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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL MARCO AURÉLIO PERRONI PIRES O SHOPPING CHINA NO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DE PONTA PORÃ/BR E PEDRO JUAN CABALLERO/PY CAMPO GRANDE MS 2017

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE

E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

MARCO AURÉLIO PERRONI PIRES

O SHOPPING CHINA NO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DE

PONTA PORÃ/BR E PEDRO JUAN CABALLERO/PY

CAMPO GRANDE – MS

2017

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Marco Aurélio Perroni Pires

O Shopping China no desenvolvimento socioeconômico de Ponta

Porã/BR e Pedro Juan Caballero/PY

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional da

Universidade Anhanguera-UNIDERP,

como parte dos requisitos para a obtenção

do título de Doutor em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional.

Orientador:

Prof. Dr. Sandino Hoff

CAMPO GRANDE – MS

2017

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Dedico

À minha mulher Madalena e a minhas filhas Natália e

Maiara: muitas vezes privadas de minha presença, mas

nunca de meu amor. Minha maravilhosa família, vocês são

o alento para continuar seguindo em frente.

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AGRADECIMENTOS

Ao Supremo Deus e a Meishu-Sama por iluminar nossos caminhos,

muitas vezes por nós incompreendidos, mas que conduzem à luz, ao amor e à

felicidade; À Universidade Anhanguera-Uniderp, pela oportunidade e pelo

suporte concedido na realização desta Tese; Ao Prof. Dr. Sandino Hoff, um

exemplo de competência e comprometimento com a pesquisa. Meus

agradecimentos pela orientação, compreensão, confiança e contribuição para

evolução do meu conhecimento científico e humano e, também, pela paciência;

ao Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves pela presença marcante e orientações e

sugestões que foram fundamentais para a solidificação dos trabalhos. Aos

professores do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento regional: Prof. Dr. Celso Correia de Souza, Prof. Dr. Cleber

José Rodrigues Alho, Prof. Dr. José Sabino, Prof. Dr. Ademir Kleber de Oliveira

Morbeck, Profa. Dra. Rosemary Mathias, Profa. Dra. Lídia Maria Lopes

Rodrigues Ribas, Prof. Dr. Mauro Henrique Soares da Silva, Profa. Dra.

Mercedes Abid Mercante, Profa. Dra. Neiva Maria Robaldo Guedes, Prof. Dr.

Silvio Favero, Profa. Dra. Vânia Lúcia Brandão Nunes, Profa. Dra. Vera Lúcia

Ramos Bononi, pela amizade, ensinamentos e pelo exemplo de dedicação à

ciência, com sabedoria e humildade. O compartilhamento de seus

conhecimentos, sugestões e ideias foram mais do que decisivos para o sucesso

desse trabalho; e ao Prof. Dr. Francisco de Assis Rolim Pereira enfim a todos

por aceitarem gentilmente o convite de integrar essa banca e pelas valiosas

sugestões; Ao Prof. Dr. Reginaldo Brito da Costa, meu grande incentivador e

minha inspiração. Grato pela confiança e por acreditar em mim. Ao meu genro

Renato pelo carinho e por compartilhar minhas preocupações, maluquices,

conquistas e alegrias. À minha mãe Zelinda, meu pai Manoel, pela minha

existência, e meus Amigos Cristiano e Ramona: grato pelos jantares, pelo

acesso à internet e por todo carinho dispensado. Desculpem-me qualquer

incômodo. Minha irmã Elaine. Agradeço a todos pela compreensão e apoio, e

por torcer pelos resultados, e, acima de tudo, pela tolerância. E também, pelas

vezes em que não agradeci. Muito obrigado... Ao amigo Estevão, à Profa. Roseli

Aurea pela ajuda incondicional. À Aline, Bartira, Maria José e Karen grato pela

amizade ofertada, o carinho dispensado e pelo sorriso nas horas certas. Aos

amigos Ana Maia e José Carlos pela ajuda e apoio incondicional oferecido, pela

Page 7: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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grande contribuição na investigação do trabalho. Minha gratidão às colegas

Marta, Giselda, Lilian que muito colaboraram para este trabalho e o Pina meu

irmão de fé que foi muito importante nessa trajetória, vocês proporcionaram

momentos incríveis na nossa vida acadêmica. Levo-os no meu coração. À

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

concessão da bolsa de estudos.

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“Se o homem deseja crescente prosperidade, deve somar

esforços para aprofundar sua inteligência”.

Meishu-Sama

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SUMÁRIO

1. Resumo Geral ...................................................................................... 9

2. General Summary .............................................................................. 10

3. Introdução Geral ................................................................................ 11

4. Revisão de Literatura ......................................................................... 17

4.1. Capital Financeiro, monopólio e cartéis .......................................... 20

4.2. Os primeiros anos do comércio em Pedro Juan e em Ponta Porã .... 27

5. Referências Bibliográficas ................................................................. 30

6. Artigos ................................................................................................. 33

Artigo I ..................................................................................................... 33

Casa China: a comercialização de produtos artesanais e manufaturados

a circulação de mercadorias produzidas pela indústria moderna - 1933

a 1990 ..................................................................................................... 33

Resumo ................................................................................................... 33

Abstract ................................................................................................... 33

Introdução ............................................................................................... 34

Material e Métodos .................................................................................. 35

Resultados e Discussão ......................................................................... 37

Conclusão ............................................................................................... 58

Referências Bibliográficas ..................................................................... 59

Artigo II ................................................................................................... 63

A expansão do Shopping China e o desenvolvimento sustentável na

região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, Mato Grosso do Sul,

1990-2015 63

Resumo ................................................................................................. 63

Abstract ................................................................................................... 63

Introdução ............................................................................................. 64

Material e Métodos .................................................................................. 65

Resultados e Discussão ......................................................................... 66

Conclusão ............................................................................................... 81

Referências Bibliográficas ................................................................... 82

7. Conclusão Geral .............................................................................. 84

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1. Resumo Geral

O Shopping China localiza-se em Pedro Juan Caballero/PY, fronteira seca

com Ponta Porã/BR, uma empresa familiar de capital próprio que se transformou

em oligopólio de capital aberto. Localiza-se à sudoeste do estado de Mato

Grosso do Sul e é relevante no contexto socioeconômico dos municípios de

ambos os países. Este estudo objetivou analisar as atividades comerciais do

Shopping China no desenvolvimento socioeconômico de Ponta Porã e Pedro

Juan Caballero, entre 1933 e 2015. Os objetivos específicos foram: examinar a

transformação do comércio de produtos artesanais e manufaturados para a

comercialização de mercadorias modernas, provenientes de países

estrangeiros, entre 1933 e 1990; e analisar a expansão do Shopping China e

seus impactos na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã entre 1933 e

2015. Enquadra-se na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e

Desenvolvimento Regional Sustentável. As fontes primárias, utilizadas na

pesquisa, foram observações, entrevistas semiestruturadas e depoimentos com

diretores e colaboradores; bem como fotografias e documentos fornecidos pela

empresa e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan

Caballero/PY. As fontes secundárias foram coletadas em revistas, livros, artigos

e sites do Shopping China. A origem se deu junto com outras duas casas

comerciais até 1940, quando acontece a instalação da Aduana em Pedro Juan

Caballero e se inicia uma nova fase comercial.

Palavras-chave: Capital financeiro, desenvolvimento, casa comercial.

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2. General Summary

Shopping China is located in Pedro Juan Caballero/PY at a land border

with Ponta Porã/BR. It was a family owned business that became a publically

traded oligopoly. It is located in the southwest of Mato Grosso do Sul State and

is relevant for the socioeconomic context of municipalities from both countries.

This study aimed at analyzing Shopping China’s commercial activities within the

socioeconomic development of Ponta Porã and Pedro Juan Caballero between

1933 and 2015. Specific goals were to examine transformation from handmade

and manufactured products commerce to commercialization of modern goods

originating from foreign countries between 1933 and 1990, and to analyze

Shopping China’s expansion and its impacts in the regions of Pedro Juan

Caballero and Ponta Porã from 1933 to 2015. It is part of the Society,

Environment and Sustainable Regional Development research line. Primary

sources used in the research ranged from observations to semi-structured

interviews, statements from directors and collaborators, as well as photographs

and documents provided by the company and by the Culture Department of the

Intendance of Pedro Juan Caballero/PY. Secondary sources were collected from

magazines, books, articles and Shopping China websites. The origin of the

business occurred along with two other trading houses until 1940, when the

installation of the Customs of Pedro Juan Caballero took place and a new

commercial phase began.

Keywords: Financial capital, development, trading house.

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3. Introdução Geral

O distrito paraguaio de Laguna Punta Porá surgiu em 1899. Dois anos

depois, recebeu a denominação Pedro Juan Caballero, oficializado como junta

econômica e administrativa em 19051. Localiza-se na latitude 22º 32’ 49”,

longitude 55º 43’ 59”, altitude 658 m, e possui área de 4.733 km².

A economia de Pedro Juan Caballero, no final do século XIX, girava em

torno da extração da erva-mate, da pecuária e do comércio de produtos

transportados do interior paraguaio e do porto de Concepción/PY. O porto,

segundo FREIRE (1999, p. 119): “tinha suas portas abertas para o comércio de

todo o mundo, inclusive europeu, e as imensas campinas brasileiras eram

formadas por fazendas e de vilas e de cidades; portanto, de consumidores". O

distrito era um dos pontos de descarga de mercadorias e o local da fronteira

explorado por carreteiros comerciais paraguaios e brasileiros.

O município de Ponta Porã, BR, desenvolveu-se, praticamente, à mesma

época que o vizinho paraguaio. Localiza-se na latitude 22º 32' 11" S, longitude

55º 43' 36" W, altitude 655 m e possui uma área de 5.329 km. O desenvolvimento

histórico da região tinha na produção pecuária e extração da erva-mate as

principais fontes de renda da população fronteiriça por um longo período. Em

1912, o Decreto de criação do município nº 617 foi assinado pelo Presidente2 do

Estado de Mato Grosso Joaquim Augusto Costa Marques.

Em 1930, a família Cogorno, vinda do Uruguai, transferiu-se para a região,

dando início aos seus negócios em 1933 com a instalação de três casas

comerciais nos dois municípios: Casa Nippon e Casa China em Pedro Juan

Caballero e Casa Rosa no lado brasileiro.

A Casa China, configurando-se como empresa familiar, expandiu-se, ao

longo de 83 anos de existência, de pequena casa comercial em oligopólio de

capital aberto, mantendo relações socioeconômicas em toda a região da

fronteira. Atualmente, mantém filiais em Ciudad del Este, Foz do Iguaçu e em

Salto del Guayrá.

O tema deste estudo é o desenvolvimento das três casas comerciais

(1933 a 1990) da família Cogorno e o desempenho dos negócios realizados ante

1 Informações colhidas no Departamento de Cultura da Municipalidad de Pedro Juan Caballero/PY 2 Na época Governador de Estado era intitulado Presidente

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as mudanças estruturais ocasionadas pela ampliação do estabelecimento

comercial em Shopping China, a partir de 1990.

Antes, porém, assinala-se que a comunidade acadêmica ainda não

desenvolveu estudos relativos ao contexto social, econômico e ambiental do

Shopping China. A carência de estudos mais acurados sobre o seu papel e

importância no cenário regional e nacional faz deste estudo inédito. Pontua-se a

escassez de material existente no banco de dados de teses da Capes sobre a

referida empresa, não tendo sido encontrado nenhum trabalho científico no

banco de dados.

A justificativa de estudar a casa comercial paraguaia não se ateve apenas

ao fato de Ponta Porã situar-se a poucos metros do Shopping China e, como tal,

abrigar milhares de turistas compradores e consumidores, mas também porque,

apesar das peculiaridades existentes em cada um dos dois municípios, o

desenvolvimento histórico e econômico de ambos sempre foi comum, ou seja,

tendo como base a pecuária, a madeira e a erva-mate. A erva-mate foi coletada

nos dois lados, desde o final do século XIX e transportada da rua paraguaia para

a brasileira e vice-versa. Para CORRÊA (2014, p. 50):

"A fronteira sul de Mato Grosso foi sendo ocupada de

maneira desordenada, tendo ainda como referência o

contexto da guerra com o Paraguai. Em primeiro lugar, essa

ocupação foi fortemente atraída pela existência dos ervais

nativos".

O povoamento da fronteira deve-se, também, aos gaúchos que se

localizaram no sul do estado, fugidos das perseguições advindas da Revolução

Federalista e que se estabeleceram nas terras da Companhia Matte Larangeira,

a partir de 1893. De acordo com CORRÊA (2014, p. 52):

“Assim, em 1890 já estavam radicados na fronteira sul de

Mato Grosso os primeiros gaúchos que serviram de

referência e de retaguarda a outros migrantes. A grande

corrente migratória para essa região de fronteira foi

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provocada, porém, pela Revolução Federalista ocorrida em

terras gaúchas (1893-1895)".

Em 1902, os gaúchos exigiram a posse das terras e se uniram

politicamente aos comerciantes, grupo dominante que governava o estado de

Mato Grosso, com a finalidade de diminuir o poder econômico e hegemônico da

Matte Larangeira, por conta dos benefícios que ela usufruía. Segundo

CENTENO (2007, p. 29): "os migrantes gaúchos travaram uma incessante luta

para ocupar as terras cedidas por arrendamento, à Companhia Matte

Larangeira".

A extração da erva-mate em 1883, principal atividade econômica do sul

de Mato Grosso, foi um empreendimento financiado pelo Banco Rio e Mato

Grosso, especialmente criado para sustentar as atividades da empresa. A

Companhia liquidou suas atividades em 1902. Em seu lugar, foi criada a empresa

Larangeira, Mendes e Cia, que atuou na região de Porto Murtinho e,

posteriormente, em Caarapó, durante quatro décadas.

A concessão imperial dada à Cia Matte Larangeira causou discórdia e

conflitos armados na fronteira, motivados pela disputa de poder e de influência

política e econômica na região sul do Estado. Confrontaram-se os comerciantes,

hegemônicos no governo estadual, com os proprietários do capital financeiro da

Companhia que monopolizava a comercialização e o capital econômico. ALVES

(2005, p. 44) descreveu o monopólio da erva-mate:

"A produção e a comercialização dessa mercadoria foram

praticamente monopolizadas pela empresa Larangeira,

Mendes e Cia., situação que lhe permitiu transformar-se no

mais poderoso grupo econômico regional, cuja receita

chegou a corresponder ao quíntuplo da arrecadação

estadual, e na maior credora da dívida do governo mato-

grossense no final da década de vinte".

Conforme CORRÊA (2014, p. 51): "Em 1882, pelo Decreto Imperial n.

8.799, Larangeira obteve o privilégio da exploração por dez anos dos ervais,

iniciando oficialmente suas atividades, na área, no ano seguinte". Foi assinado

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com o governo do estado novo contrato de arrendamento, nos mesmos moldes

do anterior, que vigoraria até 1916. À época da criação da Matte Larangeira,

existiam empresas oligopolistas no Paraguai que compravam erva-mate no lado

brasileiro. O proprietário da Matte Larangeira tinha escritório em Concepción,

Paraguai; posteriormente, o transferiu para o Brasil.

O meio de transporte utilizado para levar a erva-mate para Concepción e

trazer as mercadorias compradas no porto era através das caravanas de carretas

de boi. Nas palavras de OLIVEIRA (2011, p. 6):

“O eixo Ponta Porã-Pedro Juan Caballero-Concepción

continuou em operação, com o transporte de erva-mate

situando-se entre as atividades mais importantes da região

nas décadas de 1920 e 1930. As carretas puxadas por bois

eram o meio de transporte dominante”.

Em relação à pecuária em Pedro Juan Caballero, desde o início da

municipalidade, o gado era levado por comitivas até o porto de Concepción onde

era comercializado e embarcado. A partir de 1942, o Banco Nacional de Fomento

instalou-se em Pedro Juan Caballero, financiando a criação de gado da região.

Ao chegar à região de fronteira, em 1930, Felipe Cogorno começou a

trabalhar e prosperou o que lhe possibilitou abrir duas casas comerciais do lado

paraguaio, investindo o capital ganho em uma casa comercial do lado brasileiro.

O precursor da família comprava, pagando de forma direta aos fornecedores, as

mercadorias produzidas no Paraguai e as revendia na fronteira, sem os serviços

de bancos, inexistentes em Pedro Juan Caballero/PY. A maior dificuldade para

o comerciante eram as grandes distâncias e as estradas em péssimas condições

entre a fronteira e os entrepostos de distribuição. Concepción distava 210 km de

Pedro Juan Caballero. A rota de Pedro Juan a Concepción estava aberta desde

o século XVII como trilha de indígenas e como rota paraguaia a Santiago de

Xerez e a Villa Real.

As mercadorias, comercializadas pela Casa China, após 1940,

representavam a expressão do universal, resultados da produção das indústrias

internacionais, aliadas ao capital financeiro. Explicita-se que a categoria

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universal é a expressão do comércio mundial e o comércio da Casa China é

analisada, como um singular que expressa a sociedade capitalista da produção.

Os dados foram coletados por meio de observações, depoimentos e

relatos com diretores e proprietários do Shopping China; bem como foram

analisadas fotografias e documentos fornecidos pelo Departamento de Cultura

da Intendência de Pedro Juan Caballero. Também foram coletados dados em

jornais, revistas, livros, artigos, sites do Shopping China, jornais eletrônicos e

outros que versavam sobre a empresa.

O estudo sobre a participação do Shopping China no desenvolvimento e

na transformação do contexto socioeconômico dos municípios de Porã/BR e

Pedro Juan Caballero/PY tem como papel de fundo o desenvolvimento da casa

comercial, em 1933, em especial a Casa China, na fronteira e seu

desenvolvimento, apresentando as fases primitivas do comércio na fronteira e as

dificuldades de regiões remotas de dois países latinos e suas peculiaridades e

obstáculos geográficos a serem vencidos.

Neste estudo, busca-se mostrar a força e a perseverante vontade de

vencer, de quem não desiste e, também, descrever os sucessos alcançados com

o progresso e o trabalho do comerciante que vence as barreiras do tempo, assim

como a evolução do mercado. Pretende-se ainda demonstrar a trajetória de

superação dos proprietários da pequena casa comercial iniciada em 1933 que,

nos anos 1990, decidem inovar em todos os aspectos comerciais, no marketing,

na agressividade, nos produtos importados de alta qualidade, no atendimento

diferenciado, no sistema de vendas diferenciado e na ousadia de se transformar

em um grande oligopólio comercial.

O desenvolvimento das casas comerciais na fronteira acompanhou a

evolução do mercado e suas transformações no processo produtivo. A

industrialização da mercadoria nos grandes centros e sua comercialização

através das casas comerciais criou um novo mercado, um novo comerciante e

um novo cliente que se torna mais exigente e seleto quanto àquilo que deseja

adquirir.

O mundo mudou, o mercado mudou e o cliente também se tornou

diferente. A sobrevivência no mercado depende da conexão entre o mercado e

o consumidor, em que o comerciante deve entender as necessidades do cliente

e dessa forma o mercado evoluiu e se desenvolveu.

Page 17: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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O objetivo geral deste estudo foi analisar o comércio efetivado pelo

Shopping China e o desenvolvimento do comércio de Ponta Porã e Pedro Juan

Caballero entre 1933 e 2015. Os objetivos específicos analisar a transformação

do comércio de produtos manufaturados para um comércio de produtos

industrializados, entre 1933 a 1990; Identificar a expansão do Shopping China e

seus impactos na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã entre 1990 e

2015.

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4. Revisão de Literatura

O capitalista tem necessidade de progredir e para conseguir seu intento

precisa adquirir riquezas que é a mola mestra que impulsiona a acumulação de

dinheiro através da transmutação de suas mercadorias que são comercializadas.

Dessa forma, o capitalista procura, de todas as formas, transformar as suas

mercadorias em dinheiro.

É preciso elucidar as leis que regem o modo capitalista de produção,

desveladas pelos escritos de MARX (2013, p. 53), especialmente quando

assinala que: “para o ciclo do capital obter êxito, o capital-dinheiro deve

empregar os meios de produção e a força de trabalho”. A esse respeito, AUED

(1981, p. 22): acrescenta que se impõe “ao capital individual comportamento

constante de apropriar-se da maior parte do valor excedente, gerado na

sociedade”.

As leis econômicas modificaram-se ao final do século XIX no velho

continente que as socializou mundo afora, porque foi necessário que o capital

obtivesse o controle do mercado em escala internacional. Nessa direção, ALVES

(2005, p. 70) lembra que:

“No plano substantivo do universal, a passagem do século

XIX para o século XX testemunhou a ‘viragem do velho

capitalismo para a dominação do capital financeiro’. Em

outros termos, a livre concorrência, que na sua realização

levou a uma progressiva concentração do capital, foi ela

própria superada, numa determinada etapa da evolução

histórica desse processo de concentração, ao ser gerado o

monopólio. Dessa forma, o capitalismo atingiu sua fase

‘superior’, o imperialismo”.

A passagem da nova fase do capitalismo foi a transformação da livre

concorrência em monopólio e o domínio do capital financeiro substituiu o domínio

do capital, em geral (LÊNIN, 1979); ainda segundo LÊNIN (1979, p. 25): “A

concorrência transforma-se em monopólio. Daí resulta um imenso progresso na

socialização da produção. E, particularmente, no domínio dos aperfeiçoamentos

e inovações técnicas”. Sobre esse tema ALVES (2005, p. 51) discorre:

Page 19: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

18

“Em âmbito mundial, da livre concorrência para a sua fase

superior, o imperialismo. Com essa concentração, mais os

efeitos dos novos recursos tecnológicos aplicados à

produção (fábrica moderna), aos transportes (navio a vapor,

em substituição à vela e ferrovia) e às comunicações

(telégrafo), os oligopólios em formação passavam a dispor

de recursos sofisticados para exercer o controle do mercado

em escala mundial”.

ALVES (2005, p. 71) afirma ainda que, ao final da Guerra do Paraguai

(1870):

“Em Mato Grosso o capital financeiro manifestou-se por

duas vertentes. A primeira delas utilizou como canal a

própria casa comercial, quando esta se erigiu em

representante de bancos nacionais e estrangeiros. Do

crédito à produção comercial retirou a maior força de seu

domínio econômico e político no Estado, nessa fase. A sua

ação implacável, porém, refletida especialmente em

elevadas taxas de juros sobre empréstimos e

financiamentos, gerou nos capitalistas mato-grossenses

ligados à produção, o anseio pela presença de bancos na

região”.

A casa comercial exercia um controle nas empresas de produção e

transporte, que os financiava a juros exorbitantes, e por clamor da população o

capital financeiro começa a se instalar no estado de Mato Grosso nos anos de

1910 e 1920, quando, segundo ALVES (2005, p. 74):

“As primeiras agências bancárias se instalaram em Mato

Grosso”. [...] “A segunda vertente pela qual o capital

financeiro se manifestou na região corporificou-se em

empresas de produção e de transporte, a ele diretamente

Page 20: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

19

ligadas, instaladas entre fins do século XIX e início do século

XX”.

As casas comerciais eram responsáveis pelo controle da navegação e das

mercadorias comercializadas na região, daí o monopólio da navegação durante

o primeiro período do pós-guerra, até a chegada das empresas e dos bancos

estrangeiros que passaram a financiar e controlar esse negócio.

A base teórica que explica a viragem do capital, em geral, para o domínio

do capital financeiro, descrita para Mato Grosso, no final do século XIX e começo

do século XX, também é válida para o que estava acontecendo em terras

paraguaias, em proporções menores, em 1930, especificamente, em

Concepción, em cujo porto se concentrava a comercialização de produtos

industrializados, vindos da Europa pelo rio Paraguai, como foi em Corumbá,

lócus da análise de ALVES (2005).

Em Concepción se localizava a comercialização dos produtos importados

e também daqueles que seriam exportados. Ali, também, estava instalada a

Industrial Paraguaia de propriedade de “Pacífico de Vargas presidente da

empresa paraguaia em 1890” (LAINO, 1976). Esta e outras empresas

monopólicas tomaram o lugar dos ervateiros da província de Concepción e de

Pedro Juan Caballero que perderam a concessão temporária, cedida pelo

governo, para a exploração e o comércio da erva-mate, para essas companhias,

que passaram a dominar esse mercado. Para ROIG (1984, p. 64):

“Las patentes para explotación de yerbales eram concedidas

por seis meses. Em los Archivos de Concepción

(documentos Comunales) tenemos dados de concessiones

a partir de 1877”.

Essa situação aconteceu em território brasileiro, e paraguaio,

constatando-se a substituição da livre concorrência pelos monopólios que

passaram a dominar o mercado.

Page 21: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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4.1. Capital financeiro, monopólio e cartéis.

LÊNIN (2011) afirma que o capital financeiro é originado a partir da fusão

do capital bancário com o capital industrial. AUED (1981, p. 22), por seu turno,

assim descreve o caminho:

“Este movimento leva que o capitalista passe a transformar

valor-excedente em capitais constantes, via novas máquinas

e tecnologias mais modernas. Assim, para obter maior

produtividade, aumentará relativamente seu capital

constante e consequentemente reduzirá a parte de capital

variável que corresponde à parte da força-de-trabalho, do

trabalho vivo. Do trabalho que cria valor”.

AUED (1981) assevera que o valor excedente do capital social se

transforma em capital constante através da transmutação em maquinário,

equipamentos e tecnologia, reduzindo o valor do capital variável e aumentando

o lucro, situação que contribui para a efetivação do ciclo do capital. No

desenvolvimento do capitalismo, concentram-se as empresas e os capitais para

ultrapassar as barreiras da livre concorrência; daí a formação de cartéis e

monopólios.

Com o fim dos conflitos da Guerra da Tríplice Aliança, os capitalistas

paraguaios formaram um cartel, para comprar a erva-mate em território

brasileiro, comercializaram-na no mercado interno e também a exportaram para

a Argentina. Nesse momento, exerciam a monopolização do comércio, segundo

CENTENO (2008, p. 192): “a Industrial Paraguaia foi criada em 1886, tendo

como principais fundadores influentes Figuras ligadas ao poder no Paraguai” e,

principalmente, a Matte Larangeira que esteve mais ligada a Pedro Juan

Caballero na aquisição da matéria prima para adquiri-la e revendê-la junto ao

mercado argentino.

No lado brasileiro, a exploração da erva-mate na região de fronteira foi

tumultuada e causou muitos conflitos entre a Matte Larangeira, os comerciantes,

que buscavam espaço político e os gaúchos, que reivindicavam a posse da terra,

apesar das concessões do governo brasileiro para a sua exploração oficial. O

contrabando da erva-mate para empresas paraguaias continuava favorecendo

Page 22: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

21

os oligopólios paraguaios. Nessa perspectiva, CENTENO (2008, p. 196)

esclarece que:

“A exploração ilegal foi realizada, também, por indivíduos

que já exploravam erva-mate no Paraguai, como Pacífico de

Vargas, empresário ligado à Industrial Paraguaia. Esse

cidadão explorava erva-mate em Mato Grosso sem a

anuência do ministro da agricultura”.

Conforme CENTENO (2008, p. 197): Pacífico de Vargas, porém, nunca

conseguiu a permissão para a exploração legal da erva-mate, e nem por isso

deixou de comercializá-la no Paraguai, ele tinha fortes ligações com a Industrial

Paraguaia sendo presidente da empresa em 1890. Com o fim do conflito com o

Paraguai e o livre trânsito pelo rio, o mercado expande-se e ocorre a

modernização da produção da erva-mate e de seu comércio.

Um exemplo da produção financiada pelo capital financeiro foi Thomaz

Larangeira, concessionário da região ervateira. CORRÊA (2014, p. 51) esclarece

que: "desde 1882, pelo decreto Imperial n. 8799, Larangeira obteve o privilégio

da exploração por dez anos dos ervais, iniciando oficialmente suas atividades no

ano seguinte". Já, segundo AYALA e SIMON (2011, p. 254):

“Para a facilidade de trânsito e condução de cargas existe,

propriedade da Empresa Matte Larangeira, uma linha férrea

de 22 km, cujo ponto terminal é São Roque, onde existem

casas comerciais de importância (na maioria, filiais das de

Porto Murtinho), destinadas a abastecer os municípios de

Bela Vista e Ponta Porã”.

Antes de iniciar a extração da erva-mate, a Cia. Matte Larangeira criou o

Banco Rio e Mato Grosso com vistas ao financiamento do grande

empreendimento. Muitos pesquisadores descreveram em trabalhos científicos o

poderio exercido pela Cia Matte Larangeira de Thomaz Larangeira e o início da

exploração da erva-mate na fronteira em 1882. PÈBAYLE e KOECHLIN (1981,

p. 5), por exemplo, ponderam que: “Esta sociedade exerceu um monopólio quase

Page 23: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

22

absoluto da colheita das folhas do ILex paraguariensis A. St.-Hil. durante quase

três quartos de século, graças a concessões do governo federal brasileiro, até

1947, sobre 60 km2".

A Companhia Matte Larangeira passou por muitas fases de influência

política no alto escalão do governo estadual de Mato Grosso em seus primeiros

anos de existência. Na década de 1880, o grupo se organizou para, em 1891,

criar a Companhia Matte Larangeira como sociedade anônima. Nos primeiros

anos do século XX, CENTENO (2008, p. 203) descreve: “a Companhia foi

contestada, pelos comerciantes que se aliaram aos imigrantes gaúchos que

ocupavam a região e contestavam os direitos da Companhia” pelo poder

exercido pela Matte Larangeira na Região de fronteira.

A Companhia Matte Larangeira representa bem essa fase principalmente

pela ação do capital financeiro e as sucessivas concessões de exploração da

erva-mate, fase assim pontuada por CENTENO (2008, p. 208): "com a resolução

nº. 102 de 17/07/1895, que concede o direito de explorar até mais de cinco

milhões de hectares de terras, estabelecendo, a partir de então, o monopólio nos

ervais de Mato Grosso". Na visão de ALVES (2005, p. 74-75):

“A Companhia Matte Larangeira, entre 1891 e 1902, e a

Larangeira, Mendes & Cia., sua sucessora, posteriormente,

monopolizaram a exploração da erva-mate, numa área

arrendada junto ao Estado, que excedia a três milhões de

hectares, reduzida em 1916 para 1,8 milhão de hectares. A

última dessas empresas, em 1923, além da área arrendada,

dispunha de 271.026 hectares nos municípios de Bela Vista

e Ponta Porã, adquiridos por meio de compra”.

O grupo liderado pelo Banco Rio e Mato Grosso, que controlava a

Companhia Matte Larangeira: "entra em liquidação em 1902 [...] por um fracasso

numa empreitada que visava à exportação da borracha" CENTENO (2008, p.

209); de acordo com essa autora: "Thomaz Larangeira fica com boa parte do

negócio, sendo também a Companhia vendida para um sindicato, em Buenos

Ayres, organizado por Francisco Mendes Gonçalves & Comp., o qual ficou com

maior parte que Larangeira" (CENTENO, 2008, p. 210). E ainda:

Page 24: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

23

"No ano de 1929, acontece uma ruptura entre a empresa

argentina e a situada no Brasil.[...] a maior parte das ações

eram ainda da empresa argentina. Após a década de 1930,

devido à política nacionalista de Vargas, seus sócios

procuram nacionalizar a empresa" (CENTENO 2008, p.

211).

Quando Getúlio Vargas, no final da década de 1930, iniciou a Marcha para

o Oeste e interrompeu a renovação de concessões de terras para exploração,

ocupando principalmente as regiões próximas da fronteira, a empresa perdeu

expressão no cenário político e sofreu pressões para perda da concessão da

exploração da erva-mate. Posteriormente, com o aparecimento de novas

lideranças políticas e a crise de 1929, começou a decadência desse período de

influência política da Companhia Matte Larangeira de mais de cinco décadas de

exploração, a qual abrange a concessão para explorar os ervais, a partir de 1882,

seguida de outras concessões de exploração posteriores.

O interior do Brasil, ao final do século XIX, não dispunha de estrutura nem

comunicação e meios de transporte adequados, seguros e rápidos com os

grandes centros da época, o que dificultava a comercialização nessas regiões.

Preocupado com a geopolítica, o presidente Getúlio Vargas procurou

ocupar a região, inclusive criando no mesmo período a Colônia Vargas, no

município de Dourados, incrementando a ocupação do Estado de Mato Grosso.

“O governo de Getúlio Vargas criou o Território Federal de Ponta Porã

pelo Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, estabelecendo Ponta

Porã sua capital” (MAGALHÃES, 2013, p. 257).

Com a chegada da estrada de ferro em Corumbá, o Porto Esperança

perdeu espaço, e começou a decadência das casas comerciais em Corumbá

com a instalação da agência do Banco do Brasil que passou a financiar os

negócios antes realizados por essas casas. Os bancos também se instalaram e

começaram a efetuar transações financeiras na capital Cuiabá. Isso, e a chegada

da NOB (Ferrovia Noroeste do Brasil) fizeram com que as casas comerciais

perdessem sua força e começassem a derrocada. É a mudança, ou seja, a

viragem do velho para o novo capital.

Page 25: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

24

Os bancos passaram a realizar todas as transações financeiras, após a

instalação da ferrovia que tomou o lugar do porto como referência de transporte

na negociação, diminuindo o valor do frete e aumentando a rapidez na entrega

do produto. Anteriormente, o capital financeiro esteve presente em Corumbá,

sendo gerido pelas casas comerciais que mantinham um anexo bancário ao

prédio do comércio. LÊNIN (2011, p. 159): "O século XX marca, pois, o ponto de

viragem do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital, em geral,

para a dominação do capital financeiro". Foi o que aconteceu no interior de Mato

Grosso: as casas comerciais do entreposto de Corumbá, antes prósperas,

sucumbiram diante da capacidade de transporte e rapidez na entrega do produto

realizado pela ferrovia.

A livre concorrência foi suplantada pelos monopólios no pensamento de

LÊNIN (2011, p. 251):

"Um imperialismo que luta contra outro, um monopólio

contra outro, um capital financeiro contra outro. A

superioridade do imperialismo alemão sobre o inglês é mais

forte do que a muralha das fronteiras coloniais ou dos

direitos alfandegários protecionistas”.

LÊNIN (2011, p. 263) ainda assinala que: “o monopólio é um produto da

concentração da produção num grau muito elevado do seu desenvolvimento.

Formam-se, então, as associações monopolistas dos capitalistas, os cartéis, os

sindicatos e os trustes3”.

Os monopólios pretendem realizar suas mercadorias e para isso

formaram os cartéis, influenciaram os sindicatos e criaram os trustes que

consistiram na fusão de várias empresas cujas atividades se interligaram,

abrangendo desde as fontes de matérias-primas, passando por todas as fases

de produção, até a distribuição do produto no mercado.

A Inglaterra, por ser um dos primeiros países a explorar as grandes

navegações, conquistou muitas colônias e, por conseguinte, seus produtos

maquino-manufaturados foram consumidos o que aumentou suas riquezas.

3 Fusão de várias empresas de modo a formar um monopólio com o intuito de dominar determinada oferta de produto e/ou serviço.

Page 26: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

25

Esse fato é atestado por LÊNIN (2011, p. 160-161) ao afirmar que: "o aumento

da concentração da produção e do capital em grau tão elevado que dá origem,

e tem conduzido, ao monopólio". Essa mudança deixou de ser de origem da livre

concorrência para a concentração do capital, o capital financeiro, etapa da

evolução histórica desse processo de concentração que gerou o monopólio, o

capital financeiro.

A expansão dos negócios e a acumulação de recursos financeiros

possibilitaram a entrada em outros ramos de negócios, pois o capital ganho não

pode ficar parado, necessitando ser reinvestido em novas frentes comerciais,

assim, os pequenos comerciantes foram eliminados pelo capital financeiro.

O capital dinheiro precisa realizar-se através das mercadorias que se

transformaram em dinheiro e o fez circular. A esse respeito AUED (1981, p. 21)

pondera que: “é o ciclo que o valor originariamente adiantado tem de percorrer,

a fim de se constituir em novo capital”. Os comerciantes da época, como Felipe

Cogorno, realizavam suas mercadorias e reinvestiam em novas mercadorias,

que se transformavam em capital.

Assim a implantação da indústria moderna, na região de Mato Grosso

transitou, conforme discorre ALVES (2005, p. 51):

“Do período manufatureiro para o da maquinaria industrial.

E, assim como essa transição definiu a superação da

indústria manufatureira pela moderna, também o comércio

manufatureiro foi superado, nesse momento, por um novo

comércio”.

O comerciante Felipe Cogorno buscava pessoalmente as mercadorias em

Concepción. Ele mesmo realizava as compras. Atuando como comerciante de

físicos, Felipe Cogorno tinha de se afastar de seu estabelecimento comercial,

porque inicialmente, a mercadoria que buscava em Concepción vinha em caixas,

a granel e a presença física do comerciante era imprescindível. Estabeleciam-se

os preços quando se revendiam os produtos. Segundo ALVES (2005, p. 38): “Já

foi assinalada a peculiaridade da operação de compra e venda no período

manufatureiro – em quaisquer condições tal operação só se efetiva mediante a

presença física da mercadoria”. Ainda, conforme ALVES (2005, p. 38):

Page 27: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

26

“O pagamento só se fazia contra entrega do produto, daí

porque operações de crédito eram desconhecidas ou

destituídas de maior importância em face de seu

insignificante volume. [...] outra questão é que a

peculiaridade da operação estava estreitamente associada

à qualidade do produto, que ainda não apresentava, nessa

fase, maior unidade. Logo, o preço acertado na compra e na

venda estava sempre na dependência da qualidade da

mercadoria, o que tornava indispensável sua presença

física”.

Em 1940, com a fusão da Casa China, concentrando as três lojas em uma

só, formava-se um novo comércio. Produtos com marcas reconhecidas

internacionalmente, produtos embalados em caixas, preço fixado pelo mercado.

ALVES (2005, p. 53) enuncia que:

“A padronização dos produtos, viabilizada pela fábrica

moderna, que passou a assegurar uma comercialização de

novo tipo, que dispensava a presença física das

mercadorias. [...]. A subordinação do comércio de físicos às

novas forças do comércio mundial, geradas e controladas

pelos oligopólios”.

A produção industrial e o financiamento bancário alteraram

completamente o cenário e a engrenagem do comércio de físicos, em que não

era mais necessária a presença da mercadoria propriamente dita, mas, sim, a

mercadoria final, fabricada pelas indústrias. Os oligopólios começaram a

controlar o mercado mundial. Nos termos de ALVES (2005, p. 54): “É nesse

contexto que se deve entender o relacionamento do comerciante de físicos da

região com os grandes oligopólios que passaram a dominar e controlar o

mercado mundial” e entra em cena o crédito. Ainda, conforme ALVES (2005, p.

56):

Page 28: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

27

“O crédito, como já se acentuou, era uma operação

praticamente desconhecida durante a primeira metade do

século XIX, tornando-se, portanto, elemento distintivo da

nova casa comercial. Nesse sentido, esta começa a

funcionar como um verdadeiro banco, o que denota

nitidamente sua mudança de qualidade”.

As casas mato-grossenses manifestavam um interesse pela produção

fundiária. A esse respeito ALVES (2005, p. 58) esclarece: “Disso se aproveitou

a burguesia mato-grossense para estabelecer, segundo suas conveniências, a

regulamentação da venda, arrendamento e doação de terras”. O estado passa a

doar terras aos colonos, gratuitamente, áreas com 50 hectares para agricultura

e 200 hectares para pecuária com intuito de ocupar o estado e enfraquecer a

Matte Larangeira.

4.2. Os primeiros anos do comércio em Pedro Juan e em Ponta Porã

Destaca-se que a compreensão das relações sociais, econômicas e

ambientais da região de fronteira é imprescindível para seu entendimento. A

economia girava em torno da extração da erva-mate, pecuária e do comércio de

artesanatos e de manufaturados, vindos de caravanas do interior guarani.

Em 1933, a família italiana Cogorno, antes radicalizada no Uruguai,

transferiu-se para a região de fronteira, dando início aos seus negócios através

das casas comerciais: Nipon e China do lado paraguaio da fronteira e a casa

Rosa do lado brasileiro, conforme publicação na Revista CHINA NEWS (2012,

p. 11): "La empresa Shopping China, ubicada en La ciudad de Pedro Juan

Caballero-Paraguay, fue fundada por la família Cogorno en al año 1933".

Nos anos 1930, existiam muitas empresas estrangeiras oligopolistas já

estabelecidas em território paraguaio, remanescentes desde o fim da Guerra da

Tríplice Aliança quando foi liberada a navegação no rio Paraguai. Para

CENTENO (2008, p. 191), entre outros monopólios, estavam “Campos y

Quebrachales, Puerto Sastre S.A. e Companhia de Navegación Nicolas

Mihanovich S. A”.

As casas comerciais tiveram um papel preponderante no período

manufatureiro como centro da economia, tanto em Pedro Juan Caballero e Ponta

Page 29: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

28

Porã, quanto no porto de Corumbá. Estudando a casa comercial de Corumbá,

ALVES (2003, p. 5) escreve:

“Ela correspondeu ao instrumento indispensável à

acumulação do capital industrial, basicamente de origem

inglesa, pois importava e distribuía suas mercadorias. Ia

mais além à casa comercial, já que importava, também, os

demais produtos de que necessitava o consumidor e

monopolizava a exportação de grande parte, quando não da

totalidade, dos produtos locais”.

Segundo Maria Teresa Cogorno, Felipe Cogorno comercializava produtos

fabricados em outros continentes para revendê-los. Na década de 1940,

começou a diferenciar seus produtos em relação aos seus concorrentes,

trazendo produtos diferentes dos comercializados na região para atender às

necessidades da clientela. ROBBINS (2002, p. 10) afirma que: "atender às

exigências do cliente com um custo mais acessível será a força motriz do

sucesso". Esse foi um dos segredos de Felipe Cogorno, bons produtos e

atendimento diferenciado ao comércio local. Esse destaque pode ser entendido,

segundo HOFF (2016, p. 32), como:

"Seguiu-se o modelo mundial: a mercadoria acondicionada

em embalagens tinha marcas definidas, determinadas por

seu conteúdo, seu peso, sua espécie e seu preço.

Cumpridas essas exigências, o mercado estava apto para a

comercialização mundial dos produtos”.

O Shopping China é uma empresa tradicional da fronteira que

acompanhou as mudanças e as evoluções comerciais, desenvolvendo-se com

recursos próprios. Transformou-se em oligopólio comercial, a partir da década

de 1990.

O estudo realizado por ROCHA (2013) sobre a gênese dos grandes

grupos econômicos brasileiros aponta duas características importantes: a

predominância do capital de origem comercial na estruturação dos grupos

Page 30: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

29

econômicos nacionais e a relevância do estado na conformação da trajetória de

crescimento de determinados grupos econômicos. A escolha desses indicadores

visou fornecer um parâmetro para a análise de algumas questões relevantes

refere à estruturação, à privatização de empresas prestadoras de serviço público

e à organização desses grupos econômicos mais recentes.

Os fatos históricos e econômicos demonstraram questões relevantes em

momentos distintos brasileiros. Pontua-se que também ocorreram fatos

marcantes em Pedro Juan Caballero, como: a liberação de produtos importados

a partir da instalação da aduana em Pedro Juan Caballero; a modificação do

comercio após a revolução de 1947; e a promoção da economia local após a

mecanização da agricultura em Ponta Porã, que aqueceu os mercados brasileiro

e paraguaio.

Reitera-se que a finalidade deste trabalho foi estudar fatos históricos

referentes à evolução da Casa Comercial, negócio familiar e sua transformação

em Shopping China, de capital aberto. Por meio dele, objetivou-se conhecer e

compreender o seu desenvolvimento, expansão e estruturação e, em síntese, o

desafio de manter o desempenho do grupo, frente ao mercado altamente

competitivo e às crises financeiras, bem como identificar os impactos

socioeconômicos e ambientais caracterizados por essa evolução.

Page 31: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

30

5. Referências Bibliográficas

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Campo Grande: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2011.

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CENTENO, C. V. Educação e Fronteira com o Paraguai na historiografia

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CENTENO, C. V. Educação do Trabalhador na Fronteira de Mato Grosso

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Page 33: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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Page 34: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

33

6. Artigos

Artigo I

Casa China: a comercialização de produtos artesanais e manufaturados e

a circulação de mercadorias produzidas pela indústria moderna - 1933 a

1990.

Marco Aurélio Perroni Pires

Resumo

As lojas Casa China e Casa Nipon, inauguradas em 1933, na cidade

paraguaia de Pedro Juan Caballero, e a Casa Rosa, implantada em Ponta Porã,

MS, foram empresas da família Cogorno, reunidas num grande estabelecimento

comercial, em 1940, denominado Casa China, localizado na cidade paraguaia.

Atualmente, a Casa China evoluiu para a condição de um amplo oligopólio, de

capital aberto, denominado Shopping China. Localiza-se na fronteira com Ponta

Porã, sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul/BR. Neste estudo, objetivou-

se analisar a comercialização de produtos artesanais e manufaturados nas três

lojas da família Cogorno e a circulação de mercadorias oriundas do mercado

internacional na Casa China, entre 1933 a 1990. As fontes primárias foram

observações, entrevistas, depoimentos e relatos com proprietários, diretores da

empresa; fotografias e documentos fornecidos pela empresa e pelo

Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero. As fontes

secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos e jornais. Os dados

obtidos revelaram a atuação desse empreendimento como fator de

transformação do comércio de físicos para a comercialização regida pela

abstração de produtos padronizados.

Palavras-chave: Empresa familiar, oligopólio comercial e fronteira.

Casa China: the commercialization of handmade and manufactured

products and the circulation of goods produced by the modern industry -

1933 to 1990

Abstract

Casa China and Casa Nipon stores, inaugurated in 1933 in the

Paraguayan city of Pedro Juan Caballero, as well as Casa Rosa, located in Ponta

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34

Porã, MS, were companies run by the Cogorno family. They were gathered into

a large commercial establishment called Casa China, located in the Paraguayan

city. Currently, Casa China has evolved to the condition of a wide publically

traded oligopoly named Shopping China. It is located at the border with Ponta

Porã, southwest of the state of Mato Grosso do Sul/BR. In this study, the goal

was to analyze commercialization of handmade and manufactured products in

the three family Cogorno’s stores, as well as circulation of Casa China goods

stemming from international market, between 1933 and 1990. Primary sources

were observations, interviews, statements and accounts from the company’s

owners and directors, photographs and documents provided by the company and

by the Culture Department of the Intendance of Pedro Juan Caballero. Secondary

sources were collected in books, magazines, articles and newspapers. Obtained

data revealed implementation of this enterprise as a transformation factor from

commerce of physical goods to commercialization governed by the abstraction of

standardized products.

Keywords: Family owned business, commercial oligopoly and frontier.

Introdução

O mundo, em 1933, estava saindo de uma grande recessão econômica,

conhecida como Quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929). A crise

diminuiu a produção industrial e aumentou o desemprego que alcançou cerca de

14 milhões de norte-americanos. No Brasil, o governo de Getúlio Vargas

implantava uma série de medidas para resguardar o mercado interno.

Em Pedro Juan Caballero/PY, nesse ano, foi fundada a Casa China que

operava com duas filiais: Nipon e Rosa, a primeira localizada na cidade

paraguaia e a outra em Ponta Porã, lado brasileiro. Os três estabelecimentos

comerciais, em 1940, foram incorporados na Casa China. A partir de 1990, a

família proprietária abriu cotas a acionistas e a bancos, passando a desenvolver-

se como oligopólio comercial. Mudou o nome para Shopping China, operando

então como empresa de capital aberto.

Pedro Juan Caballero, na metade do século XIX surgiu como distrito,

denominado Laguna Punta Porá. Em 1899, apareceu como centro comercial da

erva-mate, inclusive com a presença da Cia. Matte Larangeira, que mantinha no

local um entreposto para levar o produto até o porto de Concepción. Dois anos

Page 36: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

35

após, foi oficializado como junta econômica e administrativa da Municipalidad de

Pedro Juan Caballero/PY. A cidade4 localiza-se na latitude 22º 32' 49", longitude

55º 43' 59", altitude 658 metros, e possui uma área de 4.733 km².

O município de Pedro Juan Caballero dista 215 km do rio Paraguai, uma

distância considerável a ser vencida, passando pelos cerros e matas da região,

para realizar a comercialização com o porto de Concepción. Eram diversas as

comitivas que carregavam a erva-mate até o porto e traziam mercadorias para a

venda nas casas comerciais.

Pelo lado brasileiro, Ponta Porã desenvolveu-se, praticamente, à mesma

época em que a vizinha paraguaia. Em 1912, o município foi criado pelo Decreto

nº 617, assinado pelo Presidente do Estado de Mato Grosso, Joaquim Augusto

Costa Marques. Situa-se em latitude 22º 32' 11" S, longitude 55º 43' 36" W,

altitude 655 m e possui uma área de 5.329 km. A produção pecuária e a extração

da erva-mate foram as principais fontes de renda da população fronteiriça, por

um longo período.

Neste artigo analisou-se a comercialização de três casas comerciais e da

loja unificada, no período de 1933 a 1990. Propondo-se ainda estudar o

desenvolvimento das vendas de produtos artesanais e manufaturados. E

verificar como se deu o comércio e o desenvolvimento na região de Fronteira

com a liberação dos produtos importados pela aduana paraguaia a partir de

1940.

Destaca-se que a comunidade acadêmica ainda não desenvolveu estudos

relativos ao contexto social, econômico e ambiental da Casa China. Nenhum

trabalho científico foi encontrado no banco de dados de teses da Capes

referentes a essa empresa. A carência de estudos mais acurados sobre o seu

papel tornam importante este estudo.

Material e Métodos

A base teórica deste estudo foi estabelecida a partir dos escritos de

ALVES (2003; 2005), AUED (1981) e MARX (1818-1883) (2013), para fins de

definir o movimento da produção, da distribuição e do consumo na sociedade

capitalista; e de FRAGINALS (1989), ALVES (2005) e HOFF (2016) para o

4 Informações colhidas no Departamento de Cultura da Municipalidad de Pedro Juan Caballero/PY

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36

entendimento do período manufatureiro da produção e da comercialização; de

ROIG (1984) para fundamentar a formação de oligopólios de erva-mate, do

tanino nos portos do rio Paraguai; e de LAINO (1976) que estudou as

concessões de terras públicas a grupos capitalistas, logo após o término da

Guerra Da Tríplice Aliança.

O local desta investigação é a fronteira paraguaia e brasileira, nas

municipalidades de Pedro Juan Caballero/PY, e de Ponta Porã/MS.

Figura 1. Mapa de localização de Pedro Juan Caballero/PY e Ponta Porã/BR.

Fonte: GOOGLE EATH (2017).

As fontes primárias utilizadas neste artigo foram construídas com o

registro de observações feitas no local das atividades da loja, com depoimentos

e relatos, colhidos com proprietários e diretores da empresa. Foram utilizados

documentos fornecidos pela empresa de Felipe Cogorno e pelo Departamento

de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero, fotografias, jornais da época

(Jornal do Comércio e Jornal de Pedro Juan Caballero/PY) e o Álbum Gráfico do

Estado de Mato Grosso. Além dessas fontes, também foram colhidos

Page 38: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

37

depoimentos de membros do Departamento de Cultura do Departamento de

Amambai e relatos de diretores da Associação Comercial do Paraguai.

Fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos e registros

de memórias.

O conteúdo das entrevistas foi sistematizado com o auxílio da análise

temática de BARDIN (2011), organizado de acordo com as respostas do roteiro

de entrevista, em cinco períodos, na sequência de pré-análise, análise do

material selecionado e análise dos resultados. As entrevistas foram divididas em

momentos distintos para propiciar ao leitor um melhor entendimento e

compreensão dos fatos relatados.

A análise do estudo apoiou-se em duas categorias principais: o período

manufatureiro e a fase da indústria moderna que modificou, também, o comércio.

Resultados e Discussão

Felipe Cogorno, imigrante italiano, com rápida passagem pelo Uruguai,

deslocou-se para Concepción, com intento de chegar a São Paulo, mas se

estabeleceu, definitivamente, com três casas comerciais, duas em Pedro Juan

Caballero e uma em Ponta Porã. Essas informações provieram dos depoimentos

da Sra. Cogorno. Há que se tomá-las com cuidado, porque a memória da família

nem sempre consegue reconstituir a história dos negócios de lojas que existem

há 85 anos. Estando em Montevidéu, ninguém viajaria a São Paulo pelo rio

Paraguai e por terra a Juan Pedro Caballero, para, depois, seguir à capital

paulista. Bastava entrar num navio e seguir de Montevidéu para Santos, SP, a

não ser que estivesse errante, à procura de um lugar que parecesse alvissareiro

aos propósitos da família.

O Início das Atividades do Comerciante Cogorno, no Período Manufatureiro

O estabelecimento das atividades comerciais de Felipe Cogorno marca o

período inicial deste estudo. Momento histórico, durante a Guerra do Chaco

(1932 a 1935), que teve eco em Pedro Juan Caballero. Segundo MAGALHÃES

(2014, p. 139):

“Campanário, Porto Mojoli e Guaíra viram centenas de

funcionários paraguaios se despedirem em direção a um

Page 39: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

38

acontecimento violento e implacável: a Guerra do Chaco. A

Cia Matte não se furtou em auxiliar os guaranis na luta contra

a Bolívia, prestando-lhes efetivo apoio, ao equipar os que

desejaram lutar pelo seu país, com roupas, cobertores,

sapatos e levando-os em caminhões até perto das fronteiras

em guerra”.

Por ocasião da Guerra do Chaco, os portos ao longo do rio Paraguai, que

mantinham um tráfego intenso de mercadorias, particularmente de erva-mate,

diminuíram o movimento fluvial. Também foi obstaculizada a comercialização

com o porto de Concepción, afetando os percursos das comitivas da fronteira.

As barreiras, como a distância de Pedro Juan Caballero ao porto de

Concepción e as péssimas estradas não impediram que Felipe Cogorno

iniciasse seus negócios. Em 1933, seus estabelecimentos comercializavam

apenas produtos artesanais e artigos provenientes da manufatura paraguaia,

para revendê-los em lojas, sítios, fazendas e vilas dos dois municípios. A erva-

mate, colhida no Brasil e na região paraguaia, transitava pelo povoado, rumo ao

porto paraguaio, desde a década anterior.

Em 1940, com a abertura da aduana paraguaia, a Casa China passou a

comercializar também produtos gerados pela indústria moderna, conforme

depoimentos dos familiares. É de se supor que o término do comércio fluvial de

Corumbá, MS, facilitou a aquisição de mercadorias, em volume de ofertas, no

porto de Concepción.

Segundo FREIRE (1999, p. 119): "O porto de Concepción tinha suas

portas abertas para o comércio de todo o mundo, inclusive europeu, e as

imensas campinas brasileiras eram semeadas de fazendas, de vilas e de

cidades; portanto, de consumidores". O autor acrescenta que Laguna Punta

Porá, nome anterior a Pedro Juan Caballero, era o ponto de descarga das

mercadorias e, também, o centro de encontro dos carreteiros comerciais do lado

paraguaio.

A dinâmica regional da produção nos dois municípios comportava-se, no

período histórico, de forma semelhante: pecuária, coleta de erva-mate e extração

de quebracho (tanino). Em outros termos, não se registravam novos arranjos

produtivos nos dois lados. Em contrapartida, constataram-se rearranjos

Page 40: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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fundiários, principalmente na parte paraguaia: terras públicas, concedidas a

capitalistas para desenvolver o país guarani, ao longo dos portos do rio Paraguai,

logo após a Guerra da Tríplice Aliança; e a apropriação das terras por grupos

oligopolistas estrangeiros, com reestruturação fundiária e com nível moderno de

exploração, como ferrovias, portos adequados e tecnologia industrial.

No lado brasileiro, Ponta Porã, a coleta e a manufatura da erva-mate

foram favorecidas pela concentração de terras e de manchas de erva-mate,

arrendadas pelo Império brasileiro à Companhia Matte Larangeira.

As duas cidades vizinhas distavam 215 quilômetros do porto de

Concepción/PY, principal acesso de mercadorias de importação e exportação.

Listam-se alguns obstáculos ao desenvolvimento local, em 1933: estradas

difíceis para o transporte em carretas; a estrada de rodagem, que liga Ponta Porã

a Campo Grande, ainda não estava construída, embora a Companhia Matte

Laranjeira tenha construído as estradas vicinais ligando os municípios para

escoamento da mercadoria e o Exército brasileiro, localizado em Ponta Porá,

tenha colaborado na conservação das estradas, ligando o distrito aos

municípios; a estação ferroviária mais próxima era a de Campo Grande, distante

300 quilômetros da fronteira.

Antes de passar à análise da passagem do período manufatureiro do

comércio na fronteira para a comercialização de produtos gerados pela indústria

moderna, há que se recuperar o desenvolvimento regional, em dois aspectos

históricos: o arrendamento de terras devolutas a famílias capitalistas paraguaias,

após a Guerra da Tríplice Aliança - uma política pública proposta com a

finalidade de desenvolver o país; e, a partir da década de 1880, a apropriação

do território paraguaio por grupos econômicos monopolistas e das terras no sul

do Mato Grosso por parte da Matte Larangeira.

A Política de Terras do Governo Paraguaio para a Recuperação Econômica

do País

Conforme LAINO (1976, p. 101), em 1870, “o Estado paraguaio era

proprietário de 72 quilômetros de estrada de ferro; de 148 edifícios na capital

Assunção e outros 352 no interior do país. O mais importante, porém, é que ele

era proprietário de quase a totalidade das terras do país”.

Page 41: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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O governo paraguaio, na década de 1870, fez as concessões das terras

devolutas para famílias capitalistas e favoreceu também colonos rancheiros do

Departamento de Amambay, ao qual pertencia Laguna de Ponta Porá, mais

tarde, denominada Pedro Juan Caballero. O governo objetivou explorar a erva-

mate, os quebrachais e a criação de gado, logo depois da Guerra da Tríplice

Aliança.

Conforme ROIG (1984, p. 64-67), 107 grupos de rancheiros ocuparam as

terras, em 1877. Eles já tinham a experiência da exploração da erva-mate e

coletavam o produto desde 1850 em toda a região do Departamento de

Amambay e ao longo do rio Paraguai. Manoel Antônio Gamarra e Julián

Quevedo tinham seus ranchos localizados em Punta Porá, na fronteira com o

Brasil. ROIG (1984, p. 64) informa: “Don Manuel Antonio Gamarra, héroe de la

guerra contra la Triple Alianza, volvió a solicitar especificando la cantidad de

ranchos, pero ubicándolos siempre em la jurisdicción o pareje de Punta Porá, em

la década de 1870”. ACOSTA (2007, p. 17) acusou o fato da sanção da

constituição paraguaia e, a partir desta, a instituição do novo Estado, “agora

muito mais liberal, sob a presidência de Rivarola”. Procedeu-se, a seguir, à

concessão de terras para famílias capitalistas, com a finalidade de desenvolver

as regiões.

A rota de Pedro Juan Caballero para Concepción estava aberta desde o

século XVI, como trilha de indígenas que se estendia do Paraguai a Santiago de

Xerez (Aquidauana/MS) e Villa Real, povoados fundados no século XVI

destruídos no começo do século XVII pelos bandeirantes brasileiros.

A rota passava pelo município paraguaio e as carretas eram o meio de

transporte utilizado para realizar o transporte da erva-mate e do quebracho, até

o porto de Concepción e, também, para o translado das mercadorias compradas

no porto para a região de fronteira.

De CORRÊA e CORRÊA (2009) extraiu-se um resumo sobre valorização

das “indústrias quebrachales”. Conforme os autores, “A produção de tanino

incorporou o dilema histórico da fronteira que configurou esse caráter periférico

e de complementaridade do contexto econômico da região platina”. Acrescentam

“a presença de capitais estrangeiros em atividades extrativas que se destinaram

a explorar matérias-primas de alta aceitação no mercado mundial, provenientes

dos abundantes recursos naturais da região”. Os autores informaram, ainda, que

Page 42: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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na fronteira dos dois países se desenvolveram a pecuária e a extração de erva

mate, ambas de caráter extensivo, combinando expansão latifundiária com

“super exploração de mão-de-obra”. Surgiu, assim, “a expropriação violenta de

terras e da exploração da força de trabalho, tendências acentuadas em áreas de

fronteira” (CORRÊA e CORRÊA, 2009, p. 57-8).

Uma nova fase de rearranjo fundiário ocorreu na década de 1880, no país

guarani. Empresas monopolistas passaram a dominar a comercialização da

erva-mate e do quebracho e acabaram tomando o espaço dos ervateiros

rancheiros, através de apropriações, compras e concessões de terras.

LAINO (1976, p. 132) isso propiciou “a venda das principais fontes de

riqueza do país: bosques, pastagens, terras agricultáveis, ervais e prédios de

Assunção e do interior”. O plano do governo era “promover e alavancar a

colonização do país, principalmente com o aporte do imigrante europeu” (LAINO,

1976, p. 104), o que favorecia os grandes latifúndios e dificultava os pequenos e

médios proprietários.

“Junto aos capitalistas estrangeiros, anglo-argentinos

principalmente, para os quais os preços das terras eram

quase que irrisórios, a fração oligárquica do governo

aproveitou subalternamente para adquirir propriedades até

então do Estado, enquanto a maioria da população

camponesa era expulsa dos campos de seus ancestrais. O

Estado também utilizou a situação para fazer caixa e pagar

“rendas aos banqueiros de Nova Yorque, Londres e

Amsterdã” (LAINO, 1976, p. 104).

A privatização das terras gerou consórcios pecuário-extrativistas:

“As principais empresas e consórcios criados foram “La

Industrial Paraguaya” (erva-mate e “obrajes”, fundada em

1886) que chegou a adquirir 2.647.727 hectares; a “Cía.

Domingo Barthe” (erva-mate, gado e “obrajes”, fundada na

década de 1880) que adquiriu 1.875.000 hectares; a “Mate

Larangeira” (erva-mate e “obrajes”, fundada na década de

Page 43: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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1880) que adquiriu 800.000 hectares; “Carlos Casado el

Alisal” (tanino, fundada em 1890) com 5.625.000 hectares;

“Liebig’s Extract of Meat and Co.” (Extrato de carne, fundada

em 1898) que adquiriu 562.326 hectares; “Societé La

Foncière” (gado, fundada em 1893) que adquiriu 502.500

hectares; “Sociedade Rural Belgo-Sudamericana” (gado,

fundada em 1896) com 300.000 hectares; e a “The Paraguay

Land & Cattle Company” fundada na década de 1880) com

1.687.500 hectares” (LAINO, 1976, p. 105).

O autor ainda informou que entre 1883 e 1896, “Quatorze milhões de

hectares dos quarenta milhões e meio do território `nacional` passaram nestes

anos à categoria de propriedade privada de oito consórcios europeus, argentinos

e brasileiros” (LAINO, 1976, p. 105). O Quadro 1 demonstra a presença de

empresas oligopolistas no Paraguai.

Quadro 1. Oligopólios no Paraguai, após a Guerra da Tríplice Aliança.

Empresa Transporte Extração Localização

Carlos Casado Ltda Naval Tanino e

quebracho

Chaco paraguaio

Cía. Domingo

Barthe

Naval Erva mate e

gado

Chaco Paraguaio

Campos y

Quebrachales

Naval Quebracho Puerto Sastre

Quebrachales de

Fusionados S. A.

Naval Quebracho Porto Maria e Porto

Tirol, no Chaco e Porto

Max, Concepción.

New York and

Paraguay Company

S. A.

Naval Quebracho

vermelho

Ao norte do Chaco, no

Porto Pinasco.

New York and

Paraguay Company

S. A.

Via férrea e

Naval

Florestal Villeta, próximo a

Assunção

Page 44: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

43

The American

Quebracho

Company S. A.

Naval Tanino Porto Guarani.

River Plate

Quebracho

Company S. A.

Naval Tanino Porto Palma Chica.

Estâncias e

Quebrachos Porto

Galileo.

Naval Classes de

madeiras e

tanino.

Rio Pilcomayo

Industrial Paraguaia

S. A.

Naval Erva-Mate e

Madeira.

Alto Paraná

Fonte: LAINO (1976) e ROIG (1984).

CORTE CABALLERO (2007, p. 158) acentuou que o espanhol Carlos

Casado Del Alisal, saindo de Rosário, Argentina, para o Chaco paraguaio, “se

beneficiou do processo privatizador chaquenho [...] bem antes de que se

concretizasse a definitiva `nacionalización` da região”. A partir de 1886, comprou

lotes no Porto Casado, lotes de terras do governo e quase todo o Chaco

paraguaio (CORTE CABALLERO, 2007, p. 170).

LAINO (1976, p. 6) afirmou que a Industrial Paraguaia S. A. tinha porto de

embarque e também a sede administrativa em Tacurú-Pucú. A Companhia Matte

Larangeira, que explorava a erva-mate com autorização do governo brasileiro na

fronteira com Paraguai, havia iniciada a exploração em território paraguaio e,

conforme LAINO (1976, p. 11), foi o primeiro e o mais extenso latifúndio do

Paraguai. As empresas lutaram pela hegemonia nos portos do rio Paraguai,

definindo a luta intermonopólica, conforme descreveu LÊNIN, (2011, p. 251)

sobre as ações do imperialismo, cujo comportamento foi de "luta contra outro,

um monopólio contra outro, um capital financeiro contra outro”.

Os ervais nativos na região fronteiriça acabaram gerando conflitos entre

comerciantes mato-grossenses e detentores da concessão para explorá-los. A

disputa pelo poder econômico e político entre os dois grupos arregimentou,

também, os gaúchos, que se haviam instalado nas terras da concessão e

Page 45: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

44

queriam a posse da terra. Sobre essa questão, CORRÊA (2014, p. 50) afirmou

que:

"A fronteira sul de Mato Grosso foi sendo ocupada de

maneira desordenada, tendo ainda como referência o

contexto da guerra com o Paraguai. Em primeiro lugar, esta

ocupação foi fortemente atraída pela existência dos ervais

nativos".

A concessão para explorar as imensas matas nativas extraindo as

riquezas naturais do sul do Mato Grosso. Conforme (ALVES, 2005, p. 74-75):

“Numa área arrendada junto ao Estado, que excedia 3

milhões de hectares, reduzida em 1916 para 1,8 milhão de

hectares. A última dessas empresas, em 1923, além da área

arrendada, dispunha de 271.026 hectares nos municípios de

Bela Vista e Ponta Porã, adquiridos por meio de compra”.

Empresas argentinas, uruguaias, brasileiras e norte-americanas estavam,

conforme ALVES (2005, p. 75), “ligadas diretamente ao capital financeiro, que

eliminou a mediação da casa comercial, começou por intensificar o processo de

concentração da propriedade fundiária e da produção em Mato Grosso” e no

interior paraguaio. A Cia Matte Larangeira iniciou suas atividades em

Concepción/PY, bem antes de instalar-se no Brasil. Tinha um entreposto

localizado em Pedro Juan Caballero. A indústria do quebracho instalou-se em

Porto Murtinho, MS. Em 1883, a erva-mate “transformou-se rapidamente no

principal produto de exportação da Província”. Também, a extração da borracha

foi desenvolvida, “isenta de impostos” (ALVES, 2005, p. 87). A indústria de

transformação de carne, localizada em Descalvados, cresceu com a injeção de

capital financeiro na empresa. A usina de cana-de-açúcar Itaici não resistiu à

concorrência e foi adquirida por grupos monopolistas franceses. A produção do

charque em saladeiros mato-grossenses cresceu muito nas primeiras décadas

de 1905 (ALVES, 2005, p. 87-97).

Page 46: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

45

O Negociante Felipe Cogorno: comércio de produtos paraguaios - 1933 a

1940

Consoante o relato da proprietária da Casa China, Maria Teresa Cogorno,

quando a família italiana deixou o Uruguai, em 1930, um dos dois irmãos

permaneceu naquele país. Felipe Cogorno e esposa seguiram em viagem pelo

rio da Prata cruzando a Argentina para chegar ao rio Paraguai e desembarcaram

no porto de Concepción. Compraram uma carreta de segunda mão e seguiram

viagem para Pedro Juan Caballero, onde acabaram se estabelecendo. A

ampliação do mercado comercial possibilitou a abertura de três casas comerciais

de perfis semelhantes, distantes entre si. As lojas vendiam produtos artesanais

e manufaturados.

A economia da fronteira girava em torno do comércio da erva-mate, que

era prática comum entre os comerciantes da fronteira, há décadas, desde as

concessões do governo a ervateiros paraguaios. Após a Guerra da Tríplice

Aliança, o comércio passou para as mãos das empresas estrangeiras

monopolistas.

O historiador Júlio Alvarez, em depoimento, informou que Felipe Cogorno

não negociava com erva-mate, mas se preocupou que suas lojas, em

contrapartida, atendessem aos clientes com produtos de primeira necessidade

e, por isso, buscava contato com as famílias do interior dos dois municípios para

expor suas mercadorias, visitando as fazendas e ranchos da região, levando

produtos como tecidos, sabão, panelas.

Havia estradas de rodagem entre Ponta Porã, Bela Vista e Porto Murtinho,

construídas pela Companhia Mate Larangeira. A conclusão da obra de ligação

da atual capital sul-mato-grossense a Ponta Porã.

Aliada à expansão da rede rodoviária, seguiram as linhas telegráficas. Em

1922, Ponta Porã se uniu a Campo Grande nesse sistema de comunicação.

(QUEIROZ, 1999, p. 32).

Na Figura 2, pode-se observar a variedade de produtos comercializados

pela Casa Nipon, em 1934, em uma loja rudimentar de madeira crua (à esquerda

da Figura 2) e, em 1945, a Casa China, loja ampla e expandida (à direita). A

Casa Nipon oferecia: pó de arroz, perfumes, revendedor exclusivo da marca

Capricho de Rainha, papel de presente, extratos, sabonetes e baixela de

Barcelona, seda, além de outros produtos.

Page 47: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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Figura 2. Casa Nipon em 1934 e Casa China em 1945. Fonte: ROIG (1984, p.

297).

Segundo Medina, dono da Casa Medina, entraves comerciais postos pelo

governo paraguaio, antes de 1940, dificultavam a comercialização de produtos

importados, porque visavam ao protecionismo das indústrias paraguaias.

Felipe Cogorno, ao fixar residência na fronteira, negociou produtos

oriundos da manufatura paraguaia como chapelaria, bebidas, sedas, perfumes

e bijuterias, conforme propaganda registrada nos jornais da época. O Jornal do

Comércio, noticiário brasileiro, no mês de março em 1934, trazia a seguinte

propaganda: “Indo a Ponta Porã, visitem a Casa Nipon. O melhor sortimento em

artigos de alta novidade especialmente em presentes finos”.

O depoimento de Medina confirmou, em sua descrição, a existência, entre

1933 e 1940, do que FRAGINALS (1989) denominou “comércio do período

manufatureiro”, cuja característica é a presença física da mercadoria e do

comprador por ocasião das trocas. Felipe Cogorno valia-se das informações que

conseguia por intermédio do telégrafo, fator igualmente importante no período,

que funcionava desde 1922. O telégrafo era um meio de comunicação rápido e

eficiente, informando aos comerciantes as variações do mercado e suas

oscilações para realizar seus produtos. FRAGINALS (1989, p. 333) apontou a

utilidade do telégrafo para o mundo habitado: “A telegrafia moderna munia os

mercados da Europa entre si, as cidades norte-americanas entre si; mais tarde,

os cabos submarinos ligaram a Inglaterra ao continente europeu (1851), Cuba

aos Estados Unidos (1867) e os Estados Unidos à Europa”.

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47

O período manufatureiro, enquanto uma categoria de análise, revelou-se

tardio na região. Este registro foi importante fazer porque ALVES (2005, p. 53)

assinalou:

“Se a subordinação do comércio de físicos às novas forças

do comércio mundial, geradas e controladas pelos

oligopólios, ocorreu com certa rapidez nas regiões mais

desenvolvidas, segundo formas em regra claras, não

aconteceu o mesmo em regiões onde o capitalismo ainda

não havia atingido tal estágio. Essa consideração é de

fundamental importância ao ser feita a abordagem do caso

mato-grossense”.

Quando Felipe Cogorno abriu suas lojas, em 1933, predominava na

pequena região o comércio de físicos. Conforme descreve ALVES (2003), o

pagamento só se fazia com a entrega do produto, ou seja, a apropriação da

riqueza produzida na região era feita pelo comerciante que ditava as regras de

preço e qualidade do produto. Segundo FRAGINALS (1989, p. 312):

“O comerciante, e especialmente o comerciante dessa

época, foi sempre um homem avesso a qualquer abstração:

seu mundo era o das coisas tangíveis, fisicamente situadas

em um lugar, mensuráveis, objetivamente quantificáveis. Só

se sentia seguro entre mercadorias e, por isso, seu reino foi

o armazém. Um comerciante sem armazém era tão absurdo

como um sacerdote sem igreja”.

Os comerciantes de físicos do final do século XIX e do começo do século

XX, apropriaram-se da produção, ditaram o valor e a qualidade das mercadorias,

negociaram, qualificaram e precificaram o artigo nas trocas.

Naquela época, as compras eram realizadas em Assunção e Concepción

de maneira informal, de modo empírico e, às vezes, nem eram documentadas.

Conforme Medina, a mercadoria era transportada por carretas em caravanas, a

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cavalo ou mesmo pelo rio até Concepción e seguia viagem até Pedro Juan

Caballero, por via terrestre.

Ainda segundo o autor, havia em Paso Mbut um grupo que confeccionava

chapéus produzidos com trabalho manufatureiro fibras de Caranday, árvore

nativa do Paraguai. Como esse produto fazia muito sucesso na fronteira, seu

comércio era farto na região. Os chapéus eram levados pelos artesãos em

cestas colocadas no lombo dos cavalos e, depois de sete dias de viagem pelos

cerros, chegavam a Pedro Juan Caballero. O povoado de Paso Mbut chegava a

produzir 2.000 chapéus, os quais eram rapidamente comercializados. O giro

comercial, realizado pela produção em grande escala e a venda de mercadorias

em rápida rotação possibilitou um aquecimento do comércio da família Cogorno.

A manufatura de chapéus apontou para a valoração do capital. Conforme AUED

(1981, p. 21):

“Transformar capital-dinheiro em elementos naturais de

produção – em meios de produção e força de trabalho, ou

seja, capital produtivo: capital produtivo em capital

mercadoria e este em dinheiro é o círculo que o valor

originariamente adiantado tem de percorrer, a fim de se

constituir em novo capital”.

Com a modernização das indústrias, a empresa de Felipe Cogorno

modernizou-se, evoluiu, intensificou a divisão do trabalho, adquiriu novos

equipamentos e acompanhou o desenvolvimento em curso. A partir de 1940,

diversos produtos como bijuterias e outros, oriundos do artesanato, da

manufatura e da indústria moderna foram adquiridos ou no porto de Concepción

ou em Assunción, além daqueles levados pelos fornecedores diretamente à

fronteira.

Apesar do aquecimento econômico e da vontade de Felipe Cogorno em

expandir os negócios, a região de fronteira ainda sofria com as grandes

distâncias e com estradas mal conservadas, o que dificultava o transporte das

mercadorias estrangeiras para o entreposto de distribuição, localizado no porto

de Concepción/PY. Segundo o historiador Júlio Alvarez, a viagem chegava a

durar dois meses pelos cerros e matas paraguaias em caravanas (Figura 3). As

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49

condições e a época foram completamente diferentes das de Corumbá do final

do século XIX. Ali, os produtos chegavam pelo rio Paraguai e desembarcavam

diretamente nas casas comerciais. O transporte rodoviário do porto a Pedro Juan

Caballero era demorado e difícil.

O banco de Concepción intermediava a compra e a venda dos produtos.

Segundo Maria Teresa Cogorno, somente com a instalação da aduana em Pedro

Juan Caballero, em 1940, o governo permitiu a liberação da importação de

produtos estrangeiros.

O novo período de análise foi o comércio de Cogorno ser unificado numa

loja ampla e moderna, após a abertura da aduana paraguaia à importação.

Figura 3: Caravana paraguaia de mercadorias vindas do porto de Concepción.

Fonte: ROIG (1984, p. 56).

A Casa Comercial de Felipe Cogorno: do Comércio de Físicos para a

Abstração das Trocas no Mercado Internacional

A partir de 1940, a Casa China começou a comercializar produtos,

principalmente oriundos do mercado internacional, ampliando a importação de

mercadorias estrangeiras fornecidas pelos fabricantes de complexos industriais

mundiais. Conforme depoimentos da família Cogorno, ao instalar a aduana, o

governo paraguaio liberou a importação e exportação, dando “maior liberdade e

concorrência ao comércio”.

Page 51: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

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ALVES (2005, p. 51) atribuiu a superação do período manufatureiro à

produção moderna de mercadorias: “As transformações incidiram mais sobre a

qualidade do que sobre a quantidade, cuja mais vigorosa manifestação foi à

implantação da indústria moderna na região”. Acrescentou: “Essa transição

definiu a superação da indústria manufatureira pela moderna, também o

comércio manufatureiro foi superado, nesse momento, por um novo comércio”.

A Casa China representou o novo comércio, adaptando-se à realidade da

época e se atualizando com o mercado mundial, obtido com novas tecnologias

e capital financeiro. A produção moderna marcou o novo período para o comércio

de Felipe Cogorno, porque firmou a base para a distribuição das mercadorias.

Nesse sentido, afirma MARX (2013, p. 388) que: “A ciência real da economia

moderna só começa quando a análise teórica se desloca do processo de

circulação para o de produção”.

A importância desse período foi acentuada pela proprietária, Maria

Teresa, em seu depoimento: “Foi um divisor de águas, pois a partir da entrada

de produtos estrangeiros, através das grandes empresas internacionais, passou-

se para um novo tipo de negociação comercial”. Conforme ela, a importação

obedeceu rigorosamente à autorização e à fiscalização do governo. Foram

comercializados produtos de origem alemã, sueca, inglesa, entre outros, com

marcas reconhecidas como Sollinger, produtora de tesouras de corte de cabelo

e de facas, vasilhas de Vereco, bebidas, perfumes, conservas, entre outros. O

depoimento da proprietária pôs forte acentuação na data oficial da abertura da

aduana.

Ainda segundo informação da proprietária da Casa China, a abertura do

comércio de importação pelo governo paraguaio, impulsionou os negócios, pois

além de trazer novos produtos, gerou também um consumidor que exigiu uma

nova forma de negociar, de comprar e de embalar os produtos importados. Isso

causou mudanças positivas na Casa China e, consequentemente, em seu

comércio. FRAGINALS (1989) referiu-se à passagem do “comércio de físicos”,

no período manufatureiro, para o início da comercialização de produtos

abstratos, padronizados, embalados, com garantia e descrição de seu conteúdo.

Foi o que ocorreu em âmbito mundial ainda no século XIX. Em âmbito regional,

o comércio manufatureiro de Felipe Cogorno em Pedro Juan Caballero foi

substituído no início da década de 1940.

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51

ALVES (2005, p. 52) enuncia, em termos teóricos, o final da negociação

de produtos no período manufatureiro: “As forças oligopolistas passavam a

controlar o mercado mundial e subordinavam às suas ‘leis estranhas’ o comércio

de físicos”.

O capital financeiro possibilitou a criação de novos modelos e padrões

inseridos na cadeia produtiva e os produtores industriais passaram a observar o

tamanho, o peso, coloração, embalagem e qualidade comprovada. Segundo

HOFF (2016, p. 32):

"Seguiu-se o modelo mundial: a mercadoria acondicionada

em embalagens tinha marcas definidas, determinadas por

seu conteúdo, seu peso, sua espécie e seu preço.

Cumpridas essas exigências, o mercado estava apto para a

comercialização mundial dos produtos”.

O novo comércio de Pedro Juan Caballero, na década de 1940, contou

também com melhoria de transporte. A Casa China adquiriu um caminhão para

transportar suas mercadorias, o que se tornou um fator importante para a

distribuição dos produtos nas aldeias e distritos paraguaios e brasileiros.

No final da década de 1940, havia seis casas comerciais formais

estabelecidas em Pedro Juan Caballero: destacaram-se: a Casa China, a Casa

dos Pueblos, a Casa La Trigueña, a Casa La Bohême, a Casa Perpetuo Socorro

e a Casa Medina. O primeiro estabelecimento comercial de Pedro Juan

Caballero havia sido a casa comercial de José Tápias Ortiz, em 1894. Os

estabelecimentos citados eram abastecidos de mercadorias vindas do porto de

Concepción (Depoimento de Medina).

Medina destacou a falta de estrutura básica da municipalidade paraguaia,

nos anos 1940, como energia elétrica, telefone, água encanada e tratada e

calçamento. As casas eram de madeira, de taipa e de chão batido e as casas

comerciais eram construções de madeira e de alvenaria. As edificações, em sua

maioria, apresentavam-se frágeis, bastante rudimentares e sem beleza.

A energia elétrica e prédios foram rapidamente instalados, porque uma

grande parte de produtos embalados exigia estabelecimentos seguros e

conservação, mediante energia elétrica.

Page 53: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

52

Figura 4. Aspecto do layout da Casa China em 1945. Fonte: ROIG (1984, p.

297).

A Figura 4 traz Perlita Canale Cogorno e sua mãe Ana Cogorno, atrás do

balcão de ofertas, com os seguintes produtos listados em categorias:

Maquiagem e perfumaria: pó, batons, sombras, cremes, Paco

Rabane, Chanel, desodorante, creme facial, shampoo,

condicionador, laquê;

Roupas: tecidos e, moletons, casacos e calças de couros, camisas,

calça jeans, chapéus panamá e femininos, lenços de seda;

Utensílios Domésticos: baixelas de vereco, jogos de panelas,

cristais finos, bandejas, porcelanas orientais, louças finas, facas

Sollinger, estatuetas de porcelana, malas de couro, tesouras,

nhandutis e canetas Parker;

Bebidas: licores, vinhos e whisky;

Bijuterias e joias: brincos, pulseiras de prata, bijuterias, prataria,

bomba de prata para tereré.

Muitos desses artigos foram produzidos em indústrias modernas, cuja

comercialização se adequou a um novo período, que ALVES (2003, p. 66)

estabeleceu como posterior ao comércio manufatureiro:

Page 54: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

53

“As máquinas criaram as condições, em primeiro lugar, para

que o processo de transformação das matérias-primas,

mesmo em face da diversidade de fontes, deixasse de incidir

sobre a qualidade da mercadoria produzida. Houve uma

padronização generalizada das mercadorias,

desaparecendo aquela vasta gama de tipos de um mesmo

produto como consequência das limitações imanentes à

produção manufatureira. Essas mesmas condições deram o

respaldo para que começasse a se impor o reino da

abstração sobre o das coisas físicas. A própria natureza da

troca transformou-se substancialmente com o surgimento

das bolsas de produtos – Commodity Exchange – e as

operações baseadas num abstrato mercado futuro”.

A ideia central aqui sustentada é que, inicialmente, o comerciante exercia

o domínio sobre a produção, através da presença física da mercadoria. Com o

desenvolvimento da produção capitalista, isso se inverte. A modernização da

produção, mediada pelo capital financeiro, passou a exercer o domínio sobre o

comércio. O comerciante da fronteira adaptou-se à nova situação e começou a

intensificar a divisão do trabalho interno e a negociar produtos, cuja marca tinha

a imposição do “reino da abstração” sobre as coisas físicas.

A circulação de mercadorias em Pedro Juan Caballero oportunizou a

capitalização do negociante, com produtos de giro rápido. Aumentou o número

de turistas que passaram a visitar a região de fronteira. Houve incremento de

diversos tipos de turismo, como turismo de vendas, de compras, de lazer. Os

produtos ali comercializados seduziam os compradores pela sua qualidade,

conforme depoimentos dos proprietários.

A modernização da Casa China, tanto a visibilidade de aspecto físico,

quanto a quantidade e qualidade das mercadorias à venda, apontou para o que

ALVES (2005, p. 16) denominou a “universalização da sociedade pela ampliação

espacial do mercado”. A produção industrial adequara-se aos ditames do

imperialismo, obrigando a transição do comércio do período manufatureiro para

a comercialização de produtos mundiais.

Page 55: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

54

Felipe Cogorno manteve-se à frente dos negócios até seu falecimento, em

1947. A viúva, Ana Franco de Cogorno, assumiu-os até 1968, data em que o

filho, Rubi José, tomou a si a administração que perdurou até 1979. Com seu

falecimento, sua esposa Maria Teresa Cogorno responsabilizou-se pela

empresa familiar, com auxílio direto de seus três filhos nas tarefas de controle

de mercadorias e atendimento ao público. A formação dos filhos foi prioritária:

os futuros empresários foram preparados com instrução superior.

As trocas entre o comerciante e os entrepostos paraguaios e brasileiros

davam-se, conforme relato de Medina, com pagamento em “cash”, posto que em

formas parceladas. Uma relação de confiança predominava entre fornecedor e

comerciante. Cada nova compra era paga após sua venda, seguida de nova

aquisição5.

Nas décadas de 1940 e 1950 não existiam bancos nos dois municípios.

Relatos de Medina, do membro da Junta Comercial de Pedro Juan Caballero e

de Maria Teresa Cogorno informaram que não existia quem pudesse financiar

as empresas, até 1960, mas, em Concepción, funcionaram serviços bancários

desde 1930.

Na década de 1970, conforme Medina, os comerciantes paraguaios

possuíam contas nos bancos brasileiros, buscavam financiamentos no Banco da

Lavoura e no Banco Financial, localizados em Ponta Porã. O que existia eram

casas de câmbio, que negociavam as moedas utilizadas no comércio da fronteira

como guarani, dólar e os réis (até 1942), quando a moeda brasileira se

transformou em cruzeiro.

Os Bancos na Fronteira Ponta Porã e Pedro Juan Caballero e o Transtorno

da Revolução de 1947

O primeiro banco a atuar em Pedro Juan Caballero foi o Banco Nacional

de Fomento - BMF, em 1942, que tinha a finalidade de custear a produção

pecuária. Os comerciantes e a população não tinham acesso ao serviço do

banco e tinham que recorrer aos bancos brasileiros que os aceitavam como

correntistas. Posteriormente, o banco público do lado paraguaio passou a ser

denominado Banco Del Paraguai. O primeiro banco privado a se instalar ali foi o

5 Depoimento de Maria Teresa Cogorno

Page 56: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

55

Banco Exterior de Espanha, em fevereiro de 1969, que se transformou em Banco

Bilbao de Escádia. Essa instituição aceitava correntistas, como pessoa física ou

jurídica, o que não impediu que muitos paraguaios permanecessem como

correntistas no Brasil.

O Interbanco inaugurou sua agência em Pedro Juan Caballero em 14 de

dezembro de 1981; o Banco Del Paraná S. A., em 1982; e o Bancopar, em 1982.

Segundo Medina, este banco presta serviços de financiamento de exportação e

importação de diferentes produtos agrícolas como café, soja e tartago, entre

outros, além de financiar atividades industriais e comerciais e manter

assessoramento financeiro, transferências internacionais em dólar e em moeda

nacional, guarani, e ordens de pagamentos em qualquer parte do país,

dinamizando assim as transações bancárias comerciais no interior do país.

A instalação de bancos na cidade foi enaltecida pelos depoimentos, pois:

o capital financeiro representa a dinâmica ao comércio local nas transações

comerciais de importação e exportação.

Em março de 1947, segundo o Jornal do Comércio de Campo Grande,

houve uma revolução no Paraguai, promovida pelo partido Colorado contra uma

“aliança comunista” liderada pelo Partido Liberal, líder da coalizão opositora de

partidos políticos, com sede da resistência em Concepción apesar de ser pouco

provável que um partido liberal fizesse uma aliança comunista para realizar uma

revolução. Os vencedores denominaram os vencidos de comunistas, embora

estes fossem apenas pessoas pobres e descalças. Importa, porém analisar as

consequências da Revolución de los Pynandí (pés descalços).

Segundo a proprietária da Casa China, Maria Teresa Cogorno, a

revolução “causou mudanças estruturais na sociedade paraguaia”, porque

muitas famílias abandonaram a região e fugiram para os países vizinhos em

busca de asilo político. Mas, a pior ocorrência foi o saqueio, feito pelos

revolucionários em Pedro Juan Caballero. A família Cogorno fugiu para o lado

brasileiro, abandonando a loja: “Ainda observamos a barbárie praticada pelos

revoltosos, sem nada poder fazer”. Com a vitória do Partido Colorado, em agosto

de 1947, “começou nova perseguição violenta aos opositores”. Muitos deles

homiziaram-se na fronteira, fugindo de Concepción. Os depoimentos

apresentaram poucos detalhes, mas pode-se deduzir a forte presença do Estado

que se fez sentir na sociedade civil na disputa pelo controle dos territórios e o

Page 57: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

56

domínio do capital financeiro a substituir o domínio do capital em geral, conforme

assinalava LÊNIN (1979, p. 45), à sua época.

Os paraguaios refugiados que se fixaram na fronteira acabaram sendo

selecionados para trabalharem em território brasileiro, na construção civil. Foram

absorvidos como força de trabalho “nas construções de escolas, hospitais e

estrada de rodagem”, finaliza a proprietária sobre o destino dos revoltosos

remanescentes. Como já ocorrera depois da Guerra da Tríplice Aliança, também

ao final da Revolução de 1947, “o proletariado de origem paraguaia” (ALVES,

2005) acabou sendo absorvido por essas atividades laborais. Houve um

contínuo processo de absorção de trabalhadores paraguaios, como, por

exemplo, na colheita do café da Cia América de Fomento Econômico, empresa

do Paraguai que iniciou seus trabalhos em 1952 e encerrou suas atividades em

1958. Essa empresa empregou no plantio e na colheita do café mais de 2.000

paraguaios, muitos deles sobreviventes de Concepción, conforme relatos de

Maria Teresa Cogorno e Medina.

Implantação da política de mecanização do campo em Ponta Porã

Conforme relatos de Medina e da proprietária Maria Teresa Cogorno,

houve incentivo financeiro do governo brasileiro à mecanização da agricultura no

Brasil, na compra de maquinário, no plantio e custeio aos agricultores através do

Banco do Brasil, agência de Ponta Porã. Sem se referir a decretos brasileiros,

os depoentes apontaram uma política levada a efeito pelos decretos militares de

1964 a 1966, em que “o poder público foi levado a interferir praticamente em

todos os setores do sistema” (IANNI, 1996, p. 229-230). IANNI cita, tal fato,

sendo também este testificado por, PAIVA e outros ao afirmar que: “No ano de

1965, o governo federal criou o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que

se constituiu numa revolução total do sistema de crédito agrícola no país:

permitiu que toda rede bancária dele viesse a participar” (PAIVA e outros apud

IANNI, 1981, p. 16). Foi nesse momento que se formaram as cooperativas

modernas de produção, comercialização, industrialização e exportação. IANNI

(2005, p. 253) concluiu: “Aos poucos, a indústria instalada no país, em

associação com as multinacionais, cria e recria o mundo agrário”.

A política governamental brasileira e as reformas econômicas do Estado

brasileiro favoreceram o comércio de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero, a

Page 58: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

57

partir da produção mecanizada da agricultura na década de 1970. Tal política

produziu o incentivo na produção de grãos, principalmente a soja que foi muito

importante para o desenvolvimento de Ponta Porã, Amambai, Aral Moreira e toda

a região da fronteira, quando muitos gaúchos vieram para o estado para produzir

e comercializar essa commodity, com destaque para a Fazenda Itamarati, a

maior produtora de soja do município. Isso se refletiu no comércio local da

fronteira. A implantação de lojas de produtos de insumos agrícolas e a instalação

de peças para o maquinário agrícola se multiplicaram em Ponta Porã e geraram

empregos e rendas na região.

A indústria do turismo, da compra, da venda e do lazer pode ser dividida

em “mercado instantâneo, feminino, de férias curtas, lazer de fim de semana, de

turismo de negócios, de solteiros, do ócio ativo e o da terceira idade” (VIEIRA,

2003, p. 102-103). A Casa China estabilizou-se no mercado e a sua gestora

investiu na melhoria contínua de seus produtos e, principalmente, na formação

intelectual de sua família, em especial nos estudos dos filhos para prepará-los a

assumir os negócios e, assim, efetivar a ampliação da escala das forças

produtivas e mobilizar todos os meios econômicos e potencializar a

comercialização.

Ainda, se acentua a construção da estrada Ponta Porã a Campo Grande

(1939) e seu asfaltamento em 1979, além da instalação do porto seco em Ciudad

del Este, como fatores importantes do desenvolvimento comercial em Ponta

Porã e em Pedro Juan Caballero. Outros fatores foram o término da construção

do ramal Indubrasil a Maracaju em 1944, aos arredores de Dourados em 1949 e

a Ponta Porã, em 1952, datas anotadas pelos depoentes que favoreceram o

transporte de mercadorias e o incremento do volume de negociações da Casa

China.

Na Figura 5 destaca-se a boa localização da Casa China na linha de

fronteira, na avenida principal, em uma construção robusta e bem apresentável

aos clientes, além de demostrar a boa aparência e a localização bem

centralizada da Casa China nos anos 80 o que atraia muitos clientes para

adquirir seus produtos.

Page 59: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

58

Figura 5. Casa China 1980. Fonte: ROIG (1984, p. 296).

Conclusão

O artigo construiu um contexto histórico sobre o desenvolvimento da

fronteira, demarcada como municipalidade de Pedro Juan Caballero/PY, e o

município de Ponta Porã/BR, discutiu as concessões feitas pelo Governo

Paraguaio no Departamento de Amambay a colonos paraguaios (rancheros),

desde 1850, e apropriação do Território Paraguaio por monopólios, bem como,

dos campos de ervais no Sul do Mato Grosso, a Indústria do Tanino e a Cia.

Matte Larangeira.

A Casa China iniciou suas atividades em 1933, período do comércio de

físicos e manufaturados, expandiu-se através da ampliação das suas vendas e

a instalação da aduana em Pedro Juan Caballero. Em 1940, o comércio

manufatureiro foi substituído pela comercialização de produtos provenientes das

indústrias internacionais.

A Casa China comercializou os produtos oriundos do artesanato e da

manufatura paraguaia como permitia o governo na época, até a instalação da

aduana em 1940. O comércio foi analisado pela categoria período manufatureiro

A abstração das mercadorias do mercado mundial, a intervenção do

Estado e do capital financeiro na produção e nas transações comerciais e a

abertura da aduana paraguaia determinaram uma nova fase do comércio,

analisada com a categoria da abstração da mercadoria, esta gerada pela

indústria moderna que exigiu, também, um comércio moderno.

Page 60: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

59

A presença do Estado e do capital financeiro determinou a ampliação do

mercado de insumos agrícolas e a extensão de cultivo da soja.

As mudanças na produção e na comercialização favoreceu a expansão

das atividades comerciais da Casa China, atualizando-se em novos rumos

empresariais.

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Page 63: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

62

ANEXO 1

Quadro 2. O quadro 2 foi elaborado a partir de informações coletadas de

pessoas entrevistadas e também de informações de funcionários e ex-

funcionários do Shopping China. Períodos expressivos de desenvolvimento da

Casa China, com os produtos comercializados em períodos da Casa China

Produtos comercializados 1933 –

1940

Produtos comercializados 1941 – 1970

Maquiagem – perfumaria Maquiagem – perfumaria

Polvo – maja/Espanha – creme

feminino

Pó – batons – sombras – cremes

hidratantes Perfumes –Michavel/Argentina -

Sonho Azul/Argentina

Perfume Paco Rabane – Chanel –

desodorante Ther Brut

Batons – esmalte – extratos Creme facial – Shampoo – condicionador

Jabones Laquê

Roupas e tecidos Roupas - tecidos e Canetas Parker

Camisas de seda – seda – calça

de linho inglês – casacos

femininos e masculinos

Moletons – casacos e calças de couros -

Casimira inglesa - Chapéus

Panamá

Camisas – calça jeans - Chapéus Panamá

e femininos

Lenço p/ pescoço – PY Lenços de seda

Utensílios domésticos Utensílios domésticos

Baixelas – jogo de panelas – vaso

de porcelana – Nhandutís – rádio

– cristais

Baixelas de Vereco – jogos de panelas

cristais finos - bandejas – porcelanas

orientais – louças finas - Facas Sollinger

Estatuetas Marchal - Enxovais

p/casa

Estatuetas de porcelana

Malas de couro - Imagem

religiosa

Malas de couro – tesouras

Virela gabinete – Lamparinas Nhandutis

Bebidas Bebidas

Licores – vinhos – Whisky Licores – vinhos – Whisky

Bijuterias e joias Bijuterias e joias

Reina – anéis – correntes –

gargantilhas – brincos – broches

Brincos – pulseiras de prata – bijuterias

Gargantilha – Bijuterias –

balangandãs

Prataria - Bomba de prata para tereré

Page 64: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

63

Artigo II

A expansão do Shopping China e o desenvolvimento sustentável na região

de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, 1990-2015

Marco Aurélio Perroni Pires

Resumo

O objeto deste estudo é o Shopping China: a intensificação das forças

produtivas do estabelecimento e os efeitos sociais e econômicos obtidos em

Pedro Juan Caballero e em Ponta Porã, entre 1990 e 2015. E, especificamente,

analisar o incremento das tecnologias no Shopping China e os efeitos sociais e

econômicos produzidos pelo estabelecimento na região. As fontes primárias

foram anotações feitas nas observações, entrevistas semiestruturadas com

diretores da empresa; jornais, fotografias e documentos fornecidos pela empresa

referida e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan

Caballero. As fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos. A

direção da terceira geração da família Cogorno, a implantação de novas técnicas

de venda, a construção do novo prédio, a consolidação do grupo oligopolista e

os investimentos efetuados em seus empreendimentos colocaram os

fundamentos para a criação do Shopping China.

Palavras-chave: Expansão, Fronteira, comércio.

Shopping China expansion and sustainable development in the regions of

Pedro Juan Caballero and Ponta Porã - 1990 to 2015

Abstract

The object of this study is Shopping China and its impacts on the region of

Pedro Juan Caballero and Ponta Porã between 1990 and 2015. Specific goals

were to analyze the development of Shopping China and its social and

environmental impacts. Primary sources were annotations made in observations,

semi-structured interviews with the company’s director, photographs and

documents provided by the referred enterprise and by the Culture Department of

the Intendance of Pedro Juan Caballero. Secondary sources were collected in

books, magazines and articles. Shopping China transformation and expansion

demanded, too, the implementation of new selling techniques, such as a self-

Page 65: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

64

service system, a new building construction for the display of imported products

held by the store, consolidation of the oligopolistic group and investments in other

enterprises.

Keywords: Expansion, frontier, commerce.

Introdução

Os portos do rio Paraguai foram abertos, após a Guerra da Tríplice

Aliança, liberando o comércio de mercadorias. Em terras guaranis, ao longo do

rio Paraguai, circularam produtos da pecuária, da erva-mate e do tanino

(quebracho), uma produção controlada por dezenas de empresas estrangeiras.

Na região de fronteira, entre Brasil e Paraguai, desde o final do século

XIX, operou-se o comércio da erva-mate, como o principal produto, entre Punta

Porá, atual Pedro Juan Caballero, e o porto de Concepción. Em 1930, o comércio

de secos e molhados tornou-se importante, quando, no lado brasileiro, foram

formados fazendas e sítios por imigrantes gaúchos, paulistas e mineiros que se

estabeleceram, desde o início do século XX, na região.

O italiano Felipe Cogorno6, em 1933, após permanecer algum tempo no

Uruguai, fixou-se com duas casas comerciais, China e Nipon, em Pedro Juan

Caballero e com uma loja em Ponta Porã, de nome Casa Rosa.

Em 1940, o comerciante reuniu os negócios num grande estabelecimento

comercial, de nome Casa China. A concentração de mercadorias numa única

casa comercial, num amplo espaço, possibilitou a intensificação da divisão do

trabalho e a negociação de produtos provenientes da indústria moderna. Os

mecanismos de comercialização de mercadorias sofreram mudanças, seguindo

as transformações operadas nas técnicas de produção das grandes indústrias

mundiais. Os produtos comercializados provinham, em grande parte, do porto de

Concepción, em comitivas de carruagens.

Na década de 1990, a Casa China, tendo a terceira geração da família à

frente dos negócios, transformou-se em Shopping China em 1995, um oligopólio

poderoso que, além de criar filiais em cidades fronteiriças importantes, mantém

outros empreendimentos, entre eles fazendas de gado e postos de gasolina.

6 Felipe Cogorno Canale, italiano, fundador da Casa China em 1933.

Page 66: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

65

O objeto deste estudo é o Shopping China: a utilização de novas forças

produtivas no estabelecimento e os efeitos sociais e econômicos obtidos em

Pedro Juan Caballero e em Ponta Porã, entre 1990 e 2015. O objetivo do estudo

foi analisar o incremento das tecnologias no Shopping China e os efeitos sociais

e econômicos produzidos na região

Material e Métodos

O artigo foi estruturado em três períodos: O Desenvolvimento Econômico

do Shopping China no Primeiro Período 1990 – 1999; A Construção do novo

prédio e a ampliação do negócio 1999-2009; A Consolidação do Shopping China

2010-2015.

As fontes primárias, utilizadas na coleta de dados, foram as anotações

feitas por ocasião da observação empírica, jornais, relatos, depoimentos de

diretores, sites da empresa, fotografias e documentos fornecidos pelos diretores

do Shopping China e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro

Juan Caballero. As fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas e

artigos.

A coleta de dados foi realizada a partir de vários procedimentos: a

observação empírica feita em visitas ao local de atividades da loja, com registro

das observações; entrevistas realizadas com diretores, gerentes, supervisores e

funcionários do Shopping China; e depoimentos colhidos junto aos proprietários

do estabelecimento comercial. Na visita à Associação Comercial do Paraguai

foram colhidos depoimentos do presidente, de um ex-presidente, de diretores e

de três membros da instituição. Também, foram reunidos depoimentos dos

membros do Departamento de Cultura do Departamento de Amambai e relatos

do diretor de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero.

Os dados coletados foram sistematizados, de acordo com as respostas

das entrevistas e com os documentos disponíveis, em temática principal e em

sub-temáticas, seguindo as orientações da Análise Temática de BARDIN (2011):

A temática principal foram as ações decisivas da empresa, com as

seguintes práticas comerciais, entendidas como sub-temáticas.

O primeiro período caracterizou-se pela mudança no comando da

empresa, agora sob a direção dos netos do fundador, formados em curso

superior. As ações decisivas da empresa foram sistematizadas em maior

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66

sofisticação da divisão do trabalho, em modernas técnicas de gestão e a

atualização profissional do funcionalismo; na diminuição do custo na circulação

da mercadoria, por força das transformações ocorridas nos meios de transporte

rodoviário entre Pedro Juan Caballero e o porto seco de Ciudad del Este; na

ampliação do espaço físico da Casa China; na introdução do self-service; e no

presença do capital financeiro, junto ao capital familiar.

Para este período foram utilizados documentos da municipalidade de

Pedro Juan Caballero, da Associação Comercial e também depoimentos e

relatos dos proprietários, além do jornal eletrônico.

No segundo período, as sub-temáticas foram sistematizadas da seguinte

maneira: manutenção do sistema self-service; construção do prédio; e atuação

da municipalidade.

Para o segundo período foram coletados depoimentos e relatos dos

membros da associação comercial paraguaia, dos membros da família,

entrevistas em jornal, revistas e fotos;

O terceiro período caracterizou-se pelo investimento na expansão da

empresa mediante a comercialização de produtos de alta qualidade, que

favoreceram a ampliação de negócios e determinaram novos mercados.

Para o terceiro período a análise foi realizada com os dados seguintes:

relatos e depoimentos dos membros da associação comercial paraguaia,

membros da família, registro das visitas à municipalidade e à biblioteca

municipal, consulta a jornais, revistas e fotografias.

Resultados e Discussão

Segundo o depoimento de Mariano Godoy7, a partir de 1990, novos rumos

se deram na administração da Casa China, caracterizaram-se pela formação

profissional dos netos da família Cogorno8 a assumir o empreendimento; pela

intensificação da divisão do trabalho; pelo capital financeiro que se colocou à

disposição da família; pela redução do tempo da circulação da mercadoria, por

meio de um transporte eficiente, e pela confiança no crescimento dos recursos

financeiros investidos na empresa. Em síntese, afirma-se que a família Cogorno

utilizou novas forças produtivas nas suas atividades comerciais.

7 Mariano Godoy, empresário e corretor concedeu depoimento sobre a história da nova geração Casa China, 2016. 8 Família Cogorno, terceira geração (netos) de Felipe Cogorno Canale.

Page 68: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

67

A terceira geração do grupo familiar assumiu o comando da Casa China,

renovando as práticas comerciais através de novas estratégias de mercado,

aprendidas na formação profissional. Felipe Cogorno9 formou-se em

Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo;

Gustavo Cogorno10 diplomou-se pela Universidade Federal de Administração

Rural em Viçosa/MG e José Carlos Cogorno11 formou-se em Direito pela

Universidade Nacional em Assunção/PY. A Casa China começou a desenvolver

uma nova etapa em seu trabalho comercial, quando os novos, profissionais

assumiram os negócios. Conjuntamente, eles “passaram a trabalhar na empresa

comercial e nos demais empreendimentos da família e a tomar parte nas

decisões administrativas junto com a mãe”12.

O esquema obedece ao que Felipe Cogorno explicitou em entrevista ao

jornal eletrônico “La Nación”, (julho de 2017) por vários fatores: pela ampliação

do espaço físico, pela modernização da gestão, pela redução do tempo da

circulação da mercadoria com transporte eficiente, pelo aumento dos recursos

financeiros investidos na empresa, pela importação de produtos e pela aplicação

de uma nova metodologia de trabalho.

O Desenvolvimento Econômico do Shopping China no Primeiro Período

1990 – 1999

Quando se afirma que a ciência da economia moderna se desloca da

distribuição para a produção, significa que a investigação inicia na criação do

valor econômico, produzido pela força de trabalho. Os irmãos Cogorno, em seus

depoimentos, não se referiram à teoria do valor, mas conheciam a sua parte

prática na acumulação do capital comercial e que a circulação de mercadorias

modernas somente é possível porque o produto foi fabricado em indústrias

modernas. Entenderam que as forças produtivas desenvolvidas na indústria,

também devem ser básicas no comércio, citando como exemplo o self-service,

uma força produtiva importante para facilitar o contato do cliente com a

mercadoria e incrementar o lucro.

9 Felipe Cogorno, primeiro Neto de Felipe Cogorno Canale, e Diretor Presidente do Grupo Shopping China. 10 Gustavo Cogorno, segundo Neto de Felipe Cogorno Canale. 11 José Carlos Cogorno, terceiro Neto de Felipe Cogorno Canale. 12 Maria Tereza Alvarez Samaniego de Cogorno, Nora de Felipe Cogorno Canale; mãe de Felipe, Gustavo e José Carlo. Concedeu depoimento 2017/1.

Page 69: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

68

Segundo o empresário Godoy, em decorrência do aumento do fluxo do

capital e da empregabilidade estabelecida, “o desenvolvimento da Casa China

foi inevitável”. As novas filiais instituídas nas cidades turísticas do Paraguai foram

consideradas o segundo impacto causado pela Casa China. Os proprietários do

estabelecimento seguiram as leis econômicas da sociedade capitalista,

conforme afirmação de AUED (1981, p. 21):

“As leis econômicas do capitalismo impõem ao capital

individual comportamento incessante (constante) de

apropriar-se da maior parte do valor excedente gerado na

sociedade. Esta apropriação, na forma dinheiro, só se torna

possível depois que as mercadorias são realizadas, isto é,

quando o valor capital abandona a forma mercadoria e

adquire a forma do equivalente universal: o dinheiro”.

Godoy informou a ampliação e a expansão do capital investido nas filiais

de Salto del Guayrá e em Ciudad del Este. O relato do presidente da Associação

Comercial paraguaia Alejandro Aranha13, confirma o fluxo estabelecido pelas leis

econômicas da sociedade capitalista “com as instalações ampliadas de 300m²

para 6.500m² e a casa comercial cadastrada como importadora especial passou,

também, a importar diretamente dos fornecedores asiáticos”. A abertura da filial

em Ciudad del Este, no ano de 1995, além da expansão comercial, teve o

objetivo de mais explicitamente, receber os produtos importados, vindos pelo

porto de Paranaguá, transportados em território brasileiro.

Pelo depoimento de Aranha, o movimento da Casa China aumentou

devido ao Plano Collor e, posteriormente, ao Plano Real. Foi uma consequência

do sistema self-service, foi uma nova força produtiva também a criação de novas

filiais. O aumento da clientela foi uma consequência do investimento de capital

financeiro, esta sim, uma força produtiva válida e eficiente.

A consequência foram vendas de volumes grandes de mercadorias. Os

proprietários passaram, então, a ventilar a necessidade de ampliar mais uma vez

o espaço físico, agora para oferecer de modo mais amplo e adequado aos

13 Alejandro Aranha, empresário e Presidente da Associação Comercial de Pedro Juan Caballero/PY. Concedeu depoimento em junho de 2017.

Page 70: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

69

produtos importados das grandes marcas internacionais e, sobretudo, uma

melhor acomodação para exposição dessas mercadorias. E repetiam dar mais

conforto, espaço e comodidade ao público.

O capitalista, para vender, aumenta a jornada de trabalho no interior de

sua loja. Conforme AUED (1981, p. 22), através da exploração da força de

trabalho “é que os capitalistas poderão acumular e produzir seus capitais numa

escala ampliada”. A Casa China aumentou suas vendas e o seu movimento,

contratando dois mil trabalhadores, conforme informações colhidas na

Associação Comercial de Pedro Juan Caballero.

Segundo Felipe Cogorno (neto), “a implantação da nova dinâmica,

estabelecida pelo Shopping China, impactou os comerciantes de Pedro Juan

Caballero, que perceberam as mudanças consistentes e efetivas”. Como

consequência, alguns se aventuraram copiando suas ideias e algumas

empresas procuraram estabelecer novos procedimentos organizacionais,

repetindo o que foi realizado pela casa comercial. Contudo, “nem todos

conseguiram estabelecer os métodos organizacionais capazes de efetuar as

mudanças necessárias e também muitos sucumbiram nessa tentativa”.

A reordenação do trabalho efetivou-se com técnicas de marketing mais

agressivo, a qualificação da força de trabalho no sistema self-service, o uso de

uniforme por parte dos funcionários da empresa, a organização do layout, a

padronização de setores e com uniformização de procedimentos. O conjunto de

medidas reduziu custos, padronizou as estratégias organizacionais e foi avaliado

pelos proprietários como “impactos”. Evitou-se aqui o termo, substituindo-o por

desenvolvimento das forças produtivas na comercialização que corresponde

mais à questão do crescimento da Casa China.

O essencial a investigar, porém, não se satisfaz com as formas aparentes,

que são importantes, mas, não levam em consideração a conexão interna dos

fenômenos. É preciso considerar que, na trajetória histórica da Casa China, o

domínio do capital financeiro substituiu o capital familiar e o capital, em geral, o

que possibilitou a formação de um oligopólio. Paralela a essa nova situação

econômica do estabelecimento, a livre concorrência foi substituída pelo

monopólio. Em termos teóricos, no capitalismo concorrencial exportavam-se

mercadorias; nos monopólios, exportam-se capitais (LÊNIN, 1979, p. 60). Os

monopólios introduziram seus métodos em toda a parte, porque controlaram as

Page 71: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

70

fontes de matérias-primas nas indústrias, a fabricação de produtos acabados e

a circulação das mercadorias.

Os monopólios distribuíram os produtos segundo um plano único entre

dezenas de milhões de consumidores num comércio mundial, subordinado à

indústria moderna. Elaboraram um discurso e sempre destacaram o que é a

forma aparente: velar por uma constante harmonia entre a produção e o

consumo, porque o resultado prático é o lucro comercial. Conheceram a teoria

do valor-trabalho de Smith e Ricardo: o trabalho despendido na produção das

mercadorias constitui a medida do valor da troca e expressa os preços em

dinheiro. Dessa forma, entender a produção da mercadoria é captar o

funcionamento da produção capitalista. Tem-se que o essencial a investigar

deve revelar que o valor é formado pelo trabalho social e o valor de troca, a razão

da comercialização, constitui a forma de manifestação do valor. Tal explicação

teórica vai além da forma aparente de ver e negociar produtos acabados, que se

apresentam prontos nas prateleiras, ocultando sua produção. Por isso, a ciência

moderna deve partir não do produto acabado nas vitrines, mas da produção com

o dispêndio da força de trabalho.

O capital acumulado e a produção de riquezas provêm da inteligência dos

proprietários e das novas tecnologias instaladas para obter maior venda e

maiores lucros. Provém, principalmente, do capital financeiro investido nos

negócios e na apropriação do valor criado pela força de trabalho do

estabelecimento.

Funcionários da empresa, em entrevista, relataram, também, a ampliação

da loja: a modernização do estabelecimento e o aumento do capital, que

proporcionou sua expansão em 1995 (Figura 1).

Figura 1. Fotos da Casa China em 1994 (à esquerda) e, do Shopping China (à

direita) com 6.500m² de área. Fonte: JORNAL LA NACIÓN (2017).

Page 72: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

71

O crescimento das vendas transformou a Casa China em acumulador e

reprodutor de seu capital em larga escala, o que fez com que o capital financeiro

lhe abrisse as portas, através dos bancos, oferecendo-lhes financiamento e

investimentos. O crescimento físico exigiu a melhora no layout da loja e a

intensificação da divisão do trabalho foi fundamental para o seu sucesso. Os

vendedores, responsáveis pelas gôndolas, colocavam o seu número individual,

por meio de uma pequena tarjeta nos produtos, para melhor controlar a venda

de cada um, isso porque eles recebiam o equivalente ao salário comercial do

Paraguai mais a comissão, conforme relato de ex-funcionários: “Recebemos um

salário comercial e mais a comissão, que varia de produto a produto, no

percentual de 0,01% a 0,40%”.

O aumento do fluxo de turistas e os produtos ofertados muitas vezes

requeriam mais tempo do funcionário, o que acarretava aumento da jornada de

trabalho, compensado pela comissão. Os funcionários não se referiram, e nem

tinham condições para a ela aludir, à mais-valia gerada e ampliada pela jornada

extensiva do trabalho.

Segundo relato de ex-funcionários e também de membros da Associação

Comercial paraguaia, não só os consumidores, mas também os concorrentes

perceberam os detalhes do atendimento ao cliente, considerado “diferenciado”.

A expansão do capital social levou ao aumento do número de funcionários que,

de cinco, em 1990, passou para 230 empregados em 1995 e de 2 mil na

atualidade.

O incremento da atividade econômica e, consequentemente do lucro,

resultou na instalação dos demais negócios da família: a aquisição de prédios e

estabelecimentos, postos de gasolina e fazendas. Isso só foi possível com

disponibilidade de capital financeiro.

O membro da Junta Comercial Paraguaya, Alejo Mendieta14, no início da

década de 1990, em Pedro Juan Caballero, existiam muitas casas comerciais

em atividade, destacando-se duas por se utilizarem de novas técnicas de

mercado agressivos e diferenciados: “A Casa dos Pueblos e o Stúdio Center

introduziram novas e modernas técnicas mercadológicas de trabalho com o

controle de entrada e saída de mercadorias, atendimento diferenciado aos

14 Alejo Mendieta, empresário, jornalista e membro da Junta Comercial Paraguaya. Concedeu depoimento em 2017/1.

Page 73: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

72

clientes e padronizações de procedimentos”. O depoimento continua: “As duas

casas comerciais não utilizavam o sistema self-service”. A Casa dos Pueblos

encerrou suas atividades, no início de 2.000, e o Studio Center é uma casa

comercial de médio porte.

A utilização do self-sevice foi indicada pela família Cogorno como causa

primeira do desenvolvimento da empresa. O mesmo pensamento marcou o

depoimento do representante da Junta Comercial. Este estudo considerou a

inovação como uma ferramenta de efeito propulsor, exigida pela modernização

da indústria e subordinada ao capital financeiro, investido na empresa. Há que

se reconhecer a nova força produtiva introduzida no estabelecimento com o

sistema self-service. Entretanto, os determinantes principais do desenvolvimento

do Shopping China foram o capital e sua preponderância como oligopólio. Na

concorrência inter-monopolista é o capital financeiro que desempenha o papel

principal. Continuando seu depoimento, Mendieta informou:

“Com o aumento do capital, vieram as primeiras aquisições

patrimoniais, o aumento do espaço físico para a realização

das vendas, o diferencial organizacional e suas

consequências, maior credibilidade e confiança por parte

dos proprietários e o aumento do lucro objeto do capitalismo

o que levou os proprietários a se aproximarem do capital

financeiro para futuros investimentos”.

A frota de 40 veículos facilitou o transporte rápido entre Pedro Juan

Caballero e os postos de abastecimentos paraguaios e brasileiros. Facilitou o

trabalho do comerciante que não necessitou mais estar presente fisicamente por

ocasião das trocas, bastando-lhe recorrer ao telefone para adquirir volumes de

mercadorias padronizadas. Felipe Cogorno, o neto do fundador, em entrevista

ao jornal eletrônico “La Nación”, (julho de 2017) apontou o valor do transporte

próprio, afirmando que “deu rapidez e agilidade na comercialização, impulsionou

os negócios e aprimorou o atendimento da Casa China”. Não dependia mais de

intermediários para buscar os produtos nos portos e, assim, pôde reduzir os

preços dos artigos, aumentar as vendas, enfrentar com sucesso a concorrência

e converter o capital-mercadoria em dinheiro, seguindo os tratados de economia

Page 74: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

73

aprendidos nos cursos superiores: “O capitalista que conseguir reduzir o valor

de sua mercadoria será aquele que mais facilmente transmutará o capital-

mercadoria em dinheiro” (AUED, 1981, p. 22).

A modernização possibilitou o oferecimento de 70.000 mil produtos em

1996 e ensejou a mudança da Casa China em Shopping China, realizada em

1999, graças à concentração do capital. O estabelecimento comercial, dessa

forma, seguiu a tendência, que concentra a produção e o capital, enquanto

característica marcante do capitalismo.

Em entrevista, o proprietário afirmou, ademais que os irmãos, integrados

nos negócios, perceberam a necessidade de implantar mudanças no comércio.

Revelou um motivo que os levou a inovar: percebendo o momento de irritação

de um funcionário com um cliente que queria pegar na mão um produto para

avaliá-lo, ação não permitida no estabelecimento. A vontade do comprador foi “o

insight para implantar o sistema self-service”. O depoente considerou o incidente

como fator de mudança de comportamento administrativo, pois lhe surgiu a

clareza de que o cliente queria ver de perto a mercadoria exposta nas prateleiras

e compará-la com mercadorias semelhantes. Apesar de o produto estar

padronizado, o cliente mantém a tendência do comerciante de físicos: quis

verificar a qualidade da mercadoria e não acreditou cegamente no produto que

apresentou-se padronizado e aprovado pelas instituições pertinentes. A

introdução do self-service foi considerada pela família Cogorno “um impacto

causado pela empresa”. A abstração das trocas, a que a família comerciante

estava acostumada a praticar, não serve para o cliente.

O self-service foi uma força produtiva nova introduzida por Felipe e seus

irmãos, uma ação comercial que liberou a mercadoria, produzida pelas indústrias

e lavouras modernas, alimentadas pelo capital financeiro e por tecnologias

avançadas e que, ipso facto, o comércio, institucionalmente ligado à produção,

também deveria apresentar-se com técnicas atualizadas. Pela formação e

experiência, aprenderam os irmãos comerciantes que produto bom para

comercializar é o efetuado pela produção moderna, que impõe qualidade e se

apresenta como dominante na circulação e no consumo. A seu modo, captaram

que o comércio estava subordinado à produção, que o valor da mercadoria é

criado na produção e se concretiza no consumo.

Page 75: UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS …

74

A Construção do novo prédio e a ampliação do negócio (1999-2009)

Também, Godoy atribui a instalação do Shopping China, num novo local,

à expansão dos negócios da empresa e às estratégias da comercialização de

mercadorias de alta rotatividade, com tecnologia moderna. O depoente atribuiu

às novas estratégias nas trocas a responsabilidade da construção de um amplo

prédio. Na realidade, a capacidade de acumular capital, transmudando o capital-

mercadoria em dinheiro, proporcionou a construção de nova casa comercial. A

teoria, segundo AUED (1981, p. 22), é a de que: “o capitalista que conseguir

reduzir o valor da sua mercadoria será aquele que mais facilmente transmutará

o capital-mercadoria em dinheiro”. Além do capital familiar, o decisivo foi o capital

financeiro investido no estabelecimento.

Godoy e Mendieta, também, reiteraram o entendimento, ao afirmar que,

no final da década de 1990, o Banco BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria

Paraguay S.A.) ofereceu um crédito em dólares que instigou o grupo a construir

o novo prédio. Felipe Cogorno manifestou-se ser possuidor de alguns terrenos,

fruto de investimento que sua mãe fizera anteriormente, com a finalidade de

concretizar o projeto.

Inicialmente, o grupo pensou em construir próximo ao estabelecimento

principal, na rua lateral ao prédio, na Laguna Punta Porá, em uma área de 6.500

m². Entretanto, depois de consultar um especialista em marketing, perceberam

não ser ali o melhor local. Procuraram outro terreno da família na entrada da

cidade, com sete hectares. Porém, a propriedade localizava-se num banhado, o

que não impediu, de ser o escolhido, pois ali, em quarenta minutos, passava o

mesmo número de automóveis que no terreno próximo da lagoa. Conforme o

engenheiro Luiz Cogorno15, era preciso ajustar o terreno com aterramento e

drenagem do local, para o início das obras. Isso foi providenciado e as obras

tiveram início em fevereiro de 2004.

Segundo Felipe Cogorno, a princípio, pretendia-se construir um depósito,

contudo a ideia prosperou para a construção de um grande prédio para

exposição dos produtos e também uma praça de alimentação. Dois anos mais

tarde, iniciou-se a primeira ampliação do empreendimento.

15 Luiz Cogorno, Engenheiro Civil, sobrinho de Maria Tereza Cogorno. Depoimento sobre o aterramento do terreno onde se construiu o Shopping China.

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75

Figura 2. Mostra a construção e o prédio concluído do Shopping China em 2005.

Fonte: SHOPPING CHINA (2017).

Conforme os proprietários, o comércio começou a se expandir a partir da

Rua Carlos Domingues, esquina com Bernardino Caballero sentido Shopping

China. Os comerciantes paraguaios investiram ali, inicialmente, no comércio de

pneumáticos, inaugurando um novo ponto comercial em Pedro Juan Caballero.

Mendieta e Godoy, em depoimento, referiram-se à construção do novo prédio,

atribuindo-lhe a valorização da área, com a instalação de empresas e

condomínios residenciais.

Em 2005, segundo Alejandro Aranha, o novo intendente da

Municipalidade implantou a cobrança de dois impostos que não eram cobrados

anteriormente: a Patente Comercial e o Imposto Imobiliário, criados a partir da

reformulação tributária em Pedro Juan Caballero, com aumento de suas

alíquotas. Nessa época, já havia a cobrança do IVA Imposto Nacional de

Importação com alíquota de 10% e o Imposto de Renda Pessoa física e jurídica,

ambos com 5% de alíquota.

Godoy relatou que, em 2009, foram feitos investimentos para ampliar a

loja de Salto del Guayrá e começou, também, a construção do prédio ao lado do

Shopping China para o funcionamento do Hipermercado Max II16 e do posto de

16 Hipermercado Max I e II, os quatro postos Petrobrás de Pedro Juan, o Atacado Fortis e o Shopping Outlet, também fazem parte do Grupo Shopping China.

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76

combustível Petrotruck. A família Cogorno construiu, por fim, o prédio do Atacado

Fortis e mais um posto Petrobrás no mesmo espaço.

Ocorreu, contudo, um impasse ambiental com a construção do prédio do

Shopping China, pelo aterramento e consequente elevação do terreno, que se

encontrava em região alagadiça, a fim de posicioná-lo no nível da rua.

É importante ressaltar que, na municipalidade de Pedro Juan Caballero,

não existia lei ambiental que impossibilitasse a construção do prédio. Bastava

apenas a autorização da municipalidade. Contudo, o que não foi previsto é que,

na época das chuvas, estas águas, despejadas na área construída do Shopping

China, escorreriam para os locais mais baixos, não aterrados, onde se

encontram os residenciais, causando transtornos aos moradores da região. A

problemática ficou a cargo da municipalidade, que ainda está procurando sanar

o problema.

De acordo com relato de membros da Associação de Comércio do

Paraguai, com a transferência do Shopping para a entrada da cidade, houve um

melhoramento no trânsito do centro comercial de Pedro Juan Caballero, que

estava muito congestionado. Estimaram uma redução de 60% no fluxo de

veículos. Entretanto, isso não causou perdas ao comércio central de Pedro Juan

Caballero, nas palavras do empresário e jornalista Mendieta.

A municipalidade havia instituído o Imposto Imobiliário e a Patente

Comercial que mantiveram suas alíquotas. O IVA, imposto nacional, não sofreu

nenhuma alteração em sua alíquota. Isso dificultou os negócios, pois os impostos

incidiram sobre o valor final da mercadoria, conforme depoimento de ex-

funcionários.

As leis econômicas da sociedade capitalista impuseram aos irmãos

proprietários um comportamento incessante de apropriar-se da maior parte do

valor gerado. Os produtos importados do porto seco de Ciudad del Leste, já

pagos com o equivalente em dinheiro aos fornecedores, foram revendidos em

Pedro Juan Caballero, depois de haver diminuído os custos do transporte

mediante a subtração do tempo de circulação da mercadoria. No entanto, os

impostos continuavam a ser recolhidos, aumentando os custos, evidentemente

necessários e não questionados.

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77

A Consolidação do Shopping China (2010-2015)

O terceiro período se caracterizou pelo investimento na expansão da

empresa mediante produtos novos, de alta qualidade, que favoreceram a

ampliação de negócios, buscando outros nichos de mercado para suprir as

necessidades de compras dos clientes do Shopping China.

Conforme relatos de Godoy e Mendieta, em 2011, iniciaram-se as obras

de construção do Planet Outlet, com 16.000 m² e no ano de 2015 começaram a

planejar e projetar a nova loja em Ciudad del Este, dentro do Shopping Paris.

Conforme relato de Alejo Mendieta, o Shopping China negociava seus

produtos junto aos mercados norte-americano, europeu, latino-americano,

australiano, japonês, desde 2.000, quando os empresários começaram também

a comprar dos países asiáticos.

A evolução do crescimento comprovado com o número de habitantes

(Tabela 1), segundo a Associação Comercial paraguaia a população de Pedro

Juan Caballero é de 135.455 habitantes e o número de turistas que visitam o

Shopping China chega aos 4.000. Número de colaboradores do grupo é de

3.500, e o aumento das casas comerciais chega a 3.520 estabelecimentos, o

que denota a evolução e o desenvolvimento do município paraguaio.

Tabela 1. Crescimento populacional de Pedro Juan Caballero, a expansão e

ampliação do Shopping China o aumento de trabalhadores e no comércio

Pedrojuanino

Shopping

China

Nº de

Habitantes

de Pedro

Juan

Caballero

Nº de Casas

Comerciais em

Pedro Juan

Caballero

Nº de

Trabalhadores

do Shopping

China

Nº de

Turistas

no

Shopping

China

1990/1999 83.000 1.930 230 2.230

2000/2009 91.350 3.030 1.500 3.800

2010/2015 135.455 3.520 3.500 4.000

Fonte: Associação Comercial paraguaia, junho de 2017.

À medida que o grupo se consolidava, aumentavam-se as exigências dos

fornecedores que impuseram maiores cotas de mercadorias a serem

comercializadas. Em décadas seguintes, as mercadorias foram adquiridas

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78

também em entrepostos do Brasil. Atualmente, o Shopping China tem quatro

lojas, Pedro Juan Caballero, Salto del Guayrá no Paraguai, Chuy no Uruguai e

Puerto Aguirre Bolívia, localizadas estrategicamente com a fronteira do Brasil.

Em construção está uma quinta loja em Ciudad del Leste. Com exceção de Chuy,

localizam-se as demais no Paraguai, a poucos quilômetros do território brasileiro;

a loja de Chuy, Uruguai, também está voltada aos consumidores brasileiros.

Texto de Lênin, o intelectual que estudou minuciosamente o movimento do

capital financeiro e das empresas monopolistas.

O capitalista necessita transformar a mercadoria em dinheiro, contudo a

concorrência o faz reduzir o seu preço, diminuir a força de trabalho, aumentar a

produtividade. O capitalista que consegue realizar estas ações é aquele que

mais facilmente transforma sua mercadoria em dinheiro AUED (1981, p. 22).

O comerciante, geralmente, utiliza o trabalho dos funcionários e o

aumento de artigos de venda, a afim de vencer a concorrência com outros

comerciantes. AUED (1981, p. 21-22) expõe a oposição entre comerciantes:

“Esta busca os colocará frente a frente como litigantes, pois,

se um deles necessita transformar o valor excedente em

capital, o outro também necessita percorrer o mesmo

caminho, transformando-os em oponentes na esfera do

mercado”.

Conforme a teoria econômica clássica, a concorrência normalmente se

vence com o aumento da jornada de trabalho ou com introdução de novas forças

produtivas. Entretanto, no caso do Shopping China, a concorrência normal foi

superada com a instalação do oligopólio. Conforme LÊNIN (1979, p. 38), “A

substituição do velho capitalismo, onde reinava a livre concorrência, por um

novo, onde reina o monopólio”.

Segundo relato de Aranha, o aumento do patrimônio do grupo

efetivamente puxou o crescimento da cidade, “causando impacto ocupacional de

novas e velhas empresas para a região do Shopping China, a partir da Rua

Carlos Domingues esquina com Bernardino Caballero”. O comércio de

pneumáticos é um bom exemplo, além dos serviços de postos de gasolina,

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79

hospitais, condomínios, hotéis, oficinas, empresas de transporte, autopeças,

comércio, restaurantes e outras empresas diversas.

A região do Shopping China chama a atenção pelo movimento de turistas,

principalmente nos fins de semana e feriados (Figura 3).

Figura 3. O movimento dos turistas e o crescimento da região do Shopping

China. Fonte: SHOPPING CHINA (2017).

Apesar do movimento acentuado de clientes do Shopping China, em

2014, a crise econômica mundial se acentuou e atingiu o comércio na região de

fronteira quando U$ 1,00 o dólar chegou a alcançar o valor de R$ 4,00, fato que

esvaziou o Shopping China e o comércio de Pedro Juan Caballero. Nessa fase,

segundo o Presidente da Associação Comercial de Pedro Juan Caballero,

Alejandro Aranha, o comércio teve uma baixa de mais de sessenta casas

comerciais. O número de dispensados, segundo o pessoal do R. H. do Shopping

China, chegou a 600 (seiscentos) funcionários.

Neste mesmo período, o intendente já no seu terceiro mandato,

reformulou os valores das alíquotas dos dois impostos: Imobiliário e Patente

Comercial. Segundo dados da Municipalidade Paraguaia, os impostos Imobiliário

e Patente Comercial, implantados em 2005, têm cobranças especificas,

explicadas a seguir.

O Imposto Imobiliário, sobre o valor fiscal da terra e da área construída,

divide-se em três zonas: zona preferencial (área nobre) com asfalto,

empedramento e terra; zona Urbana com asfalto, empedramento e terra e zona

Suburbana com asfalto, empedramento e terra. A municipalidade cobra um

percentual sobre o valor do terreno, a área construída, mais 1% sobre a

valoração fiscal. A área construída é dividida por 10 categorias e por antiguidade.

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80

Para se realizar o cálculo do imposto devido soma-se uma das categorias

avaliadas, somadas à antiguidade do prédio, mais 1%:

Imposto Imobiliário = C+A+1%.

A Patente Comercial é regida pela lei 135/91/Nac/PY que determina as

alíquotas de acordo com o tamanho do empreendimento comercial (pequeno,

médio e grande), assim calculada:

Patente Comercial = Vlr. Ativo+Tam.+0,01%+0,75

Os valores dos impostos cobrados em Pedro Juan Caballero incidiram,

diretamente, no valor das mercadorias comercializadas na fronteira, que

encareceu o produto final comercializado na região.

Segundo relatos de Aranha e Mendieta, em 2015 o intendente municipal

iniciou negociação junto ao Banco Mundial para solucionar o impacto ambiental,

causado pela construção do prédio do Shopping China, para escoamento das

águas da chuva que assolam os condomínios e empresas da região. Somente

em 2016 saiu o financiamento do Banco Mundial no valor de U$ 3.000.000,00

para solucionar o problema.

O relato de Maria Tereza Cogorno sinaliza: “Outro impacto foram as ações

sociais do grupo”. O Shopping China realizou a manutenção do prédio da creche

do Paraguai e, na opinião da proprietária, apostou no desenvolvimento do país,

promovendo educação básica das crianças, e contribuindo com a nutrição delas,

por meio da distribuição de alimentos às escolas públicas de Pedro Juan

Caballero, cujas doações atendem a aproximadamente três mil crianças de baixo

nível econômico.

Prestou auxílio aos asilos do Brasil e do Paraguai e, além disso, o

Shopping China tem um projeto chamado Operación Sonrisa para crianças com

lábio leporino, as quais são encaminhadas para Assunção, com a mãe, onde

recebem toda a assistência de hospedagem, translado alimentação e o que for

necessário para o tratamento.

O Shopping China dispõe de um consultório médico planejado para

colaboradores e clientes de primeiros socorros e em 2015, o Shopping China

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adquiriu um contêiner com cadeiras de roda para atender às pessoas

necessitadas tanto de Pedro Juan Caballero como de Ponta Porã.

Conclusão

As considerações finais do artigo referem-se à reconstrução científica do

processo histórico do desenvolvimento do Shopping China.

Felipe Cogorno, o fundador das casas comerciais, controlou a empresa,

administrando-a até sua morte. Da mesma forma, com sua morte, a família

assumiu todas as responsabilidades. Maria Teresa Cogorno, nora do fundador,

ao assumir a Casa China, providenciou a formação acadêmica dos filhos que,

no retorno dos estudos, inovaram a comercialização da loja, numa decisão de

gerência compartilhada e globalizada dos negócios. Com robusto capital teórico

adquirido, transformaram a loja em Shopping China.

Observou-se que, em seus depoimentos, os novos administradores não

se conceberam como burgueses que conquistaram uma renda capitalizada

mediante trabalho árduo, vida frugal de poupança e trabalho próprio, como sói

acontecer com pessoas de êxito. O trabalho próprio da família, enquanto única

forma de enriquecimento, havia ficado para trás. Reconheceram as qualidades

da poupança e do trabalho próprio dos antepassados como necessárias,

atribuindo o comércio sólido e consistente, que herdaram, ao trabalho próprio da

família, com o acréscimo de que, em décadas seguidas, o desenvolvimento deu-

se, também, com o trabalho de funcionários, técnicos e especialistas.

Os administradores, da terceira geração familiar, não vincularam a

conquista da renda capitalizada a um capital inicial ou a uma grande experiência

comercial de seus avós, ainda em terras italianas; sintetizaram apenas:

“Compraram uma carreta de segunda mão em Concepción para iniciar o

trabalho”.

Com a experiência adquirida nas práticas comerciais da família, somada

à formação acadêmica, os irmãos reconheceram que o trabalho próprio foi

decisivo nos primeiros tempos, porque foi necessário trabalhar e poupar.

Entretanto, no decorrer das décadas de comercialização, a força de trabalho

alheia, aliada ao capital financeiro, para eles, justificou e legitimou a conquista

dos bens materiais. O discurso dos depoentes proprietários, entretanto, dirigiu-

se a comprovar o êxito comercial com a introdução de novas tecnologias, citando

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o self-service, as inovações administrativas e a aplicação do capital financeiro.

Acentuou a contratação de 2 mil funcionários atualmente, com a observação de

que o trabalhador necessita do emprego para sobreviver e de que esta foi e é a

contribuição da empresa para o aumento de emprego em ambos os países. É

um discurso, absolutamente, correto.

O pesquisador deve, porém, passar das formas aparentes no discurso

para conceber a força de trabalho como fonte da riqueza e como condição do

capital, na sua reprodução incessante. A ideia definida neste artigo foi a força do

trabalho, alçada à categoria principal de análise, uma categoria tão decisiva para

a compreensão quanto o capital investido e o aumento das forças produtivas,

como o self-service e as inovações tecnológicas.

A transformação da Casa China em Shopping China e seu êxito comercial,

conforme o economista se deveu, também, à força de trabalho despendido nas

atividades comerciais, porque o trabalho que cria o capital não é o trabalho

próprio, mas o trabalho apropriado ou trabalho alheio, no linguajar dos clássicos

da economia. É assim que funcionam as leis da sociedade capitalista. E foi assim

que entendemos a reconstrução científica do processo histórico do Shopping

China.

Referências Bibliográficas

AUED, I. Ensaio sobre a Lei geral da Acumulação Capitalista em Marx. Revista

Unimar, Maringá, v. 3, [s. n.], p. 21-24, 1981.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011. 280p.

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em: <http://www.shoppingchina.com.py/#>. Acesso em 15 ago. 2017.

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7. Conclusão Geral

A análise das três casas comerciais, a partir de 1933, que

comercializavam produtos de origem do comércio de físicos, paraguaio, e depois

de 1940 passaram também a comercializar produtos industrializados pode-se

constatar a modificação na forma de negociar e transportar embalar bem como

a comunicação e os transportes que se transformaram transmutando a forma de

negociar da sociedade.

A partir de 1990, quando a terceira geração começa a participar das

decisões da casa comercial, foram programadas mudanças estruturais que

modificaram e transformaram a pequena casa comercial em um oligopólio

comercial.

O sistema self-service, implementou o modus operandi de comercializar

as mercadorias de alta rotatividade e colaborou para a acumulação de capital

que foi reinvestido em novos negócios, ampliando as margens de lucratividade

do Shopping China e permitiu a sua expansão, através de novos postos de

trabalho, abertos em de novas filiais.

A construção de seu prédio consequência da força produtiva, causou um

transtorno ambiental, que persiste desde sua inauguração, entretanto essa

alteração causada pelo grupo oligopólico, torna-se irrelevante diante do papel

socioeconômico da empresa como promotora de empregos e do

desenvolvimento na fronteira, incrementando incentivando o intendente

municipal a colaborar na solução dessa problemática por meio de um projeto

junto ao banco mundial, aprovado em 2016 uma vez que esses prejuízos, em

um contexto geral, diluem-se, pela análise demonstrada ao impactar mais

benefícios e rendas a municipalidade, fazendo-a sobressair-se no cenário

comercial em diferentes países.

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Anexo 2.

Quadro 3. Demostra uma pequena parte das marcas comercializadas pelo

Shopping China, junto aos seus clientes

Marca Diesel

Tommy Hilfiger

Dudalina

Anatomic & Co

Osmo +

Sigma

Lápidus sporp

Dakley

Felip Krein

Individual

Lacost

Under Sportstyle

Ferracini

United Colors of Benetton

Barracuda Canny on Locador

Wrangler

Kildare

Adidas

Puma

Nike

Cat

Givenchy

Paco Rabanne

Hollister

Carolina Herrera

Carter´s

Capodart

Asic Gel

Gucci

Armani

Proskate

Ralph Lauren Bienners

Bvgari

Police

Dumond

Rafitthy

Polo Ralph Lauren

Dorfman Pacific

Michael Kors

Fonte: Shopping China (2017).

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Anexo 3. Autorização para realização da pesquisa no Shopping China.