uma política nacional de meio ambiente focada na produção limpa: elementos para discussão

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326 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.4 p.326-332 Março 2001 Introdução O enfoque da gestão ambiental, no Brasil, tem sofrido transformações, ao longo das últimas dé- cadas, com o surgimento de novos instrumentos e envolvimento de múltiplos agentes na busca de soluções mais eficazes para os impactos ambien- tais negativos, gerados pelo processo de desen- volvimento. Essas transformações são resultan- tes de uma nova percepção da sociedade, quanto à importância da proteção do meio ambi- ente e vêm influenciando as ações das institui- ções públicas e privadas. As primeiras reações surgiram, nos anos 70, por parte do Governo, em resposta à Conferência de Estocolmo (1972), quando foi criada a Secreta- ria Especial de Meio Ambiente (SEMA). Durante mais de uma década, esse órgão federal, junta- mente com outras agências de controle ambiental pioneiras da esfera estadual, encarregaram-se de atividades ligadas ao controle da poluição e à proteção da vida selvagem. Naquela década, surgi- ram as primeiras leis relativas à poluição industrial baseadas na abordagem do Comando&Controle. O período seguinte, anos 80, pode ser interpre- tado como a década da institucionalização e regu- lamentação da questão ambiental. Nesse período, a gestão ambiental consolidou-se no Brasil, através do surgimento de importantes instrumentos legais (como a Lei 6938/81, que estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA e a Resolução CONAMA 001/86, relativa à obrigatoriedade de Es- tudo de Impacto Ambiental – EIA, para algumas ati- vidades produtivas). É também nessa década, que outros agentes engajaram-se na gestão ambiental, como por exemplo o Banco Nacional de Desenvol- vimento Econômico e Social – BNDES, que passou a analisar as implicações ambientais dos projetos submetidos à sua carteira de financiamento, exigin- do que fossem enquadrados em conformidade com os instrumentos de licenciamento ambiental. Além desses, o Ministério Público Federal (MPF) e as Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambien- talistas passaram, através de suas diversas ações em defesa do meio ambiente, a desempenhar um papel fundamental e a influenciar, tanto as ações do Governo como as estratégias ambientais em- presariais. Nos anos 90, surgiram novos agentes e novas iniciativas em prol do meio am biente. Esse período foi marcado pela realização de outra grande confe- rência (Rio 92), e pela compreensão da insuficiên- cia da responsabilidade exclusiva do Governo, para tratar da questão ambiental, até então, considera- da como uma externalidade negativa dos proces- sos produtivos. Conseqüentemente, além das ações do Governo, do MPF e das ONGs, houve o engaja- mento dos setores produtivos, tanto na defesa dos seus próprios interesses através dos diversos fóruns de decisão (Conselho Nacional de Meio Am- biente – CONAMA e Conselhos Estaduais de Meio Ambiente – COEMAs), como na busca de soluções práticas para os seus problemas ambientais. Esse entendimento traduziu-se em uma nova percepção Uma política nacional de meio ambiente focada na produção limpa: elementos para discussão José Célio Silveira Andrade * Márcia Mara de Oliveira Marinho ** Asher Kiperstok ***

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O enfoque da gestão ambiental, no Brasil, tem sofrido transformações

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  • 326 BAHIA ANLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.4 p.326-332 Maro 2001

    Introduo

    O enfoque da gesto ambiental, no Brasil, temsofrido transformaes, ao longo das ltimas d-cadas, com o surgimento de novos instrumentos eenvolvimento de mltiplos agentes na busca desolues mais eficazes para os impactos ambien-tais negativos, gerados pelo processo de desen-volvimento. Essas transformaes so resultan-tes de uma nova percepo da sociedade,quanto importncia da proteo do meio ambi-ente e vm influenciando as aes das institui-es pblicas e privadas.

    As primeiras reaes surgiram, nos anos 70,por parte do Governo, em resposta Confernciade Estocolmo (1972), quando foi criada a Secreta-ria Especial de Meio Ambiente (SEMA). Durantemais de uma dcada, esse rgo federal, junta-mente com outras agncias de controle ambientalpioneiras da esfera estadual, encarregaram-se deatividades ligadas ao controle da poluio e proteo da vida selvagem. Naquela dcada, surgi-ram as primeiras leis relativas poluio industrialbaseadas na abordagem do Comando&Controle.

    O perodo seguinte, anos 80, pode ser interpre-tado como a dcada da institucionalizao e regu-lamentao da questo ambiental. Nesse perodo,a gesto ambiental consolidou-se no Brasil, atravsdo surgimento de importantes instrumentos legais(como a Lei 6938/81, que estabeleceu a PolticaNacional de Meio Ambiente PNMA e a ResoluoCONAMA 001/86, relativa obrigatoriedade de Es-

    tudo de Impacto Ambiental EIA, para algumas ati-vidades produtivas). tambm nessa dcada, queoutros agentes engajaram-se na gesto ambiental,como por exemplo o Banco Nacional de Desenvol-vimento Econmico e Social BNDES, que passoua analisar as implicaes ambientais dos projetossubmetidos sua carteira de financiamento, exigin-do que fossem enquadrados em conformidade comos instrumentos de licenciamento ambiental. Almdesses, o Ministrio Pblico Federal (MPF) e asOrganizaes No-Governamentais (ONGs) ambien-talistas passaram, atravs de suas diversas aesem defesa do meio ambiente, a desempenhar umpapel fundamental e a influenciar, tanto as aesdo Governo como as estratgias ambientais em-presariais.

    Nos anos 90, surgiram novos agentes e novasiniciativas em prol do meio am biente. Esse perodofoi marcado pela realizao de outra grande confe-rncia (Rio 92), e pela compreenso da insuficin-cia da responsabilidade exclusiva do Governo, paratratar da questo ambiental, at ento, considera-da como uma externalidade negativa dos proces-sos produtivos. Conseqentemente, alm das aesdo Governo, do MPF e das ONGs, houve o engaja-mento dos setores produtivos, tanto na defesa dosseus prprios interesses atravs dos diversosfruns de deciso (Conselho Nacional de Meio Am-biente CONAMA e Conselhos Estaduais de MeioAmbiente COEMAs), como na busca de soluesprticas para os seus problemas ambientais. Esseentendimento traduziu-se em uma nova percepo

    Uma poltica nacional de meio ambientefocada na produo limpa:elementos para discusso

    Jos Clio Silveira Andrade*

    Mrcia Mara de Oliveira Marinho**

    Asher Kiperstok ***

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    dos setores produtivos da relao entre negciose meio ambiente, expressa atravs de: internaliza-o de externalidades negativas; reduo de cus-tos de produo; otimizao do uso dos recursosnaturais; minimizao da gerao de resduos emarketing de produtos e processos mais limpos. Oenfoque da gesto ambiental passou, ento, a serpara alm do controle de poluio e, passo a pas-so, tem incorporado os conceitos da preveno dapoluio e produo limpa.

    Tambm nessa dcada, baseados na aborda-gem da Auto-Regulao, surgiram os programasvoluntrios de gesto ambiental. Inicialmente maissetorizados, e com o objetivo de estabelecer diretri-zes e cdigos de conduta para as empresas, essesprogramas (ex: Responsible Care) evoluram at acriao das normas internacionais sobre Sistemasde Gesto Ambiental SGAs (ex: BS 7750, ISO14001, EMAS). No final da dcada de 90, surgiram,ao mesmo tempo, no plano da regulamentao, no-vos instrumentos legais relativos, tanto responsa-bilidade ambiental (ex: Lei de Crimes Ambientais Lei 9605/98) quanto introduo da cobrana pelouso de recursos naturais, em uma abordagem base-ada em Instrumentos Econmicos, que incorporao princpio do usurio-pagador (ex: Poltica Nacio-nal de Recursos Hdricos - Lei 9433/97).

    Diante desse novo contexto, o incio do atualmilnio caracteriza-se por um cenrio marcado pelodesafio da construo de um enfoque ainda maisinovador, para o trato dos impactos ambientais ne-gativos dos processos produtivos. Esse desafiopode ser superado pela criao de oportunidades,para o fortalecimento dos conceitos de prevenoda poluio e de produo limpa, atravs da suaincorporao nas polticas pblicas e nos instru-mentos de regulamentao ambiental.

    Assim, tendo em vista a necessidade de se defi-nir estratgias para que a Poltica Nacional de MeioAmbiente (PNMA) venha a incorporar esses con-ceitos, este artigo tem como objetivo fomentar oprocesso de discusso sobre o estabelecimento dediretrizes e instrumentos para a formulao de pol-ticas pblicas ambientais, focadas na produo lim-pa. Para alcanar o objetivo proposto, fundamenta-se tanto na formao acadmica dos seus autores,quanto nas habilidades e competncias que elesvm adquirindo, atravs do desempenho de ativi-

    dades prticas, no mbito da Rede de TecnologiasLimpas da Bahia (TECLIM)1.

    Poltica Pblica Ambiental e Produo Limpa:uma relao necessria

    Tradicionalmente, a gesto ambiental pblicano Brasil, no que se refere aos processos produti-vos, vem priorizando a abordagem de Comando& Controle (C&C), que se baseia na criao dedispositivos e exigncias legais (comando) e de me-canismos para garantir o seu cumprimento (contro-le). No Brasil, essa abordagem (C&C) tem se ca-racterizado por no integrar os fatores ambientais(gua, ar, solo, fatores biticos e sociais), e por de-senvolver aes pontuais, lidando com as ativida-des impactantes de forma isolada.

    Assim, a legislao ambiental brasileira exige ocumprimento de padres de emisso e de qualida-de ambiental, atravs de medidas corretivas decontrole de poluio, tambm chamadas de fim detubo. Essas medidas so requeridas atravs deinstrumentos, como o Licenciamento Ambiental deAtividades, Avaliao de Impacto Ambiental (AIA) eAes de Fiscalizao. Pode-se afirmar, portanto,que a abordagem C&C visa assegurar o atendi-mento legislao, atravs do estabelecimento denormas e padres ambientais e de fiscalizao doseu cumprimento, mediante a aplicao de san-es administrativas e penais, para as situaes deno-conformidade. No Brasil, as polticas pblicasde meio ambiente concentram-se, geralmente, so-bre os efeitos ambientais de curtssimo prazo, omi-tindo ou negligenciando os impactos ambientais demdio e longo prazos.

    necessrio se observar que a ResoluoCONAMA 001/86, considerada ainda como o prin-cipal instrumento, para orientar a exigncia de Es-tudos de Impacto Ambiental (EIA), contribui para aabordagem de fim de tubo, ao estabelecer comouma das etapas do EIA, a

    ... definio das medidas mitigadoras dos impactos ambien-tais negativos, entre elas os equipamentos de controle e sis-temas de tratamento de despejos... (Item III, Artigo 6o).

    Entende-se que essa abordagem tem contribu-do para o predomnio do uso de tecnologias conven-

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    cionais de fim de tubo, deixando pouco espaopara a inovao, e perpetuando prticas e concei-tos institucionalizados ultrapassados. Percebe-seainda que essa abordagem estimula as empresasa adotarem estratgias mais reativas (ao invs deantecipativas e proativas), no tratamento dos seusimpactos ambientais negativos, levando os setoresprodutivos, Governo e outros agentes de interessena gesto ambiental, a adotar posies antagni-cas e de confronto.

    A partir dos anos 90, percebe-se uma mudanaem relao aos agentes, instrumentos e respostass questes relativas aos impactos ambientais deatividades produtivas. Essa mudana baseia-se emuma nova relao entre meio ambiente e negcios,que se reflete em demandas de mercado por pro-dutos e processos mais ambientalmente amigveise em exigncias como: a) sistemas de certificaode produtos (selo-verde); b) sistemas de certifica-o de processos (ISO 14001); c) atendimento acertos padres de desempenho ambiental basea-dos na eco-eficincia. Conseqentemente, amplia-ram-se os agentes que atuam na gesto ambiental.alm de empresas, Governo e grupos ambientalis-tas, com a participao de: instituies do setor fi-nanceiro, companhias de seguro, associaes deconsumidores, associaes ligadas ao setor produ-tivo, organizaes socio-ambientais, Ministrio P-blico Federal (MPF), consultores e instituies aca-dmicas, etc.

    A adoo de estratgias empresariais relacio-nadas com o meio ambiente, e a implantao desistemas voluntrios, pautados em princpios daAuto-Regulao, relacionados com a gesto am-biental nas empresas, tm se caracterizado comouma tendncia atual. Desde que devidamentecomplementados com os mecanismos clssicos deC&C, esses sistemas voluntrios trazem, comoprincipal vantagem, o envolvimento ativo dos setoresprodutivos, na identificao de novas oportunida-des para solues dos problemas ambientais, epodem fomentar a resoluo destes atravs doaperfeioamento das relaes entre rgos pbli-cos de controle ambiental e demais partes interes-sadas com os agentes econmicos, baseados noprincpio da governana.

    Um exemplo do estmulo, pela legislao, daadoo de sistemas voluntrios de gesto ambien-

    tal pode ser encontrado na Resoluo CONAMA237/97, Artigo 12, Pargrafo 3o ao prescrever que:

    ...devero ser estabelecidos critrios e procedimentos paraagilizar e simplificar procedimentos de licenciamento ambi-ental das atividades e empreendimentos que implementemplanos e programas voluntrios de gesto ambiental visando melhoria contnua e o aprimoramento do desempenho am-biental...

    No entanto, a adoo desses sistemas no vemimplicando, necessariamente, em uma mudanana direo da preveno da poluio e ProduoLimpa. Desde 1990, o Reino Unido, e a partir de1995, os demais pases da Unio Europia (EU)vm adotando polticas integradas de preveno econtrole da poluio. Atualmente, nesses pases,esto sendo implementadas Polticas Integradasde Produtos (IPP) com o objetivo de introduzir, nassuas legislaes e regulaes ambientais, instru-mentos que contribuam para aprimorar as caracte-rsticas ambientais dos processos e produtos, aolongo do seus ciclos de vida (eco-design). Para tal,faz-se necessria a articulao e a integrao dossetores produtivos, agncias governamentais e mer-cados consumidores, visando construo conjuntade instrumentos necessrios ao fomento do desen-volvimento de processos e produtos ambiental-mente sustentveis.

    Assim, necessrio que a abordagem deAuto-Regulao junte-se a outros instrumentosde gesto pblica e empresarial, visando contri-buir para a difuso e o estmulo da adoo doconceito de produo limpa, e apoio ao desenvol-vimento e implementao de tecnologias de pre-veno da poluio. A preveno da poluiosignifica evitar a gerao dos poluentes. Essa pre-veno est relacionada com o manejo e uso dosinsumos e resduos pelos processos produtivos,os produtos, as embalagens, o comportamentodos consumidores, as polticas pblicas e as regu-lamentaes. Esse conceito est tambm ligado noo de Produo Limpa, que pressupe umaproduo com utilizao de tecnologias, que pro-porcionem um menor consumo de recursos natu-rais (gua, energia e outros produtos),minimizao dos resduos, dos riscos e dos im-pactos ambientais, atravs dos princpios da eco-

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    eficincia e da precauo. Produo Limpa envol-ve um conjunto de medidas relativas produo econsumo, tais como: boas prticas operacionais eadoo de medidas para evitar perdas, armazena-mento e disposio adequada de resduos; rede-senho de produtos e processos produtivos,fechamento de circuitos e recuperao deinsumos; minimizao e uso eficiente de matrias-primas e energia; substituio de substncias txi-cas, etc.

    A Produo Limpa tambm est relacionadacom valores e comportamentos dos agentes eco-nmicos e sociais. Ela pressupe a transparnciae abertura das informaes pelas empresas e or-ganizaes do setor pblico, em um estmulo pratica de benchmarking e publicao de relat-rios com o objetivo de contribuir para a elevaodos padres ambientais. Assim, a adoo de es-tratgias preventivas para proteger o meio ambi-ente e a sade da populao, pautadas na abor-dagem de antecipar e prevenir, tem sido reco-nhecida como um passo frente, em relao adoo de medidas de fim de tubo e, portanto,mais prxima do conceito de desenvolvimentosustentvel.

    Mais recentemente, comearam a ser instituci-onalizadas, no Brasil, algumas medidas com opropsito de integrar o controle e a preveno dapoluio. Pode-se citar como exemplo, as Resolu-es CONAMA 258/99, sobre pneumticos, queestabelece o princpio da Responsabilidade Es-tendida (ou Continuada) do Produtor. Na Bahia,algumas peas de regulao da questo ambien-tal, como a nova Lei Estadual de Meio Ambiente,revisada em fevereiro de 2001, inserem deman-das legais no sentido do controle da poluio nafonte, a partir de exigncias para a minimizaode resduos, complementadas por medidas dereuso e reciclo.

    Alm dos instrumentos voluntrios e da introdu-o dos conceitos de produo limpa nos dispositi-vos legais, surgem tambm, no Brasil, alguns Ins-trumentos Econmicos que introduzem umanova abordagem, para tratar as questes de polui-o das atividades produtivas. Como exemplo des-ses instrumentos, pode-se citar a taxao pelo usodos recursos ambientais, que tem como base oprincpio do usurio-pagador.

    Relao Poltica Pblica Ambiental ProduoLimpa: diretrizes bsicas de aproximao

    Entende-se que o arcabouo poltico-legal bra-sileiro, para tratar da questo ambiental dos pro-cessos produtivos, necessita estar baseado emalgumas diretrizes bsicas, relativas aos trs me-canismos existentes para regular, de forma com-plementar, essa questo: Comando & Controle +Auto-Regulao + Instrumentos Econmicos.Assume-se tambm que preciso proporcionar, demodo transversal, a integrao do conceito da Pro-duo Limpa, em todas essas parcelas que com-pem a equao da gesto de polticas pblicas demeio ambiente, em uma escala mundial.

    Assim, necessrio que a legislao ambiental,no que se refere regulao dos impactos ambien-tais negativos provocados pelos setores produtivos,fomente um rpido desenvolvimento de mtodos etecnologias altamente eco-eficientes, de forma a so-mar ganhos ambientais, econmicos e sociais.

    Instrumentos legais tpicos dos mtodos C&C,tais como padres de emisso e padres de qualida-de ambiental, que estabelecem nveis aceitveis depoluio, precisam ser reforados, visando manteruma demanda clara sobre os setores produtivos e,precisam tambm ser adequados, de modo a no in-duzir a adoo de medidas fim de tubo , e sim, maiorprodutividade e eficcia no uso dos recursos naturais.

    O sistema de licenciamento ambiental necessitater como focos a produtividade e a eco-eficincia nouso dos recursos naturais e a avaliao da curva deevoluo tecnolgica dos processos produtivos dosempreendimentos, sem relegar, no entanto, o contro-le dos impactos causados pelas emisses nos cor-pos receptores.

    Urge-se que as polticas pblicas ambientais te-nham como tendncia o fechamento dos ciclos pro-dutivos, isto , o estabelecimento da meta dodesperdcio zero, considerando-se trs nveis deinsero:(a) no mbito de cada processo produtivo;(b) em um invlucro que reuna segmentos de uma

    mesma cadeia produtiva e/ou organizaes quetenham aproximao geogrfica, afinidades emalguns aspectos dos seus respectivos proces-sos ou atividades ou alguma relao de trocacom o cluster produtivo;

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    (c) na interface entre processos produtivos, consu-midores e fornecedores, envolvendo a sociedadecomo um todo, na busca de produtos e serviosque provoquem impactos ambientais negativosmnimos. importante a insero do conceito Fator X

    (Fator 4, Fator 10, Fator 40, etc.) no arcabouo le-gal brasileiro, no que se refere definio de medi-das de melhoria do desempenho ambiental dobinmio produo-consumo. Esse conceito ajudarna direo de uma maior integrao entre controlee preveno da poluio, na medida em que:(a) d maior consistncia s declaraes de melho-

    ria contnua hoje prevalecentes, nos sistemasvoluntrios de gesto ambiental;

    (b) gera melhores condies para um desenvolvi-mento ambiental, baseado na renovao de h-bitos de consumo e inovao tecnolgica.

    PNMA focada na Produo Limpa: revendo eaprimorando instrumentos

    A maioria dos instrumentos da Poltica Nacionalde Meio Ambiente (PNMA), que se constituem,atualmente, nas principais ferramentas legais paraa garantia da reduo dos impactos ambientais ne-gativos dos processos produtivos, do tipo Co-mando & Controle (C&C). Nessa categoria esto,por exemplo, o Licenciamento Ambiental, a Avalia-o de Impacto Ambiental (AIA) e os padres dequalidade ambiental.

    importante que esses instrumentos conside-rem, necessariamente, o ciclo de vida dos produtose processos, analisando e propondo mtodos eprticas preventivas, para os impactos ambientaisnegativos de mdio e longo prazos. Faz-se neces-sria, portanto, uma reviso dos procedimentosque esto institucionalizados nos rgos ambien-tais, de forma que inovaes tecnolgicas egerenciais, que incorporem prticas preventivas deProduo Limpa e de maior eco-eficincia, sejamestimuladas.

    Assim, torna-se imperativo o estabelecimentode indicadores de desempenho ambiental gerais eespecficos, para processos e produtos. A supera-o desses indicadores, com base na estratgia debenchmarking, precisa ser inserida como exigncianos processos de Licenciamento Ambiental, tor-

    nando efetivos conceitos hoje utilizados, tais comoas BAT (Melhores Tecnologias Disponveis) e ex-celncia ambiental. Esses indicadores de desem-penho ambiental, aqui denominados de padres deeco-eficincia, precisam ser baseados na busca deum aumento da produtividade no uso dos recursosprodutivos, e no podem ser confundidos com oschamados padres de desempenho de equipa-mentos de controle da poluio, baseados naregulagem e/ou aprimoramento do modo de opera-o de equipamentos de controle fim de tubo, vi-sando reduzir a emisso final de parte dos poluen-tes para os corpos receptores.

    Tomando-se como ponto de partida o patamarestabelecido para os indicadores de desempenhoambiental, a serem institudos, torna-se necessrioexigir, dos agentes produtivos, a formulao de es-tratgias especficas para se atingir Fatores X, emperodos temporais de mdio e longo prazos.

    No processo de formulao dessas estratgiaspara se alcanar os Fatores X, os esforos preci-sam ser concentrados, considerando-se no ape-nas os produtos e processos produtivos, mastambm o atendimento das demandas socio-ambi-entais nas grandes cadeias de servios. Por exem-plo, cadeia nutricional (ao invs de bebidas oucarne ou soja, etc.); mobilidade (ao invs de trans-porte individual ou coletivo ou automveis, etc.).Com isso, no se privilegia a tica setorial, frag-mentada e marginal, pelas quais ainda so vistasas polticas pblicas de meio ambiente enfoqueque visa mitigar os efeitos negativos de um modelode desenvolvimento fundado, predominantemente,na dimenso econmica stricto sensu, privilegian-do-se a viso das polticas ambientais integradascomo um dos elementos transversais definidoresde estratgias de desenvolvimento sustentvel.

    Esses indicadores de desempenho ambiental,juntamente com os Fatores X, podem, portanto,ser utilizados como base para a elaborao dosRelatrios de Qualidade do Meio Ambiente e dosBalanos Ambientais das organizaes produtivaspblicas e privadas.

    A legislao ambiental precisa atuar, no mbitodos mecanismos de Auto-Regulao, como ele-mento de fomento utilizao do conceito deResponsabilidade Social Corporativa, visando aoaumento de eficcia do instrumento que estabele-

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    ce a garantia de abertura de informaes relativasaos impactos sobre os recursos ambientais, pelasorganizaes pblicas e privadas, de forma tica etransparente. Com isso, estimula-se a criao de am-plos e efetivos canais de informao ao pblico, combase no princpio intitulado disclosure information.Esse princpio pode tambm contribuir para a cria-o de Sistemas de Informaes (SIs) sobre osprocessos produtivos, estimuladores da prtica dobenchmarking e fomentadores da adoo de tec-nologias limpas. Portanto, torna-se necessria areformulao dos atuais sistemas nacional e esta-duais de informaes ambientais.

    Ainda com base em mecanismos de Auto-Re-gulao, o arcabouo poltico-legal ambiental, pre-cisaria estimular, nacionalmente, a incorporao deprincpios da preveno da poluio, produo lim-pa e eco-eficincia no(a)s:1. iniciativas voluntrias entre agentes governamen-

    tais e econmicos com objetivos especficos. Porexemplo, o Green Light Program incentivado pelaUSEPA (US Environmental Protection Agency),para ampliar e melhorar as prticas de racionaliza-o e conservao de energia nos Estados Unidos;Selo de Eficincia Energtica do PROCEL (Progra-ma de Conservao de Energia Eltrica) e o ALA Auto-Avaliao para Licenciamento Ambiental in-centivado, na Bahia, pelo Conselho Estadual deMeio Ambiente do Estado da Bahia (CEPRAM),atravs da Resoluo CEPRAM 1051/95; Progra-ma de Reduo de gua e Energia da CETESB(Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambi-ental do Estado de So Paulo);

    2. cdigos gerenciais, programas e normas ambi-entais de adeso voluntria que promovam oestabelecimento de responsabilidades, padroni-zao e indicadores administrativos para lidarcom a questo ambiental (Programa de Atua-o Responsvel, Normas da Srie ISO 14000,Carta de Princpios Empresariais para o Desen-volvimento Sustentvel etc.) Por exemplo, aNorma que dispe sobre o processo de melho-ria contnua e auto-gesto ambiental das orga-nizaes estabelecida, na Bahia, pela Resolu-o CEPRAM 1459/97.

    No que se refere aos Instrumentos Econmi-cos, recomenda-se o estabelecimento de incenti-

    vos ao desenvolvimento tecnolgico e difuso demtodos e tcnicas de eco-design de produtos eprocessos. Torna-se necessrio, tambm nesse m-bito, fomentar a conjugao da tributao sobre apoluio (princpio do poluidor-pagador) com a ta-xao sobre o uso de recursos naturais (princpiodo usurio-pagador). Um exemplo disso a Polti-ca Nacional de Recursos Hdricos (Lei 9433/97),que passou a reconhecer a gua como bem econ-mico e recurso natural limitado. Essa Poltica esta-beleceu, como um dos seus instrumentos, a co-brana dos recursos hdricos visando incentivar aracionalizao da sua utilizao, atravs da fixaodos valores a serem cobrados pelos usos da guatais como a captao e o lanamento de efluentesnos recursos hdricos (Artigo 21).

    Quanto aos aspectos de regulao do mercado,prope-se o estabelecimento de normas que esti-mulem a utilizao de materiais reutilizados e/oureciclados na produo tanto de bens de consumoquanto de capital e desestimulem a produo, comer-cializao e uso de produtos txicos. O objetivo des-ses Instrumentos Econmicos promover ainduo do comportamento dos usurios, em rela-o necessidade de racionalizao do uso dosrecursos naturais atravs de medidas que repre-sentem benefcios ou custos adicionais para eles,com base na indicao do valor real dos mesmos.

    Concluso

    A chegada do novo milnio e as mudanas soci-ais recentes tm levado necessidade de revisar omodelo predominante de gesto ambiental e depolticas pblicas ambientais. Observa-se, assim,que esse novo contexto tem exigido que os papisdos agentes de controle ambiental, assim como osdos instrumentos regulamentadores, voluntrios eeconmicos sejam discutidos luz de novos con-ceitos que traduzam melhor os novos desafios apre-sentados sociedade: reviso dos padres atuaisde consumo, e produo e busca da adoo deprocessos produtivos cada vez mais limpos e eco-logicamente sustentveis. Nesses termos, procu-rou-se, neste trabalho, fomentar o processo de dis-cusso sobre o estabelecimento de diretrizes einstrumentos para a formulao de polticas pbli-cas ambientais focadas na produo limpa.

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    Em primeiro lugar, alertou-se para a necessida-de de construo de uma relao entre as polticaspblicas ambientais e o conceito de produo lim-pa. Para isso, fez-se uma anlise do distanciamen-to entre o processo de evoluo da gesto ambien-tal, no Brasil, e a produo limpa. Utilizou-se, paraessa anlise, tanto as abordagens de Comando&Controle e Instrumentos Econmicos, como asiniciativas voluntrias de Auto-Regulao, adota-das pelas organizaes.

    Em seguida, a partir da defesa da integraotransversal como a mais adequada para a eficciade uma relao construda entre produo limpa epolticas pblicas ambientais, o artigo apresentoualgumas diretrizes bsicas para tentar aproximar oconceito de produo limpa dos trs mecanismosexistentes, atualmente, para regular a questo am-biental: Comando & Controle, Auto-Regulao eInstrumentos Econmicos. Entre estes, destaca-sea adoo dos conceitos de eco-eficincia, fator X,benchmarking, abertura de informaes e anlisede ciclo de vida de produtos e processos.

    Essas consideraes deram margem ao surgi-mento de algumas sugestes para a reviso e oaprimoramento dos instrumentos da Poltica Nacio-nal de Meio Ambiente, visando foc-la na produolimpa. Por fim, defende-se que os elementos apre-sentados neste artigo sejam discutidos de formaampla, visando serem aprimorados e incorporadospelas instituies governamentais, durante o pro-cesso de formulao e reviso de polticas pblicasambientais. Dessa forma, atravs da institucionali-zao de instrumentos legais mais avanados einovadores, espera-se estar contribuindo para esti-mular as organizaes produtivas a adotarem es-tratgias mais proativas, ao incorporarem nos seusprogramas de gesto ambiental os princpios daproduo limpa.

    Referncias bibliogrficas

    Recomenda-se como leitura suplementar para oaprofundamento sobre o tema as seguintes obras:

    BRITO E. Projeto de Reviso do Sistema de Licenciamento Ambi-ental (SLA): anlise critica e propostas de ajustes. Braslia: Mi-nistrio do Meio Ambiente, 1997. (Relatrio final, produto n. 3).

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    Notas

    1 A Rede de Tecnologias Limpas da Bahia TECLIM(www.teclim.ufba.br) uma articulao interinstitucional, en-volvendo entidades do Governo, setores produtivos e socie-dade, visando introduzir o conceito de produo limpa efomentar a utilizao de tecnologias limpas no Estado daBahia, como alternativa postura dominante de controle dapoluio, a partir da abordagem de fim de tubo.

    * Jos Clio Silveira Andrade doutor em Administraopela UFBA, professor participante do Ncleo de Ps-

    Graduao em Administrao (NPGA/UFBA) e pesquisadorda Rede de Tecnologias Limpas da Bahia (TECLIM).

    ** Mrcia Mara de Oliveira Marinho doutora em CinciasAmbientais pela Universidade de East Anglia UK, professo-

    ra do Departamento de Hidrulica e Saneamento da EscolaPolitcnica da UFBA e pesquisadora da rede TECLIM.

    *** Asher Kiperstok doutor em Engenharia Qumica pelaUMIST Manchester-UK, chefe do Departamento de

    Hidrulica e Saneamento da Escola Politcnica da UFBA ecoordenador da rede TECLIM.