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UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO 1  Prof. Dr. Nali de Jesus de Souza 2  Neste trabalho, será apresentada uma introdução à história do pensamento econômico, com a evolução sumária da Economia através dos tempos, com o objetivo de mostrar que o dia-a-dia das pessoas não está dissociado do aspecto econômico. Tanto a segurança física, a manutenção da vida, como a alimentação e outras necessidades básicas constituem a preocupação fundamental dos seres vivos. Desde que acorda todas as manhãs, o homem procura satisfazer suas necessidades: toma o seu banho, veste-se, alimenta-se, lê o jornal, utiliza-se de um meio de transporte e se dirige para o trabalho. Para pagar por esses bens que consume, para ter um mínimo de conforto, ele precisa de uma renda, que normalmente vem de seu trabalho. Sempre foi assim através dos tempos. Nas comunidades primitivas, o homem preocupava-se com a caça , a pesca e com a segurança do lar. A mulher cuidava pessoalmente da casa e dos filhos, ou administrava os serviços executados por serviçais. Havia uma divisão do trabalho, que naturalmente variava em parte de uma comunidade para outra, de acordo com os costumes. Essa divisão do trabalho evoluiu através dos tempos. Parte dos bens e serviços obtidos domesticamente passaram a ser produzidos fora da casa ou da comunidade, por pessoas que se especializavam em determinadas profissões; estes foram os artífices ou artesãos. Mais tarde, surgiram as fábricas e o trabalho passou a ser assala riado, dando início ao modo de produção capitalista. 1 - ORIGENS DO PENSAMENTO ECONÔMICO  A Economia surgiu como ciência através de Adam Smith (1723-1790), considerado o pai da Economia Política. Sua obra, A Riqueza das Nações, publicada em 1776, constituiu um marco na história do pensamento econômico. Antes disso, a Economia não passava de um pequeno ramo da filosofia social, como atestam as contribuições do abade e filósofo francês Turgot (1727-1781), como será visto adiante. Com o Mercantilismo (1450-1750), as idéias econômicas conheceram algum desenvolvimento, mas na Antigüidade e na Idade Média as relações econômicas eram bastante simples, como será visto a seguir. 1.1 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA ANTIGÜIDADE Mesmo nas sociedades primitivas, os homens precisavam organizar-se em sociedade, para defender-se dos inimigos, abrigar-se e produzir comida para sobreviver. A divisão do trabalho daí decorrente permitiu o desenvolvimento da espécie humana em comunidades cada vez maiores e mais bem estruturadas. Na maior parte dos casos, a produção era basicamente para a própria subsistência. Algumas pessoas produziam um pouco mais, permitindo as trocas, o que gerou especialização. No lar, os homens produziam as ferramentas e utensílios rudimentares para a agricultura, caça, pesca e para trabalhos com madeira (enxadas, pás, machados, facas, arco, flechas e outras armas). Com o tempo, surgiram pessoas com habilidade que se especializaram na produção de cada um dos tipos de bens. Alguns trabalhadores mais habilidosos não só aprenderam uma profissão específica, como passaram a reunir aprendizes e ajudantes. A escala de produção ampliou-se; os produtos adquiriram maior qualidade e os custos de produção se reduziram em função do aumento das quantidades produzidas. Aqueles que produziam armas ou ferramentas específicas tinham pouco tempo para se dedicar à 1 Relatório Pesquisa da área de História Ec onômica, realizada no NEP PUCRS. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da PUCRS. Doutor em Economia pela USP.

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UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO1 

Prof. Dr. Nali de Jesus de Souza2 

Neste trabalho, será apresentada uma introdução à história do pensamento econômico, com aevolução sumária da Economia através dos tempos, com o objetivo de mostrar que o dia-a-dia das

pessoas não está dissociado do aspecto econômico. Tanto a segurança física, a manutenção da vida,como a alimentação e outras necessidades básicas constituem a preocupação fundamental dos seresvivos. Desde que acorda todas as manhãs, o homem procura satisfazer suas necessidades: toma oseu banho, veste-se, alimenta-se, lê o jornal, utiliza-se de um meio de transporte e se dirige para otrabalho. Para pagar por esses bens que consume, para ter um mínimo de conforto, ele precisa deuma renda, que normalmente vem de seu trabalho.

Sempre foi assim através dos tempos. Nas comunidades primitivas, o homem preocupava-secom a caça , a pesca e com a segurança do lar. A mulher cuidava pessoalmente da casa e dos filhos,ou administrava os serviços executados por serviçais. Havia uma divisão do trabalho, quenaturalmente variava em parte de uma comunidade para outra, de acordo com os costumes. Essadivisão do trabalho evoluiu através dos tempos. Parte dos bens e serviços obtidos domesticamentepassaram a ser produzidos fora da casa ou da comunidade, por pessoas que se especializavam emdeterminadas profissões; estes foram os artífices ou artesãos. Mais tarde, surgiram as fábricas e otrabalho passou a ser assalariado, dando início ao modo de produção capitalista.

1 - ORIGENS DO PENSAMENTO ECONÔMICO 

A Economia surgiu como ciência através de Adam Smith (1723-1790), considerado o pai daEconomia Política. Sua obra, A Riqueza das Nações, publicada em 1776, constituiu um marco nahistória do pensamento econômico. Antes disso, a Economia não passava de um pequeno ramo dafilosofia social, como atestam as contribuições do abade e filósofo francês Turgot (1727-1781),como será visto adiante. Com o Mercantilismo (1450-1750), as idéias econômicas conheceramalgum desenvolvimento, mas na Antigüidade e na Idade Média as relações econômicas eram

bastante simples, como será visto a seguir.

1.1 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA ANTIGÜIDADE 

Mesmo nas sociedades primitivas, os homens precisavam organizar-se em sociedade, paradefender-se dos inimigos, abrigar-se e produzir comida para sobreviver. A divisão do trabalho daí decorrente permitiu o desenvolvimento da espécie humana em comunidades cada vez maiores emais bem estruturadas. Na maior parte dos casos, a produção era basicamente para a própriasubsistência. Algumas pessoas produziam um pouco mais, permitindo as trocas, o que gerouespecialização.

No lar, os homens produziam as ferramentas e utensílios rudimentares para a agricultura, caça,pesca e para trabalhos com madeira (enxadas, pás, machados, facas, arco, flechas e outras armas).

Com o tempo, surgiram pessoas com habilidade que se especializaram na produção de cada um dostipos de bens. Alguns trabalhadores mais habilidosos não só aprenderam uma profissão específica,como passaram a reunir aprendizes e ajudantes. A escala de produção ampliou-se; os produtosadquiriram maior qualidade e os custos de produção se reduziram em função do aumento dasquantidades produzidas.

Aqueles que produziam armas ou ferramentas específicas tinham pouco tempo para se dedicar à

1 Relatório Pesquisa da área de História Econômica, realizada no NEP PUCRS.2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da PUCRS. Doutor em Economia pela USP.

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caça, à pesca ou à agricultura: eles precisavam trocar os produtos que fabricavam por alimentos epeles para vestuário. Aos poucos, o trabalho de alguns homens passou a ser suficiente para atenderàs necessidades de um conjunto cada vez maior de pessoas. As trocas se intensificaram, portanto,entre artesãos, agricultores, caçadores e pescadores. A economia adquiria maior complexidade àmedida que as relações econômicas realizadas em determinadas localidades alcançavamcomunidades cada vez mais distantes. As trocas colocavam em contato culturas diferentes, comrepercussões locais sobre os hábitos de consumo e a estrutura produtiva.

Mais tarde, com o surgimento dos líderes comunitários, formaram-se as classes dos soldados,dos religiosos, dos trabalhadores e dos negociantes. Com a divisão do trabalho e as especializações,ficou bem nítida a formação dos diferentes agentes econômicos: governo, consumidores,produtores, comerciantes, banqueiros. O sistema bancário tornou-se importante com o surgimentoda moeda, que passou a circular como meio de troca. Na medida em que ela era depositada nosbancos, passou a ser emprestada mediante o pagamento de juros.

Contudo, entre os filósofos gregos, com grande influência no mundo antigo, havia restriçõesfilosóficas aos empréstimos a juros, ao comércio e ao emprego do trabalho assalariado. A busca deriqueza era considerada como um mal, tendo em vista que a ambição é um vício. Esse pensamentodificultava o desenvolvimento da economia. De outra parte, na Grécia antiga, como em Roma, amaior parte da população era composta por escravos, que realizavam todo o trabalho em troca doestritamente necessário para sobreviver em termos de alimentos e vestuário. Os senhores de

escravos apropriavam-se de todo o produto excedente às necessidades de consumo dostrabalhadores. A economia era quase exclusivamente agrícola; o meio urbano não passava de umafortificação com algumas casas, onde residiam os nobres, ou chefes militares.

Para os gregos, a Economia constituía apenas uma pequena parte da vida da cidade, onde sedesenrolava a vida política e filosófica, constituindo segundo eles os verdadeiros valores dohomem. Por essa razão, a obtenção de riqueza constituía um objetivo bastante secundário na vidados cidadãos. Para eles, a questão primordial consistia na discussão acerca da repartição da riquezaentre os homens e não como ela se obtinha.

Segundo a filosofia grega, o grande objetivo do homem era alcançar a felicidade, que seencontrava no seio da família e no convívio no interior da cidade, através da interação entre oscidadãos. A busca da felicidade, no entanto, não devia se restringir ao prazer, porque seria voltar àcondição de animal e de escravo. A honra era importante na medida em que mostrava ao homem os

verdadeiros valores da vida. Segundo eles, embora o comércio não fosse considerado como umaatividade natural, as trocas não eram condenáveis pois permitiam a diversificação das necessidadeshumanas e levavam à especialização dos produtores. Entretanto, como o comércio era umaatividade que não possuía limites naturais e a moeda facilitava as trocas, criava-se uma classe decomerciantes ricos. Segundo eles, essa possibilidade de riqueza fácil corrompia os indivíduos, quepassavam a dar prioridade à busca da riqueza, em prejuízo da prática das virtudes. Pela lógicagrega, tornava-se portanto condenável toda prática que levasse à acumulação de moeda, como aexistência de trabalho remunerado e a cobrança de juros nos empréstimos.

No pensamento de Platão o comércio e o crescimento econômico associavam-se com o mal ecom a infelicidade dos homens. Para ele, o trabalho era indigno porque retirava do cidadão o tempoque ele precisava para o lazer e a prática das atividades políticas e filosóficas. Na livro A República,de Platão, os cidadãos que exerciam altos cargos públicos não deviam “trabalhar” para não “poluir aprópria alma”. Eles precisavam ignorar o dinheiro, desvencilhar-se da propriedade de bens e esposa,buscando o que necessitavam na comunidade. Sendo o trabalho necessário para a atividadeprodutiva, ele precisava ser realizado por escravos. A classe inferior, que trabalhava, podiampossuir bens e trocá-los, bem como acumular riquezas dentro de certos limites para não se tornaremmaus trabalhadores. Ele condenava o empréstimo a juros, pois o ganho provém da moedaacumulada e, segundo ele, ela devia ser usada apenas para facilitar as trocas.

Aristóteles compartilhava da maioria das idéias de seu mestre Platão, mais rejeitou acomunidade de bens por considerá-la injusta por que não compensava o indivíduo segundo o seu

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Ocidente, no ano de 476, e a queda de Constantinopla, tomada pelos turcos em 1453. Esse períodocaracteriza-se particularmente pela pulverização política dos territórios e por uma sociedadeagrícola dividida entre uma classe nobre e uma classe servil, que se sujeitava à primeira. Aeconomia conhece um retrocesso, principalmente entre os séculos V ao XI. As trocas passaram a serealizar em nível local, entre Senhor e os servos; as antigas estradas romanas deixaram de serconservadas e tornaram-se intransitáveis (Hugon,1988, p. 45).

Na base do sistema feudal estava o servo, que trabalhava nas terras de um senhor, o qual, por

seu turno, devia lealdade a um senhor mais poderoso, e este a um outro, até chegar ao rei. Ossenhores davam a terra a seus vassalos para serem cultivadas, em troca de pagamentos em dinheiro,alimentos, trabalho e lealdade militar. Como retribuição a essa lealdade, o senhor concedia proteçãomilitar a seu vassalo.

O servo não era livre, pois estava ligado à terra e a seu senhor, mas ele não constituía suapropriedade, como o escravo. As trocas restringiram-se ao nível regional, entre as cidades e suasáreas agrícolas. A cidade, com seus muros, constituía o local de proteção dos servos, em caso deataque inimigo. Aos poucos, porém, passou a ser o local onde se realizavam as trocas, o mercado.Desenvolveram-se o comércio, as corporações de ofício, surgindo a especialização do trabalho.Com as Cruzadas, a partir de 1096, expandiu-se o comércio mediterrâneo, impulsionando cidadescomo Gênova, Pisa, Florença e Veneza.

A Teologia católica exerceu um poder muito grande sobre o pensamento econômico da Idade

Média. A propriedade privada era permitida, desde que fosse usada com moderação. Resulta dessefato a tolerância pela desigualdade. Havia uma idéia de moderação na conduta humana, o quelevava às concepções de justiça nas trocas e, portanto, de justo preço e justo salário. Nenhumvendedor de um produto ou serviço poderia tirar proveito da situação e ganhar acima do valorconsiderado normal, ou justo. “O justo preço é aquele bastante baixo para poder o consumidor comprar (ponto de vista econômico), sem extorsão e suficientemente elevado para ter o vendedor interesse em vender e poder viver de maneira decente (ponto de vista moral)” (Hugon, 1988, p. 51).

Similarmente, o justo salário é aquele que permite ao trabalhador e sua família viver de acordocom os costumes de sua classe e de sua região. Essas noções de justiça na fixação de preços esalários implicava também a idéia de justiça na determinação do lucro. Em outras palavras, o justolucro resultava da justiça nas trocas: ele não devia permitir ao artesão enriquecer. Havia, portanto,julgamentos de valor na conduta econômica, ou seja, a Filosofia e a Teologia dominavam o

pensamento econômico. Foi mais tarde que o racionalismo e o positivismo tomaram conta dopensamento econômico, já no século XVIII.

O empréstimo a juros era condenado pela Igreja, idéia que vem de Platão e Aristóteles, poiscontrariava a idéia de justiça nas trocas: o capital reembolsado seria maior do que o capitalemprestado. Por não serem cristãos, os judeus receberam permissão para emprestar a juro, razãopela qual se explica a sua predominância no setor financeiro, em muitos países. A partir de 1400, noentanto, as exceções ampliaram-se com o crescimento das atividades manufatureiras e do própriocomércio na era mercantilista.

1.3 MERCANTILISMO 

O Renascimento cultural e científico e o Mercantilismo abriram os horizontes da Europa, apartir de 1450. A reforma de João Calvino (1509-1564), exaltando o individualismo, a atividadeeconômica e o êxito material, deu grande impulso à economia. Enriquecer não constituía mais umpecado, desde que a riqueza fosse obtida honestamente e pelo trabalho. A cobrança de juro e aobtenção de lucro passaram a ser permitidas. Entre os protestantes, o verdadeiro pecado veio a ser aociosidade, quando a mente desocupada passa a se ocupar do mal. Como a leitura da Bíblia tornou-se fundamental no culto, incentivou-se a educação, o que se repercutiu na melhoria daprodutividade do trabalho e no desenvolvimento econômico.

No início da era mercantilista, ocorreu uma transformação política na Europa, com o

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enfraquecimento dos feudos e a centralização da política nacional. Aos poucos, foi se formandouma economia nacional relativamente integrada, com o Estado central dirigindo as forças materiaise humanas, constituindo um organismo econômico vivo. O governo central forte passou a criaruniversidades e a realizar grandes empreendimentos, como as navegações que abriram as mentesdas pessoas.

No plano internacional, as descobertas marítimas e o afluxo de metais preciosos para a Europadeslocaram o eixo econômico do Mediterrâneo para novos centros como Londres, Amsterdã,

Bordéus e Lisboa. Até então, a idéia mercantilista dominante era a de que a riqueza de um paísmedia-se pelo afluxo de metais preciosos (metalismo). O afluxo excessivo de ouro e prata provocouinflação na Espanha, cuja taxa chegou a 20% ao ano na Andaluzia, entre1561/1582 (Sachs eLarrain, 1995, p. 820).

Com a idéia de garantir afluxos significativos de ouro e prata para os seus países, osMercantilistas sugeriam que se aumentassem as exportações e que se controlassem as importações.

Entre os principais autores Mercantilistas, podem ser citados (ver Hugon, 1988, p. 59 eseguintes):a)  Malestroit (Paradoxos sobre a moeda, 1566): segundo ele, o aumento do estoque de metais

preciosos não provocava inflação;b)  Jean Bodin (Resposta aos paradoxos do Sr. Malestroit , 1568): para ele, maior quantidade de

moeda gerava aumento do nível geral de preços;

c)  Ortiz (Relatório ao rei para impedir a saída de ouro, 1588): ele afirmava que, quanto maisouro o país acumulasse, tanto mais rico ele seria;

d)  Montchrétien (Tratado de economia política, 1615): ensinava que o ouro e a prata supremas necessidades dos homens, sendo o ouro muitas vezes mais poderoso do que o ferro;

e)  Locke (Conseqüências da redução da taxa de juro e da elevação do valor da moeda,Londres, 1692): argumentava que os metais preciosos precisavam permanecer no país.

f)  Thomas Mun (Discurso sobre o comércio da Inglaterra com as Índias orientais, 1621).Através dessa obra, Mun exerceu grande influência sobre o colonialismo inglês.

Na França, o Mercantilismo manifestou-se pelo Colbertismo, idéias derivadas de Jean BaptisteColbert (1619-1683), segundo as quais as disponibilidades de metais preciosos poderiam aumentarpelas exportações e pelo desenvolvimento das manufaturas. Colbert foi Ministro das Finanças deLouis XIV e chegou a controlar toda a administração pública. Protegeu a indústria e o comércio.

Trouxe para a França importantes artesãos estrangeiros, criou fábricas estatais, reorganizou asfinanças públicas e a justiça, criou empresas de navegação e fundou a Academia de Ciências e oObservatório Nacional da França. Com a proteção à indústria, as exportações seriam mais regularese com maior valor. Com esse objetivo, os salários e os juros passaram a ser controlados pelo Estado,a fim de não elevar os custos de produção e poder assegurar vantagens competitivas no mercadointernacional. O Colbertismo implicava na intervenção do Estado em todos os domínios ecaracterizava-se pelo protecionismo, ou seja, pela adoção de medidas pelo governo para proteger asempresas nacionais contra a concorrência estrangeira. Seu pensamento encontra-se na sua obraCartas, instruções e memórias, 1651 a 1669.

Outro importante autor francês que se afastou do pensamento mercantilista foi RichardCantillon (Ensaio sobre a natureza do comércio em geral, 1730). Cantillon viu no trabalho e naterra os principais fatores da formação da riqueza nacional. A moeda ingressa no país pelo fato dovalor das exportações ser maior do que o valor das importações. Contudo um excesso de moedaeleva os preços internamente, o que provoca o encarecimento das exportações e o barateamento dasimportações, gerando posteriormente déficit na balança comercial e a saída de ouro e prata do país.

Na Espanha, o Mercantilismo não teve esse caráter desenvolvimentista da França, mas foi maispuro em sua essência, ou seja, a preocupação central era simplesmente obter o ingresso no país demetais preciosos, seja pelo comércio internacional (maximização das exportações e controle deimportações), seja pela exploração de minas nas colônias. A preocupação central do governo erafinanciar a pesquisa e a exploração de ouro e prata na América espanhola.

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Assim, com o objetivo de maximizar o saldo comercial e o afluxo de metais preciosos, asmetrópoles estabeleceram um pacto colonial com suas colônias. Por meio desse “pacto”, todas asimportações da colônia passaram a ser provenientes de sua metrópole, assim como todas as suasexportações seriam destinadas a ela exclusivamente. A metrópole monopolizava também otransporte dessas mercadorias. Para maximizar os ganhos, ela fixava os preços de seus produtos emníveis mais altos possíveis; inversamente, a fixação dos preços de suas importações eram os maisbaixos. Segundo Celso Furtado, esse “pacto” deu origem ao subdesenvolvimento contemporâneo,

porque implicava em uma sangria permanente de riquezas que fluíam para as metrópoles.O principal defeito do Mercantilismo foi ter atribuído valor excessivo aos metais preciosos naconcepção de riqueza. Contudo, sua contribuição foi decisiva para estender as relações comerciaisdo âmbito regional para a esfera internacional. Ele constituiu uma fase de transição entre ofeudalismo e o capitalismo moderno. Com o comércio, formaram-se os grandes capitais financeirosque de certa forma financiaram a revolução tecnológica, precursora do capitalismo industrial.

O sistema mercantilista não favoreceu a agricultura, como poderia ter ocorrido, na medida quetodos os países procuram importar o mínimo possível, mesmo quando havia escassez de alimentos,ou quando se necessitava de matérias-primas para a indústria nascente. Isso ocorreu na França, poisColbert cobrava impostos de importação relativamente altos para a importação de carvão coquepara a fundição de metais.

Naquela época, como nos países em desenvolvimento dos dias atuais, a agricultura constituía

praticamente todo o produto nacional. Inicialmente, os campos eram cultivados uma vez por ano,com baixa produtividade. Posteriormente, as lavouras passaram a ser divididas em duas partes,ficando uma em descanso, para recuperar fertilidade. Mais tarde, o sistema passou a ser de trêscampos, o que resultou em aumento substancial da produção agrícola por área cultivada. Isso fezcom que a população européia duplicasse entre os anos 1000 e 1300. O número de cidadesaumentou, assim como sua população.

Com o Mercantilismo, as trocas de novos produtos intensificaram-se entre os países europeus,asiáticos e árabes.3 Desenvolveu-se o sistema manufatureiro doméstico, artesanal, dandonascimento à indústria capitalista. Inicialmente, o mercador-capitalista fornecia ao artesão amatéria-prima, para que transformasse em produto a ser comercializado.

Posteriormente, o mercador-capitalista passou a fornecer as máquinas, as ferramentas e, àsvezes, o prédio onde os bens seriam produzidos. Finalmente, em vez de comprar dos diferentes

artesãos os produtos que vendia no mercado, ele acabou contratando também os trabalhadoresnecessários à produção, passando a reuni-los em um mesmo local, originando a fábrica. A formaçãode grandes capitais, a expansão dos mercados e o surgimento do trabalho assalariado deramnascimento ao sistema capitalista.

No Mercantilismo, a ética paternalista cristã, católica, ao condenar a aquisição de bensmateriais, entrava em conflito com os interesses dos mercadores-capitalistas. Aos poucos, o Estadonacional passou a ocupar o lugar da Igreja na função de supervisionar o bem-estar da coletividade.Gradativamente, os governos tornaram-se influenciados pelo pensamento mercantilista. Leispaternalistas, como a Lei dos pobres, deram lugar a leis que beneficiavam os interesses dosMercantilistas e do capitalismo nascente, como a Lei do cercamento das terras, ou as leis que davamincentivo à indústria ou criavam barreiras às importações.

A idéia central do Mercantilismo de que o acúmulo de metais preciosos era sinônimo de riquezafoi muito criticada pelos economistas das escolas fisiocrática e clássica. A moeda passou a ter umfim em si mesma e não um meio de troca. A produção foi relegada a um plano secundário. Noentanto, a valorização dos metais preciosos como moeda trouxe segurança nos pagamentosinternacionais. De outra parte, o aumento do estoque de metais preciosos, ou seja, de moeda,reduzia as taxas de juro, o que estimulava os investimentos, a produção e o emprego, contribuindopara o surgimento do modo de produção capitalista.

3 No Feudalismo, além das trocas serem basicamente locais e regionais, elas não formavam o centro do sistema econômico, como noMercantilismo. O feudo era muito fechado em si mesmo e as relações externas limitavam-se ao estritamente necessário.

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2 - CAPITAL E CAPITALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

O capital é um dos fatores de produção utilizados para facilitar o trabalho humano e aumentar asua produtividade, ou seja, para permitir a obtenção da maior quantidade possível de produto portrabalhador, durante determinado período de tempo. Ele é constituído pela soma de bens,monetários e não monetários, possuídos por uma pessoa ou por uma empresa, constituindo um

patrimônio, e que tem como finalidade gerar uma renda, através de aplicações financeiras ou porseu emprego na produção, com o fim de produzir outros bens e gerar lucro.

2.1 EVOLUÇÃO DO CAPITALISMO 

O capitalismo caracteriza-se pelo emprego de trabalhadores assalariados, juridicamente livres,que vendem a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção, denominadosempresários, que os contratam para produzir bens ou serviços a serem destinados ao mercado, como fim de obter lucro. Para gerar esse lucro, definido como a diferença entre as receitas totais e oscustos totais, o capitalista aluga ou constrói prédios, compra máquinas e matérias-primas e contratatrabalhadores, incluindo-se pessoal de escritório e técnicos de nível médio e superior.

O capitalismo é um sistema econômico e social que sucedeu o Mercantilismo e que se baseia na

propriedade privada dos meios de produção e de troca. Esse sistema se caracteriza pela busca dolucro, pela livre iniciativa e pela concorrência entre os indivíduos e as empresas. O capitalista éaquele que possui capitais e que os empresta para a realização de empreendimentos por terceiros ouque os aplica diretamente na produção de bens e serviços. Assim, qualquer pessoa que tenhadeterminada quantia de dinheiro e que compre ações em uma corretora, ou que aplique no sistemafinanceiro para receber juros, está se comportando como capitalista.

O capitalismo, tal qual conhecemos hoje, passou por várias fases evolutivas. Primeiro, eleemergiu no próprio Mercantilismo. Com o empobrecimento dos nobres, houve grande migraçãorural-urbana, dando surgimento aos burgos, ou cidades relativamente grandes que serviam demercado para cidades menores e para as áreas rurais. Os habitantes dos burgos passaram a serconhecidos como burgueses por se dedicarem ao artesanato e ao comércio. Aos poucos, osburgueses passaram a fazer parte de uma nova classe social, distinta da nobreza e dos agricultores.

Os burgueses fizeram fortuna com o comércio, sendo que alguns deles criaram bancos e sededicaram ao comércio internacional (séculos XIII e XIV).

O capital comercial antecedeu, portanto, o modo de produção capitalista propriamente dito. Astrocas consistiam no modo de produção característico da Antigüidade e Idade Média. O sucesso deum comerciante mede-se pelo lucro absoluto que retira de seu negócio e pela taxa de lucro. O lucroabsoluto é a diferença entre o valor das vendas (receita total) e o valor das compras e de outrasdespesas (custo total).

A taxa de lucro define-se como a razão entre o lucro absoluto e a quantidade de dinheiroempregado na aquisição das mercadorias a serem vendidas, incluindo outros custos, como mão-de-obra e transporte. Assim, se o comerciante gastou R$ 8.000 na compra de mercadorias e R$ 2.000com outros custos e obteve um lucro total de R$ 1.000, a sua taxa de lucro foi de R$ 1.000 / R$10.000, ou seja, 10%.

Com a mesma taxa de lucro de 10%, ele pode aumentar o volume de seu lucro absoluto aoempregar mais capital na compra de mercadorias e outros insumos. Empregando R$ 30.000, a taxade lucro de 10% indica que os lucros absolutos foram iguais a R$ 3.000. A taxa de lucro irá sereduzir pela concorrência, com o ingresso de novos vendedores no mercado. Isso pode implicar naredução dos preços de venda e/ou das quantidades vendidas pelo comerciante típico. No exemploanterior, mesmo com o preço constante, os lucros absolutos cairão para R$ 2.000, com a limitaçãodas quantidades vendidas, se o empresário-capitalista só puder aplicar R$ 20.000.

Inversamente, com a redução do número de concorrentes, o comerciante aumentará seu lucro

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absoluto pelo aumento das quantidades vendidas por unidade de tempo. Assim, se ele vender 16,5mil unidades de produto por mês, ao preço de R$ 2 a unidade, o volume de vendas montaria a R$33.000. Descontando as compras de mercadorias e os gastos com mão-de-obra e outros materiais(R$ 30.000), o lucro absoluto seria igual a R$ 3.000, o que asseguraria a taxa de lucro de 10%.

Se as vendas aumentarem para 20 mil unidades do produto por mês, as receitas totais subirãopara R$ 40.000. Os lucros absolutos crescerão se os custos aumentarem menos do queproporcionalmente, digamos para R$ 35.500, o que daria um lucro absoluto de R$ 4.500 e uma taxa

de lucro de 12,7%. Assim, os lucros absolutos aumentam com a taxa de lucro (receitas elevando-semais do que os custos) e com o crescimento das quantidades vendidas e dos preços de venda.Desse modo, no Mercantilismo, o capital comercial era constituído pelas mercadorias a serem

vendidas e pelos gastos necessários por essa atividade, como aquisição de escravos e suamanutenção, ou o pagamento de salários aos empregados. O capital se reproduzia na forma dedinheiro (D), mercadoria (M) e uma quantidade maior de dinheiro (D’), ou seja: D → M → D’. Olucro monetário sendo igual a (D’ – D), sendo D’ maior do que D, a taxa de lucro assume a forma(D’ – D) / D.

Com o desenvolvimento das trocas e o surgimento do sistema bancário, o capital mercantilistapassou a assumir também a forma de capital financeiro (C): o dinheiro D ampliou a sua função decapital mercantil, usado na aquisição de mercadorias para revenda, para exercer uma funçãofinanceira. Isso foi a reciclagem do capital mercantil em excesso, que passou a ser utilizado no

empréstimo a reis e a grandes empreendedores, a fim de financiar os seus gastos, como no caso dasgrandes navegações, ou no tráfico de escravos.

Os lucros obtidos pelo capital financeiro dependem da taxa de juro a que são emprestados, dovolume de dinheiro emprestado e do tempo em que ele ficar de posse do tomador do empréstimo.Os juros podem ser simples, quando incidem somente sobre o principal, e compostos, ao incidiremtanto sobre o principal, como sobre os juros vencidos, ainda não pagos. Um capital emprestado ajuros compostos produzem uma quantidade maior de juros, sobre um mesmo capital, do que no casodos juros simples.

Os juros simples são iguais à seguinte expressão:Juros = (capital emprestado x taxa de juro x tempo da aplicação) / 100), ou J = C.i.t / 100Assim, um capital de R$ 1.000 emprestado a 10% ao ano durante 3 anos gera como juros a

quantia de R$ 300, ou seja: (R$ 1.000 x 10 x 3) / 100 = R$ 300A lei da usura proíbe os empréstimos a juros muito altos. No Brasil, a Constituição de 1988

limitou a cobrança de juros reais a 12% ao ano. No entanto, esse dispositivo constitucional aindanecessita de regulamentação, através de lei complementar, pois não define o que se entende por“juro real”, nem estabelece punições aos infratores. A equipe econômica do Governo Federal écontra esse dispositivo, pois é através de altas taxas de juro que o Governo pode conter o consumointerno, lançar títulos públicos no mercado e atrair capitais estrangeiros (ver Souza, 2003, cap. 8).

Na Idade Média, a cobrança de juros constituía um problema ético, sendo considerado usura,não importando o valor da taxa cobrada. A expansão do comércio mundial e o crescimento dosexcedentes de capitais sem aplicação em alguns segmentos da sociedade, ao mesmo tempo em quehavia carência de recursos em outros setores, levou a Igreja a fazer concessões, passando a proibiros empréstimos a juros somente para o consumo pessoal.

A Reforma Calvinista do século XVI justificou teologicamente a cobrança de juros, porqueconstituía uma renúncia a um investimento lucrativo, enquanto o tomador do empréstimo poderiaobter lucros com os capitais emprestados. Logo, quem emprestasse o seu dinheiro também poderiaparticipar desses lucros, mediante o recebimento de juros.

O capitalismo propriamente dito somente emergiu na Europa no século XVI, com odesenvolvimento da produção manufatureira, na esfera produtiva. Este foi o capitalismomanufatureiro, fase intermediária entre o artesanato e as grandes corporações industriais daRevolução Industrial. Essa forma de capitalismo começou, de um lado, com os comerciantesempregando mão-de-obra assalariada na indústria doméstica incipiente; de outro lado, o capitalismo

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manufatureiro surgiu no momento em que determinados burgueses e artesãos romperam com aslimitações das corporações de ofício e passaram a contratar trabalhadores assalariados (Singer,1993, p. 137). As suas tarefas limitavam-se a de alugar prédios, comprar matérias-primas,supervisionar a produção e os trabalhadores e a vender os produtos acabados no mercado.

As corporações de ofício eram associações de pessoas que exerciam uma mesma profissão. Osartesãos se dividiam em mestres, companheiros e aprendizes. Os artesãos mantinham no interior dacorporação os segredos de seu ofício. Elas foram suprimidas em 1791 pela Revolução Francesa, por

entravarem o desenvolvimento econômico.O capitalismo aperfeiçoou-se logo que os empreendedores passaram a utilizar ferramentas emáquinas cada vez mais eficientes, o que elevou a produtividade do trabalho e a taxa de lucro. Como tempo, novos capitais ficaram disponíveis. Com a redução da taxa de juro dos empréstimos,cresceram os investimentos na indústria e nos transportes, o que desenvolveu a atividademanufatureira.

A invenção da máquina a vapor, o aperfeiçoamento de novas máquinas de fiar e tecer e osurgimento das ferrovias constituíram inovações tecnológicas que expandiram a atividade produtivaem nível mundial. Esta foi a Revolução Industrial, surgida na Inglaterra entre 1750 e 1830, queconsolidou o capitalismo industrial e impulsionou a economia inglesa, tornando-a a maior potênciaeconômica antes do final do século XIX (ver Souza, 1999, Cap. 2). O capitalismo industrial caracteriza-se pelo emprego intensivo de máquinas e equipamentos, bem como pela adoção

crescente de inovações tecnológicas poupadoras de mão-de-obra. Com as inovações, surgem novosprodutos e novos processos de produção, mais baratos e mais eficientes.

A Revolução Industrial inglesa foi precedida por uma verdadeira revolução na agricultura epela revolução nos transportes. A revolução agrícola caracterizou-se pela introdução da lei docercamento das terras,4 pelas práticas de drenagem de solos alagados e de irrigação em solos secos,pelo uso de fertilizantes e o cultivo de pastagens e forragens para alimentar o gado no inverno.

A revolução dos transportes foi a construção de canais navegáveis no interior da Inglaterra, aintrodução da navegação a vapor e a construção das ferrovias. Com isso, reduziram-se os custos dostransportes, aumentando o alcance espacial dos bens, ou seja, os produtos passaram a ser vendidosnos mais distantes territórios.

Com a industrialização dos grandes centros e a absorção de grandes contingentes detrabalhadores, os salários subiram relativamente aos preços. Por conseguinte, os custos das

empresas se elevaram e a taxa de lucro se reduziu. As empresas menos eficientes (com custos maisaltos) acabaram sendo compradas por empresas mais eficientes, ou simplesmente encerraram assuas atividades. Em muitos ramos industriais, o número de empresas reduziu-se substancialmente,gerando oligopólios (poucas empresas) ou monopólios (apenas uma empresa dentro da indústriapara produzir e atender o mercado).

Desse modo, com a concentração de capitais na forma de grandes empresas e conglomeradosindustriais, o capitalismo industrial transformou-se em capitalismo monopolista. Pelos ganhos deescala e redução de custos, as grandes empresas conseguem afastar os competidores, permanecendopoucos produtores no mercado ou, às vezes, apenas um produtor. A empresa oligopolista (e, commais facilidade, a empresa monopolista) domina o mercado, determinando os seus preços com o fimde maximizar lucros. Os ganhos de produtividade, pelo emprego de máquinas mais eficientes, nãoacarreta redução dos preços dos oligopolistas na proporção do que ocorreria nos mercados deconcorrência perfeita (ver Souza, 2003, Cap. 5).

2.2 CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL

A concentração do capital é inerente ao modo de produção capitalista, não apenas porque todapequena e média empresa procura crescer e tornar-se grande, como também porque, no mundo dos

4 O agricultor que não possuía recursos para o cercamento foi obrigado a vender as suas terras, provocando o aumento do tamanhomédio das propriedades rurais.

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negócios, muitas empresas são absorvidas por outras. No processo de inovação tecnológica,característico das economias modernas, a tendência é a de que as empresas não inovadoras venhama fechar as suas portas.

Com a introdução de novos produtos e novos processos produtivos, os preços dos fatores deprodução e das matérias-primas e componentes manufaturados sobem, pela maior procura, o queeleva os custos de todas as empresas. Como os preços dos novos produtos também sobem, asempresas inovadoras não apenas suportam os custos maiores, como ainda realizam lucro

extraordinário. A concentração empresarial ocorre tanto na indústria, como no comércio, nosserviços e no setor financeiro.A própria concorrência capitalista, como já foi referido, aumenta a necessidade de o capitalista

aumentar o seu estoque de capital, a fim de elevar a produtividade do trabalho e manter a sua taxade lucro em crescimento. Desse modo, cada trabalhador possui a sua disposição uma quantidade deequipamentos cada vez maior. O trabalhador japonês ou americano é bem mais equipado do que otrabalhador mexicano ou brasileiro. Assim, a relação capital/trabalho é bem maior nos paísesdesenvolvidos do que nos países em desenvolvimento, o que favorece a formação de grandesempresas e a concentração do capital na maioria dos setores industriais.

Por seu turno, com a concentração do capital, os produtos são obtidos com maiores quantidadesde capital e menos trabalho e o número de empresas em cada indústria se reduz ainda mais, gerandooligopolização. De outra parte, com a centralização do capital em grandes empresas, gera-se uma

concorrência desigual entre estes oligopólios e as empresas de menor porte. Em nível mundial, essadicotomia materializa-se entre as grandes empresas multinacionais, dos países desenvolvidos, comas empresas de capital nacional, dos países em desenvolvimento.

As empresas multinacionais, possuindo uma escala de produção de maior dimensão, de nívelmundial, conseguem custos médios inferiores aos das empresas nacionais atuando no mesmo setor,o que lhes permite maior competitividade internacional e maior taxa de lucro. A tendência é essasempresas multinacionais crescerem cada vez mais, ou seja, intensificando a concentração de capitalem detrimento de empresas de menor escala, com mercados restritos e dificuldades de exportação.5 

Essas grandes empresas multinacionais controlam também o mercado de capitais em nívelmundial. Exceto poucos casos (Microsoft, Rede CNN etc.), elas não possuem um dono emparticular, mas uma miríade de acionistas, incluindo fundos de pensão e clubes de investimentos. Apropriedade dessas empresas, em pequenas partes, ou na sua totalidade, é transacionada no mercado

de capitais, mediante a venda e a compra de ações, que são títulos emitidos pelas empresas, comdireito a dividendos, que representam participação nos lucros da empresa respectiva.

Os donos das ações são os capitalistas, que hoje em dia se distribuem aos milhões nos paísesdesenvolvidos, podendo ser um jovem, uma viúva, ou um multimilionário, como Bill Gates, donoda Microsoft. O capitalista, detentor do dinheiro, poderá aplicá-lo em um fundo de investimentos,recebendo juros, ou comprar diretamente uma ação de uma empresa. Neste caso, ele assume riscosde possíveis prejuízos, recebendo dividendos, em caso de lucros. Conforme o tipo da ação, elepoderá ter direito a voto nas assembléias da empresa, passando a influenciar o seu destino.

Com o desenvolvimento da informática e dos meios de comunicação em geral (Internet,telefone celular, fibra ótica, transmissão via satélite, redução de tarifas telefônicas etc.) ocorreu umprocesso de globalização da produção em nível mundial, aumentando os fluxos de capitais entrepaíses. Esses capitais podem ser de risco, ou especulativo (volátil). Os capitais de risco são delongo prazo e correspondem aqueles capitais aplicados diretamente no setor produtivo, quando oaplicador poderá obter ou prejuízos. Os capitais voláteis são de curto prazo e emigram via Internetde um país para outro, instantaneamente, em função dos diferenciais das taxas de juro. Essesinvestidores podem obter lucros especulativos rápidos, em função de mudanças de curto prazo dascondições econômicas das diferentes economias.

5 No caso brasileiro, há o chamado “custo-Brasil”, devido ao excesso de encargos que as empresas sofrem: pesada legislaçãotrabalhista, alta carga tributária (incluindo impostos de exportação), altos custo de transporte entre o local de produção aos portos deexportação (deficiência dos meios de transporte), baixa escolarização da mão-de-obra, altas tarifas portuárias etc. 

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3 - PENSAMENTO LIBERAL E CRISES ECONÔMICAS

O Mercantilismo provocou grandes distorções no setor produtivo das economias, comoabandono da agricultura em benefício da indústria, excessiva regulamentação e intervencionismoexagerado do Estado nos negócios privados. Aos poucos, porém, foram surgindo novas teoriassobre o comportamento humano, de cunho liberal e individualista, mais de acordo com asnecessidades da expansão capitalista. Como foi visto, o capitalismo foi um sistema que emergiu dos

artesãos e comerciantes que se tornaram financistas e grandes empreendedores. Eles recebiam aoposição da nobreza, grandes proprietários de terras, que possuíam privilégios, não pagavamimpostos e muitas vezes recebiam rendas vitalícias do Estado.

3.1 FISIOCRACIA E DOUTRINA DO LAISSEZ-FAIRE 

Na França, o pensamento econômico constituía um segmento do pensamento filosófico. Com omovimento enciclopedista liderado por Diderot e d’Alembert, nas primeiras décadas do SéculoXVIII, os escritos econômicos se multiplicaram. Surgiram pensadores como Turgot (1727-1781),que defendeu a livre circulação de grãos entre as regiões francesas, assim como a liberdade para ocomércio internacional e o saneamento das finanças públicas. Antes de Adam Smith (1723-1790),ele formulou o princípio dos rendimentos decrescentes na agricultura e formulou os rudimentos da

teoria do equilíbrio econômico.Além do Enciclopedismo, outro movimento intelectual daquela época foi a Fisiocracia, que

constituiu a primeira escola econômica de caráter científico. A Fisiocracia foi liderada pelo médicofrancês François Quesnay (1694-1774), autor da obra O quadro econômico, em que  analisa asvariações do rendimento de uma nação. Para “os economistas”, como passaram a ser conhecidos apartir de então, os fenômenos econômicos precisam circular livremente no espaço e entre setores,seguindo leis naturais, como o sangue no organismo humano. Essa idéia de ausência de obstáculospara uma melhor circulação dos bens e serviços, assim como do fluxo de rendas, constituiu oembrião das teorias econômicas modernas.

Segundo a doutrina fisiocrática, a sociedade é formada pelas classes produtiva (agricultores),pela classe dos proprietários de terras e pela classe estéril, compreendendo esta última todos os quese ocupam do comércio, da indústria e dos serviços. A agricultura era considerada produtiva por ser,

para os Fisiocratas, o único setor que gera valor . Desse modo, os preços agrícolas deviam ser osmais elevados possíveis (teoria do bom preço), a fim de gerar lucros e recursos para novosinvestimentos agrícolas. Os consumidores seriam compensados pela cobrança de um imposto únicosobre a renda dos proprietários de terras e por medidas que reduzissem os preços industriais.

A idéia de classe estéril resultou da reação fisiocrática contra a doutrina mercantilista. A moedapassou a ter apenas função de troca e não de reserva de valor, pois este encontra-se somente naagricultura. A indústria e o comércio constituem desdobramentos da agricultura, pois apenastransformam e transportam valores. A terra produz valor por sua fertilidade, seguindo leis físicas,ou de ordem natural. Desse modo, a agricultura precisava ser incentivada para aumentar o produtonacional.

No entanto, não era isso que se via na prática: a agricultura era penalizada pela açãodiscriminatória do Estado. Quando havia boas colheitas, a abundância de produtos reduzia ospreços, pois os produtos não podiam ser escoados de regiões com produção abundante para regiõescom produção insuficiente. Em caso de más colheitas, a escassez resultante de produtos tendia aaumentar os preços. No entanto, os controles de preços do Governo, para não elevar o custo de vidada população, não permitiam que os agricultores saíssem do prejuízo. Ao mesmo tempo, eles eramsobrecarregados de impostos, uma vez que o Governo obtinha suas receitas com base na classeprodutiva. Os nobres e o clero praticamente não pagavam impostos.

A redução do jugo do Estado poderia diminuir com uma conduta mais liberal, deixando omercado agir naturalmente. Turgot pregava a livre circulação de bens e a liberdade total para

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empreender, assim como os Fisiocratas, como uma maneira de desenvolver a economia. Com apresença de uma lei natural regulando a ordem econômica, os homens precisam agir livremente;qualquer intervenção do Estado inibiria essa ordem, ao criar obstáculos à circulação de pessoas e debens. Assim, eles propunham a redução da regulamentação oficial, para aumentar a produtividadeda economia, e a eliminação de barreiras ao comércio interno e a promoção das exportações. Ao seproibir as exportações de cereais, aumenta a oferta interna e reduz os preços, o que reduz os lucros,impede novos investimentos e diminui a produção na safra seguinte.

Em relação aos demais setores da economia, para manter baixos os preços das manufaturas ebeneficiar os consumidores, os Fisiocratas propunham o combate aos oligopólios (poucosvendedores) e o fim das restrições às importações. O pensamento fisiocrático era, portanto, liberal,traduzindo-se na famosa divisa laissez-faire, laissez passer ... (deixai fazer, deixai passar ...).

O principal defeito do pensamento fisiocrático era a premissa de que somente a terra geravavalor. Com isso, eles se mantinham muito tolerantes em relação à classe dos proprietários e ànobreza. Este era a diferença fundamental entre os Fisiocratas e Turgot. Para este último, o valorencontra-se no trabalho e esse pensamento faz dele um precursor da Economia clássica.

3.2 ECONOMIA CLÁSSICA 

O liberalismo e o individualismo dos clássicos estavam associados ao bem comum: os homens,

ao maximizarem a satisfação pessoal, com o mínimo de dispêndio ou esforço estariam contribuindopara a obtenção do máximo bem-estar social. Tal harmonização seria feita, segundo Adam Smith (1723-1790), por uma espécie de mão invisível: o livre funcionamento do mercado, com o sistemade preços determinando as quantidades a serem produzidas e vendidas, gera automaticamente oequilíbrio econômico.

No preço correspondente ao equilíbrio, as quantidades demandadas pelo público corresponde àsquantidades ofertadas pelas empresas. Não há excesso de produtos não vendidos (aumento dosestoques não desejados), nem escassez dos mesmos (consumidores não atendidos). O mercadofunciona como se houvesse uma mão invisível regulando o equilíbrio entre as quantidades ofertadase demandadas.

A idéia de satisfação pessoal dos consumidores e de maior bem-estar do conjunto da populaçãoestá relacionada com a doutrina hedonística do prazer6. Essa doutrina, igualmente presente entre os

Fisiocratas, também leva à idéia de racionalidade: os consumidores vão optar pela obtenção demaiores quantidade de bens (maior satisfação) e pelo pagamento de menores preços; os produtoresdesejam sempre maiores lucros, motivo pelo qual tendem a pagar menos pelos insumos e a pedir osmaiores preços possíveis pelos seus produtos.

A Reforma protestante de João Calvino contribuiu para a difusão do individualismo, molamestra do pensamento clássico, ao defender o trabalho como vocação e o sucesso pessoal resultante.Quando todos trabalham arduamente para obter maiores salários e maiores lucros, aumentasimultaneamente a riqueza nacional, o que gera novos empregos, maior arrecadação de impostos e odesenvolvimento econômico. A busca de maiores lucros, de fortuna pessoal, é motivada por umaespécie de egoísmo individual, mas que leva ao bem-estar coletivo.

O pensamento dos economistas clássicos fundamenta-se, portanto, na liberdade individual e nocomportamento racional dos agentes econômicos. Ao Estado caberia assegurar essa liberdade,proteger os empreendimentos e os direitos de propriedade; manter a ordem e a segurança doscidadãos; investir na educação, saúde e em certas obras públicas.

Com a publicação da Riqueza das nações, em 1776, tendo como experiência a RevoluçãoIndustrial inglesa, em curso desde as primeiras décadas do Século XVIII, Adam Smith estabeleceuas bases científicas da teoria econômica moderna (Smith, 1983). Ao contrário dos Mercantilistas eFisiocratas, que consideravam os metais preciosos e a terra, respectivamente, como os geradores dariqueza nacional, para Adam Smith o elemento essencial da riqueza é o trabalho produtivo. Assim,

6 Ver no Glossário o termo Hedonismo.

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dos arrendatários, como os salários reais (salário individual/preço dos alimentos) e a taxa de lucro(lucro absoluto/capital empregado). Por outro lado, aumentam os preços dos alimentos, os saláriosmonetários e a renda da terra dos proprietários. A queda da taxa de lucro reduz os investimentos naagricultura e em toda a economia.

A solução apontada por Ricardo foi o controle da natalidade e a livre importação de alimentos,para consumo dos trabalhadores. Com a importação de alimentos, evita-se que os preços subam eque a agricultura se desloque para terras piores, o que evita o aumento dos custos, a deterioração da

taxa de lucro e a queda dos investimentos em toda a economia.A teoria da população de Thomas Malthus, adotada pelos clássicos, diz que a populaçãoaumenta em proporções geométricas (1, 2, 4, 8...), ao passo que, na melhor das hipóteses, aprodução de alimentos cresce a taxas aritméticas (1, 2, 3, 4...). A população crescerá sempre que ossalários nominais (w) estiverem acima do salário mínimo de subsistência (w*), definido por Ricardocomo aquele salário pago na margem extensiva de cultivo. Nesse caso, haverá incentivo paracasamentos precoces e aumento do tamanho da família. A população irá reduzir-se se os saláriosmonetários pagos no mercado forem inferiores ao salário mínimo de subsistência (w < w*); apopulação permanecerá estacionária quando tais salários forem iguais por um período relativamentelongo (ver Souza, 1999, p. 148).

A igualdade entre o salário nominal de mercado e o salário mínimo de subsistência é umacaracterística do estado estacionário, situação de longo prazo em que cessa toda acumulação de

capital. Isso ocorre porque a taxa de lucro de mercado (r) iguala-se à taxa de lucro mínima (r*),definida como o juro pago pelo capital emprestado (i), mais um pequeno diferencial correspondenteao risco dos negócios (i*). Desse modo, o produto da economia não cresce mais, assim como onível de emprego e a população total.

O estado estacionário foi melhor estudado por Stuart Mill (1806-1873), em sua obra Princípiosde economia política (Mill, 1983). Segundo ele, tanto a concorrência entre os capitalistas pormelhores oportunidades de negócios, como o crescimento demográfico, que leva o cultivo para aspiores terras, aproximam o estado estacionário, enquanto a livre importação de alimentos e asinovações tecnológicas (recuperação de terras alagadas ou áridas, novos métodos de cultivo,sementes geneticamente melhoradas, uso de fertilizantes e corretivos do solo) afastam o fantasmado estado estacionário para épocas futuras.

Quando o progresso técnico deixar de ocorrer, em um futuro muito remoto, o estado

estacionário acabará finalmente acontecendo. Toda a população, porém, apresentará nível de vidatão elevado, que o objetivo social não seria mais o consumo e o enriquecimento, mas o lazer e abusca do aperfeiçoamento cultural e espiritual.

Como se percebe, os economistas clássicos enfatizaram a oferta, isto é, o lado da produção. Aidéia era a de que tudo o que fosse produzido seria consumido. Essa suposição foi melhorexplicitada por Jean-Baptiste Say (1767-1832), ao formular a lei dos mercados (lei de Say) em seulivro Tratado de economia política (Say, 1983). Segundo ele, “a oferta cria a sua própria procura”.Isso se explica porque os clássicos supunham que a produção realiza-se com proporções fixas, ouseja, todo acréscimo de produção exige o aumento simultâneo e proporcional de capital e detrabalho.

Assim, ao aumentar a produção há ao mesmo tempo o pagamento de uma renda na mesmaproporção que irá ser gasta nessa produção adicional. Os economistas clássicos supunham que aeconomia encontrava-se em equilíbrio com pleno emprego de fatores, isto é, que ela sempre seencontrava sobre a fronteira de possibilidades de produção. Uma nova acumulação de capitalretirava trabalhadores subempregados de outros setores e gerava um fluxo de renda correspondenteao valor dos novos bens levados ao mercado, restabelecendo de imediato o equilíbrio entre ofertaagregada e demanda agregada.

A lei de Say do equilíbrio dos mercados foi criticada por Thomas Robert Malthus (1766-1834), em sua obra Princípios de economia política. Segundo ele, existem crises no sistemacapitalista resultantes do  subconsumo da população, ou seja, do crescimento insuficiente da

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demanda efetiva8 (Y D), definida como a soma do consumo agregado (C ), gastos com investimento(I ), gastos do Governo (G) e exportações menos importações (X-M ). A demanda efetiva define,portanto, o nível do produto total doméstico absorvido pela economia, em função de sua capacidadede pagamento.

O subconsumo decorre da redução gradual dos salários reais, o que impede a população manterseu consumo em crescimento ou nos mesmos níveis ano após ano. Com estoques não vendidos, asempresas reduzem a produção no período seguinte. Se a queda do poder de compra da população

for sistemática, a acumulação de capital tende a declinar, assim como a oferta total (Y S

) e o nível deemprego. Desse modo, aumentos de oferta não geram demandas adicionais no nível correspondente,havendo uma tendência de Y S manter-se acima de Y D.

A lei de Say não se verifica também, segundo Malthus, porque os clássicos não levaram emconta os gostos e as necessidades dos consumidores e porque os trabalhadores desempregados jámantém algum nível de consumo prévio. Além disso, a paixão pela acumulação e o receio daconcorrência leva o capitalista a investir acima das necessidades da demanda total.

3.3 ECONOMIA MARGINALISTA OU NEOCLÁSSICA

As idéias marginalistas surgiram por volta de 1870 como reação aos movimentos socialistasde meados do século XIX, que eclodiram devido à concentração de renda e à intensa migração

rural-urbana decorrentes da industrialização. Os marginalistas ou neoclássicos combatiam a teoriaclássica baseada no valor-trabalho e na idéia de que a renda da terra não era socialmente justa.Novas teorias foram desenvolvidas para o valor, distribuição e formação dos preços.

Suas suposições são as de que a economia é formada por um grande número de pequenosprodutores e consumidores, incapazes de influenciar isoladamente os preços e as quantidades nomercado. Os consumidores, de posse de determinada renda, adquirem bens e serviços de acordocom seus gostos, a fim de maximizarem sua utilidade total, derivada do consumo ou da posse dasmercadorias. Essa é uma concepção hedonista, segundo a qual o homem procura o máximo prazer,com um mínimo de esforço.

Dados os preços de mercado, os produtores adquirem os fatores de produção necessários a fimde combiná-los racionalmente e produzir as quantidades que maximizarão seus lucros. Os fatorestêm preços determinados por sua escassez e utilidade no processo produtivo. Não há mais conflito

entre as classes sociais na distribuição do produto, como na Economia clássica, mas harmonia entreos agentes. Isso se explica porque, no pensamento marginalista, a distribuição do produto efetua-sesegundo as produtividades marginais de cada fator; os salários passaram a ser flexíveis(determinados pela interação entre a oferta e a demanda de trabalho) e não mais de subsistência(fixos), como no pensamento clássico.

A essência do pensamento marginalista pode ser sintetizada em 10 pontos (Oser & Blanchfield,1983, p. 207):

1) raciocínio na margem: a decisão de produzir ou consumir vai depender do custo ou benefícioproporcionado pela última unidade;

2) abordagem microeconômica: o indivíduo e a firma estão no centro da análise, cada bemlevado ao mercado é único ou homogêneo, possuindo um preço que equilibra sua oferta com ademanda;

3) método abstrato-dedutivo: abstração teórica, argumentação lógica e conclusão;4) concorrência pura nos mercados, sendo o monopólio uma exceção: muitos vendedores e

compradores concorrem no mercado por bens e serviços; as firmas são pequenas e individualmentenão conseguem influenciar o preço de equilíbrio de mercado;

5) ênfase na demanda como elemento crucial para determinar os preços, ao contrário dosclássicos que enfocavam a oferta, ou custo de produção;

8 Termo empregado por Keynes em 1936. A demanda efetiva foi definida como sendo o ponto em que, em um determinadomomento, a demanda agregada torna-se igual ao produto total da economia (Keynes, 1990, p. 38).

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6) teoria da utilidade: a utilidade que as pessoas têm no consumo dos bens, determinada porseus gostos, influencia as quantidades demandadas de cada bem e, então, seus preços. Há umaênfase em aspectos psicológicos, com a consideração da abordagem hedonista de prazer (satisfação)e sofrimento (custos);

7) teoria do equilíbrio: as variáveis econômicas interagem e o sistema manifesta uma tendênciaao equilíbrio pelo jogo das livres forças de mercado;

8) direitos de propriedade: cada proprietário recebe pela posse de um fator de produção, o que

reabilitou a renda da terra, considerada por Ricardo como um pagamento desnecessário eimprodutivo;9) racionalidade: as firmas e consumidores maximizam lucro ou satisfação e não agem por

impulso, capricho ou por objetivos humanitários. Embora este último ponto possa ser louvável, elenão faz parte das suposições econômicas marginalistas;

10) laissez-faire, ou liberdade de mercado: toda e qualquer interferência nos automatismos domercado gera custos e reduz o bem-estar social.

Em sua obra Princípios de Economia, de 1890, o inglês Alfred Marshall (1842-1924) realizoua chamada primeira síntese neoclássica, tentando conciliar os pensamentos clássico e marginalista,dando nascimento ao termo neoclássico (Marshall, 1982).

Segundo os economistas neoclássicos, a utilidade de um produto determina o valor dos bens, aquantidade demandadas e, então, o preço de equilíbrio do mercado de cada bem. Isso foi

representado por Marshall em um gráfico de duas dimensões, determinando o equilíbrio parcial pela interação da oferta e da demanda de cada bem, segundo os seguintes passos:

1o - quanto maior a utilidade do bem, tanto mais ele será procurado pelas pessoas e tanto maiorserá o seu valor e seu preço;

2o - quanto maior for o preço, tanto mais as firmas querem produzir e vender tal produto;3o - o equilíbrio do mercado é aquele em que há um preço único para vendedores e

compradores, em que a quantidade demandada é igual à quantidade ofertada, como se pode ver naFigura 2.1. Nessa figura, observa-se que quando os preços são baixos, as pessoas desejam comprarmaiores quantidades do produto. Assim, quando o preço (P) for igual a 1, as quantidadesdemandadas (Q) do bem são iguais a 40; com P = 2, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 4, Q = 10; P = 5, Q= 0.

Essa relação  inversa entre quantidades demandadas e preços gera uma curva de demanda

negativamente inclinada. Para derivar esta curva de demanda negativamente inclinada, Marshallsupôs que, no curto prazo, as utilidades marginais de cada indivíduo permanecem constantes, isto é,que os consumidores são racionais e que os gostos não mudam.

A oferta apresenta-se regulada pelos custos de produção e uma série de quantidades sãoproduzidas em função de um conjunto de preços. Quando os preços são altos, as empresas desejamproduzir e vender maiores quantidades. Com o preço igual a 5, as quantidades ofertadas pelasempresas são iguais a 40 unidades do produto; com P = 4, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 2, Q = 10; P =1, Q = 0. A relação direta entre quantidades ofertadas e preços gera uma curva de ofertapositivamente inclinada.

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A interação entre a oferta e a demanda determina o preço e as quantidades de equilíbrio demercado. Na Figura 2.1, observa-se que quando o preço do produto for igual a 3, a quantidadesdemandadas são iguais a 20, as mesmas quantidades que as firmas estão dispostas a ofertar nomercado. Este é o preço de equilíbrio, em que não falta nem sobra produto no mercado.

Marshall manteve os princípios clássicos da “mão invisível” da concorrência e a liberdade demercado (laissez-faire). Esses princípios asseguram que a maximização de lucros leva osproprietários dos fatores a receber de acordo com a contribuição de cada um no processo produtivo

(produtividade marginal). A produtividade marginal de um fator corresponde ao acréscimo doproduto total proporcionado pelo emprego de uma unidade a mais do mesmo. O empresário teráinteresse em empregar essa unidade adicional (por exemplo, o operador de uma máquina) até oponto em que o valor da produtividade marginal for igual a seu preço (salário) (raciocínio pelamargem).

Os salários e os preços, perfeitamente flexíveis, são regulados pela oferta e demanda detrabalho, ou pela oferta e demanda de bens e serviços no mercado. A produção obtém-se comproporções variáveis de capital e trabalho, cujo emprego dependerá de seus custos: um mesmonível de produto pode ser obtido com mais capital e menos trabalho e vice-versa. Na economiaclássica, pelo contrário, a função de produção apresentava proporções fixas: todo acréscimo deprodução necessitava de adição simultânea de capital e trabalho.

Uma diferença fundamental entre a Escola neoclássica e a Escola clássica diz respeito à teoria

do valor. Enquanto nesta última o valor é determinado pela quantidade de trabalho incorporado nosbens, na primeira o valor depende da utilidade marginal. Desse modo, pelo pensamento neoclássico,quanto mais raro e útil for um produto, tanto mais ele será demandado e valorizado e tanto maiorserá o seu preço.

3.4 TEORIAS DO VALOR 

Em economia, um produto é considerado um bem porque possui um valor, que pode serdefinido pela utilidade, ou pela quantidade de trabalho produtivo incorporado. A primeira definiçãoé a da teoria do valor-utilidade, proveniente da Escola neoclássica; a segunda é a da teoria dovalor-trabalho, adotada na Escola clássica e na Escola marxista.

Pela teoria do valor-utilidade, um bem possui valor porque apresenta utilidade para o

consumidor, ao mesmo tempo em que lhe proporciona satisfação. O alimento ingerido por umapessoa elimina a sua fome e satisfaz uma necessidade, que é a da alimentação. No entanto, aspessoas têm preferências distintas pelos diferentes alimentos. Embora a carne seja rica emproteínas, o vegetariano prefere legumes; algumas pessoas contentam-se apenas com arroz, feijão ecarnes; outras “necessitam” ainda de saladas.

Na medida em que os produtos são mais procurados, os seus preços se elevam, porque o seu“valor” aumenta. Significa dizer que a noção de valor, por essa teoria, é subjetiva: os preços dealguns produtos sobem mais do que o de outros ao se tornarem mais procurados. Assim, a carnebovina possui maior preço do que outras carnes; as roupas da estação que se avizinha possui maiorprocura e, portanto, maior preço do que as roupas da estação que está chegando ao fim. Um vestidoda moda é mais valorizado do que um vestido fora de moda. Entre os vestidos da moda, o seu preçodependerá ainda de vários fatores, como qualidade do tecido, desenho, nome da etiqueta que odesenhou (grife) e outros detalhes, incluindo a cor e a preferência das mulheres.

Através de campanhas publicitárias ativas, determinadas marcas de produtos ampliam seuespaço no mercado, porque as agências de publicidade conseguem convencer os consumidores deque o produto em questão possui qualidade superior. Assim, quando essas marcas tornam-sepreferidas e mais procuradas, os preços desses produtos se elevam. Como exemplos, podem sercitadas determinadas marcas de refrigerantes, de sapão em pó e de outros produtos de limpeza.Quando algumas marcas de produtos são lançadas no mercado, de forma pioneira, elas chegam a serconfundidas com o próprio produto. É o caso da Gillette e da Xerox, que chegaram a ser

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confundidas, respectivamente, com lâminas de barbear e cópias fotostáticas.Em muitos casos, as marcas tornam-se aceitas pelos consumidores em função da qualidade do

produto. Com o tempo, surgem produtos concorrentes no mercado, de boa qualidade, o que ajuda areduzir os preços dos produtos mais tradicionais. As campanhas publicitárias tornam-se então maisacirradas, podendo virem a ser classificadas como propagandas enganosas, com sanções previstasno Código de Defesa do Consumidor.9 

A teoria do valor-trabalho considera que o valor de um produto depende da quantidade de

trabalho produtivo incorporado na sua fabricação, medido pelo tempo empregado. Essa teoria parteda idéia de que a atividade econômica realiza-se em termos coletivos, ou socialistas. A atividadeprodutiva não seria apenas técnica, envolvendo também relações sociais entre patrões eempregados. Por essa teoria, se um vestido saiu da moda, o seu valor permanece o mesmo, porqueele continua necessitando do mesmo número de horas para a sua confecção. Supõe-se, nassociedades coletivas, que as pessoas vão continuar comprando os mesmos produtos, com a mesmaintensidade, em todos as épocas do ano, sem qualquer influência das grifes.

Em outras palavras, não há subjetividade na determinação do valor e no comportamento doconsumidor. A idéia é a de que o valor dos bens depende apenas do grau de dificuldade de suafabricação. Assim, segundo essa teoria, um barril de petróleo extraído do mar pela Petrobrás, a doismil metros de profundidade, deveria custar mais caro do que um barril de petróleo extraído em terraa poucos metros do solo. Como o produto é o mesmo, ocorre um impasse ao chegar no mercado. O

preço acabará sendo fixado pelos custos dos locais de extração mais difícil; ocorrerá lucro puro nasjazidas de menor profundidade, em terra. Este é, em essência, o pensamento de David Ricardo,exposto anteriormente.

Percebe-se, desse modo, que o valor não fica determinado pelo mercado, como na teoria dovalor-utilidade, mas do lado da produção. Para os economistas clássicos, do século XVIII, os custosdo fator trabalho, constituindo praticamente a totalidade dos custos de produção, determinava ovalor dos bens. Assim, o custo médio de produção de um bem Y coincidia com o seu preço,denominado preço de produção, ou preço natural (pn). Ao levar esse bem Y no mercado, se oprodutor conseguisse vendê-lo por um preço de mercado (pm) superior ao preço natural, então eleteria um lucro extraordinário (lucro puro), uma vez que o lucro normal está incorporado nos custosde produção (é a remuneração do produtor, como executivo).

No século XVIII, as relações comerciais eram muito precárias e as relações econômicas muito

simples. Toda a atenção estava centrada no ato de produzir, de onde derivou a lei dos mercados oulei de Say: tudo o que fosse procurado seria vendido, pois as rendas geradas pela nova produçãocorrespondia, ao mesmo tempo, aos recursos necessitados pelos consumidores para a aquisição daprodução aumentada. Desse modo, não haveria crise econômica pela existência de produção nãovendida, com aumento de estoques, seja pelo fato das empresas terem produzido acima dasnecessidades de consumo (crise de superprodução), seja porque o consumo não cresce naproporção da oferta por insuficiência de renda, ou achatamento salarial (crise de subconsumo).

3.5 CRISES ECONÔMICAS

Como na análise clássica, os economistas neoclássicos mantiveram uma visão otimista daeconomia. Para eles, os frutos do progresso técnico e do crescimento econômico são distribuídos demodo eqüitativo para todos os agentes econômicos, sem conflitos, segundo sua contribuição aoprocesso produtivo.

Contudo, na prática, em muitas oportunidades ocorreram crises econômicas permanecendo a

9 O Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 de 11/9/90) define propaganda enganosa ou abusiva qualquer informepublicitário “capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.” Ao deixar de informar algum dado essencial sobre o produto, apublicidade ainda é considerada enganosa. O código considera abusiva toda publicidade discriminatória, “que incite a violência,explore o medo ou a superstição..., desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar deforma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança.”

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oferta agregada (YS) maior do que a demanda agregada (YD), com desemprego de trabalhadores.Essas crises resultam de superprodução (demanda agregada encontra-se em seu nível correto,estando a oferta acima do nível normal), ou de subconsumo (a oferta agregada encontra-se em seunível correto, estando a demanda agregada abaixo de seu nível normal).10 

As crises de subconsumo já haviam sido apontadas por Sismonde de Sismondi (1773-1842), em1819, um pouco antes de Malthus. Afirmava ele que o grande afluxo de trabalhadores irlandesespara a Inglaterra reduzia os salários, concentrando a renda, fazendo com que a população não

conseguisse comprar toda a produção gerada pela economia. A crise resulta tanto do achatamentoda renda dos trabalhadores, como pelo fato dos empresários empregarem mais máquinas do quetrabalhadores, de modo que a receita das empresas cresce, assim como os lucros, mas essa rendaadicional não fica nas mãos dos trabalhadores que vêem o seu consumo crescer lentamente.

Essa discussão acerca das crises econômicas intensificou-se na França, Alemanha e Rússiaporque, para outros pensadores, pelo contrário, o desnível entre oferta e demanda agregadas (Y S >Y D) resultava, não do subconsumo dos trabalhadores, mas de erros de previsão dos capitalistas (crisede superprodução). Em outras palavras, a partir de um determinado momento, as empresaspassariam a produzir além das necessidades de consumo do conjunto da população do país, levandoem conta apenas considerações do lado da oferta, como produzir as quantidades exigidas pelamaximização de lucro, melhorar a qualidade do produto e reduzir custos, tendo em vista oacirramento da concorrência no mercado.

As crises de superprodução resultam, segundo os revisionistas como Tugan-Baranowsky, deerros de avaliação dos capitalistas, uma vez que as decisões de produção são desvinculadas dasdecisões de demanda. O planejamento central foi então sugerido para coordenar as ações entre osagentes econômicos. Segundo ele, a acumulação de capital aumenta a produtividade, o que eleva ataxa de lucro e estimula novos investimentos. Não importa o quanto o consumo se mantenha baixo,desde que as empresas coordenem a sua produção no nível da demanda. Desse modo, a ofertaagregada Y S se manterá sempre igual à demanda agregada Y D sem crise de superprodução ou desubconsumo.

Os marxistas adeptos da teoria do subconsumo, como Rosa Luxemburgo (1870-1919), autorade A acumulação do capital (Luxembourgo, 1988), criticam a posição dos revisionistas, porqueseria retornar à lei de Say segundo a qual a oferta cria a demanda correspondente. Para ossubconsumistas, as crises resultam do subconsumo dos trabalhadores, em razão do achatamento

salarial e da concorrência entre os capitalistas. Esta concorrência provoca acumulação acelerada decapital e adoção de tecnologias poupadoras de trabalho. Resulta crescimento maior dos meios deprodução em relação à massa salarial paga aos trabalhadores, futuros consumidores. Desse modo, aconquista de mercados externos ao país torna-se a salvação do capitalismo, para escoar a produçãoexcedente através das exportações.

Segundo Karl Marx (1818-1883), autor de Contribuição à crítica da economia política (1857),o subconsumo dos trabalhadores resulta de sua exploração pelo capitalista, que procura pagar-lhessalários cada vez menores e a estender a jornada de trabalho. A discussão acerca das crises dosistema capitalista está intimamente associada com a teoria marxista e com a questão da distribuiçãode renda entre as classes sociais, tema das seções seguintes.

4 - REPARTIÇÃO DE RENDA

Existem duas grandes questões em Economia, a saber: como manter o produto nacional emcrescimento contínuo e como repartir os frutos desse crescimento entre as classes sociais. Aprimeira questão diz respeito ao emprego dos fatores de crescimento: capital (nacional eestrangeiro), disponibilidade de mão-de-obra (quantidade, qualidade), gastos em educação (geral eprofissionalizante), investimentos em novas tecnologias (assim como importações de técnicas

10 Distingue-se, ainda, as crises decorrentes da redução da taxa de lucro, mas, no fundo, toda a crise, independente de sua natureza,resulta na redução da taxa de lucro, definida pela razão entre lucro absoluto e capital aplicado.

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geradas em outros países), gastos com saúde, investimentos em infra-estruturas etc. Questõessubjacentes ao crescimento, como inflação, crescimento do déficit público, aumento da dívidapública (interna e externa) e fatores políticos desfavoráveis dificultam a manutenção no tempo deum crescimento econômico mais acelerado.

A segunda questão, a distribuição da renda, assume um papel primordial porque ela pode inibirou entravar a trajetória do crescimento econômico. Se a renda for distribuída em maior proporçãopara setores que apenas consomem, o investimento total se reduz ao longo do tempo, o que inibe o

crescimento econômico. No mesmo sentido, se os salários dos trabalhadores crescerem mais do quea sua produtividade, a taxa de lucro dos empresários irá se reduzir, desestimulando novosinvestimentos. Inversamente, se os salários dos trabalhares forem sistematicamente achatados,haverá redução gradativa de seu consumo, afetando o crescimento do produto no longo prazo.

De modo geral, a distribuição da renda entre as classes sociais determinará uma estruturaprodutiva específica. Assim, se a renda da classe média subir mais rapidamente do que a renda dostrabalhadores de mais baixa remuneração, então a dinâmica da economia será comandada pelaprodução de bens de consumo duráveis, como tem sido o caso no Brasil nas últimas décadas.Atualmente, o Governo, nas três esferas, consome grande parte do produto social, porque os seusgastos não param de crescer (pagamentos de juros da dívida interna e externa, previdência social,funcionalismo público etc.). Esse fato prejudica o investimento global, pois o Governo retiradinheiro da economia, mediante a emissão de títulos, a fim de poder pagar os seus gastos, o que

reduz o montante que poderia ser destinado ao investimento. Isso ocorre, porque os altos jurospagos pelo Governo torna mais rentável para os investidores (bancos, particulares, empresasprodutivas) comprar títulos públicos do que investir no setor produtivo.

4.1 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA PELA VISÃO CLÁSSICA E NEOCLÁSSICA 

Como foi visto anteriormente, Ricardo preocupava-se com o problema da distribuição da renda.No seu modelo, a renda distribuía-se de maneira desigual entre as três classes sociais consideradaspor ele: donos da terra (rentistas), capitalistas (arrendatários) e trabalhadores.

Ao longo do tempo, o volume de renda recebida pelos donos da terra crescia mais rapidamentedo que os lucros e os salários. Isso se devia ao crescimento demográfico acelerado e à proibição deimportar alimentos, que deslocava a produção agrícola para terras piores e mais distantes dos

mercados. Os preços dos alimentos subiam, assim como os salários monetários pagos, o que reduziaa taxa de lucro dos capitalistas. Os salários reais11 se reduziam, diminuindo o poder de compra dostrabalhadores. Isso piorava as condições econômicas dos arrendatários e dos trabalhadores,enquanto a situação dos rentistas melhorava cada vez mais, uma vez que eles passavam a receberuma renda adicional pelos diferenciais de produtividade das terras melhores e mais próximas dosmercados.

Ricardo combatia essa situação, porque a redução da taxa de lucro dos capitalistas acabavaafetando a sua propensão a investir, o total dos investimentos e a taxa de crescimento do produtonacional. Isso era importante, porque a taxa de lucro da produção agrícola afetava a taxa de lucro daindústria e do setor terciário. Ricardo acabou demonstrando que a taxa de lucro da indústria e daeconomia como um todo acabava sendo determinada pelos salários pagos aos trabalhadores ruraisna fronteira agrícola. A solução apontada por ele foi o controle demográfico e a livre importação dealimentos e matérias-primas mais baratas do resto do mundo. Essa idéia fundamentava opensamento liberal dos economistas clássicos.

Mais tarde, Stuart Mill acabou demonstrando que as inovações tecnológicas na agricultura, poraumentar a produtividade, neutraliza em parte os rendimentos decrescentes da agricultura, viabilizaterras improdutivas marginais (áreas secas, ou alagadas, terrenos com declives muito acentuados) e

11 Os salários nominais (w) são os valores efetivamente recebidos pelos trabalhadores, enquanto os salários reais são a relação entreos salários e os preços (w/p), ou seja aquilo que eles podem realmente comprar. Assim, se os salários nominais subirem 10% e ospreços (p) também subirem 10%, ou salário real e o poder de compra dos salários permanecem inalterados.

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mantém o crescimento econômico.12 Para os economistas clássicos, portanto, a situação econômica na margem de cultivo afetava o

conjunto da economia. Esse raciocínio foi mais tarde consolidado pelos economistas neoclássicos,ou marginalistas, a partir de 1870, que romperam com a teoria clássica do valor-trabalho. Como foivisto, para eles, o valor determina-se pela utilidade dos bens e pelo grau subjetivo de satisfação queeles proporcionam aos consumidores. Essa utilidade é decrescente, como pode ser visto quandotemos sede: os primeiros goles de água nos proporcionam um grau maior de satisfação, que vai

decrescendo à medida que a sede diminui, chegando a um ponto de saturação.Para os neoclássicos, o produto depende da combinação eficiente dos fatores produtivos capital,trabalho, capacidade empresarial e recursos naturais. A produtividade de cada fator diminui àproporção que o seu emprego aumenta no processo produtivo, permanecendo os demais fatoresfixos. No equilíbrio, a produtividade marginal de cada fator é igual a seu preço. Assim, ostrabalhadores receberão um salário igual à sua produtividade marginal; ou seja, o último trabalhadorreceberá um salário, na margem, exatamente igual ao que irá produzir. Este equilíbrio seráretransmitido para toda a economia em um mundo onde predomina a concorrência perfeita.

Desse modo, o total da renda gerada na economia será distribuída da seguinte maneira: aoscapitalistas, mediante os juros que recebem pelos capitais emprestados; aos empresários, peloslucros de seus empreendimentos; aos donos das terras, prédios e jazidas pelos aluguéis recebidos;finalmente, aos trabalhadores, pelos salários a que têm direito.

Quando a economia cresce, há uma distribuição automática das novas rendas aos proprietáriosdos fatores capital (juros), capacidade empresarial (lucros), recursos naturais (aluguéis) e trabalho(salários), em função da produtividade marginal respectiva. Incluindo-se a tecnologia como umquinto fator, teríamos os royalties, ou direitos, como a remuneração correspondente. Na visãoneoclássica, a distribuição de renda em função da produtividade marginal opera-se, portanto,harmoniosamente.

4.2 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA PELA VISÃO MARXISTA 

Já na visão marxista, pelo contrário, a distribuição de renda entre os diferentes grupos ocorrecom conflitos entre as diferentes classes sociais. A dicotomia fundamental, por essa visão, ocorreentre o empresário (confundido com o capitalista) e o trabalhador assalariado. Este produz um

excedente às suas necessidades de consumo, ou seja, ao produzir uma mesa no final de oito horas detrabalho, ele recebe como salário um valor inferior a essas oito horas; esse excedente corresponde auma mais-valia que o capitalista se apropria às custas do trabalhador. A existência de mais-valiaestá indicada pelo fato de que o trabalhador não consegue comprar o produto que confecciona pelosalário correspondente.

A idéia é a de que o valor de um produto seja igual à quantidade de trabalho que eleincorporado. Assim, o produto líquido de uma economia é igual à soma do trabalho necessário àreprodução do trabalhador (salários, ou capital variável, V ) e o valor extraído dos trabalhadores, oumais valia, M , ou seja:

(1) YL = V + M.Acrescentando-se em (1) os valores necessários para a reposição do maquinário e as compras de

materiais produtivos (capital constante, C), tem-se o produto bruto da economia:(2) Y = V + M + C.

Os conflitos sociais, que geram a luta de classes, segundo Karl Marx, ocorre entre oscapitalistas e trabalhadores para obterem as suas respectivas fatias V e M do produto social líquido,YL. A participação de cada classe na repartição do produto não depende das produtividadesmarginais, ou seja, não possui um caráter técnico como postulam os economistas neoclássicos, mas

12 Para maiores detalhes acerca desse assunto, ver Souza (1999, cap. 3).

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tem um caráter social. Os empresários-capitalistas organizam-se em sindicatos patronais (Federaçãode Indústrias, Associações Comerciais, Clube de Lojistas, Confederação de Produtores etc.) e ostrabalhadores associam-se em sindicatos de trabalhadores (Central Única dos Trabalhadores, ForçaSindical, Sindicato dos Bancários etc.). Por ocasião dos dissídios coletivos, os sindicatos negociamcom os patrões e, em caso de impasse, pode acorrer greves por tempo indeterminado.

Em alguns casos, o Governo intermedia negociações; em outros, é o próprio mercado quemregula tais interações: em caso de altas taxas de desemprego, os trabalhadores e seus sindicatos se

enfraquecem e os acordos são fechados em condições menos favoráveis para eles. Inversamente,com baixas taxas de desemprego e escassez de mão-de-obra especializada, são os empresários quempossuem menor poder de barganha. Para manter sua taxa de lucro, eles podem fechar fábricas emregiões ou países com altos salários e abrir em outros locais com menor custo de mão-de-obra. Foi oque ocorreu com a Renaud, que fechou uma fábrica em Bruxelas (Bélgica) e abriu outra em SãoJosé dos Pinhas, na Região Metropolitana de Curitiba.

A luta dos empresários, para aumentar a sua participação na renda, não se restringe somente aoexercício de seu poder de barganha com os sindicatos de trabalhadores. Eles procuram infiltrar-seno Governo e no Congresso, a fim de obterem bons contratos para obras, ou influenciar a políticaeconômica governamental ou a votação de projetos importantes. São as chamadas atividades delóbi, que nos Estados Unidos é regulamentada em lei. Essas atividades, denominada rent-seeking (procura pela renda), podem dar margem à corrupção e levar à redução do produto social, porque

gera desperdícios de recursos (ver Souza, 1999, cap. 10).A taxa de lucro do capitalista tende a se reduzir no longo prazo, porque o achatamento dos

salários dos trabalhadores encontra limites legais, biológicos e econômicos, devido à concorrênciano mercado. Isso pode ser visto pela taxa de lucro (r), que é igual ao lucro absoluto (mais-valia, M),divido pelo capital total (constante, C, e variável, V):

(3) r = M / (C + V)Devido à concorrência, os preços no mercado se reduzem, ao mesmo tempo em que o

empresário se vê obrigado a comprar máquinas mais modernas, o que aumenta o capital constante Cmais do que proporcionalmente à mais valia M. Assim, mesmo que os salários contidos no capitalvariável V não aumentem, haveria uma tendência da taxa de lucro r se reduzir no longo prazo, o quelevaria a economia a um ritmo menor de crescimento.

Surge uma contradição no interior do processo de produção, que é a tendência do capital se

acumular cada vez mais, ao mesmo tempo em que a renda recebida pelos trabalhadores cresce emritmo mais lento. Segundo Marx, isso explicaria as crises periódicas do sistema capitalista, queacabaria conduzindo a sociedade ao socialismo, como será visto mais adiante.

No entanto, a taxa de lucro média da economia volta a crescer com o aumento dos lucrosabsolutos, ou mais valia M, pelo surgimento de novos produtos e processos produtivos maiseficientes e poupadores de trabalho. A conseqüência é o crescimento econômico com aumento dataxa de desemprego e concentração de renda na maioria dos países capitalistas.

4.3  DESEMPREGO E MEDIÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA 

Desemprego e distribuição de renda estão associados, pois quanto mais um país crescepoupando trabalho e desempregando pessoas, tanto mais a renda nacional se concentra . Em agostode 1999, mais de 4,7 milhões de pessoas estavam desempregadas no Brasil, valor que se reduziupara 4,4 milhões em 2000.

A taxa de desemprego é igual ao número de desempregados x 100, divido pela populaçãoeconomicamente ativa. Essa taxa foi igual a 7,6% em 1999 (4.714.213 x 100 / 62.029.120 = 8,7%) ea 7% em 2000 (4.439.308 x 100 / 63.418.686 = 7,0%). Em junho de 2001, segundo o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa taxa se reduziu para 6,8%.

A população economicamente ativa (PEA) é formada pelas pessoas empregadas edesempregadas, em um dado momento. A PEA é um subconjunto da população em idade ativa

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(PIA), que no Brasil compreende as pessoas com 10 anos e mais. A PIA é composta, portanto, daPEA, mais os indivíduos que não trabalham (estudantes, inválidos, rentistas, idosos, réus,aposentados, pensionistas, donas de casa, outros).

O desemprego existente na economia brasileira se deve:a)  à redução do crescimento econômico, provocado pela crise da Argentina e do menor ritmo de

crescimento da economia dos Estados Unidos, o que provoca redução das exportações eelevação da taxa de juro interna, o que desacelera os investimentos produtivos;

b)  à abertura econômica promovida pelo Brasil desde o Governo Collor, em 1990, que aumenta asimportações de produtos agrícolas e manufaturados, reduzindo a produção interna e o emprego;c)  à modernização tecnológica da indústria, que, devido à globalização, necessita acelerar a troca

de máquinas mais antigas, tornadas obsoletas prematuramente pelo aumento da concorrência,por máquinas mais produtivas, poupadoras de mão-de-obra;

d)  ao uso de robôs e tecnologias intensivas em capital e poupadoras de trabalho;Em alguns países, a taxa de desemprego encontra-se em níveis superiores à que vigora no Brasil

em 2001, como Alemanha (9,3%) e França (8,8%). Em outros países, neste mesmo ano, a taxa dedesemprego é menor, como no Japão e Reino Unido (4,9%), Estados Unidos (4,5%). Neste últimopaís, a taxa de desemprego era de apenas 4% em 2000. O menor ritmo do crescimento econômico eo conseqüente aumento do desemprego na economia mais importante do mundo, tem reflexosmundiais, pela redução de suas importações.

Na Grande São Paulo, o maior centro industrial do Brasil, a taxa de desemprego é mais alta doque no conjunto do País: 10,2% em 2000 e 10,7% em junho de 2001. O desemprego formal éportanto maior nas áreas mais industrializadas (em 1999, a taxa de desemprego era de 10,6% naFrança, 10,2% na Alemanha e 9,4% para o conjunto da União Européia).

O desemprego aumenta quando a economia deixa de crescer, se moderniza, trocando máquinase quando o crescimento econômico ocorre concentrando a renda. Para medir o grau deconcentração da renda de uma economia, costuma-se utilizar o Coeficiente de Gini, que  é umíndice de desigualdade de distribuição inventado pelo estatístico italiano Conrado Gini (1884-1965); trata-se de uma das medidas de concentração de renda mais utilizadas.

O coeficiente de Gini é derivado da curva de Lorenz,13 como mostra a Figura 2.1, construída apartir dos dados da Tabela 2.1, que mostra a distribuição de renda para dois períodos diferentes detempo, com o respectivo coeficiente de Gini, segundo cinco estratos diferentes (dados fictícios). Na

primeira linha da tabela, percebe-se que a população 25% mais pobre recebia, em 1970, 10% darenda nacional; e os 25% menos pobres 20% da renda; enquanto os 25% mais ricos detinham 45% eos 25% menos ricos 25%.

Tabela 2.1 - Estrutura de distribuição de renda de uma economia em dois períodos de tempoRenda recebidapor classe (%)

Renda recebida por classe(% acumulado)

Classes da populaçãoSegundo os níveis de

renda (%) 1970 1990

Classes dapopulação

(% acumulado) 1970 19900 – 25 (mais pobres) 10 5 0 - 25 10 5

25 – 50 (menos pobres) 20 10 0 - 50 30 1550 – 75 (menos ricos) 25 20 0 - 75 55 3575 – 100 (mais ricos) 45 65 0 - 100 100 100

Coeficiente de Gini (CG) 0,275 0,475

Em 1990, percebe-se que aumentou a concentração da renda nacional: os 25% mais pobrespassaram a receber um percentual menor da renda total (5%); enquanto os 25% mais ricos passarama ser contemplados com 65%. Houve igualmente uma piora na distribuição de renda para as faixas

13 Uma curva de Lorenz, aplicada pela primeira vez em 1905 por M. C. Lorenz, representam duas distribuições (como a renda), paraperíodos ou países diferentes.

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intermediárias.As três últimas colunas da Tabela 2.1 apresentam os percentuais acumulados das classes da

população segundo os níveis de renda e os percentuais acumulados da renda nacional recebida emcada classe da população. As duas últimas colunas fornecem duas curvas de Lorenz e estãorepresentadas na Figura 2.1.

No eixo vertical do gráfico estão representados os percentuais acumulados das rendas recebidaspela população e, no eixo horizontal, os percentuais acumulados da população. A curva de Lorenz

para o período 1 é y1 (Renda 1970) e, para o período 2, é y2 (renda 1990).

Unindo-se os pontos extremos dessa curva [(0, 0) e (100, 100)], obtém-se a reta y, de 45 o,representando a perfeita igualdade na distribuição da renda: o mesmo percentual da população, emcada classe, recebe o mesmo percentual da renda, ou seja: 25% da população mais pobre, receberia25% da renda nacional; os 25% menos pobres, mais 25%; e, assim, sucessivamente, culminando-secom os 25% mais ricos recebendo também 25% da renda nacional. À medida em que a curva deLorenz afasta-se da reta y, da perfeita igualdade, a distribuição de renda nacional piora, como y2 (Renda 90), cuja distribuição é pior em 1990 do que a distribuição representada por y1, em 1970. 

O coeficiente de Gini (CG) pode ser calculado dividindo-se a área entre a reta y e a curva deLorenz y1, (para 1970) ou entre a reta y e a curva de Lorenz y2 (para 1990), pela área do triânguloformado pela reta y, o eixo horizontal e o eixo vertical do lado direito da figura, como segue:14 

Área entre a diagonal e a curva de Lorenz(1) CG = _________________________________________________

Área entre a diagonal e os eixos horizontal e vertical da direita

O coeficiente de Gini CG varia de 0 a 1. Quando ele for zero, a distribuição de renda éperfeitamente igual (determinado percentual da população recebe o mesmo percentual da renda).

Neste caso, a curva de Lorenz coincide com a reta y de 45

o

; quando o coeficiente de Gini aproxima-se de 1, a distribuição de renda torna-se perfeitamente desigual (umas poucas pessoas recebem todaa renda). Neste caso, a curva de Lorenz aproxima-se dos eixos horizontal e vertical da direita.

Assim, quanto mais alto for o coeficiente de Gini, tanto mais concentrada será a distribuição dasérie que se está estudando, no caso, a renda. No exemplo da Tabela 2.1, o Coeficiente de Gini era

14 A área do triângulo entre a diagonal e os eixos horizontal e vertical da direita é igual a: (base * altura) / 2 = (1 * 1) / 2 = 0,5. Aárea C entre a Curva de Lorenz e os eixos pode ser calculada, aproximadamente, dividindo-se essa área em triângulos e quadriláteros.Somando-se as áreas desses triângulos e quadriláteros tem-se a área C. A área entre a diagonal e a curva de Lorenz é igual a: 0,5 – C.Aplicando-se a fórmula (1) acima, tem-se que CG = (0,5 – C) / 0,5.

Figura 2.2 - Curva de Lorenz de Distribuição de Renda

0

20

40

60

80

100

0 25 50 75 100

% Acumulado da População

% Acumulado da Renda

Reta y

y1=Renda 70

y2=Renda 90

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0,275 em 1970, passando para 0,475 em 1990. A concentração da renda aumentou: a participaçãodos mais ricos na renda nacional cresceu e a participação dos mais pobres se reduziu. A piora nadistribuição de renda pode ser constatada pelo fato de que a curva de Lorenz y 2 está em 1990 maisdistante da diagonal da perfeita igualdade.

No Brasil, a distribuição de renda piorou entre 1960 e 1985 e melhorou entre 1985 e 1993. Oíndice de Gini do Brasil passou de 0,50, em 1960, para 0,66, em 1985, caindo para 0,60 em 1993.Com o advento do Plano Real, estudos recentes mostram que a distribuição de renda melhorou entre

1994 e 1997, mas piorou nos últimos anos, pelo aumento do desemprego.A população brasileira de menor renda, entretanto, empobreceu. Em 1960, os 10% mais pobresdetinham 1,9% da renda, percentual que caiu para 0,7% em 1993; enquanto 1% da população maisrica, que detinha 12,1% da renda nacional, em 1960, passou para 15,5%, em 1993 (cfe. IBGE).

O mesmo fenômeno ocorreu nos Estados Unidos: em 1973, os 20% mais pobres recebiam 5,5%da renda nacional, passando para 4,2%, em 1991; enquanto os 20% mais ricos aumentaram suaparticipação de 41,1%, para 44,2%, no mesmo período (Miller, 1994, p.711).

No longo prazo, a visão otimista da economia afirma que o progresso tecnológico aumentaráo bem-estar do conjunto da população, alimentando e vestindo a todos e ofertando um conjunto debens variados, incluindo novos medicamentos para a cura de doenças, como câncer e AIDS. Noentanto, os novos produtos, que estimulam o capitalismo por serem ofertados a altos preços,requerem aumento do poder de compra do conjunto da população.

Isso leva os economistas a acreditar que, em um determinado momento do tempo, todas asnecessidades estarão saciadas e as inovações tecnológicas deixarão de ocorrer. A sociedade estaráentão em um estado estacionário de crescimento nulo tanto para a população como para a renda.Esse estado estacionário, sem acumulação de capital, seria o socialismo.

5 - SOCIALISMO

Segundo Marx, a luta de classes e as contradições internas do modo de produção capitalista,que levam às crises periódicas, acabarão destruindo o sistema capitalista, emergindo o socialismo como uma etapa posterior do desenvolvimento das forças produtivas.

Na concepção dos economistas clássicos, o socialismo seria a conseqüência da chegada doestado estacionário, ou de crescimento econômico zero. Nesse momento, não haveria investimento,

nem crescimento demográfico, pois a população também estacionaria. Porém, na visão dosistematizador do pensamento clássico, Stuart Mill, essa situação não seria calamitosa, ao contráriodo que pensavam Adam Smith e David Ricardo.

Para Stuart Mill, a sociedade somente chegaria ao estado estacionário quando houvesseesgotado todas as possibilidades de adotar novos processos tecnológicos e descobrir novosprodutos. O ideal da sociedade não seria o crescimento econômico, ou seja, a aquisição de bensmateriais, mas ela estaria voltada para o lazer e para a realização de atividades culturais eespirituais. Esse seria o estado de máximo bem-estar, em que tudo estaria regulado pelo coletivo,em substituição ao individualismo, aspecto característico e fundamental do capitalismo.

Esta também foi a mesma visão de Schumpeter, segundo a qual o estado estacionário chegapelo esgotamento da função empresarial, que é adotar inovações e assumir riscos. Segundo ele, nolongo prazo, toda inovação passará a ser rotineira e qualquer gerente tornar-se-á capaz de tocar osnegócios. Os lucros deixarão de ser o elemento procurado, uma vez que desaparecerá a noção depropriedade das empresas, estando as ações das mesmas pulverizadas em uma miríade de pequenosacionistas. Os executivos e os gerentes estarão preocupados com a maximização de seus salários enão com a obtenção de lucros máximos, como no capitalismo dirigido diretamente pelosproprietários de grande parte do capital.

Na visão marxista, contudo, o socialismo decorre de um processo revolucionário e se apresentacomo um modo de produção superior ao do capitalismo. No socialismo, as forças produtivas seriamcomandadas pelos trabalhadores, restaurando a harmonia das forças produtivas, com o

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desaparecimento dos capitalistas. A economia socialista seria “superior” à economia capitalista portrês razões (Singer, 1990, p. 158):

a)  sendo a economia planificada, ela não estaria mais sujeita às crises, ao desemprego e aodesperdício de recursos;

b)  com o desaparecimento das classes sociais, todos seriam proletários e desapareceria apropriedade privada dos meios de produção;

c)  aumentaria o bem-estar dos mais pobres, com a supressão dos ricos, implicando na

substancial redução das desigualdades econômicas entre as pessoas.Contudo, existem controvérsias acerca das possibilidades do sistema de economia planificadamanter-se em crescimento contínuo ao longo do tempo. Ocorrem conquistas sociais, mas ocrescimento econômico não é suficiente para elevar o bem estar do conjunto da população. Issoexplica o atraso de economias como a albanesa e a cubana, dependente no passado da ajuda russa.A dissolução da União-Soviética e o surgimento do modo de produção capitalista nos paísesdesmembrados resultantes, assim como na China e nos demais países do Leste Europeu, contradiz asuposição marxista da superioridade do socialismo.

Na teoria marxista, o capitalismo constitui uma etapa para a economia alcançar o socialismo. ARússia e os demais países do Leste Europeu adotaram o comunismo sem estarem industrializados.Através da planificação central, o Estado procurou implantar infra-estruturas e desenvolver aindústria. Controlando centralmente os preços e as quantidades a serem produzidas em cada região,

produto por produto, o sistema gerou uma enorme burocracia, o que dificultou o desenvolvimentoeconômico.

O resultado foi o fim da União Soviética em dezembro de 1991, sendo substituída pelaComunidade dos Estados Independentes, um simples fórum de coordenação das repúblicas, sem umgoverno central. Em 1992, o Presidente Yeltsin anunciou um programa de desestatização daeconomia e liberalização de preços. A transição para o capitalismo, rota inversa preconizada porMarx, trouxe aos russos inflação, recessão, desemprego e o crime organizado.

Na Alemanha, caiu o muro de Berlim em novembro de 1989, abrindo o caminho para areunificação das duas Alemanhas. A unificação monetária ocorreu em julho de 1990 e a unificaçãopolítica em outubro do mesmo ano. A Alemanha ocidental gastou bilhões de dólares com areunificação, mas o desemprego ainda é elevado, principalmente do lado oriental.

Cuba e a Albânia ainda resistem em retornar ao sistema de livre mercado e o isolamentointernacional tem restringido o desenvolvimento desses dois países. Cuba vem sofrendo pressõesdos líderes russos, desde 1985, para promover uma abertura econômica e política. O fim da UniãoSoviética, em 1991, implicou no fim da ajuda econômica que Cuba vinha recebendo, o que causouum grande colapso financeiro no país. Sua situação econômica piorou ainda mais com o aumento doembargo econômico norte-americano, após 1992. Privado do petróleo russo e com as exportaçõesem queda, a partir de 1995, Cuba promoveu o ingresso do capital estrangeiro em vários setores,exceto na saúde, educação e defesa. A pálida abertura econômica não foi seguida pela aberturapolítica, pois Fidel Castro ainda insiste em permanecer no poder.

A Albânia, no entanto, embora fechada ao exterior, promoveu algumas concessões, após asprimeiras greves e manifestações em 1990. Ela permitiu a formação de partidos de oposição e

reintroduziu a liberdade religiosa (o ateísmo era a religião oficial). Em 1991, diante de novasmanifestações e da fuga de 15 mil refugiados albaneses para a Itália, o Governo albanês convocoueleições diretas. Nessa transição para o capitalismo, a economia albanesa encontra-se desmantelada,com dois terços da indústria desativados e queda da produção de cereais, necessitando a populaçãoda ajuda de organismos internacionais. Em 1997, a taxa de desemprego chegava a 25% dapopulação em idade economicamente ativa.

Apesar das dificuldades da implantação de uma economia socialista, as economias liberais têmsido criticadas pela persistência do desemprego, dando surgimento a chamada terceira via, sob aliderança do Tony Blair, exercendo o cargo de Primeiro Ministro da Inglaterra desde 1997. Blair

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chegou ao poder depois de convencer o Partido Trabalhista a substituir o quarto parágrafo de seusestatutos, de 1918, em que propugnava pela “propriedade comum dos meios de produção,distribuição e comércio”, pela intenção de criar uma sociedade “em que o poder, a riqueza e asoportunidades estejam em mãos de muitos e não de poucos”.

Essa mudança de postura afastou o Partido Trabalhista inglês da ideologia socialista e oaproximou da economia de mercado e pela condução coerente da política econômica por parte doGoverno. Por exemplo, como medidas de saneamento econômico do Estado, em janeiro de 1998

Blair anunciou cortes em determinados gastos sociais, como redução das despesas da previdênciasocial, e estímulo a setores industriais dinâmicos. Com isso, a economia cresceu e a taxa dedesemprego se reduziu para cerca de 5%.

6 - PENSAMENTO ECONÔMICO MODERNO

O liberalismo puro, defendido pelos economistas clássicos, relegava ao Estado apenas odesempenho de suas funções básicas, como segurança nacional, educação, saúde, manutenção daordem e da justiça, além da manutenção dos direitos de propriedade. O Estado deveria deixar que osetor privado se preocupasse com a produção e o comércio de bens e serviços. No entanto, com oaumento da freqüência das crises econômicas, gerando desemprego crescente, o Estado tem sido

chamado a participar do gerenciamento da economia e estimular a atividade privada através de suapolítica econômica, ao mesmo tempo em que atua em áreas sociais, direta e indiretamente,procurando melhorar os indicadores de desenvolvimento do País (redução da taxa de mortalidadeinfantil, índice de analfabetismo e da evasão escolar, entre outros).

As críticas ao liberalismo econômico acentuaram-se com a Grande Depressão dos anos de1930. Com a falência de inúmeras empresas e o desemprego em massa, passou-se a aceitar commais naturalidade a presença do Estado na economia. Para muitos economistas, ficou evidente que obem-estar social não será atingido sem que o Estado intervenha, a fim de assegurar, não só osdireitos de propriedade e a liberdade de mercado, como maior nível de emprego.

Nas duas primeiras décadas do século XX, a economia americana havia conhecido umcrescimento espetacular. O índice de produção da indústria de materiais de transporte e bens decapital, por exemplo, passou de 100 em 1899, para 969 em 1927, enquanto os índices das indústrias

de aço e artefatos, papel e gráfica e maquinaria chegaram nesse ano, respectivamente, a 780, 614 e a562 (Hunt & Sherman, 1978, p. 163).

Durante os anos de 1920, o crescimento econômico dos EUA e do resto do mundo foi aindamais intenso. No entanto, a grande queda da Bolsa de New York, ocorrida em 24/10/1929,desencadeou uma grande depressão mundial sem precedentes nos anos de 1930. A queda dosinvestimentos e da produção desempregou milhões de pessoas, não só na Europa e Estados Unidos,como também em países como o Brasil.

O nível da produção agregada caiu muito abaixo das fronteiras de possibilidade de produção,desempregando os recursos produtivos. No entanto, por suas próprias forças as economias nãoconseguiam reunir forças para reagir. Tornou-se necessário identificar as causas do desemprego. Aexplicação parecia estar no mau funcionamento das instituições de mercado do mundo capitalista, oque passou a justificar o aumento da participação do Estado na economia. Esse foi o ponto departida da economia keynesiana dos anos de 1930.

6.1 ECONOMIA KEYNESIANA 

Em sua obra Teoria geral do emprego, juro e da moeda, John Maynard Keynes (1883-1946)procurou apontar soluções para a crise do mundo capitalista (Keynes, 1990). Ele explicou que ovalor dos bens e serviços produzidos pelas empresas tem uma contrapartida de renda, que são ossalários, juros, aluguéis, impostos e lucros; que essas rendas, encaradas como custos pelas firmas,

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na verdade vão ser gastas em novos bens e serviços. O mesmo raciocínio vale para a economia emseu conjunto. Se parte da população não pode gastar, por não ter um emprego, a economia estaráimpossibilitada de produzir em níveis mais altos.

Esse é o fluxo circular de produto e renda, cujo funcionamento não é automático e possuivazamentos: parte do dinheiro não gasto permanece entesourado em casa ou nos bancos. Em outraspalavras, o problema existe porque parte da poupança não é emprestada e, portanto, não participados gastos. Desse modo, a demanda efetiva (Y D) tende a ficar aquém das possibilidades de produção

da economia (Y S

). Keynes identificou outros vazamentos, que ocorrem com as importações e com opagamento de impostos.Para que esses vazamentos sejam compensados, em caso de recessão (Y D < Y S) é preciso que:

(a) os bancos elevem seus empréstimos para consumo e investimento;(b) as exportações sejam estimuladas; e,(c) o Governo aumente seus gastos.

O maior fluxo de renda resultante estimulará a demanda agregada (Y D), retomando-se o caminhoda prosperidade. No entanto, é necessário que os gastos com investimento (I) sejam iguais àspoupanças (S) realizadas em cada período. Como as rendas aumentam com a prosperidade geral daeconomia e o consumo não cresce na mesma proporção, haverá uma tendência de S expandir-se demodo mais acelerado. Assim, o investimento precisa crescer cada vez mais para absorver esseexcesso de poupança e manter o equilíbrio entre demanda agregada e oferta agregada (Y D = Y S).

Contudo, as oportunidades de negócios rentáveis nem sempre são suficientes para manter esse ritmoacelerado de crescimento do investimento.

Sendo S > I , o Governo precisa aumentar seus gastos para compensar o excesso de poupança.Keynes preferia que os gastos do Governo fossem investimentos em áreas sociais, como escolas,estradas e hospitais, que acabariam beneficiando também o setor produtivo. Esses preceitoskeynesianos tornaram-se aceitos, ao ponto do Congresso norte-americano aprovar, em 1946, a Leido Emprego, segundo a qual o Governo passou a ter obrigação de utilizar impostos na preservaçãodo nível do emprego.

Keynes baseou sua teoria na rigidez de salários (w), devido à existência de contratos. Como ospreços (P) também são relativamente inflexíveis, pela concorrência e a própria recessão, o ajuste, para evitar maiores quedas do nível de lucro (π), é feito pela demissão de trabalhadores (L). Issopode ser demonstrado como segue: supondo que os custos das empresas sejam predominantementecom salários (wL), então o lucro será a receita total (PQ) - wL. Com a recessão, as quantidades Q sereduzem, assim como os preços; para evitar maiores reduções dos lucros, os salários w precisariamse reduzir, como eles são inflexíveis, então as empresas demitem trabalhadores (L se reduz).

Este é o desemprego keynesiano, ou desemprego involuntário, situação em que a pessoa nãoencontra trabalho aos salários vigentes. Os economistas clássicos só admitiam o desempregovoluntário (as pessoas não aceitam trabalhar aos salários oferecidos) e o desemprego temporário,existente enquanto as pessoas trocam de emprego, ao passarem de uma atividade para outra.

6.2 A SEGUNDA SÍNTESE NEOCLÁSSICA E A CONTRA-REVOLUÇÃO KEYNESIANA 

Com a grande crise econômica dos anos de 1930, os economistas liberais passaram a dividir-se

em neoclássicos conservadores e em neoclássicos liberais. Estes últimos começaram a aceitaralguma participação do Estado na vida econômica. Para eles, a concorrência não existe em suaforma pura e irrestrita liberdade de mercado gera muita instabilidade. Argumentam que o Governopode reduzir essa instabilidade mediante políticas monetárias e fiscais apropriadas (Hunt, 1982:479).

Seguindo a linha de Pigou, reconhecem a existência de externalidades e recomendam a ação doGoverno. Da mesma forma, no caso dos bens públicos (segurança, estradas, escolas, saúde pública),o Governo participa de sua produção, ou a delega a particulares, mediante contratos de concessãode serviços públicos. Portanto, concordam que apenas a ação da “mão invisível” não se mostra

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suficiente para levar a economia ao equilíbrio, necessitando da ação complementar do Estado.O principal economista da corrente neoclássica liberal é o norte-americano Paul Samuelson,15 

cujas idéias passaram a dominar o mundo acadêmico após a Segunda Guerra Mundial. Sua visãohumanista da Economia assemelha-se à de Stuart Mill, autor que realizou em suas obras uma grandesíntese do pensamento clássico. Como Mill, e juntamente com o inglês John Hicks (1904-1989),autor de Valor e capital (Hicks, 1984), Samuelson elaborou a segunda síntese neoclássica, com aqual procurou integrar o pensamento keynesiano dentro dos postulados neoclássicos.

Segundo essa síntese, havendo pleno emprego (a economia funcionando sobre a fronteira daspossibilidades de produção, ou muito próximo dela), utilizam-se integralmente as proposiçõesteóricas neoclássicas, desde que o mercado funcione segundo os postulados neoclássicos para alocarrecursos e distribuir renda. Entretanto, isso só é possível com o Governo adotando políticas fiscais emonetárias, regulando oligopólios e atuando na produção de bens públicos (Hunt, 1982, p. 482).

Em caso de desemprego (estando a economia nitidamente abaixo da fronteira das possibilidadesde produção), a recomendação é a adoção das políticas keynesianas, ou seja, o aumento dos gastospúblicos, incentivo às exportações, aos investimentos e ao consumo privado interno, medianteredução das taxas de juro e expansão da oferta de crédito.

A contra-revolução keynesiana foi provocada pela corrente neoclássica conservadora, quetem como expoentes Milton Friedman (1912-...), da Escola de Chicago, assim como Ludwig vonMises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-1992), da Escola Austríaca. Friedman defende uma

abordagem empírica para a Economia e a exclusão de qualquer julgamento normativo, ou juízos devalor; enquanto os economistas da Escola Austríaca postulam uma abordagem racional.

Estes economistas da corrente conservadora não concordam com as objeções dos neoclássicosliberais em relação ao mau funcionamento da economia no laissez-faire. Segundo Friedman (1978),autor de O papel da política monetária, a Grande Depressão resultou de falhas do Governo e não defalhas do mercado; ou seja, políticas econômicas erradas desviaram ainda mais a economia de suatrajetória de crescimento equilibrado, gerando falência de empresas e alto desemprego. Issosignifica que eles acreditam na lei de Say do automatismo do mercado..

Da mesma forma, consideram que a existência de grandes empresas não acarreta influênciassignificativas sobre a fixação de preços no mercado e que, se isso existir, é porque os Governoscriam facilidades para elas. Eles ignoram a questão das externalidades16   (vantagens oudesvantagens para as empresas vindas de fora delas mesmas), porque implicaria maior intervenção

do Governo na economia. Em suma, os liberais conservadores prescrevem reduzir ao mínimo aparticipação do Governo na economia, para assegurar a ação da “mão invisível” do funcionamentodo mercado.

A crítica de Friedman aos neoclássicos liberais e keynesianos, em geral, relaciona-se com asestratégias e teorias relativas à demanda agregada. A teoria keynesiana focaliza as determinantes dademanda agregada e atribui um papel menor à política monetária. Para Friedman e outroseconomistas da Escola de Chicago, políticas fiscais que levam ao aumento dos gastos públicoscausam mais inflação do que efeitos positivos sobre a demanda agregada. Os empréstimosefetuados pelo Governo para financiar seus gastos substituem a demanda privada, sem efeito realsobre o produto total, provocando maior inflação.

Conclui Friedman que a política monetária não provoca efeitos reais sobre a produção e oemprego, apenas gera mais inflação. Desse modo, o monetarismo de Friedman limita a ação doGoverno ao rígido controle do crescimento da oferta de moeda, para evitar inflação, uma vez que sefundamenta no livre funcionamento dos mercados.

15 Samuelson nasceu em 1915 e recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 1970; foi professor do Instituto de Tecnologia deMassachusetts, autor da importante obra Fundamentos da análise econômica, publicada em inglês, em 1947, e em português, em1983 (Samuelson, 1983).16 Ver Glossário.

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6.3 A CORRENTE ESTRUTURALISTA

Os estruturalistas têm mantido uma posição crítica ao pensamento dos economistasneoclássicos conservadores e liberais. Essa corrente surgiu dos trabalhos realizados por economistaspertencentes à Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), com sede emSantiago do Chile. Entre esses economistas, podem ser citados Raul Prebisch, o brasileiro CelsoFurtado, Anibal Pinto, entre outros.

Os estruturalistas entendiam que o desenvolvimento dos países latino-americanos tem sidobloqueado por causas estruturais, como estrutura agrária inadequada e improdutiva, baseadasimultaneamente no latifúndio e no minifúndio. Os agricultores latifundiários mantêm um modo deprodução extensivo, em grandes extensões de terra, com baixa produtividade. A produção é feitabasicamente para consumo próprio, com pequenos excedentes levados ao mercado.

No caso dos pequenos agricultores dos minifúndios, a escassez de terras não lhes permite, damesma forma, obter ganhos de produtividade. A produção obtida nem sempre é suficiente para opróprio consumo familiar. Os excedentes de produção levados ao mercado, no conjunto dosagricultores, é portanto muito baixo. Como conseqüência, os agricultores dos paísessubdesenvolvidos não são sensíveis às variações de preços no mercado, ou seja, não mudam o nívelda produção quando o preço dos produtos agrícolas aumentam ou diminuem no mercado.

Como resultado, há uma oferta insuficiente de alimentos e de matérias-primas para o

abastecimento do mercado interno e para a exportação. Essa rigidez da oferta traz duasconseqüências: primeira, eleva-se internamente os preços, provocando inflação; segunda, o lentocrescimento das exportações gera uma tendência ao desequilíbrio na balança comercial, o quedificulta o aumento de importações para o atendimento da indústria nascente.

Aumento de preços de bens importados, como petróleo e máquinas, agrava o desequilíbrio nabalança comercial. O Governo desvaloriza a moeda nacional para reduzir o déficit comercial. Coma taxa de câmbio mais alta (como R$/US$), os exportadores recebem mais em reais pelasexportações feitas em dólares, o que estimula o aumento das exportações; os importadores precisamdesembolsar mais reais por uma mesma quantia de importações feitas em dólares, o que desestimulatais operações. Como resultado, déficit externo se reduz, mas o aumento de preços das importaçõesde bens de consumo e de produtos para a indústria se retransmite no interior da economiaprovocando pressões inflacionárias.

A solução apontada pelos estruturalistas é a reforma agrária, atacando simultaneamente oslatifúndios e os minifúndios, de sorte a aumentar o tamanho médio das propriedades, para que aterra se torne mais produtiva. Desse modo, com a elevação do rendimento agrícola, haveriaestímulo para que os agricultores investissem na modernização tecnológica da atividade agrícola(mais tratores, colheitadeiras, semeadoras, irrigação, fertilizantes, herbicidadas, medicamentos etc.),elevando ainda mais a produtividade da terra e do trabalho na agricultura.

Os estruturalistas também identificaram uma tendência dos preços internacionais dos produtosagrícolas e de matérias-primas em geral crescerem mais lentamente em relação aos preços dosprodutos manufaturados. Desse modo, os países que exportam principalmente produtos primáriosteriam mais uma explicação para essa tendência de desequilíbrio da balança comercial. Paracombater essa tendência, seria necessário que a pauta exportadora se diversificasse, com a inclusãogradativa de bens manufaturados. Com isso, as exportações totais manteriam o seu valor, porque opreço internacionais de produtos manufaturados teriam uma tendência de crescer no longo prazo.

Como se observa, em oposição ao monetarismo, os estruturalistas alegam que a inflação temcausas básicas, derivadas da limitação e rigidez do sistema econômico, e causas circunstanciais,como aumento dos preços das importações, e não simplesmente em função do aumento interno daoferta de moeda. O aumento dos preços seriam provocados por causas reais, exigindo emcontrapartida maiores volumes de moeda em circulação. Em outras palavras, a inflação teria origemno interior das empresas, que repassam os custos para os preços de seus produtos, e não poremissões de moeda feitas compulsivamente pelo Banco Central.

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Outras correntes do pensamento econômico tem se destacado desde a segunda metade do séculopassado. Com relação à inflação, a maioria concorda que ela tem tanto causas reais do lado doscustos (inflação de custos), como causas monetárias do lado da demanda (inflação de demanda).Pressões de custos (aumento de salários e de preços de matérias-primas importadas, por exemplo)elevam a inflação porque as firmas tendem a repassar esses aumentos para os preços de seusprodutos. Aumento dos meios de pagamentos (maior volume de dinheiro em circulação) efacilidades de crédito (como juros mais baratos), estimula a demanda por parte dos consumidores o

que sanciona as elevações de preços.Com a globalização, aumentou a interação entre os países e cresceu o comércio mundial. Estáse tornando também mais difícil para o Brasil aumentar rapidamente as suas exportações deprodutos manufaturados, tendo em vista a grande concorrência existente por parte dos novos paísesindustrializados e com níveis de desenvolvimento similares. Exportar mais exige maior volume decrédito e os recursos financeiros são escassos. É preciso também reduzir a carga tributária dasempresas exportadoras, o que não pode ser feito na intensidade desejada porque o Governo nãopode abrir mão de receitas, a fim de cobrir suas despesas.

Outro ponto que precisa ser levado em conta, para aumentar a competitividade dos produtosbrasileiros no exterior, é aumentar a qualidade e reduzir os custos médios de produção. Isso requernovos investimentos em novos equipamentos e em treinamento de pessoal e em educação geral.Nesse sentido, as novas teorias do crescimento econômico tem apontado que o capital e o trabalho

não são os únicos fatores de crescimento, cabendo especial destaque ao capital humano e às novastecnologias. O progresso técnico passa a ter um papel ativo, determinado por investimentos emnovas tecnologias e em capital humano, o que gera aumentos de produtividade e rendimentoscrescentes à escala.

BIBLIOGRAFIA

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HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico : uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro:

Campus, 1982.

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SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico. 4 ed., São Paulo : Atlas, 1999.

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