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UNISAL RITA DE CÁSSIA TOFFANELLI PRATES Olhares, impressões e interpretações dos docentes sobre os saberes dos estudantes em Matemática MESTRADO EM EDUCAÇÃO Americana 2014

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UNISAL

RITA DE CÁSSIA TOFFANELLI PRATES

Olhares, impressões e interpretações dos docentes sobre

os saberes dos estudantes em Matemática

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Americana

2014

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UNISAL

RITA DE CÁSSIA TOFFANELLI PRATES

Olhares, impressões e interpretações dos docentes sobre

os saberes dos estudantes em Matemática

Dissertação apresentada ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes.

Americana

2014

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Catalogação:

Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319

UNISAL: Unidade de Ensino de Americana

Prates, Rita de Cássia Toffanelli

P925o

Olhares, impressões e interpretações dos docentes sobre os saberes dos

estudantes em Matemática. Rita de Cássia Toffanelli Prates. Americana: UNISAL,

2014.

170 fls.

Dissertação de mestrado. Centro Universitário Salesiano de Americana.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes.

Inclui bibliografia.

1. Trajetória da Matemática. 2. Saberes escolares 3. Formação de

professores. I. Fernandes, Renata Sieiro. II. Centro Universitário Salesiano de

Americana. III. Título.

CDD 371.1

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Banca Examinadora

_______________________________________________

Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes

UNISAL

_______________________________________________

Prof. Dr. Luís Antonio Groppo

UNIFAL

________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Carlos Miranda

UNISAL

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Dedico este trabalho àqueles a quem dedico também a minha vida:

meus filhos Lucas Henrique Prates, Bruno Roberto Prates e Allan Victor Prates e ao meu

querido Paulo Roberto Ferreira Prates.

Amo vocês.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço

A DEUS por ter me feito sentir sua presença em todos os momentos desta caminhada.

Aos meus queridos, Ettore Toffanelli e Ida Freddi Magossi Toffanelli, meus pais. Vocês me

ensinaram a ousar, confiar e desafiar... Eternamente meu amor.

Ao Prof. Dr.Luís Antonio Groppo e a Profa Dra. Renata Sieiro Fernandes pela competência,

compreensão e amizade. Vocês foram fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa. Todas as lutas,

conquistas e sucessos se tornam possíveis, graças a sabedoria e ao apoio dos grandes mestres para iluminar e

conduzir.

Ao Prof. Dr. Miranda, pelas sugestões e análises significativas. A confiança em mim depositada

jamais será esquecida.

Ao meu irmão e sua esposa, Rui e Marisa Toffanelli e aos meus lindos sobrinhos, Fabiano Henrique,

Viviane Cristina e Victor Augusto. Vocês fazem parte da minha história, da minha vida.

Ao João Antonio Gambaro, pela bondade imprescindível em todas as horas. Pelas conversas sobre os

filósofos, pela natureza do ser, mas fundamentalmente pelo ombro amigo em todas as horas.

Ao Marcio Bortoletto Fessel, pelo incentivo, paciência e por ser tão especial, mas principalmente

por ser nosso amigo.

A Daniela Peixoto Rosa por estar sempre presente em todos os momentos.

A Sueli Aparecida Gobbo Araujo por toda ajuda, compreensão e amizade nesses dias.

Ao James Rogado pelo grande incentivo nessa etapa e por ter sempre uma palavra de conforto.

A Rosana Túbero pela correção dessa pesquisa.

A todos meus amigos, da Diretoria de Ensino de Piracicaba.

A todos os professores de Matemática da Diretoria de Ensino de Piracicaba que participaram

espontaneamente deste trabalho. Por causa deles é que esta dissertação se concretizou. Vocês merecem meu

eterno agradecimento.

Agradeço à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo pela concessão da bolsa durante todo o

período de realização deste mestrado.

Com todos vocês divido a alegria desta experiência.

Muito obrigada.

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RESUMO

Esta pesquisa de cunho qualitativo e quantitativo, cujo tema é a dificuldade que os

professores de Matemática encontram para ensinar aos alunos do Ensino

Fundamental – Anos Finais – tem como objetivo investigar, junto aos os professores

que participaram do Curso Melhor Gestão Melhor Ensino (MGME), quais saberes os

estudantes precisam ter ou saber para aprender a Matemática. No âmbito da

pesquisa foi utilizada a pesquisa bibliográfica que permitiu caminhar na linha do

tempo explorando a Matemática em diversas épocas, de Homero, passando por

Pitágoras, Platão, Aristóteles, os ideais de Descartes, Euclides e Alcuíno de York.

Foram evidenciados os antecedentes do Movimento da Matemática Moderna, as

ações internacionais e do grupo Bourbaki bem como foi feita a análise de

documentos oficiais, principalmente os da Secretaria da Educação do Estado de São

Paulo, as Propostas Curriculares e o Currículo. Para tanto, foi realizado um estudo

de caso e a investigação assumiu um aspecto interpretativo da disciplina de

Matemática dentro do cotidiano escolar. Para ter dimensão dos saberes, foram

entrevistados 200 professores do Ensino Fundamental – Anos Finais – que

participaram do Curso MGME realizado na Diretoria de Ensino Região de

Piracicaba. Sem pretensão de esse estudo ser considerado decisivo no âmbito da

disciplina ou da metodologia dos educadores - pois refletir é de natureza subjetiva –

foi seguida a postura e procedimentos inspirados na Fenomenologia. Nesta

pesquisa, foram obtidas 717 respostas que foram separadas em 4 categorias. A

primeira categoria foi denominada saberes curriculares, ou seja, o que importava

aos professores era o aluno saber os conteúdos específicos da disciplina. A

segunda categoria foi denominada saberes atitudinais, pois as posturas e

comportamentos foram decisivos dentro dessa categoria. A terceira categoria foi

denominada saberes cognitivos, pois a necessidade de modalidades estruturais da

inteligência, para alguns professores, tornava-se significante na prática pedagógica.

E, na última categoria, denominada saberes motivacionais, foram incluídas as

respostas que abordavam a necessidade de uma mudança educacional, desde a

estrutura do espaço escolar até legislações que amparam o profissional em serviço.

As considerações relevantes a que se chega, por meio das respostas dos docentes,

podem ser descritas como: compreender o contexto de outros sujeitos no espaço

escolar e preparação contínua dos professores.

Palavras-chave: Trajetória da Matemática. Saberes escolares. Formação dos

professores.

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Abstract

The main purpose of this paper is focusing on quality and quantity the difficulty

the Mathematics’ teachers have to face to teach students in the final year of a

secondary school, and it also has the goal of figure out with the teachers who take

part of Course Melhor Gestão, Melhor Ensino (MGME), and also to have some

information about what the students need to learn in Mathematics subject.

Concerning to the research it was used a bibliography which allows us to walk in the

timeline, exploring Mathematics in different time from Homero, Pitágoras, Platão,

Aristóteles, including Descartes ideas, Euclides and Alcuíno de York. We were able

to highlight the antecedent about “Movimento da Matemática Moderna”, the

international actions and Bourbaki group, as well as it was done the analyses in

officials documents, mainly the ones which are in the Education System and the

Curricular Plan in São Paulo state. Therefore, was carried out a study and all the

researches end up to be an interpretative about Mathematics discipline inside the

school daily. To be aware the dimensions of knowledge, 200 teachers who teach in

primary school were interviewed – what we consider Last Year (Anos Finais) - these

teachers took part to the course given by MGME at Diretoria de Ensino da Região de

Piracicaba. Without attempting to this study to be considered decisive in disciplines

or being a methodology to educators – since reflecting is subjective nature – it

followed by the attitude and inspired in Phenomenology. In this research it was

obtained 717 answers which were shared in four categories. The first category was

named by skill in knowledge, in other words, what does matter to the teachers were

the students understand the specific contents about the discipline. The second

category was named posture in know, because the posture and behavior were

crucial in this category. The third category was named cognitive know, because the

need of structural modality of intelligence, for some teachers became significant

within normal teaching practice. And the last category named by known by

motivation, were included the answers that approach the need the change

educational, since the structure of the school space to the legislations which gives

support to the professional in developing their tasks. The significant regard to that

was found, by means of answers which were given by the teachers staff can be

classified by: embrace the context of subjects in the school space and the keeping on

in the preparation to the teachers.

Key words: Course Mathematics. School knowledge. Teachers training

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Situação-problema de Matemática ........................................................................... 35

Figura 2: Situação-problema de Matemática ........................................................................... 35

Figura 3: Situação-problema de Matemática ........................................................................... 36

Figura 4: Problema matemático ............................................................................................... 45

Figura 5: Exemplo de Atividade ............................................................................................... 74

Figura 6: Atividades da 1ª série da disciplina de Matemática - anos 60 ................................. 75

Figura 7: Trecho do prefácio da 2ª edição de publicação do GEEM ...................................... 80

Figura 8: Novas tendências para o ensino da Matemática ..................................................... 81

Figura 9: Distribuição de conteúdos da 8ª série (Proposta Curricular do 1º grau,

1988) ........................................................................................................................ 89

Figura 10: Blocos temáticos da Matemática .......................................................................... 105

Figura 11: Pirâmide da aprendizagem: diferentes graus de retenção de informação .......... 137

Figura 12: Forma de resolução .............................................................................................. 138

Figura 13: Forma de resolução .............................................................................................. 138

Figura 14: Relação entre a autonomia e o sucesso na escola ............................................. 139

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Método romano de efetuar a operação multiplicação ........................................... 39

Quadro 2: Método romano de efetuar a operação multiplicação ........................................... 40

Quadro 3: Distribuição dos conteúdos da 8ª série - recorte .................................................... 89

Quadro 4: Matrizes de referências ......................................................................................... 101

Quadro 5: Organização do Caderno do Professor. ............................................................... 103

Quadro 6: Classificação e Descrição dos Níveis de Proficiência do SARESP .................... 124

Quadro 7: Postulados de Svinicki sobre a confusão existente acerca do ensino ................ 146

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição de Alunos nos níveis de proficiência em Matemática – 9º ano

Ensino Fundamental – SARESP 2013 .................................................................. 124

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Lista de abreviaturas e siglas

AAP Avaliação da Aprendizagem em Processo

AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem

CEEJA Centro Educacional de Educação de Jovens e Adultos

CGEB Coordenadoria da Gestão da Educação Básica

CIEM Commission Internationale de L'enseignement Mathématique

EF Ensino Fundamental

EFAF Ensino Fundamental Anos Finais

EFAI Ensino Fundamental Anos Iniciais

EFAP Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São

Paulo

EM Ensino Médio

FIC Frères de L’ I’instruction Cherétienne

GEEM Grupo de Estudos de Educação Matemática

IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura

ICMI International Comission on Mathematical Instruction

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDESP Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

IMUK Interncionale Mathematische Unterrichts Kommission

MEC Ministério da Educação e Cultura

MGME Melhor Gestão Melhor Ensino

MMM Movimento da Matemática Moderna

NCTM National Council of Teachers of Mathematics

OECE Organização Européia de Cooperação Econômica

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

SEESP Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13

O QUE MOVE O PENSAMENTO? A REALIDADE? ............................................................. 13

1 OS PRIMÓRDIOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA. ......................................................... 21

1.1 Os gregos: as primeiras discussões .......................................................................... 21

1.2 Os elementos: a geometria no espaço euclidiano .................................................... 32

1.3 O abade Alcuíno de York e seus problemas investigativos ...................................... 34

1.4 E a Matemática, homens medievais, romanos e egípcios? ...................................... 37

2 MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS QUE INFLUENCIARAM O ENSINO DA

MATEMÁTICA. .................................................................................................................... 41

2.1 Descartes: o fidalgo francês e seu método cartesiano ............................................. 41

2.2 Jean-Jacques Rousseau: o Copérnico da pedagogia e suas verdades ................... 46

2.3 Os Congressos e Bourbaki: as inovações na Matemática ........................................ 48

2.4 Progresso técnico e o Movimento da Matemática Moderna. .................................... 60

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DA MATEMÁTICA NO BRASIL ....................... 62

3.1 O Movimento e a sua singular marca: a linearidade ................................................. 62

3.2 As reformas ................................................................................................................ 63

3.3 As ideias chegam ao Brasil: os primeiros Congressos ............................................. 70

3.4 O GEEM: elemento presente no Movimento da Matemática Moderna .................... 79

4 MARCAS, REFERÊNCIAS E REFORMAS PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA ......... 84

4.1 Os documentos que embalaram o Movimento: o quê, por que e como

estudar? ...................................................................................................................... 84

4.2 Proposta curricular para o ensino da Matemática ..................................................... 86

4.3 O Currículo do Estado de São Paulo – mas antes, a Proposta Curricular

de Matemática. ........................................................................................................... 99

4.4 Jornal do Aluno – o pontapé inicial .......................................................................... 101

4.5 A Organização dos conteúdos disciplinares de Matemática ................................... 105

5 METODOLOGIA DA PESQUISA E ANÁLISE DE DADOS............................................. 110

5.1 Desenvolvimento da Pesquisa ................................................................................. 110

5.2 O contexto, os resultados dos alunos na disciplina de Matemática na

avaliação externa SARESP e o índice IDESP. ....................................................... 112

5.3 Avaliação da Aprendizagem em Processo – um indicador a mais ......................... 114

5.4 O Curso Melhor Gestão, Melhor Ensino – o início dos discursos. .......................... 114

5.5 A Fenomenologia e a Pesquisa ............................................................................... 118

5.6 Narrativas dos Professores – reconstruções didáticas e concepções

pedagógicas ............................................................................................................. 121

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 156

ANEXO - Notícia sobre Matemática contemporânea .................................................... 168

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INTRODUÇÃO

O que move o pensamento? A realidade?

Todo ser humano tem o direito de ser colocado, durante a

sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível

chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos

indispensáveis à adaptação, que são operações da lógica.

Jean Piaget

O que move o pensamento? Seria uma realidade controvertida, discutível e

repleta de significados? Sustentada por este questionamento, foco a pensar que

cada segundo que passa é significativo para me deixar ansiosa de algo que

acontece ou não acontece, de algo que está para ser feito ou para não ser feito. São

dúvidas, incertezas, questionamentos, decepções, como também surpresas e

admirações.

Pelos caminhos que percorro, procuro sempre me atentar aos pequenos

detalhes que surgem aos meus olhos, mas ainda não consigo estabelecer uma

configuração primorosa, ou pelo menos nebulosa, do que posso ou não posso me

adentrar. No entanto, enxergo dia a dia esse movimento de permanecer, estar,

escutar, sentir e sonhar. Vislumbro, além da realidade, um cenário de mudanças

permanentes e efetivas, mas, principalmente, factíveis. E é aí, nesse turbilhão, que

me encontro procurando me estabelecer sem arranhões nessa constante incerteza

de acertar.

O que fazer? Qual caminho percorrer? O que olhar? O que contemplar? O

que pensar? São indagações sem respostas satisfatórias, embora exista a infinita

esperança de que, num momento próprio, encontrarei o que procuro, sem atropelos,

da forma mais espontânea e serena.

Por enquanto, estou dentro de uma realidade babélica, abarcada pelo

sentimento de querer que algo se estabeleça, mesmo tendo consciência de que é

uma miragem e permaneço estável dentro desse universo, ora como aluno que quer

estabelecer o significado do que é ensinado, compreender o que é dito e relacioná-lo

com as várias realidades e, ora como mestre que quer ser entendido, ser ouvido e

cujos discursos necessitam ser raciocinados.

Estamos todos juntos nessa Torre de Babel, mundos habitados e os

habitantes refletindo, analisando, pensando e falando a matemática. Todos se

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esforçando por traduzir os resultados extraídos dentro de uma disciplina com

“identidade própria, um léxico limitado, uma ausência de toda ambiguidade

semântica e uma sintaxe simples” (FAYOL, 1996, p. 43).

Pensar, existir, viver, fluir, sentir, ter, permanecer, imaginar e criar são

anseios de um mover com perfeita harmonia para uma configuração

esplendorosamente bela nesse universo tão argumentador e tão misterioso. Como

explicar que uma frase possa ser entendida apenas por aqueles que dominam a

língua, enquanto que uma operação, por mais simples ou mais complexa, possa ser

entendida universalmente? Não no sentido de que resolvem a equação, o teorema

ou o sistema, mas sim que, ao lerem o que está sendo pedido, ou seja, os símbolos

matemáticos, estes se tornam íntimos para o leitor, seja qual for o país que habitem.

Por que, então, tantos desencontros? Por que aprendizes e mestres não

falam a mesma língua? Qual a razão de habitarem a torre? E até quando?

Entraremos no terceiro milênio imbuídos por esse veneno que dissipa a imaginação

e o encanto da matemática?

Nessa torre, moramos todos e nos encontramos, professores e alunos, em

nossas janelas, em nossas vidraças, com intenções e dotados de um juízo

preventivo ao castigo. Cada um tem a intenção de arranhar os céus, de perfurar o

mais inatingível pico, de mostrar-se soberbo diante do território divino. Fica evidente

esse mote quando percebemos a ordem e a desordem gerada pelos dois elementos

constitutivos da torre, o mestre e seu discípulo.

A missão do mestre é “preparar novas gerações para o mundo em que terão

que viver” (SANTALÓ, 1996, p. 11). Sendo assim, é possível compreender que o

ensino deve proporcionar o necessário para que todos se munam de competências

e habilidades para o desempenho com eficiência, na sociedade em que vivem e

atuam.

Nessa realidade, totalmente imperfeita, é passível de residir o paradoxo de

Ícaro.

[...] os alunos se afastam dos ensinamentos do professor para acreditar mais no mundo simplificado da ciência-ficção que encontram nas historinhas das revistas ou nos filmes do cinema e da televisão, com o qual, ao querer atuar na sociedade, se espatifarão assim como Ícaro ao ver derretidas pelo sol suas asas de cera, por falta de base firme de um conhecimento organizado, que precisamente é o que a escola deve proporcionar-lhes (SANTALÓ, 1996, p. 12).

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Isto expressa a finalidade do educador. Ao atribuir conhecimento do mundo

exterior e, principalmente, de sua evolução, é presumível perceber se seus

ensinamentos serão reconhecidos e inegociáveis para operarem no mundo externo

da escola. A matemática, portanto, “[...] é como um edifício em construção, sempre

necessitando de modificações e adaptações” (SANTALÓ, 1996, p. 19). É provável, a

partir dessa óptica, compreender diferentes abordagens, produções e configurações

sobre a linguagem matemática?

Por que toda essa mudança, modificação, mutação e variação dentro de um

universo belo, encantador, admirável, fascinante, motivador, mas essencialmente

vivo? O que falar, pensar e idealizar de um mundo próprio que por muitos séculos

ficou resguardado aos mais intelectuais? Será que esse universo irreal ou surreal é

a própria torre de Babel? Ou será que essa realidade caótica, em desordem, é o

próprio prisma triangular, com seis vértices, nove arestas, cinco faces e duas bases,

disfarçado de um caleidoscópio? As duas imagens são representações que trazem

lembranças de inversões de uma realidade que interpretamos como imutável.

Se adotarmos como reais as manifestações e impressões de que a educação

varia com o tempo, não é homogênea em determinado momento, veremos que sua

heterogeneidade está associada a raízes objetivas e subjetivas, ou seja, a situações

e também interesses, necessidades e convicções de diferentes grupos e pessoas.

Nessa realidade fragmentada, despedaçada e rasgada, instauram-se várias

linguagens, vários conceitos e intentos, não no sentido pervertido de permanecer,

mas no significado de variações que o próprio tempo determinou.

Os desvios, os descaminhos desta linguagem tão imprescindível aos

conhecimentos da vida moderna não é a mesma que os alunos percebem e

visualizam na realidade. Muitos não possuem o poder de relacionar o que é

ensinado e o que aprendem. É uma matemática colocada e pousada dentro de um

prisma, com seu interior definido e ausente da presença de diferentes elementos.

Cada imagem retrata um instante, porém, não temos uma relação com a

sociedade em que vivemos. Precisamos de vida! Precisamos de atitudes,

criatividade, criação e imaginação. Essa matemática colocada dentro de um prisma

retrata o não entendimento de conceitos, variáveis, acepções e impressões vividas

no século XXI.

Como transformar esses amantes, a Matemática e a linguagem sem

ambiguidades, sem imperfeições? Será que os mestres nesse decorrer do tempo se

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alojaram por tempos indeterminado na torre de Babel, uma torre constituída de

muros altos, ensinamentos repetitivos, procedimentos mecânicos e sem significado

ao aluno, desprezando os conhecimentos que trazem de suas casas, tudo em nome

de um currículo a seguir? Será que ainda obedecem a traços de abstração,

precisão, rigor lógico, caráter irrefutável de suas conclusões? Uma torre em que não

há entendimento, nem atendimento? E os resultados que temos em todo país é uma

janela que está aberta dentro dessa torre querendo se aparecer, mostrar e se despir

sem pudor de desvendar que não está havendo concordâncias entre habitantes e

mundos habitados?

Anunciado em 2009, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o

documento oficial do Currículo de Matemática, prioriza em seu bojo a competência

leitora e escritora, pois entende que a “linguagem é constitutiva do ser humano”

(SÃO PAULO, 2010, p. 14). Podemos entender que as instituições e órgãos

reconhecem a importância de estudos que privilegiem a ponte obstruída, ou seja,

oportunizar meios e condições do ser humano se comunicar? Nesse tocante poderia

nutrir o equilíbrio entre pensamento e linguagem, facilitando o movimento que existe

e exige esse binômio. Será então o fim do fracasso em Matemática?

Kline (1976) remete a um contexto cultivado, no qual o homem é tomado da

ciência e consciência do desastre planetário, da explosão demográfica e tantos

outros fatores universais iminentes. Posto que tudo esteja se modificando, são

imprescindíveis novas impressões, novos paradigmas e, como consequência, novos

desafios à educação, principalmente à enigmática Matemática.

Na compreensão de Kline1 (1976):

Ensinar matemática como uma disciplina à parte é uma perversão, uma corrupção e uma distorção do verdadeiro conhecimento. Cada matéria representa uma aproximação do conhecimento e qualquer mescla ou superposição que seja conveniente e pedagogicamente útil é desejável e deve ser bem vinda (KLINE, 1976 apud PIRES, 2000, p. 35).

Evidentemente, romper com modelos pré-estabelecidos é assumir o caos, o

desastre, a desordem e a confusão, ou seja, adotar e desenvolver métodos,

conceitos e saberes significa interpretar a falência de um sistema conjugado de

ideias fixadas e implantadas, sem possibilidades de criar formas e maneiras de

1 Kline, Morris. El fracaso de la matemática moderna. Ed. Siglo XXI. México, 1976.

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quebrar os padrões enclausurados e encarcerados. Essa certeza de esgotamento é

passível de mudanças.

Tudo muda hoje: as ciências, seus métodos e suas invenções, a forma de transformar as coisas, as técnicas, portanto, o trabalho, sua organização e as relações sociais que ele supõe ou destrói; a família e as escolas, [...] Onde habitaremos nós? Com quem viveremos? Como ganharemos nossa vida? Para onde emigrar? Que saber, que aprender, que ensinar, que fazer? Como então se comportar? (SERRES 1994, apud PIRES, 2000, p. 141).

Serres (1994) defende a questão de que reduzir a distância entre o que é

passado pelo professor e o que é compreendido pelo aluno, entre a abstração e a

compreensão é superar obstáculos e para isso aponta a necessidade de um ensino

sem fronteiras, sem interrupções, sem limites e limitações.

As portas se abrem, janelas se comunicam, o olhar penetra pelos ambientes

interiores, a ciência abstrata e oculta se torna transparente, os tijolos se firmam e os

caminhos são ligados. Os fractais foram recompostos?

Ramos (2009, p. 7-9) afirma com premência que gostamos daquilo que

compreendemos. Será que as crianças, em sua maioria, gostam da Matemática? A

autora relata que é possível fazer com que as crianças se sintam capazes,

inteligentes e autoras do seu saber. Todos se compreenderam, educadores e

alunos? Temos um cenário de calmaria, de estabilidade e tranquilidade ou fomos

mais uma vez surpreendidos pelo turbilhão que avassala a constante realidade?

Ramos (2010, p. 11), lendo sobre Paulo Freire, comenta que na compreensão

de Freire (1994), educador e educandos são sujeitos de construção do

conhecimento. Ambos são autores, ambos ensinam o que conhecem e aprendem

sobre o universo de conhecimentos e vivências do outro, tentando construir, juntos,

uma sociedade justa, democrática e igualitária. Lorenzato (2008, p. 21) também

afirma que “o professor necessita ser, antes de qualquer coisa, um observador

atento e um interventor oportuno”.

Há consenso em torno desta ideia, conforme Brousseau (1996, p. 49):

O trabalho do professor consiste então, em propor ao aluno uma situação de aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma pergunta, e os faça funcionar ou os modifique como reposta às exigências do meio e não a um desejo do professor. Há uma grande diferença entre adaptar-se a um problema formulado pelo meio e adaptar-se ao desejo do professor. A significação do conhecimento é completamente diferente. Uma

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situação de aprendizagem é uma situação onde o que se faz tem um caráter de necessidade em relação a obrigações que não são arbitrárias nem didáticas. No entanto, toda situação didática contém algo de intenção e desejo do professor.

Freire (1994) traduz bem este momento quando menciona que o professor, ao

mediar as relações de ensino, deve ter um olhar e uma escuta contínua e dialógica,

o que possibilitará que o aluno se reconheça, também, como participante do

ambiente escolar de forma acolhedora e instigante para novas aprendizagens.

Será utopia pensarmos que as crianças precisam de mais tempo para que

suas descobertas e aprendizagens sejam agradáveis, significativas e divertidas? E

os professores estudarem para respeitar esses limites estabelecidos? Esse cenário

pode e almeja ser construído dentro de uma realidade, a qual o reflexo dessa

imagem é o sinal de uma gênese e crítica de um conceito instituído como educação.

Segundo Descartes (1596-1650), filósofo de grande importância na história do

pensamento, a essência do homem é pensar. Por isso dizia: Sou uma coisa que

pensa, isto é, que duvida, que afirma, que ignora muitas, que ama, que odeia, que

quer e não quer, que também imagina e que sente. Logo, quem pensa é consciente

de sua existência, penso, logo existo.

Pensem, professores! Pensemos juntos, pois estamos diante de um

fenômeno complexo que é a construção de conhecimentos no interior de um sistema

educativo e não simplesmente acolhermos que os professores de Matemática “são

como guardas de museus que mostram objetos empoeirados pelos quais a maior

parte das pessoas não tem interesse” (CHARLOT, 1984 apud PIRES, 2000, p. 9).

Pensar é verbo, verbo é ação e ação é mudança de um estado qualquer para

outro. Pensar é movimento, energia, atividade. É sonhar!

O sonho nos leva a qualquer tempo e espaço, aprisiona-nos com nossos

medos, anseios, aflições, mas nos liberta e conforta. Sentimos aromas em nossos

sonhos e telas jamais retratadas pelos mais famosos pintores, significados ocultos e

outros tantos revelados. Nesse mundo de fascínios, de encantos e belezas,

encontro-me e permaneço dentro de uma figura mitológica, que ora se configura

num sonho que busca a unidade, ora se circunscreve numa realidade de desordem,

de múltiplos significados e significações. Essa figura é o meu mundo, a minha

realidade, a minha torre de Babel.

Na configuração de uma ideia pré-estabelecida, ou seja, de que a Matemática

rompe a cadeia da aprendizagem em algum momento da vida escolar dos alunos,

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esta pesquisa sobre os saberes da disciplina de Matemática, dos professores e

alunos do ensino fundamental dos anos finais, tem a intenção de investigar quais

caminhos a Matemática passou e quais foram e são os saberes que os educandos

precisaram e precisam para aprenderem a Matemática. Na intenção dessa

visibilidade, a pretensão é dar vez e voz aos partícipes do processo, ou melhor,

docentes legitimando seus discursos.

Assim, a dissertação está dividida em cinco capítulos.

Todos os capítulos têm o anseio de expor, em diferentes tempos, os saberes

matemáticos para a formação do cidadão.

A proposta do primeiro capítulo, Os Primórdios do Ensino da Matemática, foi a

de caminhar na linha do tempo lembrando alguns intelectuais para visualizar quais

eram os saberes mais importantes para a formação do educando e promover uma

reflexão acerca dos pressupostos da Matemática nos primórdios. Desde a época de

Homero, passando por Pitágoras, Platão, Aristóteles, Euclides e os problemas

investigativos de Alcuíno de York.

O empenho maior, no segundo capítulo, Modernos e Contemporâneos que

Influenciaram o Ensino da Matemática, foi o de evidenciar antecedentes do

Movimento da Matemática Moderna averiguando ações internacionais

desencadeadas pela comunidade científica em prol do movimento que revolucionou

o ensino da Matemática, ressaltando ainda, os ideais de Descartes e o francês

Bourbaki.

No terceiro capítulo, Considerações sobre o Ensino da Matemática no Brasil,

tive o objetivo de analisar a peculiaridade da chegada ao Brasil de propostas

internacionais para a modificação do ensino na segunda metade do século XX.

Assinalei algumas reformas executadas para organizar o ensino da Matemática,

quem foram seus idealizadores e quais as intenções que tinham ao proporem as

mudanças. Apresentei também os primeiros Congressos nacionais e o GEEM –

Grupo de Estudos do Ensino da Matemática.

A intenção do quarto capítulo, Marcas, Referências e Reformas para o ensino

da Matemática, foi a de examinar as especificidades dos documentos oficiais,

principalmente os da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Esses

documentos visavam fornecer subsídios para as práticas metodológicas dos

professores de Matemática, durante a década de oitenta e noventa.

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No quinto capítulo, Metodologia da Pesquisa e Análise dos Dados, procurei

explicitar a metodologia da pesquisa realizada, os discursos e as interpretações dos

docentes sobre os saberes dos educandos.

Dar voz a muitas vozes. Essa polifonia é uma incógnita inquieta que supõe

um jogo duplo. Por isso, pode permitir um duplo fascínio, mas implica, ao mesmo

tempo, um duplo risco.

O trabalho encerra, com as Considerações Finais, a qual expresso a

importância dessa pesquisa na minha vida profissional.

As ideias apresentadas são possibilidades de reflexões e pensamentos,

confirmando que não há premissas definitivas. O processo é contínuo de construção

e de desconstrução.

No intuito de dissolver os fatos comprovados, Nietzsche (1982), elucida esse

cenário, o qual afirma que apenas os fatos não sustentam as teorias: “Contra o

positivismo, que para diante dos fenômenos e diz: Há apenas fatos, digo: Ao

contrário, fatos é o que não há, há apenas interpretações”.2 A reflexão guarda

estreito vínculo com a inexistência de uma verdade estabelecida e configurada, o

que existe são apenas interpretações de uma realidade.

2 NIETZSCHE. F. W. Para além do bem e do mal. §22. Lisboa: Guimarães Editores, 1982: 32 e 33.

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1 OS PRIMÓRDIOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA.

A Matemática, olhada corretamente, possui não apenas a

verdade, mas suprema beleza, uma beleza fria e austera, como aquela

da escultura, sem apelo a qualquer parte de nossa natureza mais

fraca, sem as encantadoras armadilhas da pintura ou da música, mas

sublimemente pura, capaz de uma rigorosa perfeição que somente a

maior das artes pode exibir.

Bertrand A. W. Russel (1872 – 1970)

1.1 Os gregos: as primeiras discussões

O que será que era importante na educação do menino no tempo de Homero?

E de Pitágoras? E de Platão? E Aristóteles, o que privilegiava? Qual era a geometria

de Euclides que permaneceu por tantos séculos nas práticas dos preceptores?

A proposta para esse capítulo é caminharmos na linha do tempo desses

intelectuais para visualizar quais eram os saberes mais importantes para a formação

do educando e tentar estabelecer uma relação com um movimento muito forte

ocorrido em vários países, o Movimento da Matemática Moderna.

A alusão ao Movimento da Matemática Moderna implica primeiramente relatar

que esse movimento não foi implantado por um decreto e sim difundido por meio de

influências internacionais. No Brasil, não foi diferente, mas e os resultados? Foram

também observados por estudiosos e adeptos dessa mudança na eminência de se

dedicarem a um ensino renovador?

A Matemática ecoou e ocupou tantos lugares, alguns distantes demais de

todos, outros nem tanto assim, mas as tendências são sempre em busca de

alcançar o entendimento de uma maestria indomável. Podemos afirmar que a

Matemática é egoísta? A resposta pode ser sim, pois essa disciplina exige

constantemente a sua presença, essa eterna busca de rever o que ela diz e de ficar

sempre próxima a ela. Ou indomesticável? Aqui também podemos concordar, pois

não são todos os indivíduos que conseguem lidar com as ordens, regras e limites da

Matemática. Ou até mesmo questionadora, a fim de fazer com que haja discussões,

discórdias, discrepâncias a seu respeito? Não encontraremos uma resposta exata,

acabada e perfeita.

O que podemos e devemos lembrar é que a Matemática é solidária,

respeitosa, encantadora e admirável. Ela se tornou uma grande pacificadora. É só

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tomarmos a rota das possibilidades que ela oferece. O indivíduo não precisa tomar

um único caminho para encontrar a resposta, ela admite, na sua humildade, que se

apresentem várias estratégias, dá permissão ao indivíduo para expor seu

pensamento, seu raciocínio, mostrando que não é soberba e nem tampouco

intolerante.

O que fizeram de você e por você? Por quais caminhos você passou? Quais

foram as marcas que ficaram? Qual é a sua força para sobreviver após tantos

conflitos e desafetos?

Esse talvez seja o motivo pelo qual ela, a Matemática, sobrevive para provar

para muitas gerações que possui garras de aço para resistir ao tempo e a tantas

rupturas. Será, então, esse o motivo pelo qual surgiram práticas de que nossos

ancestrais se apoderaram e que ainda são válidas na atualidade?

Busco em D’Ambrosio (1996, p. 30) um poema de Dschuang Dsi, completado

e divulgado por René Thom, para ilustrar como determinadas verdades, para alguns,

são imutáveis:

Havia um homem Que aprendeu a matar dragões e deu tudo o que possuía Para se aperfeiçoar na arte. Depois de três anos Ele se achava perfeitamente preparado mas, Que frustração, não encontrou Oportunidades de praticar sua habilidade (Dschuang Dsi) Como resultado ele resolveu Ensinar como matar dragões (René Thom)

Medo de não se aventurar pelo novo. De não resistir aos grilhões enferrujados

que os acorrentam, que os iludem. Mas, qual o sentido dessa permanência, se nada

existente é definitivo. O que pode ser hoje não é mais amanhã e o que foi exaltado

ontem não passou apenas de um fato perdido no tempo.

É que, nessa desordem, o foco passa a ser a Grécia antiga, precisamente a

época de Homero (800 a.C. – 701 a.C.), o homem, o poeta e o educador da Grécia.

Provável autor das epopeias Ilíada e Odisseia. Ele que prezou e ensinou a força do

homem, visto que somente os heróis sobrevivem pelo desejo dos deuses.

Sobre os heróis, Aranha (2006b) expõe:

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As ações humanas eram influenciadas pelo sobrenatural, pela interferência divina. Os mitos gregos, recolhidos pela tradição, recebiam forma poética e eram transmitidos oralmente pelos cantores conhecidos como aedos e rapsodos, que os recitavam de cor em praça pública (ARANHA, 2006b, p. 58).

Sobre o comportamento do homem grego diante da guerra a ser enfrentada,

surgiu a Rapsódia XII da Ilíada – a educação do homem grego, a formação do

guerreiro. Jamais a derrota!

Que cada homem afie bem a sua espada e ajuste o seu escudo. Que cada um alimente bem os seus velozes cavalos. Que cada um cuide bem de seu carro e reflita bem sobre a guerra, que durante todo dia possamos experimentarmo-nos na terrível luta. Eis que não haverá interrupção para descanso, nem mesmo por um pouco, até que chegue a noite e separe a fúria dos homens. A correia dos homens cobrir-se-á de suor sobre o seu peito, a correia do seu escudo protetor, e sua mão conservar-se-á sobre a lança e seu cavalo cobrir-se-á de suor, arrastando o bem polido carro. Seja, porém quem for que eu veja desejoso permanecer longe da batalha, junto aos recurvados navios, não haverá para ele a esperança de escapar dos cães e das aves de rapina (HOMERO apud SOUZA, 2005, p. 26).

A educação escolar, portanto, era constituída a partir do conteúdo dos

poemas recitados em praças públicas. Os conteúdos, entre outros, eram os de

honrar os deuses, honrar pai e mãe e treinar as artes da guerra.

A formação do ideal guerreiro era uma necessidade de sobrevivência da

sociedade grega. A educação estava posta em acreditar na própria força. O binômio,

confiança e vitória, estava presente no tempo.

O tempo passou! Ou melhor, o tempo mudou! Vieram outras necessidades,

outras vontades, outros desejos e a Matemática ganhou espaço dentro da educação

do homem grego, a qual é ensinada como um conhecimento necessário para a

formação dos filósofos e dos futuros governantes.

A Matemática chega à Grécia com Pitágoras de Samos (571 a.C – 470 a.C),

um filósofo e geômetra que ensinava seus discípulos a acreditar e provar que os

números governam o mundo.

Como afirma Simon Singh (2008, p. 28), Pitágoras foi uma das figuras mais

influentes na Matemática, como também uma das mais misteriosas. Como não

existem documentos originais de sua vida e de seu trabalho, Pitágoras está “envolto

no mito e na lenda, tornando difícil para os historiadores separar o fato da ficção”.

Os números, para Pitágoras, deixaram de ser utilizados em situações práticas, como

“contar e calcular e passaram a ser apreciados por suas próprias características”.

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Pitágoras funda a escola pitagórica, a Irmandade Pitagórica, composta de

seiscentos seguidores. Todos os adeptos tinham a intenção não somente de

entender o que era ensinado, mas, principalmente, de conjecturar novos conceitos,

de descobrir e investigar novos juízos. Em relação aos conteúdos colocados em

pauta estava o estudo das propriedades de certos números, o relacionamento entre

eles e os padrões que possuem. “Os seus discípulos estavam sujeitos a severa

disciplina e eram obrigados, sob a pena de morte, a guardar segredos, os

ensinamentos recebidos” (TAHAN, 1974, p. 197).

Os discípulos, ao entrar para a Irmandade deviam se dispor de todos os bens

para um fundo comum “e se alguém quisesse partir receberia o dobro do que tinha

doado e uma lápide seria erguida em sua memória” (SINGH, 2008, p.31).

A escola de Pitágoras organizava os assuntos matemáticos em quatro

grandes categorias: os números absolutos ou a Aritmética; as grandezas no estado

de repouso ou a Geometria; as grandezas em movimento ou a Astronomia; os

números aplicados ou a Música.

A esse respeito há a tradição:

Indo Pitágoras, certa vez, a passear e a refletir num meio de medir os sons musicais, sucedeu que passasse diante da tenda de um ferreiro e chamaram-lhe a atenção as pancadas do malho da bigorna, produzindo sons que eram musicais em relação uns com os outros. Já se havia notado que as cordas em vibração emitem sons que guardam uma relação simples com o cumprimento daquelas. Cordas de cumprimento 2, 3 e 4, por exemplo, dão uma nota a sua quinta e oitava respectivamente (TAHAN, 1974, p. 197).

Também sobre o ocorrido, Singh (2008) narra que Pitágoras correu para

dentro da forja a fim de investigar a harmonia dos martelos. Ele percebeu, ao

analisar os martelos, que os que possuíam sons harmoniosos tinham uma

característica comum, ou melhor, podiam ser colocados dentro de uma relação

matemática. Os martelos que eram proporcionais aos outros podiam emitir sons

harmoniosos. Portanto, os que possuíssem a metade, dois terços ou três quartos do

peso de um determinado martelo produziam sons harmoniosos. Os que não

apresentavam essa relação não emitiam sons harmoniosos.

Estava descoberta a relação matemática: proporcionalidade e estrutura física

do objeto, o que naturalmente foi aplicada na lira, instrumento de corda. E a

matemática passou ser condição da existência de um fenômeno físico.

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As notas harmônicas ocorrem somente em pontos muito específicos. Fixando a corda num ponto correspondente à metade do seu comprimento, ela produz, ao ser tocada, uma nota que é uma oitava mais alta e em harmonia com a nota original. De modo semelhante, se prendermos a corda em pontos correspondentes a um terço, um quarto e um quinto do seu comprimento, produziremos outras notas harmônicas. Já se prendermos a corda em outros pontos que não formam uma fração simples do seu comprimento, a nota produzida não se harmoniza com as outras (SINGH, 2008, p.37).

Era a relação, Matemática e ciência, que estava fundamentada.

O fato é que o ferreiro, em seu trabalho de rotina inspirou Pitágoras [...] Evidentemente, Pitágoras e seus discípulos sabiam que as cordas mais curtas dão notas mais altas; mas ainda não se davam conta de que o som emitido por um instrumento musical é inteiramente determinado pela estrutura física do instrumento (TAHAN, 1974, p. 197).

Pitágoras acreditava que a ciência dos números encerrava o fundamento da

teoria do Universo. Portanto, a Aritmética, a Astronomia, a Música e a Geometria

foram durante muito tempo temas para uma instrução liberal.

Embora muitos soubessem das pretensões de Pitágoras, os únicos a

possuírem os conhecimentos com detalhes da Irmandade eram os pitagóricos.

Para conduzir essa análise, Singh (2008, p. 32) fornece uma explicação de

como esse processo era considerado: “mesmo depois da morte de Pitágoras, um

membro da Irmandade, que quebrou o juramento, foi afogado. Ele revelou,

publicamente, a descoberta de um novo sólido regular, o dodecaedro, construído a

partir de doze pentágonos regulares”.

Uma das explicações mais lógicas da razão de todo o mistério em torno da

Irmandade de Pitágoras pode ser o fato de que os seus discípulos se mantiveram

fieis aos conhecimentos adquiridos dentro dessa escola. Singh (2008, p. 33)

acrescenta que:

A Irmandade era realmente uma comunidade religiosa e um dos seus ídolos era o Número. Eles acreditavam que se entendessem as relações entre os números poderiam descobrir os segredos espirituais do universo, tornando-os assim, mais próximos dos deuses. [...] o número é perfeito em si mesmo e não porque Deus criou todas as coisas em seis dias. O inverso é mais verdadeiro, Deus criou todas as coisas em seis dias porque este número é perfeito. E continuaria perfeito mesmo que o trabalho de seis dias não existisse.

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O que não podemos negar é que os conhecimentos desenvolvidos e

trabalhados por Pitágoras e sua Irmandade mudaram o rumo da Matemática.

Dessa perspectiva, o que nos diz Manacorda (1998, p. 48) sobre o princípio

filosófico da escola de Pitágoras, é que:

[...] frente aos bens não-transmissíveis, como a força, a saúde, beleza, a coragem, ou transmissíveis, perdendo-os quem os transmite, como a propriedade, cargos, existe um bem que se transmite sem perdê-lo: é a educação, a Paideia. .

Em sua obra, A República, Platão (1993, p. 218), filósofo e matemático, com a

intenção de retirar todos os cidadãos da caverna e oferecer a pólis ideal, cultiva um

diálogo socrático com Glauco, seu irmão, em que apresenta a condição para

estabelecer a Matemática como a ciência que seria escolhida para compor a

educação dos filósofos.

─ Qual será então, Glauco, a ciência que arrasta a alma do que é mutável para o que é essencial? Mas estou a pensar noutra coisa, enquanto falo: não dissemos que era necessário que eles tivessem sido atletas e guerreiros, quando eram novos?

─ Dissemos, sim. ─ É preciso que essa ciência se junte

a seguinte qualidade àquela que procuramos. ─ Qual? ─ A de não ser inútil a guerreiros [...] ─ Pois claro! Além disso, que ciência nos resta ainda se pusermos de

parte a música, a ginástica e as artes? ─ Vamos! – prossegui. – Se de nada mais podemos lançar mão, fora

estas, tomemos uma daquelas ciências que abrangem tudo. ─ Qual? ─ Por exemplo, aquela ciência comum, da qual se utilizam todas as

artes, todos os modos de pensar, todas as ciências, e também aquela que é preciso aprender entre as primeiras.

─ Qual? ─ Aquela modesta ciência – continuei – que distingue o um do dois e

do três. Refiro-me, em resumo, à ciência dos números e do cálculo. Ou não é ela de tal modo que toda ciência é forçada a ter parte nela?

─ Sim, e muito. ─ Até a arte da guerra? ─ Sem dúvida. [...] ─ Pensas dessa ciência o mesmo que eu? ─ O quê? ─ Pode muito bem ser uma daquelas ciências que procuramos, e que

conduzem naturalmente à inteligência, mas de que ninguém se serve corretamente, apesar de ela nos elevar perfeitamente até o Ser (p. 218).

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Não se sabe, até estudos recentes, onde terminam os pensamentos de

Sócrates e se iniciam os de Platão. Embora exista essa incógnita, é possível admitir

que ambos julgassem como importante a ciência dos números.

De acordo com Boyer (2010, p. 58), existe uma história que, na porta de sua

Academia - escola fundada, por Platão, no século IV a.C., nos jardins de Atenas, tal

como Rafael Sanzio ilustrou em A Escola de Atenas, estava escrito: “Que ninguém

que ignore a geometria entre aqui”. O fascínio de Platão pela Matemática era digno

de admiração, tanto que ficou conhecido como o “criador de matemáticos”.

Os primeiros diálogos de Platão pouco mencionavam a Matemática. Não se

tem conhecimento, com exatidão, em quem Platão se inspirou para ter gosto pela

Matemática. O que se sabe, segundo Boyer (2010, p. 59), é que Platão se enredou

pelo universo matemático assim que tomou conhecimento dos cinco sólidos

regulares, o tetraedro, o cubo, o octaedro, o icosaedro que eram associados aos

quatro elementos – fogo, terra, água e ar, respectivamente – e, naturalmente, o

dodecaedro que era associado ao Universo. “Muito dessa fantasia deve-se aos

pitagóricos”.

Platão foi o grande inspirador e guia de outros, como caracteriza Boyer (2010,

p. 59):

[...] a ele se deva a distinção clara que se fez na Grécia antiga entre Aritmética e logística. Platão considerava a logística adequada para negociantes e guerreiros, que precisam aprender as artes dos números, ou não saberão dispor suas tropas. [...] e a Aritmética porque deve subir acima do mar das mudanças e captar o verdadeiro ser.

Na visão de D’Ambrosio (1996, p. 36), a Matemática tinha algumas

peculiaridades ao olhar de Platão. Segundo ele, o filósofo e o matemático do período

clássico da Grécia antiga, tinham grande proximidade:

[...] a Matemática e Filosofia representavam uma mesma linha de pensamento. Platão distinguia claramente uma matemática utilitária, importante para os comerciantes e artesãos, mas não para os intelectuais, para quem defendia uma matemática abstrata, fundamental para aqueles que seriam os dirigentes da elite.

Tais afirmações vêm ao encontro das palavras de Marrou no sentido de

afirmar que Platão seria um defensor de uma formação filosófica e um lugar celestial

a ser alcançado:

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À Matemática caberia um papel fundamental nesse percurso. Seria a Matemática, em especial a ciência dos números, ou seja, a aritmética, o principal instrumento da conversão da alma, desta correção interior pela qual ela desperta à plena luz e se torna capaz de contemplar não mais as sombras dos objetos reais, mas a própria realidade (MARROU, 1975 apud MIORIM, 1998, p. 18).

Mas se Platão induz a abstração, ao mundo das ideias, também é cauteloso

quando menciona que o preceptor “deve [...] evitar os exercícios puramente

mecânicos, propor problemas adequados à idade das crianças e ser desenvolvido

de maneira lúdica por meio de jogos” (MIORIM, 1998, p. 18).

Com efeito, assim surgiram as principais discussões pedagógicas. Por um

lado, Platão com sua praticidade e outro, Isócrates, pela retórica. O que privilegiar?

A arte do bem falar ou o hábito do espírito ao trabalho disciplinado? “A formarem

uma opinião razoável sobre as coisas úteis ou a duplicação do cubo?” (MARROU

apud MIORIM, 1998, p. 21).

Contudo, toda essa preocupação em torno das discussões pedagógicas

estava somente centrada nos estudos iniciais, os estudos da primeira infância. A

partir dos outros níveis, segundo Platão, a seleção para estudar a Matemática tinha

necessariamente que passar por avaliações e somente os bem-dotados, ou melhor,

os que tinham mais facilidade em aprender, melhor memória e incansável dedicação

seriam aprovados.

Na interpretação de Aranha (2006b), a educação, para o filósofo Platão, era

pensada por seguidas seleções: até os 20 anos, todos recebiam educação igual.

Aqueles que recebiam o corte na primeira seleção eram os chamados de almas de

bronze, a seleção escolhia os qualificados para agricultura, o artesanato e o

comércio. Enquanto os outros continuavam na escola por mais de dez anos.

O segundo corte, a alma de prata, eram os guerreiros, por possuírem a

coragem para defender a cidade. Em cada corte, os estudos eram interrompidos

para exercer a função determinada. Os mais ilustres eram instruídos na arte do bem

falar, de dialogar e de conhecer as ciências dos números, chamados de a alma de

ouro e aprendiam a filosofar.

Aos 50 anos, aqueles que passaram pelas sucessivas seleções, estavam

aptos a serem admitidos no corpo supremo dos magistrados. Não existia, portanto,

indivíduos que geravam a alma do pai. Somente durante os ensinamentos é que se

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podia identificar a qual alma o homem pertenceria. Com isso, Platão não

considerava todos os homens iguais.

A proposta de Platão fortalecia o valor formativo da Matemática. Ele dava

importância para a retórica ou aplicações práticas, mas justificava a opção de incluir

a Matemática na classe dos escribas, dos altos dirigentes, por considerar a

Matemática “um elemento formativo fundamental, especialmente por sua capacidade

de desenvolver o raciocínio [...], como também aos melhores espíritos, os mais

talentosos” (MIORIM, 1998, p. 2).

Será que hoje, no século XXI, ainda existe a seleção natural mencionada por

Platão e tão questionada entre os meios acadêmicos? A pergunta se estende para

alguns estudantes quando justificam suas escolhas citando que a Matemática não é

a ciência preferida ou até mesmo, entre todas, a menos agradável. Por que essa

recusa? Onde surgiu essa aversão? Quais foram as consequências que os estudos

matemáticos provocaram e provocam nos estudantes até hoje?

Platão foi vencido! A educação clássica optou pela formação integral e não

pela formação técnica. O número de escolas elementares cresceu

significativamente, já os castigos corporais diminuíram e as classes passaram a ser

reorganizadas de acordo com os saberes dos alunos. E a Matemática? Somente

para alguns escolhidos, os privilegiados.

E perdurou por muito tempo uma Matemática elementar, com pouca

investigação e voltada para a prática, haja vista que, com as sete artes liberais, o

trivium – gramática, retórica e dialética e o quadrivium – aritmética, geometria,

música e astronomia, a Matemática tinha o fim somente de elaborar intricados

cálculos.

O objetivo maior da Matemática estava centrado em “entender mais

profundamente as escrituras sagradas, ou seja, de efetuar o complexo cálculo do

calendário litúrgico, o computus” (MIORIM, 1998, p. 28).

O computus, nome dado a esse cálculo desde o início da Idade Média, era o

cálculo da data da Páscoa. Esse procedimento era considerado, o mais importante

da época.

Revisitando o trabalho de Platão, em A República, encontrei um trecho do

Livro VII, os diálogos de Sócrates, Glauco e Adiamanto. O trecho vem logo após o

relato do mito da caverna.

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A educação é, portanto, a arte que se propõe este fim, a conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de operá-la; ela não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já o possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por levá-lo à boa direção.

— Assim parece – disse ele (PLATÃO, 1993, p. 110 – 111).

Podemos fortalecer essa visão de que a educação é a conversão da alma e

que, de acordo com Platão, “a aritmética tem um efeito muito grande de elevar a

mente, compelindo-a a raciocinar sobre o número abstrato” (BOYER, 2010, p. 59) e

assim, era somente atributo dos melhores espíritos.

Mais tarde, ficaram consolidados os dois pilares da educação de Platão: a

educação literária e a educação filosófica.

Boyer (2010, p. 61) considera Platão a grande insígnia da Matemática:

A Pitágoras se atribui o ter tornado a matemática uma disciplina liberal, mas Platão teve grande influência para que se tornasse parte essencial do currículo para a educação de homens de estado [...] A academia platônica de Atenas, tornou-se centro matemático do mundo, e dessa escola provieram os principais mestres e pesquisadores durante os meados do quarto século a.C. .

Com o advento da lógica aristotélica, as ciências de todas as ciências, as

crenças e premissas estavam garantidas, preconizando o silogismo, a retórica, as

máximas e os axiomas dentro desse aparato sem questionamentos e

completamente verdadeiros. Tal metodologia consistia em partir de uma premissa

estabelecida pelo grande conjunto e admitir como verdade absoluta todos os outros

fenômenos particulares que ocorressem. “Se A é dito de todo B, e B de todo C,

então necessariamente A é dito de todo C” (HÖFFE, 2008, p. 52), fazendo valer o

método dedutivo.

Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) nasceu em Estagira, uma pequena cidade do

estado no nordeste da Grécia. Foi ele que sistematizou a Matemática com duas

vertentes: a primeira era formada pela Matemática Pura (Fundamentos), que

incluíam a Aritmética e a Geometria; a segunda frente era a Matemática Aplicada,

que estudava a Astronomia, Doutrina da Harmonia, Mecânica, Náutica e Óptica.

É grandiosa contribuição de Aristóteles às construções conceituais. Seu

pensamento foi e ainda é sempre farto de inspirações. Como menciona Höffe (2008,

p. 15) no prefácio da sua obra Aristóteles, “o ataque sério à autoridade de Aristóteles

não ocorre depois de algumas décadas, mas apenas após dois mil anos”.

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Ampliar o que estava proposto nos programas da Matemática e introduzir

problemas que permitissem ao aluno exercitar o cálculo, a atividade mental,

podendo assim, apreciar a Matemática, estava bem longe de acontecer. Além dos

castigos físicos, caracterizados pelas duras chicotadas dadas pelos mestres quando

os alunos erravam, o ensino estava baseado somente na memória e repetição.

A crença nas ideias de Aristóteles era extremamente cega, por mais que o

tempo tenha passado. O matemático Pierre de la Ramée (1515 – 1572), oponente

às ideias de Aristóteles, declarou ter dúvidas em relação a lógica do filósofo do

século IV a.C., e como recompensa a essa oposição, foi abolido da sociedade grega

no século XVI.

Nas palavras de Miorim (1998, p. 39), o matemático Ramée:

Em sua tese para obtenção do grau de mestre no Collège de Navarre tentou provar que Aristóteles não havia definido bem a Lógica. Essa teoria causou uma forte reação da Igreja, que conseguiu que Francisco I3 publicasse um decreto acusando Remée de ser temerário, arrogante, impudico, murmurador e mentiroso.

No entanto, o matemático não se intimidou e continuou a propor mudanças

até nos currículos das Universidades.

Constantemente atacava os métodos de Aristóteles [...] em defesa [...] dos estudos matemáticos, em particular daqueles referentes à Matemática elementar prática, pois via as especulações geométricas e algébricas com certa desconfiança (MIORIM, 1998, p.39).

O assassinato de Pierre de la Ramée ocorreu em 1571 e não há registros de

quem possa ser o culpado pelo homicídio.

A mola propulsora do trabalho de Ramée foi a preocupação com as

aplicações práticas. A obra publicada em 1580 deixa transparecer,

significativamente, que se baseia por completo na obra de Euclides.

A geometria, que para Ramée era vista como a arte de bem medir, foi

pautada inteiramente em medições topográficas e quais aparelhos são necessários

para tal fim, obedecendo assim, os postulados de Euclides, o matemático grego do

século IV a.C.

3 Rei da França coroado em 1 de janeiro de 1515. Governou o país até a sua morte em 1547. Seu

mais importante serviço ao Humanismo foi ter fundado o Collège de France.

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1.2 Os elementos: a geometria no espaço euclidiano

O tratado científico de Euclides (325 a.C. – 265 a.C.), Os Elementos, foi assim

avaliado por Eves (2011, p. 167): “nenhum trabalho, exceto a Bíblia, foi tão

largamente usado ou estudado e, provavelmente, nenhum exerceu influência maior

no pensamento científico”.

A primeira versão de Os Elementos apareceu em Veneza em 1482, “um dos

primeiros livros da matemática impressos; calcula-se que desde então pelo menos

mais mil edições foram publicadas” (BOYER, 2010, p. 82).

Nesse sentido, Berlinghoff e Gouvêa (2010, p. 159) concordam com Boyer:

Seu sistema foi estudado por acadêmicos gregos e romanos por mil anos, depois foi traduzido para o árabe em cerca de 800 d.C. e estudado pelos seus acadêmicos. Tornou-se o padrão para o pensamento lógico por toda a Europa medieval. Foi impresso em mais de 2 mil edições diferentes desde a sua primeira aparição como livro impresso no século XV. Esse sistema é a descrição de Euclides na geometria plana.

De acordo com Boyer (2010), Euclides era o nome de um sábio que foi

chamado à Alexandria para ser professor de uma escola com o nome de Museu.

Pela qualidade do trabalho apresentado pelo sábio, pode-se presumir que foi

discípulo de Platão e que, provavelmente, estudou na Academia, escola de Platão.

Os Elementos foi uma das primeiras obras matemáticas clássicas traduzidas

do mundo árabe para o latim. Foi composto em 300 a.C., aproximadamente e foi

copiado e reeditado várias vezes.

Na concepção de Mlodinow (2010, p. 40), Euclides não foi original, o feito dele

foi baseado em noções e conceitos geométricos compreendidos anteriormente pelos

gregos. Apenas foi o “organizador e sistematizador da geometria [...] ele foi o

arquiteto do primeiro relato abrangente sobre a natureza do espaço bidimensional

através do raciocínio puro, sem nenhuma referência ao mundo físico”.

Euclides teve uma direção a seguir ao montar e propor o tratado científico Os

Elementos: a filosofia de Platão e a lógica de Aristóteles!

Assim, depois de uma longa lista de definições, Euclides especifica um pequeno número de afirmações básicas que parecem captar as propriedades essenciais dos pontos, retas, ângulos, etc., e então tentar deduzir o resto da geometria a partir dos enunciados básicos por demonstração cuidadosa. Seu objetivo era sistematizar as relações observáveis entre as figuras do espaço, as quais ele, assim como Platão, Aristóteles e outros filósofos gregos, considerava como

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representações ideais de entidades físicas (BERLINGHOFF e GOUVÊIA, 2010, p. 160).

Garbi (2010, p. 58) também partilha da mesma opinião:

O toque de gênio de Euclides está não na descoberta de teoremas, o que ele certamente o fez, mas na organização lógica com que os apresentou e provou de forma rigorosa e concatenada, preenchendo as lacunas deixadas por outros.

A obra de Euclides, Os Elementos, é composta de 465 proposições

distribuídas em 13 livros, ou melhor, em 13 rolos, visto que essa era a forma das

obras escritas da época. A partir das proposições, são apresentadas as definições,

postulados e noções comuns, mostrando, assim, a organização que Aristóteles

adotou, consequentemente: postulados, princípios assumidos sem demonstrações

se fossem específicos de certa ciência e noções comuns, se fossem válidos para

várias ciências. Os Elementos “fornece 23 definições ou descrições dos termos

básicos da geometria, começando com ponto e reta” (BERLINGHOFF e GOUVÊIA,

2010, p. 162).

Euclides procurou tornar claro, explícito, todos os termos contidos na obra.

Com isso, apresenta de forma objetiva e precisa os conceitos, garantindo a

interpretação e compreensão para os que lerem. Uma orientação nessa direção é

encontrada em Höffe (2008, p. 79) ao expor a expressão, pensada por Aristóteles:

Axiomas – a raiz axioun significa: julgar digno; axiomas são proposições que, isoladas de toda dúvida razoável, são verossímeis num sentido estrito. Essa condição pode ser aplicada a determinado tema; nesse caso, dá-se a priori correspondentemente limitado. [...] são os princípios mais seguros – não é possível enganar-se sobre eles – e conhecíveis no mais alto grau. Em resumo: eles têm o estatuto de um priori absoluto.

Em contraponto, os estudantes para aprender a geometria de Euclides

deveriam priorizar a memória, não sendo motivados à compreensão das

proposições e postulados.

No entanto, sua estrutura rígida levava com demasiada frequência os estudantes a “aprender” as demonstrações de cor, memorizando os passos sem entender o argumento ou o significado do teorema. Como resultado, muitos estudantes consideravam a geometria na escola secundária como um ritual penoso, irrelevante, sem conexão com o mundo real (BERLINGHOFF e GOUVÊIA, 2010, p. 163).

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Para Berlinghoff e Gouvêia (2010, p. 161), Os Elementos “apresenta um estilo

muito formal e seco”. Não há discussão ou motivação. Entretanto, Bertrand Russel

(1872 – 1970), um notável matemático, filósofo e lógico que viveu no século XX,

relatou sobre Os Elementos:

Aos onze anos, comecei estudar Euclides, tendo meu irmão como meu tutor. Foi esse o grande acontecimento de minha vida, algo tão deslumbrante como o primeiro amor. Eu não imaginava que houvesse no mundo nada tão delicioso (GARBI, 2010, p. 57).

Em particular, Eves (2011, p. 134) acrescenta sobre o uso dos instrumentos

euclidianos que “o traçado de construções com régua e compasso, visto como um

jogo em que se obedecem a essas duas regras, mostrou ser um dos jogos mais

fascinantes e absorventes jamais inventados”.

Nem toda a obra é composta de geometria, Euclides elaborou o seu tratado

cientifico, com a seguinte organização: Livros I, II, III, IV e V – geometria plana;

Livros XI, XII e XIII – geometria no espaço; Livros V e X – grandezas e razões e

Livros VII, VIII e IX sobre números inteiros.

Com sapiência, Euclides vinculou todo o seu trabalho à filosofia de Platão. No

último livro, ele demonstrou que os únicos tipos possíveis de poliedros regulares

eram os cinco sólidos platônicos que simbolizavam os elementos de todo o

Universo.

1.3 O abade Alcuíno de York e seus problemas investigativos

Todas as luzes se voltam para as ideias de Platão no momento em que

Carlos Magno (768 – 814), imperador da Europa Ocidental e Central, propõe a

criação de escolas e organiza o sistema de ensino em três níveis: o elementar, o

secundário e o superior. Foi o primeiro esforço para recuperar o valor investigativo

da matemática. Foi do monge anglo-saxão beneditino, poeta, professor e sacerdote

católico Alcuíno de York (735 – 804), a missão de ensinar e a autoria de diversos

problemas matemáticos para jovens, os Propositiones ad Acuendos Juvenes

(Problemas para Estimular os Jovens).

Os 53 problemas e as suas soluções nos dão uma ideia da educação

matemática durante o reinado de Carlos Magno, no século VIII, mas de que de certo

modo vigorou até o século XIX.

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Em Lauand (1994) há exemplos de situações problemas dotadas de

investigações e desafios, totalmente isentos de respostas que necessitassem da

memória ou cálculos exaustivos.

Figura 1: Situação-problema de Matemática

Fonte: LAUAND, 1994.

Com efeito, Henriques e Almeida (2005) conta que Carlos Magno criou um

local no seu palácio e elegeu Alcuíno como responsável. Alcuíno tinha como norma

pedagógica ensinar brincando, ensinar se divertindo.

Figura 2: Situação-problema de Matemática

Fonte: LAUAND, 1994.

Um homem devia passar de uma a outra margem de um rio, um lobo, uma

cabra e uma couve. E não pôde encontrar outra embarcação a não ser uma que só

comportava dois entes de cada vez, e ele tinha recebido ordens de transportar

ilesa, toda a carga. Diga quem puder, como fez ele a travessia?

Resposta: Todos estavam na margem direita do rio. O homem leva

primeiro a cabra e deixa na margem esquerda. Volta para a margem direita e pega

a couve e volta para a margem esquerda. Deixa a couve e volta para a margem

direita com a cabra, deixando-a e voltando para a margem esquerda com o lobo. O

lobo ficará com a couve na margem esquerda e o homem voltará a pegar a cabra

na margem direita.

Um certo comprador disse: "Quero comprar 100 porcos com 100 denarii de tal

forma que um porco grande seja comprado por 10 denarii; uma porca por cinco

denarii; e duas porcas pequenas por um denarii". Quantos porcos adultos, porcas

e pequenas porcas haverá, de tal forma que não haja nem a mais nem a menos

de ambos [porcos e denarii]?

Resposta: 9 leitoas e 1 porco custam 55 denarii e 80 porquinhos, 40. Já temos 90

suínos por 95 denarii. Com os restantes 5 denarii compram-se 10 porquinhos.

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E por último, uma brincadeira que também aparecia na Matemática, deixando-

a isenta de um estereótipo de ser cruel, malvada e traiçoeira.

Figura 3: Situação-problema de Matemática

Fonte: LAUAND, 1994.

O mesmo problema aparece em textos de diferentes períodos da história.

Fato curioso é que alguns alunos, em tempos atuais, indagam pelos números no

problema: onde estão os números?

Podemos afirmar que nossos alunos encontrariam mais familiaridade para

resolver problemas caso tivessem permanecido esses problemas em objetos

culturais, como livros didáticos e nas práticas dos docentes? Poderia ser essa

prática, um dos fatores para minimizar ou sanar as dificuldades em leitura e

interpretação?

Henriques e Almeida (2005, p.148) expõem as palavras do matemático

americano John Allen Paulos4 sobre a norma de ensinar brincando:

[...] tanto a Matemática como o humor, para serem efetivos, precisam de engenho, capacidade de percepção das incongruências e sentido do que é a economia de expressão. [...] os matemáticos têm um sentido de humor muito característico, resultante sem dúvida da sua prática profissional. Na prática, têm a tendência para tomar as expressões literalmente, e esta interpretação literal é muitas vezes incongruente com a comumente aceite, pelo que se torna cômica. Os matemáticos adoram as reduções ao absurdo, praticam lógica que consiste em levar qualquer premissa ao extremo, e deliciam-se ainda com os vários aspectos do jogo combinatório de palavras.

É necessário cautela para construir a metodologia empregada nas aulas de

Matemática, a fim de implementar os currículos do ensino básico e superior. Diante

de muitas imprecisões nas práticas educativas, qual deveria ser o modelo de prática

4 Paulos, John Allen. Inumerismo: o analfabetismo matemático e as suas consequências. Lisboa:

Publicações Europa-América, 1988, p. 111.

Um boi que está arando todo o dia, quantas pegadas deixa ao fazer o último

sulco?

Resposta: Nenhuma, pois as pegadas do boi são apagadas pelo arado que

passa depois.

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que seguiríamos para que nossos estudantes se apropriem e fiquem íntimos de uma

ciência tão reverenciada?

O alerta pode ser comprovado nas palavras do filósofo genebrino Rousseau

(1712 – 1778):

A geometria só não está ao alcance das crianças porque os adultos usam um método inadequado para ensiná-la. [Rousseau recomenda que seja seguido o próprio método de as crianças aprenderem]: ao invés de raciocinar pelas crianças e exercitar sua memória, deve-se deixá-las descobrir relações e combinar figuras (ROUSSEAU apud CERIZARA, 1990, p. 127).

Rousseau acrescenta a importância de um trabalho voltado aos jogos e o

manuseio com os objetos, com o propósito de os alunos investigarem as relações

existentes. Somente assim, para o filósofo, a atividade pedagógica passa a ser

formativa.

Esse método é verdade, não forma pequenos prodígios e não faz brilhar os governantes; mas forma homens judiciosos, robustos, sãos de corpo e de entendimento, que, sem se terem feito admirar quando jovens, fazem-se honrar quando adultos (ROUSSEAU, 2004, p. 110).

Por mais que o monge Alcuíno tenha escrito para seus principiantes estava

destinado o início do declínio das ciências, devido a grande heterogeneidade de

culturas instauradas pelos bárbaros, após a queda do Império Romano.

1.4 E a Matemática, homens medievais, romanos e egípcios?

Os detentores dos saberes eram os monges dos monastérios católicos. Com

isso, a patrística e escolástica firmaram a aliança de fé opondo-se à ordem social

antiga. Nesse período, pouca Matemática foi trabalhada.

Essa questão fica bem clara em Eves (2011, p. 287), ao defender as

habilidades do homem medieval:

[...] engenheiros ao construírem catedrais imensas. Pedreiros e carpinteiros projetaram e construíram catedrais imensas e graciosas, repletas de belos e detalhados vitrais e notáveis arcobotantes. Ferreiros desenvolveram métodos de construção de relógios precisos. Moleiros aperfeiçoaram a roda d’água. Abriram-se longos canais, construíram-se pontes por sobre os mais largos rios e drenaram-se e represaram pântanos. Mas os engenheiros medievais não tinham uma formação universitária plantada na ciência pura; eles eram artesãos e mecânicos de parcos conhecimentos teóricos, muitas vezes ignorados pela classe intelectual.

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Os medievais não conheciam a Matemática abstrata, somente a Matemática

prática, voltada para a engenharia e ao comércio.

Muito tempo transcorreria até que a ciência no mundo ocidental voltasse a

progredir.

O que há de específico em crenças que envolvem o senso comum é que não

há como desprezar essa forma de conhecimento tão universal, nem desconsiderar o

grande volume de “saberes já construído ao longo da história humana e cuja

aplicação se mostrou fecunda” (ARANHA e MARTINS, 2003, p. 156). Fato

comprovado na geometria dos egípcios e mesopotâmios ao fazerem suas medições

seguras e precisas.

Para conduzir a análise dos dados obtidos nesta pesquisa, recorro a Luís

Antonio Groppo, igualmente comprometido em apresentar hipóteses sobre a

prudência, procurando evitar “os riscos da razão arrogante e, portanto, indolente,

contida na forma moderna de ciência” (GROPPO, 2011, p. 13). O sociólogo narra

essa advertência por meio de uma sequência de fatos ocorridos na Indonésia,

apresentada por Boaventura de Souza Santos.

O sociólogo português, Boaventura de Souza Santos (2007) ilustra bem os

perigos de substituir um tipo de conhecimento por outro com base em hierarquias

abstratas. Em 1960, os moradores da ilha de Bali cumpriam as determinações dadas

pelos sacerdotes de um templo hindu para irrigar os campos de arroz. Por muito

tempo, os sistemas de irrigação tradicional serviram àquele povo. Por serem

considerados produtos de magia e superstição, os sistemas milenares de irrigação

acabaram sendo substituído pela cientificidade, novo modelo de irrigação foi posto

para aquele povo, interrompendo a rotina do saber pautado em hierarquias. Os

maus resultados foram se acumulando nas colheitas e foram tão desastrosos e

perversos que tiveram que ser substituídos pelos anteriores. Após trinta anos, a

modelação computacional veio provar que os métodos utilizados pelos sacerdotes

na ilha de Bali, naquele contexto específico, eram os mais eficazes possíveis, mais

do que o sistema científico de irrigação proposto naquela época (SANTOS, 2007, p.

90-91).

Outro exemplo de que “a validade universal da verdade científica sempre é

reconhecidamente muito relativa” (SANTOS, 2007, p. 72), podemos encontrar no

método romano de efetuar multiplicações, provando a existência do conhecimento

empírico.

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Ainda que fosse comprovadamente correto, os romanos nunca conseguiram

explicar matematicamente o método utilizado. O cálculo consiste em encontrar o

resultado do produto dos fatores 132 e 15.

Na linguagem matemática:

Na primeira parte do cálculo, os romanos apenas copiavam os números em

duas colunas.

Na primeira linha, conservavam o número sem efetuar algum procedimento.

A partir da segunda linha, os procedimentos eram distintos: os números na

primeira coluna encontravam a metade do número e os da segunda, o dobro.

Na segunda parte do cálculo, eliminavam a linha a qual os resultados da

primeira coluna fossem números pares.

No quadro 1, a ilustração do cálculo:

Primeira parte do cálculo:

Quadro 1: Método romano de efetuar a operação multiplicação

Copia o número da 1ª coluna 132 15 Copia o número da 2ª coluna

Encontra a metade do número 66 30 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 33 60 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 16 120 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 8 240 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 4 480 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 2 960 Encontra o dobro do número

Encontra a metade do número 1 1920 Encontra o dobro do número

Trabalhar com diferentes tipos de situações possibilita ao aluno conferir

sentido e significado aos diferentes tipos de conhecimentos que adquire. Mas, os

romanos ao apresentarem esse cálculo tinham essa preocupação?

A situação matemática apresentada anteriormente se contrapõe ao que Guy

Brousseau apresenta. “Se uma situação leva o aluno à solução como um trem em

seus trilhos, qual é a sua liberdade de construir conhecimento?” (BROUSSEAU,

1996, p. 48).

Continuando com o resultado da multiplicação entre 132 e 15.

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Segunda parte do cálculo:

Quadro 2: Método romano de efetuar a operação multiplicação

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 132 15

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 66 30

33 60 60

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 16 120

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 8 240

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 4 480

Eliminar as linhas com números pares da 1ª coluna 2 960

1 1920 1920

Na terceira etapa, e última, os números restantes da segunda coluna são

somados. Portanto, . Exatamente o valor do produto dos fatores

132 e 15.

Havia pouca, ou melhor, nenhuma mobilidade cognitiva para os alunos

produzirem significado, estabelecer relações, justificar, analisar e inventar os

produtos da Matemática.

A Matemática assumiu, em cada tempo, uma característica. Nos primórdios

da Matemática, passou pela lógica de Aristóteles, pela filosofia de Platão e pelos

problemas investigativos de Alcuíno. Nos séculos seguintes, enfrentou mais

influências, principalmente dos modernos e contemporâneos.

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2 MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS QUE INFLUENCIARAM O ENSINO DA

MATEMÁTICA.

Desconfiai do mais trivial,

Na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

Não aceiteis o que é de hábito

Como coisa natural,

Pois em tempo de desordem sangrenta,

De confusão organizada,

De arbitrariedade consciente,

De humanidade desumanizada,

Nada deve parecer natural

Nada deve parecer impossível de mudar.

(BRECHT, 2002)

2.1 Descartes: o fidalgo francês e seu método cartesiano

O interesse maior deste capítulo é tornar visível o percurso da disciplina

Matemática, a trajetória ocorrida, de modo sucinto, da sua gestação às primeiras

significações do Movimento da Matemática Moderna no cenário internacional. Isto é

necessário para se compreender algumas implicações importantes deste trajeto em

práticas ainda verificadas nos dias atuais.

Traçar o esboço de uma concepção, igual ao que foi submetido o da

Matemática, é como entrar em um terreno de areia movediça. Qual impressão e

expressão pretendiam os pesquisadores para expor a Matemática como um

elemento fundante no ensino-aprendizagem? O que os alunos tinham que aprender?

Quem eram seus mentores? Em que eles confiavam?

Descartes, um dos gigantes da matemática, foi arrogante ao escrever, no seu

tratado de Goliius, que o Universo de Aristóteles estava prestes a ser desconfiado,

julgado e, por que não, abominado?

Basta lembrar a crítica de Descartes e a luta de Galileu contra o saber intransigente dos escolásticos, que eram avessos às novidades da ciência nascente por estarem presos à astronomia e à física aristotélica (ARANHA e PIRES, 2003, p. 126).

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Descartes clamou por provar a existência, o racionalismo. Se ele pensa, logo

ele existe, a própria existência do ser humano. Clamou “Cogito Ergo Sun” - penso,

logo, existo! - no qual o racionalismo se apresentava com suas garras afiadas.

Descartes concluiu, por meio de um complexo raciocínio, que poderia haver um

conhecimento longe de qualquer dúvida. Com isso, colocou em prova a sua

existência. No instante que pensa sobre algo, ele consegue concluir que, se ele

pensa, logo ele existe.

Descartes desaprovou as obras dos gregos, em particular, a geometria, e

“introduziu outro enfoque para a geometria, utilizando noções e notações da nova

álgebra” (D’Ambrosio, 1996, p. 48) nascendo, assim, a geometria analítica.

Para ilustrar o pensamento de Descartes em oposição ao da geometria de

Euclides, Mlodinow (2010) apresenta a concepção de ambos sobre o círculo:

Euclides: Um círculo é uma figura plana contida por uma linha [isto é, uma curva] tal que todas as linhas retas que vão até ela de um certo ponto de dentro do círculo – chamado centro – são iguais entre si.

Descartes: Um círculo é todo que satisfaça a para

algum número constante (p. 87).

As orientações de Descartes irão influenciar, até os dias de hoje, na forma de

pensar a aprendizagem, no trato com os conteúdos e na maneira de enxergar quem

está ensinando e aprendendo.

No caso dessas grandes vertentes, é possível realizar as diferentes

indagações: como o erro é possível? Como a verdade é possível? Seja como for,

Descartes, com toda sua lógica em Discurso sobre o Método, afirmou que somente

as matemáticas o agradavam, sobretudo por causa da evidência e certeza de seus

raciocínios, mas as matemáticas são exceções porque somente elas conseguem

provar o que atestam. Para procurar a verdade, Descartes, com o seu método de

duvidar do que é visível, inspirou-se em Sócrates.

[...] por desejar então dedicar-me apenas a pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontestável (Descartes, 2006, p. 19).

Descartes, o fidalgo francês, “criador das bases para o pensamento

mecanicista” (MORAIS, 2002, p. 144), estabelece uma visão objetiva que será

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conhecida como cartesiana, a qual tudo é colocado à prova, fugindo do extremo, das

incertezas e das imperfeições, considerando como verdadeiras, apenas, as ideias

associadas aos resultados obtidos após os experimentos conseguidos. O realismo

era implacável!

Falcão (2003, p. 49), retrata como os estudantes sentem dificuldades em

compreender, na regra da Álgebra, a passagem da língua natural (materna) para o

simbolismo formal, estabelecida por Descartes. O autor relata que propôs a alguns

alunos de 14 anos, matriculados na 8ª série – 9º ano do sistema brasileiro de ensino,

a tarefa de proposição de fórmulas gerais para o modelo sistemático de

determinados eventos.

Quando confrontados com a fórmula geral que servia de guia para os

cálculos, muitos alunos apresentaram dificuldades importantes. Como defende

Falcão (2003): “A passagem da aritmética para a álgebra, em geral deflagrada na 6ª

série – 7º ano do Ensino Fundamental, se constitui em um processo complexo do

ponto de vista psicológico e didático” (FALCÃO, 2003, p. 58).

É difícil discordar de Jean Piaget (2009, p. 59), em Para onde vai a

educação?

Ensina-se a Matemática como se tratasse exclusivamente de verdades acessíveis por meio de uma linguagem abstrata e mesmo daquela linguagem especial que é a dos símbolos operatórios. A Matemática, porém, consiste em primeiro lugar e acima de tudo, em ações exercidas sobre as coisas, e as próprias operações são também sempre ações, mas bem coordenadas entre si e simplesmente imaginadas, ao invés de serem executadas materialmente.

O caso citado por Falcão explica o erro dos alunos, ou seja, os alunos

encontraram dificuldades em chegar à abstração do número. Sem dúvida, é

indispensável que se chegue à abstração, desde que seja trabalhado com os

estudantes o estabelecimento de relações, regularidades e padrões, que é

denominado por Piaget de “abstração reflexiva” (KAMII, 1985, p. 16).

Encontramos também em Rousseau uma defesa para essa abstração

reflexiva:

Fazei com que o vosso aluno esteja atento aos fenômenos [...] mas, para alimentar a sua curiosidade, não vos apressais nunca em satisfazê-la. Que ele saiba as coisas porque as compreendeu por si e nunca porque haveis dito essa coisa. Se substituís no seu espírito a autoridade pela razão, ele não raciocinará mais: será apenas um

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espelho da opinião dos outros (ROUSSEAU, 2004 apud ROLLAND, 1975, p. 67).

Apesar da complexidade do processo, muitas iniciativas são realizadas,

atualmente, com foco na compreensão da linguagem formal da Matemática. A

atenção é voltada para que a prática, o fazer com que o aluno utilize a abstração,

não se torne desencadeadora de inúmeras dúvidas questionáveis pelos alunos no

ensino-aprendizagem de Matemática.

Em se tratando de compreensão, Keith Devlin (2010, p. 27) faz uma

interessante observação sobre a relação dos símbolos matemáticos com a Música:

Os livros modernos de matemática são repletos de símbolos, mas a notação matemática não é matemática mais do que a notação musical é música. Uma página de partitura musical representa uma peça de música, mas a notação e a música não são a mesma coisa; a música propriamente dita acontece quando as notas da página são cantadas ou tocadas por um instrumento musical. É no seu desempenho que a música vem à vida; ela existe não na página, mas nas nossas mentes. O mesmo é verdade para a matemática. Quando lidos por um executante competente [...], os símbolos da página impressa vêm à vida – a matemática vive e respira como uma sinfonia abstrata na mente do leitor.

Mas uma questão é fundamental, continua Devlin (2010), ninguém precisa ter

um aprendizado especial para apreciar uma performance musical. Nesse ponto, a

Matemática se torna egoísta. É necessário saber ler seus símbolos para poder

apreciá-los. “A Matemática só pode ser vista com os olhos da mente”.

Como é possível ler com os olhos da mente?

Um entendimento dessa leitura é que os objetos dos nossos processos de

pensamentos são símbolos, isto é, coisas que representam ou denotam outras

coisas.

Logo, podemos verificar em:

Parece óbvio! Afinal são duas adições: , porém, que faz

sentido se interpretarmos todos os símbolos existentes nessa adição de frações. “É

sem dúvida devido a esses casos que tantas crianças passam a encarar a

Matemática como ilógica e cheia de regras que não fazem sentido” (DEVLIN, 2010,

p. 87). Procurando um argumento sobre o porquê dos alunos não se apropriarem da

interpretação dos símbolos e aprenderem, as regras e técnicas para a resolução da

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questão acima, deparo-me com a questão do tempo. Será o tempo o grande

responsável? Leva mais tempo para explicar, interpretar e compreender o que os

números estão querendo dizer. No entanto, para o entendimento das regras e das

técnicas é necessário apenas o exercício da memorização.

É curioso pensarmos sobre a dificuldade em aplicar uma regra.

Outro exemplo:

Figura 4: Problema matemático

Fonte: DEVLIN, 2010, p. 88.

A respeito dessa composição, é arriscado seguirmos cegamente as regras.

Existe uma tendência de “traduzir” os símbolos, ou seja, na expressão “quantas

vacas restam?” imediatamente é traduzida e, em seguida associada a palavra

“restam” à operação subtração. Assim, sendo que a resposta correta é .

Essa urgência de querer encontrar uma resposta correta para o exercício acaba

invalidando a proposta da interpretação do problema, consequentemente, todo o

encantamento que essa disciplina possui fica prejudicado.

Portanto, não é condição sine qua non o individuo ser hábil com as regras e

técnicas e ser versado em Matemática.

O Movimento Romântico chegou e permitiu que houvesse o nobre cavaleiro

com suas armaduras, as donzelas belas e desprotegidas e as batalhas sangrentas

por território, pela vida e até mesmo pela honra. Representantes das artes

retrataram a loucura, a paixão, o sonho, a fantasia, a saudade e também as

emoções, tal qual os quadros de Èugene Delacroix, A Barca de Dante (1822) e A

Liberdade Guiando o Povo (1830), expressão máxima do Movimento Romântico. O

Romantismo se iniciou no século XVIII, conhecido como século das revoluções:

francesa, americana, industrial e da educação. A produção humana estava

sustentada no tripé dos princípios liberais: liberdade, igualdade e fraternidade. “Foi o

início da intervenção estatal da educação, das escolas científico-técnicas, dos

enciclopedistas franceses, de Rousseau e de Pestalozzi” (MIORIM, 1998, p. 42).

Um fazendeiro tem 12 vacas. Todas menos 5 morrem. Quantas vacas restam?

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2.2 Jean-Jacques Rousseau: o Copérnico da pedagogia e suas verdades

Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) foi chamado de o Copérnico da

pedagogia. Rousseau descentraliza o mundo da educação da mesma forma que

Copérnico descentraliza o mundo dos astros.

Rousseau clamava para ouvirem o grito que muitos ignoravam. O fato que

todo homem ao nascer é bom e se bem educado jamais poderá exercer mal esse

estado. “Que se destine o jovem para a espada, para a Igreja, para a advocacia,

pouco importa” (ROLLAND, 1975, p. 64), pois todos os homens podem seguir seus

próprios passos, sem interferência alguma da vocação que seus pais

recomendaram.

Em Rousseau, podemos ver a importância da criança para a pedagogia:

Rousseau depositava na educação, como preparadora dessa soberania popular. Costuma-se dizer que Rousseau provocou uma revolução copernicana na pedagogia: assim como Copérnico inverteu o modelo astronômico, retirando a Terra do centro, Rousseau centralizou os interesses pedagógicos no aluno e não mais no professor. Mais que isso, ressaltou a especificidade da criança, que não devia ser encarada como um adulto em miniatura (ARANHA, 2006a, p. 208).

Miorim (1998, p. 43) confirma a importância de Rousseau nas mudanças

pedagógicas:

Ao valorizar a educação como um processo que, partindo dos objetos sensíveis, deveria chegar, gradualmente, aos objetos intelectuais e propor que o ensino das matemáticas ocorresse apenas à medida que fosse necessário ao desenvolvimento de outras atividades. Rousseau contribuiu enormemente para uma mudança pedagógica, especialmente no que diz respeito às finalidades e aos métodos educativos.

Estavam, portanto, esboçados os parâmetros que norteariam a nova

pedagogia, a criança no centro e no fim da educação. Há nesse mesmo cuidado

com a criança, “uma autêntica preocupação em não perturbar a sua alegria e sua

serenidade, em adaptar o ensino à idade do aluno, um vibrante apelo à amizade

confiante, à afeição e à escuta entre professor e aluno” (GAUTHIER e TARDIF,

2010, p. 105).

Seguindo a mesma perspectiva, Cerizara (1990, p. 93) demonstra como são

vazias essas leis pelas quais os adultos justificam a obediência e ordem, algo tão

díspar das ideias que Rousseau apregoava.

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Mestre ─ Não se deve fazer isso.

Criança ─ E por que não?

Mestre ─ Porque é errado.

Criança ─ Errado? O que é errado?

Mestre ─ O que lhe proíbem.

Criança ─ Por que não posso fazer o que me proíbem?

Mestre ─ Porque você será castigado.

O século XVIII foi marcado por inovações pedagógicas para o

desenvolvimento do espírito humano e “Jean-Jacques Rousseau foi um dos

exemplos mais notáveis do poder de espírito sobre o tempo. Ele penetrou,

transformou e revolucionou a sociedade do seu século e do século que seguiu”

(ROLLAND, 1975, p. 1).

Contudo, a realidade das instituições responsáveis pela formação dos jovens

era imprecisa e ambígua. De um lado, a prevalência da obediência e imitação dos

modelos. E, de outro lado, a educação favorecendo o desenvolvimento do homem

por completo. Na Matemática, de um lado, Os Elementos, o preceito baseado no

sistema dedutivo se fortalecia nas escolas francesas. E, de outro lado, o

determinismo em adotar uma postura experimental, principalmente no ensino da

geometria.

Para Boyer (2010), “o século XVIII teve a infelicidade de vir depois do XVII e

antes do XIX”. Referindo-se ao ensino da geometria, o autor lembra que qualquer

período que seguisse o “Século do Gênio” e precedesse a “Idade Áurea” da

Matemática era considerado um interlúdio. E continua:

A geometria analítica e o cálculo foram inventados no século XVII, o surgimento do rigor matemático e o florescimento da geometria estão associados ao XIX. Existem histórias da Matemática dos séculos XVI e XVII e para o século XIX, mas não existe uma comparável para o século XVIII, nem é para o século XVIII que olhamos quando queremos observar as tendências significativas da Matemática (BOYER, 2010, p. 322).

Contrapondo-se a esse pensamento, Garbi (2010, p. 370) afirma que “no

século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX a geometria estendera-se para

muito além dos limites a que havia chegado os gregos quinze séculos antes”. Para

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ele, os séculos XVIII e XIX foram marcados pela notável expansão da Geometria

Projetiva e pela descoberta da Geometria não-euclidiana.

Quantos homens ausentaram-se ao quererem provar que suas teorias eram

verdadeiras e quantos perderam suas forças no tempo desse universo? É preciso

ainda reconhecer aqueles que sobrevivem até hoje, os que lapidaram seus nomes

nos mais altos cumes de respeito e admiração.

2.3 Os Congressos e Bourbaki: as inovações na Matemática

O sinal de nova era se aproximava e combinava com os símbolos que

surgiam perante nossos olhos, ora representado pela busca incansável de novos

conhecimentos, ora a sociedade buscando o entendimento de quais esferas as

novas tecnologias poderiam se ocupar. As visões foram se clareando na medida em

que foram surgindo as definições de alguns símbolos de um novo tempo.

O panorama de uma nova organização da civilização humana se apossou,

anulando antigos costumes e valores, indústrias tornando o sustentáculo da

economia, máquinas assumindo papeis de homens, criação de novas fortunas,

urbanização mais rápida e, sem dúvida, uma visão do mundo mais tecnicista.

Enriquecendo o debate, em um capítulo dedicado ao caminho da

modernização e o ensino da Matemática, Miorim complementa com as palavras de

Boyer:

O século dezenove, mais do que qualquer período precedente, mereceu ser conhecido como Idade Áurea da matemática. O que se acrescentou ao assunto durante esses cem anos supera de longe, tanto em quantidade quanto em qualidade, a produtividade total combinada de todas as épocas precedentes (BOYER, 1974, apud MIORIM, 1998, p. 57).

Considerando mais detidamente as particularidades da Idade de Ouro da

Matemática (século XIX), não somente pelas grandes transformações nesse

período, mas, sobretudo, pela possibilidade de renovar as concepções adotadas e

consideradas antiquadas para o rico terreno de inovações, é importante observar

que, após muitas reformas, havia a necessidade de mudanças no ensino da

Matemática, afinal, essas mudanças iam influenciar diretamente na formação dos

jovens. Houve, durante o século XIX, grandes Congressos internacionais

direcionados aos matemáticos e professores. Em 1897, ocorreu o primeiro encontro,

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em Zurike; depois em 1900, em Paris; em 1904, em Heidelberg e, em 1908,

aconteceu o 4º Congresso, em Roma.

Por volta de 1900, apesar das mudanças provocadas pelo crescimento da indústria e do comércio, o ensino de Matemática ainda não se encontrava em sintonia com as transformações que a sociedade vinha sofrendo. Na Matemática os conteúdos eram usualmente bastante elementares e os métodos de ensino enfatizavam os aspectos formais; a Matemática escolar tinha um caráter estático e desligado das aplicações práticas (SCHUBRING, 1999, p. 30).

Corroborando com Schubring, Devlin (2010, p. 25) enfatiza que, ao final do

século XIX, a Matemática ainda assumia o interesse para o estudo dos “números,

forma e movimento, espaço e das ferramentas matemáticas que são usadas nesse

estudo”.

No 2º Congresso, como caracteriza D’Ambrosio (1996), a conferência

principal do encontro, realizado em 1900, foi dada por David Hilbert, que apresentou

uma lista de 23 problemas.

Esses problemas encabeçaram as preocupações dos grandes matemáticos

no século XX. Podemos compreender, portanto, que após encontrar as respostas

dos 23 problemas, o ensino da Matemática não precisaria ser mais discutido e

também, a comunidade Matemática não se reuniria para discutir, analisar e propor

mudanças no ensino da Matemática. Nem tudo aconteceu como pretendiam. Alguns

desafios ficaram sem solução.

Em setembro de 2002, a revista Superinteressante5 reforçou a publicação

feita em 25 de maio de 2000 pelo jornal francês Le Monde6. O empresário norte-

americano Landon Clay, em um encontro em Paris, ofereceu US$ 1 milhão para

quem solucionasse 7 desafios da Matemática. Entre o grupo de desafios, estava um

dos problemas de David Hilbert, exatamente 100 anos após ter sido questionado

pela primeira vez7.

5 Cf. Helio Gurovitz. Matemática contemporânea, show do milhão. Revista Superinteressante, 180A,

set. 2002. 6 Cf. Jean-Francois Augereau. Le Monde.

7 O desafio consiste em solucionar cada um dos sete enigmas fundamentais que, segundo a equipe

de assessores renomados do Instituto de Matemática Clay, derrotaram a matemática do século 20. Os sete enigmas, segundo os especialistas que os escolheram, quando resolvidos permitirão avanços nos campos da criptografia e das ciências aeroespaciais, e também abrirão áreas inexploradas das matemáticas. Até hoje não se tem notícia de nenhum vencedor. Cf. com anexo A.

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Os problemas de Hilbert foram culminados com os trabalhos de Nicolas

Bourbaki , cujo objetivo era centrado na exposição de uma Matemática apresentada

e desenvolvida de forma abstrata e geral, com predominância de uma estrutura

lógica. O nome Bourbaki é grego, mas a sua nacionalidade é francesa. Nicolas

Bourbaki é um pseudônimo que um grupo de matemáticos franceses escolheu para

designar a sociedade que fundaram. O objetivo dessa sociedade era o de discutir a

matemática moderna.

De acordo com Boyer (2010, p. 438), Bourbaki é

(...) um francês inexistente com nome grego que apareceu nas páginas de título de várias dúzias de volumes numa grande obra que ainda prossegue Eléments de mathématique, que pretende captar toda a matemática que vale a pena [...] formam uma espécie de secreta société anonyme [...] a apresentação do assunto por Bourbaki é caracterizada por uma adesão sem concessões ao tratamento axiomático e uma forma secamente abstrata e geral que retrata claramente a estrutura lógica.

Bourbaki é constituído pelos membros fundadores Henri Cartan, Claude

Chevalley, Jean Delsarte, Jean Dieudonné e André Weil. Uma série de livros foi

publicada pelo grupo. “O primeiro volume de Eléments de Mathématiques de

Bourbaki apareceu em 1939, o trigésimo primeiro em 1965; até agora a obra não

completou o que se conhece por Parte I” (BOYER, 2010, p. 438).

Alguns dos livros publicados pelo Bourbaki tornaram-se referência para a

disciplina de Matemática. As transformações foram intensas, porém, D’Ambrosio

(1996, p. 54) mostra que sempre existe, pelo menos, duas visões do mesmo objeto,

dependendo do ângulo que você observa:

A obra monumental de Bourbaki teve grande repercussão na educação matemática de todo mundo por intermédio do que ficou conhecido como matemática moderna, que teve considerável importância no Brasil. Lamentavelmente, tudo o que fala da matemática moderna é negativo. Mas, sem dúvida foi um movimento da maior importância na demolição de certos mitos então prevalecentes na educação matemática. Como toda inovação radical, sofreu as consequências do exagero, da precipitação e da improvisação. Os desacertos, muito naturais e esperados, foram explorados e sensacionalizados pelos “mesmistas” e a matemática moderna foi desprestigiada e combatida.

Bourbaki exerceu grande influência intelectual desde o surgimento até o final

do século XX. O objetivo do grupo era levar aos estudantes uma Matemática

econômica, honrando sua abstração e a axiomática, ou o estudo dos sistemas de

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postulados e suas propriedades. O ideal de Bourbaki acabou influenciando por

muitos anos a literatura matemática. A herança deixada pelo grupo se solidificou até

hoje em determinadas caracterizações. Urgia entre os estudantes um ensino linear,

aliás, a linearidade era o Colosso de Rhodes na Matemática Moderna enfatizando e

priorizando conteúdos que fossem trabalhados e assimilados reportando-se às

habilidades de memorização e rotinização.

As propostas pedagógicas existentes, em cada país, poderiam ser de grande

valia na construção de ideias para a organização de um currículo de Matemática.

Mediante essa questão pensou-se numa Comissão, durante o 4º Congresso

Internacional de Matemática, que tivesse como objetivo fazer o levantamento da

proposta pedagógica que cada país utilizava. Era o sinal que os matemáticos

procuravam para a implantação de um trabalho voltado para o desenvolvimento das

mesmas competências e saberes em diversos países.

No transcurso dessa situação, Felix Klein (1849 – 1925), matemático alemão,

se preocupou, juntamente com outros matemáticos, com a quebra da barreira da

especialização e em subsidiar com elementos fundamentais a Matemática do século

XX.

Boyer (2010, p. xix) relembra o feito que Klein teve durante o século XX:

Para a história da Matemática talvez o que mais se deva desejar é que apareça um novo Felix Klein para completar, para o nosso século, o tipo de projeto que Klein tentou para o século XIX, mas não viveu o suficiente para concluir.

O interesse de Klein pelas divulgações do desenvolvimento da Matemática foi

tão expressivo que foi criada a Encyklopädie der Mathematischen Wissenschaftten.

Essa publicação era um compilado de monografias existentes na época. Além do

seu interesse pelas novas ideias da Matemática, Klein tinha a consciência do

significativo valor da Matemática na indústria.

Como descrito por Struik (1989), Klein defendeu que a Matemática na escola

secundária tivesse relação com o desenvolvimento moderno, “O interesse era o de

desenvolver a inter-relação dos diferentes domínios das matemáticas” (STRUIK,

1989 apud VITTI, 1998, p. 30).

Eis o ponto: a sua verdade não se impõe; Klein confiava nos aspectos

pedagógicos da Matemática. Como era o ensino da Matemática no ensino

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secundário? Klein foi um dos primeiros matemáticos a “ter olhos voltados para uma

possível mudança de ensino” (VITTI, 1998, p. 31).

Firmando o interesse de Klein pelas teorias que sugerissem avanços na

Matemática, especialmente nas geometrias, Miorim (1998, p. 66) mostra que

Felix Klein foi um dos primeiros a obter apoio dos setores privados, quer para a organização, quer para a realização de pesquisas em Matemática aplicada. Um dos resultados desses esforços foi a criação do Instituto de Investigação Aerodinâmica e Hidrodinâmica, em Göttingen em 1908.

A fim de mostrar quais eram os grandes objetivos de Felix Klein, Rowe (1983)

utiliza a autobiografia do matemático alemão ao reportar do Programa de Erlagem –

Erlanger Programm, a parte escrita da Conferência realizada em 7 de dezembro de

1872:

Em minha aula inaugural em dezembro, eu apresentei um detalhado programa para meus planos de ensino, em que declarava que a unidade de todo conhecimento e o ideal de uma educação completa não poderia ser negligenciada por causa dos estudos especializados. E, em consequência disso, que a educação humanística e matemático-científica [...] não deveriam ser colocadas uma em oposição à outra. Por outro lado, que era necessário cultivar a Matemática aplicada da mesma forma que a pura, a fim de preservar a conexão entre as disciplinas próximas, como a Física e a Tecnologia. Além disso, juntamente com a capacidade lógica igual importância deve ser dada à necessidade de desenvolver a intuição e, mais geralmente, a imaginação matemática. [...] Finalmente, as Universidades devem se preocupar com o ensino preparatório nas escolas, e assim dar particular ênfase na educação dos professores. A organização das escolas técnicas de ensino médio deve ser examinada, e em muitos aspectos tomadas como modelo (KLEIN apud MIORIM, 1998, p. 67).

Um dos objetivos de Klein era a elaboração, a promoção e o desenvolvimento

de uma formação universitária comprometida com sua época. Uma das propostas

era a de todos os alunos estudarem a Matemática. Esta seria, portanto, uma

ferramenta indispensável, independente dos cursos escolhidos. Outro objetivo era

em relação às escolas secundárias, Klein pedia mais atenção ao ensino da

Matemática, ou melhor, que fosse ensinada de maneira mais viva, com mais

significado e aponta como uma das causas da deficiência da Matemática a

separação entre a educação humanística e cientifica:

Ainda, a deficiência ao se difundir o conhecimento matemático é apenas um sintoma de um problema mais sério e profundo. É um

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sintoma de uma divisão fatal que tomou conta de nossa educação muito fortemente, e de muitos lados tem achado grande aprovação: eu estou me referindo a divisão entre educação humanística e cientifica. Matemática e as áreas conectadas a ela são no presente banidas para junto das ciências naturais, corretamente, considerando o caráter indispensável da Matemática para estas. Ainda assim seu conteúdo conceitual não pertence a nenhuma das duas categorias (ROWE apud VITTI, 1998, p. 33).

Para Klein, somente ensinava com qualidade quem tinha tido uma boa

formação em Matemática. E essa formação perpassava por um ensino com mais

entusiasmo, dedicação e compromisso. Era fundamental o professor explorar outros

significados e gradativamente articulá-los com outras interpretações. Para isso, as

academias deveriam se preocupar com o ensino da Matemática oferecido pelos

professores:

É aqui, que nós, professores universitários de Matemática, temos um vasto e, esperamos, recompensante campo para nossa atividade. De início está a tarefa, precisamente no contexto mencionado, de subir o nível dos padrões de Educação Matemática para os candidatos ao magistério a um nível não visto em muitos anos. Se nós educarmos melhores professores, então o ensino da Matemática vai melhorar por si mesmo, bem como a antiga e aceita forma será preenchida com um novo e revitalizado conteúdo! Nos últimos anos a situação já tem melhorado em muitos aspectos, bem como o número de jovens professores que têm caminhado nesta direção não é desconsiderável. E nós que estamos juntos no mesmo empenho esperamos que num futuro não muito distante uma melhora essencial no ensino da Matemática no ginásio seja atingido! (ROWE apud VITTI, 1998, p. 34).

Klein depositava na universidade toda a esperança para o aprimoramento do

ensino da Matemática. Ele interpretava o movimento da universidade igual a uma

mão de duas vias. Os futuros professores tendo uma formação de excelente

qualidade, teriam oportunidades de vivenciar e se apropriar das pesquisas recentes

do desenvolvimento da Matemática e, certamente, esse conhecimento seria

compartilhado com os alunos durante o processo ensino-aprendizagem.

Klein utiliza dessa acepção e reforça o seu desagrado com a descontinuidade

existente entre o ensino secundário e a universidade. Acusa friamente a falta de

significado dentro desses segmentos, ao fazer uma triste análise de ser professor.

Para Klein, ao sair da universidade e entrar na sala de aula, o professor assume

determinadas atitudes:

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Quando após terminar seu curso, tornar-se um professor, ele possivelmente passará a ensinar Matemática elementar de forma tradicional, no velho modo pedante, e como ele estava despreparado para distinguir qualquer conexão entre essa tarefa e a sua matemática universitária, ele logo se conformará com a maneira de ensinar e dos seus estudos universitários restaram apenas uma memória mais ou menos agradável que não tem influência sobre seus conhecimentos (KLEIN apud VITTI, 1998, p. 41).

Estava formada a grande pirâmide de base triangular. Em cada vértice um

sujeito produtor e condutor de conhecimentos matemáticos; no primeiro vértice, o

aluno do ensino secundário; no segundo vértice, o aluno universitário do curso de

Matemática e no terceiro vértice, o professor de Matemática. Contudo, não existia

uma homogeneidade entre os significados que esses sujeitos recebiam. Klein

apresenta propostas para articulação e interação entre os sujeitos pertencente aos

vértices da grande pirâmide.

Felix Klein divulgou suas ideias e os resultados de suas pesquisas por meio

de livros de sua autoria, proferindo palestras, ministrando cursos para professores

das escolas secundárias e das universidades. Seu Erlanger Programm,

Considerações comparativas sobre as pesquisas geométricas modernas, foi um dos

trabalhos mais lidos e utilizados por mais de sessenta anos.

A partir de 1913, as ideias de Klein começaram a aparecer em alguns países,

principalmente aqueles que participaram dos Congressos internacionais que

discutiram os caminhos da Matemática, como Alemanha, Áustria, Bélgica,

Dinamarca, Estados Unidos, França e Suécia. Esses países aparecem como os

desbravadores e pioneiros ao modificarem seus programas e, inclusive, seus

métodos de ensino.

Foi criada, em 1908, a Commission Internacionale de L’ Enseignement

Mathématique – CIEM, presidida por Felix Klein até o seu falecimento, em 1925. Os

alemães a denominaram de IMUK, iniciais de Internationale Mathematische

Unterrichts Kommission e, somente a partir de 1954, passou a ser conhecida como

ICMI – International Comission on Mathematical Instruction.

Várias foram as questões propostas pelo IMUK e entre elas estavam três que

geraram grandes impasses nos educadores e/ou responsáveis por essa disciplina:

Que Matemática deve ser ensinada aos estudantes de física e ciências naturais? Qual é o lugar do rigor no ensino de Matemática? Como pode o ensino dos diferentes ramos da Matemática ser mais

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bem integrado? (HOWSON, 1984, p. 77 apud SOARES, 2008, p. 730).

O 4º Congresso Internacional de Matemáticos, ocorrido em Roma, 1908,

revelou-se um terreno fecundo no terreno das inovações. A Comissão tinha a

responsabilidade de estudar as propostas das escolas secundárias de vários países.

Face à demanda, foi solicitado a cada nação participante que informasse como se

encontrava o ensino secundário e quais eram os temas de Matemática trabalhados

no ensino secundário de seu país. É importante ressaltar que os presentes julgaram

que a pesquisa ficaria prejudicada se os estudos fossem dedicados somente ao

ensino secundário. Portanto, o voto foi para “todos os níveis e tipos de escola”

(MIORIM, 1998, p. 73).

Souza (2010, p. 7) descreve que nessa reunião, em Roma, dezenove países

foram participantes e quatorze países, associados. Dentro do rol de países

participantes, os que tinham direito a voto estavam: Áustria, Bélgica, Dinamarca,

França, Alemanha, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega, Portugal,

Romênia, Rússia, Espanha, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Suécia. Os

países associados que poderiam participar das atividades do IMUK, porém, sem

direito ao voto eram: Argentina, Austrália, Brasil, Bulgária, Canadá, África do Sul,

Chile, Egito, Índia, México, Peru, Sérvia, Turquia. Dessa forma, o IMUK atuou como

um agente de mudanças, disseminando uma proposta de reforma da instrução

matemática necessária e urgente. O documento com todas as informações contidas

na pauta seriam apresentadas no próximo Congresso em Cambridge, em 1912.

O professor do Colégio Pedro II, Eugenio de Barros Raja Gabaglia (1862-

1919), foi o responsável por divulgar os relatórios sobre o ensino da Matemática no

Brasil. De acordo com a pesquisa de Ciro Braga (2003), em 1920, Henri Fehr,

secretário geral da Comissão, menciona que, de 1908 a 1920, foram entregues 310

relatórios, dos quais havia um único da América do Sul, o da Argentina – nenhum do

Brasil, apesar do compromisso assumido por Gabaglia em 1912.

Sobre essa atitude, Valente (1999, 2003) levanta algumas hipóteses, a

primeira delas é que o professor Gabaglia não concordava com a moderna

matemática, uma vez que ele era o mentor da tradução e adaptação de vários livros

de Matemática; e livros, de acordo com o ideário da modernização proposto pela

reforma internacional, eram considerados ultrapassados.

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Uma coincidência é que os livros Elementos de Arithmetica e Elementos de

Geometria faziam parte da Coleção intitulada F.I.C. (Frères de l’Instruction

Cherétienne) que eram utilizados no Colégio Pedro II e traduzidos por Gabaglia no

final do século XIX (VALENTE, 1999). O método lógico-dedutivo era imposto aos

alunos do Colégio Pedro II pelos professores Gabaglia e com quem dividia as aulas

de matemática.

Durante o 4º Congresso, em Roma , um dos líderes da CIEM, David Eugene

Smith (1860-1945) levantou as seguintes questões:

1. Quais têm sido os resultados dos esforços para remover as barreiras entre tópicos tais como álgebra e geometria, ou para ensinar os dois simultaneamente (isto é, numa mesma série), e estamos preparados para fazer alguma recomendação nesse sentido?

2. Qual seria um conteúdo mínimo e seguro para a geometria euclidiana, o cálculo e a mecânica?

3. Que posição deve assumir a escola secundária com relação à natureza das aplicações e às relações entre a matemática pura e a aplicada?

4. Qual deve ser a natureza dos cursos na escola secundária para aqueles que não irão seguir os estudos universitários, e para aqueles que pretendem seguir? (HOWSON, 1984 apud MIORIM, 1998, p. 73-74).

Apesar das questões estarem no foco da modernização do ensino da

Matemática, os esforços eram para o levantamento das práticas de ensino

existentes nos países participantes.

Os paises incentivadores dessa reforma apresentaram suas experiências.

Eram eles: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Hungria, Alemanha, Suécia, Reino

Unido e Estados Unidos. “Estamos, portanto, diante do Primeiro Movimento

Internacional para o Ensino de Matemática” (MIORIM, 1998, p. 75).

Aconteceu mais um Congresso, o 5º, em 1912. Ficou acordado que os

encontros aconteceriam de quatro em quatro anos, todavia, a I Guerra Mundial fez

com que esses encontros retornassem somente em 1920, em Estrasburgo. No 6º

Congresso, a Comissão excluiu a participação dos países derrotados na Guerra. Em

1928, foram retomadas formalmente as discussões sobre o ensino da Matemática,

com todos os países que anteriormente se comprometeram com as questões

educacionais.

A existência de uma disparidade no ensino da Matemática nas escolas

secundárias e nas universidades levou a Comissão a propor as seguintes alterações

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para o ensino secundário: “a introdução do cálculo; uma organização da matéria que

caminhasse em direção à fusão dos conteúdos, ou seja, que eliminasse a forma

compartimentalizada existente até então e maior ênfase às aplicações práticas”

(MIORIM, 1998, p. 76).

Recorrendo ao ideário de Felix Klein, foi percebida a grande contribuição da

psicologia, no desenvolvimento das aulas de Matemática, com foco nos aspectos

metodológicos.

Abaixo, as palavras de Klein:

O professor deve ser, por assim dizer, algo diplomático; tem de conhecer a psicologia das crianças para poder captar o seu interesse, e isso só poderá conseguir se aceitar apresentar as coisas de forma intuitiva facilmente assimilável. Dentro da escola, apenas nas classes superiores se pode revestir a doutrina de forma abstrata [...] Mas isso [...] deveria também estender-se a todo ensino, mesmo o superior; a Matemática sempre deveria ser apresentada de relacionada com tudo aquilo que pudesse interessar ao homem e com o que utilizará em sua vida (apud MIORIM, 1998, p. 69).

O interesse do aluno e a relação da Matemática com outras áreas de

conhecimento eram questões determinantes para o prosseguimento de novas

reformas. Na voz de Jean Piaget (1896 – 1980), a resposta aos problemas de

ensino:

Se deseja, como necessariamente se faz cada vez mais sentir, formar indivíduos capazes de criar e de trazer progresso à sociedade de amanhã, é claro que uma educação ativa verdadeira é superior a uma educação consistente apenas em moldar os assuntos do querer pelo já estabelecido e os do saber pelas verdades simplesmente aceitas (PIAGET, 2010, p. 23).

O grande pensador do século XX continua com sua exposição:

Mas [...] se tenha por objetivo formar espíritos conformistas prontos a trilhar os caminhos já traçados das verdades adquiridas, o problema implica em determinar se a transmissão das verdades estabelecidas terá mais êxito mediante o procedimento de simples repetição ou mediante uma assimilação mais ativa (ibid)

A frente desse processo, o epistemólogo suíço mostra a importância da

metodologia utilizada na sala de aula. Resta, portanto, uma inquietação a

mencionar: qual era o caminho que a Matemática ia seguir?

Mencionar o Movimento da Matemática Moderna é discutir também o forte

ideal que ocorreu em alguns países com a disputa espacial entre Estados Unidos e

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Rússia. Destaca-se o dia 03 de outubro de 1957, que foi marcado pelo lançamento

do “grande foguete”, Sputnik. A preocupação das elites ocidentais em serem os

grandes agentes de ascendência e se manterem na lista dos poderosos foi um dos

motivos que protagonizou a reforma do ensino da Matemática. Por outro viés existia

a preocupação em reparar o suposto atraso tecnológico dos americanos. “A reforma

Matemática Moderna inscreveu-se muito claramente numa política de formação a

serviço da modernização econômica” (PIRES, 2000, p. 9).

Diante de idas e vindas, a reforma no ensino da Matemática, no final do ano

de 1959, em alguns países, provocou pensamentos e mudanças de atitude,

derrubando o significado colocado, ou seja, o de repensar um currículo que formava

o homem para a sociedade vigente. O movimento internacional acercou-se tão

avassalador provocando a linearidade dos conhecimentos matemáticos nos

cotidianos escolares.

Para indicar o contexto desse tempo, Brown (1965, p. 39) expressa:

Os balões carregando laboratórios eletrônicos, a caixa em voo com um cão moribundo, um homem girando em órbita ao redor da Terra numa cápsula espacial, são símbolos da grande explosão de conhecimentos que surgiram na nossa geração.

A explosão de conhecimentos a qual Brown se refere é justificada por um

ponto de ebulição na:

[...] realização da Convenção da OECE, de Royaumond / França e da Convenção de Dubrovnik / Iuguslávia, em 1960, onde teve início o movimento da Matemática Moderna, que foi um dos grandes denominadores comuns e um dos principais marcos das reformas nos últimos trinta e cinco anos (PIRES, 2000, p. 10).

A Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE) criou, em 1958,

um departamento para discutir assuntos relacionados à Matemática. Em 1959, essa

Organização promoveu a Convenção de Royaumont e teve como discussão central

o ensino da Matemática. Cada país ou membro tinha o direito de representatividade

enviando três delegados, sendo eles: um matemático, um educador da área de

matemática ou uma pessoa encarregada de matemática no Ministério da Educação,

e um professor do ensino secundário (MOON, 1986 apud SOARES, 2008, p. 732).

A Convenção de Royaumont, mantendo o seu compromisso com o ensino,

apresentou os seguintes objetivos:

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(a) Esclarecer e resumir os principais pensamentos em Matemática e o currículo de Matemática na escola elementar e no ensino secundário, recrutar e treinar professores de Matemática para as necessidades de pesquisa em educação Matemática; (b) Especificar: (i) os propósitos da educação matemática; (ii) quais as mudanças desejáveis a serem feitas quanto ao conteúdo a ser ensinado; (iii) novos objetivos, novos materiais e novos métodos de ensino e (iv) dar treinamento adicional adequado aos professores de Matemática em vista das novas mudanças; (c) indicar procedimentos e métodos específicos que devem ser levados em consideração em qualquer país visando obter uma reserva - tanto em número quanto em qualidade - de matemáticos para o ensino e pesquisa e pessoas matematicamente competentes na ciência, na indústria e no governo; (d) sugerir uma ação de acompanhamento das atividades propostas tanto a nível nacional quanto internacional (MOON, 1986 apud SOARES, 2008, p. 731).

Nessa convenção, Jean Alexandre Eugène Dieudonné (1906 – 1992),

matemático francês e integrante do Grupo Bourbaki, lançou seu “Abaixo Euclides”,

documento que tinha como ideia central a geometria euclidiana, porém, Dieudonné

propôs que a geometria de Euclides ficasse no passado e passasse a ser avaliada

como a geometria clássica. Segundo Soares (2008), Dieudonné não abstrai

totalmente a geometria euclidiana, o que ele propõe é repensar a forma de ensiná-

la.

As conclusões ao fim da Conferência foram que:

(a) o que se necessita não é um programa de álgebra separado dos outros de aritmética, de geometria, de trigonometria e de análise, e sim um programa que combine os conteúdos daqueles dando unidade à Matemática. Os conceitos fundamentais são os de conjunto, relação, função e operação; as estruturas fundamentais são as de grupo, anel, corpo e espaço vetorial; (b) o simbolismo moderno para conjuntos, relações e aplicações deve adotar-se tão logo seja possível, e sua aplicação deve ser feita de um modo coerente e contínuo; (c) grande parte da álgebra tradicional, de pouca ou nenhuma aplicação no estudo posterior de Matemática, deve ser eliminada. (d) a geometria euclidiana tradicional ou sintética deve ser modificada em grande parte, e até eliminada, em favor de outros métodos de estudo do espaço; (e) deve-se eliminar o curso separado de trigonometria, e seu conteúdo deve incorporar-se aos programas de álgebra, de geometria e de análise. Oferecida desta maneira passa a ser uma parte da Matemática unificada; (f) em análise, o estudo das desigualdades, limites, diferenciação, integração e funções, deve ser parte da Matemática do ensino secundário. A maneira de abordar este estudo não tem porque ser rigorosa ao extremo, pode fazer-se intuitiva e correta. A ênfase deve estar nas técnicas de cálculo, apoiadas na compreensão da teoria em que se baseia; (g) a probabilidade e a inferência estatística, juntamente com a análise combinatória do ponto de vista dos conjuntos, de funções de conjuntos e espaços amostrais constitui um

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novo campo muito apropriado para ser tratado na escola secundária (FEHR, 1971 apud SOARES, 2008, p. 28).

Essas determinações produziram paradoxos profundos e inquietadores e

acabaram influenciando outros Congressos nos anos seguintes. As mudanças

ocorridas nos currículos, resultantes das convenções, foram veiculadas dentro do

sistema de ensino de diversos países como França, Inglaterra, Estados Unidos,

Rússia, Bélgica, Brasil, Nigéria, entre outros.

2.4 Progresso técnico e o Movimento da Matemática Moderna.

A partir da Convenção de Royaumont, foi iniciada a grande corrida dos

Congressos para colocar a Matemática no centro da roda das Moiras, as três irmãs

que determinavam o destino, tanto dos deuses quanto dos seres humanos; nesse

caso, era o destino do ensino da Matemática. Quais conteúdos da Matemática

apareceriam nos Currículos? O que aluno precisava saber?

Nos anos de 1945 a 1955, a França, assim como diversos outros países,

entrou num período de crescimento acelerado da industrialização fazendo com que

a falta de pessoal especializado, nas áreas técnica e cientifica, fosse a grande

característica vigente.

A sociedade passou a procurar por meios mais modernos, equipamentos

tecnológicos, eletrodomésticos, entre outros. Diante de um futuro marcado pelo

progresso técnico era preciso, portanto, assegurar aos jovens competências para

que pudessem enfrentar desafios e superar expectativas para o século que se

aproximava. “A tudo isso se acrescentou a ideia de que a elevação do nível técnico

e científico passava pela Matemática” (PIRES, 200, p. 19).

A Matemática era vista como principal elemento para essa nova forma de

vida, ela, a Matemática era a protagonista de projetos voltados para a ciência e

tecnologia. E por que Moderna? Pires (2010, p. 20) registra:

Moderna foi a palavra-chave, a palavra guia, a palavra mágica, com toda sua carga afetiva, mas também com toda ambiguidade: Matemática moderna, ensino moderno de Matemática ou ensino de Matemática para uma sociedade moderna? [...] entre as ideias basilares da reforma, uma era a de que há Matemática em tudo.

Ao elaborar uma hierarquia dos conhecimentos, Comte (1798 – 1857), ainda

no século XIX, afirmou que:

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A ciência matemática deve, pois, constituir o verdadeiro ponto de partida de toda educação científica racional, seja geral, seja especial, o que explica o uso universal, que se estabeleceu desde há muito a esse propósito, duma maneira empírica, embora não tenha primitivamente outra causa que sua maior ancianidade relativa. (COMTE, 1973 apud VALENTE, 2010, p. 202).

O Movimento da Matemática Moderna entrou num contexto denso, tenso e

intenso de grandes mudanças culturais, sociais e econômicas após o grande

desfecho da Segunda Guerra Mundial.

O matemático Gustave Choquet (1973), em seu artigo L’École Libératrice,,

confessa sua indignação a respeito da forma pela qual a reforma estava se

desenvolvendo:

Estou estarrecido com o que constato no ensino da escola primária e da secundária. Fui um dos promotores da reforma do ensino da Matemática, mas o que eu preconizava era simplesmente uma poda de galhos mortos, atravancadores, e a introdução de um pouco de álgebra. Pois bem, em suma, os novos programas e as instruções correspondentes são mais satisfatórios que os antigos, em que pesem erros razoáveis; mas há toda uma esfera nociva, que tem acompanhado o seu desenvolvimento. Em particular, um ataque contra a geometria e contra os recursos da intuição: foi dito aos professores que seria lastimável que eles estudassem os triângulos e que a álgebra linear substituiria toda a velha geometria [...] o resultado é tal que, sem uma forte reação de base, eu penso que a geração atual de nossa escola receberá uma formação matemática que não a prepara nem para a pesquisa, nem para a utilização da Matemática em técnicas ou ciências experimentais (CHOQUET, 1973 apud CHARLOT, 1986, p. 3)8.

Na busca de compreender a efervescência de conceitos, ideais e concepções

da tão aclamada Matemática Moderna, ocorridos no século XX, beneficiei-me de

uma frase de Franco Venturini9, historiador italiano: “para mim, o século XX é

apenas o esforço sempre renovado de entendê-lo”. Não faço analogias com a fome,

a miséria, a solidão, o colapso, as discórdias ilimitadas do século, mas sim, ao

terreno consagrado, árido e abstrato em que a Matemática pisou.

E assim, continuo minhas interpretações do século XX, sabendo que, para a

Matemática, foi um dos séculos decisivos para a universalidade gerada pelo

Movimento da Matemática Moderna.

8 Publicado originalmente no jornal L'École libératrice (Paris), publicação do Syndicat national des

institutrices et instituteurs publics de France et des colonies (Paris). Citação presente em Charlot (1984), tradução presente em Vitti (1998). Cf. referências bibliográficas. 9 Citação presente em HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos - O Breve Século XX - 1914 – 1991. São

Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 12.

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3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DA MATEMÁTICA NO BRASIL

Compreender é inventar, ou reconstruir através da

reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se

pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou

de criar, e não apenas repetir.

Jean Piaget

3.1 O Movimento e a sua singular marca: a linearidade

Inventar, construir e reconstruir, mas jamais moldar em um padrão

homogêneo. Este capítulo tem a intenção de mostrar as reformas que organizaram o

ensino de Matemática, quem foram seus idealizadores e quais as intenções que

tinham ao proporem as mudanças.

Barco (1990, p. 66) faz uma análise do mesmo assunto. Trata da linguagem

utilizada na Matemática Tradicional e da linguagem utilizada na Matemática

Moderna.

Professor trabalhando Matemática com seus alunos de acordo com o programa da Matemática Tradicional: Um quilograma de feijão é vendido por Cr$ 100,00: qual foi o lucro,

sabendo-se que o comerciante pagou

do preço de venda pelo

produto? Professor trabalhando Matemática com seus alunos de acordo com o programa da Matemática Moderna:

Um quilograma de feijão é vendido por um conjunto de cruzeiros batizado de V. Sabendo-se que a cardinalidade de V. é 100, isto é, , e que o conjunto de C de cruzeiros representa o custo de

mesmo quilograma de feijão tem cardinalidade , desenhe

100 pontos representando os elementos do conjunto V; represente em vermelho o conjunto dos lucros e calcule a cardinalidade n (L) dos lucros da transação.

O caminho para chegar a uma única formação estava interrompido, ainda

existia uma bifurcação no meio do percurso, um caminho levava para a preparação

prática e técnica diante das novas emergências de um sistema posto e o outro

caminho levava para preparar os nobres e libertos de qualquer amarra.

As propostas eram divergentes para esses dois tipos de pessoas, os que

precisam do ensino técnico e os que usufruíam do ensino culto, que a sociedade

aguardava. Quem tinha mais valor? Qual era mais reconhecido? Por quem era dado

esse reconhecimento e qual era o homem que aquela sociedade esperava? A

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valorização do conhecimento do ser humano torná-lo-ia reativo? Todas essas

inquietações tiveram grande efeito nos dias posteriores.

Se pudéssemos percorrer a primeira metade do século XX, encontraríamos

críticas e condições desfavoráveis à qualidade do ensino secundário. Os currículos

escolares não atendiam aos propósitos de uma sociedade vigente permeada de

inovações e renovações. Com efeito, a retenção e a evasão escolar atingiam os

mais altos índices dentro das estatísticas. E qual ou quais as inovações para

preparar o aluno para viver e atuar em um mundo em constantes mudanças? Como

educar para a vida?Educar para a vida, segundo Piletti e Piletti (1995), é contribuir

para que o indivíduo possua pleno governo de todas as capacidades.

[...] preparar uma criança para enfrentar uma ordem precisa de condições [...] prepará-la para a vida futura significa fazê-la dona de si; significa educá-la de modo que consiga rapidamente o governo completo e rápido de todas as suas capacidades; que seu olho, seu ouvido e sua mão possam ser instrumentos de mando sempre ágeis; que seu juízo seja capaz de avaliar as condições nas quais deve trabalhar e as forças que deve colocar em movimento para poder atuar econômica e eficazmente. Alcançar essa adaptação é impossível se não se tem constantemente em conta as faculdades, os gostos e os interesses próprios do individuo, isto é se a educação não se converte constantemente em termos psicológicos (ABBAGNANO, 2007 apud PILETTI e PILETTI, 1995, p. 112-113).

Qual seria o modelo de homem após a modernização industrial? Preparar

para a vida estaria presente nos currículos vigentes?

O compromisso com a educação, ou melhor, com os jovens que se formariam

estava na dependência das reformas instituídas. Entre outros segmentos, o ensino

secundário, atual ensino médio, estava na mira dos educadores.

3.2 As reformas

Duas reformas educacionais entraram na arena dos escolhidos para trabalhar

com a formação dos estudantes. A primeira ocorreu em 1931, a Reforma Francisco

Campos, aprovada pelo Decreto nº 19.890, de 18 de abril e a segunda, Reforma

Capanema, ocorreu em 1942, sancionada pelo Decreto-lei de 4.244 de 9 de abril.

Ambas tinham o compromisso de organizar o currículo seriado.

Francisco Campos, ministro da Educação, na sua Exposição de Motivos da

Reforma, assim se manifesta:

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A finalidade exclusiva não há de ser a matrícula nos cursos superiores; o seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar qualquer situação as decisões mais convenientes e mais seguras (ROMANELLI, 1986, p. 135).

A Reforma Capanema intentava uma divisão de competências e habilidades.

Assim, passaria a ter a educação superior, educação secundária, a educação

primária, a educação profissional e a educação feminina. As finalidades do ensino

secundário estavam presentes no seu artigo 1º:

Art. 1º O ensino secundário tem as seguintes finalidades: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes. 2. Acentuar a elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística. 3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial (BRASIL, 1955, s/p).

Posto que os objetivos do ensino secundário fosse atender a demanda da

sociedade vigente, as duas Reformas, Francisco Campos e Capanema, tinham

definido, ao ensino secundário, o mesmo objetivo: formação geral e preparação para

o ensino superior. A esse respeito, Souza (2010, p. 23), recorre a Karl Marx (1982) e

reitera que [...] todo regime social possui uma população adequada para as

necessidades imediatas de sua produção e reprodução e uma superpopulação

relativa, ou seja, uma população trabalhadora sobrante em relação ao modo de

produção dominante. Pensando em relacionar o contexto histórico-social e o desejo

de formar os jovens do ensino secundário, as ideias de Marx podem ser colocadas

em uma via única, ou melhor, se a indústria é o canal da valorização do capital,

seriam necessárias algumas pessoas operando máquinas para outras obterem os

lucros almejados. Quais seriam essas pessoas? Seriam eles, os estudantes das

escolas após a Lei Orgânica de 1942? Em quais segmentos estudariam no ensino

secundário? E no profissional?

Aranha (2006b) aponta que o objetivo no ensino profissional era o de:

[...] preparar para o trabalho a fim de evitar, nos segmentos mais pobres, a ociosidade, a desordem pública, sobretudo devido à influência dos agitadores ou [...] adequar o Brasil ao progresso que, em outras nações, se devia ao desenvolvimento industrial (ARANHA, 2006b, p. 308).

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Sem dúvida, estávamos diante de um sistema dual de ensino, longe dos

ideais de uma legislação que garantisse um ensino democrático e reflexivo ou,

então, bem distante do Manifesto dos Pioneiros, um dos mais importantes

movimentos de renovação educacional ocorrido no Brasil. O documento Manifesto

dos Pioneiros da Educação Nova redigido por Fernando de Azevedo e assinado por

um grupo de intelectuais prezava a qualidade na educação, e, excepcionalmente, a

defesa de uma escola laica, obrigatória e gratuita, com o acréscimo da defesa da

escola única em oposição ao dualismo.

Para bem compreender a proposta, Aranha (2006b) busca em Romanelli a

seguinte consideração:

A legislação acabou criando condições para que a demanda social da educação se diversificasse apenas em dois tipos de componentes: os componentes dos estratos médios e altos, que continuariam a fazer opção pelas escolas que classificam socialmente, e os componentes dos estratos populares, que passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho. Isso evidentemente transformava o sistema educacional, de modo geral, em um sistema de discriminação social (ROMANELLI, 1986 apud ARANHA, 2006b, p. 309).

O Estado, nesse período, realizou e investiu em várias reformas que

objetivaram atender essa demanda social por uma educação melhor que atendesse

os interesses de uma sociedade complexa. Essas reformas foram suficientes para

mudar a realidade educacional? Essa questão é proeminente, visto que o Brasil

possuía um número significativo de analfabetos.

O cotidiano era cada vez mais cercado de máquinas, parafusos, cores,

imagens e nossas crianças ainda permaneciam envoltas por uma carapaça sólida

que nada atingiria se usassem adequadamente a memória, se tivessem rigor nos

cálculos, nos teoremas e postulados.

Os educandos não podiam falhar, pois para a escola era a certeza da falta de

entendimento e compreensão do que foi passado. Uma resposta apenas, uma fora

do contexto ou a falta dela era a prova que o professor aguardava para ser

certificado de que aquele aluno não estava pronto, preparado e qualificado para

prosseguir em seus estudos. Essa empreitada significou que foi acentuada “a velha

tradição, do ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático”

(ROMANELLI, 1986 apud ARANHA, 2006b, p. 308).

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Existia, no entanto, uma proposta de atualização no ensino da Matemática,

que, fazendo uma analogia com o Farol de Alexandria, iria iluminar as mentes que

acreditavam em uma Matemática fragmentada e isenta de conexões. O aluno, a

partir dessa atualização, conseguiria perceber, interpretar e compreender a

interdisciplinaridade dentro da própria disciplina.

Essa observação ganha valor ao analisarmos que, até 1929, o ensino da

Aritmética, o da Álgebra e o da Geometria no Brasil eram realizados separadamente.

Por meio das ideias modernizadoras, do Movimento da Matemática Moderna,

Euclides Roxo (2003), professor do Colégio Pedro II, levou à frente as ideias de Felix

Klein que tinham como objetivo a integração das diferentes matemáticas (Aritmética,

Álgebra e Geometria) em uma única que viria se chamar Matemática.

No início, cada disciplina, a aritmética, a álgebra e a geometria, pertenciam a

um conjunto como elementos distintos, cada qual com o seu objeto de

aprendizagem. Entre elas, não havia elementos para a constituição de uma

intersecção, cada disciplina apregoava suas características, estruturas, seus

programas e suas especificidades respeitando, portanto, a individualidade de cada

uma.

Os livros matemáticos traziam por si só essa partição. Os autores

selecionavam quais conteúdos fariam parte da Aritmética, da Geometria e da

Álgebra, tomando o maior cuidado para firmar nos alunos saberes particulares, que,

vistos sob um ângulo maior, dificilmente os alunos, poderiam reunir para alcançar

voos no universo matemático.

A articulação entre os conteúdos expostos em cada disciplina para a

formação do uno matemático era prejudicada pelo fato dos responsáveis pela

elaboração dos programas matemáticos seguir os preceitos das Congregações

Católicas da França, tal qual ressalta Iraci Müller. Em sequência, a autora

complementa: “[...] nesse período, Aritmética, Álgebra e Geometria eram tratados

como disciplinas autônomas, baseadas em textos de autores franceses, meramente

traduzidos para o nosso idioma” (MÜLLER, 2000, p. 134).

Dentre os trabalhos consultados, na busca de um levantamento bibliográfico

sobre a temática da pesquisa, avaliei na publicação “Marcas Históricas da

Matemática Moderna no Brasil”, de Neuza Bertoni Pinto, a decisão tomada pelo

Professor Euclides Roxo. Na ocasião, ele propôs fundir a Aritmética, Álgebra e

Geometria em uma única disciplina chamada Matemática, pois possuía forte

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interesse em promover essa junção. Roxo foi grande colaborador da Reforma

Francisco Campos, em 1931, a qual “enfatizava o raciocínio lógico voltado para a

descoberta, no lugar de memorização de definições e uso abusivo de regras

algorítmicas” (PINTO, 2005, p. 3).

No Decreto nº 18.524, de 15 de janeiro de 1929, foi homologada a alteração,

mas com ressalvas. Somente no Colégio Pedro II seria implementada essa

proposta. O Colégio Pedro II, na época, era um modelo para as outras escolas

secundárias. Foi somente com a “Reforma Francisco Campos que foi instituído para

o ensino secundário todas as ideias modernizadoras presentes na proposta da

Congregação do Colégio Pedro II, na parte relativa ao ensino da Matemática”

(MIORIM, 1998, p, 93), inclusive a articulação das disciplinas Aritmética, Álgebra e

Geometria.

Ficaram desse modo, oficialmente estabelecidos “o currículo seriado, a

frequência obrigatória, dois ciclos e a exigência de habilitação nos ciclos para o

ingresso no ensino superior” (ROMANELLI, 1986, p.135), exigência essa para todas

as instituições que atendessem alunos do ensino secundário.

De acordo com Miorim (1998), o objetivo do ensino da Matemática deixava de

ter evidência apenas no desenvolvimento do raciocínio trabalhado pela lógica

dedutiva, mas abarcava, também, o desenvolvimento de outras faculdades

intelectuais, diretamente ligadas à utilidade e aplicações da Matemática. Os

objetivos metodológicos relacionados à Matemática enfatizavam tais aspectos e

foram expostos no Decreto nº 19.890, de 1931. Bicudo (1942) comenta sobre essa

nova concepção:

A importância da prática nos cálculos mentais, da compreensão das operações elementares, do desenvolvimento do senso de estimativa, da análise de situações, relacionamento de fatos e estabelecimentos das leis gerais, do uso do método heurístico, que levariam o aluno a ser descobridor e não um receptor passivo de conhecimentos, e, também da introdução de um curso propedêutico de geometria, destinado ao ensino intuitivo, de caráter experimental e construtivo. Além disso, seria necessário renunciar completamente à prática de memorização sem raciocínio, ao enunciado abusivo de definições e regras e ao estilo sistemático das demonstrações já feitas e introduzir a matéria por meio de resolução de problemas e de questionários intimamente coordenados (BICUDO apud MIORIM, 1998, p. 95).

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E quanto às orientações especificas do referido documento, garantiam essas

normas? Ledo engano. Os três ramos da Matemática, Aritmética, Álgebra e

Geometria ainda estavam separados.

No Brasil, em 1950, Getulio Vargas foi eleito, por voto direto, o presidente da

República, e o Congresso Nacional aprovou, no dia 17 de julho de 1951, a lei que

considerava crime qualquer ato de racismo e podia punir com prisão os infratores. E

no mesmo ano, em 20 de outubro, mais de cinco mil pessoas presenciaram a

abertura da primeira Bienal de Artes de São Paulo, em um pavilhão do Parque

Trianon. Dois anos depois, Vargas aprovou a criação da Petrobrás.

Estes fatos ilustram o que entendemos ser um novo contexto e uma nova

forma de vida intelectual, em razão disso, o avanço postado em lógica, na

navegação, no desenvolvimento do comércio, na ótica, na projeção e na construção

dos telescópios espaciais afetava diretamente o ensino e o aprendizado.

Búrigo (1989) entende o século XX como a somatória de fatores que

poderiam ser determinantes para o produto final. A autora, além de mencionar os

aspectos metodológicos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, faz

referências ao precário investimento dado aos profissionais da educação:

O ensino secundário era apontado como um ensino muito menos aberto à renovação e às preocupações de natureza didático-pedagógica do que o ensino primário. Prevaleciam, como métodos de ensino, a exposição e a repetição. A avaliação era feita, em geral, em torno de conhecimentos decorados pelos alunos. Os professores careciam de formação profissional: em 1951, numa amostra de 1377 professores secundários do Estado do Rio de Janeiro, apenas 112 (em torno de 8%) eram diplomados por Faculdades de Filosofia, como previa a lei vigente (BÚRIGO, 1989, p. 36).

Em razão de os professores não terem a cátedra em Matemática, a

metodologia empregada pelos professores estava ajustada em uma sequência

padrão com raros espaços para inovações, interações e para improvisações. Os

fundamentos eram valorados com aulas expositivas do conteúdo planejado pelo

professor, em seguida, os alunos faziam uma série de exercícios padronizados,

seguindo o modelo apresentado. A grande ordem era efetuar enormes cálculos e

demonstrar teoremas e postulados.

E os professores, quais recursos usavam? Qual eram as visões sobre os

resultados de seus pupilos? E quais eram suas representações?

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Para os magistrados apresentarem, desenvolverem e ensinarem a

Matemática usavam apenas o giz e a lousa como elementos principais da sua

exposição. A avaliação dos educandos consistia em habilidades que privilegiassem

a memória, principalmente para exposição da demonstração dos teoremas em

provas orais.

Hugo Assmann (2003) entende que a aquisição de conhecimentos tem

estreita relação com a inteligência emocional. Recorrendo às ideias do médico e

filósofo colombiano Luis Carlos Restrepo10, Assmann utiliza a obra dele, El derecho

a la ternura (“O direito à ternura”), para criticar o fato de que muitas vezes a escola

ignora que o aluno se movimenta, fala, pensa, tem emoções conflitantes:

Bastaria que as crianças tivessem seu par de olhos, seus ouvidos e suas mãos, ficando excluídos, para sua comodidade, os demais sentidos e o resto do corpo. Se ela pudesse fazer cumprir essa ordem desse tipo, a escola pediria às crianças que viessem à aula somente com seus olhos e ouvidos, talvez acompanhados pela mão na atitude de agarrar um lápis, deixando o resto do corpo bem guardado em casa (RESTREPO, 2000 apud ASSMANN, 2003, p. 31).

Como reforço dessa exposição, Dias (2008) analisa que a Matemática no

Brasil, desde o período colonial até a primeira metade do século XX, foi ministrada

por pessoas que dominavam certo tipo de conhecimento matemático, escolar,

acadêmico ou superior.

Os responsáveis por levar a Matemática dentro dos bancos escolares, geralmente eram os engenheiros militares ou civis que se bacharelavam ou se doutoravam nessa ciência ao mesmo tempo em que se formavam engenheiros, pois as escolas politécnicas e as academias militares formavam os espaços institucionais que centralizavam a produção e difusão da Matemática nesse período (DIAS, 2008, p. 13-14)

Como substituir as antigas práticas? Como deixar de priorizar as justificações

rigorosas?

O avanço tecnológico e a modernização impostos pelo momento histórico

gerava um apreço pela necessidade de uma mão de obra qualificada, implicando,

assim, em uma nova proposta da Educação. A Matemática, portanto, foi colocada na

10 RESTREPO, Luís Carlos. O Direito à Ternura. São Paulo: Vozes, 2000.

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linha de frente do ensino por ter como alicerce uma cultura voltada para a ciência e a

tecnologia.

O documento oficial Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, publicado em

1997, descreve com propriedade a importância da inclusão da Matemática nos

currículos oficiais.

A constatação da sua importância apoia-se no fato de que a Matemática desempenha papel decisivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, tem muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares. Do mesmo modo, interfere fortemente na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na agilização do raciocínio dedutivo do aluno (BRASIL, 1997, p. 15).

O contexto histórico estava exigindo urgentemente alguns ajustes na

educação. Os sinais revelavam que a educação tinha que passar por estradas

longas, escuras e com obstáculos. Longas por não existir uma proposta educacional

clara, definida e objetiva na qual, alunos percorressem e encontrassem apoio e

segurança na opção de vida escolhida. Escuras por não terem mestres aptos para

atuarem no ensino de Matemática. Mestres que percebessem a importância de

serem agentes de transformação, que promovessem a autonomia intelectual do

aluno, que soubessem lidar com o imprevisto, que atendessem as exigências de um

mundo diferente que estava chegando e, finalmente, com obstáculos por um

irrestrito desconhecimento, de alunos e professores, de materiais e recursos

didáticos para analisarem, refletirem e enriquecerem os conteúdos de uma disciplina

que, agora, estava sendo fundamental para os que ocupavam os mais altos postos

de comando. Matemática! Seria ela, vitima ou vilã de um sistema econômico do

século XX?

3.3 As ideias chegam ao Brasil: os primeiros Congressos

É a essa situação que uma parte da comunidade científica, incentivada pelo

grande ideal de propor uma reforma, de tal modo que se adaptasse às necessidades

da sociedade moderna, realizou o I Congresso Brasileiro do Ensino de Matemática,

em Salvador – Bahia, em 1955, por iniciativa da professora Martha Maria de Souza

Dantas, professora de Didática da Matemática na Faculdade de Filosofia da

Universidade da Bahia. Dantas, quando esteve na França, travou estreitas

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discussões. Com base nessas discussões, foi acordado, entre os participantes, que

a Matemática deveria passar por profunda mudança.

Somente após cinquenta anos do IV Congresso Internacional, em 1908, em

Roma é que as ideias que surgiram do Movimento da Matemática Moderna iriam

aparecer, influenciar e entusiasmar os pesquisadores, docentes e toda a

comunidade científica no Brasil. O encontro teve a finalidade de conhecer as

propostas de Matemática de outros países.

Em seu discurso de abertura, Dantas enfatizou, dentre outros aspectos, a

finalidade do ensino científico na escola secundária.

Falarei, primeiramente, em linhas gerais, dos objetivos do ensino da Matemática na escola secundária; em seguida, vos perguntarei se, nas condições atuais do ensino, êles se realizam [...] O fim do ensino científico na escola secundária é duplo: dar ao adolescente os conhecimentos exigidos pela vida moderna e, sobretudo, subordinar o espírito a uma disciplina e a um método, que só a prática das ciências pode proporcionar-lhe e que êle transferirá pelo hábito a todos os atos da sua existência. Para a consecução dêsses dois objetivos nenhuma outra contribuição se nos apresentará mais valiosa do que a da matemática, pelo seu alto valor formativo e pelo seu valor utilitário; não menos importante é êste, se considerarmos a sua influência na sistematização e incessante desenvolvimento das outras ciências.

Não é, absolutamente, menosprezar a importância do segundo objetivo, afirmar que a nossa grande preocupação na escola secundária deve ser a de salvaguardar, antes de tudo, a verdadeira formação do espírito (DANTAS, 1957 apud DIAS, 2008, p. 16).

Miorin relata que estiveram presentes, no primeiro Congresso, 115

professores, sendo 103 da Bahia e alguns representantes de instituições de outros

Estados: Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo,

Pernambuco e Rio Grande do Norte (MIORIM, 1998, p. 111).

As discussões e propostas postas entre os participantes foram conclusivas

para o início de um desenvolvimento de uma moderna Matemática.

A pergunta a ser feita parte do seguinte pensamento: essa mudança poderia

ser influenciada positivamente ou essas reformas iriam depor contra o legítimo ideal

que estavam buscando?

Dentre os que participaram desse 1º Congresso, estavam Osvaldo Sangiorgi,

Omar Catunda e Ana Averbuch (SOARES, apud SILVA, 2006, p. 52), a votação foi

por programas flexíveis e sujeitos a revisões periódicas. O Congresso desaprovava

um ensino voltado para abstrações, que privilegiasse aspectos teórico e livresco. A

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ideia era que a Matemática pudesse ser aplicada e sujeita a conexões com outras

ciências.

No dizer de Elisabete Zardo Búrigo, uma das referências sobre o movimento

da Matemática Moderna,

O I Congresso Nacional de Ensino de Matemática [...] expressava tanto a insatisfação de professores com a “educação tradicional” ministrada no secundário, com uma ênfase excessiva na “cultura clássica”, voltada à formação de uma “minoria” e por isso também inadequada às necessidades de uma “sociedade moderna”, a insatisfação com a situação particular do ensino da matemática no secundário, como a disposição de participar ativamente das mudanças consideradas necessária, rompendo a tradição das reformas feitas em “gabinetes” (BÚRIGO, 1989, p. 41).

Búrigo (1989) ressalta que dentro dessa esfera não existiam representantes

de caráter governamental com a proposta de rever ações, metodologias, programas

de incentivo à formação do professor, somente havia pessoas interessadas em

estabelecer discussões e possibilidades para o ensino da Matemática. Entretanto, os

representantes eram da “Faculdade de Filosofia, de escolas secundárias de

prestígio da época e da Sociedade Matemática de São Paulo” (p. 41).

A autora ainda acrescenta:

A disposição participativa manifesta no Congresso e a compreensão da necessidade da valorização do ensino da Matemática como elemento de adequação do ensino a novas necessidades sociais eram, sobretudo expressão de um processo mais amplo em que diferentes setores da intelectualidade brasileira se articulavam no debate de questões específicas tendo como pano de fundo comum a bandeira do progresso, do desenvolvimento e da modernização (BÚRIGO, 1989, p. 42).

Outro item que foi colocado em pauta foi a carga horária da disciplina. A

proposta era a disciplina ter 4 aulas semanais no ginásio e 5 aulas semanais no

colégio e “era justificada, de um lado, pelo caráter disciplinador do espírito inerente à

disciplina e, de outro, pela influência da Matemática no progresso científico em

geral” (ibid), fato esse que trouxe uma imagem da necessidade de uma maior

valorização do ensino da Matemática no ensino secundário.

Mas, e os professores? Passariam por essa modernização? Estavam eles

prontos para receberem os alunos da sociedade que se formou? E o que passariam

a ensinar? O que eles queriam que os alunos aprendessem? Essa nova Matemática

exigia do professor o conhecimento pleno de conceitos.

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A partir dessa reflexão, Tardif (2010) percebe e sintetiza o perfil do

profissional da educação. Para ele,

O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos (TARDIF, 2010, p. 39).

Piaget (2009), antes mesmo das reflexões de Tardif, também reconhecia que

a formação do professor e a qualidade da educação a ser oferecida tinham estreita

relação.

[...] a preparação dos professores, o que constitui realmente a questão primordial de todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto não for a mesma resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado (PIAGET, 2009, p. 25).

Dantas (1993) foi enfática ao expor, em seu depoimento, as preocupações

que permearam o I Congresso Brasileiro, afirmando que os professores tinham que

se adaptar a novos referenciais, ou melhor, que os profissionais da educação do

ensino da Matemática seriam constituídos por uma nova identidade profissional.

Preocupou-me, sobremodo, a problemática do ensino da matemática. Os programas eram impostos pelo Ministério da Educação, que não consultava os professores. Os livros, elaborados para atender aos programas refletiam os desacertos destes. O autoritarismo empolgava a maioria dos mestres que se repetiam, sem cessar, no seu ensino tradicional: nos conteúdos utilizados, no tratamento do aluno, na apresentação da matéria e na sua avaliação. Era preciso mudar. Eu não sabia como mudar e não encontrava publicações que me sugerissem uma mudança. Naquela época os cursos de Metodologia da Matemática eram, por vezes, até ridicularizados e, talvez por isso, não contávamos com literatura apropriada para os mesmos (DANTAS, 1993, p.13-15 apud DIAS, 2008, p. 17).

O I Congresso, em 1955, foi encerrado com algumas importantes

recomendações para os mestres e para os responsáveis pela formação dos

professores. Todavia, os referenciais teóricos advindos desse encontro foram

escassos. Em suma, as preocupações pedagógicas passavam pelas vias de uma

pedagogia que valorizasse o aluno. Ele, “o aluno sendo um descobridor e o mestre,

um guia” (BÚRIGO, 1989, p. 44).

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No II Congresso, realizado 2 anos após, em Porto Alegre, em 1957, não

foram apresentados noções ou até mesmo um rol de conteúdos que justificassem a

transformação dos currículos em Matemática. Foram apresentadas as primeiras

experiências desenvolvidas em cursos de aperfeiçoamento de professores

primários, com conteúdos da Matemática Moderna, tais como: conjuntos e

propriedades das operações aritméticas básicas.

Na figura 5, uma das atividades presente no tópico Exercícios de Fixação, no

capítulo Noções de Grandeza, Tamanho, Posição, Quantidade e Distância para os

alunos do 1º ano do ensino primário11, na década de setenta. Os alunos precisavam

responder, em sala ou em casa, tais exercícios com o objetivo de estudarem e

aprenderem os conteúdos ensinados na sala de aula.

Figura 5: Exemplo de Atividade

Fonte: Enciclopédia Ilustrada, 1975.

11

Atualmente, Ensino Fundamental – Anos Iniciais (EFAI).

1. Atividade da página 24:

Nessa atividade os alunos, do ensino primário, precisavam saber:

I. Correspondência entre cor e tamanho

Desenhar objetos no primeiro plano e mais longe;

Cores azul e vermelha;

Desenhar círculos.

I. Lateralidade (esquerda e direita)

II. Observação e Comparação de figuras

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Figura 6: Atividades da 1ª série da disciplina de Matemática - anos 60

Fonte: Enciclopédia Ilustrada, 1975.

Uma das inferências que pode ser feita é a de que os alunos aprendiam

conceitos da teoria dos conjuntos desde as primeiras séries.

O programa que continha essa atividade estava presente no mês de março:

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1. Noções intuitivas e práticas através das necessárias comparações de: quantidade, tamanho, posição.

2. Estudo objetivo dos números de 1 a 9.

3. Formação da numeração pela composição de números de 1 a 9, contagem concreta leitura e escrita.

4. Formação e complemento de séries em ordem crescente e decrescente (ENCICLOPÉDIA ILUSTRADA PARA EDUCAÇÃO BÁSICA PRIMÁRIA – MATEMÁTICA MODERNA, 1975, p. 24).

É um caso em que é válida uma reflexão: os professores tinham recebido

alguma orientação para ensinarem os conteúdos recomendados pelo Movimento da

Matemática Moderna? A resposta foi dada por Valente (2006, p. 30), “a adoção do

Movimento foi feita sem planejamento necessário e sem a devida preparação dos

professores”. Segundo ele, “o ensino da teoria dos conjuntos tornou-se

excessivamente abstrato e exagerado”, pois os alunos do 1º ano do ensino primário

começavam a receber os conceitos matemáticos, por meio da teoria dos conjuntos.

Nos anos posteriores, os problemas continuariam.

Ao caminharmos pelo tempo e avaliarmos o ensino da Matemática é que

vemos o quanto ela é adequada ou não às nossas necessidades e quais são os

seus objetivos mais urgentes em cada época. O que não podemos negar, é que

sempre ela está presente servindo à sociedade.

Em relação aos resultados de pesquisas apresentados no I Congresso, foram

apresentadas três teses.

A primeira, do professor Ubiratan D’Ambrósio, foi apresentada pelo professor

Benedito Castrucci e foi “recebida com frieza pelos congressistas” (BÚRIGO, 1989,

p. 45). O seu trabalho tinha como principal objetivo a inclusão de jogos e

passatempos. O método intuitivo se fazia presente, bem como as críticas ao

programa. “O desconhecimento das aquisições mais recentes na Matemática

Moderna e da psicologia era um dos elementos que fazia o programa anacrônico,

sendo grande parte da Matemática ensinada inútil” (CONGRESSO NACIONAL,

1959, p. 375 apud BÚRIGO, 1989, p. 46).

Como deixar afastado das práticas dos professores os jogos, desafio genuíno

que gera prazer e interesse?

A importância dos jogos no ensino da disciplina de Matemática há tempos

vem sendo debatida por educadores e pesquisadores, os jogos apresentam

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características próprias para o processo de ensino-aprendizagem. Essas

características estão presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997):

Além de ser um objeto sociocultural em que a Matemática está presente, o jogo é uma atividade natural no desenvolvimento dos processos psicológicos básicos; supõe um “fazer sem obrigação externa e imposta”, embora demande exigências, normas e controle. No jogo, mediante a articulação entre o conhecido e o imaginado, desenvolve-se o autoconhecimento — até onde se pode chegar — e o conhecimento dos outros — o que se pode esperar e em que circunstâncias (BRASIL, 1997, p. 35).

A segunda pesquisa apresentada, nesse 1º Congresso, foi a do professor

Osvaldo Sangiorgi cujo fio condutor era a presença da Matemática Clássica ou da

Matemática Moderna na elaboração dos programas do Ensino Secundário.

Sangiorgi usou como um dos referenciais teóricos “a obra recentemente

publicada e que seria um dos textos mais lidos no Movimento da Matemática

Moderna, L’ enseignement des mathématiques” (BÚRIGO, 1989, p. 46). Na sua

apresentação, o professor apontou algumas diferenças entre a matemática clássica

e a moderna:

A diferença entre a Matemática Moderna residia, sobretudo no fato de uma ter por base os elementos simples e a segunda um sistema operatório, isto é, uma série de estruturas (Bourbaki) sobre as quais se assenta o edifício matemático (BÚRIGO, 1989, p. 46).

Sangiorgi continuou demonstrando cautela para encerrar bruscamente com a

primeira, a clássica. Era necessário calma e consideração pelas duas,

principalmente na elaboração dos programas.

A terceira pesquisa foi a do Major Prof. Jorge Emmanuel Barbosa, professor

do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Ele dividiu a sua defesa em três argumentos

após referir-se à atualização no ensino da Matemática para a formação dos

cientistas e, em particular, de matemáticos.

Na voz de Búrigo (1989, p.47):

[...] o primeiro dizia em favor dos alunos iniciarem o ensino da Matemática, no ensino secundário, com as técnicas e métodos [...]. O segundo argumento era o de que a Matemática Moderna, pela ênfase nas generalizações e na explicitação de conexões entre as diversas partes da Matemática favorecia o que se denominava a psicologia da aprendizagem.

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O terceiro argumento, apresentado por Barbosa, era a sugestão de formação

de um grupo de professores com a finalidade de fazerem experimentações e

pesquisas seguindo a concepção da Matemática Moderna, ou seja, conhecer quais

práticas que deram certo e que poderiam ser utilizadas ou adaptadas para os

alunos.

Fazer o aluno pensar produtivamente, desenvolver o raciocínio, enfrentar

situações novas, dar ao aluno a oportunidade de se envolver com as aplicações da

Matemática, são alguns dos propósitos pelo qual o ensino é responsável. Sendo

assim, é inegável reconhecer a sua importância. A célebre questão é: professores e

alunos estavam sendo atendidos por instâncias superiores? Ou esses acordos e

compromissos firmados ficavam a deriva nas instituições escolares?

Elenir Terezinha Soares (2007) encontra no livro O fracasso da Matemática

Moderna, de Morris Kline (1976), uma justificativa para demonstrar os exageros que

se cometiam em nome do movimento Matemática Moderna:

Caso I Professor:

─ por que Aluno:

─ porque ambos são iguais a 5. Professor:

─ Não, a resposta exata é porque a propriedade comutativa da soma assim o sustenta.

Caso II Professor:

─ como podemos expressar propriamente os números inteiros entre 6 e 9 ? Aluno:

─ Ora, apenas 7 e 8. Professor:

─ Não. É o conjunto de números que é a intersecção do conjunto de números inteiros maiores que 6 e o conjunto dos números inteiros menores que 9 (p. 3).

O rigor clássico era mantido e preenchido pelas vias da formalidade, sem

levar em consideração o processo de formação do pensamento matemático,

ocasionando assim, a aridez da compreensão, ou melhor, a ausência de acesso ao

saber matemático.

Valente (2008, p. 23) pondera que, para alguns profissionais, o rigor é critério

para aprender Matemática e que “com as escolas, impera o exercício, o reiterativo, a

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atividade. Resolver o exercício de modo correto passa a significar aprender

Matemática: uma herança que já tem um século em nossas práticas”.

Antonio Mauricio de Medeiros Alves (2005, p. 124), utiliza-se de uma citação,

encontrada em Felix (2001, p. 116), na qual Osvaldo Sangiorgi comenta que o

movimento do qual ele era um dos principais defensores não havia resolvido os

problemas e que “a Matemática Moderna, por sua vez, foi colocada abruptamente no

Brasil, trazendo transtornos de sua aceitação e penetração tanto no ensino Básico

como no de 2º grau”.

3.4 O GEEM: elemento presente no Movimento da Matemática Moderna

Pensando em atender essa demanda, ora composta de professores que

buscavam metodologias diferenciadas, uso de materiais didáticos e treinamento

para esse novo currículo, ora baseada em aspectos cognitivos e psicológicos da

aprendizagem pelos estudantes é que, em 31 de outubro de 1961, foi fundado em

São Paulo, o Grupo de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM) com a

incumbência de levar aos profissionais da educação de Matemática e comunidade

científica, ações para adoção de uma Matemática renovada nas escolas brasileiras.

Essas novas ideias foram intensificadas e se manifestaram fortemente nos

Congressos de 1962 e 1966, o IV e V Congressos Nacionais, respectivamente.

No GEEM, Osvaldo Sangiorgi exercia a função de presidente da Diretoria,

Benedito Castrucci era presidente do Conselho Consultivo e Ruy Madsen Barbosa

era presidente do Conselho Executivo.

Na figura 7, trecho do prefácio da obra que apresentava sugestões para um

roteiro de programa para a cadeira de matemática.

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Figura 7: Trecho do prefácio da 2ª edição de publicação do GEEM

Fonte: GEEM, 1965.

O texto introdutório refere-se à divulgação de algumas informações citadas na

“Enquete Internacional das novas tendências do ensino da Matemática”, promovida

pelo Departamento de Pesquisas Pedagógicas, do Instituto Nacional da França, em

colaboração com a organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura – UNESCO, em 1963 e pela “Matemática de hoje – um guia para

professores”, publicação de 1964, da OECD (Organization for economic co-operation

and development), acerca dos resultados da Conferência Internacional do Ensino da

Matemática, realizada em Atenas, 1963 (GEEM, 1965). Muitas dessas novas

tendências foram explanadas durante as Sessões de Estudos e Cursos de

Aperfeiçoamento para professores, realizadas pelo GEEM nos anos de 1963 e 1964.

Dentre as contribuições para a modernização do ensino da Matemática nos

então chamados graus médio e primário, encontrava-se uma nova linguagem.

Na figura 8, Dieudonné, do grupo Bourbaki, apresenta as tendências para o

ensino da Matemática.

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Figura 8: Novas tendências para o ensino da Matemática

Fonte: GEEM, 1965.

O Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) foi criado em

1946, mas somente em 1965, como órgão governamental, passou a receber

financiamento do governo para o cumprimento de determinados objetivos, prescritos

em Estatuto. Entre eles, encontramos no artigo publicado por Ramos e Dias (2011

p.1-2):

1. Colaborar com o incremento do conhecimento mútuo dos povos por todos os órgãos de informação de massas e, para esse fim, recomendar os acordos internacionais necessários à promoção da livre circulação de ideias.

2. Imprimir vigoroso impulso à educação popular e à expansão da cultura, cooperando com os Membros da Organização das Nações Unidas, no desenvolvimento das atividades educativas; instituindo a colaboração entre as nações, a fim de elevar o ideal de igualdade de oportunidades educativas; sugerindo métodos educativos mais aconselháveis ao preparo das crianças para as responsabilidades do homem livre.

3. Manter, aumentar e difundir o saber, velando pela conservação do patrimônio universal dos livros, das obras e de outros monumentos de interesse histórico ou científico.

Nesse sentido, a atenção do IBECC estava voltada, principalmente, para a

educação popular, o que estava em consonância com as propostas da UNESCO e

resgatava discussões do Movimento Escola Nova (sufocadas pelo governo

autoritário de Vargas) entre os anos de 1920 e 1930 (RAMOS e DIAS, 2011, p. 2).

Um importante parceiro para o GEEM na divulgação da Matemática Moderna

foi a imprensa escrita da década de 1960. Diversas foram as publicações

informando e divulgando o constante trabalho que o grupo exercia12.

12

Dentre a imprensa escrita, podemos encontrar depoimentos, artigos e notícias divulgados nos jornais “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”.

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O grupo, além de atualizar os conhecimentos dos professores graduados em Matemática, também buscava ensinar Matemática aos demais professores e, nesse sentido realizou cursos para os docentes dos Ensinos Secundário, Normal e Clássico (LIMA, 2006, p. 17).

Fernandes (2013, p. 6) comenta a importância do GEEM e afirma que o grupo

“torna-se referência na modernização do ensino da Matemática no Brasil” e

acrescenta:

O grupo torna-se referência na modernização do ensino da matemática no Brasil, tanto que organiza o V Congresso, em São José dos Campos, no ano de 1966, contando com a participação de professores de renome internacional, como George Papy, que “era considerado o papa da matemática moderna na Europa” (Iniciado em São José o V Congresso de Ensino de Matemática, Folha de São Paulo, 11/01/1966), Marshall Stone, presidente da Comissão Internacional de Educação Matemática, e Hellmut Volker, representante do Ministério da Educação da Argentina. A coordenação do congresso e a presença de figuras importantes no contexto mundial consolidam a importância do GEEM no cenário brasileiro (FERNANDES, 2013, p. 6).

Outro detalhe interessante foi o governo estadual paulista conceder aos

professores dia efetivo de trabalho ao professor que participasse dos estudos.

Sendo assim, cresceu consideravelmente a notoriedade do Grupo de Estudos

do Ensino da Matemática, seja pelos incentivos do governo, pelo apoio da imprensa,

ou até pelo interesse dos professores em procurar a atualização por meio do GEMM.

O ponto culminante do trabalho desse grupo foi ser pioneiro em atividades à

distância. O GEEM, em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo,

organizou e produziu um curso de férias televisionado, em julho de 1964. O evento

esteve sob a responsabilidade de Benedito Castrucci e Osvaldo Sangiorgi e foram

trabalhadas as disciplinas de Teoria dos Conjuntos e Lógica Matemática. “Foi o

primeiro curso de matemática televisionado voltado para docentes que se têm

notícias” (FERNANDES, 2013, p. 7).

Sendo assim, os professores compartilharam conhecimentos em prol de uma

proposta universal, a qual uma comunidade científica julgou ser a mais inovadora e

com objetivos claros e incisivos de modernizar o ensino da Matemática.

Em todos os paradigmas encontramos dois aspectos dignos de validação.

Não poderia ser diferente com o Movimento da Matemática Moderna. Para os que

advogaram e advogam a favor desse movimento, sempre existirão fatos, memórias e

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interpretações para deixar viva uma Matemática carregada de estruturas,

simbologias, mas principalmente de uma característica comum, a organização linear.

Para outros, que encontraram nesse movimento a modernização do ensino da

Matemática pelas decisões tomadas em encontros com pesquisadores, professores,

psicólogos, linguistas e matemáticos, todos os envolvidos são dignos de respeito.

A Matemática entrou no palco das discussões dentro de um universo

incomensurável, tanto que um grande número de países se apoiou nas concepções

desse moderno movimento, em especial, o Brasil.

O método lógico-dedutivo, tão presente e considerado dentro do Movimento

da Matemática Moderna, começou a ser questionado, principalmente quando entrou

em cena Jean Piaget.

Na visão de Vitti (1998, p. 172), muitos dos professores e até mesmo

membros do GEEM não teriam dado a importância necessária aos estudos de

Piaget, ignorando aspectos essenciais do desenvolvimento da inteligência da

criança. Isso teria contribuído para que as práticas escolares rompessem com os

ideais de um ensino moderno.

Segundo a autora, “havia ainda muito rigor na apresentação dos tópicos; a

utilização da abordagem dedutiva; a introdução de ideias abstratas; e a inserção da

teoria dos conjuntos nos currículos escolares nos padrões estritamente formais”

(VITTI, 1998, p. 172), o que teria feito com que o movimento fracassasse ao final.

O propósito desse capítulo não foi invalidar os trabalhos desenvolvidos,

implementados, irradiados ou sufocados dentro do século XX, mas, sim, de

interpretar e consolidar os elementos presentes dentro do ensino da Matemática e,

como objetivo maior, a compreensão que estes professores têm sobre o que o aluno

precisa aprender para saber Matemática.

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4 MARCAS, REFERÊNCIAS E REFORMAS PARA O ENSINO DA

MATEMÁTICA

Vai passar ...

num tempo página infeliz da nossa história, passagem

desbotada na memória

das nossas novas gerações

dormia a nossa pátria mãe tão distraída sem perceber

que era subtraída

em tenebrosas transações...

Chico Buarque

4.1 Os documentos que embalaram o Movimento: o quê, por que e como

estudar?

A proposta, neste capítulo, é analisar as especificidades dos documentos

oficiais do século XX e XXI, especificamente, os da Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo. Esses documentos tinham a intenção de promover subsídios

para os professores de Matemática, incorporarem em suas práticas metodológicas,

durante a década de 1980 a 2010. Diante das características dos diferentes

documentos, buscam-se os pontos convergentes e divergentes a respeito das

expectativas de aprendizagem dos alunos no ensino de Matemática, a fim de

vislumbrar qual era o ideal educativo para tempos que sucedem a manifestação do

Movimento da Matemática Moderna.

O país que viu nascer e embalou o Movimento da Matemática Moderna por

décadas não podia mais acalentar o seu rebento. A Matemática que estava

vigorando nos currículos norte-americanos, em meados de 1970, estava agora em

discussões, análises, reflexões e críticas, até mesmo pelos próprios promotores da

reforma.

Os debates continuaram e, em 1980, o National Council of Teachers of

Mathematics — NCTM —, dos Estados Unidos, apresentou recomendações para o

ensino de Matemática por meio do documento Agenda para Ação. O foco desse

tratado estava na resolução de problemas e também na “compreensão da relevância

de aspectos sociais, antropológicos, linguísticos, na aprendizagem da Matemática”

(BRASIL, 1997, p. 20), sendo possível dar novos rumos às discussões curriculares.

Assim, o documento apresentava as seguintes determinações:

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a. O foco do ensino da Matemática nos anos 80 deve ser a resolução de problemas.

b. As capacidades básicas em Matemática serão definidas de forma que incluam mais que facilidades de cálculo.

c. Os programas de Matemática tirem todas as vantagens das capacidades das calculadoras e dos computadores em todos os níveis de ensino.

d. Os níveis de eficácia e eficiência rigorosos sejam aplicados ao ensino de Matemática.

e. O sucesso dos programas de Matemática e da aprendizagem dos estudantes seja avaliado em sentido mais lato do que aquele associado aos testes convencionais.

f. A todos os estudantes seja exigido mais estudo de Matemática e seja construído um currículo com um maior leque de opções, de forma que incluam as diversas necessidades da população estudantil.

g. Os professores de Matemática exijam de si e de seus colegas um alto nível de profissionalismo.

h. O apoio público ao ensino de Matemática suba para um nível compatível com a importância da compreensão da Matemática para o individuo e para a sociedade (PIRES, 2000, p. 16).

Outras reformas apareceram no Brasil e em outros países, porém, de forma

isolada, diferente do Movimento da Matemática Moderna, que irradiou e cristalizou

uma proposta explícita, na qual a Matemática assumia compromisso com o

progresso técnico e a democratização do ensino. Convivendo com o progresso era

preciso que a Matemática aumentasse essa competência dos jovens e formasse,

particularmente, cientistas e engenheiros de alto nível.

Com a presente orientação, os ideais da Matemática Moderna,

contrapunham-se ao antigo ideário. A responsabilidade imediata estava na linha dos

aspectos metodológicos. Pires (2000, p. 17) afirma que:

Desse modo, o recurso à metodologia de resolução de problemas, a recomendação da participação ativa do aluno, a indicação do estudo das conexões entre os diversos temas, são recomendações difíceis de se concretizar na prática .

São também recomendações difíceis de assumir perante os alunos, visto que

os professores estavam familiarizados com alunos passivos, disciplinados, prontos

para cumprir deveres e obrigações.

Na visão de Kline (1976), a Matemática exigia vários compromissos e deveres

dos alunos, contradizendo assim a participação ativa tanto aguardada por ele.

Ensinam-se-lhe muitas dezenas de tais processos: fatorar, resolver equações de uma e duas incógnitas, usar expoentes, somar, subtrair, multiplicar e dividir polinômios e fazer operações com números

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negativos e radicais como . Em cada caso pede-se ao aluno que copie o que a professora e o texto mostram como fazer. Defronta, portanto, o aluno uma desnorteante variedade de processos que ele repete de cor a fim de aprender a manejá-los. A aprendizagem consiste quase sempre em simples memorização (KLINE apud VITTI, 1998, p. 105).

Mesmo o Movimento da Matemática Moderna não imperando mais, era

possível encontrar alguns indícios de práticas distorcidas, isto porque, para alguns

pesquisadores, a nova reforma trazia em seu bojo muita insegurança, “trata-se, sem

dúvida, de uma questão aberta” (PIRES, 2000, p. 18) diferente da que o Movimento

da Matemática Moderna promoveu.

A escola, como reprodutora e/ou transformadora da sociedade, é responsável

pela formação dos sujeitos que a ocupam.

Oliveira (2007) considerou a educação como uma prática que atende o

sistema, de acordo com ele, o problema é que ela é prisioneira, de maneira estática,

da “Teoria do Espelho”, segundo a qual a educação seria um “reflexo” da correlação

de forças vigente na sociedade e, portanto, mera reprodutora dos interesses

dominantes (OLIVEIRA, 2007, p. 4).

Portanova (2005) comenta que momento histórico é fator preponderante para

a elaboração de reformas e propostas de ensino.

Se nos perguntarmos o porquê, o quê e como estudar Matemática, verificaremos que as respostas a estas questões não são as mesmas em diferentes momentos históricos e sociais, pois um [...] currículo reflete os valores e as concepções dominantes num dado momento da sociedade (PORTANOVA, 2005, p.14).

Ao pensarmos em contexto histórico, diversas questões podem surgir: Qual

era o ideal educativo? Qual era a formação das pessoas que serviria para a atual

sociedade? Qual Matemática os mestres passariam a ensinar para alcançar os

propósitos exigidos?

4.2 Proposta curricular para o ensino da Matemática

Com o intuito de atender as orientações do documento, Agenda para Ação, a

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo - SEE-SP elaborou a Proposta

Curricular para o Ensino de Matemática – 1º grau e 2º grau. Sua primeira edição se

deu em 1986, a segunda e a terceira edição, em 1988.

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De acordo com o documento, foi uma proposta construída coletivamente a

partir de professores especialistas das mais diferentes regiões do Estado de São

Paulo. Os subsídios necessários ao aprimoramento do trabalho docente da

disciplina de Matemática apontavam para “uma escola pública de melhor qualidade

[...] e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária” (SÃO PAULO,

1988, s/p). E a Matemática, qual era o lugar que ocupava dentro desse novo

cenário?

As indagações são constantes. Algumas, inclusive, repetidas em tempos

anteriores, que se fazem presentes em todas as épocas. O que os professores

pensam que os alunos precisam saber para aprender Matemática ao longo do

percurso escolar?

As inquietações são constantes para alcançar um ensino consciente do papel

da Matemática na sociedade, a capacidade de raciocinar e comunicar-se

matematicamente, de resolver problemas e de aplicar os conhecimentos à vida

cotidiana dos alunos.

Existia, deste modo, dois atributos para justificar a inserção da Matemática

nos currículos escolares:

i. Ela é necessária em atividades práticas que envolvem aspectos quantitativos da realidade, como são as que lidam com grandezas, contagens, medidas, técnicas de cálculo, etc.

ii. Ela desenvolve o raciocínio lógico, a capacidade de abstrair, generalizar, projetar, transcender o que é imediatamente sensível (SÃO PAULO, 1988, p.9).

As aplicações práticas e o desenvolvimento do raciocínio passaram a ser

considerados como elementos inseparáveis nas práticas dos docentes.

Observando e analisando a Proposta Curricular para o Ensino da Matemática

do 1º grau (1988) com o intuito de conhecer os conteúdos que os alunos estudaram,

ou seja, o que era desejável que tivessem estudado, foi possível verificar algumas

possibilidades para os alunos construírem noções e conceitos de forma investigativa

e pertencentes a um contexto.

Primeiramente, é favorável mencionar que todos os conteúdos da Matemática

foram distribuídos em três grandes temas: Números, Medida e Geometria.

Outro ensinamento dessa Proposta Curricular diz respeito à leitura,

desenvolvimento e execução dos conteúdos.

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Ao longo das oito séries os três temas são tratados de modo simultâneo, sempre que possível, tentando-se uma abordagem que ponha em destaque as ideias fundamentais envolvidas e não os assuntos em si mesmos. O desenvolvimento da ideia de proporcionalidade, por exemplo, é uma meta que envolve números (razões, proporções) e geometria (semelhança de figuras); tais assuntos podem ser desenvolvidos paralelamente, sem delimitações rígidas (SÃO PAULO, 1988, p. 17).

De acordo com o tratado educacional, o desenvolvimento de ideias,

anteriormente trabalhadas de forma linear e separadas, apresentava a articulação e

a integração dos assuntos. A linearidade tão presente no Movimento da Matemática

Moderna estava sendo abandonada e extinguida pela nova Proposta de ensinar

Matemática.

Na figura 9, um exemplo de conteúdos a serem desenvolvidos articulando-se

o trabalho com semelhança e o teorema fundamental da proporcionalidade, do eixo

Geometria e também, o levantamento e tabulação de uma amostra, construção e

interpretação de gráficos do eixo Números. O docente desenvolveria

articuladamente o trabalho com semelhança e o teorema fundamental da

proporcionalidade, do eixo Geometria e também, o levantamento e tabulação de

uma amostra, construção e interpretação de gráficos do eixo Número.

O desejável era o trabalho de entrosamento entre os temas (Números,

Medida e Geometria), de forma que os assuntos que se encontravam na mesma

altura da página poderiam ser trabalhados integralmente.

Talvez esteja na ideia, o fato do professor não valorizar essa prática, a ruptura

do desencanto em estudar Matemática.

Na figura 9 a distribuição dos conteúdos da 8ª série 13·.

13

Atualmente 9º ano.

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Figura 9: Distribuição de conteúdos da 8ª série (Proposta Curricular do 1º grau, 1988)

Fonte: São Paulo , 1988, p. 25.

O compromisso dos professores com seus alunos era o de apresentar temas

interligados. Como exemplo, e utilizando o quadro acima, era desejável que o

docente em Matemática iniciasse o seu trabalho pedagógico seguindo a ordem

horizontal dos temas, ou melhor, articulando os conteúdos pertencentes da Proposta

sugerindo uma visão global da Matemática.

Quadro 3: Distribuição dos conteúdos da 8ª série - recorte

Números Medida Geometria

------------- ------------- -------------

------------- ------------- -------------

Semelhança: Noção de semelhança: semelhança de figuras planas. Teorema fundamental da proporcionalidade: verificação experimental e demonstração dos casos de semelhança de triângulos.

Fonte: SÃO PAULO, 1988, p. 25.

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Acompanhando o quadro de distribuição dos conteúdos da 8ª série, podemos

observar, na coluna da direita, que, em determinado momento, o docente de

Matemática trabalharia somente o conteúdo da Geometria sugerido. Em seguida,

fazendo uma leitura horizontal, o professor trabalharia, simultaneamente, o tema

Números e Geometria e, na sequência, Números e Medida, de acordo com a figura

9. Dessa forma, em todas as séries, iniciando no ciclo básico até a terceira série do

ensino Médio, existia a proposta de articulação, rejeitando de vez a linearidade tão

presente nas salas de aulas durante o Movimento da Matemática Moderna.

Quanto aos alunos, deveriam ser capazes de estabelecer conexões entre

diferentes conceitos e relações matemáticas para a compreensão de que todas as

ideias matemáticas se inter-relacionam, constituindo um único saber.

Então, onde está o problema? O porquê dos alunos perderem o atrativo da

disciplina Matemática? Por que não visitaram a torre de marfim? Imenes e Lellis,

autores de livros didáticos, associaram o pânico dos alunos, em relação à

Matemática com uma torre de marfim: “uma torre de marfim, aquela que simboliza o

isolamento dos poetas e dos loucos [...] a torre de marfim os alunos não desejam

visitar” (IMENES E LELLIS, 1994 apud SILVEIRA, 2002, p. 12).

É imperioso retomar um aspecto fundamental: se o ensino da Matemática

promovia, a partir dessa Proposta, uma conexão entre os temas (Números, Medida

e Geometria), de forma que os assuntos pudessem ser trabalhados integralmente,

proporcionando aos alunos a apreensão do significado, em que o aluno é desafiado

refletir, elaborar hipóteses e procedimentos, extrapolar as aplicações e enfrentar

situações novas, qual é a causa de inúmeros reclamos, pela parte de professores e

alunos?

A queixa dos professores se acomoda, entre alguns fatores, no desinteresse

dos alunos pela disciplina, na ausência de noções básicas para estudos mais

complexos e na precária criação de significados matemáticos. O lamento dos alunos

perpetua em admitirem não entender a Matemática, que a Matemática só é para

poucos, que não serão especialistas no assunto ou que é muito difícil, que não

conseguem resolver problemas, entre outros argumentos.

E agora, professor? Como ensinar Matemática integrando os temas,

Números, Medida e Geometria? E não mais esgotar os conteúdos em Números, em

seguida Medida e por último, a Geometria?

Valente (2008) também analisou a problemática do ensino fragmentado.

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Às propostas absolutamente revolucionárias para conteúdos e métodos da nova disciplina [...] dividiu as aulas semanais em partes separadas. Assim, o curso de Matemática acabou reunindo – e não fundindo – a aritmética, á álgebra e a geometria. Segunda-feira lecionava aritmética; terça, álgebra [...]. (VALENTE, 2004 apud VALENTE, 2008, p. 19).

Valente (2008) se referia aos seus ancestrais de profissão (professores de

Matemática) ao proporem a fusão das matemáticas (aritmética, álgebra e geometria)

em uma única disciplina, Matemática, em 1930. O pesquisador continua e é a chave

da nossa pergunta: “nesse sistema, o professor de Matemática permaneceu e

sedimentou sua prática por cem anos!” (ibid).

A Matemática é para poucos, essa frase reporta a célebre inscrição na

Academia de Platão: Que ninguém que ignore a geometria entre aqui. O sentido

construído no século IV a.C. retorna, igualmente no século XX, somente algumas

pessoas podem aprender Matemática.

Conforme Silveira (2002):

Ela (a Matemática) é considerada chata e misteriosa, que assusta e causa pavor, e por consequência, o aluno sente medo da sua dificuldade e vergonha por não aprendê-la. Como resultado de tantos sentimentos ruins que esta disciplina proporciona ao aluno, somado ao bloqueio em não dominar sua linguagem e não ter acesso ao seu conhecimento vem o sentimento de ódio pela matemática. Ódio, porque ela é difícil (SILVEIRA, 2002, p. 9).

Com evidências, “este divórcio entre os conceitos matemáticos ensinados e

as atividades efetivas dos alunos são mal vividas pelos docentes” (PARRA e SAIZ,

1996, p. 61), mas resta uma indagação essencial do ensino da Matemática: como

fazer para que os conhecimentos matemáticos ensinados tenham sentido para o

aluno? (ibid, p. 38).

Podemos compreender, com base no filósofo Pegoraro (2011), que somente

existe sentido nas coisas se todas as coisas realmente estivessem interligadas, se

cada qual possui um objetivo que justifique sua presença.

Um martelo seria uma peça inútil se não houvesse pregos ou um trabalhador para usá-lo. O sentido dele aparece quando o trabalhador, batendo, fixa o prego na parede para sustentar uma obra de arte. O trabalhador, o martelo, a obra de arte e a parede formam um todo com sentido. (PEGORARO, 2011, p. 51).

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Esta reflexão justifica-se por entendermos que, fora de um contexto, o objeto

não se constitui sem relação, ou seja, nenhum elemento se arranja isoladamente e

cada conjunto está adequado para um fim, para um sentido.

A ordem estava presente na Proposta Curricular para o ensino da

Matemática 1º grau (1988), os eixos norteadores, para os professores, a partir dos

anos 1980, inspiraram-se em desconstruir a ênfase exagerada em aspectos prático-

utilitários, na intensa relação dos conteúdos escolares e dos conteúdos cotidianos,

nas estruturas lógicas do pensamento por meio de pensamentos formais, tão

distanciados de qualquer significado.

É salutar o seguinte questionamento: os docentes seguiram as orientações

pedagógicas expostas no documento ou continuaram voltados para a organização

linear?

A linearidade não estava nos escritos da nova proposta, haja vista pela

apresentação dos conteúdos e observações de ordem metodológica. Todavia, “a

linearidade ainda é uma forte marca na organização dos referidos quadros de

conteúdos” (PIRES, 2000, p, 52).

Os livros didáticos não acompanharam a estrutura que preconizava a

articulação. Traziam em seu bojo os assuntos organizados em três eixos: Números,

Medida e Geometria, porém de forma linear. Primeiro eixo, Números; segundo,

Medida e por último, a Geometria. Apresentavam extensos tópicos de Números,

ficando em detrimento os tópicos Medida e Geometria.

A confiança e permanência na própria prática metodológica adquirida, a

organização dos objetos culturais, os livros didáticos e a ausência de cursos de

formação prejudicavam os professores de exercerem, com excelência, a prática em

que o aluno é desafiado a refletir, a elaborar hipóteses e procedimentos e a

enfrentar situações novas – “não se restringindo àqueles problemas que conduzem

a uma única solução ou que tenham caráter repetitivo de aplicação de conceito”

(SÃO PAULO, 1988, p.12).

Outra inovação dessa proposta foi apresentar o conteúdo, em diferentes

níveis de abordagem “em que procura respeitar a integração dos temas a serem

trabalhados, bem como seu desenvolvimento em espiral, conforme preconizava

Jerome Bruner” (PIRES, 2000, p. 51).

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Para os educadores dominarem as ideias básicas e usá-las com

competência, um maior comprometimento e aprofundamento da compreensão dos

pressupostos era exigido pela nova proposta.

A esse respeito, Pires (2000) relata que o processo da implantação da

proposta encontrou alguns empecilhos, não por parte dos professores, mas sim

porque:

[...] apesar de não haver críticas por parte dos professores às ideias nela contidas, o fato é que sua incorporação à prática não ocorreu como se poderia esperar. Fatores decisivos referentes às questões salariais, à rotatividade de pessoal nas escolas e a própria formação docente interferiram negativamente no desenvolvimento do processo (PIRES, 2000, p. 50).

Pires afirma que houve experiências em que os primeiros reflexos das

mudanças foram observados, servindo, inclusive, de estudos e avaliação. Mas, o

desafio ainda permanecia.

O rompimento de um ensino fragmentado e a conexão dos eixos (Números,

Medida e Geometria), preconizada pelos idealizadores do documento, não foram

totalmente cumpridos na década de 1980.

Novas ações na esfera educacional, na década de 1990, foram relevantes

para o ensino da Matemática.

Pela primeira vez, na história:

[...] educadores que atuam em diferentes níveis do sistema educativo debateram e indicaram diretrizes curriculares comuns para o ensino fundamental no Brasil. São os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PIRES, 2000, p. 56).

Foi assim que, em 1998, foram divulgados e distribuídos os Parâmetros

Curriculares Nacionais – terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (PCN). Os

Parâmetros eram baseados nas competências e habilidades assinaladas pela

UNESCO.

À medida que a sociedade se tornou mais tecnológica, complexa e

globalizada, a Matemática foi reconhecida como necessária à formação do cidadão.

Portanto, os PCNs indicam como objetivos do Ensino Fundamental que os alunos

sejam capazes de:

Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e

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sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

Perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;

Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

Utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;

Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;

Questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação (BRASIL, 1988, p. 7).

Os PCNs, igual ao Agenda para Ação (1980), conservou o grande foco na

Resolução de Problemas como ponto de partida da atividade matemática. Dentre

outros alvos, salientou a possibilidade de discutir caminhos para fazer a Matemática

na sala de aula, destacando a História da Matemática como uma das estratégias e o

uso das Tecnologias da Comunicação.

Neste cenário, todo o conteúdo matemático passou a ser organizado dentro

de quatro blocos temáticos: Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e

Medidas e Tratamento da Informação para atender às capacidades cognitivas a

serem desenvolvidas em cada ciclo.

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Estava definido, portanto, o que os alunos teriam que aprender. O que pode

nos suscitar outros questionamentos: Que conteúdos são melhores para os alunos?

E para os professores, quais são? Qual é a educação que se deve trabalhar com

nossos alunos?

Rousseau (1995, p. 8) considera a educação como um bem maior e capaz de

suprir tudo o que o homem não tem ao nascer.

[...] Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação. Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação.

Rousseau define três tipos de educação:

O desenvolvimento de nossas faculdades, de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; a aquisição pela nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas. Esses três aspectos diferenciados da educação: da natureza, dos homens, e da experiência sobre as coisas, é que vai propiciar ao homem afastar-se ou aproximar-se de si. Um modo é educar-se para o autoconhecimento e autonomia. O outro é educar-se para a sujeição em troca do amor, aceitação dos outros homens, abrindo mão de sua autonomia e sujeitando-se às normas que a sociedade impõe (ROUSSEAU, 1995, p. 8).

Receber a informação que passam para ser essencial e mais produtiva é se

aproximar e obter o autoconhecimento e a autonomia. Então, qual é o alvo da

educação para Rousseau? Para Costa (2002), tudo dependerá dos objetivos

estabelecidos.

Existiam, ainda, alguns obstáculos na educação para professores e alunos

atingirem os objetivos esperados. De acordo com os Parâmetros Curriculares

Nacionais (1998), o ensino da Matemática continuou enfrentando alguns obstáculos

desde a implantação das primeiras reformas.

O primeiro obstáculo diz respeito à formação profissional qualificada, às

restrições vinculadas as condições de trabalho, a ausência de políticas públicas

educacionais efetivas e as interpretações equivocadas de concepções pedagógicas.

Para o professor ensinar com qualidade é justo e necessário a determinação

de processos de elementarização desse saber que permitem melhorar o ensino

(PARRA e SAIZ, 1996, p.4).

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A apreensão em atender simultaneamente a associação que existe entre a

teoria e a prática é encontrada nas palavras de Gouveia (2001):

A dissociação que existe entre teoria e prática, nos currículos de licenciatura e nos de formação continuada, tem sido revelada pelas pesquisas educacionais e considerado fator de influência negativa na melhoria da qualidade do trabalho pedagógico e consequentemente no ensino de modo geral. Anular ou mesmo minimizar tal dissociação constitui uma das preocupações [...] ao desenvolver atividades que envolvam a formação de professores e, também conhecer como essa relação está presente no cotidiano escolar (GOUVEIA, 2001 apud ROSA, 2005, p. 12).

O conhecimento, o fortalecimento e a ampliação dos saberes dos docentes

contribuem com a capacidade de refletir, analisar e tomar consciência das futuras

práticas utilizadas nas salas de aula.

Outro obstáculo que os documentos indicaram foi a abordagem de conceitos,

ideias e métodos sob a perspectiva da resolução de problemas.

Há que considerar que tal perspectiva é:

[...] ainda bastante desconhecida da grande maioria. Quando é incorporada, aparece como um item isolado, desenvolvido paralelamente como aplicação da aprendizagem, a partir de listagens de problemas cuja resolução depende basicamente da escolha de técnicas ou formas de resolução memorizadas pelos alunos (BRASIL, 1998, p. 22).

Um grande agravante, para o ensino de Matemática, era a dificuldade de

adotar corretamente a perspectiva da resolução de problemas. Era percebido que,

na adoção dessa estratégia, os professores não se preocupavam com o momento

de aplicar a resolução de problemas. Existia uma insistência de propor a situação

problema com algumas peculiaridades. Entre elas, o trabalho era desenvolvido

somente após a exaustão do conteúdo de forma técnica, privilegiando as técnicas e

os algoritmos. Dessa forma, os alunos já tinham em mente qual operação utilizar e

qual pensamento empregar, pois os professores esgotavam, antes da resolução de

problemas, um caminho cartesiano do desenvolvimento de ideias, noções e

conceitos sendo considerado, portanto, apenas uma aplicação da aprendizagem.

O próximo obstáculo era a distorção da compreensão da ideia de contexto.

Embora as situações do cotidiano sejam fundamentais para conferir significados a muitos conteúdos a serem estudados, é importante considerar que esses significados podem ser explorados em outros contextos como as questões internas da própria Matemática e dos

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problemas históricos. Caso contrário, muitos conteúdos importantes serão descartados por serem julgados, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos porque não fazem parte de sua realidade ou não têm uma aplicação prática imediata (BRASIL, 1998, p. 23).

Ao explorar o contexto, só foi considerado o que se suponha fazer parte do

dia a dia do aluno.

De modo geral, nos objetivos apresentados em reformas anteriores, os

empecilhos não foram levados em consideração. Para o aluno consolidar e ampliar

um conceito, é fundamental que ele o veja em novas extensões, representações ou

conexões com outros conceitos.

Em síntese, é esse o caminho, o da linearidade, do insucesso dos alunos em

avaliações externas? Caso os professores tivessem dominado e superado todos os

obstáculos apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), nossos

alunos obteriam melhores resultados nos testes de rendimento em Matemática

aplicado em todo País? Decorre, no entanto, que há ambiguidades de opiniões em

relação aos instrumentos utilizados para medir as competências e habilidades dos

estudantes. Como comprova Iannone (2013):

[...] partir do pressuposto de que se conhece a realidade do aluno e esse conhecimento irá fornecer material para a construção de testes padronizados, dos quais se obtenham dados precisos, não é uma premissa verdadeira. O simples fato de estar em situação de teste altera a postura e reação dos envolvidos, provocando resultados de confiabilidade relativa.

Mesmo assim, há ganhos nos instrumentos disponibilizados, aos docentes e

gestores, sobre os resultados dos estudantes.

Uma das mais importantes avaliações de rendimento no Brasil é o Sistema

Nacional de Avaliação Escolar da Educação Básica (SAEB) que tem como principal

objetivo avaliar a Educação Básica brasileira e contribuir para a melhoria de sua

qualidade e para a universalização do acesso à escola, oferecendo subsídios

concretos para a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas públicas

voltadas para a Educação Básica. A primeira aplicação do SAEB aconteceu em

1990 com a participação de uma amostra de escolas que atendiam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª

séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana. Os estudantes

foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências e somente as 5ª e 7ª

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séries foram avaliadas em redação. Este formato se manteve na edição de 1993

(INEP).

Em 1993, de acordo com os resultados obtidos nas 3ª série, 5ª série e 7ª

série do ensino fundamental, nos testes de rendimento em Matemática, foi possível

perceber que 67,7% dos alunos acertavam, pelo menos, metade dos testes.

Em 1995, foi acordado que as etapas finais dos ciclos de escolarização: 4ª e

8ª séries do Ensino Fundamental (que correspondem ao 5º e 9º ano atualmente) e 3º

ano do Ensino Médio seriam avaliadas.

Os percentuais de acerto por série/grau e por capacidades cognitivas, além de continuar diminuindo à medida que aumentavam os anos de escolaridade, indicavam também que as maiores dificuldades encontravam-se nas questões relacionadas à aplicação de conceitos e à resolução de problemas (BRASIL, 1998, p. 23-24).

E novos questionamentos surgiram:

Há problemas antigos e novos a serem enfrentados e resolvidos, tarefa que requer operacionalização efetiva das intenções anunciadas nas diretrizes curriculares dos anos 80 e início dos anos 90, e a inclusão de novos elementos na pauta de discussões e que este documento procura contemplar (BRASIL, 1998, p. 24).

Evidentemente não é tarefa fácil descobrir o que está oculto na Matemática.

Se é que podemos considerar que existe algo oculto. No entanto, apesar de todas

as dificuldades que foram levantadas, por instâncias governamentais, professores,

alunos e sociedade, a “Rainha das Ciências”14

continua sendo, para alguns, a mártir,

a serva, a presa, para outros, a desprezível, a rude, a malvada, dentro de um

sistema educacional em que é preciso que se trabalhe no sentido de articular

competências e habilidades com atividades, com metodologias, com estratégias,

com recursos para a promoção de capacidades cognitivas.

Ramos coloca como um dos objetivos da Matemática: exercer ações sobre as

coisas. “Só posso preparar e semear a terra do meu jardim sabendo que o florescer

depende da terra, da vida” (2009, p.15). É preciso trabalhar para que não haja

retrocessos irreversíveis no ensino da Matemática. O desafio está posto!

14

A Matemática foi chamada de “A Rainha das Ciências” por Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855), grande matemático alemão (GARBI, 2010).

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4.3 O Currículo do Estado de São Paulo – mas antes, a Proposta Curricular

de Matemática.

Em 2007, a Secretária de Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena

Guimarães de Castro, lançou o projeto “São Paulo Faz Escola”. O projeto tinha

como foco:

A implantação de um currículo pedagógico único para todas as mais de 5 mil escolas da rede pública estadual. Com o programa, todos os alunos da rede estadual recebem o mesmo material didático e seguem o mesmo plano de aula. O fato de todas as unidades escolares contarem com o mesmo currículo pedagógico auxilia na melhora da qualidade de ensino da rede pública, uma vez que coloca todos os alunos da rede estadual no mesmo nível de aprendizado. A Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB) disponibiliza aos alunos da rede estadual o conteúdo do currículo proposto (Currículo, Cadernos do Gestor, Cadernos do Professor e Cadernos do Aluno) a fim de consolidar a articulação com o currículo em ação nas salas de aula de todo o Estado. Além do material entregue aos professores e alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio da rede estadual, também é possível conferir os cadernos na internet (www.saopaulofazescola.sp.gov.br).

Em 2008, a Resolução SE-76, de 07 de novembro de 2008, determinou a

implantação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino

Fundamental e para o Ensino Médio, nas escolas da rede estadual.

“Prezados gestores e professores, neste ano, colocamos em prática uma nova Proposta Curricular para atender à necessidade de organização do ensino em todo o Estado. A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente. Por esse motivo, propomos agora uma ação integrada e articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São Paulo. Com esta nova Proposta Curricular, daremos também subsídios aos profissionais que integram nossa rede para que se aprimorem cada vez mais. Lembramos, ainda, que apesar de o currículo ter sido apresentado e discutido em toda a rede, ele está em constante evolução e aperfeiçoamento. Mais do que simples orientação, o que propomos com a elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é que nossa ação tenha um foco definido. Apostamos na qualidade da educação. Para isso, contamos com o entusiasmo e a participação de todos.

Um grande abraço e bom trabalho” (SÃO PAULO, 2008b, p. 5).

O projeto, segundo a Secretária, apresentava subsídios, aos profissionais da

educação, e iria contribuir para a qualidade das aprendizagens de seus alunos.

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Como se deu esse processo? Como os professores puderam ter participação dessa

fase na história?

A Secretária anunciou que além de recuperar documentos, publicações e

diagnósticos já existentes, “o processo partirá dos conhecimentos, e das

experiências práticas já acumuladas e do levantamento e análise de resultados de

projetos ou iniciativas realizadas” (SÃO PAULO, 2008b, p. 8). O documento

apresentava os princípios orientadores para uma escola capaz de promover as

competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e

profissionais do mundo contemporâneo.

[...] uma escola que também aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como referência, a prioridade para a competência da leitura e da escrita e a articulação com o mundo do trabalho. (SÃO PAULO, 2008b, p.11).

Juntamente com a Proposta Curricular, outras publicações foram entregues a

todas as escolas públicas estaduais, tais como o Caderno do Gestor (2008), material

que subsidiava a prática dos gestores e que expressava a responsabilidade da

divulgação e implantação da Proposta pelos gestores.

Este ano será um “divisor de águas” para a educação paulista. Começamos o ano com uma proposta curricular organizada e integrada, em que os gestores, terão um papel muito importante. Caberá a vocês a divulgação e a implantação em suas escolas da Proposta Curricular. Lembro, também, que a implantação da Proposta Curricular é um passo importante, para que nossas metas de melhoria da qualidade da educação sejam alcançadas (SÃO PAULO, 2008a, p. 3).

No momento da divulgação e implantação alguns objetivos eram claros:

Ampliar o domínio dos conhecimentos e saberes dos alunos, elevando o nível de desempenho escolar evidenciado pelos instrumentos externos e internos de avaliação;

Intervir na prática de sala de aula, incentivando os docentes a diversificarem as oportunidades de aprendizagem, visando à superação das dificuldades detectadas junto aos alunos;

Promover o aperfeiçoamento e o desenvolvimento profissional dos professores designados, com vistas à eficácia e à melhoria de seu trabalho.

Ampliar, intervir e promover eram os verbos de entrada para qualquer atuação

pedagógica, seja em escolas, diretorias e até na própria Secretaria da Educação.

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101

E os alunos o que tinham que saber? E os professores, o que precisavam

ensinar?

4.4 Jornal do Aluno – o pontapé inicial

No início de 2008, os estudantes receberam o Jornal do Aluno, elaborado

pela equipe técnica da SEE/SP. Este material se apresentava no formato de um

jornal e tinha o objetivo de resgatar as habilidades e competências trabalhadas em

séries anteriores. –O foco do Jornal do Aluno era o de resgatar e/ou fortalecer as

competências linguísticas e matemáticas. A publicação apresentava conteúdos das

diversas disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e foi trabalhado no

período de 18 de fevereiro a 30 de março, período então denominado como os 40

dias de recuperação e diagnóstico para elaboração do plano anual de trabalho

docente.

Com o objetivo de recuperar as habilidades de leitura e produção de textos e

as habilidades de matemática indicadas como insuficientes nos resultados do

SARESP/200515, todas as escolas receberam exemplares de quatro jornais, sendo:

para o ensino fundamental, um para 5ª e 6ª séries, um para 7ª e 8ª séries; para o

ensino médio, um para 1ª série e outro para 2ª e 3ª séries. Cada aluno recebia um

jornal e nele desenvolvia as atividades propostas.

As matrizes de referência para todas as disciplinas do currículo seguiram a

seguinte organização:

Quadro 4: Matrizes de referências

Ensino Fundamental (5ª a 8ª série) Ensino Médio

Grupo I: As habilidades de leitura e

produção de textos serão privilegiadas nas

disciplinas Língua Portuguesa, Língua

Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física

e História.

Grupo III: As habilidades de leitura e produção

de textos serão privilegiadas nas disciplinas

Língua Portuguesa, Língua Estrangeira

Moderna, Arte, Educação Física, História e

Filosofia.

Grupo II: As habilidades de matemática

serão privilegiadas nas disciplinas Geografia,

Ciências e Matemática.

Grupo IV: As habilidades de matemática serão

privilegiadas nas disciplinas Geografia,

Biologia, Física, Química e Matemática.

Fonte: Revista do Professor

15

Informação divulgada aos assistentes técnico-pedagógicos das 91 Diretorias do Estado de São Paulo, em evento ocorrido em Serra Negra, no período de 29 e 30 de junho de 2009, denominado “Estudos dos Relatórios Pedagógicos”.

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A divisão das disciplinas era relacionada às habilidades privilegiadas, ora em

leitura e produção de textos e, ora em matemática e era condizente com as

linguagens mais desenvolvidas em cada uma delas, o que não exclui o

desenvolvimento de outras, ou melhor, não havia uma regra particular segundo a

qual determinada disciplina somente poderia explorar as habilidades indicadas nas

matrizes.

Para auxiliar nas práticas e nos conteúdos propostos no Jornal do Aluno, os

docentes receberam a Revista do Professor de acordo com o segmento/disciplina

que trabalhavam. Nesta Revista, o professor encontrava uma sequência de práticas

de sala de aula que consolidava as habilidades de leitura e produção e texto, e de

habilidades lógico-matemáticas. A intenção deste documento era a de “oferecer

subsídios para que, com a ajuda e empenho dos professores, todos os alunos

tenham oportunidades de novas aprendizagens e superem as dificuldades

detectadas” (SÃO PAULO, 2009c, p. 1).

Além da Proposta Curricular, do Jornal do Aluno e da Revista do Professor,

todos os professores de todas as escolas receberam o Caderno do Professor

referente à série em que atuavam.

A edição, Caderno do Professor de Matemática, apresentava 5 seções, em

todas as séries. Na primeira seção, eram exibidas as Orientações Gerais sobre o

caderno e o conteúdo que estava relacionado em cada Situação de Aprendizagem.

Na segunda seção, a Situação de Aprendizagem. Dentro de cada Situação, um

quadro mostrando o tempo previsto para o desenvolvimento, as competências e

habilidades que estão presentes em cada Situação e as estratégias possíveis para a

aplicação dos conteúdos. Em seguida ao quadro, o roteiro para aplicação da

Situação. Na terceira seção, após o desenvolvimento das quatro Situações de

aprendizagem, o professor tinha a leitura das Considerações sobre Avaliação. Na

quarta seção continha as Orientações para Recuperação.

De forma geral, recomenda-se, com relação à recuperação, que o professor diversifique os instrumentos e/ou as estratégias didáticas. Assim, por exemplo, caso tenha optado por trabalhos em grupo na primeira Situação de Aprendizagem, a recuperação pode centrar-se em trabalhos individuais. Por outro lado, caso tenha optado por provas, a recuperação pode ser realizada por meio de trabalhos em grupo (SÃO PAULO, 2009a, p. 43).

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Nessa 4ª seção, havia indicações de recuperação das 4 Situações de

Aprendizagem. Na quinta seção, os recursos para ampliar a perspectiva do

professor e do aluno para a compreensão do tema, com sugestões de referências

bibliográficas de livros, sites e outros materiais publicados pela SEE/SP, como

exemplo, as Experiências Matemáticas (EM) publicado em 1994.

Quadro 5: Organização do Caderno do Professor.

Caderno do Professor

Orientações Gerais de cada Situação de

Aprendizagem

Ideias, noções e conceitos dos conteúdos

que os alunos iam aprender.

Situações de Aprendizagem

Tempo previsto para cada Situação

Habilidades

Estratégias possíveis para aplicação de

cada conteúdo

Roteiro para aplicação da Situação de

Aprendizagem

Considerações sobre Avaliação Recomendações pedagógicas para cada

Situação de Aprendizagem

Orientações para Recuperação Indicações pedagógicas para cada Situação

de Aprendizagem

Recursos para ampliar a perspectiva do

professor e do aluno para a compreensão

do tema

Sugestões de referências bibliográficas para

a ampliação do tema tratado

Fonte: Caderno do Professor Adaptado. SÃO PAULO, 2008.

Outro material distribuído às escolas foram os vídeos informando a

organização e os princípios norteadores da Proposta Curricular. Houve, na época,

videoconferências aos dirigentes, supervisores, assistentes técnico pedagógicos das

Diretorias de Ensino e aos diretores de escola mostrando a importância da

divulgação e implantação desse documento oficial.

Os professores puderam visualizar on line as explicações e as demonstrações

das situações de aprendizagem no Caderno do Professor, pelos próprios autores

dos Cadernos.

Foi um movimento intenso. Mas, mesmo com todos os materiais disponíveis

não houve uma aceitação homogênea. Os professores timidamente trabalhavam

com a matriz de competências e habilidades, porém não tinham segurança para

desenvolver as sequências didáticas. A responsabilidade pairava sobre o Professor

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Coordenador, como destaca Fini (2008a) “no teatro diz-se que a primeira cena

define a adesão do público à obra apresentada. O Professor Coordenador irá

construir a primeira cena” (p. 6).

A legislação que previa a formação continuada com os professores somente

permitia um representante por escola. Agora, a responsabilidade era do professor

que participava. A sua função era a de repassar aos colegas o que tinha discutido,

visto e refletido.

O que aconteceu depois da implantação da Proposta? Foi suficiente divulgar,

implantar e munir as escolas, alunos, professores e gestores de materiais,

videoconferências, vídeos tutoriais?

Exercendo a função de professor-coordenador do Núcleo Pedagógico da

Diretoria de Ensino, da disciplina de Matemática, pude acompanhar e observar o

trabalho dos professores nesse período de transição16.

O impacto foi inevitável. Os docentes não tinham familiaridade com as

atividades propostas. Os materiais que serviam de subsídios, até então, eram os

livros didáticos, os quais não traziam em seu bojo, noções e conceitos que

privilegiavam as competências e habilidades propostas pelo Sistema de Avaliação

do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP.

Outro marco, em 2008, foi a implantação do indicador Índice de

Desenvolvimento do Estado de São Paulo – IDESP. Este índice valoriza os

resultados na avaliação SARESP e a frequência do aluno na série em que estuda.

Tudo era novo! Proposta Curricular, Caderno do Gestor, IDESP, Jornal do

Aluno, Caderno do Professor e outros materiais e documentos resgatados e outros

implementados.

Como pode o professor de Matemática trabalhar em suas aulas com a

produção de texto matemático? E a Geografia, a Educação Física e a Filosofia

explorarem habilidades matemáticas?

As reflexões surgiram: os professores têm dificuldades no trato do tema em

questão? Quais as práticas pedagógicas empreendidas no tratamento destes

16

Nas Diretorias de Ensino, até 2006 havia na Oficina Pedagógica, para exercer a função de formadores de professores, o Assistente Técnico-Pedagógico (ATP). Com a reestruturação, em agosto de 2008, essa função passou a ser nomeada como Professor Coordenador da Oficina Pedagógica (PCOP), em julho de 2011, por meio do decreto 57.141, a Oficina Pedagógica passou a ser chamada de Núcleo Pedagógico e, desse modo, surgiu o Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico (PCNP) das diversas disciplinas do currículo oficial.

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conteúdos? A equipe gestora tem apoiado, acompanhado e subsidiado seus

professores quanto ao trabalho realizado em sala de aula? Os conteúdos

apresentados nos Cadernos previam a contextualização? Eram atividades que

exigiam a investigação, leitura, interpretação e compreensão das noções e ideias

matemáticas? Os professores tinham uma assistência pedagógica no trato dos

conteúdos? E todas essas dúvidas permaneceram e permanecem.

4.5 A Organização dos conteúdos disciplinares de Matemática

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Matemática (1988) dividia

seus conteúdos em três blocos: Números, Medidas e Geometria.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais organizaram todos os conteúdos

disciplinares de Matemática, tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio,

em quatro blocos temáticos: Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e

Medidas, e Tratamento da Informação.

Em 2009, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008b) passou a ser

o currículo oficial do Estado de São Paulo17 Ocorreu mais uma mudança na

disciplina de Matemática, os conteúdos disciplinares se apresentavam em três

grandes blocos temáticos: Números, Geometria e Relações.

Figura 10: Blocos temáticos da Matemática

Fonte: SÃO PAULO, 2010, p. 39.

O coordenador do Caderno de Matemática da SSE/SP, Nilson José Machado,

assegura a importância de um trabalho articulado, protestando, assim, contra a

linearidade presente nos anos 60, advinda do Movimento da Matemática Moderna.

17

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo passou a constituir o referencial básico obrigatório para a formulação da proposta pedagógica das escolas da rede estadual, por meio da Resolução SE-76, de 7 de novembro de 2008. Desse modo, estabelecia-se o Currículo do Estado de São Paulo.

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Naturalmente, os conteúdos dos três blocos interpenetram-se permanentemente, sendo praticamente impossível abordar um deles sem a participação quase automática dos dois outros, e é importante mencionar a positividade de tal fato (SÃO PAULO, 2010, p. 39).

O fato de os conteúdos se apresentarem articulados, de forma a apresentar

aos alunos uma Matemática integrada e única, era uma medida urgente revelando,

assim, a interdisciplinaridade dentro da própria disciplina.

A caracterização dos três grandes blocos de conteúdos, no entanto, não apresenta grandes dificuldades no que se refere ao acolhimento dos temas curriculares usualmente tratados na escola básica. E, justamente por causa da existência de tantas temáticas comuns a mais de uma delas, pode desempenhar papel importante na construção de uma articulação entre os diversos conteúdos, favorecendo uma aproximação entre variados assuntos e sua apresentação de modo a favorecer uma espécie de “interdisciplinaridade interna” da própria Matemática (SÃO PAULO, 2010, p. 39-40).

Consequentemente, a orientação para o professor de Matemática era a de

incorporar em sua prática elementos que favorecesse a articulação dos blocos

temáticos da disciplina.

Novos Caderno do Professor e Caderno do Aluno foram entregues, após uma

revisão solicitada pelos professores da rede pública. E agora, o que os alunos

tinham que aprender? A pergunta continua sendo essa e outra entrou em cena:

como eles têm que aprender?

Retomando o Currículo do Estado de São Paulo (2010), o documento

expressa que os “conteúdos disciplinares são meios para o desenvolvimento das

competências, a partir das ideias fundamentais presentes em diversos temas” (SÃO

PAULO, 2010, p. 51).

Algumas ideias norteadoras são apresentadas para o desenvolvimento das

habilidades, ou melhor, despertar o centro de interesse dos alunos. A primeira é a

das narrativas.

[...] na construção dos significados, uma ideia norteadora é a de que as narrativas são muito importantes, são verdadeiramente decisivas na arquitetura de cada aula. É contando histórias que os significados são construídos. E ainda que tais narrativas sejam, muitas vezes, construções fictícias ou fantasiosas, como ocorre no caso do recurso a jogos, uma fonte primária para alimentar as histórias a serem contadas e a História em sentido estrito: História da Matemática, História da Ciência, História das Ideias, História [...] (SÃO PAULO, 2010, p. 45).

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O valor dado à narrativa indica, ao professor, uma forma de chamar a atenção

dos alunos em determinado conteúdo. O professor pode iniciar o conteúdo pela

narrativa ou inseri-la no momento que encontrar oportunidade em suas aulas.

E é na história que buscamos não apenas uma compreensão mais nítida dos significados dos conceitos fundamentais, mas principalmente o significado das mudanças conceituais, ou seja, o significado das mudanças de significado (SÃO PAULO, 2010, p. 45).

Outra forma de explorar o centro de interesse dos jovens é a

problematização. Resolver problemas seguindo uma linha, na qual o estudante

constrói os procedimentos utilizando os dados solicitados, é substituído pela

concepção de que “os problemas constituem, em cada situação concreta, um

poderoso exercício da capacidade de inquirir, de perguntar” (SÃO PAULO, 2010, p.

p. 46).

Convém registrar que, na escola, os alunos costumam ser mais induzidos a dar respostas do que a formular perguntas. Todas as caricaturas da escola – algumas bem grotescas – resumem a atividade do professor à mera formulação de questões a serem respondidas pelos alunos (SÃO PAULO, 2010, p. 47).

Fortalecendo o centro de interesse dos estudantes, o Currículo da SEE/SP

(2010) sugere mais duas formas de trabalho, a otimização de recursos em diferentes

contextos, as relações interdisciplinares, ou mesmo nas temáticas transdisciplinares.

Mantendo o foco da Resolução de Problemas, foi integrada na disciplina de

Matemática, em todas as séries, a condução dos conteúdos às competências

pessoais: capacidade de expressão, capacidade de compreensão, capacidade de

argumentação, capacidade propositiva, capacidade de contextualizar e capacidade

de abstrair.

O Caderno do Professor, material que era utilizado pelo professor para o

trabalho das premissas do Currículo, vinha contemplado com um quadro de

conteúdos (série / ano por bimestre) para as quatro séries do Ensino Fundamental e

para as três do Ensino Médio.

Naturalmente, não se pode pretender que tal lista de conteúdos seja rígida e inflexível: o que se pretende é que ela propicie uma articulação consistente, entre as inúmeras formas possíveis, dos diversos temas, tendo em vista os objetivos maiores que fundamentam o presente Currículo: a busca de uma formação voltada para as competências pessoais, uma abordagem dos conteúdos que valorize a cultura e o mundo do trabalho, uma

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caracterização da escola como uma organização viva, que busca o ensino, mas que também aprende com as circunstancias (SÃO PAULO, 2010, p. 55).

Em 2010, a SEE/SE preparou todos os PCNPs do Estado de São Paulo para

ministrarem cursos de formação aos professores que atuavam no Ensino

Fundamental e no Ensino Médio. O curso “Implementação do Currículo” ocorreu em

todas as Diretorias do Estado de São Paulo. Na Diretoria de Ensino de Piracicaba

ocorreram quatro módulos, cada módulo com 60 horas.

O objetivo maior desses encontros era divulgar o Currículo, compreender

como o Caderno do Professor foi organizado e trabalhar as Situações de

Aprendizagens. Os professores eram certificados por 60 horas, sendo: 24 horas

presenciais, 16 horas por videoconferência e 20 horas de estudos com apoio pela

web, incluindo avaliação do curso. Na avaliação, o cursista apresentava atividades

usando os recursos tecnológicos e um plano de aula para ser aplicado ou que tenha

sido aplicado durante o curso.

Os cursos foram oferecidos a convite e durante os três períodos, mas a

legislação não previa a dispensa do trabalho nos dias do curso. Em Piracicaba,

foram certificados, em 2010, 122 professores do Ensino Fundamental e/ou do

Ensino Médio.

Ocorreram discussões e diálogos, análises e interpretações, sujeitos se

colocando no lugar do outro, perguntas e respostas, desacertos e falhas, certezas e

dúvidas.

Os docentes levaram para as suas salas de aula as práticas desenvolvidas no

curso? Os alunos puderam experimentar as sugestões de metodologias discutidas

no curso? Houve algum impedimento?

A complexidade preocupa. Na verdade, é quase sempre confundida com complicação. Ora, se a segunda é efetivamente o fruto de uma intervenção que vem “embaralhar as cartas”, a primeira é, por outro lado, a expressão da solidariedade que liga todas as coisas entre si e reage sua interação. Enquanto que a segunda nos priva do poder, a primeira nos o traz: um sistema complexo não é um sistema que foge a nossa compreensão, é sistema que se oferece a nossa ação, um conjunto de elementos que estão ligados de tal forma que a transformação de um determinará a modificação dos outros e, consequentemente, terá efeitos sobre todo o sistema (MEIRIEU, 1998, p. 155).

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Julgar que na aprendizagem, as sugestões são rigorosas e complexas e que

as duas condições, a rigorosidade e a complexidade jamais poderão estabelecer

uma harmonia é pressupor que serão raros os educadores a fazer que esses

elementos sejam ligados favorecendo a compreensão dos conceitos. Haja vista que

ensinar está se tornando um ato cada vez mais complexo, exigindo os padrões mais

elevados de prática profissional para um desempenho adequado (HARGREAVES,

2004, p. 71).

É por isso que, mesmo que a conjuntura e todos os problemas institucionais

não facilite muito a serenidade do exercício da docência, é preciso esforçar-se para

envolver-se com novos conhecimentos, novos pensamentos.

A intenção desse capítulo apontou, portanto, para uma busca das

particularidades dos documentos que vigoraram e vigoram, principalmente os da

Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. No próximo capítulo, a análise dos

indicadores educacionais que determinam as diretrizes e a promoção de discussões

sobre a qualidade do ensino de Matemática oferecido pelas escolas públicas.

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5 METODOLOGIA DA PESQUISA E ANÁLISE DE DADOS

Não se aprende, senhor, na fantasia, sonhando,

imaginando ou estudando, senão vendo, tratando, pelejando ...

Camões, Os Lusíadas

Neste capítulo, primeiramente, apresento os referidos índices alcançados

pelos alunos na disciplina de Matemática, em 2013, nas provas do SARESP; os

índices do IDESP da Diretoria de Ensino Região de Piracicaba e os resultados da

Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP)18.

No segundo momento, exponho o motivo que me levou a formular a questão

problematizadora que mantenho latente durante a minha pesquisa, o que os alunos

precisam saber ou ter para aprender Matemática? E finalizo com a apresentação

dos discursos dos professores de Matemática em relação aos alunos e seus

saberes.

5.1 Desenvolvimento da Pesquisa

O presente trabalho se define como sendo pesquisa do tipo quantitativa e

qualitativa ou quali-quanti, apresentando uma amostragem ampliada de sujeitos e

dados percentuais seguidos de interpretação das respostas e da própria participação

dos professores no Curso Melhor Gestão, Melhor Ensino.

Foi selecionado um dos momentos do referido Curso para os professores

responderem por escrito a seguinte pergunta: “o que os alunos precisam saber ou

ter para aprender Matemática?” Havia 200 professores do Ensino Fundamental –

Anos Finais reunidos com o mesmo objetivo, ou seja, formação continuada. Todos

os 200 professores estiveram dispostos a participar da pesquisa, produzindo

setecentas e dezessete respostas.

A pergunta “o que os alunos precisam saber ou ter para aprender

Matemática” foi feita três grupos de professores. O primeiro grupo respondeu a

pesquisa no dia 2/maio/2013; o segundo grupo respondeu no dia 8/maio/2013 e o

18

A Avaliação da Aprendizagem em Processo é uma ação desenvolvida de modo colaborativo entre a Coordenadoria de Gestão da Educação Básica da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e outros órgãos descentralizados. Implantada, como piloto, em agosto de 2011 teve como foco o 6º ano do Ensino Fundamental (Ciclo II) e a 1ª série do Ensino Médio, depois ampliou sua abrangência e passou a contemplar todas as séries/anos avaliando os conhecimentos em Língua Portuguesa e Matemática.

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111

terceiro, no dia 15/maio/2013. Por ser uma pergunta aberta, os professores puderam

nomear mais de uma resposta.

As respostas foram classificadas em algumas categorias.

A escolha da ordem das categorias se deve a experiência vivida com essa

área que tem me revelado uma inquietação que surge em relação à aprendizagem

matemática. Sendo assim, a previsibilidade das respostas dos professores foi a

escala escolhida.

A primeira categoria foi ocupada pelas respostas com o cunho saberes

curriculares, ou seja, o que importava aos professores era o aluno saber os

conteúdos específicos da disciplina. A segunda categoria foi formada com as

respostas relativas aos saberes atitudinais, as posturas e comportamentos foram

decisivos dentro dessa categoria. Na terceira categoria, estavam presentes os

saberes cognitivos, a necessidade de modalidades estruturais da inteligência, para

alguns professores, tornava-se significante na prática do professor. E, na última

categoria, os saberes motivacionais. Nesta última, foram incluídas respostas que

abordavam a necessidade de uma mudança educacional, desde a estrutura do

espaço escolar até legislações para assegurar o profissional da educação.

A opção metodológica foi a de estudo de caso. Groppo e Martins (2006, p. 31)

fundamentam que o estudo de caso permite a compreensão de uma experiência

particular.

Trata-se de reunir diversas técnicas de pesquisa, que coletam e registram dados de um caso particular, para analisar e compreender uma situação específica, uma experiência singular. O estudo de caso deve criar, enfim, um relatório ordenado e crítico, que aprofunde e revele as características deste caso, seus limites e suas possibilidades.

No entanto, os autores apontam a dificuldade de generalizar as conclusões de

um estudo de caso, “uma vez que o conhecimento advindo desta técnica de

pesquisa limita-se à experiência estudada, vivida em determinada circunstância

econômica, social, política, cultural e histórica” (GROPPO e MARTINS, 2006, p. 31).

Gonsalves (2005) afirma que o estudo de caso privilegia um caso particular,

uma unidade significativa, considerada suficiente para análise de um fenômeno.

As técnicas de pesquisa utilizadas foram, em primeiro lugar, a aplicação de

uma enquete aos professores que estavam reunidos no curso de formação. A forma

de análise foi classificar as respostas dos professores em quatro categorias já

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112

citadas, saberes curriculares, saberes atitudinais, saberes cognitivos e saberes

motivacionais. Além da técnica da coleta de dados, foi utilizada ainda a pesquisa

bibliográfica, a análise de documentos oficiais da Secretaria da Educação do Estado

de São Paulo e os resultados dos alunos no SARESP da Diretoria de Ensino de

Piracicaba.

Nas palavras de Cellard (2010, p. 295), “o documento permite acrescentar a

dimensão do tempo à compreensão do social”. E acrescenta seu pensamento

utilizando as palavras de Tremblay:

[...] graças ao documento, pode-se operar um corte longitudinal que favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, etc., bem como o de sua gênese até os nossos dias (TREMBLAY, 1968, p. 284 apud CELLARD, 2010, p. 295).

Embora Cellard (2010, p. 296) defenda a análise documental, o autor faz um

alerta para o pesquisador não entrar em determinados equívocos:

O autor do documento conseguiu reportar fielmente os fatos? Ou ele exprime mais as percepções de uma fração particular da população? [...] o pesquisador terá que tomar um certo número de precauções prévias que lhes facilitarão a tarefa e serão, parcialmente, garantias da validade e da solidez de suas explicações ).

5.2 O contexto, os resultados dos alunos na disciplina de Matemática na

avaliação externa SARESP e o índice IDESP.

Considerando que o conjunto de indicadores da Diretoria de Ensino na

disciplina de Matemática permite traçar limites de análise pedagógica, refletir sobre

os dados encontrados no IDESP, no SARESP, na Avaliação da Aprendizagem em

Processo (AAP) e nos testes, como material de análise metodológica, possibilita

assinalar os aspectos que precisavam melhorar e visualizar a evolução ano a ano.

O Programa de Qualidade da Escola (PQE) foi lançado em maio de 2008 pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O objetivo desse Programa é

“promover a melhoria da qualidade e a equidade do sistema de ensino na rede

estadual paulista, com ênfase no direito que todos os alunos da rede pública

possuem: o direito de aprender com qualidade” (SÃO PAULO, 2011b, p. 2).

Para alcançar o objetivo estabelecido, cada escola estadual paulista é

avaliada anualmente de maneira objetiva pelo PQE. O Programa acompanha a

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“qualidade do serviço educacional que oferecem e propõe metas para o

aprimoramento da qualidade do ensino” (ibid).

Toda escola estadual paulista é aferida, anualmente, pelo indicador IDESP –

indicador que mede a qualidade das escolas.

Como afirmado na nota técnica do Programa de Qualidade da Escola (2011,

p. 8):

O indicador IDESP é um indicador de qualidade das séries iniciais (2º ao 5º ano) e finais (6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Na avaliação de qualidade das escolas feita pelo IDESP consideram-se dois critérios complementares: o desempenho dos alunos nos exames do SARESP (o quanto aprenderam) e o fluxo escolar (em quanto tempo aprenderam).

A Diretoria de Ensino Região de Piracicaba possui uma Comissão de

Avaliações Externas, a qual pertenço, com o propósito de coletar, tabular, interpretar

e divulgar às escolas os resultados dos alunos nas avaliações externas. O IDESP

revelou, sobre as notas dos alunos em relação à disciplina de Matemática, em 2012

no 5º ano, que 67% das escolas atingiram médias acima da média do Estado. No 9º

ano, esse percentual diminui para 54,5% e se elevou no Ensino Médio para 60% das

escolas acima da média do Estado19.

Em relação às metas, verificamos que no 5º ano, 62% das escolas atingiram a

meta estipulada pelo Índice. O percentual de escolas no 9º ano foi 25% e, no Ensino

Médio, esse índice foi de 50%.

Considerando-se que o IDESP concentra as informações de desempenho na

prova do SARESP e o fluxo dos alunos no ciclo, houve a necessidade de interpretar

de maneira particular os resultados dos alunos no SARESP.

No 5°ano, na edição de 2012, foi registrado um aumento de 2,2% em

comparação à edição de 2011. A média de proficiência do 7º ano teve ligeira

elevação em 2012, ou seja, 0,3%. Os resultados para o 9º ano são mais baixos que

as médias de proficiência observadas na edição de 2011, com uma queda de 1,5%.

No Ensino Médio, o desempenho dos alunos em Matemática em 2012 apresentou

19

Dados coletados na Diretoria de Ensino Região de Piracicaba pela Comissão de avaliações externas.

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decréscimo no nível de proficiência em comparação com a edição de 2011. O

percentual foi de 0,5%20.

5.3 Avaliação da Aprendizagem em Processo – um indicador a mais

Desde 2011, foi implantada nas escolas estaduais a Avaliação da

Aprendizagem em processo – AAP. Essa ação:

[...] desenvolvida de modo colaborativo entre a Coordenadoria da Gestão da Educação Básica (CGEB) e as Diretorias Regionais de Ensino, consiste em diagnosticar, por meio de provas, as dificuldades de aprendizagem dos alunos encontradas nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. O diferencial nesta ação é que, após a aplicação da avaliação, os professores podem realizar inferências com relação aos acertos e também buscar a compreensão dos possíveis erros de cada aluno (SÃO PAULO, 2011a, p. 2).

Além disso, se torna possível verificar a maior incidência de erros nas

diferentes turmas de alunos relacionada aos temas/conteúdos/objetos de ensino

testados em cada questão, possibilitando ao professor a ação necessária para que

seu aluno tenha a possibilidade de avançar no Ensino Fundamental – Anos Finais

ou no Ensino Médio sem acumular dificuldades.

Analisando os resultados da Avaliação da Aprendizagem em Processo,

constatou-se que as habilidades que os alunos menos atingiram estão concentradas

no Ensino Fundamental – Anos Finais.

Procurando compreender o que teria provocado essa grande lacuna existente

entre os resultados dos alunos e as metas propostas, os Anos Finais (6º ao 9º ano)

foi o segmento que optei para desenvolver esta pesquisa.

5.4 O Curso Melhor Gestão, Melhor Ensino – o início dos discursos.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) por meio da

Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo

“Paulo Renato Costa Souza” (EFAP) e da Coordenadoria da Gestão da Educação

Básica (CGEB) estabeleceu a ação “Melhor Gestão, Melhor Ensino” - MGME tendo

como um dos focos a melhoria da educação para todos os professores do Ensino

20

Dados coletados na Diretoria de Ensino Região de Piracicaba pela Comissão de avaliações externas.

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115

Fundamental – Anos Finais. O curso foi estruturado com 60 horas em 03 etapas: a

primeira, com encontros presenciais de 24 horas, nos quais eram dispensados por

06 horas de suas aulas diárias; a segunda, participar de um seminário de 08 horas,

em que os professores de cada escola apresentaram seus trabalhos e a última;

realizada no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) com carga horária de 24

horas. O curso contava com a presença de formadoras. Em Piracicaba, a

responsabilidade ficava por conta de quatro formadoras e eu fui uma das escolhidas.

A compreensão da Matemática, como uma disciplina que proporciona a

investigação, a experimentação e a autonomia foi marcada por ações que

sustentaram os encontros de professores do Ensino Fundamental no ano de 2013,

na Diretoria de Ensino Região Piracicaba, no período de 29 de abril a 07 de junho,

contando com a presença de 200 professores de Matemática do Ensino

Fundamental dos Anos Finais.

A Diretoria de Ensino Região de Piracicaba, cenário do qual os professores

pertenciam, atende, até o presente momento, 68 escolas pertencentes a 06

municípios, acolhendo 19.571 alunos. Dezenove escolas possuem alunos do Ensino

Fundamental – Anos Iniciais (EFAI), 56 escolas atendem alunos do Ensino

Fundamental – Anos Finais (EFAF), 50 dessas escolas oferecem Ensino Médio (EM)

e há um Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA).

O Curso MGME foi grande desencadeador dos conteúdos, na medida em que

a ele se incorporou como uma das etapas do processo pedagógico e disponibilizou

sistematicamente, ao professor, meios para que encontrasse segurança e confiança

em sua prática educativa. Em decorrência dos fatores citados, foram organizadas

vivências e práticas com o intuito de atender as necessidades dos docentes e ao

objetivo maior, o desenvolvimento de aprendizagem dos alunos.

O curso MGME foi visto como momento de compartilhar experiências,

possibilitar reflexões sobre a prática do professor e propor metodologias como

caminho para seguir e chegar a um determinado objetivo. Alguns docentes tinham

objetivos mais criteriosos voltados para as técnicas, para as tendências mais

clássicas. Já outros educadores almejavam metodologias que valorizavam o

raciocínio e as estratégias dos alunos21.

21

O grande diferencial no curso Melhor Gestão, Melhor Ensino foi a opção feita pelas formadoras de Piracicaba. Optamos por trabalhar todas juntas as 7 turmas que tínhamos. Tivemos vários ganhos durante o percurso. Um deles se deu durante o Seminário Centralizado que ocorreu em Serra Negra,

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116

Sacristán busca em Edwards e Mercer (1998) ideias para provocar uma

reflexão do que é importante considerar na prática dos professores:

Para provocar na aula a transferência de competências e conhecimentos do professor/a para o aluno/a é imprescindível criar um espaço de um conhecimento compartilhado. Nesse espaço, as novas posições da cultura acadêmica vão sendo reinterpretadas e incorporadas aos esquemas de pensamento experiencial prévios do próprio aluno/a e também que suas pré-concepções experienciais, ao serem ativadas para interpretar a realidade e propor alguma solução dos problemas, manifestam suas deficiências em comparação com as proposições da cultura acadêmica (EDWARDS e MERCER, 1998 apud SACRISTAN, 1998, p. 62).

Sendo assim, para reconstruir o pensamento do aluno/a é preciso considerar

a cultura experiencial dele/a. Um segundo fator é criar na aula um espaço de

conhecimento compartilhado.

Nos diálogos que mantinha com os professores, algumas indagações eram

presumíveis e, comumente, inevitáveis. As queixas emergiam dentro de uma mesma

óptica: “os alunos não têm raciocínio lógico”, “eles não sabem nada”, “como chegam

no 6º ano do Ensino Fundamental sem saber tabuada?”, “eles não aprendem nada

do que eu ensino”, “nem divisão sabem”, “porque no meu tempo não era assim,

sabia a tabuada de cor, porcentagem e as quatro operações” e outros infinitos

comentários que acabam entrando nas menores brechas das discussões e reflexões

pedagógicas.

O aprisionamento ao passado ressurge nos mais simples momentos de

encontros com os pares. De acordo com Oliveira (2012):

É importante compreender em que grau dependemos dos conhecimentos herdados dos antigos, ao invés de achar que o passado, por simples necessidade cronológica, não vive conosco (OLIVEIRA, 2012, p. 20).

Qual nível essa busca dos conhecimentos herdados dos antigos ocupa na

escala de prioridades? Qual seria o educando que o docente gostaria de encontrar

de 02 a 05/09/2013. O encontro reuniu supervisores, PCNPs de Língua Portuguesa e Matemática e professores das referidas disciplinas. O evento teve como objetivo apresentar as melhores práticas dos professores que culminavam com a proposta do MGME. Ao final do encontro, houve a escolha dos 3 melhores trabalhos, de cada disciplina, de todas as 91 Diretorias. Não houve ranking, somente a escolha dos 3 melhores. Para nossa surpresa, Piracicaba foi escolhida para representar esse critério na disciplina de Matemática.

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em sua sala de aula para poder trocar conhecimentos, interagir e compreender com

os saberes? Quais práticas pedagógicas são mais eficientes?

A partir dessas interrogações, as intenções dos educadores envolvidos serão

consideradas tão ou mais importantes que a metodologia que ele utiliza com seus

discentes.

Ninguém pode incriminar um professor – pelo contrário! – de introduzir o teorema de Pitágoras contando como os egípcios deviam distribuir as terras agrícolas após as enchentes do Nilo. Mas isto não isenta o professor de todo o trabalho pedagógico que permita aos alunos escapar à impregnação desse exemplo inicial e de fazer dele uma ferramenta geométrica aplicável por sua própria iniciativa a um leque bem mais amplo de situações (MEIRIEU, 2005, p. 110).

É fato que, para Meirieu (2005), o professor pode escrever a história da sua

metodologia. É ele quem escolhe as etapas para chegar ao objetivo determinado.

Contudo, é esperado o avanço nas ideias para reconstruir, com os alunos, a partir

dos conceitos iniciais, as habilidades mais complexas.

As mais diferentes perspectivas eram aguardadas no curso Melhor Gestão,

Melhor Ensino. O que todos os sujeitos de investigação tinham em comum? Eram

professores do Ensino Fundamental – Anos Finais e habilitados legalmente para

exercer o cargo.

Tinha como sujeitos da pesquisa 200 professores. Mas, e a pergunta? Qual

seria? Queria algo simples, mas, ao mesmo tempo, significativo e que conseguisse

captar, com muita coerência, o que os docentes pensam a respeito do aprendizado

dos estudantes em Matemática. Debrucei-me sobre várias folhas riscadas, muitas

frases digitadas no computador, várias buscas em sustentações teóricas, em

trabalhos acadêmicos, em livros, mas nada, absolutamente nada representava o que

eu procurava. Foram vários dias de inquietação, incômodo e completo desânimo. E

agora? E a pergunta? Por outro lado havia também uma riqueza de pensamentos,

ideias, ritmos e emoções. Por um momento parei e me concentrei mais uma vez em

Rousseau. “Não se trata de saber tudo o que existe, mas o que é verdadeiramente

útil” (ROUSSEAU, 2004, p. 213). Permanecendo nessa liberdade, livre dos

preconceitos, julgamentos e ilusões foi que encontrei um pensamento que está

posto ao lado da grande esfinge. E ao questionar o guardião, ele me responde:

“Cabe a cada homem e cada ser descobrir por si o que vem dentro de um

pensamento”.

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Esse era o sinal da liberdade. Quando podemos exercer o poder da reflexão e

procurar em nós mesmos as respostas para nossas inquietações. “[...]

habitualmente, obtém-se de maneira muito segura e muito rápida o que não se tem

pressa em obter” (ROUSSEAU, 2004, p. 117).

A pergunta surgiu no meu pensamento. Simples, mas definitiva, impactante e

concludente. Não precisava tanto sofrimento e angústia, ela estava ali, bem próxima

de mim, o tempo todo.

Foi dentro desse universo que solicitei a todos os professores presentes a

resposta para a seguinte pergunta: “O que os alunos precisam saber ou ter para

aprender a Matemática?”.

Obviamente, no momento em que, na posição de pesquisadora, formulou-se

a pergunta, muitas respostas já podiam ser previstas devido à convivência que tenho

com os docentes. No entanto, partir de um conhecimento pré-estabelecido impediria

a fidelidade das impressões e compreensões dos envolvidos.

Segundo Silva e Menezes:

A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e atribuição de significados são básicas no processo qualitativo. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (SILVA e MENEZES, 2000, p. 20).

Revelar, no julgamento dos educadores, suas interpretações acerca de como

entendem o que é necessário o aluno saber ou ter para aprender a Matemática,

implica considerarmos um conjunto de motivos, fatores, conhecimentos e vivências

incomensuráveis adotados por eles. Um desses motivos é o resultado dos

estudantes nas avaliações externas.

5.5 A Fenomenologia e a Pesquisa

Para a realização da pesquisa, segui a postura e procedimentos inspirados na

Fenomenologia. Para bem compreender essa filosofia, Gil (1999) esclarece:

A fenomenologia não se preocupa, pois, com algo desconhecido que se encontre atrás do fenômeno; só visa o dado, sem querer decidir

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se este dado é uma realidade ou uma aparência: haja o que houver, a coisa está aí (GIL, 1999, p. 32).

O filósofo, matemático e lógico Edmund Husserl (1859 – 1938) foi quem

lançou as bases dessa filosofia com a publicação, em 1900, de sua obra

Recherches logiques.

Husserl criticava a concepção das ciências positivas, pois para quem defendia

o Positivismo de Comte, considerava os objetos como sendo independentes do

observador.

Opõe-se aos postulados empiristas [...]. Também se opõe às ideias racionalistas, pois estas só consideram a ideia de consciência pura, isolada e fora do mundo. Na fenomenologia, entendemos consciência como consciência de alguma coisa; o saber emerge da correlação consciência–mundo, resulta da visada intencional (OLIVEIRA, 2013, p. 138).

A investigação assumiu um aspecto interpretativo da disciplina de Matemática

dentro do cotidiano escolar, haja vista que somente foi considerada a impressão de

cada docente, sem pretensão alguma de esse estudo ser considerado decisivo no

âmbito da disciplina ou da metodologia dos educadores, pois refletir é de natureza

subjetiva.

A pesquisa fenomenológica parte do cotidiano, da compreensão do modo de viver das pessoas, e não de definições e conceitos, como ocorre nas pesquisas desenvolvidas segundo a abordagem positivista (GIL, 2008, p. 15).

Gil (2008) complementa que a característica peculiar de uma pesquisa

fenomenológica é a carência de um planejamento rígido e ausência de técnicas

estruturadas para coleta de dados. Portanto, não há como deixar de admitir o peso

da subjetividade na interpretação dos dados.

Groppo e Martins (2006) afirmam que a fenomenologia exerce forte influência

nas ciências sociais, considerando que é:

[...] fundamental compreender qual é o sentido que os próprios indivíduos – como personalidades e agentes sociais – dão aos seus comportamentos, símbolos, valores e inter-relações sociais [e que] a fenomenologia diz que o acesso ao ser faz parte da essência do ser (GROPPO e MARTINS, 2006, p. 63-64).

Como o exercício das narrativas dos professores pode contribuir para o

exercício da reflexão? O que é útil e o que não é útil estão incutidos em Rousseau.

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“Até agora não conhecemos outra lei, que não a da necessidade; agora nos

deparamos com o que é útil; logo chegaremos ao que é conveniente e bom”

(ROUSSEAU, 2004, p. 214).

Com essa determinação, Rousseau estabelece uma divisão de ações. Sendo

assim, é permitido ao indivíduo a classificação do bem e mal. Será possível o

professor, dentro do cotidiano escolar, ter esse preceito em sua prática? Será

provável consignar o quanto o aluno poderia avançar em suas aprendizagens

escolhendo determinado caminho para ensinar ou outro? É irrefutável o professor

perceber, reconhecer e conhecer seus alunos para só depois tomar decisões das

escolhas?

Bicudo descreve como podemos desembaralhar a realidade exibida nos

discursos dos professores:

Do ponto de vista fenomenológico, a realidade não é tida como algo objetivo e passível de ser explicado como um conhecimento que privilegia explicações em termos de causa e efeito. A realidade é entendida como o que emerge da intencionalidade da consciência voltada para o fenômeno. A realidade é o compreendido, o interpretado, o comunicado. Não há, pois, para a fenomenologia, uma única realidade, mas tantas quantas forem suas interpretações e comunicações (BICUDO, 1942 apud GIL, 1999, p. 32-33).

Comunicar, narrar, descrever e expor permite acolher múltiplas

interpretações. Não há espaço, portanto, para interpretar uma única realidade ou

para uma única interpretação da realidade.

Como descrito por Paulo e Almeida (2008):

Há, na abordagem biográfica (autobiografia), uma reconceitualização da própria pesquisa educacional, pois dar voz aos professores supõe uma valorização da subjetividade e o reconhecimento do direito dos mestres de falarem por si mesmos, além de serem concebidos como sujeitos da investigação e não como objetos, deixando assim de serem meros recipientes do conhecimento gerado por pesquisadores, para se tornarem arquitetos e geradores de conhecimento (PAULO e ALMEIDA, 2008, s/p).

Os elementos que serviram de base para compor a proposta de formação

apresentavam a finalidade de ampliar os saberes dos docentes de forma efetiva,

com vistas a contribuir com a capacidade de refletir, analisar e tomar consciência

das futuras práticas, bem como dispor-se a obter novas imagens para repensar os

conceitos e buscar inovar experiências até então adquiridas.

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Neste cenário, as ações foram elaboradas para atender o objetivo de

formação dos professores considerando a necessária vinculação entre seus saberes

e a relação entre teoria e prática. Para isso foi definido um mapa de prioridades, a

escala.

Machado (2009, p. 192) enfatiza que a inclusão de certos instrumentos

educacionais traz a necessidade também da inclusão de alguns critérios.

A primeira decisão a tomar, ao mapear determinada região, é a escolha da escala a ser adotada. Ela indica o grau de proximidade em que nos situamos ao realizar a representação. Se nos aproximarmos demasiadamente, percebemos os pormenores, mas perdemos a visão do todo: se nos afastarmos muito, uma visão abrangente sacrifica o reconhecimento de certos elementos.

O autor prioriza o limite entre o que pode ser visto e o que não pode.

Pormenores demais podem dificultar o entendimento, mas um pecado mais grave pode ser a subestimação da capacidade de compreensão do nosso interlocutor, que ocorre quando o tema tratado de modo excessivamente simplificado, ou seja, é mapeado com uma escala inadequada (MACHADO, 2009, p. 192).

O interesse do trabalho partiu do pressuposto que era necessário (re)

construir algumas estratégias, as quais os docentes não tiveram a oportunidade de

vivenciar, apreender e (re) significar os aspectos talvez conhecidos, mas não

suficientemente conscientes. Assim sendo, essa elaboração implicava em aproximar

os elementos pedagógicos dos docentes que, “a partir de experiências e interesses

[...] podiam dar conta da novidade”. Muitas vezes, temos o significado, mas não nos

aproximamos ou então “não só modificamos o que já possuímos, mas também

interpretamos o novo de forma peculiar, para poder integrá-lo e torná-lo nosso”

(COLL, 2009, p. 20).

5.6 Narrativas dos Professores – reconstruções didáticas e concepções

pedagógicas

Interrogar os professores acerca dos saberes necessários aos alunos é tomar

a resposta de cada um, não como objeto de pesquisa, e sim, como oportunidade

para um espectro de uma das realidades educativas.

O desafio das práticas significa tornar as vivências e experiências objetos de análise e reflexão. Em geral, não há preocupação com o

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contexto em que são construídas e consolidadas as nossas práticas, em outras palavras, não reconstruímos a trajetória histórica da nossa prática. Finalmente, o desafio do compromisso significa transitar do discurso para a ação, articular o real possível e o ideal, destruir as fantasias que cercam o mundo dos planejamentos e programas, gestar e gerir propostas capazes de dialogar com as práticas e as realidades, resgatar o sentido do planejar para a ação (MACHADO, 1996, p. 103-104).

E agora, professores? O que os alunos precisam saber ou ter para aprender

Matemática no século XXI? Quais são os desafios que vocês educadores

enfrentam? O que está faltando para nossos educandos? E para vocês, o que ainda

não foi conquistado? O que é imperativo e urgente alcançar?

A voz e a vez de 200 educadores da Diretoria de Ensino Região de Piracicaba

num total de 717 respostas. Para conduzir essas vozes foi viável classificá-las de

acordo com as quatro categorias definidas, conforme anunciado anteriormente, isto

é, categorias dos saberes curriculares, dos saberes atitudinais, saberes cognitivos e

saberes motivacionais.

A seguir, a análise e a interpretação das respostas dadas pelos professores

que pertencem à categoria dos saberes curriculares:

Eles não sabem... Números, a tabuada, as técnicas das quatro operações, contagem, frações, decimais, porcentagem, divisores, espaço, formas, medidas, valor posicional dos números, lógica, transposição da linguagem materna para a linguagem matemática, diferenciar o concreto e o abstrato, noções de vocabulário matemático, entre outros (vozes dos Professores de Matemática da categoria dos saberes curriculares).

Nessa categoria, 23,5% dos professores julgam que para os alunos

aprenderem Matemática precisariam ter o domínio dos conteúdos escolares para

uma aprendizagem de qualidade. Somente nos itens tabuada e as quatro operações

foram 139 respostas coletadas, ou seja, 19,3% dos professores interpretaram que a

dificuldade para aprender Matemática esteja depositada nas técnicas operatórias e

na habilidade de memorizar a tabuada.

Como trabalhar conteúdos de Matemática com alunos carentes de

informações matemáticas? Quais seriam as razões dos docentes para suas

assertivas?

Uma grande razão pode estar presente no trabalho das séries iniciais. É

grande a chance desses conteúdos não terem sido trabalhados com esses alunos,

dentro de uma metodologia que mostre a Matemática como instrumento de leitura e

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interpretação mantendo o foco do desenvolvimento das competências pessoais dos

alunos. Essa herança pedagógica seria uma das justificativas que encontraria.

— Nos Anos Iniciais, os alunos, não estudaram as informações da Matemática de forma abstrata, eles aprenderam só no concreto. E quando chegam nos anos finais eles não conseguem compreender.

— Os alunos não aprendem tabuada, porcentagem, frações com materiais concretos. Aprendem com técnicas.

Na primeira consideração, o professor enfatiza que os alunos constroem seus

conhecimentos matemáticos utilizando materiais didáticos sem avançarem nas suas

hipóteses numéricas. E, na segunda, o professor alega que os alunos levantam seus

conhecimentos matemáticos sem o uso do material concreto. Utilizam somente as

técnicas operatórias. Embora as duas considerações sejam contraditórias, ambas

provocam uma reflexão. A ausência de um trabalho de qualidade nas séries

anteriores. Ausência de um trabalho ou o desenvolvimento da construção do

conceito matemático?

Em Emílio, Rousseau, para explicar a falta de compreensão de um dogma,

mostra que o homem se acostuma e se contenta com a força das palavras e

acrescenta: “a obrigação de crer supõe a sua possibilidade” (ROLLAND, 1975, p.

64).

É tão violenta essa culpabilização das séries anteriores que o risco de ser

verdade absoluta pode estar incutido nos docentes.

Tais afirmações foram relevantes para buscar os resultados dos alunos, da

Diretoria de Ensino Região de Piracicaba, na avaliação externa SARESP.

O SARESP, avaliação externa da Educação Básica, aplicada desde 1996,

tem como objetivo encontrar mecanismos para minimizar ou sanar as dificuldades

que os estudantes apresentam para tornar visíveis as habilidades e competências

que contribuem para a qualidade de ensino do educando. A Secretaria da Educação

realizou, em 2013, a 16ª edição do SARESP, caracterizado como:

Uma avaliação externa, com a finalidade de fornecer informações consistentes, periódicas e comparáveis sobre a situação da escolaridade básica na rede pública de ensino paulista, assim como, de ser capaz de orientar os gestores do ensino no monitoramento das políticas voltadas para a melhoria da qualidade da Educação Básica do ensino (SÃO PAULO, 2012, p. 1).

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Sendo assim, é instaurado em todas as escolas estaduais o mapa da

classificação e descrição dos níveis de proficiência. “Os níveis de proficiência foram

denominados abaixo do básico, básico, adequado e avançado os intervalos que

correspondem à proficiência do educando” (SÃO PAULO, 2012, p. 7).

O quadro 6, ilustra a situação exposta, ou melhor, os níveis de proficiência e

as características de cada um.

Quadro 6: Classificação e Descrição dos Níveis de Proficiência do SARESP

Níveis de Proficiência

Descrição

Abaixo do Básico Os alunos, neste nível, demonstram domínio insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se encontram.

Básico Os alunos, neste nível, demonstram domínio mínimo dos conteúdos, competências e habilidades, mas possuem as estruturas necessárias para interagir com a proposta curricular no ano/série subsequente.

Adequado Os alunos, neste nível, demonstram domínio pleno dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se encontram.

Avançado Os alunos, neste nível, demonstram conhecimentos e domínio dos conteúdos, competências e habilidades acima do requerido no ano/série escolar em que se encontram.

Fonte: SÃO PAULO, 2009.

A real distribuição, dos alunos do 9º ano da Diretoria de Ensino Região de

Piracicaba – DER Piracicaba, no SARESP 2013 nos níveis de proficiência pode ser

vista na tabela 1:

Tabela 1: Distribuição de Alunos nos níveis de proficiência em Matemática – 9º ano Ensino Fundamental – SARESP 2013

Níveis de Proficiência

Descrição Alunos (em %)

Abaixo do Básico Os alunos, neste nível, demonstram domínio insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se encontram.

35,7

Básico

Os alunos, neste nível, demonstram domínio mínimo dos conteúdos, competências e habilidades, mas possuem as estruturas necessárias para interagir com a proposta curricular no ano/série subsequente.

52,3

Adequado Os alunos, neste nível, demonstram domínio pleno dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se encontram.

10.6

Avançado Os alunos, neste nível, demonstram conhecimentos e domínio dos conteúdos, competências e habilidades acima do requerido no ano/série escolar em que se encontram.

1,4

Fonte: Diretoria de Ensino Região de Piracicaba, 2013.

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Observando a tabela 1, verificou-se que apenas 10,6% dos alunos do 9º ano

da DER Piracicaba alcançaram domínio pleno dos conteúdos, competências e

habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se encontram, ou melhor,

estavam no nível adequado. Em média, 52,3% dos alunos do 9º ano, em 2013,

estavam no nível considerado básico, ou seja, os alunos demonstram domínio

mínimo dos conteúdos, competências e habilidades.

A questão-chave aqui é a seguinte: na categoria, saberes curriculares,

divulgados pelos docentes, os conteúdos apresentados podem ser aprendidos

somente usando a técnica e a memória? “Ou pela realização de um trabalho que

envolve a construção, a organização e, como consequência, a memorização

compreensiva desses fatos?” (BRASIL, 1997, p. 70).

Conforme os Parâmetros Curriculares– 1ª a 4ª série (1997):

Uma boa habilidade em cálculo depende de consistentes pontos de apoio, em que se destacam o domínio da contagem e das combinações aritméticas, conhecidas por denominações diversas como tabuadas, listas de fatos fundamentais, leis, repertório básico, etc. (BRASIL, 1997, p. 70).

Essa concepção fica mais forte nos Parâmetros Curriculares - 5ª a 8ª série

(1998):

Por outro lado, um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e generalizados, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem novamente contextualizados em outras situações. Mesmo no ensino fundamental, espera-se que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado, transferido a outros contextos (BRASIL, 1998, p. 36).

O texto inicial, apresentado no material fornecido pela SEE/SP, aos alunos do

9º ano e aos professores vem corroborar com a proposta acima descrita:

[...] as atividades propostas não devem ser consideradas exercícios ou problemas a serem resolvidos simplesmente com técnicas transformadas em rotinas automatizadas. Muitas dessas situações podem ser vistas como ponto de partida para estudar ou aprofundar uma noção ou propriedade matemática (SÃO PAULO, 2009a).

O matemático Keith Devlin (2010, p. 291) afirma que “nós [matemáticos]

geralmente usamos uma combinação de experiência, intuição, adivinhações e

tentativa e erro, e não uma dedução lógica passo a passo” . De acordo com Devlin,

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essa forma de fazer Matemática foi desenvolvida pelo estadunidense Paul Halmos

(1916 – 2006), em 1968.

A matemática – isso pode surpreender ou pode chocar algumas pessoas – nunca é dedutiva em sua criação. O matemático, quando trabalha, faz conjecturas vagas, visualiza generalizações amplas e salta para conclusões não justificadas. Ele arruma e arruma novamente suas ideias, e se torna convencido da verdade que elas encerram antes de lançar no papel uma prova lógica (HALMOS, 1968 apud DEVLIN, 2010, p. 293).

Tal qual Halmos afirma que a matemática percorre as provas lógicas e

precisas, Devlin (2010) considera que, para se fazer matemática, é necessário uma

atividade que se passa num reino de abstrações, “não se pode verificar seus

resultados por meio de observações, como fazem os astrônomos, ou realizando

experimentos como os químicos”.

Hermann Broch (1886 – 1951), escritor austríaco do século XX, nasceu em

Viena e trabalhou por muito tempo na fábrica de sua família. O futuro dele estava

certo: dar continuidade ao trabalho da sua família, mas a sua vontade era outra: ser

escritor. Antes de realizar seu sonho estudou Matemática, Filosofia e Psicologia,

mas, para ele, “a Matemática convinha ao meu tipo de espírito, incapaz de se

declarar satisfeito antes de haver compreendido totalmente o problema dado [...]

nunca me conformei com pensamentos que não fossem até o fim deles mesmos.”

(BROCH, 1968 apud SNYDERS, 1993, p. 133).

O que acontece se...? Por que isto? Essas expressões, naturalmente ditas

pelo professor podem envolver alunos e professores por um longo tempo. Investigar,

explorar e buscar pelo novo são habilidades que pertencem a um cenário pelo qual

os alunos são responsáveis pelo processo.

Skovsmose (2010) ressalta o valor de uma prática voltada à investigação.

Se certo cenário pode ou não dar suporte a uma abordagem de investigação é uma questão empírica que tem que ser respondida por meio da prática dos professores e alunos envolvidos. As práticas de sala de aula baseadas num cenário para a investigação diferem fortemente daquelas baseadas em exercício (SKOVSMOSE, 2010, p. 21).

Diferentemente daquela prática, segundo Skovsmose (2010), que são

denominadas surreais e artificiais. Um exemplo dessa situação exponho abaixo:

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O feirante A vende maçãs a R$ 0,85 o Kg. Por sua vez, o feirante B vende 1,2 Kg por R$1,00. Qual feirante vende mais barato?

Qual é a diferença entre os preços cobrados pelos feirantes por 15 Kg de maçãs? (SKOVSMOSE, 2010, p. 24).

A investigação matemática acima decorre das interligações entre os campos

da Aritmética e da Álgebra, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Fundamental - 5ª a 8ª série (1998) no eixo Medidas e Grandezas com foco

na:

[...] resolução de situações-problema envolvendo grandezas (capacidade, tempo, massa, temperatura) e as respectivas unidades de medida, fazendo conversões adequadas para efetuar cálculos e expressar resultados (BRASIL, 1998, p. 89).

As observações acerca da investigação matemática nos Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental - 5ª a 8ª série (1998) no eixo

Medidas e Grandezas vem ao encontro com o que é exposto no documento.

A investigação matemática, acima descrita, é considerada de relevância

social? Desempenha claramente a utilidade do conhecimento matemático?

Considerando mais minuciosamente as particularidades do conhecimento no

cotidiano, quem explica com muita clareza é Skovsmose (2010, p. 26):

Certamente, falam-se de maçãs, compras e preços. Mas não acredito que a pessoa que construiu esse exercício tenha feito alguma investigação empírica sobre a maneira como as maçãs são vendidas ou tenha entrevistado alguém a fim de descobrir as circunstâncias em que seria relevante comprar 15 Kg de maçãs. A situação é artificial. [...] como a Matemática opera em situação da vida real não têm sido considerada na elaboração de exercícios.

E o autor complementa: “exercícios baseados na vida real oferecem um

ambiente de aprendizagem” (SKOVSMOSE, 2010, p. 26).

Também sobre a importância de propor aos alunos atividades matemáticas

nas quais seja considerado o cotidiano escolar, Galvéz (1996) diz com muita

adequação:

Trata-se de colocar os alunos diante de uma situação que evolua de forma tal, que o conhecimento que se quer que aprendam seja o único meio eficaz para controlar tal situação. A situação proporciona a significação do conhecimento para o aluno, na medida em que converte em instrumento de controle dos resultados de sua atividade. O aluno constrói assim um conhecimento contextualizado, em contraste com a sequenciação escolar habitual, em que a busca das

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aplicações dos conhecimentos antecede a sua apresentação, descontextualizada (GALVÉZ, 1996, p. 33).

Pérez Gómez (1992) também partilha da mesma ideia:

Mais do que transmitir informação, a função educativa da escola contemporânea deve orientar-se para provocar a organização racional da informação fragmentada recebida e a reconstrução crítica das preocupações acríticas (GÓMEZ apud IMBERNÓN, 2000, p. 189).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental - 5ª a 8ª série

(1998) alertam sobre uma prática sistematicamente utilizada em sala de aula:

Outra distorção perceptível refere-se a uma interpretação equivocada da ideia de contexto, ao se trabalhar apenas com o que se supõe fazer parte do dia-a-dia do aluno. Embora as situações do cotidiano sejam fundamentais para conferir significados a muitos conteúdos a serem estudados, é importante considerar que esses significados podem ser explorados em outros contextos como as questões internas da própria Matemática e dos problemas históricos. Caso contrário, muitos conteúdos importantes serão descartados por serem julgados, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos porque não fazem parte de sua realidade ou não têm uma aplicação prática imediata (p. 23).

Johann Friedrich Herbart (1776 – 1841), de acordo com Dussel (2003), foi um

dos primeiros pedagogos que estruturou o clássico triângulo pedagógico: professor –

aluno – conhecimento. E é do filósofo e do fundador da pedagogia como disciplina, a

seguinte ideia: “que a instrução tome ou não seu verdadeiro caminho depende do

professor, do aluno e do objeto, simultaneamente” (HERBART, 1935 apud DUSSEL,

2003, p. 141).

A escola é, portanto, revigorada na qualidade e na condição de produtora de

sentido, ao criar possibilidades, em cada sujeito, de reconstruir conscientemente seu

pensamento. “A autonomia intelectual para analisar criticamente os processos e os

conteúdos socializadores recebidos e articulá-los em um âmbito totalizador”

(IMBERNÓN, 2000, p. 189).

As possibilidades, hoje, para ter uma escola que cumpre sua função social

são encontradas em Imbernón (2000) quando este afirma que a escola assume um

papel relevante na formação de sujeitos “políticos, para uma democracia substantiva

que os exige protagonistas, ativos e organizados: formar governados que possam

ser governantes” (IMBERNÓN, 2000, p. 189).

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Continuando a análise, exponho a segunda categoria, a dos saberes

atitudinais. A mesma pergunta: o que os alunos precisam saber ou ter para aprender

Matemática? Mas... Outras respostas.

Eles não têm... Disciplina para estudos, organização, interesse para adquirir novos conhecimentos, cumprimento de seus deveres, paciência, boa vontade, imaginação, vontade de aprender, concentração, educação, respeito, disciplina, humildade, dedicação, empenho e responsabilidade (vozes dos Professores de Matemática da categoria dos saberes atitudinais).

É válido considerar com mais cuidado essa categoria. Foram 29,7% do total

de educadores que optaram por fatores, como descritos acima, para justificarem o

porquê dos alunos não aprenderem Matemática. Considerando os itens disciplina,

ser organizado e ter interesse para adquirir novos conhecimentos, 20,9% dos

educadores responderam que essas características são responsáveis pelos

resultados dos alunos na disciplina de Matemática.

Para pensar na problemática dos alunos que não possuem interesse para os

estudos ou para aqueles que são indisciplinados, o aprofundamento das discussões

exige uma reflexão que encontro em Aquino (1996) quando este traz um texto de

1922, intitulado Recommendações Disciplinares22, que aponta claramente os ideais

disciplinares

Não há creanças refractarias à disciplina, mas somente alumnos ainda não disciplinados. A disciplina é factor essencial do aproveitamento dos alumnos e indispensável ao homem civilisado. Mantêm a disciplina, mais do que o rigor, a força moral do mestre e o seu cuidado em trazer constantemente as creanças interessadas em algum assumpto útil (BRAUNE, 1922 apud AQUINO, 1996, p. 43).

Lendo essa regra disciplinar, o saudosismo pode ocupar espaço na reflexão.

Isso é confirmado pela resposta de um professor: “no meu tempo, que saudades

daqueles alunos obedientes que queriam aprender!”.

Onde estão esses jovens? Qual é o lugar que estão ocupando? Não existem

mais? Igual à música de Belchior (1976), “Como nossos pais”23, para os jovens o

22

O texto Recommendações Disciplinares foi escrito por Zélia Braune no ano de 1922 e editado no livro Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas, de Julio Groppa Aquino. 23

BELCHIOR. (Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes). Como nossos pais. Intérprete: Belchior. In: BELCHIOR. Alucinação. São Paulo: Polygram, p1976. Vinil, LP, Álbum. Faixa 3.

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caminho está interrompido? Não podem prosseguir? E se prosseguirem? Colidirão

com o que esperam deles?

[...] Há perigo na esquina Eles venceram e o sinal Está fechado prá nós Que somos jovens...

Ou sim. Eles estão aí. Mas... Procuram pelo novo.

[...] Mas é você Que ama o passado E que não vê É você Que ama o passado E que não vê Que o novo sempre vem...

E o novo se aproximou!

Aproximou-se com o Relatório Jacques Delors, iniciado em 1993 e concluído

em 1996, o qual teve “a contribuição impar à revisão crítica da política educacional

de todos os países.” (DELORS et al, 2001, p. 9). O Ministério da Educação e do

Desporto apoiou a publicação no Brasil do Relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional sobre a educação do século XXI, sob o título “Educação: um tesouro a

descobrir”. Na apresentação da edição brasileira, o então ministro Paulo Renato

Souza relata que o Relatório amplia o papel da educação:

Existe hoje uma arena global na qual, gostemos ou não, é até certo ponto jogado o destino de cada indivíduo. Apesar de uma promessa latente, a emergência desse novo mundo, difícil de aprender e ainda mais difícil de prever, está criando um clima de incertezas, para não dizer de apreensão, que torna a busca de um enfoque verdadeiramente global para os problemas mais angustiantes (p. 9).

A Comissão presidida por Delors se dedica, no capítulo 4 do Relatório, a

mostrar que as bases da educação são apoiadas por quatro pilares, denominados

de competências ou conjuntos de habilidades: aprender a conhecer, aprender a

fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

Isto posto, Delors (2001) destaca que o próximo século submeterá a

educação a uma dura obrigação.

A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e mais eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à

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civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro (DELORS, 2001, p. 89).

Para bem compreender a proposta da Comissão sobre a transmissão de

informações, ela assegura também:

Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas das informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. A educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bussola que permita navegar através dele (ibid).

Delors (2001) evidencia que de fato não é mais possível e nem adequada

uma bagagem escolar cada vez mais carregada, mostrando o pouco apreço de uma

abordagem quantitativa em detrimento de uma abordagem qualitativa.

A qualidade na educação aparece quando há consideração e respeito aos

quatro pilares da educação.

A temática que se tornou clássica é de grande relevância: a indisciplina

contrapondo-se ao interesse em adquirir novos conhecimentos. Outrora, a

indisciplina eram casos esporádicos e hoje representa um dos maiores obstáculos

que a escola enfrenta. O que fazer? Diálogo ou repressão?

Com base em Aquino (1996), a escola abre as possibilidades de ser abrigo de

desenvolvimento de capacidades, mas também ser local de embates entre gestores

e alunos.

A visão, hoje quase romanceada, da escola como lugar de florescimento das potencialidades humanas parece ter sido substituída, às vezes, pela imagem de um campo de pequenas batalhas civis; pequenas, mas visíveis o suficiente para incomodar (AQUINO, 1996, p. 40).

Diante dessa prerrogativa, Aquino (1996) explica que sinônimo de disciplina

era silêncio, obediência e resignação. Agora, pode significar movimento, força

afirmativa e vontade de transpor obstáculos.

O obstáculo é formativo, como o é para o artista. Sem o obstáculo, sem o difícil, a necessidade da disciplina não se manifesta, e toda a possibilidade de compreensão é frustrada (GUIMARÃES apud AQUINO, 1996, p. 53).

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No quarto pilar da educação: aprender a ser, o apprendere à être (FAURE et

al, 1972) o compromisso se pauta no exercício de uma educação totalizante. “A

educação deve contribuir para a formação total do indivíduo: espírito, corpo,

inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,

espiritualidade” (DELORS, 2001, p. 99).

O acordo prevê que o ser humano deve receber uma educação que favoreça

a elaboração de pensamentos autônomos e críticos, bem como a formulação dos

seus próprios juízos de valor, de modo a possibilitar o poder de decisão e saber agir

nas diferentes circunstâncias da vida.

No preâmbulo do relatório, Delors e sua comissão, exprimem um temor, o da

desumanização.

Com a vinda do século XXI e, consequentemente, com a transformação de

uma sociedade, os sujeitos poderiam enfrentar problemas de grande amplitude. O

poder mediático foi apontado pela comissão de Delours. A recomendação é fornecer

às crianças “forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o

mundo que as rodeia e comportar-lhes nele como atores responsáveis e justos”

(DELORS, 2001, p. 100).

Como afirmado:

Convém, pois, oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e de experimentação – estética, artística, desportiva, científica, cultural e social –, que venham completar a apresentação atraente daquilo, que nestes domínios, foram capazes de criar as gerações que os precederam ou suas contemporâneas (DELORS, 2001, p. 100).

Portanto, não se pode pensar em educação fora do domínio do quarto pilar da

educação, proposto por Delors e sua comissão.

França (1996) fornece uma explicação de como esse processo pode ser

considerado:

Habitando, hoje, um mundo marcado pela velocidade e por uma vertiginosa exposição de imagens, precisamos de um espaço comum entre os homens para nos relacionar. Só ocupando um lugar concreto no mundo é que podemos falar, ouvir, ver e ser vistos e, assim produzir conexões que materializem invisibilidades, dando lugar ao inédito. Ao contrário, se perdermos o espaço público, perderemos também o contato com os outros e, consequentemente, certo senso ético. O ato indisciplinado é, enfim, uma força que precisa ser trabalhada a fim de explicitar a que veio (FRANÇA, 1996, p. 147).

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Mas... O desafio é permanente.

Isso significa que a indiferença dos alunos, a indisciplina constituem ameaças nunca afastadas, risco que, nesta profissão aumentam terrivelmente com a idade – ao passo que, na maioria das outras, o tempo de serviço traz garantias da dignidade (SNYDERS, 1993, p. 85).

Por um lado, “não há nada novo sob o sol” (FULLAN, 2009, p. 15).

No entanto, do outro lado, a escola está sendo sobrecarregada de inovações,

de recursos e materiais didáticos de alta qualidade, de laboratórios equipados, com

menor número de alunos na sala de aula, de tempo qualitativo para estudos dos

professores, de qualidade e quantidade nas refeições, de possibilidades de trocas

de experiências de alunos e professores, de formação continuada para gestores e

professores e de um constante exercício de trabalho coletivo trilhando para um

caminho de um ensino com excelência. Utopia? Talvez! Essas premissas estão

presentes no Programa de uma nova escola, a Escola de Ensino Integral.

Implantado em 2012 em 16 escolas de Ensino Médio, e expandido, em 2013, para

mais 53 unidades, incluindo os Anos Finais do Ensino Fundamental. Em 2014, esse

número se eleva para 182 escolas. Na Diretoria de Ensino Região de Piracicaba

existe, no presente momento, uma escola desde 2013 e 8 inauguradas em 2014.

E os alunos, perceberam essas mudanças que ocorreram em suas

instituições escolares? São outros educandos? Os discentes também sofreram

transformações juntamente com suas escolas?

Os alunos que procuram pelo conhecimento, crescem. Os que estão aí

alojados nas escolas aguardam ser ouvidos, esperando colocarem limites em suas

ações, ansiando por diálogos que levem a percorrer caminhos não conhecidos ou

até mesmo um olhar de confiança e de sabedoria vão ocupar cada vez mais espaço

na dinâmica sociedade moderna.

Paralelamente, a própria educação está em plena mutação: as possibilidades de aprender oferecidas pela sociedade exterior à escola multiplicam-se, em todos os domínios, enquanto a noção de qualificação, no sentido tradicional, é substituída em muitos setores modernos de atividade, pelas noções de competência evolutiva e capacidade de adaptação (DELORS, 2001, p. 103).

Para isso, a sociedade deve “não negligenciar na educação nenhuma das

potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético,

capacidades físicas, aptidão para comunicar-se” (DELORS, 2001, p. 102).

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Exemplos de aspectos modernos da educação que são negligenciados pela

escola aparecem no vídeo Alunos do Século XXI24. O vídeo traduz uma exigência de

jovens nativos digitais do nosso século. São ao todo, quatorze crianças que

exprimem o desejo de aprender usando novas tecnologias. No vídeo, as crianças

levantam placas manifestando os desejos e expondo o dia a dia delas. Sem uma

palavra, somente as placas.

— Eu jogo vídeo game 3 horas e meia por semana — Eu assisto televisão 16 horas e meia por semana — Eu jogo computador 5 horas e meia por semana — Eu ouço música 5 horas por semana — Esperamos ser capazes de criar — Compartilhar informações com todos — 76% dos meus professores nunca utilizaram tecnologia — Tenho blog — Meus pais escrevem e-mail e eu mensagem instantânea — 63% dos meus professores não me permitem criar algo com a

tecnologia — Se nós aprendemos vivenciando — O que estamos aprendendo sentados aqui? — Até o ano de 2016 o maior país a falar inglês será a China — A população da China é maior que a América do Norte — Metade de nós não conseguirá concluir o Ensino Médio — Eu concluirei? — Vou trabalhar em 14 locais diferentes antes de completar 38 anos — A maior parte desses empregos não existe hoje — Como isso [lousa, caderno, giz] pode me ajudar? — Me ensine a pensar, a criar, a analisar, a avaliar — Me permita usar o www para aprender viver, pertencer ao mundo — Me envolva!

E terminam com todas as crianças levantando as placas com o dizer “me

envolva”.

Envolvimento coincide com o que afirma o psicanalista, educador, teólogo e

escritor brasileiro, Rubem Alves (2001), que acredita que o papel do professor é

ensinar o aluno a pensar e a criar. Rubem Alves confia que a missão do educador é

provocar espanto.

Procurando compreender o significado que os professores deram as suas

respostas encontro, entre algumas justificativas:

—Eles não vêm à escola estudar, e muito menos, aprender Matemática, o interesse é outro bem diferente.

24 Vídeo produzido por site planeta educação baseado no vídeo americano a vision of k-12 students today. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=8O4D8mree54>. Acesso em: oito jun. 2014.

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—Os alunos não gostam de Matemática, isso acaba dificultando o aprendizado. Eles não pensam. Nem sei se eles sabem pensar.

—Eles não fazem as lições, posso mil vezes passar tarefa, mil vezes eles não entregam. Não são inteligentes.

—Quando penso em fazer uma atividade diferente, um projeto, eu desisto. Eles não têm imaginação, criatividade, boa vontade e educação.

O que é revelado nessas falas? Dentro da dimensão pedagógica, as

comprovações que ancoram esses relatos estavam presentes na falta de interesse

dos alunos. Mas, como provocar o interesse? Como provocar o espanto, conforme

Rubem Alves menciona? Como fazê-los pensar? Como envolvê-los?

Morin (2003) impulsiona essas dúvidas ao apontar que a curiosidade estimula

o emprego da inteligência.

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência geral. Esse pleno emprego exige o livre exercício da faculdade mais comum e mais ativa na infância e na adolescência, a curiosidade, que, muito frequentemente, é aniquilada pela instrução, quando, ao contrário, trata-se de estimulá-la ou despertá-la, se estiver adormecida. Trata-se, desde cedo, de encorajar, de instigar a aptidão interrogativa e orientá-la para os problemas fundamentais de nossa própria condição e de nossa época (MORIN, 2003, p. 21).

As lacunas presentes na escola entre docentes e discentes residem no jogo

da perda da criatividade, da intuição e do pensar do aluno e a valorização de um

trabalho com criatividade e com cooperação.

O que é pensar? De quais faculdades intelectuais somos dotados para

executar essa ação? Para Tomas de Aquino, filósofo e teólogo do século XIII,

pensar é uma “consideração do intelecto acompanhada pela indagação, sendo,

portanto anterior à perfeição que o intelecto atinge na certeza da visão”

(ABBAGNANO, 2007, p. 875). Platão, matemático do período clássico da Grécia

antiga, emprega o pensar como diálogo da alma consigo mesma.

Quando a alma pensa não faz outra coisa senão discutir consigo mesma por meio de perguntas e respostas, afirmações e negações; e quando, mais cedo mais tarde, ou então de repente decide, assevera e não duvida mais, dizemos que ela chegou a uma opinião (ABBAGNANO, 2007, p. 874).

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Sobre o mote pensar, Sabbag (2007) parte do pressuposto de que muitas

associações acontecem por simples recordações. A imagem, o cheiro e as situações

são carregadas de significações.

Sabbag (2007, p. 98) citando Myers (2003) aponta evidências científicas de

que o ser humano tem uma mente dual e que há dois modos de pensar, dois tipos

de memória e dois níveis de atitude: “uma está acima da superfície, na consciência

momento a momento, outra está escondida, operando como um piloto automático

que guia as nossas vidas” (SABBAG, 2007, p. 98).

Na visão de Myers (2003) a memória guarda maior afinidade com a intuição

do que com a razão, subtendida por raciocínio em seu modo de armazenamento e

recuperação de lembranças. “Se a razão é rasa, para fazer uma associação

provocativa, a intuição é profunda, no sentido de que busca fragmentos para

construir simbolismos e, a partir daí, estimular o pensar” (SABBAG, 2007, p. 98).

Sabbag (2007) expressa em sua obra, Espirais do Conhecimento, uma

pesquisa realizada do NLT Institute for Applied Behavioral Sciences feita no início do

ano de 1960, nos Estados Unidos, a qual visava aferir o grau de retenção de

informação de alunos, comparando diferentes metodologias de ensino. A pesquisa

aponta cinco metodologias de ensino e as coloca em níveis dentro de uma pirâmide,

a pirâmide de aprendizagem.

O ensinar, segundo a pirâmide de aprendizagem, é a metodologia melhor

para aprender.

Ensinar requer um esforço de preparação prévia, quando selecionamos os aspectos a considerar e estruturamos uma narrativa que, durante a exposição, é validada pelo rapport25 fornecido pelos alunos: manifestações de concordância, de enfado, de surpresa, enfim, contribuições que se somam ao assunto tratado. Por meio dessa interação com os alunos, o professor refina seu conhecimento e o torna autêntico. Afinal, é o processo social que eleva ao máximo o processo da informação (SABBAG, 2007, p. 136).

25 Rapport significa concordância, harmonia, relação de mútua compreensão ou confiança e concordância entre as pessoas.

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Figura 11: Pirâmide da aprendizagem: diferentes graus de retenção de informação

Fonte: NTL Institute for Applied Behavioral Sciences apud SABBAG, 2007, p. 135

Aprender é preparar-se para criar, experimentar, investigar, agir e,

principalmente, pensar. Como a música, Sol de Primavera26, “a lição sabemos de

cor, só nos resta aprender”.

Na terceira categoria analisada, a dos saberes cognitivos, ainda, a mesma

pergunta: o que os alunos precisariam saber ou ter para aprender Matemática? E

mais respostas, e não são as mesmas.

Eles têm que... Ter pré-requisito, ter raciocínio lógico, pensamento lógico matemático, ter raciocínio aditivo, ter raciocínio multiplicativo, saber a regra de sinais, ter cálculo mental, saber interpretar, ter o raciocínio rápido, ter atitude para questionar, organizar as ideias, observar e fazer uso do levantamento de hipóteses (vozes dos Professores de Matemática da categoria dos saberes cognitivos).

Embora essa categoria tenha sido a menos escolhida entre os professores,

16,3% das respostas, é necessário compreender o significado que os professores

dão a essa categoria. Como eles dão sentido às suas práticas e a de seus alunos?

Inicialmente, é importante a seguinte indagação: como se constrói o

pensamento lógico matemático? Para a discípula de Piaget, Constance Kamii (1985,

p. 14-15) “é a relação criada mentalmente pelo indivíduo que relaciona os dois

objetos” e “o conhecimento lógico-matemático consiste na coordenação de

relações”.

26 GUEDES, Beto; BASTOS, Ronaldo. Sol de Primavera. Intérprete: Beto Guedes (Alberto de Castro

Guedes). In: Sol de Primavera. São Paulo: EMI, p. 2010, CD, faixa 1. [p1979.Vinil, LP, Álbum.Faixa 1.]

Palestra: 5%

Leitura: 10%

Audiovisual: 20%

Demonstração: 30%

Discussão em grupo: 50%

Vivências: 75%

Ensino: 90%

Taxa Média de Retenção

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O modelo dessas relações é encontrado ao coordenar as relações de igual,

diferente, a mais que, a menos que, a terça parte de, entre outras.

Um exemplo ilustra essa relação:

Todos os dias, Paulo ganha de seu pai 5,00 e guarda no cofre. Daqui a 7 dias ele terá mais ou menos dinheiro que tem hoje? Quanto? Represente na linguagem matemática essa situação.

Figura 12: Forma de resolução

Supondo que Paulo tenha certa quantia em reais e gasta por dia 5,00, daqui a 7 dias, ele terá mais ou menos dinheiro que tem hoje? Quanto?

Figura 13: Forma de resolução

Fonte: Adaptado de São Paulo, 1988, p. 91.

A situação apresentada tem o objetivo de oferecer, conforme a Proposta

(1988), certa concretude à multiplicação de números inteiros, porém necessita

haver, com os estudantes uma convivência com situações que envolvem números

inteiros: inferir resultados para perdas e ganhos, observações de variações de

temperatura acima e abaixo de zero, acompanhar as variações da conta bancária,

entrar em contato com fatos históricos que ocorreram antes e depois do nascimento,

observar a contagem regressiva do lançamento de um foguete. Essa “realidade deve

constituir o ponto de partida do ensino” (SÃO PAULO, 1988, p. 87). Ou a retomada

dessas habilidades em séries posteriores.

Uma análise que permite reflexão foi descrita por Kamii (1985) ao mostrar a

relação entre autonomia como finalidade da educação e o êxito na escola. A autora

apresenta que autonomia e sucesso na escola ainda não se justapõem. Como

mostra a figura.

Número de dias após hoje

Quantia gasta por dia

Quantia que Paulo terá a menos daqui a 5 dias

(+7) (-5) (-35) x =

Número de dias após hoje

Quantia guardada no cofre por dia

Quantia que Paulo terá a mais

daqui a 5 dias

(+7) (+5) (+35) x =

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Figura 14: Relação entre a autonomia e o sucesso na escola

Fonte: Adaptado de Kamii, 1985, p. 34

O sucesso na escola refere-se a “tudo o que memorizamos só para

passarmos nos exames [...] controlados pelas notas, memorizamos palavras sem

entendê-las ou sem importarmos com elas” (KAMII, 1985, p. 35), como também,

regras de sinais e outras propriedades tão presentes na disciplina de Matemática.

Na autonomia está incluída a habilidade de pensar autônoma e criticamente.

Kamii (1985) justifica essa hipótese por meio de pesquisas feitas por McKinnon e

Renner (1971) e Schwebel (1975) com alunos das 1ª séries dos cursos universitários

de graduação considerados os melhores em Matemática. Esses alunos haviam tido

êxito na escola para conseguirem entrar na Universidade. Contudo, “a porcentagem

de alunos capazes de apresentar um sólido pensamento lógico no nível formal era

de 25%”. As operações formais referem-se ao nível mais elevado de raciocínio

lógico na teoria de Piaget, o qual não aparece antes da adolescência” (KAMII, 1985,

p. 35).

Prosseguindo com a análise, entre autonomia e sucesso, a psicóloga Kamii

comenta que a intersecção entre os dois círculos, como mostra a figura 14,

representa as coisas que aprendemos na escola e que foram úteis para o

desenvolvimento da nossa autonomia. Habilidades como: ler e escrever, calcular, ler

mapas, tabelas e gráficos, e situar eventos históricos são exemplos de

aprendizagens que são úteis à nossa adaptação ao meio ambiente. “Quando a

autonomia se transformar na meta da educação, os educadores tentarão aumentar a

área de intersecção entre os dois círculos” (KAMII, 1985, p. 36).

A indicação dos conteúdos a ser trabalhados nos PCNs (1998) está pautada

no grande desafio de escolher quais, entre eles, contribuem para o desenvolvimento

intelectual do aluno.

O desafio que se apresenta é o de identificar, dentro de cada um desses vastos campos que conceitos, procedimentos e atitudes são

Autonomia

Sucesso na escola

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socialmente relevantes. Também apontar em que medida os conteúdos contribuem para o desenvolvimento intelectual do aluno, ou seja, para a construção e coordenação do pensamento lógico-matemático, para o desenvolvimento da criatividade, da intuição, da capacidade de análise e de crítica, que constituem esquemas lógicos de referência para interpretar fatos e fenômenos (p.49).

Nada disto é artifício de mudança dos conteúdos do currículo atual. Muitas

das observações acompanham as indicações propostas no documento. O

imprescindível é embutir a sequência de conhecimentos, competências e

habilidades, estabelecimento de conexões entre conceitos e contexto humano.

O mesmo objetivo foi encontrado em Inayá Bittencourt e Silva (2012), ao

apregoar a importância de uma reorganização do saber.

O desenvolvimento de uma democracia cognitiva, portanto, só se alcança através da reorganização do saber, promovida por uma reforma do pensamento. Esta deve permitir que se proceda à separação dos assuntos para conhecê-los, mas também a uma ligação dos conhecimentos que estão isolados. Dessa maneira, as noções, pulverizadas pela divisão disciplinar, sobre o homem, a natureza, o cosmo e a realidade, reapareceriam sob um novo aspecto (BITTENCOURT e SILVA, 2012, p. 42).

Egan (2010) concorda com a reorganização do saber ao declarar que os

alunos carecem de habilidades e competências desenvolvidas dentro de um

contexto histórico.

Precisamos ver os propósitos humanos para os quais foram desenvolvidas diferentes formas de Matemática e, até onde se sabe, quem inventou ou descobriu cada teorema, algoritmo, técnica ou avanço na compreensão matemática. O currículo seria rico em figuras históricas, particularmente os egípcios, gregos, árabes e judeus, a quem devemos tanto (EGAN, 2010, p. 309).

Uma das propostas apresentadas aos professores no Curso Melhor Gestão,

Melhor Ensino foi a de integrar na prática do professor um trabalho voltado para as

narrativas. A intenção foi oportunizar a leitura, a reflexão, a análise e o trato dos

conhecimentos matemáticos de forma contextualizada historicamente favorecendo o

crescimento intelectual e cultural dos envolvidos, ressaltando as questões da

interdisciplinaridade e da contextualização da Matemática.

Assim sendo, essa elaboração implicava em aproximar os elementos

pedagógicos dos docentes que, “a partir de experiências e interesses [...] podiam dar

conta da novidade” (COLL, 2009, p. 20). Coll destaca que, muitas vezes, temos o

significado, mas não nos aproximamos ou então “não só modificamos o que já

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possuímos, mas também interpretamos o novo de forma peculiar, para poder

integrá-lo e torná-lo nosso”.

Quando uma tarefa se ajusta às necessidades a tarefa gera interesse.

[...] é apresentada como algo que permite preencher determinadas necessidades (de aprender, de saber, de influir, de mudar) e quando lhe é oferecida a oportunidade de envolver-se nela ativamente, estamos proporcionando as condições para que essa tarefa lhes interesse (SOLÉ, 1996, p. 51).

No centro desta categoria, a dos saberes cognitivos, encontro uma explicação

de um professor sobre o porquê dos alunos não aprenderem Matemática.

— Os alunos não sabem resolver problemas, mais que isso, não sabem ler e interpretar. Muito menos resolver. Quando leio para eles obtenho algumas respostas: era isso que tinha que fazer? Se soubesse que era assim, eu tinha feito ou não entendi nada!

Eis, portanto, onde se enraíza, dentro dessa categoria, a maior dificuldade, a

resolução de problemas.

Desde 1980, no documento Agenda para Ação, o foco do ensino da

Matemática passou ser resolução de problemas, como reforça o documento

Parâmetros Curriculares Nacionais (1998):

Ao longo do ensino fundamental o conhecimento sobre os números é construído e assimilado pelo aluno num processo em que tais números aparecem como instrumento eficaz para resolver determinados problemas, e também como objeto de estudo em si mesmos, considerando-se, nesta dimensão, suas propriedades, suas inter-relações e o modo como historicamente foram constituídos. Nesse processo, o aluno perceberá a existência de diversos tipos de números (números naturais, negativos, racionais e irracionais) bem como de seus diferentes significados, à medida que deparar com situações-problema envolvendo operações ou medidas de grandezas, como também ao estudar algumas das questões que compõem a história do desenvolvimento do conhecimento matemático (BRASIL, 1998, p. 50).

Evidentemente, a situação-problema é uma atividade que sugere o

movimento de síntese e de tomada de decisões, portanto, é preciso evitar certo

espontaneísmo, como afirma Meirieu (1998), entendendo que os conhecimentos

vão, de certa forma, emergir naturalmente.

O princípio da dificuldade, ao propor uma situação-problema, consiste em

provocar o desconforto nos sujeitos.

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A situação-problema, simplesmente, põe o sujeito em ação, coloca-o numa interação que o desestabiliza e reestabiliza, graças às variações introduzidas pelo educador, suas representações sucessivas; e é nessa interação que se constrói, muitas vezes irracionalmente, a racionalidade (MEIRIEU, 1998, p. 63).

Tais concepções não são esquecidas e a Matriz de Referência (2009)

reconhece que competências cognitivas são modalidades estruturais da inteligência.

“Modalidades, pois expressam o que é necessário para compreender ou resolver um

problema. Ou seja, valem por aquilo que integram, articulam ou configuram como

resposta a uma pergunta”. O documento também considera que são modalidades

porque um mesmo problema pode ser resolvido de diferentes modos. “Há

igualmente muitos caminhos para se validar ou justificar uma resposta ou um

argumento” (SÃO PAULO, 2009b, p. 14).

Em Dez novas competências para ensinar, Perrenoud (2000, p. 42-43)

transcreve de Astolfi (1997) as dez particularidades de uma situação-problema.

1. Uma situação-problema é organizada em torno da resolução de um obstáculo pela classe, obstáculo previamente bem identificado.

2. O estudo organiza-se em torno de uma situação de caráter concreto, que permita efetivamente ao aluno formular hipóteses e conjecturas. Não se trata, portanto, de um estudo aprofundado, nem de um exemplo ad hoc, de caráter ilustrativo, como encontrados nas situações clássicas de ensino (inclusive em trabalhos práticos).

3. Os alunos vêem a situação que lhes é proposta como um verdadeiro enigma a ser resolvido, no qual estão em condições de investir. Esta é a condição para que funcione a devolução: o problema, ainda que inicialmente proposto pelo professor, torna-se “questão dos alunos”.

4. Os alunos não dispõem, no início, dos meios para alcançar a solução buscada, devido à existência do obstáculo a transpor para chegar até ela. É a necessidade de resolver que leva o aluno a elaborar ou a se apropriar coletivamente dos instrumentos intelectuais necessários à construção da solução.

5. A situação deve oferecer resistência suficiente, levando o aluno a investir nela seus conhecimentos anteriores disponíveis, assim como suas representações, de modo que ela leve a questionamentos e à elaboração de novas ideias.

6. Entretanto, a solução não deve ser percebida como fora de alcance pelos alunos, não sendo a situação-problema uma situação de caráter problemático. A atividade deve operar em uma zona próxima, propícia ao desafio intelectual a ser resolvido e à interiorização das “regras do jogo”.

7. A antecipação dos resultados e sua expressão coletiva precedem a busca efetiva da solução, fazendo parte do jogo o “risco” assumido por cada um.

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8. O trabalho da situação-problema funciona, assim, como um debate científico dentro da classe, estimulando os conflitos sociocognitivos potenciais.

9. A validação da solução e sua sanção não são dadas de modo externo pelo professor, mas resultam do modo de estruturação da própria situação.

10. O reexame coletivo do caminho percorrido é a ocasião para um retorno reflexivo, de caráter metacognitivo; auxilia os alunos a se conscientizarem das estratégias que executaram de forma heurística e a estabilizá-las em procedimentos disponíveis para novas situações-problema.

Nessa obra, há a seguinte pergunta: “Como administrar a progressão das

aprendizagens, praticando uma pedagogia das situações-problema?” O autor

responde:

A resposta inicial é simples: otimizar a gestão do tempo que resta, propondo situações-problema que favoreçam as aprendizagens visadas, isto é, tomem os alunos onde se encontrem e os levem um pouco mais adiante (PERRENOUD, 2000, p. 43).

Deste modo, no Caderno do Gestor (2008), há uma consideração sobre como

ocorrem as aprendizagens. O documento explica que as aprendizagens em

Matemática se fazem em cadeias. Cada conhecimento está entrelaçado aos

anteriores, de acordo com um procedimento lógico. Entretanto, o documento adverte

que nem sempre a lógica da disciplina que estrutura a sequência dos conteúdos

corresponde à lógica do aluno que aprende. E completa: “os níveis de dificuldade

não só vêm marcados pelas características do próprio conteúdo matemático como

também pelas características cognitivas dos alunos” (SÃO PAULO, 2008a, p. 38).

Pensar criticamente, analisar ideias científicas, fazer argumentações lógicas e

analisar informações são algumas das competências exigidas para o século XXI.

No entanto, se os alunos não forem encorajados a praticar sistematicamente

essas ações em muitos contextos, nada disso terá significado para a formação de

uma democracia cognitiva, de acordo com a explicação de Morin:

O desenvolvimento de uma democracia cognitiva só é possível com uma reorganização do saber; e esta pede uma reforma do pensamento que permita não apenas isolar para conhecer, mas também ligar o que está isolado, e nela renasceriam, de uma nova maneira, as noções pulverizadas pelo esmagamento disciplinar, o ser humano, a natureza, o cosmo, a realidade (MORIN, 2003, p. 104).

Morin (2003) considera que a reforma do pensamento é vital para os cidadãos

do novo milênio.

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Na última categoria, a dos saberes motivacionais, percebi um apelo dos

docentes ao responderem a pergunta: o que os alunos precisam saber ou ter para

aprender Matemática? Os docentes não justificaram a falta de algo na aprendizagem

dos estudantes, mas sim, a necessidade que encontram na profissão. Essa

categoria foi a mais frequente. Foram 30,5% das respostas dos 200 professores que

estavam presentes no MGME.

O que justificaram? Nada! Apenas pediram.

Mas também, precisam de... Professores motivados, bons e capacitados, acompanhamento dos pais e responsáveis, ambientes propícios à aprendizagem, salas ambientes com experiências físicas e matemáticas, laboratório para pesquisas, material didático adequado a sua realidade, fim da rotatividade de professores, possui professor auxiliar e de reforço, boa refeição, pois é essencial para o aluno pensar em estudo e não fique com fome durante a aprendizagem, incentivo da escola, incentivo da família, boa vontade do professor, pois os alunos não são copistas, professor que diversifique as aulas com jogos, brincadeiras, vídeos e desafios, para o trabalho com softwares educacionais (vozes dos Professores de Matemática da categoria dos saberes motivacionais).

Entre as 717 respostas mencionadas, muitas me chamaram atenção, mas

teve as de dois professores que me levaram ao passado e num instante de segundo,

ao futuro.

A primeira resposta e única desse professor:

— Me deixem dar aula! Só isso!!! Não preciso de nada, somente de alunos que estejam, no sentido inteiro da palavra, na sala. Escutando o que eu falo!

E a segunda resposta, e também única:

— Que esteja vivo!

Percebe-se que o otimismo estava cravado na folha de papel. Uma

perspectiva de quem já dominava todas as relações conflituosas dentro de um

ambiente escolar, de quem sabia enfrentar com domínio pleno as dificuldades que

os alunos apresentavam, driblava as representações e discursos dos seus pares e

sabia a verdadeira razão de ser um profissional da educação.

Eu imagino assim...

Quarenta e dois alunos na sala, tenta colocá-los em círculo, mas o espaço não é suficiente. Com paciência, ajeita-os em dois círculos e começa a trabalhar, precisa conhecê-los. Primeira observação do

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grupo como um todo: há duas turmas extremamente distintas, uma que acompanha, rende e logo se agita, pois tem que esperar que os outros terminem, e estes não terminam, precisam de auxílio individual. O que fazer agora? Procura os colegas e estão todos no mesmo conflito. Ouviram dizer que isso é bom, que as crianças aprendem umas com as outras, mas como trabalhar essas diferenças? [O professor] não sabe, sente-se impotente e amedrontado, mas sabe que alguma coisa precisa ser feita (SANTOS, 2006, p. 92).

Com todas as dificuldades para desenvolver o seu trabalho, o professor sabe

que tem que fazer. E faz! É aquele momento surreal, no qual a orquestra continua a

tocar enquanto o Titanic afunda.

Como motivar esses profissionais da educação diante do descaso em que se

encontram? Quais são as alternativas para “girar a roda”? A roda que estraçalha

todas as limitações para exercer a profissão de ser professor.

A aprendizagem, vista como um conjunto para os dois professores se torna

colaborativa. Todavia, se ambas estiverem em territórios diferentes, uma prática

enfraquece a outra. É como pregam, uns aprendem com o outro, ou melhor, “a

educação é, por excelência, o lugar do diálogo, portanto o lugar da palavra, da

reflexão, que ultrapassa a apropriação dos conhecimentos para nos conduzir a

formação pessoal” (HERMANN, 2002, pág. 95).

Novos papéis surgem para a definição desta complexa tríade educacional,

professor, aluno e construção de saberes e são responsabilidades extremas que

aparecem no cenário da formação do cidadão, bem como na sua vida.

Fullan (2009) fornece uma explicação de como esse processo pode ser

considerado: “o objetivo final da mudança é que as pessoas se enxerguem como

atores com interesse no sucesso do sistema como um todo, e a busca de significado

é a chave para isso” (p. 272). E complementa “significado é motivação; motivação é

energia; energia é envolvimento; envolvimento é vida” (FULLAN, 2009, p. 272).

Se a motivação tem um significado importante para os professores, podemos

entender que uma porta se abriu, a porta dos professores, podemos entender

também que os saberes motivacionais têm o sentido e a certeza de que tudo o que é

feito, vale tentar ser bem feito. No entanto, 3 portas ainda continuam fechadas, as

portas dos saberes curriculares, atitudinais e cognitivos. Fazendo uma mensuração,

tem-se que 69,7% de respostas, representando as 3 categorias mencionadas contra

30,5% das respostas dos docentes otimistas.

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Conjuntamente, todas essas descrições pressupõem maior atenção aos

docentes e um olhar mais direcionado em viabilizar expectativas que possam ser

palco de reflexões sobre a prática, sem esquecer que a escola também é vista, por

educadores como a “imagem de um campo de pequenas batalhas civis; pequenas,

mas visíveis o suficiente para incomodar” (AQUINO, 1996, p. 42).

Godoy (2010, p. 43) apresenta oito postulados de Svinicki (apud Saint-

Onge,1999) nos quais discute a distorção do ato de compreender como os alunos

absorvem os conteúdos.

Escolho apenas 2 que apresento no quadro 7, para ilustrar discursos ainda

colocados em salas de aulas. O primeiro é sobre a aquisição de informações pelo

aluno e o registro que faz dessas coletas e o segundo refere-se à compreensão do

estudante.

Quadro 7: Postulados de Svinicki sobre a confusão existente acerca do ensino

Postulados Contraposição

Os alunos são capazes de registrar e de integrar um fluxo contínuo de informações por mais de 50 minutos.

A atividade do professor não é dar informações assim como a do aluno não é reproduzi-las (transmitir – transcrever – memorizar), pois para construir o próprio saber é preciso pensar (aprender é pensar, é fazer operações por meio de informações) e para isso é preciso conectar, organizar, estruturar, relacionar informações e outros conhecimentos.

Os alunos são suficientemente seguros de si mesmo para dizer quando não compreendem alguma coisa.

A expressão do aluno varia segundo o seu nível de confiança e maturidade, o lugar que ocupa no grupo, o nível de dificuldade na matéria, a acolhida do professor às perguntas, portanto, é preciso agir de forma a possibilitar ao aluno expressar-se livremente quando não compreende.

Fonte: Adaptado de Svinicki apud Godoy (2010, p. 43)

Em suma, muitos saberes estão consumados em algumas práticas e acabam

interferindo “tanto na dimensão epistemológica, quanto na metodológica e política do

ensino, principalmente porque ainda sustentamos o ensinar em um paradigma que

distancia teoria e prática, ignorando o vinculo dinâmico (e ontológico) que os une”

(GODOY, 2010, p. 42).

Durante a pesquisa, percebi a existência de representações do ato de ensinar

que são primordiais na prática dos educadores. Dentro desse universo revelado, a

possibilidade de enxergar com maior nitidez as relações que componho na minha

vivência profissional, aumentando a minha responsabilidade de atingir, com maior

cautela e consciência, os conceitos produzidos pela humanidade e perceber que os

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educadores podem buscar em suas práticas o exercício da reflexão e o

aprimoramento nas metodologias utilizadas.

Como afirma Guimarães Rosa (1976, p. 20), [...] “o mais importante e bonito,

do mundo, é isto: que as pessoas não são sempre iguais, ainda não foram

terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”.

A intenção desse capítulo foi descrever como foi organizada a pesquisa e a

metodologia utilizada, visando captar os olhares, impressões e interpretações dos

docentes sobre os saberes dos estudantes em Matemática.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com Copérnico, o homem deixou de estar no

centro do Universo. Com Darwin, o homem deixou de ser o centro do

reino animal. Com Marx, o homem deixou de ser o centro da história

(que, aliás, não possui um centro). Com Freud, o homem deixou de ser

o centro de si mesmo.

Eduardo Prado Coelho

“A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de

mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas para saber

perguntar o que não se sabe” (ROUSSEAU, 1964, p. 44). Jean Jacques Rousseau,

o filósofo que me acompanhou neste estudo, mais uma vez, com uma elegância

singular, conseguiu passar a essência da arte de perguntar. Pena eu não ter

entendido a mensagem desde o começo.

Aventurei-me! Não sabia o risco que poderia encontrar e fui. Fui como o carro

do Sol, aquele em que Febo lançava-se aos céus, anunciando o novo dia.

A certeza é que tudo estava sob o meu controle. As impressões que os

professores tinham sobre o que os alunos precisavam ter ou saber para aprender a

Matemática, eu já conhecia. Ledo engano! Conforme Rousseau, a arte de perguntar

é mais para mestres e não para discípulos, assim como eu. Sábias palavras!

E agora? Agora é caminhar por esse terreno desconhecido e aprender,

aprender sempre! E caminhei, com mais calma agora, procurando interpretar,

conhecer, apreciar, dialogar e refletir sobre cada resposta encontrada. Foram, ao

todo, 717 respostas, opiniões e justificativas de 200 docentes sobre o porquê dos

estudantes não aprenderem a Matemática. E como afirma Jorge Larrosa Bondía

(2002, p. 21) “palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam

como potentes mecanismos de subjetivação”.

Retorno para o mundo surreal ou repleto de realidades, um universo que faço

parte junto com os habitados e habitantes. Não tenho receio agora, pois sei das

necessidades, anseios e angústias de cada um. Alguns habitantes querendo por ora

se esquivar do desconhecido e outros aspirando se aventurar, ignorando os perigos.

O que impede então de avançarmos todos juntos rumo a uma convergência

de pensamentos?

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O que afasta, habitantes e habitados, de viver o pleno fascínio no ato de

ensinar? Por que não seguramos com força o carro do Sol para podermos guiar

nossos educandos por territórios plenos de fascínio produzido pela luz solar

desvendando e interpretando o mapa celeste da Matemática?

Apoiada por estas perguntas, meu pensamento se volta naquela construção,

a realidade babélica, que ora eu era o mestre querendo ser ouvido e ora era o aluno

tentando entender o significado do que era ensinado. Ninguém se comunicava.

Cada um na sua janela olhando pelas vidraças a realidade de cada um. Eu queria

ver, queria saber, descobrir como essa torre se formou. Não! Era mais que isso, era

procurar saber o que os mestres pensavam sobre seus discípulos. O que seus

discípulos precisavam saber ou ter para aprender a Matemática. As suas

justificativas sustentavam os alicerces daquela arquitetura que estavam cada vez

mais solidificados e consolidados.

E fui à busca do motivo. O que encontrei? Alguns crendo na Matemática

clássica, a que prioriza, dentro dos saberes dos estudantes, as técnicas operatórias

e as operações fundamentais. Os alunos, nesta categoria, precisam dominar os

conteúdos elementares da Matemática. Andando mais um pouco, encontrei

docentes desanimados, sem expectativas confiando que alguém venha em seu

socorro. O que queriam que seus alunos tivessem? As respostas giravam ao redor

da falta de interesse para adquirir novos conhecimentos e a disciplina. De repente, vi

uma movimentação no mesmo andar daquela arquitetura e imaginei que alguém

fosse me dar uma resposta diferente e perguntei. Os habitados acreditavam que

seus educandos não possuem raciocínio lógico, não observam e não sabem regras

de sinais. Esses obstáculos tão precisos, evidentes e perpétuos borbulham nesse

pedaço da torre.

Por mais que caminhasse, não conseguia perceber ali ninguém que pensasse

diferente, todos ali estavam munido de verdades, a deles. Subi, fui subindo bem no

alto daquela torre, na esperança de encontrar alguém que concebesse o desafio de

ser professor e a vontade de querer que algo de melhor aconteça.

Encontrei! Pelas escadas de pedra, com os degraus quebrados, lá estava um

morador seguro, mas não indiferente e apático. Ele possuía a vontade de seguir, sair

daquele monumento. A única garantia que precisava é que os alunos estivessem

vivos. Esse morador tinha um olhar diferente, parecia luz ou algum brilho, mas não

era só ele. Quando olhei ao lado, alguns se aproximavam. Todos com o mesmo

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intento: queriam mais! Mais professores bons e capacitados, ambientes propícios à

aprendizagem, boa vontade de professores para promover e auxiliar na desconexão

existente entre os caminhos cada vez mais estreitos, projetados por outros, sem

imaginação e uma educação com propósito de criar seres humanos inteligentes,

sensíveis, solidários e perceptivos.

Ensinamos com a qualidade da Finlândia27. O Brasil investe o quíntuplo no aluno da educação básica do que no aluno do ensino superior. Neste ano, o Brasil conseguiu cumprir uma das metas mais ambiciosas determinadas na reforma do ensino básico: dar educação de qualidade a todos os alunos, independentemente de sua origem socioeconômica. Os indicadores divulgados pelo Ministério da Educação na semana passada mostram que o desempenho dos alunos nas cidades mais pobres do país se igualaram ao das cidades mais ricas. O relatório mostra também que a maioria das redes municipais e estaduais de ensino oferecem educação de qualidade com equidade. Quase 95% das redes deram ensino adequado a suas escolas, não importando se elas estão em bairros pobres ou ricos. Os resultados são da avaliação anual que o governo brasileiro faz do ensino básico. São aplicadas provas de português, matemática e ciências para os alunos do 3º, 5º e 9º anos, além do 3º ano do ensino médio. A divulgação dos números nacionais aconteceu algumas semanas depois dos resultados do Pisa, a avaliação internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede os conhecimentos, nas mesmas áreas, de alunos de 15 anos de mais de 60 países. Na prova aplicada no ano passado, o Brasil conseguiu sua melhor colocação. Ficou entre os dez melhores do mundo, à frente dos Estados Unidos e da França, e atrás apenas de tradicionais campeões como Finlândia e Coreia do Sul.

Essa notícia é da Revista Época e se apresenta com o título “O Brasil em

2030: ensinamos com a qualidade de Finlândia”.

O que está acontecendo? Saímos todos da Torre? Não somos mais

prisioneiros das nossas impressões, buscas, vontades e reclamos? Como saímos?

O que foi preciso fazer para derrubarmos esse monumento que cada um pensa,

interpreta e age de acordo com suas convicções e crenças?

Foi acontecendo devagar, com muita cautela por meio de encontros,

experiências, opiniões, julgamentos, análises, diálogos e conquistas. E qual foi o

ganho? Quem foi o beneficiado? Os nossos alunos, mas eles não mudaram, muito

27

Notícia publicada na Revista Época do dia 03.06.2014. Disponível em <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/06/o-brasil-em-2030-ensinamos-com-bqualidade-da-finlandiab.html>. Acesso em 17 jun. 2014.

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menos o que queriam, eram e precisavam. Algo aconteceu e não foi incutido,

instituído e tão pouco estabelecido.

Quebramos todas as janelas, despedaçamos as vidraças, recolhemos os

cacos e varremos os destroços. Não existe mais nada que possa justificar a

permanência de uma realidade imperfeita, modelos pré-estabelecidos, padrões

encarcerados. Como foi possível? O que pode ter acontecido que, no lugar daquela

desordem fragmentada, pairasse agora a união de um grupo de profissionais

dispostos a enfrentar os desafios de uma sociedade do século XXI?

Um sonho? Uma realidade distante ou inatingível? Não! Não somos assim,

não podemos pensar dessa maneira.

A impaciência de querer organizar um sistema linear, retilíneo e

unidimensional é quase impossível de evitar. Em geral, ter pensamentos definidos,

conhecer a lógica das situações, conseguir ter ideias claras e se mostrar seguro e

autoconfiante são iniciativas primordiais para sair de um labirinto com muitos

caminhos e poucas saídas.

No entanto, devemos evitar cair em emboscadas. Temos que considerar

todos os tropeços em nós, percebermo-nos, também, como sujeitos incompletos,

“inacabados e contraditórios e, ao mesmo tempo, de entender que no final, o

caminho indicado – se é que existe algum – é tão complexo quanto deve e pode ser

um caminho que busque compreender o outro” (CERIZARA, 1990, p. 169).

Os destroços da torre podem ser recolhidos e queimados, basta olharmos

para as possibilidades que nos cercam. A sala de aula é alvo de oportunidades

adequadas para os educandos experimentarem, observarem e verbalizarem. Os

impasses são infinitos, dificuldades de aprendizagem comprovadas clinicamente,

ausência de um acompanhamento parental, disciplina, interesse, interpretação,

ambientes adequados, entre outros tão importantes para que a aprendizagem

ocorra.

Coerente com o espírito de vencer, embora enfrentando as mais perigosas e

mais criticas dificuldades:

Não são qualidades permanentes que fazem as tropas invencíveis, os mais medíocres soldados podem se tornar excelentes guerreiros. Eis o porquê de não se deixar escapar nenhuma situação favorável. Os cinco elementos não estão em tudo, as quatro estações não acontecem, a cada ano, da mesma maneira, o sol não nasce, nem se põe, todos os dias no mesmo ponto do horizonte, a lua tem

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diferentes fases. Um exército bem comandado e bem disciplinado apresenta, também, variações (TZU, 2009, p. 47).

Recorro, então, à Cerizara (1990) quando comenta sobre o pensamento

pedagógico de Rousseau e a importância da união de todos. A autora menciona que

o texto de Rousseau é envolvente e intranquilizador, porque fundamentalmente

subjetivo: ao utilizar o “eu”, seu discurso exige a presença do “tu”, ou melhor, exige

que nos tornemos “eus”, que enfrentemos pessoalmente o problema pedagógico sob

pena de nos frustrarmos. E continua sua exposição sobre o ato de compreender

cada sujeito, principalmente porque compreender a educação, as narrativas dos

professores é andar por um caminho subjetivo.

Compreender é, antes de mais nada, reconhecer que jamais se compreendeu suficientemente. Compreender é reconhecer que todas as significações permanecem suspensas enquanto não terminamos de nos compreendermos a nós próprios (ROUSSEAU apud CERIZARA, 1990, p. 168).

Ao dar sentido a compreensão dos estudantes, Assman (2003) justifica o

pensamento de Gardner ao colocar que, segundo ele, a pedagogia deve se

preocupar em diversificar as confluências possíveis dos modos e formas de

conhecer e não impor, pedagogicamente, um único modelo de conhecimento. A

preocupação está no direito dos alunos de ver valorizada a sua forma pessoal de

aprender “e é neste sentido que ele [Gardner] faz a proposta de uma pedagogia

centrada no compreender. O que não se compreende, não se aprende para valer e

durar” (ASMANN, 2003, p. 119).

Assim, no trecho intitulado “as sete inteligências” de Gardner:

[...] há, contudo, outro aspecto recorrente nas mais recentes pesquisas cognitivas, ou seja, que os estudantes possuem em larga medida tipos de mentes diferentes e que, por isso, aprendem, lembram, executam e compreendem as coisa de maneira diferente e que, por isso, aprendem, lembram, executam e compreendem as coisas de maneira diferentes. Uma coisa que está amplamente documentada é o fato de que, enquanto a aproximação de alguns à aprendizagem é primariamente linguística, a de outros privilegia um percurso espacial e quantitativo. Por conseguinte, alguns estudantes se desempenham melhor quando se lhes pede para manipular símbolos (lógico-matemáticos) de diversos tipos, enquanto outros conseguem exprimir melhor a própria compreensão das coisas mediante provas práticas ou interações com outros indivíduos (GARDNER, 1993, p.21-23).

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Qual é o papel e o peso da complexidade que está por trás de cada sujeito?

No entendimento de Piaget (2009), a ideia de formação intelectual é um problema

muito difícil, pois quanto melhores são os métodos preconizados para o ensino, mais

penoso se torna o ofício de ser professor. Um dos desafios: a formação profissional

para iniciar o processo de entendimento entre professores e sujeitos.

Fullan (2009) afirma que a docência, como profissão, ainda não amadureceu.

E apresenta alguns caminhos possíveis para mudar a profissão docente:

[...] uma reforma no recrutamento, seleção, status e gratificação; de reformulação na formação básica do professor e na indução na profissão; de desenvolvimento profissional contínuo; de padrões e incentivos para o trabalho profissional; e, acima de tudo, de mudanças nas condições de trabalho cotidianas dos professores (FULLAN, 2009, p. 206).

Piaget (2009) aponta alguns problemas a serem resolvidos, um deles:

[...] se relaciona com a preparação dos professores, o que constitui realmente a questão primordial de todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto não for a mesma resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado (PIAGET, 2009, p. 26).

Uma formação universitária para os mestres de todos os níveis e completa,

pois quanto mais jovens são os alunos, maiores dificuldades assume o ensino28. “A

preparação universitária completa é, sobretudo necessária para a formação

psicológica satisfatória, e isso para os futuros mestres tanto do nível secundário

quanto do primário” (PIAGET, 2009, p. 29)

Fullan (2009) deixa uma mensagem para os profissionais da educação. A

mensagem não é de mergulhar até o fundo, mas trabalhar com o significado e a

capacitação.

1. Forme uma compreensão maior do seu próprio papel, e liberte-se com as ideias e possibilidades de crescimento que enxerga nos exemplos de maior êxito; não se limite.

2. Dedique-se a entender a situação de outros papeis com os quais tem mais contato, e altere sua relação com eles de acordo com o novo entendimento. Empatia não significa aquiescência, mas é um componente essencial de qualquer estratégia que dependa

28

A formação em nível superior de professores para atuar na educação básica é prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394 de 1996. Entretanto, por falta de profissionais licenciados/graduados, um grande número de estudantes de curso superior leciona nas escolas públicas da rede estadual.

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de desenvolver os novos relacionamentos necessários para o sucesso.

3. Por mais difícil que pareça, procure ter uma visão do “quadro mais amplo” (FULLAN, 2009, p.269).

E acrescenta: “mudar a profissão do professor não é um fim em si. Cada

professor aprender, todos os dias, individual e coletivamente, é a condição sine qua

non para a transformação das escolas, para educar a todos e manter a sociedade”

(FULLAN, 2009, p. 266).

Tal qual a música29, “hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe”.

A pesquisa me fez perceber os equívocos que a disciplina de Matemática

provoca nos alunos devido a determinadas exigências que se tornam ameaças. Em

alguns casos, as ameaças são ocultas, porém, irreversíveis. Mas também pude

extrair sementes que esparramarei durante a minha trajetória profissional. Tudo isso

supõe, normalmente, um processo evolutivo que justifica o propósito de assumir

compromissos, decisão e responsabilidade entre a relação, prática pedagógica e

suas finalidades.

Exibir a Matemática das grandes épocas, das maiores insígnias, dos grandes

nomes que a carregaram, discutiram, aplaudiram e reverenciaram foi como manter

uma cumplicidade entre o que aconteceu em todas as fases pelas quais a

Matemática passou e todos os encargos que ainda tenho que cumprir. Mas, de nada

valerá séculos passados refletidos, considerados e reproduzidos e de nada me

valerá séculos futuros e promissores se não houver a existência do amor para a

educação do outro.

Somente quem gosta de encantar a Matemática é que vai achar o grande

propósito de percorrer a sua história. Nesse sentido, o trabalho, para mim, foi

importante, pois construí, configurei e ressignifiquei as experiências à luz das

grandes teorias que algumas até hoje permanecem e outras que foram modificadas

pelos atores educacionais, por aceitarem novas teorias, outras concepções e

diferentes metodologias assinalando para uma progressão que se deu pela

interação entre professores, estudantes e conhecimento.

29

SATTER, Almir e TEIXEIRA, Renato. Tocando em frente. Interprete: Renato Teixeira. In: RENATO

TEIXEIRA & PENA BRANCA E XAVANTINHO - ao vivo em Tatuí. São Paulo: Kuarup, p1992. 1CD. Faixa 12.

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Concordo com Assman (2003) ao mostrar que a criação de condições de

aprendizagem seja colocada “a serviço de um tempo que se revele fecundo para a

construção do conhecimento e para alentar a sensação dos alunos e docentes de

que eles efetivamente se encontrem inseridos num tempo pedagógico” (ASSMAN,

2003, p. 235).

Encantei-me e me encanto com a educação, pois quanto mais estudo sobre

ela, mais me certifico que encontrei meu lugar. E a cada desafio, mais forte eu me

sinto. Entretanto toda essa descoberta só foi possível porque, de acordo com Isaac

Newton “Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre os ombros de gigantes”.

Subir na torre, me fortaleceu como profissional. No intuito de revelar o que

pensavam os professores, tive surpresas, decepções, mágoas, inquietações, mas

também alegrias, otimismo, satisfação, entusiasmo e inspirações ao entrar no

mundo dos filósofos, de percorrer cada época da Matemática procurando saber o

que seus mestres queriam que seus discípulos aprendessem. Cada tempo com a

sua insígnia, desde Homero, passando pelo Movimento da Matemática Moderna até

o novo Currículo do Estado de São Paulo. Foram idas e vindas, contanto que

infinitas dúvidas permanecem aumentando ainda mais minha responsabilidade no

meu campo profissional.

“O presente não é apenas mais um momento perdido entre tantos momentos

da minha vida, assim sendo, ao trajeto do curso em questão, leva-me a anunciar,

estou encantado.” (depoimento do Professor Antonio Benedito de Souza – Professor

de Matemática da E. E. Bairro Santo Antonio da Diretoria de Ensino de Piracicaba

sobre o Curso de Formação Melhor Gestão, Melhor Ensino, palco desta pesquisa).

O carro do Sol, guiado por Febo, com seus quatro monstruosos cavalos

alados, cujas asas movimentam-se inquietas com grandes línguas de fogo já vai

passar anunciando um novo dia, um dia ensolarado, de luz e vida.

E eu? Eu tenho que ir, por ora.

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ANEXO – Notícia sobre Matemática contemporânea

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