universidade candido mendes mestrado em...

116
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITO CONTRIBUIÇÕES: A POSSIBILIDADE E OS LIMITES DA RE- ALOCAÇÃO DE RECEITAS PELO ORÇAMENTO Claudio José Guimarães Doutor Thadeu Andrade Rio de Janeiro 2005

Upload: trinhhanh

Post on 14-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

CONTRIBUIÇÕES: A POSSIBILIDADE E OS LIMITES DA RE- ALOCAÇÃO DE RECEITAS PELO ORÇAMENTO

Claudio José Guimarães

Doutor Thadeu Andrade

Rio de Janeiro 2005

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

CONTRIBUIÇÕES: A POSSIBILIDADE E OS LIMITES DA RE- ALOCAÇÃO DE RECEITAS PELO ORÇAMENTO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, área de direito empresarial e tributação, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Thadeu Andrade

Rio de Janeiro

2005

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

GUIMARÃES, Claudio José

Contribuições: a possibilidade e os limites da re- alocação de receitas pelo orçamento. GUIMARÃES, Claudio José. Rio de Janeiro. Universidade Candido Mendes, Mestrado em Direito, 2005.

112. p.

Orientador: Thadeu Andrade

Dissertação (Mestrado) – UCAM, Mestrado em Direito, 2005.

Referências Bibliográficas, f. 110-112

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

CONTRIBUIÇÕES: A POSSIBILIDADE E OS LIMITES DA RE- ALOCAÇÃO DE RECEITAS PELO ORÇAMENTO

(Claudio José Guimarães)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito, submetida à aprovação da Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Orientador:Prof. Thadeu Andrade

Prof. Dr. Thiago Pinto

Prof. Dr. João Marcelo Assafim

Rio de Janeiro 2005

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

À Hélia de Souza Pereira Guimarães, por ter sido a grande responsável pelo desenvolvimento de minha vida pessoal e profissional.

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta Rui Barbosa

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

RESUMO

A presente pesquisa jurídica, aborda, em linhas gerais, considerações sobre a aplicação das normas que regulam as contribuições previstas na Constituição Federal. Assim sendo, é importante entendermos a origem e as espécies de contribuição identificadas em nosso sistema constitucional tributário, e o que as diferencia umas das outras, principalmente, pelo fato onerado pela contribuição, estar diretamente relacionado com a finalidade. Dessa forma, a vinculação à finalidade, nos remete, necessariamente, a uma abordagem sobre eventuais violações dos seus pressupostos, aonde, incluem-se as re-alocações das receitas oriundas das contribuições nos planos fáticos e normativos. Uma vez concluída, em tese, a abordagem sobre as re-alocações, torna-se importante identificarmos e conhecermos os mecanismos existentes no orçamento público e que legitimam as contribuições e suas finalidades ou, em determinados casos, permitem que façamos uma análise crítica sobre a utilização dos instrumentos orçamentários. Realizadas essas considerações, a obra delimita o objeto de estudo, através da observação de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação e destinação de algumas contribuições via orçamento público.

Palavras-chaves: re-alocação receitas, via orçamento.

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

ABSTRACT

In general terms, the present legal research makes reference to considerations regarding the application of laws that regulate the contributions foreseen in the Federal Constitution. Therefore, it is important that we understand the origin and type of contribution identified in our constitutional tax system and what differentiates one from the other, especially considering the fact that the situation which generates the contribution is directly related to its objective.Thus, by linking the contribution to its objective, we are induced to reflect upon eventual violations of its indicators which include re-allocation of revenue with regard to the factual and normative plans. In theory, once the subject matter regarding re-allocation is concluded, it is important to identify and become familiar with the existing mechanisms in the public budget which legitimize contributions and its objectives or which, in some cases, permit that we make a critical analysis concerning the utilization of budgetary instruments. Through observations of Supreme Court decisions this work limits the object of study with regard to the application and destination of contributions via public budget.

Word-keys: re-allocation, revenue, via budget

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 10

1 HISTÓRIA DAS CONTRIBUIÇÕES ....................................................... 18

2 CONTRIBUIÇÕES: CONSEQUÊNCIAS DE EVENTUAIS VIOLAÇÕES DOS PRESSUPOSTOS FINALIDADE E DESTINAÇÃO – PLANOS NORMATIVO E FÁTICO ............................................................................ 26

3 ORÇAMENTO PÚBLICO E AS CONTRIBUIÇÕES ................................ 36

3.1 CONCEITO DE ORÇAMENTO ..................................................................... 39

3.2 NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO ....................................................... 39

3.3 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS.................................................................. 43 3.3.1 Anualidade ..............................................................................43 3.3.2 Unidade ..................................................................................44 3.3.3 Universalidade ........................................................................46 3.3.4 Orçamento bruto......................................................................48 3.3.5 Da não-afetação das receitas ..................................................50 3.3.6 Especificação ..........................................................................52 3.3.7 Publicidade .............................................................................53 3.3.8 Equilíbrio.................................................................................54 3.3.9 Clareza ...................................................................................55 3.3.10 Exatidão ..................................................................................56

3.4 MECANISMOS RETIFICADORES DO ORÇAMENTO: ......................................... 56 3.4.2 Recursos para a abertura de créditos adicionais.......................60 3.4.3 Vigência dos créditos adicionais ..............................................64 3.4.4 Retificação e alteração da lei orçamentária ..............................67

3.5 CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA ............................ 72 3.5.1 Controle Interno ......................................................................74 3.5.2 Controle Externo .....................................................................75

3.6 O DIREITO FINANCEIRO E AS CONTRIBUIÇÕES ............................................ 77

4 AS RE-ALOCAÇÕES DAS CONTRIBUIÇÕES, VIA ORÇAMENTO ........ 79

4.1 CPMF – CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ... 79

4.2 CIDE - COMBUSTÍVEIS .......................................................................... 82

4.3 COFINS/CSLL .................................................................................... 86

5 O POSICIONAMENTO DO STF SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES ............. 89

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

5.1 ADIN 1.640-7/UF – DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO

PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – CPMF ......................... 90

5.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2925 – CIDE-COMBUSTÍVEIS .. 95 5.2.1 O que diferencia a ADIN 1.640 da ADIN 2925 ........................ 100

5.3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 1/DF “BIS IN IDEM” –

COFINS/CSLL E IMPOSTO DE RENDA – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL........ 102

CONCLUSÃO .......................................................................................... 106

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 113

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

10

INTRODUÇÃO

Analistas e estudiosos do Direito Público têm constatado que

os Estados, em lato sensu, freqüentemente intervêm em suas economias

pelas mais variadas formas e maneiras, se utilizando dos mais diversos

instrumentos jurídicos, entre os quais, se apresentando como o mais

poderoso, a tributação, oportunidade em que os responsáveis por estes

governos – muitos deles caracterizados pelo conceito de democracia formal,

agravado pela real situação de serem unidades periféricas e de economia

dependente – extrapolam limites, excedem a estruturação legal e, muitas

vezes, disfarçam os tributos, promovendo descontrole e excesso, cuja

voracidade fiscal cria ambiente para uma verdadeira “batalha tributária”.

Não bastassem as questões intrínsecas a essa “batalha

tributária”, podemos especificar, na figura das contribuições, como sendo um

produto da arrecadação pública da mais importante valia. Desde a sua forma

de instituição, até os preceitos que regulam seu caráter tributário, as

contribuições permitem que o Estado utilize a sua arbitrariedade de forma

legitimada. Apesar da amplitude do tema, chama-me a atenção, em demasia,

a questão acerca da re-alocação de receitas que norteia inúmeras situações

ligadas às referidas contribuições.

Em linhas gerais, procuro traçar um paralelo entre as

finalidades intrínsecas que norteiam as contribuições e as possibilidades e

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

11

limites de re-alocações, via orçamento público.

Ao longo de minha exposição procurarei insistir que as

contribuições somente podem ser criadas com um exclusivo propósito:

permitir que a União atue na consecução de específicas finalidades

constitucionalmente delineadas.

As posturas de re-alocação do Poder Público, sejam elas

amparadas no direito ou sejam elas apenas meras constatações fáticas,

quando se tratam de contribuições, se localizam, hoje, mais profundamente,

no emaranhado jurídico de normas e dispositivos legais

É importante que haja sempre uma correspondência entre a

vinculação a uma finalidade e a destinação do produto da arrecadação da

respectiva contribuição para o custeio da respectiva atuação do Estado

diante dos preceitos constitucionais, sobretudo os elencados no artigo 3º da

Constituição Federal.

Procurarei expor os motivos embasadores de minha opção,

pela necessidade de que haja um controle eficiente para que a aplicação e os

limites de re-alocação das receitas provenientes das contribuições, respeitem

os princípios basilares trazidos no orçamento público, dentre eles,

transparência e não-afetação das receitas.

Inicialmente, torna-se importante delimitar o campo de pesquisa

do presente trabalho.

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

12

Assim sendo, cumpre frisar, que opto por limitar a presente

pesquisa às:

� Contribuições Sociais;

• Contribuições sociais para a seguridade;

• Contribuições sociais gerais;

� Contribuições de intervenção no domínio econômico;

Em relação às contribuições sociais para a seguridade, que

estão contempladas em dois momentos: no Sistema Tributário Nacional e na

Ordem Social, encontramos definições de competências para sua instituição,

no artigo 149, depois, mais adiante, no financiamento da seguridade, no

artigo 195, definindo também propostas de orçamento, delineamento de

outras fontes de arrecadação, inclusive, recomendando a não-aplicação do

princípio estipulado no artigo 150, III, b 1 , uma vez que a vigência das

contribuições tem regime particular, ou seja, serão exigidas após decorridos

90 dias da data de sua publicação do diploma normativo que a institui,

afastada do regime comum à outras espécimes tributárias.

Dentro da categoria a que se destina atender ao custeio de

serviços e encargos decorrentes da previdência e assistência social e à

1 Princípio da Anterioridade.

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

13

Seguridade Social, encontra-se a contribuição previdenciária propriamente

dita, a contribuição para financiamento da Seguridade Social – COFINS, a

contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL, as contribuições para o

denominado sistema S (Sesi, Sesc, Senai, Senac, etc.), para o Fundo de

Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) e para o Fundo de Participação do

Programa de Integração Social (PIS), além de outras.

Para o presente estudo, interessa-nos a COFINS e CSLL, que

com a redação dada pela Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998 ao artigo

17 da Lei nº 8.212/91, determina que “para pagamento dos encargos

previdenciários da União, poderão contribuir os recursos da Seguridade

Social referidos na alínea ‘d ‘ do parágrafo único do artigo 11 desta Lei, na

forma da Lei Orçamentária anual, assegurada a destinação de recursos para

as ações de Saúde e Assistência Social”.

Os recursos da letra ‘d ‘ do artigo 11 consistem nas receitas

“das empresas, incidentes sobre faturamento e lucro”.

Os “encargos previdenciários” são os descritos no artigo 201 da

CF.

A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

14

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - Salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no parágrafo 2º.

A complexidade da questão surge, na medida em que, a própria

Constituição outorga poderes ao Poder Público, nos termos da lei, para

organizar a Seguridade Social, com base nos princípios que enumera no

parágrafo único do artigo 194: universalidade da cobertura e do atendimento,

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas

e rurais, seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de

participação no custeio; diversidade da base de financiamento e caráter

democrático e descentralizado da administração, mediante gestão

quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos

aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Já as contribuições sociais gerais, são aqueles tributos que

aparecem como forma de adicional ou complementação, de cunho

eminentemente social, como a contribuição que financia o salário-educação;

aquela que custeia o seguro-desemprego, ou as que irão compor o fundo de

combate à erradicação da pobreza, enfim, todas as contribuições que

financiam as políticas compensatórias, as quais buscam posturas igualitárias,

bem fundamentadas em mínimos sociais.

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

15

A Constituição, em seu artigo 195, parágrafo 4º, prevê a

possibilidade de instituição de novas contribuições que, para serem

legitimamente instituídas, devem obedecer certas premissas, tais como: a)

que as outras contribuições não sejam as já relacionadas no artigo 195,

incisos I, II e III; b) que as novas contribuições sejam criadas por lei

complementar2; e c) que não tenham fato gerador e base de cálculo idênticos

aos das contribuições já previstas nos incisos do artigo 195.

Dessa forma, diferentemente do que ocorre para os tributos

discriminados, que têm apenas os seus fatos geradores, bases de cálculo e

contribuintes previstos em lei complementar (artigo 146, III, a, da CF), no

caso da instituição de nova contribuição social pela União, no exercício de

sua competência residual, exige-se lei complementar para a definição da

integralidade de todos os aspectos da respectiva hipótese de incidência, o

que abrange inclusive a alíquota.

A relevância de que desfrutam as contribuições gerais no atual

cenário brasileiro decorre da ganância da Administração Pública Federal que

se beneficia do produto de tais exações sem impor repartição, consoante

ocorre com os impostos.

Para o presente trabalho nos interessa abordar a CPMF –

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, criada, inicialmente

2 O Supremo Tribunal Federal, ao decidir o RE 138.224/CE ainda definiu ser irrelevante que haja uma alocação da receita no orçamento do próprio órgão ou ente público incumbido de efetivar a finalidade almejada.

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

16

para gerar fundos suplementares para a Saúde, tendo por fatos geradores

qualquer operação líquida de circulação de moeda, física ou escritural.

E, por último, as contribuições de intervenção no domínio

econômico, que visam a custear a própria intervenção, ou seja, financiam a

atividade-fim; se justificam por elas mesmas, havendo uma ação diretiva

específica, como, por exemplo, a instituição do Adicional do Frete para

Renovação da Marinha Mercante, cobrado sobre o valor do frete sobre os

navios que fazem frete no Brasil, cabotagem ou percurso longo, de sorte que

a finalidade deste tributo encerra a própria intervenção: fomentar, incentivar

ou renovar a indústria de construção naval.

As contribuições são destinadas ao custeio dos serviços ou

encargos que a União assume para intervir no domínio econômico, inclusive,

monopolizando indústrias e atividades, perdendo sua grande força de

instituição, nesse sentido, devido às opções governamentais econômicas

mais recentes, como a abertura da economia, quebras de monopólios e

inserção nas grandes políticas globalizantes.

No que tange as Contribuições de Intervenção no Domínio

Econômico, merece maior relevância a CIDE-COMBUSTÍVEIS, que veio a ser

instituída pela Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001 (DOU de 20.12.01),

com o objetivo de atender a três finalidades: subsídio ao setor de gás e

combustíveis, para investimentos no meio ambiente nos casos de poluição

feita pelo setor de combustíveis e para infra-estrutura no setor de transportes

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

17

e, que percebemos, está sendo re-alocada através do mecanismo “reserva de

contingência” – que já vem sendo usado também em relação a COFINS e

CSLL.

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

18

1 HISTÓRIA DAS CONTRIBUIÇÕES

As contribuições, da forma como se apresentam, são figuras

jurídicas de origem recente3. São fruto do Estado social e interventor.

Para sua adequada compreensão impõe-se considerar as

profundas alterações no papel do Estado e da Administração decorrentes da

passagem de um Estado Liberal para um Estado Interventor nas ordens

econômica e social.

No liberalismo, partia-se de uma separação entre sociedade e

Estado para se defender a esfera jurídica individual dos cidadãos contra

ingerências do Poder Público, consideradas antecipadamente como

agressivas. O Estado era considerado um “mal necessário”, devendo suas

intervenções se limitarem à segurança, interna e externa, mediante a polícia

e as forças armadas, à Justiça e a alguns poucos serviços públicos4.

Isso nos ajuda a perceber que a visão intervencionista do

Estado era extremamente limitada.

3 A recentidade das contribuições é nítida se a compararmos aos impostos, cujo estudo remonta ao advento do pensamento iluminista. 4 Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, Almedina, 1998, p.66

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

19

A atividade administrativa, no contexto da administração

agressiva e liberal, era identificada com a emanação de atos administrativos.

A noção de ato surge na França, em consequência da afirmação do

contencioso e da interpretação peculiar dada ao princípio da separação de

poderes e tinha por função prática delimitar os comportamentos da

Administração susceptíveis de engendrar recurso contencioso para fins de

garantia dos particulares5.

É certo, porém, que o advento do Estado Interventor, em

decorrência das crises cíclicas do capitalismo e da questão social, alterou,

quantitativa e qualitativamente, as formas de atuação do Poder Publico. O

Estado passa a intervir de forma mais freqüente na sociedade, tanto por meio

da elaboração de normas como também mediante políticas públicas

destinadas a por fim à miséria das classes menos favorecidas, a oferecer

prestações e utilidades materiais e a corrigir as disfunções do mercado. É o

surgimento do Estado Social, período em que o ente público tomou para si o

dever de efetivar e fomentar algumas finalidades, que, no Estado Liberal,

eram acometidas à sociedade civil.

Os cidadãos, por sua vez, passam a desejar que o Estado atue

em seu favor, concedendo-lhe uma licença, um benefício previdenciário, uma

subvenção. Substitui-se, portanto, o princípio da legalidade pelo da

juridicidade. A legalidade passa a ser vista na sua perspectiva positiva: o

5 Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, Almedina, 1998, p.68

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

20

direito (não mais apenas a lei) passa a ser o fundamento, o critério e o limite

de toda atuação administrativa6.

Novos fins passaram a orientar a atuação estatal, dentre os

quais se coloca o do bem-estar. Na Constituição Federal de 1988, encontra-

se tal vetor consagrado no artigo 3º, incisos I e IV, como objetivo da

República (construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promoção

do bem de todos). Para atingir tais fins, o Estado teve de lançar mão também

de novos meios.

No Estado Social, para a realização de certos fins, um dos

meios indicados foi a instituição de contribuições, sendo que no Brasil,

consoante será exposto neste trabalho, é a Constituição quem cuida do

regramento básico para o exercício da competência tributária.

Não podemos esquecer, afinal, que a tributação é um

instrumento de obtenção de recursos para financiar as atividades do Poder

Público que, de acordo com essa nova perspectiva sofreu modificações.

As Contribuições se revelam um instrumento de intervenção do

Estado na economia e na ordem social.

Apesar do Estado deixar de exercer diretamente atividades

econômicas e de pretender dirigir globalmente a economia, passando cada

6 Op. Cit., p.71-74

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

21

vez mais a buscar simplesmente regulá-la, o princípio da dignidade da

pessoa humana impõe, portanto, que se mantenham com o Estado,

determinadas responsabilidades (assegurar uma proteção social mínima,

integrar os desamparados, fiscalizar entidades privadas de previdência e

outras) associadas a tal tarefa de prestação, as quais justificam a cobrança

de contribuições7.

O principal traço distintivo das contribuições é, portanto, a

destinação da arrecadação imposta pela lei que a institui, com o fim de

atender a determinados grupos ou categorias de pessoas.

Contudo, deve-se assinalar que a Emenda Constitucional nº

1/69 à Constituição Federal de 1967 constituiu-se no “primeiro texto a

perfilhar abertamente a natureza tributária das contribuições, não obstante a

elas houvesse referência desde a Constituição de 1934, passando pela Carta

Magna de 1946, até a Carta de 1967”, conforme anota Heron Arzua.8

Mais tarde, com a promulgação da Emenda Constitucional nº

8/77, as contribuições previdenciárias devidas por empregados e

empregadores foram excluídas do conceito de tributo. Naquela emenda, tais

contribuições foram inseridas em categoria própria, destacada do dispositivo

que se referia aos tributos. Embora não concordasse com essa classificação,

7 Idem, ibidem. 8 ARZUA, Heron. “As Contribuições Especiais. IN O Sistema Tributário na Nova Constituição do Brasil. I Congresso Nacional de Estudos Tributários. Dejalma de Campos (coord). São Paulo: Resenha Tributária, 1988, p.176.

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

22

a doutrina, em geral, acabou por aceitar a colocação. Esse entendimento,

porém, não ficou restrito à doutrina, tendo sido acompanhado pelo Supremo

Tribunal Federal em posteriores decisões sobre o assunto.

Após o advento da Constituição Federal de 1988, porém, o STF

afastou a controvérsia, reconhecendo definitivamente o caráter tributário de

que se revestiam as contribuições ao declarar inconstitucionais os Decretos-

Leis nºs.2.445 e 2.449, ambos de 1988. Essa nova consideração tem em

vista o fato de que os artigos 149 e 195, da Constituição vigente,

estabelecem a competência exclusiva da União para instituir contribuições de

toda sorte, aí incluídas as de intervenção no domínio econômico, para

atender a interesses de categorias profissionais ou econômicas e, por fim, as

contribuições sociais.

Os dois dispositivos acima referidos inserem-se,

respectivamente, no capítulo referente ao Sistema Tributário Nacional e no

título denominado da Ordem Social. Este último remete o intérprete ao

capítulo anteriormente mencionado, em cujo artigo 146 encontra-se

mensagem dirigida ao legislador e ao aplicador de normas relativas às

contribuições, aos princípios e às demais disposições constitucionais que

disciplinam a criação e a exigência de tributos. Ressalva, apenas, o princípio

da anterioridade da lei em relação ao exercício fiscal, previsto no artigo 150,

inc. III, alínea b, que não se aplica às contribuições sociais, que se rege pelo

princípio da anterioridade nonagesimal, conforme artigo 195, parágrafo 6º, da

Constituição Federal. Os demais princípios constitucionais são aplicados às

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

23

contribuições da mesma forma como o são para as demais espécies

tributárias, exceção feita ao princípio da legalidade, segundo o qual, na

hipótese de criação de novas contribuições sociais, é exigida a utilização de

lei complementar ao invés de lei ordinária.

No sentido contrário ao da EC nº 8/77, a atual Constituição

amplia o conceito de tributo, fazendo-o alcançar toda e qualquer

manifestação de riqueza, a percepção de rendas e a circulação de bens,

direitos ou serviços. Nesse caso, encontram-se, além dos impostos, as taxas,

as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as

contribuições especiais. Este é o entendimento da totalidade da doutrina no

Brasil.9

Cabe recordar, a título de ilustração, que o artigo 167, inciso

IV, da Constituição veda a afetação do produto da arrecadação de impostos a

órgão, fundo ou despesa, não o fazendo no que diz respeito às contribuições.

O nosso ordenamento jurídico não define contribuição especial,

não obstante o artigo 16 do Código Tributário Nacional, referir-se

especificamente ao imposto, o artigo 77 à taxa e o artigo 81 à contribuição de

melhoria. Registre-se que o conceito de contribuição de melhoria foi

9 V. entre outros, Dora Martins de Carvalho, “A Contribuição de Acidente de Trabalho”, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 39, São Paulo: Dialética, 1998, p.39, para quem “Na carta de 1988 nenhuma dúvida pode persistir quanto à natureza tributária das contribuições, hoje tripartida em: contribuições sociais, contribuições para intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.”

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

24

modificado em função do texto da Emenda Constitucional nº 23/83, conhecida

como Emenda Passos Porto. A omissão de uma definição para as

contribuições é compreensível, tendo em vista que o Código Tributário

Nacional, originariamente, não cuidou dessa espécie de tributo, assim como

dos empréstimos compulsórios.

Apesar da reconhecida imprecisão contida nas definições,

pode-se arriscar afirmando que contribuição é uma espécie de tributo, cujo

fato gerador consiste em situação típica reveladora de capacidade econômica

do contribuinte, que se caracteriza pela afetação do produto de sua

arrecadação a grupos ou categorias de pessoas, como benefício particular

proporcionado pelo Estado ou por entidade autárquica, e, ainda, que se

distingue das demais espécies, sejam impostos, taxas ou contribuições de

melhoria, pelo exercício do poder tributário por entes privados que

desempenham função pública delegada, na qual se incluem o controle, a

arrecadação e a administração tributários.10

Em que pese o artigo 4º, do Código Tributário Nacional,

segundo o qual a natureza jurídica do tributo é estabelecida pelo fato

gerador, é válido dizer que a característica distintiva das contribuições, em

relação às demais espécies tributárias, reside na aplicação finalística do

10 Bernardo Ribeiro de Moraes, Compêndio de Direito Tributário, 1º v, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.644, não diverge do conceito acima, definindo a contribuição como “...tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma atividade social do Estado ou de entidade que tenha a seu cargo o exercício de funções públicas, efetivas ou potenciais, dirigidas a grupos sociais”.

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

25

produto da arrecadação, pressuposto irrenunciável, que deve constar

obrigatoriamente da lei instituidora da contribuição.

Pois bem, será exatamente no ambiente a que acabamos de

fazer alusão que posicionaremos as contribuições 11 de que trata o atual

Direito Tributário brasileiro. Estas figuras têm como nota distintiva o fato de

assumirem a condição de meios voltados (direta e indiretamente) ao

atingimento de determinadas finalidades, tudo consoante previsão

constitucional.

11 Cumpre destacar que este termo, assim como tantos outros utilizados pela linguagem jurídica, experimenta significações diversas, o que aponta para a presença do problema semântico denominado de ambigüidade ou plurissignificação . Neste tocante, distingue-se a louvável alternativa proposta de Paulo Roberto Lyrio Pimenta (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo, Dialética, 2002, pp.11-2), que após percorrer os preceitos constitucionais que aludem ao predito vocábulo, alvitra que “na linguagem pelo constituinte o gênero foi nomeado simplesmente de ‘contribuições’, do qual as ‘as contribuições sociais’ constituem espécie, que, por seu turno, apresentam subespécies”. O citado jurista sugestiona, pois, o uso da expressão “contribuições especiais”, até mesmo a fim de que apartá-las das denominadas “contribuições de melhoria”. Não obstante os méritos desta construção, deixaremos de adotá-la neste estudo visto que, o próprio contexto lingüístico-normativo bastará em si mesmo para solucionar eventuais dificuldades relativas a construção de sentidos.

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

26

2 CONTRIBUIÇÕES: CONSEQUÊNCIAS DE EVENTUAIS

VIOLAÇÕES DOS PRESSUPOSTOS FINALIDADE E DESTINAÇÃO

– PLANOS NORMATIVO E FÁTICO

O elemento essencial da espécie tributária denominada

contribuição (validade finalística) está na conjugação da existência de uma

finalidade estipulada na Constituição com a conseqüente destinação dos

valores arrecadados à consecução deste específico fim.

Segundo a regra constitucional que demarca a atuação da

União quanto à instituição de contribuições, há necessariamente que ser

atendida duas imposições – atendimento às finalidades prefixadas (sociais,

no caso em questão) e destinação do produto da arrecadação à realidade de

tais fins constitucionais.

O que significa dizer que, faltando algum dos requisitos citados

haverá vício que, dependendo da forma como acontecer a violação, poderá

acarretar a inconstitucionalidade da exigência, e, em conseqüência disso, o

correlato direito ao recebimento das quantias pagas indevidamente.

A partir desta constatação, deve-se averiguar algumas

situações concretas passíveis de acontecer, quando do efetivo exercício de

pretensa competência tributária dirigida a instituir contribuições, com o

propósito de determinar os efeitos destas atuações viciadas.

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

27

Percebe-se, de plano, os seguintes casos dignos de análise12:

a) finalidade não prevista na Constituição Federal de 1988 e instituição da

contribuição; b) finalidade prevista na Constituição Federal de 1988 e

destinação re-alocada por força de previsão na lei instituidora da

contribuição; c) finalidade prevista na Constituição Federal de 1988,

destinação prevista na lei instituidora da contribuição e re-alocação procedida

por ato do Executivo.

A solução do problema ideado na letra “a” (contribuição

desprovida de uma finalidade constitucionalmente justificante) não exige

maiores esforços. Havendo ausência do pressuposto constitucional

“finalidade específica”, a criação da contribuição estará eivada de manifesta

inconstitucionalidade 13 . O vício resulta do não-respeito ao critério da

validação finalística constitucionalmente citado pela lei instituidora da

contribuição. E esta peculiar relação entre normas que se instaura entre a

12 Se considerarmos as variáveis “finalidade constitucional” e “correlata destinação da arrecadação”, temos condições de enumerar as possíveis combinações decorrentes da atuação do legislador constituinte, legislador da União e do Executivo, no que toca ao respeito ou desrespeito à inafastável validação finalística quando do efetivo exercício da competência relativa às contribuições. Mediante a realização de um cálculo proposicional (lógica formal) detectaremos oito possibilidades, sendo que destas somente três que foram arroladas interessam à presente abordagem. 13 Quando do julgamento da constitucionalidade da Contribuição Social Sobre o Lucro – CSSL (RE nº 138.224/CE), o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento segundo o qual é suficiente que a lei respeite apenas a vinculação ao fim estatuído na Constituição, não sendo relevante indagar acerca da necessidade de haver na lei uma vinculação com o órgão arrecadador. Assim, rechaçou-se a pretensão dirigida a exigir uma alocação da receita no orçamento do próprio órgão ou ente público incumbido de efetivar a finalidade pretendida, ou seja, nada impede que tais recursos façam parte do orçamento fiscal da União.

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

28

Constituição Federal de 1988 e a lei instituidora da contribuição 14 que

ocasiona a invalidade da cobrança do tributo, motivo pelo qual deve ser

prontamente reconhecido o direito à devolução de valores que porventura o

contribuinte tenha pagado.

Já na hipótese referenciada na situação “b”, em que o

legislador ordinário move-se no sentido de desatender (direta ou

obliquamente) o imperativo constitucional relativo à afetação das quantias

arrecadadas (tredestinação legislativa) 15 , esta conduta também poderia

importar em vício de inconstitucionalidade. Isto porque, cotejando o conteúdo

do “produto” (lei ordinária ou complementar, se for o caso) provindo do

“processo” (legislativo) que culminou com o exercício da competência

tributária, resta comprovada a incompatibilidade vertical entre o veículo

normativo criador da contribuição e a própria Constituição

A omissão do legislador no tocante à destinação direta dos

recursos ao órgão ou finalidade constitucionalmente determinados

compromete, portanto, a validade da própria regra de tributação. Em

decorrência disso, abre-se ao sujeito passivo a possibilidade de repetir

eventuais indébitos, contudo, se a re-alocação for perpetrada por disposição

14 A inconstitucionalidade é vício cuja apuração depende de análise em torno da validade da norma jurídica. Por seu turno, o próprio conceito de validade nas suas distintas perspectivas é do tipo relacional, devendo sempre comparecer como critério para a realização dos testes de constitucionalidade, as normas constitucionais (regras e princípios). 15 É o que se dá, mutatis mutandi, quando em relação aos impostos existe violação ao preceito proibitivo da vinculação do produto da arrecadação a determinados gastos.

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

29

introduzida na lei orçamentária, diferentemente do que apregoa José Marcos

Domingues de Oliveira16, hoje considero que não existe direito à restituição

do que foi pago, pois devemos considerar a correlação entre Direito

Tributário e Direito Financeiro, aonde as normas previstas no orçamento

público são autorizadas pelo texto constitucional.

Conseqüência distinta sobrevirá quando imaginamos o caso

descrito na letra “c”, onde a lei instituidora da contribuição respeita os

requisitos estabelecidos pelo preceito constitucional definidor do exercício de

competência tributária (norma de estrutura), relativamente à finalidade e à

necessária afetação do produto da arrecadação, mas o administrador não

cumpre o referido comando, e edita, por exemplo, ato normativo dando uma

destinação diversa à exigida na Constituição Federal de 1988 (tredestinação

administrativa). Aqui é evidenciada uma típica situação ensejadora de

responsabilização funcional ou política, sem prejuízo do ingresso no

Judiciário com o fito de corrigir o apontamento da re-alocação17.

Na situação em tela não se pode afirmar que o sujeito passivo

tenha pago quantia indevida, razão pela qual não há que se falar em direito a

restituição de tributo.

Para melhor enfatizar a questão, ao tomarmos como ponto de

16 Contribuições Parafiscais, Finalidade e Fato Gerador”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 73, Dialética, 2001, p.63. 17 Cintra, Carlos César Souza, As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética e ICET.p.142. 2003.

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

30

apoio a melhor doutrina de Schubert de Farias Machado18, é possível concluir

ser indevido recolhimento do tributo, surgindo daí o direito da restituição, se e

somente se o pagamento for efetuado com base em lei violadora da

Constituição (I), ou quando da errônea aplicação da lei (pelo Fisco ou até

mesmo pelo contribuinte), tanto no que diz respeito a algum critério da norma

tributária stricto sensu (II), como relativamente ao próprio lançamento

tributário19 (III).

Assim sendo, nada disso ocorre no caso “c”. Houve sim um

excesso naquele exercício atípico da função legislativa pelo Executivo, abuso

este consubstanciado no desacato de mandamento legal. Neste caso, impõe-

se a anulação do ato normativo, com o conseqüente prevalecimento do

comando estatuído na lei instituidora da contribuição.

Se permanece claro que no caso em tela, a conduta do

Executivo não se coaduna com o princípio constitucional aduzido, por outro

lado a solução para este inadmissível comportamento, consoante

mencionado anteriormente, não está na devolução aos contribuintes do

quantum, mas sim no reconhecimento, via manifestação do Poder Judiciário,

da nulidade do ato normativo que intentou efetivar a tredestinação, sem

prejuízo da instauração dos respectivos processos para apuração de

18 “O Direito à Repetição do Indébito”, Repetição do Indébito e Compensação de Tributos, São Paulo: Dialética e ICET, 1999, p.400. 19 Ato administrativo (norma individual e concreta) que traduz em linguagem a subsunção da regra que cuida da incidência.

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

31

responsabilidade política ou funcional do responsável por tal infração.

Além do que, não podemos olvidar que na situação ora

debatida há finalidade constitucional e exercício regular da competência

tributária. Assim, em privilégio ao interesse social subjacente à instituição da

contribuição, preferimos defender sim a adoção de medidas que assegurem o

efetivo envio dos recursos ao órgão que irá promover a atividade cujo

implemento justifica à exigência da contribuição.

Cumpre ressaltar, também, que circunstancial re-alocação da

arrecadação gerado exclusivamente pela concreta atuação do Executivo

(plano fático) não compromete a constitucionalidade da contribuição, e, por

conseguinte, não enseja restituição dos valores cobrados dos contribuintes20.

Então, em casos tais como o que acabamos de referir, é

imprescindível que se dê o reparo da distorção indicada, mediante a

propositura das ações judiciais competentes, de modo que reste assegurado

o fiel cumprimento do comando legal e a imputação de responsabilidade

política ou funcional dos envolvidos.

A maior parte dos autores distinguiu a re-alocação jurídica,

assim entendida aquela autorizada ou determinada em lei, da re-alocação de

20 Nesse sentido, esclarece José Artur Lima Gonçalves, acerca da exigência constitucional de inclusão na regra matriz de incidência tributária – plano normativo – (quando assim determina o texto constitucional) dos mecanismos tendentes a assegurar o fluxo direto do produto da arrecadação a certo órgão ou finalidade não deve ser confundido com indagação da ‘efetiva destinação’ ou não – plano fático – à finalidade normativa vocacionada. A ‘efetiva destinação’ é circunstância que pertence ao mundo fenomênico.

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

32

fato, que se dá em contrariedade ao dispositivo de lei que determina a

destinação.

Como bem vimos, na re-alocação jurídica, a própria

contribuição seria inconstitucional, quando não atender a uma finalidade

essencialmente prevista em dispositivo constitucional. Já na re-alocação

simplesmente de fato não haveria mácula na relação tributária, cabendo ao

Ministério Público, aos cidadãos através da ação popular, etc., obter a

correção no destino dos recursos.

Particularmente, entendo que não há, neste último caso (de re-

alocação de fato), como se pretender invalidar as relações tributárias e dizer

da inconstitucionalidade das leis em razão de ilícito administrativo posterior e

cuja correção pode ser buscada.

Imaginemos uma situação aonde esteja presente dita re-

alocação. Quais seriam as contribuições inválidas e sujeitas à devolução?

Qual o montante re-alocado? Quais as competências passíveis de

restituição? Como estabelecer relação entre as competências e os valores

re-alocados? Pagamentos posteriores à correção das re-alocações, mas

relativos a competências entendidas como afetadas, seriam ainda devidos?

Como ficaria, neste caso, o tratamento isonômico aos contribuintes? A

repetição dependeria do insucesso das tentativas do Ministério Público de

reverter a aplicação equivocada dos recursos e destiná-los à sua finalidade

legal? A recuperação e correta destinação de eventual montante re-alocado

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

33

tornaria novamente exigível o tributo? Tais questões bem revelam que não se

pode confundir o plano do exercício da competência tributária com o da

execução do orçamento.

Alguns autores distinguiram ainda, dentro da re-alocação de

direito, a re-alocação quantificável (que invalida o montante cuja re-alocação

é autorizada), da re-alocação de impossível quantificação (que invalida a

contribuição como um todo).

Outros, finalmente, invocaram a “autonomia da relação

tributária”, afirmando ser a questão da destinação um “problema de direito

financeiro” que não invalida a obrigação tributária.

A tese destes últimos não é procedente, porque em se tratando

de contribuições a destinação é essencial. Em relação às contribuições, não

se aplica a norma do artigo 4º do Código Tributário Nacional, pois realmente,

as contribuições sociais de que trata o artigo 149 da Constituição Federal,

têm destinação constitucionalmente determinada. Neste sentido manifestou-

se Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal:

Uma ressalva é preciso ser feita. É que caso há, no sistema tributário brasileiro, em que a destinação do tributo diz com a legitimidade deste e, por isso, não ocorrendo a destinação constitucional do mesmo, surge para o contribuinte o direito de não pagá-lo. Refiro-me às contribuições parafiscais – sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, CF, artigo 149 – e aos empréstimos compulsórios (CF, artigo 148). Leciona Misabel Abreu Machado Derzi que a “Constituição de 1988, pela primeira vez, cria tributos finalisticamente afetados, que são as contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhe é própria relevância não apenas do ponto de vista do Direito Financeiro ou Administrativo, mas igualmente de Direito Tributário. E acrescenta a

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

34

ilustre professora da UFMG, que “o contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos fins, constitucionalmente admitidos; igualmente poderá reclamar a repetição do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos recursos arrecadados. É que, diferentemente da solidariedade difusa do pagamento de impostos, a Constituição prevê a solidariedade do contribuinte no pagamento de contribuições e empréstimos compulsórios e a conseqüente faculdade outorgada à União de instituí-los, de forma direcionada e vinculada a certos gastos. Inexistente o gasto ou desviado o produto arrecadado para outras finalidades não autorizadas na Constituição, cai a competência do ente tributante para legislar e arrecadar.21

Também para as contribuições de Seguridade Social, cuja

instituição é autorizada pelo artigo 195, é relevante a destinação, definida no

referido dispositivo da Constituição.

Em se tratando de contribuições de intervenção no domínio

econômico também não incide a norma do artigo 4º do CTN, posto que a

destinação do produto da arrecadação é essencial. Aliás, a própria

Constituição Federal, no caso da contribuição de intervenção no domínio

econômico relativa a atividades de importação ou comércio de petróleo e

seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível exige que

a lei determine, dentro dos limites que fixa, a destinação específica dos

recursos arrecadados com a contribuição que instituir.22

Justifica-se plenamente a não-incidência da norma do artigo 4º,

do Código Tributário Nacional, quando tratamos de contribuições sociais. A

referida norma diz respeito aos critérios de distinção entre imposto, taxa e

21 Recurso Extraordinário nº 189.415-6-SP, Rel. Ministro Carlos Velloso, 1º.12.97, DJU I de 20.2.98, nº 45, Revista Dialética de Direito Tributário nº 32, maio/98, p.143. 22 Constituição Federal de 1988, art. 177, parágrafo 4º, inciso II, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001.

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

35

contribuições de melhoria.23

Após analisarmos os pressupostos que podem legitimar ou não

a re-alocação de receita, torna-se indispensável para a presente pesquisa

jurídica, esmiuçarmos o orçamento público, de forma que possamos

identificar, de fato, os mecanismos utilizados para legitimar as re-alocações

das receitas oriundas das contribuições, verificando se os seus instrumentos

estão em linha com o ordenamento jurídico e, mais precisamente, com os

ditames constitucionais que trazem em seu bojo, a essência da validação

finalística das contribuições.

23 Por isto mesmo houve a preocupação em legitimar as contribuições sociais, que explica a inclusão, no Código Tributário Nacional, do artigo 217, com a ressalva ali prevista, sem a qual seria duvidosa a subsistência de contribuições sociais em nosso sistema tributário.

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

36

3 ORÇAMENTO PÚBLICO E AS CONTRIBUIÇÕES

Entender o Orçamento Público, nos permitirá compreender

questões como as da CPMF, aonde o constituinte derivado previu uma

finalidade específica para a CPMF, sendo que o legislador ordinário, deu ao

tributo destinação, aparentemente, diversa da prevista.

A mesma análise nos remete a CIDE –COMBUSTÍVEIS e a

previsão de seus pressupostos que garantem a destinação do produto de sua

arrecadação aos seus fins almejados.

Também não podemos deixar de sinalizar os recursos

provenientes da COFINS e da CSLL, que deveriam ter a sua destinação

voltada para a Seguridade Social, mas foram re-alocados, quando, de fato, a

princípio, a União Federal deveria ser mera arrecadadora, passou a ocupar

uma posição de beneficiária da receita, produto da referida arrecadação.

Esta análise nos remete a uma pergunta: Até que ponto,

através do Direito Financeiro, podemos contestar a re-alocação de receitas

provenientes da arrecadação das contribuições ?

A análise do orçamento pretende fornecer dados que permitam

identificar as reais condições em que ocorrem a alocação dos recursos

provenientes de certas contribuições e, que para tanto, passamos a delimitar.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

37

Considerando o universo das contribuições, após analisarmos

as particularidades do orçamento público, delimitaremos o presente trabalho

aos aspectos intrínsecos a CPMF, a CIDE dos combustíveis, a CSLL e a

COFINS.

E, para que possamos correlacionar o Direito Financeiro,

responsável pela normatização do orçamento público, conforme se prevê no

Capítulo II – Das Finanças Públicas, na Constituição Federal, torna-se

indispensável conhecer os princípios ligados ao orçamento e sua aplicação,

os mecanismos retificadores do orçamento e seus limites e os mecanismos

de controle, sejam eles, interno e externo e que deverão fiscalizar se a

aplicação das normas de Direito Financeiro e distribuição de recursos estão

em conformidade com o Sistema Tributário Nacional.

Para os estudiosos da área, distribuição de recursos é Política

Pública e deve ter por base o entrelaçamento entre Planejamento /

Orçamento / Implementação. Esse entrosamento, no caso brasileiro, teve seu

marco inicial com o advento da Lei nº 4.320/64, que pretendeu instituir o

Orçamento-Programa, instrumento de alocação de recursos com ênfase não

no objeto de gasto, mas no seu objetivo24.

É emergencial, portanto, que se persiga a continuidade da

estabilidade econômica e de fundamental importância a adoção de planos de

24 Giacomoni, James. Orçamento Público. Editora Atlas, São Paulo. p. 152.2003

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

38

longo prazo, seriamente implementados, cujos instrumentos gerenciadores

devem ser os Orçamentos Gerais da União, tecnicamente conhecidos como

Orçamentos-Programa Anuais, orientados pelas Leis de Diretrizes

Orçamentárias.

Nota-se, portanto, a proposital abrangência desse plano que,

em última análise, objetiva propiciar as ações necessárias, tanto em

despesas de investimento quanto em despesas de custeio, para que se possa

priorizar a solução dos problemas de maior amplitude e relevância para a

sociedade.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO tem por principal função

o estabelecimento dos parâmetros necessários à alocação dos recursos no

orçamento anual, de forma a garantir, dentro do possível, a realização das

metas e objetivos contemplados nos programas do plano plurianual.

É papel da LDO ajustar as ações de governo, previstas no PPA

– Plano Plurianual, às reais possibilidades de caixa do Tesouro.

A LDO é, na realidade, a cartilha de balizamento que direciona

e orienta o preparo do Orçamento da União, o qual deve estar, para sua

aprovação, em plena consonância com as disposições do Plano Plurianual.

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

39

3.1 CONCEITO DE ORÇAMENTO

Para James Giacomoni, o orçamento é um processo contínuo,

dinâmico e flexível, que traduz, em termos financeiros, para determinado

período, os planos e programas de trabalho, ajustando o ritmo de execução

ao fluxo de recursos previstos, de modo a assegurar a contínua e oportuna

liberação desses recursos.

O orçamento público é o ato pelo qual o Poder Executivo prevê

e o Poder Legislativo lhe autoriza, por certo período, e em pormenor, a

execução das despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e

outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a

arrecadação das receitas já criadas em lei25.

3.2 NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO

Há um processo, todo especial, de elaboração legislativa em

relação ao orçamento, como vimos. O Executivo apresenta a proposta

orçamentária ao Legislativo e, ao aprová-la, é remetida novamente ao Chefe

do Executivo, que a transforma em lei26.

25 Idem, ibidem., p.152.2003 26 Idem, ibidem.. p.153.2003

Page 41: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

40

A discussão sobre a Natureza Jurídica do Orçamento recai,

exatamente, nesta situação:

Que tipo de lei ele traz consigo? Qual a origem desta lei?

Convém ressaltar, desde logo, que no sentido formal o

Orçamento proporciona o surgimento de uma lei, pois ela estará submetida a

um processo de elaboração legislativa, como as demais outras normas. Ao

ser sancionado, o projeto de lei receberá um número, que obedece ao critério

cronológico, sendo objeto de sanção, sujeitando-se, ainda, à sua publicação

pela Imprensa Oficial. O Orçamento, portanto, é lei em seu sentido formal,

isto é, textual27.

Para a perfeita compreensão da matéria devemos entendê-la

da seguinte maneira28:

a) há, em nosso ordenamento jurídico várias leis que se

aplicam aos comportamentos sociais, independentemente

da vontade de quem quer que seja, onde chamaríamos

estas lei de "atos-regras". Exemplo: uma autoridade policial,

ao tomar conhecimento da ocorrência de uma infração

penal, digamos, um estelionato, sem que ninguém lhe peça,

instaura a máquina judicial, com a abertura do Inquérito

27 Idem, ibidem., p.153 28 Idem, ibidem., p.154-157

Page 42: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

41

Policial. Esta função decorre de um "ato-regra", imperativo

de sua função;

b) há, ainda, em nosso ordenamento jurídico várias leis, ou

dispositivos de leis, que, para serem aplicadas aos

comportamentos sociais, dependem da manifestação de

vontade de algumas pessoas; estas normas jurídicas são

chamadas de "atos-subjetivos", uma vez que dependem,

muito mais, da vontade (limitada por alguns interesses) da

pessoa, do que da vontade do Estado. Assim, nos crimes de

Ação Penal Privada: a autoridade policial chegou, mesmo, a

ver (seria uma testemunha ocular dos fatos) a infração,

contudo, ela nada pode fazer, enquanto a parte interessada

não manifestar a sua vontade de instauração do Inquérito

Policial. É uma norma jurídica advinda de um "ato-

subjetivo";

c) muitas leis, contudo, não se auto-aplicam, ou mesmo, não se

aplicam pela simples vontade, sem que tenha ocorrido uma

situação, que dê eficácia à sua aplicação futura. Alguns

autores chamam esta situação de "ato-condição", pois, a

competência dos agentes administrativos para poder cobrar

dito imposto nasce das respectivas leis atributivas dessa

competência, e o orçamento não é mais do que um "ato-

condição”, sem conter o princípio geral, impessoal e

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

42

obrigatório, próprio de toda lei. Isto significa que não bastam

as leis anteriores que criam os tributos, não bastam as leis

que criam uma despesa, para o Estado poder cobrar ou

poder despender. É imprescindível que toda a receita e

despesa, para sua realização, constem da Lei Orçamentária

Anual, fornecendo-nos o dogma da anualidade.

Em comunhão com o pensamento doutrinário, encontramos a

nossa Constituição, em vários dispositivos, adotando a noção da

necessidade, tanto da receita como da despesa, figurar na lei orçamentária,

ressalvadas, algumas situações.

Assim sendo, quando falamos em re-alocação de receitas,

necessariamente, temos que verificar se tais mecanismos estão em linha com

lei de orçamento anual e, se até mesmo, as transferências e

remanejamentos, levam em conta a previsão futura, através do plano

plurianual, afinal de contas, a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá

as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as

despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientando a

elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as alterações na

legislação tributária e estabelecendo a política de aplicação das agências

financeiras oficiais de fomento.

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

43

3.3 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS

O orçamento público surgiu para atuar como instrumento de

controle das atividades financeiras do governo. Entretanto, para real eficácia

desse controle, faz-se mister que a constituição orgânica do orçamento se

vincule a determinadas regras ou princípios orçamentários, que permitam que

o planejamento e a implementação do orçamento sigam regras claras e

seguras para todos os interessados. Neste caso, refiro-me, principalmente,

às regras de tratamento das receitas e despesas, evitando que a

circularização das mesmas, via orçamento público, ocorram em desacordo

com os princípios que regem o orçamento público.

Divergem os escritores na fixação dos princípios e, em

conseqüência, torna-se extensa a relação que apresentam. Entre os

principais citados pelos tratadistas, destacamos os seguintes:

3.3.1 Anualidade

De conformidade com o princípio da anualidade, também

denominado periodicidade, as previsões de receita e despesa devem referir-

se, sempre a um período limitado de tempo. Ao período de vigência do

orçamento denomina-se exercício financeiro. No Brasil, de acordo com o art.

34 da Lei nº 4.320/64, o exercício financeiro coincide com o ano civil: 1º de

Page 45: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

44

janeiro a 31 de dezembro;29

A Constituição Federal de 1988 também manteve a regra da

anualidade do orçamento, mas acabou com a figura do Orçamento Plurianual

de Investimentos, de duração trienal, sujeito à aprovação legislativa,

substituindo-o pelo plano plurianual.

Determina a Constituição:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I – o plano plurianual;

II – as diretrizes orçamentárias;

III – os orçamentos anuais.

Na prática, a previsão orçamentária anual permite que hajam

limitações e regras próprias para o remanejamento de receitas.

3.3.2 Unidade

O orçamento deve ser uno, isto é, deve existir apenas um

orçamento e não mais que um para dado exercício financeiro. Visa-se com

esse princípio eliminar a existência de orçamentos paralelos30;

Para Giacomoni, o ideal clássico da unidade orçamentária foi

29 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 721 30 Idem. Ibidem, p. 722

Page 46: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

45

sepultado, tratando a doutrina de reconceituar o princípio de forma que

abrangesse as novas situações. Surgiu, assim, o princípio da totalidade, que

possibilitava a coexistência de múltiplos orçamentos que, no entanto, devem

sofrer consolidação de forma que permita ao governo uma visão geral do

conjunto das finanças públicas.

No entendimento de um de seus formuladores, o princípio da

totalidade orçamentária deve respeitar as separações orgânicas que resultam

da descentralização administrativa, por território e por serviços. A pessoa

jurídica central do Estado deve ter seu domínio orçamentário próprio, distinto

dos departamentos, comunas e territórios de além-mar e do domínio das

empresas, estabelecimentos públicos nacionais, serviços autônomos e todas

as outras pessoas jurídicas satélites do Estado31.

A legislação orçamentária brasileira, por meio do artigo 2º da

Lei nº 4.320/64, pede a observância do princípio da unidade; nos últimos

tempos, porém, nem esse, nem o princípio da totalidade têm sido cumpridos.

Durante a maior parte da década de 80, desenvolveu-se forte

celeuma em torno dos chamados orçamentos múltiplos do governo federal

(fiscal, monetário e das estatais). O endividamento público era apontado por

significativa parcela dos analistas como o principal responsável por dois

sintomas da crise econômica brasileira: as elevadas taxas de inflação e dos

31 HERVEIEU, Pierre apud SILVA S. Sant´Anna e. Os princípios orçamentários. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1962.p.5

Page 47: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

46

juros. Considerando que o orçamento fiscal tradicionalmente se comportava

de forma equilibrada, o déficit público federal localizava-se nos outros dois

orçamentos, que, aliás, eram elaborados e aprovados no âmbito do Executivo

sem qualquer tipo de manifestação parlamentar.

A Constituição de 1988 trouxe melhor entendimento para a

questão ao precisar a composição do orçamento anual que passa a ser

integrado pelas seguintes partes: a) o orçamento fiscal, compreendendo as

receitas e despesas de todas as unidades e entidades da administração

direta e indireta; b) o orçamento de investimento das empresas estatais; e c)

o orçamento das entidades de seguridade social32.

Esse modelo, em linhas gerais, segue a concepção da

totalidade orçamentária, isto é, múltiplos orçamentos são elaborados de

forma independente, sofrendo, entretanto, a consolidação que posssibilita o

conhecimento do desempenho global das finanças públicas.

Para que se processem os mecanismos de controle

orçamentário, não há dúvida que um orçamento consolidado facilita a sua

análise.

3.3.3 Universalidade

O orçamento deve conter todas as receitas e todas as

32 Constituição Federal, art. 165, parágrafo 8º.

Page 48: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

47

despesas referentes aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades

da administração direta e indireta. (art. 165, § 5º, CF)33;

Essa regra tradicional, 34 amplamente aceita pelos tratadistas

clássicos, é considerada indispensável para o controle parlamentar sobre as

finanças públicas. Segundo Sebastião de Sant`Anna e Silva, o princípio da

universalidade possibilita ao Legislativo:

a) conhecer todas as receitas e despesas do governo e dar

prévia autorização para a respectiva arrecadação e

realização;

b) impedir ao Executivo a realização de qualquer operação de

receita e despesa sem prévia autorização parlamentar;

c) conhecer o exato volume global das despesas projetadas

pelo governo, a fim de autorizar a cobrança dos tributos

estritamente necessários para atendê-las.35

Uma das inovações trazidas pela Constituição de 1988, é a

exigência da inclusão no orçamento anual dos orçamentos das entidades

previdenciárias. Na sistemática anterior, em função da auto-suficiência das

33 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 723 34 Segundo Jèze, o princípio da universalidade foi introduzido na França por Villèle em 1822. Ver VIANA, Arízio de. Orçamento brasileiro. 2. Ed. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1950. P. 107 35 SILVA, S. SantÁnna e Op. Cit.p.14

Page 49: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

48

finanças do setor, em sua quase totalidade baseadas nas contribuições de

empregadores e empregados, o orçamento previdenciário era aprovado no

âmbito exclusivo do Poder Executivo.

As contribuições previdenciárias, são receitas públicas e, como

tal, devem estar sujeitas ao controle parlamentar. Além disso, tem sido

comum o aporte de recursos do orçamento central para cobrir déficits no

âmbito das finanças previdenciárias, o que caracterizaria, segundo E.

Morselli, a “parafiscalidade” suprida e integrada pela “fiscalidade”36. Porém,

de acordo com o tema da presente pesquisa, a inclusão dos orçamentos das

entidades previdenciárias propiciou o debate sobre a inclusão da COFINS e

CSLL na arrecadação da União e que será abordada mais adiante.

3.3.4 Orçamento bruto

Todas as parcelas da receita e da despesa devem aparecer no

orçamento em seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução. A regra

pretende:

Impedir a inclusão, no orçamento, de importâncias líquidas, isto

é, a inclusão apenas do saldo positivo ou negativo resultante do confronto

entre as receitas e as despesas de determinado serviço público.37

36 MORSELLI, Emanuele. Curso de ciências das finanças públicas. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1959. P. 17, nota 11. 37 SILVA. S. Sant´Anna e. Op. Cit. P. 14

Page 50: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

49

Esse princípio surgiu junto ao da Universalidade, visando ao

mesmo objetivo.

Segundo Gaston Jezè, citado por Sant`Anna e Silva:

Estas duas regras, regra do orçamento bruto e regra da

universalidade, são consideradas, como a condição essencial do controle

financeiro pelas Assembléias. No momento em que o Parlamento é chamado

a votar o imposto e a fixar as despesas que são o seu fundamento e a sua

medida, é necessário que o orçamento lhe apresente a lista de todas as

despesas e de todas as receitas. Não há razão alguma para subtrair uma

despesa qualquer ao controle do Parlamento. Se existisse uma única

despesa cuja legitimidade ele não houvesse discutido, o voto do imposto não

seria dado com pleno conhecimento de causa.38

Atendendo a um aspecto particular da universalidade, o

princípio do orçamento bruto buscava impedir o florescimento das atividades

empresariais do Estado, que não poderiam ser conciliadas com o

cumprimento da regra. Com o passar do tempo, os empreendimentos

econômicos do Estado (estradas de ferro, mineração, correios e telégrafos

etc.) cresceram vertiginosamente, com a conseqüente violação do princípio,

pois seria impossível que todas as receitas e despesas dessas entidades

sofressem tratamento centralizado; os valores líquidos resultantes da

38 Idem, ibidem. P. 13-14

Page 51: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

50

operação dessas organizações é que passaram a integrar o orçamento

governamental.

3.3.5 Da não-afetação das receitas

Segundo James Giacomoni, a observância do princípio sempre

foi problemática. Alguns tipos de receitas públicas são naturalmente

vinculados à execução de determinadas despesas. O produto da arrecadação

de boa parte das taxas, por exemplo é vinculado à realização de despesas

certas, pois servem para custear serviços prestados pelo Estado. Os

empréstimos igualmente se caracterizam pelo comprometimento a

determinadas finalidades, como programas de investimento, atendimento de

situações de emergência etc. A melhor ilustração de como determinado tipo

de receita pode ser “afetada” é encontrada nos fundos orçamentários e

contábeis que, na sua maioria, têm a seguinte característica: a criação do

Fundo dá-se por meio de uma norma legal, a qual estabelece que os recursos

terão por origem “n”% do imposto “tal” e que as aplicações deverão ser feitas

“x”% no programa “A”, “y”% no programa “B”, e assim por diante.

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 167 que

são vedados a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,

ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se

referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e

desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art.212, e a prestação de

garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no

Page 52: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

51

art. 165, parágrafo 8º, bem assim o disposto no parágrafo 4º deste artigo.

Com essa disposição, fica consolidada a orientação, oriunda da

Constituição de 1967, de impedir que as receitas de impostos sofram

vinculações e comprometimentos com organismos e programas. As exceções

mencionadas nos artigos 158 e 159 são as participações que Estados,

Municípios e Distrito Federal têm no produto da arrecadação dos impostos

sobre a renda e proventos de qualquer natureza, sobre produtos

industrializados, sobre a propriedade territorial rural, sobre a propriedade de

veículos automotores, sobre as operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e

intermunicipal e de comunicação.

Outra exceção caracterizada no disposto é a vinculação

prevista no artigo 212, em que a União não poderá deixar de aplicar,

anualmente, menos de 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

menos 25% da receita resultante de impostos, na manutenção e

desenvolvimento do ensino.

No sistema orçamentário federal é enorme a quantidade de

vinculações mais ou menos explícitas.

No caso específico da contribuição, percebemos que em

decorrência da destinação finalística de sua arrecadação, deverá ser definido

os percentuais de vinculação, ao que veremos adiante, que poderão ser

remanejados através de créditos adicionais.

Page 53: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

52

Exclusividade

O orçamento deve conter apenas matéria orçamentária e não

cuidar de assuntos estranhos, o que, aliás, está previsto no art. 165, § 8º da

Constituição. O princípio da exclusividade foi introduzido no Direito brasileiro

pela reforma constitucional de 1926. Sua adoção como norma constitucional

pôs fim às distorções das famosas "caudas orçamentárias". Exceção feita à

autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de

operações de créditos39;

3.3.6 Especificação

Este princípio tem por escopo vedar as autorizações globais, ou

seja, as despesas devem ser classificadas com um nível de desagregação tal

que facilite a análise por parte das pessoas. De acordo com art. 15 da Lei nº

4.320, 17/3/64, a discriminação da despesa na lei-de-meios far-se-á, no

mínimo, por elementos (pessoal, material, serviços, obras, etc.). As leis de

Diretrizes Orçamentárias também vêm determinando que o Poder Executivo

enviará ao Congresso Nacional os projetos de lei orçamentária e dos créditos

adicionais em meio eletrônico com sua despesa regionalizada e discriminada,

no caso do projeto de lei orçamentária, por elemento de despesa40;

Alguns outros autores reconhecem esse princípio como o da

39 Idem. Ibidem, p. 719 40 Idem. Ibidem.

Page 54: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

53

Discriminação ou Especialização

3.3.7 Publicidade

O conteúdo orçamentário deve ser divulgado (publicado)

através dos veículos oficiais de comunicação/divulgação para conhecimento

público e para a eficácia de sua validade, que é princípio para todos os atos

oficiais do governo. No caso específico, a publicação deve ser feita no Diário

Oficial da União.

Para Sant`Anna e Silva esse princípio esclarece que:

A lei orçamentária deverá conter apenas matéria financeira,

excluindo-se dela qualquer dispositivo estranho à estimativa da receita e à

fixação da despesa para o próximo exercício.41

Esse princípio surgiu com o objetivo de impedir que a Lei de

Orçamento, em função da natural celeridade de sua tramitação no legislativo,

fosse utilizada como meio de aprovação de matérias outras que nada tinham

que ver com questões financeiras.

No Brasil, durante a Primeira República, na falta de disposições

disciplinadoras, a lei orçamentária incluía seguidamente matérias estranhas,

rotuladas pelos tratadistas de “caudas orçamentárias”, levando Rui Barbosa a

41 Idem, ibidem. p.31

Page 55: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

54

chamar esses orçamentos de “rabilongos”.42

3.3.8 Equilíbrio

De todos os princípios clássicos, esse é o que tem merecido

maior atenção, fora do âmbito específico do orçamento, interessando de

perto outras áreas econômicas, como finanças públicas, política fiscal,

desenvolvimento econômico etc.

É com a escola keynesiana que acontece a reação mais

organizada ao princípio do equilíbrio orçamentário. Havendo desestabilização

no sistema econômico (estagnação e desemprego), compete ao governo criar

condições para a retomada do crescimento. Isto pode significar o

endividamento público pela captação de recursos privados ociosos, cuja

aplicação visaria ao pleno emprego e à dinamização da economia.43 Estudos

sobre o comportamento cíclico da economia contribuíram para justificar o

intervencionismo público especialmente nos momentos de estagnação do

ciclo.

Segundo essas novas concepções, “...não é a economia que

deve equilibrar o orçamento, mas o orçamento é que deve equilibrar a

42 Idem, ibidem.p32. Sant`Anna e Silva, a título de exemplo, lembra que por meio de lei orçamentária foi alterado o processo de ação de desquite. 43 MARTNER, Gonzalo. Planificatión y presupuesto por programas. 4. Ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1972. P.31

Page 56: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

55

economia”.44

O que se entende, então, por equilíbrio é, que em cada

exercício financeiro, o montante da despesa não deve ultrapassar a receita

prevista para o período. O equilíbrio não é uma regra rígida, embora a idéia

de equilibrar receitas continue ainda sendo perseguida, principalmente a

médio ou longo prazo. Uma razão fundamental para defender esse princípio é

a convicção de que ele constitui o único meio de limitar o crescimento dos

gastos governamentais e do conseqüente endividamento público;

3.3.9 Clareza

O orçamento público, ao cumprir múltiplas funções – algumas

não técnicas – deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a

todas aquelas pessoas que, por força de ofício ou por interesse, precisam

manipulá-lo. É uma regra de difícil observação, pois, devido exatamente aos

seus variados papéis, o orçamento reveste-se de uma linguagem complexa,

acessível apenas aos especialistas. A solução talvez esteja em melhorar os

atuais anexos sintéticos, transformando-os em peças comentadas com

informações globais sobre a programação orçamentária.45

44 LANE, Felipe Herrera Apud SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. P. 126.

45 Giacomoni, James. Orçamento Público, São Paulo, Editora Atlas, p.86

Page 57: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

56

3.3.10 Exatidão

A exatidão orçamentária envolve questões técnicas e éticas.

Desde os primeiros diagnósticos e levantamentos com vistas na elaboração

da proposta orçamentária, deve existir grande preocupação com a realidade

e com a efetiva capacidade do setor público de nela intervir de forma positiva

por intermédio do orçamento. A regra deve ser observada não apenas pelos

setores encarregados da política orçamentária, mas também por todos os

órgãos executivos que solicitam recursos para a implementação de

programas e projetos. A difundida prática de super dimensionamento da

solicitação de recursos baseada na inevitabilidade dos cortes configura clara

violência ao princípio da exatidão, artificializando a elaboração do

orçamento.46

3.4 MECANISMOS RETIFICADORES DO ORÇAMENTO:

Seria impraticável se, durante sua execução, o orçamento não

pudesse ser retificado, visando atender a situações não previstas quando de

sua elaboração ou, mesmo, viabilizar a execução de novas despesas, que só

se configuraram como necessárias durante a própria execução orçamentária.

Há soluções para isso e o mecanismo a ser invocado é o do crédito adicional.

46 Idem, ibidem., p.87

Page 58: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

57

Na definição da lei, “são créditos adicionais as autorizações de despesas não

computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento”.

3.4.1.1. Créditos adicionais

Os créditos adicionais resolvem as duas situações clássicas de

imprevisão na elaboração orçamentária: na primeira, o orçamento contém o

crédito adequado, mas a dotação respectiva apresenta saldo insuficiente para

o atendimento de despesas necessárias; na segunda, não existe o crédito

orçamentário para atender às despesas a serem realizadas.

Segundo Giacomoni47, são classificados em:

� suplementares;

� especiais;

� extraordinários.

3.4.1.2. Crédito Suplementar

É destinado ao reforço de dotação orçamentária já existente.

Utilizados quando os créditos orçamentários são ou se tornam

insuficientes (como, por exemplo, aumento de um insumo utilizado pelo

47 Idem, ibidem., p.269-272

Page 59: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

58

governo).

Estes créditos estão relacionados diretamente ao orçamento, já

que suplementam dotações já existentes.

Sua abertura depende da existência de recursos disponíveis

para atender à despesa e será precedida de exposição justificativa.

É autorizado por lei, e aberto por decreto do Poder Executivo.

A Lei de Orçamento Anual poderá conter autorização para que

o Poder Executivo abra créditos suplementares (somente) até determinada

importância.

3.4.1.3. Crédito Especial

É destinado às despesas para as quais não haja dotação

orçamentária específica na Lei de Meios. O crédito especial cria novo item de

despesa, para atender a um objetivo não previsto no orçamento.

Sua abertura depende da existência de recursos disponíveis

para atender à despesa e será precedida de exposição justificativa.

É autorizado por lei e aberto por decreto do Poder Executivo.

Se a lei de autorização do crédito for promulgada nos últimos

quatro meses do exercício, poderá ser reaberto no exercício seguinte, nos

Page 60: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

59

limites de seu saldo, sendo incorporado ao orçamento do exercício financeiro

subseqüente.

3.4.1.4. Crédito Extraordinário

É destinado a atender despesas urgentes e imprevisíveis, como

as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Caracteriza-se assim:

a) pela imprevisibilidade do fato, que requer ação urgente do

Poder Público;

b) por não decorrer de planejamento e, pois, de orçamento.

Independem da existência prévia de recursos disponíveis.

São abertos por Medida Provisória.

A abertura de créditos suplementares e especiais depende de

prévia autorização legislativa.48A própria lei orçamentária anual poderá ser

utilizada para autorizar o Poder Executivo a abrir, durante o exercício,

créditos suplementares até determinado montante, em geral, representado

48 Constituição Federal: art.167. “São vedados: (...)V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” e Lei nº 4.320/64: art.42. “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.”

Page 61: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

60

por meio de percentual da despesa autorizada.Tal possibilidade, cujo amparo

reside no art. 7º da Lei nº 4.320/64 e no art.165, parágrafo 8º, da

Constituição Federal, busca garantir certo grau de flexibilidade à execução

orçamentária, tornando desnecessária a autorização legislativa em todos os

casos de retificação na modalidade de suplementação. Já a autorização para

a abertura de crédito especial só pode ser concedida por meio de lei

específica.

Tendo em vista que o crédito extraordinário é indicado para as

situações em que a intervenção estatal deve dar-se rapidamente, não caberia

aguardar-se o provimento legislativo prévio. Assim, de conformidade com a

Lei nº 4.320/64, os créditos extraordinários são abertos por decreto do Poder

Executivo, que informará de imediato ao Poder Legislativo sobre a

providência tomada. Já a Constituição de 1988 trouxe duas novidades nesta

questão: ampliou as situações possíveis de serem atendidas por meio do

crédito extraordinário e estabeleceu a medida provisória como instrumento

legal de abertura de crédito.

3.4.2 Recursos para a abertura de créditos adicionais

Assim como na lei orçamentária, em que a receita estimada

(recursos) possibilita que a despesa seja autorizada, também nas retificações

orçamentárias são necessários recursos para que os créditos adicionais

possam ser autorizados e abertos. De acordo com a norma geral, essa

exigência é dispensada apenas para os créditos extraordinários.

Page 62: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

61

Giacomoni, considera em sua obra49, recursos disponíveis para

fins de abertura de créditos suplementares e especiais, além da reserva de

contingência:

I - O superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do

exercício anterior;

II - Os provenientes do excesso de arrecadação;

III - Os resultados de anulação parcial ou total de dotações

orçamentárias ou de créditos adicionais autorizados em

lei; e

IV - O produto de operações de crédito autorizados em forma

que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-

las.

O superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do

exercício anterior é a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo

financeiro. A utilização dessa modalidade de recurso deve considerar os

saldos dos créditos adicionais transferidos do exercício anterior e as

operações de crédito a eles vinculadas. Apesar de a norma geral não

disciplinar, a apuração e a utilização do superávit financeiro devem respeitar

os vínculos, estabelecidos na legislação específica, existentes entre parcelas

da receita e determinadas despesas. O encerramento do exercício e a

49 Giacomoni, James. Orçamento Público, São Paulo, Editora Atlas, p.273

Page 63: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

62

apuração de seus resultados são eventos incapazes de desfazer as

afetações da receita determinadas pela lei. Exemplos de receitas cujo

compromisso de vínculo com a despesa deve ser respeitado no novo

exercício são as contribuições, o produto da arrecadação tributária a ser

compartilhada e as receitas de fundos especiais.

O excesso de arrecadação é constituído pelo saldo positivo das

diferenças, acumuladas mês a mês, entre a arrecadação prevista e realizada.

De acordo com a norma geral, deve considerar-se, no cômputo dos recursos

do excesso de arrecadação, a tendência de comportamento futuro da receita,

assim como a dedução dos valores dos créditos extraordinários abertos no

exercício. A utilização desse recurso exige cuidados especiais e avaliações

criteriosas, caso contrário, produzir-se-ão déficits. E, primeiro lugar, só a

ocorrência de excesso de arrecadação quando se considera a receita

orçamentária total, pois a arrecadação à maior de determinada fonte pode ser

compensada com a arrecadação à menor de outra fonte. Em segundo lugar,

também aqui é necessário o respeito aos vínculos entre receita e despesa

estabelecidos na lei. Se o excesso de arrecadação identificado na receita

total foi determinado por itens de receita que se destinam a atender a

determinadas despesas, é claro que tal excesso só poderá ser empregado na

abertura de créditos adicionais naquelas finalidades previstas na legislação

que criou a vinculação.

A anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de

créditos adicionais é a modalidade de recurso mais utilizada na abertura de

Page 64: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

63

créditos adicionais. No passado, quando os orçamentos públicos

estruturavam-se em moldes tradicionais, com ênfase na classificação da

despesa por objeto e item, a anulação parcial ou total de dotações não

produzia maiores conseqüências. Hoje, com orçamentos do tipo programado,

as implicações determinadas por anulações são evidentemente mais sérias.

Visando reforçar a dotação de um Projeto ou Atividade qualquer, o Poder

Executivo poderá indicar, como recurso, a anulação de dotações

orçamentárias, isto é, outros Projetos ou Atividades. Acredito incorreto tal

procedimento, pois o crédito orçamentário anulado representa objetivos

concretos expressos na lei e, conseqüentemente, de interesse da

comunidade. O Poder Executivo poderia, com base em prioridades, retirar

parte das dotações do Projeto ou Atividade menos prioritário, mas não anulá-

lo pura e simplesmente.

O produto de operações de crédito constitui recurso para

abertura de créditos adicionais se houver autorização para a realização da

operação e se existirem condições jurídicas que possibilitam ao Poder

Executivo realizá-las. Assim, não basta a autorização genérica eventualmente

concedida no texto da própria lei orçamentária ao amparo ao art. 165,

parágrafo 8º, da Constituição Federal. É necessário que a operação apontada

conte com amparo nas normas específicas e atenda às exigências da

Page 65: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

64

legislação local.50 Também, é necessário que a operação seja efetivamente

viável, ou seja, que exista a linha de financiamento e agente disposto a

realizar a operação e que as condições – montante, prazos, encargos,

carências etc. – atendam aos interesses superiores da instituição.

Abertos, os créditos adicionais serão acompanhados como os

demais créditos orçamentários. Os especiais e extraordinários, por serem

créditos novos, devem sofrer o registro inicial. No caso de abertura de crédito

suplementar, ocorrerá o reforço de dotação de crédito orçamentário existente.

Claro está que só se deve cogitar em suplementar um crédito quando todas

as cotas estiverem liberadas.

3.4.3 Vigência dos créditos adicionais

Os créditos adicionais vigerão no exercício financeiro em que

foram abertos, salvo expressa disposição legal em contrário, quanto aos

créditos especiais e extraordinários. 51 A Constituição de 1988 manteve a

regra da Constituição anterior, estabelecendo que os créditos especiais ou

extraordinários, autorizados nos últimos quatro meses do exercício, poderão

50 Conforme a Constituição Federal – art. 52, V a IX -, compete ao Senado estabelecer limites e outras condições para a realização de operações de crédito de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No que tange às operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Senado Federal, por meio da Resolução nº 78, de 1998, disciplina, detalhadamente, as modalidades de operações de crédito, vedações e exceções, limites, apresentação de solicitações, critérios e condições de aprovação das solicitações, responsabilidades do Banco Central etc. Cabe, igualmente, recordar que a CF – ART. 167, III – VEDA A realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital. 51 Lei nº 4.320/64: art. 45.

Page 66: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

65

ser reabertos no exercício seguinte, nos limites de seus saldos.52

Alguns especialistas interpretam o inciso VI do art. 167 da

Constituição Federal como introdutor de um novo mecanismo retificador do

orçamento, independentemente dos créditos adicionais. Por meio do referido

dispositivo, a Constituição veda a transposição, o remanejamento ou a

transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de

um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.

Acredito que a transposição, remanejamento ou transferência

de recursos não seriam outra coisa que retificações orçamentárias

implementadas por meio dos créditos suplementares. Afora essa questão, a

ser resolvida em última análise pela lei complementar prevista no art.. 165,

parágrafo 9º, da CF, outro ponto de variada interpretação é o conceito de

programação financeira.

A Secretaria do Tesouro Nacional é o órgão responsável pela

administração e utilização dos recursos que entram nos cofres do Governo

Federal, provenientes principalmente dos tributos pagos pelos contribuintes.

A atual legislação estabelece como atribuições da STN a elaboração e

execução da programação financeira da União; a administração dos haveres

financeiros e mobiliários (títulos), bem como das responsabilidades da União;

e a execução das operações de crédito e da política de dívida pública federal,

52 Emenda Constitucional nº 1/69:art. 62, parágrafo 4º, e Constituição Federal de 1988: art. 167, parágrafo 2º.

Page 67: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

66

interna e externa, bem como o controle dos limites de endividamento do setor

público.

Conforme determina o art. 5º do Decreto nº 93.874, de

23/12/86, a programação financeira tem por finalidade a formulação de

diretrizes para elaboração das propostas de cronogramas de desembolso,

estabelecimento do fluxo de caixa e fixação de limites de saques periódicos

contra a conta do Tesouro Nacional, objetivando:

a) assegurar às unidades orçamentárias, em tempo oportuno, a

soma de recursos necessários e suficientes à melhor

execução do seu programa anual de trabalho; e,

b) manter, durante o exercício, na medida do possível, o

equilíbrio entre a receita arrecadada e a despesa realizada,

de modo a reduzir eventuais insuficiências financeiras.

Conforme esclarece Giacomoni, 53 o Decreto de Programação

Financeira tem, entre outras finalidades:

� adaptar o fluxo financeiro aos diversos programas de

trabalho;

53 Giacomoni, James. Orçamento Público, São Paulo, Editora Atlas, p.272

Page 68: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

67

� manter o equilíbrio entre a receita arrecadada e a

despesa realizada (sazonalidade da receita);

� permitir às unidades saber de antemão o volume de

recursos que poderão empenhar e

� o limite de seus pagamentos.

Compete à Secretaria do Tesouro Nacional aprovar a

programação financeira de desembolso para o exercício, procurando ajustar

às necessidades da execução do orçamento-programa ao fluxo de caixa do

Tesouro. O fluxo de caixa do Tesouro é mais abrangente do que o

cronograma de desembolso, pois ele engloba não só as despesas, mas

também as receitas do Governo. A programação financeira visa estabelecer

um fluxo de caixa mais consentâneo com as políticas fiscal e monetária do

governo54.

3.4.4 Retificação e alteração da lei orçamentária

Por seu significado no universo da retificação dos orçamentos

federais durante sua execução, três pontos devem ser destacados: (a)

autorização para a abertura de créditos suplementares obtida na própria lei

orçamentária; (b) abertura de créditos extraordinários por meio de medida

provisória; e (c) alterações nas novas categorias classificatórias –

54 Idem, ibidem., p.284

Page 69: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

68

modalidades de aplicação, fonte de recursos etc55.

3.4.4.1. Autorização para a abertura de créditos suplementares

Conforme dispõe a Constituição Federal no art. 165, parágrafo

8º, a lei orçamentária anual poderá trazer autorização para a abertura de

créditos suplementares. Com base nessa autorização, certas retificações

orçamentárias serão processadas, durante a execução orçamentária, por

intermédio de atos baixados no âmbito de cada Poder.

A decisão do legislador em conceder autorização genérica para

retificações orçamentárias, dispensado o provimento legislativo em cada

caso, é amparada em duas classes de razões: (a) por ser realizada com

razoável antecedência, a elaboração orçamentária convive com o risco da

imprevisibilidade, sendo de bom-senso permitir ao executor do orçamento

certa margem de flexibilidade na utilização das dotações, dentro de

determinadas condições; e (b) como conseqüência das inúmeras vinculações

legais existentes entre modalidades de receitas e despesas específicas,

certas retificações do orçamento impõem-se de forma praticamente

automática56.

A concessão de autorização genérica para a abertura de

créditos suplementares tem sido tradicional nos orçamentos federais,

55 Idem, ibidem., p.286 56 Idem, ibidem., p.288

Page 70: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

69

especialmente nos últimos anos, quando o mecanismo vem sendo empregado

de forma ampla e variada.

3.4.4.2. Abertura de créditos extraordinários por meio de medida

provisória

O emprego de medida provisória para a abertura do crédito

extraordinário não é certamente uma boa solução. 57 Ao ser apreciada, a

medida provisória poderá receber emendas, com objetivos contrários aos

pretendidos com a medida, e até mesmo ser rejeitada. O fundamento do

crédito extraordinário é a urgência da ação governamental, não devendo se

cogitar em prévia autorização legislativa para a realização das despesas

correspondentes. Careceria de sentido, portanto, emendar e rejeitar um

crédito extraordinário. 58 Como o problema está, também, na excessiva

flexibilidade concedida na utilização do mecanismo, dever-se-ia retornar ao

modelo anterior ao da Constituição de 1988, ou seja, a abertura de crédito

extraordinário dar-se-ia apenas em caso de guerra, comoção interna ou

calamidade pública, por meio de Decreto do Poder Executivo, com imediata

57 O emprego da medida provisória para a abertura de crédito extraordinário é matéria controversa. A interpretação de que o artigo 167, parágrafo 3º, da Constituição Federal, ao invocar o artigo 62, exige a medida provisória na abertura do crédito extraordinário é equivocada. “Dado que pela absoluta funcionalidade do procedimento tradicional, o entendimento mais razoável para a referência ao artigo 62 da Constituição, contida no parágrafo 3º supra, seria o de haver necessidade de convocação do Congresso Nacional no caso da abertura do crédito extraordinário ocorrer durante período de recesso,...”Ver SANCHES, Osvaldo M. Processo orçamentário federal: problemas, causas e indicativos de solução. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 29(3):146-147, jul./set.1995. 58 Ver SCHETTINI, Francisco de Paula. Emendas a projetos de lei de crédito adicional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, 34(135):197-202, jul./set.1997.

Page 71: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

70

comunicação ao Poder Legislativo.

3.4.4.3. Alterações nas novas categorias classificatórias

As leis de diretrizes orçamentárias federais estabelecem o grau

de detalhamento ou discriminação da despesa a ser observado nas leis

orçamentárias anuais. À título de exemplificação e, de acordo com a LDO,

para o exercício de 2000, os orçamentos fiscais e da seguridade social

discriminaram a despesa por unidade orçamentária, detalhada por categoria

de programação em seu menor nível – subtítulo -, especificando os grupos de

despesa, com suas respectivas dotações, indicando, para cada categoria, a

esfera orçamentária, a modalidade de aplicação, a fonte de recursos e o

identificador de uso.59

Conforme a definição da Lei nº 4.320/64, utiliza-se o crédito

adicional para autorizar despesas não computadas ou insuficientemente

dotadas na lei orçamentária. O crédito adicional constitui-se, assim, em

solução para problemas existentes no âmbito das dotações, por meio da

autorização para a abertura de novos créditos ou para a suplementação de

dotações de créditos existentes. Para a abertura de novo crédito ou

suplementação de dotação existente é necessária a indicação de recursos

em valor correspondente.

59 Lei nº 9.811, de 28-7-1999: art. 4º.

Page 72: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

71

No caso de alterações em certas categorias que constituem o

crédito orçamentário, em particular modalidade de aplicação, fonte de recurso

e identificador de uso, não estão em jogo valores (dotação) a serem

autorizados e recursos que os viabilizem, mas, a substituição de um título por

outro integrante da mesma categoria. Isso ocorre, por exemplo, quando se

substitui, em determinado subprojeto ou sub atividade, a modalidade de

aplicação 90 (Aplicação Direta) pela 40 (Transferências Inter Governamentais

a Municípios), ou a fonte de recursos 112 (Recursos Destinados à

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino) pela 100 (Recursos Ordinários).

Pode ocorrer que, do total da dotação, uma parte sofra alteração de

modalidade de aplicação ou de fonte de recursos ou de identificador de uso.

Tal particularidade, entretanto, não muda essencialmente a questão, já que

os valores alocados no crédito não sofrem alteração em seu total.

Aceita a argumentação exposta, os créditos adicionais não se

constituiriam em mecanismo apropriado para a retificação de algumas

categorias classificatórias de despesa durante a execução orçamentária da

União. Como conseqüência dessa limitação, eventuais retificações não

poderiam ser autorizadas no texto da lei orçamentária, ao amparo do art. 165,

parágrafo 8º, da Constituição Federal (autorização para a abertura de

créditos suplementares). As leis de diretrizes orçamentárias federais têm

suprido a ausência de norma permanente disciplinadora dessa questão e vêm

autorizando modificações naquelas categorias não cobertas pelos créditos

adicionais.

Page 73: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

72

3.5 CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA

O controle exerce na administração sistêmica papel

fundamental no desempenho eficaz de qualquer organização. É através dele

que detectamos eventuais re-alocações ou problemas que ocorrem durante a

execução de um trabalho, possibilitando a adoção de medidas corretivas para

que o processo se reoriente na direção dos objetivos traçados pela

organização.

Na Administração Pública a importância do controle foi

destacada, principalmente, com o advento da Reforma Administrativa de

1967. Assim, o art. 6º do Decreto-Lei nº 200/67 o coloca, ao lado do

planejamento, entre os cinco princípios fundamentais que norteiam as

atividades da Administração Federal.

Evidentemente, o controle não é fim em si mesmo e, dentro

desse espírito, os controles puramente formais ou cujo custo seja superior ao

risco devem ser abandonados, não só em atendimento ao art. 14 do Decreto-

Lei nº 200, mas também à política de desburocratização do Governo.

A Lei nº 4.320/64 estabelece que o controle da execução

orçamentária e financeira da União, Estados, Municípios e Distrito Federal

será exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, mediante controles

externo e interno, respectivamente.

Page 74: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

73

Esse entendimento é reafirmado pelo art. 70 da Constituição,

que determina:

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

De acordo com o que dispõe o art. 75 da Lei nº 4.320/64, o

controle da execução orçamentária compreenderá:

I - a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da

receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a

extinção de direitos e obrigações;

II - a fidelidade funcional dos agentes da administração

responsáveis por bens e valores públicos; e

III - o cumprimento do programa de trabalho, expresso em

termos monetários e em termos de realização de obras e

prestação de serviços.

Os dois primeiros itens expressam a preocupação jurídico-legal

ou formal do controle, por influência do orçamento tradicional. O inciso I

apresenta a abrangência do controle, definindo sua universalidade, todos os

atos que resultem a arrecadação da receita e a realização da despesa. Já o

inciso II individualiza o objeto do controle, recaindo, desta forma, sobre cada

agente da Administração. O último inciso já demonstra a preocupação do

Page 75: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

74

legislador com o controle do Orçamento-Programa, dado que o objetivo é

avaliar o cumprimento das ações constantes do orçamento programas de

trabalho, avaliando a realização de obras e prestação de serviços.

3.5.1 Controle Interno

As atividades de controle encontram-se disseminadas em todo

o corpo da Administração Federal, devendo ser exercidas em todos os níveis

e através não só de um órgão específico, mas também das chefias

competentes e dos próprios órgãos de cada sistema, conforme determina o

art. 13 do Decreto-Lei nº 200/67. A coordenação dessas atividades no Poder

Executivo, entretanto, está legalmente atribuída à Secretaria Federal de

Controle60.

Controle Interno do Ministério da Fazenda, a SFC é órgão

integrante do Sistema de Controle Interno do Poder .

O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal tem

as seguintes finalidades61:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no Plano

Plurianual, a execução dos programas de governo e dos

orçamentos da União;

60 Giacomoni, James. Orçamento Público, São Paulo, Editora Atlas, p.304

61 Idem, ibidem.

Page 76: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

75

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à

eficácia e à eficiência, da gestão orçamentária,

financeira e patrimonial nos órgãos e nas entidades da

Administração Pública Federal, bem como da aplicação

de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e

garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão

institucional.

Constata-se, desde logo, que, além de serviço de suporte às

atividades de controle externo, ao controle interno cabem as importantes

tarefas de avaliação do cumprimento das metas previstas no Plano Plurianual

e da execução dos programas de governo e dos orçamentos da União,

consoante o disposto no art. 74, da Constituição Federal, que prevê que a

verificação da legalidade dos atos de execução será prévia, concomitante e

subseqüente.

3.5.2 Controle Externo

O controle externo, consoante o art. 71, da Carta Magna, é

exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da

União - TCU, e compreende, dentre outras atividades, a apreciação das

contas do Presidente da República, o julgamento das contas dos

Page 77: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

76

administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, bem

como a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título. O TCU

é responsável, portanto, pelas funções de auxiliar o Congresso Nacional na

atividade de controle externo, apresentando Relatório e Parecer Prévio sobre

as contas do Presidente da República e julgando a regularidade das contas

dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos,

através de levantamentos contábeis, relatórios e certificados de auditoria.

O Presidente da República deverá remeter ao Congresso

Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as

contas relativas ao ano anterior, consoante determina o art. 84, inc. XXIV, da

Constituição. O Congresso Nacional, por sua vez, encaminhará ao TCU as

contas do Presidente, acompanhadas de demonstrativos elaborados pela

STN, para que o Tribunal elabore um Relatório e Parecer Prévio sobre as

contas. O TCU dispõe de sessenta dias para elaborar o citado parecer e

remetê-lo ao Congresso Nacional, para fins de julgamento.

O Congresso aprecia as contas dos Três Poderes da União,

valendo-se, fundamentalmente, dos seguintes documentos: Balanço Geral da

União, Relatório e Parecer Prévio do TCU, além do relatório e voto da

Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do

Congresso Nacional.

O controle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo,

terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal

Page 78: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

77

emprego dos dinheiro público e o cumprimento da Lei de Orçamento.

Tanto a Lei Maior como a lei básica do orçamento (4.320/64)

mostram claramente que as questões centrais de interesse do controle

externo são os aspectos legais ligados à questão do dinheiro público e à

observância dos limites financeiros consignados no orçamento.

3.6 O DIREITO FINANCEIRO E AS CONTRIBUIÇÕES

Como conclusão desse capítulo, podemos observar,

nitidamente, a forte influência das normas de direito financeiro sobre as

condições que podem ensejar as re-alocações das contribuições que estão,

notoriamente, vinculadas às suas finalidades, previstas na Constituição

Federal ou em Lei Complementar.

Contudo, percebemos que através dos princípios

orçamentários, que permitem maior visibilidade para a consecuçâo do

controle interno e, através dos mecanismos retificadores do orçamento,

possuímos parâmetros mais seguros para a análise das re-alocações das

receitas provenientes das contribuições finalísticas, sob a ótica normativa ou,

caso a excluamos, à título de exemplo, sob a ótica fática.

Essa vem a ser a pretensão dessa crítica acadêmica; observar

se os mecanismos existentes no orçamento público estão sendo utilizados

Page 79: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

78

adequadamente para o remanejamento da arrecadação de algumas receitas

que até então, deveriam ter a sua destinação finalística bem determinada.

Page 80: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

79

4 AS RE-ALOCAÇÕES DAS CONTRIBUIÇÕES, VIA ORÇAMENTO

Conforme mencionado no início dessa exposição, a intenção é

delimitar o objeto da pesquisa, através da análise de contribuições

específicas e com finalidades distintas, mas que tenham em comum, as re-

alocações de suas receitas, de forma que possamos observar a tredestinação

legislativa em consonância com os dispositivos normativos orçamentários.

Essa discussão remete-nos às eventuais manobras orçamentárias que

possibilitam tais re-alocações, trazendo à baila, questões técnicas que

demonstram, sob uma análise jurídica uniforme, a legitimidade dos

procedimentos.

A questão principal que envolve o tema, é o estudo da

utilização desses instrumentos orçamentários para que possamos

compreender às re-alocações das receitas, sabendo identificar seus limites e

mecanismos de aplicação.

4.1 CPMF – CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA

Sua origem está na polivalente Emenda de nº 3/93, cujo art. 2º

autorizou que a lei complementar instituísse o chamado Imposto Provisório

sobre Movimentação Financeira - IPMF - até 31 de dezembro de 1994,

Page 81: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

80

fixando uma alíquota máxima de vinte e cinco centésimos por cento.

Assim, veio à luz, a Lei Complementar nº 77/93, criando o IPMF

e definindo seu fato gerador. Era o início do desrespeito sistemático dos

princípios constitucionais tributários. Para resolver situação momentânea de

caixa, a União deixou de instituir imposto de sua competência (Imposto sobre

Grandes Fortunas) para lançar mão de um imposto novo, porém, com total

insubmissão às regras traçadas pelo legislador constituinte originário (art.

154, I da CF).

Limitando-se a fulminar a referida legislação no que diz

respeito à supressão dos princípios da anterioridade e da imunidade

recíproca, a União patrocinou a Emenda de nº 12/96, que possibilitou a

recriação do IPMF, sob o rótulo de CPMF, para financiar ações e serviços de

saúde por meio do Fundo Nacional de Saúde. Dessa forma, veio à baila, a

Lei nº 9.311, de 24-10-96, prevendo sua cobrança por treze meses, prazo

esse prorrogado, posteriormente, pela Lei nº 9.539, de 12-12-97, para vigorar

até 21-1-99, perfazendo o período autorizado pela Emenda nº 12/96.

Nova Emenda, a de nº 21/99, prorrogou por mais trinta e seis

meses a cobrança da CPMF mediante prorrogação, por idêntico prazo, da Lei

nº 9.311/96, alterada pela Lei nº 9.539/97, com alíquota de trinta centésimos

por cento a partir do exercício de 1999 até 2001. O produto da arrecadação,

decorrente do aumento da CPMF foi destinado ao custeio da previdência

social.

Page 82: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

81

Confortada pela decisão do Supremo Tribunal Federal, foi

editada a Medida Provisória nº 2.037-21, de 25-8-00, regulamentada pela

Instrução Normativa nº 89, de 18-9-00, da SRF, determinando que as

instituições financeiras debitem nas contas de seus clientes a CPMF não

retida, por força das liminares, acrescida de juros e multa. Por derradeiro,

sob intensa pressão do FMI – Fundo Monetário Internacional -, a Lei nº

9.311/96 foi novamente prorrogada pela Emenda nº 37, de 12-6-02, para

vigorar até 31-12-04, com a alíquota de trinta e oito centésimos por cento,

nos exercícios de 2002 e 2003, e de oito centésimos por cento para o

exercício de 2004, vindo a ser novamente prorrogada pela EC nº 41. O

produto de sua arrecadação nos exercícios de 2002 e 2003, a parcela

correspondente a 20%, foi destinada ao Fundo Nacional de Saúde; dez

centésimos por cento ao custeio da Previdência Social; e oito centésimos, ao

Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.62

Portanto, a finalidade da referida contribuição era a destinação

do produto de sua arrecadação para o orçamento público da Saúde,

destinação essa, idealizada pelo responsável pela instituição do IPMF que

viria a ser convolado em CPMF, o ex-ministro da saúde, Adib Jatene.

O que se verifica, até hoje, com a existência dessa contribuição

tida como provisória, é que não houve o repasse das verbas destinadas à

62 HARADA, Kiyoshi. CPMF. Um tributo que nasceu sob o estigma do caos . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 98, 9 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4399>. Acesso em: 11 nov. 2005.

Page 83: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

82

saúde, objetivando minimizar o seu estado de falência. Houve sim, uma re-

alocação da receita proveniente da circulação de moeda, física ou escritural.

4.2 CIDE - COMBUSTÍVEIS

A diminuição dos investimentos federais é sem dúvida um dos

pontos centrais do drama econômico brasileiro. Em vista disso, a carência de

investimentos em certas áreas (infra-estrutura de transportes, energia elétrica

etc.) tradicionalmente ocupadas pelo setor público, é gritante. Mesmo com a

carga tributária brasileira batendo recordes em cima de recordes, sendo hoje

uma das mais altas do mundo, a falta de investimentos nessas áreas vem

causando problemas complicados para o funcionamento de nossa economia.

Quem ainda não sentiu na pele o estado deplorável das rodovias brasileiras,

e, mesmo sem perceber com clareza, não vem pagando pelas repercussões

disso sobre os custos de produção internos do País? Igualmente conhecidas

são as deficiências em outras áreas do setor de infra-estrutura de

transportes, como o de portos e vias navegáveis, por exemplo.

A redução dos investimentos federais desde 1988 decorreu,

fundamentalmente, da ênfase que a nova Constituição colocou sobre certos

usos do dinheiro público, em detrimento da área de infra-estrutura. A

Constituição extinguiu os chamados impostos únicos, fonte cativa de recursos

dessa área até aquele momento, e redirecionou os recursos federais para

Page 84: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

83

outras finalidades.

Posteriormente, deu-se a necessidade de destinar parcelas

crescentes de recursos tributários ao controle da dívida pública (ou seja, de

gerar superávits primários elevados). Nessas condições, por mais que a

carga tributária se elevasse nesse ínterim, a destinação de recursos para a

área de infra-estrutura continuou declinando, até atingir o “fundo do poço”.

O alarmante é que a expressiva redução dos gastos de

investimento em geral (e em infra-estrutura de transportes em particular)

tenha ocorrido já no segundo ano de vigência da CIDE-Combustíveis

(Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis),

contribuição essa criada precisamente para assegurar uma parcela mínima

de recursos à expansão da área de infra-estrutura, a exemplo do que ocorria

quando os impostos únicos ainda estavam em vigor.

Com efeito, a legislação básica que, em sucessivas mudanças,

vem estabelecendo as condições de cobrança e utilização da CIDE-

Combustíveis (doravante denominada simplesmente “CIDE”) prevê, em

essência:

(1) Alíquotas específicas máximas, passíveis de redução e

eventual recomposição (estando as alíquotas em vigor

abaixo do limite superior).

(2) Uso dos recursos arrecadados, fundamentalmente, no

Page 85: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

84

financiamento de: (a) subsídios a preços ou transporte de

álcool combustível, gás natural e seus derivados, e

derivados de petróleo; (b) programas de infra -estrutura de

transportes; (c) projetos ambientais relacionados com a

indústria do petróleo e do gás.

(3) Transferência de 20% da arrecadação da CIDE para outras

finalidades via mecanismo de desvinculação de receitas

conhecido como DRU – Desvinculação de Receitas da

União, conforme dispositivo constitucional específico sobre

o assunto, a exemplo do que ocorre com a quase totalidade

dos impostos e contribuições federais.

(4) Transferência, a partir de 2004, de 25% dos recursos

líquidos arrecadados com a CIDE (isto é, líquidos da DRU -

Desvinculação de Receitas da União) para os Estados e o

Distrito Federal, com repasse de 25% dessa parcela para os

respectivos Municípios, para utilização em programas de

infra - estrutura de transportes. (A citada transferência foi

aumentada para 29% da arrecadação da CIDE, conforme

determina a Lei nº 10.866/2004).

Segundo a CNT 63 – Confederação Nacional de Transportes,

63 O Estado de São Paulo, edição de 04-11-2004, p.A-3

Page 86: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

85

responsável pela propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

2925, a execução orçamentária da União revelou uma perda de 23% e 47%,

respectivamente, na aplicação de recursos da CIDE em 2002 e 2003, em

comparação com a arrecadação bruta dessa contribuição. Parte foi

redirecionada para outras finalidades pelo mecanismo DRU (20% da

arrecadação bruta). Os restantes 3% e 27% da arrecadação bruta da CIDE,

respectivamente em 2002 e 2003, parecem ter sido simplesmente

esterilizados. Foram, assim, absorvidos pelo caixa do Banco Central como

não gastos e, portanto, terminaram implicitamente usados para abater dívida

(vale dizer: fizeram parte dos superávits primários).

Percebemos, inclusive, que a ausência de destinação

adequada do tributo agrava, ainda mais, situações já tidas como críticas,

como por exemplo, a situação da malha viária do país, que podemos

considerar que atingiu o limite. Não adianta mais o governo federal utilizar

parte dos recursos arrecadados com a CIDE para “tapar buracos”. É preciso

que o sistema rodoviário do país seja reconstruído. Isso sem incluir a

necessidade de expansão e duplicação das estradas brasileiras. E para isso,

tributos como a CIDE-Combustíveis, tem, de fato, que alcançar a finalidade

almejada.

Page 87: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

86

4.3 COFINS/CSLL

Dentro do tema “re-alocação de receita, via orçamento público”,

não se pode deixar de lado a destinação dos recursos provenientes da

COFINS e CSLL, mesmo que para isso, possamos chegar a conclusão que,

de fato, não estamos diante de uma re-alocação de receita.

O artigo 195 da Constituição Federal de 1988, determina que

todos devem contribuir para a Seguridade Social, incluindo-se a União,

mediante recursos provenientes de seu orçamento.

Consoante o referido preceito, para pagamento dos encargos

previdenciários da União, poderão contribuir os recursos da Seguridade

Social (contribuições sociais incidentes sobre o faturamento e lucro) na forma

da Lei Orçamentária anual, assegurada a destinação de recursos para as

ações desta Lei de Saúde e Assistência Social.

Não há dúvida de que autorizar a União a contribuir para a

seguridade mediante recursos que já pertencem à seguridade, parece ilógico,

porém o artigo 17 da Lei 8.212/91 não parece ter este sentido de anular o

comando constitucional de que a União participe do custeio ao lado – e não

através – das contribuições devidas pelas empresas. A Lei nº 8.212/91, com

a redação dada pela Lei nº 9.711/98, assim dispôs:

Art. 17. Para o pagamento dos encargos previdenciários da União, poderão contribuir os recursos da Seguridade Social, referidos na alínea “d” do parágrafo único do artigo 11 desta Lei, na forma da Lei

Page 88: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

87

Orçamentária anual, assegurada a destinação de recursos para as ações desta Lei de Saúde e Assistência Social (redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98).

Os recursos mencionados na alínea “d” do parágrafo único do

artigo 11, supra, referem-se às contribuições incidentes sobre o faturamento

e o lucro das empresas, mais precisamente à COFINS e à CSLL.

Como se pode perceber, não houve, nesse caso uma re-

alocação da receita, mantendo-se a mesma finalidade.

É certo que o artigo 17 está inserido no Capítulo “Da

Contribuição da União”, no Título “Do Financiamento da Seguridade Social”.

Entretanto, pela leitura dos artigos 16 a 19, vê-se que tem abrangência

maior.

O caput do artigo 16 da Lei 8.212/91, este sim tratando

expressamente da participação da União no custeio da seguridade, diz que

“A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do orçamento

Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual”, restando clara,

no seu parágrafo único, a responsabilidade da União “pela cobertura de

eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando

decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da

Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual”.

O que o artigo 17 autoriza, sim, é que a União lance mão de

recursos da Seguridade Social atinentes às contribuições sobre

faturamento/receita e sobre o lucro para o pagamento dos seus encargos

Page 89: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

88

previdenciários, assim entendidos os benefícios que ela tem de manter e que

são previstos no regime geral da previdência social.

A União não é mera arrecadadora das contribuições conhecidas

por COFINS e CSLL. É seu sujeito ativo, titular das funções fiscais de

normatizar, fiscalizar, lançar e cobrar, e destinatária do produto da

arrecadação, eis que desempenha, através da própria Administração direta,

as ações relativas à saúde e à assistência social64.

De fato, a Seguridade Social não é um ente, mas uma esfera

de atuação da União. A seguridade, conforme se verifica a partir da análise

do texto constitucional, abrange a saúde, a assistência social e a previdência

social. Destas três áreas, as duas primeiras (saúde e assistência) estão a

cargo da Administração direta, enquanto que a terceira (previdência social)

está predominantemente a cargo do INSS

Assim sendo, mantida a necessária adequação às finalidades

constitucionais, como já ressaltado, é irrelevante se a condição de sujeito

ativo é ocupada pela União ou por uma Autarquia, eis que estará atendida a

finalidade que dá suporte constitucional às respectivas contribuições.

64 Tal delegação permitida pelo artigo 7º do Código Tributário Nacional, não interfere na natureza jurídica da referida contribuição e nem induz em desvio de destinação, pois o importante é que a própria Lei Complementar nº 70/91 garante a sua destinação exclusiva às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.

Page 90: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

89

5 O POSICIONAMENTO DO STF SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES

O Supremo Tribunal Federal, através de seu desempenho em

relação ao controle de constitucionalidade da atividade tributária, posta-se,

inicialmente, em defesa do Estado Democrático de Direito, da ordem jurídica

social em que, o exercício do poder tributário deve, necessariamente,

preservar a dignidade, a ética e a solidariedade social, que se expressam nos

limites constitucionais, alargando-se, muitas vezes, com interpretações

favoráveis à tributação e que muitos entendem como sendo um retrato da

política vigente.

Contudo, não podemos afastar a tecnicidade aplicada a melhor

hermenêutica jurídica, de forma a legitimar as decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal.

Portanto, conforme exposto inicialmente, após a abordagem

acerca da importância do orçamento público no que concerne a re-alocação

de receitas e os mecanismos de validação e controle, resta-nos a

exemplificação sistemática de circunstâncias e, para tanto, melhor

constatação não pode ser feita se não for traçada sob o prisma do Judiciário

e suas interpretações quanto a matéria esboçada.

A aplicabilidade das receitas oriundas das contribuições, deve,

a partir desse momento, considerar as reais condições de suas eventuais re-

Page 91: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

90

alocações sob a ótica da legalidade.

E temos, como sendo um fiel retrato de nossa legalidade as

decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

A seguir, apresentamos 03 (três) julgados que por sua

relevância merecem ser comentados.

5.1 ADIN 1.640-7/UF – DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO

PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – CPMF

Trata-se de uma Ação que foi promovida pelo Partido dos

Trabalhadores - PT, Partido Comunista do Brasil - PC DO B, Partido

Democrático Trabalhista - PDT, Partido Socialista Brasileiro - PSB e Partido

Verde - PV, com base nos artigos 102, 1, “a” e “p” e 103, VIII, da

Constituição Federal.

Percebe-se que não havia na referida Ação, a impugnação de

um ato normativo e nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma

norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de

natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na

conformidade dos precedentes do STF, descabe o controle concentrado de

constitucionalidade como previsto no art. 102, 1, “a”, da Constituição Federal.

Na inicial, alegavam os autores, em síntese, que a utilização de

Page 92: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

91

recursos resultantes da arrecadação da CPMF, como estabelecida no

dispositivo impugnado, violava o disposto no § 3° do art. 74 do A.D.C.T.,

introduzido pela E.C. n° 12/96, segundo os quais:

Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.

§ 3° - O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.

Em contra partida, o que se verificava, era o Governo Federal,

sustentando que parte dos recursos da CPMF, era destinado ao pagamento

de débitos do Ministério da Saúde junto ao FUNDO DE AMPARO AO

TRABALHADOR, resultante de empréstimos legalmente outorgados, não

havendo nisso qualquer inconstitucionalidade.

Ocorre que, inicialmente os empréstimos contraídos junto ao

Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, representado pelo seu agente

financeiro o Banco do Brasil s/A, nos anos de 1995 e 1996, foram autorizados

pela Lei n° 9.322, de 5 de dezembro de 1996, em que se converteu a Medida

Provisória n° 1.178, de 10 de novembro de 1995, com suas sucessivas

reedições, como uma forma de antecipar a premente aplicação dos recursos

que iriam surgir para a saúde com a iminente aprovação da denominada

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF.

A previsão, nos orçamentos futuros, de recursos provenientes

de contribuições sociais vinculadas à Seguridade Social para o pagamento do

principal e encargos dos empréstimos que autorizou, com o fito de serem

aplicados em ações e serviços de saúde, foi determinada pelo art. 5° da

Page 93: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

92

mesma Lei n° 9.322/96.

Cabe ressaltar que a jurisprudência do STF é pacífica no

sentido de não ser admissível a propositura de Ação Direta de

Inconstitucionalidade contra atos estatais concretos, despidos de quaisquer

atributos de abstração, generalidade ou normatividade65.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se firmando

no sentido de que disposições, constantes de lei orçamentária anual ou de

emenda à mesma, constituem atos de efeito concreto, insuscetíveis de

controle abstrato de constitucionalidade.

Dessa forma, posicionou-se o Ministro CELSO DE MELLO,

esclarece que:

Constata-se, da exposição feita, pela própria entidade autora, que esta, na realidade, pretende, com a instauração do controle concentrado de constitucionalidade, o exame in abstracto da legitimidade constitucional de emenda parlamentar, aprovada pelo Congresso Nacional e não vetada pelo Presidente da República, através da qual foi deduzida da proposta orçamentária, a

65 Representação nº I.160-SP, pub. Jfl RTJ 108/505-516; Representação nº 1.198-SE, pub. 1J2 RTJ 119/65, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 767, pub. RTJ 146/483 – 486, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 842, RTJ 147/545-554; Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 710-PR, pub. In RTJ 156/767-768, sendo cabível transcrever, a título ilustrativo, a seguinte Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 647-DF; Relator Moreira Alves; Requerente Confederação Nacional da Indústria; Requerido Presidência da República.”Argüição de inconstitucionalidade parcial dos artigos 7º e 9º da Lei 8.029/90, bem como dos incisos III e IV do artigo 2º do Decreto 99.240/90. Medida liminar requerida. A Ação Direta de Inconstitucionalidade é o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas in abstrato. Não se presta ela, portanto, ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. No caso, tanto o artigo 7º como o artigo 9º da Lei 8.029 são leis meramente formais, pois, em verdade têm por objeto atos administrativos concretos. Por outro lado, no tocante aos incisos III e IV do artigo 2º do Decreto nº 99.240, de 7 de maio de 1990, são eles de natureza suplementar e disciplinam a competência dos inventariantes que promoveram os atos de extinção das autarquias e fundações com base na autorização da Lei nº 8.029/90, não sendo assim, segundo a firme jurisprudência do STF, susceptíveis de ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade

Page 94: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

93

importância de NCZ$ 55.507.000,00, para pagamento da dívida externa mencionada, junto ao Consórcio de Bancos Estrangeiros liderados pelo Lloyds Banlc International.

O objeto da impugnação assume, iniludivelmente, a configuração de ato concreto, o qual se revela, por isso mesmo, insuscetíve por via de ação.

Os atos estatais de efeitos concretos - porque despojados de qualquer coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata - não são passíveis de fiscalização, em tese, quanto à sua legitimidade constitucional. A Constituição de 1988 - fiel à orientação legada pela Emenda Constitucional n° 15, de 1965, - ao dispor sobre o exercício da jurisdição constitucional concentrada pelo Supremo Tribunal Federal, restringiu a via da ação direta apenas ao contraste de lei ou ato normativo federal ou estadual.

O controle concentrado de constitucionalidade, por isso mesmo, tem uma só finalidade: propiciar o julgamento, em tese, da validade de um ato estatal, de conteúdo normativo, em face da Constituição, viabílizando, assim, a defesa objetiva da ordem constitucional.

Não se tipificam como normativos os atos estatais desvestidos de abstração, generalidade e impessoalidade. Esta Corte, em algumas oportunidades, já proclamou, sem maiores disceptações, a impropriedade da ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto de impugnação fosse ato concreto, despido de qualquer atributo de abstração, generalidade ou normatividade (RTJ 108/505, rei. Mm. Décio Miranda), pois não é a representação de inconstitucionalidade via adequada para impugnar ato administrativo, individual e concreto.66

Assim sendo, a ação direta de inconstitucionalidade configura

meio de preservação da integridade da ordem jurídica transposta na

Constituição, atuando como instrumento de ativação da jurisdição

constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, ensejando o

controle em abstrato da norma jurídica.

No controle abstrato de normas, em cujo âmbito instauram-se

relações processuais objetivas, visa-se a uma só finalidade: a tutela da

ordem constitucional, sem vinculações quaisquer a situações jurídicas de

caráter individual ou concreto.

66 Despacho, publicado no DJU de 12 de março de 1990, Seção 1, páginas 1691 a 1693.

Page 95: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

94

A ação direta de inconstitucionalidade não é sede adequada

para o controle da validade jurídico- constitucional de atos concretos,

destituídos de qualquer normatividade.

Ou seja, questionou-se a Lei Orçamentária na parte em que,

constituindo típico ato político-administrativo de efeitos concretos, fixou

algumas despesas com “amortização de dívida” e “juros e outros encargos de

financiamento” e indicou que a respectiva fonte seria parte da receita da

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. O pedido

meritório deduzido na ADIN 1.640/UF foi para que o STF declarasse “a

inconstitucionalidade da utilização de recursos da CPMF” em desacordo com

o artigo 74, parágrafo 3º, do ADCT, isto é, integralmente no Fundo Nacional

de Saúde (financiamento das ações e serviços de saúde). Combateu-se ali,

verdadeiramente, a alocação, em concreto, das receitas.

Portanto, a Lei Orçamentária da União para exercício de 1997

simplesmente executou, no que tange à matéria questionada, a política

traçada pela Lei nº 9.322/96.

Aliás, tais preceptivos da Lei nº 9.322/96 se harmonizam com

ao artigo 239 da Constituição Federal de 1988.

Nota-se que diploma legal taxado de inconstitucional – a Lei nº

9.438, de 26 de fevereiro de 1997 (Lei Orçamentária Anual para o exercício

de 1997), é lei apenas formal, uma vez que, em face de seu conteúdo, é um

ato político-administrativo de efeito concreto, sendo, pois, insusceptível de

Page 96: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

95

sofrer o controle de constitucionalidade pela via abstrata ou concentrada, ex

vi do artigo 102, I, a, da Constituição Federal.

Feitas estas considerações, revelou-se a ausência de

normatividade e inexistência de qualquer coeficiente de abstração,

generalidade e impessoalidade, afastando-se o caráter inconstitucional

pleiteado na referida ADIN.

5.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2925 – CIDE-COMBUSTÍVEIS

Recentemente, podemos perceber, que há “uma luz no fim do

túnel”, pelo menos no que diz respeito às questões orçamentárias que

envolvem a aplicação dos recursos provenientes da CIDE-Combustíveis.

Conforme mencionado anteriormente, a mesma Confederação

Nacional dos Transportes – CNT - ingressou com uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (Adin nº 2925) contra a desvinculação dos recursos da

CIDE ao setor de transportes. O alvo da CNT foi o artigo 4º, I, “a”, “b”, “c” e

“d” da Lei nº 10.640, de janeiro de 2003 que permite a re-alocação do

dinheiro arrecadado com a CIDE para outras finalidades através da abertura

de créditos suplementares.

No caso da CIDE não haveria um descumprindo somente em

relação a Lei de Responsabilidade Fiscal ao re-alocar os recursos para

Page 97: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

96

outros fins; é evidente que o artigo 8º da LRF – Lei de Responsabilidade

Fiscal diz que as receitas vinculadas, como é o caso da CIDE permanecerão

sempre atreladas “a seus objetivos legais e constitucionais”, mas o ponto

nevrálgico é a discussão acerca da Emenda Constitucional nº 33/2001, que

acrescentou um parágrafo 4º ao artigo 177 da CF/88, autorizando a

instituição da CIDE-Combustíves e, paralelamente, estabelecendo sua ÚNICA

destinação, verbis:

Art.177. :

Parágrafo 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:

I- a alíquota da contribuição poderá ser:

a) diferenciada por produto ou uso;

b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no artigo 150, III,b;

II – os recursos arrecadados serão destinados:

a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;

b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróeleo e do gás;

c) ao financiamento de programa de infra-estrutura de transportes.” (NR).

A leitura do inciso I do parágrafo 4º do artigo 177, permite

observar que a Constituição, de modo indicativo, sugeriu ao legislador a

diferenciação de alíquota e reservou ao Executivo a possibilidade de alterá-la

Page 98: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

97

por decreto, excepcionando o princípio da legalidade estrita. Já no inciso II

supra, usando a expressão “serão destinados”, o texto não deixou qualquer

margem de discricionariedade ao legislador quanto à destinação dos recursos

oriundos da CIDE, impondo-lhe três caminhos bem claros e incontornáveis,

indicados nas alíneas “a”, “b” e “c”, conforme ressaltei anteriormente.

Percebemos, dessa forma, que, impedir que recursos da CIDE

sejam aplicados nas destinações previstas no inciso II do parágrafo 4º do

artigo 177 da CF/88 constitui ofensa a este dispositivo constitucional e, se

não bastasse, aplicar recursos da CIDE em outras finalidades que não as

previstas naquele dispositivo também constitui ofensa à Constituição.

Portanto, o que percebemos é que a receita da CIDE está

sendo re-alocada através do mecanismo “reserva de contingência” – usado

pelo governo, através da movimentação de recursos dos Orçamento Fiscal da

União, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 10.640/2003. Nesse artigo, a

combinação do caput com o inciso I forma uma proposição normativa que se

constitui como regra matriz de toda a movimentação intra-orçamentária de

recursos, chamadas pela Lei nº 4.320/64 de abertura de crédito suplementar.

“Ar. 4º. Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos

suplementares, observados os limites e condições estabelecidos neste artigo

e desde que demonstrada, em anexo específico do decreto de abertura, a

compatibilidade das alterações promovidas na programação orçamentária

com meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da

Page 99: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

98

Lei de Diretrizes Orçamentárias 2003, para suplementação de dotações

consignadas:

I – a cada subtítulo, até o limite de dez por cento do respectivo

valor, mediante a utilização de recursos provenientes de:

a) anulação parcial de dotações, limitada a dez por cento do

valor do subtítulo objeto da anulação, ressaltando o disposto

no parágrafo 2º deste artigo;

b) reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e

entidades das Administrações direta e indireta, observado o

disposto no parágrafo único do artigo 8º da Lei de

Responsabilidade Fiscal, e no parágrafo 6º deste artigo;

c) excesso de arrecadação de receitas diretamente

arrecadadas, desde que para alocação nos mesmos

subtítulos em que os recursos dessas fontes foram

originalmente programados, observado o disposto no

parágrafo único do artigo 8º da Lei de Responsabilidade

Fiscal; e

d) até dez por cento do excesso de arrecadação.”67

67 É válido abrir parênteses para dizer que a alínea “b” transcrita faz remissão ao artigo 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar nº 101/00) e ao parágrafo 6º do próprio artigo 4º da Lei 10.640/03. Quanto a este último, resta claro que ele

Page 100: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

99

Para demonstrar que se tem a regra-matriz das aberturas de

créditos suplementares do Orçamento Fiscal, basta verificar

que se o governo quiser, por exemplo, movimentar recursos

intra-orçamentariamente para atender despesas com sentenças

judicais transitadas em julgado (em função de eventual

frustração da estimativa de receita para a respectiva

orçamentária), deverá valer-se do inciso III do artigo 4º da Lei

nº 10.640/03, isto é, reserva de contingência ou de anulação de

dotações. Todavia, deverá fazê-lo com observância da regra-

matriz constante do inciso I do mesmo artigo 4º, que limita a

suplementação a um teto de 10% do valor orçamentado, bem

como da sua alínea “a”, que dispõe que as anulações de

dotações não poderão superar 10% do subtítulo objeto de

anulação.

Essa observação serve apenas para demonstrar que se está

diante de um dispositivo dotado de normatividade para fins de

controle abstrato.

desinteressa à presente demanda porque serviu apenas a impedir o desvio dos recursos que estavam orçamentados para o rejuste do salário-mínimo, já ocorrido. Todavia, no que diz respeito à remissão feita no artigo 8º da LRF, é crucial lembrar que ele (notadamente seu parágrafo único) serve de elemento de interpretação conforme a Constituição no caso ora em exame, pois prestigia as vinculações constitucionais de receitas, ao dizer que: “Art. 8º. Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do artigo 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.”

Page 101: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

100

Reforço, portanto, que a inconstitucionalidade não é do artigo

4º, I, “a”, “b”, “c” e “d”, da Lei nº 10.640/03 para toda e qualquer

hipótese. É inconstitucional sua aplicação apenas em relação

às dotações relacionadas à fonte 111 (receitas da CIDE-

combustíveis), haja vista a determinação constitucional

específica de que recursos não sejam aplicados em outras

finalidades.

São inúmeros e incalculáveis os casos de aplicação do artigo

4º, I, e alíneas, da Lei nº 10.640/03 em conformidade com o

texto constitucional. É perfeitamente constitucional, por

exemplo, a aplicação do teto de 10% do inciso I do artigo 4º

para abertura de crédito suplementar visando o reforço das

dotações/CIDE com recursos provenientes de anulação de

dotações de outras áreas ou de excesso de arrecadação de

outros tributos. Enfim, é legítima a aplicação do artigo 4º, I, da

LOA para embasar todas as movimentações intra-

orçamentárias em que o recurso migrante não seja da fonte 111

(CIDE-combustíveis), que só pode ser manejado dentro das

próprias finalidades da arrecadação desta contribuição.

5.2.1 O que diferencia a ADIN 1.640 da ADIN 2925

Diante disso, podemos cotejar a ADIN 2925 com a ADIN

1.640/UF, que foi abordada anteriormente e que se refere a CPMF.

Page 102: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

101

Uma das principais diferenças entre esses julgados, inicia-se

na própria fundamentação dada a ADIN 1.640/UF, pois não houve

impugnação a dispositivo ou interpretação de dispositivo de conteúdo

normativo da Lei Federal nº 9.438/97 (Lei Orçamentária para o Exercício

Financeiro de 1997), mas sim a destinação (da receita de CPMF)

propriamente dita, constante do Suplemento anexo à Lei Orçamentária Anual.

Ou seja, questionou-se a Lei Orçamentária na parte em que, constituindo

típico ato político-administrativo de efeitos concretos, fixou algumas

despesas com “amortização de dívida” e “juros e outros encargos de

financiamento” e indicou que a respectiva fonte seria parte da receita da

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. O pedido

meritório deduzido na ADIN 1.640/UF foi para que o STF declarasse “a

inconstitucionalidade da utilização de recursos da CPMF” em desacordo com

o artigo 74, parágrafo 3º, do ADCT, isto é, integralmente no Fundo Nacional

de Saúde (financiamento das ações e serviços de saúde). Combateu-se, no

caso, a alocação, em concreto, das receitas.

A ADIN 2925, como exposto acima, pretendia impugnar a

aplicação do artigo 4º, I, “a” a “d”, da Lei nº 10.640/2003.

Logo, não é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a

alocação de verbas em si, contra a destinação consoante do demonstrativo

por grupos de despesas, mas sim uma Ação contra norma aplicável a todos

os casos de suplementação de créditos dos Orçamentos Fiscal e da

Seguridade Social, que deveria ser interpretada de acordo com o artigo 177,

Page 103: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

102

parágrafo 4º, III da Constituição Federal, excluindo-se de seu alcance as

suplementações relativas a recursos da CIDE-Combustíveis. Trata-se de

combate a possíveis sentidos de aplicação da regra-matriz, segundo a qual

devem se operar todas as aberturas de crédito suplementar do governo

federal, seja qual for a razão de sua realização.

5.3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 1/DF “BIS IN IDEM” –

COFINS/CSLL E IMPOSTO DE RENDA – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A Ação Declaratória de Constitucionalidade, como a Ação

Direta de Inconstitucionalidade, insere-se no sistema de controle concentrado

de constitucionalidade das normas, em que o Supremo Tribunal Federal

aprecia a controvérsia em tese, declarando a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, com eficácia erga omnes .

A Ação Declaratória de Constitucionalidade não é o meio

adequado para dirimir qualquer dúvida em torno da constitucionalidade de lei

ou ato normativo federal, mas somente para corrigir uma situação

particularmente grave de incerteza, suscetível de desencadear conflitos e de

afetar, pelas suas proporções, a tranqüilidade geral.

Assim sendo, em relação a Ação Direta de Constitucionalidade

nº 1/DF, atribui-se aos dispositivos da Lei Complementar nº 70, de 1991, que

tratam da contribuição social sobre o faturamento das pessoas jurídicas,

Page 104: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

103

eivada de inconstitucionalidade por ter a mesma base de cálculo de impostos

discriminados na Constituição.

A contribuição social sobre o faturamento dos empregadores,

contudo, está expressamente prevista no artigo 195, I, não se lhe aplicando o

inciso I do artigo 154, que autoriza a instituição de novos impostos pela

União, mediante lei complementar, desde que não sejam cumulativos e não

tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na

Constituição.

Esta restrição contida na segunda parte do artigo 154, I, é

aplicável a outras contribuições que venham a ser criadas para garantir a

manutenção ou expansão da seguridade social, por determinação do

parágrafo 4º do artigo 195.

No julgamento do RE 146-733-9 –SP, em que se apontava o

mesmo vício de inconstitucionalidade no tocante à contribuição social sobre o

lucro das pessoas jurídicas (Lei nº 7.689/88), assinalou em seu voto o Relator

Moreira Alves:

A quinta questão que se apresenta quanto à constitucionalidade, ou não, da contribuição social em causa é a de que ela tem como fato gerador o lucro das pessoas jurídicas, o qual é também fato gerador do imposto de renda, ocorrendo, por isso bitributação vedada.

Sucede, porém, que, além de a contribuição destinada à

seguridade social não ser imposto novo, não se lhe aplicando, portanto, a

proibição do inciso I do artigo 154 da Constituição, é a própria Carta Magna

Page 105: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

104

que, no inciso I do seu artigo 195, admite essa modalidade. Por essa última

razão mesma, não há como pretender-se que a Lei 7.689/88, ao instituir a

contribuição social em causa, criou outra fonte destinada a garantir a

manutenção ou expansão da seguridade social, motivo por que não é

invocável a obediência ao artigo 154, I, estabelecida no parágrafo 4º do

artigo 195.

Sob esse mesmo fundamento, o Supremo Tribunal Federal, ao

julgar o RE 138.284-8 – CE, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, voltou a

rejeitar o argumento de inconstitucionalidade da contribuição incidente sobre

o lucro das pessoas jurídicas, por incidir sobre a mesma base de cálculo do

imposto de renda.

Assim sendo, entendeu o STF que IMPROCEDE, a alegação de

inconstitucionalidade da contribuição social sobre o faturamento, a pretexto

de que tenha a mesma base de cálculo de impostos previstos na

Constituição.

Não ocorre, portanto, segundo o STF, inconstitucionalidade no

fato de a contribuição sob análise ter fato gerador e base de cálculo idênticos

ao do Imposto de Renda, pelo singelo motivo de que não há, na Constituição,

nenhuma norma que vede a incidência dupla de imposto e contribuição sobre

o mesmo fato gerador, nem que proíba tenham os dois tributos a mesma

base de cálculo.

O que veda a Carta Magna, no artigo 154, I, é a instituição de

Page 106: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

105

imposto que tenha fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos nela

discriminados. E o que veda o artigo 195, parágrafo 4º, é que quaisquer

outras contribuições, para fim de seguridade social, venham a ser instituída

sobre os fenômenos econômicos descritos nos incisos I, II e III do caput, que

servem de fato gerador à contribuição sob exame.

Portanto, também cabe frisar que, as alegações de que as

atribuições dadas à União para arrecadar e fiscalizar as referidas

contribuições, deveriam ser afetas à entidade autárquica encarregada da

gestão dos recursos correspondentes, não servem como arcabouço para

sustentar a teoria de que seriam tais contribuições impostos disfarçados

através de uma manobra introduzida pela Lei Complementar nº 70/91.

Page 107: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

106

CONCLUSÃO

Conclui-se através da presente pesquisa que o tema em

questão é extremamente farto de questões que demonstram os mecanismos

que ensejam a re-alocação de receita.

Constatamos, nitidamente, a existência de mecanismos

orçamentários que legitimam a re-alocação de receitas oriundas de

contribuições.

Podemos chamar tais mecanismos, também, de manobras

legitimadas, sejam elas a partir de retificações do orçamento público (créditos

adicionais e reserva de contingência) ou sejam elas através de Emendas

Constitucionais e Medidas Provisórias, que têm o respaldo da legalidade a

partir das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, é natural que ao falarmos em re-alocação de

receitas provenientes de contribuições, estejamos sendo muito mais

cordados com as normas e regras orçamentárias.

Todavia, tais regras orçamentárias, deveriam estar adstritas a

um acompanhamento muito mais rigoroso em relação aos mecanismos

retificadores do orçamento público, através de um Controle Interno e Externo

que fossem muito mais precisos na análise das despesas e receitas públicas.

Page 108: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

107

Percebemos que “as sobras orçamentárias” ou “despesas imprevistas”,

devem ser investigadas com os mesmos critérios que hoje são utilizados para

se atribuir ao contribuinte a intenção de dolo contra o Fisco, ou seja, utilizar-

se da mesma presunção, para que se identifique manobras que tenham

como fito, exclusivamente, remanejar receitas com finalidade determinada.

Ao mencionar as “sobras orçamentárias” ou “despesas

imprevistas” refiro-me a transposição, o remanejamento ou a transferência de

recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para

outro (como é o caso da transferência da arrecadação da COFINS/CSLL para

a Receita Federal) com prévia autorização legislativa, constituindo tais

manobras como evidentes retificações orçamentárias implementadas por

meio dos créditos suplementares. Quando mencionamos as reservas de

contingência, como no caso da CIDE-COMBUSTÍVEIS, especificamos que

tais despesas relativas a exercícios já encerrados poderão ser transferidas,

através de dispositivo legal que venha a prever tal remanejamento.

Sem dúvida, para que se tenha segurança nos controles, é

necessário que o acompanhamento seja sistemático e constante. A

verificação da aplicação ou não de recursos deve ser avaliada sob a ótica

temporal, não permitindo que a inércia ou o desperdício sejam vistos de

forma natural, mas sim como crimes contra o orçamento público.

Dessa forma, recursos como os provenientes da CIDE-

COMBUSTÍVEIS, deverão ser supervisionados, via controle interno, de forma

Page 109: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

108

que sejam aplicados em sua finalidade dentro do próprio exercício

orçamentário que os gerou.

Em contra partida, o orçamento público também nos mostra

que, a partir de uma análise superficial, podemos enxergar re-alocações, até

então transparentes, mas que de fato constituem mecanismos legítimos de

gestão dos recursos públicos, como vimos em relação à COFINS e CSLL,

aonde a União é legítima arrecadadora e controladora dessas contribuições,

sem que com isso haja a projeção da natureza tributária prevista no artigo

154, inciso I da Constituição, mantendo-se a prevalência do artigo 195 e

afastando-se qualquer entendimento acerca da bi-tributação.

Isso nos parece que fica ainda mais evidente quando, no

“apagar das luzes” dessa obra, presenciamos a tentativa de unificação dos

controles de arrecadação e fiscalização da Previdência Social e Receita

Federal, através da criação da Receita do Brasil. É certo que frustrada, mas o

governo federal objetivou a unificação de tais receitas.

Também, notamos, que muitas vezes pode a fundamentação

de uma Ação ter como escopo uma re-alocação inadequada à norma legal,

mas o que de fato existe são atos de efeito concreto, insuscetíveis de

controle abstrato de constitucionalidade, como vimos a partir dos recursos

provenientes da CPMF.

Não obstante a existência de equívocos quanto a

fundamentação jurídica em relação ao tema, também presenciamos situações

Page 110: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

109

aonde se materializa a aplicação inadequada de receitas, através da re-

alocação, utilizando-se como escopo, o mecanismo “reserva de contingência”

– usado pelo governo, como bem vimos no caso da CIDE, para bloquear

recursos que deveriam ser destinados ao setor de transportes.

Conclui-se, também, pela natureza híbrida da lei orçamentária,

pois quando se menciona “orçamento” para fins de controle de

constitucionalidade, é preciso fazer uma distinção fundamental entre as duas

realidades abrangidas pelo vocábulo que, por serem nitidamente distintas,

precisam ser separadas. A primeira, é a previsão de receita e a fixação da

despesa enquanto indicação numérica de montantes que compõem as

diversas dotações, constantes de Suplementos anexos à Lei, de que são

exemplos os diversos programas de trabalho com as respectivas indicações

de fonte de receita; e a segunda, as normas jurídicas que conferem

competência e ao mesmo tempo disciplinam a movimentação intra-

orçamentária de recursos, constantes na lei.

No primeiro sentido (mera indicação numérica das receitas e

dos montantes de recursos alocados a cada programa, categoria de despesa,

etc), estamos diante de ato político-administrativo de efeito concreto, como

no caso da CPMF, que não tem natureza normativa e que, portanto, não pode

ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, pois a indicação de fonte

de custeio, como no caso da CPMF, a saúde, não tem caráter normativo,

tratando-se de mera alocação de recursos, ato político-administrativo vestido

formalmente de lei.

Page 111: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

110

Porém, ao lado destas previsões, existe uma efetiva “lei”

(sentido material), que estabelece pautas a serem seguidas na execução

orçamentária pelo Executivo, pois regulam a produção de outras normas,

estas de efeito concreto (decretos de abertura de crédito suplementar); são

atos que encerram um dever-ser para quem editará atos de reforço de

dotações; veiculam, portanto, em seu conteúdo, uma prescrição, não sendo,

assim, meras normas de efeito concreto. Nesta outra face da lei orçamentária

estão situadas normas como as regras gerais para os inúmeros casos de

abertura de crédito suplementar, a transposição, o remanejamento ou

transferência de recursos, conforme as necessidades orçamentárias.

Em princípio, é cabível o controle abstrato de

constitucionalidade de leis de diretrizes orçamentárias – e, pela mesma

razão, de leis orçamentárias anuais – desde que o dispositivo legal

questionado estabeleça norma geral e abstrata.

Não caberá a ação direta, todavia, quando o preceito de lei

contiver comando de efeito concreto, formalizando típico ato político-

administrativo.

Portanto, simplificar o Orçamento Público, utilizando os

princípios orçamentários, dentre eles, destacaria o da clareza que deve

permitir sua fácil compreensão, controlando com eficácia e eficiência as

despesas orçamentárias, assim como, o momento, dentro de cada exercício

financeiro, adequado para suas aplicações, são fatores imprescindíveis para

Page 112: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

111

se alcançar maior transparência não só em relação a finalidade precípua do

orçamento público, mas também para que tenhamos maior segurança e

tranquilidade quanto a aplicação dos recursos provenientes de contribuições.

Em especial, refiro-me a simplificação do orçamento, não sob a

ótica da melhor técnica, mas, sobretudo, em relação a correlação entre

Direito Tributário e Direito Financeiro, aonde as normas previstas no

orçamento público são autorizadas pelo texto constitucional e que devem

refletir com clareza as transferências e remanejamentos sem ferir a

tredestinação das contribuições.

Ou seja, as normas orçamentárias existem e estão previstas no

texto constitucional, devendo suas aplicações estarem alinhadas com a

melhor doutrina de Direito Tributário, seja através dos seus limites

constitucionais ou através do respeito aos princípios constitucionais

tributários. O Direito Financeiro, ainda que matéria apenas didaticamente

separada do Direito Tributário, sofre também o impacto de uma visão pós-

positivista e não pode ser visto e estudado de uma forma isolada,

compartimentalizada do Direito Tributário e dos outros ramos do Direito e das

ciências afins.

Por fim, o princípio do equilíbrio orçamentário, em linha com o

justo gasto do tributo afetado, aplicado às contribuições sociais, quer chamar

a atenção, para o fato de que a afetação é do tributo e não só da receita

como quer a doutrina tradicional, com isto une-se o direito tributário ao

Page 113: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

112

financeiro com o fito de criar-se mecanismos de controle e validação das

normas tributárias.

Page 114: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

113

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Coimbra,

Almedina, 2001.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2001.

AMED, Fernando José e NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos.

História dos Tributos no Brasil, São Paulo: Nobel. 2000.

ARZUA, Heron. As Contribuições Especiais. O Sistema Tributário na Nova

Constituição do Brasil. São Paulo: Resenha Tributária, 1988, p.176.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.

São Paulo: Malheiros, 2002.

CARVALHO, Dora Martins de, A Contribuição de Acidente de Trabalho,

Revista Dialética de Direito Tributário, nº 39.

Competência Residual e Contribuições de Seguridade Social,

Contribuições Previdenciárias – Questões Atuais. São Paulo: Dialética. 1996.

FISCHER, Otávio Campos.Contribuição ao PIS, Dialética.

GIACOMONI, James. Orçamento Público, Atlas. 2004.

GRECO, Marco Aurélio. Contribuições, uma figura suis generis.

HARADA, Kiyoshi. CPMF. Um tributo que nasceu sob o estigma do caos.

Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 98, 9 out. 2003. Disponível em:

Page 115: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

114

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4399>. Acesso em: 11 nov.

2005.

MACHADO, Hugo de Brito. As Contribuições no Sistema Tributário

Brasileiro, Dialética, Instituto Cearense de Estudos Brasileiros.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, São Paulo,

Malheiros, 1998.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Contribuições de Intervenção no Domínio

Econômico, Ed. Revista dos Tribunais.

MORAES, Bernardo Ribeiro de, Compêndio de Direito Tributário, 1º v, 5ª

ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.644.

MORSELLI, Emanuele. Curso de ciências das finanças públicas. Rio de

Janeiro: Edições Financeiras, 1959.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de Intervenção no Domínio

Econômico, São Paulo: Dialética, 2002.

Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, jul./set. 1995.

Revista de Informação Legislativa. Brasília, jul./set.1997.

Revista Dialética de Direito Tributário nº 32. São Paulo.1998.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.

SILVA, Sebastião de Sant`Anna e. Os princípios orçamentários. Rio de

Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1962.

Page 116: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITOdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp037628.pdf · 3.3.3 Universalidade ... 3.3.7 Publicidade ... serviços e encargos decorrentes

115

SILVA, Vasco Pereira da. Em Busca do Acto Administrativo Perdido,

Coimbra, Almedina, 1998.

TORRES, Ricardo Lobo, A Idéia de Liberdade do Estado Patrimonial e no

Estado Fiscal, Rio de Janeiro: Renovar, 1991.

VALDIR, de Oliveira Rocha. Contribuições Previdenciárias, Questões

Atuais: Dialética. 2000.

VIANA, Arízio de. Orçamento brasileiro. 2. Ed. Rio de Janeiro: Edições

Financeiras. 1950.

YMOTO, Hamilton. Contribuições Sociais em Debate, Mizuno. Isonomia na

Norma Tributária, São Paulo: Malheiros, 1993.