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UMA SEQUÊNCIA DE ENSINO PARA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DAS LEIS DE NEWTON Ítalo Nelson Dantas dos Santos Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional do Cariri no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Orientadora: Profª Drª Joelma Monteiro de Souza Co-orientador: Dr. Francisco Augusto da Silva Nobre Juazeiro do Norte - CE Janeiro de 2017

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UMA SEQUÊNCIA DE ENSINO PARA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DAS LEIS DE

NEWTON

Ítalo Nelson Dantas dos Santos

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional do Cariri no Curso de Mestrado

Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.

Orientadora:

Profª Drª Joelma Monteiro de Souza Co-orientador:

Dr. Francisco Augusto da Silva Nobre

Juazeiro do Norte - CE

Janeiro de 2017

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UMA SEQUÊNCIA DE ENSINO PARA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA

CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DAS LEIS DE NEWTON

Ítalo Nelson Dantas dos Santos

Orientadora:

Profª Drª Joelma Monteiro de Souza

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação da

Universidade Regional do Cariri no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Ensino de Física

Juazeiro do Norte - CE Janeiro de 2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

S237s Santos, Ítalo Nelson Dantas dos Uma Sequência de Ensino para Inserção da História e

Filosofia da Ciência no Ensino de Física: Uma Experiência de Ensino das Leis de Newton / Ítalo Nelson Dantas dos Santos–Juazeiro do Norte: URCA / IF, 2017.

vi, 73 f.: il. Orientador: Dra. Joelma Monteiro de Souza Co-Orientador: Dr. Francisco Augusto Silva Nobre

Dissertação (mestrado) – URCA / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (MNPEF), 2017. Referências Bibliográficas: f. 52-54.

1. Ensino de Física. 2. Filosofia das Ciências. 3. Leis de Newton. I. Souza, Joelma Monteiro de. II. Nobre, Francisco Augusto Silva. III. Universidade Regional do Cariri, Instituto de Física,

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (MNPEF). IV. Uma Sequência de Ensino para Inserção da História e Filosofia da Ciência no Ensino de Física: Uma Experiência de Ensino das Leis de Newton.

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Dedico esta dissertação à minha família, em especial à minha esposa Karina

Guimarães e minha filha Isabella Dantas, pois nelas encontrei apoio, fortalecimento e motivação para realização deste trabalho.

Também dedico este trabalho, in memoriam,à Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro de Souza, que infelizmente não pode ver o resultado do seu esforço e dedicação, mas cumpriu

com êxito seu papel de orientadora.

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Agradecimentos

Agradecimentos póstumos à minha mãe, a Sra. Francisca Dantas, que deixou para mim e meus irmãos o legado da educação e dedicação ao trabalho.

À toda minha família, que sempre prestou total apoio nessa minha jornada e está comigo nas conquistas e derrotas.

Ao corpo de professores do MNPEF – Polo URCA, em especial à minha orientadora, a Prof.ª Joelma in memória e ao coordenador do mestrado e meu co-orientador, o Prof. Augusto, pelo bom empenho, dedicação e paciência com os mestrandos.

À SBF por levar o curso de mestrado às várias localidades do país. Aos colegas de turma do mestrado, Carlos, Gerlânio, Ícaro, João Paulo, Jorge,

Rodrigo, Sérgio, Tiago e Vladimir, pelo companheirismo e solidariedade nos momentos em que passamos por dificuldades. Ao Capitão Rosendo, coordenador pedagógico do Colégio da Polícia Militar do

Ceará em Juazeiro do Norte – CE, por disponibilizar as turmas para a aplicação deste trabalho, bem como ao Prof. Sílvio pelo apoio prestado e aos alunos do 1° ano

do ensino médio pela receptividade e interação nas aulas ministradas.

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RESUMO

UMA SEQUÊNCIA DE ENSINO PARA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA

DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DAS LEIS DE NEWTON

Ítalo Nelson Dantas dos Santos

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro de Souza

Co-orientador:

Dr. Francisco Augusto da Silva Nobre

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional do Cariri no Curso de Mestrado Profissional de Ensino

de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física

A presente dissertação traz uma discussão sobre a aplicação da História e Filosofia da Ciência no ensino de Física como forma de promover uma aprendizagem mais

crítica dessa disciplina. A proposta envolve uma sequência de ensino com cinco passos que buscam contemplar, além dos conceitos inerentes ao conteúdo, o contexto histórico em que foi formulada a teoria em questão. Essa sequência tem

como principal objetivo combater a visão distorcida sobre a natureza da ciência, adquirida pelos alunos nas salas de aula tradicionais, e como forma de testá-la, foi

realizada uma intervenção didática no Colégio da Polícia Militar do Ceará em Juazeiro do Norte, em uma turma do 1º ano do ensino médio. O conteúdo ensinado foi “As Leis de Newton” e a historiografia levada para sala de aula foi adaptada

usando-se como referência a Teoria da Transposição Didática de Yves Chevalard, que tem como característica principal o enfoque nos conteúdos como parte da

relação didática. Os resultados da intervenção estão descritos e comentados nesta dissertação e nos levaram a conclusões positivas que mostraram ser viável esse tipo de abordagem, constituindo uma alternativa para o bom ensino de Física. A

conclusão deste trabalho de mestrado teve como produto educacional um manual contendo a sequência de ensino e um exemplo de sua aplicação para as Leis de

Newton, cujo objetivo principal é auxiliar professores do ensino médio que desejam inserir a História e Filosofia da Ciência em sua prática docente.

Juazeiro do Norte - CE Janeiro de 2017

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ABSTRACT

A TEACHING SEQUENCE TO THE INSERTION HISTORY AND SCIENCE'S

PHILOSOPHY IN THE PHISYCS TEACHING: A HIGH SCHOOL EXPERIENCE OF NEWTON'S LAWS

Ítalo Nelson Dantas dos Santos

Supervisor(s): Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro de Souza

Co-orientador:

Dr. Francisco Augusto da Silva Nobre

Abstract of master’s thesis submitted to Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional do Cariri no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), in partial fulfillment of the requirements for the degree Mestre em

Ensino de Física.

The present dissertation brings a discussion about the Science's History and Philosophy in the Physics teaching as a way to promote a more critical learning of

this subject. The proposal involves a teaching sequece with five steps seeking to contemplate, besides the inherent concepts of the content, the historical context that

the theory in question was based on.This sequence has as main purpose to oppose the distorted vision about the Science's nature, acquired by the students in the traditional classrooms and, as a way to test it, was performed a didact intervention in

the School of Police Military of Ceará, in a first grade of high school class. The subject taught was "Newton's Laws" and the historiography took to the classroom

was adaptated using as a source the Yves Chevalard theory, called "Didactic Transposition Theory", that has as main characteristc the focus on the subjects as part of the didactic relation. The results of the intervention are described and

reviewed in that dissertation and take us to positive conclusions that shows be viable that kind of aproaching proposal, constitutingan alternative to a good Physics

teaching. The conclusion of that master's degree work had as educational product a manual containing the sequence of teach and an example of that's application for Newton's Laws, that the main goal is to help high school teacher that want to put

History and Science's Philosophy into their teaching practice.

Juazeiro do Norte - CE January of 2017

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Sumário

Capítulo 1 Introdução ..................................................................................................... 9 Capítulo 2 A História e Filosofia da Ciência e o Ensino de Física............................... 12

2.1 Uma tendência atual ........................................................................................ 12 2.2 História e Filosofia da Ciência como ciência .................................................. 14 2.3 Dificuldades em se aplicar a HFC no ensino ................................................... 15

2.4 A Transposição Didática no uso da HFC ......................................................... 17 Capítulo 3 51eis de Newton.......................................................................................... 20

3.1 Contexto Histórico ........................................................................................... 20 3.2 Conceitos que envolvem a HFC ...................................................................... 22

Capítulo 4 Metodologia ................................................................................................ 25

4.1 Pesquisa qualitativa através da aplicação de uma sequência de ensino ........... 25 Capítulo 5 Produto Educacional e sua aplicação em sala de aula ................................. 29

5.1 Manual de apoio ao professor para a inserção da HFC no ensino de Física ... 29 5.2 A intervenção ................................................................................................... 29

5.3 Avaliação das respostas dos alunos .................................................................39

Capítulo 6 Conclusão..................................................................................................... 49 6.1Através da HFC podemos fugir do modelo tradicional ..................................... 49

6.2A HFC não se resume a uma mera introdução dos conteúdos .......................... 49 6.3A HFC não substitui outras formas de ensinar Física........................................ 50 6.4A HFC deve fazer parte da formação docente ................................................... 50

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 52 Apêndice Sequência de Ensino....................................................................................... 55

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Capítulo 1

Introdução

O acelerado desenvolvimento científico-tecnológico, apoiado em um vasto conjunto

de teorias nas quais se divide a ciência atual, possibilita mudanças irreversíveis na vida do ser

humano, que se mantém refém de uma necessidade inconsciente de adaptação a um modelo

de sociedade cada vez mais dependente das tecnologias. É evidente, diante do mundo

globalizado em que vivemos, o essencial papel da ciência no processo de aprimoramento dos

meios de transportes, comunicação, produção industrial, etc., tendo como principal objetivo a

melhoria do modo de vida da população. A dependência que temos da ciência e das

tecnologias deve ser levada em consideração na formação educacional de cada indivíduo, de

forma a promover uma visão crítica do modelo de sociedade em que está inserido, tornando-o

capaz de usar o conhecimento científico a seu favor em sua vida individual e coletiva.

Dessa forma, a escola básica apresenta-se como principal instituição responsável na

divulgação e formação científica da população, de forma a possibilitar quecada indivíduo seja

um cidadão participativo das transformações sociais da comunidade na qual está inserido.

Guimarães (2011) defende que é necessário ao educando do ensino médio conhecer os

fundamentos da tecnologia atual, visto que ela está presente em sua vida e certamente definirá

o seu futuro profissional. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apontam o ensino

científico na educação básica como forma de dar aos indivíduos uma formação geral e não

apenas um treinamento específico, considerando também que o conhecimento científico

disciplinar é parte essencial da cultura contemporânea, considerando que sua presença na

Educação Básica e, consequentemente, no Ensino Médio, é indiscutível. (BRASIL, 1997)

Concordamos assim que será possível aproximar o conteúdo escolar à realidade

tecnológica vivenciada pelo aluno, e isso poderá torná-lo mais capaz de compreender o

mundo à sua volta, tendo uma consciência mais crítica sobre questões políticas que exijam

esse tipo de conhecimento, como controle de emissão de poluentes, preservação de recursos

naturais, produção de energias renováveis, etc.

Apesar da importância da formação científica da população, o ensino enfrenta várias

dificuldades que o impedem de atingir seus objetivos. Fourez (2003), em seu estudo sobre o

ensino de ciências na Bélgica de língua francesa, aponta uma situação de crise, evidenciada

pelo desinteresse dos estudantes que, apesar de admirarem o trabalho dos cientistas, evitam

cursos nessa área, por considerarem que os modelos científicos apresentados atualmente não

lhes permitem compreender sua história nem o seu mundo. Essa realidade pode ser

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comparada à da maioria das escolas brasileiras, que tem como agravante o ensino da Física

“como uma ciência compartimentada, segmentada, pronta, acabada, imutável" (NETO E

PACHECO,1990, p. 17) fortalecendo a ideia de que “fazer ciência não é mais do que uma

tarefa de ‘gênios solitários' que se encerram numa torre de marfim, desligados da realidade.”

(GIL-PEREZ, 2001, p. 137), dissociando-a do cotidiano dos alunos, não permitindo que os

mesmos possam vê-la como conhecimento necessário à sua formação pessoal, gerando assim

algumas barreiras que dificultam o processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina.

Uma das diversas causas do desinteresse, por parte dos alunos, em aprender ciências,

pode ser o que Delizoicov (2002) cita como o “senso comum pedagógico", que consiste em

uma transmissão mecânica de informações, caracterizada por atividades que levam a um

trabalho didático-pedagógico que favorece a indesejável “ciência morta”. Essa forma com que

o conhecimento é apresentado configura um fator agravante para o ensino de ciências, pois

como destaca Dantas:

(...) a crença em um arcabouço de conhecimento definitivo se constitui

em um fator desmotivante para o estudante, a sua impressão é que

necessita apenas memorizar e reproduzir esse conhecimento,

considerando ser lamentável, pois o processo educativo nega uma

formação científica que considere aspectos crítico-reflexivo sobre a

sua produção histórico-social e seu papel na confecção da sociedade

atual impregnadas de rupturas, descontinuidades e de incertezas.

(DANTAS, 2013, p.6)

Evidencia-se assim, que o ensino de ciências não pode ser limitado à simples

transmissão de informações, mas deve ocorrer sob um processo de construção do

conhecimento, através da busca por respostas a questões que envolvam a vida do aprendiz.

Como afirma Fourez (2003, p. 110), “(...), os jovens de hoje parecem que não aceitam mais se

engajar em um processo que se lhes quer impor sem que tenham sido antes convencidos de

que esta via é interessante para eles ou para a sociedade".

Baseando-se nesse contexto e na necessidade de um ensino crítico das disciplinas de

ciências naturais, vê-se na abordagem histórica e filosófica dos conteúdos científicos a

possibilidade de superação das dificuldades expostas anteriormente. Desta forma, é

considerando a necessidade de termos um ensino de ciências que possibilite uma boa

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formação dos educandos e as dificuldades enfrentadas nesse processo, que a presente

dissertação expõe os resultados da aplicação de uma sequência de ensino de Física que

envolve a História e Filosofia da Ciência (HFC) como ferramenta essencial na construção

desse conhecimento, de forma a destacar a natureza humana desse saber, desconstruindo a

visão dogmática que se adquire através do modelo tradicional de ensino.

Assim, iremos discorrer no capítulo 2 sobre o uso da HFC no ensino de Física,

mostrando que esta é uma tendência atual apontada por boa parte das pesquisas na área.

Faremos uma breve abordagem sobre as principais ideias que envolvem essa área do

conhecimento científico, bem como as dificuldades que podem ser encontradas pelos

professores ao introduzi-las em sua prática docente. Ainda no capítulo 2, na última seção,

abordaremos a Teoria da Transposição Didática de Yves Chevalard como base teórico-

pedagógica para sequência de ensino a ser proposta.

O capítulo 3, que trata das Leis de Newton, possui apenas duas seções. A primeira faz

uma análise do contexto histórico da época de Newton, procurando seguir sempre o que foi

proposto no capítulo anterior, já a segunda parte traz uma abordagem conceitual do conteúdo,

de forma a concordar com o programa da disciplina de Físicapara o ensino médio.O capítulo 4

descreve a base metodológica através da qual se orientou o desenvolvimento e aplicação deste

trabalho, apontando o tipo de pesquisa e o tipo de dados a serem extraídos e analisados para

através destes avaliarmos a viabilidade da aplicação da HFC através da sequência de ensino

proposta.

No capítulo 5, temos a descrição do produto educacional e a experiência de sua

aplicação em sala de aula, bem como a análise dos resultados, sendo descrito tudo que foi

realizado, bem como as principais respostas dos alunos às atividades propostas.

E para finalizar, temos listado no capítulo 6 as conclusões que puderam ser extraídas

da aplicação da pesquisa. Os resultados foram positivos e serviram para validar a utilidade da

sequência de ensino proposta.

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Capítulo 2

A História e Filosofia da Ciência e o Ensino de Física

2.1 Uma tendência atual

A pesquisa em Ensino de Física busca criar estratégias que possibilitem aos docentes

promover uma melhor formação científica da população, fugindo do modelo tradicional, cuja

característica principal é treinar alunos para os exames de vestibular e ENEM (Exame

nacional do Ensino Médio). O uso da HFC surge juntamente com as TIC's, o enfoque CTSA

(Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), a experimentação, a interdisciplinaridade, etc.,

como ferramentas que buscam contextualizar o conteúdo ensinado e dar maior significado aos

conceitos que se desejam ser aprendidos pelos alunos; e diferentemente do ensino tradicional,

o uso dessas ferramentas busca estimular o pensamento crítico nos educandos, para que eles

não apenas memorizem fórmulas e conceitos, mas que construam seu conhecimento de forma

a ser útil à sua vida, cumprindo o que preconizam os PCN's:

“Os objetivos do Ensino Médio em cada área do conhecimento devem

envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos

práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida

contemporânea, e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e

abstratos, que correspondam a uma cultura geral e a uma visão de

mundo.” (BRASIL, 1997, p.6)

Ainda de acordo com os PCN's, o ensino de Ciências:

“Deve propiciar a construção de compreensão dinâmica da nossa

vivência material, de convívio harmônico com o mundo da

informação, de entendimento histórico da vida social e produtiva, de

percepção evolutiva da vida, do planeta e do cosmo, enfim, um

aprendizado com caráter prático e crítico e uma participação no

romance da cultura científica, ingrediente essencial da aventura

humana.” (BRASIL, 1997, p. 7)

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Detendo-se a questão da HFC, vê-se que é considerável o número de pesquisas

científicas que propõe o seu uso no ensino, porém, a maior parte desses trabalhos são apenas

de pesquisas teóricas, não retratando, de fato, experiências reais em sala de aula

(TEIXEIRAet al 2012), dificultando a produção de dados pelos quais se poderiam avaliar esse

tipo de abordagem. Dessa forma, a realização de pesquisas que não se resumam apenas a

revisões bibliográficas, mas que use a sala de aula como fonte de dados empíricos, torna-se

necessária para promover de forma adequada a inserção da HFC no ensino de Física, o que é

bastante defendido pelos pesquisadores da área, como é o caso de Martins, ao afirma que:

“O estudo adequado de alguns episódios históricos permite

compreender as interrelações entre ciência, tecnologia e sociedade,

mostrando que a ciência não é uma coisa isolada de todas as outras,

mas sim faz parte de um desenvolvimento histórico, de uma cultura,

de um mundo humano, sofrendo influências e influenciando por sua

vez muitos aspectos da sociedade.” (MARTINS, 2006, p. 2)

No tocante à Filosofia, esta pode evitar que o aluno tenha uma visão dogmática do

conhecimento científico, estimulando-o a comparar as teorias concorrentes e analisar as

propostas de cada uma, desmistificando a ideia de que o conhecimento nasce pronto na cabeça

dos cientistas e assim romper com a falsa ideia da pedagogia tradicional de que os alunos

precisam apenas memorizar os conteúdos a serem reproduzidos em testes de avaliação

(BRASIL, 1997). Esse ato de comparar as teorias concorrentes faz com que o educando

desenvolva seu senso crítico, de forma que possa ser usado na sua vida de forma geral.

O uso da Filosofia no ensino de ciências pode despertar o aluno para repensar o que é

ciência, e em consequência disso repensar como se faz ciência, direcionando-o a uma posição

epistemológica, que por sua vez o desperta a uma análise histórica, culminando em uma

significação do conteúdo estudado, evidenciando a indissolubilidade entre a Filosofia e a

História da Ciência, defendida por Ostermann e Cavalcante (2011). No processo de análise

histórica e filosófica o aluno poderá perceber que “a ciência não é o resultado da aplicação de

um 'método científico' que permita chegar à verdade" (MARTINS, 2006, p. 3), mas se

desenvolve de diversas formas, como é possível destacar através de uma abordagem histórica.

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2.2 História e Filosofia da Ciência como ciência

A HFC é uma ciência, um estudo especializado (MARTINS, 2006) e como tal,

apresenta conceitos que sãoà base de sua estruturação. Primeiramente, devemos diferenciar

história de historiografia, ambos definidos por Martins (2004) da seguinte forma: a história

compõe o conjunto de fatos que ocorrem em determinada época, representando apenas o

objeto de estudo do historiador; já a historiografia corresponde ao produto que resulta da

pesquisa do historiador. O que pretende-se levar para a sala de aula é a historiografia.

Assim como uma obra de arte carrega os ideais do artista, a historiografia também traz

incutida a forma de pensar do historiador, podendo apresentar distorções ou omissões de

alguns fatos. Como o presente trabalho trata da inserção da HFC no ensino, convém-nos

alertar o professor a atentar-se paraa historiografia utilizada em suas aulas, pois o uso daquilo

que Bastos Filho (2012) e Forato et al (2012) definem como Pseudo-História gera

contradições e pode prejudicar a construção de uma visão científica adequada. Portanto,

quando a historiografia carrega informações falsas, pode gerar contradições, comprometendo

a visão que o aluno terá da Natureza da Ciência, caso essa visão seja construída baseada na

pseudo-história (BASTOS FILHO, 2012). “Se quisermos nos referir a algum episódio

histórico, devemos procurar nos informar sobre se ele realmente ocorreu e como ocorreu”

(Martins, 2006, p. 175). Ainda de acordo com Bastos Filho (2012), esse mesmo cuidado se

aplica também ao anacronismo, que é quando se deixa de seguir a ordem cronológica dos

fatos para seguir, por exemplo, a sequência do livro didático, o que também pode gerar

incoerências.

Devemos destacar também que o trabalho do historiador é bastante complexo, pois a

análise histórica da ciência exige uma vasta investigação de documentos antigos chamados de

literatura primária, e o estudo de vários pensadores, resultando em uma historiografia que

muitas vezes é de difícil compreensão, tornando seu uso em sala de aula inviável, fazendo-se

necessária uma transposição didática desse conhecimento1.

A historiografia também pode ser dividida em dois tipos, que de acordo com Oliveira

e Silva (2012), pode ser internalista ou externalista, onde no primeiro caso analisa-se questões

internas ao meio científico no qual nasceu determinada teoria, tais como os questionamentos

que ocuparam a mente dos cientistas, as observações e os experimentos que lhes geravam

dados aos quais suas ideias tiveram que se moldar e os embates conceituais entre pensadores

1

Na seção 4 do presente capítulo falaremos um pouco sobre a transposição didática e sua importância na

inserção da HFC no ensino.

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que defendiam teorias concorrentes; no segundo, trata-se das questões externas, tais como

influências filosóficas, religiosas, sociais ou econômicas causadas ou sofridas pela teoria em

questão. Apesar da definição simples apresentada acima, há uma vasta discussão sobre esses

dois tipos de abordagem, o que não será tratado aqui, no entanto, a aplicação do presente

trabalho buscou comtemplar ambos os tipos.

2.3 Dificuldades em se aplicar a HFC no ensino

Apesar do uso da HFC ser bastante recomendado pelos pesquisadores em ensino de

Física, são várias as dificuldades encontradas nesse processo de inserção que devem ser

consideradas, pois caso contrário, pode tornar-se uma experiência frustrante para o professor e

desestimulante para o aluno. Martins (2006) aponta três barreiras que se opõem à aplicação da

HFC no ensino, são elas:

1. Número insuficiente de professores com formação adequada para pesquisar e

ensinar HFC:

A história das ciências corresponde a um estudo especializado, e como tal, exige

professores-pesquisadores com formação específica. No entanto, o Brasil é carente de cursos

de pós-graduação na área e poucos profissionais buscam formação no exterior, fazendo com

que o uso da HFC no ensino, na maioria das vezes, não passe de amadorismo, o que é

bastante prejudicial à formação científica dos estudantes.

Além da criação de cursos de pós-graduação, deve-se inserir a HFC na formação dos

docentes na graduação, para que posteriormente esse conhecimento atinja os outros níveis de

educação e a população de forma mais ampla, despertando a vocação dos jovens e o merecido

apoio da sociedade, em suas devidas proporções.

2. Falta de material didático adequado

A maioria dos livros didáticos usados no ensino de ciências apenas enfatiza os

resultados aos quais a ciência chegou - as teorias e conceitos que aceitamos, as técnicas de

análise que utilizamos - mas não costuma apresentar alguns outros aspectos da ciência

(MARTINS, 2006), tais como a HFC.

Já os livros que abordam a HFC, em sua maioria, ou são escritos por autores que não

possuem formação na área, ou que, quando tem, esta é deficiente, o que resulta na produção

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de bibliografias inadequadas, que mais distorcem a visão sobre a natureza da ciência do que

educam cientificamente, pois apresentam os erros citados na seção anterior, como a pseudo-

história e o anacronismo.

Martins (2006) alerta para necessidade de os livros de HFC serem escritos por quem

entende do assunto, devendo ser o resultado de um trabalho de pesquisa em literatura

primária, além de ser escrito em linguagem adequada e simples, evitando o pedantismo

acadêmico e a simplificação da complexidade histórica real.

3. Equívocos sobre a natureza da ciência e seu uso na educação

O estudo da HFC nos revela a complexidade em que se constrói o conhecimento

científico, o que envolve disputas entre grupos de pesquisadores ao defenderem suas ideias,

repetições exaustivas de experimentos para obter-se dados fidedignos, discussões filosóficas e

religiosas, impactos sociais e econômicos causados por novas descobertas, etc. Como afirma

Martins:

“É necessário estudar o contexto científico, as bases experimentais, as

várias alternativas possíveis da época, e a dinâmica do processo de

descoberta (ou invenção), justificação, discussão e difusão das ideias.”

(MARTINS, 2006, p. 11).

No entanto, quando o professor não tem consciência dessa complexidade, a) pode

incorrer nos erros de resumir o ensino da HFC a nomes e datas. “É difícil ou impossível

caracterizar em uma só frase ou em poucas palavras o que foi uma determinada mudança

científica” (MARTINS, 2006, p. 10), b) retransmitir a falsa ideia de que o conhecimento só

pode ser construído se o cientista seguir os passos do método científico, c) usar de argumentos

de autoridade, ao invocar uma pretensa certeza científica baseada em um nome famoso,

impondo crenças e deixando de lado os aspectos fundamentais da própria natureza da ciência.

(MARTINS, 2006)

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2.4 A Transposição Didática no uso da HFC

Como dito anteriormente, o papel da escola é transmitir o conhecimento científico

com o objetivo de formar cidadãos conscientes do seu papel na sociedade; essa transmissão se

dá através do processo de ensino-aprendizagem, envolvendo o professor e o aluno. Para

Saviani (2003), a educação perpetua o saber sistematizado adquirido historicamente na

adaptação da natureza ao modo de vida humano, nos diferenciando das demais espécies, que

se adaptam ao meio; apesar de seu trabalho referir-se ao saber escolar de forma geral,

contribui bastante para este trabalho, que tem como um dos principais objetivos mostrar a

ciência como uma construção humana. Ainda de acordo com o mesmo autor, a educação não

se resume ao ensino, entretanto o ensino é educação, e como tal, participa da natureza própria

do fenômeno educativo, não se resumindo apenas a isso, pois devem ser levados em

consideração os conteúdos, espaço, tempo e procedimentos.

De forma geral, vale ressaltar que:

“(…) a compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho

não-material, cujo produto não se separa do ato de produção, permite-

nos situar a especificidade de educação como referida aos

conhecimentos, ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos

sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade em

cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se

produz, deliberada e intencionalmente, através de relações

pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os

homens.” (SAVIANI, 2003, p. 6)

De acordo com Chevalard (2014), o processo de ensinar se dá através do que ele

chama de relação didática - geralmente essa relação é dita binária, pois considera como

elementos participantes o professor e o aluno - no entanto, o autor ressalta que deve ser

considerado um terceiro elemento, a saber, o conhecimento ensinado, dando à relação um

caráter ternário. O trabalho de Chevalard trata do ensino da Matemática, porém, destaca um

problema comum à inserção da HFC no ensino de Física, que é a transformação de um

conhecimento científico em um conhecimento ensinável em sala de aula. O próprio autor

descreve esse processo da seguinte forma:

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“A transição do conhecimento considerado como uma ferramenta a

ser posto em prática, para o conhecimento como algo a ser ensinado e

aprendido, é precisamente o que eu tenho chamado de transposição

didática do conhecimento.” (CHEVALARD, 2014, p. 9)

No tocante à inserção da HFC no ensino de Física, quando não é dada a devida

atenção ao conteúdo ensinado, o educador corre o risco de cometer o erro de levar o

anacronismo e a pseudo-história para a sala de aula, ou apresentar o conteúdo com um nível

de complexidade elevado, impossibilitando a compreensão por parte dos alunos. O professor

de Física mais atento, que busca implementar a HFC em suas aulas de Física, deve fazer uma

transposição didática levando aos alunos um conhecimento coerente, possível de ser

compreendido e que auxilie na aprendizagem dos conceitos desejados aos mesmos, dando

uma visão não distorcida da natureza da ciência. Quando esses requisitos não são atendidos,

gera-se uma aversão, por parte dos alunos, à disciplina, dificultando a transmissão e

construção do conhecimento.

Outro conceito tratado por Chevalard (2014) em sua Teoria da Transposição Didática

e que se adéqua aos objetivos desse trabalho, é a intenção didática, que de forma simples,

define-se como o objetivo de fazer com que o aluno aprenda o que está sendo ensinado.

Inserir a HFC no ensino de Física faz com que o aluno tenha uma visão não-dogmática e mais

humana da ciência, desfazendo alguns obstáculos que impedem a aprendizagem, cumprindo

assim com a intenção didática.

Para levar a HFC para a sala de aula, deve-se considerar que:

“O primeiro passo na criação de um corpo de conhecimento como

conhecimento ensinável, portanto, consiste em transformá-lo em um

corpo de conhecimento, ou seja, em um todo organizado e mais ou

menos integrado.” (CHEVALARD, 2014, p. 11)

Dessa forma, o ensino sob uma perspectiva histórica e filosófica não se resume a

contar episódios isolados envolvendo os cientistas, mas deve expor ao aluno o processo de

nascimento e evolução das teorias que estão sendo ensinadas, mostrando uma relação lógica

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entre os conceitos físicos e esses acontecimentos, de forma que haja coerência entre todas as

partes do todo, tornando-o relevante às práticas sociais.

Quando falamos em levar a HFC para o ensino, nossa intenção não é colocá-la no

lugar dos conteúdos curriculares, e nem usá-la como introdução destes, mas sim tratar ambos

simultaneamente, entendendo que o primeiro ajuda na compreensão do segundo; pois, por

“ajudar a transmitir uma visão mais adequada sobre a natureza da ciência, a história das

ciências pode ajudar no próprio aprendizado dos conteúdos” (MARTINS, 2006, p.5).

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Capítulo 3

Leis de Newton

3.1Contexto histórico

As notas históricas contidas nos livros de ciências geralmente omitem as diversas

personagens que contribuíram à construção de determinada teoria científica, exaltando a

figura de um único “gênio” e, no mínimo, sendo injusta com outros pensadores que foram

essenciais no processo. Com o ensino da Física Clássica não é diferente, temos Isaac Newton

como o nome mais lembrado, pois sua contribuição foi inestimável para essa área de

conhecimento, porém, o mérito não foi unicamente dele. Um olhar sobre a época em que

Newton viveu nos revela a pluralidade de pensamentos que influenciou seus trabalhos,

desmistificando a idiossincrasia de sua filosofia e mecânica (BARBATTI, 1998). Faremos

então, uma breve análise do contexto em que Newton viveu.

No século IV, a Igreja Católica, inseriu as ideias de Platão em sua filosofia, porém,

devido à complexidade de seus textos, a sua interpretação e adaptação aos dogmas católicos

resultaram no que a historiografia apresenta como neoplatonização. Já no século XII, foi a vez

da filosofia Aristotélica, cujos escritos, de fácil entendimento, eram lidos principalmente nas

universidades (BARBATTI, 1998).

A figura de Deus era presente na filosofia medieval, pois era através dele que se

explicava a complexidade da natureza e sua forma orquestrada de funcionamento. Devido a

esse pensamento mítico, a filosofia natural era uma mistura de filosofia, teologia, alquimia,

astrologia e outras formas de conhecimento (OSTERMANN e CAVALCANTE, 2011). Foi

então que o filósofo inglês Francis Bacon (1562-1626) propôs através doseu livro “Novum

Organum” o que ficou conhecido como o método científico, que estabelecia um conjunto de

regras através do qual se poderia estabelecer uma teoria científica. O método baconiano

baseava-se principalmente na experimentação e na indução.

Porém, vale ressaltar que apesar do método baconiano, a ideia de Deus continuava

bastante presente na explicação de alguns fenômenos naturais. Parte dos filósofos acreditava

que Deus era o agente primário de sua criação, responsável em iniciar seu funcionamento, e a

partir dessa intervenção inicial, a natureza passou a funcionar sozinha, obedecendo às leis

matemáticas; a outra parte, à qual Newton se incluía, acreditava que Deus agia

constantemente na natureza, desde a sua criação, sendo responsável por todos os fenômenos

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naturais; porém, através da Mecânica Clássica, muitos Físicos viram que a natureza age de

forma independente, controlada pelas suas leis, dispensando a necessidade de um agente que a

controlasse, resultando em um processo de ateização dos seus adeptos (BARBATTI, 1998).

A Filosofia Natural, como era chamada a Física do século XVII, se dividia em duas

correntes, a da filosofia mecânica, que defendia a descrição matemática de algo como sendo a

única forma de garantir sua certeza, reduzindo a natureza a categorias geométricas; e a da

filosofia empírica, argumentando sobre a incapacidade humana, diante da diversidade das

coisas, de propor grandes sistemas coerentes, defendia, num pré-positivismo, que o

experimento criterioso é fundamental para o estabelecimento de verdades. (BARBATTI,

1998).

Apesar do trabalho de Newton ser predominantemente mecânico, sua filosofia também

apresenta traços empíricos. Na verdade, o trabalho dele é uma combinação dos resultados

obtidos por alguns pensadores que lhe antecederam, tais como Copérnico, Galileu, Brahe e

Kepler e das discussões filosóficas contemporâneas, as quais envolveram personagens como:

Descartes, Thomas Hobbes, Henry More, Isaac Barrow, Pierre Gassendi e Robert Boyle.

Outro ponto que deve ser considerado é o movimento renascentista que ocorreu em

parte da Europa, com início no século XIV, que resgatou produções humanas da Grécia e

Roma antiga, como a arte, filosofia e ciência, carregando consigo o antropocentrismo que

encorajou filósofos da época a questionar os dogmas impostos pela igreja, sendo um marco

para o fim do feudalismo. Nessaépoca, alguns filósofos voltaram a propor a ideia de um

sistema planetário heliocêntrico, como pensavam alguns gregos antigos, sendo um ponta pé

inicial para que a FísicaAristotélica e a ptolomaica fossem abandonadas. Nesse processo de

modernização da ciência, temos como um marco o livro “Diálogo sobre os dois principais

sistemas do mundo”, em que Galileu contrapõe suas ideias à Física de Aristóteles e Ptolomeu.

Apesar desse panorama simples que fizemos até aqui sobre a filosofia na época de

Newton, podemos concluir que o nascimento da Mecânica Clássica foi um tanto quanto

dinâmico e resultou em um avanço científico que impulsionou as produções tecnológicas e

modificou de forma profunda a sociedade europeia, posteriormente, o restante do mundo,

sendo um aspecto que não pode ser deixado de fora no ensino dessa área da Física, pois

desfaz visões inadequadas da ciência, difundidas através das aulas tradicionais. A Mecânica

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Clássica, tal como descrita por Newton, está registrada em seu livro “Princípios Matemáticos

da Filosofia Natural”, e será a base para na próxima sessão discutirmos suas três leis2.

3.2Conceitos que envolvem a HFC

Aristóteles dividia o movimento na superfície terrestre entre natural e violento, o

primeiro seria a trajetória natural seguida pelos corpos, os pesados caem em direção ao solo

(exemplo: um instrumento feito de ferro cairia em direção ao solo porque o lugar natural do

ferro é o solo) e,semelhantemente,os leves sobem em direção ao céu (fogo, fumaça, etc.);

movimentos contrários a esses eram chamados de violentos e resultariam da ação de forças de

contato. De acordo com a FísicaAristotélica, um corpo só se manteria em movimento se

houvesse a ação contínua de uma força sobre ele e essa força seria o resultado do contato

entre os corpos. Naquela época, ainda não se tinha a ideia de forças de campo como a

eletromagnética ou gravitacional, apesar da descoberta da propriedade atrativa do âmbar ao

ser atritado.

Galileu Galilei mostrou em seu livro “Diálogo sobre os dois principais sistemas do

mundo” que o pensamento de Aristóteles estava equivocado em sua explicação sobre o

movimento dos corpos, demonstrando que, se colocarmos uma esfera em um plano inclinado

sem atrito e sem resistência do ar, a tendência natural dela seria descer com um movimento

continuamente acelerado. Se ela fosse lançada para se mover no sentido contrário, seria

continuamente freada até parar e voltar ao seu movimento natural de descida. Essas situações

mostram que o declive acelera e o aclive retarda o movimento, levando Galileu a concluir que

em um plano horizontal, não haveria causa nem para a aceleração e nem desaceleração da

esfera, levando-o a formular o Princípio da Inércia, ao afirmar que um corpo parado ou em

movimento uniforme em relação a um referencial, tende a manter seu estado de movimento.

O Princípio da Inércia corresponde à Primeira Lei de Newton, e é definida por ele da

seguinte forma: “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme

em linha reta, a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas

sobre ele.” (NEWTON, 1686, p. 53). O estado de movimento de um corpo é mantido devido

ao que Newton chamou de vis insita, ou força inata da matéria, que corresponde ao poder que

o corpo tem de resistir à mudança de movimento (NEWTON, 2008).

2 Além de tratar do movimento dos sólidos, o “Principia”, como também é chamado o

livro de Newton, descreve o comportamento dos fluidos e a interação entre os corpos celestes, tudo de forma matemática, conforme característica principal da Filosofia Mecânica

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De acordo com a primeira lei, uma condição para que um corpo se mantenha em

repouso ou em movimento uniforme é que a soma de todas as forças que ajam sobre ele seja

nula, ∑ �⃗�𝑖𝑛𝑖=1 = 0, caso contrário, o corpo seria acelerado ou freado, dependendo do sentido

da força resultante. Assim, concluímos que a ação de uma força causa uma variação na

quantidade de movimentos3, nos levando à Segunda lei: “A mudança de movimento é

proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela

força é imprimida” (NEWTON, 2008, p. 54), descrita matematicamente da seguinte forma:

�⃗� =𝑑�⃗⃗�

𝑑𝑡

Em que �⃗⃗� = 𝑚�⃗�é a quantidade de movimento ou momento linear. Teremos assim:

�⃗� = 𝑚�⃗�

Onde�⃗�, m e �⃗� são a força resultante, amassa do corpo e a aceleração, respectivamente.

A equaçãoacimanão define o que é força, mas dá a relação de proporcionalidade que ela tem

com a aceleração.

A Terceira Lei, apesar de poder ser comprovada experimentalmente, provavelmente

tenha sido obtida de forma teórica a partir do princípio da conservação do momento linear4.

Como em um sistema conservativo, o somatório dos momentos de cada partícula é constante

para todo instante t, ou seja,

∑𝑃𝑖

𝑛

𝑖=1

= 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒

Seconsiderarmos a interação entre duas partículas isoladas do meio, e aplicarmos o

princípio da conservação do momento, teremos:

𝑃 = 𝑃1 +𝑃2

Onde𝑃1 e 𝑃2 são os momentos das partículas 1 e 2 no instante t, respectivamente, e:

𝑃′ = 𝑃′1 +𝑃′2

3 “A quantidade de movimento é a medida do mesmo, obtida conjuntamente a partir da velocidade e da quantidade de matéria.” (NEWTON, 1686, p. 40) 4 A quantidade de movimento, que é obtida tomando-se a soma dos movimentos

dirigidos para as mesmas partes, e a diferença daqueles que são dirigidos a partes contrárias, não sofrem mudanças a partir da ação de corpos entre si. (NEWTON, 2008, p. 57)

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Onde𝑃′1 e 𝑃′2 são os momentos das partículas 1 e 2 no instante t’, respectivamente.

Logo, sabendo que 𝑃 = 𝑃′, a variação dos momentos no intervalo de tempo de t a t’ será:

∆𝑃

∆𝑡=∆𝑃1∆𝑡

+∆𝑃1∆𝑡

Como P é constante, o lado esquerdo da equação fica nulo, e sabendo que 𝑃 = 𝑚�⃗�,

nossa equação acima ficará da seguinte forma:

0 = 𝑚∆�⃗�1∆𝑡

+ 𝑚∆�⃗�2∆𝑡

Onde �⃗�1e �⃗�2 são as velocidades das partículas 1 e 2 respectivamente. Como ∆�⃗⃗�

∆𝑡= �⃗� é a

aceleração, aplicando a segunda lei obteremos:

�⃗�1→2 = −�⃗�2→1

Onde no lado esquerdo da equação temos a força que a partícula 1 imprime na

partícula 2 e no lado direito a força que a partícula 2 imprime na partícula 1. Obtivemos assim

a Terceira lei de Newton: “A toda ação há sempre oposta uma reação igual ou, as ações

mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas”

(NEWTON, 2008, p. 54).

Através das três leis aqui descritas, acrescida da Teoria da Gravitação Universal,

podemos descrever a natureza que nos envolve, porém a Mecânica Clássica tem suas

limitações. A continuação dessa análise histórica nos levaria às dificuldades que a teoria de

Newtonapresentou alguns séculos depois de sua formulação, por exemplo, em descrever a

órbita de Mercúrio, ou sua inconsistência com as Transformações de Lorentz, através das

quais Einstein formulou seu princípio da Relatividade Especial; poderíamos assim dirimir a

visão dogmática que um ensino acrítico promove reafirmando o caráter transitório das teorias

científicas ou a ideia de que elas não representam a verdade absoluta, apesar de descreverem

de forma satisfatória a realidade.

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Capítulo 4

Metodologia

4.1 Pesquisa qualitativa através da aplicação de uma sequência de

ensino

Como afirmamos no capítulo 1, apesar de bastante recomendado nas pesquisas em

Ensino de Física, o uso da HFC aparece, na maioria das vezes, apenas em revisões

bibliográficas, tendo assim poucos exemplos de artigos que descrevam pesquisas de campo.

Dessa forma, a realização de uma pesquisa em sala de aula é a preocupação principal desse

trabalho, que seguiu os passos metodológicos descritos abaixo.

A metodologia deste trabalho consiste em uma pesquisa de campo do tipo qualitativa,

em que o controle de variáveis baseia-se no referencial teórico da área de conhecimento que o

envolve (PÁDUA, 2004). A sala de aula foi o ambiente natural de onde se extraiu os

dadosque são predominantemente descritivos,e o pesquisador seu principal instrumento,

(CARVALHO, 2006). Na pesquisa de campo do tipo qualitativa, o pesquisador caracteriza-se

como um pesquisador interpretativo, que de acordo com Moreira:

(...) observa participativamente, de dentro do ambiente estudado,

imerso no fenômeno de interesse, anotando cuidadosamente tudo o

que acontece nesse ambiente, registrando eventos, talvez através de

audioteipes ou de videoteipes -- coletando documentos tais como

trabalhos de alunos, materiais distribuídos pelo professor, ocupa-se

não de uma amostra no sentido quantitativo, mas de grupos ou

indivíduos em particular, de casos específicos, procurando escrutinar

exaustivamente determinada instância tentando descobrir o que há de

único nela e o que pode ser generalizado a situações similares

(MOREIRA, 2008, p.14).

Na ocasião, seguindo ainda Moreira (2008), não se buscou interpretar os resultados de

forma estatística, pois isso caracterizaria uma pesquisa quantitativa, pelo contrário, foi dado

espaço a narrativas, das quais foram extraídos os dados pelos quais gerou-se asserções de

conhecimento.

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O uso de questionários foi o principal instrumento de coleta de dados durante a

intervenção em sala de aula, pois a avaliação “[...] é uma tarefa didática necessária e

permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e

aprendizagem" (LIBÂNEO, 1994, p. 195). Nesse sentido, as avaliações foram compostas por

questões subjetivas, de forma a se obter informações que viessem a detectar uma possível

aprendizagem dos conceitos relacionados aos conteúdos ensinados.

A intervenção didática foi realizada através de quatro aulas em dois dias diferentes em

uma sala de aula do 1° ano do Ensino Médio do Colégio da Polícia Militar do Ceará Cel.

Hervano Macêdo Jr., sediada na cidade de Juazeiro do Norte-CE e o conteúdo aplicado foi as

Leis de Newton, seguindo o cronograma da disciplina, já que a intervenção foi realizada em

uma turma regular.

Devido ao número reduzido das aulas de Física, e sabendo que essa é a realidade de

muitas escolas da rede estadual, buscamos adequar o conteúdo a essa situação de forma a

tornar viável a aplicação desse trabalho por qualquer professor da rede pública, portanto, não

foi possível uma abordagem tão aprofundada dos aspectos históricos e filosóficos, porém,

buscou-se nesse curto espaço de tempo chamar a atenção dos alunos para a importância desse

tipo de abordagem, para entendermos como as teorias chegaram à forma atual, destacando a

transitoriedade das leis científicas e formando nos alunos uma consciência crítica sobre o

conteúdo. A abordagem histórica e filosófica não substituiu a abordagem conceitual, pelo

contrário, buscamos construir os conceitos através da análise das ideias predominantes na

época de Newton (MARTINS, 2006).

A aplicação desse trabalho deu-se através de uma sequência de ensino, baseando-se no

entendimento de Souza (2013) que caracteriza esse tipo de abordagem como “sendo uma

forma de organização do ensino de uma determinada área, em etapas sequenciadas, a fim de

se aprender conteúdos específicos. Essa sequência, que faz parte do nosso produto

educacional, segue os seguintes passos:

Passo 1: O primeiro passo consiste em uma abordagem do contexto histórico

no qual se elaborou a teoria a ser ensinada, devendo ser feita de forma internalista e

externalista. Essa abordagem pode ser feita através da leitura de um texto,

apresentação de um vídeo ou qualquer outro material que mostre aspectos da época em

que se deu a elaboração do conhecimento que está sendo ensinado, conforme seja mais

conveniente.

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Passo 2: Esse momento consiste em apresentar para os alunos os conceitos da

teoria predominante (teoria A) no contexto histórico abordado no passo 1, podendo

essa apresentação ser feita através da ferramenta dos mapas conceituais. É possível

que esses conceitos coincidam com o senso comum da turma, podendo ser um ponto

de partida para que, através do direcionamento do professor, possam ser construídas

novas ideias, conforme pretende-se fazer no passo seguinte.

Passo 3: Nesse terceiro ponto, o professor levanta questionamentos, de forma

oral, que contraponham as principais ideias referentes a teoria A e ao conteúdo a ser

trabalhado (teoria B). Até então, ainda não se apresentou a teoria B, o que será feito

apenas no passo seguinte, porém, os questionamentos devem ser feitos com base em

exemplos, cujas respostas direcionem os alunos para essas novas ideias.

Passo 4: Após a turma chegar a um consenso quanto às respostas para os

problemas propostos, o professor apresenta os novos conceitos e leis científicas

concernentes ao conteúdo, comparando-os com as respostas da turma, corrigindo as

possíveis divergências, e usando-as para resolver os problemas propostos no passo

anterior.

Passo 5: Nesse momento, as ideias que até então haviam sido apresentadas

apenas de forma conceitual, devem ser demonstradas de forma matemática,

explorando cada detalhe das equações.

Passo 6: Nesse último passo, apresenta-se exemplos de aplicações que tornem

claras as novas ideias, consolidando de forma definitiva a assimilação dos novos

conceitos e tirando as dúvidas que ainda restarem.

Esta é a sequência que entendemos ser uma facilitadora para a transposição didática de

conteúdos de HFC para o ensino de Física, pois através dela os aspectos históricos e

filosóficos do conteúdo deixam de ser uma simples nota de rodapé ou capítulos isolados que

resumem processos complexos a poucos nomes e datas, para serem elementos importantes no

processo de construção do conhecimento, de forma a estimularem o pensamento crítico e

desmistificarem o conhecimento científico.

Um ponto importante nessa sequência é a interação entre professor e aluno, através da

qual busca-se compreender as concepções prévias dos educandos, usando-as como ponto de

partida para a construção dos novos conceitos, considerando que, mesmo as ideias errôneas

sobre o problema em questão não devem ser desprezadas, pois esse tipo de ideia também faz

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parte do processo de produção científica (VALADARES, 2012), além do que, as concepções

prévias dos alunos não podem ser apagadas ou ignoradas. Se elas não forem reconhecidas e

gradativamente transformadas nas outras, podem continuar a existir, paralelamente às

concepções científicas impostas pelo professor, interferindo constantemente na sua efetiva

compreensão, aceitação e aplicação (MARTINS, 2006).

Dessa forma, busca-se fazer a transição do senso comum para o pensamento

cientificamente aceito, considerando que esse deve ser o principal objetivo do professor ao

ensinar ciências.

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Capítulo 5

Produto Educacional e sua aplicação em sala de aula

5.1 Manual de apoio ao professor para a inserção da HFC no ensino de

Física

Oproduto educacional resultante dessa pesquisa constitui um manual cujo título é

“Sequência de Ensino para inserção da História e Filosofia da Ciência no Ensino de Física” e

tem como objetivo auxiliar professores que desejem aplicar a HFC em sua prática docente

através da sequência didática aqui proposta. Esse pequeno manual está divididoem três

seções, a primeira apresenta a Sequência de Ensino, a segunda traz uma abordagem histórica

das Leis de Newton e a terceira traz um exemplo de aplicação.

O conteúdo contido no manual está em linguagem bastante simples e apresenta os

principais aspectos inerentes à HFC de forma clara e objetiva. Na primeira seção, buscamos

explicar cada passo da Sequência de Ensino, e o exemplo contido na terceira seção tem como

objetivo tornar claro algum ponto que porventura tenha ficado obscuro na seção anterior. O

manual está anexo a esta dissertação no apêndice A e a sequência proposta segue os passos

descritos na metodologia:

5.2 A intervenção

O presente trabalho concretizou-se em um período de quatro aulas, divididas em dois

dias, conforme descrito a seguir:

Primeiro encontro

Antes de iniciarmos a aula, foi aplicado um questionário com o intuito de diagnosticar

o conhecimento prévio dos alunos inerentes às Leis de Newton e o pensamento científico,

para depois ser possível constatar se houve ou não aprendizagem. O questionário foi

composto pelas seguintes perguntas:

1. Quem formulou as Leis de Newton?

2. Newton realizou seu trabalho de forma independente ou se baseou em teorias

estabelecidas antes dele?

3. A Física como ciência exata, pode ser modificada, ou as leis que já foram

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descobertas são imutáveis?

4. A sociedade sofre influência das descobertas científicas? Cite exemplos.

5. O que motiva uma pesquisa científica?

Algumas das respostas dos alunos estão descritas e comentadas na seção seguinte.

Após a aplicação do questionário, para iniciarmos a sequência de ensino, fizemos a

leitura de um texto extraído do livro “Uma breve história do tempo” de Stephen Hawking, ao

qual atribuímos o título “É tudo tartaruga...”, transcrito abaixo:

“Um conhecido homem de ciência (segundo as más línguas, Bertrand

Russel) deu uma vez uma conferência sobre astronomia. Descreveu

como a Terra orbita em volta do Sol, e como o Sol, por suas vez,

orbita em redor do centro de um vasto conjunto de estrelas que

constitui a nossa galáxia. No fim da conferência, uma velhinha, no

fundo da sala, levantou-se e disse: ``O que o senhor nos disse é um

disparate. O mundo não passa de um prato achatado equilibrado nas

costas de uma tartaruga gigante." O cientista sorriu com ar superior e

retorquiu com outra pergunta: ``E onde se apoia a tartaruga?" A

velhinha então exclamou: ``Você é um jovem muito inteligente, mas

são tudo tartarugas por aí abaixo!” (Hawking, 2015, p. 5).

A leitura do citado texto foi oportuna para iniciarmos uma discussão sobre a

transitoriedade das teorias científicas e conduzirmos os alunos às concepções antigas sobre o

universo e o funcionamento da natureza, às quais muitos alunos consideraram ingênuas e

ridículas, sendo avisados pelo pesquisador de que essas ideias, que hoje estão ultrapassadas,

antes eram aceitas pela maioria das pessoas como verdade absoluta.

Essa discussão levou-nos ao primeiro passo da sequência didática, onde mostramos

que no séc. XVII a Física e as demais ciências naturais se confundiam entre si e entre mitos e

outras formas de conhecimento, o que conduziu alguns filósofos a ideias equivocadas sobre o

funcionamento da natureza, como foi o caso de Aristóteles ao explicar o movimento dos

corpos. Mostrou-se que a Filosofia Natural, como era conhecida a Física nessa época, dividia-

se em Filosofia Mecânica e Filosofia Empírica, e que através da primeira, procurava-se

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matematizara filosofia, pois se acreditava na existência de um Deus como criador de tudo, e

sua perfeição era expressa através da regularidade da natureza, que obedecia às leis

matemáticas; no segundo, construía-se o conhecimento a partir de observações, através das

quais os filósofos extraíam explicações e criavam suas leis naturais. Foi abordada também a

questão da repressão, exercida pelas autoridades da época, à diversidade de pensamento, da

qual foram vítimas, entre outros, Giordano Bruno (1548 – 1600) e Galileu Galilei (1564 –

1642), mas que apesar dessa repressão, havia uma disputa entre as ideias de Copérnico e

Aristóteles, conforme representada no livro “Diálogo sobre os dois principais sistemas do

mundo” de Galileu Galilei.

Partindo para o passo 2 da nossa sequência, falamos da explicação dada pela

FísicaAristotélica através de um pequeno mapa conceitual, destacando que a teoria de

Aristóteles não era a única, mas que havia sido abraçada pela Igreja Católica através dos

filósofos cristãos, que a resgatou do pensamento grego antigo adequando-a à sua teologia. A

apresentação de conceitos como “movimento natural” e “movimento violento” chamou

bastante atenção dos alunos, principalmente quando falamos que Aristóteles defendia que a

ação de uma força exigia o contato entre os corpos, e como forma de defender essa ideia,

explicava que o lançamento oblíquo era mantido pela ação contínua do ar empurrado pelo

próprio projétil.

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Figura 1 Física Aristotélica

Fonte: Produzida pelo próprio autor

Para iniciarmos o passo 3 da sequência, fizemos a leitura do trecho a seguir de

“Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo” de Galileu Galilei:

"SALV.: ... Diga-me agora: Suponhamos que se tenha uma superfície

plana lisa como um espelho e feita de um material duro como o aço.

Ela não está horizontal, mas inclinada, e sobre ela foi colocada uma

bola perfeitamente esférica, de algum material duro e pesado, como o

bronze. A seu ver, o que acontecerá quando a soltarmos?

SIMP.: Não acredito que permaneceria em repouso; pelo contrário,

estou certo de que rolaria espontaneamente para baixo.

SALV.: ... E por quanto tempo a bola continuaria a rolar, e quão

rapidamente? Lembre-se de que eu falei de uma bola perfeitamente

redonda e de uma superfície altamente polida, a fim de remover todos

os impedimentos externos e acidentais. Analogamente, não leve em

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consideração qualquer impedimento do ar causado por sua resistência

à penetração, nem qualquer outro obstáculo acidental, se houver.

SIMP.: Compreendo perfeitamente, e em resposta a sua pergunta digo

que a bola continuaria a mover-se indefinidamente, enquanto

permanecesse sobre a superfície inclinada, e com um movimento

continuamente acelerado.

SALV.: Mas se quiséssemos que a bola se movesse para cima sobre a

mesma superfície, acha que ela subiria?

SIMP.: Não espontaneamente; mas ela o faria se fosse puxada ou

lançada para cima.

SALV.: E se fosse lançada com um certo impulso inicial, qual seria o

seu movimento, e de que amplitude?

SIMP.: O movimento seria constantemente freado e retardado, sendo

contrário à tendência natural, e duraria mais ou menos tempo

conforme o impulso e a inclinação do plano fossem maiores ou

menores.

SALV.: Muito bem; até aqui você me explicou o movimento sobre

dois planos diferentes. Num plano inclinado para baixo, o corpo

móvel desce espontaneamente e continua acelerando, e é preciso

empregar uma força para mantê-lo em repouso. Num plano inclinado

para cima, é preciso uma força para lançar o corpo ou mesmo para

mantê-lo parado, e o movimento impresso ao corpo diminui

continuamente até cessar de todo. Você diz ainda que, nos dois casos,

surgem diferenças conforme a inclinação do plano seja maior ou

menor, de forma que um declive mais acentuado implica maior

velocidade, ao passo que, num aclive, um corpo lançado com uma

dada força se move tanto mais longe quanto menor o aclive. Diga-me

agora o que aconteceria ao mesmo corpo móvel colocado sobre uma

superfície sem nenhum aclive nem declive.

SIMP.: Aqui preciso pensar um instante sobre a resposta. Não

havendo declive, não pode haver tendência natural ao movimento; e,

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não havendo aclive, não pode haver resistência ao movimento. Parece-

me, portanto, que o corpo deveria naturalmente permanecer em

repouso. Mas eu me esqueci; faz pouco tempo que Sagredo me deu a

entender que isto é o que aconteceria.

SALV.: Acredito que aconteceria se colocássemos a bola firmemente

num lugar. Mas que sucederia se lhe déssemos um impulso em alguma

direção?

SIMP.: Ela teria que se mover nessa direção.

SALV.: Mas com que tipo de movimento? Seria continuamente

acelerado, como no declive, ou continuamente retardado, como no

aclive?

SIMP.: Não posso ver nenhuma causa de aceleração nem

desaceleração, uma vez que não há aclive nem declive.

SALV.: Exatamente. Mas se não há razão para que o movimento da

bola se retarde, ainda menos há razão para que ele pare; por

conseguinte, por quanto tempo você acha que a bola continuaria se

movendo?

SIMP.: Tão longe quanto a superfície se estendesse sem subir nem

descer.

SALV.: Então, se este espaço fosse ilimitado, o movimento sobre ele

seria também ilimitado? Ou seja, perpétuo?

SIMP.: Parece-me que sim, desde que o corpo móvel fosse feito de

material durável. "

(NUSSENZVEIG, 2007apud Galilei, 1953, p. 66).

Nesse momento, o pesquisador leu as falas da personagem Salviat, que estão em forma

de perguntas, e pediu para os alunos responderem, conferindo as respostas com as respostas

da personagem Simplício. A maioria das respostas dos alunos correspondia ao que o livro

propunha.

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Após a conclusão da leitura, para iniciarmos o passo 4 apresentamos a Lei da Inércia

conforme está no “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural” de Isaac Newton, destacando

que o mesmo concordava com as respostas dada pela turma. Uma versão impressa do livro foi

mostrada à turma, o que despertou a curiosidade de alguns alunos, que perguntavam se toda a

Física correspondente ao primeiro ano do ensino médio estava contida nele.

Para tornarmos mais clara a Primeira Lei, usamos como exemplo o Movimento

Retilíneo Uniforme (MRU) [𝑆 = 𝑆0 +𝑣𝑡], que mostra o caráter contínuo de um movimento

em que não há aceleração, e o Movimento Retilíneo Uniformemente Variado (MRUV)

[𝑆 = 𝑆0 + 𝑣0𝑡 +1

2𝑎𝑡2], que é a situação em que há a ação de uma força e, portanto, vai

contra a tendência natural do móvel em manter a sua velocidade constante, seja ela nula ou

não.

A segunda lei foi apresentada de forma intuitiva, explorando o conhecimento empírico

dos alunos, destacando que essa é uma das formas na qual se obtém o conhecimento, a saber,

através da observação. Para tal, usamos o seguinte exemplo:

EXEMPLO: Se para imprimirmos uma aceleração �⃗�num corpo de massa 𝑀 precisamos de

uma força �⃗�, então para imprimirmos a mesma aceleração num corpo de massa 2𝑀

precisaremos de uma força 2�⃗�.Parauma massa 3𝑀 teria que ser 3�⃗�, e assim por diante, ou

seja, quanto maior a massa, maior deve ser a força necessária para que tenhamos a mesma

aceleração, revelando uma relação de proporcionalidade entre elas, sendo�⃗� a constante de

proporcionalidade. Semelhantemente, se uma força �⃗� causa uma aceleração 𝑎 num corpo de

massa 𝑀, então para imprimirmos uma aceleração 2�⃗� teremos que aplicar uma força 2�⃗�, para

uma aceleração 3�⃗�a força teria que ser 3�⃗�. Dessa forma, na primeira situação, para

transformarmos a relação de proporcionalidade entre a força e massa em igualdade, usamos a

aceleração �⃗� como constante de proporcionalidade e no segundo caso, a constante de

proporcionalidade passou a ser a massa 𝑀, o que resultou na Segunda Lei:

�⃗� = 𝑀�⃗�

Para apresentarmos a Terceira Lei, utilizamos um exemplo extraído, com algumas

modificações, do livro “Curso de Física Básica” de Moysés Nussenzveig, que mostra a

colisão elástica entre duas esferas idênticas que se aproximam uma da outra com velocidade

de mesmo módulo e sentidos contrários em uma superfície sem atrito.

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Figura 2: Sistema conservativo

Fonte: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/fisica/colisoes-elasticas-inelasticas.htm

Antes da colisão, o momento linear total �⃗⃗�do sistema é dado por:

�⃗⃗�1 = �⃗⃗�1𝐴 + �⃗⃗�1𝐵 = 𝑚1�⃗�1𝐴 +𝑚2�⃗�1𝐵 = 0

onde �⃗⃗�1𝐴, 𝑚1 e �⃗�1𝐴 são o momento linear, a massa e a velocidade da esfera A antes da

colisão, respectivamente e �⃗⃗�1𝐵, 𝑚2 e �⃗�1𝑏 são, semelhantemente, o momento linear, a massa e

a velocidade da esfera B antes da colisão. Se as esferas são idênticas, então 𝑚1 = 𝑚2 = 𝑚.

Como a colisão é elástica e as esferas são idênticas, as velocidades das partículas se invertem

e após a colisão o momento linear total do sistema será:

�⃗⃗�2 = �⃗⃗�2𝐴 + �⃗⃗�2𝐵 = 𝑚1�⃗�2𝐴 + 𝑚2�⃗�2𝐵 = 0

onde �⃗⃗�2𝐴, 𝑚1 e �⃗�2𝐴 são o momento linear, a massa e a velocidade da esfera 1 antes da colisão,

respectivamente e �⃗⃗�2𝐵, 𝑚2 e �⃗�2𝑏 são, semelhantemente, o momento linear, a massa e a

velocidade da esfera 2 antes da colisão.

Dessa forma, teremos �⃗⃗�1 = �⃗⃗�2, assim:

�⃗⃗�1𝐴 + �⃗⃗�1𝐵 = �⃗⃗�2𝐴 + �⃗⃗�2𝐵

�⃗⃗�2𝐴 − �⃗⃗�1𝐴 = −(�⃗⃗�2𝐵− �⃗⃗�1𝐵)

∆�⃗⃗�𝐴 = −∆�⃗⃗�𝐵

𝑚∆�⃗�𝐴 = −𝑚∆�⃗�𝐵

Multiplicando ambos os lados por 1

∆𝑡, teremos:

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𝑚∆�⃗�𝐵∆𝑡

= −𝑚∆�⃗�𝐵∆𝑡

Como ∆𝑣

∆𝑡 é a aceleração, a equação acima pode ser reescrita da seguinte forma:

𝑚�⃗�𝐴 = −𝑚�⃗�𝐵

O que corresponde à Segunda Lei de Newton:

�⃗�𝐴 = −�⃗�𝐵

onde �⃗�𝐴 é a força que a esfera A exerce sobre a esfera B e �⃗�𝐵 é a força que a esfera B exerce

sobre a esfera A no instante da colisão. Concluímos assim o primeiro encontro.

Segundo encontro

Correspondendo às duas aulas restantes, o segundo encontro foi realizado com a

aplicação de dois exemplos, através dos quais apresentamos os conceitos de força normal,

força peso e força de atrito. Os exemplos estão descritos a seguir:

EXEMPLO 1

O bloco A, representado na figura abaixo, está em repouso em uma superfície sem

atrito e sua massa é 𝑚:

Figura 3: Bloco sobre uma superfície plana

Fonte:http://professor.bio.br/fisica/provas_vestibular_detalhe.asp?universidade=Faap-1997

a) Quais as forças que agem nesse corpo?

b) Se aplicarmos um pequeno impulso, de modo que ele comece a se deslocar, sua velocidade

será constante ou variada? Por quanto tempo durará seu movimento?

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EXEMPLO 2

A figura abaixo representa um corpo de massa M sobre um plano com atrito que faz um

ângulo θ com a horizontal:

Figura 3: Bloco sobre um plano inclinado

Fonte: https://descomplica.com.br/blog/fisica/o-que-e-forca-de-atrito-e-como-ela-age-no-plano-inclinado/

a) O corpo está inicialmente em repouso, indique as forças que atuam sobre ele apontando os

pares ação e reação;

b) O corpo desliza para baixo sobre superfície. Qual a força responsável por esse movimento?

Após esses exemplos, aplicamos um novo questionário para ser possível perceber se

houve ou não aprendizagem dos novos conceitos e em seguida concluímos o encontro. O

questionário foi composto pelas seguintes questões:

1. Uma das famosas frases de Newton é: “Se fui capaz de ver mais longe, é porque me

apoiei em ombros de gigantes.” (NUSSENZVEIG, 2007, p. 204) O que Newton quis

dizer com essa afirmação?

2. O princípio da Inércia já havia sido proposta anteriormente a ele. Em qual livro ela

está registrada? Quem a propôs?

3. Para Aristóteles, só é possível a ação de uma força através do contato entre os

corpos, porém, sabemos atualmente que existem forças que agem a distâncias. Cite

exemplos.

4. Determine a força normal e a força resultante em um corpo de massa m=100kg que

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está em um plano cuja inclinação é de 45°. Considere |�⃗�| = 10𝑚

𝑠2.

5. Considerando a situação do exemplo anterior, calcule o coeficiente de atrito para que

o bloco seja mantido em repouso.

5.3Avaliação das respostas dos alunos

A seguir estão os dois questionários que foram aplicados durante a intervenção e suas

respectivas respostas, seguidos pelos comentários. As perguntas estão enumeradas com

algarismos arábicos, enquanto as respostas dos alunos estão enumeradas com algarismos

romanos.

5.3.1 Primeiro questionário

1. Quem formulou as Leis de Newton?

Respostas dos alunos:

i. “Isaac Newton”

Comentário: Essa resposta foi a mais comum entre os alunos, pois, conforme estão

acostumados a ver nas disciplinas da natureza, as leis levam o nome dos cientistas que as

descobriram, induzindo os educandos a uma visão errônea da ciência, na qual o fazem

acreditar que os “grandes gênios” trabalham de forma isolada e independente, sem

considerarem teorias precedentes ou paralelas.

ii. “Foi no princípio Galileu Galilei que testava a teoria da gravidade jogando materiais com

pesos diferentes de cima da torre de Pisa, Newton viu, estudou e aprimorou essa teoria.”

Comentário: Essa resposta mostra que a) o uso de fatos históricos no ensino pode despertar a

atenção dos alunos em relação à ciência; b) deve-se ter o cuidado de levar para a sala de aula

apenas fatos que realmente ocorreram, para evitar possíveis contradições (Obs.: não

discutiremos aqui se o fato descrito acima é verídico ou não, pois seria necessário outro

trabalho para fazê-lo); c) sabendo-se da veracidade do fato, é importante contá-lo de forma

fiel, pois do contrário, também pode gerar contradições, como é o caso da história contada

pelo aluno, pois Galileu e Newton não eram contemporâneos, apesar de viverem em épocas

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bastante próximas e d) ao contarmos um fato histórico, devemos explorá-lo ao máximo para

extrairmos dele os conceitos que desejamos que os alunos aprendam.

iii. “Foi Isaac Newton quem formulou com visões nos experimentos de Galileu.

Comentário: A resposta acima se aproxima da visão que devemos ter da natureza da ciência,

pois, deve-se sempre destacar, ao fazermos uma abordagem histórica e filosófica de um

conteúdo, que novas teorias nascem a partir das antigas, seja para complementá-las ou para

substituí- las.”

iv. “As lei de Newton foram estruturadas com base principalmente nos trabalhos de Isaac

Newton.”

Comentário: Semelhantemente à resposta anterior, essa afirmação do aluno mostra que

dificilmente um único cientista formulará isoladamente um trabalho relevante, ele pode dar

uma grande contribuição, mas sempre sofrerá influências externas.

2. Newton realizou seu trabalho de forma independente ou se baseou em teorias estabelecidas

antes dele?

Resposta dos alunos:

i. “Precisou de ajuda (ideias, pessoas, como realizar a teoria)”

ii. “Ele buscou ajuda com os físicos que existiam naquela época.”

Comentário: As respostas i e ii, principalmente a primeira, passam uma visão correta da

natureza do pensamento científico, pois mostram que as teorias nascem devido a trabalhos

coletivos e pluralidade de ideias.

iii. “Sim, Newton formulou as três leis sozinho.”

Comentário: Contrariamente às duas primeiras respostas, a resposta iii passa uma visão

distorcida da natureza da ciência, dando a entender que Newton realizou seu trabalho de

forma isolada, sem influência de outros cientistas.

3. A Física, como ciência exata, pode ser modificada, ou as leis que já foram descobertas são

imutáveis?

i. “As leis são imutáveis.”

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ii. “Não, pois as leis foram criadas e são imutáveis, mas podem receber complementos, e a

física já foi concretizada.”

iii. “Sim, pode ser modificada, pois ainda não se chegou ao seu limite.”

iv. “A física em si não pode ser modificada, mas seus conceitos podem mudar com novas

descobertas.”

Comentário: As quatro primeiras respostas revelam um pensamento bastante parecido.

Talvez pelo fato da Física ser considerada uma ciência exata, os alunos adquiriram a ideia de

que suas leis, após testadas e comprovadas, não podem mais sofrer nenhuma modificação;

essa visão pode ser facilmente refutada se fizermos uma análise histórica, a exemplo das Leis

de Newton, que passaram a ser um caso particular da Relatividade de Einstein.

O aluno autor da resposta ii mostra-se totalmente alheio à realidade do meio científico,

pois se a Física já estivesse concretizada, seriam desnecessárias as várias pesquisas que se

desenvolvem em vários lugares do mundo.

A resposta iii, apesar de diferente da resposta ii, passa a mesma ideia, porém, nesse

caso, para o aluno, a Física ainda não descobriu tudo que tem para ser descoberto, mas quando

descobrir, suas leis passarão a ser imutáveis.

A resposta iv está um pouco confusa, pois a Física em si, é formada por conceitos,

através dos quais são formuladas suas leis.

v. “As leis que já foram descobertas podem ser modificadas, aperfeiçoadas.”

vi. “A Física pode ser modificada a partir de outras formas de estudo e outras teorias.”

vii. “Acho que se modifica de acordo com novas descobertas.”

viii. “As leis formuladas na Física podem ser modificadas, mas a partir de outros estudos que

a discordem ou a modifiquem, e essa modificação precisa ser comprovada com experimentos

e teorias aceitas.”

ix. “A ciência está em constante mudança, devido às novas descobertas que são úteis para a

humanidade. A Física, como ciência exata, pode ser modificada em vários aspectos, pois as

leis já descobertas não são imutáveis. Como exemplo, podemos citar os modelos atômicos,

que sofreram várias modificações ao longo do tempo.”

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Comentário: As respostas de v a ix mostram uma visão correta de como se dá o

desenvolvimento da ciência, concordando com o que se vê quando fazemos um estudo

histórico e filosófico do conhecimento científico. Dessas respostas, a melhor formulada é a ix,

que cita um exemplo bastante útil e condizente com o objetivo desse trabalho.

4. A sociedade sofre influência das descobertas científicas? Cite exemplos.

i. “Sim, pois através dessas descobertas, a sociedade se adéqua a uma nova visão e muda sua

forma de pensar sobre determinado aspecto. Por exemplo: as descobertas na área da medicina

que a cada dia avançam procurando cura para doenças ou uma forma de amenizar os sintomas

para levar a vida humana mais longe.”

ii. “Sim, um exemplo disso é a criação da física social, criada por August Comte, sendo que

hoje em dia é chamada de Sociologia. Tinha por base a aplicação das teorias que regem os

fenômenos naturais aplicados aos fenômenos sociais.”

iii. “Sim, pois é a partir dessas descobertas que os assuntos da sociedade são desenvolvidos.

Um bom exemplo são os anticoncepcionais, que quando foram descobertos geraram muitos

debates na sociedade e nas ciências.”

iv. “Sim, as revoluções industriais mudaram todos os costumes.”

v. “As descobertas científicas são relevantes para a organização da sociedade, em seus vários

aspectos. A sociologia, Filosofia, Economia e Religião sofrem alterações devido ao avanço da

ciência. Podemos citar como exemplo os avanços científicos em relação à medicina, a cura de

uma doença é relevante para mudança na organização da sociedade e da ciência.”

vi. “Sim, pois uma descoberta pode mudar a Filosofia, Religião, Economia e Sociologia.

Exemplo: uma descoberta no ramo psíquico pode mudar a forma que a sociologia estuda os

hábitos humanos.”

Comentário: Analisando as respostas acima, percebe-se que todos os alunos têm a

consciência da influência do conhecimento científico sobre a sociedade, porém, a Física

escolar parece camuflar esse efeito, pois sempre se vê alunos perguntando no que o conteúdo

estudado interfere na vida deles. Essa consciência pode ser bastante útil para dar um

significado prático à Física escolar. A HFC, juntamente com a interdisciplinaridade

(principalmente quando aplicada às ciências humanas), pode dar maior ênfase a essa relação,

Ao trabalhar esse tema em sala de aula (a influência da ciência na sociedade), dá-se maior

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motivação ao aluno ao ver uma relação lógica entre as disciplinas; foi o que aconteceu com

uma aluna durante a aplicação desse trabalho, que disse ter disciplina de Filosofia alguns

pontos trabalhados na intervenção.

5. O que motiva uma pesquisa científica?

i. “A procura por formas de facilitar a vida humana e torná-la mais prática.”

ii. “Chegar a um objetivo, como a cura de uma doença que até o momento não se sabe da

cura.”

iii. “Algo que seja importante aos olhos da sociedade, assim os cientistas se motivam a tentar

solucionar tal problema, assim fazem pesquisa científica.”

iv. “A dúvida em algo, para saber como funciona, ou querendo criar algo.”

v. “A curiosidade e interesse por parte daqueles que estudam, que são os cientistas. A partir da

curiosidade o cientista parte para a observação e conseguinte elaboração de hipóteses e

teorias.”

vi. “As pesquisas científicas são motivadas pela importância delas para a humanidade. Os

cientistas elaboram teorias que são eficientes na contribuição do pensamento social. Além

disso, elas também são motivadas pela necessidade e curiosidade de saber mais sobre o objeto

de estudo. O questionamento das coisas é uma das principais causas para o estudo científico.”

Comentário: Semelhante à questão anterior, as respostas dos alunos convergiram bastante,

concordando com as ideias de que a ciência tem como função principal dar entendimento

racional ao homem sobre a natureza e desenvolver tecnologias que contribuam para o seu

modo de vida, porém, uma posição mais crítica, os levaria a ver os interesses econômicos e

bélicos que muitas vezes se escondem atrás das pesquisas científicas.

5.3.2 Segundo questionário

1. Uma das famosas frases de Newton é: “Se fui capaz de ver mais longe, é porque me apoiei

em ombros de gigantes.” O que Newton quis dizer com essa afirmação?

i. “Explica que suas conquistas foram possíveis por conta da ajuda de outros grandes

pensadores.”

ii. “Porque ele baseou-se nos pensamentos de grandes gênios como Galileu Galilei.”

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iii. “Que se ele conseguiu criar teorias e descobrir outras coisas, foi por causa de vários outros

físicos que também elaboraram teorias as quais serviram de base para muitos.”

iv. “Que para ele chegar onde estava, ele precisou de uma proposta, uma ‘teoria base’.”

v. Com isso Newton quis afirmar que, suas descobertas e teorias só foram capazes porque ele

também foi influenciado por renomadas pessoas do ramo, antes dele.”

vi. “Que ele se inspirou em pessoas com um conhecimento mais elevado que ele.”

vii. “Que ele conseguiu ir longe por causa dos livros.”

viii. “De acordo com a afirmação, eu entendi que ele quis dizer que para ir mais longe em

suas descobertas e criações teve que estudar com base nos grandes físicos que vieram antes

dele e assim descobrir bem mais a fundo.”

ix. “Ele falou que se foi capaz de fazer algo mais, descobrir, criar pensamentos ele precisou de

uma base. Ele utilizou de grandes conhecimentos de grandes cientistas passados para produzir

seu próprio conhecimento.”

x. “Que para ampliar seu campo de visão e de conhecimento foi preciso ter como referência as

ideias de outros grandes físicos e matemáticos, pois estes já tinham traçado um caminho.”

xi. “Ele se baseou na teoria de outros filósofos para criar suas leis.”

xii. Explica que suas conquistas são possíveis por conta da ajuda de outros grandes

pensadores.

Comentário: Um estudo mais crítico e mais aprofundado da história de determinada teoria

científica nos revela, como já dito antes, que esse processo é bastante complexo, e que uma

abordagem que se prende a nomes e datas esconde muitos detalhes relevantes desse processo.

Buscou-se passar essa visão para os alunos na aplicação desse trabalho, e as respostas acima

mostram que esse objetivo foi atingido; porém, a superficialidade das respostas nos mostra

que essa nova concepção deve ser reforçada através de um trabalho contínuo, nos revelando

que uma visão correta da natureza da ciência pode ser adquirida gradativamente.

2. O princípio da Inércia já havia sido proposto anteriormente a ele. Em qual livro ela está

registrada? Quem a propôs?

i. “Princípio Matemático da Filosofia Natural. Galileu Galilei.”

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ii. “Galileu Galilei. Livro Diálogo.”

Comentário: O segundo item desse questionário é bastante superficial, lembrando um pouco

a pedagogia tradicional, em que uma boa memorização é suficiente para que os alunos tenham

nota máxima nas avaliações. Muitos alunos deram a resposta i a esse item, mostrando que não

memorizaram o nome dos dois livros citados durante a aula. Issoé compreensível, haja vista, o

foco principal do pesquisador ter sido mostrar a forma em que se deu a elaboração das três

leis de Newton, os pensadores que o influenciaram e a importância do seu trabalho para o

mundo científico da época.

3. Para Aristóteles, só é possível a ação de uma força através do contato entre os corpos,

porém, sabemos atualmente que existem forças que agem a distâncias. Cite exemplos.

i. “Atração gravitacional e força eletromagnética.”

ii. “Forças de campo.”

iii. “A Lei da Gravitação Universal que diz que dois corpos se atraem gravitacionalmente.”

iv. “Força gravitacional, força magnética (a força de atração ou repulsão entre os ímãs, por

exemplo), etc.”

v. “A força no núcleo do átomo que prende o elétron em órbita na sua estrutura. A força

gravitacional.”

v. “Força contato, força tempo, força gravidade.”

vi. “A força gravitacional e a força eletromotriz.”

vii. “A atração do ímã com um clip metálico e a força gravitacional.”

viii. “Aceleração gravitacional e magnética.”

Comentário: Um dos objetivos, ao levar a HFC para a sala de aula, não é apenas mostrar

como se deu a formulação daquela teoria, mas é, principalmente, fazer com que os alunos

compreendam os conceitos que estão sendo repassados. A análise feita das ideias de

Aristóteles, além de chamar a atenção da turma, também trouxe uma boa compreensão sobre

forças de campo, conceito fundamental para entendermos como funciona a natureza. Essa boa

compreensão ficou evidente nas respostas acima, porém, o aluno que deu a resposta viii ainda

não distingue força de aceleração, apesar desta distinção estar bem clara na segunda lei, mas

isso pode ser facilmente corrigido no decorrer da disciplina.

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ix. “Por exemplo, analisando estas relações, acreditava que um corpo só poderia permanecer

em movimento se existisse uma força atuando sobre ele. Se um corpo estivesse em repouso e

nenhuma força atuasse sobre ele, este corpo permaneceria em repouso. Quando uma força

agisse sobre o corpo, ele se poria em movimento, mas, cessando a ação da força, o corpo

voltaria ao repouso.”

Comentário: O aluno da resposta acima descreveu bem o pensamento de Aristóteles, apesar

de não ser o que a questão pede. Através dessa resposta não foi possível saber se o aluno

realmente entendeu o conceito de força de campo, mas quando ele fala “acreditava”, mostra

sua consciência sobre essa ideia estar obsoleta.

4. Determine a força normal e a força resultante em um corpo de massa 𝑚 = 100𝑘𝑔 que está

em um plano cuja inclinação é de 45°. Considere |�⃗�| = 10𝑚

𝑠2.

i. 𝐹𝑟 = 𝑚. 𝑔. 𝑐𝑜𝑠𝜃 → 𝐹𝑟 = 100.10.0,771 → 707,14

𝐹𝑟 = 𝑚. 𝑎 → 𝐹𝑟 = 100.0,7071 → 𝐹𝑟 = 707,1𝑁

10.07071 = 7,0071 = 𝑎

ii. �⃗�𝑟 . 𝑚. 𝑎 → 𝐹𝑟 = 100.10 → 𝐹𝑟 = 1000𝑁

𝑁 = 𝑚. 𝑔. 𝑐𝑜𝑠∞ → 𝑁 = 100.10.45 → 𝑁 = 71𝑚

iii. |𝑃| = |𝑁| → 𝑃 = 𝑁 → 𝑁 = 100

𝑃 = 𝑚. 𝑔

𝑃 = 10.10

𝑃 = 100

𝑃𝑥 = 𝐹𝑎𝑡 → 𝐹𝑎𝑡 = 500√2

𝑃 = 𝑁 → 𝑁 = 1000

𝑃𝑥 = 𝑃. 𝑠𝑒𝑛∞

𝑃𝑥 = 1000. 𝑠𝑒𝑛45°

𝑃𝑥 = 1000.√2

2

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𝑃𝑥 = 500√2

iv. �⃗�𝑁 = 𝑚. 𝑔.𝑐𝑜𝑠𝜃

�⃗�𝑁 = 100.10.45

�⃗�𝑁 = 100.10.√2

2

�⃗�𝑁 =100√2

2

�⃗�𝑁 = 500√2

�⃗�𝑁 = 𝑚. 𝑔. 𝑠𝑒𝑛𝜃

�⃗�𝑁 = 100.10.1

2

�⃗�𝑁 = 100.10. √2

�⃗�𝑁 = 100√25.

5. Considerando a situação do exemplo anterior, calcule o coeficiente de atrito para que o

bloco seja mantido em repouso.

i. 𝑡𝑔 =𝑐𝑜𝑠∞

𝑠𝑒𝑛∞= 1

ii. 𝐹𝑎𝑡 = 𝑚1.𝑁

𝐹𝑎𝑡 = 1000.71

𝐹𝑎𝑡 = 71.000𝑚

iii. 𝐹𝑎𝑡 = 𝜇𝑐 .𝑁

500√2= 𝜇𝑐 . 1000

𝜇𝑐 =707,1

1000

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𝜇𝑐 = 0,7071

iv. 𝛼 =𝑠𝑒𝑛𝜃

𝑐𝑜𝑠𝜃→ 𝛼 = 𝑡𝑔𝜃 → 𝛼 = 𝑡𝑔45° → 𝛼 = 1

Comentário: As respostas das questões 4 e 5 revelam a maior dificuldade dos estudantes: a

falta de habilidade em resolver problemas matemáticos. Alguns conseguiram chegar aos

resultados corretos, porém, a maioria não conseguiu resolver, apesar das questões serem

bastante semelhantes aos exemplos dado em sala.

Durante a intervenção, procuramos esclarecer que, diferentemente do que muitos alunos

pensam, a Física é uma disciplina diferente da matemática, apesar de depender muito dela. As

resoluções de problemas de Física devem ir além dos cálculos matemáticos, é preciso explorar

o que está por trás de cada fórmula, explicar de forma analítica cada conceito, assim como

fizemos ao explicar o par ação e reação da força peso, a força normal, de atrito, etc.

A dificuldade dos alunos em usar a matemática faz com que os professores de Física

desperdicem boa parte da aula explicando algebrismo e deixem de explorar os conceitos

inerentes à matéria, principalmente quando sua formação não é específica para a disciplina.

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Capítulo 6

Conclusão

A experiência vivida na aplicação do presente trabalho levou-nos a algumas

conclusões, conforme enumeradas abaixo:

6.1Através da HFC podemos fugir do modelo tradicional

Uma abordagem diferente do que se costuma fazer em sala de aula, mostrou-se como

uma boa forma de despertar a atenção dos alunos para aprender ciência.Issoficou claro na fala

de dois alunos, conforme descrito abaixo:

i. “Ficou claro que a capacidade de entendermos o assunto fica mais fácil falando e

interagindo, do que só copiando".

ii. “A aula foi muito proveitosa, aprendi com mais facilidade sobre o assunto passado.

A questão da forma histórica em que se formou as Leis de Newton me surpreendeu e

me motivou a estudar mais sobre a matéria. A forma como o professor mostrou a

Física me revelou um ponto de vista diferente sobre assuntos primeiramente visto

como difíceis ou irrelevantes. A Física agora é interessante."

O comentário i mostra a importância de uma discussão filosófica do conteúdo,

conforme foi feito ao lermos o recorte do livro “Diálogo sobre os dois principais sistemas do

mundo” de Galileu. Nesse momento a maioria dos alunos mostrou-se atenta ao que estava

sendo proposto. Aparticipação foi determinante para que eles compreendessem o Princípio da

Inércia mesmo antes de ser apresentado. Através dessa estratégia, os alunos foram muito além

de apenas memorizar os conceitos, pelo contrário, eles próprios formularam as ideias que são

aceitas no meio científico.

Já através do comentário ii, vê-se que a abordagem histórica desperta o interesse do

aluno pela matéria, além de distanciar a aula do modelo tradicional, e dar uma visão não

dogmática do conteúdo, levando o aluno a uma aprendizagem mais significativa.

6.2 A HFC não se resume a uma mera introdução dos conteúdos

Costuma-se ver nos livros didáticos seções (principalmente no início dos capítulos)

que trazem um pouco da história do conteúdo que será estudado. Porém, muitas vezes essas

seções são ignoradas, mas mesmo que isso não ocorresse, não supririam a necessidade de

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levar a história da ciência para sala de aula, pois não revela a complexidade da natureza da

ciência, se resumindo a datas e nomes, enaltecendo “gênios”, que sozinhos, elaboraram

teorias que revolucionaram o mundo, passando uma visão não condizente com a verdadeira

história.

A história da ciência deve abordar de forma profunda o desenvolvimento do

pensamento científico, a) destacando que o nascimento de uma teoria científica se dá em meio

à pluralidade de ideias rivais; b) que um cientista sofre influências da religião, filosofia e da

sociedade em que vive, e que essas influências podem ser positivas ou negativas; c) da mesma

forma, uma nova descoberta científica pode influenciar positiva ou negativamente o mundo à

sua volta e d) o desenvolvimento de uma pesquisa é motivado pela incapacidade das teorias

existentes em explicar determinados fenômenos, os questionamentos são o ponto de partida.

Uma abordagem histórica (e consequentemente filosófica) que leve em consideração

os pontos destacados no parágrafo anterior, tem grande utilidade não só na introdução de

conteúdos, mas também no desenvolvimento dos conceitos que se deseja ensinar. Uma

abordagem histórica e filosófica desperta a imaginação do aluno, fazendo-o se ver na época

em que se desenvolveu determinada teoria, e isso pode ajudar bastante no seu aprendizado.

6.3 A HFC não substitui outras formas de ensinar Física

Apesar de considerarmos a HFC como essencial para um bom ensino de ciências,

deve-se destacar que esta não é a única forma de abordagem e nem a única que pode trazer

um bom resultado. A HFC pode dar boa contribuição para entendermos como se dá o

desenvolvimento da ciência, sendo útil na apresentação de conceitos; porém, para que haja um

melhor aprendizado por parte dos alunos, são necessários outros tipos de abordagem, como o

enfoque CTS, experimentação, uso de tecnologias de informação, interdisciplinaridade e

resolução de problemas, dessa forma, um projeto de ensino que contemple essas abordagens,

irá promover uma boa educação científica, que valorize o pensamento crítico, que torne os

cidadãos em indivíduos bem informados sobre políticas públicas voltadas para a ciência,

tecnologia e meio ambiente, gerando uma boa consciência sobre o uso de tecnologias,

desenvolvendo talentos e capacitando para o trabalho.

6.4 A HFC deve fazer parte da formação docente

A realização desse trabalho reforçou a importância do uso da HFC no ensino, não só

na educação básica, mas também no ensino superior, pois ela pode contribuir para uma

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formação mais humana e crítica. A HFC pode despertar o estudante para a pesquisa científica,

pois ele deixará de ser um mero expectador e receptor de conteúdos, e passará a construir seu

conhecimento com base em questionamentos.

Para que haja uma inserção da HFC no ensino básico, é necessário que haja disciplinas

específicas nos cursos de licenciatura, porém, os professores dessas disciplinas devem ter o

cuidado de apresentar uma historiografia isenta das pseudo-histórias e de outros vícios que

propagam visões deturpadas da natureza da ciência. Para isso, é necessária a realização de

mais pesquisas em HFC e sobre como levar esse conhecimento para a sala de aula.

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Apêndice A

Produto Educacional

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SEQUÊNCIA DE ENSINO PARA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA

CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA

Ítalo Nelson Dantas dos Santos

Orientadora: Profª Drª Joelma Monteiro de Souza

Co-Orientador: Prof. Dr. Francisco Augusto Silva Nobre

Juazeiro do Norte - CE Janeiro de 2017

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Sequência de Ensino

A sequência de ensino que será descrita aqui tem como objetivo auxiliar o professor de

Física que deseja conduzir suas aulas sob uma perspectiva histórica e filosófica, por

reconhecer a importância desse tipo de abordagem no bom ensino de ciências e por acreditar

que dessa forma é possível promover uma visão menos distorcida da Natureza da Ciência.

A aplicação dessa sequência consiste em cinco passos que buscam dar ao aluno uma

compreensão mais coerente da ciência, que lhe faça reconhecê-la como uma produção

humana, que carrega consigo ideologias, preconceitos e às vezes resultados inconsistentes,

mas que se aperfeiçoa através do trabalho coletivo de cientistas que seguem obcecados na

busca por respostas sobre a natureza das coisas.

Objetivamos com essa sequência os seguintes resultados:

Promover uma aprendizagem crítica;

Desfazer a visão dogmática que muitos têm sobre o conhecimento científico;

Contextualizar o conhecimento e relacioná- lo com outras áreas;

Destacar uma relação mais coerente entre as equações e conceitos físicos.

A sequência sugerida segue os seguintes passos:

Passo 1: O primeiro passo consiste em uma abordagem do contexto histórico

no qual se elaborou a teoria a ser ensinada, devendo ser feita de forma internalista5 e

externalista6. Essa abordagem pode ser feita através da leitura de um texto,

apresentação de um vídeo ou qualquer outro material que mostre aspectos da época em

que se deu a elaboração do conhecimento que está sendo ensinado, conforme seja mais

conveniente.

5 A abordagem internalista, como o próprio nome pressupõe, corresponde à análise dos fatores internos da

ciência, como as limitações apresentadas pelas teorias em análise ao explicar velhos ou novos fenômenos, as

discussões filosóficas entre os cientistas que defendem a ideia A ou B, e assim por diante. Esse tipo de

abordagem pode levantar questionamentos em sala de aula bastante enriquecedores, levando os alunos a

defenderem alguma das ideias defendida pelos cientistas da época.

6 A abordagem externalista mostra a influência que o conhecimento científico exerce em outras áreas do

conhecimento, tais como sociologia, religião, economia, etc. Esse tipo de abordagem desmistifica a ideia de que

a ciência se desenvolve de forma isolada do mundo, além de esclarecer que as ideias dos cientistas muitas vezes

são influenciadas pela cultura do local em que vivem.

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Passo 2: Esse momento consiste em apresentar para os alunos os conceitos da

teoria predominante (teoria A) no contexto histórico abordado no passo 1, podendo

essa apresentação ser feita através da ferramenta dos mapas conceituais. É possível

que esses conceitos coincidam com o senso comum da turma, podendo ser um ponto

de partida para que, através do direcionamento do professor, possam ser construídas

novas ideias, conforme pretende-se fazer no passo seguinte.

Passo 3: Nesse terceiro ponto, o professor levanta questionamentos, de forma

oral, que contraponham as principais ideias referentes a teoria A e ao conteúdo a ser

trabalhado (teoria B). Até então, ainda não se apresentou a teoria B, o que será feito

apenas no passo seguinte, porém, os questionamentos devem ser feitos com base em

exemplos em cujas respostas direcionem os alunos para essas novas ideias.

Passo 4: Após a turma chegar a um consenso quanto às respostas para os

problemas propostos, o professor apresenta os novos conceitos e leis científicas

concernentes ao conteúdo, comparando-os com as respostas da turma, corrigindo as

possíveis divergências, e usando-as para resolver os problemas propostos no passo

anterior.

Passo 5: Nesse momento, as ideias que até então haviam sido apresentadas

apenas de forma conceitual, devem ser demonstradas de forma matemática,

explorando cada detalhe das equações.

Passo 6: Nesse último passo, apresenta-se exemplos de aplicações que tornem

claras as novas ideias, consolidando de forma definitiva a assimilação dos novos

conceitos e tirando as dúvidas que ainda restarem.

Esta é a sequência que entendemos ser uma facilitadora para a transposição didática de

conteúdos de HFC para o ensino de Física, pois através dela, os aspectos históricos e

filosóficos do conteúdo deixam de ser uma simples nota de rodapé ou capítulos isolados que

resumem processos complexos a poucos nomes e datas, para serem elementos importantes no

processo de construção do conhecimento, de forma a estimularem o pensamento crítico e

desmistificarem o conhecimento científico.

Para facilitar a compreensão e aplicação dos passos propostos na sequência sugerida,

decidimos confrontar a FísicaAristotélica e a formulação newtoniana como forma de

exemplificar o uso desse material em sala de aula, conforme apresentaremos a seguir,

expondo inicialmente um resumo sobre as Leis de Newton.

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Leis de Newton: Uma abordagem histórica, filosófica e

conceitual

As notas históricas contidas nos livros de ciências geralmente omitem as diversas

personagens que contribuíram na construção de determinada teoria científica, exaltando a

figura de um único “gênio” e, no mínimo, sendo injusta com outros pensadores que foram

essenciais no processo. Com o nascimento da Física Clássica não é diferente, temos Isaac

Newton como o nome mais lembrado, pois sua contribuição foi inestimável para essa área de

conhecimento, porém, o mérito não se restringe a ele. Um olhar sobre a época em que Newton

viveu nos revela a pluralidade de pensamentos que influenciou seus trabalhos,

desmistificando a idiossincrasia de sua filosofia e mecânica (BARBATTI, 1998). Faremos

então, uma breve análise do contexto em que Newton viveu.

No século IV, a Igreja Católica, inseriu as ideias de Platão em sua filosofia, porém,

devido à complexidade de seus textos, a sua interpretação e adaptação aos dogmas católicos

resultaram no que a historiografia apresenta como neoplatonização. Já no século XII, foi a vez

da filosofia aristotélica, cujos escritos, de fácil entendimento, eram lidos principalmente nas

universidades (BARBATTI, 1998).

A figura de Deus era presente na filosofia medieval, pois era através dele que se

explicava a complexidade da natureza e sua forma orquestrada de funcionamento. Devido a

esse pensamento mítico, a filosofia natural era uma mistura de filosofia, teologia, alquimia,

astrologia e outras formas de conhecimento (OSTERMANN e CAVALCANTE, 2011). Foi

então que o filósofo inglês Francis Bacon (1562-1626) propôs através do seu livro “Novum

Organum” o que ficou conhecido como o método científico, que estabelecia um conjunto de

regras através do qual se poderia estabelecer uma teoria científica. O método baconiano

baseava-se principalmente na experimentação e na indução.

Porém, vale ressaltar que apesar do método baconiano, a ideia de Deus continuava

bastante presente na explicação de alguns fenômenos naturais. Parte dos filósofos acreditava

que Deus era o agente primário de sua criação, responsável em iniciar seu funcionamento, e a

partir dessa intervenção inicial, a natureza passou a funcionar sozinha, obedecendo às leis

matemáticas; a outra parte, à qual Newton se incluía, acreditava que Deus agia

constantemente na natureza desde a sua criação, sendo responsável por todos os fenômenos

naturais; porém, através da Mecânica Clássica, muitos Físicos viram que a natureza age de

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forma independente, controlada pelas suas leis, dispensando a necessidade de um agente que a

controlasse, resultando em um processo de ateização dos seus adeptos (BARBATTI, 1998).

A Filosofia Natural, como era chamada a Física do século XVII, se dividia em duas

correntes, a da filosofia mecânica, que defendia a descrição matemática de algo como sendo a

única forma de garantir sua certeza, reduzindo a natureza a categorias geométricas; e a da

filosofia empírica, argumentando sobre a incapacidade humana diante da diversidade das

coisas, de propor grandes sistemas coerentes, defendia, num pré-positivismo, que o

experimento criterioso é fundamental para o estabelecimento de verdades(BARBATTI, 1998).

Apesar do trabalho de Newton ser predominantemente mecânico, sua filosofia também

apresenta traços empíricos. Na verdade, o trabalho dele é uma combinação dos resultados

obtidos por alguns pensadores que lhe antecederam, tais como Copérnico, Galileu, Brahe e

Kepler e das discussões filosóficas contemporâneas, as quais envolveram personagens como

Descartes, Thomas Hobbes, Henry More, Isaac Barrow, Pierre Gassendi e Robert Boyle.

Outro ponto que deve ser considerado é o movimento renascentista que ocorreu em

parte da Europa, com início no século XIV, que resgatou produções humanas da Grécia e

Roma antiga, como a arte, filosofia e ciência, carregando consigo o antropocentrismo que

encorajou filósofos da época a questionar os dogmas impostos pela igreja, sendo um marco

para o fim do feudalismo. Foi nessa época que alguns filósofos voltaram a propor a ideia de

um sistema planetário heliocêntrico, como pensavam alguns gregos antigos, sendo um ponta

pé inicial para que a FísicaAristotélica e ptolomaica fossem abandonadas. Nesse processo de

modernização da ciência, temos como um marco o livro “Diálogo sobre os dois principais

sistemas do mundo”, em que Galileu contrapõe suas ideias à Física de Aristóteles e Ptolomeu.

Apesar desse panorama simples que fizemos até aqui sobre a filosofia na época de

Newton, podemos concluir que o nascimento da Mecânica Clássica foi um tanto quanto

dinâmico e resultou em um avanço científico que impulsionou as produções tecnológicas e

modificou de forma profunda a sociedade europeia e, posteriormente, o restante do mundo,

sendo um aspecto que não pode ser deixado de fora no ensino dessa área da Física, pois

desfaz visões inadequadas da ciência, que muitas vezes são adquiridas pelos estudantes em

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salas de aula tradicionais. A Mecânica Clássica, tal como descrita por Newton, está registrada

em seu livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”7.

Aristóteles dividia o movimento na superfície terrestre entre natural e violento, o

primeiro seria a trajetória natural seguida pelos corpos, os pesados caem em direção ao solo

(exemplo: um instrumento feito de ferro cairia em direção ao solo porque o lugar natural do

ferro é o solo) e semelhantemente os leves sobem em direção ao céu (fogo, fumaça, etc);

movimentos contrários a esses eram chamados de violentos e resultariam da ação de forças de

contato. De acordo com a FísicaAristotélica, um corpo só se manteria em movimento se

houvesse a ação contínua de uma força sobre ele e essa força seria o resultado do contato

entre os corpos. Naquela época ainda não se tinha a ideia de forças de campo, como a

eletromagnética ou gravitacional, apesar da descoberta da propriedade atrativa do âmbar ao

ser atritado.

Galileu Galilei mostrou em seu livro “Diálogo sobre os dois principais sistemas do

mundo” que o pensamento de Aristóteles estava equivocado em sua explicação sobre o

movimento dos corpos, demonstrando que, se colocarmos uma esfera em um plano inclinado

sem atrito e sem resistência do ar, a tendência natural dela seria descer com um movimento

continuamente acelerado. Se ela fosse lançada para se mover no sentido contrário, seria

continuamente freada até parar e voltar ao seu movimento natural de descida. Essas situações

mostram que o declive acelera e o aclive retarda o movimento, levando Galileu a concluir que

em um plano horizontal, não haveria causa nem para a aceleração e nem desaceleração da

esfera, levando-o a formular o Princípio da Inércia, que afirma que um corpo parado ou em

movimento uniforme em relação a um referencial, tende a manter seu estado de movimento.

O Princípio da Inércia corresponde à Primeira Lei de Newton, é definida por ele da

seguinte forma: “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme

em linha reta, a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas

sobre ele.” (NEWTON, 1686, p. 53). O estado de movimento de um corpo é mantido devido

ao que Newton chamou de vis insita, ou força inata da matéria, que corresponde ao poder que

o corpo tem de resistir à mudança de movimento (NEWTON, 2008).

7 Além de tratar do movimento dos sólidos, o “Principia”, como também é chamado o livro de Newton, descreve o comportamento dos fluidos e a interação entre os corpos celestes, tudo de forma matemática, conforme característica principal da Filosofia Mecânica

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De acordo com a primeira lei, uma condição para que um corpo se mantenha em

repouso ou em movimento uniforme é que a soma de todas as forças que ajam sobre ele seja

nula, ∑ �⃗�𝑖𝑛𝑖=1 = 0, caso contrário, o corpo seria acelerado ou freado, dependendo do sentido

da força resultante. Assim, concluímos que a ação de uma força causa uma variação na

quantidade de movimento8, nos levando à segunda lei: “A mudança de movimento é

proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela

força é imprimida” (NEWTON, 2008, p. 54), descrita matematicamente da seguinte forma:

�⃗� =𝑑�⃗⃗�

𝑑𝑡

Em que �⃗⃗� = 𝑚�⃗�é a quantidade de movimento ou momento linear. Teremos assim:

�⃗� = 𝑚�⃗�

Onde�⃗�, m e �⃗� são a força resultante, amassa do corpo e a aceleração, respectivamente. A

equaçãoacimanão define o que é força, mas dá a relação de proporcionalidade que ela tem

com a aceleração.

A Terceira Lei, apesar de poder ser comprovada experimentalmente, provavelmente

tenha sido obtida de forma teórica, a partir do princípio da conservação do momento linear9.

Como em um sistema conservativo o somatório dos momentos de cada partícula é constante

para todo instante t, ou seja,

∑𝑃𝑖

𝑛

𝑖=1

= 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒

se considerarmos a interação entre duas partículas isoladas do meio, e aplicarmos o princípio

da conservação do momento, teremos:

𝑃 = 𝑃1 +𝑃2

onde 𝑃1 e 𝑃2 são os momentos das partículas 1 e 2 no instante t, respectivamente, e:

𝑃′ = 𝑃′1 +𝑃′2

8 “A quantidade de movimento é a medida do mesmo, obtida conjuntamente a partir da velocidade e da quantidade de matéria.” (NEWTON, 1686, p. 40) 9 A quantidade de movimento, que é obtida tomando-se a soma dos movimentos dirigidos para as mesmas partes, e a diferença daqueles que são dirigidos a partes contrárias, não sofrem mudanças a partir da ação de corpos entre si. (NEWTON, 2008, p. 57)

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onde 𝑃′1 e 𝑃′2 são os momentos das partículas 1 e 2 no instante t’, respectivamente. Logo, a

variação dos momentos no intervalo de tempo de t a t’ será:

∆𝑃

∆𝑡=∆𝑃1∆𝑡

+∆𝑃1∆𝑡

Como P é constante, o lado esquerdo da equação fica nulo, e sabendo que 𝑃 = 𝑚�⃗�, nossa

equação acima ficará da seguinte forma:

0 = 𝑚∆�⃗�1∆𝑡

+ 𝑚∆�⃗�2∆𝑡

Onde �⃗�1e �⃗�2 são as velocidades das partículas 1 e 2 respectivamente. Como ∆�⃗⃗�1

∆𝑡= �⃗� é a

aceleração, aplicando a segunda lei obteremos:

�⃗�1→2 = −�⃗�2→1

Onde no lado esquerdo da equação temos a força que a partícula 1 imprime na partícula 2 e no

lado direito a força que a partícula 2 imprime na partícula 1. Obtivemos assim a Terceira lei

de Newton: “A toda ação há sempre oposta uma reação igual ou, as ações mútuas de dois

corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.” (NEWTON, 2008, p.

54)

Através das três leis aqui descritas, acrescida da Teoria da Gravitação Universal,

podemos descrever a natureza que nos envolvem, porém a Mecânica Clássica tem suas

limitações. A continuação dessa análise histórica nos levaria à incapacidade da teoria de

Newton, alguns séculos depois de sua formulação, por exemplo, em descrever a órbita de

Mercúrio, ou sua inconsistência com as Transformações de Lorentz, através das quais

Einstein formulou seu princípio da Relatividade Especial; poderíamos assim reafirmar o

caráter transitório das teorias científicas, dirimindo a visão dogmática que um ensino acrítico

promove.

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Exemplo de Aplicação da Sequência de Ensino: Leis de

Newton

Passo 1

A sequência de ensino pode ser iniciada com a leitura de um texto que está contido no livro

“Uma breve história do tempo” de Stephen Hawking, ao qual atribuímos o título “É tudo

tartaruga...”, o qual está transcrito abaixo:

“Um conhecido homem de ciência (segundo as más línguas, Bertrand

Russel) deu uma vez uma conferência sobre astronomia. Descreveu

como a Terra orbita em volto do Sol, e como o Sol, por suas vez,

orbita em redor do centro de um vasto conjunto de estrelas que

constitui a nossa galáxia. No fim da conferência, uma velhinha, no

fundo da sala, levantou-se e disse: ``O que o senhor nos disse é um

disparate. O mundo não passa de um prato achatado equilibrado nas

costas de uma tartaruga gigante." O cientista sorriu com ar superior e

retorquiu com outra pergunta: ``E onde se apoia a tartaruga?" A

velhinha então exclamou: ``Você é um jovem muito inteligente, mas

são tudo tartarugas por aí abaixo!” (Hawking, 2015, p. 5).

A leitura do citado texto é oportuna para se iniciar uma discussão sobre a

transitoriedade das teorias científicas e conduzir os alunos às concepções antigas sobre o

universo e o funcionamento da natureza, além de mostrar ideias que antes eram aceitas pela

maioria das pessoas como verdade absoluta, mas que se tornaram ultrapassadas com a

evolução do pensamento científico.

Essa discussão deve ser usada pelo professor para conduzir a turma ao primeiro passo

da sequência didática, onde se deve mostrar que no séc. XVII a Física e as demais ciências

naturais se confundiam entre si e entre mitos e outras formas de conhecimento, o que

conduziu alguns filósofos a ideias equivocadas sobre o funcionamento da natureza, como foi

o caso de Aristóteles ao explicar o movimento dos corpos. Deve-se destacar também que a

Filosofia Natural, como era conhecida a Física nessa época, dividia-se em Filosofia Mecânica

e Filosofia Empírica, onde através da primeira procurava-se matematizar o conhecimento

sobre a natureza, pois se acreditava na existência de um Deus como criador de tudo, e sua

perfeição era expressa através da regularidade dos fenômenos naturais, que obedecia às leis

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matemáticas; no segundo, construía-se o conhecimento a partir de observações, através das

quais os filósofos extraíam explicações e criavam suas leis naturais. Deve-se abordar também

a questão da repressão, exercida pelas autoridades da época, à diversidade de pensamento, da

qual foram vítimas, entre outros, Giordano Bruno (1548 – 1600) e Galileu Galilei (1564 –

1642), mas que apesar dessa repressão, havia uma disputa entre as ideias de Aristóteles

(defendida pela igreja) e de Copérnico, conforme representada no livro “Diálogo sobre os dois

principais sistemas do mundo” de Galileu Galilei.

Passo 2

Nesse passo, deve-se apresentar as explicações dada pela FísicaAristotélica, o que pode ser

feito através de um pequeno mapa conceitual, conforme representado abaixo:

Figura 4: Física Aristotélica

Fonte: Produzida pelo próprio autor

É importante destacar que a teoria de Aristóteles não era a única, mas que havia sido abraçada

pela Igreja Católica através dos filósofos cristãos, que a resgataram do pensamento grego

antigo adequando-a a sua teologia.

Passo 3

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O terceiro passo pode ser dado através da leitura do trecho a seguir de “Diálogo sobre os dois

principais sistemas do mundo” de Galileu Galilei:

"SALV.: ... Diga-me agora: Suponhamos que se tenha uma superfície

plana lisa como um espelho e feita de um material duro como o aço.

Ela não está horizontal, mas inclinada, e sobre ela foi colocada uma

bola perfeitamente esférica, de algum material duro e pesado, como o

bronze. A seu ver, o que acontecerá quando a soltarmos?

SIMP.: Não acredito que permaneceria em repouso; pelo contrário,

estou certo de que rolaria espontaneamente para baixo.

SALV.: ... E por quanto tempo a bola continuaria a rolar, e quão

rapidamente? Lembre-se de que eu falei de uma bola perfeitamente

redonda e de uma superfície altamente polida, a fim de remover todos

os impedimentos externos e acidentais. Analogamente, não leve em

consideração qualquer impedimento do ar causado por sua resistência

à penetração, nem qualquer outro obstáculo acidental, se houver.

SIMP.: Compreendo perfeitamente, e em resposta a sua pergunta digo

que a bola continuaria a mover-se indefinidamente, enquanto

permanecesse sobre a superfície inclinada, e com um movimento

continuamente acelerado.

SALV.: Mas se quiséssemos que a bola se movesse para cima sobre a

mesma superfície, acha que ela subiria?

SIMP.: Não espontaneamente; mas ela o faria se fosse puxada ou

lançada para cima.

SALV.: E se fosse lançada com um certo impulso inicial, qual seria o

seu movimento, e de que amplitude?

SIMP.: O movimento seria constantemente freiado e retardado, sendo

contrário à tendência natural, e duraria mais ou menos tempo

conforme o impulso e a inclinação do plano fossem maiores ou

menores.

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SALV.: Muito bem; até aqui você me explicou o movimento sobre

dois planos diferentes. Num plano inclinado para baixo, o corpo

móvel desce espontaneamente e continua acelerando, e é preciso

empregar uma força para mantê-lo em repouso. Num plano inclinado

para cima, é preciso uma força para lançar o corpo ou mesmo para

mantê-lo parado, e o movimento impresso ao corpo diminui

continuamente até cessar de todo. Você diz ainda que, nos dois casos,

surgem diferenças conforme a inclinação do plano seja maior ou

menor, de forma que um declive mais acentuado implica maior

velocidade, ao passo que, num aclive, um corpo lançado com uma

dada força se move tanto mais longe quanto menor o aclive. Diga-me

agora o que aconteceria ao mesmo corpo móvel colocado sobre uma

superfície sem nenhum aclive nem declive.

SIMP.: Aqui preciso pensar um instante sobre a resposta. Não

havendo declive, não pode haver tendência natural ao movimento; e,

não havendo aclive, não pode haver resistência ao movimento. Parece-

me portanto que o corpo deveria naturalmente permanecer em

repouso. Mas eu me esqueci; faz pouco tempo que Sagredo me deu a

entender que isto é o que aconteceria.

SALV.: Acredito que aconteceria se colocássemos a bola firmemente

num lugar. Mas que sucederia se lhe déssemos um impulso em alguma

direção?

SIMP.: Ela teria que se mover nessa direção.

SALV.: Mas com que tipo de movimento? Seria continuamente

acelerado, como no declive, ou continuamente retardado, como no

aclive?

SIMP.: Não posso ver nenhuma causa de aceleração nem deceleração,

uma vez que não há aclive nem declive.

SALV.: Exatamente. Mas se não há razão para que o movimento da

bola se retarde, ainda menos há razão para que ele pare; por

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conseguinte, por quanto tempo você acha que a bola continuaria se

movendo?

SIMP.: Tão longe quanto a superfície se estendesse sem subir nem

descer.

SALV.: Então, se este espaço fosse ilimitado, o movimento sobre ele

seria também ilimitado? Ou seja, perpétuo?

SIMP.: Parece-me que sim, desde que o corpo móvel fosse feito de

material durável. "

(NUSSENZVEIG, 2007, p. 66 apud Glilei, 1953).

Nesse momento, o professor lê as falas da personagem Salviat, que estão em forma de

perguntas, e pede para os alunos responderem, conferindo as respostas com as respostas da

personagem Simplício. O fato de serem perguntas fáceis de responder, faz com que as

respostas dos alunos coincidam com as de Simplício, que por sua vez, coincidem com o

princípio da inércia.

Passo 4

Após a conclusão da leitura, para se iniciar o passo “d”, apresenta-se a Lei da Inércia

conforme está no “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural” de Sir Isaac Newton,

destacando que o mesmo concordava com as respostas dada pela turma. Para tornar mais clara

a Primeira Lei, pode-se usar como exemplo o Movimento Retilíneo Uniforme (MRU)

[𝑆 = 𝑆0 +𝑣𝑡], que mostra o caráter contínuo de um movimento em que não há aceleração, e o

Movimento Retilíneo Uniformemente Variado (MRUV) [𝑆 = 𝑆0 +𝑣0𝑡 +1

2𝑎𝑡2], que é a

situação em que há a ação de uma força e, portanto, vai contra a tendência natural do móvel

em manter sua velocidade constante, seja ela nula ou não.

A segunda lei pode ser apresentada de forma intuitiva, explorando o conhecimento empírico

dos alunos, destacando que essa é uma das formas na qual se obtém o conhecimento, a saber,

através da observação. Para tal, usa-se o seguinte exemplo:

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EXEMPLO: Se para imprimirmos uma aceleração �⃗�num corpo de massa 𝑀 precisamos de

uma força �⃗�, então para imprimirmos a mesma aceleração num corpo de massa 2𝑀

precisaremos de uma força 2�⃗�, para uma massa 3𝑀 teria que ser 3�⃗�, e assim por diante, ou

seja, quanto maior a massa, maior deve ser a força necessária para que tenhamos a mesma

aceleração, revelando uma relação de proporcionalidade entre elas, sendo �⃗� a constante de

proporcionalidade. Semelhantemente, se uma força �⃗� causa uma aceleração 𝑎 num corpo de

massa 𝑀, então para imprimirmos uma aceleração 2�⃗� teremos que aplicar uma força 2�⃗�, para

uma aceleração 3�⃗�a força teria que ser 3�⃗�. Dessa forma, na primeira situação, para

transformarmos a relação de proporcionalidade entre a força e massa em igualdade, usamos a

aceleração �⃗� como constante de proporcionalidade e no segundo caso, a constante de

proporcionalidade passou a ser a massa 𝑀, o que resultou na Segunda Lei:

�⃗� = 𝑀�⃗�

Para apresentarmos a Terceira Lei, utilizamos um exemplo extraído, com algumas

modificações, do livro “Curso de Física Básica” de Moysés Nussenzveig, que mostra a

colisão elástica entre duas esferas idênticas que se aproximam uma da outra com velocidade

de mesmo módulo e sentidos contrários em uma superfície sem atrito.

Figura 5: Sistema Conservativo

Fonte: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/fisica/colisoes-elasticas-inelasticas.htm

Antes da colisão, o momento linear total �⃗⃗�do sistema é dado por:

�⃗⃗�1 = �⃗⃗�1𝐴 + �⃗⃗�1𝐵 = 𝑚1�⃗�1𝐴 +𝑚2�⃗�1𝐵 = 0

onde �⃗⃗�1𝐴, 𝑚1 e �⃗�1𝐴 são o momento linear, a massa e a velocidade da esfera A antes da

colisão, respectivamente e �⃗⃗�1𝐵, 𝑚2 e �⃗�1𝑏 são, semelhantemente, o momento linear, a massa e

a velocidade da esfera B antes da colisão. Se as esferas são idênticas, então 𝑚1 = 𝑚2 = 𝑚.

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Como a colisão é elástica e as esferas são idênticas, as velocidades das partículas se invertem

e após a colisão o momento linear total do sistema será:

�⃗⃗�2 = �⃗⃗�2𝐴 + �⃗⃗�2𝐵 = 𝑚1�⃗�2𝐴 + 𝑚2�⃗�2𝐵 = 0

onde �⃗⃗�2𝐴, 𝑚1 e �⃗�2𝐴 são o momento linear, a massa e a velocidade da esfera 1 antes da colisão,

respectivamente e �⃗⃗�2𝐵, 𝑚2 e �⃗�2𝑏 são, semelhantemente, o momento linear, a massa e a

velocidade da esfera 2 antes da colisão.

Dessa forma, teremos �⃗⃗�1 = �⃗⃗�2, assim:

�⃗⃗�1𝐴 + �⃗⃗�1𝐵 = �⃗⃗�2𝐴 + �⃗⃗�2𝐵

�⃗⃗�2𝐴 − �⃗⃗�1𝐴 = −(�⃗⃗�2𝐵− �⃗⃗�1𝐵)

∆�⃗⃗�𝐴 = −∆�⃗⃗�𝐵

𝑚∆�⃗�𝐴 = −𝑚∆𝑣𝐵

Multiplicando ambos os lados por 1

∆𝑡, teremos:

𝑚∆�⃗�𝐵∆𝑡

= −𝑚∆�⃗�𝐵∆𝑡

Como ∆𝑣

∆𝑡 é a aceleração, a equação acima pode ser reescrita da seguinte forma:

𝑚�⃗�𝐴 = −𝑚𝑣𝐵

O que corresponde à Segunda Lei de Newton:

�⃗�𝐴 = −�⃗�𝐵

Onde �⃗�𝐴 é a força que a esfera A exerce sobre a esfera B e �⃗�𝐵 é a força que a esfera B exerce

sobre a esfera A no instante da colisão. Concluímos assim o primeiro encontro.

Passo 5

Para concluir a sequência, deve-se mostrar alguns exemplos de aplicação dos

novos conceitos, de preferência problemas gerais, que tratem das principais ideias que

envolvam o conteúdo. Os exemplos podem ser conforme os descritos a seguir:

EXEMPLO 1

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O bloco A, representado na figura abaixo, está em repouso em uma superfície sem atrito e sua

massa é 𝑚:

Figura 6: Bloco sobre uma superfície horizontal

Fonte: http://professor.bio.br/fisica/provas_vestibular_detalhe.asp?universidade=Faap-1997

a) Quais as forças que agem nesse corpo?

b) Se aplicarmos um pequeno impulso, de modo que ele comece a se deslocar, sua velocidade

será constante ou variada? Por quanto tempo durará seu movimento?

EXEMPLO 2

A figura abaixo representa um corpo de massa M sobre um plano com atrito, que faz um

ângulo θ com a horizontal:

Figura 7: Bloco sobre plano inclinado

Fonte: https://descomplica.com.br/blog/fisica/o-que-e-forca-de-atrito-e-como-ela-age-no-plano-inclinado/

a) O corpo está inicialmente em repouso, indique as forças que atuam sobre ele apontando os

pares ação e reação;

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b) O corpo desliza para baixo sobre superfície. Qual a força responsável por esse movimento?

Fica como sugestão o uso de avaliações antes e depois da aplicação da sequência,

como forma de perceber uma possível evolução da turma.

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Bibliografia

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[Nussenzveig, 2007] H. M. Nussenzveig, Curso de Física básica. Edgard Blücher,

2002. reimp. 2007.

[Ostermann e Cavalcanti 2011] F. Ostermann, C. J. H. Cavalcanti, Epistemologia:

implicações para o ensino de ciências / Fernanda Ostermann e Cláudio José de Holanda

Cavalcanti. - Porto Alegre: Evangraf; UFRGS, 2011.