esta tambm originalmente prevista no texto

    original de 1988 e suprimida antes da verso final da Carta Magna. Segue a

    ntegra do ofcio encaminhado Cmara dos Deputados em fevereiro de 2000,

    pelo ento presidente da ANAMATRA, juiz Gustavo Tadeu Alkmin, solicitando a

    alterao e que deixa claros os motivos do emprego de uma ou outra

    expresso:

    A ANAMATRA, entidade que representa os juizes do trabalho de todo

    o pas, vem manifestar a sua posio firme a respeito do uso das

    expresses utilizadas para definir a competncia genrica da Justia

    do Trabalho. O cerne da questo, que traz preocupao para a

    magistratura, fixar os conceitos de relao de trabalho e relao de

    emprego, sendo o primeiro mais amplo, o gnero, da qual a Segunda

    mera espcie. relao de emprego apenas aquela onde h

    contrato formal (isto , carteira assinada), sob o regime da CLT, o que

    excluiria, por exemplo, pequenas empreitadas, trabalho autnomo e

    outras hipteses hoje j abrangidas na competncia da Justia do

    Trabalho. RELAO DE TRABALHO um conceito mais amplo,

    tendo por objetivo a prestao de qualquer servio de natureza

    pessoal, onde esteja envolvido trabalhador, como por exemplo,

    pequena parceria, trabalho autnomo, eventual e representao

    comercial. A restrio feita no relatrio, com a introduo da

    expresso RELAES DE EMPREGO, ao invs de RELAO DE

    TRABALHO, vai de encontro prpria filosofia da reforma do

    Judicirio, que permitir a democratizao da Justia, tornando-a

    mais clere para todos, alm de entrar em contradio com os

    prprios incisos do art. 115 da Constituio Feder al. Assim,

    20 Deve-se destacar que os trabalhos dos rgos de representao institucional do judicirio trabalhista no podem ser confundidos com os conhecidos lobbies corporativos, to presentes no Congresso Nacional. As idias defendidas de ampliao da competncia da Justia do Trabalho tiveram origem em congressos, seminrios e apresentados ao Legislativo e conjunto da sociedade de forma clara e prepositiva.

  • 28

    propugnamos pelo aperfeioamento do texto da reforma, substituindo

    no texto a expresso RELAO DE EMPREGO por RELAO DE

    TRABALHO, no inciso I, do art. 115.

    O destaque de votao foi apresentado pelo deputado Nelo Rodolfo

    (PMDB-SP). Foi o projeto para o Senado, sofrendo reformas de modo a se

    manter a competncia para as relaes de trabalho, mas com excluso dos

    servidores pblicos. Ainda no Senado Federal, houve apresentao, pelo

    senador Artur da Tvola (PSDB-RJ) pela qual se pretendia o restabelecimento

    da expresso relao de emprego utilizada no texto aprovado na Comisso

    Especial da Cmara dos Deputados. A proposta, todavia, sequer foi objeto de

    votao.

    O aprofundamento da anlise histrica da votao dos projetos

    tendentes ao redimensionamento da competncia da Justia do Trabalho se

    justifica. Verifica-se que, houve significativo embate entre os parlamentares

    para que se utilizasse uma entre duas expresses-chave para a determinao

    das atribuies do judicirio trabalhista. As divergncias entre possveis

    redaes com uso da locuo relao de trabalho e relao de emprego no

    lastreada simplesmente numa melhor tcnica gramatical, mas indica que as

    expresses possuem uma importante divergncia conceitual. Compreendiam

    os representantes legislativos que o uso de uma ou de outra expressaria

    desdobramentos muito diferentes.

    A Emenda Constitucional n 45 de 30 dezembro de 200421, apresenta

    variada matria atinente atuao do Judicirio Brasileiro, dispondo, entre

    outras coisas, critrios de reconhecimento de tratados e convenes

    internacionais relativos a direitos humanos, criao de um conselho nacional de

    justia, critrios de seleo e promoo de magistrados, estabelecimento de

    smula vinculante e composio de tribunais. Em matria de competncia

    21 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n45 , de 30 dez. 2004. Altera dispositivos dos arts. 5, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituio Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e d outras providncias.

  • 29

    entre os diversos rgos do Poder Judicirio, traz modificaes nas atribuies

    da Justia Militar e do Trabalho, alm de prever a criao de varas agrrias.

    No que se refere competncia da Justia do Trabalho, ampliou

    significativamente as atribuies da especializada. Idealizao do constituinte

    de 1988 de condensar a matria de conhecimento do judicirio trabalhista em

    um artigo com dois pargrafos22 foi substituda por uma nova redao do caput

    e introduo de nove incisos, alm de dotar o segundo e terceiro pargrafos de

    novel contedo. Tal verso final:

    Art. 114. Compete Justia do Trabalho processar e julgar:

    I - as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de

    direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da

    Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;

    II - as aes que envolvam exerccio do direito de greve;

    III - as aes sobre representao sindical, entre sindicatos, entre

    sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

    IV - os mandados de segurana, habeas corpus e habeas data,

    quando o ato questionado envolver matria sujeita sua jurisdio;

    V - os conflitos de competncia entre rgos com jurisdio

    trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

    VI - as aes de indenizao por dano moral ou patrimonial,

    decorrentes da relao de trabalho;

    VII - as aes relativas s penalidades administrativas impostas aos

    empregadores pelos rgos de fiscalizao das relaes de trabalho;

    VIII - a execuo, de ofcio, das contribuies sociais previstas no art.

    195, I, a, e II, e seus acrscimos legais, decorrentes das sentenas

    que proferir;

    IX - outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, na forma

    da lei.

    22 Emenda Constitucional n 20 de 15 dez. 1998.

  • 30

    1........................................

    2 Recusando-se qualquer das partes negociao coletiva ou

    arbitragem, facultado s mesmas, de comum acordo, ajuizar

    dissdio coletivo de natureza econmica, podendo a Justia do

    Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposies mnimas legais

    de proteo ao trabalho, bem como as convencionadas

    anteriormente.

    3 Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de

    leso do interesse pblico, o Ministrio Pblico do Trabalho poder

    ajuizar dissdios coletivos, competindo Justia do Trabalho decidir o

    conflito.

    s novas competncias, j oficializadas com a vigncia da Emenda

    Constitucional n 45/04 podero se somar ainda outras. No apenas pela

    agregao em legislao ordinria23, mas, porque algumas matrias ficaram

    pendentes de votao. Houve o retorno do projeto Cmara dos Deputados

    para anlise e votao da matria de dispositivos acrescentados pelo Senado

    ou alterados por aquela Casa. No que se refere Justia do Trabalho, poder

    tambm passar a ser responsvel pelo processamento e julgamento de litgios

    que tenham origem no cumprimento de seus prprios atos e sentenas,

    inclusive coletivas; execuo de ofcio das multas por infrao legislao

    trabalhista reconhecida em sentena que proferir; execuo de ofcio dos

    tributos federais incidentes sobre os crditos decorrentes de suas decises.

    Tambm matria que retornar Cmara a relativa possibilidade de

    utilizao de juzo arbitral para entidades pblicas; critrios de nomeao de

    ministros do Superior Tribunal de Justia; composio do Tribunal Regional

    Eleitoral e Superior Tribunal Militar, critrios e promoo por merecimento;

    disposies antinepotismo e estabelecimento de Smula Impeditiva de Recurso

    para o Superior Tribunal de Justia e Tribunal Superior do Trabalho.

    23BRASIL. Constituio (1988). Inciso IX do artigo 114. Constituio da Repblica Federativa do Brasil.Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 31

    Com a introduo do inciso I do artigo 114 da Constituio da

    Repblica Federativa do Brasil, supera-se o texto antigo do caput que limitava

    o campo de atuao do Judicirio Trabalhista aos conflitos entre trabalhadores

    e empregadores. Esclarece o legislador da reforma que todos os dissdios com

    origem em relao de trabalho so da alada do judicirio trabalhista.

    Permanece a competncia histrica de conhecer de demandas que envolvam o

    clssico trabalhado subordinado e somam-se outras modalidades de trabalho

    que no o da espcie emprego. A fixao da competncia da Justia do

    Trabalho ocorre agora em qualquer tipo de regime contratual a que esteja

    submetido o trabalhador.

    2.3. OBSERVAES ACERCA DO LIMITE PROCESSUAL

    2.3.1. Da jurisdio

    A palavra jurisdio tem origem nos termo latino iuris e dictio. O

    primeiro com o significado de direito e o segundo com gnese no verbo dicere,

    dico.

    Ensina Moacyr Amaral Santos que:

    O Estado moderno, no desempenho de sua finalidade, qual a de

    conservar e desenvolver as condies da vida em sociedade, exerce

    trs funes distintas, conquanto harmnicas entre si,

    correspondentes aos trs poderes, Legislativo, Executivo e Judicirio,

    em que distribui o seu poder soberano, as funes legislativa,

    administrativa e jurisdicional.24

    Ressalta Ovdio que o crescimento avassalador do Estado moderno

    est intimamente ligado ao monoplio da produo e aplicao do direito,

    portanto criao do direito, seja em nvel legislativo, seja no nvel

    jurisdicional25. Foi para o desenvolvimento da especfica funo do Judicirio

    que se estabeleceu a jurisdio, como o poder que toca ao Estado, entre suas

    24 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, So Paulo: Saraiva, 1991, p. 65. 25 SILVA, Ovdio Baptista da.Curso de processo civil, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 15.

  • 32

    atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra concreta

    que, por fora do direito vigente, disciplina as situaes jurdicas. A jurisdio

    faz atuar o direito objetivo, resguardando a ordem jurdica e a autoridade da lei.

    Segundo Humberto Theodoro Jnior:

    A jurisdio se apresenta como atividade estatal secundria,

    instrumental, declarativa ou executiva, desinteressada e provocada. A

    jurisdio no fonte de direito, isto , no tende formulao de

    normas abstratas de direito, ou no cria nem restringe,

    substancialmente, o direito para as partes que dela se valem.

    Completa o mesmo autor indicando como princpios da jurisdio o

    do juiz natural, da improrrogabilidade e da indeclinabilidade.26

    Amaral Santos relaciona, ainda, o princpio da aderncia da jurisdio

    ao territrio no caso afirmativo, realizar as atividades necessrias sua

    efetivao prtica.27

    O mesmo autor ressalta o carter de inrcia da jurisdio, afirmando

    que:

    A mesma se exerce em face de um conflito de interesses e por

    provocao de um dos interessados. funo provocada. Quem

    invoca o socorro jurisdicional do Estado manifesta uma pretenso

    contra ou em relao a algum. Ao rgo jurisdicional do Estado

    manifesta uma pretenso contra ou em relao a algum. Ao rgo

    jurisdicional assistem o direito e o dever de verificar e declarar,

    compondo assim a lide, se aquela pretenso protegida pelo direito

    objetivo, bem como, no caso afirmativo, realizar as atividades

    necessrias sua efetivao prtica.28

    Como funo estatal, outorgada a um dos Poderes da Repblica, resta

    claro que a jurisdio una, englobando todos os litgios que possam se formar

    em torno de todos os bens juridicamente tutelados.

    26 THEODORO JNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 37. 27 SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p.72. 28 Idem, p. 73.

  • 33

    2.3.2. Anlise da competncia relativa e absoluta.

    Tal como referido, a jurisdio, por ser funo estatal outorgada a um

    dos Poderes da Repblica, una, alcanando todos os litgios que possam se

    instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito. O Poder Judicirio, nico

    detentor da funo da jurisdio, faz atuar suas atribuies, manifestando-se

    atravs de seus rgos. Trata-se dos rgos jurisdicionais ou rgos

    judicantes.

    O artigo 92 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    enumera tais corpos:

    Art. 92. So rgos do Poder Judicirio:

    I - o Supremo Tribunal Federal;

    I-A o Conselho Nacional de Justia;

    II - o Superior Tribunal de Justia;

    III - os Tribunais Regionais Federais e Juzes Federais;

    IV - os Tribunais e Juzes do Trabalho;

    V - os Tribunais e Juzes Eleitorais;

    VI - os Tribunais e Juzes Militares;

    VII - os Tribunais e Juzes dos Estados e do Distrito Federal e

    Territrios. .29

    Dessa forma, a jurisdio exercida pelos Tribunais e juzes. Por

    vrios motivos a jurisdio repartida entre os rgos enumerados no artigo 92

    da Constituio Federal. Amaral Santos enumera os elementos determinantes:

    extenso territorial, distribuio da populao, natureza das causa, o seu valor,

    29 BRASIL. Emenda Constitucional 45/04.

  • 34

    complexidade30. A diversidade de demandas aconselha a diviso do trabalho,

    como forma de melhorar a atuao jurisdicional.

    Ensina Carnelutti que:

    Teoricamente, para o exerccio da funo judicial poderia bastar

    somente um ofcio, mas praticamente a multiplicidade dos ofcios est

    aconselhada pela convenincia de os distribuir pelo territrio do

    Estado, assim como tambm pela de os diferenciar em relao a

    diversas funes processuais que lhe so encomendadas; por isso

    sobre a unicidade prevalece a multiplicidade dos ofcios.31

    A fixao das atribuies dos rgos judicantes indica os limites em

    que podem exercer suas funes. So esses limites identificados como as

    parcelas de jurisdio atribudas a cada juiz ou tribunal. o que torna o juiz

    competente. Competncia, portanto, o poder de exercer a jurisdio nos

    limites estabelecidos na lei, ou a parcela da jurisdio de cada rgo

    jurisdicional.

    O atual Cdigo de Processo Civil sistematizou de modo muito claro e

    didtico duas formas de competncia e incompetncia jurisdicional32: a

    absoluta e a relativa. Deixou, todavia, de indicar quais teriam sido os critrios

    adotados para a classificao das diferentes espcies de competncia interna.

    Aps a separao da competncia internacional, distingue: a) competncia em

    razo do valor; b) competncia em razo da matria; c) competncia funcional;

    d) competncia territorial.

    A ltima, competncia territorial, ou competncia de foro a

    determinada pelo domiclio, pela situao da coisa ou em razo dos fatos. Tem

    por objetivo resolver dvidas de atribuies jurisdicionais quando esto

    presentes diferentes juzes, com igual competncia em razo da matria e do

    valor, e que se encontram em circunscries judicirias diferentes, conforme a

    comarca do Estado/Regio.

    30 SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p.198 31 CARNELUTTI, Francesco. Instituies do processo civil , Campinas: Servanda, 1999, p. 241. 32 De modo geral, no captulo I do Ttulo IV, do Livro I, do CPC, correspondente aos arts. 86 a 124.

  • 35

    Diz-se que a competncia apenas relativa, porque, apesar de haver

    indicao normativa de atribuio para rgo diverso do que recebeu a

    demanda, pode o primeiro passar a ser legitimado ao processamento e

    julgamento. Trata-se do fenmeno da prorrogao, o qual depende da

    ocorrncia de determinadas circunstncias ou acontecimentos. Com respaldo

    em expressas determinaes legais e orientao jurisprudencial sumulada 33, a

    maior parte da doutrina processual afirma que a nica incompetncia possvel

    de ser declarada de ofcio a absoluta.

    3. DO ACIDENTE DE TRABALHO

    3.1. CONSIDERAES GERAIS

    Entende-se por acidente do trabalho aquele que ocorre pelo exerccio

    do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do trabalho dos segurados

    referidos no inciso VII do art. 11 da lei 8.213/9134, provocando leso corporal ou

    perturbao funcionai que cause a morte ou a perda ou reduo, permanente

    ou temporria, da capacidade para o trabalho.

    Dispe o artigo 20 da Lei n 8.213/91, in verbis:

    Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo

    anterior, as seguintes entidades mrbidas:

    I - doena profissional, assim entendida a produzida ou

    desencadeada pelo exerccio do trabalho peculiar a determinada

    atividade e constante da respectiva relao elaborada pelo Ministrio

    do Trabalho e da Previdncia Social;

    II - doena do trabalho, assim entendida a adquirida ou

    desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho

    33 Smula 33 do STJ: A incompetncia relativa no pode ser declarada de ofcio. 34 BRASIL. Lei n 8.213, de 24 jul. 1991. Dispe sobre os Planos de Benefcios da Previdncia Social e d outras providncias.Art. 11. So segurados obrigatrios da Previdncia Social as seguintes pessoas fsicas: [...] VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatrio rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exeram suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxlio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cnjuges ou companheiros e filhos maiores de 14

  • 36

    realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relao

    mencionada no inciso I.

    1 No so consideradas como doena do trabalho:

    a) a doena degenerativa;

    b) a inerente a grupo etrio;

    c) a que no produza incapacidade laborativa;

    d) a doena endmica adquirida por segurado habitante de regio

    em que ela se desenvolva, salvo comprovao de que resultante de

    exposio ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

    2 Em casos excepcionais, constatando-se que a doena no

    includa na relao prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das

    condies especiais em que o trabalho executado e com ele se

    relaciona diretamente, a Previdncia Social deve consider-la

    acidente do trabalho.

    Ressalta-se que, quando surgiu a obrigao de indenizar por acidente

    de trabalho, o primeiro fundamento jurdico dessa obrigao foi a culpa do

    empregador. Este indenizava nos casos em que o acidente decorresse de sua

    culpa35.

    A obrigao do empregador surgia pela a sua ao ou omisso culposa

    que desse conseqncia ao acidente. Observa-se caracterizada a teoria da

    responsabilidade subjetiva, baseada no princpio da culpa aquilina do direito

    romano.

    Explica Amauri Mascaro Nascimento36 que, em seguida, surgiu teoria

    do risco profissional, segundo a qual a causa dos acidentes o risco inerente

    ao exerccio de uma profisso. Na sociedade industrial o trabalho do operrio

    (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. 35 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciao ao direito do trabalho. 29 ed. So Paulo: LTr, 2003, p. 697. 36 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciao ao direito do trabalho. 29 ed. So Paulo: LTr, 2003, p.. 698.

  • 37

    com mquinas e em ambientes susceptveis de afetar a sade oferece riscos

    naturais.

    Frisa-se que tais riscos no podem ser suportados pelo trabalhador.

    Dessa forma, a indenizao de acidente devida pelo fato da existncia

    desses riscos, onde no existe a possibilidade de haver ou no culpa do

    empregador. Diante desse contexto, a teoria do risco profissional ou princpio

    da responsabilidade subjetiva deu lugar ao princpio da responsabilidade

    objetiva.

    Numa terceira e atual fase, foi desenvolvida a teoria do risco social. A

    indenizao de acidente paga porque o infortnio um risco que deve ser

    suportado pela sociedade e no apenas pelo empregador. Com isso, foi

    possvel a integrao do acidente do trabalho no sistema de previdncia social,

    como no Brasil.

    3.2. DISCIPLINA DA MATRIA NAS CONSTITUIES ANTERIORES

    A Constituio de 1946, no pargrafo 2 do artigo 123, estabelecia

    diretamente que a competncia para julgamento das aes de acidente de

    trabalho era da Justia Comum, trazendo uma exceo expressa

    competncia da Justia do Trabalho, ao dispor sistematicamente:

    Art. 123 - Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os

    dissdios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e

    as demais controvrsias oriundas de relaes do trabalho regidas por

    legislao especial.

    1 - Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da

    competncia da Justia ordinria.

    Dispositivo no mesmo sentido foi mantido de modo expresso na

    Constituio Federal de 1967, que estabelecia a competncia da Justia

    Estadual para julgamento de pleitos indenizatrios decorrentes de acidente de

    trabalho, dispondo o art. 119 da referida Carta literalmente:

  • 38

    Aos Juzes federais compete processar e julgar, em Primeira

    Instncia:

    I - as causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa

    pblica federal for interessada na condio de autora, r, assistente

    ou oponente, exceto as de falncia e as sujeitas Justia Eleitoral,

    Militar ou do Trabalho, conforme determinao legal."

    Ainda dessa mencionada Constituio, o pargrafo 2 do artigo 134,

    estabelecia que "Os dissdios relativos a acidente do trabalho so da

    competncia da Justia ordinria".

    Com o advento da Emenda Constitucional de 1969, houve alterao do

    Texto Constitucional, mas foi mantida a competncia da Justia Estadual,

    passando a estabelecer o artigo 142 da Constituio o seguinte:

    Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios

    individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e,

    mediante lei, outras controvrsias oriundas da relao de trabalho.

    2 Os litgios relativos a acidente do trabalho so da competncia

    da Justia Ordinria dos Estados, do Distrito Federal ou dos

    Territrios.

    A Constituio de 1988 no repetiu essa normatizao das

    Constituies precedentes. A nica meno competncia sobre acidente de

    trabalho est contida no inciso I, do art. 109, que trata da competncia dos

    Juzes Federais, sendo apenas uma norma de exceo, na medida em que se

    limita a excluir da competncia da Justia Federal aes que versem sobre

    acidente de trabalho.

    Como se v o ordenamento jurdico constitucional anterior estabelecia

    expressamente a competncia da Justia Comum para julgar aes

    acidentrias, este fato histrico, que utilizado como indicativo de competncia

    da Justia Estadual, a nosso ver tem efeito oposto. No se pode estabelecer

    uma espcie de "competncia por tradio", pois tal critrio agride o princpio

    do juzo natural, devendo, por conseguinte, a regra de competncia serem

  • 39

    estabelecidas no ordenamento jurdico vigente, seja diretamente, seja por

    atribuio do legislador constituinte ao legislador ordinrio.

    O silncio da Constituio atual, que elegeu o critrio de competncia

    residual e excetuou apenas da Justia Federal a competncia para demandas

    que envolvam acidente de trabalho, j seria uma manifestao eloqente de

    que tal competncia foi alterada com a Constituio Federal de 1988, pois se o

    legislador constituinte originrio tencionasse manter a competncia da Justia

    comum tambm para as demandas envolvendo acidente de trabalho, o teria

    feito expressamente, tal como ocorreu nas Constituies anteriores ou teria

    excepcionado expressamente a competncia da Justia do Trabalho, quando

    se tratasse de tais litgios.37.

    3.3. A QUESTO DA RESPONSABILDIADE CONCORRENTE EM FACE DA

    INDENIZAO DO ACIDENTE DE TRABALHO

    As sucessivas leis brasileiras editadas com o escopo de regular a

    reparao devida em casos de acidente de trabalho trataram de modo diverso

    a questo do concurso da responsabilidade acidentria e de direito comum; ora

    no o permitindo, ora admitindo-o e ora silenciando a seu respeito.

    A princpio a indenizao civil e a indenizao acidentria eram

    confundidas em um nico instituto, as responsabilidades do empregador pelo

    acidente de trabalho. Dessa maneira, primeira lei acidentria no regulou o

    concurso dessas reparaes. Com o tempo, porm, foram elas sendo

    separadas e colocadas em esferas distintas, assumindo a legislao e a

    jurisprudncia brasileiras a diversidade dos institutos. Verifica-se que o incio

    do reconhecimento da distino entre ambas deu-se com a edio da segunda

    lei acidentria do pas.

    Proibindo, pelo mesmo acidente, a responsabilizao do empregador

    pelo direito comum quando j paga ao empregado a indenizao acidentria

    37OLIVEIRA, Sebastio Geraldo. Proteo jurdica sade do trabalhador, 2 ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: LTr, 1988, p. 238.

  • 40

    nele prevista, o Decreto 24.637/34 nada mais fez do que admitir implicitamente

    a natureza distinta das duas formas de reparao.

    poca do Decreto 24.637/34, todavia, a indenizao estava a cargo

    exclusivo do empregador, mantendo-se totalmente desvinculada do poder

    estatal e possuindo natureza eminentemente civilstica. No havia na

    reparao qualquer elemento, por menor que fosse, que lhe atrasse o carter

    previdencirio.

    Na vigncia do Decreto, at mesmo o tratamento clnico do trabalhador

    deveria ser suportado pela empresa, tarefa hoje desempenhada pelo sistema

    de seguro social do Estado.

    Sendo o concurso de ambas as indenizaes proibidas, a reparao

    pelo acidente do trabalho s poderia ser uma: a prevista no Decreto 24.637/34,

    paga pelo seguro obrigatrio, que deveria ser realizado pelo empregador

    perante uma instituio privada. Ocorre, todavia, que a experincia demonstrou

    ser a exonerao da responsabilidade civil do empregador um estimulante ao

    relaxamento quanto s medidas necessrias para a segurana do trabalho, j

    que o simples fato de ter sido realizado o seguro acidentrio o livrava de

    responder pelos infortnios que pudessem acontecer.38

    Nesse contexto e para que o seguro obrigatrio no se transformasse no

    incentivo ao aumento do risco especfico do trabalho, provocado pelo desleixo

    do empregador com as medidas de segurana indispensveis e at mesmo

    para coibir o seu dolo ou m-f, surgiram dispositivos especiais prevendo a

    excluso, do campo da infortunstica, de danos gerados por falta intencional ou

    inescusvel.

    Assim, admitiu-se o concurso de indenizao acidentria e de direito

    comum relativa ao mesmo acidente, quando este resultava de dolo do

    empregador ou de seus prepostos. Na vigncia do Decreto 7.036/44, portanto,

    coexistiram duas formas de indenizao: a acidentria e a civil.

  • 41

    Uma vez introduzido no direito positivo ptrio possibilidade de acmulo

    das duas responsabilidades, a jurisprudncia logo tratou de ampliar a rea de

    incidncia da nova regra em favor do trabalhador, equiparando a culpa grave

    ao dolo mencionado no art. 31, do Decreto 7.036/44.

    Nesse sentido:

    Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito

    comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo.

    A indenizao por acidente do trabalho no exclui a do direito

    comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.Estabelecida

    pelo STF a equiparao, e falando a lei em dolo do empregador ou

    de seus prepostos, o mesmo critrio h de prevalecer no tocante

    culpa grave, equiparada ao dolo: ela tanto pode ser do empregador

    como de seus prepostos39.

    Responsabilidade civil. Indenizao por ato ilcito. Acidente do

    trabalho. Inadmissibilidade. Inexistncia de dolo ou de culpa

    manifesta do empregador. Voto vencido. De acordo com o

    entendimento da Smula 229 do STF, a indenizao acidentria no

    exclui a responsabilidade do empregador em caso de dolo ou culpa

    grave. O seguro de vida, por ser de natureza diversa, no afasta a

    indenizao pelo dano decorrente de ato ilcito. O ressarcimento de

    eventuais danos decorrentes de acidente do trabalho, com base no

    direito comum, alm das verbas da infortunstica, est sujeito prova

    de dolo ou culpa manifesta do empregador40.

    38HASSON, Roland. Acidente de Trabalho & Competncia - Pensamento Jurdico, Curitiba: Juru, 2004. p. 61. 39 BRASIL. Tribunal de Justia de So Paulo ( Primeira Turma). Acrdo, de 06 maio 2004, Recurso Especial n 75.557/SP. Ementa: Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo. Des. CELIO BORJA. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev.2008. 40 BRASIL. Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro ( Segunda Cmera Civil). Acrdo, de 18 jan. 2005, Recurso Especial n 75.557/SP. Ementa: Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo. Des. CELIO BORJA. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008.

    http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/

  • 42

    A consolidao dessa orientao jurisprudencial deu-se com a Smula

    22941 do Supremo Tribunal Federal, que diz correlao a indenizao

    acidentria quando h dolo ou culpa do empregador.

    Ressalta-se que a edio dessa Smula no ocorreu de forma pacfica e

    sem resistncias por parte da doutrina e mesmo da jurisprudncia, havendo

    entendimentos contrrios at no prprio Superior Tribunal Federal, como o do

    Ministro Luiz Gallotti, que dizia no considerar ser possvel ler-se culpa quando

    a lei falava em dolo. Entretanto, apesar de toda a polmica, o posicionamento

    cristalizado na Smula 22942 do Superior Tribunal Federal prevaleceu,

    entendendo os tribunais ser correto interpretar a expresso dolo com o

    significado, ao mesmo tempo, de dolo e culpa equiparada a ele; culpa grave,

    falta inescusvel, negligncia absurda, omisso consciente do empregador que

    no se incomoda com a segurana do empregado, expondo-o ao perigo.

    Ante o contido no Decreto 7.036/44, portanto, admitia-se o concurso da

    responsabilidade acidentria e de direito comum. No se admitia, contudo, a

    coexistncia integral das duas reparaes, orientando-se a doutrina e a

    jurisprudncia para o rumo da complementao, no o da soma dos valores

    nelas recebidos.

    Entendia-se que a lei acidentria criava um sistema especial de

    indenizao que no exigia dolo ou culpa do patro, e que, somente quando

    presentes esses elementos, aplicar-se-iam as regras de responsabilidade civil

    do direito comum. Em outras palavras, sustentava-se que a regra do artigo 31,

    do Decreto 7.036/44, praticamente cancelava o princpio do risco profissional

    como razo de indenizar, fazendo surgir em seu lugar o fundamento da

    responsabilidade comum.

    Assim, nos casos ordinrios de acidentes do trabalho, a nica

    indenizao cabvel seria a tarifada, prevista na legislao especial e, no caso

    41 Smula 229 STF: A indenizao acidentria no exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008. 42 Sumula: 229 STF. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008.

    http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/

  • 43

    de dolo ou culpa grave, dilatar-se-ia a obrigao de indenizar at os limites

    fixados pelas normas de direito civil.

    Com a Constituio da Repblica federativa do Brasil de 1988, portanto,

    pacificou-se e legalizou-se a possibilidade de concorrncia das duas formas de

    reparao, a acidentria e a civil. Alm disso, ante a clareza do inciso XXVIII,

    artigo 7 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 198843, de que

    no mais poderia discutir a respeito do grau de culpa do empregador, restou

    prejudicada a Smula 229 do Superior Tribunal Federal, que caiu em desuso.

    Em face disso, os tribunais ptrios passaram a entender que a obrigao de

    indenizar se estabelece mesmo que para a ocorrncia do acidente o

    empregador tenha agido com culpa leve:

    Aps o advento da Lei 6.367/76, admissvel o pleito de reparao

    civil, decorrente de sinistro laboral desde ento verificado, mediante a

    demonstrao da ocorrncia de simples culpa, em qualquer de suas

    modalidades, prescindindo-se do dolo ou culpa grave.

    Somente depois de provada a total ausncia de culpa do empregador44,

    ficar ele isento do pagamento de indenizao. Paralelamente a isso,

    entretanto, a indenizao fundada na legislao de infortunstica, a cargo do

    rgo previdencirio, estar sempre disposio do trabalhador, no se

    perquirindo a respeito do elemento subjetivo, ou seja, o dolo ou culpa, tanto por

    parte do empregado quanto por parte do empregador.

    43 BRASIL. Constituio (1988). Inciso XXVIII do artigo 7. A percepo de indenizao acidentria no exclui, nem restringe ou limita, a de direito comum fundada no dolo ou culpa do empregador. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008. 44 Hipteses de caso fortuito, fora maior ou culpa exclusiva do empregado.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 44

    4. OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45/2004 EM FACE

    DOS ACIDENTES DE TRABALHO

    4.1. DAS DEFINIES DE COMPETNCIA NO TEXTO CONSTITUCIONAL

    Na atualidade, existe um enorme conflito na doutrina e jurisprudncia

    acerca da competncia para dirimir litgios que se referem s indenizaes

    decorrentes de acidente de trabalho e doena profissional.

    Observa-se que o repertrio jurisprudencial bastante instvel, as

    jurisprudncias do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justia

    insistem na competncia da esfera Estadual, j o Tribunal Superior do Trabalho

    e as diversas instncias trabalhistas, bem como decises de alguns Tribunais

    de Justia vm reconhecendo a competncia da Justia do Trabalho, quando

    se trata de indenizao decorrente do acidente de trabalho em face do

    empregador.

    O fundamento central daqueles que defende a competncia da Justia

    Comum Estadual o inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 198845 que trata da competncia dos juzes federais:

    Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar:

    I - as causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa

    pblica federal forem interessadas na condio de autoras, rs,

    assistentes ou oponentes, exceto as de falncia, as de acidentes de

    trabalho e as sujeitas Justia Eleitoral e Justia do Trabalho;

    Agregam outros argumentos secundrios, tais como tradio legislativa

    constitucional e jurisprudencial, assim como se fundamentam na legislao

    ordinria sobre acidente de trabalho, que estabelece a competncia da Justia

    Estadual.46

    45 BRASIL. Constituio (1988). Inciso I, artigo 109. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008. 46 Brasil. Lei 8.213/91, de 24 jul. 1991. Artigo: 129 Os litgios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho sero apreciados: I - na esfera administrativa, pelos rgos da Previdncia Social, segundo as regras e prazos aplicveis s demais prestaes, com prioridade para concluso; II - na via

    http://www.planalto.gov.br/

  • 45

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu

    como critrio para definio da competncia, elencar casuisticamente a

    competncia das Justias Especializadas e da Justia Federal, sendo a matria

    remanescente de competncia da Justia Estadual, adotando assim o

    denominado "critrio residual" para competncia da Justia Comum dos

    Estados.

    Ressalta-se que no existe nenhum dispositivo constitucional que

    estabelea de forma direta que aos juzes estaduais compete processar e

    julgar as demandas envolvendo acidente de trabalho. O referido inciso I do

    artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 prev

    que os juzes federais so competentes para processar e julgar:

    As causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa pblica

    federal forem interessadas na condio de autoras, rs, assistentes

    ou oponentes, para em seguida excetuar as aes decorrentes de

    falncia, acidente de trabalho, as sujeitas Justia Eleitoral e

    Justia do Trabalho.

    Alpio Roberto Figueiredo Cara menciona que:

    Verifica-se que nem mesmo nesse dispositivo se estabelece que

    essas causas de acidente de trabalho, ali excetuadas, sejam julgadas

    pela Justia Comum Estadual. Apenas se baseando em dispositivos

    de Constituies anteriores e em uma suposta recepo de textos

    infraconstitucionais que se tem entendido que, na hiptese, haveria

    ento competncia residual da Justia dos Estados, do Distrito

    Federal e dos Territrios.47

    Diante dos argumentos do autor citado, remanesceria como

    possibilidade de excluso da competncia da Justia do trabalho, apenas a

    hiptese de exceo expressa da Constituio Federal, que obrigatoriamente

    deveria estar inserida na seo constitucional que trata dos Tribunais e Juzes

    judicial, pela Justia dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumarssimo, inclusive durante as frias forenses, mediante petio instruda pela prova de efetiva notificao do evento Previdncia Social, atravs de Comunicao de Acidente do Trabalho CAT.

    47 CARA, Alpio Roberto Figueiredo. A Reforma do Judicirio e a Competncia da Justia do Trabalho. So Paulo: Ltr, 2005, p. 23.

  • 46

    do Trabalho, especificamente no artigo 114 da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 1988, algum dispositivo que excetuasse a regra geral

    constitucional do caput e estabelecesse algo semelhante ao contido no artigo

    109, inciso I da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    afastando a regra geral de competncia da Justia Federal em algumas

    hipteses.

    Assevera Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes que:

    evidente que mesmo antes da Emenda 45 no se constata esta

    exceo expressa da competncia da Justia do Trabalho e no se

    concebe uma concluso de que tal competncia estaria excetuada ao

    se dizer simplesmente que os juzes federais no tm competncia

    para julgar acidente de trabalho, lgico que o dispositivo em tela

    somente pode se referir hiptese de demanda contra a entidade

    autrquica de previdncia, pois se ali no houvesse tal exceo, a

    regra geral seria a competncia da Justia Federal. No se diz

    expressa ou implicitamente que a Justia do Estado competente

    para julgar aes acidentrias e muito menos se excetua a regra

    geral de competncia da Justia do Trabalho, por meio de qualquer

    outra norma constitucional. 48

    Analisando a matria sob o enfoque de uma interpretao sistemtica do

    ordenamento constitucional, seja posterior Emenda Constitucional n 45/04,

    seja o precedente a esta, pode-se ter, duas possibilidades distintas; na

    primeira, observa-se que ao fazer referncia s aes acidentrias como

    excludas da competncia da Justia Federal, se estaria dizendo implicitamente

    que esta competncia seria da Justia Comum, desconsiderando e omitindo

    qualquer o disposto no artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil de 1988 e agora tambm aos incisos I e VI do mesmo artigo:

    Art. 114. Compete Justia do Trabalho processar e julgar:

    48 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho. Acidente de Trabalho - Competncia da Justia do Trabalho: Os Reflexos da Emenda Constitucional n. 45. So Paulo: LTr, 2005, p. 356.

  • 47

    I as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de

    direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da

    Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;

    [...]

    VI as aes de indenizao por dano moral ou patrimonial, decorrente

    da relao de trabalho.

    Outra interpretao analisada por Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes,

    no seguinte argumento:

    O art. 109 da Constituio Federal disciplina a competncia dos

    Juzes federais, estabelecendo como regra geral competncia

    destes para os litgios que envolvam autarquia previdenciria federal,

    como pretendeu excluir a hiptese de indenizao por acidente de

    trabalho contra tal autarquia, fez meno expressa da exceo no

    inciso I, o que resulta, pelo critrio residual, que a competncia seria

    da Justia Comum.49

    Verifica-se que, toda esta interpretao no interfere como o caput do

    art. 114 Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, no sistema

    anterior Emenda Constitucional n 45/04, e muito menos em relao aos

    incisos I e II do art. 114, Constituio da Repblica Federativa do Brasil de

    1988 aps a Emenda Constitucional n 45/04. Significando que a exceo

    prevista no influi na competncia plena dada a Justia do Trabalho pelo

    dispositivo constitucional que trata especificamente desta.

    Ainda sobre o entendimento de Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes:

    Mesmo utilizando-se de uma interpretao lgico-formal direta, no

    se poderia chegar a uma concluso diversa. Pela boa tcnica de

    interpretao, jamais um dispositivo inserido no inciso de um artigo,

    excetuando-o, poderia ser aplicado para um artigo inteiramente

    diverso e que trata de matria diversa.50

    49 Idem, p. 357. 50 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 358.

  • 48

    O direito reparao por dano acidentrio est inserido no prprio inciso

    XXVIII do artigo 7 da Constituio Federal, ao lado de todos os demais direitos

    que emergem da relao de emprego ou mesmo de outras modalidades de

    relao de trabalho em que h a necessidade de proteo.

    Segundo Alpio Roberto Figueiredo Cara.51

    No se pode conceber que este direito esteja afastado da

    competncia da Justia do Trabalho, que est constitucionalmente

    prevista para ser o rgo jurisdicional especializado que garanta uma

    adequada tutela desses direitos, levando em considerao a situao

    de hipossuficincia natural dos titulares desses direitos.

    4.2. OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45/2004

    A concluso da competncia da Justia do Trabalho para dirimir litgios

    referentes indenizao por acidente ou doena profissional, de

    responsabilidade do empregador, j era extrada do conjunto do Texto

    Constitucional, por uma adequada anlise sistemtica, porm, torna-se agora

    indiscutvel tal entendimento, por fora da introduo do inciso VI do artigo 114

    da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 que dispe: "as

    aes de indenizao por dano morais ou patrimoniais, decorrentes da relao

    de trabalho", bem como do alargamento da competncia geral para "relao de

    trabalho" em substituio regra geral anterior "relao de emprego".52

    Destaca-se que este reforo na argumentao, que foi introduzido no

    debate, no sentido de que, ainda que se admitisse que o texto vigente antes

    da promulgao da Emenda Constitucional n 45/04 a concluso seria pela

    incompetncia da Justia do Trabalho, a alterao do referido inciso VI teria

    modificado tal situao.

    Promovendo uma anlise do contexto constitucional posterior

    promulgao da Emenda Constitucional n 45/04, observa-se que o texto

    inserido o inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa do

    51 CARA, Alpio Roberto Figueiredo, op. cit., p. 26. 52 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 358

  • 49

    Brasil de 1988, que trata da competncia da Justia Federal, do qual se

    inferiria, segundo a tese que vem sendo acolhida pelo Supremo Tribunal

    Federal e Superior Tribunal de Justia, a competncia da Justia Comum

    Estadual. Entretanto, a literalidade do inciso VI do artigo 114 Constituio da

    Repblica Federativa do Brasil de 1988 que dispe diretamente sobre a

    competncia da Justia do Trabalho, estabelecendo ser esta competente para

    as aes que tratem de danos morais e materiais decorrentes da relao de

    trabalho.

    Para os que entendiam que a competncia da Justia Comum estava

    estabelecida no, inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa

    do Brasil de 1988, se estaria diante de um conflito de normas constitucionais,

    havendo a necessidade de resoluo interna pelos critrios que so

    normalmente apontados pela doutrina.

    Se fosse um texto legal ordinrio, a antinomia se resolveria pelos trs

    critrios clssicos apontados por Bobbio53: o critrio cronolgico, de que a lei

    posterior revoga a anterior; o critrio hierrquico, que atribui maior valor

    determinada disposio normativa em face de outra, como por exemplo, norma

    legal e constitucional; e; ainda, o critrio de especialidade, ou seja, que a lei

    especial derroga a lei geral. Por estes trs critrios, o efeito da resoluo do

    conflito implicaria a adoo da frmula do "tudo ou nada", uma das normas

    afastada do ordenamento jurdico ou considerada inaplicvel para aquela

    hiptese.

    Ressalta-se que, qualquer emenda constitucional somente revoga o

    texto anterior da Constituio quando expressamente declarar esta revogao

    ou substituir integralmente um dispositivo, no se aplica, na hiptese de

    contradio entre duas leis, o terceiro critrio, qual seja, o da revogao

    implcita, que se refere incompatibilidade da norma anterior com a norma

    superveniente, como ocorre com a legislao ordinria e complementar.

    53 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10 ed. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1991, p. 92-107.

  • 50

    Dois critrios para resoluo de coliso de normas constitucionais tm

    obtido a consagrao da doutrina e mesmo da jurisprudncia na resoluo de

    situaes concretas: o critrio da concordncia prtica de Hesse54 e o critrio

    da dimenso de peso e importncia de Dworkinl.55

    Observa Ruy Samuel Espndola:

    Utilizando-se a concordncia prtica ou harmonizao, procura-se

    encontrar o equilbrio entre as normas conflitantes, por um processo

    de ponderao que no atribui a prevalncia de um texto sobre o

    outro, mas tenta manter aplicao simultnea e compatvel de tais

    normas, deixando de aplicar uma delas, ou aplicando-a de modo

    diverso em um caso concreto.56

    Segundo Saulo Tarcsio de Carvalho com advento da Emenda

    Constitucional n 45/04 que determina que indenizao por danos morais e

    materiais decorrentes da relao de trabalho so da competncia da Justia do

    Trabalho, se tem uma fcil compatibilidade concreta dos Textos

    Constitucionais, com uma interpretao nova, que resulta na aplicao de

    ambos.57

    Ainda segundo o autor supracitado:

    A interpretao que resolve a coliso justamente aquela que no

    estende o sentido do art. 109, inciso I. Aquela que limita a

    competncia da Justia Comum somente s aes acidentrias

    contra o Instituto Nacional de Seguridade Social, sem se inferir que

    aquele texto d competncia Justia Estadual. Tal interpretao

    permite que o dispositivo anteriormente existente permanea til e

    aplicvel e ao mesmo tempo d a mxima aplicabilidade, sem

    excees sistematicamente incongruentes, ao novo dispositivo

    constitucional que diz claramente, ser da competncia da Justia do

    54 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. 2.ed. Madrid: Centro de Estudos Constitucionais, 1992, p. 45.

    55 DWORKIN Apud ESPNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princpios Constitucionais. Revista dos Tribunais, So Paulo, 1999, p. 65.

    56 ESPNDOLA, Ruy Samuel, op. cit., p. 67. 57 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 359.

  • 51

    Trabalho, as aes que versem sobre indenizao por danos morais

    e materiais decorrentes da relao de trabalho.

    Observa-se que a concluso relativamente ao critrio da importncia

    de que a interpretao que atende ao conjunto de princpios constitucionais

    aquela que atribui a competncia Justia do Trabalho para as aes

    acidentrias, pois tais litgios envolvem uma relao desequilibrada, sendo uma

    das partes hipossuficiente, razo que levou o legislador constitucional a criar

    uma Justia especializada.

    Ressalta-se que uma norma constitucional posterior que no revogue

    expressamente outra ou no discipline integralmente o que a outra dispunha,

    embora no afaste a norma conflitante que se manteve no texto do

    ordenamento jurdico constitucional, tem o efeito de produzir a possibilidade de

    uma mudana interpretativa.

    4.3. INTERPRETAO EM CONSONNCIA COM O PRINCPIO DA

    PROTEO

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 admite o

    tratamento desigual das pessoas que estejam em situao tambm de

    desigualdade. Esta possibilidade em nada afronta o princpio geral da

    isonomia, ao contrrio, ajuda a concretiz-lo, na medida em que desigualdades

    materiais fazem parte de uma realidade que impede o prprio objetivo

    igualitrio a que o ordenamento se prope.

    O principio da proteo do trabalhador um desdobramento desse

    tratamento fundado em uma idia de Justia que observa a proporcionalidade,

    ou seja, a Justia distributiva, em vez da Justia meramente comutativa.

    Aqueles que no detm os meios de produo, que tm como patrimnio

    apenas a sua fora de trabalho, logicamente esto fragilizados diante do

    empregador ou tomador de servios, que alm de ser proprietrio do capital

    tem o poder diretivo, dentre outros que subordinam com maior ou menor

    intensidade aquele que pe a mo-de-obra disposio.

  • 52

    Carlos Maxiliano explica que:

    inegvel que o princpio da proteo decorre dos comandos

    constitucionais, tanto que o legislador cria uma Justia especializada,

    com procedimentos mais cleres e maior acessibilidade, com o

    propsito de melhor garantir os direitos dos trabalhadores e dar a

    este direito maior efetividade ou eficcia sociais. Deste modo, no se

    pode conceber o afastamento da competncia desta Justia,

    justamente para apreciao da maior leso que pode sofrer o

    trabalhador como decorrncia de ato ou omisso do empregador.58

    Utilizando-se o raciocnio interpretativo, tem-se absolutamente insensato

    que direitos patrimoniais decorrentes do contrato de trabalho ou conexos,

    como, por exemplo, complementao de aposentadoria instituda pelo

    empregador, seja de competncia da Justia do Trabalho, e leses sade,

    danos integridade fsica e at mesmo a hiptese de morte do trabalhador, em

    situao que decorre diretamente do prprio trabalho, sejam afastados da

    jurisdio especial criada com fundamento na idia de proteo.

    58 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 246.

  • 53

    5. ANLISE PROCESSUAL E JURISPRUDENCIAL

    5.1. DAS AES ACIDENTRIAS

    Compreende-se que so todas as demandas que tenham como causa

    de pedir a ocorrncia de acidente do trabalho que sero processadas na

    Justia do Trabalho. Deve-se, a princpio, diferenciar dois tipos de ao

    processual baseada no infortnio laboral. A primeira, da qual tratamos at

    ento, a ao indenizatria dirigida contra o empregador/tomador do servio,

    em que se busca ressarcimento por prejuzos materiais e/ou morais produzidos

    pelo acidente. Um segundo tipo o das chamadas aes acidentrias, as quais

    so lides previdencirias, aforadas em face do Instituto Nacional do Seguro

    Social e se direcionam ao recebimento dos benefcios previdencirios

    decorrentes do acidente do trabalho: auxlio acidente ou auxlio doena

    acidentrio.

    regra bsica de hermenutica constitucional que as normas

    constitucionais, antecedentes ou precedentes aos processos de reforma,

    devem ser analisadas de forma harmnica. Assim, no h inconstitucionalidade

    de dispositivo constitucional anterior em virtude de introduo de nova norma

    na Carta Magna em virtude de emenda. Ressalta-se que, mesmo aps a

    alterao de redao do artigo 114 da Constituio da Repblica federativa do

    Brasil de 198859, permanece o potencial normativo do inciso I do artigo 109 da

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, mas que deve o

    intrprete adequar sua interpretao com o novo inciso I e IV do artigo 114 da

    Constituio da Repblica federativa do Brasil de 1988.

    O inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica federativa do Brasil

    de 1988 determina que sero processadas na Justia Federal as causas em

    que a Unio, entidade autrquica ou empresa pblica federal forem

    interessadas na condio de autoras, rs, assistentes ou oponentes.

    Estabelece exceo em relao s aes que tenham por objeto falncia,

    acidentes do trabalho e as sujeitas Justia do Trabalho. A Justia Federal