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1 UMA ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIOLINGUÍSTICA DA PRESENÇA DE PALAVRAS DE ORIGEM TUPI NO VOCABULÁRIO DA REGIÃO NORTE FLUMINENSE 1 Boris dos Santos Souza 2 Resumo Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o processo de apagamento de palavras de origem indígena, mais precisamente do tronco Macrotupi, que, embora existam no vocabulário do povo, não se apresentam em nossas gramáticas tradicionais e muito menos nas pedagógicas, evidenciando, assim, um preconceito linguístico (BAGNO, 1999). Ao mesmo tempo, o fato de elas ainda estarem presentes no vocabulário popular, faz-se pensar em um processo de resistência do léxico indígena diante do léxico originariamente português. Como será necessário buscar evidências, delimitou-se o corpus às palavras de origem tupi do vocabulário do Norte Fluminense, mais precisamente o da Baixada Goitacá, região outrora habitada por índios goitacás. Palavras-chave: língua tupi, preconceito linguístico, Norte Fluminense Abstract This paper aim to present a study on the erasing process of words with indigenous origins, more precisely of the Macrotupi branch, that while present on the vocabulary cannot be found on teaching and traditional grammars, thus showing a linguistic discrimination(BAGNO, 1999). At the same time, the fact that they are still present in popular vocabulary, lead us to think of the resistence processes of the indigenous lexicon before the originally Portuguese lexicon. As for evidence, the corpus was delimited to words of Tupi vocabulary from the Norte Fluminense, more precisely of the Baixada Goitacá, region once inhabited by Goitacá Indians. Key-words: Tupi language, linguistic discriminations, Norte Fluminense. 1 O trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Comunicação e cultura”, subárea “Comunicação, linguagens e identidades culturais”. Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Literatura, Memória Cultura e Sociedade do Instituto Federal Fluminense, campus Campos Centro, nos anos de 2014-2016, desenvolvido sob a orientação da Profª Drª Ana Lúcia Monteiro Ramalho Poltronieri Martins, do IFFLUMINENSE-Campus Centro. 2 Graduado em História na FAFIC-UNIFLU. Professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro e da Rede Municipal de São João da Barra- RJ. E-mail: [email protected]

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1

UMA ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIOLINGUÍSTICA DA

PRESENÇA DE PALAVRAS DE ORIGEM TUPI NO

VOCABULÁRIO DA REGIÃO NORTE FLUMINENSE1

Boris dos Santos Souza2

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o processo de apagamento de

palavras de origem indígena, mais precisamente do tronco Macrotupi, que, embora existam no

vocabulário do povo, não se apresentam em nossas gramáticas tradicionais e muito menos nas

pedagógicas, evidenciando, assim, um preconceito linguístico (BAGNO, 1999). Ao mesmo

tempo, o fato de elas ainda estarem presentes no vocabulário popular, faz-se pensar em um

processo de resistência do léxico indígena diante do léxico originariamente português. Como

será necessário buscar evidências, delimitou-se o corpus às palavras de origem tupi do

vocabulário do Norte Fluminense, mais precisamente o da Baixada Goitacá, região outrora

habitada por índios goitacás.

Palavras-chave: língua tupi, preconceito linguístico, Norte Fluminense

Abstract

This paper aim to present a study on the erasing process of words with indigenous origins,

more precisely of the Macrotupi branch, that while present on the vocabulary cannot be found

on teaching and traditional grammars, thus showing a “linguistic discrimination” (BAGNO,

1999). At the same time, the fact that they are still present in popular vocabulary, lead us to

think of the resistence processes of the indigenous lexicon before the originally Portuguese

lexicon. As for evidence, the corpus was delimited to words of Tupi vocabulary from the

Norte Fluminense, more precisely of the Baixada Goitacá, region once inhabited by Goitacá

Indians.

Key-words: Tupi language, linguistic discriminations, Norte Fluminense.

1 O trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Comunicação e cultura”, subárea “Comunicação,

linguagens e identidades culturais”. Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Literatura, Memória Cultura e Sociedade do Instituto Federal

Fluminense, campus Campos Centro, nos anos de 2014-2016, desenvolvido sob a orientação da Profª

Drª Ana Lúcia Monteiro Ramalho Poltronieri Martins, do IFFLUMINENSE-Campus Centro. 2 Graduado em História na FAFIC-UNIFLU. Professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro e da Rede

Municipal de São João da Barra- RJ. E-mail: [email protected]

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1- Introdução

A figura do indígena, ainda hoje, no contexto cultural brasileiro, está relegada ao

segundo plano. Um exemplo é a pouca importância que se dá à data comemorativa

denominada “Dia do Índio”, que, no calendário governamental, é celebrado no dia 19 de abril.

Apesar de todos os esforços feitos por pesquisadores, governos e até mesmo pela legislação

do país, especialmente na Constituição de 1988 que “(...) representou um marco (...) porque

reconheceu aos povos indígenas, pela primeira vez na história, direitos linguísticos e

culturais” (VIEIRA, 2007, p. 5), observa-se que muito pouco dessas ações tem chegado à

população, de modo que se possa desenvolver um novo olhar sobre a figura do índio,

passando a valorizar o nativo como elemento importante da cultura brasileira e, por

conseguinte, sendo mais uma parte legítima do processo de multiculturamento, movimento

que reconhece, além da cultura branca e europeia do colonizador, outras culturas na formação

da identidade cultural e linguística do povo brasileiro. Evidentemente, as línguas dos povos

indígenas sofreram, e ainda sofrem, o efeito dessa deslegitimação cultural, na medida em que

a gramática da língua portuguesa pouco ou nada diz sobre a influência lexical dos troncos

Macrojê e, principalmente, do Macrotupi no português escrito e falado no Brasil, doravante

português brasileiro. Se se observa a questão linguística, sabe-se que ainda hoje o Brasil é um

país plurilíngue, refletindo, de um modo ou de outro, uma espécie de resistência advinda de

diferentes povos que sofreram com o processo de colonização, isto é:

Numa sociedade dividida em castas, em raças, classes, mesmo quando é

evidente o processo de unificação da língua, especialmente num continente

como o Brasil, onde durante três séculos combateram várias línguas

indígenas e negras contra uma branca, não havia nem paz cultural, nem paz linguística.” (RODRIGUES, 1985 apud VIEIRA 2007, p.4)

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o processo

de apagamento de palavras de origem indígena, mais precisamente do tronco Macrotupi, que,

embora existam no vocabulário do povo, não se apresentam em nossas gramáticas tradicionais

e muito menos nas pedagógicas, caracterizando, assim, um preconceito linguístico (BAGNO,

1999). Ao mesmo tempo, o fato de elas ainda estarem presentes no vocabulário popular, faz-

se pensar em um processo de resistência do léxico indígena diante do léxico português. Como

será necessário buscar evidências, delimitou-se o corpus às palavras de origem tupi do

vocabulário do Norte Fluminense, mais precisamente o da Baixada Goitacá, região outrora

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habitada por índios goitacás. Para tal feito, analisar-se-á, primeiramente, o contexto das

línguas faladas no litoral brasileiro antes da chegada dos portugueses. Os indígenas que serão

destacados são os tupinambás3. Segundo (MÉTRAUX, 1948 apud NOBRE, 2011, p.14)

“Tupinambá. – Esse nome é aplicado aqui a todos os índios, falantes de um

dialeto Tupi-Guarani, que, no século XVI, foram os senhores da costa do

Brasil, desde a foz do Rio Amazonas, até Cananéia, no sul do estado de São Paulo. Embora linguística e culturalmente relacionados de maneira muito

próxima, esse índios eram divididos em muitas tribos, que empreendiam

guerras desumanas umas contra as outras. À maior parte desses grupos foram

dados nomes diferentes pelos colonizadores portugueses e franceses, mas o termo Tupinambá foi aplicado a tribos de regiões largamente separadas, como

Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão. Por serem essas as tribos melhor

conhecidas, nós vamos, por conveniência, aplicar a todas elas o termo Tupinambá.”

Ainda nesse tópico, intitulado “Os povos indígenas: da linguagem falada na terra antes

da chegada dos portugueses ao desenvolvimento das línguas gerais”, destacar-se-á a presença

da língua tupi no cotidiano da colonização até o século XVIII, bem como a questão do

desenvolvimento da língua brasílica e da língua geral paulista e suas respectivas inserções no

cotidiano social da colônia, por meio dos movimentos de entradas e bandeiras.

Já o terceiro tópico, “Os contextos populacional e linguístico do indígena do Norte

Fluminense”, apresenta os escritos de alguns memorialistas4 sobre os indígenas da região.

Assim, investigar-se-á a presença dos índios, com destaque a dos índios goitacás. Nesse

tópico, as seguintes perguntas são pertinentes: Os goitacás tinham uma língua que

representava um tronco linguístico específico do qual faziam parte ainda outros tapuios5?

Seriam os goitacás somente mais uma vertente dentro do tronco linguístico Macrojê? Quais

vestígios linguísticos teriam deixado na região esses índios que são rodeados de tantas lendas?

No quarto tópico, denominado “Continuidades da língua tupi no léxico da região

Norte Fluminense”, desenvolver-se-ão argumentos indicativos sobre a herança da língua tupi

no português brasileiro e na realidade linguística atual do Norte Fluminense. Em paralelo a

essa discussão, serão apresentados termos que ajudarão na problematização. Tais termos são:

“Preconceito linguístico”, do sociolinguista brasileiro Marcos Bagno, a fim de se tratar da

3 Castilho (2010, p. 179) diz que a denominação “tupinambás” foi dada, genericamente, aos nativos

que habitavam o litoral pelos nossos primeiros cronistas. Será aplicado ao trabalho o uso da palavra Tupinambá, para fazer referência ao povo indígena, e a palavra Tupi, para referenciar a língua

indígena. 4Autor de memórias históricas ou literárias. Em teoria de história é aquele que produz relato sobre um

fato, sem, no entanto, problematiza-lo. 5 Ver na página 8.

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visão que ainda se tem sobre palavras indígenas de origem tupi no português brasileiro, e o

outro é “Colonização linguística”, de Bethânia Mariani, professora e pesquisadora de História

das ideias linguísticas da UFF, sobre a imposição do português sobre o tupi e as línguas

gerais.

A conclusão tem o intuito de ligar os argumentos apresentados ao fato de que ainda

existem palavras indígenas presentes no cotidiano sociocultural da região Norte Fluminense.

2- Os povos indígenas: da linguagem falada na terra antes da chegada dos

portugueses ao desenvolvimento das Línguas Gerais.

Primeiramente, é necessário que se faça uma observação: tudo aquilo que se tem de

informação sobre os índios que habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses vem da

visão dos colonizadores. Não há a possibilidade de buscar a visão do indígena sobre seu modo

de vida, língua, cultura e costumes, porque as línguas indígenas, naquela época, eram ágrafas,

ou seja, não tinham o sistema da escrita. Nota-se, assim, a importância da “Carta de Pero Vaz

de Caminha”, primeiro documento sobre a nova terra descoberta, que descreve a visão dos

primeiros colonizadores, reconhecidos pela Coroa portuguesa, sobre os nativos que habitavam

o litoral.

Desse modo, o que pode ser feito é uma problematização da visão do português-

colonizador, trazendo à baila algumas perspectivas observadas, porém não valorizadas na

narrativa daqueles que escreveram sobre o indígena, tanto no período anterior à colonização

como após o processo.

Para começar a entender a realidade da visão do colonizador, é importante dizer como

eles denominaram o nativo americano em seus primeiros contatos. A começar pelo nome por

meio do qual os europeus designaram os habitantes das terras americanas: “Índio”. Tal forma

de tratamento demonstra, de certa forma, o interesse oficial dos europeus, que era chegar às

Índias, região da Ásia, e ali se estabelecerem comercialmente, como também evidencia que a

diversidade cultural, linguística, social e religiosa desses povos nativos, ou seja, tudo que

fazia parte do cenário cultural dos diversos povos indígenas que aqui habitavam, seja no

litoral, seja no interior, foi desconsiderado em prol da primazia dos interesses comerciais e do

padrão cultural europeu. É o que diz o trecho que segue:

5

A denominação índio foi atribuída aos habitantes da América pelos

colonizadores que, durante muito tempo, chamaram a América de Índias

Ocidentais. Essa denominação, além de refletir a visão do colonizador, generaliza e uniformiza grupos nacionais diferentes, apagando as

especificidades de cada nação. (ORIGEM DO NOME ÍNDIO NA AMÉRICA.

Disponível em: http://professoriaias.blogspot.com.br/2014/03/as-antigas-

bandeiras-do-brasil-bandeira.html. Acesso em: 10 de Dezembro 2015)

Embora, genericamente, chamados de índios, os povos que habitavam o “Brasil” eram

diferentes. Segundo Kneip & Mello (2013, p. 21) “(...) a mais evidente prova disso era sua

diversidade linguística”. Segundo muitos linguistas que se dedicam à História do português

brasileiro, entre eles Castilho (2010), havia, na época do Descobrimento do Brasil, cerca de

300 línguas indígenas diferentes; hoje, segundo Castilho (2010), temos cerca de 160.

Apesar da enorme diversidade linguística entre os indígenas, a qual, até os dias de

hoje, não se pode dar conta, convencionou-se, como em Castilho (2010), nos estudos das

línguas indígenas faladas no Brasil, colocarem-nas em troncos linguísticos. Dois são os

troncos aos quais faremos referência ao longo do trabalho. São eles: o Macrojê e o Macrotupi.

O Macrojê, de uma maneira geral, está presente no interior do Brasil; já o Macrotupi, do qual

faz parte a língua tupi, na época da chegada dos primeiros portugueses, era falado pelos índios

que habitavam o litoral brasileiro.

No tronco linguístico Macrotupi, destacam-se os tupinambás. Esse grupo indígena

possuía a forma linguística mais usada na costa do Brasil. Tal língua era usada desde o

Maranhão até a capitania de São Vicente, ou seja, desde o que é o hoje o atual Estado do

Maranhão até o Estado de São Paulo. Apesar do grande espaço territorial, Kneip & Mello

(2013, p. 23), ao falar sobre a velocidade da dispersão dos povos tupis pelo litoral, afirmam

que “as diferenças linguísticas entre o norte e o sul eram mínimas”.

Ao mesmo tempo, sabe-se que a população tupinambá era grande para os padrões

populacionais da época. Alguns estudiosos, como Darcy Ribeiro, citado por Nobre (2011, p.

15) estimam que, ao longo da costa, havia pelos menos um milhão de tupinambás. A partir de

tal entendimento, pode-se compreender a percepção de Nobre (2011, p. 15) ao falar do tupi

como uma interlíngua existente na costa do Brasil. Não é difícil confirmar tal fato quando

confrontamos o número supracitado com os escritos de Frei Vicente do Salvador (1627, p. 16)

sobre o indígena do Brasil e sua linguagem, quando diz:

(...) porque os de S. Vicente até o rio da Prata são Carijós, os de Rio de

Janeiro, Tamoios, os da Bahia, Tupinambás, os do rio de S. Francisco,

Amaupiras, e os de Pernambuco, até o rio das Amazonas Potiguaras, contudo todos falam uma mesma linguagem (...).

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Por outro lado, pode-se verificar que os portugueses se utilizaram largamente da

língua tupi. Sobre tal fato Nobre (2011, p. 16) diz:

(...) considerando-se o imenso contingente indígena com o qual os portugueses

– em número infinitamente menor – se depararam na primeira metade do século XVI, tornava-se uma tarefa inviável tentar impor aos tupinambás – em

número infinitamente maior – a língua portuguesa, completamente estranha

aos nativos e às próprias necessidades de inteligibilidade que as novas terras descobertas – com fauna, flora e cultura muito diferentes da europeia –

demandavam. Além do mais, a costa já possuía uma língua franca, o

tupinambá, não tendo sido difícil aos portugueses perceber que seria muito mais prático eles próprios aprenderem essa língua franca e, com ela,

resolverem seus problemas de comunicação ao longo de quase toda a região

costeira, do que tentar impor, a cada um desses 1 milhão de índios

tupinambás, a língua portuguesa.

Dentro do contexto citado acima (SILVA NETO, 1986 apud NOBRE, 2011, p.16)

destaca o seguinte fato:

Trata-se do fato de a dominação portuguesa, inicialmente, ter sido realizada preponderantemente por homens. Isto porque esses homens portugueses

passaram a manter relações sexuais com as índias brasileiras, dando origem a

filhos mamelucos. Como as mães índias desses filhos mamelucos falavam

tupinambá, seus filhos, naturalmente, aprendiam a língua das mães como primeira língua e, na maioria das vezes, como única língua, pois era com a

família das mães índias que conviviam socialmente, já que a família dos pais

europeus se encontrava na outra margem do Oceano Atlântico, em Portugal.

O emprego de mão de obra exclusivamente masculina na colonização portuguesa

justifica o fato de os portugueses procurarem as índias para contraírem relações sexuais.

Facilitava-se o ato pela prática tupinambá denominada “cunhadismo”, que, segundo Ribeiro

(2004 apud NOBRE, 2011, p.18), consistia em oferecer uma jovem tupinambá em casamento

a alguém estrangeiro a tribo. Ainda segundo Ribeiro (2004 apud NOBRE, 2011, p.18):

A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o

cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à comunidade.

Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a

assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo.

Essa espécie de relacionamento deu origem a uma população mameluca que era

originada de pais portugueses e mães indígenas. Essas pessoas poderiam ter algum contato

com a língua portuguesa por meio de seus pais, mas se sabe que a língua que predominava em

seu vocabulário era aquela aprendida no convívio com a mãe e com a tribo. Logo, havia a

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possibilidade de bilinguismo português-tupi. Entretanto, a maior parte da população mestiça

nascida na costa do Brasil falava o tupi. Entende-se, assim, o relato de Cardim (1894 apud

LEITE, 2013, p. 11):

Em toda esta provincia ha muitas e varias nações de diferentes linguas, porém

uma é a principal, que comprehende algumas dez nações de Índios. Estes

vivem na costa do mar, e em uma grande corda do sertão, porém são todos estes de uma só língua, ainda que em algumas palavras discrepam, e esta é a

que entendem os Portuguezes; é fácil, elegante, e suave, e copioza; a

dificuldade d’ella está em ter muitas compozições; porém dos Portuguezes,

quazi todos os que vêm do Reino e estão cá de assento e comunicam com os Indios a sabem em breve tempo, e os filhos dos Portuguezes cá nascidos a

sabem melhor que o Portuguez, assim homens como mulheres, principalmente

na Capitania de São Vicente.”

Em outra fala, Frei Vicente Salvador aponta para o início de uma gramática da língua

indígena tupi por parte dos jesuítas, especificamente o trabalho do padre José de Anchieta

denominado Arte de Grammática da Lingoa mais usada na costa do Brasil, que possuía a

finalidade de ensinar aos padres jesuítas a língua indígena com a finalidade de catequização.

Sobre tal fato, Vicente do Salvador (1627, p. 16) afirma: “(...) e este (idioma) aprendem os

religiosos que os doutrinam por uma arte de gramática que compôs o padre José de Anchieta,

varão santo da ordem da Companhia de Jesus”.

Pode-se, a partir de então, entender que não houve, a princípio, ou seja, desde o

começo efetivo da colonização em 1532 até os meados do século XVIII, um processo de

colonização linguística. O que se pode verificar é que os portugueses não ensinaram sua

língua aos índios. Antes aprenderam a se comunicar e a usar esse idioma franco da costa

como ferramenta para seu comércio e expansão nas terras que foram denominadas “Brasil”.

Sendo assim, entende-se que a língua falada no litoral do Brasil era aquilo que ficou

denominado pelos jesuítas do séc. XVII como “língua brasílica”.

Por outro lado, no mesmo séc. XVII, a partir da evolução do tupi falado na região de

São Paulo, este um pouco diferente daquele falado nas demais regiões da costa, formou-se

uma língua geral, também conhecida como Língua Geral Paulista (LGP). Nesse contexto,

destacam-se os movimentos das bandeiras de mineração e captura de índios, como bem

mostra a seguinte citação:

O predomínio da LGP nas bandeiras era quase total. E se por toda a parte, onde penetravam, estendiam os domínios de Portugal, não lhe propagavam,

todavia, a língua, a qual, só mais tarde, se introduzia com o progresso da

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administração, com o comércio e os melhoramentos. (SAMPAIO, 1978 apud

LEITE, 2013, p. 20):

No que diz respeito a este trabalho, tais movimentos são de suma importância, pois

deslocaram toda uma população mameluca (falante de língua geral) do litoral para o interior,

e, por conseguinte, levaram consigo todo um contexto de formação de sociedades (a indígena

e a portuguesa), que, naquele tempo, incluía o uso da língua geral. Assim, tanto a língua tupi

(língua brasílica) como a Língua Geral Paulista, específicas das regiões litorâneas, evoluíram,

sofreram alterações e “garantiram-se” como parte da realidade social e linguística da colônia

até meados do séc. XVIII.

Todos esses movimentos demográficos e, consequentemente, linguísticos, afetarão a

região a qual hoje conhecemos por Norte Fluminense. É o que se verá no tópico a seguir.

3- Os contextos populacional e linguístico do indígena do Norte-Fluminense

Para falar sobre o contexto indígena específico do Norte Fluminense, é necessário dar

voz aos autores memorialistas no que diz respeito a sua produção escrita sobre a presença do

índio na região. Quando se olha os argumentos advindos de um macro campo de observação,

perdem-se especificidades inerentes a contextos determinados. No caso específico do contexto

indígena da região Norte Fluminense, deve-se entender que era uma exceção em relação à

presença e à dominação tupinambá. Feydit (2004, p.19), ao citar o relato de Simão de

Vasconcellos, vai destacar a seguinte fala no que diz respeito à região, hoje conhecida como

Campos dos Goytacazes: “habitada toda de várias nações de gente de diversas línguas e pela

maior parte inimigas entre si e tudo casta de tapuias”. Ou seja, ao contrário do que muita

gente pensa, os índios goitacás não eram os únicos que habitavam o espaço do que hoje se

denomina “Norte Fluminense”.

O que significa a palavra “tapuia”, citada por Simão de Vasconcellos? Kury (2001, p.

761), gramático e lexicógrafo brasileiro, atribui à palavra “tapuio” os seguintes significados:

“1. Nome que os tupis davam aos gentios inimigos.

2. Nome por que se designa o indígena bravio.

3. Nome que se dá no Norte ao índio manso ou ao mestiço de índio.

4. Mestiço trigueiro de cabelos pretos.”

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O primeiro dos significados atribuídos por Kury (2001, p. 761) deve ser atentamente

analisado. Tal significado diz respeito à visão que o povo tupinambá tinha dos demais povos.

Entretanto, essa visão não impossibilitou que a língua tupi se expandisse, o que nos leva a crer

que os tupinambás foram muito além de um espaço pré-determinado por seus inimigos, sejam

eles outros indígenas, sejam eles o colonizador. Sendo assim, alguns estudiosos cogitam a

possibilidade de a expansão da língua tupi ter sido efetuada em um curto espaço de tempo.

Kneip & Mello (2013, p. 22-23) colocam a dispersão dos povos tupinambás nos seguintes

termos:

A migração dos povos tupinambás deve ter se dado no sentido norte-sul, por

povoações não muito afastadas umas das outras, formando uma área contínua, em conjunto com outros povos tupis-guaranis localizados no leste amazônico

e no meio norte. De fato, quando os europeus começaram a povoar a América

do Sul, os tupinambás ocupavam três quartos do litoral que hoje correspondem ao Brasil: do Maranhão até São Paulo. As diferenças linguísticas eram

mínimas, o que sugere uma rápida dispersão.

A partir desses fatos, devem-se fazer algumas considerações sobre o termo “tapuio”:

1- havia povos que, antes dos tupis, ocupavam as terras do litoral brasileiro, os quais,

posteriormente, foram vistos como inimigos pelos tupis; 2- especificamente no Norte

Fluminense e em partes do Espírito Santo, havia uma forte resistência à dominação

tupinambá, o que nos leva a crer que “tapuio” era a designação dada a esses resistentes.

Considerando a fala relatada acima por Feydit (2004, p. 19), deve-se entender que

além da resistência empregada pelos tapuias aos tupinambás, também não havia uma

homogeneidade de povos indígenas no Norte Fluminense, como já se falou. Sabe-se da

presença de alguns povos. O principal grupo era o dos índios goitacás, os quais legaram seu

nome à cidade de Campos (dos Goytacazes) e ao distrito de Goitacazes, na mesma cidade.

Há divergências entre os diversos autores sobre a classificação étnico-linguística dos

goitacás. Há quem os coloque como uma família linguística (FERNANDES, 1926 apud

BRAGANÇA JÚNIOR, 1992), e, por conseguinte, coloca os índios guarulhos, puris, coropós

e coroados como parte da família linguística goitacá; por outro lado, também há quem

coloque os goitacás dentro da família puri, a qual, para alguns estudiosos do assunto,

pertenceria ao tronco Macrojê. Esta é a hipótese de Silva Neto (2007, p. 14) que, em seu

trabalho de dissertação de mestrado, afirma:

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A família Puri compreende as línguas Puri, Koropó e Coroado, todas já

mortas. Outros dois possíveis povos pertencentes a esta família eram os

Guarulhos e os Goitacás, estes últimos na região do atual município de Campos.

A título de informação, os goitacás, por sua vez, estariam divididos em três subgrupos,

segundo (VASCONCELLOS apud FEYDIT, 2004, p. 20):

“Tres castas avia d’esta gente, falando agora somente d’ella, e

deixando todas as mais nações, que com ella confinam(...) huns

chamavam Goaitacá-Goaçu, outros Gouitacá Jacoritó e outros

Goaitacá Mopi.”

Alguns fatores podem ser levados em consideração para veicular parentescos e

proximidade, quando não uma unidade linguística entre todas as tribos- puris, coroados,

coropós, guarulhos e goitacás- relatadas até então. É o que veremos nos relatos de

memorialistas, já citados neste trabalho.

Primeiramente, vê-se um relato da dimensão territorial alcançada pelos goitacás.

Entende-se que o território goitacá era vastíssimo. Talvez daí a crença de que eles exerciam

uma hegemonia territorial. Lamego (1974, p. 74), ao citar José Geraldo Bezerra de Menezes

falando sobre o índio goitacá, diz:

Seu habitat era vastíssimo, e não restrito a planície do Paraíba, como em

geral se supõe. Na cobiçada costa brasileira onde as mais aguerridas

tribos tupis somente se mantinham à custa de combates, de Cabo-Frio

ao rio Cricaré, tudo é deles.

Se há possibilidade de entendimento (parentesco) étnico-linguístico entre os goitacás e

os outros povos já citados neste trabalho, vai se observar um território compreendido ainda

maior. Este além do Norte, Noroeste Fluminense, Espírito Santo e que ainda adentraria as

Minas Gerais, fato muito pouco relatado. Ao falar sobre o território dos goitacás por volta do

séc. XVIII, Lamego (1974, p. 84) diz que “pelos meados daquele século, seu território ainda é

vasto. Por mais de cem léguas, espalham-se ainda desde as margens do Paraíba ao Xipotó, na

comarca de Vila Rica, em Minas”.

Após ter uma breve percepção da dimensão territorial onde estavam presentes esses

povos, apresentar-se-ão alguns indícios de unidade entre eles. Encontra-se mais uma vez em

Alberto Lamego (1974, p. 72), importante historiador campista, uma fala de Azeredo

Coutinho, o qual corrobora o processo de unificação de alguns povos indígenas que

habitavam a região Norte Fluminense: “Vencidos em batalha pelos Goitacás, os Coropós são

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por eles assimilados, dando-se o fato original (...) de vencedores e vencidos adotarem

conjuntamente o nome de Coroados”. Pode-se entender desse relato a hipótese de fusão.

Vencida a guerra contra os coropós, os goitacás uniram-se a eles e passaram todos a se

chamar coroados. Tal hipótese faz cair por terra a extinção goitacá pelo extermínio via armas

e pela varíola no séc. XVIII, o que garantirá a presença do índio, no contexto sociocultural da

colônia, por pelo menos mais um século.

Em uma interessante passagem, Feydit (2004, p. 26), ao relatar uma de suas

experiências de juventude, no ano de 1867, já segunda metade do século XIX, em uma

fazenda do Muriaé, diz:

Os índios Goitacazes não eram ateus, eles tinham uma ideia de ser supremo a

quem em ocasiões de trovoadas se dirigiam (...). Pelas 11 horas da noite, estando a trovoada forte, os relâmpagos iluminando de quando as trevas, os

ecos dos trovões a ressoar pelos morros com estampidos medonhos, nos

ouvimos uma cantiga triste, pausada, repassada de melancolia. Indo observar

quem assim cantava, vimos o índio Manoel (nome que lhe havia sido dado).

Observa-se que, a princípio, Feydit inclui o índio na prática religiosa ligada aos índios

goitacás. Após esse primeiro momento, ele expõe outro relato sobre o mesmo índio, desta vez

relacionando-o à tribo dos coroados: “No dia seguinte fomos com o índio caçar (...) O índio

logo que deixou o pasto da fazenda, ao entrar no mato, deixou a calça e a camisa e só

conservou a tanga(...) Era um índio velho, antigo chefe da tribo extinta dos coroados(...)”.

Além disso, Silva Neto (2007, p.14) chama a atenção para um relato de Weid-

Neuweid. Assim está dito:

Entretanto essas três tribos foram a princípio aparentadas, como atesta a

semelhança das línguas (...). As línguas dos Coroados e Coropós são extremamente parecidas, e ambos na sua maior parte, compreendem os Puris.

Nosso jovem coropó, Francisco, falava todas elas.

Ainda falando sobre a questão linguística, é necessário abrir espaço na discussão para

algo importante: A possibilidade de plurilinguismo no litoral brasileiro nos tempos pré-

coloniais e nos tempos iniciais da colonização. Nos dias atuais, verifica-se tal fato (o

prurilinguismo) no Amazonas, no município de São Gabriel da Cachoeira, onde vários povos

indígenas circulam em ampla convivência uns com os outros e costumam dominar mais de

uma língua.

12

É provável a possibilidade da existência de relações linguísticas entre tupinambás e

tapuias, tanto para o estabelecimento de comércio como também para defenderem interesses

comuns. Um fato que pode lançar luz sobre tal hipótese é a histórica Confederação dos

Tamoios (1556-1567), na qual os índios goitacás e tapuias lutaram lado a lado com os

Tamoios (tupinambás) contra a tentativa de dominação e escravização por parte dos

portugueses e das tribos indígenas de língua tupi que estavam aliadas ao colonizador

português por meio do “cunhadismo”.

Como tapuias e tupinambás se relacionariam se não houvesse um código de

comunicação em comum? Como estariam juntos em aproximadamente onze anos de guerra

contra os portugueses sem domínio das línguas faladas pelos respectivos povos? Ouso dizer

que a língua, o código comum entre tupinambás e tapuias, era a interlíngua da costa do Brasil,

o tupi.

Sabe-se que a diversidade indígena estava presente entre os povos que habitavam a

região Norte, Noroeste e dos Lagos, que fazem parte atualmente do que se conhece por Estado

do Rio de Janeiro.

Contudo, ao longo do tempo, alguns fatores foram inseridos na realidade dos índios da

região do Norte Fluminense. De uma maneira breve, pode-se dizer que esses índios foram

submetidos ao processo de dominação, vítimas da cobiça dos colonizadores, sedentos em

povoar a planície goitacá e outras regiões, a fim de explorá-las economicamente. Após esse

primeiro momento com o colonizador branco e de cultura europeia, os índios foram

“amansados” por via da captura e depois aldeados e catequizados. Lamego (1974, p. 84)

descreve o processo desta maneira:

A fim de subtraí-los da tirania dos colonos, os jesuítas arrebanham muitos

para a lagoa da Carioca, em Tocos, (...) depois para as aldeias do Cabo Frio, São Pedro de Aldeia e Macaé. Mais tarde, as cidades de São Fidélis, Pádua e

Valença e as vilas de Santo-Antônio-do-Rio-Bonito, Conservatória, e Santa-

Rita também surgirão de seus aldeamentos.

Em todos esses lugares, nos quais os aldeamentos deram origem a povoados e a

cidades, estavam presentes índios associados à cultura goitacá/jê. Apesar de sua presença

cultural e linguística até o século XIX, não restaram muitos vestígios dessa presença na

cultura e, principalmente, no vocabulário do Norte Fluminense.

Esse processo de apagamento evidencia-se com mais força na língua, porque, apesar

de haver, hoje, uma tendência de resgate do português brasileiro em face do europeu, que é a

língua do colonizador, ainda pouco se fala sobre a inserção de palavras oriundas dos troncos

13

linguísticos indígenas nessas gramáticas, mesmo a de linhas linguísticas. No próximo tópico,

apresentaremos indícios da língua tupi que ainda estão presentes do Norte Fluminense e de

que forma eles se inserem no vocabulário da região.

4- Continuidades da língua tupi no léxico da região Norte Fluminense

Este tópico tem o objetivo de mostrar as palavras de origem tupi que ainda são

utilizadas na região Norte Fluminense. Utilizou-se como parte do corpus desta pesquisa o

livro intitulado A linguagem da Baixada Goitacá, de Álano Barcelos, professor e linguista

campista, que foi aluno do grande linguista brasileiro Mattoso Câmara Júnior. O livro do

professor Barcelos tem o mérito de fazer uma compilação, em forma de glossário, de palavras

usadas, na época de sua pesquisa, pelos habitantes da Baixada Goitacá, muitos dos quais são

descendentes de índios que habitavam outrora a região. Além desse corpus, deparou-se,

durante a pesquisa, com textos que chamam a atenção para os inúmeros topônimos de nossa

região que são de origem indígena.

Antes, contudo, faz-se necessário analisar em parte alguns fatos já vistos e acrescentar

ainda outros, a fim de discutir possíveis consequências. Aquilo que até aqui foi apresentado

visa mostrar que o indígena teve, de certa forma, garantida a sua presença no cotidiano

sociolinguístico nos primeiros tempos de colonização. No âmbito linguístico, pôde-se

observar, nas zonas litorâneas, a língua brasílica, que nada mais era que o tupi dos jesuítas e

que, durante certo tempo no Brasil, teve mais aceitação entre a população do que o português.

Dietrich & Noll (2015, p. 82) traçam a utilização do português e da língua brasílica nas

seguintes palavras: “Na época colonial, fora dos centros administrativos como, por exemplo,

Salvador, a língua geral era mais popular que o Português (...)”.

Para referendar seu raciocínio em relação à presença do tupi (língua brasílica) em

relação ao seu uso na colônia, os autores supracitados fazem referência às palavras de

Rodrigues (1986, p.101), que diz:

Foi nas áreas mais afastadas do centro administrativo da colônia (que era a Bahia) que se intensificou e generalizou o uso da língua brasílica como língua

comum entre os portugueses e seus descendentes – predominantemente

mestiços – e escravos (inclusive africanos), os índios tupinambás e os outros

índios incorporados às missões, às fazendas e às tropas; em resumo, toda população, não importa qual a sua origem, que passou a integrar o sistema

colonial.

14

Apesar do aparente protagonismo em relação à língua portuguesa, segundo Dietrich &

Noll (2015, p.85) “é preciso compreender que não há continuidade na presença da língua

brasílica da época colonial até a época moderna”. Dietrich & Noll (2015, p. 85-86) continuam

expondo a relação contemporânea entre o tupi e o português da seguinte maneira: “(...) não há

influência tupi nem na fonética, nem na morfologia do português brasileiro. (...) esta só se

reflete no léxico e nos nomes (toponímia, hidronímia, coronímia, antroponímia)”. Esse fato

também é corroborado por Castilho (2010, p.180) que destaca que a contribuição léxica do

tupi-guarani para o português brasileiro foi de “cerca de dez mil vocábulos, constantes em sua

maioria de topônimos e antropônimos, a que se somam substantivos comuns designativos de

vegetais e de animais”. O proeminente linguista paulista apresenta em sua “Nova gramática

do português brasileiro” (2010), de linha funcionalista e sociocognitivista, algumas

contribuições:

(1) Pessoas: caipira, caipora, cacique, pajé, morubixaba, curumim, cunhã.

(2) Comidas: pururuca, puba, pipoca, maracujá, aipim.

(3) Animais, figuras míticas: graúna, colibri, arara, acauã, sabiá, irara, sagui, pium,

jaguar, jacaré, uru, urutau, tatu, muçurana, paca, içá, boitatá, taturana, saracura.

(4) Vegetais: imbira, urucu, tapioca, taquara, araçá, jenipapo, mandioca, mandi,

pitanga, goiaba, taioba.

(5) Moradias: tapera, tipiti, oca, girau.

(6) Topônimos e antropônimos: Iracema, Guaraciaba, Moema, Paraguaçu, Jaçanã,

Maracanã, Guanabara, Canindé, Itu, Araraquara, Jaú, Butantã.

Para entender o fato supracitado, precisa-se, primeiramente, delimitar o tempo de

proeminência da língua brasílica no cotidiano das comunicações nas esferas das regiões

coloniais que não eram o centro administrativo. Tal tempo se restringe do séc. XVI, quando

os jesuítas entraram em contato com os índios e fizeram uma gramática do tupi, nomeando-o

de “língua brasílica”, até meados do séc. XVIII, especificamente, quando o Marquês de

Pombal institui o “diretório dos índios”, que, de uma maneira geral, proibia o uso da língua

brasílica e obrigava a população a utilizar somente o português.

Em segundo lugar, devem-se entender os fatores que levaram a descontinuidade do

processo. Não se pode negar que os colonizadores portugueses entendiam Portugal (Europa)

como a civilização, enquanto as terras do “novo continente” e seus habitantes eram vistos

15

como a barbárie, o primitivo, o lugar do exótico. Sob essa ótica, estavam as línguas ágrafas,

como era inicialmente o tupi, que era uma língua falada, ou seja, oral. Logo, era necessária

uma ação colonizadora também no campo da linguagem.

Dificilmente, hoje, conseguir-se-á vislumbrar todo o processo de desconstrução da

figura do indígena e de suas línguas por parte dos colonizadores, porque o que se tem é a

visão dos próprios colonizadores sobre os seus atos. Acredita-se que muito daquilo que

permeia o imaginário da população brasileira no que diz respeito a seus preconceitos advém

da forma de como se assimilou e aprendeu a visualizar a realidade brasileira através da ótica

do colonizador. Ou seja, o que não era europeu não era visto como civilizado e,

consequentemente, aceito pelo status quo. Essa repulsa ao que é da terra reflete no estudo do

português atual, visto que as nossas gramáticas normativas ainda têm, em sua maioria, o

padrão de escritores portugueses, como se vê em Bechara (2009), o nosso mais famoso

gramático. Em artigo intitulado “Língua, história & sociedade- breve retrospecto da norma-

padrão brasileira”, Bagno (2012, p. 164) corrobora o que se disse:

A notável repulsa da elite brasileira por seu próprio modo de falar o

português encarna, sem dúvida, a continuação no tempo desse espírito

colonialista, que se recusa a atribuir qualquer valor ao que é

autóctone, sempre visto como primitivo e incivilizado.

No caso específico deste trabalho, apresentar-se-á um termo proposto por Bagno

(1999) para a discussão: “Preconceito linguístico”. Segundo Bagno (1999), o preconceito

linguístico é muito comum no Brasil, na medida em que os mais escolarizados só reconhecem

como língua a que eles utilizam. O termo “preconceito linguístico” não é definido pelo seu

criador; entretanto, Bagno (1999) apresenta várias situações nas quais se apresenta o

preconceito linguístico. Vamos a um exemplo citado por Bagno (1999, p. 25-26), que, ao falar

sobre mitos em relação ao preconceito linguístico e também em relação ao ensino da língua

portuguesa do Brasil e suas particularidades, diz:

(...) depois de mais de cento e setenta anos de independência política, continua com os olhos voltados para a norma linguística de Portugal. As regras

gramaticais consideradas “certas” são aquelas usadas por lá, que servem para a

língua falada lá, que retratam bem o funcionamento da língua que os portugueses falam.

Desse modo, surgem as seguintes perguntas: por que, até então, continuamos

estudando pelas regras de Portugal? Somente o português de lá é o correto? As nossas

particularidades não podem ser lavadas em conta? Ou, em relação a este trabalho: por que as

16

palavras de origem indígenas não aparecem em nossas gramáticas tradicionais e, por

conseguinte, nas pedagógicas, usadas nos ensinos fundamental e médio? Por que somente

alguns verbetes mais usuais estão presentes nos dicionários de nossa língua, apesar da

contribuição de quase dez mil palavras ao léxico português, como bem disse Castilho (2010)?

A resposta talvez esteja no fato de que ainda se dê, no Brasil, uma grande importância

à cultura de além-mar: antigamente, a europeia, trazida pelos colonizadores portugueses e,

posteriormente, pelos imigrantes que aqui se estabeleceram por vontade própria; hoje, dá-se

importância à cultura estadunidense, inclusive adotando no dia a dia palavras da língua

inglesa. Por outro lado, ignora-se a nossa ascendência indígena- e também por que não a

africana- porque ela traz para a nossa cultura a vergonha de ser incivilizada e não evoluída,

segundo a ótica da cultura europeia, que ainda hoje é etnocêntrica e etnocultural. Nesse

sentido, afirma-se, neste trabalho, que a língua tupi e suas contribuições léxicas para o

português brasileiro sofreram e ainda sofrem preconceito linguístico, na medida em que se

apaga o seu rastro na gramática de nossa língua, tal como se vê em Bechara (2009), cuja

gramática não apresenta sequer uma palavra de origem tupi nas 73 (setenta e três) páginas

dedicadas ao estudo morfológico das palavras de língua portuguesa. Nota-se, claramente, que

o referencial continua sendo o português europeu, visto que se estuda a contribuição grega e

latina.

Outro termo que deve ser trazido para esta pesquisa é “Colonização linguística”,

desenvolvido por Mariani (2003), a qual declara:

Para a metrópole portuguesa, o exercício de uma política unitária de

imposição da língua representava a possibilidade de domesticação e absorção

das diferenças de povos e culturas indígenas que se encontravam fora dos

parâmetros do que se entendia como civilização na época. Para a igreja, sobretudo após o movimento conhecido como contrarreforma católica, o

caminho mais direto para a expansão da evangelização realizava-se através da

adoção do ‘vernáculo local’, no caso, da utilização do tupi, a língua indígena majoritariamente falada na costa do Brasil e que nas primeiras décadas da

colonização era chamada de língua brasílica. É importante lembrar que essa

língua brasílica foi a língua eleita como geral pelos jesuítas e, apesar da

diversidade de línguas indígenas existente, os esforços de gramatização centraram-se fundamentalmente nela. (MARIANI, 2003, p. 76)

Assim, de um lado, estava a Igreja, interessada em expandir a fé católica, de outro, o

Estado Português a fim de garantir a domesticação civilizatória aos indígenas. Inicialmente, a

língua geral brasílica serviu aos propósitos das duas instituições. Mariani (2003, p. 76),

continua dizendo:

17

Tanto no caso da coroa portuguesa como no caso da igreja, uma única língua, ou a portuguesa ou a brasílica, era convocada para diluir a diversidade e

civilizar os índios. Seja como for, em ambos os casos o objetivo era o mesmo:

inscrever o índio como um sujeito colonizado cristão e vassalo de El-Rei a partir do aprendizado e utilização de uma só língua.

Esse fato, como já dito, serviu até meados do séc. XVIII, quando o reino de Portugal,

por meio do Marquês de Pombal, resolveu dar uma solução definitiva à questão da linguagem.

A hegemonia portuguesa não poderia ser apenas administrativa e territorial, mas também

cultural, de modo que as ligações ao reino europeu fossem nítidas.

Assim interessava ao reino português que o habitante das terras fosse cristão, submisso

ao rei e falante do português o mais próximo possível do europeu. Guardando ainda um

aspecto, deve-se entender que a proporção da utilização do tupi/língua geral significava

ausência do português, o que abria a possibilidade de o colono não se identificar como parte

de Portugal devido a sua diferente linguagem. Essa falta de identificação poderia,

futuramente, gerar revoltas contra o processo de colonização.

Sobre a colonização linguística, Mariani (2003, p. 77) defende as seguintes palavras:

(...) pois o que importa nas relações de poder que sustentam essas práticas é a

manutenção de um campo de sentidos hegemônicos, cuja função maior se

volta para a regulação jurídica das atribuições, direitos e deveres dos súditos

de sua majestade, bem como a inserção de todos os portugueses em uma

memória comum da hegemonia da língua portuguesa frente ao latim. Assim,

ao se impor a língua portuguesa para os índios, está se impondo também uma

língua com uma memória outra: a do português cristão submisso ao rei.

Ensinar português aos índios objetivando a catequese é silenciar a língua e a

memória de outros povos. Mas ensinar língua geral é também silenciar a

língua portuguesa.

A partir de tal raciocínio, a ideia da era pombalina, no que diz respeito à colonização

linguística, estava circunscrita aos seguintes termos, segundo Mariani (2003, p. 78):

Institucionaliza-se, na colônia, língua portuguesa com SUA memória de

filiação ao latim. O Diretório busca colocar em silêncio a língua geral e seus falantes, caracterizando-a como uma “invenção diabólica”. Não se fala em um

português brasileiro. Ele ou não existe aos olhos da metrópole, ou, se existe,

precisa ser corrigido, melhorado, reformatado de acordo com os moldes

gramaticais portugueses. Aos olhos da metrópole precisa ser a continuidade da imaginária homogeneidade que confere o caráter nacional a Portugal.

18

Até aqui se falou sobre a ideia de hegemonia portuguesa e de como ela contribuiu para

o fim do uso da língua indígena no Brasil colonial.

A partir deste momento, deter-se-á em analisar a conjuntura linguística da região

Norte Fluminense.

Apesar de aqui habitarem povos de outras nações que não a tupinambá, como foi

destacado anteriormente, pode-se observar a presença de vários termos ligados à cultura tupi

pela região. Como, por exemplo, nos topônimos apresentados por Bragança Junior (1992):

Guaxindiba (Praia do litoral de São Francisco do Itabapoana) – grafado por Teodoro

Sampaio Guaxenduba, de guachi-dyba, as vassouras em abundância, o sítio das

vassouras.

Morangaba (Distrito de Campos)– vila – de moran(ga) e gaba, a beleza, a

formosura, o encanto;

Quixaba (Localidade do 5º Distrito de São João da Barra) – vila – de keçaba, o ninho,

o lugar de dormir, cama, rede.

Conceição de Macabu – cidade – de macab-u, a macaba preta ou arroxeada. Macaba é

o fruto da palmeira Acrocomia sclerocarpia. Trata-se da mescla do elemento religioso

português – Nossa Senhora da Conceição – com a denominação indígena devido à

existência do fruto da palmeira;

Tapera (Bairro da cidade de Campos) – povoado – de tab-éra, a aldeia extinta, a

ruína, lugar onde existiu um povoado.

Cambaíba (Localidade na cidade de Campos) – ou de caámbayba, a embaúba da mata

ou de camba, planta + yba, a árvore do cambaí, o cambaizeiro;

Jurubatiba – de yuruba, a palmeira, jerivá e tyba, abundância, i.e., abundância de

jerivás.

Afora as palavras catalogadas e descritas pelo autor acima, podem ser citados também:

“Imbetiba” (Bairro da cidade de Macaé), “Carapebus” (município da região Norte

Fluminense), Açu (Distrito de São João da Barra), Cambuci (município da região Norte

Fluminense), Imburi (distrito de São Francisco de Itabapoana).

Podemos citar também a presença de etimologias tupis em nomes de rios que cortam o

Norte Fluminense, onde se tem, por exemplo, os rios Paraíba e Itabapoana.

Vale a pena ressaltar que, segundo relatos de alguns memorialistas, a região sofreu com

o processo de implantação do português, mesmo antes das normatizações prescritas por

Pombal no século XVIII, devido a fatores como a presença dos Viscondes de Assecas e a

proximidade e as relações comerciais estabelecidas com o “centro administrativo”( Rio de

19

Janeiro), as quais, ao fim e ao cabo, fizeram com que o português fosse falado mais cedo na

planície goitacá.

Contudo, as palavras de origem tupi podem ser vistas, hoje, em pleno século XXI, não

só nos topônimos e nos nomes de rios. Elas estão presentes no cotidiano do habitante do

Norte Fluminense no vocabulário ligado à fauna, à flora, ao folclore, dentre outros. Inclusive,

algumas dessas palavras são encontradas, segundo (MACHADO DE OLIVEIRA, 1936 apud

LEITE, 2013, p. 151-187), no denominado Vocabulário Elementar da Língua Geral Brasílica

(V.E.L.G.B). São exemplos a palavra “tapioca” (Tipyóca no V.E.L.G.B.), que quer dizer

“polvilho” e é muito comum na culinária do interior de São João da Barra e de São Francisco

do Itabapoana. Outras palavras presentes no V.E.L.G.B dizem respeito a peixes encontrados

na região, como o “baiacu”, o “curumatan” e a “acará”. Sobre a fauna, o V.E.L.G.B nos

apresenta “cururu”, para designar o sapo, e “urubu”, para ave carnívora.

Ligado à fauna e ao folclore campistas, o Vocabulário do curso de Tupi antigo da USP

(ver o anexo deste trabalho) designa “Îakaré” para falar sobre o animal jacaré; já o V.E.L.G.B

apresenta palavra “Ururau” para designar jacaré. São muito comuns, na região de Campos, as

histórias sobre o Ururau da Lapa, que, segundo relatos dos antigos, era um grande jacaré que

fazia toda a região do bairro da Lapa tremer. Este mesmo nome (Ururau) é utilizado pela

escola de samba campista, sediada no bairro da Lapa.

Ainda, ao pesquisar a obra “A Linguagem da baixada Goitacá”, de Barcelos (1992),

podem ser observados, no glossário disponibilizado, termos falados na baixada campista que

são oriundos do tupi como a palavra “Guaraciaba” que significa “loura”, segundo Barcelos

(1992, p. 26). O mesmo glossário de Barcelos (1992, p. 27) apresenta a palavra “inconhado”

para fazer referência àquilo que está ligado, junto. Tal termo é advindo do tupi “i kõe”, que

significa aquele que é gêmeo. Daí advém uma expressão muito popular para pessoas que não

se desgrudam, ou seja, são “bananas inconhas”.

Outra palavra presente no V.E.L.G.B é “guacha” que traz o significado como “criança

?”, sendo a interrogação a ideia de significado incompleto. O glossário de Barcelos (1992, p.

27) traz a palavra “guaxo”, que significa filho sem mãe.

O V.E.L.G.B faz referência a palavra “juquiá”, usada para designar um instrumento de

pesca utilizado por alguns pescadores na baixada goitacá.

Apesar do processo de imposição da língua portuguesa entre os diversos povos

indígenas da região Norte Fluminense, a influência do tupi (Língua Brasílica) ainda é

presente. Diante disso, é difícil concordar com a limitação de Dietrich e Noll (2015, p. 85-86)

que afirmam: “(...) não há influência tupi nem na fonética, nem na morfologia do português

20

brasileiro. (...) esta só se reflete no léxico e nos nomes (toponímia, hidronímia, coronímia,

antroponímia)”. Talvez o que falte seja um estudo mais acurado sobre a língua tupi e seus

subsistemas linguísticos em face do português brasileiro. Castilho (2010, p.180) chama a

atenção para esse fato quando diz que “não se comprovou algum tipo de influência fonológica

ou gramatical, estando pendente de mais pesquisas a eventual importação pelos paulistas do

“r” retroflexo dos índios do tronco macrojê”. Pode-se pensar que isso também ocorra em

relação à língua tupi.

O Norte Fluminense guarda peculiaridades no que tange às palavras indígenas de

origem tupi. Essas palavras estão vivas e presentes na fauna, na flora, na culinária, no

folclore, na toponímia, na hidronímia, na coronímia, na antroponímia, ou seja, no imaginário e

no cotidiano de toda uma população. Elas representam não só uma história que, infelizmente,

foi silenciada pelo colonizador, mas também a memória linguística de um povo que, apesar de

não mais existir em suas terras, faz-se presente na língua falada dos que hoje habitam a

região. Nesse sentido, reconhecer a contribuição das línguas indígenas no português brasileiro

é dar voz àqueles que por esta terra lutaram.

5- Conclusão

Baseado em tudo que foi discutido até aqui, chegou- se à conclusão de que ainda há

uma presença considerável de palavras de origem tupi no português brasileiro, apesar de elas

não estarem presentes na gramática normativa da língua. Pode-se afirmar tal fato, pois o tupi,

que já era forte e presente nas regiões litorâneas do Brasil, ganhou força pelo uso e

assimilação, tanto por parte dos colonizadores como pelos religiosos no contexto de sua

chegada ao Brasil. Tal força perdeu-se no tempo, por motivos já citados, mas ainda o tupi se

faz presente no vocabulário do povo de determinadas regiões, como é o caso do da Norte

Fluminense.

Se, por um lado, o tupi e as línguas gerais foram proibidos, por outro, sabe-se que a

cultura está no campo daquilo que Braudel (1992) denominou “Longa duração”, por isso o

tupi (língua brasílica) continuou sendo falado durante muito tempo em várias regiões do país.

A língua geral paulista só foi extinta pelo menos um século depois do “diretório dos índios”,

e a língua geral amazônica deu origem ao Nheengatu. Consciente ou inconscientemente,

houve, a princípio, uma resistência em aceitar a língua do “tapuio” colonizador.

21

Após entender questões relativas ao preconceito linguístico existente em relação às

palavras de origem tupi no português brasileiro e também depois de falar sobre o processo de

colonização linguística, chega-se ao ponto ao qual se verifica que a toponímia, a hidronímia,

alguns termos do vocabulário da Baixada Goitacá, bem como o vocabulário elementar da

língua brasílica, em certa medida, fazem parte do cotidiano do cidadão brasileiro habitante do

Norte-Fluminense. Logo, necessita-se de um estudo mais apurado sobre as influências

fonológicas e gramaticais da língua tupi no português brasileiro.

Por fim, acredita-se que este trabalho venha contribuir, assim como outros já citados,

para uma melhor compreensão da questão da língua tupi no português brasileiro. Passaram-se

os séculos, mudou o mundo. Aquilo que era antes visto como incivilizado e bárbaro, hoje, é

cultura. Sendo assim, cabe aos professores de língua portuguesa arrancar esse arame farpado

que impede, ainda hoje, o tupi de ser visto como parte integrante e importante do português

brasileiro.

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Disponível em: http://tupi.fflch.usp.br/node/5. Acesso em 19 de Fevereiro de 2016.

23

Anexo

VOCABULÁRIO TUPI-PORTUGUÊS DO CURSO ELEMENTAR DE

TUPI ANTIGO5

Os substantivos pluriformes serão indicados, geralmente, em seu tema, com (t-, r-, s-) entre

parênteses

e os adjetivos pluriformes em seu tema com (r-,s-). Os verbos pluriformes aparecerão com (s).

abá - homem, pessoa, índio

-aba - sufixo substantivador, podendo também significar “lugar”

kukuî - ficar caindo, ficar-se desprendendo (o fruto, o cabelo, etc.)

abaré - padre

abati - milho

a’e - ele (a,es,as)

ãîa (t-, r-, s-): t-ãîa - dente; xe r-ãîa - meu dente; s-ãîa - seu dente

aíb - ruim, mau

aîuru - variedade de papagaio

akaîu - caju

akub (r-s-) - quente: xe r-akub – eu estou quente; s-akub – ele está quente; itá-akub-a -

pedra quentepedra quente

akuti - cutia

amana - chuva

aoba - roupa

(a)pé (r-s-): pé - caminho, estrada; xe r-apé - meu caminho; s-apé - caminho dele

apek (s) - sapecar, chamuscar, queimar ligeiramente

pem - anguloso

apó (s-r-s): s-apó - raiz; xe r-apó - minha raiz; s-apó - raiz dele

‘ar - cair

arará - arará (variedade de formiga)

asab (s) - atravessar, cruzar

asé - a gente; da gente, nosso (a, os, as)

atã (r-s-) - duro: xe r-atã – eu sou duro; s-atã – ele é duro; itá-atã – pedra dura

atá (t-r-s-): t-atá - fogo; xe r-atá - meu fogo; s-atá - fogo dele

aûsub (s) - amar

bebé - voar

berab - brilhar; brilhante

byr - levantar-se, erguer-se

e’em (r-s-) - doce

eíra - mel

emimotara (t-r-s-): t-emimotara - vontade; xe r-emimotara - minha vontade; s-

emimotara - vontade dele

5 VOCABULÁRIO TUPI-PORTUGUÊS DO CURSO ELEMENTAR DE TUPI ANTIGO. Disponível em: http://tupi.fflch.usp.br/node/5. Acesso em 19 de Fevereiro de 2016.

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endé - tu

endy (t-, r-s-): t-endy - luz; xe r-endy - minha luz; s-endy - luz dele

epîak (s) - ver

era (t-, r-, s): t-era - nome; xe r-era - meu nome; s-era - nome dele

ere - prefixo número-pessoal de pessoa do singular

-etá - muitos (as)

etama (t-, r-,s-): t-etama - região, terra; xe r-etama - minha terra; s-etama - terra dele

eté (r-s-) - muito bom, verdadeiro, genuíno: xe r-eté – eu sou verdadeiro; s-eté – ele é

verdadeiro; abá-eté – homem verdadeiro

eté (t-r-s-): t-eté - corpo; xe r-eté - meu corpo; s-eté - seu corpo

gûaîbim - velha

gûarinim - guerreiro

-gûasu - sufixo de aumentativo: -ão, grande

guatá - caminhar, caminhada

gûeîyb - descer

gûyrá - pássaro

i - ele, ela, eles, elas; seu, sua, seus, suas

-’i - sufixo de diminutivo: -inho, pequeno

-’im - sufixo de diminutivo: -inho, pequeno

îagûara - onça

îakaré - jacaré

îandé - nós (inclusivo); nosso (a, os, as)

îasy - lua

îebyr - voltar

ikó - estar, morar

iperu - tubarão

itá - pedra

ityk - atirar

îub - amarelo

îuk - podre

îuká - matar

îukyra - sal

ixé - eu

îy - machado

ka’a - mata

kaî - queimar

kane’õ - cansado

kanga - esqueleto, osso (enquanto está no corpo)

kapibara - capivara

kariîó - carijó - nome de grupo indígena

katu - bom

ker - dormir

komandá - fava

kopir - carpir

kûá - enseada

kûara - buraco, toca

kuî - cair, desprender-se (o fruto, o cabelo, etc.)

kunhã - mulher

kunhã-muku-’im - mocinha

kunumim - menino

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kunumim-gûasu - moço

kuruba - bolota, grão, caroço

kuruk - resmungar, resmungão

kururu - sapo

kutuk - espetar, furar

kyririm - silencioso

kysé - faca

Maíra - nome de entidade mitológica dos antigos índios da costa que serviu para designar

os franceses, que os índios supunham ser criaturas sobrenaturais. Significa, assim, também,

francês.

mba`e - coisa; ser bruto

mboîa - cobra

mbotyra - flor

-me - forma nasal de -pe - em , para

mena - maridomena

mirim - pequeno

moabaré - tornar padre, fazer padre

moakub - esquentar

moendy - iluminar, acender

moeté - honrar; legitimar, louvar

moîebyr - fazer voltar

mombak - fazer acordar

mondó - fazer ir

mondykyr - fazer gotejar, destilar

monger - fazer dormir

monhang - fazer

mopaîé - tornar pajé, fazer ser pajé

morubixaba - chefe, cacique

mosem - fazer sair

murukuîá - maracujá

nde - tu; teu (a), teus (as)

ne - tu; teu (a), teus (as)

nem - fedorento

nha’em - prato

nhan - correr

nhandu - ema

nhe’eng - falar

nhe’enga - fala, idioma, língua, palavra

Nhoesembé - Nhoesembé, antigo nome indígena de Porto Seguro, na Bahia

nhum - campooby (r-s-) – verde: xe r-oby – eu sou verde; s-oby – ele é verde; ka’a-oby –

mata verde

oka (r-s-): oka - casa; xe r-oka - minha casa; s-oka - casa dele

oré - nós (exclusivo); nosso (os, a, as)

oro - prefixo número-pessoal de pessoa do plural exclusiva

paîé - curandeiro

pak - acordar

paka - paca

panem - imprestável

pará - rio grande; mar

paranã - mar; rio grande

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pari - canal para apanhar peixes

pe - prefixo número-pessoal de pessoa do plural

-pe - em, para (geralmente locativo)

pe - vós; vosso (os, a, as)peasaba - porto, embarcadouro

peb - achatado

peem - vós

pereba - feridaperó - português

petyma - fumo, tabaco

petymbu - fumarpindá - anzol pinda‘yba - vara de pescar

pindoba - variedade de palmeira

pirá - peixe pira - pele

pitanga - criança

pok - estourar

por - pular

porang - belo, bonito

pororok - explodir

potim - camarão

pu - barulho, ruído

pûer - passado, velho, superado, que já foi

pupé - dentro de

pyrang - vermelho

pysyk - pegar, apanhar

pytá - ficar

ram - futuro, promissor, que vai ser

sem - sair

siri - siri

só - ir

sok - socar, pilar

sorok - rasgar, rasgar-se

suí – de (origem, causa, proveniência)

supé - para (pessoa)

sy - mãe

syk - chegar

sykyîé - temer, ter medo

syryk - escorregar

taba - aldeia

taîasu - porco (do mato)

takûara - taquara, variedade de bambu

taperá - andorinha

tapi’ira - anta

tapiti - coelho

tatu - tatu

-te - mas, porém

tim - bico, nariz, saliência

ting - branco

tobatinga - barro branco como cal, barreira branca

tororoma - jorro, borbotão

tukana - tucano

tukura - gafanhoto

Tupã - Deus

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ty - rio, água, líquido

tyba - ajuntamento

tyîuka - pântano, lodo

tykyra - gota, pingo

tyryk - escapulir

u’i - farinha-ûasu - sufixo de aumentativo: -ão, grande

ugûy (t-r-s-): t-ugûy - sangue; xe r-ugûy - meu sangue; s-ugûy - sangue dele

un (r-s) - preto, escuro: xe r-un – eu sou preto; s-un – ele é preto; abá-un-a – homem preto

upaba - lago

uru - vasilha

uruku - nome de planta que fornece tinta vermelha para tingir o corpo, urucu-usu - sufixo de

aumentativo: -ão, grande

xe - eu; meu(s), minha (as)

‘y - água, rio

‘ybá - fruta, fruto

ybaka - céu

yby - terra

ybyrá - árvore; madeira; arco

ybytyra - montanha

ygara - canoa

ygarusu - navio

ysy (t-, r-, s-): t-ysy - fila, fileira; xe r-ysy: minha fileira; s-ysy - fileira deles

‘ytab - nadar