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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ DEPARTAMENTO DE DIREITO ISABELA VIANA DE CARVALHO UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI MACAÉ 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ

DEPARTAMENTO DE DIREITO

ISABELA VIANA DE CARVALHO

UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

MACAÉ

2018

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ISABELA VIANA DE CARVALHO

UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Trabalho apresentado ao Instituto de Ciências da

Sociedade de Macaé da Universidade Federal Fluminense

como requisito parcial para conclusão do Bacharelado em

Direito.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andreza A. Franco Câmara

MACAÉ

2018

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ISABELA VIANA DE CARVALHO

UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora do Departamento de

Direito da Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé.

Macaé, 05 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

______________________________

Professora Doutora Andreza Aparecida Franco Câmara (Universidade Federal Fluminense)

______________________________

Professora Mestra Glenda Vicenzi (Universidade Federal Fluminense)

______________________________

Professor Mestre Eduardo Castelo Branco e Silva (Universidade Federal Fluminense)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus pelo dom da vida, por nunca me desamparar e por

sempre manter a minha fé, permitindo que eu chegasse até aqui, concluindo mais uma etapa e

realizando mais um sonho. Sem Ele, nada seria possível.

Agradeço também aos meus pais, Cristina e Francisco, pelo apoio incondicional e por

todas as renúncias feitas, para que eu pudesse ter todas as oportunidades que eles não tiveram,

e também por não medirem esforços para me ver feliz. Vocês são os principais responsáveis

por essa conquista. Obrigada por esse imenso amor.

Aos meus queridos irmãos, Caio e Bruno, agradeço de coração, pelos conselhos, pela

cumplicidade e parceria, e por serem meu apoio, estando sempre presentes nos meus dias,

mesmo a tantos quilômetros de distância.

Aos meus avós, Jones e Nega, agradeço pelas orações, pelo carinho, pelas histórias

compartilhadas, pelas risadas dadas e por todos os ensinamentos. Vocês me mostraram o

poder que uma família tem, e a influência positiva que ela causa em nossas vidas.

À minha amada avó, Carmem, agradeço com saudades por todos os abraços e beijos

que tanto me fazem falta, pelos elogios que levantavam o meu astral e faziam eu me sentir a

melhor pessoa do mundo. Sei que a senhora olha por mim, e quero que saiba, de onde estiver,

que o seu carinho era o melhor que eu poderia receber.

Aos meus familiares, amigos e colegas de trabalho, agradeço por todo apoio e

incentivo durante essa trajetória, pelos votos amorosos e de sucesso e por serem a carga

motivacional necessária nos meus dias difíceis.

As minhas companheiras de república, Letícia, Larissa e Lara, agradeço pela

paciência, pelas boas risadas, por serem a minha família em Macaé e por me mostrarem que

nunca estou só. Vocês foram fundamentais para que eu conseguisse me sentir feliz, mesmo

tão longe da minha família. Meu agradecimento especial à Letícia, por ser meu alicerce e

minha confidente, e por compartilhar comigo todos os sonhos e inseguranças.

Ao Yago, agradeço por todo carinho, amor e companheirismo. Você me ensinou que o

amor é paciente, tudo sofre, crê, espera e supera. Sem sua presença, nada disso seria possível.

Agradeço também aos seus pais, Losangela e Vanderlei, por cuidarem de mim como uma

filha e por amenizarem a saudade diária que eu sinto da minha família.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à minha orientadora Andreza, pela

disposição em me auxiliar na elaboração deste trabalho e pelo carinho durante nossas

conversas.

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RESUMO

O presente trabalho busca analisar a forma como ocorre à oitiva dos adolescentes em conflito

com a lei, com base nas modificações ocorridas no Código de Processo Penal e através de

uma análise jurisprudencial de outros procedimentos especiais. Por meio de uma revisão de

literatura procurou-se entender o ato de interrogar e como esse procedimento ocorre na

Comarca de Macaé, através da realização de uma entrevista com a magistrada que atua na

área. Objetivou-se compreender porque o adolescente, muitas vezes, ainda é o primeiro a ser

ouvido na instrução que apura um ato infracional, já que tal medida configura-se como

violadora de direitos constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa e o devido

processo legal. A hipótese consiste em verificar como esse procedimento pode dar ao suposto

infrator um tratamento igual ou mais benéfico do que é ofertado aos acusados pela prática de

uma infração penal, efetivando aos menores, todas as garantias processuais dispostas no

ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Interrogatório. Adolescente em conflito com a lei. Contraditório e ampla

defesa. Devido processo legal.

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ABSTRACT

The present work seeks to analyze how the juvenile prosecutor in conflict with the law occurs,

based on the changes occurred in the Code of Criminal Procedure and through a

jurisprudential analysis of other special procedures. Through a literature review, we sought to

understand the act of interrogating and how this procedure occurs in the Macaé County,

through an interview with the magistrate who works in the area. The objective was to

understand why the adolescent is often still the first to be heard in the investigation that

establishes an infraction, since this measure configures itself as a violation of constitutional

rights, such as the contradictory and ample defense and due process cool. The hypothesis is to

verify how this procedure can give the supposed offender a treatment equal to or more

beneficial than what is offered to the accused by the practice of a criminal infraction, making

the minors, all the procedural guarantees arranged in the legal order.

Keywords: Interrogation. Adolescent in conflict with the law. Contradictory and ample

defense. Due process legal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I – O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 11

1 As mudanças no Código de Processo Penal, com advento da lei 11.719/2008 11

1.1 O interrogatório judicial 12

1.1.1 Características do interrogatório 13

1.1.1.1 Ato personalíssimo 15

1.1.1.2 Ato contraditório 16

1.1.1.3 Ato oral, público e assistido tecnicamente 17

1.1.1.4 Ato bifásico 19

1.1.1.5 Ato protegido pelo direito ao silêncio 20

1.1.2 Foro competente e local de realização do interrogatório 21

1.2 Natureza jurídica do interrogatório 22

1.2.1 Interrogatório como meio de prova 22

1.2.2 Interrogatório como meio de defesa 24

1.2.3 Natureza mista do interrogatório 25

1.2.4 Interrogatório como meio de defesa e eventualmente, como fonte de prova 26

1.3 Localização do interrogatório na instrução 27

CAPÍTULO II – O INTERROGATÓRIO NOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS 31

2 As modificações trazidas pela jurisprudência na localização do interrogatório 31

2.1 O interrogatório e o código de processo penal militar 31

2.2 O interrogatório e a lei de drogas 39

2.3 O interrogatório e o regimento interno dos tribunais superiores 43

2.4 O interrogatório e o código eleitoral 46

2.5 O interrogatório e a lei de licitações 48

CAPÍTULO III – A OITIVA DOS ADOLESCENTES INFRATORES 50

3 A instrução processual na apuração de um ato infracional 50

3.1 O interrogatório na apuração de atos infracionais na Comarca de Macaé 56

3.2 A necessidade de uma releitura da oitiva do adolescente infrator 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 70

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INTRODUÇÃO

Os adolescentes que cometem atos infracionais, em sua grande maioria, estão

inseridos em um contexto social vulnerável, a margem da sociedade, não tendo acesso pleno a

uma vida digna, nem a garantias básicas, como saúde, saneamento e educação. Busca-se

resguardar a eles, o acesso amplo à justiça, garantindo todos os meios de defesa processuais

vigentes no ordenamento.

A apuração de atos infracionais, que pode culminar com a restrição da liberdade dos

menores, não pode ser admitida através de práticas arbitrárias, ou processos ilegais que

possam causar danos irreparáveis aos infratores. Sabendo que o objetivo do Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA – é garantir a proteção integral ao adolescente, e não a

aplicação de uma sanção estatal, não podem ser aceitos mecanismos de cerceamento de

defesa.

O objeto de estudo deste trabalho foi definido em razão de sua relevância jurídica,

acadêmica e social, já que a legislação precisa acompanhar as mudanças fáticas e históricas,

se adequando ao contexto vivenciado por aqueles que são atingidos direta e indiretamente por

ela. O interesse pelo tema surgiu após a realização de estágio forense em dois locais distintos:

uma Vara Criminal e uma Promotoria de Infância e Juventude.

Durante a apuração do fato delituoso que ocorria na Vara Criminal, sendo o

interrogatório o último ato da instrução, se pôde perceber que a autodefesa estaria sendo

exercida de forma plena, já que o acusado conhecia todo o contexto probatório antes de se

manifestar, podendo rebatê-lo ponto a ponto, ou permanecer em silêncio, escolhendo o que

melhor favorecesse aos seus interesses.

Já os adolescentes que cometiam ato infracional, assim que apreendidos, compareciam

a uma oitiva informal na presença somente de um Promotor de Justiça, sem um defensor

constituído1, onde se manifestavam sobre os fatos ocorridos. Após, era designada uma

audiência de apresentação, onde se interrogava o adolescente – antes da oitiva de todas as

testemunhas e da apresentação de outros meios de prova. Tal audiência também tinha o intuito

de avaliar o cabimento da remissão, uma espécie de perdão judicial, sendo esse um dos

motivos pelos quais sua realização é defendida.

Durante o estágio na Promotoria de Infância e Juventude, também se pôde notar que

boa parte dos adolescentes que cometiam atos infracionais, já eram acompanhados pelo órgão,

por viverem em situações de abandono. Dessa forma, surgiu o questionamento, de por que

1 Ato cuja constitucionalidade se questiona, mas que não será o objeto de estudo nesse trabalho.

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adolescentes que muitas vezes são vítimas de abandono, respaldado pela negligência estatal e

por processos de marginalização, são submetidos a uma instrução mais rígida e sem garantias

já asseguradas aos maiores de idade em conflito com a lei.

Assim, no presente Trabalho de Conclusão de Curso busca-se analisar como ocorre o

interrogatório na instrução processual que apura a prática de ato infracional, bem como sua

real eficácia na verificação da materialidade e autoria do delito, à luz da ordem constitucional

vigente e das modificações que ocorreram na legislação processual penal.

O Código de Processo Penal passou por uma grande mudança, que será analisada no

primeiro capítulo deste trabalho, onde o interrogatório passou a ser o último ato da instrução,

de modo que, possa o réu conhecer de todas as provas antes de produzir sua defesa pessoal,

possibilitando que esta seja exercida de forma íntegra e que todos os fatos expostos possam

ser contrapostos.

As leis que modificaram a legislação processual penal buscaram fazer uma adequação

do sistema acusatório ao regime democrático em que estamos inseridos, integrando de forma

harmoniosa os preceitos constitucionais da Constituição da República de 1988, assegurando

maior efetividade a seus princípios, em especial, ao contraditório e a ampla defesa, esculpidos

no artigo 5º, inciso LV2, considerados, inclusive, como cláusula pétrea.

A ordem sequencial das oitivas prevista no ECA traz diversos questionamentos quando

comparada com a Lei Processual Penal, aplicável ao imputáveis. Um deles é o fato de o réu

acusado de crime ter acesso maior ao contraditório e a ampla defesa do que o adolescente

acusado de ato infracional, já que somente é interrogado ao término da instrução processual.

O interrogatório do menor infrator deve ser efetivo instrumento do contraditório e da

ampla defesa, contudo, sendo o ato realizado antes da exposição de todas as provas por parte

do órgão acusador, o adolescente não as pode refutar especificadamente, já que as

desconhece. Nesse sentido, deve ser ressaltado que hoje o interrogatório não é mais visto

somente como meio de prova, mas também como meio de defesa processual.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no HC 127.900/AM (Rel. Min.

Dias Toffoli, DJe 3/8/2016) no sentido de que a legislação processual penal, por ser mais

benéfica e mais harmoniosa com a ordem constitucional deve preponderar sobre legislações

especiais, afirmando que a não observância ao preconizado no artigo 400 do Código de

Processo Penal acarreta prejuízo evidente à defesa. No segundo capítulo deste trabalho, será

2 Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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feita uma análise mais aprofundada dos entendimentos jurisprudenciais adotados pelos

tribunais superiores em relação ao tema.

Sabe-se que, um dos ditames do ECA durante a apuração de ato infracional é a

celeridade. Dessa forma, a realização de uma audiência una, abordando a audiência de

apresentação e continuação previstas, seria uma solução eficaz para o problema apresentado,

já que prestigia a celeridade processual e garante que o adolescente tenha conhecimento de

todos os fatos a ele imputados, antes de se manifestar.

A atual dinâmica forense, em muitas vezes impede a realização de uma audiência una,

já que as intimações de testemunhas, realização de perícias e demais diligências nem sempre

são cumpridas com facilidade. Nesse contexto, outra opção seria a cisão do interrogatório do

adolescente, de modo a preservar a lógica da audiência de apresentação, que avalia a

possibilidade de aplicação de remissão, mas sem fazer com que o adolescente aborde os fatos

a ele imputados antes das demais testemunhas. Durante a audiência seriam abordados apenas

fatos relacionados a características pessoais e sociais do adolescente em conflito com a lei,

tratando dos fatos apenas em momento posterior, após toda a colheita de provas, já que é

característica do interrogatório ser um ato bifásico.

Apresentadas as hipóteses iniciais, infere-se que é necessário construir uma análise

crítica sobre o modo como o ato infracional é investigado, sendo dado neste trabalho, um

enfoque ao interrogatório, buscando contribuir para que de alguma forma o direito de defesa

possa ser exercido de forma plena pelos adolescentes em conflito com a lei, efetivando a eles,

garantias constitucionais consagradas.

A metodologia adotada foi a revisão de literatura, durante um estudo sobre o

interrogatório no Código de Processo Penal, realizado no primeiro capítulo, seguida de uma

análise jurisprudencial e da legislação vigente, feita no segundo capítulo, cujo enfoque foram

as decisões dos tribunais superiores em relação a inversão do interrogatório em procedimentos

especiais, como a Lei de Drogas, o Regimento Interno dos Tribunais Superiores, o Código de

Processo Penal Militar, o Código Eleitoral e a Lei de Licitações. Por fim, no terceiro capítulo,

após a realização de uma entrevista3 com a magistrada da Vara de Infância e Juventude da

Comarca de Macaé, foram feitas análises do procedimento que apura a prática de ato

infracional, com enfoque na oitiva do adolescente, também chamada de interrogatório.

3 A entrevista foi realizada durante o expediente forense, onde através de uma conversa informal, foram

esclarecidos os principais pontos relativos ao interrogatório dos adolescentes infratores pela juíza Ingrid

Vasconcellos de Carvalho, que autorizou a divulgação do diálogo neste trabalho de conclusão de curso.

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CAPÍTULO I

O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

1 As mudanças no Código de Processo Penal, com advento da lei 11.719/2008

As mudanças trazidas pela Lei 11.719, de 2008 buscaram desburocratizar, dar

transparência e celeridade ao Processo Penal, além de harmonizar a legislação processual às

diretrizes principiológicas trazidas pela Constituição da República de 1988. As antigas

disposições processuais traziam inefetividade à prestação jurisdicional e afastavam o

garantismo do julgamento4.

Atualmente, na visão de Ada Pellegrini (s.d, p. 01) a efetividade e o garantismo são

valores fundamentais do processo penal, sendo que este tem enfoque na tutela do justo

processo e do correto exercício da função jurisdicional, visto sob o prisma das partes, em

especial da defesa, enquanto aquela tem um enfoque mais instrumental do sistema processual.

Os novos ideais desburocratizadores, céleres e transparentes são fundamentos que

incentivaram a mudança no Código de Processo Penal. O principal enfoque da mudança foi a

mencionada necessidade de adequação das normas processuais ao novo prisma constitucional,

com forte influência de princípios, que buscam efetivar os diretos humanos, previstos em

diversos tratados5, dos quais o Brasil é signatário.

Buscou-se uma reforma completa do código, todavia, analisando a realidade fática,

isso seria inviável, considerando a morosidade no trâmite legislativo. Assim, foram feitas

reformas menores, buscando homogeneizar o sistema, remodelando alguns institutos

processuais.

O enfoque do presente texto, no que tange as mudanças trazidas pela reforma

processual, é o deslocamento do interrogatório judicial, que a luz da nova legislação, passa a

ser o último ato da instrução. Entretanto, é necessário entender um pouco mais sobre esse

instituto, suas características, natureza jurídica, antes de discorrer sobre o seu local na

instrução, temas que serão objetos de análise no decorrer deste capítulo.

4 Não existia a previsão de absolvição sumária, nem de audiência una, por exemplo.

5 Como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto nº 678, de 1992) e Carta das Nações Unidas

(Decreto nº 19.841, de 1945).

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1.1 O interrogatório judicial

O interrogatório é considerado um ato processual, no qual o acusado tem a

oportunidade de apresentar ao juiz, que é o destinatário da prova, e julga com íntima

convicção, sua versão sobre os fatos que lhe são imputados. Durante esse ato, o réu além de

apresentar sua versão, pode indicar meios de prova, pode confessar a autoria delitiva, podendo

também, permanecer em silêncio (NUCCI, 2016, p. 254).

Quem conduz o interrogatório é o juiz, que deve fazê-lo de forma imparcial,

equilibrada e neutra, não podendo confrontar o réu, por mais inverossímil que sua versão

possa aparentar ser, já que não lhe cabe sugerir nesse momento que a narrativa fática

apresentada é falsa ou não. Após o término da colheita das provas, o juiz terá o momento de

valorar e avaliar a prova produzida na audiência de instrução e julgamento. Nesse sentido,

Renato Lima, entende que:

[...] Se o magistrado se contrapor ao acusado em seu interrogatório judicial, por

vezes qualificando-o de mentiroso, este verdadeiro prejulgamento do feito dará

ensejo ao reconhecimento da nulidade absoluta do referido ato, seja em face de

evidente constrangimento ao exercício da autodefesa, seja por conta da violação à

garantia da imparcialidade. (LIMA, 2016, p. 896)

Durante sua fala, o réu não pode ser penalizado por eventual mentira que venha a

falar, não sendo punido no ordenamento jurídico pátrio o perjúrio. A punição ao falso

testemunho dado pelo réu ocorre em outras legislações sob o fundamento de que seria um

desacato ao julgador da causa. O único crime que pode ser tipificado durante o interrogatório

é do de autoacusação falsa6, sendo uma prática contra a administração da justiça, ocorrida

quando a pessoa acusa-se perante a autoridade de crime praticado por outra pessoa ou

inexistente.

Guilherme Nucci defende ser um direito o réu poder mentir em juízo sobre os

questionamentos meritórios e de caráter pessoal, justificando seu posicionamento:

Em primeiro lugar, porque ninguém é obrigado a se autoacusar. Se assim é, para

evitar a admissão de culpa, há de afirmar o réu algo que sabe ser contrário à verdade.

Em segundo lugar, o direito constitucional à ampla defesa não poderia excluir a

possibilidade de narrar inverdades, no intuito cristalino de fugir à incriminação ou à

indicação de uma personalidade desajustada, fornecendo imagem pessoal negativa

ao julgador. Aliás, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico, é permitido. E se

é permitido, torna-se direito. (NUCCI, 2016, p. 263)

6 Art. 341, CP - Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem: Pena - detenção,

de três meses a dois anos, ou multa.

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O jurista faz ressalvas a não incriminação ao perjúrio, aduzindo que “em relação à

qualificação, não cabe direito ao silêncio, nem o fornecimento de dados falsos, sem que haja

consequência jurídica, impondo sanção” (NUCCI, 2016, p. 260). Esse posicionamento é

adotado porque as consequências podem causar prejuízos a outras pessoas e a administração

da justiça, em especial, quando são fornecidos dados de terceiros, sem qualquer envolvimento

com o fato.

Contrapondo esse pensamento, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar aduzem

que o acusado não estaria obrigado a falar de forma real sobre seus dados qualificadores, já

que estes poderiam o vincular a prática de outras infrações. Afirmam que tal conduta é

inexigível por parte do réu, já que ninguém está obrigado a se autoincriminar (TAVORÁ e

ALENCAR, 2017, p. 683). Para tanto, exemplificam relatando um caso prático:

Acompanhamos uma audiência na comarca de Pão de Açúcar, Estado de Alagoas,

por uso de documento falso, onde o interrogando negou-se a prestar os devidos

esclarecimentos acerca de sua qualificação, por ter um vasto histórico criminal,

inclusive com mandados de prisão expedidos no Estado de São Paulo. Ora, se

ninguém é obrigado a se autoincriminar, é claro que o interrogado não pode ser

repreendido por se negar a fornecer os elementos acerca de sua real realidade.

(TAVORÁ & ALENCAR, 2017, p. 683).

O Superior Tribunal de Justiça, durante a edição do Enunciado nº 5227, demonstrou

comungar do entendimento de Guilherme Nucci, onde assentou que a conduta de atribuir-se

falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada

autodefesa. Apesar da literalidade da Súmula falar sobre a autoridade policial, seu teor pode

ser suscitado para a falsa identidade declarada em juízo.

1.1.1 Características do interrogatório

Antes de discorrer sobre as principais características do ato de interrogar, é importante

destacar que respeitando a dignidade da pessoa humana, é inadmissível a utilização de

métodos que tendem a extrair algum tipo de confissão, ou que exerçam influência sobre a

autodeterminação do réu.

Dessa forma, as perguntas direcionadas ao acusado precisam ser claras, objetivas e não

ambíguas, de modo que a eventual resposta seja fruto da vontade livre do acusado e não de

questionamentos tendenciosos.

7 “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada

autodefesa”. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 25/03/2015, DJe 6/4/2015.

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São inadmissíveis quaisquer métodos de ameaça ou intimidação do réu durante a

colheita de seu depoimento, ou qualquer meio que afete sua liberdade de declaração. Também

não podem ser concebidas práticas conhecidas como ‘interrogatórios duros’, utilizada pelos

Estados Unidos da América, na prisão de Guantánamo, como exemplificado por Lima:

[...] presos eram mantidos acordados durante inúmeras horas seguidas, privados de

sono, submetidos a afogamentos simulados, a temperaturas extremamente baixas,

entre outras práticas semelhantes. Tais métodos não podem ser aceitos, porquanto

presentes todos os elementos constitutivos da tortura, segundo a Corte

Interamericana sobre Direitos Humanos: a) um ato intencional; b) que cause severos

sofrimentos físicos ou mentais; e c) que se cometa com determinado fim ou

propósito (p.ex., obter informações de uma pessoa, castigá-la ou intimidá-la).

(LIMA, 2016, p. 910)

Métodos semelhantes também foram utilizados no Brasil, durante os ‘anos de

chumbo’8, no período da Ditadura Civil-Militar:

A tortura é um sistema dotado de métodos para provocar dor, extrair informações e

humilhar a pessoa presa. Em alguns casos, era uma técnica para se provocar a morte

lenta de presos já condenados, por algum motivo, pelas equipes de repressão. [...]

Como não há registros de torturadoras do sexo feminino, as equipes

que interrogavam mulheres eram masculinas, multiplicando o potencial de

humilhação, por conta da exposição do corpo da mulher e da ameaça de ataques

sexuais às prisioneiras durante as sessões. [...] As sessões poderiam durar horas ou

dias seguidos, conforme a resistência mental e física do preso. Além disso, as

sessões podiam ser interrompidas, com a certeza de que o preso voltaria para uma

próxima sessão, em dias e horários indefinidos. O preso podia ser acordado com

chutes de madrugada e seguir para uma nova sessão de tortura, quando nem havia se

recuperado da anterior. Conforme testemunhos, essa era uma das piores sensações

dos prisioneiros: a espera pela próxima sessão, que, conforme a promessa dos

torturadores, seria pior que a anterior. As equipes de interrogatório também

poderiam se utilizar de estratégias psicológicas, alternando um interrogador brutal,

com um tipo polido, paternalista, que prometia ajudar e proteger o preso de novas

violências. [...] As equipes da repressão eram normalmente divididas em três grupos.

Um grupo capturava o preso; o segundo grupo o interrogava e o torturava; e o

terceiro grupo sistematizava as informações obtidas. (Tortura: violação de direitos

humanos, s.d, s. p.).

O cansaço físico e mental do acusado, que por muitas vezes precisa percorrer longas

distâncias até chegar ao local onde será interrogado, aliado a pressão psicológica do momento,

bem como ao fato de que não é preestabelecido um horário de começo e término para o

interrogatório, acabam por comprometer a liberdade de autodeterminação do réu no momento

de responder aos questionamentos.

Segundo Lima países como Espanha, Chile e Argentina adotaram em suas legislações

a obrigatoriedade de suspender o interrogatório, caso o réu demonstrasse muito cansaço após

responder ilimitadas perguntas (LIMA, 2016, p. 610). Dessa forma, tais países buscam evitar

8 Essa conjuntura política ocorreu no período de 1964-1985.

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algumas arbitrariedades que podem decorrer do estado físico vulnerável em que se encontra o

réu no momento de sua inquirição.

1.1.1.1 Ato personalíssimo

O interrogatório é um ato personalíssimo, que deve ser exercido unicamente pela

pessoa do acusado, sendo a ocasião em que o julgador tem contato direto com o réu, e avalia a

persecução penal deduzida pelo Ministério Público ou pelo querelante. Não pode o réu, em

nenhuma hipótese ser substituído neste ato.

Quando o autor do delito for pessoa jurídica, em casos de crimes ambientais, o

interrogatório é feito na pessoa indicada no estatuto, ou por seus diretores, por interpretação

analógica do Código de Processo Civil9, com a Legislação Processual Penal

10. Nesse caso, as

declarações prestadas pelo representante, vinculam a pessoa jurídica ré.

Em se tratando de crime ambiental de menor potencial ofensivo, cuja competência

para julgamento será dos Juizados Especiais Criminais, a Lei 9.9099 de 1995 dispõe em seu

artigo 9º, §4º11

que a ré pessoa jurídica poderá ser representada por preposto credenciado,

munido de carta de preposição, com poderes para transigir, sem necessidade de vínculo

empregatício. Tal disposição trata dos Juizados Especiais Cíveis, mas vem sendo aplicada

analogicamente aos Juizados Criminais.

O fato de a defesa técnica do acusado estar presente – advogado ou defensor público –

não supre a ausência do réu, mas pode justificar os motivos pelos quais ele não pôde

comparecer no momento da audiência. Entretanto, é vedado à defesa abordar questões fáticas,

o que é uma prática exclusiva do acusado.

O ato também é individual, ou seja, havendo mais de um réu processado por um fato,

os interrogatórios devem ser feitos exclusivamente para a pessoa de cada acusado, separados

um do outro12

.

9 Art. 75, CPC. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] VIII - a pessoa jurídica, por quem os

respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores; 10

Art. 3o , CPP. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o

suplemento dos princípios gerais de direito. 11

O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado,

munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício. 12

Art. 191, CPP. Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente.

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16

1.1.1.2 Ato contraditório

O interrogatório era um ato privativo do juiz, não podendo as partes intervir durante

sua realização, o que, com a promulgação da Constituição de 1988, se mostrou incompatível

com a nova ordem constitucional, em especial, com os princípios do contraditório e da ampla

defesa.

O artigo 188 do Código de Processo Penal foi modificado em 200313

, fazendo com

que o interrogatório se submetesse ao contraditório, podendo as partes interferir durante sua

execução, fazendo as perguntas que acharem pertinentes e necessárias. A mudança não foi

total, de modo que o interrogatório continuou seguindo o sistema presidencialista (LIMA,

2016, p. 903), sendo o primeiro a fazer os questionamentos o magistrado, seguido da parte

acusatória e depois a defesa do réu.

Em respeito ao devido processo legal e, privilegiando o direito de defesa, em havendo

mais de um acusado no processo, é permitido a defesa de um deles intervir no interrogatório

de outro, fazendo os questionamentos necessários. Nesse sentido, já entendeu o Superior

Tribunal de Justiça, que todas as partes devem contribuir entre si na busca da verdade real14

, e

que o fato dos réus serem interrogados separadamente não significa que o defensor de um

13

Modificação introduzida com o advento da Lei nº. 10.792/2003. 14

Ementa: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E RESPECTIVA

ASSOCIAÇÃO. [...] (2) INTERROGATÓRIO. CORRÉUS. INTERVENÇÃO DE ADVOGADO DE

ACUSADO DIVERSO DO INTERROGANDO. VEDAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO (3).

[...] 2. A colenda Sexta Turma entende possível, em casos de delação, a intervenção do Advogado em

interrogatório de réu diverso daquele que defende (Precedentes do STJ/STF). Em prestígio à multifacetada

cláusula do due process of law, é de se estender tal compreensão para casos de ausência de delação. A

contribuição de todas as partes do processo para a escorreita busca da verdade consagra o teor do art. 188 do

Código Processo Penal (Precedentes do STF). 3. [...] 4. Ordem concedida em parte para anular a sentença,

convertendo o julgamento em diligência, a fim de intimar os defensores para manifestarem eventual interesse na

arguição dos réus que não defendem, designando-se data para a complementação dos interrogatórios. Após,

deve-se retomar a marcha processual, a partir do disposto no art. 402 do CPP. STJ, 6ª Turma, HC 112.993/ES,

Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 09/03/2010, DJe 10/05/2010

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17

acusado não possa fazer perguntas ao outro, sob pena de ofensa à paridade de armas e ao

contraditório15

.

1.1.1.3 Ato oral, público e assistido tecnicamente

A inquirição do réu deverá ser feita, via de regra, oralmente, sendo gravada através de

programas computadorizados, garantindo fidelidade e espontaneidade ao ato. Em sendo o

acusado surdo, os questionamentos lhe serão feitos por escrito, devendo ser as respostas

apresentadas oralmente. No caso de réu mudo, as perguntas serão feitas oralmente, e as

respostas apresentadas por escrito. O termo deverá ser assinado por todos os presentes, e

devidamente anexado ao processo. Assim determina o comando legislativo insculpido no

artigo 192 e em seus incisos16

, do Código de Processo Penal.

Caso o interrogando seja analfabeto ou apresente dificuldades para escrever, deverá

um intérprete intervir no ato, após prestar o devido compromisso legal, auxiliando o

15

Ementa: HABEAS CORPUS. DESABAMENTO OU DESMORONAMENTO. INTERROGATÓRIO DE

CORRÉU. NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO ATIVA DO DEFENSOR DO PACIENTE. ART. 188 DO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO DE QUESTIONAMENTOS.

AMPLA DEFESA. CONTRADITÓRIO. OFENSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

PREJUDICIALIDADE DOS DEMAIS PEDIDOS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal garante

ao jurisdicionado a ampla defesa e o contraditório em qualquer processo judicial, garantias que ganham

relevância na persecução penal, já que por meio desta é que o Estado alcança a legitimidade para coarctar a

liberdade do indivíduo responsável pela prática de conduta descrita como fato delituoso. 2. O interrogatório é

também um meio de prova, e para que seja validamente introduzido no processo deve atender às garantias

constitucionais instituídas em favor do acusado. 3. Para o ato do interrogatório nas ações penais com pluralidade

de réus, o Código de Processo Penal prevê apenas que estes devem ser interrogados separadamente, o que não

significa, por si só, que a inquirição complementar seja feita apenas pelo próprio defensor e pelo órgão

acusatório, sob pena de ofensa ao contraditório e à paridade de armas que deve ser resguardada no processo

penal. 4. Não há no Código de Processo Penal nenhum comando proibitivo à participação do defensor do corréu

no ato do interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188, com a redação dada pela Lei n. 10.792/03, que "Após

proceder ao interrogatório, o juiz indagará as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as

perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante", razão pela qual não é dado ao intérprete

restringir esse direito, que tem assento em princípios constitucionais. 5. Ordem concedida para anular a ação

penal desde o interrogatório dos acusados, inclusive, ficando prejudicada a análise dos pleitos remanescentes.

STJ, 5ª Turma, HC 198.668/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 04/09/2012. 16

Art. 192, CPP. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao

surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão

feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do

mesmo modo dará as respostas.

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18

acusado17

. Também poderá ser utilizado o intérprete caso o réu não saiba falar a língua

nacional18

.

Conforme previsto no artigo 5º, inciso LX19

e no artigo 93, inciso IX20

, ambos da

Constituição Federal de 1988, deve ser observada a publicidade do ato de interrogar. Contudo,

a própria Carta Magna trouxe exceções21

onde pode ser restrita a publicidade, como nos casos

de interesse social do sigilo, imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado e em

caso de escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação à ordem, esta última

possibilidade disposta na legislação processual penal22

.

Antes da vigência da Lei 10.792, de 200323

, além de não ser permito às partes fazerem

questionamentos ao acusado, também não era exigida a presença de defesa técnica, podendo

tal ato ocorrer somente na presença do julgador. Hoje, a presença de um defensor é

obrigatória, que pode ser indicado no momento da execução do ato, sem necessidade de ser

outorgado previamente um mandato. Sobre o tema, aduz Lima:

Em face dessas novas regras, e em virtude da possibilidade de participação e

intervenção do defensor no interrogatório, a ausência de defensor para o citado ato

constitui agora nulidade absoluta, por inequívoca violação ao princípio da ampla

defesa. De fato, como já concluiu o STJ24

, com a alteração do CPP pela Lei nº

10.792/03, assegurou-se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação

e interrogatório do réu; de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com

seu defensor antes daquele ato processual. Por consistirem tais direitos em direitos

sensíveis – direitos decorrentes de norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas

novas regras implica a nulidade do ato praticado. (LIMA, 2016, p. 905)

17

Art. 192, parágrafo único, CPP. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como

intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo. 18

Art. 193, CPP. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de

intérprete. 19

A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse

social o exigirem. 20

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob

pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados,

ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação; 21

Art.5º, XXXIII, CRFB. Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse

particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,

ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; 22

Art. 792, § 1o , CPP. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo,

inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de

ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas

fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. 23

Deu nova redação ao artigo 185 do CPP: O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso

do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. 24

STJ, 6ª Turma, RHC 17.679/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 20/11/2006.

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19

A assistência técnica não deve ser só no momento da inquirição, mas também prévia,

devendo ao acusado ser garantido o direito de conversar com seu defensor antes de apresentar

seu relato. Em casos onde o interrogatório é realizado por videoconferência25

, a lei26

assegura

o acesso a linhas telefônicas reservadas para comunicação, devendo também, haver dois

defensores, um na sala de audiências e outro no presídio, para efetivar o acesso amplo a

defesa.

1.1.1.4 Ato bifásico

O interrogatório é um ato onde o juiz ouve o acusado sobre suas características

pessoais e sobre os fatos a ele imputados. Obrigatoriamente, deve o ato ser dividido em duas

partes, caracterizando-se como bifásico27

.

Inicialmente, o acusado é qualificado e cientificado sobre o teor acusatório. Após, é

informado sobre seu direito de permanecer em silêncio, e é indagado sobre sua vida pregressa,

meio social onde vive, sobre o trabalho que exerce, se já foi processado criminalmente por

outras vezes, de modo que o juiz possa avaliar as circunstâncias judiciais da infração penal,

utilizadas no cálculo da pena-base do delito, feito a luz do artigo 5928

do Código Penal.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar defendem que as indagações a respeito da

vida pregressa do acusado também são de suma importância para aferir sobre a

coculpabilidade social pela situação de conflito com a lei em que ele se encontra.

Caracterizam tal fato pela corresponsabilidade social quanto à atividade criminosa, já que a

falta de políticas públicas sociais, tornam mais propensos ao crime os que vivem

marginalizados da sociedade (TAVORÁ e ALENCAR, 2017, p. 684). Nesse sentido, também

colaciona Rogério Greco:

A teoria da culpabilidade ingressa no mundo do direito penal para apontar e

evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando

da prática de determinadas infrações penais pelos seus ‘supostos cidadãos’.

Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem um teto para se abrigar,

25

Possibilidade inserida pela Lei 11.900, de 2009. 26

Art. 185, § 5o , CPP. Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista

prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a

canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na

sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. 27

Art. 187, CPP. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. 28

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos,

às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja

necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

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morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não

conseguem emprego, pois o Estado não os preparou ou os qualificou para que

pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso

de bebida alcoólica para fugir à realidade que lhe é impingida. Quando tais pessoas

praticam crimes, devemos apurar e dividir essa reponsabilidade com a sociedade.

(GRECO, 2003, p. 469).

A segunda parte do interrogatório diz respeito aos fatos e ao modo como eles

ocorreram, podendo o réu esclarecer porque a conduta delitiva estaria sendo imputada a ele,

onde estava no momento do crime, se conhece as vítimas ou o instrumento utilizado para

prática do delito, bem como fazer apontamentos sobre as provas já produzidas ou indicar a

necessidade de produção de outras, além de qualquer fato que seja importante para sua defesa.

1.1.1.5 Ato protegido pelo direito ao silêncio

A Constituição Federal assegurou ao acusado o direito de permanecer em silêncio29

,

não podendo ser essa garantia utilizada como indício de culpabilidade, de modo que o réu não

é obrigado a produzir prova contra si mesmo, nos termos do princípio do nemo tenetur se

deterge30

. Durante sua defesa, pode o acusado responder a apenas algumas perguntas,

silenciando em outras, falando somente o que entender necessário e adequado para sua defesa.

Sobre tal garantia, Eugênio Pacelli aduz que:

O direito ao silêncio tem em mira não um suposto direito à mentira, como ainda se

nota em algumas doutrinas, mas à proteção contra as hostilidades e as intimidações

historicamente desfechadas contra os réus pelo Estado em atos de natureza

inquisitiva. Primeiro, nas jurisdições eclesiásticas; depois, no Estado Absolutista, e,

mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações

criminais. Não é porque se reconhece o direito à defesa que se permitiria que o

acusado, por exemplo, atribuísse falsamente a prática do crime a terceiros, com o

fim de se ver livre da acusação. Nessa hipótese, ao menos em tese, estaria

configurado o delito do art. 339 do CP (denunciação caluniosa). Evidentemente,

estamos nos referindo unicamente à questão relativa à tipicidade da conduta; a

questão referente à eventual excludente de ilicitude (estado de necessidade) não se

inclui no âmbito temático de nossas reflexões. O princípio atua ainda na tutela da

integridade física do réu, na medida em que autoriza expressamente a não

participação dele na formação da culpa (PACELLI, 2017, p. 201).

Apesar do artigo 198 do Código de Processo Penal dispor de forma expressa que o

silêncio não importa em confissão, mas pode constituir elemento para convicção do juiz, Lima

entende que a parte final de tal dispositivo não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico

existente com a promulgação da Constituição de 1988 (LIMA, 2016, p. 908). Sendo o

29

Art. 5º, inciso LXIII, CRFB. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,

sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; 30

Direito de não produzir prova contra si mesmo (tradução livre).

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acusado titular do direito ao silêncio, não se pode extrair dessa garantia, qualquer

consequência desfavorável a ele.

1.1.2 Foro competente e local de realização do interrogatório

O acusado deve ser ouvido ao final da audiência una de instrução e julgamento, pelo

juiz da causa do local onde aconteceu a infração. Caso o réu resida em local diverso de onde

aconteceu o fato, pode ser expedida Carta Precatória para sua oitiva. Há grande divergência

na doutrina quanto à expedição de carta precatória para oitiva do réu, por conta do princípio

da identidade física do juiz. Renato Lima defende que pelas dimensões territoriais do país

onde vivemos, tal princípio deve ser analisado com ressalvas:

Não é viável, por exemplo, que se exija de um acusado residente na cidade de

Manaus/AM que se desloque até a cidade de Porto Alegre/RS para que possa ser

interrogado pelo juiz da causa. A prevalecer a tese de que o princípio da identidade

física do juiz inviabilizaria a expedição de precatórias, dar-se-ia prevalência a um

princípio inserido em lei ordinária em detrimento de princípios inseridos no bojo da

Constituição Federal, tais como o direito à ampla defesa e o direito de ação, do qual

é consectário lógico o direito à prova, seja ela produzida pessoalmente perante o juiz

da causa, seja ela produzida por meio de carta precatória (LIMA, 2016, p. 902).

Já Vicente Greco Filho, lista uma série de problemas que inviabilizam a realização do

interrogatório por carta precatória, como exemplo, a nomeação de defensor, se é feita pelo

juízo deprecado ou deprecante, ou sobre o início da contagem do prazo para apresentação dos

memoriais, aduzindo que:

Esses e outros problemas não recomendam a realização do interrogatório por

precatória como regra, aduzindo-se, ainda, que a presença do acusado perante o

magistrado que provavelmente proferirá a sentença é importante para a descoberta

da verdade. Tanto que o juiz que não interrogou pode reinterrogar antes de proferir

sentença (GRECO FILHO, 2012, p. 321-322).

Quando o interrogando for réu preso, sua inquirição pode ocorrer de três formas

diversas, sendo a primeira delas pessoalmente no fórum, com a requisição do réu31

pelo juízo

para o ato; a segunda por videoconferência32

e, por fim, pessoalmente, dentro do presídio33

em

que está acautelado, desde que não haja perigo para os envolvidos na realização do ato.

31

Art. 185, § 7o, CPP. Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o

interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2

o deste artigo.

32 Art. 185, § 2

o, CPP. Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das

partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso

tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a

uma das seguintes finalidades: [...].

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22

Em sendo realizado o interrogatório no presídio, a lei veda sua prática na cela onde o

réu fica, devendo ser disponibilizado um local próprio, idêntico as salas de audiências. A

prática de oitivas no interior de presídios não é muito comum porque diversas prisões não

dispõem desse tipo de sala, além de, não ter meios de segurança adequados para receber os

envolvidos no ato. Os casos de realização de audiência em presídios são exemplo de restrição

da publicidade do ato do interrogatório, já que colocaria em risco a segurança dos envolvidos

e dos demais presos, se a prática do ato fosse pública.

Outro argumento que fez esvaziar a possibilidade de realização de audiências em

estabelecimentos prisionais é a realização de uma audiência una, advinda da reforma

legislativa de 200834

. Como todos os envolvidos nos processos precisam estar presentes no

mesmo local e, considerando as hipóteses de risco à segurança, mencionadas anteriormente,

seria inviável deslocar vítimas, testemunhas, peritos e auxiliares para o presídio, quando se

pode deslocar o réu para fóruns. Dessa forma, Lima defende que predominantemente os

interrogatórios devem ocorrer pessoalmente nos fóruns, sendo essa a única possibilidade em

se tratando de réu solto (LIMA, 2016, p. 913).

1.2 Natureza jurídica do interrogatório

Com as modificações trazidas pelas Leis 11.719/2008 e 10.792/2003 no Código de

Processo Penal, surgiram novas teorias sobre a natureza jurídica do interrogatório, que

antes era majoritariamente concebido como meio de prova. Ressalta-se que para analisar a

natureza jurídica do interrogatório, é necessário considerar o sistema adotado e observar

sempre os ditames trazidos pela Constituição, que é parâmetro de interpretação para as

demais normas. Assim, foram criadas quatro correntes, abaixo explicitadas, acerca do que

o interrogatório representa para o direito processual penal.

1.2.1 Interrogatório como meio de prova

Em se tratando de um sistema inquisitorial, o ato de interrogar funcionava como um

meio de prova, já que o acusado era considerado como um objeto da prova, não podendo

33

Art. 185, § 1o, CPP. O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que

estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos

auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. 34

Nova redação ao artigo 400, §1º, CPP. As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz

indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

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23

deixar de responder perguntas feitas e nem utilizar-se do direito ao silêncio. Como a

legislação processual vigente ainda tem resquícios do sistema inquisitorial que a

fundamentou, a localização do interrogatório no Código, reforça a ideia de que seria

concebido como um meio de prova. Isso porque, ele está inserido no Capítulo III – do

interrogatório do acusado – dentro do Título VII – da prova (LIMA, 2016, p. 896).

O interrogatório seria o momento onde o acusado, cometedor do núcleo do tipo penal,

descreveria os fatos, de modo que o julgador pudesse, aliado ao princípio do livre

convencimento motivado, valorar as palavras do réu, com as demais provas produzidas,

alcançando a verdade real.

Sendo considerado unicamente como meio de prova, são respeitados apenas os

princípios gerais relativos à colheita de outra prova comum. Em verdade, o interrogatório

seria um jeito de se obter a própria confissão do acusado, objetivo supremo da investigação, e

não uma prova qualquer (FERREIRA, 2009, p. 85-86).

Por isso, atualmente, raros são aqueles que defendem que o interrogatório é apenas um

meio de prova, já que deve obedecer também ao contraditório e a ampla defesa, garantidos

pela Constituição Federal de 1988.

Adalberto Camargo Aranha defende que o interrogatório induvidosamente é um meio

de prova, podendo, acidentalmente, ser usado como meio de defesa. O autor menciona que o

interrogatório é uma prova a mais, que deve ser ponderada e analisada com o arcabouço

probatório. Para tanto, apresenta as seguintes razões:

Em primeiro lugar, porque colocado no Código entre as provas e como tal

considerado pelo julgador ao formar sua convicção; depois, porque as perguntas

podem ser feitas livremente, apenas observando-se às diretrizes do art. 188; em

terceiro, porque pode atuar tanto contra o acusado, no caso da confissão, como em

seu favor; e finalmente, porque o silêncio, a recusa em responder às perguntas, pode

atuar como um ônus processual (arts. 186 e 191) (ARANHA, 2006, p. 98)

Vicente Greco Filho tece breves considerações sobre a natureza jurídica do

interrogatório, esclarecendo que o entendimento mais aceito é de que se trata de meio de

defesa, já que pode o acusado apresentar sua versão dos fatos (2012, p. 321). Contudo, ao

tratar da confissão em sua obra, o autor posiciona-se:

Na verdade a confissão não é um meio de prova. É a própria prova, consistente no

reconhecimento da autoria por parte do acusado. Meio de prova é o interrogatório,

em que ela pode ocorrer, ou a audiência em que se lavra um termo em virtude do seu

comparecimento espontâneo. (GRECO FILHO, 2006, p. 326)

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24

Os autores que defendem ser o interrogatório unicamente um meio de prova são a

posição minoritária na doutrina, já que em uma visão constitucionalizada do processo penal, o

acusado não é mais tido como um objeto de prova, mas sim como um sujeito de direitos.

1.2.2 Interrogatório como meio de defesa

Conceituar o interrogatório como um meio de defesa, é interpretá-lo como um

desdobramento da autodefesa, concebida dentro do direito de audiência. Pode o acusado,

considerando as matrizes constitucionais, como o direito ao silêncio, deixar de responder a

qualquer indagação feita, se entender que pode ser prejudicial a sua defesa, não precisando

justificar a utilização de tal prerrogativa (LIMA, 2016, p. 897).

Essa corrente ganhou muita força com a vigência da Lei 10.792 de 2003 e com a

reforma processual de 2008, porque as mudanças ocorridas evidenciam a natureza defensiva

do interrogatório. Não é mais obrigatório o comparecimento do réu na audiência35

, podendo

ele dispor de tal direito, já que é o momento de apresentar sua versão dos fatos e ele pode,

simplesmente, não querer fazê-lo. Entretanto, não pode o acusado dispor de sua defesa

técnica, sendo assim, obrigatória a presença de um defensor no momento da inquirição. Além

disso, a norma foi clara em definir que o silêncio não pode ser interpretado em desfavor do

réu, que só deve ser questionado sobre os fatos após toda a colheita probatória, devendo

conhecer de todas as provas, para que possa se defender especificamente de todos os pontos,

caso queira.

Aury Lopes Júnior defende tal posição, aduzindo que sendo o interrogatório um meio

de defesa, é um direito do réu, e não um dever, devendo ser garantida à prerrogativa do

silêncio. Além disso, o autor alega que mesmo sendo obtida uma confissão, pode o

magistrado julgar improcedente o pedido acusatório, considerando a natureza do ato de

interrogar e as características do sistema acusatório vigente (LOPES JÚNIOR, 2013, p. 653),

discorrendo que:

Tudo isso deve ser abandonado (a busca pela confissão) rumo ao processo penal

acusatório-constitucional, em que o interrogatório é meio de defesa e, a confissão,

apenas mais um elemento na axiologia probatória, que somente pode ser

considerado quando compatível e conforme o resto da prova produzida. (LOPES

JÚNIOR, 2013, p. 653).

35

Nesse sentido, acertadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal no bojo das Arguições de Descumprimento

de Preceito Fundamental nos

395 e 444, sobre a impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado

para interrogatório.

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25

Tourinho Filho também defendia tal posicionamento, alegando que:

Sempre pensamos, em face da sua posição topográfica, fosse o interrogatório,

também, meio de prova. E como tal era e é considerado. Meditando, sobre o

assunto- principalmente agora que a Constituição, no art. 5°, LXIII, reconheceu o

direito ao silêncio- chegamos a conclusão de ser ele apenas meio de defesa.

(TOURINHO FILHO, 1994, p. 240)

O autor se posicionava dessa maneira, antes mesmo das alterações ocorridas em 2003

e 2008. Pautava-se nos ditames constitucionais, tomando a constituição como base

interpretativa para as demais normas, e não se norteando apenas pela localização do

interrogatório no texto legislativo.

1.2.3 Natureza mista do interrogatório

Os autores majoritariamente defendem que o interrogatório seria tanto um meio de

prova, quanto um meio de defesa, já que o magistrado poderia se servir dos elementos

constantes para formar seu convencimento, bem como poderia o réu deixar de responder a

determinadas perguntas.

Engenio Pacelli aduz que o interrogatório merece uma nova leitura. Assim,

inicialmente considera tal instituto como apenas um meio de prova, que se transformou

também em meio de defesa, sem, todavia, deixar de ser espécie de prova, até porque, em suas

palavras “as demais espécies defensivas, também são consideradas provas”. (PACELLI, 2017,

p. 199)

Pacelli colaciona que, o acusado deve ser visto como um sujeito de direitos, e não

apenas como um objeto de prova. Fundado na nova ordem constitucional e no contexto de um

modelo acusatório, o autor defende que o interrogatório encontra-se inserido no princípio da

ampla defesa, sendo “mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo que

ele apresente sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo”.

(PACELLI, 2017, p. 199). Essa visão do interrogatório, também como meio de defesa, traz

segundo ele, garantias ao acusado:

Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu

defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele

(o réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha da opção

mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em

condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a

primeira parte do art. 260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de

condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente

possível e admissível em nosso ordenamento. Em segundo lugar, impõe, como

sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a

oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação

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da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa. (PACELLI, 2017, p.

199)

Julio Fabrinni Mirabete, que concorda com essa fundamentação, aduz que ao

defender-se no interrogatório, o réu inevitavelmente estaria apresentando ao julgador

elementos que possam ser utilizados na apuração da verdade – através do confronto com

provas já existentes, ou pela particularidade das informações prestadas. Assim, seria tal ato

um meio de prova e de defesa, possuindo um caráter misto (MIRABETE, 2006, p. 272).

Capez, pautado no entendimento de que não está o acusado obrigado a produzir

nenhum tipo de prova contra si, defende que o interrogatório é um meio de defesa, ocasião em

que o réu, dispondo de conveniência e oportunidade, pode decidir se deve e a quais perguntas

responder, não podendo nenhuma dessas atitudes caracterizar sua culpa. Além disso, afirma

que, podendo as partes formular questionamentos diretamente ao acusado, o ato revela seu

caráter de meio de prova, sendo então, de natureza mista (CAPEZ, 2008, p. 334-335).

1.2.4 Interrogatório como meio de defesa e eventualmente, como fonte de prova

A divergência doutrinária acentua-se ainda mais quando se trata da quarta corrente que

versa sobre a natureza jurídica do interrogatório. Utilizando-se a classificação trazida por

Renato de Lima, na eventualidade, seria o interrogatório uma fonte de prova, e

prioritariamente um meio de defesa. Todavia, Guilherme Nucci diz que esta corrente se

caracterizaria por ser o interrogatório meio de defesa e eventualmente meio de prova

(NUCCI, 2016, p. 254). Comunga-se da classificação trazida por Lima (2016, p. 896-897), já

que Nucci estaria colocando por duas vezes o interrogatório com natureza jurídica mista.

Guilherme Nucci, ao fazer sua classificação, aduz o seguinte36

:

Note-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a

Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que

se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se

apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o

que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em

consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo. (NUCCI, 2016, p.

254)

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar defendem essa corrente, trazendo algumas

consequências processuais de tal classificação:

A primeira consequência, já reconhecida, é a impossibilidade de haver prejuízo ao

imputado por ter convocado o direito ao silêncio, pois este não pode levar a

presunção de culpa. Uma segunda seria a impossibilidade de condução coercitiva

36

Definição que perfeitamente se enquadraria na terceira corrente.

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daquele que, mesmo citado pessoalmente, deixa de comparecer ao ato. A ausência

deve ser encarada como expressão de autodefesa, evitando-se o constrangimento de

trazer o réu, mesmo a contragosto, para a audiência. Uma terceira consequência

avistável é a impossibilidade de decretação da revelia do réu ausente, pois o não

comparecimento não poderá trazer prejuízos processuais (TÁVORA & ALENCAR,

2017, p. 677).

Os autores utilizam-se dos mesmos parâmetros de classificação trazidos por Renato de

Lima, esclarecendo que o interrogatório pode funcionar como ‘fonte de prova’, mas de modo

algum pode ser enquadrado na ‘vala comum’ dos meios de prova (TÁVORA & ALENCAR,

2017, p. 677).

1.3 Localização do interrogatório na instrução

Antes da vigência da Lei nº 11.719/2008, preconizava a antiga redação do artigo 394

do Código de Processo Penal, que o julgador ao receber a inicial acusatória, deveria

determinar a citação do acusado e a notificação do órgão acusador, designando data e hora

para realização do interrogatório. Assim, tal ato era realizado no início da instrução, sendo o

réu posteriormente intimado para apresentar sua defesa prévia e designada Audiência de

Instrução e Julgamento, para que fossem produzidas as demais provas processuais.

A primeira importante mudança no sentido de alterar a localização do interrogatório na

instrução veio com a Lei dos Juizados Especiais, que preconiza em seu artigo 81, caput:

Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após

o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão

ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o

acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da

sentença.

Em tal procedimento, o interrogatório já seria concebido como último ato da instrução,

de modo que o acusado pudesse ter conhecimento de todo arcabouço probatório antes de

apresentar sua versão dos fatos, podendo assim, impugnar todos os pontos apresentados.

O modificado artigo 40037

do Código de Processo Penal, em sua nova redação,

seguindo os ideais constitucionais e a tendência legislativa já trazida pela Lei 9.099/1995,

trouxe a previsão de uma audiência una, e colocou o interrogatório como sendo o último ato

da instrução. O novo modelo constitucional deu outra importância ao ato do interrogatório, já

37

Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à

tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta

ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações

e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

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que trouxe diversas garantias processuais38

. Além disso, o processo tornou-se um garantidor

de direitos fundamentais, conforme defende Ana Olívia Ferreira (2009, p. 73).

Á época que foi criado – em 1941 – o Código de Processo Penal, fundado em um

sistema inquisitório, utilizava do interrogatório como meio de obtenção de uma confissão por

parte do acusado39

, dessa forma, sua melhor posição seria como ato inaugural da instrução. O

interrogando, nesta época, não tinha conhecimento de nenhuma prova ou tese que poderia ser

lançada durante a instrução, sendo surpreendido por tudo que a acusação dissesse em

momento posterior. No entanto, o órgão acusador já saberia de antemão toda tese defensiva

utilizada pelo réu, antes mesmo dele produzir suas provas, o que além de violar o sistema

acusatório, fere o princípio da paridade de armas.

A tendência trazida pelo sistema acusatório40

, bem como a nova localização do

interrogatório na instrução – como último ato – propicia ao réu a chance de falar apenas após

a reunião de todas as provas, de modo que a autodefesa é exercida em sua maior amplitude. A

garantia ao silêncio, nesta nova estrutura, pode ser mais bem utilizada pelo réu, que decide se

deve falar apenas depois de conhecer toda a imputação, sendo uma técnica defensiva posta

verdadeiramente a favor do acusado.

Flaviane de Magalhães Barros endossa que o instituto do interrogatório, tipicamente

processual, deve ser o último ato da instrução, aduz que a “sua localização dentro da instrução

se deve à plena garantia da autodefesa, já que o acusado conhecerá todo o conjunto

probatório, pois é um ato eminentemente de defesa e não de prova” (BARROS, 2009, p. 124).

Feitas tais considerações, também é importante lembrar que o interrogatório é um ato

que pode ser realizado a qualquer momento da instrução, desde que antes do trânsito em

julgado da demanda. Além do interrogatório previsto para o final da instrução, pode o

julgador, de ofício ou a requerimento das partes proceder a novo interrogatório41

. O ato

também pode ocorrer em qualquer grau recursal42

e até antes da oitiva das demais

testemunhas, se for de desejo do réu, e caso não haja prejuízo para instrução. Exemplifica

Nucci em sua obra:

38

Como o contraditório e a ampla defesa, direito ao silêncio, vedação às provas ilícitas, entre outras. 39

Isso porque, a confissão era a prova mais importante que poderia ser obtida, conforme aduz Eduardo Francisco

de Souza: “A importância da confissão era tanta que lhe era cunhado o apelido de regina probatium, ou seja,

figurava, entre os meios de prova, como uma rainha, cuja majestade não era passível de ponderação.” (SOUZA,

2012, p. 02) 40

Segundo Ada Pellegrini Grinover: “Um processo de partes, em que a relação processual, tríplice, coloca em pé

de igualdade a acusação e a defesa, nitidamente separadas do juiz”. (GRINOVER, 1993, p. 41-63). 41

Art. 196, CPP. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado

de qualquer das partes. 42

Art. 616, CPP. No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo

interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.

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29

Há variadas razões que podem levar à realização de outro interrogatório ao longo da

instrução: a) o juiz sentenciante não é o mesmo que realizou o ato, necessitando

ouvi-lo e vê-lo diretamente, para formar o seu convencimento; b) o juiz sentenciante

ou o que preside a instrução constata a pobreza do interrogatório realizado, em

poucas linhas, sem qualquer conteúdo. Deve determinar o seu refazimento; c) o juiz

interrogante entra em confronto com o réu, havendo nítida parcialidade na colheita

do depoimento. Outro magistrado deve ser indicado para proceder ao interrogatório,

caso o primeiro seja anulado ou haja a intenção de evitar a concretização de uma

nulidade insanável; d) o tribunal entende que deve ouvir diretamente o réu, a

despeito do interrogatório já ter sido feito pelo juiz (art. 616, CPP); e) o acusado,

que confessou no primeiro interrogatório, resolve retratar-se, o que é expressamente

admitido (art. 200, CPP); f) surge uma prova nova, como uma testemunha,

desejando o réu manifestar-se sobre o seu depoimento, desconhecido até então; g) há

corréu envolvido que tenha proferido uma delação, envolvendo outro corréu que já

foi interrogado. Este pode pretender dar sua versão sobre o que foi falado a seu

respeito. (NUCCI, 2016, p. 264)

O ato de interrogar é a concretização efetiva do direito de audiência do réu, parte de

sua autodefesa, que é um desdobramento da ampla defesa. Deve o julgador assegurar que o

acusado possa ser ouvido, podendo o réu dispor desse direito, exercendo o silêncio,

constitucionalmente assegurado. Isso ocorre, porque a autodefesa é o núcleo renunciável do

direito de ampla defesa, enquanto a defesa técnica deve sempre garantida ao réu, sem

restrições. Alguns autores, como Guilherme Nucci, defendem que o interrogatório deveria ser

um ato facultativo, em razão do direito ao silêncio. Para tanto, alega:

Cremos ser muito mais adequado que o interrogatório deixe de ser ato processual

obrigatório, afinal, o réu tem direito ao silêncio, devendo comparecer se quiser

prestar declarações. O ideal, portanto, seria o interrogatório como ato facultativo, a

realizar-se a critério exclusivo da defesa, quando o acusado estivesse devidamente

identificado e não necessitasse ser qualificado diante do juiz. Nessa hipótese,

abrindo mão do direito ao silêncio, poderia oferecer os meios de prova e as teses que

entendesse cabíveis, contando com o questionamento das partes, embora por

intermédio do magistrado. (NUCCI, 2016, p. 255)

Como consectário à garantia de presença do réu e à audiência una, está o direito dele

assistir aos demais atos da instrução, de modo que possa tomar efetiva ciência de todo

arcabouço probatório produzido pela acusação. Esse direito – right to be present – pode ser

exercido diretamente pelo acusado presente na sala de audiências ou indiretamente, pelo

sistema tecnológico de videoconferência.

Fazendo parte da autodefesa, esse direito também é disponível ao réu, que pode deixar

de comparecer a audiência, caso não queira exercê-lo, devendo seu defensor realizar sua

defesa técnica. Contudo, caso não seja o acusado intimado para comparecer, seja ao

interrogatório, ou aos demais atos processuais, ou estando ele presente, mas lhe sendo negada

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30

a participação na audiência, deverá ser alegada e reconhecida a nulidade absoluta43

, por

violação expressa a lei constitucional44

e infraconstitucional.

A participação do réu durante a audiência somente pode ser restringida, se causar

temor ou sério constrangimento à testemunha ou à vítima45

, podendo comprometer a

veracidade do depoimento. Nesses casos, deverá ser procedida a oitiva por videoconferência,

ou, na impossibilidade, o acusado poderá ser retirado da sala de audiências, entretanto, seu

defensor obrigatoriamente deve participar do ato.

43

Art. 564, CPP. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...] III - por falta das fórmulas ou dos termos

seguintes: [...] e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos

concedidos à acusação e à defesa. 44

Art. 5º, inciso LV, CRFB. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 45

Art. 217, CPP. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério

constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a

inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu,

prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

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31

CAPÍTULO II

O INTERROGATÓRIO NOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

2 As modificações trazidas pela jurisprudência na localização do interrogatório

No procedimento comum ordinário e nas legislações especiais, não há uniformidade

sobre o momento de realização do interrogatório, de modo que os tribunais rotineiramente

estão enfrentando ações requerendo a aplicação do código de processo penal aos

procedimentos especiais, já que o direito à ampla defesa e ao contraditório é de todos os réus,

independentemente do procedimento a que se submetem.

As leis, que serão agora analisadas46

, foram editadas antes das modificações ocorridas

na legislação processual penal, estando assim, de acordo com o código à época de sua edição.

Todavia, com exceção do código de processo penal militar, todos os atos normativos

analisados são posteriores a constituição federal de 1988, e mesmo já estando vigente uma

série de garantias fundamentais, não foi observada a necessidade de se posicionar o

interrogatório como o último ato da instrução, sendo feita tal medida apenas na lei dos

juizados especiais criminais.

Deixando o legislador de observar a necessidade de interpretar o sistema processual de

apuração de um fato típico, ilícito e culpável, como um conjunto normativo, integrado entre

si, realizando mudanças necessárias apenas em algumas legislações, acabou por limitar o

alcance de garantias constitucionais, restringindo-as em alguns casos. Assim, os tribunais

superiores têm estendido os alcances das modificações ocorridas no código de processo penal,

em especial a alteração de seu artigo 400, aos procedimentos especiais. Neste capítulo, foram

analisados quais foram os fundamentos motivadores de tais decisões.

2.1 O interrogatório e o código de processo penal militar

O código de processo penal militar entrou em vigor sob a égide da Ditadura Civil-

Militar, no ano de 1969. Em 1988, foi promulgada a constituição federal, que consagrou o

estado democrático de direitos e, apesar do código processual militar ter sido recepcionado,

46

Análise feita apenas sobre o momento de realização do interrogatório.

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ainda mantém dispositivos incompatíveis com os ditames constitucionais, violando garantias

fundamentais.

O artigo 30247

de tal código, ao estipular que o acusado será ouvido antes das

testemunhas, limita o direito ao contraditório e a ampla defesa, já que o réu não poderá

conhecer de todo arcabouço probatório trazido pela acusação antes de se defender. Também

deixa de se submeter ao devido processo legal, já que presentes características de um sistema

inquisitivo, onde não há paridade de armas.

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da constituição, foi questionado por

diversas vezes sobre a mitigação de princípios e ditames constitucionais na aplicação do

código de processo penal militar, apresentando posições diferentes sobre o tema. Ora a corte

entendia que deve ser aplicado o artigo 400 do código de processo penal, que prevê a

audiência una e a oitiva do acusado ao fim da instrução, por ser norma mais benéfica:

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime militar. Peculato-furto. Artigo 303,

§ 2º, do Código Penal Militar. Nulidades. Reconhecimento pretendido. Paciente

indultado. Afastamento, em caráter excepcional, da Súmula nº 695 do Supremo

Tribunal Federal. Hipótese em que, além de subsistirem os efeitos secundários da

condenação, como a reincidência, o Superior Tribunal Militar, ao julgar a apelação

do paciente, rejeitou a mesma preliminar de nulidade do processo suscitada na

impetração. Inviabilidade de se relegar, para a revisão criminal, de competência da

mesma Corte, a rediscussão da matéria, uma vez que sobre ela já se manifestou, por

unanimidade. Necessidade de sua apreciação, desde logo, pelo Supremo Tribunal

Federal, sob pena de ofensa ao princípio da proteção judicial efetiva (art. 5º, XXXV,

CF). Óbice processual ao conhecimento da impetração afastado. Testemunhas.

Inquirição por carta precatória. Não apresentação de réu preso à audiência no juízo

deprecado. Nulidade inexistente. Defesa do paciente que, apesar de intimada do ato,

não requereu expressamente sua participação na audiência. Ausência de prejuízo,

uma vez que as testemunhas nada de substancial trouxeram para a apuração da

verdade processual. Presença do paciente no juízo deprecado que não teria o condão

de influir nos depoimentos nem de alterar o seu teor. Precedentes. Interrogatório.

Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às

ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei

nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69.

Precedentes. Nulidade absoluta. Prejuízo evidente. Subtração ao réu do direito

de, ao final da instrução, manifestar-se pessoalmente sobre a prova acusatória

desfavorável e de, no exercício do direito de audiência, influir na formação do

convencimento do julgador. Condenação. Anulação em sede de habeas corpus.

Indulto. Subsistência dos seus efeitos, na hipótese de nova condenação.

Impossibilidade de o writ agravar a situação jurídica do paciente. Vedação da

reformatio in pejus . Ordem concedida (grifei) (STF - HC nº 121.907/AM,

Primeira Turma, Min. Dias Toffoli, DJe de 24/10/14).

Ora o Supremo entendia que deveria ser aplicado o artigo 302 do código de processo

penal militar, em razão do princípio da especialidade:

47

Art. 302, CPPM. O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo

juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente à instrução criminal ou preso, antes de ouvidas as

testemunhas.

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Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Lei processual penal militar. Especialidade.

3. Interrogatório. Momento da realização. 4. Prevalece a norma processual penal

militar diante do regramento comum, alterado pela Lei 11.719/2008, haja vista

a previsão expressa existente na norma castrense. Precedentes. 5. Recurso

ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (grifei) (STF - RHC nº

123.473/BA, Segunda Turma - Min. Gilmar Mendes, DJe 06/11/14).

Diante da relevância da matéria, que envolve direitos e garantias constitucionais, e da

divergência48

que existia dentro da corte sobre a aplicação do artigo 400 do código de

processo penal aos processos sob competência da justiça militar, o relator do Habeas Corpus

127.900/AM, Ministro Dias Toffoli, encaminhou o julgamento da lide para plenário, onde foi

editada a seguinte ementa49

:

Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente

em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). [...]. Interrogatório.

Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às

ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº

11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes.

Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da

Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do

contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma

inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais

militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem

denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do

Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente

julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos

os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas

ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 1. [...] 2. [...] 3. Nulidade do

interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art.

302). 4. A Lei nº 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o

de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de

1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do

contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex

mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no

processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código

de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança

jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser

aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha

encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida

em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da

seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal

comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos

processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os

procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente

naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. (grifei) (STF - HC

127.900/AM. Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 03/8/2016.)

Após o julgamento, o Supremo também publicou seu entendimento através do

informativo nº 816, onde está disposto que: “a exigência de realização do interrogatório ao

48

Observa-se que as duas decisões divergentes acima citadas, foram proferidas numa distancia temporal de treze

dias entre elas, ressaltando o fato de que as turmas que compõe a corte estavam em grande divergência sobre o

tema. 49

Omitidos os pontos da ementa que tratam da competência da justiça militar, já que não fazem parte do objeto

de pesquisa.

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final da instrução criminal, conforme artigo do código de processo penal, é aplicável no

âmbito do processo penal militar” (STF, Informativo nº 816, p. 03). No documento, os

ministros discorrem que há precedentes nesse mesmo sentido em relação à Lei 8.038 de 1990,

e que tal interpretação é mais condizente com o contraditório e a ampla defesa (STF,

Informativo nº 816, p. 03).

De modo a preservar a segurança jurídica, que na visão dos ministros seria mais

importante que garantias constitucionais50

, através de ponderação de princípios, a corte

decidiu aplicar a tese fixada somente aos processos cuja instrução ainda não tivesse se

encerrado, mantendo-se assim, os interrogatórios que ocorreram como preconiza o processo

penal militar antes da decisão.

O Ministro Dias Toffoli afirmou durante seu voto que se não fosse observada a regra

insculpida no código de processo penal, a defesa teria evidentes prejuízos, já que o acusado

não poderia se manifestar pessoalmente sobre a prova acusatória coligida durante a instrução,

o que ele caracterizou como exercício do contraditório, nem poderia influir no convencimento

do julgador, o que seria para ele a ampla defesa. Assim, a constituição estaria sendo violada

diretamente em seu artigo 5º, inciso LV51

(STF, HC 127.900, p. 14).

O Ministro Marco Aurélio abriu divergência, acompanhado por Luís Roberto

Barroso52

e Teori Zavascki53

, afirmando que a controvérsia sobre a aplicação do artigo 400 do

código de processo penal aos processos militares deveria ser resolvida utilizando-se do

princípio da especialidade, alegando que a reforma ocorrida na legislação processual penal em

nada repercutiu no processo militar. (STF, HC 127.900, p. 16)

Em relação a tal argumento, o relator Toffoli destacou que a corte já tinha decidido em

outras ocasiões, mitigando o princípio da especialidade. Para tanto, citou ações penais de

competência originária do supremo tribunal federal54

, que deveriam ser regidas pela Lei nº

8.038 de 1990, mas nelas estavam tendo prevalências as normas contidas no código de

processo penal. Toffoli concluiu dizendo que em caso de colisão de norma especial com o

50

Como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. 51

Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 52

Afirmou também que não apoia a tese de que norma posterior benéfica deve beneficiar a todos, pois no caso se

trata de direito processual e não direito material. Sobre tal norma processual, o ministro não “considera tão

essencial” (STF, HC 127.900, p. 33). 53

Acrescentou em seu voto, que só se pode conceber a existência de um procedimento especial, se for diferente

do procedimento comum. (STF, HC 127.900, p. 29) 54

AP nº 679-QO/RJ, STF, DJe de 30/4/13; e a AP nº 441/SP, STF, DJe de 6/6/12.

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35

princípio superior, este deve preponderar, (STF, HC 127.900, p.14) já que sendo a norma

posterior benéfica, deve alcançar a todos (STF, HC 127.900, p.32).

O Ministro Edson Fachin não só acompanhou o relator, como destacou que a seu ver,

o artigo 302 do código de processo penal militar não foi recepcionado pela constituição

federal de 1988, já que vai a desencontro ao que assegura o texto, em relação ao contraditório

e a ampla defesa, garantidos a todos os litigantes em processos judiciais ou administrativos. O

ministro também aponta que há afronta direta ao princípio do devido processo legal55

(STF,

HC 127.900, p. 19-21).

Em seu voto, Fachin aduz que não há como preconizar que deve ser o interrogatório

realizado no processo militar como é no processo comum sem declarar a não recepção do

artigo 302 do código de processo penal militar, já que esse admite a aplicação subsidiária do

código de processo penal56

apenas em caso de omissão, o que não ocorre, já que há disposição

expressa na legislação. Dessa forma, defende o ministro que deve ser enfrentada a questão

que impõe em um rito específico, a realização do interrogatório antes da oitiva das

testemunhas, apontando que em uma interpretação evolutiva da constituição, “há

inconstitucionalidade em norma que subtraia do acusado seu direito de ser interrogado após as

testemunhas” (STF, HC 127.900, p. 21-26).

O Ministro Gilmar Mendes, acompanhou o relator, mas se demonstrou preocupado

com as consequências de uma declaração de inconstitucionalidade, que poderia gerar enorme

insegurança jurídica, e ensejar diversas revisões criminais. Assim, defendeu que houve uma

evolução das garantias constitucionais, o que não significa que essas não eram observadas

antes, tendo apenas uma nova amplitude (STF, HC 127.900, p. 36-38).

A partir desse posicionamento, o relator Toffoli, optou por modificar trechos de seu

voto, aduzindo que somente a partir da publicação do julgamento, o interrogatório deveria ser

feito como último ato da instrução (STF, HC 127.900, p. 40). A nova posição foi apoiada por

Gilmar Mendes, Rosa Weber, Celso de Mello, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski,

divergindo apenas o Ministro Marco Aurélio57

.

Celso de Mello apontou que é muito importante estender a aplicabilidade do artigo

400 do código de processo penal a quaisquer outros procedimentos especiais, de modo a dar

55

Art. 5, LIV, CRFB. Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. 56

Art. 3º, CPPM. Os casos omissos neste Código serão supridos: a) pela legislação de processo penal comum,

quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar. 57

Estavam ausentes na sessão os Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.

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máxima efetividade aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (STF,

HC 127.900, p. 57).

Apesar de ter sido fixada uma tese durante o julgamento, o Ministro vencido, Marco

Aurélio, continuou a aplicar o princípio da especialidade, mantendo-se a divergência dentro

da corte:

INTERROGATÓRIO – PROCESSO PENAL MILITAR – ESPECIALIDADE. Ante

a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal ao processo militar, impõe-se

observar a especialidade, ou seja, o interrogatório na fase prevista no Código de

Processo Penal Militar, não incidindo a norma geral.58

(STF - HABEAS CORPUS

128.179 AMAZONAS – PRIMEIRA TURMA - RELATOR: MIN. MARCO

AURÉLIO – Dje 02/05/2017).

Esse mesmo entendimento foi mantido pelo Ministro Marco Aurélio no ano de 2018,

como se verifica do teor da ementa abaixo:

HABEAS CORPUS – TÍTULO JUDICIAL – PRECLUSÃO. [...] CRIME

MILITAR – CONFIGURAÇÃO. [...] INTERROGATÓRIO – PROCESSO PENAL

MILITAR. O disposto no artigo 400 do Código de Processo Penal, sobre o momento

do interrogatório do acusado, não se aplica ao processo-crime militar, ante a

especialidade. (STF - HABEAS CORPUS 132.847 MATO GROSSO DO SUL –

PRIMEIRA TURMA - RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO – Dje 26/06/2018)

Os demais ministros do Supremo Tribunal Federal têm aplicado à orientação fixada no

HC n.º 127.900/AM:

EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM

AGRAVO. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ARTIGO 312 DO CÓDIGO

PENAL MILITAR. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 1 º, CAPUT, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ALEGAÇÃO DE OFENSA

AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO

DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. RITO PROCESSUAL.

INTERROGATÓRIO. JUSTIÇA MILITAR. INVERSÃO. APLICAÇÃO DO

ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEDENTE.

HABEAS CORPUS 127.900. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (grifei)

(STF - AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO

1.075.514 SÃO PAULO – PRIMEIRA TURMA – RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Dje 09/03/2018)

No mesmo sentido:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL

MILITAR. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.

58

O Ministro discorreu em seu voto que: “Embora o Supremo tenha precedentes no sentido de potencializar a

mudança na sequência dos atos processuais, deslocando o interrogatório para o final da instrução, promovida

pela Lei nº 11.719/2008, que alterou a redação do artigo 400 do Código de Processo Penal, para os processos

criminais da competência originária do Tribunal, considerado o julgamento, do qual não participei, do agravo

regimental na ação penal nº 528, relator o ministro Ricardo Lewandowski, em 24 de março de 2011, com

acórdão publicado no Diário da Justiça de 8 de junho imediato, não posso endossar essa orientação.” (STF, HC

132.847, p. 04).

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INTERROGATÓRIO. ATO FINAL DA INSTRUÇÃO. PRECEDENTE DO

PLENÁRIO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. [...] 2.

O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 127.900, Relator Ministro Dias

Toffoli, decidiu que “a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal

comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos

processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os

procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente

naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado”. Na oportunidade,

contudo, o Tribunal decidiu que esse novo entendimento somente deveria ser

aplicado após a publicação da respectiva ata de julgamento. 3. Inaplicabilidade dessa

nova orientação a interrogatório realizado em momento muito anterior à decisão do

Plenário do STF. 4. [...]. 5. [...] (grifei) (STF - EMB .DECL. NO RECURSO

ORDINÁRIO E M HABEAS CORPUS 129.772 PERNAMBUCO – PRIMEIRA

TURMA - RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO – DJe: 30/06/2017)

E ainda:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO

ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO

DO RITO PREVISTO NA LEI N. 11.719/2008, COM A REALIZAÇÃO DO

INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. ART. 302 DO CÓDIGO DE

PROCESSO PENAL MILITAR. NORMA ESPECIAL. PRINCÍPIO DA

ESPECIALIDADE. PEDIDO CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. ORDEM

DENEGADA. 1. A norma contida no art. 400 do Código de Processo Penal

comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos

processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os

procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente nas

ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 2. Orientação fixada pelo

Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 127.900/AM. 3.

Interrogatório realizado antes da publicação do precedente. 4. Ordem denegada.

(grifei) (STF - HABEAS CORPUS 132.078 DISTRITO FEDERAL – SEGUNDA

TURMA - RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA- DJe: 06/09/2016)

Com a mesma linha argumentativa em assegurar a segurança jurídica, o superior

tribunal de justiça vem aplicando o código de processo penal aos processos penais militares

cuja instrução não tenha ainda se encerrado, conforme se extrai do teor da seguinte ementa.

RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERROGATÓRIO REALIZADO NO

INÍCIO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ART. 302 DO CPPM. PRINCÍPIO DA

ESPECIALIDADE. PRETENDIDA APLICAÇÃO DO ART. 400 DO CPP.

TÉRMINO DA INSTRUÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO DO STF.

IMPOSSIBILIDADE. RECURSO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO. 1.

Esta Corte Superior de Justiça, seguindo a orientação da Suprema Corte,

firmada no julgamento do HC n.º 127.900/AM, realizado em 3/3/2016, passou a

aplicar o disposto no art. 400 do Código de Processo Penal ao processo penal

militar. Todavia, conforme entendimento firmado no referido julgado, a nova

regra deve ser aplicada somente aos processos penais militares com a instrução

ainda não encerrada. Precedentes. 2. No caso, não incide o disposto no art. 400

do Código de Processo Penal, tendo em vista que, em 3/2/2014, "foi realizada a

audiência de julgamento com a subsequente condenação do paciente pelos crimes do

art. 312 do CPM e peculato." 3. Recurso em habeas corpus desprovido. (grifei) (STJ

- RHC 48389/PB RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2014/0126912-0 - Ministro JOEL ILAN PACIORNIK - T5 - QUINTA TURMA-

DJe 06/10/2017)

Novamente se posicionou a corte cidadã:

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PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.

ROUBO MAJORADOE EXTORSÃO QUALIFICADA PRATICADOS POR

POLICIAIS MILITARES. AUDITORIAMILITAR. NULIDADE DAS

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

INTERROGATÓRIOS REALIZADOS NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO

CRIMINAL. ART. 302 DO CPPM. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.

PRETENDIDA APLICAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. TÉRMINO DA

INSTRUÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO DO STF. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE

CONHECIDO, E NESTA PARTE DESPROVIDO. I – [...] II - [...] III - A

jurisprudência desta Corte Superior havia se firmado no sentido de que se

aplica ao processo penal militar a norma especial contida no art. 302 do

CPPM, quanto à realização do interrogatório no início da instrução criminal

(precedentes59

). IV - Contudo, o eg. Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do HC n. 127.900/AM, em 3/3/2016, consignou que deve ser aplicada a norma

contida no art. 400 do CPP também ao processo penal militar, de modo que o

interrogatório do acusado seja feito no final da instrução. Tal orientação,

contudo, segundo o Pretório Excelso, aplica-se somente aos processos penais

militares cuja instrução não tenha ainda se encerrado, sob pena de ofensa ao

princípio da segurança jurídica, consubstanciado no art. 5º, inciso XXXVI, da

CF. V - No presente caso, os interrogatórios foram realizados em 24/3/2011, e

a r. sentença condenatória proferida em 2/5/2012. Desse modo, não se constata o

alegado constrangimento ilegal, uma vez que a nova orientação adotada pelo STF,

quanto à incidência do art. 400 do CPP aos processos militares, deve ser

observada a partir da publicação da ata do referido julgamento, em

11/3/2016 (precedentes). Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nesta parte,

desprovido. (grifei) (STJ - RHC 77695/RJ RECURSO ORDINARIO EM HABEAS

CORPUS 2016/0282200-0 - Ministro FELIX FISCHER - T5 - QUINTA TURMA -

DJe 11/04/2017)

A jurisprudência, majoritariamente, tem decidido que o interrogatório deve ser o

último ato da instrução nos processos de competência da justiça militar, por ser medida que

aplica de forma mais ampla o contraditório e a ampla defesa, além de garantir um devido

processo legal ao acusado por algum crime, contra o qual não milita nenhuma presunção de

culpabilidade. Apesar disso, ainda existem posições divergentes, de modo que, apenas uma

alteração legislativa, ou a criação de um posicionamento vinculante, considerando os

59

PROCESSO PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS. VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA EM

SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. PORTE DE ENTORPECENTES E CONCUSSÃO (ARTS.

290 E 305 DO CPM). PRISÃO EM FLAGRANTE. RELAXAMENTO. PLEITO PREJUDICADO. ALVARÁ

DE SOLTURA EXPEDIDO. INTERROGATÓRIO. MOMENTO PROCESSUAL. PRINCÍPIO DA

ESPECIALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. NÃO CONHECIMENTO. 1.

[...] 2. [...] 3. "Embora o caput do artigo 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.

11.719/2008, determine que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado, no caso de processo

penal militar, o interrogatório deve ser o primeiro ato da instrução, à luz do princípio da especialidade, visto que

as regras do procedimento comum ordinário só devem ser aplicadas ao procedimento especial quando nele

houver omissões ou lacunas, o que não é o caso (artigo 3º, CPPM)" (RHC 44.015/SP, Rel. Ministro ROGERIO

SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 15/09/2014). 4. Writ parcialmente

prejudicado e, no mais, não conhecido. (STJ - HC 298874/SP - HABEAS CORPUS 2014/0169437-7 - Ministra

MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - T6 - SEXTA TURMA - DJe 06/05/2015)

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precedentes existentes, poderiam assegurar aos acusados o máximo acesso ao direito de

defesa, possibilitando que sua manifestação seja feita apenas após toda colheita probatória.

2.2 O interrogatório e a lei de drogas

A lei 11.343 de 2006 definiu os crimes relacionados ao tráfico de drogas e deu outras

providências, inclusive processuais, a respeito da instrução probatória na apuração dos delitos

nela tipificados. Em seu artigo 5760

, a mencionada legislação fala sobre o interrogatório do

acusado, dispondo que será o ato inaugural da instrução, antes da inquirição das testemunhas.

Renato Lima observa que há precedentes nas cortes superiores para que o

interrogatório se realize antes da oitiva das testemunhas, já que o artigo 394, §2º61

do código

de processo penal, que dispõe sobre a aplicação do procedimento comum no julgamento de

todos os crimes, faz ressalvas em relação a existência de lei especial dispondo em sentido

diverso. Fundado no critério da especialidade, o autor defende a realização do interrogatório

como primeiro ato da instrução nos delitos tipificados pela lei 11.343 de 2006 (LIMA, 2016,

p. 899).

Eugenio Pacelli, citando os mesmos precedentes apresentados por Lima, defende a

aplicação da regra prevista no código de processo penal na lei de tóxicos, utilizando-se da

analogia, já que somente assim o réu poderia escolher a estratégia de autodefesa que melhor

represente seus interesses (PACELLI, 2017, p. 199).

Os três precedentes que Lima colaciona em seu manual são do ano de 2014, e após tais

julgamentos, o entendimento jurisprudencial começou a mudar. Antes do julgamento do HC

127.900/AM, nas duas últimas vezes que enfrentaram o tema, o supremo tribunal federal e o

superior tribunal de justiça, de fato vinham decidindo fundados no princípio da especialidade,

que o interrogatório deveria ser realizado como preconiza a lei de tóxicos:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.

PACIENTE PROCESSADA PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A

ÉGIDE DA LEI 11.343/2006. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO AO

FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ART. 400 DO CPP.

IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AUSÊNCIA DE

DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. I –

Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a

60

Art. 57, LD. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das

testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do

acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a

critério do juiz. 61

Art. 394, § 2o, CPP. Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário

deste Código ou de lei especial.

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40

égide da Lei 11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido

nos arts. 54 a 59 do referido diploma legal. II – O art. 57 da Lei de Drogas dispõe

que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas,

diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo Penal. III – [...] IV –

Recurso ordinário improvido. (grifei) (STF. 2ª Turma. HC 121953/MG, Rel. Min.

Ricardo Lewandowski, DJe 10/06/2014)

No sentido de que a alteração promovida pela Lei n. 11.719/2008 não alcança os

crimes descritos na Lei 11.343/2006:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS

CORPUS CONTRA DECISÃO LIMINAR DE MINISTRO DE TRIBUNAL

SUPERIOR. ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO STF. MOMENTO

PROCESSUAL DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. LEI DE

DROGAS. RITO PRÓPRIO. 1. [...] 2. A alteração promovida pela Lei n.

11.719/2008 não alcança os crimes descritos na Lei 11.343/2006, em razão da

existência de rito próprio normatizado neste diploma legislativo. 3. A

jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que as novas disposições do

Código de Processo Penal sobre o interrogatório não se aplicam a casos regidos

pela Lei das Drogas. Precedentes: ARE 823822 AgR, Relator(a): Min. GILMAR

MENDES, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014; HC 122229, Relator(a): Min.

RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/05/2014. 4. In casu,

a realização de interrogatório no início da instrução processual não enseja

constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, notadamente quando

ainda pendente de análise impetração na instância a quo. 4. Agravo regimental a que

se nega provimento. (grifei) (STF. 1ª Turma. HC 125094 AgR, Rel. Min. Luiz Fux,

DJe 10/02/2015)

Entendendo que no caso da Lei 11.343/2006 o interrogatório é realizado no limiar da

audiência de instrução e julgamento o superior tribunal de justiça passou a aplicar o

raciocínio62

.

HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.

CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. IMPETRAÇÃO

SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA

ELEITA. INTERROGATÓRIO. INÍCIO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E

JULGAMENTO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI 11.343/06.

ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA

NEGADA. FEITOS CRIMINAIS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME

INICIAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA. ANÁLISE PREJUDICADA. PENA DE

MULTA. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO. INADEQUAÇÃO DO HABEAS

CORPUS. AUSÊNCIA DE RISCO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. NÃO

62

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS.

PENAL. OITIVA DO RÉU ANTES DAS TESTEMUNHAS. LEGALIDADE. RITO ESPECIAL PREVISTO

NA LEI N.º 11.343/06. DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. FIXAÇÃO DO PATAMAR DE 1/3 DE

DIMINUIÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ART. 33, § 3.º, C.C. O ART. 59, AMBOS DO CÓDIGO

PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE

DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Segundo a regra contida no art. 394, § 2º, do Código de Processo Penal, o procedimento comum será

aplicado no julgamento de todos os crimes, salvo disposições em contrário do próprio Código de Processo

Penal ou de lei especial. Logo, se para o julgamento dos delitos disciplinados na Lei n.º 11.343/06 há rito

próprio, no qual o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento, é de se afastar o rito

ordinário em tais casos, em razão da especialidade. 2. [...]. 3. [...]. 4. [...]. 5. [...]. 6. [...]. (grifei) (STJ - AgRg

no REsp 1326507/SP – Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – Dje 03/09/2014)

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CONHECIMENTO. CONCESSÃO, DE OFÍCIO. 1. [...] 2. Ao contrário do que

ocorre no procedimento comum (ordinário, sumário e sumaríssimo), no

especial rito da Lei 11.343/2006, o interrogatório é realizado no limiar da

audiência de instrução e julgamento. 3. [...]. 4. [...]. 5. [...]. 6. [...]. (grifei) (STJ -

HC 297375/RS - Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – 6ª Turma –

Dje 17/12/2014)

Com a nova orientação trazida, advinda do debate ocorrido no HC 127.900/AM, que

se aplicou também a Lei de Drogas, houve uma virada jurisprudencial, que hoje se materializa

em um posicionamento majoritário:

Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de entorpecente em local

sujeito à administração militar (art. 290, CPM). Ação

penal. Interrogatório. Realização ao início da instrução (art. 302, CPPM). Nulidade.

Inexistência. Processo já sentenciado. Prevalência do princípio da segurança jurídica

(art. 5º, XXXVI, CF). Precedente. Persecução criminal. Denúncia anônima.

Deflagração de diligências preliminares. Admissibilidade. Precedentes. Laudo

pericial. Subscrição por um único perito. Admissibilidade. Inteligência do art. 318

do Código de Processo Penal Militar. Artigo 290 do Código Penal Militar.

Constitucionalidade. Norma penal em branco. Incidência da Portaria nº 344/98 da

Secretaria da Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde. Princípio da insignificância.

Inaplicabilidade. Precedente. Ordem denegada. 1. O Plenário do Supremo

Tribunal, no HC nº 127.900/AM, de minha relatoria, DJe de 3/8/16, fixou

orientação no sentido de que a realização do interrogatório ao final da

instrução criminal, prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, na

redação dada pela Lei nº 11.719/08, também se aplica às ações penais em

trâmite na Justiça Militar. 2. A Corte, após deliberar, em atenção ao princípio

da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), que aquela orientação se aplica, a

partir da publicação da ata de julgamento do HC nº 127.900/AM, a todos os

procedimentos penais regidos por legislação especial, determinou a sua

incidência apenas nas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 3. Na

espécie, como a sentença condenatória foi proferida em 22/7/14, não há que se

cogitar de anulação da ação penal para que o paciente seja submetido a

novo interrogatório. 4. [...] 5. [...] 6. [...] 7. [...] 8. [...] 9. [...] 10. [...] 11. [...]. (grifei)

(STF - HC 128894/RS – Min. Dias Toffoli – 2ª Turma- DJe 27-09-2016)

O superior tribunal de justiça vem seguindo a orientação fixada pela corte

constitucional:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO

INTERNACIONAL DE DROGAS. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO

ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO RITO PREVISTO NA

LEI 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA

DECISÃO PELO PRETÓRIO EXCELSO. INSTRUÇÃO PROCESSUAL

CONCLUÍDA ANTES DA MUDANÇA JURISPRUDENCIAL. PENA-BASE

FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEVADA QUANTIDADE DE

ENTORPECENTE APREENDIDO. AUMENTO PROPORCIONAL. CAUSA

ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. DEDICAÇÃO A

ATIVIDADES CRIMINOSAS. COMPROVAÇÃO. APLICAÇÃO INDEVIDA DA

MINORANTE. PLEITO INCIDÊNCIA DO PATAMAR MÁXIMO DE 2/3.

INVIABILIDADE. REGIME INICIAL FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA

DO CRIME. ELEVADA QUANTIDADE DO ESTUPEFACIENTE

APREENDIDO. MODO MAIS GRAVOSO JUSTIFICADO. SUBSTITUIÇÃO

POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENA DEFINITIVA SUPERIOR A 4

(QUATRO) ANOS. BENEFÍCIO OBJETIVAMENTE INVIÁVEL. 1. Esta Corte

Superior de Justiça possuía entendimento pacífico no sentido de que se a Lei

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42

11.343/2006 determina que o interrogatório do acusado será o primeiro ato da

audiência de instrução e julgamento, deve ser aplicada a legislação específica, pois

as regras do rito comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando

nele houver omissões ou lacunas. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do HC 127.900/AM, firmou a compreensão de que o artigo 400 da

Lei Penal Adjetiva deve ser observado nos procedimentos especiais, tese que,

em homenagem ao princípio da segurança jurídica, deve ser aplicada às

instruções processuais não encerradas a partir da data de publicação da ata de

julgamento. 3. Ainda que tal decisão seja desprovida de caráter vinculante, é

certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da

Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição

Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou

não com as disposições colocadas na Carta Magna, razão pela qual passou a ser

seguido por este Sodalício. 4. Na espécie, a instrução processual ocorreu antes da

publicação da ata do julgamento ocorrido no Pretório Excelso (11/3/2016), razão

pela qual deve ser mantido o entendimento prevalente nesta Corte Superior quando

da instrução e julgamento da ação penal (18/5/2010). 5. [...] 6. [...] 7. [...] 8. [...] 9.

[...] 10. [...] 11. [...] (grifei) (STJ - AgRg no REsp 1446504/SP – Min. Jorge Mussi –

5ª Turma – Dje 29/10/2018)

A corte cidadã, considerando a modulação dos efeitos da decisão tomada pelo

supremo tribunal federal, somente tem aplicado tal entendimento aos processos cuja instrução

criminal ainda não tenha se encerrado até a data da publicação do julgamento63

:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE

RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS.

NULIDADE. INVERSÃO DA ORDEM DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO

DA INSTRUÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL. ADOÇÃO DO RITO PREVISTO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL.

MATÉRIA JULGADA PELO STF. HC N. 127.900/AM. INTERROGATÓRIO

OCORRIDO APÓS 11/3/2016. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO EM

AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PAS DE

NULLITÉ SANS GRIEF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - [...] II -

Esta Corte Superior de Justiça, acompanhando o entendimento firmado pela

Suprema Corte no julgamento do habeas corpus n. 127.900/AM, de relatoria

do Ministro Dias Toffoli, firmou compreensão no sentido de que "o

rito processual para o interrogatório, previsto no art. 400 do CPP, deve ser

aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais, porquanto a Lei

11.719/2008, que deu nova redação ao art. 400 do CP, prepondera sobre as

disposições em sentido contrário previstas em lei especial, por se tratar de lei

posterior mais benéfica ao acusado" (HC 390.707/SC, Sexta Turma, Rel. Min.

Nefi Cordeiro, DJe 24/11/2017). III - Os efeitos da decisão foram modulados, para

se aplicar a nova compreensão somente aos processos cuja instrução criminal não

tenha se encerrado até a publicação da ata do julgamento do HC n. 127.900/AM

(11/3/2016), sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica, consubstanciado

no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. IV - In casu, embora a

audiência de instrução tenha ocorrido em 31/1/2017, e, na ocasião, o acusado

tenha sido interrogado antes da oitiva das testemunhas, é necessário, a fim de que

se reconheça a nulidade pela inversão da ordem de interrogatório, que a

impugnação tenha sido tempestiva, ou seja, na própria audiência em que o ato foi

realizado, sob pena de preclusão. Além disso, necessária a comprovação do

prejuízo que o réu teria sofrido com a citada inversão, o que não ocorreu no caso

concreto. Precedentes. V - Da leitura da ata de audiência (fl. 12), verifica-se

que o ora paciente estava acompanhado de Defensor Público, que não

questionou o fato de o acusado ser interrogado no início da assentada, tampouco há

comprovação de que a irresignação tenha sido apresentada nas alegações finais. VI -

63

Data de publicação: DJE 03/08/2016 - ATA Nº 106/2016. DJE nº 161, divulgado em 02/08/2016.

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43

A jurisprudência desta Corte de Justiça há muito se firmou no sentido de que a

declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o

princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 563 do CPP e no enunciado

n. 523 da Súmula do STF, o que não ocorreu na hipótese. Habeas corpus não

conhecido. (grifei) (STJ - HC 446528/SP – Min. Félix Fischer – 5ª Turma – Dje

11/09/2018).

É importante fazer a ressalva de que, algumas turmas criminais do superior tribunal de

justiça, como a quinta turma, tem entendido que para ser reconhecida a nulidade processual na

realização do interrogatório antes da oitiva das testemunhas, a alegação do prejuízo deve ser

feita tempestivamente em audiência, sob pena de ser atingida pela preclusão temporal64

.

Também deve ser comprovado o prejuízo que o réu teve com a inversão de sua oitiva, o que,

na visão do tribunal, pode ser demonstrado através da indicação de perguntas que poderiam

ser feitas se o interrogatório fosse realizado ao final da instrução.

Considerando os fundamentos utilizados pelo Ministro Edson Fachin durante o debate

ocorrido no bojo do HC 127.900/AM, a realização do interrogatório antes da oitiva das

testemunhas, seria por si só inconstitucional, pois afronta os princípios do contraditório e da

ampla defesa e do devido processo legal (STF, HC 127.900, p. 21-26). Assim, ao contrário do

que aduz o Superior Tribunal de Justiça, o prejuízo seria presumido, já que, considerando o

teor dos depoimentos apresentados pelas testemunhas, o acusado poderia optar por

permanecer em silêncio, oportunidade que não mais teria, já que o seu depoimento foi o ato

inaugural da instrução.

2.3 O interrogatório e o regimento interno dos tribunais superiores

A Lei 8.038 de 1990 institui normas procedimentais para os processos perante os

tribunais superiores. Em seu artigo 7º65

, o ato legislativo preconiza que assim que for recebida

a ação penal, o relator deverá designar dia e hora para que se proceda ao interrogatório.

O tema conflita diretamente com o disposto no artigo 400 do código de processo

penal, reconhecendo o Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto proferido na Ação Penal

528, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, que o tema é de altíssima

relevância, dado reflexo que possui sobre o direito constitucional à ampla defesa (STF, AP nº

528 AgR/DF, p. 05). Nessa ação, pela primeira vez a Corte enfrentou diretamente o tema,

64

Entendimento exarado no HC 446528/SP, já anteriormente transcrito, itens IV e V. 65

Art. 7º, LRITS. Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório,

mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o

assistente, se for o caso.

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44

tendo decidido pela aplicação do disposto no código de processo penal aos processos de sua

atribuição.

PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS

ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO

FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO

REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I. O art. 400 do Código de

Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o

interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II. Sendo tal

prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante

o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei

8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o

interrogatório já se ultimou. III. Interpretação sistemática e teleológica do direito.

IV. Agravo regimental a que se nega provimento. (grifei) (AP nº 528 AgR, rel. Min.

Ricardo Lewandowski, DJe 24/03/2011).

No bojo do supratranscrito julgamento, o relator, Ministro Ricardo Lewandowsi

aduziu que a realização do interrogatório como o último ato da instrução, após toda colheita

probatória, é medida mais benéfica a defesa, já que confere ao acusado a possibilidade de

“esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação

do conjunto probatório” (STF, AP nº 528 AgR/DF, p. 07).

O Ministro Ayres Britto trouxe um novo ponto de vista no discorrer de seu voto,

afirmando que como o interrogatório faz parte do direito de defesa do réu, pode ele escolher

em que momento o ato se realizará, decidindo entre o início da instrução e o final dela, de

acordo com o que melhor lhe aprouver (STF, AP nº 528 AgR/DF, p. 09).

O entendimento exarado durante o julgamento tornou-se dominante no Supremo

Tribunal Federal, já que os ministros harmonizaram a lei especial, não só com os princípios

constitucionais, mas também com o novo espírito legislativo, que foi consubstanciado na

mudança ocorrida no código de processo penal (STF, AP nº 528 AgR/DF, p. 10), conforme

ementas abaixo transcritas:

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO

PENAL ORIGINÁRIA DE CORTE SUPERIOR. RITO PROCESSUAL.

MOMENTO DO INTERROGATÓRIODO RÉU. ART. 6º, DA LEI 8.038/90.

INÍCIO DA INSTRUÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.

AFASTAMENTO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E

DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DA REGRA GERAL DO ART. 400, DO

CPP. INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. PROVIMENTO DO

RECURSO. 1. Conforme assentado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal

Federal, em 03.03.16, no julgamento do HC 127.900, Rel. Min. Dias Toffoli, deverá

ser aplicada a regra geral do artigo 400 do Código de Processo Penal a todas as

instruções processuais ainda não encerradas em procedimentos criminais especiais.

2. Em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, afasta-se

o princípio da especialidade para assegurar ao acusado que, mesmo no rito

processual de ação penal originária de Corte Superior, seja interrogado

somente após a oitiva das testemunhas. 3. Agravo regimental provido. (grifei)

(STF – AP 862 AgR/ RJ – Min. Edson Fachin – 1ª Turma – Dje 05-08-2016)

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45

AÇÃO PENAL. DEPUTADO FEDERAL. CRIMES DE FRAUDE À LICITAÇÃO,

PECULATO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INSTRUÇÃO PROCESSUAL:

OITIVAS DE TESTEMUNHAS EM PRIMEIRO LUGAR E

INTERROGATÓRIO DO ACUSADO AO FINAL. EXPEDIÇÃO DE CARTAS

DE ORDEM. (grifei) (STF – AP 914/AP – Min. Cármen Lúcia, DJe 29/06/2016)

O Superior Tribunal de Justiça também endossou o entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS

CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NA AÇÃO PENAL

ORIGINÁRIA. ATO A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVEL

REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. CONDENAÇÃO EFETIVADA. MEDIDA

INÓCUA PARA O DESLINDE DO PROCESSO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Em

conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o réu que

responde a ação penal originária tem direito de ser interrogado ao final da

instrução criminal, nos termos da novel redação dada ao art. 400 do Código de

Processo Penal, em detrimento ao que determina o artigo 7º da Lei n.º 8.038/90.

2. [...] 3. [...]. (grifei) (STJ - AgRg nos EDcl no HC 227816/SP, Min. Marco Aurélio

Bellizze, 5ª Turma, DJe 18/02/2013)

Celso de Mello, no bojo do HC 107.795/SP sustentou ainda que a previsão do código

de processo penal configura-se mais benéfica aos acusados, porque lhes é assegurada a

possibilidade de apresentar por escrito um contraditório prévio, invocando suas razões de

defesa, produzindo documentos e indicando testemunhas, sendo tal fase insuprimível, não se

consubstanciando em uma simples exigência legal, mas em uma indisponível garantia de

índole jurídico constitucional (STF, HC 107.795/SP, p. 03).

Segundo o Ministro, a observância de normas procedimentais, em especial quando

favoráveis aos acusados, são estimáveis garantias de liberdade, já que o processo configura

uma salvaguarda constitucional das liberdades individuais do réu, contra quem não há

nenhuma presunção de culpabilidade (STF, HC 107.795/SP, p. 05).

Não pode o processo se consubstanciar em um instrumento de arbítrio do estado,

representando tal consideração, para Celso de Mello “que a estrita observância da forma

processual representa garantia plena de liberdade e de respeito aos direitos e prerrogativas que

o ordenamento positivo confere a qualquer pessoa sob persecução penal” (STF, HC

107.795/SP, p. 06-07).

O Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento de que o artigo 400 do

código de processo penal se aplica em detrimento da Lei 8.038 de 1990, não utilizando o

princípio da especialidade. Ricardo Lewandowski assentou que o fato de haver norma

especial em sentido contrário, em nada influencia o posicionamento adotado. Para tanto, o

ministro justificou que a norma especial deve prevalecer sobre a geral apenas quando houver

alguma incompatibilidade manifesta entre elas, e nos demais casos, “considerando a sempre

necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar para que essas normas

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46

aparentemente antagônicas convivam harmonicamente” (STF, Ap. nº 528 AgR/DF, p.08).

Assim, no julgamento de ações penais de competência originária da Corte Constitucional, o

interrogatório deve ser o último ato instrutório.

2.4 O interrogatório e o código eleitoral

Da mesma forma que nas demais legislações especiais analisadas, o código eleitoral

estabelece em seu artigo 35966

que o interrogatório será o ato inaugural da instrução,

designado assim que a denúncia for recebida.

Conquanto, é importante realçar que na legislação eleitoral, não havia sequer previsão

para o interrogatório, sendo o supracitado artigo 359 inserido no Código Eleitoral pela Lei

10.732, de 2003. Antes dessa data, o réu não era ouvido, em nenhum momento processual, o

que se caracterizava como uma grande afronta aos direitos e garantias constitucionais e

evidente cerceamento de defesa.

A introdução do interrogatório no código eleitoral veio acompanhada de críticas feitas

por autores, já que esse foi posicionado na instrução como o primeiro ato a ser realizado.

Marcos Ramaya entende que os juízes eleitorais não deveriam designar data para

interrogatório assim que receberem a denúncia, mas determinar a citação para que os réus

possam oferecer adequadamente a resposta à acusação. Após, o julgador deve analisar se não

seria caso de absolvição sumária, e somente depois de proferir a decisão, poderia marcar data

para o interrogatório. O autor entende que assim a ampla defesa estará plenamente assegurada

ao acusado, já que poderá ser absolvido sumariamente (RAMAYA, 2012, p. 32).

Essa posição também deve ser combatida, já que garantir que o acusado possa ser

absolvido sumariamente, é sim medida de extrema importância, mas por si só, não efetiva a

ampla defesa. Além disso, deve-se lembrar de que junto com ampla defesa, está o

contraditório, consubstanciado na possibilidade do réu se manifestar sobre todos os fatos,

impugnando-os especificadamente, caso entenda ser viável. Somente com a realização do

interrogatório como último ato da instrução, amplia-se a defesa do acusado e assegura-se um

devido processo legal. O supremo tribunal federal tem entendido que as modificações trazidas

pela Lei 11.719 de 2008 no processo penal brasileiro, em especial no artigo 400, devem ser

aplicadas em matéria eleitoral:

66

Art. 359, CE. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado,

ordenando a citação deste e a notificação do Ministério Público.

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47

EMENTA Questão de ordem na ação penal. Processual Penal. Procedimento

instituído pela Lei nº 11.719/08, que alterou o Código de Processo Penal. Aplicação

em matéria eleitoral,em primeiro grau de jurisdição. Admissibilidade. Denúncia.

Recebimento, em primeira instância, antes da diplomação do réu como deputado

federal. Resposta à acusação. Competência do Supremo Tribunal Federal para

examinar eventuais nulidades nela suscitadas e a possibilidade de absolvição

sumária (art. 397, CPP), mesmo que o rito passe a ser o da Lei 8.038/90.

Precedentes. Crime eleitoral. Imputação a prefeito. Foro, por prerrogativa de função,

junto ao Tribunal Regional Eleitoral. Competência dessa Corte para supervisionar as

investigações. Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal. Apuração criminal em

primeiro grau de jurisdição, com indiciamento do prefeito. Inadmissibilidade.

Usurpação de competência caracterizada. Impossibilidade de os elementos colhidos

nesse inquérito servirem de substrato probatório válido para embasar a denúncia

contra o titular de prerrogativa de foro. Falta de justa causa para a ação penal (art.

395, III, CPP). Questão de ordem que se resolve pela concessão de habeas corpus,

de ofício, para extinguir a ação penal, por falta de justa causa. 1. O rito instituído

pela Lei nº 11.719/08, que alterou o Código de Processo Penal, aplica-se, no

primeiro grau de jurisdição, em matéria eleitoral. 2. [...] 3. [...] 4. [...] 5. [...] 6.

[...] 7. [...] (grifei) (STF - AP 933 QO/PB – Min. Dias Toffoli – 2ª Turma – DJe

02/02/2016)

Como a questão de ordem foi resolvida pelo plenário do supremo tribunal federal,

majoritariamente tem sido observada durante as decisões:

Ementa: AÇÃO PENAL. CRIME ELEITORAL. CONTROVÉRSIA A RESPEITO

DA IMPRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO DO

ACUSADO EM PROCESSO ELEITORAL QUE, APÓS A INSTRUÇÃO, FOI

REMETIDO A ESTA CORTE. EMENDATIO LIBELI APRESENTADA PELO

PARQUET EM ALEGAÇÕES FINAIS. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO

DO DENUNCIADO. QUESTÃO DE ORDEM. DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO

PELA REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO DO RÉU E PELA

OPORTUNIDADE DE DEFESA DIANTE DA EMENDATIO LIBELI. 1. Processo

criminal eleitoral submetido à jurisdição do Supremo Tribunal Federal.

Superveniência da Lei nº 10.732/2003 que alterou o artigo 359 do Código

Eleitoral e da Lei nº 11.719/2008 que deslocou para após a oitiva de testemunha

a realização do interrogatório do denunciado. Imprescindibilidade da realização

da audiência de interrogatório, embora o procedimento penal tenha obedecido o rito

previsto à época da vigência do artigo 359 do Código Eleitoral, na redação

originária. 2. Emendatio libeli apresentada pelo Ministério Público Federal em

alegações finais. Manifestação da defesa. 3. Questão de ordem resolvida pelo

Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido da realização da audiência

de interrogatório do denunciado e da indispensabilidade da intimação da defesa

para se manifestar a respeito da emendatio libeli apresentada pelo Parquet em

alegações finais. (grifei) (STF - AP 545 QO/MT – Min. Luiz Fux – Dje 05/02/13)

A corte constitucional, na tese fixada durante o julgamento do HC 127.900/AM,

mencionou especificadamente os processos penais eleitorais, já que não há legitimidade

constitucional na previsão trazida pelo código eleitoral, que inicialmente não estipulava a

realização do interrogatório, e depois passou a prevê-lo em momento inadequado. Nas ações

penais que apuram infrações eleitorais, atualmente, é observada a ordem da instrução trazida

pelo código de processo penal, podendo ser reconhecida nulidade no processo se tal norma for

violada.

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48

2.5 O interrogatório e a lei de licitações

A lei 8.666 de 1993, também preconiza que o interrogatório será o ato inaugural da

instrução. O artigo 10467

de tal comando normativo determina que a inquirição do acusado

ocorra antes mesmo do oferecimento da defesa escrita, violando assim, o contraditório e a

ampla defesa, impossibilitando o réu de oferecer, inclusive, o contraditório prévio.

Apesar disso, trazendo a lei de licitações um comando especial, deve seguir a

orientação fixada pelo supremo tribunal dederal no HC 127.900/AM. O superior tribunal de

justiça já enfrentou o tema, aplicando o entendimento dominante nas cortes:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO

MONOCRÁTICA DE RELATOR INDEFERITÓRIA DE LIMINAR.

FLAGRANTE ILEGALIDADE. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF.

CRIME TIPIFICADO NA LEI DE LICITAÇÕES (LEI N. 8.666/93). RITO

PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO DO RITO COMUM ORDINÁRIO.

INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. EFETIVIDADE DOS

PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ACÓRDÃO DO

PLENÁRIO DO STF. 1. [...] 2. Esta Corte Superior de Justiça já decidiu que,

"segundo regra contida no art. 394, § 2º, do Código de Processo Penal, o

procedimento comum será aplicado no julgamento de todos os crimes, salvo

disposições em contrário do próprio Código de Processo Penal ou de lei especial.

Logo, se para o julgamento dos delitos disciplinados na Lei n.º 8.666/1993 há

rito próprio, no qual o interrogatório inaugura a instrução probatória, é de se

afastar o rito ordinário em tais casos, em razão da especialidade" (RHC

40.514/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em

8/5/2014, DJe 16/5/2014) 3. No entanto, o plenário do Supremo Tribunal

Federal, no exame do HC n. 127.900/AM, julgado em 3/3/2016, de relatoria do

Ministro Dias Toffoli, assentou que "a norma inscrita no art. 400 do Código

de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do

presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais

eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial

incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha

encerrado". 4. Desse modo, a decisão plenária do STF deve ser observada

neste Superior Tribunal de Justiça (NCPC, art. 927, V, aplicável

subsidiariamente ao processo penal - CPP, art. 3º). 5. Habeas corpus não

conhecido. Ordem concedida de ofício para, ratificando a liminar deferida, alterar o

procedimento da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações) para o rito ordinário,

deslocando-se o interrogatório para o último ato da instrução. (grifei) (STJ - HC

376575 / PR - Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA – 5ª Turma - DJe

02/12/2016)

Durante suas decisões, a corte cidadã tem observado que não se aplica mais o critério

da especialidade na solução de tais demandas:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 90 DA LEI 8.666/90.

PRÉVIO WRIT. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. ÓBICE DA SÚMULA N.º

691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUPERAÇÃO. MOMENTO DO

INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. NOVO

67

Art. 104, LL. Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de

defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que

tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir.

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49

ENTENDIMENTO FIRMADO PELO PRETÓRIO EXCELSO NO BOJO DO HC

127.900/AM. ORDEM CONCEDIDA. 1. [...] 2. O Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do HC n. 127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no

art. 400 do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.719/08), à luz do sistema

constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O

interrogatório passa a ser sempre o último ato da instrução, mesmo nos

procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de

antinomias com arrimo no princípio da especialidade. Ressalvou-se, contudo,

a incidência da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não

tenha se encerrado até a publicação da ata daquele julgamento (11.03.2016). 3.

In casu, a instrução processual não se iniciou, mas há determinação do

magistrado a quo pela observância do rito especial da Lei nº 8.666/90, em

detrimento do art. 400 do Código de Processo Penal. De rigor, portanto, seja

adequado o procedimento às novas diretrizes impostas pelo Pretório Excelso. 4.

Ordem concedida. (grifei) (STJ - HC 39976 /RJ - Ministra MARIA THEREZA DE

ASSIS MOURA – 6ª Turma - DJe 15/08/2017)

Além disso, o superior tribunal de justiça entende que a aplicação do procedimento

ordinário confere maior amplitude de defesa ao acusado, sendo assim, mais benéfico a ele:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO

PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. CRIME CONTRA O PROCESSO LICITATÓRIO.

ALEGADA NULIDADE POR ADOÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. PRINCÍPIO

PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO

PREJUÍZO. PROCEDIMENTO MAIS BENÉFICO AO RÉU. AMPLA DEFESA

ASSEGURADA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. HABEAS CORPUS

NÃO CONHECIDO. 1. [...] 2. [...] 3. A adoção do procedimento ordinário

estabelecido no Código de Processo Penal, em detrimento do rito especial da

Lei n. 8.666/1993, confere ao réu maior amplitude no exercício de sua defesa

e do contraditório, portanto, mais benéfico ao réu. 4. No caso concreto, além

de não comprovado o alegado prejuízo, restou concretizado os ditames

estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, no julgamento do

HC n. 127.900/AM, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 3/3/2016, quanto à

realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o artigo 400 do

CPP, incidente em todos os procedimentos especiais, preponderante o princípio da

ampla defesa sobre o princípio da especialidade. 5.[...]. (grifei) (STJ - HC

282828/SP – Min. Ribeiro Dantas – 5ª Turma – Dje 14/08/2017)

Todos os procedimentos especiais analisados nesse capítulo dispõem da mesma

maneira, que o interrogatório deve ocorrer antes das oitivas de testemunhas e demais atos

probatórios. Em relação a todos eles, a jurisprudência dos tribunais superiores vem decidindo

em sentido diverso, entendendo que o interrogatório deve ser o último ato da instrução.

Como não há posicionamento vinculante sobre o tema, ainda há quem decida de

maneira oposta, prestigiando o princípio da especialidade. Esse posicionamento deve ser

combatido com veemência, já que por um critério hermenêutico, deixa-se de privilegiar

garantias constitucionais que devem sempre ser asseguradas aos acusados por infrações

penais, independentemente de qual rito instrutório se submetam.

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50

CAPÍTULO III

A OITIVA DOS ADOLESCENTES INFRATORES

3 A instrução processual na apuração de um ato infracional

No momento em que um imputável pratica uma infração penal, nasce à pretensão

punitiva estatal, com função retributiva (representando a efetiva punição) e preventiva (que

firma a atuação do direito penal, com a função de aplicar um mecanismo de intimidação à

sociedade e tem um viés reeducativo). No caso do adolescente, com a prática do ato

infracional, inicialmente, surge a pretensão educativa do estado68

, seguida de um fim

protetivo, que buscam educar e reeducar o adolescente, bem como aplicar uma sanção, com

caráter punitivo. (NUCCI, 2017, p. 396)

A ação socioeducativa inicia-se através de uma representação, ajuizada pelo membro

do Ministério Público, que vai culminar com a aplicação de uma medida socioeducativa, por

um magistrado, ou com a absolvição do adolescente. Na opinião de Válter Ishida, a medida

deve considerar a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias do fato e aquelas

em que vive o infrator. (ISHIDA, 2014, p. 281-282)

Contudo, antes mesmo de iniciada a ação socioeducativa, o adolescente será

apresentado ao Ministério Público69

, que informalmente, deverá ouvi-lo. Nucci questiona em

sua obra a necessidade dessa oitiva, já que o infrator acabou de ser inquirido em sede policial,

concluindo que só podem ser ouvidas vítimas e testemunhas, como em uma audiência una, se

o promotor de justiça entender que é caso de arquivamento dos autos ou aplicação de

68

“[...] Tratando-se de menor inimputável, não existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas

pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade

em geral, conforme disposto expressamente na legislação de regência (Lei 8.069/90, art. 4º) e na Constituição

Federal (art. 227). De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o efeito primordial das medidas

socioeducativas, mesmo que apresentem, eventualmente, características expiatórias (efeito secundário), pois o

indiscutível e indispensável caráter pedagógico é que justifica a aplicação das aludidas medidas, da forma como

previstas na legislação especial (Lei 8.069/90, arts. 112 a 125), que se destinam essencialmente à formação e

reeducação do adolescente infrator, também considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei 8.069/90, art.

6º), sujeito à proteção integral (Lei 8.069/90, art. 1º), por critério simplesmente etário (Lei 8.069/90, art. 2º,

caput). [...] (STJ, HC 146.641/SP, 5ª Turma, Min. Arnaldo Esteve Lima, DJe 15/12/2009) 69

Art. 179, ECA. Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do

auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com

informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo

possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas.

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remissão (NUCCI, 2017, p. 633). Para Ishida, essa oitiva tem natureza jurídica de

procedimento administrativo (ISHIDA, 2014, p. 444).

A oitiva informal não é condição de procedibilidade para o oferecimento da

representação, já que não há previsão legal nesse sentido. O contato direto do adolescente

com o promotor de justiça visa auxiliar seu convencimento para que este tenha certeza se deve

representar, conceder remissão ou requerer o arquivamento do procedimento. Como o ato é

informal, não deve ser reduzido a termo, o que poderia ser uma violação ao devido processo

legal, já que se caracterizaria como uma prova da acusação, e não há no ato, presença de

defesa técnica para o adolescente. Na prática forense, segundo Nucci, a formalização da oitiva

causa sérios prejuízos aos adolescentes, já que o teor do depoimento é valorado de tal modo

que não se coaduna com sua natureza, além de influenciar previamente o julgador (NUCCI,

2017, p. 633-634). Ainda sobre a oitiva informal, o autor aduz:

Está bem claro, nesta norma, que a oitiva informal do adolescente, seus pais ou

responsável e, eventualmente, vítima e testemunhas, existe tão somente para fim de

avaliar o perdão. Concedida a remissão, finaliza-se o caso. Do contrário, haverá

representação, ingressando o devido processo legal, com a indispensabilidade do

defensor. Ademais, tratando-se de ouvida informal (frise-se), o que fará o defensor

nesse ato? Conversará, informalmente, com o promotor? Absolutamente impróprio o

procedimento nesses parâmetros, pois as declarações não devem ser reduzidas a

termo. Descumprir a lei, em nossa ótica, não é dispensar a presença do advogado,

mas transformar o informal em formal, fazendo com que um encontro entre

promotor e adolescente se transfigure para uma audiência extrajudicial – ilógica e

incabível (NUCCI, 2017, p. 635-636).

Em contraponto, se manifestam Fuller, Dezem e Martins em relação a presença de

defensa técnica para o adolescente durante a oitiva informal:

A despeito da ausência de previsão legal específica, sustentamos a necessidade da

presença de advogado (constituído ou nomeado) na oitiva informal (art. 179, caput,

do ECA), com fundamento nos arts. 110, 111, III, 141 §1º, 206 e 207 do ECA,

notadamente porque a audiência do adolescente pode influenciar a formação da

convicção do órgão do Ministério Público (arquivamento, remissão ou

representação) (FULLER, DEZEM e MARTINS, 2013, p. 209).

A já mencionada remissão70

funciona como uma forma de exclusão do processo, e

deverá sempre considerar as circunstâncias, consequências do fato, contexto social, a

personalidade do adolescente e o seu grau de participação no ato infracional. A remissão é

uma espécie de clemência, não se exigindo nada em troca do beneficiário, tendo natureza

70

Art. 126, ECA. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do

Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às

circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua

maior ou menor participação no ato infracional.

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jurídica de perdão extrajudicial, já que impede o início da marcha processual (NUCCI, 2017,

p. 505). Sobre o tema, os autores Fuller, Dezem e Martins afirmam que:

Trata-se de mitigação do princípio da obrigatoriedade (pelo princípio da

oportunidade), na medida em que permite ao Ministério Público não oferecer a

representação (a denúncia do processo penal) e, portanto, não propor a ação

socioeducativa (a ação penal dos adultos) em face de ato infracional praticado por

adolescente (FULLER, DEZEM, MARTINS, 2013, p. 196).

Além da remissão ministerial, ela pode ser também concedida pelo juízo71

, o que

culminará, obrigatoriamente, com a suspensão ou extinção do processo, e poderá ser

concedida em qualquer fase procedimental72

, desde que antes da análise de mérito em

cognição exauriente. A natureza jurídica nessa hipótese é de perdão judicial, já que ocorre no

decorrer de um processo, devendo ser precedida de oitiva do titular da ação, ou seja, o

membro do Ministério Público. (NUCCI, 2017, p. 507)

A extinção processual irá ocorrer se a remissão for própria, isto é, se o perdão

concedido pelo julgador for incondicionado. Já a suspensão do processo se dará no caso de

remissão imprópria, quando há a aplicação de uma medida socioeducativa pela autoridade

judiciária, devendo ser de caráter sociopedagógico, para fins de reeducar e orientar o infrator,

excetuando-se as de semiliberdade e internação. Nucci discorda de tal disposição, já que há a

imposição de medida socioeducativa sem o devido processo legal. (NUCCI, 2017, p. 513).

A aplicação da remissão não gera consequências jurídicas negativas ao adolescente

que dela se beneficiar, independentemente se for concedida pelo juiz ou pelo promotor de

justiça, já que ao receber o benefício, o menor não é considerado responsável pelo fato, pois

não é submetido ao juízo de culpa. Assim, não há que se admitir a remissão como

configuradora de antecedentes criminais (NUCCI, 2017, p. 507).

Não sendo caso de arquivamento, nem de concessão de remissão pelo membro do

Ministério Público, esse deverá apresentar representação, onde conterá a narrativa do fato,

identificação dos autores, de modo que o infrator possa entender a imputação que lhe é feita e

possa rebatê-la pormenorizadamente. A lei não aborda o momento de recebimento da

representação, como se não existisse juízo de admissibilidade da inicial acusatória, mas esse

importante momento processual deve existir, sendo rejeitada a peça acusatória em casos de

inépcia, ausência de justa causa ou de qualquer outra condição da ação (NUCCI, 2017, p.

649).

71

Art. 126, Parágrafo único, ECA. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária

importará na suspensão ou extinção do processo. 72

Art. 188, ECA. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em

qualquer fase do procedimento, antes da sentença.

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Após o recebimento da representação, deve o julgador designar data para realização de

audiência de apresentação73

, e determinar a citação do adolescente – não sua notificação,

como aduz o texto legal.

Como não é aplicada uma pena ao final da instrução, mas sim uma medida

socioeducativa, a apuração do fato não deve ser feita a revelia do adolescente, já que o

objetivo principal é educar, ou reeducar o menor. Assim, ao contrário do que ocorre na

apuração de infrações penais, enquanto o acusado tem o direito de comparecer ao ato, durante

a análise de atos infracionais análogos, o adolescente tem o dever de estar presente, sendo

possível a expedição de mandado de busca e apreensão74

, caso ele não seja localizado, e

condução coercitiva75

em caso de não comparecimento.

A audiência de apresentação é o momento onde se procederá a oitiva do adolescente,

bem como de seus responsáveis legais76

. Essa oitiva funciona como o interrogatório e o

infrator deve, obrigatoriamente, ter a oportunidade de conversar previamente com seu

defensor, nomeado ou constituído, antes de ser inquirido, sob pena de violar o princípio da

ampla defesa. Além disso, ele deve ser cientificado sobre seu direito constitucional ao

silêncio.

A oitiva do adolescente é divida em três atos, sendo eles a qualificação, a

individualização e o mérito. Primeiramente, são colhidos os dados pessoais do adolescente,

logo após, são questionados temas relativos a sua vida familiar, social e estudantil, e por fim,

lhe são feitas perguntas sobre os fatos em apuração, ocasião em que ele pode permanecer em

silêncio. Os responsáveis pelo menor também são protegidos pelo direito ao silêncio, não

sendo obrigados a falar qualquer coisa que entendam ser prejudicial a defesa de seus pupilos

(NUCCI, 2017, p. 658).

Caso o adolescente confesse a prática delitiva, não pode haver desistência das demais

provas, conforme já pacificado no Superior Tribunal de Justiça, que editou, inclusive, um

verbete sumular77

para assentar o tema. A desistência das demais provas por conta da

73

Art. 184, ECA. Oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do

adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação, observado o disposto no

art. 108 e parágrafo. 74

Art. 184, § 3º, ECA. Não sendo localizado o adolescente, a autoridade judiciária expedirá mandado de busca e

apreensão, determinando o sobrestamento do feito, até a efetiva apresentação. 75

Art. 187, ECA. Se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente à audiência de

apresentação, a autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva. 76

Art. 186, ECA. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à

oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado. 77

Súmula nº 342: “No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras

provas em face da confissão do adolescente.”

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confissão do adolescente demonstra outro prejuízo e afronta aos direitos constitucionais

ocorridos quando sua oitiva é o primeiro ato da instrução, já que a acusação sequer buscava

demonstrar a prática do ato com outras provas processuais. É importante lembrar, que a

confissão deve ser confrontada com o arcabouço probatório, de modo a avaliar sua

autenticidade e confiabilidade.

Realizada a audiência de apresentação, é aberto o prazo de três dias para que o

adolescente, através de sua defesa técnica, apresente sua defesa preliminar, bem como junte o

rol de testemunhas78

. O menor infrator, nesse rito, perde outra oportunidade de defesa, já que

antes de sua oitiva, não há análise do chamado contraditório prévio, uma vez que as razões

preliminares de defesa são ofertadas após a audiência de apresentação. Sobre o contraditório

prévio, vale lembrar que o Ministro Celso de Mello a conceitua como uma “indisponível

garantia de índole jurídico constitucional” (STF, HC 107.795/SP, p. 03).

A audiência de instrução e julgamento, na apuração de um ato infracional é conhecida

como audiência em continuação, e concentra todos os demais atos processuais. São ouvidas as

vítimas, as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, são procedidas as juntadas de

laudos e estudos sociais, ou outras provas que tenham sido requeridas e deferidas. Após toda

colheita probatória, iniciam-se os debates orais79

, sendo veementemente evitada a ideia de

substitui-los por memoriais, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente preza pela

celeridade na tramitação do processo. Realizados os debates orais, o julgador profere a

decisão meritória do caso (NUCCI, 2017, p. 660).

No tocante a celeridade no Estatuto da Criança e do Adolescente, Bianca Moraes aduz

que em observância ao princípio constitucional da prioridade absoluta, e em razão “da

premência de resposta estatal a conduta infracional, a qual se tornará inócua acaso

ultrapassada a etapa da permeabilidade do adolescente à ingerência educacional” (MORAES,

2017, p. 1.156), os aplicadores do direito devem zelar pelo cumprimento dos prazos previstos

na legislação, em especial quando o adolescente se encontrar privado de sua liberdade

(MORAES, 2017, p. 1.156).

78

Art. 186, § 3º, ECA. O advogado constituído ou o defensor nomeado, no prazo de três dias contado da

audiência de apresentação, oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas. 79

Art. 186, § 4º, ECA. Na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação e na

defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a palavra ao

representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um,

prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida proferirá decisão.

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O sistema recursal utilizado é o previsto no código de processo civil80

, cabendo

apelação da sentença proferida pelo magistrado. O adolescente deve ser pessoalmente

intimado da decisão que determine a aplicação das medidas socioeducativas de internação e

semiliberdade, oportunidade em que deve manifestar o desejo ou não de recorrer. No caso das

demais medidas, a ciência lhe será dada através de sua defesa técnica81

.

Quando o adolescente é absolvido, sendo julgada improcedente a representação, deve

ser apontado pelo julgador algum dos incisos previstos no artigo 18982

do estatuto da criança

e do adolescente. O termo absolvição não aparece em tal texto legislativo, já que é uma

contraposição a condenação, o que não ocorre no âmbito da legislação menorista, uma vez

que a instrução culmina com a aplicação de uma medida socioeducativa e não de uma pena.

O artigo 189, ao mencionar que não será aplicada qualquer medida ao adolescente,

segundo Bruna Moraes, se refere a medidas socioeducativas, já que pode o magistrado aplicar

medidas de proteção, caso o menor esteja em uma das hipóteses do artigo 98 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, de modo a resguardar de forma adequada seus interesses

(MORAES, 2017, p. 1.155). Além disso, a decisão que absolve o adolescente, deve

determinar que ele seja de imediato colocado em liberdade, nos casos em que estiver

cumprindo medida provisória.

Apesar de ser o estatuto da criança e do adolescente pautado na celeridade durante a

resolução das demandas, a cisão da instrução em dois atos principais – audiência de

apresentação e de continuação – não privilegia tal princípio. O fato dos adolescentes serem

ouvidos como ato inaugural da instrução, também retira deles a possibilidade de analisar com

maior cautela a utilização do direito ao silêncio como um mecanismo de defesa, bem como

não os permite rebater os pontos trazidos pelas demais testemunhas, já que os desconhecem.

Por fim, a não apresentação de um contraditório prévio antes de sua manifestação oral, subtrai

do infrator a possibilidade de não ser submetido a uma instrução, o que não ocorre com os

imputáveis, que são citados para apresentarem sua defesa escrita, e após esta ser analisada, é

80

Art. 198, ECA. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à

execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973

(Código de Processo Civil), [...] 81

Art. 190, ECA. A intimação da sentença que aplicar medida de internação ou regime de semi-liberdade será

feita: I - ao adolescente e ao seu defensor; II - quando não for encontrado o adolescente, a seus pais ou

responsável, sem prejuízo do defensor. § 1º Sendo outra a medida aplicada, a intimação far-se-á unicamente na

pessoa do defensor. § 2º Recaindo a intimação na pessoa do adolescente, deverá este manifestar se deseja ou não

recorrer da sentença. 82

Art. 189, ECA. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: I -

estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato ato

infracional; IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.

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que são interrogados, em não sendo possível a absolvição sumária. Necessário é, neste

contexto, verificar como a instrução ocorre no cotidiano forense, de modo a aferir se o

procedimento é cumprido da forma preconizada na legislação, ou se os magistrados têm

privilegiado as garantias constitucionais vigentes.

3.1 O interrogatório na apuração de atos infracionais na Comarca de Macaé

No dia nove de novembro de 2018, foi realizada uma entrevista83

com a juíza titular da

2ª Vara de Família, da Infância e Juventude e do Idoso da Comarca de Macaé que trabalha no

local há três anos e meio, onde lida diariamente com adolescentes em conflito com a lei e em

situação de abandono social.

Ao ser questionada sobre como ocorre a instrução na apuração de um ato infracional

em seu âmbito de atuação, Ingrid Carvalho de Vasconcellos afirmou que, em regra os

interrogatórios eram realizados como primeiro ato da instrução, da forma como preconiza o

estatuto da criança e do adolescente, não tendo nenhum problema com essa ordem, já que

nenhuma defesa técnica havia alegado prejuízo.

Em uma única vez, uma defensora pública afirmou que o fato de o adolescente ter

dado sua versão dos fatos antes das demais testemunhas, o havia prejudicado, já que não pôde

confrontar os pontos trazidos por elas. Assim, a magistrada possibilitou que fosse realizado

um novo interrogatório do menor, mas a defesa recuou, já que o adolescente apresentaria uma

versão diferente da que tinha contado em seu interrogatório realizado na audiência de

apresentação.

A tese defensiva apresentada nessa audiência levou a entrevistada a pesquisar mais

profundamente sobre o tema, e apesar de não encontrar muitas coisas específicas sobre o

estatuto da criança e do adolescente, verificou que nas demais legislações especiais, existia

uma divergência, mas a corrente majoritária vinha entendendo que a realização do

interrogatório como primeiro ato, prejudicaria o réu. Dessa forma, há cerca de seis meses, na

Vara de Infância e Juventude de Macaé, os interrogatórios dos adolescentes são realizados

como último ato da instrução, pois, no entendimento da julgadora, se há prejuízo para o réu,

assim também haverá para o adolescente.

Conquanto, a mudança não foi feita de forma absoluta em todos os procedimentos. Ao

receber a representação, a magistrada informou que faz uma análise cautelosa, se não será

83

Optou-se por extrair os principais argumentos apresentados pela entrevistada e, a partir destes, construir a

narrativa do diálogo para destacar os procedimentos adotados por ela, durante o julgamento infracional.

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caso de aplicação de remissão. Para tanto, analisa o tipo penal e a folha de antecedentes

infracionais do adolescente. Sendo o ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça

à pessoa, e em se tratando de primeira passagem delitiva do adolescente, é mantida a ordem

prevista na legislação menorista, designando audiência de apresentação, já que há

possibilidade de ser ofertada ao adolescente a remissão condicionada, com a suspensão do

feito.

Nos casos em que é designada audiência de apresentação, além da oitiva do

responsável legal do adolescente, é feito seu interrogatório. A juíza o inicia pela qualificação,

onde faz os seguintes questionamentos: qual a idade, local onde estuda, se ainda estuda, em

qual série está, com quem mora, qual a relação com as pais (pois muitas vezes estão mortos

ou presos), se visita os pais com frequência, qual sua estrutura familiar, se tem filhos, se já

morou em outro lugar e se já cometeu outro ato infracional em outro estado. Após, o

adolescente é questionado sobre os fatos em apuração. Se há suporte familiar, é concedida

remissão condicionada ao cumprimento de algumas condições, que são verificadas por órgãos

de apoio.

Quando ocorre o descumprimento das condições impostas na audiência, a marcha

processual é retomada, sendo designada audiência de continuação, para oitiva das demais

testemunhas. O adolescente não é ouvido novamente, a não ser que a defesa faça

requerimento nesse sentido, já que a magistrada informou que nunca indeferiu esse tipo de

pleito.

Na opinião da entrevistada, a inversão sem uma análise concreta do caso, causaria

mais prejuízos do que benefícios ao adolescente, já que o impossibilitaria de receber a

remissão.

Após seis meses em que realiza a oitiva do adolescente como último ato da instrução,

a magistrada esclareceu que nada mudou em relação a teses defensivas, já que os adolescentes

com quem lida, não costumam impugnar diretamente a versão apresentada pelas demais

testemunhas, trazendo uma história pronta e já estruturada, onde não mencionam os

argumentos da acusação. A única manifestação em relação ao depoimento das demais

testemunhas, notada pela magistrada, é a de resmungos durante o depoimento, e feições de

indignação, como se a versão trazida por elas, fosse sempre uma inverdade, da qual eles

buscam tirar a credibilidade.

As versões apresentadas pelos adolescentes, basicamente se dividem em três tipos,

segundo a julgadora, havendo os que confessam diretamente a autoria delitiva, os que

aparentam sentir muito medo e preferem ficar em silêncio e os que trazem versões prontas,

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que normalmente não se coadunam com as demais provas dos autos e apresentam diversas

incongruências em si próprias.

Sobre a possibilidade dos adolescentes avaliarem a necessidade de permanecerem em

silêncio, que só poderia ser feita de forma mais adequada, após conhecerem todo o contexto

probatório apresentado pela acusação, a entrevistada reafirmou que não vê prejuízos na

realização do interrogatório como primeiro ato, já que pela prática, pode perceber que os

adolescentes não fazem a ponderação sobre ser melhor ficar em silêncio ou não. Inclusive,

pontuou que diversas vezes, a defensora pública que atua na vara, aconselha os adolescentes a

ficarem em silêncio, mas quando eles já têm sua versão pronta, não seguem a orientação de

sua própria defesa técnica.

Como não via prejuízos na realização da oitiva como ato inaugural, Ingrid esclareceu

que a inversão também ocorreu pela maior praticidade do ato, já que com a realização de uma

audiência una, a prolação de uma sentença seria mais rápida, de modo a resguardar os prazos

previstos no estatuto da criança e do adolescente, que são curtos, já que a lei preza pela

celeridade processual. Tal fato aliou-se a crise estatal pela qual passa o estado do Rio de

Janeiro, já que em algumas ocasiões os adolescentes não eram trazidos para audiência por

falta de gasolina no carro de transporte. Se tudo fosse realizado em uma só vez, haveria maior

celeridade processual, economia nos gastos com transporte, e ainda seria privilegiado o

contraditório e a ampla defesa, apesar de, esse último fator, ter sido o de menor influência na

decisão pela inversão, já que na prática, nada mudou em relação aos depoimentos prestados

pelos adolescentes.

Durante a entrevista, a magistrada informou que faz uma pesquisa informal, já que

também cuida dos adolescentes em situação de risco social e abandono, e esclareceu que de

forma quase imutável a evasão escolar antecede a prática do ato infracional. Também

ressaltou que na comarca de Macaé, os infratores não são em sua maioria negros, não havendo

um padrão na cor de pele dos adolescentes.

No tocante a pequena quantidade de decisões judiciais sobre o tema, nos tribunais

superiores, a juíza destacou que quando é oficiada para prestar informações aos tribunais, na

maioria dos casos, a situação fática do adolescente já é completamente diferente, razão pela

qual, a discussão perde o objeto e não é analisada.

Por fim, a juíza entrevistada reafirmou que não acha que há prejuízo na realização do

interrogatório como primeiro ato da instrução, não havendo nenhuma inconstitucionalidade

em tal previsão, mas, ciente de que há posicionamento diverso, pondera as situações,

analisando caso a caso, e apesar de ser a competente para tomar a decisão, analisa o

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59

posicionamento em conjunto com o membro do ministério público e com a defesa do

adolescente.

3.2 A necessidade de uma releitura da oitiva do adolescente infrator

O estatuto da criança e do adolescente preconiza que sendo oferecida a representação,

será designada data para oitiva do adolescente, ou seja, seu interrogatório, realizado durante a

audiência de apresentação. O menor em conflito com a lei apresenta ao julgador sua versão

dos fatos antes mesmo de ter completa ciência das provas que existem contra ele.

O superior tribunal de justiça decidiu que em se tratando de adolescente infrator, deve

ser realizado o interrogatório tal qual preconiza o estatuto da criança e do adolescente, por ser

norma especial:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS.

IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE

DA VIA ELEITA. ALEGADA AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO DO

DIREITO AO SILÊNCIO, INTERROGATÓRIO ANTERIOR À OITIVA

DAS TESTEMUNHAS E AUSÊNCIA DO MEMBRO DO PARQUET NA

AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. NULIDADES NÃO CONFIGURADAS.

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. APLICADA. ATOS

INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE

DROGAS E RESPECTIVA ASSOCIAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DAS

HIPÓTESES DO ARTIGO 122 DO ALUDIDO ESTATUTO. FLAGRANTE

ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE

OFÍCIO. 1. [...] 2. [...] 3. "O art. 184 do ECA reza que, oferecida a

representação, a autoridade judiciária há de designar audiência especialmente

para a apresentação do adolescente. Trata-se de norma especial, a par

daquela geral insculpida no art. 400 do Código Penal. Assim, não há que se

falar em nulidade no que tange à alegada oitiva dos adolescentes antes do

depoimento das testemunhas."(HC 295.176/SP, Rel. Ministro Felix Fischer,

Quinta Turma, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015). 4. [...] 5. [...]. (grifei) (STJ

- HC 348104/SP, Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma – Dje 15/042016).

Pautada nesse entendimento, a corte cidadã não reconheceu a nulidade na realização

da oitiva dos adolescentes antes das demais testemunhas:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS

SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ATOS

INFRACIONAIS EQUIPARADOS AOS DELITOS DE TRÁFICO ILÍCITO DE

ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGADA

AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO,

INTERROGATÓRIO ANTERIOR À OITIVA DAS TESTEMUNHAS E

INEXISTÊNCIA DE RELATÓRIO POLIDIMENSIONAL. NULIDADES NÃO

CONFIGURADAS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.

REITERAÇÃO NO COMETIMENTO DE ATOS INFRACIONAIS GRAVES.

ART. 122, II, DO ECA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I – [...] II – [...]

III – [...] IV - O art. 184 do ECA reza que, oferecida a representação, a

autoridade judiciária há de designar audiência especialmente para a

apresentação do adolescente. Trata-se de norma especial, a par daquela geral

insculpida no art. 400 do Código Penal. Assim, não há que se falar em nulidade

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no que tange à alegada oitiva dos adolescentes antes do depoimento das

testemunhas. V- [...] VI – [...] (grifei) (STJ - HC 295176/SP – Min. Felix Fischer –

5ª Turma – DJe 11/06/2015).

Ao se manifestar nesse sentido, durante os acórdãos, a corte cidadã demonstra

instabilidade em seu posicionamento, já que, conforme analisado e demonstrado no segundo

capítulo deste trabalho, o princípio da especialidade foi mitigado em diversas legislações

especiais, para que pudesse prevalecer o contraditório, a ampla defesa e o devido processo

legal, com a aplicação da legislação geral, por ser a mais benéfica aos acusados de uma

infração penal.

Se existe tratamento considerado mais adequado aos imputáveis, não há razões

concretas para não aplicá-lo aos inimputáveis, sabendo-se, ainda mais, que os adolescentes

não podem se submeter a tratamento mais gravoso que os adultos, conforme disposto na Lei

do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase –, no inciso I de seu artigo 35:

“legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido

ao adulto”.

Não se pode afastar a aplicação da regra prevista no código de processo penal ao

adolescente, fundado no critério da especialidade, já que esse foi mitigado em casos

semelhantes pelas cortes. Todavia, o único argumento que ainda com muitas ressalvas, pode

ser admitido para autorizar a aplicação do preconizado na legislação menorista, foi o utilizado

pela magistrada da Comarca de Macaé, qual seja, a possibilidade da aplicação de remissão, o

que também é defendido por Válter Ishida:

Na audiência de apresentação, o adolescente infrator é ouvido, devendo, na medida

do possível, obedecer às regras processuais penais, como o direito do réu entrevistar

reservadamente com seu defensor, a possibilidade de manter-se em silêncio e hoje,

por exceção, a possibilidade de realização por videoconferência (art. 185 do CPP

com a redação dada pela Lei nº 11.900/90). Com a reforma processual penal,

institucionalizou-se o interrogatório como meio de defesa, realizando-se como

último ato da instrução. Questão é de sua aplicabilidade no procedimento menorista.

Entendemos que não se aplica por ser o procedimento menorista especial e repleto

de peculiaridades. Com efeito, nota-se a imprescindibilidade da oitiva do

adolescente ser ato inicial em razão da possibilidade do § 1º do art. 186. Nesse caso,

procedida a oitiva, é possível a concessão da remissão judicial. Assim,

imprescindível que a oitiva seja feita no início e não ao final (ISHIDA, 2014, p.

462).

A remissão judicial, como visto no início deste capítulo, é uma espécie de perdão

concedido ao adolescente infrator, podendo ser condicionada, quando impõe o cumprimento

de algumas medidas, ou incondicionada. Ao aplicar a remissão, o julgador deve analisar os

requisitos previstos no artigo 126 do estatuto da criança e do adolescente, que são altamente

subjetivos, decidindo assim, de modo discricionário (NUCCI, 2017, p. 658).

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61

Os critérios previstos na legislação, em muito se assemelham aos previstos no artigo

59 do código penal, utilizados para individualizar a pena dos imputáveis. A legislação

especial preconiza que devem ser analisadas as circunstâncias do caso, que são, segundo

Nucci “os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo básico, que fornecem o

suporte para a conceituação de ato infracional” (NUCCI, 2017, p. 505), ou seja, tudo o que

volteia o tipo penal, de forma negativa ou positiva, deve ser observado ao conceder o perdão.

O segundo critério legislativo são as consequências do ato infracional, que devem ser

pontuadas quando o resultado causado vai além do comum para o fato em análise, sendo

atípico no contexto delituoso, podendo também ser vistas como uma consequência

extraordinária.

Deve ser considerado, ainda, o contexto social vivenciado pelo adolescente, o que

equivale à conduta social na análise da pena de maiores de dezoito anos, só que com maior

amplitude, já que se analisa todo o conjunto fático vivenciado pelo menor, considerando

também sua família, amigos, ambiente de moradia, e de que modo eles influenciam na vida do

infrator.

A personalidade do adolescente é observada antes de se aplicar a remissão. Nucci a

conceitua como:

Um conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada e parte

adquirida, [...] sendo fundamental verificar o meio e as condições onde o jovem

vive, pois o bem-nascido, sem ter experimentado privações de ordem econômica ou

abandono familiar, quando tendo ao ato infracional, deve ser mais severamente

criticado do que o miserável que tenha praticado a conduta para garantir sua

sobrevivência. Por outro lado, a personalidade não é algo estático, mas encontra-se

em constante mutação. Estímulos e traumas de toda ordem agem sobre ela (NUCCI,

2017, p. 506).

Se mais de um adolescente praticou o ato infracional, ou o fez em conjunto com um

adulto, deve ser verificado o grau de participação do menor na empreitada delituosa, se foi

coautor ou partícipe, isto é, se praticou o verbo núcleo do tipo ou se apenas auxiliou o

executor.

Todos esses fatores devem ser observados pelo magistrado antes de conceder a

remissão, como preconiza a legislação. A depender da análise aberta feita pelo julgador, e das

condições do caso, ele pode aplicar medidas socioeducativas, como a liberdade assistida, a

prestação de serviços à comunidade, a obrigação de reparar o dano, a advertência, e qualquer

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uma das medidas previstas no artigo 101, incisos I a IV84

do estatuto, o que inclui a matrícula

e frequência obrigatórios em estabelecimento oficial de ensino. Em sendo imposta alguma

condição ao adolescente, se estará diante da remissão imprópria.

Nucci defende que não deve haver remissão imprópria, não devendo o adolescente

obedecer a condições para receber o perdão, conceituando tal medida como inconstitucional,

entendimento do qual se compartilha. Para o autor, não se pode constranger o menor a

cumprir determinadas condições, sem lhe ser concedida a oportunidade de se defender

amplamente sobre os fatos (NUCCI, 2017, p. 508).

A despeito da previsão do artigo 126 do estatuto da criança e do adolescente, que

admite a aplicação de remissão pelo Ministério Público, após amplo debate jurisprudencial,

foi editado o verbete sumular nº 10885

pelo Superior Tribunal de Justiça, que retira do parquet

a possibilidade de conceder a remissão imprópria, já que a aplicação de medidas

socioeducativas é função jurisdicional.

Apesar de não concordar com a aplicação de qualquer medida sem o devido processo

legal (NUCCI, 2017, p. 513), já que em sua essência essas condições restringem os direitos

dos jovens (NUCCI, 2017, p. 508), Nucci afirma que é melhor que sejam aplicadas por um

juiz do que por um promotor, e somente após a oitiva do adolescente, sob pena de cercear

veementemente sua defesa. Assim, o autor defende unicamente a aplicação de remissão

própria, onde não há condições impostas ao menor (NUCCI, 2017, p. 513).

Há previsão semelhante na lei dos juizados especiais criminais, qual seja, a transação

penal. Entretanto, além de tal previsão ser um direito subjetivo do acusado, traz critérios de

aplicação mais objetivos, que retiram parte da subjetividade das mãos dos julgadores.

Contudo, deve se considerar que “os adolescentes não tem o alter ego integralmente

amadurecido” (NUCCI, 2017, p. 391) como um adulto, não podendo analisar com cautela se

devem aceitar determinadas medidas sem uma instrução probatória completa, ou se devem se

submeter ao devido processo legal e buscar demonstrar através de suas teses defensivas, que

não devem ser responsabilizados pela imputação, o que os livraria de quaisquer medidas

socioeducativas.

84

Art. 101, ECA. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá

determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias

em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou

comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente.

85

“A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência

exclusiva do juiz.”

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Suspender o processo no início, aplicando medidas restritivas dos direitos dos

adolescentes, sequer considera a avaliação de certo e errado advindas do contexto vivenciado

por eles, que também estão sujeitos ao erro de proibição. Segundo Nucci, “a consciência do

ilícito é um contínuo processo de formação, desde a mais tenra idade até a velhice” (NUCCI,

2017, p. 402).

A sistemática infracional deveria ser adequada para que houvesse a estipulação de

critérios objetivos para a concessão da remissão, tornando esse ato um direito subjetivo do

adolescente, tal como ocorre na lei dos juizados especiais criminais. Preconizando que, em se

tratando de adolescente devidamente matriculado na rede de ensino, sendo o primeiro ato

infracional praticado, e esse ser cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, deveria o

adolescente ter o direito a remissão própria. Nucci chama o estado brasileiro de lastimável, já

que é capaz de gerar impunidade total em algumas áreas e punição excessiva em outras, além

de não estar presente na hora de educar, mas querer estar no momento de punir (NUCCI,

2017, p. 405).

A lógica trazida pelo estatuto da criança e do adolescente, ao estipular a audiência de

apresentação, com o interrogatório como primeiro ato, visa possibilitar a aplicação da

remissão, evitando prolongar processos que poderiam ser resolvidos de outra forma. Os

critérios legislativos trazidos são importantes e devem ser levados em consideração durante a

concessão da remissão, mas em um ideal onde não se tratasse do primeiro ato infracional do

adolescente, do qual ele teria direito, se preenchidos os requisitos objetivos, a concessão do

perdão judicial. Em sendo a segunda prática delitiva, deveriam ser analisados a personalidade

e o contexto social do adolescente, até mesmo em uma audiência inicial, preservando a lógica

legislativa, para avaliar a real necessidade de uma instrução probatória.

Conquanto, sob essa ótica, parece ser inviável indagar o adolescente logo no início da

instrução sobre seu grau de participação na empreitada delituosa e sobre as circunstâncias e

consequências do ato, já que isso envolveria um questionamento fático, o que se revela

inadequado para o início da instrução. Dessa forma, ao ser aplicada a remissão nesses casos, o

adolescente deve ser indagado em audiência de apresentação, somente sobre suas questões

pessoais e qualificativas, deixando as questões fáticas para o momento final, caso o benefício

seja revogado86

e haja a inteira instrução processual.

86

Como não se defende a aplicação de remissão condicionada, a revogação do benefício - que só poderia

acontecer em se tratando de segunda prática infracional - ocorreria em caso de nova prática delitiva ou em caso

de evasão escolar, desde que não ultrapassado o prazo prescricional do delito.

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64

Anote-se que, a não aplicação de medidas socioeducativas, seja em uma primeira

remissão, ou segunda, não exclui a aplicação das medidas protetivas previstas no artigo 101

do estatuto, já que possuem enfoques diversos. Apesar disso, não se ignora a relação existente

entre elas. As medidas protetivas são aplicadas aos adolescentes que tiverem alguns dos seus

direitos previstos no estatuto violados, ou seja, aqueles que estão em situação de risco social

ou abandono, e esses, em sua grande maioria87

, são os que cometem atos infracionais. Na obra

de Minir Cury, Mário Volpi discorre sobre o tema:

O cometimento de um ato infracional não decorre simplesmente da índole má ou de

desvio moral. A maioria absoluta é reflexo da luta pela sobrevivência, abandono

social, das carências e das violências a que meninos e meninas pobres são

submetidos. [...] É preciso considerar sua condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento e garantir-lhe um tratamento sereno, mas consistente o suficiente

para que ele possa tomar consciência de que existem formas mais eficientes de

garantir suas necessidades básicas e de que a exigência dos seus direitos precisa

acontecer de forma organizada e socialmente viável (CURY, 2013, p. 520).

Nucci aduz em sua obra que nem sempre é possível fazer a relação de pobreza de

criminalização, mas que na grande maioria dos casos, a criminalidade está intimamente ligada

à desestruturação familiar (NUCCI, 2017, p. 403). O autor também esclarece que:

O principal elemento para lançar a criança ou adolescente no ambiente infracional é

a desestruturação da família natural, como primeiro passo. Essa falta ou carência de

estrutura tem base, dentre outras, na extremada miséria na qual são lançados

diversos núcleos familiares. O estado promete, em leis, inclusive neste Estatuto,

vários programas de assistência social, que visam proporcionar estabilidade

financeira, gerando o necessário equilíbrio emocional para que os pais cuidem de

seus filhos. Seja qual for a promessa, na maioria das vezes, não é cumprida. Diante

disso, associando-se a desorganização familiar à pobreza, tem-se o lançamento

precoce de crianças e jovens no universo criminoso, pois encontram ali a família que

não possuem em casa, além de ganhos elevados – muito maiores do que seus pais

percebem ou seus parentes -, como ocorre no cenário do tráfico de drogas (NUCCI,

2017, p. 403).

A adolescência é um período onde ocorrem diversas descobertas, se enfrentam medos

e inseguranças, e para os marginalizados, também estão presentes os problemas da exclusão

social. Não há razões, para não efetivar os direitos constitucionais de pessoas que

normalmente ingressam no campo do ilícito por claro abandono e negligência estatal. Além

de todos os precedentes citados no capitulo II, Sarlet e Weingtner Neto também defendem que

o interrogatório ao final é medida que traz máxima eficácia às garantias constitucionais,

afirmando que se há possibilidade de escolher por duas regras distintas, deve-se optar por

aquela que traz mais benefícios ao caso (SARLET e WEINGTNER NETO, 2014, p. 333).

87

Durante a realização de estágio na Promotoria de Infância e Juventude da Comarca de Macaé, pôde-se

perceber nitidamente essa relação, já que a grande maioria dos adolescentes que chegavam à instituição para

oitiva, após o cometimento de um ato infracional, já eram conhecidos do órgão, que também possui atuação não

infracional, ou seja, que cuida dos adolescentes em situação de risco social e abandono.

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65

A divergência ainda é muito acentuada sobre o tema, apesar de ser pacífica nas demais

legislações especiais, segundo Nucci, porque:

Quando se cuida do tema infantojuvenil, em particular no âmbito da infração,

surgem opiniões categóricas, pouco flexíveis, ora no sentido de que o adolescente

deveria ser rigorosamente sancionado, ao praticar atos violentos, mormente contra

pessoas, apontando-se este Estatuto como leniente, enquanto, do outro lado,

emergem os que defendem, com ardor, jamais se traçar uma linha repressiva no

tocante ao menor de 18 anos; por pior que seja a sua atitude aos olhos da sociedade

– cruel, desumana, violenta – deve-se considerá-lo, sempre, como vítima, cuidando

o Estado de seu bem-estar (NUCCI, 2017, p. 391).

Posicionamentos extremos devem ser evitados, seja tratando o adolescente sempre

como vítima ou impondo a ele uma repressão estatal em demasia. Quando se trata de atos

infracionais, deve-se ter em mente que não se pode punir para reprimir, mas sim sancionar

para impor limites (NUCCI, 2017, p. 392), não perdendo de vista a educação, indicando a

distinção entre o certo e o errado e apontando o melhor caminho, na medida em que seja

necessário e de forma moderada (NUCCI, 2017, p. 391).

A medida socioeducativa não guarda relação com a gravidade do ato infracional

cometido pelo adolescente, mas sim com a possibilidade de intervenção em sua realidade

fática, propiciando condições objetivas que lhe permitam enfrentar os desafios cotidianos sem

a utilização de recursos que importem na violação dos direitos de outrem. “A difícil busca

pelo meio termo, é a missão do operador do direito nessa área, garantindo-se a dignidade do

menor de dezoito anos” (NUCCI, 2017, p. 392).

Nesse ponto, considerando a finalidade educativa, que é o primeiro plano do estatuto

do adolescente, e protetiva, que é o segundo, aliados aos fatos constatados durante o cotidiano

forense, como o informado pela juíza Ingrid, de que a evasão escolar prescinde a prática

infracional, ao aplicar eventual medida socioeducativa, ao final do processo, a postura ideal

que se espera de um aplicador do direito é que determine a matrícula e o controle de

frequência do adolescente, de modo a coibir novas práticas infracionais, por meio da

educação.

Estabelecer uma oitiva que trate de questões meritórias logo no início da instrução, é

ato violador de direitos e garantias fundamentais, sendo inclusive, considerado

inconstitucional pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin (STF, HC 127.900,

p. 26). A máxima efetividade dos direitos constitucionais, só é alcançada quando o acusado

conhece de todo o contexto probatório, como defende o também Ministro, Gilmar Mendes.

Por mais que o procedimento previsto no estatuto da criança e do adolescente seja cheio de

especificidades, essas devem ser mitigadas, da mesma forma que as particularidades das

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demais legislações especiais foram, para que o adolescente possua integral acesso ao direito

de defesa.

O interrogatório como ato inaugural, não possui real eficácia na apuração do ato

infracional, já que, em muitas vezes, a confissão do adolescente nesse momento, era utilizada

como argumento para desistência das demais provas processuais, o que se revela uma grande

afronta aos seus direitos. Além disso, foge-se do intuito legislativo do estatuto da criança e do

adolescente, que não é descobrir a autoria e materialidade do delito, com a aplicação de uma

sanção estatal, mas sim reeducar e ressocializar o adolescente.

As mudanças ocorridas no código de processo penal se irradiaram nas demais

legislações especiais, porque foram fundadas em preceitos constitucionais, de modo que,

precisam ser estendidas também aos adolescentes em conflito com a lei, sob pena de violação

dos fundamentos trazidos pelo constituinte originário, que devem respaldar o estado

democrático de direitos em que vivemos. Desse forma, necessária é uma releitura do modo

como é realizada a oitiva do adolescente em conflito com a lei, para que essa possa ser feita

com observância das garantias constitucionais, que devem ser inerentes àqueles sob

investigação estatal, independentemente do procedimento de verificação ao qual se

submetem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A constituição federal trouxe garantias à pessoa humana que devem ser observadas nas

demais legislações, lembrando-se que, o texto constitucional e seus princípios implícitos e

explícitos devem ser utilizados como base interpretativa para todo o ordenamento jurídico,

que deve ser harmônico e integrado entre si.

As legislações especiais trazem procedimentos diversos, buscando apurar de forma

mais adequada determinado fato, especificando algumas condições. Apesar disso, em muitas

vezes, como visto neste trabalho, elas não efetivam de maneira ampla algumas garantias que

já são constitucionalmente asseguradas. A jurisprudência, a contraponto, faz algumas

alterações interpretativas, sem modificar o texto, determinando a aplicação de alguns

institutos, mesmo que não previstos, para maximizar o alcance dos direitos fundamentais.

Os adolescentes que se encontram em conflito com a lei, em sua grande maioria,

sofrem pela exclusão social e passam por processos de marginalização desde muito novos,

tendo que lidar com realidades que muitas vezes são distantes daquelas em que os aplicadores

do direito e o legislador estão inseridos. Deve-se voltar o olhar a essa pessoas ainda em

desenvolvimento, buscando assegurar que seus direitos possam ser efetivados.

A inversão da oitiva do suposto infrator durante a instrução que apura um ato

infracional, é uma medida que lhe garante maior amplitude de defesa, já que ele somente se

manifesta sobre os fatos que lhe são imputados após o devido processo legal, e a apresentação

de todas as provas trazidas pela acusação, que devem ser colhidas sob o crivo do contraditório

e da ampla defesa.

Essa inversão, também é benéfica ao adolescente, pois lhe da uma nova oportunidade

defensiva, qual seja, a apresentação de um contraditório prévio à sua oitiva, ocasião em que o

julgador deverá analisar, através da leitura das razões trazidas pela defesa técnica do menor,

se o pedido constante na representação não deve ser antecipadamente julgado improcedente.

Outra medida que seria benéfica e eficaz ao adolescente, é a realização de uma

audiência una, como ocorre na Comarca de Macaé, já que prestigia a celeridade processual,

tão importante quando se trata de adolescente infratores, além de possibilitar a oitiva do

menor, apenas após toda a colheita probatória.

Posicionamentos como o da magistrada entrevistada, que afirmam que a inversão não

causou mudanças fáticas, devem ser questionados, já que, apesar do adolescente muitas vezes

ter uma versão pronta sobre os fatos, deve lhe ser indagado o motivo pelo qual, as

testemunhas imputariam tais fatos a ele, bem como sobre as provas apresentadas. Isso porque,

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o processo existe para buscar a verdade real dos fatos, e não apenas para analisar versões

prontas, sejam elas dos adolescentes ou das testemunhas.

Não há como negar, também, que apenas com o interrogatório ao final da instrução,

poderá o adolescente utilizar o direito ao silêncio como técnica defensiva disposta a seu favor,

já que pode analisar a prescindibilidade ou não de apresentar suas alegações. Apesar dos

menores por muitas vezes não escutarem até sua defesa, que recomenda o silêncio, como

informado pela juíza entrevistada, a razão de tal ato pode se justificar pela pouca maturidade

que possuem e pela falta de contato com a defesa técnica, já que muitas vezes são nomeados

defensores públicos na realização do ato, com os quais o adolescente não teve nenhuma

interação prévia. Assim, deve ser estimulado um contato mais próximo do adolescente com

sua defesa antes da instrução, para que possa ser criada uma relação de confiabilidade entre

eles.

O benefício da remissão, que pode vir a ser aplicado ao adolescente submetido ao

juízo da culpa, não obsta a realização de sua oitiva como último ato processual, já que ele

pode ser concedido em qualquer momento antes da sentença. Contudo, para evitar o deslinde

de processos que muitas vezes podem causar mais danos aos adolescentes, com fulcro no

princípio de seu melhor interesse, pode-se admitir, com ressalvas, a realização da oitiva como

primeiro ato da instrução, desde que esta se restrinja a questões pessoais do adolescente, que

possam auxiliar na decisão de aplicação ou não do perdão, já que o interrogatório é um ato

bifásico que pode ser divido.

Enquanto ainda não há posicionamento dominante sobre o tema nas cortes, que possa

ser seguido pelos juízes de primeiro grau, os julgadores devem analisar cautelosamente as

ações socioeducativas no momento em que são recebidas, decidindo em quais casos pode ser

concedida a remissão, designando assim, a audiência de apresentação. Nos demais casos, deve

ser marcada audiência una para que ocorra toda colheita probatória, com a oitiva do infrator

apenas ao final. Ressalta-se, que também deve ser oportunizado momento de fala ao

adolescente sempre que esse sentir necessidade de se manifestar, já que o interrogatório pode

ser realizado a qualquer tempo.

Estando longe de um ideal, onde a remissão caracterizar-se-ia como um direito

subjetivo do adolescente, e sua oitiva seria realizada apenas após toda colheita probatória,

como ocorre com os imputáveis, conclui-se que menores sofrem duramente a repressão de um

estado que mais se preocupa em punir do que em educar. Os evidentes prejuízos causados a

defesa do infrator com a ocorrência da instrução da forma disposta no estatuto da criança e do

adolescente, revelam-se como uma maior rigidez estatal, que além de não ser aplicada aos

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maiores, não possui fundamento constitucional, nem razão lógica para se manter no

ordenamento jurídico, já que foi até considerada inconstitucional pelo Ministro Edson Fachin.

A punição excessiva e essa maior rigidez, fazem o adolescente ingressar cada vez mais

no sistema da criminalidade, e criam em uma pessoa em desenvolvimento um sentimento de

revolta que causa enormes prejuízos ao seu processo de formação como ser humano. Não é o

objetivo desse trabalho, defender a impunidade aos adolescentes, mas sim conscientizar os

aplicadores do direito da necessidade de interpretar um caso, em especial quando envolve

menores, com todo o contexto fático, social e jurídico no qual ele está inserido.

A ideia normativa do estatuto da criança e do adolescente, de proteger o menor,

reeduca-lo em caso de desvio, ensinar e dar novas oportunidades, além de condições básicas

para que ele possa viver de forma digna, é um alvo ainda inalcançado, e muitas vezes

esquecido. Não se pode permitir, através de práticas arbitrárias, que subtraiam direitos e

garantias, que o adolescente em conflito com a lei seja duplamente sancionado, primeiro pela

negligência estatal que o marginalizou e o inseriu nesse contexto criminoso e em segundo

pela rigidez de um sistema que busca uma punição a qualquer custo, o que de forma alguma é

o objetivo das medidas socioeducativas, do estatuto da criança e do adolescente e do

ordenamento jurídico constitucional.

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