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Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 UMA LEITURA DE EMENTAS E OBJETIVOS DE PLANOS DE ENSINO DA LINGUAGEM NOS CURSOS DE DIREITO À LUZ DA TEORIA BAKHTINIANA Rivaldete SILVA 1 Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ RESUMO A comunicação apresenta algumas reflexões sobre a concepção de ensino da linguagem para alunos de graduação em Direito, tendo como objetivo verificar as abordagens sobre gêneros discursivos nas ementas e objetivos dos planos de curso oferecidos pelas disciplinas que visam a suprir as deficiências de uso da língua no ensino médio. Para isto, fundamenta-se a pesquisa na linha teórica de Bakhtin (2010), dada a importância do conhecimento dos gêneros em uma perspectiva dialógica para os diversos campos da atividade humana. Por essa dimensão, os falantes utilizam a língua de acordo com gêneros específicos do discurso, caracterizados pelos seus conteúdos temáticos, suas estruturas composicionais e seus recursos linguísticos. O material para objeto de estudo limita-se à seleção de alguns programas de ensino ministrados pelas instituições de ensino superior do estado da Paraíba, uma vez que se observa a preocupação dessas instituições com a formação de profissionais que apresentem um efetivo domínio da língua em uso, privilegiando-se o ensino de um português técnico, que favoreça a elaboração de textos padronizados e, consequentemente, a sua correção, em detrimento de uma aprendizagem da linguagem, vivenciada no processo interativo da comunicação. Assim, apontam-se lacunas nesse espaço de aprendizagem e suscitam-se os questionamentos sobre os conteúdos de língua necessários ao profissional da área jurídica. Palavras-chave: Ensino da língua. Plano de curso. Gênero discursivo. Direito. 1 Professora do Centro Universitário de João Pessoa, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Linguagem, Enunciação e Interação GPLEI, do Programa de Pós-Graduação em Linguística PROLING da UFPB. Coordenadora do Projeto Dialogismo e Enunciação em Redação Forense DELF, vinculado ao GPLEI e ao Projeto Pedagógico do UNIPÊ.

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ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

UMA LEITURA DE EMENTAS E OBJETIVOS DE PLANOS DE ENSINO DA LINGUAGEM NOS CURSOS DE DIREITO À LUZ DA

TEORIA BAKHTINIANA

Rivaldete SILVA1 Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ

RESUMO

A comunicação apresenta algumas reflexões sobre a concepção de ensino da linguagem para alunos de graduação em Direito, tendo como objetivo verificar as abordagens sobre gêneros discursivos nas ementas e objetivos dos planos de curso oferecidos pelas disciplinas que visam a suprir as deficiências de uso da língua no ensino médio. Para isto, fundamenta-se a pesquisa na linha teórica de Bakhtin (2010), dada a importância do conhecimento dos gêneros em uma perspectiva dialógica para os diversos campos da atividade humana. Por essa dimensão, os falantes utilizam a língua de acordo com gêneros específicos do discurso, caracterizados pelos seus conteúdos temáticos, suas estruturas composicionais e seus recursos linguísticos. O material para objeto de estudo limita-se à seleção de alguns programas de ensino ministrados pelas instituições de ensino superior do estado da Paraíba, uma vez que se observa a preocupação dessas instituições com a formação de profissionais que apresentem um efetivo domínio da língua em uso, privilegiando-se o ensino de um português técnico, que favoreça a elaboração de textos padronizados e, consequentemente, a sua correção, em detrimento de uma aprendizagem da linguagem, vivenciada no processo interativo da comunicação. Assim, apontam-se lacunas nesse espaço de aprendizagem e suscitam-se os questionamentos sobre os conteúdos de língua necessários ao profissional da área jurídica.

Palavras-chave: Ensino da língua. Plano de curso. Gênero discursivo. Direito.

1 Professora do Centro Universitário de João Pessoa, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Linguagem,

Enunciação e Interação – GPLEI, do Programa de Pós-Graduação em Linguística – PROLING da UFPB. Coordenadora do Projeto Dialogismo e Enunciação em Redação Forense – DELF, vinculado ao GPLEI e ao Projeto Pedagógico do UNIPÊ.

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1 INTRODUÇÃO

O Direito é uma prática social da linguagem, que tem como objeto o uso da

palavra em suas possíveis dimensões de funcionamento no discurso, principalmente,

nos domínios dos gêneros pelos quais essa prática é constituída.

Nessa perspectiva, a pesquisa investiga as abordagens sobre gêneros

discursivos nas ementas e objetivos dos planos de curso oferecidos pelas disciplinas

que contemplam a aprendizagem da língua nos Cursos de Direito oferecidos na Paraíba

com a intenção superar deficiências do ensino médio e preparar o aluno para o

exercício da profissão.

Observa-se que essa preocupação visa a um efetivo trabalho de aprendizagem

da língua, que busca a sua correção, ou enfatiza os âmbitos da argumentação,

tomando por base os pressupostos teóricos da lógica tradicional persuasiva, ou, ainda,

os métodos da hermenêutica jurídica, em detrimento de uma aprendizagem da

linguagem vivenciada no processo interativo da comunicação.

Salvo algumas instituições que exploram linhas de estudo vinculadas a teorias

analítico-discursivas e caminham para uma mudança na forma de refletir a construção

e a compreensão de sentido do texto, percebe-se, ainda, que este aspecto é tratado de

forma moderada em instituições de ensino superior da área jurídica. Algumas sequer

oferecem a disciplina como suporte para os propósitos comunicativos do curso.

Desse ponto de vista, privilegiar os gêneros discursivos no ensino da língua é

formar um aluno capaz de mobilizar diversas formas de conhecimento, de ter

habilidade para se aventurar pelos caminhos enunciativos do texto, ao percorrer

gêneros que façam parte da esfera de circulação de sua vida profissional como peças

processuais, doutrinas e leis.

Faz-se necessário a presença de leituras específicas, como textos doutrinários e

normativos, nos planos de ensino da língua ministrados nestes cursos, a fim de que o

aluno mantenha seus primeiros contatos com o objeto principal de sua vida de

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estudante e, consequentemente, de sua profissão. Essa iniciativa significa partir do

intenso normativismo cultivado pelos professores da área, no ensino das leis, para

uma leitura discursiva, interligando os dispositivos legais a outras fontes do

conhecimento e da vida em sociedade.

Nesse processo, pressupõe-se que um enfoque dos planos de ensino para os

estudos de linguagem, em práticas profissionais de natureza jurídica à luz do

dialogismo, pensado por Bakhtin (1895-1975), favorece o caminho para explicitar

condições de produção e modos de aplicação do discurso jurídico. Discurso, aqui

compreendido, não como um conjunto de normas passíveis de interpretação ou

aplicação, mas como um conjunto estrutural e dialógico, permeado de concepções

morais, políticas e ideológicas, que tornam o profissional do Direito um sujeito ativo no

meio em que atua.

Fundamentado nos conceitos de leitura, enunciação e gênero discursivo, este

estudo, do ponto de vista teórico, atinge dimensões mais amplas, ao sugerir a noção

de língua como uma prática interativa e discursiva, que permite aos sujeitos sociais

interagirem com habilidade para informar, persuadir, reclamar ou questionar, porque

Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal (BAKHTIN, 2010, p. 348).

Nesse plano de responsividade, o jurista, como todo indivíduo situado,

constitui-se em um ser de resposta. No universo social dos modos de produção e

recepção da língua, ele se constitui em relação ao outro, tornando-se responsável por

seus atos, sua lógica, seus argumentos e suas leis.

A pesquisa exploratória da investigação, de natureza documental com métodos

qualitativo e quantitativo, decorre da seleção do corpus (ementas e objetivos de oito

planos de ensino), tido como fonte primária, que ainda não recebeu tratamento

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analítico, podendo ser examinado de forma que demonstre uma interpretação nova

ou complementar. Aqui, eles não são referenciados pela indicação institucional a fim

de não comprometer o mérito, nem correr o risco de uma propaganda indevida.

A escolha do material se fundamenta na questão cronológica, dando-se

prioridade aos Planos de Ensino sugeridos entre 2013 a 2015, uma vez que se tem

observado, ainda que de forma empírica pelas leituras para seleção dos textos, uma

preocupação constante das instituições em atualizar suas ementas. Os Planos de

Ensino das instituições pesquisadas foram selecionados de processos das

transferências de alunos ou acessados pela internet. De modo algum, tem-se a

pretensão de afirmar que esta ou aquela ementa é eficiente ou não, apenas se propõe

mais um outro olhar para o ensino da língua na área jurídica, privilegiando o estatuto

dialógico da linguagem através do gênero.

Assim, contribui-se com mais uma proposta para a integração do conhecimento

linguístico à vida profissional do estudante, tomando-se a língua como um elemento

vivo, constituído por posicionamentos ideológicos na vida social.

2 GÊNERO DISCURSIVO: fundamentos dialógicos

Os estudos sobre a concepção dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin

(2009, 2010) e seu Círculo, tem-se tornado objeto de pesquisa em diversas esferas do

conhecimento e suscitado discussões, no meio acadêmico, pelo seu teor filosófico e

sua temática vinculada a contextos imediatos, principalmente, nos domínios da

Linguística como a Sociolinguística, a Psicolinguística, a Semântica Enunciativa e a

Análise do Discurso.

Esta dimensão social está presente em todas as esferas e manifestações da

atividade humana, comportando o uso da língua na dinâmica da responsividade e das

relações dialógicas, que abrangem uma língua concreta, fundamentada na enunciação,

pois as particularidades enunciativas de uma dada situação dialógica situam-se no

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processo interativo verbal e não verbal, fazendo parte de um contexto maior que

antecede à situação imediata ou as projeta para tempos futuros.

Por meio dessa relação, interage-se com o outro, atua-se sobre ele, leva-o a

aceitar o dito, ou interpretar o não dito e a realizar aquilo a que se propõe. A partir

desse propósito, procura-se, na posição de locutor, seleção de critérios e cuidados com

a elaboração do discurso. Esta dimensão constitutiva da língua faz-se presente na

compreensão ativa responsiva, como numa réplica, suscitando sempre uma reação,

uma resposta do interlocutor. Essa relação contínua leva em conta como se assimilam

as palavras alheia, como são criadas constitutivamente as respostas contextuais e

como as práticas sociais influenciam nossos modos de interação.

No Direito, o domínio discursivo se manifesta predominantemente pelo gênero

selecionado e pela seleção do vocabulário, buscando explicar os institutos jurídicos, as

peças processuais, as doutrinas e as jurisprudências. Tudo que o sujeito operador do

direito escreve, nesse contexto, tem como base uma situação de conflito da vida em

sociedade.

O gênero discursivo, ao organizar o dizer do sujeito, efetua também a

organização das formas linguísticas que compõem o enunciado. Essas formas, por sua

vez, não são de ninguém, não possuem valoração, mas, ao entrarem na cadeia

constitutiva do enunciado, adquirem carga valorativa, ou já vêm valoradas de outros

enunciados e entram no discurso como palavras alheias, cheias de enunciações

individuais.

Uma investigação científica que tome como base este aspecto de linguagem

em uso só pode alcançar seus propósitos, considerando-se a situação dialógica. Esta

posição tem fundamento na apreciação de Bakhtin (2010, p. 401) em a “Metodologia

das ciências humanas”:

Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo. [...] Por trás desse contato está o contato entre indivíduos e não entre coisas (no limite). Se transformarmos o diálogo em um texto

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contínuo, [...] o sentido profundo (infinito) desaparecerá (bateremos contra o fundo, poremos um ponto morto).

As vozes que proliferam, nesse contato, mantêm relações de controle,

negociação, compreensão, concordância, desacordos e discussões pela palavra. É de se

evidenciar o papel ativo do outro nessa interação. Esta atividade complexa, de

relacionamento interdependente, produz enunciados-respostas dentro da cadeia da

comunicação verbal.

Tal procedimento representa uma atividade constitutiva de sujeitos

interagentes no mundo jurídico, que aprimoram a noção de língua e estabelecem

relações com outras formas de discurso. Nesse movimento, esse sujeito seleciona as

unidades discursivas pertinentes às esferas de suas atividades, os gêneros, que, nas

postulações de Bakhtin (2010, p. 262), funcionam como “[...] tipos relativamente

estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.” Este é o desafio.

Não bastam os cuidados com o caráter normativo da língua, com as interpretações dos

dispositivos da lei, faz-se útil a familiaridade com o gênero lido para que haja

integração, no ato de ler, entre norma, produção, leitura, escrita e suas relações na

dialogicidade.

O Direito, entendido como uma ciência da linguagem, está impregnado de

atividades linguísticas, de outros textos, de forma que não se cogita a possibilidade de

textos, isolados de outros contextos, sejam eles políticos, sociais, culturais ou

históricos. O leitor iniciante, nesse campo, deve preparar-se para realizar este

movimento cooperativo de leitura.

Nessa perspectiva, Brandão (2005, p. 272) afirma que:

Ler torna-se uma atividade de co-enunciação, o diálogo que o autor trava com leitor possível, cujos movimentos ele antecipa no processo de geração do texto e também como atividade de atribuição de sentido ao texto promovido pelo leitor no ato da leitura.

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Compete ao professor tornar-se parceiro nessa tarefa, percorrendo conceitos,

reformulando dizeres e desenvolvendo modos de ensino que ressignifiquem seus

objetivos e ampliem suas propostas de leitura, a fim de auxiliar na construção um

sujeito jurídico aprimorado na sua capacidade de interlocução, resolvido como

intérprete, como participante ativo capaz de interagir nos caminhos da comunicação.

2.1 A QUESTÃO DA PALAVRA NOS GÊNEROS

Ao tratar da palavra no contexto do gênero, Bakhtin (2010) enfatiza que toda

palavra se organiza dentro de um determinado gênero discursivo numa situação de

interação verbal. Nesse processo, o locutor elabora seu enunciado e expõe o que deve

ser dito, considerando o interlocutor ou os interlocutores e o contexto do ato de

comunicação.

Assim, os gêneros se constituem como tipos de enunciado, construídos em

cada esfera de uso da língua. Se a palavra adquire peculiaridade própria de enunciado:

Quando escolhemos as palavras, no processo de construção de um enunciado, nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua, em sua forma neutra lexicográfica. Costumamos tirá-las de outros enunciados, e, antes de tudo, de enunciados congêneres com o nosso, isto é, pelo tema, pela composição, pelo estilo; consequentemente, selecionamos as palavras segundo a sua especificação de gênero (BAKHTIN, 2010, p. 292-293, grifos do autor).

Qualquer mudança, nesse processo, gera também uma mudança de gênero.

Por esta razão, deve-se afirmar que os gêneros são formas de enunciado, que

funcionam como elos na cadeia complexa, contínua, e infinita da comunicação,

estabelecendo relações dialógicas com outros enunciados, mantendo, no seu

horizonte, a orientação para uma resposta ativa do outro.

Somente o enunciado pressupõe esse outro. Suas particularidades o definem

como tal e o distinguem, portanto, da oração pelo acabamento específico, pela

expressividade do locutor e sua relação com os outros, ou seja, pela alternância dos

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sujeitos falantes. O mais importante critério para o acabamento é a possibilidade de

responder. Tal possibilidade está diretamente relacionada à totalidade do enunciado.

Estas determinações que admitem a possibilidade de resposta (ou de compreensão

responsiva) remetem a três fatores: “[...] 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2)

projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) formas típicas

composicionais e de gênero do acabamento.” (BAKHTIN, 2010, p. 281). Em outras

palavras, asseguram o tratamento exaustivo do objeto de sentido; o intuito, ou seja, o

querer-dizer do locutor e; as formas de estruturação do gênero.

Com esta mesma posição, Borges (2009, p. 14) afirma que,

Para aprender e entender um gênero do discurso, o estudo deve partir dos agrupamentos de atuação e da comunicação humana – que estão em permanente interação. Dentro deles, há forma mais ou menos estáveis de enunciar-se, as quais, por sua vez, configuram-se em gêneros do discurso. Estes são característicos de uma esfera social porque possuem uma certa estabilidade e normatividade quanto aos seus enunciados constituintes.

Dada essa relativa estabilidade e normatividade dos enunciados, aprende-se a

composição dos gêneros do discurso e seleciona-se, na qualidade de sujeito falante, o

mais adequado à esfera social a que está submetido esse sujeito. Assim, os falantes

utilizam a língua de acordo com gêneros de discurso específicos, caracterizados pelos

seus conteúdos temáticos, suas estruturas composicionais e seus recursos linguísticos.

No dizer de Bakhtin (2010, p. 283),

Se os gêneros discursivos não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.

Por essa dimensão, o homem aprende a moldar sua fala às formas do gênero e,

ao ouvir a fala do outro, pressentindo, de imediato, pelas primeiras palavras, o gênero,

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adivinhando-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada

estrutura composicional, presumindo-lhe a extensão e a sua importância.

O gênero do discurso, ao organizar o dizer do sujeito, efetua também a

organização das formas linguísticas que compõem o enunciado. Em situações típicas

de comunicação, os elementos constitutivos do gênero devem ser especificados pelo

tema (o conteúdo no momento da enunciação), pela forma de organização textual

(construção composicional) e pelos recursos linguísticos (o estilo, o próprio gênero).

(BAKHTIN, 2010). Enquanto elementos determinados por estas três dimensões, os

gêneros se organizam pelo contexto linguístico-textual e pela sua dimensão social, que

inclui o tempo e o espaço da ação comunicativa, a sua situação de interação e a sua

orientação valorativa. Logo, não se pode analisar um gênero sem a ação totalizante de

seus elementos.

Nessa direção, o emprego dos gêneros depende habilidade do sujeito em saber

manipular a seleção dos recursos linguísticos, as marcas da enunciação e os modos de

circulação e recepção do discurso. Quanto mais complexo se apresente o meio social

de convívio, mais diversificadas são as atividades e as formas de uso da linguagem.

2.2 O GÊNERO DISCURSIVO PELO CORPUS SELECIONADO

Os estudos da língua nas propostas de ensino para os cursos de direito, aqui

selecionadas, recebem os títulos de Comunicação Jurídica, Português Jurídico, Leitura e

Interpretação de Textos, Linguagem Jurídica, Argumentação Jurídica, Redação Jurídica,

Hermenêutica Jurídica, entre outras denominações, apresentando, objetivos que

corrijam erros de português, auxiliem na produção textual e deem ao bacharel um

maior conhecimento de retórica, das regras gramaticais e do vocabulário jurídico.

Essas propostas articulam conhecimentos teóricos às atividades práticas do

curso, de modo que o aluno adquira experiências a serem utilizadas na interpretação e

correção de textos, em aspectos da seleção vocabular, na questão do vocabulário

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técnico, no uso de recursos morfossintáticos, ou nas estratégias argumentativas, ou

ainda, nos recursos de convencimento e persuasão.

Preocupados com estes aspectos de nivelamento, os professores apresentam

ementas e objetivos, que focalizam a gramática tradicional e categorias

argumentativas, dando menor importância a uma dimensão linguístico-discursiva que

fundamente aspectos da linguagem em uso, a unidade temática do texto, a

possibilidade resposta do locutor e os problemas de compreensão.

Essa perspectiva pode ser verificada nas ementas que, ora se analisam, pelos

seus contextos veiculados à gramática, ou a lugares retóricos da vida jurídica como o

argumento, a lógica e a dialética. Não bastam os cuidados com o caráter normativo da

língua, é preciso reverenciar suas particularidades, onde se apontem uma língua-

estrutura (a gramática) e uma língua-acontecimento (o discurso). Desse modo, os

textos são apreendidos pela memória constitutiva do leitor e as práticas do discurso

contribuem para o desenvolvimento de uma atitude mais crítica e reflexiva do aluno.

As teorias argumentativas da Retórica e da Nova Retórica têm sua importância

no universo discursivo do estudante, mas precisam ser aprofundados à luz de

elementos enunciativos responsáveis pela multiplicação dos enunciados em circulação,

pela retomada do discurso de um na palavra do outro, ou seja, pelo movimento

polifônico da linguagem que faz emergir novos sentidos, principalmente, em situações

comunicativas específicas como o contexto jurídico.

Dessa maneira, podemos inferir a esfera da atividade humana a que o gênero

pertence, a seleção dos recursos linguísticos utilizados, as marcas da enunciação, a

dimensão valorativa e apreciativa do signo ideológico no contexto, os modos de

circulação e recepção do discurso e o ponto de vista de cada sujeito envolvido no

processo comunicativo.

As ementas elencadas, abaixo, demonstram uma preocupação com a língua

utilizada nesse campo, entretanto falta a essa preocupação um aprofundamento sobre

posição ativa responsiva do falante no fluxo comunicativo. Isso nos leva a considerar a

importância do gênero em todas as situações de uso da língua.

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Vejamos os contextos de cada instituição, aqui, numerada:

Processos de comunicação. Comunicação, expressão e

diversidade cultural. Leitura e interpretação de textos. Revisão

ortográfica e morfossintática. Construção de síntese

contextualizadas. Extrato de conclusões por indução e/ou

dedução. Estabelecimento de relações, comparações e

contrastes em diferentes situações. Utilização de vocabulário

adequado e correção gramatical do texto. (Instituição nº 1).

Formas de argumentação. A Nova Retórica. Os âmbitos da

Argumentação. Persuasão e conhecimento. O Argumento e

suas características. A Lógica Informal. Silogismo. Os

Operadores Argumentativos. O Discurso Jurídico e a

Argumentação. As técnicas nas Práticas Jurídicas. (Instituição

nº 2).

Linguagem, sistema (código), língua - linguagem jurídica.

Variedades linguísticas- jargão jurídico. Níveis de linguagem.

Elementos da Comunicação. Funções de linguagem.

Compreensão e interpretação de textos – o que ler? Implícitos

– pressupostos e subentendidos. O mecanismo da inferências.

O texto jurídico e suas especificidades. Vocabulário jurídico:

homônimos, parônimos, homônimos, conotação e denotação,

arcaísmos, latinismo, recursos gráficos (aspas, etc., sic). Coesão,

coerência e Clareza. Armadilhas do texto - ambiguidade e

redundância. Revisão ortográfica – acentuação, pontuação, uso

dos “porquês”, crase e colocação pronominal e grafia.

(Instituição nº 3).

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Teoria da Argumentação Jurídica. Categorias fundamentais da

Nova Retórica. Mecanismos de Argumentação no Discurso

Jurídico. Estratégias Argumentativas. Raciocínio Jurídico e

Argumentação. A Dissertação argumentativa e o Discurso

Jurídico. Brocardos Jurídicos e Argumentação. Operadores

Argumentativos. Aspectos Linguísticos e Estruturais dos Textos

Jurídicos. Leitura e Produção de Peças Processuais de Iniciação

à Prática Forense. A Narração dos Fatos em Petições Iniciais.

Metodologia do relatório jurídico. (Instituição n° 4).

Concepções de língua e linguagem; análise das especificidades

dos textos orais e escritos, compreendendo-os enquanto um

continuum; sofisticação do processo de argumentação: o artigo

de opinião e a resenha, bem como os tipos de argumentos; as

informações implícitas; a intertextualidade; as concepções de

leitura e suas estratégias. (Instituição n° 5).

Noção de textos: suas propriedades e textualidade. Leitura:

conceito, níveis e estratégias de leitura de diferentes gêneros

discursivos. Produção textual e leitura dos gêneros acadêmicos.

Aspectos textuais (gramaticais e semânticos) e discursivos do

texto. Tópicos de língua padrão. (Instituição nº 6).

Conceitos linguísticos de língua falada, escrita e níveis de

linguagem. Vocabulário jurídico. Discurso jurídico. Gêneros

textuais. Técnicas de leitura e redação. Recursos expressivos da

linguagem jurídica. Produção de textos. Textualidade.

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Argumentação jurídica. Redação oficial. Revisão gramatical.

(Instituição nº 7).

Estratégia de leitura e produção de textos. Relações de

significação e construção de sentido. Os gêneros textuais e a

interação entre autor, texto e leitor. A textualidade e suas

relações com o processo de construção discursiva. A linguagem

jurídica e suas especificidades. A comunicação jurídica: o ato

comunicativo. Gêneros textuais no cenário jurídico: Petição

Inicial, Contestação, Impugnação, Decisão Saneadora,

Alegações finais e sentenças. (Instituição nº 8).

Tais ementas, com exceção das apresentadas pelas Instituições de nº 6, nº 7 e

nº 8 ainda não correlacionam o discurso jurídico às práticas sociais, não interligam o

ensino da língua às demais disciplinas do curso enquanto ponto-chave para a

aprendizagem da Prática Jurídica e dos direitos, sejam eles, Constitucional, Civil, Penal,

Processual ou Administrativo.

A ementa representa um ponto fundamental ao que deve ser aprendido. É

preciso, em seus contextos, a indicação clara de blocos temáticos de leitura, onde

professor e aluno sejam atores sociais, reflitam sob condições de aprendizagem. O

professor adepto dessa concepção interativa de linguagem privilegia os possíveis

sentidos do discurso e não vê a língua como um sistema de normas acabado, fechado,

completo em si, sem interferência social.

As Instituições nº 1 e nº 3 voltam-se para a questão do vocabulário específico,

para as símiles e para a leitura e interpretação de textos. Na prática de produção

textual ditada nos objetivos, salientam a importância da capacidade da expressão da

escrita e a condição para produzir textos com coesão e coerência, posicionamentos

que evidenciam a capacidade de escrever corretamente, o encadeamento sintático e a

articulação de sentido, funções que se relacionam ao caráter semântico do texto.

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A ementa nº 3 reforça a propriedade dos elementos coesivos lexicais e

preocupa-se com a sinonímia e antonímia lexicais. Significa que a preocupação se

centraliza na possibilidade de relacionar uma palavra à outra em um determinado

contexto. Compete ao professor estabelecer que esse contexto é produzido por

sujeitos constituídos, portanto não se isolam na comunicação verbal.

As Instituições nº 2 e nº 4 , ao propor os âmbitos da argumentação, os

operadores argumentativos e as técnicas nas práticas jurídicas, valoram a organização

racional da ideias, as justificativas e as estratégias de argumentação como, por

exemplo, o cuidado com as afirmações para não tomá-las de forma fixa ou

contundentes. Estas posturas buscam a adesão do interlocutor, mas poderiam

contribuir ainda mais com a aprendizagem se contemplassem a dimensão polifônica do

discurso.

A Instituição nº 5 procura sanar as dificuldades de escrita dos alunos, partindo

dos conceitos de língua e linguagem, das concepções de leituras e do processo de

argumentação em gêneros como artigo de opinião e resenha. Além da preocupação

com elementos da Linguística Textual, a ementa vislumbra a importância dos textos

orais e escritos.

As Instituições de nº 6, nº 7 e nº 8 trazem, em suas ementas, a presença do

gênero, ora com gênero discursivo como a instituição de nº 6, ora como gênero textual

como nas Instituições de nº 7 e de nº 8. O gênero textual motivado pela interação

entre autor, texto e leitor. Essa dimensão já demonstra uma preocupação do professor

com a compreensão do enunciado, com a presença do outro, com a capacidade desse

outro responder, transformando cada enunciado em elo na cadeia complexa da

comunicação.

Sabe-se que escrever demanda um exercício prático de leitura, de transcrição

de textos e de reescrita do próprio texto, sem contar com as formas de interação

verbal, com as condições concretas da enunciação e o processo de evolução da língua.

Esse trabalho discursivo

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[...] permite esmiuçar campos semânticos, descrever e interpretar

micro e macro-organizações sintáticas, reconhecer, recuperar e

interpretar marcas e articulações enunciativas que caracterizam o(s)

discurso(s) e indiciam sua heterogeneidade constitutiva, assim como

dos sujeitos aí instalados. (BRAIT, 2012, p. 13).

Consequentemente, ir além da materialidade linguística, identificando-se o

gênero que, no texto, foi articulado, sua lógica orgânica, sua imbricação com o verbal e

o não verbal, e suas alterações conforme o projeto enunciativo dos sujeito envolvidos.

Nessa cadeia, o enunciado constitui sempre uma resposta que pode rejeitar,

confirmar, completar ou questionar o enunciado que o antecede. Essa característica

auxilia um elemento inerente aos processos judiciais, que se denomina o princípio do

contraditório. Assim, percebe-se a interdisciplinaridade da língua com o próprio direito

e os papéis de seus sujeitos operadores no desempenho de suas funções.

Conceber essa compreensão de texto jurídico para além do que se lê e daquilo

que fica estabelecido nos limites do sistema da língua auxilia o aluno no trabalho

forense, esclarece que esse trabalho é realizado por sujeitos ativos no processo de

interação, em relação de troca e de inserção do discurso de um no discurso de outro,

lugar em que emergem signos carregados de valores sociais, definidos pelas relações

do direito com a sociedade.

Nessa percepção dialógica ativa, o enunciador jurídico penetra na elaboração

dos gêneros discursivos, tem consciência de que seus dizeres circulam em uma

atividade cognitiva orientada para o outro, atravessada por juízos de valor, por suas

experiências individuais que interagem em um mesmo contexto histórico-social.

Assim, ele se apropria dos recursos linguísticos para torná-los meios de expressão,

para produzir enunciados na dinâmica prestação de serviços jurisdicionais.

Quanto aos objetivos, parece-nos que são formulados com clareza, ao

descrever, com base nas ementas, as habilidades e as atitudes a serem desenvolvidas.

Isso significa que o professor reflete didaticamente a sua prática de ensino em sala de

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aula, conforme as peculiaridades inerentes a cada instituição. O que se questiona é a

carência de teorias sobre gêneros com um enfoque específico.

Dentre os objetivos, tomem-se, como exemplo, os seguintes:

1 “desenvolver no aluno a capacidade da expressão da escrita por meio da

prática de produção textual.” (Instituição nº 1);

2 “produzir textos com coerência, coesão e adequação da linguagem, com

consciência de sua estrutura e articulação para os diversos meios de

comunicação.” (Instituições nº 1 e 3);

3 “identificar ideias principais, objetivos e estratégias argumentativas em textos

jurídicos de caráter técnico e científico.” (Instituição nº 2);

4 “desenvolver a capacidade argumentativa, tomando por base os

pressupostos teóricos da teoria da Argumentação.” (Instituição nº 2);

5 “desenvolver no aluno a capacidade de expressão escrita por meio da prática

de produção textual.” (Instituição nº 3);

6 “raciocinar de forma lógica, produzindo textos coerentes.” (Instituição nº 4).

7 “ampliar os conhecimentos e vivências de comunicação e de novas leituras

do mundo”. (Instituição nº 5);

8 “desenvolver a habilidade de leitura para estimular a compreensão e a

interpretação de diferentes tipos e gêneros de texto, especialmente

acadêmicos e jurídicos.” (Instituição nº 6);

9 “conhecer e aplicar conhecimentos da língua, a partir dos gêneros discursivos

e das técnicas de produção de texto com base no vocabulário adequado ao

campo profissional.” (Instituição nº 7);

10 “Desenvolver as habilidades de comunicação oral e escrita com o intuito de

atender às necessidades de comunicação e expressão da dinâmica

organizacional.” (Instituição nº 8).

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Preocupados com o desenvolvimento da escrita ou com capacidade

argumentativa do aluno, estes objetivos são necessários, mas não contextualizam o

objetivo principal do uso da língua, que é se estabelecer pelos seus efeitos de

produção e recepção de sentido, em outros termos, pelas condições de produção do

gênero bem como pelos papéis desempenhados por seus sujeitos falantes.

Algumas ementas contemplam a aprendizagem da língua com as novas teorias

discursivas, propondo temas como “conceito, níveis e estratégias de leitura de

diferentes gêneros discursivos” (Instituição nº 6), “discurso jurídico e gêneros textuais”

(Instituição nº 7) e “os gêneros textuais e a interação entre autor, texto e leitor.”

(Instituição nº 8), entretanto não alcançam suas metas por sugerirem outros

percursos, nos objetivos, como a habilidade de leitura e a interpretação textual e a

adequação de conhecimento da língua ao formalismo da linguagem jurídica, em

detrimento de leituras das formas discursivas que se materializam no texto. Por outro

lado, alguns desses planos, apesar de anunciarem estudos de gênero, não trazem, nas

referências, indicações bibliográficas necessárias ao conhecimento.

O apego à capacidade de expressão da escrita, à gramática, à capacidade

argumentativa, aos conceitos linguísticos aplicados e às questões de vocabulário não

permite a compreensão da linguagem do direito como uma atividade social, que se

manifesta por gêneros específicos, conforme a situação imediata da comunicação. Faz-

se necessário compreender os elementos socioculturais historicamente constituídos,

as possibilidades de participação dos interlocutores e as convenções impostas pelo

meio jurídico. A partir desses propósitos, recorre-se ao padrão necessário do gênero,

de suas formas estabilizadas ou formas passíveis de mudança, levando-se em

consideração estrutura, conteúdo temático e estilo.

Nesse sentido, enfocam-se as concepções de língua em uso para que o aluno,

no papel de interlocutor, conceba o texto jurídico como um enunciado de

características técnico-funcionais, inserido nas relações dialógicas. Caso contrário, não

se estuda a língua em um [...] processo de evolução ininterrupto, que se realiza através

da interação verbal social dos locutores. (BAKHTIN, 2009, p. 132).

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O caminho para formar um operador do direito conhecedor de seus propósitos

enunciativos é habilitá-lo à convivência dos gêneros. O problema passa pela

significação da linguagem e seu sistema polissêmico, pela forma de compreender o

texto dentro de uma contextualização de fato e pelo modo de apreender esse texto

em uma forma enunciada. Torna-se conveniente insistir nesse ponto desde o início do

curso, para que surja uma nova geração de pensadores comprometidos com as

práticas discursivas que levem ao homem o dever-ser, o mundo das relações humanas

nas mais diversas ações sociais e manifestações culturais.

Com essa preocupação, o estudante desenvolve suas aptidões tecnojurídicas,

adquire capacidade para compreender os caminhos enunciativos dos textos,

desenvolve o hábito de trabalhar em grupo, de inter-relacionar ideias e busca, na

leitura, a unidade precisa entre texto e discurso. Essa perspectiva lida com a noção de

língua como atividade dialógica, social e histórica. O desenvolvimento dessa concepção

de aprendizagem deve ser alimentada pelos professores, já que são atores desse

processo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas análises das ementas e objetivos dos planos de ensino da língua

oferecidos aos cursos jurídicos, verifica-se que a questão do gênero discursivo ainda é

abordada, de forma muito tímida em sala de aula. Das propostas apresentadas,

apenas três contemplam os estudos do gênero, ora privilegiando aspectos textuais, ora

explorando estratégias argumentativas na interpretação.

A partir dessa constatação, a pesquisa sinaliza a contribuição relevante do

estudo dos gêneros discursivos, à luz do processo dialógico da linguagem, para os

alunos dos cursos jurídicos, observando-se a possibilidade de familiarizá-los com o uso

das formas linguísticas sem dissociá-las do contexto histórico e social da língua.

Essa orientação não se faz apenas com gramática, surgindo, daí, a necessidade

de uma abordagem discursiva para esta questão, partindo da escolha dos recursos

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linguísticos, para os modos de circulação e recepção do discurso e o ponto de vista de

cada sujeito envolvido no processo comunicativo.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Trad. do russo por Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. BAKHTIN, M. M./ V. N. Volochínov. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Veira. 13. ed. São Paulo, SP: Hucitec, 2009. BORGES, M. I. A subjetividade na teoria bakhtiniana dos gêneros do discurso. 2009. Disponível em: <http;//www3.unisul.br/páginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/90>. Acesso em: 21 jul. 2014. BRAIT, Beth. Análise e teoria do discurso. In: ______. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 9-31. BRANDÃO, H. N. Escrita, leitura e dialogicidade. In: BRAIT, Beth. (org.). Bakhtin, dialogismo e a construção do sentido. 2. ed. rev. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 265-273.