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REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2005 56 Uma senhora Fundação ARQUITETURA ntes chamada de Instituto Soroterápico Federal, a Fundação Oswaldo Cruz foi criada em 1900 para fabricar vacinas e soros que atendessem às demandas da saúde pública na época, às voltas com epidemias. A partir de 1908, sob a direção de Oswaldo Cruz, estendeu suas atividades para produção, pesquisa e ensino. Ao longo dos seus 105 anos de história, a importância da Fiocruz na saúde pública brasileira cresceu e suas instalações acompanharam esse crescimento. A

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Page 1: Uma senhora Fundação · 2015. 5. 25. · Biotério (atual Lauro Travassos), o Hospital Torres Homem (hoje demolido), a sede da Fundação Rockfeller e o Pavilhão do Vírus. Destes,

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UmasenhoraFundação

ARQUITETURA

ntes chamada de Instituto SoroterápicoFederal, a Fundação Oswaldo Cruz foi criadaem 1900 para fabricar vacinas e soros que

atendessem às demandas da saúde pública na época,às voltas com epidemias. A partir de 1908, sob adireção de Oswaldo Cruz, estendeu suas atividadespara produção, pesquisa e ensino. Ao longo dos seus105 anos de história, a importância da Fiocruz nasaúde pública brasileira cresceu e suas instalaçõesacompanharam esse crescimento.

A

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o início do século 16, a áreaonde fica hoje a Fundaçãoera habitada pelos índiostupinambás. A região já foiocupada por plantações de

cana – de 1565, ano da fundação da ci-dade do Rio de Janeiro, até o século 18 –e por lavouras de café, até meados doséculo 19. A partir de 1870, um acelera-do processo de urbanização deu origemaos subúrbios da Zona Norte.

Em 1892, o governo de Floriano Pei-xoto desapropriou a Fazenda de Mangui-nhos – já com esse nome e completamen-te abandonada – de Dona AlexandrinaRosa de Carvalho para a construção defornos de incineração do lixo da cidade.Sete anos mais tarde, encarregado peloprefeito Cesário Alvim de obter soro con-tra a peste bubônica, o barão de PedroAfonso escolheu a região para alojar oInstituto Soroterápico. A área era idealpara esse propósito. Às margens da baíade Guanabara e cortada pela estrada deferro Leopoldina Railway, a fazenda eraisolada do centro urbano, mas de fácil

N

Novo cais construídopor Luiz Moraes Júnior,com os trilhos usadospara transportarmaterial de construçãoque chegava pela Baíade Guanabara

Tanques para criaçãode peixes na Ilha doPinheiro. Ao fundo,o Castelo Mourisco

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acesso por terra ou por mar. Além disso,dois prédios construídos para a residên-cia dos operários dos fornos poderiamser usados como laboratórios improvisa-dos enquanto as novas instalações doInstituto eram construídas.

Os laboratórios foram inauguradosem 23 de julho de 1900. O Instituto eraentão constituído por uma sede – ondefuncionavam escritório, refeitório e umpequeno laboratório –; a antiga cavalari-ça, com capacidade para 30 animais; umacocheira, e gaiolas para pequenos animais.Esse núcleo teria vida curta. Em dezembrode 1902, Oswaldo Cruz assumiu a direçãodo Instituto com planos de grandeza. Aidéia era seguir o modelo do InstitutoPasteur: produzir remédios e vacinas, rea-lizar pesquisa científica e atividades liga-das à saúde pública. E as modestas insta-lações improvisadas por Pedro Afonso nãocondiziam com esses planos.

O antigo conjunto foi gradativamen-te demolido e em seu lugar se ergueu oque se considera hoje o núcleo arquite-tônico histórico de Manguinhos. Para atarefa, Oswaldo Cruz contratou o arqui-teto português Luiz Moraes Júnior. Rezaa lenda que tinham se conhecido no tremda Leopoldina, quando os dois estavama caminho de seus trabalhos – Moraesfora contratado para embelezar a facha-da da Igreja da Penha. O primeiro projetode Moraes para Manguinhos, em 1903,foi o de um pequeno biotério, que seriademolido após a construção do Pombal.O estilo escolhido para os novos prédiosfoi o ecletismo, muito em moda no Brasilno começo do século 20.

O primeiro edifício do conjunto ar-quitetônico histórico a ser construído foio Pavilhão da Peste, em 1904, que seriausado para a fabricação de soro antipes-toso. No mesmo ano foram erguidos aCavalariça e um biotério para pequenosanimais – o Pombal. As obras do CasteloMourisco começaram em 1905 e só seri-am concluídas 13 anos depois.

Na década de 10, foram construídosos prédios do Aquário (por volta de 1915),do Quinino – construído em 1919 paraalojar o Serviço de Medicamentos Ofici-ais e batizado com o nome do remédiousado para combater a malária – e o Hos-pital Oswaldo Cruz (hoje Evandro Cha-gas), entre 1912 e 1917.

A areia, a terra, o saibro e o granitousados na obra foram retirados do pró-prio terreno da fazenda. A madeira peroba

do campo utilizada nas portas também.Todos os outros materiais foram impor-tados: da França vieram telhas, cerâmicasde piso e tijolos; da Alemanha, luminári-as, aço, azulejos e esquadrias; dos Esta-dos Unidos, fechaduras e dobradiças; daInglaterra, ferro e cimento; da Itália, omármore; e de Portugal, ladrilhos para asparedes. O material chegava de barco atéo cais recém-construído – o antigo píerde madeira fora substituído por um deconcreto. Dali era levado ao local da obrapor miniestradas de ferro com carros pu-xados por animais.

Não só o material de construção eraestrangeiro: o mestre-de-obras, BasílioSilvestre Aor, era austríaco. Ele comanda-va uma equipe de operários portugue-ses, italianos e espanhóis especializadosem marcenaria, pintura, cantaria e estu-ques. Na época, o primeiro passo de umaconstrução era a escavação de valas, cha-madas cafofos, que eram preenchidascom pedra e cimento até a superfície. Apartir daí era erguida a obra. As paredesdos primeiros andares tinham que sus-tentar o peso de toda a estrutura – as doCastelo têm cerca de um metro de espes-sura no pavimento térreo.

No fim da década de 1910, o ritmodas obras foi intensificado. À medida queos primeiros pavimentos do Castelo fica-vam prontos, já iam sendo ocupados porlaboratórios, enquanto a obra dos anda-res de cima continuava a todo vapor. Édessa época a construção do caraman-chão que daria origem à Casa de Chá,onde Oswaldo Cruz e seus discípulos fa-ziam as refeições. No local onde foi cons-truído o refeitório existiam várias árvores,entre elas uma figueira tida em alta esti-ma por Oswaldo Cruz. A solução foi er-guer o caramanchão sem derrubar as ár-

De cima para baixo: torre eescadaria do hall de entrada doCastelo Mourisco; Oswaldo Cruzexaminando o microscópio emlaboratório do Castelo; baias doscavalos no prédio da Cavalariça

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vores, que varavam o telhado. A figueiraacabaria sendo morta por herbicidas mal-empregados na década de 70.

Na Cavalariça e no Pavilhão da Peste,já prontos, cientistas trabalhavam na pro-dução de soros. O Pombal já estava ocu-pado por cobaias de pequeno porte quan-do as gaiolas construídas pelo Barão dePedro Afonso foram demolidas, assimcomo a antiga cocheira, o pequeno labo-ratório e a velha sede do Instituto.

Em 1915, começou a ser erguidoatrás do Pavilhão da Peste um aquário deágua salgada, com ligação direta com omar, onde seriam estudados os micror-ganismos aquáticos. Nesse prédio, Mo-raes adotou um estilo mais contemporâ-neo, o art nouveau, que contrastavafortemente com os outros edifícios doconjunto, em estilo eclético. Décadas maistarde, com o aterro realizado para a cons-trução da Avenida Brasil, em 1939, o aqu-ário perderia a ligação com o mar.Desativado, ficou em ruínas até a décadade 60, quando foi demolido.

Oswaldo Cruz morreu precocementeem 1917 e não chegou a ver o complexoplanejado por ele e Luiz Moraes Júnior con-cluído. Faltava o Pavilhão dos Medicamen-tos Oficiais, mais conhecido como Quinino,cujas obras só começaram em 1919. CarlosChagas assumiu a direção do Instituto, en-

nior para o Instituto, de 1922, foi o Pavi-lhão Vacínico (hoje uma vila residencial),prédio com estrutura de madeira recober-ta por alvenaria de tijolos e fachadasrevestidas de emboço. Nessa época, asobras em Manguinhos eram feitas porempreitada, após licitação pública, e oscustos tinham de ser reduzidos. Na déca-da de 30, a fragilidade da administraçãoe a falta de metas de longo prazo levarama cortes de recursos que acarretaram adecadência física do campus, seus edifí-cios, instalações e equipamentos.

Depois de perder parte de seu terrenopara o Aeroclube, em 1935 o IOC incor-porou a seu patrimônio a Ilha do Pinheiro.O isolamento da ilha era ideal para a ob-servação dos animais inoculados em liber-dade e para a reprodução dos macacosRhesus, importantíssimos para a pesqui-sa, mas muito caros. Lá foram construídoscais, estaleiro, oficina mecânica, laborató-rio e museu de hidrobiologia, um novoaquário marinho e tanques de piscicultu-ra, além das residências do mecânico e dozelador. Mas a poluição crescente da Baíade Guanabara na década de 50 impossi-bilitaria os estudos de hidrobiologia. Onúmero inicial de cem macacos chegou atriplicar, mas o processo de favelização daárea e o aterramento acabaram facilitan-do a fuga de animais. Em 1980, os maca-cos foram transferidos para gaiolas no De-partamento de Primatologia. A área aoredor da ilha foi completamente aterrada.

As grandes obras só foram retomadasa partir de 1937, com o Pavilhão do NovoBiotério (atual Lauro Travassos), o HospitalTorres Homem (hoje demolido), a sede daFundação Rockfeller e o Pavilhão do Vírus.Destes, apenas o último foi construído parauso do IOC. Só quando a Rockfeller deixouo Brasil, em 1942, suas instalações passa-ram para o controle do IOC.

Nessa época, houve um aumento dasverbas do Instituto. Com a participação doBrasil na Segunda Guerra Mundial, tornou-se primordial a produção de soros, vaci-nas, plasma sangüíneo e antibióticos. Oconhecimento técnico e científico se diver-sificava. Além da modernização dos labo-ratórios, preocupavam Henrique Aragão –diretor do IOC de 1942 a 1949 – aarborização e a delimitação física docampus. Para expandir e marcar os limitesdo Instituto, Aragão tratou de construirnovos edifícios afastados do núcleo arqui-tetônico original. Também foi ele o res-ponsável pela construção do muro que

cerrando o período das obras monumen-tais. Talvez pelo fato de Chagas não nutriro mesmo interesse de Cruz pela arquiteturanem ter a mesma influência sobre o arqui-teto, as construções em Manguinhos pas-saram a ser mais despojadas.

Em 1920, com a morte do Barão dePedro Affonso, o Instituto Vacínico final-mente foi anexado ao IOC – iniciativa quesó não fora tomada antes devido a umarusga entre o barão e Oswaldo Cruz. Nomesmo ano, surgiu o projeto de sanea-mento e urbanização da região, que pre-via o aterro da enseada de Manguinhos.Em 1922, Chagas fez um acordo com aEmpresa de Melhoramentos da BaixadaFluminense, responsável pela obra, ce-dendo cerca de 250 mil m2 de terras ala-gáveis em troca de obras de infra-estru-tura e de melhoria das vias de acesso aoInstituto. O acordo, entretanto, não eraefetivo, já que o IOC ainda não tinha aposse definitiva da Fazenda de Mangui-nhos (a situação só seria regularizada em1948 e a escritura definitiva só seria la-vrada em 1982). As mesmas terras alagá-veis ainda voltariam a ser assunto: o Insti-tuto as perdeu para o Aeroclube deManguinhos, construído a partir de 1932e inaugurado em 1936, que seria vizinhodo Instituto pelos 25 anos seguintes.

O último projeto de Luiz Moraes Jú-

Casa de chá, ainda com as árvores

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separa o Instituto das favelas ao redor. Ini-ciada a partir da construção de casas defuncionários, uma comunidade crescia aolongo da antiga Estrada de Manguinhos.

O estilo adotado nos novos prédiosfoi o modernismo. Foram erguidos nesseperíodo o Pavilhão de Patologia (atualCarlos Chagas, o único próximo ao con-junto histórico), o Pavilhão de Biologia, oPavilhão de Cursos e o Restaurante Cen-tral. Os dois últimos – típicos represen-tantes da arquitetura da época com seuspainéis de azulejos, telhados inclinados,pilotis e vãos livres – formam o “núcleomodernista” da Fiocruz.

Em 1956, foi inaugurado um labora-tório para fabricação de vacinas contrafebre amarela e varíola. Construído du-rante a gestão de Francisco Laranja Filho,o novo pavilhão foi batizado em home-nagem a Henrique Aragão. O prédio pro-jetado pelo arquiteto Roberto Nadaluttitem estrutura sustentada por pilares ex-ternos que partem da base posterior do

edifício, passam sobre o telhado inclina-do e apóiam a fachada principal. Essasolução permite que as paredes internaspossam ser mudadas de lugar sem preju-ízo da estrutura. Além de escorar o pré-dio, os pilares vazados e com a base emforma de V constituem seu principal ele-mento decorativo, gerando uma bela pers-pectiva. O projeto original previa dois blo-cos, interligados por uma passarela. Osegundo deles nunca saiu do papel.

Ainda na década de 50, as ruas, an-tes intransitáveis em dias chuvosos, fo-ram pavimentadas. Foi erguida a portariada Avenida Brasil, agora principal acessoao Instituto – um projeto de Luiz MoraesJúnior, no mesmo estilo do Castelo, foidescartado em favor do plano do arqui-teto Nabor Foster, em estilo modernista.Na mesma época, começou a ser constru-ído o Pavilhão Leônidas Deane, concebi-do para substituir o Hospital EvandroChagas, já obsoleto e muito pequeno. Oprédio só seria inaugurado na década de70 e hoje abriga laboratórios do IOC.

Nos anos 60, as obras em Mangui-nhos ficaram a cargo do Ministério da Saú-de, alheias à estrutura administrativa doInstituto – a única exceção foi o BiotérioCentral. A funcionalidade predominavasobre a estética e a unidade formal, pre-sente nas gestões de Oswaldo Cruz e Hen-rique Aragão, estava longe de ser uma pri-oridade. Em 1970, foi criada a FundaçãoInstituto Oswaldo Cruz, que ficou respon-

Antiga fazenda Mangui-nhos, em 1888, antes daFundação do InstitutoSoroterápico

Cientistas em frente às obras doCastelo. No chão, os trilhos atravésdos quais os materiais de constru-ção eram trazidos do cais.

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sável por gerir todos os edifícios.Além das unidades localizadas den-

tro do campus, a Fiocruz passou a contarcom as atividades do Instituto de Ende-mias Rurais (INERu), transferido para den-tro do campus; do Instituto de Leprologia,em São Cristóvão, no Rio de Janeiro; doInstituto Fernandes Figueira (IFF), no bair-ro carioca do Flamengo; do InstitutoEvandro Chagas, em Belém do Pará; alémdos Centros de Pesquisa René Rachou,em Belo Horizonte, Gonçalo Moniz, emSalvador, e Aggeu Magalhães, no Recife.

Em 1970, a Fiocruz já reunia em seuterreno muitas unidades independentes.A organização, bem parecida com a deuma universidade, levou ao uso do ter-mo campus. Mas a crise institucional queculminou com a cassação de dez cientis-tas teve reflexos nos seus edifícios: labo-ratórios foram abandonados, prédios fi-caram em ruínas. A decadência era tãogrande que um esgoto a céu aberto, vin-do da favela, atravessava o campus. Em1975, a recuperação da Fiocruz passou aser meta prioritária do governo Geisel.Os pavilhões foram reformados e reinau-gurados em 1977.

No começo dos anos 80, a Fiocruztinha cerca de 80 edificações, parte de-las deteriorada. A rede de água nãoatendia à demanda e a de gás tinha va-zamentos. As redes elétrica, telefônica ede esgotos precisavam de reformas. Ha-via décadas o lixo infectado era lançadodiretamente em um rio.

Em 1981, foi homologado o proces-so de tombamento do núcleo arquitetô-nico eclético de Manguinhos. Também foidemarcada uma zona de preservaçãoambiental em seu entorno. A área arbori-zada ocupa aproximadamente um terço

Acima, o Pavilhão de Cursos, com opainel de Burle Marx. Na foto maior,detalhe da entrada do PavilhãoHenrique de Beaurepaire Aragão

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do campus de cerca de 850 mil m2. Em1985, com a redemocratização do país,teve início um amplo processo de revitali-zação da Fiocruz, durante a gestão dosanitarista Sergio Arouca. Novas unida-des foram criadas e as instalações docampus se expandiram. Devido ao baixocusto e à rapidez na montagem, foi adotadoo sistema construtivo de pré-moldados eargamassa armada em prédios como o daCreche Bertha Lutz e o da Escola Politécnicade Saúde Joaquim Venâncio.

Em 1986, foi criada a Gerência deProjetos Especiais, que seria responsávelpela reforma e restauração do conjuntoarquitetônico histórico. Desde então, jáforam restauradas as varandas do Insti-tuto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas,antigo Hospital Evandro Chagas, e as fa-chadas do Quinino. O Pombal, a Cavala-riça e o Pavilhão do Relógio foram inte-gralmente recuperados.

Na década de 90, já com o fôlegorecobrado, a Fiocruz teve o maior núme-ro de realizações de sua história. Em to-das as construções desse período houve,em maior ou menor grau, a preocupaçãode adequar os novos prédios ao universoarquitetônico de Manguinhos, seja nouso do tijolo cerâmico no revestimento,do ferro na estrutura, da telha cerâmicanos telhados, seja na opção por prédiosbaixos, para não interferir na visibilidadedos edifícios tombados.

Um exemplo de adequação ao estilodo início do século passado é o Centrode Recepção do Museu da Vida. Inspira-do na arquitetura ferroviária do século19, o prédio tem estrutura de aço e utili-za materiais, elementos arquitetônicos esistemas construtivos semelhantes aosempregados no conjunto histórico.

Em 1995, foi inaugurada a iluminaçãomonumental do conjunto arquitetônicohistórico de Manguinhos, realizada em con-junto pelo Departamento de PatrimônioHistórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC),pelo Iphan, pela General Electric e pelo can-tor Ney Matogrosso. O Castelo Mourisco,pelo tamanho e pelas particularidades es-truturais, exige intervenções complexas, quecomeçaram em 1987 e atualmente já estãoem estágio avançado.

Em 1998, as ações de preservação dopatrimônio da Fiocruz se estenderam aosedifícios modernistas. O Refeitório Cen-tral e o Pavilhão de Cursos foram tomba-dos pelo Instituto Estadual de PatrimônioCultural do Rio de Janeiro (Inepac).

Mais acima, o antigo biotériopara pequenos animais, primeiro

projeto de Luiz Moraes emManguinhos. Ao centro, antigas

instalações do laboratórioprincipal do Instituto Soroterá-

pico. Ao lado, o centro derecepção da Fiocruz

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stilo arquitetônico mui-

to em moda entre a se-

gunda metade do sécu-

lo 19 e a década de 1930, o

ecletismo segue os princípios

clássicos, como a simetria. Os

ornamentos, no entanto, se

opõem ao classicismo, mes-

clando duas ou mais tendên-

cias de decoração. Tudo co-

meçou com a revitalização do

gótico. Depois vieram a ins-

piração francesa dos chalés, a

alemã das casas em estilo

normando, a inglesa das es-

truturas de ferro das gares. No

núcleo eclético da Fiocruz,

predominam as linguagens

árabe, portuguesa e inglesa.

O estilo inglês, aliás, está

tão presente no conjunto ar-

quitetônico histórico quanto

o português e o árabe, prin-

cipalmente no Pavilhão da

Peste e na Cavalariça. O uso

de tijolo maciço e granito nos

revestimentos e de elementos

em ferro nas escadas, baias,

gradis, estrutura do telhado,

beirais e luminárias são exem-

plos dessa influência. Já no

Castelo, predominam as lin-

guagens portuguesa e árabe.

Núcleoeclético

E

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uem passa por um certotrecho da Avenida Brasil,uma das principais vias deacesso ao Rio de Janeiro,avista no alto de uma coli-

na um imponente castelo que encanta cri-anças e adultos. Alguns se perguntam seo palácio já pertenceu a algum nobre. Elesnão deixam de ter uma certa razão – o cas-telo foi construído para uma causa nobre:ser um templo da ciência e da saúde pú-blica brasileiras. Hoje, a imagem da Fio-cruz é indissociável da figura do CasteloMourisco de Manguinhos.

O primeiro croqui do castelo foi ras-cunhado pelo próprio Oswaldo Cruz – epode-se dizer que o sanitarista não eraespecialmente talentoso para as artesplásticas. O tosco desenho serviu debase para os projetos de LuizMoraes Júnior. No primei-ro projeto, de 1905, ocastelo tinha, acimado térreo, apenastrês pavimentos.Essa estrutura foimantida na ma-quete apresenta-da na ExposiçãoInternacional deHigiene em Berlim,em 1907, mas a elaforam acrescenta-das as duas torres la-terais coroadas por cú-pulas de cobre. Somenteem 1908, com as obras jáadiantadas, Moraes elabo-rou o projeto definitivo, comcinco andares.

A decoração do edifício tem influên-cia árabe. As principais características des-se estilo são os azulejos multicoloridos,os mosaicos cerâmicos dos pisos das va-randas que imitam tapeçaria, os arcos emformato de ferradura e a decoração dasparedes, de argamassa pré-moldada commotivos geométricos.

Até hoje não se sabe se foi OswaldoCruz ou Moraes quem escolheu esse esti-lo de ornamentação. Conta-se que, quan-do esteve na França, Cruz teria se encanta-do com o Observatório de Montsouris, emParis. Outra versão diz que a obra foi ins-pirada nos palácios de Alhambra, naEspanha. Pode ser que ele tenha pretendi-do homenagear a medicina árabe. Mas

talvez o estilo mourisco tenha sido sugeri-do por Moraes, por influência de suasraízes ibéricas – era português nascido emFaro, ao sul de Portugal, região com fartaprodução de origem árabe – ou seguindouma tendência da época.

Outra influência do país natal deMoraes é a tradicional planta em U dossolares portugueses do século 17, com opátio aberto para os fundos do edifício,aqui adaptada para o formato de H. Hásimetria na distribuição dos espaços apartir de um eixo central, onde se destacaum grande hall de escadas. A simetria épercebida especialmente nas fachadas ena composição de seus elementos deco-rativos. Outra característica de tradição lu-sitana é a localização dos banheiros em

uma torre separada do edifício. Essacaracterística foi muito útil

nesse caso, pois separavaos laboratórios de

qualquer contami-nação.

O hall da es-cada principaltem painéis demadeira e gessoem baixo rele-vo, originalmen-te folheados aouro. O salão de

leitura da bibliote-ca e o hall do quin-

to andar têm teto eparede em estuque de

gesso decorado e lumi-nárias de bronze e latão

com cúpulas de opalina.A decoração luxuosa das áreas no-

bres contrasta com o interior simples efuncional das salas dos laboratórios,que têm quinas arredondadas para evi-tar o acúmulo de poeira e facilitar a lim-peza. O edifício contava com as maismodernas instalações para a época,como elevador (o mais antigo da cidadeainda em funcionamento), sistema detelefonia central, instalações de gás eeletricidade.

Apesar de o estilo neomourisco usa-do no Castelo ter sido bastante comumna época de sua construção, a grandemaioria dos edifícios representativos des-se estilo foi demolida. O maior exemplardeste tipo de linguagem que chegou aosnossos dias é o Castelo de Manguinhos.

QCastelo Mourisco

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Quinino

Pelo projeto original, o prédio de doisandares tinha altura proporcional à daCavalariça, localizada à sua frente. Emformato poligonal, é o único edifício docampus com pátio interno.

Em 1943, o Quinino passou porobras de ampliação que, apesar de su-pervisionadas por Luiz Moraes Júnior, pre-judicaram sua aparência e suas relaçõesharmoniosas de escala e volume com osoutros edifícios da Praça Pasteur. Foramconstruídos mais dois pavimentos, osadornos das portas e janelas foram sim-plificados, os detalhes do telhado foramretirados. Os tijolos, que revestiam todoo prédio, foram cobertos por massa deemboço chapiscada.

HospitalEvandro Chagas

Chamado inicialmente de Hospital deManguinhos, foi rebatizado como Hos-pital Oswaldo Cruz em 1918, após a mor-te do sanitarista. O Hospital Evandro Cha-gas, como hoje é chamado, originalmentefaria parte de um complexo com seis uni-dades, das quais apenas uma foi cons-truída. É um prédio de dois andares, só-brio, simétrico. A grade de ferro batidoque cerca a varanda, ao redor de todo oedifício, é seu único ornamento.

O hospital foi construído para que láfossem desenvolvidos estudos clínicos eexperimentais das doenças endêmicas noBrasil. O local escolhido foi a outra colinado terreno, para que ficasse isolado doslaboratórios do Instituto. Um sistema ino-vador foi instalado no porão – máquinasde refrigeração e uma câmara frigoríficaesfriavam o ar, que era lançado dentrodas enfermarias por ventiladores e con-dutores de madeira. Apesar do bom re-sultado, o custo era muito alto e o siste-ma de refrigeração foi desativado.

Pombal

Afastado do conjunto principal, oPombal foi construído para abrigar umbiotério para pequenos animais. Oitoconstruções circulares, arranjadas sime-tricamente em um terreno retangular,cercam uma torre mais alta, antigo abri-go para pombos-correio que dá nome àobra. Os cilindros, que abrigavam aves,ratos e coelhos usados em experimen-tos, se dividem em gaiolas de dimensõesiguais e fechadas por portas de tela, dis-postas em semicírculo para facilitar a lim-peza e o manejo dos animais. Quatrotanques colados ao muro eram usadospara a criação de animais aquáticos,como rãs e tartarugas.

O Pombal é hoje considerado umadas obras mais interessantes do cam-pus, devido à leveza e à harmonia doconjunto. Moraes superou o declive doterreno com soluções hábeis, como es-cadas largas e pequenos pátios entreos viveiros. Detalhes em concreto imi-tando troncos de árvores enfeitam osarremates dos telhados e o corrimão daescada da torre e, aliados aos jardins deinspiração francesa, dão um ar român-tico ao Pombal.

Acima, o Hospital Evandro Chagas,hoje Instituto de Pesquisa ClínicaEvandro Chagas. Abaixo, o Quinino,após a sublevação

Pombal

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Cavalariça

Foi construída em 1904 para abrigaros cavalos usados na fabricação de soros.As janelas e os gradis de inspiração artnouveau e a escada em caracol foram fa-bricados sob medida na Alemanha, emferro fundido. No revestimento externodas paredes, foram usados tijolos e lâmi-nas de ardósia franceses.

Para evitar a contaminação dos cava-los, apenas um tratador era responsávelpelo seu manejo. Um corredor elevadoentre as baias e a parede do prédio permi-tia que os animais fossem alimentados semter contato com o encarregado. Um siste-ma automático, chamado flushing tank,trocava a água das baias de quatro emquatro horas, também para evitar a conta-minação. As paredes azulejadas e o pisocom ligeira inclinação facilitavam a limpe-za do local. Os aposentos do tratador e odepósito de feno ficavam em jiraus, sobreos cômodos das extremidades do edifício.

Os cavalos eram pesados regularmen-te em uma balança automática. A salaonde era feita a sangria dos animais, emum dos extremos do prédio, tinha um com-partimento subterrâneo, para onde o san-gue era levado por um pequeno elevador.

A cavalariça foi engenhosamenteprojetada para que até os refugos dosanimais fossem aproveitados: as fezeseram levadas para uma estrumeira, ondeentravam em fermentação. Os gasescondensados eram usados para a ilumi-nação do prédio e o estrume servia deadubo para as plantas.

Pavilhão do Relógio

Construído entre 1904 e 1905, o Pavi-lhão da Peste – ou do Relógio – é o prédiomais antigo do conjunto arquitetônico. Oprédio foi inspirado nas estações ferroviá-rias inglesas, provavelmente por influênciada formação de Luiz Moraes Júnior em en-genharia ferroviária. Em estilo típico doperíodo elisabetano, foi erguido com tijo-los importados de Marselha e grandes ja-nelas alemãs com vidros coloridos. Em umapequena torre, fica um relógio de quatrofaces que ainda funciona.

Era nesse edifício térreo que toma-vam lugar todas as atividades relaciona-das à peste bubônica, como a fabricaçãode soros e vacinas. Abrigava dois labora-tórios, separados por um módulo centralonde funcionava uma enfermaria de ca-valos. De um lado ficava o laboratóriobacteriológico, onde eram feitas as cul-turas para inoculação dos cavalos e pre-paração da vacina. Do outro lado ficava olaboratório para estudos gerais da bacté-ria causadora da peste.

O pavilhão tinha dois sistemas de es-goto – um para a água não infectada, li-gado à rede principal, outro que recolhiaa água usada na enfermaria dos cavalos,

Cavalariçaem construção

da sala de inoculação e do biotério. Aágua infectada era lançada em uma caixade porcelana, onde era armazenada por48 horas, em contato com uma soluçãode lisol ou ácido fênico. Só depois desseperíodo a água era lançada na rede geral.As janelas do prédio eram protegidas comtelas de latão que impediam a entrada deinsetos sem bloquear a ventilação.

O Pavilhão do Relógio, obra mais antiga

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Pavilhão de Cursos(Arthur Neiva)

Também projetado por Jorge Ferrei-ra, o Pavilhão de Cursos é formado pordois blocos interligados por uma laje so-bre pilotis. O primeiro bloco, que abrigaas salas de aula, é um retângulo estreitoe comprido, de dois andares. Um corre-dor avarandado voltado para o pátio ex-terno percorre quase toda a sua exten-são. O segundo bloco, em forma deparábola, tem um auditório no segundoandar. Apesar do contraste de formas, oconjunto de linhas e curvas se articulaharmoniosamente.

A localização do prédio foi escolhidadevido à proximidade da Avenida Brasil,para permitir um acesso mais direto porela. Porém, posteriormente, o terreno doInstituto foi cercado, impedindo o aces-so por ali. Um painel de azulejos do gran-de paisagista Roberto Burle Marx reves-tia toda a parede abaulada, até o chão.Numa reforma sem critérios, a parte debaixo do painel foi retirada. Felizmente,alguns dos azulejos foram guardados eservirão de base para uma futura restau-ração, que prevê uma iluminação especi-al da obra, que tem motivos geométricose figuras de protozoários.

Restaurante Central

Por esse projeto, o arquiteto Jorge Fer-reira recebeu menção na 1ª Bienal Interna-cional de Arquitetura de São Paulo. Cons-truído entre 1947 e 1951, o prédio foiplanejado para receber até 100 funcionári-os de cada vez. O restaurante, dividido emdois salões, atendia separadamente o pes-soal administrativo, técnicos e auxiliares. Odesnível do terreno foi aproveitado. Noandar de baixo, ocupado em grande partepor pilotis, ficavam a casa de máquinas,vestiários, depósitos e uma área de descan-so para os funcionários. Em cima, além dossalões, havia uma cantina e a cozinha.

O acesso ao restaurante era feito poruma rampa. Janelas ocupavam toda a fa-chada principal, com exceção do espaçoocupado por um painel de azulejos queseparava as duas portas de entrada. PauloRossi Osir fez o painel com figuras geomé-tricas em tons de azul. A obra foi presentedo artista, que doou inclusive o material.

Algumas reformas ao longo dos anoscausaram grandes prejuízos à aparência doedifício. A rampa original foi demolida esubstituída. O vão livre com pilotis do tér-reo foi fechado, o que descaracterizou com-pletamente o prédio. A boa notícia é que oedifício está sendo restaurado. As obrasdeverão ser concluídas no fim deste ano.

Núcleomodernista

Abaixo, em primeiro plano, opainel de Burle Marx no PavilhãoArthur Neiva (no detalhe acima)

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m 22 de maio de 1970, quando um de-creto criou a Fundação Instituto OswaldoCruz – o nome mudou em seguida paraFundação Oswaldo Cruz –, ela reunia oantigo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) aoutras instituições do Ministério da Saú-de. Havia unidades que já se alojavam nocampus de Manguinhos, mas que só en-tão passaram a fazer parte de uma mes-ma administração. Eram elas a Fundaçãode Recursos Humanos para a Saúde (pos-teriormente Escola Nacional de SaúdePública Sergio Arouca), o Instituto de En-demias Rurais (INERu) e o Instituto de Pro-dução de Medicamentos (Ipromed). INERue Ipromed foram posteriormente extin-tos, mas a Fiocruz manteve o terreno emJacarepaguá onde funcionara a antigasede do INERu.

Parte das unidades não compartilha-va o terreno de Manguinhos: o InstitutoFernandes Figueira (IFF), o InstitutoEvandro Chagas, em Belém do Pará e oInstituto de Leprologia, no bairro cariocade São Cristóvão. Os dois últimos já nãofazem parte da Fiocruz, mas outras uni-

A Fiocruz cresce e espalha seus ramosdades surgiram – a Fundação hoje estápresente em todas as regiões do Brasil.

O IFF, unidade materno-infantil da Fi-ocruz, funciona no que foi uma das alasdo Hotel Sete de Setembro, no bairro doFlamengo, no Rio de Janeiro. Criado porCarlos Chagas e por Antonio FernandesFigueira em 1924 para suprir a carênciade um hospital especializado no atendi-mento de crianças, logo se tornou umcentro de excelência em medicina infan-til. Fundado como Abrigo Hospital ArthurBernardes, foi rebatizado em 1946 emhomenagem a seu patrono, falecido em1928. A partir daí, passou a funcionarcomo um centro científico, destinado apromover pesquisas em higiene e pedia-tria, além de estudos sobre maternidade,infância, adolescência e problemas soci-ais relacionados.

Além da antiga sede do INERu, hojeum posto avançado da Fiocruz, outrasduas propriedades no bairro de Jacare-paguá hoje fazem parte da Fundação.Desde 1998, a Fiocruz tem a posse de umterreno de cinco quilômetros quadrados

E

Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, unidade da Fiocruz no Recife

dentro da Colônia Juliano Moreira, uminstituto de saúde mental fundado em1912. A intenção é instalar no local umnovo campus para o desenvolvimento deprojetos voltados para manejo e defesado meio ambiente, controle de vetores epragas, pesquisa de plantas medicinais,mapeamento da biodiversidade, além daconstrução de um novo biotério.

No mesmo bairro, foi adquirida peloGoverno Federal uma fábrica da Glaxo-SmithKline que seria desativada, da quala Fiocruz tomou posse em agosto de2004. Chamada de Complexo Tecnológi-co de Medicamentos, a nova fábrica fazparte do Instituto de Tecnologia emFármacos (Farmanguinhos) e é três vezesmaior que a planta industrial de Mangui-nhos. Com ela, será possível quintuplicara produção de medicamentos para a rededo Sistema Único de Saúde (SUS) e dasFarmácias Populares.

Outra unidade recentemente adqui-rida é o Palácio Itaboraí, em Petrópolis –em dezembro de 1998, a Fiocruz recebeua cessão de uso da mansão. O palácio é

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uma construção eclética em estilo clássi-co e foi erguida em 1892 pelo construtoritaliano Antônio Januzzi para ser sua casade veraneio. Já abrigou o Colégio Ameri-cano e a primeira faculdade de direito dacidade. Foi comprado pelo governo doestado em 1938 para uso como residên-cia de verão dos governadores. Atualmen-te, está em processo de restauração eadaptação de seus espaços para a reali-zação das novas atividades – no Palácioserá instalado o Fórum Fiocruz de Ciênciae Cultura.

A Fiocruz também está presente nasoutras regiões do país. A Diretoria Regio-nal de Brasília (Direb) realiza pesquisasem desenvolvimento sustentável do Cen-tro-Oeste e vigilância alimentar e sanitá-ria, além de atuar politicamente junto aosministros e parlamentares.

O Centro de Pesquisa René Rachou éa unidade da Fiocruz em Belo Horizonte.Suas origens remontam a 1950, quandoum terreno de 2500 metros quadradosfoi doado pela prefeitura da cidade paraa construção de um centro de pesquisas

sobre helmintoses e um centro de trata-mento rápido contra doenças venéreas.As obras começaram no ano seguinte.

Quando o Ministério da Saúde foicriado, em 1953, o Instituto de Malario-logia passou a integrar sua estrutura. OInstituto, que funcionava precariamenteem Duque de Caxias, no Rio de Janeiro,foi transferido para Belo Horizonte em1955, junto com equipamento e pessoale ocupou as instalações em fase final deconstrução, originalmente destinadas aoestudo das helmintoses. A direção do Ins-tituto foi então entregue a René Rachou,que viria a ser homenageado dandonome ao Centro de Pesquisa.

Em 1970, o CPqRR foi incorporado àFiocruz. Novas demandas e atividades fo-ram surgindo, o que levou à construçãode novos prédios. Em 1980, o Centro deBambuí – hoje Posto Avançado de Pes-quisas Emmanuel Dias (Paped) –, onde eraestudada a profilaxia da doença de Cha-gas, foi incorporado ao CPqRR. Hoje, oPaped também desenvolve pesquisas so-bre os outros aspectos da doença, princi-

palmente a clínica, a epidemiologia e aterapêutica.

O Centro de Pesquisa Aggeu Maga-lhães (CpqAM), no Recife, foi fundado em1950, mas seu embrião é mais antigo:remonta à década de 30, quando EvandroChagas, muito interessado pelas doen-ças tropicais do Norte e Nordeste, conhe-ceu Aggeu Magalhães, responsável peladescrição anatômico-patológica de casosde esquistossomose em Pernambuco. Osdois sonhavam com a criação de um cen-tro de helmintoses. A morte precoce deChagas, em 1940, não desanimou Ma-galhães e o novo centro de pesquisascomeçou a ser construído em terreno ce-dido pela prefeitura. Entretanto, ele tam-bém não veria seu sonho realizado –morreu em 1949, um ano antes da fun-dação do instituto que levaria seu nome.

Em 1970, o CPqAM foi incorporadoà Fiocruz e, posteriormente, transferidopara dentro do campus da UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE). Em 1982,foi firmado um acordo entre a Fiocruz, oCPqAM e a UFPE com o governo do Ja-

Centro de Pesquisa René Rachou, em Belo Horizonte

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pão para a doação de equipamentos mo-dernos. Isso levou à construção de umanova sede, também dentro do campusda universidade, já que a antiga não eraadequada à instalação dos novos equi-pamentos.

O CPqAm é hoje referência em es-quistossomose, filariose, peste, controlede culicídeos vetores e saúde ambiental.Tem duas estações de campo, uma emSão Lourenço da Mata, na região metro-politana do Recife, e outra em Exu, nosertão pernambucano.

Em Salvador, foi criada em 1950 aFundação Gonçalo Moniz, batizada emhomenagem a um importante professorde patologia da Faculdade de Medicinada Bahia na primeira metade do século20. Lá funcionava o recém-criado Institu-to de Saúde Pública, que teve grande im-portância para a pesquisa científica noestado, com cursos de formação de pes-quisadores nos moldes daqueles implan-tados anteriormente por Oswaldo Cruz eCarlos Chagas no Rio de Janeiro.

A Fundação Gonçalo Moniz foi sen-do incorporada aos poucos pela Fiocruz.Na primeira metade dos anos 80, as ne-gociações para a criação de um Centrode pesquisas em Salvador (à semelhançados que já existiam em Belo Horizonte e

Recife), iniciadas no fim da década ante-rior, começaram a ter sucesso. Foi firma-do um convênio entre a Fiocruz, a Secre-taria de Saúde do Estado da Bahia e areitoria da Universidade Federal da Bahia.Os trabalhos publicados pelo agora Cen-tro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM)tinham a indicação Fiocruz/UFBA. No co-meço dos anos 90, novas negociaçõesvincularam a Fiocruz ao CPqGM e permi-tiram a construção de novas instalações eo reequipamento da unidade.

O CPqGM desenvolve atualmentepesquisas em patologia, imunologia, bi-ologia molecular, ecologia e mecanismosde controle de doenças infecto-parasitá-rias comuns na região, além de ser umcentro de referência no isolamento e ca-racterização do HIV-1 no Brasil.

O Instituto de Biologia Molecular doParaná (IBMP), criado em 1999 por umconvênio entre a Fiocruz e o Governo doEstado, ocupa uma área de mil m2 den-tro do campus do Instituto de Tecnolo-gia do Paraná (Tecpar). O IBMP tem umainfra-estrutura moderna que permite odesenvolvimento de pesquisas de pontaem doença de Chagas, hantavirose, he-patite C e dengue, em humanos; bruce-lose e leucose no gado. O Instituto tam-bém se destaca por suas pesquisas em

Centro de PesquisaLeônidas e MariaDeane, em Manaus

genômica funcional e novos alvos paramedicamentos.

Em Manaus, o Centro de PesquisaLeônidas e Maria Deane (CPqLMD), queatua nas áreas de bio e sociodiversidadeamazônicas, foi inaugurado em julho de2002. As pesquisas desenvolvidas nessecentro enfocam principalmente os índi-os, as populações ribeirinhas e outrosgrupos populacionais específicos. Na áreada biodiversidade aplicada à saúde, des-tacam-se os estudos em entomologia,bacteriologia e micologia.

No projeto de arquitetura da sede foiaproveitada uma estrutura cedida pelaFundação Nacional de Saúde (Funasa). Aestação de tratamento de esgoto do edi-fício é inovadora e separa, no subsolo, osdejetos humanos dos produzidos em la-boratórios. Depois, o material é tratado ea água é devolvida à natureza com 90%de pureza.

No pátio interno foi construída a Ocada Ciência, Cultura e Saúde, baseada nasconstruções amazônicas e com mobiliárioecologicamente correto que aproveita re-fugo de madeira regional. Completam oconjunto a Casa Verde, onde ficam oalmoxarifado, a cantina e a subestação, ea Casa de Farinha, feita de palha e madei-ra, onde fica a Associação dos Servidores.

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Fiocruz Social

Tudo começou com apenas algumascasas construídas por funcionários da Fio-cruz. Hoje, são 14 favelas, com cerca de 50mil pessoas. Chamadas de Complexo deManguinhos, as comunidades do entor-no da Fundação enfrentam sérios proble-mas: miséria, violência, desemprego, faltade saneamento básico e degradação domeio ambiente. Já é tradição da Fiocruz otrabalho para se aproximar dessas comu-nidades e para melhorar sua qualidade devida, por meio de projetos sociais que in-centivam sua cidadania e promovem amelhoria das suas condições de saúde.

Todos os anos, no Dia Nacional deMultivacinação, o campus de Mangui-nhos recebe milhares de visitantes parauma festa. É o Fiocruz pra Você, que esteano terá sua 12a edição. Além do posto

de vacinação, que detém o recorde dequase seis mil crianças imunizadas em umúnico dia, são oferecidas à população di-versas atrações culturais, artísticas e es-portivas. Visitas guiadas ao Castelo Mou-risco e aos museus do campus ensinamsobre história, ciência e saúde. Os visi-tantes podem realizar experimentos cien-tíficos interativos ou aprender noçõesbásicas de informática. Há apresentaçõesde shows de música e de grupos folclóri-cos. Artistas e atletas famosos marcampresença no evento.

O público, em média 50 mil pessoas,recebe orientações sobre amamentação,cuidados com os bebês e alimentaçãosaudável. As mulheres aprendem a pre-venir o câncer de mama e as crianças, aescovar os dentes corretamente. Examesde glicose, colesterol e pressão arterialsão gratuitos.

Os projetos sociais da Fiocruz tam-bém ajudam a incluir moradores do en-torno e deficientes físicos no mercado detrabalho. Um censo realizado em 1993constatou que 81% dos moradores doentorno da Fiocruz estavam desemprega-dos. A partir daí, foi proposta a criaçãoda Universidade Aberta, que desenvolveum programa de desenvolvimento sus-tentável no Complexo de Manguinhos.O objetivo era criar na população umaconsciência de preservação ambiental ali-ada ao aumento de renda e à melhoriada auto-estima. O projeto levou à criaçãoda Cooperativa dos Trabalhadores Autô-nomos de Manguinhos (Cootram).

O primeiro passo foi a implantaçãoda coleta seletiva de papel na Fiocruz, comgeração de renda para a comunidade. Acoleta de cerca de cinco toneladas de pa-pel por mês levou à implantação de um

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Crianças aprendem e sedivertem e menino toma

vacina no Fiocruz PraVocê. Na página anterior,

crianças se divertem nacampanha de imunização

Trabalhadores daCootram cuidamdos jardins daFiocruz

galpão para separação de papel, que ge-rou emprego para mais pessoas.

Paralelamente, uma campanha ensi-nava à população que novas atitudes di-ante do lixo poderiam melhorar a quali-dade de vida e a saúde da comunidade.Foi criado um curso de compostagem paramostrar à comunidade como aproveitaro lixo orgânico. Os melhores alunos fo-ram selecionados para trabalhar em umamini-usina de compostagem. Hoje, aCootram tem 1300 cooperados. Eles fa-zem a limpeza dos prédios da Fundação,tratam dos jardins, cuidam da manuten-ção de equipamentos.

Desde 1999, a Fundação oferece umcurso de formação de monitores a ado-lescentes matriculados no ensino médioda rede pública. O curso garante aos alu-nos uma bolsa mensal. Além disso, des-perta neles a vocação científica e estimu-la sua permanência na escola. Depois deconcluir o curso, os jovens podem traba-lhar em museus e centros de ciência.

O projeto Fazendo e Aprendendo,realizado em convênio com a AssociaçãoBeneficente São Martinho, ensina servi-ços gerais na área administrativa a ado-lescentes de 16 a 18 anos em situação derisco social. Os jovens têm a carteira detrabalho assinada, recebem um saláriomínimo e todos os benefícios. Muitosdeles conseguem emprego e alguns sãoabsorvidos pela própria Fiocruz.

Um convênio com a Federação Naci-onal dos Surdos recupera a cidadania equalifica deficientes auditivos para o tra-balho. A Fiocruz emprega hoje 148 sur-dos em funções nas quais a sua deficiên-cia não só não atrapalha, como pode atéajudar. Por não se distrair com barulhos,os surdos têm um maior poder de con-centração, mas o preconceito ainda difi-culta sua entrada no mercado de traba-lho. Esse projeto permite a integração dodeficiente à sociedade e possibilita suaindependência financeira.

Fonte: Renato Gama-Rosa Costa (DPH/COC)

Para saber mais

Um lugar para a ciência: a formação docampus de Manguinhos. Benedito

Oliveira (coordenação), Renato Gama-Rosa Costa, Alexandre Pessoa.

Caminhos da arquitetura em Manguinhos.Organizado por Renato Gama-Rosa Costa