unesp universidade estadual paulista “jÚlio...zoologia e botânica do ibilce de sâo josé do rio...

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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP IAGO DAVID MATEUS ENTRE O CÉU E A TERRA HÁ MAIS COISAS DO QUE SONHA NOSSA VÃ PERSPECTIVA: UM VOO PANORÂMICO (COM E) PELAS BORBOLETASJURUNA ARARAQUARA SP 2019

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Page 1: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO...Zoologia e Botânica do IBILCE de Sâo José do Rio Preto), ao Prof. Dr. Nelson Papavero (a quem, aliás, devo agradecer por ter me

unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

ldquoJUacuteLIO DE MESQUITA FILHOrdquo

Faculdade de Ciecircncias e Letras

Campus de Araraquara - SP

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO QUE

SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM VOO

PANORAcircMICO (COM E) PELAS bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA

ARARAQUARA ndash SP

2019

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO

QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM

VOcircO PANORAcircMICA (COM E) PELAS

bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA

Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho

Departamento Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de

Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica

e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa

Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico

Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Bolsa Capes - DS

ARARAQUARA ndash SP

2019

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO

QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM

VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS

bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho

Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de

Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica

e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa

Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico

Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Bolsa Capes - DS

Data da defesaentrega 23042019

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho

Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto

Local Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciecircncias e Letras

UNESP ndash Campus de Araraquara

AGRADECIMENTOS

Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho

Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar

algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de

antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria

Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia

de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs

mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas

realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio

Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da

Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash

Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela

concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que

pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao

CNPq

Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em

contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave

pesquisa

Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash

junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa

solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por

este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me

presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um

sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar

me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos

para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as

mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees

A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que

fizeram parte da pesquisa

Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson

Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de

Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a

quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e

acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e

Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli

que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-

graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia

entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros

A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica

Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva

Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou

eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e

afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis

pelos conselhos momentos de alegria desabafos

A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr

Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova

monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha

com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave

minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra

tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me

oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar

no qual desmaiar

Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante

aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-

conhecimento

E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as

quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia

Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me

fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a

Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja

menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)

devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui

tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os

ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo

[]

Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual

Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu

Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu

Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)

RESUMO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de

mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees

terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente

porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos

miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por

noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses

―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar

estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de

Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)

Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade

entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na

Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como

Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-

tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico

cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses

espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar

neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba

(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente

programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que

foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna

(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-

las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade

com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees

enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e

revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online

Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas

REacuteSUMEacute

Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet

de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des

contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons

Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles

linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui

concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure

maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue

JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave

leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de

Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de

ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous

basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches

dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle

de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-

culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans

les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre

consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les

modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80

dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne

nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes

momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen

dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents

photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les

histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions

encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront

deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba

ou lors de reacuteunions en ligne

Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo

ocidental

139

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28

Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28

Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29

Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101

Foto 8 Lagarta com verrugas 102

Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-

onccedila

118

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras

TCT Teoria Comunicativa da Terminologia

TE Terminologia Etnograacutefica

TGT Teoria Geral da Terminologia

Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Sumaacuterio

1Introduccedilatildeo 14

2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas

autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18

22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de

liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua

relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24

24 Sobre os juruna 25

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30

26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31

3 Aporte teoacuterico 39

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo

empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por

dada comunidade 39

31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o

leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65

321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

67

3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74

3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o

enxerga 81

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94

4 Metodologia 105

5 Resultados e Discussatildeo 110

6 Consideraccedilotildees finais 135

Referecircncias 140

Bibliografia 147

Apecircndices 150

Apecircndice A 151

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas

durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para

contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos

objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos

saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como

borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar

A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as

lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo

geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam

em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de

maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo

dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos

autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees

ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de

seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o

que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs

Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo

que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por

nossa orientadora

Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no

levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados

formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes

na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato

Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os

quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos

para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da

Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas

brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os

conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia

Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este

conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem

15

sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-

indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)

discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas

juruna poderiam ser lematizadas

Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura

desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo

embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2

Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia

de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo

para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)

Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos

pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre

avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas

brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees

diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim

falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os

singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma

Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na

aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff

e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes

da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o

estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais

signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos

―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato

com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava

Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem

antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo

aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias

saussurianas apenas em partes

Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das

mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo

norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua

16

diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de

uma obra lexicograacutefica)

Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)

sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos

tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias

atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e

Lima (1996)

Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as

etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a

epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais

Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas

utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as

nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais

aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como

demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4

18

2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS

QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS

Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver

precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando

sua relevacircncia

Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de

justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e

documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as

indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os

insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros

Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo

muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo

passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada

inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como

mero fornecedor de informaccedilotildees

Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio

na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos

falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle

Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam

uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees

indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes

fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral

costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele

ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes

como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um

personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado

―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo

omitidas

Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando

Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das

19

variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou

classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como

se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)

Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que

Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos

desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo

escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados

a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por

preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista

desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo

(MOSCARDINI 2011 p 7)

Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que

se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees

pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos

cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas

linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais

por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-

indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de

Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e

obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter

negativamente ―diaboacutelico

Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com

relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico

―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses

se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o

referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma

―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o

―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade

Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que

Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi

exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem

do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na

psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria

do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em

gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave

marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se

como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se

deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a

20

partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua

sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um

passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel

ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem

primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam

muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se

atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)

Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute

patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito

anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica

de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento

segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam

nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de

antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como

uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel

―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu

problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente

atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior

Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute

comentavam que

A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a

reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais

satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila

nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal

nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade

(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)

Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e

infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem

o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de

uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em

aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998

p 18)

21

2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas

indiacutegenas brasileiras

De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios

como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na

subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo

desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na

deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os

idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com

respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos

palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas

Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a

descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso

no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de

campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas

alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal

projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo

Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos

lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de

Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que

contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo

metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo

aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos

Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)

Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes

Vaneti Mateus e Fargetti (2018)

A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma

documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo

semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os

resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a

consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas

Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens

22

juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que

foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel

Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de

cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as

informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)

Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e

comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para

aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora

concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos

cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves

encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre

os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de

partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados

por um ou mais radicais (BERTO 2013)

Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo

participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico

juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou

com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e

equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees

morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas

Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais

recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o

desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por

vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas

buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco

musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas

iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de

pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias

Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por

Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras

(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos

yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-

gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo

semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios

23

lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras

se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas

sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade

linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou

demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas

aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete

Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia

de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas

indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia

utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)

pretendia

[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees

possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os

lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de

determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017

p 5)

Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram

lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos

musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)

Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens

os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia

Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os

nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias

colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento

ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e

chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na

verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o

equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos

itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso

o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia

anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente

haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e

descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte

Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as

realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e

24

exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma

dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a

outras realizaccedilotildees possiacuteveis

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-

cientiacutefica para as comunidades estudadas

Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)

ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013

p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a

necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas

que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti

(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando

a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)

Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a

importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que

concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem

humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem

confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades

indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de

materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de

elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as

etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a

preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-

culturais dessas populaccedilotildees

Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o

estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire

relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate

de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos

objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos

pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico

das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas

realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser

documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado

25

inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido

aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica

pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca

de contato Como salienta Peixotto (2013)

Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm

51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo

Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato

Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e

atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais

novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o

Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de

27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas

representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti

Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro

Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng

(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)

tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A

aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o

uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando

do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque

(PEIXOTTO 2013 p 9-10)

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu

Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor

conheccedila tal povo

24 Sobre os juruna

Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60

hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no

Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem

ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca

26

de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena

Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda

Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a

liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e

manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam

eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que

A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []

encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no

extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados

por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou

escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa

migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos

indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros

Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e

Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX

devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio

Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando

entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave

foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma

regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu

Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna

tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano

depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a

fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para

a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os

juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute

aldeia fixando-se todos em Tubatuba []

A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas

moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da

antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)

Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna

tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute

27

fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom

alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais

Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-

fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e

dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (

e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e

) e cinco nasais ( e ))

Como afirma Berto (2013)

De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma

liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico

C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a

esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um

radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os

constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto

verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de

reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)

Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe

da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o

excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave

formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)

vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz

questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo

Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos

e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar

o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com

resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de

vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute

que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a

mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares

Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida

fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas

corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros

povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)

Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as

mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques

zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham

28

banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados

pelos membros femininos das aldeias

No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como

ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas

[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de

farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba

que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado

quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia

permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Foto 4 casa em construccedilatildeo

Fonte Mateus (2017)

29

Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como

comenta Peixotto (2013)

O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira

como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos

brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma

depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos

macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais

satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados

caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua

(PEIXOTTO 2013 p 22)

Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para

que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []

que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios

muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)

Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como

confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que

proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela

comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a

autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em

FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria

embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os

distinguia uma tatuagem

[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha

vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a

partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no

queixo (FARGETTI 2017 p 25)

Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -

continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo

quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de

assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas

30

Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e

tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um

dicionaacuterio da liacutengua juruna

Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa

orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar

os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores

envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos

terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa

em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna

sobre os ―insetos como comentado abaixo

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos

No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam

Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de

animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes

ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo

do conhecimento da biodiversidade do planeta

Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas

uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e

tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos

de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela

chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas

superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas

formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de

plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo

Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de

algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de

servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a

algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e

alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo

dos solos

Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar

natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de

31

insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000

espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como

tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como

um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao

homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas

a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves

escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com

formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas

que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes

Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros

pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de

gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem

disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de

outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou

somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)

2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico

Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia

terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a

globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-

tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados

internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas

de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade

(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que

[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na

Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas

quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em

alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)

Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo

uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as

referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades

leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que

passariam a adquirir novos valores especializados

32

Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o

leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki

(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos

embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista

descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na

verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem

descriccedilotildees realmente cientiacuteficas

Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear

qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como

―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades

miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste

texto)

Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que

[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o

conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos

fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel

analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias

(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico

morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash

por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza

na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute

relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos

nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)

Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave

cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira

Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO

2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do

universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees

puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos

praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os

resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura

material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para

geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um

ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas

variadas disciplinas de coleacutegios)

Nas palavras de Abbade (2006)

Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter

falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e

33

socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A

linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas

palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um

povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo

que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes

haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de

um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de

pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e

necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e

linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do

leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo

Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada

um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles

caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute

consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do

leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos

morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p

716)

Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas

―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico

que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem

sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos

lexicoacutegrafos deveria ser

[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico

[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a

consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras

adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio

natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto

de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma

abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da

comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []

O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o

conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em

unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que

nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a

outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber

que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus

usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de

vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se

aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos

dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)

Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos

(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos

cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees

crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute

mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo

mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade

―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco

34

natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim

denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem

desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que

ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a

indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um

ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma

mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma

valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de

parceiras afetivas

Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar

que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que

portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o

cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues

marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com

uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute

porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos

menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do

conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito

Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos

(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios

monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-

Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras

de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua

(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria

apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua

comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras

A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir

uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir

uma competecircncia gramatical oacutetima

Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua

vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar

adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem

quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que

elas regem

Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem

um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo

eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas

palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem

35

todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou

nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida

ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de

empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por

outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim

certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-

DEBOVE 1984 p 57-58)

Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como

comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes

de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as

variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto

opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive

vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas

Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que

natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos

(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)

Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais

pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade

juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou

um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se

poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de

opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a

questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da

lexicologia e da terminologia

Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos

etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles

natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs

ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute

de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada

espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento

ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode

ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse

sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas

especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute

distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando

antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])

36

Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite

dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em

que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua

Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes

de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um

conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo

cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de

nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo

realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio

Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna

De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como

vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem

se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante

do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e

indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em

juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para

responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer

que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a

comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos

De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de

borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por

toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada

terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas

De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o

leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees

culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos

com Biderman (1998) quando ela afirma que

[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes

dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse

universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o

leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da

linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)

Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as

seccedilotildees seguintes

37

Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as

borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que

pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do

Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais

desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como

―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)

poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue

Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e

ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar

somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras

listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente

potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson

(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave

perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-

converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares

equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador

traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e

semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse

uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da

versatildeo grega

Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as

limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma

anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema

em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes

(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no

sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos

limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar

mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como

borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo

haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo

adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute

apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee

diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo

38

Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs

como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que

para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem

Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que

justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados

39

3 APORTE TEOacuteRICO

Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas

abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos

citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela

comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder

criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos

de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os

idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)

Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas

aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos

mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas

de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na

―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na

Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico

ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade

Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas

dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto

Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo

anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e

os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos

Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue

figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)

tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades

grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio

real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os

temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam

ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para

existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de

figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa

sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e

40

ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem

varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto

de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois

que perde o marido

Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud

SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De

acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo

extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade

sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no

segundo e siacutembolos no terceiro

Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a

primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato

quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a

reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo

qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam

para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria

jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz

iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo

em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo

se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa

num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque

houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado

A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada

teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma

sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos

alunos

Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que

Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo

que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como

plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a

realidade

Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto

dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as

formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua

convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com

outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se

comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN

1998 p 73)

41

Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as

consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato

histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do

possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe

status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)

Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos

para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de

formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros

satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma

fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que

existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor

citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na

liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show

(ALVES 1990)

Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo

apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as

liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido

apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos

Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e

representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em

seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se

descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum

sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash

resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada

por um nuacutecleo social na medida em que

[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute

que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre

genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com

sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um

signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos

elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a

por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no

sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa

relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos

como dormir (MATEUS 2017 p 51)

42

Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo

cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo

Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo

universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto

retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias

(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja

os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o

mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos

ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS

COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam

de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma

abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo

muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)

No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias

espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para

agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em

seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos

deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU

2010 MATEUS 2017)

Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que

tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes

sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um

lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante

nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo

que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo

de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas

entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos

que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise

Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes

mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de

sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes

soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes

acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta

uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado

43

Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico

Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo

se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e

caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos

Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar

natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo

enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se

mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)

pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico

e metafiacutesico

[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento

material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto

―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como

um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que

dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash

quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana

(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito

como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de

compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A

harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma

harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um

caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais

similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que

privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de

tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)

Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a

verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais

estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas

sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e

que se oferece para ser decifrado e interpretado

Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um

fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a

origem desse mundo

Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de

todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente

multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por

exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)

44

Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a

palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo

tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas

Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem

ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma

dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a

multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade

(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)

O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a

―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das

constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma

―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta

(CHAUI 2002 p 82)

As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais

tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a

novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais

utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia

De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista

que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire

existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa

nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo

entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que

se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por

Saussure

Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que

faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou

ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue

desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos

demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por

exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o

loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim

que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa

que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que

45

[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em

quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que

nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas

lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz

racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada

medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora

uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de

quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de

quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as

coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre

justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta

se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)

De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e

delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece

apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior

quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas

vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na

qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque

agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo

como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que

natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso

Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente

diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A

anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero

Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute

caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que

aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de

nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees

morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas

satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas

os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como

estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo

como insetos mas sim como aracniacutedeos

Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela

comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor

linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos

afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O

que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo

46

em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma

importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista

que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo

relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo

sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois

primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um

conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um

animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem

conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de

significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o

mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais

possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica

[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico

quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se

verifica)

Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos

para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de

argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em

que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma

subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a

instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu

que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer

adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como

cachorro ao qual se opotildee distintivamente

Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas

pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos

compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute

problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo

analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica

normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam

elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que

chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal

Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos

periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas

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Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de

Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e

Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo

linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a

existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si

perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar

isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica

que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e

encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma

posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos

parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas

Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a

novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os

dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para

(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando

rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo

Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das

outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto

natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam

figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo

assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como

―Joatildeo chegou mas Maria saiu)

Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de

construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual

semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta

oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar

desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como

―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute

sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela

escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel

abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que

seria [+dependente] e [-encaixada] na principal

E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade

satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas

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subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de

ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-

o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma

principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que

natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum

complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das

completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que

eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz

(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]

uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido

ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo

querer

Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas

aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo

complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo

nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas

de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e

isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos

agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as

explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer

(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito

(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista

Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais

subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo

geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo

provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o

falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho

de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que

minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria

em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa

agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma

generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente

49

dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo

Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a

noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo

especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que

homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente

recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido

Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas

de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento

fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo

fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as

intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os

fazer decorar esses roacutetulos)

Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com

a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma

Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela

presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar

que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de

propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa

uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado

Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva

equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu

―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre

um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a

natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade

a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma

Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do

conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de

significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades

De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que

quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada

natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer

―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus

irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles

seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam

50

acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos

que eu possuo

Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status

ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-

330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal

Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute

sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a

afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o

fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que

Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear

constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as

supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa

(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo

dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos

distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute

pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto

linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva

explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo

sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser

inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional

acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer

dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p

328-330)

Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a

restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo

quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo

de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava

ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava

em Osasco

Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que

inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam

configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade

material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que

fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma

construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia

bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela

regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos

comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas

51

pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo

anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de

termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo

Como salienta Rey-Debove (1984)

[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees

constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito

da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta

sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra

uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos

linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das

palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da

dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente

aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma

palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente

combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo

construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais

traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe

concebida do mesmo modo

Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal

marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode

(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir

indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que

poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma

classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos

Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo

as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais

domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau

geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente

dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte

boa)

Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo

adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter

importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica

natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se

tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo

excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)

Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens

linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses

conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema

linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias

Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana

(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)

Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o

conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas

como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto

adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma

52

ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para

mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem

Pode-se dizer portanto que

A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das

classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para

estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a

dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais

para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p

141)

Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo

por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo

Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por

adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua

indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer

reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis

A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se

distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo

semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna

ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em

classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de

diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon

(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de

adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um

criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto

contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao

juruna

Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees

em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo

genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para

funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um

predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de

verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem

nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a

intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo

do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)

53

Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por

Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos

estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento

Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a

despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente

pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute

satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute

a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)

tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do

mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a

accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como

bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)

―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo

estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento

subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro

paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-

pessoais

Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo

entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma

que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar

nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que

ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e

WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se

adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas

formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira

hipoacutetese enquanto outros mais da segunda

Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria

possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o

pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a

ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito

mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o

Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que

determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades

culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o

54

povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas

morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem

Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que

[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo

haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a

cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como

devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-

cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual

fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)

3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica

De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois

uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de

forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras

Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi

comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)

Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos

costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam

sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da

mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por

exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees

dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da

mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em

virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs

Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar

sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos

Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio

leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel

que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de

opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico

ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que

conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e

descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados

Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na

medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em

55

virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado

com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de

elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de

elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar

durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos

gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)

No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees

relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais

deveriam constar num verbete Nas palavras da autora

[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua

concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo

isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -

agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de

conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os

dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo

lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)

estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata

dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o

elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa

gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso

seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash

meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum

possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)

Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se

rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e

que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)

Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo

normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas

para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa

integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de

unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos

constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)

Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)

postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos

linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e

os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda

leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute

porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico

56

passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de

referenciaccedilatildeo)

Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como

substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte

enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos

traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no

segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)

Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e

portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as

preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase

em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras

Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc

todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para

elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga

semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a

que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos

Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma

periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees

menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais

―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo

(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)

Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer

sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse

sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo

aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente

nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa

subseccedilatildeo agrave parte

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos

de definiccedilatildeo

De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua

sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os

57

sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que

pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)

Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala

em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a

entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse

traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por

distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica

em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a

perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final

no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no

original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente

Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total

equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia

em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas

religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser

―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e

metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois

extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira

delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo

―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria

equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois

ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na

liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como

ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou

bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor

beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que

propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque

isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas

as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao

nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena

Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure

(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade

psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um

significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria

58

Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que

postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos

se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo

extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao

significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material

empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como

demonstrado a seguir

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico

Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado

Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa

univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com

os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma

significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em

todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja

vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns

autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo

com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um

conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma

expressatildeo

Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a

relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a

que ela se refere acaba se questionando

59

- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa

maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que

nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a

mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples

porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos

contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou

pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha

em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar

que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais

poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no

periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o

peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em

arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas

ou salamys (ABBADE 2006 718-719)

Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos

mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa

(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia

como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma

Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e

Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia

(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa

por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os

itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos

seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou

pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta

(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a

polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre

si

Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de

explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes

chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas

A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem

relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra

lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do

leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo

verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas

como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica

e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que

ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos

60

e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado

campo de significaccedilatildeo)

Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)

compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se

escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto

chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de

possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)

seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se

concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva

de um lexema)

E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato

do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos

seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a

tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados

com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa

uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas

O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas

lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar

tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais

de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas

natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos

idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas

em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem

relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que

[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente

lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema

Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a

explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio

traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse

lema principal (MATEUS 2017 P 40)

Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e

especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros

individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se

dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter

(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter

61

(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos

lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)

como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada

formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a

microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado

internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave

definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical

imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento

ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo

que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos

com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio

estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10

veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as

borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo

Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde

o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau

certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete

―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a

euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um

direcionamento

Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada

informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar

muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro

se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem

transparente qual acepccedilatildeo eacute esta

Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser

aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo

redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o

usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua

liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um

grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja

liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a

informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste

segundo caso

62

Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues

tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se

utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos

Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados

definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a

definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira

seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de

modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias

informaccedilotildees sobre determinado item

Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional

(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo

(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido

(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)

particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)

Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas

difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos

Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas

uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que

vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a

opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu

vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em

terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de

definiccedilotildees terminoloacutegicas que

[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e

dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por

exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do

paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU

2009 p 57)

Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que

haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um

lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem

como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo

Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de

definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as

―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de

63

veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento

morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de

―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o

caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)

Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes

ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um

conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre

as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum

elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele

que natildeo estaacute casadolsquo)

Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a

definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos

como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes

como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a

numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como

aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com

outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material

possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu

limpolsquo)

Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem

do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais

histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do

lema)

Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute

ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam

ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)

[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave

complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para

diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como

simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []

diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve

dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos

significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia

hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo

extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte

miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio

proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se

quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica

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deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal

chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)

Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior

pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de

Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais

do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica

Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter

de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de

―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante

do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as

informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda

nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte

efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo

Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo

objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente

a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que

para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de

girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como

angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol

normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo

traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como

um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa

talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar

na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)

Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem

existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas

(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem

a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba

definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e

de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de

termos linguiacutesticos como morfema paradigma)

65

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia

Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a

metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da

capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de

agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e

acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso

acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e

natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a

ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-

histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso

com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos

eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-

infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo

hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e

descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos

sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo

enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica

possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por

Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica

O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre

momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de

refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo

foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras

palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas

etnocecircntricas que precisam ser superadas

Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees

e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem

caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o

―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX

teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido

na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio

mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo

Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees

cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu

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contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos

como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser

diferenccedila

Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos

trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores

quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem

ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar

despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o

mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma

pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo

estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de

investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na

descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas

―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o

mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que

aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras

Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves

descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma

comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas

das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e

Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como

apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista

um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de

um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre

elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro

Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois

haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que

focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer

deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo

muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus

(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para

as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a

comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos

cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que

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maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou

ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela

nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser

―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes

compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que

plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento

Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e

metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em

profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no

sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em

relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os

informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o

―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de

algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista

na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo

Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram

pensados

3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da

pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo

das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada

Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer

que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em

torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de

especialidade de outro

Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas

dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida

como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise

criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva

de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do

conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia

68

(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas

eou digitais)

Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do

que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra

sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das

afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)

[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva

diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como

tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia

regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees

possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma

perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa

dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos

que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado

restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando

com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais

no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e

sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto

especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico

com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a

palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)

E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que

estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes

explicitando em qual deles nos alocamos

Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as

vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste

trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da

Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por

traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e

afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge

Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua

dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos

Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos

estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei

Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de

facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o

estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em

definiccedilotildees

69

Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que

seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira

diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes

(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos

transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e

elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia

ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de

variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos

quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum

Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com

destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos

satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua

profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no

sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na

relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos

Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada

―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster

Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em

qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado

ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das

ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem

a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de

outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo

participariam

Em outros termos

A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva

Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo

ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se

pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia

e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis

Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes

para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo

do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-

se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou

seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas

Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute

os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um

acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um

conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos

aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era

70

portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade

Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se

e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas

diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava

aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se

fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava

isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)

Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo

pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-

especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue

doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de

acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que

etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-

todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para

esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo

especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com

outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)

Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e

normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo

pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para

nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente

por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado

do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como

quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos

especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o

sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando

Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o

tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo

homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica

Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico

[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave

comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os

defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja

para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do

termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um

conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada

povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes

realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)

71

Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a

Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas

anteriormente

Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves

consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os

significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente

(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no

uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos

linguiacutesticos)

Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais

especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou

[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das

unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no

acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados

construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes

das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas

envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)

Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)

que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais

relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-

Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a

cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos

(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos

saberes

Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por

Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)

itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo

assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica

Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal

pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos

vaacuterios povos humanos

De qualquer modo vale ressaltar que

[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades

terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee

agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a

prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se

que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos

72

universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute

2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a

Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo

agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas

naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma

liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades

terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das

palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma

liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo

terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO

DE OLIVERIA 2011 p 311)

Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo

de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um

uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos

linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou

como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um

mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu

significado

Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na

medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo

apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam

parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que

ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro

eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o

explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo

consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a

Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo

De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)

apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas

minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos

de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo

terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna

especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a

autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja

em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre

um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja

indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI

2018)

73

Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em

Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois

Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a

autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-

cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora

questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em

―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade

entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas

nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo

profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis

outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a

pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas

―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela

denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria

Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo

alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da

Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia

constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua

geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos

em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em

propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees

culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute

sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)

Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de

borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria

Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo

conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos

Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se

baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes

ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees

culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as

nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam

contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras

Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende

render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs

que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-

se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por

meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de

especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura

material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e

natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados

alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)

74

endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e

praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade

3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas

Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees

tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que

nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes

denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por

linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo

de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo

de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove

insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu

(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o

meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e

atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e

sentido (ABREU 2010 p 27)

Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora

pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar

conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso

estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno

Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos

mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados

Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da

metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente

descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e

por que Afinal

[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades

em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os

caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o

pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)

Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de

domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na

interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos

constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como

75

―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute

grande

Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar

construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer

da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria

alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de

uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na

seccedilatildeo seguinte

323 A relevacircncia da etnoentomologia

Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de

minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em

consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como

etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e

utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da

Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e

praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas

com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey

(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo

especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)

―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais

ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)

Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode

recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas

comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de

nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)

os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia

bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como

cobras)

Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como

classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos

olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam

classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas

tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)

76

Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo

como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias

rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as

agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos

ou do que para noacutes seriam paacutessaros)

Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as

mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em

comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um

paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute

extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna

alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como

―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios

utilizam para isso

Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do

outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso

Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de

espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi

totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer

informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de

determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada

Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de

ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser

encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)

Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como

se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais

algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles

viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos

animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada

por nosso informante

Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute

levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo

que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por

uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)

De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a

classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum

niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados

77

na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos

e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o

desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo

tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila

ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a

diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades

―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos

passado

Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque

tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente

por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-

ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar

religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar

os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa

proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas

tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos

outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos

Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo

com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a

anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas

que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos

ursos que tanto idolatrava

Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma

verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que

tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e

natildeo podem ser ignoradas

Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-

muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que

lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos

antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e

uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se

aniquilem

Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da

variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse

78

dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria

relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-

indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem

consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque

uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de

outro povo esteja ―errada

Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as

virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que

eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e

repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos

danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria

Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam

ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de

pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja

―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a

fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo

novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso

Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco

conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu

estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a

sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o

cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em

preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na

pesquisa e nada mais do que aquilo

Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como

investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos

de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que

esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo

―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos

como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e

tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos

com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das

cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo

79

Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas

juruna relativos aos animais aqui averiguados

Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria

sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente

redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da

―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em

uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e

vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses

e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre

estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que

pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a

salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo

Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida

Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide

sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que

comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa

informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem

de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca

para complementar a renda

Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma

colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs

como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos

tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens

morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem

esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer

transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa

por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa

coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com

poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo

―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica

quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente

acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que

estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras

80

[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito

unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo

Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos

mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de

bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que

desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os

salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde

depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite

que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu

as nossas vidas

Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas

histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras

histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os

estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma

histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria

Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como

as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000

pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras

histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante

falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com

um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou

pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna

difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que

somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos

nossos)

Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo

como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como

―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na

contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo

estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente

criticada por Skliar (1999)

Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada

o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se

detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias

aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer

diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de

mais campos do conhecimento

Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que

Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do

Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo

quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que

havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam

infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem

histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem

histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma

transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que

outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje

(BERTO 2013 p 31)

81

Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das

nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos

quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes

humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por

Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar

tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de

Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono

como consta abaixo

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga

O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo

quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com

eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo

espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como

entes familiares)

Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas

seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os

homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo

que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes

Jaacute a segunda gira em torno de que

[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois

eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute

necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser

representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se

oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo

exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para

os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as

fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e

amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)

Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer

que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da

categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de

posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie

tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e

alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo

82

chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que

dentro de si estaacute contido

Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e

personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de

vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do

povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute

a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de

uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)

Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos

seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como

objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a

possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados

passariam a englobar um conjunto ativo)

Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado

miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o

estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses

concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e

HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens

natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu

(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e

deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes

era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo

Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da

carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto

repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi

Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas

este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia

mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a

realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas

agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que

ficaram com os deuses era pereciacutevel

Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu

sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo

efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como

83

aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso

tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e

seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e

graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela

curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de

males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade

Mostrando mais um paralelo

[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do

que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram

apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-

guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem

comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo

do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida

capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)

Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes

nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba

sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma

desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da

cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na

condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de

doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)

De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos

tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial

Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo

muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos

pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas

as liacutenguas conhecidas

De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com

os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho

com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de

felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as

oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta

ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou

uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal

teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o

Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o

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auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a

morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma

nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas

de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a

questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos

artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido

No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos

yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a

humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos

cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na

superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com

lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo

Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou

posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de

madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco

(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei

obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho

eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que

―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que

tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite

Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado

dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros

atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto

os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser

apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa

artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que

aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com

a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis

Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um

alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de

imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo

tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja

percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a

ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute

85

levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai

flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o

Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com

os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica

dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees

de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na

realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito

Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa

parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que

diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa

famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se

em questotildees positivas

Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a

algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)

―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma

das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e

roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar

recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer

como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma

raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de

desastres

De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna

de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os

seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)

em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos

imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam

sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute

mesmo espacial

Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de

uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova

assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre

renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como

primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso

andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram

novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam

errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso

ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto

um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara

86

tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam

sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado

Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo

verdadeiros vatildeo virar bichos

O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu

certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava

As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma

festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas

as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos

poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os

animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar

por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e

gritos

Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o

ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando

errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes

de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um

desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada

por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia

Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna

que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele

mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse

grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele

acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o

povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna

for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete

derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os

juruna que estatildeo na Terra

Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a

Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas

(FARGETTI 2017 p41-43 )

De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o

universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de

morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo

que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas

satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos

espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)

Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por

comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo

de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu

que se vecirc e que vecirc o outro

Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam

ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a

floresta

Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em

etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam

surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente

87

abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de

acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da

cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo

humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo

falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava

ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento

de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para

um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o

sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-

juruna)

Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a

partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro

momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas

que sofreram

Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese

tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico

por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num

perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se

verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro

Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo

dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os

seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)

houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a

partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees

exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois

Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula

saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria

fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede

segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se

encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO

1996 p 125-126)

Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma

manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos

entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a

pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com

paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute

88

mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+

humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de

intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute

preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do

discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem

instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar

com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira

anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso

humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta

traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de

olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu

que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um

outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do

assunto que representa a terceira

Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos

os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais

(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que

os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais

(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-

se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou

aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da

cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue

como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da

carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas

garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como

organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas

ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)

Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo

comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode

receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor

Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria

aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo

espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu

um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o

―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira

pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor

89

toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)

de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este

chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem

para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo

espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso

ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece

Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a

consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o

animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se

sabe isso deles

Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos

afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou

seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de

costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de

agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo

simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila

multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e

vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do

agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos

acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)

seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente

Como salienta Picelli (2016)

[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em

seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se

enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista

Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal

(PICELLI 2016 p 56)

Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto

corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas

adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se

metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel

empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano

o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este

mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com

90

Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro

(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados

natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que

[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que

muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores

que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e

da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra

dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas

vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires

e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu

proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as

coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o

que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o

que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa

cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)

Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli

(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo

poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees

entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre

natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado

possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria

Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas

ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando

superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o

que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico

demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio

ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas

uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais

Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um

tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso

uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de

generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento

ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada

povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando

criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute

distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo

injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um

91

desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro

(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos

pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer

um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando

menos discriminatoacuterios

Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a

teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um

antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em

que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad

hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo

Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria

dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um

item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que

para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras

acepccedilotildees

De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a

ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-

[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se

preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave

antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de

outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees

causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das

observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser

analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica

Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua

Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista

trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea

Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao

menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama

de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo

pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees

sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas

animais e natildeo humanas

Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho

com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira

agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os

92

humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo

por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente

quando estes falavam antigamente

A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da

possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores

mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de

intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e

almas humanas

Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os

bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou

ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos

tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo

dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de

nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente

em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de

sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos

chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um

tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave

proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo

morrido haacute certo tempo

Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria

um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando

os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais

Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos

Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de

Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos

pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da

(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa

do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)

sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e

estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades

Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute

O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma

distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente

humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo

93

a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com

a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou

como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes

seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda

menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros

seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a

classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-

57)

Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de

Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o

pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele

[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo

e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada

pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os

participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como

poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores

[]

Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar

sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os

que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro

natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo

Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim

recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem

distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute

diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)

Ou seja na oacutetica da referida linguista

[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas

Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo

tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos

distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu

dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml

(FARGETTI 2017 p 280-281)

Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave

teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute

completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo

dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus

sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os

demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos

aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre

natureza e cultura

Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em

relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de

como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos

94

trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que

pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e

sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a

comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)

Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de

perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e

inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias

ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as

correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do

que dar respostas dogmaacuteticas

De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees

entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a

explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da

sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a

presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores

as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas

Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar

fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que

satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste

trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo

exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante

De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa

Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees

posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de

―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas

Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -

borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais

pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um

exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome

(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de

olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de

95

pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia

entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)

A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio

de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro

de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio

Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-

caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash

aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -

subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)

Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes

de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por

meio de coacutepula

Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao

menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam

sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos

1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas

alteraccedilotildees corporais

2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um

adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas

3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um

estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa

ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)

Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo

deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas

agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e

descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)

De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um

aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no

abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente

das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios

satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e

abdome (como todos os demais insetos)

Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras

de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos

96

um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide

(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome

com um aparelho sexual externo

Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco

criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos

a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a

morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de

clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao

corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero

pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo

noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o

corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo

(coberto de cerdas)

Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e

passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo

produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de

Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe

(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula

(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do

ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo

(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do

sugador maxilar conhecido como espirotromba

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas no blog Agromais

97

Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas

membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar

ou correr

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)

Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e

geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo

originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo

na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees

Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo

a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a

temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo

com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie

de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))

Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas

de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida

de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de

neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de

formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o

mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a

garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem

mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito

das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas

e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e

anais)

Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da

venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de

Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de

98

homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo

eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de

ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a

subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na

segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e

posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5

nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a

subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que

uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou

fundida com a A2

Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com

escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas

sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de

baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos

Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute

famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de

borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta

MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido

dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e

como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na

medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis

Ipsilon

Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa

tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada

segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos

segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8

(MARTINELLI 2018)

Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de

Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes

ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas

esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de

pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos

Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a

classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao

99

nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os

animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas

filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo

criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos

ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um

espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa

uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade

para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois

tamanhos)

Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura

que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral

(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica

dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte

mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais

formando bandas transversais como esquematizado abaixo

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

100

Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas

fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de

ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa

Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie

(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os

ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles

forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea

Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos

ganchos

Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e

as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar

generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees

taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a

depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso

(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute

numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que

esta eacute seguida pela supra-espiracular

Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta

Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)

No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees

Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto

pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de

Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda

101

presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de

Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um

conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez

se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas

e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas

inseridas numa elevaccedilatildeo

Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos

Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)

Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

102

Foto 8 Lagarta com verrugas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos

das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos

e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)

Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido

como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte

dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um

cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira

Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou

amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas

lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos

(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na

areia uacutemida

E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO

(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da

parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO

(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e

manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO

(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul

metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou

estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que

alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia

evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta

gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos

saturniacutedeos e noctuiacutedeos

103

A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com

corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as

posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas

lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que

lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o

Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas

marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam

de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa

posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos

amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas

posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na

mandioca na seringueira no mamoeiro)

A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como

Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por

insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com

pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas

Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo

possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes

(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta

(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina

(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em

pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda

brasileiro)

E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange

normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a

Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior

envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a

Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras

leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)

105

4 METODOLOGIA

Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente

elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano

inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo

Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na

elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais

nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de

natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)

Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava

levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos

Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto

maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com

um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias

performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas

Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente

para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os

dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da

ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no

escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna

Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem

alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com

motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu

povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim

contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da

resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender

questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos

de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu

povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma

vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem

apenas Portuguecircs

Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute

triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas

Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura

106

Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original

fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde

atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de

mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em

questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas

como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas

as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros

povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)

Como afirma Fargetti (2017)

Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou

monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um

sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso

ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e

conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender

sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este

diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha

cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar

na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou

encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num

decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)

Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem

a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na

seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um

―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante

especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo

apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir

da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo

pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento

conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs

interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de

dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)

Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar

espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica

atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))

que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de

acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas

fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas

107

com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em

recipientes de vidro para conservaccedilatildeo

Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez

que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos

animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para

renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois

sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute

a Terra (FARGETTI 2015 p 102)

Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na

companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com

o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam

Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia

Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos

em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais

exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie

filo)

Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no

projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso

consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute

comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse

fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais

guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de

determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que

efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em

relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua

Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e

como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses

(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado

acima) este estudo focou-se nas formas adultas

Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em

borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos

―insetos

108

Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a

jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para

facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna

Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que

posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome

em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica

sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade

entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas

este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora

tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute

comentado

Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As

perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees

de entrevista anteriores

Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam

ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o

animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash

quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que

havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas

Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego

como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna

classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica

atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual

(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se

tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de

classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso

Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro

recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes

a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia

mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito

que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de

acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando

no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando

natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas

109

Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a

certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que

poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque

De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total

temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de

entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns

viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na

aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e

tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas

estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual

realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de

histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as

ouviam

Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa

da seguinte maneira

1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento

bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos

2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento

bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos

3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou

praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da

aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na

beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que

foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A

maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias

juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente

produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas

de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa

orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs

mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna

4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento

digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens

de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas

110

5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo

(jaacute fora de Tuba-Tuba)

6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas

iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico

7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por

arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)

8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o

exame de defesa

9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas

essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na

captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados

obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees

anteriores

110

5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os

juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo

natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia

cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar

que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees

alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo

em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar

em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados

coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de

entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e

nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica

restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja

nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas

Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador

juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um

trabalho especiacutefico descrito abaixo

Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante

uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash

num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de

um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute

hoje

Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de

Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item

veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente

num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar

Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram

a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje

Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque

tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado

agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a

histoacuteria ele sabia mais Xipaya

111

Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)

tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas

performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho

Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para

ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado

que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e

apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser

em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto

quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado

Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio

Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

112

Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo

informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar

a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam

estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no

verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo

ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a

frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento

que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)

Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos

terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto

Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia

atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se

atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o

espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses

eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo

atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de

infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba

morrendo

Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas

que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem

vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece

representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do

coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas

nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de

origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que

possuiacuteam em seus locais de origem

Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc

alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as

tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de

apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a

viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de

jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado

fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado

113

Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)

acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto

para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele

precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu

adoecimento ou na sua morte

Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti

(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud

SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada

o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)

apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem

fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse

animal antes que ele abra a boca

Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia

Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos

humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma

metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade

averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos

foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes

cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns

humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os

descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com

outros seres

Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash

ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar

este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma

aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu

mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)

Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o

especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no

ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua

dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses

questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam

assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de

agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas

114

humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu

habitat natural

Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa

para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como

operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute

Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em

seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para

Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que

podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de

mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um

inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos

nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa

protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo

representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar

(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que

descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e

transformando suas roupas coloridas em asas

115

Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada

De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando

estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando

estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos

Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo

relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a

caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna

receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas

nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam

ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna

Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas

fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos

desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco

Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees

pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O

primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo

bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num

etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia

indiacutegena pesquisada

Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora

por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os

postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e

qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores

como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens

lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como

evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos

obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles

comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas

Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias

poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos

como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da

categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish

(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que

respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)

116

Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar

apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros

De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com

Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas

sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a

4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta

haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que

abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores

chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e

compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo

abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado

inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-

boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs

elementos)

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)

Fonte Berto (2013 p 91)

Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos

dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao

menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente

impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto

(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p

96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou

seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo

juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles

117

Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo

depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto

―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados

afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de

kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade

bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon

animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes

de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis

criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto

Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas

Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes

do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso

informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais

ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas

As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos

de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como

kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e

contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa

porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes

Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que

parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos

Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que

―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o

que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito

tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar

A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo

menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de

modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo

do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-

nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item

que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte

De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de

duacutevida uma das direccedilotildees

118

Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e

termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha

revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a

ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as

partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor

de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas

das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila

Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente

Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila

Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila

Ixibia bunda delelsquo Parte posterior

Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa

Itaba boca delelsquo Boca

119

Iatildetaba antena delelsquo Antena

Iwa matildeo delelsquo Pata

Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar

Ipewa asa delelsquo Asa

Itxab barriga delelsquo abdocircmen

Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees

metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e

num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes

desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base

Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais

informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para

todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas

entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um

pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula

anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose

Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se

denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir

do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies

Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que

metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime

Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das

―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do

mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando

momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos

representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias

diferentes

Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a

necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um

dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees

120

Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos

mais de uma vez

A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do

espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia

bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico

e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo

taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave

classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute

apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e

duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar

planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de

seiva)

Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo

especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais

que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees

diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de

animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem

distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais

aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis

cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso

na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a

chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de

―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-

ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios

gerais da liacutengua

A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo

lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico

geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa

dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu

Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com

os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir

distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente

tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a

mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que

121

quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa

ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum

kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um

diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia

sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se

esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem

disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total

certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de

Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como

borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo

similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos

abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)

representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro

Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja

Fonte Palo Jr (2017)

De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos

sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo

lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)

exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)

como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna

Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da

pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria

contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da

forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns

122

idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em

siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)

Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra

que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com

que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave

fauna- jaacute havia mencionado tal fato

Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre

as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo

segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma

de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a

forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua

antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor

marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas

como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)

Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que

para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar

doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-

tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela

tornam-se improacuteprias para consumo humano

Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua

para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por

isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os

termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse

necessidade de apenas uma entrada nasusu

Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na

esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea

especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo

se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)

possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as

menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que

quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de

sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do

ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo

providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido

bicho

E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo

papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim

123

de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila

para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia

Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou

anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como

entradas autocircnomas

Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como

mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas

ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um

tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais

Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar

voar muito

Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem

que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da

Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as

mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase

adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a

horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais

seres aqui averiguados

Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte

comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o

animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo

do dia ou se haacute matizes disso

Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como

as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que

sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar

alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um

contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes

ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu

passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu

e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu

De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do

ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra

kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)

124

que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez

que natildeo tecircm forccedila para isso

Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de

tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto

as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo

trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as

segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo

Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma

questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute

muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e

natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa

obra terminograacutefica)

Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo

terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)

satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto

de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave

capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o

ceacuteu

Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos

de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas

nasusu1 (do ceacuteu) nasusu

2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos

sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila

aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha

2 (da terra)

Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como

se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave

macroestrutura se organiza alfabeticamente

Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes

com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito

didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras

sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre

parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza

gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo

enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com

notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a

125

qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente

compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos

Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com

substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados

Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais

adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna

126

NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista

juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito

pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-

falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a

sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de

―borboletas

Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos

eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos

dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam

para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta

Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos

diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum

Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria

estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna

127

Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute

incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave

comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas

utilizam nasusu para todos esses animais

128

KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido

de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)

relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma

alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em

alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu

Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua

Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento

proacuteximo

Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em

suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de

onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono

conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja

punido

129

NASUSU1

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno

desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode

retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a

maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu

Fonte Mateus (2017)

Fonte Arewara Juruna (2017)

Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar

a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois

sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente

sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um

tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a

embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas

que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua

funccedilatildeo

130

Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)

131

NASUSU2

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e

originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas

floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de

modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando

ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa

Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho

intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha

do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo

voando no ar

Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas

na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas

natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas

yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores

132

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas

antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo

transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que

mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute

por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna

essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se

metamorfosear num beija-flor

133

Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira

em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos

iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas

nesta seccedilatildeo

Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa

orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer

simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson

(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo

por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim

denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba

culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas

Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados

alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista

para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o

mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item

(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse

como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele

como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a

nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas

sim seres distintos com certo grau de parentesco

De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que

pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes

fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e

idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente

ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)

Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui

estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar

entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser

retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores

nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem

apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI

(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como

demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa

134

orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome

formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo

Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo

hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado

acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe

para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma

nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma

categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira

em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma

definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse

possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui

estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe

Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa

ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional

(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada

e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou

famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna

Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas

proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o

modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como

uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem

muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees

fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode

distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia

Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa

orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas

De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as

hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa

orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de

iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares

digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar

a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet

Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui

utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y

135

6 Consideraccedilotildees finais

Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos

juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que

seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia

como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo

da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-

aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica

Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos

diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico

Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade

haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais

analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em

contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja

como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de

minha liacutengua materna

Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER

2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se

queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si

mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas

entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que

psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as

convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o

super ego

Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e

de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus

instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave

infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais

envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que

aceitar que elas existem anteriormente a ele

Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam

completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser

(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar

marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam

inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em

136

determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia

dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia

que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma

sociedade de classes (idem ibidem))

Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um

ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos

aos quais somos submetidos

Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas

produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam

submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria

(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois

foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras

internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata

para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance

(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)

Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras

internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam

sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria

espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa

porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema

artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas

antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas

Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para

metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um

ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees

recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que

sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo

realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma

Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute

justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com

nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao

tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena

brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um

analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los

137

anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a

menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria

muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de

compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas

nos referidos animais

Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer

investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto

de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma

banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la

de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam

natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele

ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim

relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash

se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo

Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o

talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a

individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas

precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma

―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao

texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no

nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece

com os poetas ―imortais que o precederam

Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute

haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda

concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e

reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente

existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por

outro orientado por este uacuteltimo

Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente

―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui

mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas

dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de

outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo

muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a

138

destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de

dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos

assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando

Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros

estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo

de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse

povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao

menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima

complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros

Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com

estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE

CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os

juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes

natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos

tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso

De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram

dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os

referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral

Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo

relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais

Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto

nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de

formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista

juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do

animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo

um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)

Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco

entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados

para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as

kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de

mariposaslsquo)

Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto

aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte

forma

139

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria

Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados

redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo

desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses

protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos

simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo

dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles

Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente

natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram

como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia

por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba

Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores

140

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Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114

149

150

APEcircNDICES

151

Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna

Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo

juruna

1

kamaperuperu

2

Nasusu do ceacuteu

3

Nasusu do ceacuteu

152

4

Nasusu do ceacuteu

5

Nasusu do ceacuteu

6 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

153

6 b (asas

fechadas)

7

Nasusu do ceacuteu

8

Nasusu do ceacuteu

154

9

Nasusu do ceacuteu

10

Nasusu do ceacuteu

11

Nasusu do ceacuteu

155

12 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

12 b (asas

fechadas)

13 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

13 b (vista

lateral)

156

14

Nasusu do ceacuteu

15

Nasusu do ceacuteu

16 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

157

16 b (asas

abertas)

17 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

17 b (vista

lateral)

18 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

158

18 b (asas

abertas)

19

Nasusu do ceacuteu

20

Nasusu do ceacuteu

159

21

Nasusu do ceacuteu

22

Nasusu do ceacuteu

23

Nasusu do ceacuteu

160

24 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

24 b (asas

abertas)

25

Nasusu do ceacuteu

26

Nasusu do ceacuteu

161

27

yahaha da

Terra

28

Nasusu do ceacuteu

29 (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

162

29 (vista

lateral)

30

Nasusu do ceacuteu

31

yahaha da

Terra

163

32

Nasusu do ceacuteu

33

Nasusu do ceacuteu

34

Nasusu do ceacuteu

35 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

164

35 b (asa

aberta)

36 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

36 b (asa

aberta)

165

37

Nasusu do ceacuteu

38

Nasusu do ceacuteu

39

Nasusu do ceacuteu

40

Nasusu do ceacuteu

166

41

yahaha da

terra

42 a (vista

lateral)

Nasusu da

Terra

42 b (asa

aberta)

43

kamaperuperu

167

44 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

45 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

46 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu da

Terra

168

47 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

48 a

(Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

asa aberta

Nasusu do ceacuteu

48 b (Foto

de Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

vista

lateral

169

49 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

50 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

51

Nasusu do ceacuteu

170

52 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

533 (vista

lateral)

54

Nasusu do ceacuteu

171

55

Nasusu da

Terra

56

Nasusu do ceacuteu

57

Nasusu do ceacuteu

58

Nasusu do ceacuteu

172

59

Nasusu do ceacuteu

60

Nasusu do ceacuteu

61

Nasusu da

Terra

62

Nasusu do ceacuteu

63 (foto de

Cristina

Martins

Fargetti)

yahaha do ceacuteu

173

64

nasusu do ceacuteu

65

nasusu do ceacuteu

66

nasusu do ceacuteu

67

nasusu da

Terra

174

68

nasusu da

Terra

69

nasusu da

Terra

70

nasusu do ceacuteu

175

71

nasusu da

Terra

72

nasusu do ceacuteu

73

yahaha (o

informante

natildeo soube

dizer se era do

ceacuteu ou da

terra)

176

74 (foto de

Arewana

Juruna)

nasusu do ceacuteu

75

kamaperuperu

76

nasusu da

Terra

77

nasusu (o

informante

natildeo soube

dizer se era da

Terra ou do

ceacuteu)

177

78 a (visatildeo

da parte

exterior

da asa)

nasusu do ceacuteu

78 b (asas

abertas)

79

nasusu da

Terra

80

yahaha fraca

(da terra)

178

81

nasusu do ceacuteu

82

nasusu da

Terra

83

nasusu da

Terra

84

Nasusu do ceacuteu

179

85

nasusu do ceacuteu

86 a(asas

abertas)

kamaperuperu

86 b (asas

fechadas)

180

87

nasusu do ceacuteu

Page 2: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO...Zoologia e Botânica do IBILCE de Sâo José do Rio Preto), ao Prof. Dr. Nelson Papavero (a quem, aliás, devo agradecer por ter me

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO

QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM

VOcircO PANORAcircMICA (COM E) PELAS

bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA

Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho

Departamento Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de

Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica

e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa

Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico

Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Bolsa Capes - DS

ARARAQUARA ndash SP

2019

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO

QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM

VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS

bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho

Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de

Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica

e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa

Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico

Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Bolsa Capes - DS

Data da defesaentrega 23042019

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho

Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto

Local Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciecircncias e Letras

UNESP ndash Campus de Araraquara

AGRADECIMENTOS

Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho

Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar

algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de

antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria

Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia

de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs

mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas

realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio

Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da

Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash

Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela

concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que

pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao

CNPq

Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em

contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave

pesquisa

Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash

junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa

solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por

este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me

presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um

sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar

me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos

para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as

mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees

A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que

fizeram parte da pesquisa

Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson

Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de

Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a

quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e

acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e

Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli

que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-

graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia

entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros

A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica

Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva

Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou

eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e

afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis

pelos conselhos momentos de alegria desabafos

A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr

Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova

monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha

com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave

minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra

tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me

oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar

no qual desmaiar

Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante

aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-

conhecimento

E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as

quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia

Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me

fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a

Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja

menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)

devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui

tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os

ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo

[]

Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual

Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu

Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu

Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)

RESUMO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de

mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees

terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente

porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos

miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por

noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses

―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar

estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de

Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)

Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade

entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na

Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como

Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-

tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico

cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses

espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar

neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba

(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente

programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que

foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna

(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-

las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade

com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees

enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e

revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online

Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas

REacuteSUMEacute

Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet

de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des

contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons

Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles

linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui

concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure

maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue

JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave

leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de

Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de

ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous

basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches

dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle

de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-

culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans

les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre

consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les

modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80

dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne

nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes

momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen

dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents

photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les

histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions

encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront

deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba

ou lors de reacuteunions en ligne

Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo

ocidental

139

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28

Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28

Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29

Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101

Foto 8 Lagarta com verrugas 102

Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-

onccedila

118

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras

TCT Teoria Comunicativa da Terminologia

TE Terminologia Etnograacutefica

TGT Teoria Geral da Terminologia

Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Sumaacuterio

1Introduccedilatildeo 14

2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas

autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18

22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de

liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua

relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24

24 Sobre os juruna 25

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30

26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31

3 Aporte teoacuterico 39

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo

empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por

dada comunidade 39

31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o

leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65

321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

67

3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74

3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o

enxerga 81

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94

4 Metodologia 105

5 Resultados e Discussatildeo 110

6 Consideraccedilotildees finais 135

Referecircncias 140

Bibliografia 147

Apecircndices 150

Apecircndice A 151

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas

durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para

contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos

objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos

saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como

borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar

A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as

lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo

geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam

em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de

maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo

dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos

autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees

ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de

seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o

que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs

Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo

que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por

nossa orientadora

Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no

levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados

formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes

na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato

Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os

quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos

para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da

Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas

brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os

conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia

Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este

conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem

15

sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-

indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)

discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas

juruna poderiam ser lematizadas

Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura

desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo

embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2

Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia

de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo

para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)

Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos

pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre

avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas

brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees

diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim

falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os

singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma

Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na

aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff

e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes

da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o

estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais

signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos

―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato

com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava

Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem

antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo

aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias

saussurianas apenas em partes

Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das

mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo

norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua

16

diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de

uma obra lexicograacutefica)

Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)

sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos

tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias

atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e

Lima (1996)

Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as

etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a

epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais

Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas

utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as

nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais

aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como

demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4

18

2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS

QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS

Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver

precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando

sua relevacircncia

Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de

justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e

documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as

indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os

insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros

Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo

muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo

passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada

inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como

mero fornecedor de informaccedilotildees

Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio

na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos

falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle

Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam

uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees

indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes

fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral

costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele

ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes

como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um

personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado

―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo

omitidas

Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando

Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das

19

variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou

classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como

se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)

Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que

Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos

desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo

escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados

a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por

preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista

desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo

(MOSCARDINI 2011 p 7)

Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que

se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees

pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos

cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas

linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais

por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-

indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de

Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e

obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter

negativamente ―diaboacutelico

Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com

relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico

―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses

se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o

referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma

―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o

―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade

Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que

Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi

exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem

do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na

psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria

do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em

gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave

marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se

como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se

deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a

20

partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua

sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um

passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel

ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem

primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam

muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se

atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)

Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute

patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito

anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica

de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento

segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam

nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de

antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como

uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel

―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu

problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente

atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior

Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute

comentavam que

A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a

reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais

satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila

nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal

nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade

(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)

Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e

infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem

o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de

uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em

aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998

p 18)

21

2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas

indiacutegenas brasileiras

De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios

como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na

subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo

desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na

deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os

idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com

respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos

palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas

Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a

descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso

no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de

campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas

alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal

projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo

Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos

lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de

Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que

contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo

metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo

aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos

Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)

Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes

Vaneti Mateus e Fargetti (2018)

A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma

documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo

semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os

resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a

consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas

Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens

22

juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que

foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel

Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de

cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as

informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)

Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e

comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para

aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora

concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos

cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves

encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre

os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de

partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados

por um ou mais radicais (BERTO 2013)

Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo

participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico

juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou

com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e

equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees

morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas

Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais

recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o

desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por

vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas

buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco

musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas

iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de

pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias

Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por

Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras

(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos

yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-

gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo

semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios

23

lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras

se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas

sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade

linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou

demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas

aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete

Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia

de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas

indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia

utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)

pretendia

[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees

possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os

lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de

determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017

p 5)

Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram

lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos

musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)

Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens

os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia

Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os

nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias

colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento

ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e

chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na

verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o

equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos

itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso

o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia

anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente

haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e

descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte

Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as

realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e

24

exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma

dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a

outras realizaccedilotildees possiacuteveis

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-

cientiacutefica para as comunidades estudadas

Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)

ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013

p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a

necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas

que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti

(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando

a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)

Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a

importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que

concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem

humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem

confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades

indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de

materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de

elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as

etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a

preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-

culturais dessas populaccedilotildees

Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o

estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire

relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate

de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos

objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos

pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico

das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas

realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser

documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado

25

inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido

aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica

pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca

de contato Como salienta Peixotto (2013)

Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm

51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo

Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato

Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e

atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais

novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o

Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de

27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas

representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti

Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro

Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng

(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)

tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A

aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o

uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando

do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque

(PEIXOTTO 2013 p 9-10)

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu

Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor

conheccedila tal povo

24 Sobre os juruna

Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60

hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no

Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem

ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca

26

de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena

Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda

Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a

liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e

manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam

eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que

A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []

encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no

extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados

por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou

escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa

migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos

indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros

Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e

Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX

devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio

Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando

entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave

foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma

regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu

Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna

tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano

depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a

fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para

a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os

juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute

aldeia fixando-se todos em Tubatuba []

A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas

moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da

antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)

Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna

tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute

27

fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom

alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais

Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-

fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e

dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (

e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e

) e cinco nasais ( e ))

Como afirma Berto (2013)

De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma

liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico

C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a

esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um

radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os

constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto

verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de

reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)

Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe

da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o

excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave

formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)

vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz

questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo

Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos

e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar

o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com

resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de

vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute

que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a

mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares

Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida

fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas

corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros

povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)

Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as

mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques

zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham

28

banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados

pelos membros femininos das aldeias

No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como

ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas

[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de

farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba

que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado

quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia

permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Foto 4 casa em construccedilatildeo

Fonte Mateus (2017)

29

Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como

comenta Peixotto (2013)

O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira

como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos

brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma

depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos

macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais

satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados

caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua

(PEIXOTTO 2013 p 22)

Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para

que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []

que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios

muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)

Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como

confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que

proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela

comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a

autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em

FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria

embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os

distinguia uma tatuagem

[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha

vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a

partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no

queixo (FARGETTI 2017 p 25)

Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -

continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo

quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de

assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas

30

Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e

tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um

dicionaacuterio da liacutengua juruna

Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa

orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar

os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores

envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos

terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa

em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna

sobre os ―insetos como comentado abaixo

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos

No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam

Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de

animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes

ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo

do conhecimento da biodiversidade do planeta

Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas

uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e

tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos

de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela

chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas

superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas

formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de

plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo

Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de

algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de

servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a

algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e

alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo

dos solos

Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar

natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de

31

insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000

espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como

tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como

um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao

homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas

a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves

escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com

formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas

que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes

Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros

pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de

gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem

disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de

outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou

somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)

2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico

Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia

terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a

globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-

tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados

internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas

de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade

(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que

[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na

Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas

quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em

alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)

Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo

uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as

referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades

leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que

passariam a adquirir novos valores especializados

32

Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o

leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki

(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos

embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista

descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na

verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem

descriccedilotildees realmente cientiacuteficas

Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear

qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como

―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades

miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste

texto)

Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que

[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o

conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos

fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel

analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias

(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico

morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash

por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza

na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute

relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos

nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)

Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave

cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira

Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO

2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do

universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees

puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos

praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os

resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura

material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para

geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um

ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas

variadas disciplinas de coleacutegios)

Nas palavras de Abbade (2006)

Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter

falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e

33

socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A

linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas

palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um

povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo

que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes

haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de

um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de

pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e

necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e

linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do

leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo

Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada

um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles

caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute

consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do

leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos

morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p

716)

Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas

―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico

que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem

sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos

lexicoacutegrafos deveria ser

[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico

[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a

consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras

adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio

natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto

de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma

abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da

comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []

O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o

conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em

unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que

nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a

outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber

que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus

usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de

vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se

aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos

dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)

Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos

(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos

cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees

crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute

mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo

mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade

―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco

34

natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim

denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem

desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que

ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a

indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um

ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma

mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma

valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de

parceiras afetivas

Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar

que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que

portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o

cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues

marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com

uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute

porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos

menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do

conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito

Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos

(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios

monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-

Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras

de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua

(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria

apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua

comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras

A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir

uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir

uma competecircncia gramatical oacutetima

Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua

vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar

adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem

quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que

elas regem

Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem

um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo

eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas

palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem

35

todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou

nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida

ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de

empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por

outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim

certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-

DEBOVE 1984 p 57-58)

Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como

comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes

de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as

variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto

opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive

vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas

Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que

natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos

(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)

Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais

pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade

juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou

um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se

poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de

opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a

questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da

lexicologia e da terminologia

Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos

etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles

natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs

ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute

de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada

espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento

ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode

ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse

sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas

especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute

distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando

antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])

36

Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite

dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em

que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua

Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes

de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um

conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo

cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de

nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo

realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio

Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna

De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como

vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem

se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante

do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e

indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em

juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para

responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer

que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a

comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos

De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de

borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por

toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada

terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas

De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o

leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees

culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos

com Biderman (1998) quando ela afirma que

[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes

dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse

universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o

leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da

linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)

Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as

seccedilotildees seguintes

37

Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as

borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que

pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do

Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais

desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como

―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)

poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue

Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e

ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar

somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras

listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente

potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson

(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave

perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-

converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares

equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador

traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e

semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse

uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da

versatildeo grega

Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as

limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma

anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema

em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes

(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no

sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos

limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar

mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como

borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo

haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo

adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute

apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee

diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo

38

Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs

como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que

para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem

Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que

justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados

39

3 APORTE TEOacuteRICO

Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas

abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos

citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela

comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder

criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos

de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os

idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)

Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas

aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos

mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas

de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na

―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na

Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico

ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade

Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas

dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto

Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo

anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e

os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos

Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue

figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)

tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades

grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio

real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os

temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam

ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para

existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de

figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa

sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e

40

ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem

varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto

de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois

que perde o marido

Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud

SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De

acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo

extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade

sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no

segundo e siacutembolos no terceiro

Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a

primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato

quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a

reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo

qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam

para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria

jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz

iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo

em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo

se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa

num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque

houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado

A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada

teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma

sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos

alunos

Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que

Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo

que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como

plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a

realidade

Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto

dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as

formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua

convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com

outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se

comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN

1998 p 73)

41

Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as

consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato

histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do

possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe

status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)

Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos

para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de

formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros

satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma

fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que

existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor

citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na

liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show

(ALVES 1990)

Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo

apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as

liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido

apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos

Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e

representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em

seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se

descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum

sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash

resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada

por um nuacutecleo social na medida em que

[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute

que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre

genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com

sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um

signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos

elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a

por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no

sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa

relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos

como dormir (MATEUS 2017 p 51)

42

Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo

cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo

Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo

universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto

retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias

(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja

os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o

mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos

ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS

COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam

de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma

abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo

muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)

No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias

espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para

agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em

seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos

deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU

2010 MATEUS 2017)

Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que

tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes

sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um

lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante

nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo

que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo

de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas

entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos

que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise

Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes

mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de

sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes

soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes

acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta

uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado

43

Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico

Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo

se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e

caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos

Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar

natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo

enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se

mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)

pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico

e metafiacutesico

[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento

material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto

―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como

um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que

dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash

quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana

(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito

como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de

compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A

harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma

harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um

caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais

similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que

privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de

tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)

Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a

verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais

estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas

sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e

que se oferece para ser decifrado e interpretado

Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um

fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a

origem desse mundo

Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de

todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente

multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por

exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)

44

Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a

palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo

tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas

Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem

ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma

dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a

multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade

(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)

O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a

―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das

constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma

―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta

(CHAUI 2002 p 82)

As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais

tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a

novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais

utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia

De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista

que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire

existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa

nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo

entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que

se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por

Saussure

Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que

faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou

ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue

desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos

demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por

exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o

loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim

que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa

que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que

45

[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em

quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que

nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas

lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz

racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada

medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora

uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de

quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de

quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as

coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre

justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta

se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)

De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e

delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece

apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior

quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas

vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na

qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque

agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo

como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que

natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso

Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente

diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A

anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero

Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute

caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que

aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de

nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees

morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas

satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas

os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como

estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo

como insetos mas sim como aracniacutedeos

Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela

comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor

linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos

afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O

que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo

46

em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma

importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista

que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo

relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo

sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois

primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um

conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um

animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem

conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de

significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o

mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais

possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica

[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico

quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se

verifica)

Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos

para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de

argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em

que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma

subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a

instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu

que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer

adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como

cachorro ao qual se opotildee distintivamente

Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas

pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos

compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute

problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo

analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica

normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam

elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que

chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal

Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos

periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas

47

Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de

Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e

Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo

linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a

existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si

perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar

isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica

que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e

encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma

posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos

parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas

Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a

novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os

dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para

(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando

rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo

Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das

outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto

natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam

figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo

assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como

―Joatildeo chegou mas Maria saiu)

Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de

construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual

semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta

oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar

desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como

―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute

sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela

escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel

abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que

seria [+dependente] e [-encaixada] na principal

E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade

satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas

48

subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de

ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-

o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma

principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que

natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum

complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das

completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que

eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz

(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]

uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido

ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo

querer

Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas

aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo

complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo

nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas

de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e

isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos

agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as

explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer

(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito

(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista

Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais

subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo

geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo

provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o

falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho

de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que

minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria

em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa

agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma

generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente

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dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo

Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a

noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo

especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que

homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente

recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido

Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas

de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento

fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo

fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as

intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os

fazer decorar esses roacutetulos)

Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com

a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma

Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela

presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar

que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de

propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa

uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado

Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva

equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu

―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre

um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a

natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade

a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma

Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do

conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de

significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades

De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que

quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada

natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer

―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus

irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles

seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam

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acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos

que eu possuo

Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status

ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-

330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal

Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute

sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a

afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o

fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que

Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear

constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as

supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa

(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo

dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos

distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute

pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto

linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva

explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo

sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser

inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional

acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer

dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p

328-330)

Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a

restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo

quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo

de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava

ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava

em Osasco

Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que

inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam

configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade

material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que

fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma

construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia

bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela

regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos

comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas

51

pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo

anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de

termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo

Como salienta Rey-Debove (1984)

[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees

constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito

da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta

sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra

uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos

linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das

palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da

dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente

aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma

palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente

combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo

construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais

traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe

concebida do mesmo modo

Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal

marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode

(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir

indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que

poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma

classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos

Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo

as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais

domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau

geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente

dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte

boa)

Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo

adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter

importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica

natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se

tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo

excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)

Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens

linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses

conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema

linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias

Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana

(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)

Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o

conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas

como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto

adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma

52

ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para

mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem

Pode-se dizer portanto que

A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das

classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para

estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a

dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais

para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p

141)

Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo

por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo

Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por

adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua

indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer

reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis

A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se

distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo

semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna

ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em

classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de

diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon

(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de

adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um

criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto

contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao

juruna

Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees

em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo

genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para

funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um

predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de

verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem

nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a

intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo

do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)

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Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por

Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos

estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento

Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a

despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente

pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute

satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute

a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)

tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do

mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a

accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como

bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)

―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo

estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento

subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro

paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-

pessoais

Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo

entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma

que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar

nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que

ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e

WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se

adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas

formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira

hipoacutetese enquanto outros mais da segunda

Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria

possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o

pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a

ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito

mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o

Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que

determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades

culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o

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povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas

morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem

Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que

[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo

haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a

cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como

devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-

cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual

fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)

3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica

De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois

uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de

forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras

Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi

comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)

Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos

costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam

sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da

mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por

exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees

dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da

mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em

virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs

Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar

sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos

Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio

leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel

que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de

opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico

ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que

conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e

descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados

Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na

medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em

55

virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado

com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de

elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de

elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar

durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos

gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)

No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees

relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais

deveriam constar num verbete Nas palavras da autora

[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua

concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo

isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -

agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de

conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os

dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo

lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)

estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata

dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o

elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa

gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso

seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash

meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum

possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)

Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se

rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e

que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)

Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo

normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas

para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa

integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de

unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos

constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)

Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)

postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos

linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e

os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda

leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute

porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico

56

passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de

referenciaccedilatildeo)

Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como

substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte

enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos

traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no

segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)

Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e

portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as

preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase

em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras

Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc

todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para

elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga

semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a

que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos

Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma

periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees

menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais

―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo

(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)

Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer

sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse

sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo

aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente

nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa

subseccedilatildeo agrave parte

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos

de definiccedilatildeo

De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua

sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os

57

sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que

pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)

Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala

em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a

entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse

traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por

distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica

em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a

perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final

no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no

original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente

Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total

equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia

em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas

religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser

―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e

metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois

extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira

delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo

―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria

equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois

ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na

liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como

ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou

bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor

beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que

propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque

isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas

as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao

nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena

Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure

(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade

psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um

significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria

58

Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que

postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos

se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo

extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao

significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material

empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como

demonstrado a seguir

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico

Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado

Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa

univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com

os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma

significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em

todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja

vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns

autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo

com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um

conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma

expressatildeo

Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a

relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a

que ela se refere acaba se questionando

59

- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa

maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que

nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a

mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples

porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos

contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou

pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha

em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar

que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais

poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no

periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o

peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em

arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas

ou salamys (ABBADE 2006 718-719)

Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos

mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa

(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia

como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma

Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e

Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia

(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa

por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os

itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos

seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou

pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta

(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a

polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre

si

Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de

explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes

chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas

A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem

relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra

lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do

leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo

verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas

como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica

e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que

ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos

60

e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado

campo de significaccedilatildeo)

Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)

compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se

escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto

chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de

possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)

seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se

concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva

de um lexema)

E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato

do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos

seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a

tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados

com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa

uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas

O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas

lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar

tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais

de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas

natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos

idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas

em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem

relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que

[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente

lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema

Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a

explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio

traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse

lema principal (MATEUS 2017 P 40)

Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e

especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros

individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se

dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter

(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter

61

(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos

lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)

como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada

formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a

microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado

internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave

definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical

imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento

ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo

que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos

com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio

estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10

veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as

borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo

Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde

o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau

certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete

―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a

euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um

direcionamento

Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada

informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar

muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro

se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem

transparente qual acepccedilatildeo eacute esta

Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser

aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo

redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o

usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua

liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um

grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja

liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a

informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste

segundo caso

62

Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues

tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se

utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos

Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados

definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a

definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira

seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de

modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias

informaccedilotildees sobre determinado item

Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional

(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo

(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido

(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)

particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)

Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas

difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos

Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas

uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que

vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a

opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu

vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em

terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de

definiccedilotildees terminoloacutegicas que

[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e

dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por

exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do

paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU

2009 p 57)

Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que

haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um

lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem

como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo

Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de

definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as

―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de

63

veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento

morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de

―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o

caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)

Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes

ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um

conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre

as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum

elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele

que natildeo estaacute casadolsquo)

Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a

definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos

como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes

como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a

numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como

aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com

outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material

possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu

limpolsquo)

Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem

do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais

histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do

lema)

Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute

ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam

ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)

[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave

complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para

diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como

simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []

diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve

dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos

significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia

hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo

extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte

miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio

proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se

quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica

64

deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal

chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)

Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior

pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de

Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais

do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica

Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter

de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de

―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante

do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as

informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda

nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte

efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo

Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo

objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente

a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que

para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de

girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como

angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol

normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo

traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como

um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa

talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar

na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)

Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem

existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas

(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem

a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba

definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e

de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de

termos linguiacutesticos como morfema paradigma)

65

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia

Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a

metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da

capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de

agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e

acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso

acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e

natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a

ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-

histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso

com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos

eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-

infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo

hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e

descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos

sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo

enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica

possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por

Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica

O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre

momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de

refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo

foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras

palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas

etnocecircntricas que precisam ser superadas

Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees

e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem

caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o

―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX

teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido

na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio

mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo

Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees

cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu

66

contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos

como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser

diferenccedila

Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos

trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores

quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem

ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar

despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o

mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma

pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo

estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de

investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na

descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas

―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o

mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que

aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras

Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves

descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma

comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas

das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e

Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como

apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista

um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de

um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre

elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro

Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois

haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que

focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer

deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo

muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus

(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para

as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a

comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos

cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que

67

maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou

ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela

nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser

―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes

compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que

plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento

Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e

metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em

profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no

sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em

relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os

informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o

―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de

algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista

na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo

Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram

pensados

3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da

pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo

das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada

Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer

que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em

torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de

especialidade de outro

Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas

dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida

como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise

criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva

de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do

conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia

68

(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas

eou digitais)

Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do

que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra

sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das

afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)

[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva

diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como

tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia

regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees

possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma

perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa

dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos

que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado

restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando

com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais

no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e

sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto

especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico

com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a

palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)

E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que

estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes

explicitando em qual deles nos alocamos

Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as

vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste

trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da

Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por

traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e

afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge

Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua

dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos

Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos

estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei

Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de

facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o

estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em

definiccedilotildees

69

Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que

seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira

diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes

(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos

transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e

elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia

ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de

variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos

quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum

Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com

destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos

satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua

profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no

sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na

relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos

Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada

―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster

Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em

qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado

ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das

ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem

a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de

outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo

participariam

Em outros termos

A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva

Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo

ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se

pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia

e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis

Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes

para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo

do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-

se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou

seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas

Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute

os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um

acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um

conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos

aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era

70

portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade

Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se

e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas

diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava

aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se

fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava

isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)

Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo

pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-

especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue

doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de

acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que

etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-

todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para

esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo

especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com

outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)

Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e

normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo

pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para

nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente

por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado

do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como

quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos

especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o

sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando

Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o

tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo

homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica

Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico

[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave

comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os

defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja

para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do

termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um

conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada

povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes

realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)

71

Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a

Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas

anteriormente

Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves

consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os

significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente

(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no

uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos

linguiacutesticos)

Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais

especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou

[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das

unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no

acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados

construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes

das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas

envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)

Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)

que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais

relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-

Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a

cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos

(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos

saberes

Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por

Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)

itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo

assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica

Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal

pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos

vaacuterios povos humanos

De qualquer modo vale ressaltar que

[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades

terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee

agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a

prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se

que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos

72

universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute

2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a

Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo

agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas

naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma

liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades

terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das

palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma

liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo

terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO

DE OLIVERIA 2011 p 311)

Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo

de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um

uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos

linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou

como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um

mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu

significado

Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na

medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo

apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam

parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que

ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro

eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o

explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo

consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a

Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo

De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)

apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas

minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos

de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo

terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna

especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a

autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja

em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre

um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja

indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI

2018)

73

Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em

Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois

Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a

autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-

cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora

questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em

―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade

entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas

nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo

profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis

outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a

pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas

―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela

denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria

Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo

alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da

Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia

constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua

geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos

em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em

propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees

culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute

sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)

Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de

borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria

Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo

conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos

Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se

baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes

ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees

culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as

nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam

contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras

Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende

render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs

que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-

se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por

meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de

especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura

material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e

natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados

alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)

74

endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e

praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade

3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas

Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees

tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que

nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes

denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por

linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo

de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo

de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove

insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu

(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o

meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e

atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e

sentido (ABREU 2010 p 27)

Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora

pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar

conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso

estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno

Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos

mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados

Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da

metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente

descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e

por que Afinal

[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades

em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os

caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o

pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)

Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de

domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na

interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos

constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como

75

―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute

grande

Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar

construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer

da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria

alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de

uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na

seccedilatildeo seguinte

323 A relevacircncia da etnoentomologia

Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de

minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em

consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como

etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e

utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da

Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e

praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas

com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey

(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo

especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)

―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais

ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)

Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode

recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas

comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de

nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)

os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia

bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como

cobras)

Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como

classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos

olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam

classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas

tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)

76

Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo

como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias

rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as

agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos

ou do que para noacutes seriam paacutessaros)

Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as

mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em

comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um

paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute

extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna

alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como

―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios

utilizam para isso

Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do

outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso

Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de

espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi

totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer

informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de

determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada

Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de

ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser

encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)

Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como

se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais

algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles

viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos

animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada

por nosso informante

Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute

levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo

que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por

uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)

De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a

classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum

niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados

77

na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos

e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o

desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo

tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila

ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a

diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades

―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos

passado

Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque

tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente

por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-

ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar

religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar

os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa

proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas

tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos

outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos

Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo

com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a

anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas

que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos

ursos que tanto idolatrava

Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma

verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que

tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e

natildeo podem ser ignoradas

Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-

muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que

lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos

antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e

uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se

aniquilem

Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da

variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse

78

dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria

relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-

indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem

consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque

uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de

outro povo esteja ―errada

Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as

virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que

eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e

repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos

danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria

Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam

ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de

pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja

―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a

fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo

novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso

Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco

conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu

estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a

sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o

cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em

preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na

pesquisa e nada mais do que aquilo

Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como

investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos

de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que

esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo

―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos

como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e

tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos

com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das

cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo

79

Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas

juruna relativos aos animais aqui averiguados

Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria

sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente

redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da

―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em

uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e

vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses

e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre

estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que

pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a

salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo

Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida

Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide

sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que

comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa

informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem

de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca

para complementar a renda

Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma

colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs

como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos

tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens

morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem

esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer

transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa

por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa

coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com

poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo

―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica

quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente

acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que

estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras

80

[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito

unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo

Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos

mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de

bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que

desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os

salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde

depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite

que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu

as nossas vidas

Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas

histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras

histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os

estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma

histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria

Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como

as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000

pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras

histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante

falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com

um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou

pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna

difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que

somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos

nossos)

Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo

como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como

―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na

contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo

estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente

criticada por Skliar (1999)

Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada

o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se

detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias

aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer

diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de

mais campos do conhecimento

Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que

Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do

Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo

quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que

havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam

infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem

histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem

histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma

transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que

outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje

(BERTO 2013 p 31)

81

Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das

nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos

quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes

humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por

Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar

tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de

Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono

como consta abaixo

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga

O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo

quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com

eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo

espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como

entes familiares)

Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas

seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os

homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo

que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes

Jaacute a segunda gira em torno de que

[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois

eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute

necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser

representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se

oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo

exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para

os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as

fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e

amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)

Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer

que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da

categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de

posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie

tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e

alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo

82

chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que

dentro de si estaacute contido

Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e

personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de

vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do

povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute

a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de

uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)

Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos

seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como

objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a

possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados

passariam a englobar um conjunto ativo)

Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado

miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o

estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses

concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e

HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens

natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu

(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e

deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes

era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo

Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da

carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto

repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi

Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas

este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia

mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a

realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas

agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que

ficaram com os deuses era pereciacutevel

Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu

sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo

efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como

83

aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso

tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e

seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e

graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela

curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de

males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade

Mostrando mais um paralelo

[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do

que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram

apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-

guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem

comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo

do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida

capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)

Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes

nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba

sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma

desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da

cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na

condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de

doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)

De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos

tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial

Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo

muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos

pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas

as liacutenguas conhecidas

De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com

os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho

com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de

felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as

oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta

ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou

uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal

teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o

Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o

84

auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a

morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma

nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas

de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a

questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos

artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido

No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos

yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a

humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos

cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na

superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com

lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo

Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou

posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de

madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco

(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei

obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho

eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que

―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que

tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite

Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado

dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros

atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto

os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser

apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa

artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que

aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com

a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis

Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um

alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de

imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo

tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja

percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a

ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute

85

levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai

flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o

Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com

os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica

dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees

de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na

realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito

Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa

parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que

diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa

famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se

em questotildees positivas

Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a

algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)

―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma

das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e

roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar

recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer

como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma

raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de

desastres

De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna

de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os

seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)

em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos

imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam

sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute

mesmo espacial

Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de

uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova

assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre

renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como

primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso

andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram

novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam

errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso

ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto

um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara

86

tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam

sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado

Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo

verdadeiros vatildeo virar bichos

O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu

certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava

As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma

festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas

as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos

poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os

animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar

por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e

gritos

Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o

ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando

errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes

de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um

desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada

por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia

Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna

que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele

mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse

grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele

acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o

povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna

for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete

derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os

juruna que estatildeo na Terra

Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a

Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas

(FARGETTI 2017 p41-43 )

De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o

universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de

morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo

que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas

satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos

espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)

Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por

comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo

de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu

que se vecirc e que vecirc o outro

Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam

ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a

floresta

Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em

etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam

surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente

87

abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de

acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da

cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo

humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo

falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava

ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento

de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para

um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o

sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-

juruna)

Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a

partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro

momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas

que sofreram

Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese

tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico

por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num

perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se

verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro

Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo

dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os

seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)

houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a

partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees

exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois

Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula

saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria

fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede

segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se

encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO

1996 p 125-126)

Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma

manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos

entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a

pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com

paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute

88

mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+

humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de

intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute

preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do

discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem

instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar

com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira

anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso

humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta

traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de

olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu

que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um

outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do

assunto que representa a terceira

Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos

os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais

(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que

os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais

(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-

se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou

aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da

cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue

como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da

carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas

garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como

organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas

ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)

Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo

comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode

receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor

Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria

aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo

espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu

um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o

―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira

pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor

89

toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)

de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este

chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem

para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo

espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso

ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece

Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a

consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o

animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se

sabe isso deles

Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos

afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou

seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de

costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de

agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo

simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila

multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e

vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do

agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos

acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)

seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente

Como salienta Picelli (2016)

[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em

seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se

enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista

Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal

(PICELLI 2016 p 56)

Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto

corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas

adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se

metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel

empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano

o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este

mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com

90

Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro

(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados

natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que

[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que

muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores

que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e

da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra

dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas

vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires

e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu

proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as

coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o

que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o

que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa

cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)

Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli

(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo

poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees

entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre

natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado

possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria

Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas

ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando

superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o

que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico

demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio

ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas

uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais

Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um

tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso

uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de

generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento

ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada

povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando

criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute

distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo

injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um

91

desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro

(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos

pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer

um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando

menos discriminatoacuterios

Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a

teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um

antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em

que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad

hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo

Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria

dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um

item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que

para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras

acepccedilotildees

De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a

ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-

[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se

preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave

antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de

outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees

causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das

observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser

analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica

Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua

Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista

trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea

Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao

menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama

de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo

pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees

sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas

animais e natildeo humanas

Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho

com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira

agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os

92

humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo

por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente

quando estes falavam antigamente

A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da

possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores

mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de

intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e

almas humanas

Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os

bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou

ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos

tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo

dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de

nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente

em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de

sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos

chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um

tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave

proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo

morrido haacute certo tempo

Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria

um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando

os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais

Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos

Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de

Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos

pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da

(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa

do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)

sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e

estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades

Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute

O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma

distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente

humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo

93

a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com

a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou

como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes

seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda

menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros

seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a

classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-

57)

Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de

Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o

pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele

[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo

e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada

pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os

participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como

poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores

[]

Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar

sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os

que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro

natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo

Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim

recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem

distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute

diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)

Ou seja na oacutetica da referida linguista

[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas

Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo

tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos

distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu

dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml

(FARGETTI 2017 p 280-281)

Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave

teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute

completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo

dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus

sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os

demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos

aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre

natureza e cultura

Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em

relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de

como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos

94

trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que

pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e

sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a

comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)

Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de

perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e

inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias

ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as

correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do

que dar respostas dogmaacuteticas

De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees

entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a

explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da

sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a

presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores

as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas

Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar

fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que

satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste

trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo

exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante

De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa

Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees

posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de

―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas

Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -

borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais

pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um

exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome

(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de

olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de

95

pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia

entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)

A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio

de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro

de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio

Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-

caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash

aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -

subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)

Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes

de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por

meio de coacutepula

Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao

menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam

sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos

1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas

alteraccedilotildees corporais

2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um

adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas

3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um

estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa

ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)

Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo

deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas

agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e

descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)

De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um

aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no

abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente

das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios

satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e

abdome (como todos os demais insetos)

Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras

de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos

96

um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide

(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome

com um aparelho sexual externo

Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco

criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos

a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a

morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de

clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao

corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero

pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo

noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o

corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo

(coberto de cerdas)

Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e

passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo

produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de

Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe

(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula

(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do

ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo

(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do

sugador maxilar conhecido como espirotromba

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas no blog Agromais

97

Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas

membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar

ou correr

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)

Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e

geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo

originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo

na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees

Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo

a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a

temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo

com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie

de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))

Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas

de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida

de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de

neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de

formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o

mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a

garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem

mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito

das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas

e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e

anais)

Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da

venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de

Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de

98

homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo

eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de

ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a

subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na

segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e

posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5

nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a

subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que

uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou

fundida com a A2

Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com

escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas

sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de

baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos

Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute

famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de

borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta

MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido

dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e

como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na

medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis

Ipsilon

Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa

tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada

segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos

segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8

(MARTINELLI 2018)

Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de

Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes

ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas

esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de

pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos

Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a

classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao

99

nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os

animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas

filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo

criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos

ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um

espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa

uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade

para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois

tamanhos)

Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura

que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral

(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica

dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte

mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais

formando bandas transversais como esquematizado abaixo

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

100

Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas

fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de

ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa

Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie

(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os

ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles

forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea

Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos

ganchos

Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e

as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar

generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees

taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a

depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso

(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute

numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que

esta eacute seguida pela supra-espiracular

Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta

Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)

No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees

Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto

pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de

Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda

101

presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de

Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um

conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez

se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas

e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas

inseridas numa elevaccedilatildeo

Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos

Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)

Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

102

Foto 8 Lagarta com verrugas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos

das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos

e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)

Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido

como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte

dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um

cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira

Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou

amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas

lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos

(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na

areia uacutemida

E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO

(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da

parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO

(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e

manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO

(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul

metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou

estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que

alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia

evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta

gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos

saturniacutedeos e noctuiacutedeos

103

A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com

corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as

posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas

lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que

lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o

Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas

marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam

de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa

posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos

amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas

posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na

mandioca na seringueira no mamoeiro)

A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como

Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por

insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com

pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas

Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo

possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes

(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta

(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina

(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em

pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda

brasileiro)

E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange

normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a

Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior

envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a

Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras

leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)

105

4 METODOLOGIA

Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente

elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano

inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo

Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na

elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais

nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de

natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)

Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava

levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos

Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto

maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com

um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias

performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas

Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente

para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os

dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da

ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no

escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna

Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem

alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com

motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu

povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim

contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da

resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender

questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos

de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu

povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma

vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem

apenas Portuguecircs

Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute

triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas

Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura

106

Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original

fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde

atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de

mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em

questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas

como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas

as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros

povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)

Como afirma Fargetti (2017)

Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou

monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um

sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso

ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e

conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender

sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este

diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha

cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar

na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou

encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num

decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)

Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem

a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na

seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um

―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante

especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo

apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir

da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo

pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento

conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs

interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de

dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)

Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar

espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica

atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))

que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de

acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas

fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas

107

com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em

recipientes de vidro para conservaccedilatildeo

Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez

que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos

animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para

renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois

sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute

a Terra (FARGETTI 2015 p 102)

Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na

companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com

o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam

Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia

Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos

em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais

exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie

filo)

Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no

projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso

consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute

comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse

fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais

guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de

determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que

efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em

relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua

Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e

como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses

(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado

acima) este estudo focou-se nas formas adultas

Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em

borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos

―insetos

108

Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a

jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para

facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna

Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que

posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome

em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica

sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade

entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas

este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora

tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute

comentado

Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As

perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees

de entrevista anteriores

Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam

ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o

animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash

quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que

havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas

Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego

como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna

classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica

atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual

(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se

tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de

classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso

Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro

recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes

a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia

mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito

que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de

acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando

no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando

natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas

109

Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a

certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que

poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque

De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total

temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de

entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns

viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na

aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e

tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas

estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual

realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de

histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as

ouviam

Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa

da seguinte maneira

1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento

bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos

2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento

bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos

3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou

praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da

aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na

beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que

foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A

maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias

juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente

produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas

de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa

orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs

mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna

4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento

digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens

de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas

110

5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo

(jaacute fora de Tuba-Tuba)

6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas

iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico

7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por

arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)

8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o

exame de defesa

9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas

essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na

captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados

obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees

anteriores

110

5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os

juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo

natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia

cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar

que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees

alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo

em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar

em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados

coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de

entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e

nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica

restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja

nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas

Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador

juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um

trabalho especiacutefico descrito abaixo

Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante

uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash

num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de

um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute

hoje

Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de

Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item

veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente

num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar

Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram

a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje

Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque

tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado

agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a

histoacuteria ele sabia mais Xipaya

111

Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)

tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas

performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho

Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para

ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado

que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e

apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser

em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto

quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado

Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio

Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

112

Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo

informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar

a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam

estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no

verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo

ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a

frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento

que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)

Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos

terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto

Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia

atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se

atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o

espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses

eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo

atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de

infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba

morrendo

Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas

que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem

vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece

representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do

coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas

nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de

origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que

possuiacuteam em seus locais de origem

Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc

alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as

tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de

apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a

viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de

jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado

fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado

113

Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)

acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto

para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele

precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu

adoecimento ou na sua morte

Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti

(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud

SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada

o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)

apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem

fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse

animal antes que ele abra a boca

Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia

Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos

humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma

metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade

averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos

foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes

cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns

humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os

descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com

outros seres

Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash

ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar

este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma

aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu

mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)

Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o

especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no

ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua

dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses

questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam

assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de

agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas

114

humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu

habitat natural

Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa

para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como

operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute

Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em

seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para

Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que

podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de

mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um

inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos

nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa

protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo

representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar

(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que

descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e

transformando suas roupas coloridas em asas

115

Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada

De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando

estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando

estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos

Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo

relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a

caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna

receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas

nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam

ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna

Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas

fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos

desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco

Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees

pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O

primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo

bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num

etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia

indiacutegena pesquisada

Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora

por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os

postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e

qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores

como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens

lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como

evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos

obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles

comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas

Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias

poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos

como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da

categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish

(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que

respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)

116

Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar

apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros

De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com

Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas

sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a

4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta

haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que

abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores

chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e

compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo

abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado

inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-

boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs

elementos)

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)

Fonte Berto (2013 p 91)

Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos

dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao

menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente

impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto

(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p

96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou

seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo

juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles

117

Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo

depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto

―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados

afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de

kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade

bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon

animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes

de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis

criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto

Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas

Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes

do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso

informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais

ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas

As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos

de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como

kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e

contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa

porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes

Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que

parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos

Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que

―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o

que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito

tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar

A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo

menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de

modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo

do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-

nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item

que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte

De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de

duacutevida uma das direccedilotildees

118

Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e

termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha

revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a

ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as

partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor

de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas

das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila

Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente

Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila

Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila

Ixibia bunda delelsquo Parte posterior

Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa

Itaba boca delelsquo Boca

119

Iatildetaba antena delelsquo Antena

Iwa matildeo delelsquo Pata

Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar

Ipewa asa delelsquo Asa

Itxab barriga delelsquo abdocircmen

Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees

metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e

num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes

desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base

Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais

informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para

todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas

entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um

pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula

anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose

Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se

denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir

do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies

Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que

metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime

Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das

―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do

mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando

momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos

representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias

diferentes

Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a

necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um

dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees

120

Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos

mais de uma vez

A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do

espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia

bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico

e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo

taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave

classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute

apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e

duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar

planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de

seiva)

Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo

especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais

que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees

diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de

animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem

distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais

aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis

cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso

na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a

chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de

―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-

ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios

gerais da liacutengua

A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo

lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico

geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa

dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu

Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com

os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir

distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente

tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a

mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que

121

quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa

ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum

kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um

diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia

sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se

esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem

disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total

certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de

Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como

borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo

similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos

abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)

representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro

Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja

Fonte Palo Jr (2017)

De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos

sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo

lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)

exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)

como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna

Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da

pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria

contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da

forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns

122

idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em

siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)

Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra

que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com

que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave

fauna- jaacute havia mencionado tal fato

Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre

as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo

segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma

de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a

forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua

antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor

marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas

como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)

Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que

para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar

doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-

tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela

tornam-se improacuteprias para consumo humano

Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua

para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por

isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os

termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse

necessidade de apenas uma entrada nasusu

Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na

esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea

especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo

se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)

possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as

menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que

quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de

sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do

ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo

providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido

bicho

E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo

papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim

123

de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila

para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia

Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou

anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como

entradas autocircnomas

Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como

mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas

ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um

tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais

Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar

voar muito

Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem

que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da

Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as

mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase

adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a

horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais

seres aqui averiguados

Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte

comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o

animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo

do dia ou se haacute matizes disso

Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como

as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que

sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar

alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um

contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes

ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu

passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu

e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu

De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do

ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra

kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)

124

que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez

que natildeo tecircm forccedila para isso

Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de

tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto

as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo

trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as

segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo

Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma

questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute

muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e

natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa

obra terminograacutefica)

Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo

terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)

satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto

de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave

capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o

ceacuteu

Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos

de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas

nasusu1 (do ceacuteu) nasusu

2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos

sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila

aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha

2 (da terra)

Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como

se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave

macroestrutura se organiza alfabeticamente

Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes

com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito

didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras

sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre

parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza

gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo

enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com

notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a

125

qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente

compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos

Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com

substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados

Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais

adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna

126

NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista

juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito

pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-

falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a

sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de

―borboletas

Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos

eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos

dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam

para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta

Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos

diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum

Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria

estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna

127

Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute

incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave

comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas

utilizam nasusu para todos esses animais

128

KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido

de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)

relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma

alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em

alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu

Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua

Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento

proacuteximo

Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em

suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de

onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono

conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja

punido

129

NASUSU1

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno

desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode

retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a

maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu

Fonte Mateus (2017)

Fonte Arewara Juruna (2017)

Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar

a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois

sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente

sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um

tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a

embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas

que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua

funccedilatildeo

130

Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)

131

NASUSU2

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e

originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas

floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de

modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando

ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa

Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho

intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha

do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo

voando no ar

Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas

na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas

natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas

yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores

132

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas

antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo

transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que

mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute

por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna

essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se

metamorfosear num beija-flor

133

Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira

em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos

iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas

nesta seccedilatildeo

Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa

orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer

simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson

(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo

por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim

denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba

culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas

Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados

alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista

para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o

mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item

(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse

como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele

como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a

nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas

sim seres distintos com certo grau de parentesco

De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que

pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes

fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e

idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente

ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)

Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui

estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar

entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser

retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores

nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem

apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI

(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como

demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa

134

orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome

formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo

Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo

hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado

acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe

para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma

nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma

categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira

em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma

definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse

possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui

estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe

Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa

ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional

(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada

e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou

famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna

Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas

proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o

modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como

uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem

muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees

fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode

distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia

Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa

orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas

De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as

hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa

orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de

iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares

digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar

a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet

Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui

utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y

135

6 Consideraccedilotildees finais

Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos

juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que

seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia

como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo

da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-

aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica

Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos

diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico

Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade

haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais

analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em

contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja

como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de

minha liacutengua materna

Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER

2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se

queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si

mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas

entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que

psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as

convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o

super ego

Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e

de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus

instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave

infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais

envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que

aceitar que elas existem anteriormente a ele

Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam

completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser

(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar

marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam

inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em

136

determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia

dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia

que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma

sociedade de classes (idem ibidem))

Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um

ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos

aos quais somos submetidos

Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas

produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam

submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria

(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois

foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras

internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata

para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance

(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)

Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras

internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam

sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria

espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa

porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema

artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas

antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas

Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para

metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um

ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees

recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que

sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo

realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma

Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute

justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com

nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao

tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena

brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um

analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los

137

anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a

menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria

muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de

compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas

nos referidos animais

Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer

investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto

de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma

banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la

de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam

natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele

ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim

relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash

se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo

Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o

talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a

individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas

precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma

―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao

texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no

nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece

com os poetas ―imortais que o precederam

Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute

haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda

concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e

reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente

existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por

outro orientado por este uacuteltimo

Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente

―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui

mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas

dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de

outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo

muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a

138

destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de

dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos

assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando

Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros

estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo

de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse

povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao

menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima

complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros

Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com

estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE

CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os

juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes

natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos

tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso

De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram

dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os

referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral

Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo

relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais

Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto

nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de

formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista

juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do

animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo

um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)

Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco

entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados

para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as

kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de

mariposaslsquo)

Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto

aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte

forma

139

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria

Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados

redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo

desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses

protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos

simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo

dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles

Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente

natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram

como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia

por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba

Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores

140

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150

APEcircNDICES

151

Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna

Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo

juruna

1

kamaperuperu

2

Nasusu do ceacuteu

3

Nasusu do ceacuteu

152

4

Nasusu do ceacuteu

5

Nasusu do ceacuteu

6 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

153

6 b (asas

fechadas)

7

Nasusu do ceacuteu

8

Nasusu do ceacuteu

154

9

Nasusu do ceacuteu

10

Nasusu do ceacuteu

11

Nasusu do ceacuteu

155

12 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

12 b (asas

fechadas)

13 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

13 b (vista

lateral)

156

14

Nasusu do ceacuteu

15

Nasusu do ceacuteu

16 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

157

16 b (asas

abertas)

17 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

17 b (vista

lateral)

18 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

158

18 b (asas

abertas)

19

Nasusu do ceacuteu

20

Nasusu do ceacuteu

159

21

Nasusu do ceacuteu

22

Nasusu do ceacuteu

23

Nasusu do ceacuteu

160

24 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

24 b (asas

abertas)

25

Nasusu do ceacuteu

26

Nasusu do ceacuteu

161

27

yahaha da

Terra

28

Nasusu do ceacuteu

29 (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

162

29 (vista

lateral)

30

Nasusu do ceacuteu

31

yahaha da

Terra

163

32

Nasusu do ceacuteu

33

Nasusu do ceacuteu

34

Nasusu do ceacuteu

35 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

164

35 b (asa

aberta)

36 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

36 b (asa

aberta)

165

37

Nasusu do ceacuteu

38

Nasusu do ceacuteu

39

Nasusu do ceacuteu

40

Nasusu do ceacuteu

166

41

yahaha da

terra

42 a (vista

lateral)

Nasusu da

Terra

42 b (asa

aberta)

43

kamaperuperu

167

44 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

45 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

46 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu da

Terra

168

47 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

48 a

(Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

asa aberta

Nasusu do ceacuteu

48 b (Foto

de Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

vista

lateral

169

49 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

50 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

51

Nasusu do ceacuteu

170

52 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

533 (vista

lateral)

54

Nasusu do ceacuteu

171

55

Nasusu da

Terra

56

Nasusu do ceacuteu

57

Nasusu do ceacuteu

58

Nasusu do ceacuteu

172

59

Nasusu do ceacuteu

60

Nasusu do ceacuteu

61

Nasusu da

Terra

62

Nasusu do ceacuteu

63 (foto de

Cristina

Martins

Fargetti)

yahaha do ceacuteu

173

64

nasusu do ceacuteu

65

nasusu do ceacuteu

66

nasusu do ceacuteu

67

nasusu da

Terra

174

68

nasusu da

Terra

69

nasusu da

Terra

70

nasusu do ceacuteu

175

71

nasusu da

Terra

72

nasusu do ceacuteu

73

yahaha (o

informante

natildeo soube

dizer se era do

ceacuteu ou da

terra)

176

74 (foto de

Arewana

Juruna)

nasusu do ceacuteu

75

kamaperuperu

76

nasusu da

Terra

77

nasusu (o

informante

natildeo soube

dizer se era da

Terra ou do

ceacuteu)

177

78 a (visatildeo

da parte

exterior

da asa)

nasusu do ceacuteu

78 b (asas

abertas)

79

nasusu da

Terra

80

yahaha fraca

(da terra)

178

81

nasusu do ceacuteu

82

nasusu da

Terra

83

nasusu da

Terra

84

Nasusu do ceacuteu

179

85

nasusu do ceacuteu

86 a(asas

abertas)

kamaperuperu

86 b (asas

fechadas)

180

87

nasusu do ceacuteu

Page 3: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO...Zoologia e Botânica do IBILCE de Sâo José do Rio Preto), ao Prof. Dr. Nelson Papavero (a quem, aliás, devo agradecer por ter me

IAGO DAVID MATEUS

ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO

QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM

VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS

bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho

Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de

Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito

parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica

e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa

Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico

Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Bolsa Capes - DS

Data da defesaentrega 23042019

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva

Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho

Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto

Local Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciecircncias e Letras

UNESP ndash Campus de Araraquara

AGRADECIMENTOS

Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho

Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar

algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de

antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria

Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia

de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs

mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas

realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio

Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da

Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash

Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela

concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que

pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao

CNPq

Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em

contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave

pesquisa

Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash

junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa

solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por

este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me

presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um

sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar

me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos

para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as

mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees

A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que

fizeram parte da pesquisa

Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson

Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de

Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a

quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e

acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e

Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli

que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-

graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia

entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros

A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica

Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva

Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou

eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e

afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis

pelos conselhos momentos de alegria desabafos

A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr

Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova

monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha

com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave

minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra

tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me

oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar

no qual desmaiar

Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante

aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-

conhecimento

E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as

quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia

Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me

fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a

Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja

menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)

devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui

tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os

ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo

[]

Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual

Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu

Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu

Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)

RESUMO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de

mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees

terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente

porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos

miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por

noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses

―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar

estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de

Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)

Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade

entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na

Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como

Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-

tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico

cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses

espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar

neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba

(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente

programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que

foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna

(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-

las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade

com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees

enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e

revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online

Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas

REacuteSUMEacute

Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet

de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des

contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons

Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles

linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui

concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure

maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue

JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave

leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de

Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de

ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous

basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches

dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle

de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-

culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans

les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre

consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les

modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80

dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne

nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes

momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen

dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents

photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les

histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions

encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront

deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba

ou lors de reacuteunions en ligne

Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo

ocidental

139

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28

Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28

Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29

Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101

Foto 8 Lagarta com verrugas 102

Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-

onccedila

118

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras

TCT Teoria Comunicativa da Terminologia

TE Terminologia Etnograacutefica

TGT Teoria Geral da Terminologia

Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Sumaacuterio

1Introduccedilatildeo 14

2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas

autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18

22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de

liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua

relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24

24 Sobre os juruna 25

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30

26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31

3 Aporte teoacuterico 39

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo

empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por

dada comunidade 39

31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o

leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65

321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

67

3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74

3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o

enxerga 81

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94

4 Metodologia 105

5 Resultados e Discussatildeo 110

6 Consideraccedilotildees finais 135

Referecircncias 140

Bibliografia 147

Apecircndices 150

Apecircndice A 151

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas

durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para

contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos

objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos

saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como

borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar

A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as

lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo

geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam

em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de

maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo

dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos

autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees

ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de

seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o

que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs

Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo

que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por

nossa orientadora

Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no

levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados

formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes

na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato

Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os

quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos

para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da

Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas

brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os

conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia

Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este

conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem

15

sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-

indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)

discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas

juruna poderiam ser lematizadas

Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura

desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo

embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2

Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia

de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo

para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)

Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos

pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre

avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas

brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees

diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim

falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os

singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma

Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na

aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff

e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes

da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o

estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais

signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos

―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato

com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava

Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem

antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo

aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias

saussurianas apenas em partes

Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das

mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo

norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua

16

diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de

uma obra lexicograacutefica)

Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)

sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos

tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias

atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e

Lima (1996)

Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as

etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a

epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais

Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas

utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as

nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais

aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como

demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4

18

2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS

QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS

Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver

precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando

sua relevacircncia

Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de

justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e

documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as

indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os

insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros

Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo

muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo

passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada

inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como

mero fornecedor de informaccedilotildees

Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio

na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos

falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle

Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam

uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees

indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes

fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral

costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele

ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes

como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um

personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado

―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo

omitidas

Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando

Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das

19

variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou

classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como

se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)

Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que

Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos

desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo

escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados

a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por

preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista

desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo

(MOSCARDINI 2011 p 7)

Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que

se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees

pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos

cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas

linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais

por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-

indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de

Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e

obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter

negativamente ―diaboacutelico

Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com

relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico

―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses

se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o

referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma

―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o

―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade

Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que

Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi

exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem

do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na

psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria

do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em

gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave

marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se

como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se

deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a

20

partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua

sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um

passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel

ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem

primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam

muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se

atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)

Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute

patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito

anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica

de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento

segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam

nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de

antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como

uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel

―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu

problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente

atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior

Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute

comentavam que

A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a

reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais

satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila

nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal

nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade

(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)

Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e

infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem

o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de

uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em

aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998

p 18)

21

2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas

indiacutegenas brasileiras

De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios

como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na

subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo

desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na

deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os

idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com

respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos

palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas

Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a

descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso

no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de

campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas

alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal

projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo

Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos

lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de

Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que

contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo

metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo

aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos

Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)

Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes

Vaneti Mateus e Fargetti (2018)

A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma

documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo

semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os

resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a

consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas

Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens

22

juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que

foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel

Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de

cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as

informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)

Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e

comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para

aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora

concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos

cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves

encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre

os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de

partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados

por um ou mais radicais (BERTO 2013)

Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo

participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico

juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou

com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e

equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees

morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas

Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais

recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o

desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por

vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas

buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco

musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas

iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de

pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias

Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por

Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras

(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos

yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-

gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo

semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios

23

lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras

se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas

sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade

linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou

demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas

aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete

Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia

de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas

indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia

utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)

pretendia

[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees

possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os

lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de

determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017

p 5)

Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram

lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos

musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)

Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens

os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia

Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os

nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias

colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento

ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e

chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na

verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o

equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos

itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso

o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia

anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente

haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e

descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte

Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as

realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e

24

exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma

dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a

outras realizaccedilotildees possiacuteveis

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-

cientiacutefica para as comunidades estudadas

Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)

ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013

p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a

necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas

que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti

(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando

a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)

Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a

importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que

concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem

humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem

confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades

indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de

materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de

elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as

etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a

preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-

culturais dessas populaccedilotildees

Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o

estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire

relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate

de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos

objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos

pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico

das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas

realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser

documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado

25

inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido

aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica

pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca

de contato Como salienta Peixotto (2013)

Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm

51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo

Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato

Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e

atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais

novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o

Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de

27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas

representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti

Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro

Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng

(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)

tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A

aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o

uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando

do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque

(PEIXOTTO 2013 p 9-10)

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu

Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor

conheccedila tal povo

24 Sobre os juruna

Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60

hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no

Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem

ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca

26

de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena

Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda

Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a

liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e

manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam

eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que

A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []

encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no

extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados

por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou

escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa

migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos

indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros

Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e

Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX

devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio

Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando

entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave

foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma

regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu

Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna

tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano

depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a

fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para

a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os

juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute

aldeia fixando-se todos em Tubatuba []

A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas

moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da

antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)

Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna

tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute

27

fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom

alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais

Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-

fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e

dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (

e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e

) e cinco nasais ( e ))

Como afirma Berto (2013)

De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma

liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico

C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a

esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um

radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os

constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto

verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de

reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)

Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe

da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o

excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave

formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)

vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz

questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo

Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos

e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar

o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com

resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de

vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute

que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a

mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares

Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida

fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas

corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros

povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)

Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as

mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques

zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham

28

banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados

pelos membros femininos das aldeias

No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como

ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas

[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de

farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba

que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado

quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia

permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Foto 4 casa em construccedilatildeo

Fonte Mateus (2017)

29

Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como

comenta Peixotto (2013)

O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira

como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos

brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma

depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos

macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais

satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados

caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua

(PEIXOTTO 2013 p 22)

Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para

que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []

que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios

muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)

Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como

confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que

proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela

comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a

autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em

FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria

embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os

distinguia uma tatuagem

[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha

vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a

partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no

queixo (FARGETTI 2017 p 25)

Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -

continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo

quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de

assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas

30

Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e

tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um

dicionaacuterio da liacutengua juruna

Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa

orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar

os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores

envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos

terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa

em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna

sobre os ―insetos como comentado abaixo

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos

No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam

Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de

animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes

ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo

do conhecimento da biodiversidade do planeta

Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas

uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e

tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos

de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela

chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas

superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas

formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de

plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo

Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de

algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de

servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a

algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e

alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo

dos solos

Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar

natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de

31

insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000

espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como

tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como

um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao

homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas

a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves

escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com

formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas

que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes

Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros

pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de

gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem

disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de

outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou

somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)

2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico

Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia

terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a

globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-

tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados

internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas

de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade

(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que

[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na

Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas

quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em

alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)

Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo

uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as

referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades

leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que

passariam a adquirir novos valores especializados

32

Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o

leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki

(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos

embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista

descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na

verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem

descriccedilotildees realmente cientiacuteficas

Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear

qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como

―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades

miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste

texto)

Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que

[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o

conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos

fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel

analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias

(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico

morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash

por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza

na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute

relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos

nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)

Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave

cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira

Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO

2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do

universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees

puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos

praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os

resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura

material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para

geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um

ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas

variadas disciplinas de coleacutegios)

Nas palavras de Abbade (2006)

Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter

falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e

33

socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A

linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas

palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um

povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo

que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes

haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de

um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de

pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e

necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e

linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do

leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo

Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada

um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles

caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute

consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do

leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos

morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p

716)

Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas

―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico

que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem

sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos

lexicoacutegrafos deveria ser

[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico

[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a

consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras

adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio

natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto

de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma

abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da

comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []

O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o

conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em

unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que

nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a

outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber

que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus

usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de

vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se

aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos

dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)

Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos

(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos

cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees

crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute

mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo

mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade

―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco

34

natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim

denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem

desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que

ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a

indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um

ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma

mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma

valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de

parceiras afetivas

Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar

que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que

portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o

cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues

marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com

uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute

porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos

menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do

conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito

Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos

(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios

monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-

Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras

de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua

(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria

apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua

comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras

A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir

uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir

uma competecircncia gramatical oacutetima

Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua

vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar

adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem

quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que

elas regem

Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem

um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo

eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas

palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem

35

todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou

nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida

ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de

empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por

outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim

certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-

DEBOVE 1984 p 57-58)

Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como

comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes

de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as

variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto

opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive

vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas

Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que

natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos

(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)

Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais

pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade

juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou

um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se

poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de

opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a

questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da

lexicologia e da terminologia

Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos

etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles

natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs

ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute

de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada

espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento

ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode

ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse

sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas

especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute

distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando

antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])

36

Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite

dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em

que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua

Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes

de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um

conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo

cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de

nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo

realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio

Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna

De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como

vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem

se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante

do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e

indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em

juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para

responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer

que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a

comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos

De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de

borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por

toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada

terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas

De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o

leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees

culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos

com Biderman (1998) quando ela afirma que

[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes

dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse

universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o

leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da

linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)

Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as

seccedilotildees seguintes

37

Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as

borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que

pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do

Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais

desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como

―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)

poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue

Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e

ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar

somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras

listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente

potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson

(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave

perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-

converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares

equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador

traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e

semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse

uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da

versatildeo grega

Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as

limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma

anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema

em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes

(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no

sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos

limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar

mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como

borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo

haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo

adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute

apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee

diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo

38

Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs

como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que

para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem

Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que

justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados

39

3 APORTE TEOacuteRICO

Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas

abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos

citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela

comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder

criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos

de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os

idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)

Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas

aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos

mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas

de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na

―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na

Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico

ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade

Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas

dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto

Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo

anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e

os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos

Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue

figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)

tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades

grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio

real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os

temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam

ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para

existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de

figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa

sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e

40

ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem

varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto

de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois

que perde o marido

Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud

SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De

acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo

extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade

sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no

segundo e siacutembolos no terceiro

Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a

primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato

quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a

reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo

qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam

para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria

jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz

iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo

em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo

se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa

num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque

houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado

A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada

teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma

sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos

alunos

Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que

Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo

que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como

plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a

realidade

Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto

dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as

formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua

convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com

outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se

comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN

1998 p 73)

41

Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as

consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato

histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do

possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe

status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)

Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos

para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de

formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros

satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma

fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que

existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor

citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na

liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show

(ALVES 1990)

Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo

apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as

liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido

apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos

Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e

representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em

seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se

descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum

sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash

resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada

por um nuacutecleo social na medida em que

[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute

que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre

genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com

sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um

signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos

elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a

por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no

sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa

relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos

como dormir (MATEUS 2017 p 51)

42

Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo

cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo

Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo

universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto

retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias

(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja

os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o

mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos

ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS

COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam

de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma

abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo

muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)

No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias

espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para

agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em

seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos

deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU

2010 MATEUS 2017)

Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que

tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes

sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um

lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante

nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo

que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo

de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas

entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos

que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise

Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes

mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de

sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes

soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes

acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta

uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado

43

Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico

Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo

se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e

caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos

Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar

natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo

enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se

mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)

pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico

e metafiacutesico

[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento

material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto

―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como

um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que

dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash

quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana

(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito

como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de

compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A

harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma

harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um

caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais

similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que

privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de

tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)

Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a

verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais

estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas

sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e

que se oferece para ser decifrado e interpretado

Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um

fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a

origem desse mundo

Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de

todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente

multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por

exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)

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Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a

palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo

tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas

Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem

ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma

dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a

multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade

(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)

O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a

―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das

constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma

―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta

(CHAUI 2002 p 82)

As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais

tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a

novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais

utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia

De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista

que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire

existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa

nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo

entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que

se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por

Saussure

Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que

faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou

ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue

desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos

demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por

exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o

loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim

que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa

que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que

45

[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em

quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que

nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas

lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz

racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada

medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora

uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de

quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de

quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as

coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre

justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta

se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)

De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e

delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece

apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior

quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas

vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na

qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque

agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo

como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que

natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso

Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente

diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A

anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero

Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute

caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que

aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de

nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees

morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas

satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas

os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como

estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo

como insetos mas sim como aracniacutedeos

Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela

comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor

linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos

afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O

que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo

46

em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma

importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista

que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo

relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo

sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois

primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um

conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um

animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem

conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de

significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o

mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais

possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica

[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico

quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se

verifica)

Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos

para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de

argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em

que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma

subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a

instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu

que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer

adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como

cachorro ao qual se opotildee distintivamente

Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas

pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos

compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute

problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo

analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica

normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam

elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que

chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal

Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos

periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas

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Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de

Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e

Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo

linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a

existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si

perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar

isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica

que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e

encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma

posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos

parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas

Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a

novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os

dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para

(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando

rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo

Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das

outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto

natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam

figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo

assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como

―Joatildeo chegou mas Maria saiu)

Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de

construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual

semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta

oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar

desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como

―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute

sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela

escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel

abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que

seria [+dependente] e [-encaixada] na principal

E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade

satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas

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subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de

ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-

o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma

principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que

natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum

complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das

completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que

eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz

(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]

uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido

ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo

querer

Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas

aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo

complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo

nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas

de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e

isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos

agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as

explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer

(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito

(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista

Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais

subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo

geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo

provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o

falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho

de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que

minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria

em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa

agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma

generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente

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dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo

Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a

noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo

especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que

homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente

recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido

Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas

de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento

fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo

fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as

intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os

fazer decorar esses roacutetulos)

Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com

a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma

Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela

presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar

que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de

propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa

uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado

Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva

equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu

―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre

um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a

natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade

a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma

Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do

conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de

significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades

De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que

quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada

natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer

―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus

irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles

seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam

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acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos

que eu possuo

Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status

ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-

330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal

Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute

sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a

afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o

fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que

Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear

constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as

supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa

(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo

dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos

distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute

pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto

linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva

explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo

sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser

inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional

acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer

dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p

328-330)

Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a

restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo

quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo

de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava

ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava

em Osasco

Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que

inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam

configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade

material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que

fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma

construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia

bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela

regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos

comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas

51

pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo

anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de

termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo

Como salienta Rey-Debove (1984)

[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees

constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito

da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta

sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra

uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos

linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das

palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da

dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente

aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma

palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente

combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo

construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais

traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe

concebida do mesmo modo

Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal

marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode

(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir

indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que

poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma

classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos

Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo

as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais

domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau

geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente

dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte

boa)

Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo

adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter

importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica

natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se

tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo

excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)

Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens

linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses

conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema

linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias

Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana

(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)

Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o

conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas

como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto

adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma

52

ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para

mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem

Pode-se dizer portanto que

A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das

classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para

estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a

dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais

para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p

141)

Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo

por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo

Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por

adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua

indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer

reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis

A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se

distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo

semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna

ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em

classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de

diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon

(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de

adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um

criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto

contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao

juruna

Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees

em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo

genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para

funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um

predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de

verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem

nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a

intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo

do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)

53

Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por

Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos

estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento

Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a

despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente

pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute

satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute

a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)

tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do

mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a

accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como

bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)

―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo

estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento

subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro

paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-

pessoais

Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo

entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma

que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar

nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que

ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e

WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se

adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas

formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira

hipoacutetese enquanto outros mais da segunda

Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria

possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o

pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a

ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito

mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o

Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que

determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades

culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o

54

povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas

morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem

Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que

[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo

haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a

cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como

devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-

cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual

fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)

3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica

De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois

uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de

forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras

Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi

comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)

Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos

costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam

sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da

mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por

exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees

dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da

mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em

virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs

Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar

sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos

Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio

leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel

que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de

opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico

ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que

conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e

descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados

Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na

medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em

55

virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado

com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de

elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de

elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar

durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos

gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)

No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees

relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais

deveriam constar num verbete Nas palavras da autora

[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua

concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo

isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -

agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de

conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os

dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo

lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)

estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata

dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o

elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa

gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso

seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash

meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum

possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)

Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se

rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e

que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)

Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo

normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas

para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa

integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de

unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos

constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)

Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)

postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos

linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e

os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda

leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute

porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico

56

passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de

referenciaccedilatildeo)

Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como

substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte

enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos

traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no

segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)

Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e

portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as

preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase

em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras

Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc

todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para

elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga

semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a

que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos

Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma

periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees

menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais

―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo

(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)

Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer

sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse

sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo

aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente

nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa

subseccedilatildeo agrave parte

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos

de definiccedilatildeo

De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua

sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os

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sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que

pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)

Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala

em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a

entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse

traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por

distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica

em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a

perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final

no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no

original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente

Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total

equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia

em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas

religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser

―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e

metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois

extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira

delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo

―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria

equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois

ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na

liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como

ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou

bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor

beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que

propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque

isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas

as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao

nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena

Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure

(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade

psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um

significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria

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Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que

postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos

se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo

extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao

significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material

empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como

demonstrado a seguir

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico

Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado

Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa

univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com

os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma

significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em

todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja

vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns

autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo

com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um

conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma

expressatildeo

Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a

relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a

que ela se refere acaba se questionando

59

- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa

maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que

nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a

mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples

porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos

contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou

pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha

em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar

que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais

poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no

periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o

peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em

arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas

ou salamys (ABBADE 2006 718-719)

Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos

mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa

(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia

como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma

Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e

Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia

(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa

por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os

itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos

seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou

pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta

(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a

polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre

si

Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de

explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes

chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas

A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem

relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra

lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do

leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo

verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas

como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica

e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que

ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos

60

e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado

campo de significaccedilatildeo)

Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)

compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se

escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto

chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de

possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)

seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se

concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva

de um lexema)

E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato

do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos

seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a

tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados

com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa

uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas

O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas

lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar

tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais

de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas

natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos

idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas

em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem

relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que

[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente

lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema

Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a

explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio

traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse

lema principal (MATEUS 2017 P 40)

Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e

especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros

individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se

dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter

(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter

61

(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos

lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)

como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada

formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a

microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado

internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave

definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical

imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento

ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo

que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos

com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio

estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10

veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as

borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo

Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde

o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau

certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete

―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a

euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um

direcionamento

Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada

informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar

muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro

se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem

transparente qual acepccedilatildeo eacute esta

Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser

aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo

redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o

usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua

liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um

grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja

liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a

informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste

segundo caso

62

Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues

tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se

utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos

Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados

definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a

definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira

seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de

modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias

informaccedilotildees sobre determinado item

Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional

(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo

(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido

(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)

particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)

Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas

difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos

Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas

uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que

vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a

opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu

vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em

terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de

definiccedilotildees terminoloacutegicas que

[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e

dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por

exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do

paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU

2009 p 57)

Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que

haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um

lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem

como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo

Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de

definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as

―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de

63

veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento

morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de

―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o

caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)

Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes

ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um

conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre

as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum

elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele

que natildeo estaacute casadolsquo)

Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a

definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos

como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes

como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a

numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como

aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com

outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material

possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu

limpolsquo)

Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem

do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais

histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do

lema)

Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute

ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam

ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)

[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave

complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para

diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como

simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []

diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve

dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos

significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia

hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo

extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte

miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio

proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se

quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica

64

deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal

chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)

Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior

pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de

Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais

do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica

Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter

de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de

―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante

do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as

informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda

nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte

efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo

Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo

objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente

a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que

para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de

girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como

angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol

normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo

traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como

um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa

talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar

na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)

Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem

existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas

(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem

a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba

definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e

de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de

termos linguiacutesticos como morfema paradigma)

65

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia

Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a

metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da

capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de

agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e

acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso

acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e

natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a

ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-

histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso

com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos

eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-

infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo

hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e

descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos

sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo

enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica

possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por

Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica

O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre

momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de

refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo

foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras

palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas

etnocecircntricas que precisam ser superadas

Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees

e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem

caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o

―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX

teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido

na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio

mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo

Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees

cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu

66

contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos

como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser

diferenccedila

Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos

trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores

quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem

ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar

despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o

mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma

pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo

estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de

investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na

descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas

―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o

mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que

aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras

Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves

descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma

comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas

das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e

Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como

apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista

um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de

um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre

elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro

Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois

haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que

focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer

deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo

muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus

(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para

as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a

comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos

cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que

67

maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou

ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela

nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser

―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes

compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que

plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento

Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e

metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em

profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no

sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em

relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os

informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o

―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de

algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista

na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo

Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram

pensados

3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da

pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo

das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada

Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer

que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em

torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de

especialidade de outro

Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas

dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida

como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise

criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva

de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do

conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia

68

(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas

eou digitais)

Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do

que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra

sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das

afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)

[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva

diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como

tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia

regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees

possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma

perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa

dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos

que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado

restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando

com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais

no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e

sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto

especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico

com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a

palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)

E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que

estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes

explicitando em qual deles nos alocamos

Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as

vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste

trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da

Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por

traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e

afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge

Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua

dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos

Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos

estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei

Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de

facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o

estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em

definiccedilotildees

69

Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que

seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira

diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes

(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos

transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e

elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia

ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de

variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos

quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum

Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com

destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos

satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua

profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no

sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na

relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos

Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada

―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster

Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em

qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado

ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das

ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem

a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de

outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo

participariam

Em outros termos

A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva

Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo

ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se

pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia

e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis

Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes

para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo

do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-

se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou

seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas

Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute

os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um

acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um

conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos

aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era

70

portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade

Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se

e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas

diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava

aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se

fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava

isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)

Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo

pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-

especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue

doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de

acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que

etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-

todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para

esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo

especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com

outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)

Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e

normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo

pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para

nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente

por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado

do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como

quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos

especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o

sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando

Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o

tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo

homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica

Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico

[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave

comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os

defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja

para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do

termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um

conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada

povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes

realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)

71

Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a

Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas

anteriormente

Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves

consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os

significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente

(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no

uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos

linguiacutesticos)

Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais

especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou

[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das

unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no

acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados

construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes

das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas

envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)

Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)

que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais

relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-

Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a

cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos

(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos

saberes

Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por

Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)

itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo

assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica

Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal

pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos

vaacuterios povos humanos

De qualquer modo vale ressaltar que

[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades

terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee

agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a

prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se

que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos

72

universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute

2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a

Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo

agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas

naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma

liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades

terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das

palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma

liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo

terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO

DE OLIVERIA 2011 p 311)

Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo

de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um

uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos

linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou

como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um

mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu

significado

Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na

medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo

apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam

parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que

ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro

eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o

explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo

consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a

Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo

De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)

apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas

minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos

de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo

terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna

especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a

autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja

em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre

um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja

indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI

2018)

73

Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em

Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois

Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a

autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-

cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora

questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em

―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade

entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas

nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo

profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis

outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a

pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas

―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela

denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria

Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo

alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da

Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia

constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua

geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos

em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em

propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees

culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute

sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)

Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de

borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria

Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo

conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos

Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se

baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes

ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees

culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as

nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam

contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras

Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende

render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs

que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-

se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por

meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de

especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura

material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e

natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados

alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)

74

endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e

praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade

3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas

Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees

tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que

nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes

denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por

linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo

de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo

de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove

insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu

(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o

meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e

atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e

sentido (ABREU 2010 p 27)

Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora

pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar

conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso

estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno

Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos

mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados

Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da

metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente

descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e

por que Afinal

[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades

em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os

caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o

pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)

Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de

domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na

interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos

constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como

75

―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute

grande

Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar

construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer

da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria

alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de

uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na

seccedilatildeo seguinte

323 A relevacircncia da etnoentomologia

Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de

minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em

consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como

etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e

utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da

Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e

praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas

com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey

(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo

especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)

―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais

ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)

Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode

recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas

comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de

nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)

os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia

bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como

cobras)

Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como

classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos

olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam

classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas

tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)

76

Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo

como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias

rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as

agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos

ou do que para noacutes seriam paacutessaros)

Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as

mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em

comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um

paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute

extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna

alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como

―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios

utilizam para isso

Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do

outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso

Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de

espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi

totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer

informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de

determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada

Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de

ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser

encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)

Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como

se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais

algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles

viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos

animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada

por nosso informante

Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute

levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo

que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por

uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)

De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a

classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum

niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados

77

na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos

e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o

desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo

tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila

ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a

diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades

―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos

passado

Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque

tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente

por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-

ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar

religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar

os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa

proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas

tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos

outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos

Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo

com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a

anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas

que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos

ursos que tanto idolatrava

Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma

verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que

tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e

natildeo podem ser ignoradas

Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-

muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que

lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos

antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e

uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se

aniquilem

Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da

variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse

78

dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria

relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-

indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem

consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque

uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de

outro povo esteja ―errada

Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as

virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que

eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e

repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos

danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria

Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam

ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de

pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja

―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a

fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo

novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso

Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco

conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu

estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a

sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o

cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em

preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na

pesquisa e nada mais do que aquilo

Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como

investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos

de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que

esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo

―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos

como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e

tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos

com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das

cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo

79

Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas

juruna relativos aos animais aqui averiguados

Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria

sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente

redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da

―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em

uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e

vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses

e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre

estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que

pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a

salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo

Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida

Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide

sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que

comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa

informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem

de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca

para complementar a renda

Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma

colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs

como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos

tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens

morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem

esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer

transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa

por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa

coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com

poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo

―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica

quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente

acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que

estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras

80

[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito

unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo

Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos

mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de

bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que

desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os

salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde

depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite

que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu

as nossas vidas

Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas

histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras

histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os

estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma

histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria

Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como

as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000

pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras

histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante

falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com

um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou

pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna

difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que

somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos

nossos)

Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo

como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como

―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na

contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo

estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente

criticada por Skliar (1999)

Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada

o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se

detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias

aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer

diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de

mais campos do conhecimento

Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que

Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do

Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo

quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que

havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam

infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem

histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem

histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma

transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que

outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje

(BERTO 2013 p 31)

81

Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das

nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos

quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes

humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por

Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar

tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de

Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono

como consta abaixo

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga

O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo

quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com

eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo

espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como

entes familiares)

Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas

seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os

homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo

que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes

Jaacute a segunda gira em torno de que

[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois

eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute

necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser

representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se

oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo

exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para

os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as

fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e

amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)

Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer

que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da

categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de

posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie

tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e

alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo

82

chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que

dentro de si estaacute contido

Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e

personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de

vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do

povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute

a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de

uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)

Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos

seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como

objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a

possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados

passariam a englobar um conjunto ativo)

Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado

miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o

estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses

concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e

HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens

natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu

(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e

deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes

era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo

Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da

carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto

repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi

Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas

este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia

mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a

realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas

agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que

ficaram com os deuses era pereciacutevel

Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu

sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo

efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como

83

aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso

tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e

seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e

graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela

curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de

males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade

Mostrando mais um paralelo

[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do

que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram

apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-

guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem

comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo

do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida

capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)

Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes

nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba

sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma

desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da

cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na

condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de

doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)

De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos

tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial

Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo

muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos

pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas

as liacutenguas conhecidas

De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com

os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho

com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de

felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as

oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta

ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou

uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal

teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o

Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o

84

auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a

morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma

nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas

de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a

questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos

artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido

No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos

yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a

humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos

cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na

superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com

lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo

Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou

posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de

madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco

(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei

obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho

eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que

―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que

tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite

Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado

dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros

atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto

os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser

apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa

artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que

aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com

a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis

Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um

alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de

imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo

tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja

percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a

ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute

85

levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai

flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o

Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com

os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica

dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees

de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na

realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito

Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa

parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que

diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa

famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se

em questotildees positivas

Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a

algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)

―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma

das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e

roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar

recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer

como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma

raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de

desastres

De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna

de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os

seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)

em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos

imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam

sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute

mesmo espacial

Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de

uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova

assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre

renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como

primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso

andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram

novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam

errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso

ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto

um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara

86

tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam

sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado

Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo

verdadeiros vatildeo virar bichos

O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu

certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava

As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma

festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas

as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos

poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os

animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar

por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e

gritos

Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o

ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando

errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes

de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um

desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada

por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia

Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna

que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele

mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse

grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele

acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o

povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna

for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete

derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os

juruna que estatildeo na Terra

Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a

Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas

(FARGETTI 2017 p41-43 )

De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o

universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de

morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo

que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas

satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos

espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)

Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por

comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo

de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu

que se vecirc e que vecirc o outro

Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam

ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a

floresta

Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em

etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam

surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente

87

abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de

acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da

cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo

humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo

falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava

ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento

de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para

um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o

sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-

juruna)

Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a

partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro

momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas

que sofreram

Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese

tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico

por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num

perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se

verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro

Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo

dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os

seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)

houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a

partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees

exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois

Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula

saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria

fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede

segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se

encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO

1996 p 125-126)

Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma

manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos

entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a

pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com

paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute

88

mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+

humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de

intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute

preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do

discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem

instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar

com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira

anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso

humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta

traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de

olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu

que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um

outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do

assunto que representa a terceira

Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos

os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais

(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que

os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais

(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-

se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou

aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da

cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue

como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da

carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas

garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como

organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas

ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)

Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo

comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode

receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor

Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria

aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo

espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu

um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o

―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira

pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor

89

toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)

de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este

chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem

para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo

espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso

ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece

Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a

consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o

animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se

sabe isso deles

Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos

afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou

seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de

costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de

agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo

simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila

multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e

vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do

agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos

acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)

seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente

Como salienta Picelli (2016)

[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em

seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se

enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista

Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal

(PICELLI 2016 p 56)

Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto

corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas

adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se

metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel

empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano

o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este

mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com

90

Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro

(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados

natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que

[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que

muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores

que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e

da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra

dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas

vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires

e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu

proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as

coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o

que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o

que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa

cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)

Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli

(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo

poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees

entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre

natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado

possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria

Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas

ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando

superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o

que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico

demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio

ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas

uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais

Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um

tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso

uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de

generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento

ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada

povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando

criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute

distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo

injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um

91

desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro

(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos

pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer

um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando

menos discriminatoacuterios

Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a

teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um

antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em

que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad

hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo

Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria

dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um

item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que

para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras

acepccedilotildees

De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a

ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-

[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se

preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave

antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de

outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees

causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das

observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser

analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica

Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua

Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista

trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea

Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao

menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama

de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo

pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees

sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas

animais e natildeo humanas

Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho

com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira

agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os

92

humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo

por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente

quando estes falavam antigamente

A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da

possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores

mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de

intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e

almas humanas

Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os

bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou

ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos

tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo

dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de

nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente

em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de

sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos

chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um

tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave

proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo

morrido haacute certo tempo

Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria

um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando

os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais

Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos

Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de

Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos

pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da

(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa

do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)

sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e

estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades

Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute

O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma

distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente

humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo

93

a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com

a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou

como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes

seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda

menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros

seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a

classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-

57)

Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de

Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o

pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele

[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo

e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada

pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os

participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como

poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores

[]

Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar

sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os

que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro

natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo

Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim

recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem

distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute

diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)

Ou seja na oacutetica da referida linguista

[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas

Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo

tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos

distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu

dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml

(FARGETTI 2017 p 280-281)

Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave

teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute

completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo

dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus

sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os

demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos

aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre

natureza e cultura

Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em

relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de

como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos

94

trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que

pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e

sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a

comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)

Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de

perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e

inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias

ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as

correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do

que dar respostas dogmaacuteticas

De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees

entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a

explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da

sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a

presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores

as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas

Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar

fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que

satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste

trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo

exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante

De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa

Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees

posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de

―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas

Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -

borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais

pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um

exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome

(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de

olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de

95

pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia

entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)

A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio

de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro

de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio

Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-

caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash

aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -

subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)

Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes

de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por

meio de coacutepula

Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao

menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam

sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos

1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas

alteraccedilotildees corporais

2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um

adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas

3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um

estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa

ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)

Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo

deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas

agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e

descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)

De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um

aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no

abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente

das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios

satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e

abdome (como todos os demais insetos)

Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras

de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos

96

um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide

(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome

com um aparelho sexual externo

Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco

criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos

a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a

morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de

clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao

corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero

pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo

noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o

corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo

(coberto de cerdas)

Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e

passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo

produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de

Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe

(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula

(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do

ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo

(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do

sugador maxilar conhecido como espirotromba

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas no blog Agromais

97

Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas

membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar

ou correr

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)

Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e

geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo

originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo

na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees

Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo

a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a

temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo

com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie

de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))

Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas

de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida

de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de

neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de

formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o

mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a

garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem

mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito

das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas

e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e

anais)

Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da

venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de

Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de

98

homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo

eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de

ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a

subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na

segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e

posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5

nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a

subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que

uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou

fundida com a A2

Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com

escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas

sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de

baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos

Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute

famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de

borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta

MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido

dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e

como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na

medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis

Ipsilon

Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa

tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada

segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos

segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8

(MARTINELLI 2018)

Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de

Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes

ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas

esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de

pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos

Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a

classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao

99

nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os

animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas

filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo

criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos

ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um

espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa

uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade

para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois

tamanhos)

Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura

que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral

(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica

dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte

mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais

formando bandas transversais como esquematizado abaixo

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

100

Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas

fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de

ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa

Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie

(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os

ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles

forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea

Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos

ganchos

Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e

as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar

generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees

taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a

depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso

(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute

numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que

esta eacute seguida pela supra-espiracular

Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta

Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)

No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees

Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto

pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de

Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda

101

presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de

Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um

conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez

se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas

e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas

inseridas numa elevaccedilatildeo

Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos

Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)

Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

102

Foto 8 Lagarta com verrugas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos

das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos

e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)

Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido

como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte

dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um

cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira

Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou

amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas

lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos

(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na

areia uacutemida

E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO

(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da

parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO

(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e

manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO

(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul

metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou

estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que

alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia

evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta

gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos

saturniacutedeos e noctuiacutedeos

103

A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com

corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as

posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas

lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que

lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o

Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas

marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam

de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa

posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos

amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas

posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na

mandioca na seringueira no mamoeiro)

A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como

Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por

insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com

pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas

Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo

possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes

(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta

(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina

(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em

pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda

brasileiro)

E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange

normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a

Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior

envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a

Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras

leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)

105

4 METODOLOGIA

Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente

elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano

inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo

Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na

elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais

nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de

natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)

Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava

levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos

Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto

maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com

um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias

performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas

Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente

para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os

dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da

ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no

escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna

Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem

alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com

motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu

povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim

contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da

resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender

questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos

de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu

povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma

vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem

apenas Portuguecircs

Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute

triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas

Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura

106

Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original

fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde

atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de

mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em

questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas

como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas

as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros

povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)

Como afirma Fargetti (2017)

Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou

monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um

sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso

ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e

conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender

sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este

diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha

cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar

na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou

encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num

decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)

Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem

a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na

seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um

―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante

especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo

apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir

da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo

pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento

conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs

interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de

dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)

Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar

espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica

atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))

que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de

acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas

fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas

107

com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em

recipientes de vidro para conservaccedilatildeo

Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez

que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos

animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para

renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois

sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute

a Terra (FARGETTI 2015 p 102)

Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na

companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com

o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam

Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia

Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos

em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais

exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie

filo)

Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no

projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso

consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute

comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse

fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais

guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de

determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que

efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em

relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua

Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e

como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses

(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado

acima) este estudo focou-se nas formas adultas

Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em

borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos

―insetos

108

Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a

jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para

facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna

Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que

posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome

em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica

sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade

entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas

este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora

tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute

comentado

Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As

perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees

de entrevista anteriores

Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam

ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o

animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash

quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que

havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas

Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego

como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna

classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica

atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual

(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se

tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de

classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso

Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro

recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes

a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia

mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito

que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de

acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando

no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando

natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas

109

Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a

certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que

poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque

De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total

temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de

entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns

viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na

aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e

tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas

estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual

realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de

histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as

ouviam

Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa

da seguinte maneira

1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento

bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos

2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento

bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos

3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou

praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da

aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na

beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que

foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A

maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias

juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente

produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas

de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa

orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs

mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna

4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento

digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens

de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas

110

5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo

(jaacute fora de Tuba-Tuba)

6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas

iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico

7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por

arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)

8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o

exame de defesa

9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas

essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na

captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados

obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees

anteriores

110

5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os

juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo

natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia

cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar

que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees

alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo

em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar

em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados

coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de

entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e

nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica

restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja

nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas

Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador

juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um

trabalho especiacutefico descrito abaixo

Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante

uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash

num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de

um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute

hoje

Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de

Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item

veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente

num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar

Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram

a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje

Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque

tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado

agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a

histoacuteria ele sabia mais Xipaya

111

Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)

tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas

performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho

Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para

ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado

que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e

apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser

em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto

quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado

Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio

Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

112

Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo

informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar

a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam

estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no

verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo

ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a

frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento

que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)

Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos

terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto

Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia

atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se

atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o

espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses

eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo

atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de

infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba

morrendo

Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas

que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem

vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece

representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do

coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas

nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de

origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que

possuiacuteam em seus locais de origem

Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc

alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as

tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de

apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a

viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de

jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado

fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado

113

Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)

acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto

para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele

precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu

adoecimento ou na sua morte

Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti

(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud

SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada

o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)

apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem

fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse

animal antes que ele abra a boca

Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia

Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos

humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma

metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade

averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos

foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes

cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns

humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os

descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com

outros seres

Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash

ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar

este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma

aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu

mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)

Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o

especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no

ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua

dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses

questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam

assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de

agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas

114

humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu

habitat natural

Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa

para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como

operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute

Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em

seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para

Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que

podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de

mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um

inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos

nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa

protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo

representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar

(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que

descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e

transformando suas roupas coloridas em asas

115

Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada

De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando

estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando

estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos

Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo

relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a

caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna

receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas

nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam

ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna

Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas

fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos

desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco

Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees

pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O

primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo

bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num

etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia

indiacutegena pesquisada

Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora

por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os

postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e

qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores

como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens

lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como

evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos

obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles

comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas

Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias

poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos

como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da

categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish

(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que

respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)

116

Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar

apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros

De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com

Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas

sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a

4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta

haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que

abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores

chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e

compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo

abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado

inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-

boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs

elementos)

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)

Fonte Berto (2013 p 91)

Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos

dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao

menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente

impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto

(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p

96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou

seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo

juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles

117

Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo

depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto

―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados

afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de

kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade

bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon

animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes

de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis

criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto

Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas

Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes

do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso

informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais

ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas

As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos

de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como

kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e

contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa

porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes

Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que

parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos

Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que

―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o

que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito

tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar

A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo

menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de

modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo

do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-

nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item

que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte

De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de

duacutevida uma das direccedilotildees

118

Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e

termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha

revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a

ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as

partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor

de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas

das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila

Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente

Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila

Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila

Ixibia bunda delelsquo Parte posterior

Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa

Itaba boca delelsquo Boca

119

Iatildetaba antena delelsquo Antena

Iwa matildeo delelsquo Pata

Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar

Ipewa asa delelsquo Asa

Itxab barriga delelsquo abdocircmen

Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees

metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e

num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes

desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base

Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais

informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para

todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas

entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um

pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula

anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose

Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se

denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir

do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies

Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que

metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime

Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das

―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do

mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando

momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos

representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias

diferentes

Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a

necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um

dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees

120

Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos

mais de uma vez

A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do

espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia

bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico

e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo

taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave

classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute

apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e

duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar

planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de

seiva)

Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo

especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais

que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees

diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de

animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem

distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais

aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis

cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso

na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a

chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de

―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-

ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios

gerais da liacutengua

A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo

lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico

geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa

dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu

Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com

os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir

distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente

tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a

mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que

121

quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa

ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum

kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um

diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia

sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se

esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem

disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total

certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de

Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como

borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo

similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos

abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)

representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro

Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja

Fonte Palo Jr (2017)

De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos

sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo

lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)

exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)

como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna

Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da

pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria

contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da

forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns

122

idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em

siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)

Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra

que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com

que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave

fauna- jaacute havia mencionado tal fato

Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre

as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo

segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma

de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a

forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua

antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor

marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas

como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)

Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que

para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar

doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-

tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela

tornam-se improacuteprias para consumo humano

Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua

para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por

isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os

termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse

necessidade de apenas uma entrada nasusu

Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na

esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea

especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo

se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)

possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as

menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que

quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de

sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do

ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo

providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido

bicho

E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo

papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim

123

de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila

para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia

Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou

anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como

entradas autocircnomas

Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como

mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas

ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um

tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais

Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar

voar muito

Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem

que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da

Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as

mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase

adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a

horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais

seres aqui averiguados

Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte

comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o

animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo

do dia ou se haacute matizes disso

Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como

as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que

sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar

alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um

contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes

ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu

passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu

e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu

De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do

ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra

kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)

124

que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez

que natildeo tecircm forccedila para isso

Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de

tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto

as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo

trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as

segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo

Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma

questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute

muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e

natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa

obra terminograacutefica)

Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo

terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)

satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto

de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave

capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o

ceacuteu

Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos

de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas

nasusu1 (do ceacuteu) nasusu

2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos

sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila

aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha

2 (da terra)

Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como

se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave

macroestrutura se organiza alfabeticamente

Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes

com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito

didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras

sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre

parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza

gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo

enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com

notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a

125

qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente

compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos

Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com

substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados

Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais

adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna

126

NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista

juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito

pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-

falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a

sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de

―borboletas

Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos

eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos

dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam

para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta

Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos

diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum

Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria

estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna

127

Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute

incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave

comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas

utilizam nasusu para todos esses animais

128

KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido

de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)

relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma

alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em

alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu

Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua

Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento

proacuteximo

Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em

suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de

onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono

conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja

punido

129

NASUSU1

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno

desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode

retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a

maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu

Fonte Mateus (2017)

Fonte Arewara Juruna (2017)

Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar

a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois

sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente

sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um

tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a

embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas

que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua

funccedilatildeo

130

Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)

131

NASUSU2

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e

originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas

floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de

modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando

ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa

Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho

intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha

do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo

voando no ar

Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas

na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas

natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas

yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores

132

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas

antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo

transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que

mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute

por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna

essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se

metamorfosear num beija-flor

133

Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira

em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos

iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas

nesta seccedilatildeo

Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa

orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer

simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson

(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo

por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim

denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba

culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas

Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados

alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista

para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o

mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item

(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse

como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele

como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a

nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas

sim seres distintos com certo grau de parentesco

De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que

pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes

fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e

idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente

ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)

Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui

estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar

entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser

retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores

nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem

apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI

(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como

demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa

134

orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome

formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo

Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo

hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado

acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe

para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma

nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma

categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira

em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma

definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse

possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui

estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe

Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa

ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional

(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada

e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou

famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna

Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas

proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o

modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como

uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem

muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees

fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode

distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia

Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa

orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas

De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as

hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa

orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de

iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares

digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar

a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet

Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui

utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y

135

6 Consideraccedilotildees finais

Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos

juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que

seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia

como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo

da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-

aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica

Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos

diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico

Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade

haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais

analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em

contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja

como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de

minha liacutengua materna

Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER

2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se

queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si

mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas

entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que

psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as

convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o

super ego

Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e

de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus

instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave

infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais

envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que

aceitar que elas existem anteriormente a ele

Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam

completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser

(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar

marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam

inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em

136

determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia

dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia

que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma

sociedade de classes (idem ibidem))

Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um

ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos

aos quais somos submetidos

Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas

produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam

submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria

(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois

foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras

internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata

para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance

(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)

Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras

internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam

sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria

espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa

porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema

artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas

antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas

Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para

metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um

ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees

recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que

sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo

realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma

Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute

justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com

nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao

tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena

brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um

analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los

137

anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a

menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria

muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de

compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas

nos referidos animais

Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer

investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto

de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma

banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la

de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam

natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele

ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim

relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash

se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo

Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o

talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a

individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas

precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma

―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao

texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no

nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece

com os poetas ―imortais que o precederam

Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute

haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda

concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e

reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente

existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por

outro orientado por este uacuteltimo

Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente

―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui

mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas

dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de

outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo

muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a

138

destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de

dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos

assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando

Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros

estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo

de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse

povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao

menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima

complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros

Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com

estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE

CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os

juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes

natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos

tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso

De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram

dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os

referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral

Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo

relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais

Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto

nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de

formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista

juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do

animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo

um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)

Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco

entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados

para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as

kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de

mariposaslsquo)

Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto

aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte

forma

139

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria

Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados

redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo

desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses

protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos

simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo

dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles

Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente

natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram

como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia

por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba

Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores

140

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juruna

1

kamaperuperu

2

Nasusu do ceacuteu

3

Nasusu do ceacuteu

152

4

Nasusu do ceacuteu

5

Nasusu do ceacuteu

6 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

153

6 b (asas

fechadas)

7

Nasusu do ceacuteu

8

Nasusu do ceacuteu

154

9

Nasusu do ceacuteu

10

Nasusu do ceacuteu

11

Nasusu do ceacuteu

155

12 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

12 b (asas

fechadas)

13 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

13 b (vista

lateral)

156

14

Nasusu do ceacuteu

15

Nasusu do ceacuteu

16 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

157

16 b (asas

abertas)

17 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

17 b (vista

lateral)

18 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

158

18 b (asas

abertas)

19

Nasusu do ceacuteu

20

Nasusu do ceacuteu

159

21

Nasusu do ceacuteu

22

Nasusu do ceacuteu

23

Nasusu do ceacuteu

160

24 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

24 b (asas

abertas)

25

Nasusu do ceacuteu

26

Nasusu do ceacuteu

161

27

yahaha da

Terra

28

Nasusu do ceacuteu

29 (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

162

29 (vista

lateral)

30

Nasusu do ceacuteu

31

yahaha da

Terra

163

32

Nasusu do ceacuteu

33

Nasusu do ceacuteu

34

Nasusu do ceacuteu

35 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

164

35 b (asa

aberta)

36 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

36 b (asa

aberta)

165

37

Nasusu do ceacuteu

38

Nasusu do ceacuteu

39

Nasusu do ceacuteu

40

Nasusu do ceacuteu

166

41

yahaha da

terra

42 a (vista

lateral)

Nasusu da

Terra

42 b (asa

aberta)

43

kamaperuperu

167

44 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

45 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

46 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu da

Terra

168

47 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

48 a

(Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

asa aberta

Nasusu do ceacuteu

48 b (Foto

de Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

vista

lateral

169

49 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

50 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

51

Nasusu do ceacuteu

170

52 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

533 (vista

lateral)

54

Nasusu do ceacuteu

171

55

Nasusu da

Terra

56

Nasusu do ceacuteu

57

Nasusu do ceacuteu

58

Nasusu do ceacuteu

172

59

Nasusu do ceacuteu

60

Nasusu do ceacuteu

61

Nasusu da

Terra

62

Nasusu do ceacuteu

63 (foto de

Cristina

Martins

Fargetti)

yahaha do ceacuteu

173

64

nasusu do ceacuteu

65

nasusu do ceacuteu

66

nasusu do ceacuteu

67

nasusu da

Terra

174

68

nasusu da

Terra

69

nasusu da

Terra

70

nasusu do ceacuteu

175

71

nasusu da

Terra

72

nasusu do ceacuteu

73

yahaha (o

informante

natildeo soube

dizer se era do

ceacuteu ou da

terra)

176

74 (foto de

Arewana

Juruna)

nasusu do ceacuteu

75

kamaperuperu

76

nasusu da

Terra

77

nasusu (o

informante

natildeo soube

dizer se era da

Terra ou do

ceacuteu)

177

78 a (visatildeo

da parte

exterior

da asa)

nasusu do ceacuteu

78 b (asas

abertas)

79

nasusu da

Terra

80

yahaha fraca

(da terra)

178

81

nasusu do ceacuteu

82

nasusu da

Terra

83

nasusu da

Terra

84

Nasusu do ceacuteu

179

85

nasusu do ceacuteu

86 a(asas

abertas)

kamaperuperu

86 b (asas

fechadas)

180

87

nasusu do ceacuteu

Page 4: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO...Zoologia e Botânica do IBILCE de Sâo José do Rio Preto), ao Prof. Dr. Nelson Papavero (a quem, aliás, devo agradecer por ter me

AGRADECIMENTOS

Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho

Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar

algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de

antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria

Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia

de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs

mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas

realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio

Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da

Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash

Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela

concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que

pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao

CNPq

Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em

contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave

pesquisa

Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash

junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa

solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por

este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me

presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um

sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar

me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos

para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as

mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees

A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que

fizeram parte da pesquisa

Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson

Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de

Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a

quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e

acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e

Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli

que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-

graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia

entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros

A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica

Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva

Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou

eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e

afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis

pelos conselhos momentos de alegria desabafos

A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr

Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova

monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha

com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave

minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra

tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me

oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar

no qual desmaiar

Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante

aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-

conhecimento

E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as

quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia

Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me

fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a

Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja

menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)

devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui

tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os

ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo

[]

Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual

Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu

Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu

Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)

RESUMO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de

mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees

terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente

porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos

miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por

noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses

―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar

estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de

Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)

Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade

entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na

Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como

Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-

tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico

cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses

espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar

neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba

(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente

programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que

foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna

(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-

las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade

com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees

enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e

revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online

Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas

REacuteSUMEacute

Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet

de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des

contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons

Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles

linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui

concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure

maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue

JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave

leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de

Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de

ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous

basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches

dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle

de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-

culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans

les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre

consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les

modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80

dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne

nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes

momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen

dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents

photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les

histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions

encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront

deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba

ou lors de reacuteunions en ligne

Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo

ocidental

139

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28

Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28

Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29

Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101

Foto 8 Lagarta com verrugas 102

Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-

onccedila

118

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras

TCT Teoria Comunicativa da Terminologia

TE Terminologia Etnograacutefica

TGT Teoria Geral da Terminologia

Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Sumaacuterio

1Introduccedilatildeo 14

2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas

autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18

22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de

liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua

relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24

24 Sobre os juruna 25

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30

26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31

3 Aporte teoacuterico 39

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo

empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por

dada comunidade 39

31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o

leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65

321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

67

3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74

3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o

enxerga 81

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94

4 Metodologia 105

5 Resultados e Discussatildeo 110

6 Consideraccedilotildees finais 135

Referecircncias 140

Bibliografia 147

Apecircndices 150

Apecircndice A 151

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas

durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para

contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos

objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos

saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como

borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar

A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as

lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo

geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam

em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de

maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo

dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos

autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees

ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de

seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o

que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs

Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo

que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por

nossa orientadora

Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no

levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados

formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes

na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato

Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os

quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos

para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da

Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas

brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os

conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia

Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este

conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem

15

sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-

indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)

discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas

juruna poderiam ser lematizadas

Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura

desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo

embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2

Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia

de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo

para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)

Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos

pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre

avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas

brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees

diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim

falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os

singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma

Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na

aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff

e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes

da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o

estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais

signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos

―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato

com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava

Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem

antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo

aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias

saussurianas apenas em partes

Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das

mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo

norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua

16

diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de

uma obra lexicograacutefica)

Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)

sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos

tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias

atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e

Lima (1996)

Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as

etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a

epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais

Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas

utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as

nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais

aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como

demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4

18

2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS

QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS

Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver

precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando

sua relevacircncia

Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de

justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e

documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as

indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os

insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros

Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo

muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo

passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada

inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como

mero fornecedor de informaccedilotildees

Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio

na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos

falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle

Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam

uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees

indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes

fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral

costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele

ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes

como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um

personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado

―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo

omitidas

Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando

Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das

19

variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou

classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como

se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)

Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que

Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos

desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo

escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados

a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por

preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista

desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo

(MOSCARDINI 2011 p 7)

Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que

se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees

pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos

cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas

linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais

por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-

indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de

Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e

obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter

negativamente ―diaboacutelico

Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com

relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico

―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses

se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o

referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma

―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o

―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade

Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que

Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi

exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem

do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na

psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria

do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em

gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave

marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se

como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se

deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a

20

partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua

sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um

passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel

ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem

primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam

muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se

atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)

Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute

patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito

anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica

de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento

segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam

nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de

antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como

uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel

―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu

problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente

atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior

Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute

comentavam que

A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a

reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais

satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila

nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal

nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade

(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)

Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e

infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem

o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de

uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em

aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998

p 18)

21

2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas

indiacutegenas brasileiras

De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios

como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na

subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo

desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na

deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os

idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com

respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos

palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas

Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a

descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso

no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de

campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas

alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal

projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo

Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos

lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de

Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que

contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo

metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo

aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos

Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)

Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes

Vaneti Mateus e Fargetti (2018)

A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma

documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo

semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os

resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a

consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas

Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens

22

juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que

foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel

Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de

cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as

informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)

Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e

comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para

aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora

concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos

cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves

encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre

os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de

partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados

por um ou mais radicais (BERTO 2013)

Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo

participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico

juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou

com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e

equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees

morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas

Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais

recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o

desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por

vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas

buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco

musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas

iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de

pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias

Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por

Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras

(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos

yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-

gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo

semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios

23

lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras

se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas

sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade

linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou

demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas

aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete

Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia

de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas

indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia

utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)

pretendia

[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees

possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os

lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de

determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017

p 5)

Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram

lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos

musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)

Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens

os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia

Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os

nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias

colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento

ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e

chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na

verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o

equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos

itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso

o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia

anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente

haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e

descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte

Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as

realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e

24

exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma

dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a

outras realizaccedilotildees possiacuteveis

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-

cientiacutefica para as comunidades estudadas

Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)

ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013

p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a

necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas

que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti

(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando

a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)

Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a

importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que

concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem

humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem

confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades

indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de

materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de

elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as

etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a

preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-

culturais dessas populaccedilotildees

Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o

estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire

relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate

de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos

objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos

pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico

das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas

realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser

documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado

25

inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido

aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica

pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca

de contato Como salienta Peixotto (2013)

Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm

51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo

Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato

Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e

atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais

novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o

Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de

27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas

representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti

Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro

Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng

(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)

tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A

aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o

uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando

do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque

(PEIXOTTO 2013 p 9-10)

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu

Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor

conheccedila tal povo

24 Sobre os juruna

Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60

hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no

Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem

ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca

26

de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena

Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda

Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a

liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e

manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam

eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que

A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []

encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no

extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados

por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou

escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa

migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos

indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros

Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e

Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX

devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio

Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando

entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave

foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma

regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu

Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna

tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano

depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a

fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para

a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os

juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute

aldeia fixando-se todos em Tubatuba []

A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas

moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da

antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)

Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna

tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute

27

fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom

alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais

Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-

fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e

dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (

e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e

) e cinco nasais ( e ))

Como afirma Berto (2013)

De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma

liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico

C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a

esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um

radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os

constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto

verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de

reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)

Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe

da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o

excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave

formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)

vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz

questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo

Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos

e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar

o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com

resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de

vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute

que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a

mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares

Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida

fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas

corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros

povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)

Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as

mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques

zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham

28

banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados

pelos membros femininos das aldeias

No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como

ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas

[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de

farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba

que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado

quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia

permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Foto 4 casa em construccedilatildeo

Fonte Mateus (2017)

29

Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como

comenta Peixotto (2013)

O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira

como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos

brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma

depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos

macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais

satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados

caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua

(PEIXOTTO 2013 p 22)

Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para

que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []

que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios

muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)

Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como

confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que

proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela

comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a

autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em

FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria

embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os

distinguia uma tatuagem

[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha

vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a

partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no

queixo (FARGETTI 2017 p 25)

Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -

continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo

quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de

assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas

30

Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e

tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um

dicionaacuterio da liacutengua juruna

Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa

orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar

os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores

envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos

terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa

em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna

sobre os ―insetos como comentado abaixo

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos

No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam

Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de

animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes

ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo

do conhecimento da biodiversidade do planeta

Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas

uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e

tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos

de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela

chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas

superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas

formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de

plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo

Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de

algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de

servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a

algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e

alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo

dos solos

Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar

natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de

31

insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000

espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como

tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como

um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao

homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas

a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves

escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com

formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas

que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes

Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros

pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de

gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem

disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de

outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou

somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)

2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico

Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia

terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a

globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-

tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados

internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas

de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade

(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que

[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na

Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas

quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em

alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)

Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo

uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as

referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades

leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que

passariam a adquirir novos valores especializados

32

Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o

leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki

(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos

embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista

descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na

verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem

descriccedilotildees realmente cientiacuteficas

Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear

qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como

―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades

miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste

texto)

Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que

[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o

conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos

fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel

analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias

(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico

morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash

por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza

na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute

relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos

nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)

Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave

cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira

Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO

2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do

universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees

puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos

praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os

resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura

material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para

geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um

ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas

variadas disciplinas de coleacutegios)

Nas palavras de Abbade (2006)

Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter

falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e

33

socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A

linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas

palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um

povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo

que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes

haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de

um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de

pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e

necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e

linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do

leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo

Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada

um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles

caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute

consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do

leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos

morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p

716)

Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas

―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico

que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem

sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos

lexicoacutegrafos deveria ser

[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico

[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a

consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras

adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio

natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto

de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma

abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da

comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []

O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o

conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em

unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que

nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a

outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber

que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus

usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de

vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se

aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos

dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)

Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos

(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos

cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees

crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute

mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo

mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade

―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco

34

natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim

denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem

desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que

ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a

indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um

ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma

mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma

valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de

parceiras afetivas

Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar

que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que

portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o

cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues

marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com

uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute

porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos

menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do

conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito

Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos

(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios

monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-

Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras

de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua

(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria

apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua

comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras

A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir

uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir

uma competecircncia gramatical oacutetima

Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua

vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar

adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem

quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que

elas regem

Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem

um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo

eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas

palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem

35

todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou

nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida

ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de

empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por

outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim

certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-

DEBOVE 1984 p 57-58)

Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como

comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes

de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as

variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto

opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive

vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas

Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que

natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos

(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)

Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais

pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade

juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou

um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se

poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de

opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a

questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da

lexicologia e da terminologia

Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos

etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles

natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs

ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute

de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada

espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento

ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode

ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse

sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas

especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute

distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando

antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])

36

Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite

dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em

que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua

Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes

de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um

conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo

cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de

nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo

realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio

Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna

De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como

vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem

se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante

do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e

indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em

juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para

responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer

que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a

comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos

De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de

borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por

toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada

terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas

De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o

leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees

culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos

com Biderman (1998) quando ela afirma que

[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes

dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse

universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o

leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da

linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)

Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as

seccedilotildees seguintes

37

Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as

borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que

pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do

Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais

desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como

―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)

poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue

Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e

ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar

somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras

listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente

potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson

(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave

perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-

converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares

equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador

traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e

semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse

uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da

versatildeo grega

Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as

limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma

anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema

em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes

(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no

sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos

limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar

mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como

borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo

haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo

adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute

apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee

diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo

38

Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs

como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que

para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem

Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que

justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados

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3 APORTE TEOacuteRICO

Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas

abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos

citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela

comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder

criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos

de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os

idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)

Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas

aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos

mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas

de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na

―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na

Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico

ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade

Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas

dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto

Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo

anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e

os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos

Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue

figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)

tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades

grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio

real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os

temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam

ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para

existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de

figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa

sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e

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ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem

varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto

de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois

que perde o marido

Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud

SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De

acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo

extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade

sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no

segundo e siacutembolos no terceiro

Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a

primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato

quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a

reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo

qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam

para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria

jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz

iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo

em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo

se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa

num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque

houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado

A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada

teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma

sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos

alunos

Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que

Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo

que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como

plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a

realidade

Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto

dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as

formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua

convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com

outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se

comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN

1998 p 73)

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Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as

consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato

histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do

possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe

status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)

Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos

para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de

formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros

satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma

fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que

existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor

citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na

liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show

(ALVES 1990)

Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo

apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as

liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido

apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos

Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e

representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em

seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se

descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum

sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash

resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada

por um nuacutecleo social na medida em que

[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute

que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre

genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com

sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um

signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos

elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a

por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no

sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa

relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos

como dormir (MATEUS 2017 p 51)

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Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo

cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo

Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo

universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto

retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias

(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja

os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o

mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos

ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS

COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam

de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma

abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo

muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)

No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias

espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para

agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em

seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos

deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU

2010 MATEUS 2017)

Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que

tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes

sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um

lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante

nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo

que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo

de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas

entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos

que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise

Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes

mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de

sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes

soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes

acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta

uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado

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Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico

Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo

se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e

caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos

Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar

natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo

enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se

mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)

pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico

e metafiacutesico

[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento

material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto

―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como

um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que

dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash

quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana

(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito

como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de

compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A

harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma

harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um

caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais

similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que

privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de

tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)

Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a

verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais

estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas

sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e

que se oferece para ser decifrado e interpretado

Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um

fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a

origem desse mundo

Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de

todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente

multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por

exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)

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Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a

palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo

tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas

Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem

ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma

dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a

multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade

(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)

O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a

―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das

constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma

―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta

(CHAUI 2002 p 82)

As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais

tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a

novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais

utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia

De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista

que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire

existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa

nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo

entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que

se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por

Saussure

Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que

faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou

ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue

desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos

demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por

exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o

loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim

que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa

que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que

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[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em

quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que

nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas

lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz

racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada

medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora

uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de

quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de

quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as

coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre

justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta

se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)

De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e

delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece

apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior

quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas

vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na

qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque

agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo

como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que

natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso

Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente

diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A

anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero

Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute

caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que

aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de

nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees

morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas

satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas

os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como

estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo

como insetos mas sim como aracniacutedeos

Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela

comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor

linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos

afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O

que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo

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em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma

importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista

que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo

relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo

sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois

primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um

conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um

animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem

conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de

significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o

mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais

possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica

[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico

quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se

verifica)

Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos

para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de

argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em

que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma

subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a

instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu

que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer

adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como

cachorro ao qual se opotildee distintivamente

Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas

pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos

compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute

problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo

analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica

normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam

elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que

chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal

Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos

periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas

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Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de

Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e

Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo

linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a

existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si

perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar

isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica

que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e

encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma

posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos

parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas

Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a

novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os

dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para

(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando

rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo

Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das

outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto

natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam

figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo

assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como

―Joatildeo chegou mas Maria saiu)

Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de

construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual

semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta

oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar

desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como

―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute

sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela

escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel

abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que

seria [+dependente] e [-encaixada] na principal

E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade

satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas

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subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de

ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-

o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma

principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que

natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum

complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das

completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que

eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz

(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]

uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido

ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo

querer

Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas

aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo

complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo

nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas

de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e

isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos

agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as

explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer

(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito

(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista

Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais

subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo

geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo

provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o

falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho

de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que

minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria

em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa

agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma

generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente

49

dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo

Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a

noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo

especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que

homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente

recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido

Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas

de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento

fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo

fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as

intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os

fazer decorar esses roacutetulos)

Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com

a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma

Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela

presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar

que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de

propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa

uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado

Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva

equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu

―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre

um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a

natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade

a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma

Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do

conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de

significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades

De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que

quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada

natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer

―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus

irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles

seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam

50

acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos

que eu possuo

Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status

ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-

330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal

Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute

sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a

afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o

fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que

Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear

constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as

supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa

(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo

dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos

distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute

pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto

linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva

explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo

sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser

inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional

acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer

dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p

328-330)

Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a

restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo

quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo

de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava

ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava

em Osasco

Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que

inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam

configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade

material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que

fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma

construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia

bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela

regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos

comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas

51

pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo

anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de

termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo

Como salienta Rey-Debove (1984)

[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees

constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito

da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta

sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra

uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos

linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das

palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da

dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente

aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma

palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente

combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo

construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais

traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe

concebida do mesmo modo

Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal

marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode

(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir

indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que

poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma

classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos

Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo

as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais

domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau

geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente

dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte

boa)

Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo

adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter

importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica

natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se

tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo

excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)

Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens

linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses

conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema

linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias

Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana

(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)

Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o

conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas

como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto

adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma

52

ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para

mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem

Pode-se dizer portanto que

A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das

classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para

estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a

dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais

para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p

141)

Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo

por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo

Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por

adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua

indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer

reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis

A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se

distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo

semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna

ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em

classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de

diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon

(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de

adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um

criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto

contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao

juruna

Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees

em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo

genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para

funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um

predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de

verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem

nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a

intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo

do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)

53

Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por

Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos

estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento

Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a

despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente

pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute

satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute

a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)

tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do

mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a

accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como

bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)

―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo

estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento

subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro

paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-

pessoais

Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo

entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma

que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar

nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que

ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e

WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se

adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas

formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira

hipoacutetese enquanto outros mais da segunda

Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria

possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o

pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a

ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito

mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o

Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que

determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades

culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o

54

povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas

morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem

Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que

[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo

haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a

cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como

devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-

cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual

fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)

3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica

De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois

uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de

forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras

Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi

comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)

Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos

costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam

sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da

mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por

exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees

dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da

mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em

virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs

Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar

sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos

Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio

leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel

que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de

opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico

ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que

conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e

descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados

Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na

medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em

55

virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado

com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de

elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de

elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar

durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos

gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)

No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees

relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais

deveriam constar num verbete Nas palavras da autora

[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua

concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo

isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -

agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de

conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os

dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo

lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)

estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata

dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o

elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa

gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso

seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash

meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum

possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)

Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se

rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e

que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)

Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo

normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas

para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa

integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de

unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos

constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)

Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)

postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos

linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e

os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda

leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute

porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico

56

passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de

referenciaccedilatildeo)

Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como

substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte

enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos

traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no

segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)

Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e

portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as

preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase

em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras

Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc

todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para

elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga

semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a

que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos

Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma

periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees

menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais

―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo

(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)

Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer

sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse

sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo

aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente

nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa

subseccedilatildeo agrave parte

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos

de definiccedilatildeo

De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua

sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os

57

sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que

pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)

Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala

em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a

entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse

traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por

distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica

em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a

perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final

no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no

original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente

Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total

equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia

em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas

religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser

―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e

metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois

extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira

delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo

―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria

equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois

ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na

liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como

ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou

bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor

beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que

propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque

isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas

as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao

nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena

Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure

(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade

psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um

significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria

58

Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que

postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos

se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo

extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao

significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material

empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como

demonstrado a seguir

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico

Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado

Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa

univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com

os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma

significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em

todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja

vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns

autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo

com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um

conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma

expressatildeo

Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a

relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a

que ela se refere acaba se questionando

59

- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa

maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que

nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a

mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples

porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos

contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou

pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha

em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar

que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais

poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no

periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o

peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em

arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas

ou salamys (ABBADE 2006 718-719)

Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos

mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa

(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia

como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma

Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e

Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia

(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa

por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os

itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos

seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou

pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta

(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a

polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre

si

Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de

explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes

chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas

A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem

relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra

lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do

leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo

verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas

como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica

e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que

ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos

60

e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado

campo de significaccedilatildeo)

Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)

compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se

escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto

chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de

possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)

seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se

concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva

de um lexema)

E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato

do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos

seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a

tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados

com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa

uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas

O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas

lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar

tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais

de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas

natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos

idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas

em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem

relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que

[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente

lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema

Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a

explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio

traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse

lema principal (MATEUS 2017 P 40)

Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e

especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros

individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se

dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter

(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter

61

(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos

lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)

como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada

formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a

microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado

internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave

definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical

imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento

ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo

que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos

com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio

estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10

veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as

borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo

Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde

o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau

certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete

―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a

euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um

direcionamento

Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada

informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar

muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro

se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem

transparente qual acepccedilatildeo eacute esta

Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser

aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo

redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o

usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua

liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um

grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja

liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a

informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste

segundo caso

62

Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues

tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se

utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos

Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados

definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a

definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira

seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de

modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias

informaccedilotildees sobre determinado item

Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional

(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo

(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido

(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)

particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)

Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas

difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos

Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas

uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que

vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a

opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu

vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em

terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de

definiccedilotildees terminoloacutegicas que

[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e

dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por

exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do

paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU

2009 p 57)

Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que

haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um

lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem

como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo

Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de

definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as

―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de

63

veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento

morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de

―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o

caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)

Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes

ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um

conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre

as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum

elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele

que natildeo estaacute casadolsquo)

Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a

definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos

como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes

como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a

numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como

aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com

outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material

possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu

limpolsquo)

Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem

do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais

histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do

lema)

Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute

ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam

ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)

[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave

complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para

diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como

simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []

diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve

dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos

significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia

hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo

extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte

miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio

proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se

quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica

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deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal

chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)

Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior

pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de

Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais

do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica

Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter

de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de

―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante

do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as

informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda

nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte

efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo

Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo

objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente

a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que

para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de

girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como

angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol

normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo

traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como

um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa

talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar

na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)

Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem

existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas

(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem

a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba

definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e

de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de

termos linguiacutesticos como morfema paradigma)

65

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia

Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a

metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da

capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de

agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e

acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso

acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e

natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a

ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-

histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso

com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos

eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-

infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo

hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e

descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos

sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo

enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica

possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por

Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica

O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre

momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de

refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo

foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras

palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas

etnocecircntricas que precisam ser superadas

Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees

e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem

caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o

―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX

teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido

na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio

mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo

Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees

cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu

66

contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos

como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser

diferenccedila

Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos

trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores

quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem

ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar

despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o

mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma

pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo

estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de

investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na

descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas

―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o

mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que

aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras

Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves

descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma

comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas

das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e

Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como

apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista

um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de

um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre

elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro

Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois

haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que

focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer

deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo

muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus

(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para

as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a

comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos

cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que

67

maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou

ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela

nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser

―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes

compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que

plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento

Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e

metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em

profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no

sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em

relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os

informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o

―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de

algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista

na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo

Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram

pensados

3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da

pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo

das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada

Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer

que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em

torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de

especialidade de outro

Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas

dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida

como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise

criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva

de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do

conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia

68

(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas

eou digitais)

Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do

que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra

sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das

afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)

[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva

diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como

tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia

regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees

possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma

perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa

dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos

que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado

restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando

com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais

no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e

sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto

especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico

com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a

palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)

E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que

estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes

explicitando em qual deles nos alocamos

Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as

vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste

trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da

Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por

traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e

afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge

Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua

dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos

Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos

estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei

Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de

facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o

estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em

definiccedilotildees

69

Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que

seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira

diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes

(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos

transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e

elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia

ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de

variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos

quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum

Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com

destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos

satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua

profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no

sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na

relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos

Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada

―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster

Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em

qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado

ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das

ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem

a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de

outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo

participariam

Em outros termos

A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva

Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo

ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se

pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia

e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis

Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes

para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo

do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-

se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou

seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas

Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute

os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um

acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um

conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos

aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era

70

portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade

Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se

e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas

diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava

aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se

fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava

isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)

Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo

pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-

especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue

doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de

acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que

etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-

todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para

esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo

especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com

outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)

Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e

normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo

pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para

nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente

por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado

do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como

quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos

especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o

sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando

Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o

tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo

homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica

Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico

[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave

comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os

defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja

para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do

termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um

conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada

povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes

realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)

71

Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a

Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas

anteriormente

Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves

consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os

significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente

(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no

uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos

linguiacutesticos)

Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais

especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou

[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das

unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no

acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados

construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes

das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas

envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)

Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)

que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais

relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-

Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a

cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos

(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos

saberes

Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por

Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)

itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo

assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica

Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal

pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos

vaacuterios povos humanos

De qualquer modo vale ressaltar que

[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades

terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee

agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a

prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se

que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos

72

universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute

2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a

Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo

agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas

naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma

liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades

terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das

palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma

liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo

terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO

DE OLIVERIA 2011 p 311)

Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo

de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um

uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos

linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou

como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um

mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu

significado

Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na

medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo

apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam

parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que

ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro

eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o

explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo

consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a

Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo

De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)

apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas

minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos

de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo

terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna

especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a

autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja

em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre

um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja

indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI

2018)

73

Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em

Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois

Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a

autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-

cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora

questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em

―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade

entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas

nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo

profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis

outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a

pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas

―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela

denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria

Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo

alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da

Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia

constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua

geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos

em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em

propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees

culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute

sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)

Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de

borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria

Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo

conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos

Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se

baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes

ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees

culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as

nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam

contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras

Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende

render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs

que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-

se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por

meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de

especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura

material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e

natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados

alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)

74

endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e

praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade

3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas

Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees

tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que

nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes

denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por

linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo

de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo

de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove

insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu

(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o

meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e

atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e

sentido (ABREU 2010 p 27)

Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora

pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar

conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso

estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno

Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos

mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados

Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da

metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente

descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e

por que Afinal

[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades

em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os

caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o

pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)

Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de

domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na

interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos

constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como

75

―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute

grande

Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar

construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer

da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria

alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de

uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na

seccedilatildeo seguinte

323 A relevacircncia da etnoentomologia

Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de

minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em

consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como

etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e

utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da

Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e

praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas

com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey

(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo

especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)

―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais

ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)

Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode

recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas

comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de

nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)

os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia

bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como

cobras)

Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como

classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos

olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam

classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas

tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)

76

Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo

como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias

rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as

agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos

ou do que para noacutes seriam paacutessaros)

Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as

mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em

comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um

paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute

extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna

alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como

―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios

utilizam para isso

Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do

outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso

Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de

espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi

totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer

informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de

determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada

Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de

ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser

encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)

Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como

se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais

algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles

viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos

animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada

por nosso informante

Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute

levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo

que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por

uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)

De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a

classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum

niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados

77

na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos

e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o

desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo

tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila

ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a

diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades

―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos

passado

Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque

tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente

por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-

ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar

religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar

os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa

proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas

tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos

outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos

Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo

com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a

anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas

que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos

ursos que tanto idolatrava

Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma

verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que

tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e

natildeo podem ser ignoradas

Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-

muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que

lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos

antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e

uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se

aniquilem

Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da

variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse

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dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria

relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-

indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem

consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque

uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de

outro povo esteja ―errada

Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as

virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que

eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e

repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos

danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria

Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam

ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de

pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja

―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a

fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo

novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso

Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco

conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu

estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a

sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o

cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em

preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na

pesquisa e nada mais do que aquilo

Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como

investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos

de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que

esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo

―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos

como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e

tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos

com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das

cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo

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Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas

juruna relativos aos animais aqui averiguados

Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria

sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente

redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da

―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em

uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e

vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses

e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre

estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que

pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a

salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo

Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida

Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide

sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que

comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa

informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem

de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca

para complementar a renda

Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma

colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs

como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos

tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens

morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem

esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer

transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa

por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa

coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com

poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo

―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica

quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente

acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que

estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras

80

[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito

unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo

Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos

mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de

bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que

desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os

salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde

depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite

que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu

as nossas vidas

Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas

histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras

histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os

estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma

histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria

Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como

as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000

pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras

histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante

falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com

um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou

pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna

difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que

somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos

nossos)

Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo

como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como

―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na

contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo

estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente

criticada por Skliar (1999)

Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada

o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se

detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias

aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer

diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de

mais campos do conhecimento

Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que

Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do

Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo

quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que

havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam

infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem

histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem

histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma

transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que

outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje

(BERTO 2013 p 31)

81

Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das

nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos

quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes

humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por

Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar

tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de

Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono

como consta abaixo

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga

O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo

quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com

eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo

espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como

entes familiares)

Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas

seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os

homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo

que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes

Jaacute a segunda gira em torno de que

[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois

eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute

necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser

representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se

oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo

exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para

os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as

fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e

amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)

Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer

que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da

categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de

posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie

tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e

alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo

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chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que

dentro de si estaacute contido

Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e

personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de

vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do

povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute

a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de

uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)

Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos

seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como

objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a

possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados

passariam a englobar um conjunto ativo)

Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado

miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o

estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses

concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e

HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens

natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu

(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e

deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes

era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo

Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da

carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto

repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi

Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas

este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia

mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a

realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas

agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que

ficaram com os deuses era pereciacutevel

Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu

sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo

efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como

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aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso

tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e

seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e

graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela

curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de

males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade

Mostrando mais um paralelo

[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do

que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram

apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-

guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem

comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo

do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida

capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)

Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes

nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba

sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma

desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da

cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na

condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de

doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)

De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos

tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial

Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo

muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos

pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas

as liacutenguas conhecidas

De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com

os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho

com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de

felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as

oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta

ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou

uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal

teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o

Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o

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auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a

morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma

nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas

de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a

questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos

artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido

No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos

yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a

humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos

cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na

superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com

lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo

Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou

posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de

madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco

(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei

obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho

eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que

―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que

tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite

Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado

dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros

atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto

os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser

apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa

artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que

aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com

a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis

Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um

alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de

imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo

tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja

percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a

ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute

85

levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai

flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o

Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com

os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica

dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees

de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na

realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito

Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa

parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que

diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa

famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se

em questotildees positivas

Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a

algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)

―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma

das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e

roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar

recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer

como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma

raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de

desastres

De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna

de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os

seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)

em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos

imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam

sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute

mesmo espacial

Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de

uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova

assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre

renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como

primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso

andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram

novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam

errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso

ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto

um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara

86

tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam

sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado

Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo

verdadeiros vatildeo virar bichos

O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu

certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava

As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma

festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas

as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos

poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os

animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar

por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e

gritos

Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o

ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando

errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes

de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um

desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada

por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia

Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna

que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele

mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse

grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele

acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o

povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna

for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete

derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os

juruna que estatildeo na Terra

Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a

Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas

(FARGETTI 2017 p41-43 )

De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o

universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de

morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo

que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas

satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos

espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)

Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por

comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo

de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu

que se vecirc e que vecirc o outro

Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam

ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a

floresta

Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em

etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam

surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente

87

abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de

acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da

cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo

humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo

falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava

ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento

de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para

um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o

sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-

juruna)

Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a

partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro

momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas

que sofreram

Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese

tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico

por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num

perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se

verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro

Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo

dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os

seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)

houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a

partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees

exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois

Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula

saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria

fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede

segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se

encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO

1996 p 125-126)

Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma

manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos

entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a

pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com

paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute

88

mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+

humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de

intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute

preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do

discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem

instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar

com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira

anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso

humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta

traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de

olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu

que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um

outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do

assunto que representa a terceira

Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos

os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais

(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que

os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais

(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-

se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou

aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da

cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue

como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da

carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas

garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como

organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas

ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)

Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo

comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode

receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor

Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria

aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo

espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu

um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o

―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira

pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor

89

toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)

de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este

chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem

para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo

espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso

ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece

Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a

consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o

animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se

sabe isso deles

Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos

afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou

seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de

costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de

agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo

simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila

multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e

vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do

agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos

acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)

seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente

Como salienta Picelli (2016)

[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em

seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se

enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista

Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal

(PICELLI 2016 p 56)

Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto

corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas

adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se

metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel

empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano

o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este

mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com

90

Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro

(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados

natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que

[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que

muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores

que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e

da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra

dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas

vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires

e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu

proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as

coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o

que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o

que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa

cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)

Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli

(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo

poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees

entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre

natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado

possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria

Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas

ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando

superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o

que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico

demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio

ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas

uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais

Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um

tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso

uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de

generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento

ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada

povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando

criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute

distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo

injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um

91

desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro

(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos

pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer

um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando

menos discriminatoacuterios

Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a

teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um

antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em

que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad

hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo

Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria

dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um

item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que

para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras

acepccedilotildees

De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a

ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-

[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se

preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave

antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de

outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees

causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das

observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser

analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica

Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua

Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista

trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea

Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao

menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama

de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo

pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees

sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas

animais e natildeo humanas

Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho

com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira

agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os

92

humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo

por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente

quando estes falavam antigamente

A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da

possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores

mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de

intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e

almas humanas

Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os

bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou

ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos

tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo

dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de

nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente

em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de

sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos

chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um

tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave

proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo

morrido haacute certo tempo

Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria

um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando

os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais

Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos

Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de

Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos

pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da

(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa

do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)

sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e

estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades

Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute

O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma

distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente

humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo

93

a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com

a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou

como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes

seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda

menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros

seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a

classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-

57)

Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de

Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o

pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele

[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo

e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada

pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os

participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como

poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores

[]

Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar

sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os

que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro

natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo

Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim

recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem

distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute

diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)

Ou seja na oacutetica da referida linguista

[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas

Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo

tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos

distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu

dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml

(FARGETTI 2017 p 280-281)

Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave

teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute

completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo

dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus

sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os

demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos

aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre

natureza e cultura

Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em

relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de

como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos

94

trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que

pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e

sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a

comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)

Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de

perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e

inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias

ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as

correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do

que dar respostas dogmaacuteticas

De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees

entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a

explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da

sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a

presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores

as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas

Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar

fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que

satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste

trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo

exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante

De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa

Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees

posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de

―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas

Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -

borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais

pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um

exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome

(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de

olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de

95

pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia

entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)

A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio

de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro

de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio

Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-

caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash

aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -

subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)

Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes

de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por

meio de coacutepula

Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao

menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam

sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos

1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas

alteraccedilotildees corporais

2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um

adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas

3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um

estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa

ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)

Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo

deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas

agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e

descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)

De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um

aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no

abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente

das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios

satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e

abdome (como todos os demais insetos)

Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras

de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos

96

um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide

(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome

com um aparelho sexual externo

Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco

criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos

a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a

morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de

clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao

corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero

pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo

noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o

corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo

(coberto de cerdas)

Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e

passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo

produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de

Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe

(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula

(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do

ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo

(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do

sugador maxilar conhecido como espirotromba

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas no blog Agromais

97

Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas

membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar

ou correr

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)

Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e

geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo

originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo

na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees

Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo

a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a

temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo

com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie

de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))

Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas

de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida

de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de

neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de

formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o

mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a

garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem

mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito

das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas

e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e

anais)

Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da

venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de

Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de

98

homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo

eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de

ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a

subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na

segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e

posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5

nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a

subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que

uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou

fundida com a A2

Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com

escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas

sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de

baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos

Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute

famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de

borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta

MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido

dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e

como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na

medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis

Ipsilon

Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa

tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada

segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos

segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8

(MARTINELLI 2018)

Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de

Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes

ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas

esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de

pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos

Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a

classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao

99

nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os

animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas

filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo

criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos

ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um

espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa

uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade

para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois

tamanhos)

Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura

que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral

(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica

dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte

mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais

formando bandas transversais como esquematizado abaixo

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

100

Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas

fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de

ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa

Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie

(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os

ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles

forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea

Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos

ganchos

Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e

as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar

generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees

taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a

depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso

(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute

numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que

esta eacute seguida pela supra-espiracular

Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta

Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)

No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees

Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto

pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de

Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda

101

presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de

Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um

conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez

se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas

e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas

inseridas numa elevaccedilatildeo

Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos

Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)

Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

102

Foto 8 Lagarta com verrugas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos

das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos

e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)

Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido

como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte

dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um

cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira

Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou

amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas

lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos

(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na

areia uacutemida

E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO

(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da

parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO

(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e

manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO

(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul

metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou

estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que

alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia

evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta

gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos

saturniacutedeos e noctuiacutedeos

103

A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com

corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as

posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas

lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que

lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o

Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas

marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam

de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa

posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos

amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas

posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na

mandioca na seringueira no mamoeiro)

A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como

Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por

insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com

pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas

Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo

possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes

(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta

(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina

(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em

pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda

brasileiro)

E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange

normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a

Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior

envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a

Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras

leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)

105

4 METODOLOGIA

Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente

elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano

inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo

Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na

elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais

nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de

natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)

Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava

levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos

Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto

maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com

um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias

performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas

Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente

para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os

dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da

ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no

escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna

Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem

alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com

motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu

povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim

contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da

resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender

questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos

de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu

povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma

vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem

apenas Portuguecircs

Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute

triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas

Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura

106

Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original

fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde

atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de

mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em

questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas

como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas

as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros

povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)

Como afirma Fargetti (2017)

Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou

monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um

sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso

ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e

conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender

sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este

diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha

cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar

na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou

encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num

decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)

Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem

a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na

seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um

―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante

especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo

apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir

da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo

pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento

conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs

interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de

dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)

Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar

espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica

atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))

que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de

acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas

fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas

107

com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em

recipientes de vidro para conservaccedilatildeo

Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez

que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos

animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para

renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois

sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute

a Terra (FARGETTI 2015 p 102)

Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na

companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com

o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam

Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia

Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos

em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais

exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie

filo)

Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no

projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso

consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute

comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse

fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais

guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de

determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que

efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em

relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua

Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e

como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses

(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado

acima) este estudo focou-se nas formas adultas

Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em

borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos

―insetos

108

Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a

jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para

facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna

Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que

posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome

em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica

sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade

entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas

este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora

tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute

comentado

Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As

perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees

de entrevista anteriores

Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam

ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o

animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash

quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que

havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas

Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego

como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna

classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica

atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual

(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se

tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de

classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso

Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro

recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes

a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia

mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito

que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de

acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando

no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando

natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas

109

Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a

certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que

poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque

De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total

temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de

entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns

viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na

aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e

tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas

estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual

realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de

histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as

ouviam

Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa

da seguinte maneira

1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento

bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos

2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento

bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos

3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou

praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da

aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na

beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que

foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A

maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias

juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente

produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas

de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa

orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs

mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna

4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento

digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens

de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas

110

5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo

(jaacute fora de Tuba-Tuba)

6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas

iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico

7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por

arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)

8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o

exame de defesa

9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas

essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na

captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados

obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees

anteriores

110

5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os

juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo

natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia

cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar

que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees

alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo

em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar

em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados

coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de

entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e

nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica

restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja

nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas

Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador

juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um

trabalho especiacutefico descrito abaixo

Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante

uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash

num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de

um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute

hoje

Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de

Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item

veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente

num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar

Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram

a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje

Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque

tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado

agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a

histoacuteria ele sabia mais Xipaya

111

Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)

tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas

performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho

Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para

ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado

que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e

apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser

em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto

quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado

Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio

Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

112

Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo

informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar

a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam

estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no

verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo

ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a

frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento

que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)

Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos

terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto

Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia

atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se

atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o

espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses

eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo

atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de

infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba

morrendo

Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas

que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem

vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece

representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do

coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas

nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de

origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que

possuiacuteam em seus locais de origem

Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc

alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as

tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de

apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a

viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de

jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado

fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado

113

Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)

acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto

para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele

precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu

adoecimento ou na sua morte

Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti

(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud

SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada

o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)

apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem

fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse

animal antes que ele abra a boca

Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia

Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos

humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma

metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade

averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos

foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes

cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns

humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os

descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com

outros seres

Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash

ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar

este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma

aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu

mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)

Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o

especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no

ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua

dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses

questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam

assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de

agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas

114

humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu

habitat natural

Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa

para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como

operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute

Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em

seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para

Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que

podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de

mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um

inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos

nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa

protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo

representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar

(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que

descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e

transformando suas roupas coloridas em asas

115

Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada

De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando

estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando

estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos

Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo

relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a

caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna

receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas

nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam

ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna

Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas

fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos

desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco

Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees

pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O

primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo

bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num

etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia

indiacutegena pesquisada

Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora

por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os

postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e

qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores

como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens

lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como

evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos

obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles

comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas

Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias

poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos

como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da

categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish

(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que

respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)

116

Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar

apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros

De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com

Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas

sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a

4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta

haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que

abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores

chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e

compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo

abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado

inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-

boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs

elementos)

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)

Fonte Berto (2013 p 91)

Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos

dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao

menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente

impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto

(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p

96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou

seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo

juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles

117

Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo

depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto

―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados

afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de

kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade

bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon

animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes

de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis

criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto

Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas

Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes

do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso

informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais

ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas

As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos

de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como

kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e

contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa

porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes

Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que

parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos

Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que

―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o

que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito

tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar

A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo

menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de

modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo

do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-

nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item

que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte

De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de

duacutevida uma das direccedilotildees

118

Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e

termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha

revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a

ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as

partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor

de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas

das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila

Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente

Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila

Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila

Ixibia bunda delelsquo Parte posterior

Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa

Itaba boca delelsquo Boca

119

Iatildetaba antena delelsquo Antena

Iwa matildeo delelsquo Pata

Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar

Ipewa asa delelsquo Asa

Itxab barriga delelsquo abdocircmen

Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees

metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e

num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes

desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base

Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais

informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para

todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas

entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um

pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula

anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose

Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se

denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir

do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies

Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que

metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime

Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das

―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do

mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando

momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos

representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias

diferentes

Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a

necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um

dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees

120

Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos

mais de uma vez

A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do

espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia

bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico

e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo

taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave

classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute

apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e

duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar

planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de

seiva)

Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo

especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais

que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees

diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de

animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem

distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais

aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis

cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso

na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a

chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de

―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-

ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios

gerais da liacutengua

A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo

lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico

geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa

dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu

Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com

os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir

distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente

tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a

mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que

121

quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa

ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum

kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um

diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia

sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se

esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem

disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total

certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de

Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como

borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo

similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos

abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)

representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro

Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja

Fonte Palo Jr (2017)

De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos

sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo

lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)

exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)

como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna

Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da

pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria

contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da

forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns

122

idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em

siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)

Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra

que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com

que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave

fauna- jaacute havia mencionado tal fato

Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre

as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo

segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma

de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a

forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua

antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor

marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas

como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)

Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que

para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar

doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-

tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela

tornam-se improacuteprias para consumo humano

Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua

para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por

isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os

termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse

necessidade de apenas uma entrada nasusu

Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na

esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea

especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo

se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)

possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as

menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que

quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de

sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do

ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo

providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido

bicho

E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo

papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim

123

de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila

para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia

Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou

anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como

entradas autocircnomas

Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como

mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas

ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um

tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais

Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar

voar muito

Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem

que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da

Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as

mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase

adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a

horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais

seres aqui averiguados

Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte

comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o

animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo

do dia ou se haacute matizes disso

Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como

as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que

sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar

alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um

contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes

ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu

passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu

e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu

De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do

ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra

kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)

124

que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez

que natildeo tecircm forccedila para isso

Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de

tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto

as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo

trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as

segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo

Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma

questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute

muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e

natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa

obra terminograacutefica)

Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo

terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)

satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto

de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave

capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o

ceacuteu

Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos

de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas

nasusu1 (do ceacuteu) nasusu

2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos

sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila

aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha

2 (da terra)

Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como

se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave

macroestrutura se organiza alfabeticamente

Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes

com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito

didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras

sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre

parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza

gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo

enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com

notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a

125

qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente

compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos

Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com

substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados

Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais

adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna

126

NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista

juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito

pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-

falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a

sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de

―borboletas

Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos

eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos

dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam

para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta

Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos

diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum

Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria

estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna

127

Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute

incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave

comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas

utilizam nasusu para todos esses animais

128

KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido

de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)

relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma

alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em

alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu

Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua

Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento

proacuteximo

Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em

suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de

onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono

conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja

punido

129

NASUSU1

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno

desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode

retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a

maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu

Fonte Mateus (2017)

Fonte Arewara Juruna (2017)

Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar

a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois

sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente

sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um

tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a

embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas

que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua

funccedilatildeo

130

Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)

131

NASUSU2

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e

originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas

floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de

modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando

ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa

Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho

intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha

do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo

voando no ar

Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas

na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas

natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas

yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores

132

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas

antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo

transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que

mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute

por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna

essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se

metamorfosear num beija-flor

133

Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira

em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos

iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas

nesta seccedilatildeo

Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa

orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer

simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson

(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo

por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim

denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba

culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas

Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados

alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista

para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o

mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item

(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse

como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele

como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a

nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas

sim seres distintos com certo grau de parentesco

De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que

pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes

fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e

idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente

ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)

Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui

estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar

entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser

retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores

nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem

apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI

(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como

demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa

134

orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome

formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo

Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo

hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado

acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe

para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma

nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma

categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira

em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma

definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse

possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui

estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe

Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa

ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional

(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada

e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou

famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna

Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas

proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o

modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como

uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem

muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees

fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode

distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia

Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa

orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas

De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as

hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa

orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de

iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares

digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar

a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet

Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui

utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y

135

6 Consideraccedilotildees finais

Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos

juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que

seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia

como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo

da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-

aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica

Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos

diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico

Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade

haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais

analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em

contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja

como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de

minha liacutengua materna

Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER

2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se

queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si

mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas

entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que

psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as

convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o

super ego

Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e

de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus

instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave

infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais

envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que

aceitar que elas existem anteriormente a ele

Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam

completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser

(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar

marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam

inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em

136

determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia

dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia

que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma

sociedade de classes (idem ibidem))

Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um

ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos

aos quais somos submetidos

Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas

produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam

submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria

(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois

foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras

internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata

para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance

(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)

Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras

internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam

sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria

espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa

porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema

artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas

antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas

Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para

metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um

ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees

recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que

sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo

realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma

Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute

justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com

nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao

tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena

brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um

analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los

137

anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a

menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria

muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de

compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas

nos referidos animais

Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer

investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto

de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma

banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la

de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam

natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele

ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim

relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash

se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo

Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o

talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a

individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas

precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma

―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao

texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no

nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece

com os poetas ―imortais que o precederam

Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute

haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda

concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e

reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente

existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por

outro orientado por este uacuteltimo

Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente

―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui

mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas

dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de

outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo

muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a

138

destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de

dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos

assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando

Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros

estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo

de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse

povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao

menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima

complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros

Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com

estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE

CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os

juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes

natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos

tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso

De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram

dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os

referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral

Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo

relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais

Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto

nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de

formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista

juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do

animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo

um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)

Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco

entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados

para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as

kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de

mariposaslsquo)

Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto

aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte

forma

139

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria

Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados

redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo

desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses

protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos

simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo

dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles

Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente

natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram

como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia

por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba

Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores

140

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149

150

APEcircNDICES

151

Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna

Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo

juruna

1

kamaperuperu

2

Nasusu do ceacuteu

3

Nasusu do ceacuteu

152

4

Nasusu do ceacuteu

5

Nasusu do ceacuteu

6 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

153

6 b (asas

fechadas)

7

Nasusu do ceacuteu

8

Nasusu do ceacuteu

154

9

Nasusu do ceacuteu

10

Nasusu do ceacuteu

11

Nasusu do ceacuteu

155

12 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

12 b (asas

fechadas)

13 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

13 b (vista

lateral)

156

14

Nasusu do ceacuteu

15

Nasusu do ceacuteu

16 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

157

16 b (asas

abertas)

17 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

17 b (vista

lateral)

18 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

158

18 b (asas

abertas)

19

Nasusu do ceacuteu

20

Nasusu do ceacuteu

159

21

Nasusu do ceacuteu

22

Nasusu do ceacuteu

23

Nasusu do ceacuteu

160

24 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

24 b (asas

abertas)

25

Nasusu do ceacuteu

26

Nasusu do ceacuteu

161

27

yahaha da

Terra

28

Nasusu do ceacuteu

29 (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

162

29 (vista

lateral)

30

Nasusu do ceacuteu

31

yahaha da

Terra

163

32

Nasusu do ceacuteu

33

Nasusu do ceacuteu

34

Nasusu do ceacuteu

35 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

164

35 b (asa

aberta)

36 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

36 b (asa

aberta)

165

37

Nasusu do ceacuteu

38

Nasusu do ceacuteu

39

Nasusu do ceacuteu

40

Nasusu do ceacuteu

166

41

yahaha da

terra

42 a (vista

lateral)

Nasusu da

Terra

42 b (asa

aberta)

43

kamaperuperu

167

44 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

45 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

46 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu da

Terra

168

47 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

48 a

(Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

asa aberta

Nasusu do ceacuteu

48 b (Foto

de Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

vista

lateral

169

49 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

50 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

51

Nasusu do ceacuteu

170

52 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

533 (vista

lateral)

54

Nasusu do ceacuteu

171

55

Nasusu da

Terra

56

Nasusu do ceacuteu

57

Nasusu do ceacuteu

58

Nasusu do ceacuteu

172

59

Nasusu do ceacuteu

60

Nasusu do ceacuteu

61

Nasusu da

Terra

62

Nasusu do ceacuteu

63 (foto de

Cristina

Martins

Fargetti)

yahaha do ceacuteu

173

64

nasusu do ceacuteu

65

nasusu do ceacuteu

66

nasusu do ceacuteu

67

nasusu da

Terra

174

68

nasusu da

Terra

69

nasusu da

Terra

70

nasusu do ceacuteu

175

71

nasusu da

Terra

72

nasusu do ceacuteu

73

yahaha (o

informante

natildeo soube

dizer se era do

ceacuteu ou da

terra)

176

74 (foto de

Arewana

Juruna)

nasusu do ceacuteu

75

kamaperuperu

76

nasusu da

Terra

77

nasusu (o

informante

natildeo soube

dizer se era da

Terra ou do

ceacuteu)

177

78 a (visatildeo

da parte

exterior

da asa)

nasusu do ceacuteu

78 b (asas

abertas)

79

nasusu da

Terra

80

yahaha fraca

(da terra)

178

81

nasusu do ceacuteu

82

nasusu da

Terra

83

nasusu da

Terra

84

Nasusu do ceacuteu

179

85

nasusu do ceacuteu

86 a(asas

abertas)

kamaperuperu

86 b (asas

fechadas)

180

87

nasusu do ceacuteu

Page 5: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO...Zoologia e Botânica do IBILCE de Sâo José do Rio Preto), ao Prof. Dr. Nelson Papavero (a quem, aliás, devo agradecer por ter me

Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a

quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e

acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e

Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli

que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-

graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia

entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros

A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica

Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva

Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou

eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e

afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis

pelos conselhos momentos de alegria desabafos

A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr

Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova

monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha

com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave

minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra

tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me

oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar

no qual desmaiar

Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante

aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-

conhecimento

E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as

quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia

Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me

fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a

Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja

menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)

devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui

tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os

ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo

[]

Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual

Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu

Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu

Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)

RESUMO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de

mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees

terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente

porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos

miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por

noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses

―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar

estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de

Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)

Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade

entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na

Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como

Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-

tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico

cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses

espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar

neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba

(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente

programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que

foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna

(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-

las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade

com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees

enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e

revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online

Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas

REacuteSUMEacute

Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet

de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des

contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons

Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles

linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui

concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure

maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue

JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave

leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de

Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de

ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous

basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches

dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle

de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-

culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans

les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre

consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les

modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80

dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne

nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes

momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen

dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents

photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les

histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions

encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront

deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba

ou lors de reacuteunions en ligne

Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99

Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo

ocidental

139

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28

Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28

Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29

Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101

Foto 8 Lagarta com verrugas 102

Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-

onccedila

118

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras

TCT Teoria Comunicativa da Terminologia

TE Terminologia Etnograacutefica

TGT Teoria Geral da Terminologia

Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho

Sumaacuterio

1Introduccedilatildeo 14

2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas

autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18

22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de

liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua

relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24

24 Sobre os juruna 25

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30

26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31

3 Aporte teoacuterico 39

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo

empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por

dada comunidade 39

31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o

leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65

321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

67

3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74

3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o

enxerga 81

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94

4 Metodologia 105

5 Resultados e Discussatildeo 110

6 Consideraccedilotildees finais 135

Referecircncias 140

Bibliografia 147

Apecircndices 150

Apecircndice A 151

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas

durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para

contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos

objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos

saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como

borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar

A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as

lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo

geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam

em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de

maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo

dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos

autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees

ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de

seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o

que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs

Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo

que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por

nossa orientadora

Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no

levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados

formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes

na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato

Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os

quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos

para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da

Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas

brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os

conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia

Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este

conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem

15

sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-

indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)

discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas

juruna poderiam ser lematizadas

Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura

desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo

embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2

Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia

de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo

para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)

Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos

pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre

avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas

brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees

diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim

falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os

singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma

Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na

aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff

e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes

da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o

estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais

signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos

―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato

com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava

Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem

antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo

aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias

saussurianas apenas em partes

Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das

mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo

norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua

16

diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de

uma obra lexicograacutefica)

Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)

sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos

tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias

atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e

Lima (1996)

Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as

etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a

epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais

Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas

utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as

nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais

aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como

demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4

18

2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS

QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS

Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver

precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando

sua relevacircncia

Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de

justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e

documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as

indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os

insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades

21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros

Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo

muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo

passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada

inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como

mero fornecedor de informaccedilotildees

Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio

na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos

falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle

Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam

uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees

indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes

fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral

costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele

ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes

como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um

personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado

―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo

omitidas

Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando

Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das

19

variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou

classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como

se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)

Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que

Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos

desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo

escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados

a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por

preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista

desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo

(MOSCARDINI 2011 p 7)

Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que

se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees

pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos

cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas

linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais

por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-

indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de

Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e

obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter

negativamente ―diaboacutelico

Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com

relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico

―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses

se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o

referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma

―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o

―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade

Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que

Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi

exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem

do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na

psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria

do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em

gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave

marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se

como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se

deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a

20

partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua

sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um

passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel

ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem

primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam

muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se

atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)

Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute

patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito

anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica

de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento

segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam

nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de

antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como

uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel

―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu

problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente

atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior

Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute

comentavam que

A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a

reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais

satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila

nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal

nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade

(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)

Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e

infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem

o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de

uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em

aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998

p 18)

21

2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas

indiacutegenas brasileiras

De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios

como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na

subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo

desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na

deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os

idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com

respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos

palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas

Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a

descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso

no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra

lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de

campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas

alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal

projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo

Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos

lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de

Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que

contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo

metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo

aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos

Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)

Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes

Vaneti Mateus e Fargetti (2018)

A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma

documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo

semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os

resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a

consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas

Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens

22

juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que

foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel

Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de

cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as

informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)

Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e

comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para

aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora

concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos

cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves

encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre

os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de

partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados

por um ou mais radicais (BERTO 2013)

Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo

participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico

juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou

com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e

equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees

morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas

Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais

recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o

desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por

vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas

buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco

musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas

iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de

pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias

Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por

Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras

(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos

yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-

gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo

semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios

23

lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras

se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas

sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade

linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou

demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas

aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete

Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia

de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas

indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia

utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)

pretendia

[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees

possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os

lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de

determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017

p 5)

Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram

lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos

musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)

Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens

os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia

Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os

nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias

colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento

ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e

chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na

verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o

equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos

itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso

o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia

anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente

haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e

descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte

Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as

realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e

24

exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma

dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a

outras realizaccedilotildees possiacuteveis

23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-

cientiacutefica para as comunidades estudadas

Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)

ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013

p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a

necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas

que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti

(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando

a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)

Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a

importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que

concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem

humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem

confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades

indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de

materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de

elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as

etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a

preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-

culturais dessas populaccedilotildees

Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o

estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire

relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate

de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos

objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos

pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico

das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas

realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser

documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado

25

inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido

aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica

pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca

de contato Como salienta Peixotto (2013)

Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm

51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo

Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato

Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e

atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais

novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o

Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de

27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas

representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti

Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro

Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng

(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)

tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A

aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o

uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando

do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque

(PEIXOTTO 2013 p 9-10)

Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu

Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor

conheccedila tal povo

24 Sobre os juruna

Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60

hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no

Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem

ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca

26

de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena

Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda

Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a

liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e

manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam

eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica

Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que

A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []

encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no

extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados

por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou

escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa

migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos

indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros

Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e

Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX

devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio

Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando

entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave

foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma

regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu

Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna

tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano

depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a

fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para

a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os

juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute

aldeia fixando-se todos em Tubatuba []

A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas

moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da

antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)

Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna

tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute

27

fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom

alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais

Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-

fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e

dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (

e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e

) e cinco nasais ( e ))

Como afirma Berto (2013)

De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma

liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico

C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a

esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um

radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os

constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto

verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de

reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)

Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe

da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o

excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave

formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)

vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz

questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo

Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos

e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar

o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com

resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de

vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute

que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a

mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares

Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida

fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas

corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros

povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)

Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as

mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques

zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham

28

banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados

pelos membros femininos das aldeias

No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como

ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas

[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de

farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba

que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado

quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia

permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)

Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Foto 4 casa em construccedilatildeo

Fonte Mateus (2017)

29

Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba

Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)

Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como

comenta Peixotto (2013)

O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira

como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos

brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma

depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos

macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais

satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados

caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua

(PEIXOTTO 2013 p 22)

Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para

que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []

que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios

muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)

Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como

confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que

proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela

comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a

autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em

FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria

embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os

distinguia uma tatuagem

[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha

vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a

partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no

queixo (FARGETTI 2017 p 25)

Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -

continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo

quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de

assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas

30

Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e

tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um

dicionaacuterio da liacutengua juruna

Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa

orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar

os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores

envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos

terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa

em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna

sobre os ―insetos como comentado abaixo

25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos

No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam

Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de

animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes

ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo

do conhecimento da biodiversidade do planeta

Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas

uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e

tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos

de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela

chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas

superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas

formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de

plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo

Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de

algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de

servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a

algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e

alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo

dos solos

Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar

natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de

31

insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000

espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como

tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como

um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao

homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas

a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves

escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com

formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas

que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes

Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros

pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de

gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem

disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de

outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou

somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)

2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico

Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia

terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a

globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-

tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados

internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas

de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade

(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que

[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na

Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas

quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em

alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)

Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo

uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as

referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades

leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que

passariam a adquirir novos valores especializados

32

Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o

leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki

(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos

embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista

descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na

verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem

descriccedilotildees realmente cientiacuteficas

Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear

qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como

―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades

miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste

texto)

Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que

[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o

conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos

fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel

analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias

(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico

morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash

por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza

na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute

relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos

nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)

Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave

cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira

Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO

2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do

universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees

puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos

praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os

resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura

material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para

geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um

ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas

variadas disciplinas de coleacutegios)

Nas palavras de Abbade (2006)

Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter

falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e

33

socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A

linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas

palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um

povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo

que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes

haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de

um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de

pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e

necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e

linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do

leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo

Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada

um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles

caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute

consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do

leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos

morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p

716)

Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas

―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico

que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem

sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos

lexicoacutegrafos deveria ser

[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico

[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a

consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras

adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio

natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto

de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma

abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da

comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []

O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o

conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em

unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que

nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a

outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber

que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus

usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de

vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se

aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos

dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)

Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos

(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos

cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees

crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute

mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo

mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade

―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco

34

natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim

denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem

desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que

ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a

indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um

ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma

mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma

valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de

parceiras afetivas

Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar

que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que

portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o

cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues

marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com

uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute

porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos

menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do

conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito

Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos

(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios

monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-

Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras

de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua

(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria

apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua

comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras

A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir

uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir

uma competecircncia gramatical oacutetima

Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua

vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar

adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem

quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que

elas regem

Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem

um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo

eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas

palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem

35

todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou

nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida

ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de

empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por

outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim

certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-

DEBOVE 1984 p 57-58)

Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como

comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes

de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as

variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto

opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive

vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas

Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que

natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos

(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)

Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais

pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade

juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou

um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se

poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de

opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a

questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da

lexicologia e da terminologia

Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos

etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles

natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs

ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute

de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada

espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento

ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode

ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse

sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas

especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute

distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando

antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])

36

Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite

dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em

que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua

Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes

de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um

conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo

cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de

nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo

realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio

Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna

De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como

vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem

se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante

do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e

indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em

juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para

responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer

que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a

comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos

De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de

borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por

toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada

terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas

De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o

leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees

culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos

com Biderman (1998) quando ela afirma que

[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes

dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse

universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o

leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da

linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)

Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as

seccedilotildees seguintes

37

Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as

borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que

pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do

Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais

desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como

―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)

poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue

Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e

ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar

somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras

listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente

potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson

(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave

perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-

converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares

equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador

traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e

semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse

uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da

versatildeo grega

Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as

limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma

anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema

em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes

(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no

sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos

limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar

mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como

borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo

haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo

adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute

apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee

diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo

38

Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs

como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que

para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem

Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que

justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados

39

3 APORTE TEOacuteRICO

Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas

abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos

citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela

comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder

criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos

de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os

idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)

Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas

aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos

mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas

de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na

―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na

Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)

31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico

ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade

Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas

dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto

Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo

anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e

os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos

Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue

figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)

tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades

grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio

real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os

temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam

ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para

existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de

figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa

sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e

40

ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem

varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto

de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois

que perde o marido

Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud

SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De

acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo

extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade

sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no

segundo e siacutembolos no terceiro

Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a

primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato

quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a

reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo

qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam

para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria

jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz

iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo

em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo

se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa

num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque

houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado

A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada

teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma

sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos

alunos

Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que

Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo

que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como

plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a

realidade

Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto

dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as

formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua

convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com

outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se

comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN

1998 p 73)

41

Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as

consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato

histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do

possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe

status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)

Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos

para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de

formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros

satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma

fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que

existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor

citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na

liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show

(ALVES 1990)

Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo

apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as

liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido

apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos

Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e

representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em

seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se

descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum

sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash

resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada

por um nuacutecleo social na medida em que

[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute

que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre

genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com

sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um

signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos

elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a

por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no

sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa

relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos

como dormir (MATEUS 2017 p 51)

42

Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo

cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo

Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo

universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto

retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias

(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja

os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o

mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos

ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS

COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam

de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma

abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo

muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)

No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias

espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para

agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em

seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos

deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU

2010 MATEUS 2017)

Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que

tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes

sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um

lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante

nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo

que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo

de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas

entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos

que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise

Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes

mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de

sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes

soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes

acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta

uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado

43

Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico

Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo

se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e

caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos

Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar

natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo

enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se

mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)

pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico

e metafiacutesico

[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento

material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto

―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como

um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que

dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash

quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana

(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito

como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de

compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A

harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma

harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um

caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais

similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que

privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de

tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)

Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a

verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais

estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas

sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e

que se oferece para ser decifrado e interpretado

Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um

fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a

origem desse mundo

Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de

todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente

multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por

exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)

44

Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a

palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo

tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas

Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem

ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma

dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a

multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade

(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)

O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a

―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das

constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma

―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta

(CHAUI 2002 p 82)

As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais

tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a

novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais

utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia

De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista

que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire

existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa

nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo

entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que

se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por

Saussure

Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que

faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou

ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue

desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos

demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por

exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o

loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim

que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa

que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que

45

[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em

quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que

nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas

lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz

racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada

medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora

uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de

quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de

quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as

coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre

justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta

se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)

De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e

delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece

apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior

quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas

vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na

qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque

agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo

como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que

natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso

Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente

diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A

anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero

Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute

caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que

aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de

nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees

morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas

satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas

os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como

estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo

como insetos mas sim como aracniacutedeos

Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela

comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor

linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos

afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O

que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo

46

em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma

importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista

que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo

relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo

sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois

primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um

conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um

animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem

conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de

significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o

mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais

possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica

[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico

quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se

verifica)

Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos

para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de

argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em

que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma

subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a

instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu

que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer

adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como

cachorro ao qual se opotildee distintivamente

Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas

pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos

compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute

problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo

analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica

normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam

elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que

chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal

Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos

periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas

47

Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de

Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e

Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo

linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a

existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si

perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar

isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica

que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e

encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma

posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos

parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas

Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a

novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os

dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para

(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando

rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo

Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das

outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto

natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam

figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo

assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como

―Joatildeo chegou mas Maria saiu)

Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de

construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual

semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta

oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar

desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como

―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute

sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela

escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel

abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que

seria [+dependente] e [-encaixada] na principal

E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade

satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas

48

subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de

ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-

o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma

principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que

natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum

complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das

completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que

eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz

(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]

uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido

ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo

querer

Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas

aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo

complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo

nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas

de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e

isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos

agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as

explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer

(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito

(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista

Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais

subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo

geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo

provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o

falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho

de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que

minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria

em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa

agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma

generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente

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dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo

Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a

noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo

especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que

homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente

recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido

Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas

de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento

fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo

fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as

intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os

fazer decorar esses roacutetulos)

Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com

a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma

Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela

presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar

que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de

propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa

uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado

Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva

equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu

―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre

um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a

natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade

a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma

Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do

conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de

significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades

De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que

quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada

natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer

―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus

irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles

seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam

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acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos

que eu possuo

Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status

ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-

330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal

Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute

sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a

afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o

fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que

Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear

constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as

supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa

(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo

dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos

distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute

pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto

linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva

explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo

sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser

inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional

acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer

dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p

328-330)

Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a

restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo

quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo

de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava

ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava

em Osasco

Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que

inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam

configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade

material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que

fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma

construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia

bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela

regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos

comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas

51

pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo

anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de

termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo

Como salienta Rey-Debove (1984)

[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees

constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito

da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta

sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra

uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos

linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das

palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da

dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente

aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma

palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente

combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo

construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais

traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe

concebida do mesmo modo

Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal

marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode

(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir

indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que

poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma

classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos

Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo

as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais

domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau

geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente

dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte

boa)

Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo

adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter

importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica

natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se

tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo

excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)

Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens

linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses

conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema

linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias

Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana

(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)

Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o

conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas

como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto

adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma

52

ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para

mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem

Pode-se dizer portanto que

A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das

classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para

estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a

dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais

para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p

141)

Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo

por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo

Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por

adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua

indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer

reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis

A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se

distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo

semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna

ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em

classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de

diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon

(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de

adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um

criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto

contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao

juruna

Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees

em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo

genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para

funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um

predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de

verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem

nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a

intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo

do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)

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Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por

Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos

estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento

Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a

despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente

pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute

satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute

a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)

tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do

mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a

accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como

bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)

―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo

estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento

subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro

paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-

pessoais

Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo

entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma

que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar

nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que

ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e

WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se

adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas

formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira

hipoacutetese enquanto outros mais da segunda

Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria

possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o

pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a

ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito

mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o

Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que

determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades

culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o

54

povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas

morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem

Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que

[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo

haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a

cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como

devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-

cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual

fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)

3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica

De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois

uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de

forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras

Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi

comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)

Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos

costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam

sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da

mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por

exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees

dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da

mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em

virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs

Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar

sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos

Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio

leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel

que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de

opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico

ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que

conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e

descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados

Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na

medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em

55

virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado

com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de

elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de

elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar

durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos

gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)

No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees

relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais

deveriam constar num verbete Nas palavras da autora

[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua

concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo

isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -

agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de

conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os

dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo

lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)

estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata

dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o

elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa

gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso

seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash

meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum

possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)

Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se

rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e

que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)

Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo

normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas

para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa

integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de

unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos

constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)

Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)

postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos

linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e

os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda

leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute

porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico

56

passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de

referenciaccedilatildeo)

Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como

substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte

enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos

traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no

segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)

Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e

portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as

preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase

em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras

Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc

todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para

elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga

semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a

que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos

Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma

periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees

menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais

―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo

(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)

Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer

sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse

sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo

aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente

nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa

subseccedilatildeo agrave parte

312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado

homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos

de definiccedilatildeo

De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua

sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os

57

sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que

pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)

Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala

em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a

entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse

traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por

distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica

em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a

perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final

no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no

original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente

Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total

equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia

em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas

religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser

―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e

metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois

extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira

delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo

―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria

equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois

ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na

liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como

ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou

bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor

beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que

propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque

isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas

as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao

nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena

Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure

(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade

psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um

significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria

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Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que

postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos

se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo

extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao

significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material

empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como

demonstrado a seguir

Figura 1 Triacircngulo semioacutetico

Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado

Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa

univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com

os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma

significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em

todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja

vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns

autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo

com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um

conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma

expressatildeo

Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a

relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a

que ela se refere acaba se questionando

59

- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa

maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que

nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a

mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples

porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos

contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou

pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha

em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar

que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais

poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no

periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o

peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em

arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas

ou salamys (ABBADE 2006 718-719)

Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos

mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa

(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia

como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma

Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e

Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia

(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa

por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os

itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos

seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou

pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta

(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a

polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre

si

Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de

explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes

chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas

A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem

relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra

lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do

leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo

verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas

como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica

e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que

ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos

60

e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado

campo de significaccedilatildeo)

Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)

compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se

escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto

chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de

possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)

seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se

concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva

de um lexema)

E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato

do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos

seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a

tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados

com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa

uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas

O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas

lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar

tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais

de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas

natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos

idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas

em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem

relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que

[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente

lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema

Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a

explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio

traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse

lema principal (MATEUS 2017 P 40)

Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e

especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros

individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se

dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter

(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter

61

(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos

lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)

como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada

formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a

microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado

internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave

definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical

imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento

ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo

que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos

com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio

estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10

veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as

borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo

Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde

o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau

certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete

―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a

euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um

direcionamento

Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada

informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar

muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro

se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem

transparente qual acepccedilatildeo eacute esta

Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser

aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo

redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o

usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua

liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um

grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja

liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a

informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste

segundo caso

62

Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues

tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se

utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos

Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados

definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a

definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira

seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de

modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias

informaccedilotildees sobre determinado item

Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional

(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo

(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido

(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)

particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)

Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas

difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos

Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas

uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que

vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a

opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu

vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em

terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de

definiccedilotildees terminoloacutegicas que

[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e

dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por

exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do

paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU

2009 p 57)

Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que

haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um

lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem

como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo

Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de

definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as

―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de

63

veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento

morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de

―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o

caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)

Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes

ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um

conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre

as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum

elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele

que natildeo estaacute casadolsquo)

Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a

definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos

como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes

como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a

numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como

aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com

outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material

possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu

limpolsquo)

Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem

do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais

histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do

lema)

Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute

ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam

ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)

[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave

complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para

diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como

simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []

diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve

dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos

significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia

hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo

extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte

miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio

proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se

quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica

64

deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal

chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)

Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior

pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de

Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais

do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica

Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter

de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de

―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante

do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as

informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda

nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte

efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo

Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo

objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente

a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que

para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de

girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como

angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol

normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo

traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como

um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa

talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar

na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)

Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem

existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas

(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem

a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba

definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e

de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de

termos linguiacutesticos como morfema paradigma)

65

32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia

Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a

metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da

capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de

agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e

acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso

acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e

natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a

ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-

histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso

com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos

eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-

infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo

hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e

descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos

sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo

enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica

possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por

Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica

O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre

momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de

refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo

foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras

palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas

etnocecircntricas que precisam ser superadas

Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees

e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem

caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o

―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX

teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido

na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio

mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo

Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees

cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu

66

contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos

como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser

diferenccedila

Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos

trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores

quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem

ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar

despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o

mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma

pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo

estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de

investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na

descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas

―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o

mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que

aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras

Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves

descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma

comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas

das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e

Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como

apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista

um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de

um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre

elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro

Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois

haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que

focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer

deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo

muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus

(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para

as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a

comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos

cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que

67

maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou

ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela

nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser

―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes

compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que

plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento

Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e

metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em

profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no

sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em

relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os

informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o

―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de

algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista

na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo

Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram

pensados

3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de

Fargetti (2018)

Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da

pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo

das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada

Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer

que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em

torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de

especialidade de outro

Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas

dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida

como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise

criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva

de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do

conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia

68

(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas

eou digitais)

Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do

que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra

sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das

afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)

[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva

diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como

tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia

regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees

possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma

perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa

dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos

que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado

restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando

com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais

no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e

sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto

especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico

com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a

palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)

E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que

estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes

explicitando em qual deles nos alocamos

Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as

vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste

trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da

Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por

traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e

afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge

Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua

dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos

Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos

estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei

Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de

facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o

estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em

definiccedilotildees

69

Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que

seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira

diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes

(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos

transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e

elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia

ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de

variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos

quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum

Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com

destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos

satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua

profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no

sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na

relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos

Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada

―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster

Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em

qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado

ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das

ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem

a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de

outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo

participariam

Em outros termos

A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva

Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo

ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se

pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia

e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis

Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes

para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo

do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-

se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou

seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas

Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute

os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um

acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um

conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos

aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era

70

portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade

Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se

e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas

diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava

aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se

fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava

isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)

Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo

pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-

especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue

doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de

acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que

etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-

todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para

esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo

especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com

outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)

Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e

normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo

pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para

nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente

por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado

do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como

quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos

especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o

sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando

Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o

tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo

homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica

Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico

[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave

comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os

defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja

para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do

termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um

conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada

povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes

realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)

71

Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a

Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas

anteriormente

Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves

consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os

significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente

(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no

uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos

linguiacutesticos)

Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais

especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou

[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das

unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no

acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados

construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes

das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas

envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)

Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)

que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais

relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-

Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a

cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos

(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos

saberes

Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por

Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)

itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo

assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica

Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal

pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos

vaacuterios povos humanos

De qualquer modo vale ressaltar que

[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades

terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee

agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a

prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se

que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos

72

universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute

2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a

Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo

agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas

naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma

liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades

terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das

palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma

liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo

terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO

DE OLIVERIA 2011 p 311)

Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo

de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um

uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos

linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou

como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um

mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu

significado

Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na

medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo

apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam

parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que

ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro

eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o

explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo

consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a

Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo

De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)

apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas

minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos

de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo

terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna

especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a

autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja

em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre

um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja

indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI

2018)

73

Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em

Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois

Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a

autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-

cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora

questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em

―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade

entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas

nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo

profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis

outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a

pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas

―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela

denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria

Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo

alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da

Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia

constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua

geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos

em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em

propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees

culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute

sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)

Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de

borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria

Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo

conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos

Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se

baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes

ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees

culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as

nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam

contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras

Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende

render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs

que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-

se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por

meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de

especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura

material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e

natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados

alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)

74

endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e

praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade

3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas

Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees

tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que

nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes

denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por

linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo

de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo

de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove

insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu

(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o

meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e

atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e

sentido (ABREU 2010 p 27)

Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora

pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar

conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso

estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno

Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos

mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados

Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da

metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente

descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e

por que Afinal

[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades

em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os

caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o

pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)

Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de

domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na

interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos

constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como

75

―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute

grande

Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar

construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer

da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria

alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de

uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na

seccedilatildeo seguinte

323 A relevacircncia da etnoentomologia

Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de

minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em

consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como

etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e

utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da

Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e

praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas

com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey

(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo

especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)

―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais

ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)

Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode

recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas

comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de

nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)

os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia

bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como

cobras)

Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como

classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos

olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam

classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas

tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)

76

Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo

como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias

rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as

agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos

ou do que para noacutes seriam paacutessaros)

Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as

mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em

comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um

paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute

extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna

alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como

―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios

utilizam para isso

Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do

outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso

Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de

espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi

totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer

informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de

determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada

Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de

ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser

encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)

Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como

se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais

algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles

viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos

animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada

por nosso informante

Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute

levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo

que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por

uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)

De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a

classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum

niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados

77

na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos

e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o

desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo

tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila

ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a

diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades

―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos

passado

Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque

tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente

por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-

ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar

religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar

os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa

proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas

tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos

outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos

Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo

com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a

anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas

que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos

ursos que tanto idolatrava

Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma

verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que

tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e

natildeo podem ser ignoradas

Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-

muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que

lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos

antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e

uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se

aniquilem

Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da

variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse

78

dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria

relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-

indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem

consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque

uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de

outro povo esteja ―errada

Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as

virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que

eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e

repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos

danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria

Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam

ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de

pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja

―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a

fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo

novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso

Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco

conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu

estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a

sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o

cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em

preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na

pesquisa e nada mais do que aquilo

Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como

investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos

de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que

esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo

―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos

como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e

tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos

com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das

cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo

79

Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas

juruna relativos aos animais aqui averiguados

Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria

sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente

redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da

―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em

uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e

vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses

e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre

estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que

pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a

salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo

Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida

Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide

sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que

comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa

informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem

de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca

para complementar a renda

Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma

colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs

como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos

tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens

morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem

esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer

transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa

por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa

coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com

poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo

―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica

quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente

acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que

estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras

80

[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito

unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo

Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos

mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de

bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que

desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os

salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde

depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite

que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu

as nossas vidas

Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas

histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras

histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os

estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma

histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria

Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como

as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000

pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras

histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante

falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com

um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou

pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna

difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que

somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos

nossos)

Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo

como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como

―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na

contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo

estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente

criticada por Skliar (1999)

Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada

o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se

detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias

aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer

diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de

mais campos do conhecimento

Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que

Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do

Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo

quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que

havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam

infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem

histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem

histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma

transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que

outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje

(BERTO 2013 p 31)

81

Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das

nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos

quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes

humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por

Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar

tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de

Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono

como consta abaixo

3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga

O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo

quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com

eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo

espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como

entes familiares)

Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas

seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os

homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo

que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes

Jaacute a segunda gira em torno de que

[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois

eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute

necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser

representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se

oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo

exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para

os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as

fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e

amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)

Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer

que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da

categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de

posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie

tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e

alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo

82

chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que

dentro de si estaacute contido

Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e

personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de

vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do

povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute

a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de

uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)

Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos

seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como

objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a

possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados

passariam a englobar um conjunto ativo)

Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado

miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o

estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses

concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e

HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens

natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu

(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e

deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes

era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo

Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da

carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto

repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi

Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas

este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia

mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a

realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas

agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que

ficaram com os deuses era pereciacutevel

Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu

sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo

efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como

83

aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso

tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e

seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e

graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela

curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de

males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade

Mostrando mais um paralelo

[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do

que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram

apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-

guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem

comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo

do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida

capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)

Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes

nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba

sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma

desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da

cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na

condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de

doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)

De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos

tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial

Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo

muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos

pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas

as liacutenguas conhecidas

De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com

os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho

com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de

felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as

oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta

ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou

uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal

teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o

Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o

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auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a

morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma

nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas

de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a

questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos

artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido

No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos

yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a

humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos

cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na

superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com

lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo

Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou

posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de

madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco

(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei

obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho

eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que

―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que

tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite

Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado

dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros

atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto

os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser

apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa

artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que

aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com

a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis

Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um

alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de

imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo

tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja

percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a

ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute

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levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai

flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o

Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com

os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica

dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees

de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na

realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito

Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa

parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que

diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa

famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se

em questotildees positivas

Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a

algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)

―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma

das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e

roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar

recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer

como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma

raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de

desastres

De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna

de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os

seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)

em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos

imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam

sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute

mesmo espacial

Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de

uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova

assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre

renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como

primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso

andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram

novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam

errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso

ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto

um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara

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tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam

sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado

Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo

verdadeiros vatildeo virar bichos

O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu

certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava

As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma

festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas

as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos

poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os

animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar

por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e

gritos

Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o

ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando

errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes

de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um

desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada

por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia

Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna

que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele

mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse

grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele

acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o

povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna

for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete

derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os

juruna que estatildeo na Terra

Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a

Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas

(FARGETTI 2017 p41-43 )

De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o

universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de

morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo

que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas

satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos

espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)

Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por

comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo

de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu

que se vecirc e que vecirc o outro

Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam

ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a

floresta

Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em

etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam

surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente

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abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de

acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da

cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo

humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo

falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava

ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento

de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para

um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o

sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-

juruna)

Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a

partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro

momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas

que sofreram

Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese

tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico

por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num

perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se

verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro

Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo

dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os

seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)

houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a

partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees

exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois

Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula

saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria

fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede

segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se

encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO

1996 p 125-126)

Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma

manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos

entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a

pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com

paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute

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mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+

humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de

intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute

preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do

discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem

instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar

com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira

anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso

humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta

traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de

olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu

que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um

outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do

assunto que representa a terceira

Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos

os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais

(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que

os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais

(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-

se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou

aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da

cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue

como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da

carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas

garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como

organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas

ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)

Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo

comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode

receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor

Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria

aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo

espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu

um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o

―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz

uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira

pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor

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toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)

de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este

chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem

para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo

espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso

ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece

Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a

consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o

animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se

sabe isso deles

Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos

afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou

seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de

costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de

agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo

simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila

multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e

vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do

agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos

acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)

seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente

Como salienta Picelli (2016)

[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em

seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se

enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista

Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal

(PICELLI 2016 p 56)

Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto

corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas

adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se

metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel

empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano

o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este

mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com

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Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro

(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados

natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que

[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que

muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores

que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e

da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra

dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas

vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires

e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu

proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as

coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o

que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o

que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa

cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)

Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli

(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo

poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees

entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre

natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado

possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria

Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas

ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando

superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o

que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico

demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio

ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas

uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais

Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um

tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso

uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de

generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento

ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada

povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando

criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute

distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo

injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um

91

desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro

(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos

pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer

um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando

menos discriminatoacuterios

Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a

teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um

antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em

que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad

hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo

Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria

dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um

item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que

para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras

acepccedilotildees

De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a

ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-

[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se

preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave

antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de

outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees

causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das

observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser

analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica

Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua

Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista

trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea

Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao

menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama

de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo

pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees

sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas

animais e natildeo humanas

Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho

com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira

agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os

92

humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo

por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente

quando estes falavam antigamente

A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da

possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores

mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de

intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e

almas humanas

Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os

bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou

ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos

tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo

dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de

nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente

em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de

sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos

chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um

tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave

proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo

morrido haacute certo tempo

Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria

um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando

os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais

Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos

Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de

Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos

pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da

(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa

do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)

sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e

estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades

Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute

O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma

distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente

humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo

93

a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com

a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou

como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes

seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda

menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros

seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a

classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-

57)

Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de

Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o

pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele

[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo

e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada

pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os

participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como

poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores

[]

Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar

sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os

que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro

natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo

Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim

recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem

distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute

diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)

Ou seja na oacutetica da referida linguista

[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas

Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo

tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos

distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu

dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml

(FARGETTI 2017 p 280-281)

Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave

teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute

completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo

dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus

sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os

demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos

aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre

natureza e cultura

Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em

relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de

como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos

94

trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que

pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e

sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a

comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)

Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de

perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e

inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias

ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as

correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do

que dar respostas dogmaacuteticas

De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees

entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a

explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da

sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a

presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores

as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica

3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas

Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar

fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que

satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste

trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo

exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante

De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa

Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees

posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de

―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas

Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -

borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais

pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um

exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome

(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de

olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de

95

pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia

entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)

A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio

de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro

de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio

Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-

caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash

aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -

subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)

Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes

de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por

meio de coacutepula

Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao

menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam

sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos

1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas

alteraccedilotildees corporais

2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um

adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas

3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um

estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa

ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)

Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo

deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas

agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e

descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)

De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um

aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no

abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente

das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios

satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e

abdome (como todos os demais insetos)

Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras

de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos

96

um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide

(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome

com um aparelho sexual externo

Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco

criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos

a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a

morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de

clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao

corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero

pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo

noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o

corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo

(coberto de cerdas)

Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e

passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo

produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de

Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe

(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula

(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do

ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo

(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do

sugador maxilar conhecido como espirotromba

Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas no blog Agromais

97

Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas

membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar

ou correr

Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero

Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)

Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e

geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo

originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo

na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees

Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo

a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a

temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo

com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie

de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))

Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas

de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida

de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de

neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de

formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o

mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a

garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem

mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito

das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas

e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e

anais)

Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da

venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de

Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de

98

homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo

eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de

ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a

subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na

segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e

posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5

nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a

subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que

uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou

fundida com a A2

Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com

escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas

sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de

baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos

Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute

famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de

borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta

MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido

dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e

como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na

medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis

Ipsilon

Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa

tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada

segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos

segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8

(MARTINELLI 2018)

Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de

Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes

ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas

esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de

pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos

Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a

classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao

99

nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os

animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas

filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo

criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos

ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um

espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa

uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade

para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois

tamanhos)

Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura

que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral

(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica

dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte

mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)

Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais

formando bandas transversais como esquematizado abaixo

Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)

100

Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas

fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de

ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa

Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie

(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os

ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles

forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea

Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos

ganchos

Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e

as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar

generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees

taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a

depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso

(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute

numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que

esta eacute seguida pela supra-espiracular

Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta

Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)

No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees

Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto

pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de

Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda

101

presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de

Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um

conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez

se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas

e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas

inseridas numa elevaccedilatildeo

Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir

Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos

Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees

colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)

Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Foto 7 Lagarta com verriacuteculas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

102

Foto 8 Lagarta com verrugas

Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal

Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos

das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos

e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)

Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido

como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte

dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um

cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira

Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou

amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas

lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos

(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na

areia uacutemida

E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO

(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da

parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO

(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e

manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO

(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul

metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou

estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que

alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia

evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta

gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos

saturniacutedeos e noctuiacutedeos

103

A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com

corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as

posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas

lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que

lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o

Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas

marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam

de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa

posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos

amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas

posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na

mandioca na seringueira no mamoeiro)

A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como

Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por

insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com

pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas

Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo

possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes

(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta

(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina

(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em

pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda

brasileiro)

E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange

normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a

Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior

envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a

Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras

leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)

105

4 METODOLOGIA

Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente

elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano

inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo

Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na

elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais

nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de

natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)

Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava

levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos

Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto

maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com

um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias

performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas

Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente

para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os

dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da

ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no

escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna

Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem

alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com

motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu

povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim

contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da

resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender

questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos

de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu

povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma

vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem

apenas Portuguecircs

Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute

triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas

Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura

106

Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original

fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde

atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de

mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em

questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas

como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas

as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros

povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)

Como afirma Fargetti (2017)

Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou

monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um

sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso

ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e

conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender

sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este

diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha

cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar

na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou

encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num

decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)

Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem

a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na

seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um

―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante

especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo

apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir

da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo

pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento

conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs

interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de

dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)

Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar

espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica

atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))

que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de

acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas

fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas

107

com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em

recipientes de vidro para conservaccedilatildeo

Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez

que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos

animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para

renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois

sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute

a Terra (FARGETTI 2015 p 102)

Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na

companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com

o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam

Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia

Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos

em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais

exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie

filo)

Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no

projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso

consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute

comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse

fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais

guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de

determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que

efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em

relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua

Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e

como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses

(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado

acima) este estudo focou-se nas formas adultas

Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em

borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos

―insetos

108

Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a

jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para

facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna

Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que

posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome

em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica

sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade

entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas

este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora

tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute

comentado

Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As

perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees

de entrevista anteriores

Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam

ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o

animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash

quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que

havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas

Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego

como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna

classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica

atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual

(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se

tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de

classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso

Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro

recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes

a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia

mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito

que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de

acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando

no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando

natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas

109

Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a

certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que

poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque

De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total

temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de

entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns

viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na

aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e

tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas

estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual

realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de

histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as

ouviam

Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa

da seguinte maneira

1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento

bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos

2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento

bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos

3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou

praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da

aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na

beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que

foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A

maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias

juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente

produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas

de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa

orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs

mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna

4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento

digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens

de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas

110

5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo

(jaacute fora de Tuba-Tuba)

6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas

iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico

7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por

arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)

8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o

exame de defesa

9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas

essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na

captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados

obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees

anteriores

110

5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os

juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo

natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia

cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar

que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees

alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo

em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar

em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados

coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de

entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e

nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica

restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja

nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas

Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador

juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um

trabalho especiacutefico descrito abaixo

Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante

uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash

num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de

um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute

hoje

Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de

Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item

veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente

num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar

Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram

a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje

Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque

tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado

agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a

histoacuteria ele sabia mais Xipaya

111

Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)

tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas

performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho

Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para

ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado

que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e

apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser

em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto

quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos

Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado

Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio

Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

112

Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo

informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar

a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam

estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no

verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo

ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a

frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento

que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)

Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos

terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto

Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia

atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se

atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o

espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses

eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo

atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de

infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba

morrendo

Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas

que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem

vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece

representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do

coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas

nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de

origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que

possuiacuteam em seus locais de origem

Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc

alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as

tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de

apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a

viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de

jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado

fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado

113

Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)

acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto

para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele

precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu

adoecimento ou na sua morte

Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti

(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud

SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada

o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)

apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem

fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse

animal antes que ele abra a boca

Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia

Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos

humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma

metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade

averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos

foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes

cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns

humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os

descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com

outros seres

Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash

ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar

este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma

aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu

mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)

Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o

especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no

ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua

dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses

questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam

assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de

agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas

114

humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu

habitat natural

Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa

para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como

operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute

Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em

seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para

Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que

podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de

mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um

inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos

nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa

protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba

Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo

representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar

(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que

descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e

transformando suas roupas coloridas em asas

115

Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada

De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando

estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando

estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos

Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo

relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a

caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna

receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas

nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam

ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna

Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas

fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos

desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco

Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees

pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O

primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo

bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num

etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia

indiacutegena pesquisada

Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora

por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os

postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e

qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores

como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens

lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como

evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos

obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles

comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas

Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias

poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos

como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da

categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish

(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que

respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)

116

Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar

apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros

De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com

Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas

sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a

4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta

haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que

abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores

chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e

compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo

abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado

inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-

boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs

elementos)

Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)

Fonte Berto (2013 p 91)

Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos

dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao

menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente

impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto

(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p

96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou

seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo

juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles

117

Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo

depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto

―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados

afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de

kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade

bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon

animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes

de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis

criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto

Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas

Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes

do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso

informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais

ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas

As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos

de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como

kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e

contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa

porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes

Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que

parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos

Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que

―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o

que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito

tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar

A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo

menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de

modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo

do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-

nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item

que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte

De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de

duacutevida uma das direccedilotildees

118

Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e

termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha

revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a

ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as

partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor

de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas

das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo

Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu

Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)

Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila

Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente

Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila

Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila

Ixibia bunda delelsquo Parte posterior

Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa

Itaba boca delelsquo Boca

119

Iatildetaba antena delelsquo Antena

Iwa matildeo delelsquo Pata

Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar

Ipewa asa delelsquo Asa

Itxab barriga delelsquo abdocircmen

Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees

metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e

num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes

desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base

Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais

informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para

todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas

entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um

pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula

anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose

Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se

denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir

do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies

Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que

metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime

Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das

―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do

mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando

momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos

representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias

diferentes

Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a

necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um

dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees

120

Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos

mais de uma vez

A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do

espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia

bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico

e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo

taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave

classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute

apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e

duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar

planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de

seiva)

Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo

especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais

que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees

diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de

animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem

distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais

aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis

cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso

na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a

chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de

―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-

ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios

gerais da liacutengua

A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo

lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico

geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa

dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu

Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com

os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir

distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente

tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a

mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que

121

quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa

ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum

kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um

diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia

sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se

esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem

disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total

certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de

Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como

borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo

similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos

abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)

representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro

Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja

Fonte Palo Jr (2017)

De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos

sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo

lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)

exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)

como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna

Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da

pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria

contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da

forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns

122

idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em

siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)

Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra

que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com

que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave

fauna- jaacute havia mencionado tal fato

Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre

as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo

segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma

de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a

forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua

antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor

marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas

como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)

Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que

para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar

doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-

tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela

tornam-se improacuteprias para consumo humano

Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua

para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por

isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os

termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse

necessidade de apenas uma entrada nasusu

Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na

esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea

especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo

se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)

possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as

menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que

quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de

sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do

ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo

providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido

bicho

E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo

papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim

123

de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila

para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia

Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou

anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como

entradas autocircnomas

Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como

mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas

ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um

tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais

Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar

voar muito

Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem

que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da

Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as

mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase

adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a

horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais

seres aqui averiguados

Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte

comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o

animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo

do dia ou se haacute matizes disso

Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como

as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que

sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar

alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um

contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes

ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu

passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu

e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu

De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do

ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra

kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)

124

que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez

que natildeo tecircm forccedila para isso

Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de

tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto

as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo

trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as

segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo

Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma

questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute

muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e

natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa

obra terminograacutefica)

Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo

terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)

satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto

de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave

capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o

ceacuteu

Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos

de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas

nasusu1 (do ceacuteu) nasusu

2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos

sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila

aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha

2 (da terra)

Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como

se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave

macroestrutura se organiza alfabeticamente

Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes

com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito

didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras

sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre

parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza

gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo

enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com

notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a

125

qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente

compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos

Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com

substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados

Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais

adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna

126

NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista

juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito

pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-

falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a

sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de

―borboletas

Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos

eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos

dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam

para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta

Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos

diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum

Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria

estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna

127

Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute

incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave

comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas

utilizam nasusu para todos esses animais

128

KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido

de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)

relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma

alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em

alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu

Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua

Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento

proacuteximo

Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em

suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de

onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono

conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja

punido

129

NASUSU1

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno

desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode

retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a

maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu

Fonte Mateus (2017)

Fonte Arewara Juruna (2017)

Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar

a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois

sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente

sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um

tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a

embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas

que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua

funccedilatildeo

130

Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)

131

NASUSU2

nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e

originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas

floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de

modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando

ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa

Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho

intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha

do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo

voando no ar

Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas

na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas

natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas

yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores

132

Fonte Mateus (2017)

YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas

antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo

transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite

Fonte Mateus (2017)

Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que

mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute

por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna

essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de

flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se

metamorfosear num beija-flor

133

Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira

em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos

iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas

nesta seccedilatildeo

Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa

orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer

simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson

(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo

por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim

denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba

culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas

Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados

alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista

para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o

mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item

(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse

como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele

como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a

nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas

sim seres distintos com certo grau de parentesco

De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que

pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes

fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e

idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente

ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)

Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui

estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar

entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser

retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores

nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem

apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI

(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como

demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa

134

orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome

formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo

Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo

hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado

acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe

para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma

nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma

categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira

em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma

definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse

possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui

estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe

Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa

ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional

(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada

e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou

famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna

Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas

proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o

modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como

uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem

muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees

fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode

distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia

Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa

orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas

De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as

hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa

orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de

iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares

digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar

a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet

Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui

utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y

135

6 Consideraccedilotildees finais

Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos

juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que

seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia

como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo

da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-

aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica

Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos

diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico

Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade

haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais

analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em

contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja

como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de

minha liacutengua materna

Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER

2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se

queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si

mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas

entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que

psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as

convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o

super ego

Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e

de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus

instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave

infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais

envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que

aceitar que elas existem anteriormente a ele

Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam

completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser

(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar

marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam

inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em

136

determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia

dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia

que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma

sociedade de classes (idem ibidem))

Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um

ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos

aos quais somos submetidos

Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas

produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam

submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria

(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois

foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras

internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata

para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance

(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)

Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras

internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam

sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria

espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa

porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema

artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas

antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas

Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para

metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um

ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees

recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que

sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo

realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma

Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute

justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com

nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao

tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena

brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um

analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los

137

anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a

menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria

muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de

compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas

nos referidos animais

Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer

investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto

de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma

banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la

de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam

natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele

ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim

relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash

se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo

Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o

talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a

individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas

precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma

―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao

texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no

nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece

com os poetas ―imortais que o precederam

Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute

haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda

concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e

reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente

existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por

outro orientado por este uacuteltimo

Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente

―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui

mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas

dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de

outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo

muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a

138

destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de

dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos

assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando

Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros

estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo

de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse

povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao

menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima

complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros

Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com

estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE

CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os

juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes

natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos

tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso

De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram

dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os

referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral

Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo

relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais

Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto

nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de

formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista

juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do

animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo

um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)

Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco

entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados

para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as

kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de

mariposaslsquo)

Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto

aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte

forma

139

Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental

Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria

Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados

redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo

desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses

protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos

simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo

dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles

Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente

natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram

como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia

por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba

Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores

140

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APEcircNDICES

151

Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna

Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo

juruna

1

kamaperuperu

2

Nasusu do ceacuteu

3

Nasusu do ceacuteu

152

4

Nasusu do ceacuteu

5

Nasusu do ceacuteu

6 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

153

6 b (asas

fechadas)

7

Nasusu do ceacuteu

8

Nasusu do ceacuteu

154

9

Nasusu do ceacuteu

10

Nasusu do ceacuteu

11

Nasusu do ceacuteu

155

12 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

12 b (asas

fechadas)

13 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

13 b (vista

lateral)

156

14

Nasusu do ceacuteu

15

Nasusu do ceacuteu

16 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

157

16 b (asas

abertas)

17 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

17 b (vista

lateral)

18 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

158

18 b (asas

abertas)

19

Nasusu do ceacuteu

20

Nasusu do ceacuteu

159

21

Nasusu do ceacuteu

22

Nasusu do ceacuteu

23

Nasusu do ceacuteu

160

24 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

24 b (asas

abertas)

25

Nasusu do ceacuteu

26

Nasusu do ceacuteu

161

27

yahaha da

Terra

28

Nasusu do ceacuteu

29 (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

162

29 (vista

lateral)

30

Nasusu do ceacuteu

31

yahaha da

Terra

163

32

Nasusu do ceacuteu

33

Nasusu do ceacuteu

34

Nasusu do ceacuteu

35 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

164

35 b (asa

aberta)

36 a (vista

lateral)

Nasusu do ceacuteu

36 b (asa

aberta)

165

37

Nasusu do ceacuteu

38

Nasusu do ceacuteu

39

Nasusu do ceacuteu

40

Nasusu do ceacuteu

166

41

yahaha da

terra

42 a (vista

lateral)

Nasusu da

Terra

42 b (asa

aberta)

43

kamaperuperu

167

44 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

45 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

46 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu da

Terra

168

47 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

48 a

(Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

asa aberta

Nasusu do ceacuteu

48 b (Foto

de Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

vista

lateral

169

49 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

50 (Foto de

Liacutegia

Egiacutedia

Moscardini

Nasusu do ceacuteu

51

Nasusu do ceacuteu

170

52 a (asas

abertas)

Nasusu do ceacuteu

533 (vista

lateral)

54

Nasusu do ceacuteu

171

55

Nasusu da

Terra

56

Nasusu do ceacuteu

57

Nasusu do ceacuteu

58

Nasusu do ceacuteu

172

59

Nasusu do ceacuteu

60

Nasusu do ceacuteu

61

Nasusu da

Terra

62

Nasusu do ceacuteu

63 (foto de

Cristina

Martins

Fargetti)

yahaha do ceacuteu

173

64

nasusu do ceacuteu

65

nasusu do ceacuteu

66

nasusu do ceacuteu

67

nasusu da

Terra

174

68

nasusu da

Terra

69

nasusu da

Terra

70

nasusu do ceacuteu

175

71

nasusu da

Terra

72

nasusu do ceacuteu

73

yahaha (o

informante

natildeo soube

dizer se era do

ceacuteu ou da

terra)

176

74 (foto de

Arewana

Juruna)

nasusu do ceacuteu

75

kamaperuperu

76

nasusu da

Terra

77

nasusu (o

informante

natildeo soube

dizer se era da

Terra ou do

ceacuteu)

177

78 a (visatildeo

da parte

exterior

da asa)

nasusu do ceacuteu

78 b (asas

abertas)

79

nasusu da

Terra

80

yahaha fraca

(da terra)

178

81

nasusu do ceacuteu

82

nasusu da

Terra

83

nasusu da

Terra

84

Nasusu do ceacuteu

179

85

nasusu do ceacuteu

86 a(asas

abertas)

kamaperuperu

86 b (asas

fechadas)

180

87

nasusu do ceacuteu

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