uma experiência de educação permanente na...

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MESTRADO EM SAÚDE DA FAMÍLIA UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Uma Experiência de Educação Permanente na Estratégia de Saúde da Família no Município de Petrópolis: a participação dos Agentes Comunitários de Saúde Orientanda: Maria Angela Gazanego Pontes Orientadora: Prof. Adriana Cavalcanti de Aguiar 2015

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  • MESTRADO EM SADE DA FAMLIA

    UNIVERSIDADE ESTCIO DE S

    Uma Experincia de Educao Permanente na Estratgia de

    Sade da Famlia no Municpio de Petrpolis: a participao dos

    Agentes Comunitrios de Sade

    Orientanda: Maria Angela Gazanego Pontes

    Orientadora: Prof. Adriana Cavalcanti de Aguiar

    2015

  • Uma Experincia de Educao Permanente na Estratgia de

    Sade da Famlia no Municpio de Petrpolis: a participao dos

    Agentes Comunitrios de Sade

    DISSERTAO APRESENTADA NA UNIVERSIDADE

    ESTCIO DE S (UNESA) PARA OBTENO DO TTULO

    DE MESTRE PROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA

    ORIENTADORA: PROF. ADRIANA CAVALCANTI DE

    AGUIAR

    RIO DE JANEIRO

    2015

  • Uma Experincia de Educao Permanente na Estratgia de

    Sade da Famlia no Municpio de Petrpolis: a participao dos

    Agentes Comunitrios de Sade

    DISSERTAO APRESENTADA NA UNIVERSIDADE

    ESTCIO DE S (UNESA) PARA OBTENO DO TTULO

    DE MESTRE PROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA

    ORIENTADORA: PROF ADRIANA CAVALCANTI DE

    AGUIAR

    Aprovado em:...

    Banca Examinadora:

    Adriana Cavalcanti de Aguiar

    Luciana Maria Borges da Matta Souza

    Valria Ferreira Romano

  • Ao meu novo amor, meu filho querido, amado

    e muito desejado, Lucas. Por voc consegui ar e fora

    para chegar ao fim desta caminhada de qualificao

    profissional.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu marido, companheiro de todas as horas e melhor amigo, sempre me apoiando em

    todos os momentos, incentivando e ajudando a me levantar todas as vezes que a vida me faz

    cair.

    Aos meus pais, Lcia e Paulo, pelo carinho e dedicao, orientao e exemplos de pessoas

    que me fizeram seguir e ser quem sou como pessoa e profissional.

    Ao meu irmo, Carlos, pela amizade e apoio ao longo de toda a minha vida, e por ser um

    parceiro de toda hora.

    A minha av, Leninha e, em memria, ao meu av, Chico, importantes na minha educao e

    formao.

    Aos meus tios, Marilise e Carlos, pelo apoio sempre ofertado, assim como amor e carinho.

    Aos meus primos, Brbara e Carlos Cesar, irmos menores que Deus me deu.

    Maria Cristina Diniz Gonalves Ezequiel, amiga desde minha chegada cidade de

    Petrpolis, uma grande mentora, exemplo de profissional a ser seguido.

    minha orientadora, Prof Adriana Cavalcanti de Aguiar, pela parceria construda ao longo

    do mestrado, alm do carinho, ateno e compreenso em um dos momentos mais difceis da

    minha vida.

    Aos professores do mestrado, pelos ensinamentos compartilhados com minha turma de

    mestrandos.

    Aos meus colegas de turma, Cleonice, Marcelo, Regina e Andrielly, pelo auxlio nas tarefas

    realizadas e pela amizade que ser para a vida toda.

    s cinco equipes de sade da famlia da Faculdade de Medicina de Petrpolis/Faculdade

    Arthur S Earp Neto, e tambm aos pacientes envolvidos nas SIEPS, sendo objetos deste

    presente estudo.

  • Onde quer que haja mulheres e homens, h sempre o que fazer, h sempre o que ensinar, h

    sempre o que aprender.

    Paulo Freire

    http://pensador.uol.com.br/autor/paulo_freire/

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    AMBE - Ambulatrio Escola

    ACS - Agentes comunitrios de sade

    APS - Ateno Primria Sade

    CAPS Centro de Ateno Psicossocial

    CAPSAD - Centro de Ateno Psicossocial lcool e Drogas

    CIES - Comisses de Integrao Ensino e Servio

    COAPES - Contratos Organizativos de Ao Pblica Ensino-Sade

    COBEM Congresso Brasileiro de Educao Mdica

    DAB - Departamento de Ateno Bsica

    DIP - Doenas Infecto Parasitrias

    DM - Diabetes Mellitus

    EC - Educao Continuada

    EP - Educao Permanente

    EPS - Educao Permanente em Sade

    ESF - Estratgia de Sade da Famlia

    FAIMER Brasil - Foundation for Advancement of Internacional Medical Education

    FASE - Faculdade Arthur S Earp Neto

    FMP - Faculdade de Medicina de Petrpolis

    FMP/FASE - Faculdade de Medicina de Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto

    HAS - Hipertenso Arterial Sistmica

    NASF - Ncleos de Apoio Sade da Famlia

    NG - Ncleo Gestor

    OMS - Organizao Mundial da Sade

    PACS - Programa Agentes Comunitrios de Sade

    PET-Sade Programa de Educao pelo Trabalho em Sade

    PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica

    PNH - Poltica Nacional de Humanizao

    PRO-Sade Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade

    PSF Programa de Sade da famlia

  • RAS - Redes de Ateno Sade

    SIEPS - Sesses Interativas em Educao Permanente em Sade

    SMS - Secretaria Municipal de Sade

    SUS - Sistema nico de Sade

    TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UnATI/UERJ - Universidade Aberta da Terceira Idade/ Universidade Estadual do Rio de

    Janeiro

    Unicef - Fundo das Naes Unidas para a infncia

    USF - Unidades de Sade da Famlia

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 ESF x territrio Nacional 27

    Tabela 2 Encontros Ncleo Organizador x Ms 63

    Tabela 3 Descrio por cada livro ata do contedo encontrado 70

    Tabela 4 Sesses indicadas por ACS por UBS 70

    Tabela 5 Anlise de casos/sesses indicadas por ACS 79

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Atribuies comuns aos profissionais de sade na Estratgia de Sade da

    Famlia

    17

    Quadro 2: Atribuies relacionadas aos Agentes Comunitrios de Sade

    19

    Quadro 3: Pesquisa Quantitativa x Pesquisa Qualitativa

    53

    Quadro 4 Comparao mtodo qualitativo x quantitativo

    53

  • RESUMO

    Uma Experincia de Educao Permanente na Estratgia de

    Sade da Famlia no Municpio de Petrpolis: a participao dos

    Agentes Comunitrios de Sade

    A presente pesquisa descreve e analisa aspectos de uma experincia de Educao Permanente

    em Sade (EPS) realizada em Unidades de Sade da Famlia (USF), com nfase na

    participao e contribuio dos agentes comunitrios de sade (ACS). Essas USF so

    cogerenciadas pela Faculdade de Medicina de Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto

    (FMP/FASE), em parceria com a Secretaria Municipal de Sade (SMS) da Cidade de

    Petrpolis, localizada na Regio Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Mediante o que

    preconizado pelo Ministrio da Sade acerca das suas devidas atribuies, o ACS tem como

    funo orientar adequadamente os usurios dentro da lgica de funcionamento da rede de

    sade e fornecer feedback sobre o andamento da sade da comunidade adscrita aos membros

    da equipe da USF. A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar a participao dos

    Agentes Comunitrios de Sade nas atividades de Educao Permanente em Sade e sua

    contribuio para a problematizao do processo de trabalho das Estratgias de Sade da

    Famlia. O presente estudo tem natureza quali-quantitativa, retrospectiva e exploratria. Est

    baseado na anlise documental dos registros das atividades de Educao Permanente em

    Sade realizadas nas Sesses Interativas em Educao Permanente em Sade, no perodo de

    2006 a 2009. A anlise documental foi realizada aplicando a Anlise de Contedo (Bardin

    2011) e utilizado a participao observante da autora da pesquisa no campo, atuante como

    mdica de famlia e comunidade em uma das USF da FMP/FASE no perodo de realizao da

    atividade.

    Palavras-chave: Agente Comunitrio de Sade, Estratgias de Sade da famlia, Educao

    Permanente em sade, problematizao, Sesses Interativas em Educao Permanente em

    Sade.

  • ABSTRACT

    Experience of Continuing Education in the Family Health

    Strategy in the city of Petropolis: the participation of Community

    Health Agents

    This study describes and analyzes aspects of an experience of Continuing Health Education

    held in the Family Health Units, with emphasis on participation and contribution of

    community health agents. These Family Health Units are co managed the Faculty of Medicine

    of Petrpolis/Faculty Arthur Sa Earp Neto (FMP/FASE), in partnership with the Municipal

    Health Department of the city of Petrpolis, located in the mountainous region of the State of

    Rio de Janeiro. By what is recommended by the Ministry of Health about their due

    responsibilities, community health agents have as function properly orient users within the

    health system operating logic and provide feedback on the progress of health ascribed

    community members Team. This study aimed to analyze the participation of Community

    Health Agents in the Continuing Education activities in Health and its contribution to the

    questioning of the working process of the Family Health Strategies. This study is qualitative

    and quantitative, retrospective and exploratory. It is based on documentary analysis of records

    of Permanent Education in Health activities held in the Interactive Sessions in Continuing

    Education in Health, from 2006 to 2009. The document analysis was performed by applying

    the content analysis (Bardin 2011) and used the observant participation author of the research

    in the field, acting as a family doctor and community in one of the Family Health Units FMP /

    FASE the timing of the activity.

    Keywords: Community Health Agent, Family Health Strategies, Continuing Education in

    Health, questioning, Interactive Sessions in Continuing Education in Health.

  • Sumrio 1) Introduo ......................................................................................................................................... 14

    2) Breve Histrico e caractersticas da Ateno Primria no Brasil ..................................................... 24

    2.1) Ateno Primria em Sade no Brasil: dinmica da implementao e caractersticas do processo

    de trabalho ............................................................................................................................................ 26

    2.2) O papel do Agente Comunitrio de Sade na Ateno Primria e Sade Brasileira ..................... 31

    3) Educao Continuada e Permanente: Premissas e Estratgias de Desenvolvimento ...................... 35

    3.1) Educao Permanente em Sade: O impacto no processo de trabalho em equipe ..................... 41

    4) Oferta de servios de sade no Municpio de Petrpolis ................................................................. 45

    4.1) As Unidades de Sade da famlia gerenciadas pela Faculdade de Medicina de

    Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto (FMP/FASE) ....................................................................... 47

    4.2) Antecedentes da Educao Permanente em Sade em Petrpolis ............................................... 49

    5) Objetivos ........................................................................................................................................... 51

    Objetivos Geral ...................................................................................................................................... 51

    Objetivos Especficos ............................................................................................................................. 51

    6) Metodologia ...................................................................................................................................... 52

    6.1) Coleta de dados.............................................................................................................................. 54

    6.1.1) Reunies de gesto da EPS ......................................................................................................... 54

    6.1.2) SIEPS ............................................................................................................................................ 55

    6.1.3) Treinamentos .............................................................................................................................. 55

    7) Resultados ......................................................................................................................................... 58

    7.1.1) Reunies de Gerenciamento das Equipes................................................................................... 60

    7.1.2) Reunies de Ncleo Organizador ................................................................................................ 63

    7.2) Anlise das Sesses de Educao Permanente em Sade ............................................................. 66

    7.3) Anlise dos Treinamentos .............................................................................................................. 87

    8) Discusso ........................................................................................................................................... 92

    9) Consideraes finais ........................................................................................................................ 102

    10) Referncias Bibliogrficas ............................................................................................................. 105

    11) ANEXOS ......................................................................................................................................... 111

  • 14

    1) Introduo

    A presente pesquisa descreve e analisa aspectos de uma experincia de Educao

    Permanente em Sade (EPS) realizada em Unidades de Sade da Famlia (USF), com nfase

    na participao e contribuio dos agentes comunitrios de sade (ACS). Essas USF so

    cogerenciadas pela Faculdade de Medicina de Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto

    (FMP/FASE), em parceria com a Secretaria Municipal de Sade (SMS) da Cidade de

    Petrpolis, localizada na Regio Serrana do Estado do Rio de Janeiro.

    Primeiramente, gostaria de esclarecer ao leitor o porqu da escolha deste tema e

    cenrio. Formada em 2006, iniciei naquele ano minhas atividades como mdica na rea de

    Sade da Famlia e Comunidade, em Petrpolis, onde trabalhei em uma das USF gerenciadas

    pela FMP/FASE at o incio de 2010. Por quatro anos participei de uma atividade chamada

    Sesses Interativas em Educao Permanente em Sade (SIEPS), descrita ao longo desta

    pesquisa.

    Participei do esforo de coordenao da atividade contribuindo na dinmica de

    preparao de sesses que envolviam profissionais de sade que compunham as equipes de

    Estratgia de Sade da Famlia (ESF) da FMP/FASE e os alunos desta instituio de ensino.

    Os objetivos das SIEPS eram: buscar o aperfeioamento profissional, melhorar a

    integrao dos profissionais no processo de trabalho e aumentar a efetividade no atendimento

    aos pacientes cuja problemtica era objeto das sesses, aumentando a capacidade dos

    envolvidos em manejar situaes complexas no dia-a-dia de trabalho. Essa iniciativa estava

    inserida no contexto de implantao e desenvolvimento do trabalho em rede, tendo a Ateno

    Primria Sade (APS) como eixo condutor do cuidado prestado no municpio.

    Isso consequncia do fato de que, no Brasil, desde a dcada de 1990, com a criao

    do Sistema nico de Sade (SUS), baseado nas leis 8.080/90 e 8.142/90, buscava-se uma

  • 15

    mudana no modelo assistencial a partir da adoo de uma concepo ampliada de sade-

    doena que demanda articulao do setor de sade com outros setores de atividade

    (intersetorialidade), destacando-se a interface entre servios de sade e universidades.

    Essa proposta de mudana do modelo assistencial veio a demandar inmeras

    iniciativas de inovao no desenvolvimento profissional. Para compreend-las, vale destacar a

    criao da Estratgia Sade da Famlia (ESF), implantada pelo Governo Federal em 1994

    como modelo de organizao da ateno primria, propondo aes de promoo e preveno,

    atuando como porta de entrada preferencial do usurio na rede do SUS, fortalecendo os

    princpios e diretrizes do SUS, atravs da universalidade, integralidade, longitudinalidade e

    resolubilidade (Pereira e Barcellos, 2006). Nos anos subsequentes, inmeras iniciativas foram

    empreendidas para induzir a formao de pessoal para compor as equipes atuantes na ESF.

    Segundo Starfield (2002), o fato de haver subespecialidades dentro do sistema de

    sade, acaba por acarretar problemas relacionados a questo da equidade, um dos princpios

    do SUS. Ainda dito que, com a subespecializao, a sade torna-se mais cara e, muitas

    vezes, pouco acessvel a muitos usurios que possuem limitaes financeiras, ou seja, quanto

    maior o recurso financeiro, melhor torna-se a sade. Assim, comprova-se influncia de

    condies sociais com sade e a APS surge com o objetivo de integrar as condies sociais e

    fsicas s enfermidades propriamente ditas, a partir de atributos e funes, melhores descritas

    a seguir.

    A APS, mbito do cuidado no qual se insere a ESF, demanda novas competncias

    profissionais para incorporar atributos e funes como os apontados por Mendes (2012): (1)

    ser preferencialmente o primeiro contato do paciente dentro da rede de sade; (2) estabelecer

    condies para a longitudinalidade e a integralidade; (3) realizar a coordenao do cuidado;

    (4) focalizar a ateno na famlia e estabelecer orientao comunitria (o que implica em

    conhecimento da equipe sobre a estrutura e caractersticas das famlias acompanhadas, bem

  • 16

    como de suas necessidades) e; (5) a competncia cultural (neste caso, havendo respeito em

    relao cultura dos indivduos residentes da rea adscrita).

    Este mesmo autor aponta para trs funes essenciais: resolubilidade (em torno de

    85% das demandas), responsabilidade (conhecimento mnimo sobre os determinantes de

    sade no territrio, relacionando a populao adscrita a este) e comunicao (a APS atuaria

    como centro de comunicao dentro da Rede de Ateno Sade, ordenando o fluxo de

    pacientes entre os vrios pontos de ateno sade, assim como informaes e produtos)

    (Mendes, 2012 & MS, 2010). Todas essas novas incumbncias demandam superar um modelo

    de ateno sade baseado no atendimento aos sintomas e com nfase nos procedimentos

    tcnicos. Todas essas novas incumbncias demandam superar um modelo de ateno sade

    baseado no atendimento aos sintomas e com nfase nos procedimentos tcnicos.

    As unidades da ESF atuam em territrios que abrangem uma populao adscrita a

    estas, com caractersticas semelhantes que podem abranger aspectos culturais, polticos,

    sociais, ambientais e epidemiolgicos (pelo compartilhamento de macrodeterminantes de

    sade). O territrio pode compreender um bairro, parte do mesmo ou at vrios bairros,

    muitas vezes apresentando como limites as barreiras fsicas ou at mesmo as vias de acesso

    (Monken, 2007). fundamental que os profissionais da ESF conheam as caractersticas do

    territrio ao qual esto vinculados (Pereira e Barcelos, 2006 & Brasil, 2011). Segundo a

    Poltica Nacional de Ateno Bsica (2012), cada USF deve se responsabilizar pela cobertura

    de 600 a 1.000 famlias residentes no territrio, no ultrapassando 4.000 habitantes por

    equipe, sendo recomendado 3.000 pessoas (Brasil, 2012).

    A chamada equipe bsica da ESF composta por: um mdico, um enfermeiro, um

    auxiliar ou tcnico de enfermagem, assim como agentes comunitrios recrutados no territrio.

    O nmero de agentes comunitrios de sade (ACS), deve ser suficiente para cobrir 100% das

    famlias adscritas, com um ACS responsvel por at 150 famlias ou 750 pessoas. Algumas

  • 17

    equipes de sade contam com os profissionais de sade bucal (um dentista e um auxiliar ou

    tcnico em sade bucal) (Brasil, 2011).

    Por vivenciarem a realidade da comunidade, os ACS contribuem para associar

    fenmenos relativos ao processo de sade-doena com variveis socioambientais, ampliando

    o entendimento da sade no seu conceito ampliado, participando de aes de promoo e

    preveno na comunidade. So profissionais que, em boa parte de seu processo de trabalho

    dirio, fazem educao em sade, podendo ocorrer de forma espontnea, sem necessariamente

    haver conscincia de sua inteno (Morosini, 2007).

    A PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica, lanada em 2012 (Brasil, 2012),

    ampliou as atribuies dos ACS em relao PNAB que vigorou anteriormente (Brasil,

    2006). O Quadro 1 demonstra as atribuies comuns a todos os profissionais de sade de

    todas as ESF, incluindo os ACS.

    Quadro 1: Atribuies comuns aos profissionais de sade na Estratgia de Sade da

    Famlia ATRIBUIES COMUNS A TODOS OS PROFISSIONAIS:

    PNAB 2006: I - participar do processo de territorializao e

    mapeamento da rea de atuao da equipe,

    identificando grupos, famlias e indivduos expostos a

    riscos, inclusive aqueles relativos ao trabalho, e da

    atualizao contnua dessas informaes, priorizando as

    situaes a serem acompanhadas no planejamento

    local;

    II - realizar o cuidado em sade da populao adscrita,

    prioritariamente no mbito da unidade de sade, no

    domiclio e nos demais espaos comunitrios (escolas,

    associaes, entre outros), quando necessrio;

    III - realizar aes de ateno integral conforme a

    necessidade de sade da populao local, bem como as

    previstas nas prioridades e protocolos da gesto local;

    IV - garantir a integralidade da ateno por meio da

    realizao de aes de promoo da sade, preveno

    de agravos e curativas; e da garantia de atendimento da

    demanda espontnea, da realizao das aes

    programticas e de vigilncia sade;

    V - realizar busca ativa e notificao de doenas e

    agravos de notificao compulsria e de outros agravos

    e situaes de importncia local;

    VI - realizar a escuta qualificada das necessidades dos

    usurios em todas as aes, proporcionando

    atendimento humanizado e viabilizando o

    estabelecimento do vnculo;

    VII - responsabilizar-se pela populao adscrita,

    mantendo a coordenao do cuidado mesmo quando

    esta necessita de ateno em outros servios do sistema

    de sade;

    PNAB 2012: I - Participar do processo de territorializao e

    mapeamento da rea de atuao da equipe,

    identificando grupos, famlias e indivduos expostos a

    riscos e vulnerabilidades;

    II - Manter atualizado o cadastramento das famlias e

    dos indivduos no sistema de informao indicado pelo

    gestor municipal e utilizar, de forma sistemtica, os

    dados para a anlise da situao de sade, considerando

    as caractersticas sociais, econmicas, culturais,

    demogrficas e epidemiolgicas do territrio,

    priorizando as situaes a serem acompanhadas no

    planejamento local;

    III - Realizar o cuidado da sade da populao adscrita, prioritariamente no mbito da unidade de sade, e,

    quando necessrio, no domiclio e nos demais espaos

    comunitrios (escolas, associaes, entre outros);

    IV - Realizar aes de ateno sade conforme a

    necessidade de sade da populao local, bem como as

    previstas nas prioridades e nos protocolos da gesto

    local;

    V - Garantir a ateno sade buscando a integralidade

    por meio da realizao de aes de promoo, proteo

    e recuperao da sade e preveno de agravos; e da

    garantia de atendimento da demanda espontnea, da

    realizao das aes programticas, coletivas e de

    vigilncia sade;

  • 18

    VIII - participar das atividades de planejamento e

    avaliao das aes da equipe, a partir da utilizao dos

    dados disponveis;

    IX - promover a mobilizao e a participao da

    comunidade, buscando efetivar o controle social;

    X - identificar parceiros e recursos na comunidade que

    possam potencializar aes intersetoriais com a equipe,

    sob coordenao da SMS;

    XI - garantir a qualidade do registro das atividades nos

    sistemas nacionais de informao na Ateno Bsica;

    XII - participar das atividades de educao permanente;

    e XIII - realizar outras aes e atividades a serem

    definidas de acordo com as prioridades locais.

    VI - Participar do acolhimento dos usurios realizando

    a escuta qualificada das necessidades de sade,

    procedendo primeira avaliao (classificao de risco,

    avaliao de vulnerabilidade, coleta de informaes e

    sinais clnicos) e identificao das necessidades de

    intervenes de cuidado, proporcionando atendimento

    humanizado, responsabilizando-se pela continuidade da

    ateno e viabilizando o estabelecimento do vnculo;

    VII - Realizar busca ativa e notificar doenas e agravos

    de notificao compulsria e de outros agravos e

    situaes de importncia local;

    VIII - Responsabilizar-se pela populao adscrita,

    mantendo a coordenao do cuidado mesmo quando

    necessitar de ateno em outros pontos de ateno do

    sistema de sade;

    IX - Praticar cuidado familiar e dirigido a coletividades

    e grupos sociais que visa a propor intervenes que

    influenciem os processos de sade-doena dos

    indivduos, das famlias, das coletividades e da prpria

    comunidade;

    X - Realizar reunies de equipes a fim de discutir em

    conjunto o planejamento e avaliao das aes da

    equipe, a partir da utilizao dos dados disponveis; XI

    - Acompanhar e avaliar sistematicamente as aes

    implementadas, visando readequao do processo de

    trabalho;

    XII - Garantir a qualidade do registro das atividades

    nos sistemas de informao na ateno bsica; XIII -

    Realizar trabalho interdisciplinar e em equipe,

    integrando reas tcnicas e profissionais de diferentes

    formaes;

    XIV - Realizar aes de educao em sade

    populao adstrita, conforme planejamento da equipe;

    XV - Participar das atividades de educao

    permanente;

    XVI - Promover a mobilizao e a participao da

    comunidade, buscando efetivar o controle social;

    XVII - Identificar parceiros e recursos na comunidade

    que possam potencializar aes intersetoriais; e

    XVIII - Realizar outras aes e atividades a serem

    definidas de acordo com as prioridades locais.

    Fonte: PNAB 2006 e 2012

    Quanto ao ACS, observa-se na PNAB (2012), alm das atribuies comuns a toda

    equipe, fica evidente a grande expectativa de contribuies ao processo de trabalho, em uma

    jornada de trabalho de 40 horas semanais. O quadro 2 sistematiza o aumento das atribuies

    dos ACS, comparando a PNAB de 2006 com 2012.

  • 19

    Quadro 2: Atribuies relacionadas aos Agentes Comunitrios de Sade

    ATRIBUIES DO AGENTE COMUNITRIO DE SADE

    PNAB 2006

    I - desenvolver aes que busquem a integrao entre a

    equipe de sade e a populao adscrita UBS,

    considerando as caractersticas e as finalidades do

    trabalho de acompanhamento de indivduos e grupos

    sociais ou coletividade; II - trabalhar com adscrio de

    famlias em base geogrfica definida, a microrea; III -

    estar em contato permanente com as famlias

    desenvolvendo aes educativas, visando promoo

    da sade e preveno das doenas, de acordo com o

    planejamento da equipe; IV - cadastrar todas as pessoas

    de sua microrea e manter os cadastros atualizados; V -

    orientar famlias quanto utilizao dos servios de

    sade disponveis; VI - desenvolver atividades de

    promoo da sade, de preveno das doenas e de

    agravos, e de vigilncia sade, por meio de visitas

    domiciliares e de aes educativas individuais e

    coletivas 46 nos domiclios e na comunidade, mantendo

    a equipe informada, principalmente a respeito daquelas

    em situao de risco; VII - acompanhar, por meio de

    visita domiciliar, todas as famlias e indivduos sob sua

    responsabilidade, de acordo com as necessidades

    definidas pela equipe; e VIII - cumprir com as

    atribuies atualmente definidas para os ACS em

    relao preveno e ao controle da malria e da

    dengue, conforme a Portaria n 44/GM, de 3 de janeiro

    de 2002. Nota: permitido ao ACS desenvolver

    atividades nas unidades bsicas de sade, desde que

    vinculadas s atribuies acima.

    PNAB 2012:

    I - Trabalhar com adscrio de famlias em base

    geogrfica definida, a microrea; II - Cadastrar todas as

    pessoas de sua microrea e manter os cadastros

    atualizados; III - Orientar as famlias quanto

    utilizao dos servios de sade disponveis; IV -

    Realizar atividades programadas e de ateno

    demanda espontnea; V - Acompanhar, por meio de

    visita domiciliar, todas as famlias e indivduos sob sua

    responsabilidade. As visitas devero ser programadas

    em conjunto com a equipe, considerando os critrios de

    risco e vulnerabilidade de modo que famlias com

    maior necessidade sejam visitadas mais vezes,

    mantendo como referncia a mdia de uma

    visita/famlia/ms; VI - Desenvolver aes que

    busquem a integrao entre a equipe de sade e a

    populao adscrita UBS, considerando as

    caractersticas e as finalidades do trabalho de

    acompanhamento de indivduos e grupos sociais ou

    coletividade; VII - Desenvolver atividades de

    promoo da sade, de preveno das doenas e

    agravos e de vigilncia sade, por meio de visitas

    domiciliares e de aes educativas individuais e

    coletivas nos domiclios e na comunidade, por

    exemplo, combate dengue, malria, leishmaniose,

    entre outras, mantendo a equipe informada,

    principalmente a respeito das situaes de risco; e VIII

    - Estar em contato permanente com as famlias,

    desenvolvendo aes educativas, visando promoo

    da sade, preveno das doenas e ao

    acompanhamento das pessoas com problemas de sade,

    bem como ao acompanhamento das condicionalidades

    do Programa Bolsa-Famlia ou de qualquer outro

    programa similar de transferncia de renda e

    enfrentamento de vulnerabilidades implantado pelo

    governo federal, estadual e municipal, de acordo com o

    planejamento da equipe. permitido ao ACS

    desenvolver outras atividades nas Unidades Bsicas de

    Sade, desde que vinculadas s atribuies acima.

    Fonte: PNAB 2006 e PNAB 2012

    Alcanar a resolubilidade de 85% das demandas nas ESF significa que as equipes de

    APS necessitam de competncias sofisticadas, fazendo-se necessrias oportunidades de

    desenvolvimento profissional. Essas podem ser viabilizadas mediante adoo de dois tipos

    complementares de estratgias: a Educao Continuada (EC) e a Educao Permanente (EP).

    A Educao Continuada privilegia a atualizao de conhecimento tcnico pelo profissional de

    sade prestando-se para a incorporao de novas tcnicas e conhecimentos. No entanto, no

    resolve problemas relativos ao modelo assistencial que passam pela necessidade de rever

    prticas tradicionalmente estabelecidas nos servios (Ribeiro e Motta, 1996).

  • 20

    Com essa clareza, em 2004, o Ministrio da Sade implementou a Poltica Nacional de

    Educao Permanente (Portaria n 198 GM/MS), que foi revista posteriormente pela Portaria

    GM/MS n 1.996, de 20 de agosto de 2007. Essa poltica busca, a partir do conceito

    pedaggico de Educao Permanente em Sade (EPS), fomentar a problematizao do

    processo de trabalho, agregando aprendizagem associada a reflexes crticas sobre as prticas

    nos servios (ateno clnica, prticas de preveno e promoo em sade, atuao em redes

    de ateno, entre outros). A Metodologia da Problematizao permite explorar situaes-

    problema identificadas como relevantes pelos profissionais, buscando a resolubilidade e a

    responsabilidade, atributos da ateno primria. (Brasil, 2007; Cyrino, 2004).

    Aplicada APS, a EPS uma potente estratgia de desenvolvimento profissional que

    pode contribuir para a mudana no modelo assistencial (Silva Junior, 2007), e se baseia na

    anlise do cotidiano das famlias, insero das mesmas na comunidade onde residem, com

    atividades que visam enfrentar os problemas que podem causar efeitos deletrios, tanto do

    ponto de vista individual quanto do coletivo. Permite ampliar, assim como estimular a

    autonomia e a autodeterminao dentro da equipe no processo de trabalho (Brasil, 2007).

    No que tange ao trabalho em equipe, segundo Peduzzi (2013), a reforma do modelo

    assistencial e profissional demanda oportunidades de avanar na educao interprofissional e

    na interdisciplinaridade, sendo que a primeira est relacionada integrao entre os

    profissionais de sade e, a segunda, integrao entre os conhecimentos. Isto fundamental

    no atual contexto de mudanas relacionadas ao perfil epidemiolgico e demogrfico da

    populao brasileira, que envelhece e passa a apresentar, crescentemente, quadros de

    patologia crnica. Uma abordagem em equipe mais integrada caminha para superar de noo

    de equipe multiprofissional onde mltiplos profissionais trabalham quase isoladamente

    (Peduzzi, 2013).

  • 21

    Com tantas incumbncias sofisticadas na promoo da integrao da equipe e na

    soluo de problemas complexos, o desenvolvimento da EPS se beneficia da integrao entre

    academia e servios de sade, possibilitando a mobilizao de saberes dos profissionais de

    sade, no dilogo com especialistas docentes para troca de informaes a partir das

    necessidades identificadas no processo de trabalho. Em muitas instituies, encontros entre

    profissionais da academia e dos servios, com a participao de estudantes, desenvolvem

    reflexes aplicadas na prtica do dia-a-dia, visando aumentar a capacidade resolutiva da

    APS. Sendo assim, as Universidades possuem papel importante quando se trata de

    qualificao de profissionais (Brasil, 2007).

    Em Petrpolis, com vista a apoiar a melhoria da ateno sade da populao,

    avanando na integrao entre servio/academia, ensino/servio, a FMP/FASE iniciou, em

    maro de 2006, uma superviso de clnica mdica nas cinco USF, com a participao apenas

    dos mdicos das Unidades, residentes de Medicina de Famlia e Comunidade e os estudantes

    do sexto ano de medicina (embora o convite fosse dirigido a todos os profissionais de sade

    das cinco USF) para discusso de casos clnicos.

    Em 2008, as sesses passaram a ter uma abordagem mais ampla, na linha da EPS,

    avanando para a problematizao da assistncia prestada, que buscou aproximar a clnica e a

    discusso das questes sociais, emocionais e ambientais, a partir de contribuies dos

    diversos profissionais envolvidos neste processo.

    Nesta fase, alm dos mdicos, residentes e estudantes de medicina, passaram a

    participar, tambm, as enfermeiras, auxiliares de enfermagem, ACS, nutricionistas, estudantes

    do stimo perodo de enfermagem e de nutrio das cinco USF- FMP/FASE e residentes de

    Medicina de Famlia e Comunidade de intercmbio, provenientes da Espanha. Foi quando as

    sesses clnicas deram origem s Sesses Interativas em Educao Permanente em Sade

    (SIEPS), no ano de 2007 e que sero analisadas no presente trabalho.

  • 22

    Mediante planejamento cuidadoso, nas SIEPS os casos eram discutidos buscando-se

    as abordagens biopsicossocial e ambiental. Essa anlise das situaes, feita de modo coletivo,

    definia desdobramentos para solucionar os problemas identificados, o que poderia se

    desdobrar em iniciativas de qualificao tcnica de profissionais ou de toda a equipe, a partir

    de atividades de Educao Continuada, com apoio da Faculdade.

    Uma caracterstica interessante dessa experincia foi o engajamento dos ACS,

    elementos importantes no trabalho de educao em sade por possurem saberes populares e

    cientficos, vinculando situaes de risco existentes no territrio, alm de promoverem

    atividades de promoo em sade (Nunes, 2002). Mais que meros expectadores, os ACS eram

    partcipes com certo grau de protagonismo, chegando a indicar, em vrias sesses, qual a

    situao problema que deveria ser abordada. A presente pesquisa busca ampliar o

    conhecimento sobre o planejamento e monitoramento das atividades de EPS, fomentar a

    discusso sobre a participao do agente comunitrio de sade na EPS a partir da experincia

    realizada em cinco USF em Petrpolis.

    Como j mencionado, o ACS responsvel por estabelecer o elo ou ponte de

    comunicao da equipe de sade com a populao adscrita unidade de sade (Morosini,

    2007). Ele o trabalhador que est em constante comunicao com a comunidade e que

    estabelece a troca de conhecimentos tcnicos de sade com o conhecimento tcito oriundo de

    sua experincia de vida como membro da comunidade, estabelecendo um trabalho de

    mediao com aqueles com os quais dialoga. Sendo assim, a presena dos ACS nas SIEPS

    passou a influenciar as escolhas e as condutas traadas para esses pacientes e famlias, pois

    apresentavam um olhar ampliado da problemtica abordada (realidade familiar, influncias

    ambientais e culturais, conhecimento dos macrodeterminantes) atuando ainda na coordenao

    do cuidado junto equipe tcnica.

  • 23

    O ACS possui diversas atribuies complexas e sobrepostas e grande responsabilidade

    na qualidade das aes desenvolvidas. Essa sobrecarga, aliada a condies insuficientes de

    trabalho e pouca oferta de oportunidades de EC e EPS, pode gerar reduo na sua qualidade

    de trabalho (Thomaz, 2002). Dentre suas atribuies especficas, englobam: conhecimento de

    rea de atuao, de tal forma que as famlias devem ser todas cadastradas para monitoramento

    de risco (caso exista), assim como atividades de promoo e vigilncia em sade e auxilio em

    relao ao trajeto teraputico do usurio; visitas domiciliares permanentes a estas famlias;

    atualizao peridica em relao s informaes sobre sade (EP); buscar equipamentos

    sociais para integrar as atividades em educao em sade que possam vir a ser desenvolvidas

    (Andrade, 2004).

    Apesar de todas essas atribuies elencadas acima sobre os ACS, a desvalorizao

    deste profissional de sade ainda um problema a ser discutido, devido remunerao

    insatisfatria, comparada com a carga de trabalho intensa, associada falta de estmulos e

    gratificaes, assim como condies inadequadas de trabalho, pela exposio de doenas de

    pacientes na comunidade em visitas domiciliares, assim como exposio solar (Santana,

    2009). Tambm, passam por dilemas decorrentes da caracterstica de ser morador e vizinho da

    populao assistida e representante do poder pblico atuando como profissional de sade.

    Para aprofundar essa temtica, a presente dissertao inicialmente apresenta uma

    reviso de literatura sobre Ateno Primria em Sade, com nfase na importncia do

    trabalho em equipe, e de Educao Permanente e Continuada na problematizao do processo

    de trabalho. Em seguida, descreve elementos da experincia de Educao Permanente em

    Petrpolis e, assim, estabelecer objetivos e apresentar a metodologia adotada para descrever e

    analisar a experincia das SIEPS, com foco na contribuio dos ACS.

  • 24

    2) Breve Histrico e caractersticas da Ateno Primria no Brasil

    Em busca de revisar o modelo assistencial centralizado no pronto atendimento e na

    ateno hospitalar, e pensar sobre um novo modelo ainda a ser construdo, a partir de

    questionamentos e intervenes no combate a endemias nos pases em desenvolvimento, foi

    realizada, em 1978, a Conferncia Internacional sobre a Ateno Primria e Sade, a partir da

    articulao entre a Organizao Mundial da Sade (OMS) e o Fundo das Naes Unidas para

    a infncia (Unicef), em Alma-Ata, cidade localizada no Cazaquisto. A conferncia abordou a

    sade a partir de intervenes relacionadas a medidas sanitrias, mas tambm sociais.

    Apoiava-se em experincias de intervenes como o trabalho dos mdicos descalos

    chineses (p.496), que atuavam em zonas rurais, utilizando a medicina tradicional, cuidados

    curativos e preventivos (Giovanella, 2008).

    Vale lembrar que, no Brasil, a assistncia em sade no sculo XX priorizou a

    assistncia de doena, centralizada em ambiente hospitalar, envolvendo vrias especialidades

    mdicas. Mesmo com a passagem dos anos, a medicina se manteve voltada para o tratamento

    curativo, em que tecnologia dura (uso de equipamento) era mais utilizada que a tecnologia

    leve (relao mdico-paciente). Apenas na dcada de 70, comeou a haver debate em cima do

    assunto de Ateno Primria e Sade, caracterizada por uma medicina de base comunitria,

    mas que aos olhos de muitos, era vista como uma medicina bsica para a populao carente

    (Silva Jnior, 2007).

    a partir da Conferncia de Alma-Ata que adotado um conceito de sade, mais

    abrangente, A sade - estado de completo bem-estar fsico, mental e social, no

    simplesmente a ausncia de doena ou enfermidade o direito humano fundamental

    (p.498), alm de entendimento sobre a ateno primria e sade e estabelecimento de meta

    de Sade para todos no Ano 2000 (p.495). Para tal, caberiam aes como a utilizao de

    outros nveis de preveno (cura, proteo, reabilitao), com a ateno primria

  • 25

    representando o primeiro nvel de ateno dentro do sistema em sade, que deve ser apoiado

    por outros sistemas, objetivando melhora das necessidades das famlias (Giovanella, 2008).

    A Ateno Primria deveria reconhecer e trabalhar os determinantes de sade

    incluindo condies socioeconmicas das comunidades, estimulando a participao popular e

    buscando superar o modelo mdico centrado. J emergia a necessidade da ao intersetorial,

    cabendo a articulao com outros setores de acordo com as necessidades da comunidade em

    questo (Giovanella, 2008).

    A perspectiva de no somente atender a necessidade do ncleo familiar, mas tambm

    estimular a responsabilidade nos cidados pelo seu bem-estar e sade, assumindo poder de

    influenciar e determinar prioridades dentro da lgica de funcionamento da comunidade onde

    residem. Adotando medidas de promoo e preveno de custo acessvel, tendo como

    diretrizes a universalidade e a equidade na sade (Starfield, 2002), a APS investe na Educao

    em Sade, saneamento bsico, ateno materno-infantil, programa de imunizao,

    contracepo e planejamento familiar (Mendes, 2012).

  • 26

    2.1) Ateno Primria em Sade no Brasil: dinmica da implementao e caractersticas

    do processo de trabalho

    A implantao do Programa de Sade da Famlia (PSF) ocorreu a partir de 1994, com o

    intuito de modificar o modelo assistencial oferecido pelo SUS. Mas a partir da Poltica

    Nacional da Ateno Bsica (PNAB), o PSF passa a ser considerado uma estratgia dentro do

    nvel de APS. (Rodrigues, 2011). O Ministrio da Sade, a partir da Portaria n 648/GM de 28

    de maro de 2006, aprovou a PNAB, organizando diretrizes e normas operacionais, nas

    estratgias prioritrias como no PSF e no Programa Agentes Comunitrios de Sade (PACS)

    (PNAB, 2006). A partir da PNAB, a Ateno Primria passa a ser descrita como um conjunto

    de aes na sade, visando a aplicao de todos os nveis de preveno (primrio, secundrio,

    tercirio e quaternrio), utilizando, nesta dinmica, tecnologia de alta complexidade e baixa

    densidade tecnolgica, objetivando resoluo de questes de relevncia ao territrio adscrito,

    assim como aplicao dos princpios do SUS. Tais princpios incluem: universalidade

    (caracterizada por ser porta de entrada, preferencialmente, dentro do Sistema de sade),

    integralidade, longitudinalidade, equidade, participao social (Matta, 2007), coordenando o

    cuidado dos usurios adscritos, de forma mais humanizada. Somada a estes princpios, a

    Ateno Bsica, em um de seus fundamentos, valorizaria seus profissionais a partir de

    programas de formao e capacitao constantes no mbito do processo de trabalho (tendo

    como atores responsveis por tal processo as Secretarias de Sade, tanto da esfera estadual

    como municipal) (PNAB, 2012).

    Ento, como aplicar a Ateno Bsica? A partir da ESF, a equipe bsica de sade, passa a

    atuar em um territrio, mantendo cadastramento dos domiclios atualizados, identificando

    determinantes sociais, estabelecendo parcerias com a comunidade adscrita assim como

    atividades intersetoriais (PNAB, 2012).

  • 27

    A equipe de sade da famlia deve ser composta por, no mnimo, um mdico

    generalista ou especialista em sade da famlia e comunidade, enfermeiro generalista ou

    especialista em sade da famlia e comunidade, auxiliar ou tcnico de enfermagem e ACS.

    Estes ltimos devem cobrir 100% da populao cadastrada, com no mximo 750 pessoas por

    cada agente. Cada equipe dever ser responsvel por 4.000 pessoas, no mximo, apesar da

    mdia recomendada pelo Ministrio da Sade, em torno de 3.000 pessoas. Tal equipe bsica

    pode ser acrescida em sua composio pela equipe de sade bucal: cirurgio dentista

    generalista ou especialista em sade da famlia, auxiliar e/ou tcnico de sade bucal (Portaria

    n 2488, de 21 de outubro de 2011). Hoje, no Brasil, possvel verificar a partir do

    Departamento de Ateno Bsica (DAB), a cobertura de todo o territrio nacional, de ESF e

    sua populao correspondente, de acordo com o cadastro pelo ACS, a seguir.

    Na tabela 1, possvel observar a distribuio de ESF em todo o territrio nacional,

    separando por cada regio os dados relacionados ao total de populao habitante, assim como

    estimativa de populao cadastrada nas ESF, total de ACS em cada municpio e equipes de

    sade bucal.

    Tabela 1 Cobertura da ESF no Territrio Nacional

    M o da lida de I

    N de Munic pio s

    co m ACS

    Cadas tradas no

    Sis tema

    Es timativa da

    P o pulao co berta

    Credenciadas pe lo

    Minis t rio da Sade

    DF DISTRITO FEDERAL 2.648.532 1 237 817.650 1 147

    GO GOIS 6.154.996 246 1.312 4.105.141 243 1.034

    MT MATO GROSSO 3.115.336 141 641 2.035.959 139 398

    MS MATO GROSSO DO SUL 2.505.088 79 545 1.716.664 77 820

    4 14.423.952 467 2.735 8.675.414 460 2.399

    Regio UF Es tado P o pulao

    A g e nte s

    C o m unit rio s de

    S a de Equipe de S a de da F a m lia

    Competncia: Outubro de 2014

    Unidade Geogrfica: Bras il

    Teto, credenciamento e implantao das estratgias de Agentes Comunitrios de Sade, Sade da Famlia e Sade Bucal

    MS/SAS/Departamento de Ateno Bsica - DAB

    Equipe de S a de B uc a l

    N de Munic pio s

    co m eSB

    CENTRO-OESTE

    Qtde de Es tado s

  • 28

    A partir da tabela acima, possvel identificar uma grande concentrao da populao

    na Regio Sudeste, correspondendo a 81.565.983 pessoas. visvel uma cobertura de pouco

    mais de 50% da populao pela ESF, nesta mesma regio, atingindo 41.531.714 pessoas, a

    partir do cadastrado feito pelas equipes de Sade da Famlia. J a regio Nordeste conta com

    mais de 80% da populao coberta pela ESF.

    Dando seguimento ao processo de implantao da ESF, os Ncleos de Apoio Sade

    da Famlia (NASF) foram criados, em 2008, com o objetivo de ampliar aes em Ateno

    Primria. So constitudos por equipes de diferentes reas profissionais (psiclogo,

    AL ALAGOAS 3.165.472 102 827 2.394.380 101 650

    BA BAHIA 14.175.341 417 3.301 10.010.471 407 2.430

    CE CEAR 8.606.005 184 2.323 6.878.871 184 1.697

    MA MARANHO 6.714.314 217 1.993 5.580.979 213 1.416

    P B P ARABA 3.815.171 223 1.369 3.585.174 222 1.305

    P E P ERNAMBUCO 8.931.028 185 2.154 6.703.811 183 1.720

    P I P IAU 3.160.748 224 1.290 3.067.049 222 1.523

    RN RIO GRANDE DO NORTE 3.228.198 167 1.028 2.674.182 165 1.217

    SE SERGIP E 2.110.867 75 637 1.902.209 74 449

    9 53.907.144 1.794 14.922 42.797.126 1.771 12.407

    NORDESTE

    Qtde de Es tado s

    AC ACRE 758.786 22 200 587.409 21 135

    AP AMAP 698.602 16 172 513.206 15 229

    AM AMAZONAS 3.590.985 62 634 2.042.663 61 503

    P A P AR 7.822.205 144 1.176 3.781.462 126 698

    RO RONDNIA 1.590.011 51 363 1.143.842 47 237

    RR RORAIMA 469.524 15 115 344.759 14 83

    TO TOCANTINS 1.417.694 139 475 1.323.369 134 368

    7 16.347.807 449 3.135 9.736.710 418 2.253

    NORTE

    Qtde de Es tado s

    ES ESP RITO SANTO 3.578.067 78 712 2.220.322 70 524

    MG MINAS GERAIS 19.855.332 851 5.067 15.517.157 761 2.773

    RJ RIO DE J ANEIRO 16.231.365 91 2.388 7.921.623 78 1.422

    SP SO P AULO 41.901.219 591 4.756 15.872.612 439 3.584

    4 81.565.983 1.611 12.923 41.531.714 1.348 8.303

    SUDESTE

    Qtde de Es tado s

    P R P ARAN 10.577.755 398 2.193 6.954.880 361 1.255

    RS RIO GRANDE DO SUL 10.770.603 470 1.719 5.420.938 362 1.055

    SC SANTA CATARINA 6.383.286 293 1.648 5.045.383 281 1.168

    3 27.731.644 1.161 5.560 17.421.201 1.004 3.478

    27 193.976.530 5.482 39.275 120.162.165 5.001 28.840To tal Geral

    SUL

    Qtde de Es tado s

    Obs: A Nota Tcnica contm informaes a respeito da origem dos dados e a descrio detalhada dos campos utilizados.

    Fonte: MS/SAS/DAB e IBGE.

  • 29

    nutricionista, fonoaudilogo, fisioterapeuta, farmacutico, mdico especialista em algumas

    reas, dentre outros), apoiando os profissionais de sade da famlia, a partir de prtica de

    matriciamento, atravs de compartilhamento de saberes, contribuindo para a integralidade do

    cuidado a estes pacientes cadastrados, assim como aumentando a resolubilidade dentro do

    processo de trabalho (PNAB, 2012).

    Existem dois tipos de modalidades para estruturao do NASF. Existe NASF 1 e

    NASF 2, sendo a diferena entre tais modalidades, a questo da carga horria pelos

    profissionais de sade envolvidos ao ncleo. O primeiro deve apresentar carga horria

    mnima somada pelos profissionais de 200 horas semanais, no mnimo; diferente do NASF 2,

    em que a carga horria mnima de 120 horas semanais. Para que isto seja possvel, no NASF

    1, cada ocupao deve possuir no mnimo de 20 horas e no mximo 80 horas semanais, j no

    NASF 2, deve possuir entre 20 e 40 horas semanais (PNAB, 2012).

    O NASF tambm atua de forma integrada s Redes de Ateno Sade (RAS). As

    RAS foram criadas para promover integralidade no cuidado, utilizando aes em sade assim

    como servios, inicialmente, em uma formatao de pirmide, organizada em graus crescentes

    de complexidade tecnolgica, tendo no topo, alta complexidade no servio de sade (Silva

    Jnior, 2007). Hoje, as RAS so reestruturadas de forma horizontalizada, buscando promover

    a integralidade do cuidado nos diversos nveis de ateno atravs da coordenao do cuidado

    realizado pela ateno primria (Mendes, 2010).

    Ainda, dentro da lgica de funcionamento dos NASF, no existe uma estrutura fsica

    para que o paciente seja referenciado pela USF. Assim, a partir do momento em que h

    demanda de pacientes dentro do servio de sade da famlia, os profissionais do NASF so

    contatados pela equipe de sade para atendimento junto equipe. O atendimento realizado

    dentro da estrutura fsica da ESF ou no territrio, buscando trocas de saberes entre os

    profissionais de sade, atravs da discusso de situao problema para montagem de um

  • 30

    plano teraputico para determinada famlia/indivduo, incluindo anlise de

    macrodeterminantes de sade dentro do territrio, dentre outras funes (PNAB, 2012).

  • 31

    2.2) O papel do Agente Comunitrio de Sade na Ateno Primria e Sade Brasileira

    Em relao ao ACS, ele deve realizar atividades previstas na Portaria n 2488, de 21

    de outubro de 2011, que aprova a Poltica Nacional de Ateno Bsica para a ESF e Programa

    de Agentes Comunitrios de Sade (PACS). Sendo assim, cada ACS deve possuir uma

    microrea de responsabilidade para monitoramento, estando em contato permanente com as

    famlias, em busca de realizar aes de promoo e preveno em sade, sejam elas via visita

    domiciliar ou na comunidade (PNAB, 2012).

    Inicialmente, o ACS era o protagonista do PACS, implementado em 1987 na Regio

    Nordeste do Brasil, sendo prevista a superviso de seu trabalho por enfermeiro (Ferreira,

    2009). Nos anos subsequentes, houve expanso deste programa para outras regies do pas,

    em toda a regio Nordeste e, tambm, em regio Norte e, posteriormente, regio Centro-Oeste

    (Ferreira, 2009).

    Diferentemente do mdico, que desde 2011 pode escolher sua carga horria de

    trabalho (20, 30 ou 40 horas semanais) (Brasil, 2012), o ACS deve cumprir carga horria de

    40 horas semanais, sendo supervisionado pelo enfermeiro da unidade de sade. Cada

    enfermeiro pode supervisionar, no mximo 12 ACS e, no mnimo 4, segundo a PNAB (Brasil,

    2012). Ele tem maior oportunidade de aproximao com a realidade das famlias adscritas

    USF, devido s visitas domiciliares peridicas (Santos, 2011), cabendo zelar pela

    confidencialidade das informaes (Fortes, 2004).

    Segundo Nunes (2002), apontam-se duas atribuies importantes (e merecedoras de

    destaque), mediante o preconizado pelo Ministrio da Sade, acerca das atribuies dos ACS

    dentro da APS. A primeira refere-se ao ACS ter como funo de orientar adequadamente os

    usurios dentro da lgica de funcionamento da rede de sade; a segunda, fornecer feedback

    sobre o andamento da sade da comunidade adscrita aos membros da equipe da USF.

  • 32

    A partir de processo de desenvolvimento profissional os ACS, j portadores de saberes

    populares, associado aos conhecimentos e s pendncias relacionadas ao territrio, passam a

    integrar em seu conhecimento, o saber tcnico, potencialmente causador de certa valorizao

    perante os usurios (Nunes, 2002). Ainda, tais conhecimentos somados ao vnculo criado com

    a comunidade, tornam os ACS, atores que contribuem para a resolutividade das aes

    (Ferreira, 2009).

    Os ACS so trabalhadores da rea onde residem, pelo fato de serem conhecedores das

    necessidades (alm de detectarem fatores causadores de doena) do local e contribuem com

    atividades de educao em sade (Nunes, 2002), num conjunto de aes de promoo e

    preveno em sade trabalhadas por tais atores, de uma forma prxima a realidade dos

    usurios (Ferreira, 2009).

    Ainda, cabe ressaltar que, por ser conhecedor da dinmica do territrio, o ACS possui

    um olhar diferenciado em relao aos aspectos culturais que dinamizam o territrio e

    influenciam na sade e doena da comunidade. Alguns desses profissionais demonstram

    postura de lder na comunidade, o que pode tornar as aes propostas mais adequadas

    realidade local. Dentre tais aes, destaca-se a busca ativa dos usurios e tambm, orientaes

    e encaminhamentos (Menegolla, 2003 ).

    Apesar de funes importantes, segundo Santos (2011), uma equipe pouco integrada

    pode ser fator de baixa motivao de ACS prejudicando sua qualidade de trabalho. Nessa

    mesma linha a literatura sobre o assunto destaca situaes em que a equipe de sade no

    valoriza o trabalho do ACS e sua contribuio ao cuidado prestado na comunidade,

    desqualificando-o como profissional (Ferreira, 2009).

    Mas o ACS, por ser elo da comunidade com os profissionais, identifica situaes de

    sade-doena, observveis em visitas domiciliares. Esse ator deve manter uma postura de

  • 33

    morador ou vizinho, mas tambm ser o profissional de sade, separando informaes que so

    de sigilo de equipe, o que no simples. Tambm pode ter conhecimento de situaes ilcitas,

    na comunidade, o que gera uma exposio a situaes de risco (Fortes, 2004).

    Menegolla (2003) realizou estudo com nove ACS em um municpio do Estado do Rio

    Grande do Sul. Uma das dificuldades identificadas decorreu da falta de compreenso da

    comunidade em relao ao trabalho dos ACS, sendo confundidos como enfermeiros do posto,

    tendo como demanda sucessiva em seu trabalho a solicitao da comunidade para que

    realizassem aferio da presso arterial e at mesmo aplicassem injees. Alm disso,

    enfrentavam desconfiana das pessoas na comunidade, pelo fato do ACS desejar entrar nas

    casas destes usurios para realizar seu trabalho, de acordo com suas competncias como

    profissional de sade. Somado a isto, olhares desconfiados dos usurios pelo motivo de

    violncia nos bairros onde residem. Os ACS sofriam presses devido a uma demora no

    agendamento de consultas nas unidades de sade. Tambm foi apontado nesta pesquisa a

    rotatividade de profissionais de sade na unidade, o que tornava os ACS apreensivos, pela

    interrupo constante da relao profissional de sade com o ACS.

    a partir do desempenho de inmeras funes e atribuies que o ACS precisa se

    capacitar para promover o trabalho da ESF, que depende dos profissionais de sade de nvel

    superior, mas tambm dos conhecimentos, habilidades e atitudes dos ACS. No entanto,

    histrica a falta de acesso destes profissionais a oportunidades de desenvolvimento

    profissional antes e aps sua entrada nas equipes. Em um estudo realizado por Santana

    (2009), no municpio de Sete Lagoas (MG), os ACS reclamaram da inexistncia de

    treinamentos, ou treinamentos muito curtos ou tardios (realizados aps terem iniciado seus

    trabalhos dentro das unidades de sade).

    a partir da necessidade de treinamentos, muitas vezes frgeis ou inexistentes, que se

    faz link, no momento, com o quadro institucional atual, apontando para a necessidade de

  • 34

    investimento em oportunidades de Educao Continuada e Permanente que contribuam para

    fortalecer e qualificar as aes dos ACS, como ser discutido a seguir.

  • 35

    3) Educao Continuada e Permanente: Premissas e Estratgias de Desenvolvimento

    Segundo Batista (2013), antes mesmo da constituio do SUS, a formao de

    profissionais de sade foi objeto de crticas refletidas em movimentos e propostas de mudana

    como as retratadas nas Conferncias Nacionais de Sade (CNS) e de Recursos Humanos.

    Ainda segundo esta autora, agrega-se a educao como um instrumento de

    transformao nas prticas, alm da possibilidade de reorganizao e articulao de servios,

    seja no processo de trabalho em parceria com as instituies de ensino, tanto nos cursos de

    graduao como de ps-graduao, voltadas para a formao de futuros profissionais de

    sade, ou nos que j esto inseridos no prprio servio.

    Algo importante a ser destacado o fato das universidades necessitarem refletir e

    implementar mudanas de seus currculos e suas metodologias de ensino. Assim, tanto os

    profissionais de sade como os estudantes (ainda em formao), articulam-se por vrias

    noes ligadas a Educao Continuada e Permanente, o que Batista (2013) pontua como

    educao em servio. Essa poltica de educao na sade requer um comportamento ativo

    entre os setores e ministrios envolvidos, que possibilite por exemplo determinar as diretrizes

    dos currculos dos cursos em sade e, tambm, dos programas voltados para as faculdades)

    (Batista, 2013).

    A formatao dessa poltica de educao para trabalhadores e futuros profissionais da

    sade do Ministrio da Sade (MS) incorpora recomendaes da Organizao Pan-Americana

    de Sade (OPAS) (Batista, 2013). Os problemas de inadequao e a distncia existente entre a

    formao dos profissionais de sade e a realidade da populao e do modelo de assistncia em

    construo, estimulam universidades a se aproximarem do servio de sade e repensarem seus

    contedos e modelos pedaggicos, estabelecendo uma poltica de formao em sade mais

    apropriada ao SUS (Batista, 2013).

  • 36

    Durante a IV Conferncia Nacional de Sade, ocorrida em 1977, em que aparece, pela

    primeira vez, o tema da Educao Continuada, ficou evidente a necessidade de profissionais

    de sade ampliarem seus conhecimentos aps sua formao. Outras Conferncias, posteriores

    como a VIII Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986, estabeleceram em relatrio

    final que a Educao Continuada viesse associada a propostas de integrao da educao com

    o processo de trabalho. Em 1993, com a II Conferncia de Recursos Humanos, foi criado e

    fundamentado os programas de educao continuada de uma forma descentralizada (Ribeiro e

    Motta, 1996).

    Mas, o que seria Educao Continuada (EC)? Segundo Paim (1992), buscava-se com

    a EC o aprimoramento de profissionais a partir de uma assimilao terica de informaes,

    sendo posteriormente aplicados prtica de trabalho. Quando no havia esse esboo e

    discusso de material terico de EC, os profissionais discutiam situaes relacionadas aos

    recursos humanos, a partir da premissa de organizao e reestruturao da prtica nas

    Cincias em Sade, mas que no fomentariam crticas sobre o assunto. Nesse sentido Batista

    (2013) afirma que a EC uma ao para atualizao aps a escolarizao, ocorrendo sem

    conexo com outras atividades, com o objetivo de atualizao dos conhecimentos dos

    profissionais, utilizando-se de cursos de capacitao profissional, alm de seminrios

    estruturados em temas tcnico-cientficos, por exemplo.

    Nessa direo, o MS, no documento Educar SUS (Brasil, 2004c), refora a definio

    de Educao Permanente que se contrape aos preceitos da Educao Continuada, em vista

    que na EC h transmisso de contedos e tcnicas que passaro a ser absorvidos pelos

    profissionais de sade. Tais saberes aplicados na prtica teriam consequentemente,

    modificao na sua prtica no trabalho. Diferentemente, a EPS centra-se na gesto do trabalho

    e na equipe de trabalhadores de forma crtica, em sua convivncia e no sistema de trabalho

    potencializando a mudana de hbitos dentro das instituies. Contudo, para Karina Batista e

  • 37

    Otlia Gonalves (2011), os conceitos de EC e EPS no so to antagnicos assim. Para estas

    autoras, a EC, mesmo sendo mais restrita quanto a transformao da organizao do trabalho

    ou das prticas de sade dentro de um servio, pode, tambm, adotar metodologias ativas de

    ensino-aprendizagem, e com isso facultar aos profissionais um embasamento mais tcnico e

    que possam trazer consideraes importantes aos padres utilizados (Batista, 2013;

    Miyamoto, 2014).

    Com a Reforma Sanitria e implementao do SUS complexificou-se o trabalho em

    sade, trazendo tona novas situaes que demandam algumas reflexes. A EC segue muito

    utilizada, ainda hoje, no meio de profissionais em sade, estando evidente em cursos,

    congressos ou algum evento, em geral baseado na atualizao tcnica. Porm h autores que

    observam que essas oportunidades de atualizao tcnica no ajudam a superar a

    fragmentao do cuidado, nem fomentam o processo de trabalho em equipe (Ribeiro e Motta,

    1996; LOPES, 2007 e CECCIM, 2005). Ou seja, a EC baseia-se na busca de atualizao ou

    ampliao do conhecimento, mas tal conhecimento adquirido ou atualizado, muitas vezes,

    acaba no sendo utilizado, quando o profissional se depara com situaes de seu cotidiano por

    impossibilidades dentro do servio (Ribeiro e Motta, 1996).

    A partir da dcada de 1970, a OPAS, percebendo a formao inadequada das equipes

    de sade frente realidade dos servios, introduziu o debate para a construo de um novo

    modelo pedaggico para a mudana das prticas de sade. Iniciaram-se, ento, pesquisas nos

    pases latino-americanos com o intuito de desenvolver alternativas mais efetivas na formao

    dos profissionais de sade. A proposta da EPS foi disseminada pela Amrica Latina como

    estratgia para alcanar o desenvolvimento da relao entre o trabalho e a educao em sade.

    Os pases seguiram as propostas da EPS com resultados muito variados. A indeciso poltica

    do setor sade, em geral, era a causa da ausncia de polticas de recursos humanos para a

    sade nestes pases (CECCIM, 2005; LOPES, 2007).

  • 38

    No Brasil, antes mesmo da EPS ser pauta de conferncias internacionais sobre

    formao de recursos humanos, as Conferncias Nacionais de Sade j apontavam a

    inadequao da formao dos trabalhadores da sade para a realidade encontrada nos servios

    de sade brasileiros (CECCIM, 2005; LOPES, 2007).

    Sendo assim, em 1996, em busca de um aperfeioamento profissional, a Norma

    Operacional Bsica de Recursos Humanos do Sistema nico de Sade (NOB/RH-SUS)

    resgatou o conceito Educao Permanente em Sade (EPS), que utilizado at o momento

    atual. A partir da aprovao da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade,

    apresentada pelo Departamento de Gesto da Educao na Sade, do MS, em 2003, formulou-

    se uma poltica que buscava educao na sade, termo inexistente at ento, superando a

    programao da capacitao e atualizao de recursos humanos. Esta estratgia convocou a

    participao de todos os atores envolvidos neste processo com o intuito de aumentar a

    qualidade dos servios prestados (BRASIL, 2009; CECCIM, 2005; LOPES, 2007).

    Essa Poltica Nacional, objetivava uma ao descentralizada com disseminao da

    capacidade pedaggica operacionalizada por meio de Plos de Educao Permanente em

    Sade, que congregavam, numa dada rea de abrangncia, Universidades, Escolas de Sade

    Pblica, Hospitais de Ensino, estudantes da rea de sade, trabalhadores de sade, Conselhos

    Municipais e Estaduais de Sade, Centros Formadores, Ncleos de Sade Coletiva, alm de

    entidades da sociedade civil.

    Tal poltica tem como objetivo articular o processo de trabalho e fortalecer a

    implementao dos princpios e diretrizes do SUS, retomando a compreenso do significado

    da integralidade da ao em sade, assim como aumento da resolubilidade e tambm do

    compromisso do profissional de sade, ofertando acolhimento no setor e facilitando trocas

    entre os usurios e as equipes de sade (Ribeiro e Motta, 1996; Lopes, 2007 e Ceccim, 2005).

  • 39

    Hoje, o modelo da EPS apontado como transformador do processo de trabalho,

    ampliando olhar da equipe em relao ao questionamento sobre a qualidade de atendimento e

    do servio, a partir do aprendizado da problemtica diria, tornando-se significativo e

    produzindo sentido dentro da sua prtica profissional. a juno entre os dois mundos: o

    pedaggico e o do trabalho, tornando este ltimo mais organizado, qualificando profissionais

    e tornando-os aptos a transmitir seus conhecimentos a partir do que aprenderam, assim como

    permite aos profissionais de sade de se articularem para criar estratgias em relao s

    problemticas do dia-a-dia, de acordo com os contedos assimilados e garantidos para a

    aplicao (Ribeiro e Motta, 1996; Lopes, 2007; Ceccim, 2005; MS, 2004).

    Nesse sentido, a EPS utiliza-se, para a sua estruturao, de metodologias ativas de

    aprendizagem. Surge como resposta inovadora o enfoque problematizador, que busca a

    articulao entre teoria e prtica em sade, a participao ativa do estudante sobre situaes

    reais no cotidiano. Fundamenta-se no dilogo entre o educando e o educador, num aprender

    mtuo (transmisso dos saberes bilateralmente). A construo do saber coletiva, crtica e

    inserida no contexto social (CYRINO, 2004; BATISTA, 2005; LOPES, 2007).

    A lgica da Educao Permanente no centrada na informao, com o intuito de

    tornar todos os membros da equipe como protagonistas do processo de trabalho, enfatizando a

    multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. No somente potenciando a melhoria das

    condies de trabalho em benefcio da qualidade de servio, a Educao Permanente tambm

    est vinculada integrao da graduao, ps-graduao, e controle social neste setor (MS,

    2004). Segundo Barra (2011), isto possvel a partir de trocas dentro de um conjunto de

    saberes inerentes a de cada formao profissional.

    Assim surgem as dimenses problematizadoras, as quais propem a construo de um

    saber a partir de reflexes que sero construdas dentro da apropriao de dados vinculados

    realidade, tomando-a como ponto de partida e chegada do processo de ensino-aprendizagem,

  • 40

    propondo a criao de aes integradas dentro da equipe de sade, a partir de elaborao dos

    conhecimentos, considerando a rede de determinantes contextuais, as implicaes pessoais e

    as interaes entre os diferentes sujeitos que aprendem e ensinam, sejam estes profissionais

    ou mesmo estudantes (BATISTA, 2005).

    Esses conhecimentos so operacionalizados a partir de um somatrio entre o

    conhecimento do trabalho vivo com o trabalho morto. O conceito de trabalho morto trazido

    pelo contexto da existncia de uma matria-prima, isto , aquilo que j est institudo, pr-

    existente, como no caso, o antigo modelo de sade, de foco curativo. J o trabalho vivo,

    relaciona-se s mudanas trazidas pelos profissionais dentro da lgica assistencial, em que o

    cuidado passa a ser evidenciado dentro do atendimento ao usurio, trazendo autonomia

    profissional, estabelecendo prioridades dentro do processo de trabalho, a partir da escuta ao

    usurio dentro do atendimento humanizado (BARRA, 2011).

    A EP, a partir da lgica de trabalho na APS, direciona a proposta da integralidade da

    ateno sade articulando o trabalho em sade para um processo transdisciplinar e

    multiprofissional. A integralidade envolve a compreenso dos problemas de sade em suas

    vrias dimenses, sendo facilitador para a orientao do cuidado e possibilitando a

    formulao de polticas de formao e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS, coerentes

    com a acolhida e a responsabilidade do conjunto integrado do sistema. Envolve no somente a

    relao de cuidado como comentado acima, mas tambm promovendo um comprometimento

    com o processo e as pessoas (BATISTA, 2006; GARCIA, 2007).

  • 41

    3.1) Educao Permanente em Sade: O impacto no processo de trabalho em equipe

    Na Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) temos o seguinte conceito de modelo

    de ateno sade proposto pelo SUS, em que:

    A Ateno Bsica desenvolvida com o mais alto grau de

    descentralizao e capilaridade, ocorrendo no local mais prximo

    da vida das pessoas, em que deve ser o contato preferencial dos

    usurios, a principal porta de entrada e centro de comunicao

    com toda a Rede de Ateno Sade. Para que esse modelo de

    ateno ocorra fundamental que se oriente pelos princpios da

    universalidade, da acessibilidade, do vnculo, da continuidade do

    cuidado, da integralidade da ateno, da responsabilizao, da

    humanizao, da equidade e da participao social. (Brasil,

    2012)

    Nesses termos citados acima, impe-se a necessidade de transformao permanente do

    funcionamento dos servios e do processo de trabalho das equipes, exigindo de seus atores

    maior capacidade de anlise, interveno e autonomia para o estabelecimento de prticas

    transformadoras, a gesto das mudanas e o estreitamento dos elos entre concepo e

    execuo do trabalho (Ricaldoni, 2006).

    A Estratgia Sade da Famlia (ESF) trabalha com prticas interdisciplinares

    desenvolvidas por equipes que se responsabilizam pela sade da populao a ela adstrita e na

    perspectiva de uma ateno integral humanizada, considerando a realidade local e valorizando

    as diferentes necessidades dos grupos populacionais. No trabalho das equipes da Ateno

    Bsica/Sade da Famlia, as aes coletivas na comunidade, as atividades de grupo, a

    participao das redes sociais dos usurios so alguns dos recursos indispensveis para

    atuao nas dimenses cultural e social. Pretende-se que a ESF seja a porta de entrada do

    cliente no SUS (atributo principal), tendo como referncia a rede de servios especializada de

    mdia e alta complexidade. No entanto, no se pode conceber a reorganizao das prticas de

    ateno sade, sem que, de forma concomitante, se invista em uma nova poltica de

  • 42

    formao e num processo permanente de treinamento dos recursos humanos (BRASIL, 2000;

    GIL, 2005; BESEN, 2007).

    A partir da Portaria n 198 GM/MS, revista posteriormente pela Portaria GM/MS n

    1.996, de 20 de agosto de 2007, o Ministrio da Sade instituiu a Poltica Nacional de

    Educao Permanente em Sade, com o objetivo de capacitar profissionais de

    sade/trabalhadores e promover formao de novos profissionais de sade, dentro da lgica

    do novo modelo assistencial proposto pelo SUS.

    A Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade :

    ... uma estratgia do SUS para formao e desenvolvimento de

    profissionais, a partir da problematizao dentro do processo de

    trabalho, assim como gesto, controle social e organizao dos

    servios de sade. Fez-se necessrio esta poltica, para

    consolidao da reforma sanitria no Brasil, a partir do momento

    em que se evidenciou a importncia da estratgia da integrao

    ensino-servio de sade, articulando gestores-ateno-

    participao popular com a qualificao da prtica de sade e de

    capacitao profissional dos membros envolvidos. (BRASIL,

    2000)

    At 2001 a Poltica Nacional de Educao Permanente era operacionalizada em forma

    de Polos de Educao em Sade, compostos por instncias de articulao entre as diversas

    instituies, cujo objetivo era a articulao e a pactuao de instituies de formao

    profissional com trabalhadores do SUS e servios de sade, assim como um espao para

    identificar necessidades para qualificao profissional e de gesto, fortalecimento do controle

    social e formao de novos profissionais de sade (MS, 2007).

    No passado, os Polos de Educao Permanente (compostos por gestores de sade e de

    educao, instituio de ensino com cursos da rea de sade, hospitais de ensino,

    trabalhadores de sade, conselhos municipais e estaduais) possuam como funes bsicas:

    (1) identificar necessidades para qualificao dos trabalhadores; (2) formar gestores para

    integrar a rede de ateno com os cuidados aos pacientes; (3) implementao de novas

  • 43

    diretrizes curriculares para os cursos da rea de sade (adotando a problemtica real do

    processo de trabalho prtico como aprendizado, adotando a multi e interdiscliplinaridade para

    garantir a integralidade e desenvolvimento de currculos integrados); (4) fortalecimento da

    capacidade de docentes; dentre outras. Ainda, cada Polo teria a responsabilidade por um

    determinado territrio (MS, 2007).

    Hoje, a Poltica Nacional de EPS operacionalizada por meio de Comisses de

    Integrao Ensino e Servio (CIES) compostas por instncias intersetoriais e

    interinstitucionais. Quem participa das CIES? So os trabalhadores do SUS, gestores tanto

    municipais como estaduais, instituies de ensino que possuam rea de sade no seu curso.

    Sobre as suas atribuies, tem como possibilidade de pontuar: cooperao tcnica do

    Colegiado de Gesto Regional, buscando montagem de planos de EP, dentro da esfera

    regional; capacitao de profissionais em todo o sistema de sade e, alm disso, promover

    educao; pactuao com Instituies de Ensino na busca por EPS na formao dos futuros

    profissionais e tambm dos trabalhadores (MS, 2009).

    A juno do desenvolvimento da educao permanente estratgia de apoio

    institucional pode catalisar o desenvolvimento de competncias de gesto e de cuidado na

    APS, na medida em que aumenta as alternativas para o enfrentamento das dificuldades

    vivenciadas pelos trabalhadores em seu cotidiano (Brasil, 2012; Ricaldoni, 2006).

    Nessa mesma linha, importante promover diversificao das aes, introduzindo

    mecanismos de apoio e cooperao horizontal, tais como trocas de experincias e discusso

    de situaes entre trabalhadores, comunidades, grupos de estudos, matriciamento dos

    profissionais; estudos sistemticos de experincias inovadoras, etc (Brasil, 2012).

    Assim, a Poltica de Educao Permanente busca, a partir da problematizao do

    processo de trabalho, havendo aprendizado dirio a partir do dia-a-dia de trabalho (Brasil,

    2004; Anexo III, Portaria 198 GM/MS). Desse modo, estabelece melhorias pactuadas ao

  • 44

    processo de trabalho e avano na construo da integralidade em busca de qualidade na

    ateno individual e coletiva, de forma humanizada, com o aprendizado contnuo e prtica

    multiprofissional, alm de articulao da sade com instituies de ensino (Portaria GM/MS

    n 1.996, de 20 de agosto de 2007; Machado, 2007; Carotta, 2009).

    A Metodologia da Problematizao tem como primeira referncia o Mtodo do Arco,

    de Charles Maguerez, em que apresenta corte da realidade a partir de cinco etapas:

    Observao da Realidade, Ponto Chave, Teorizao, Hiptese de soluo e Aplicao da

    Realidade. A primeira etapa, Observao da Realidade, identifica os problemas; na segunda

    etapa (Ponto-Chave), o profissional reflete sobre possveis causas sobre problemas levantados

    anteriormente, considerando que a problemtica social geralmente um assunto mais

    complexo e multideterminante; j na terceira etapa, Teorizao, buscam-se informaes sobre

    cada problema do ponto chave selecionado. Na quarta etapa, Hipteses de Soluo, em que

    so elaboradas possibilidades de solues. Por ltimo, Aplicao Realidade, das hipteses

    elencadas na etapa anterior. Muitas vezes, tais decises ultrapassam a esfera intelectual e

    atingem esfera social e poltica. Assim, completado o Arco de Maguerez (Berbel, 1998).

    Nesse sentido, a EP, alm da sua evidente dimenso pedaggica, deve ser encarada

    tambm como uma importante ferramenta administrativa, estimulando construo de

    mudanas a partir de provocaes dos profissionais no cotidiano dos servios de sade, como

    um processo que se d no local e nos mtodos de trabalho (Brasil, 2012).

    Para situar a experincia de EPS, que motivou a presente pesquisa, e analisar a

    contribuio dos ACS mesma, a seguir descrevo elementos do Municpio de Petrpolis e da

    prestao de servios de sade, assim como uma iniciativa da FMP/FASE em desenvolver

    EPS dentro das USF gerenciadas por esta instituio de ensino.

  • 45

    4) Oferta de servios de sade no Municpio de Petrpolis

    Petrpolis um municpio localizado na Regio Serrana, no alto da Serra da Estrela,

    no Estado do Rio de Janeiro, a uma altitude de 809,5 m, com uma rea de 811 Km,

    distribudos em 5 distritos: Petrpolis, Cascatinha, Itaipava, Pedro do Rio e Posse. Faz

    fronteira com alguns municpios: Sapucaia (ao Norte); Miguel Pereira e Duque de Caxias

    (ambas ao Sul); Mag e Terespolis (a Leste); e Trs Rios, Paraba do Sul e Vassouras (a

    Oeste). o municpio mais populoso da Regio Serrana com 330.390 habitantes, sendo

    distribudo em um total de 141.601 de populao do sexo masculino e 155.591, do sexo

    feminino, de acordo com dados do DATASUS 2012.

    A cidade foi fundada em 1859, tendo se tornado local de veraneio da famlia Real,

    motivado pelo clima semelhante ao da residncia na Europa. A partir da, a cidade passa a se

    tornar a capital do Brasil nos perodos de permanncia da famlia no local. O nome da cidade

    vem do latim petrus, que significa Pedro, e do grego plis, significando cidade. Sendo

    assim, a cidade nomeada de Cidade de Pedro, primeira cidade planejada das Amricas. Em

    relao parte econmica, a cidade se desenvolveu economicamente a partir do final do

    sculo XIX e incio do sculo XX, com a fixao de indstrias txteis na regio, sofrendo

    aumento do fluxo migratrio a partir da dcada de 50. No final da dcada de 70, houve a

    queda e falncia das indstrias, por no conseguirem acompanhar o avano da tecnologia

    neste setor. A economia passa por uma crise, e a cidade passa a se tornar cidade dormitrio.

    (Almeida, 2011)

    Hoje, Petrpolis expandiu sua economia a partir do turismo, comrcio de moda, assim

    como o polo moveleiro e surgimento e implantao de empresas consideradas de grande porte

    no municpio, que no momento so: GE-Celma, Dentsply, Huyck, Sola Optical, Aalborg,

    Werner e Cervejaria Itaipava. (Sebrae, 2010)

  • 46

    A cidade ainda dispe de trs escolas de nvel superior: Faculdade de Medicina de

    Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto (FMP/FASE), Universidade Catlica de Petrpolis

    (UCP) e Universidade Estcio de S (UNESA).

    No municpio de Petrpolis, em se tratando da Rede de Sade, o nvel da APS conta

    com quarenta e sete unidades, sendo que trinta e cinco destas correspondem ao modelo

    proposto pela ESF (cobertura de 35,16% da populao de Petrpolis (PONTES, 2013). Ainda,

    destas trinta e cinco unidades, cinco so dirigidas pela FMP/FASE, sendo duas destas

    implantadas no ano de 2000 e, as outras trs, em 2003, ano que houve expanso no municpio

    em relao implantao de USF. (Pontes, 2013)

    O nvel de ateno secundrio composto por dois ambulatrios de especialidade, um

    ambulatrio de DIP (Doenas Infecto Parasitrias), um Servio de Epidemiologia, um CAPS

    infantil e adulto, um CAPSAD, o AMBE (Ambulatrio Escola FMP/FASE), um

    Ambulatrio de Sade Mental, um Centro de Sade Coletiva, um Centro de Referncia da

    Mulher, dois Centros de Especialidade Odontolgica.

    Em relao sade do municpio, dispe de 9 hospitais conveniados ao SUS, sendo

    destes, 2 do prprio municpio de Petrpolis, 2 so filantrpicos e, os 5 restantes, contratados.

    Trinta e cinco por cento da populao do territrio de Petrpolis, apresentam cobertura do

    servio de Sade da Famlia, que est distribuda tanto na regio urbana quanto na regio

    rural. Deste percentual populacional, 15% so cobertos pelas cinco USF da FMP/FASE,

    localizadas no bairro Cascatinha (2 Distrito). Neste local, h uma grande concentrao de

    pacientes idosos acompanhados pelos profissionais mdicos de famlia e enfermeiros, que so

    preceptores desta instituio de ensino.

  • 47

    4.1) As Unidades de Sade da famlia gerenciadas pela Faculdade de Medicina de

    Petrpolis/Faculdade Arthur S Earp Neto (FMP/FASE)

    A FMP/FASE, implantou, em cogesto com a Secretaria Municipal de Sade, as USF,

    localizadas no Bairro Cascatinha (2 Distrito de Petrpolis), que so: USF Estrada da Saudade

    I e II (inaugurados em 2003), USF Boa Vista (inaugurado em 2003), USF Nova Cascatinha e

    USF Machado Fagundes, ambas inauguradas em 2001.

    Por ocasio da inaugurao das duas primeiras USF, os profissionais da equipe tcnica

    (mdico, enfermeiro e auxiliar de enfermagem) foram contratados pela prpria faculdade,

    assim como os ACS; posteriormente, os agentes passaram a ser vinculados ao PAC S. Em

    2010, houve concurso de agentes comunitrios de sade pela Prefeitura de Petrpolis, para

    ocupao de vagas anteriormente no preenchidas no municpio (contratao em regime de

    CLT).

    Desde os primeiros anos da ps-inaugurao das unidades, houve insero dos alunos

    de medicina nas atividades. Em 2005, os alunos de enfermagem passam a ser inseridos e

    iniciam sua atuao nas unidades de sade.

    A rotatividade de profissionais segue sendo um problema recorrente. At a presente

    data, houve grande mudana em relao ao corpo tcnico: (1) USF Estrada da Saudade II: j

    passaram nove mdicos, dois enfermeiros e dois auxiliares de enfermagem; (2) Estrada da

    Saudade I: trs mdicos, dois enfermeiros e cinco auxiliares de enfermagem; (3) Boa Vista:

    dois mdicos, cinco enfermeiros e trs auxiliares; (4) Machado Fagundes: cinco mdicos, dois

    enfermeiros, um auxiliar de enfermagem; (5) Nova Cascatinha: oito mdicos, trs enfermeiros

    e trs auxiliares de enfermagem. Apesar da alta rotatividade de profissionais, isto no ser um

    empecilho na realizao da pesquisa, pois a rotatividade ocorreu antes e aps a atividade que

  • 48

    ser descrita mais a diante, com exceo dos residentes mdicos de Medicina de Famlia e

    Comunidade.

    A Residncia em Medicina de Famlia e Comunidade teve incio no ano de 2003,

    tendo formado, at o ano de 2012, quatorze especialistas. Com a implantao da residncia

    mdica, houve demanda dos residentes em relao Clnica Mdica, a partir de casos

    vivenciados durante os atendimentos nas Unidades de Sade. Uma das professoras de Clnica

    Mdica da FMP foi escalada para fortalecer a formao profissional destes residentes. O

    formato adotado inicialmente era: os residentes levavam alguma situao problema e a

    professora ajudava na avaliao do paciente em questo, o que gerou um pedido dos

    mdicos/preceptores das unidades para que a atividade fosse estendida para inclu-los.

  • 49

    4.2) Antecedentes da Educao Permanente em Sade em Petrpolis

    Para facilitar a compreenso sobre este engajamento, cabe situar breve histrico sobre

    a FMP/FASE. Em 1965, o Reitor Arthur S Earp criou a Faculdade de Medicina de Petrpolis

    (FMP). Porm, apenas em 1998, houve ampliao da instituio com a criao da Faculdade

    Arthur S Earp Neto FASE, sendo que hoje, passa a ser conhecida como FMP/FASE. A

    FASE passa a oferecer outros cursos de graduao (Enfermagem, Nutrio, Administrao -

    Hospitalar, Gesto de Sistemas de Informao e em Marketing). Buscando acompanhar as

    mudanas do novo modelo de sade brasileira, a FMP/FASE passa a descentralizar o ensino

    hospitalocntrico e investe na promoo da sade e preveno de agravos na APS, fundando

    as cinco USF comentadas na sesso anterior (FOG, 2007).

    Sendo assim, com a criao das USF cogerenciadas pela FMP/FASE e demandas em

    relao aos saberes de profissionais de sade, mdicos preceptores dos estudantes de

    medicina da FMP/FASE, houve incio de capacitao dos mesmos atravs de casos clnicos.

    A FMP/FASE iniciou, em maro de 2006, uma superviso de clnica mdica nas cinco

    Unidades de Sade da Famlia, com a participao apenas dos mdicos das Unidades,

    residentes de Medicina de Famlia e Comunidade e os estudantes do 6 ano de medicina para

    discusso de um caso clnico. Um paciente era selecionado previamente pelo mdico, pelo

    residente ou mesmo pelo estudante de graduao de medicina para ser estudado devido

    doena de base descompensada ou dificuldade de aderncia ao tratamento prescrito.

    J a partir de 2008, as sesses passaram a ter uma abordagem mais ampla das questes

    sociais, emocionais e ambientais. Como ser aprofundado no captulo de resultados, nesta

    fase, alm dos mdicos, residentes e estudantes de medicina, passaram a participar tambm as

    enfermeiras, auxiliares de enfermagem, agentes comunitrios de sade, nutricionistas, e

    estudantes de graduao de Enfermagem e de Nutrio, ambos do 7 perodo que estivessem

  • 50

    atuando nas cinco USF- FMP/FASE. Foi quando as sesses clnicas deram origem s Sesses

    Interativas em Educao Permanente em Sade (SIEPS).

    Mas, por que analisar tal experincia? Porque a FMP/FASE ultrapassou seu limite de

    territrio, como instituio de ensino e incentivou a prtica da EPS em algumas USF

    gerenciadas pela SMS de Petrpolis, fortalecendo o desenvolvimento dos profissionais de

    sade da prefeitura, assim como era realizado com os profissionais das USF cogerenciadas

    pela faculdade.

    A FMP/FA