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UMA ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIOLINGUÍSTICA DA
PRESENÇA DE PALAVRAS DE ORIGEM TUPI NO
VOCABULÁRIO DA REGIÃO NORTE FLUMINENSE1
Boris dos Santos Souza2
Resumo
Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o processo de apagamento de
palavras de origem indígena, mais precisamente do tronco Macrotupi, que, embora existam no
vocabulário do povo, não se apresentam em nossas gramáticas tradicionais e muito menos nas
pedagógicas, evidenciando, assim, um preconceito linguístico (BAGNO, 1999). Ao mesmo
tempo, o fato de elas ainda estarem presentes no vocabulário popular, faz-se pensar em um
processo de resistência do léxico indígena diante do léxico originariamente português. Como
será necessário buscar evidências, delimitou-se o corpus às palavras de origem tupi do
vocabulário do Norte Fluminense, mais precisamente o da Baixada Goitacá, região outrora
habitada por índios goitacás.
Palavras-chave: língua tupi, preconceito linguístico, Norte Fluminense
Abstract
This paper aim to present a study on the erasing process of words with indigenous origins,
more precisely of the Macrotupi branch, that while present on the vocabulary cannot be found
on teaching and traditional grammars, thus showing a “linguistic discrimination” (BAGNO,
1999). At the same time, the fact that they are still present in popular vocabulary, lead us to
think of the resistence processes of the indigenous lexicon before the originally Portuguese
lexicon. As for evidence, the corpus was delimited to words of Tupi vocabulary from the
Norte Fluminense, more precisely of the Baixada Goitacá, region once inhabited by Goitacá
Indians.
Key-words: Tupi language, linguistic discriminations, Norte Fluminense.
1 O trabalho vincula-se à linha de pesquisa “Comunicação e cultura”, subárea “Comunicação,
linguagens e identidades culturais”. Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Literatura, Memória Cultura e Sociedade do Instituto Federal
Fluminense, campus Campos Centro, nos anos de 2014-2016, desenvolvido sob a orientação da Profª
Drª Ana Lúcia Monteiro Ramalho Poltronieri Martins, do IFFLUMINENSE-Campus Centro. 2 Graduado em História na FAFIC-UNIFLU. Professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro e da Rede
Municipal de São João da Barra- RJ. E-mail: [email protected]
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1- Introdução
A figura do indígena, ainda hoje, no contexto cultural brasileiro, está relegada ao
segundo plano. Um exemplo é a pouca importância que se dá à data comemorativa
denominada “Dia do Índio”, que, no calendário governamental, é celebrado no dia 19 de abril.
Apesar de todos os esforços feitos por pesquisadores, governos e até mesmo pela legislação
do país, especialmente na Constituição de 1988 que “(...) representou um marco (...) porque
reconheceu aos povos indígenas, pela primeira vez na história, direitos linguísticos e
culturais” (VIEIRA, 2007, p. 5), observa-se que muito pouco dessas ações tem chegado à
população, de modo que se possa desenvolver um novo olhar sobre a figura do índio,
passando a valorizar o nativo como elemento importante da cultura brasileira e, por
conseguinte, sendo mais uma parte legítima do processo de multiculturamento, movimento
que reconhece, além da cultura branca e europeia do colonizador, outras culturas na formação
da identidade cultural e linguística do povo brasileiro. Evidentemente, as línguas dos povos
indígenas sofreram, e ainda sofrem, o efeito dessa deslegitimação cultural, na medida em que
a gramática da língua portuguesa pouco ou nada diz sobre a influência lexical dos troncos
Macrojê e, principalmente, do Macrotupi no português escrito e falado no Brasil, doravante
português brasileiro. Se se observa a questão linguística, sabe-se que ainda hoje o Brasil é um
país plurilíngue, refletindo, de um modo ou de outro, uma espécie de resistência advinda de
diferentes povos que sofreram com o processo de colonização, isto é:
Numa sociedade dividida em castas, em raças, classes, mesmo quando é
evidente o processo de unificação da língua, especialmente num continente
como o Brasil, onde durante três séculos combateram várias línguas
indígenas e negras contra uma branca, não havia nem paz cultural, nem paz linguística.” (RODRIGUES, 1985 apud VIEIRA 2007, p.4)
Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o processo
de apagamento de palavras de origem indígena, mais precisamente do tronco Macrotupi, que,
embora existam no vocabulário do povo, não se apresentam em nossas gramáticas tradicionais
e muito menos nas pedagógicas, caracterizando, assim, um preconceito linguístico (BAGNO,
1999). Ao mesmo tempo, o fato de elas ainda estarem presentes no vocabulário popular, faz-
se pensar em um processo de resistência do léxico indígena diante do léxico português. Como
será necessário buscar evidências, delimitou-se o corpus às palavras de origem tupi do
vocabulário do Norte Fluminense, mais precisamente o da Baixada Goitacá, região outrora
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habitada por índios goitacás. Para tal feito, analisar-se-á, primeiramente, o contexto das
línguas faladas no litoral brasileiro antes da chegada dos portugueses. Os indígenas que serão
destacados são os tupinambás3. Segundo (MÉTRAUX, 1948 apud NOBRE, 2011, p.14)
“Tupinambá. – Esse nome é aplicado aqui a todos os índios, falantes de um
dialeto Tupi-Guarani, que, no século XVI, foram os senhores da costa do
Brasil, desde a foz do Rio Amazonas, até Cananéia, no sul do estado de São Paulo. Embora linguística e culturalmente relacionados de maneira muito
próxima, esse índios eram divididos em muitas tribos, que empreendiam
guerras desumanas umas contra as outras. À maior parte desses grupos foram
dados nomes diferentes pelos colonizadores portugueses e franceses, mas o termo Tupinambá foi aplicado a tribos de regiões largamente separadas, como
Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão. Por serem essas as tribos melhor
conhecidas, nós vamos, por conveniência, aplicar a todas elas o termo Tupinambá.”
Ainda nesse tópico, intitulado “Os povos indígenas: da linguagem falada na terra antes
da chegada dos portugueses ao desenvolvimento das línguas gerais”, destacar-se-á a presença
da língua tupi no cotidiano da colonização até o século XVIII, bem como a questão do
desenvolvimento da língua brasílica e da língua geral paulista e suas respectivas inserções no
cotidiano social da colônia, por meio dos movimentos de entradas e bandeiras.
Já o terceiro tópico, “Os contextos populacional e linguístico do indígena do Norte
Fluminense”, apresenta os escritos de alguns memorialistas4 sobre os indígenas da região.
Assim, investigar-se-á a presença dos índios, com destaque a dos índios goitacás. Nesse
tópico, as seguintes perguntas são pertinentes: Os goitacás tinham uma língua que
representava um tronco linguístico específico do qual faziam parte ainda outros tapuios5?
Seriam os goitacás somente mais uma vertente dentro do tronco linguístico Macrojê? Quais
vestígios linguísticos teriam deixado na região esses índios que são rodeados de tantas lendas?
No quarto tópico, denominado “Continuidades da língua tupi no léxico da região
Norte Fluminense”, desenvolver-se-ão argumentos indicativos sobre a herança da língua tupi
no português brasileiro e na realidade linguística atual do Norte Fluminense. Em paralelo a
essa discussão, serão apresentados termos que ajudarão na problematização. Tais termos são:
“Preconceito linguístico”, do sociolinguista brasileiro Marcos Bagno, a fim de se tratar da
3 Castilho (2010, p. 179) diz que a denominação “tupinambás” foi dada, genericamente, aos nativos
que habitavam o litoral pelos nossos primeiros cronistas. Será aplicado ao trabalho o uso da palavra Tupinambá, para fazer referência ao povo indígena, e a palavra Tupi, para referenciar a língua
indígena. 4Autor de memórias históricas ou literárias. Em teoria de história é aquele que produz relato sobre um
fato, sem, no entanto, problematiza-lo. 5 Ver na página 8.
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visão que ainda se tem sobre palavras indígenas de origem tupi no português brasileiro, e o
outro é “Colonização linguística”, de Bethânia Mariani, professora e pesquisadora de História
das ideias linguísticas da UFF, sobre a imposição do português sobre o tupi e as línguas
gerais.
A conclusão tem o intuito de ligar os argumentos apresentados ao fato de que ainda
existem palavras indígenas presentes no cotidiano sociocultural da região Norte Fluminense.
2- Os povos indígenas: da linguagem falada na terra antes da chegada dos
portugueses ao desenvolvimento das Línguas Gerais.
Primeiramente, é necessário que se faça uma observação: tudo aquilo que se tem de
informação sobre os índios que habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses vem da
visão dos colonizadores. Não há a possibilidade de buscar a visão do indígena sobre seu modo
de vida, língua, cultura e costumes, porque as línguas indígenas, naquela época, eram ágrafas,
ou seja, não tinham o sistema da escrita. Nota-se, assim, a importância da “Carta de Pero Vaz
de Caminha”, primeiro documento sobre a nova terra descoberta, que descreve a visão dos
primeiros colonizadores, reconhecidos pela Coroa portuguesa, sobre os nativos que habitavam
o litoral.
Desse modo, o que pode ser feito é uma problematização da visão do português-
colonizador, trazendo à baila algumas perspectivas observadas, porém não valorizadas na
narrativa daqueles que escreveram sobre o indígena, tanto no período anterior à colonização
como após o processo.
Para começar a entender a realidade da visão do colonizador, é importante dizer como
eles denominaram o nativo americano em seus primeiros contatos. A começar pelo nome por
meio do qual os europeus designaram os habitantes das terras americanas: “Índio”. Tal forma
de tratamento demonstra, de certa forma, o interesse oficial dos europeus, que era chegar às
Índias, região da Ásia, e ali se estabelecerem comercialmente, como também evidencia que a
diversidade cultural, linguística, social e religiosa desses povos nativos, ou seja, tudo que
fazia parte do cenário cultural dos diversos povos indígenas que aqui habitavam, seja no
litoral, seja no interior, foi desconsiderado em prol da primazia dos interesses comerciais e do
padrão cultural europeu. É o que diz o trecho que segue:
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A denominação índio foi atribuída aos habitantes da América pelos
colonizadores que, durante muito tempo, chamaram a América de Índias
Ocidentais. Essa denominação, além de refletir a visão do colonizador, generaliza e uniformiza grupos nacionais diferentes, apagando as
especificidades de cada nação. (ORIGEM DO NOME ÍNDIO NA AMÉRICA.
Disponível em: http://professoriaias.blogspot.com.br/2014/03/as-antigas-
bandeiras-do-brasil-bandeira.html. Acesso em: 10 de Dezembro 2015)
Embora, genericamente, chamados de índios, os povos que habitavam o “Brasil” eram
diferentes. Segundo Kneip & Mello (2013, p. 21) “(...) a mais evidente prova disso era sua
diversidade linguística”. Segundo muitos linguistas que se dedicam à História do português
brasileiro, entre eles Castilho (2010), havia, na época do Descobrimento do Brasil, cerca de
300 línguas indígenas diferentes; hoje, segundo Castilho (2010), temos cerca de 160.
Apesar da enorme diversidade linguística entre os indígenas, a qual, até os dias de
hoje, não se pode dar conta, convencionou-se, como em Castilho (2010), nos estudos das
línguas indígenas faladas no Brasil, colocarem-nas em troncos linguísticos. Dois são os
troncos aos quais faremos referência ao longo do trabalho. São eles: o Macrojê e o Macrotupi.
O Macrojê, de uma maneira geral, está presente no interior do Brasil; já o Macrotupi, do qual
faz parte a língua tupi, na época da chegada dos primeiros portugueses, era falado pelos índios
que habitavam o litoral brasileiro.
No tronco linguístico Macrotupi, destacam-se os tupinambás. Esse grupo indígena
possuía a forma linguística mais usada na costa do Brasil. Tal língua era usada desde o
Maranhão até a capitania de São Vicente, ou seja, desde o que é o hoje o atual Estado do
Maranhão até o Estado de São Paulo. Apesar do grande espaço territorial, Kneip & Mello
(2013, p. 23), ao falar sobre a velocidade da dispersão dos povos tupis pelo litoral, afirmam
que “as diferenças linguísticas entre o norte e o sul eram mínimas”.
Ao mesmo tempo, sabe-se que a população tupinambá era grande para os padrões
populacionais da época. Alguns estudiosos, como Darcy Ribeiro, citado por Nobre (2011, p.
15) estimam que, ao longo da costa, havia pelos menos um milhão de tupinambás. A partir de
tal entendimento, pode-se compreender a percepção de Nobre (2011, p. 15) ao falar do tupi
como uma interlíngua existente na costa do Brasil. Não é difícil confirmar tal fato quando
confrontamos o número supracitado com os escritos de Frei Vicente do Salvador (1627, p. 16)
sobre o indígena do Brasil e sua linguagem, quando diz:
(...) porque os de S. Vicente até o rio da Prata são Carijós, os de Rio de
Janeiro, Tamoios, os da Bahia, Tupinambás, os do rio de S. Francisco,
Amaupiras, e os de Pernambuco, até o rio das Amazonas Potiguaras, contudo todos falam uma mesma linguagem (...).
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Por outro lado, pode-se verificar que os portugueses se utilizaram largamente da
língua tupi. Sobre tal fato Nobre (2011, p. 16) diz:
(...) considerando-se o imenso contingente indígena com o qual os portugueses
– em número infinitamente menor – se depararam na primeira metade do século XVI, tornava-se uma tarefa inviável tentar impor aos tupinambás – em
número infinitamente maior – a língua portuguesa, completamente estranha
aos nativos e às próprias necessidades de inteligibilidade que as novas terras descobertas – com fauna, flora e cultura muito diferentes da europeia –
demandavam. Além do mais, a costa já possuía uma língua franca, o
tupinambá, não tendo sido difícil aos portugueses perceber que seria muito mais prático eles próprios aprenderem essa língua franca e, com ela,
resolverem seus problemas de comunicação ao longo de quase toda a região
costeira, do que tentar impor, a cada um desses 1 milhão de índios
tupinambás, a língua portuguesa.
Dentro do contexto citado acima (SILVA NETO, 1986 apud NOBRE, 2011, p.16)
destaca o seguinte fato:
Trata-se do fato de a dominação portuguesa, inicialmente, ter sido realizada preponderantemente por homens. Isto porque esses homens portugueses
passaram a manter relações sexuais com as índias brasileiras, dando origem a
filhos mamelucos. Como as mães índias desses filhos mamelucos falavam
tupinambá, seus filhos, naturalmente, aprendiam a língua das mães como primeira língua e, na maioria das vezes, como única língua, pois era com a
família das mães índias que conviviam socialmente, já que a família dos pais
europeus se encontrava na outra margem do Oceano Atlântico, em Portugal.
O emprego de mão de obra exclusivamente masculina na colonização portuguesa
justifica o fato de os portugueses procurarem as índias para contraírem relações sexuais.
Facilitava-se o ato pela prática tupinambá denominada “cunhadismo”, que, segundo Ribeiro
(2004 apud NOBRE, 2011, p.18), consistia em oferecer uma jovem tupinambá em casamento
a alguém estrangeiro a tribo. Ainda segundo Ribeiro (2004 apud NOBRE, 2011, p.18):
A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o
cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à comunidade.
Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a
assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo.
Essa espécie de relacionamento deu origem a uma população mameluca que era
originada de pais portugueses e mães indígenas. Essas pessoas poderiam ter algum contato
com a língua portuguesa por meio de seus pais, mas se sabe que a língua que predominava em
seu vocabulário era aquela aprendida no convívio com a mãe e com a tribo. Logo, havia a
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possibilidade de bilinguismo português-tupi. Entretanto, a maior parte da população mestiça
nascida na costa do Brasil falava o tupi. Entende-se, assim, o relato de Cardim (1894 apud
LEITE, 2013, p. 11):
Em toda esta provincia ha muitas e varias nações de diferentes linguas, porém
uma é a principal, que comprehende algumas dez nações de Índios. Estes
vivem na costa do mar, e em uma grande corda do sertão, porém são todos estes de uma só língua, ainda que em algumas palavras discrepam, e esta é a
que entendem os Portuguezes; é fácil, elegante, e suave, e copioza; a
dificuldade d’ella está em ter muitas compozições; porém dos Portuguezes,
quazi todos os que vêm do Reino e estão cá de assento e comunicam com os Indios a sabem em breve tempo, e os filhos dos Portuguezes cá nascidos a
sabem melhor que o Portuguez, assim homens como mulheres, principalmente
na Capitania de São Vicente.”
Em outra fala, Frei Vicente Salvador aponta para o início de uma gramática da língua
indígena tupi por parte dos jesuítas, especificamente o trabalho do padre José de Anchieta
denominado Arte de Grammática da Lingoa mais usada na costa do Brasil, que possuía a
finalidade de ensinar aos padres jesuítas a língua indígena com a finalidade de catequização.
Sobre tal fato, Vicente do Salvador (1627, p. 16) afirma: “(...) e este (idioma) aprendem os
religiosos que os doutrinam por uma arte de gramática que compôs o padre José de Anchieta,
varão santo da ordem da Companhia de Jesus”.
Pode-se, a partir de então, entender que não houve, a princípio, ou seja, desde o
começo efetivo da colonização em 1532 até os meados do século XVIII, um processo de
colonização linguística. O que se pode verificar é que os portugueses não ensinaram sua
língua aos índios. Antes aprenderam a se comunicar e a usar esse idioma franco da costa
como ferramenta para seu comércio e expansão nas terras que foram denominadas “Brasil”.
Sendo assim, entende-se que a língua falada no litoral do Brasil era aquilo que ficou
denominado pelos jesuítas do séc. XVII como “língua brasílica”.
Por outro lado, no mesmo séc. XVII, a partir da evolução do tupi falado na região de
São Paulo, este um pouco diferente daquele falado nas demais regiões da costa, formou-se
uma língua geral, também conhecida como Língua Geral Paulista (LGP). Nesse contexto,
destacam-se os movimentos das bandeiras de mineração e captura de índios, como bem
mostra a seguinte citação:
O predomínio da LGP nas bandeiras era quase total. E se por toda a parte, onde penetravam, estendiam os domínios de Portugal, não lhe propagavam,
todavia, a língua, a qual, só mais tarde, se introduzia com o progresso da
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administração, com o comércio e os melhoramentos. (SAMPAIO, 1978 apud
LEITE, 2013, p. 20):
No que diz respeito a este trabalho, tais movimentos são de suma importância, pois
deslocaram toda uma população mameluca (falante de língua geral) do litoral para o interior,
e, por conseguinte, levaram consigo todo um contexto de formação de sociedades (a indígena
e a portuguesa), que, naquele tempo, incluía o uso da língua geral. Assim, tanto a língua tupi
(língua brasílica) como a Língua Geral Paulista, específicas das regiões litorâneas, evoluíram,
sofreram alterações e “garantiram-se” como parte da realidade social e linguística da colônia
até meados do séc. XVIII.
Todos esses movimentos demográficos e, consequentemente, linguísticos, afetarão a
região a qual hoje conhecemos por Norte Fluminense. É o que se verá no tópico a seguir.
3- Os contextos populacional e linguístico do indígena do Norte-Fluminense
Para falar sobre o contexto indígena específico do Norte Fluminense, é necessário dar
voz aos autores memorialistas no que diz respeito a sua produção escrita sobre a presença do
índio na região. Quando se olha os argumentos advindos de um macro campo de observação,
perdem-se especificidades inerentes a contextos determinados. No caso específico do contexto
indígena da região Norte Fluminense, deve-se entender que era uma exceção em relação à
presença e à dominação tupinambá. Feydit (2004, p.19), ao citar o relato de Simão de
Vasconcellos, vai destacar a seguinte fala no que diz respeito à região, hoje conhecida como
Campos dos Goytacazes: “habitada toda de várias nações de gente de diversas línguas e pela
maior parte inimigas entre si e tudo casta de tapuias”. Ou seja, ao contrário do que muita
gente pensa, os índios goitacás não eram os únicos que habitavam o espaço do que hoje se
denomina “Norte Fluminense”.
O que significa a palavra “tapuia”, citada por Simão de Vasconcellos? Kury (2001, p.
761), gramático e lexicógrafo brasileiro, atribui à palavra “tapuio” os seguintes significados:
“1. Nome que os tupis davam aos gentios inimigos.
2. Nome por que se designa o indígena bravio.
3. Nome que se dá no Norte ao índio manso ou ao mestiço de índio.
4. Mestiço trigueiro de cabelos pretos.”
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O primeiro dos significados atribuídos por Kury (2001, p. 761) deve ser atentamente
analisado. Tal significado diz respeito à visão que o povo tupinambá tinha dos demais povos.
Entretanto, essa visão não impossibilitou que a língua tupi se expandisse, o que nos leva a crer
que os tupinambás foram muito além de um espaço pré-determinado por seus inimigos, sejam
eles outros indígenas, sejam eles o colonizador. Sendo assim, alguns estudiosos cogitam a
possibilidade de a expansão da língua tupi ter sido efetuada em um curto espaço de tempo.
Kneip & Mello (2013, p. 22-23) colocam a dispersão dos povos tupinambás nos seguintes
termos:
A migração dos povos tupinambás deve ter se dado no sentido norte-sul, por
povoações não muito afastadas umas das outras, formando uma área contínua, em conjunto com outros povos tupis-guaranis localizados no leste amazônico
e no meio norte. De fato, quando os europeus começaram a povoar a América
do Sul, os tupinambás ocupavam três quartos do litoral que hoje correspondem ao Brasil: do Maranhão até São Paulo. As diferenças linguísticas eram
mínimas, o que sugere uma rápida dispersão.
A partir desses fatos, devem-se fazer algumas considerações sobre o termo “tapuio”:
1- havia povos que, antes dos tupis, ocupavam as terras do litoral brasileiro, os quais,
posteriormente, foram vistos como inimigos pelos tupis; 2- especificamente no Norte
Fluminense e em partes do Espírito Santo, havia uma forte resistência à dominação
tupinambá, o que nos leva a crer que “tapuio” era a designação dada a esses resistentes.
Considerando a fala relatada acima por Feydit (2004, p. 19), deve-se entender que
além da resistência empregada pelos tapuias aos tupinambás, também não havia uma
homogeneidade de povos indígenas no Norte Fluminense, como já se falou. Sabe-se da
presença de alguns povos. O principal grupo era o dos índios goitacás, os quais legaram seu
nome à cidade de Campos (dos Goytacazes) e ao distrito de Goitacazes, na mesma cidade.
Há divergências entre os diversos autores sobre a classificação étnico-linguística dos
goitacás. Há quem os coloque como uma família linguística (FERNANDES, 1926 apud
BRAGANÇA JÚNIOR, 1992), e, por conseguinte, coloca os índios guarulhos, puris, coropós
e coroados como parte da família linguística goitacá; por outro lado, também há quem
coloque os goitacás dentro da família puri, a qual, para alguns estudiosos do assunto,
pertenceria ao tronco Macrojê. Esta é a hipótese de Silva Neto (2007, p. 14) que, em seu
trabalho de dissertação de mestrado, afirma:
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A família Puri compreende as línguas Puri, Koropó e Coroado, todas já
mortas. Outros dois possíveis povos pertencentes a esta família eram os
Guarulhos e os Goitacás, estes últimos na região do atual município de Campos.
A título de informação, os goitacás, por sua vez, estariam divididos em três subgrupos,
segundo (VASCONCELLOS apud FEYDIT, 2004, p. 20):
“Tres castas avia d’esta gente, falando agora somente d’ella, e
deixando todas as mais nações, que com ella confinam(...) huns
chamavam Goaitacá-Goaçu, outros Gouitacá Jacoritó e outros
Goaitacá Mopi.”
Alguns fatores podem ser levados em consideração para veicular parentescos e
proximidade, quando não uma unidade linguística entre todas as tribos- puris, coroados,
coropós, guarulhos e goitacás- relatadas até então. É o que veremos nos relatos de
memorialistas, já citados neste trabalho.
Primeiramente, vê-se um relato da dimensão territorial alcançada pelos goitacás.
Entende-se que o território goitacá era vastíssimo. Talvez daí a crença de que eles exerciam
uma hegemonia territorial. Lamego (1974, p. 74), ao citar José Geraldo Bezerra de Menezes
falando sobre o índio goitacá, diz:
Seu habitat era vastíssimo, e não restrito a planície do Paraíba, como em
geral se supõe. Na cobiçada costa brasileira onde as mais aguerridas
tribos tupis somente se mantinham à custa de combates, de Cabo-Frio
ao rio Cricaré, tudo é deles.
Se há possibilidade de entendimento (parentesco) étnico-linguístico entre os goitacás e
os outros povos já citados neste trabalho, vai se observar um território compreendido ainda
maior. Este além do Norte, Noroeste Fluminense, Espírito Santo e que ainda adentraria as
Minas Gerais, fato muito pouco relatado. Ao falar sobre o território dos goitacás por volta do
séc. XVIII, Lamego (1974, p. 84) diz que “pelos meados daquele século, seu território ainda é
vasto. Por mais de cem léguas, espalham-se ainda desde as margens do Paraíba ao Xipotó, na
comarca de Vila Rica, em Minas”.
Após ter uma breve percepção da dimensão territorial onde estavam presentes esses
povos, apresentar-se-ão alguns indícios de unidade entre eles. Encontra-se mais uma vez em
Alberto Lamego (1974, p. 72), importante historiador campista, uma fala de Azeredo
Coutinho, o qual corrobora o processo de unificação de alguns povos indígenas que
habitavam a região Norte Fluminense: “Vencidos em batalha pelos Goitacás, os Coropós são
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por eles assimilados, dando-se o fato original (...) de vencedores e vencidos adotarem
conjuntamente o nome de Coroados”. Pode-se entender desse relato a hipótese de fusão.
Vencida a guerra contra os coropós, os goitacás uniram-se a eles e passaram todos a se
chamar coroados. Tal hipótese faz cair por terra a extinção goitacá pelo extermínio via armas
e pela varíola no séc. XVIII, o que garantirá a presença do índio, no contexto sociocultural da
colônia, por pelo menos mais um século.
Em uma interessante passagem, Feydit (2004, p. 26), ao relatar uma de suas
experiências de juventude, no ano de 1867, já segunda metade do século XIX, em uma
fazenda do Muriaé, diz:
Os índios Goitacazes não eram ateus, eles tinham uma ideia de ser supremo a
quem em ocasiões de trovoadas se dirigiam (...). Pelas 11 horas da noite, estando a trovoada forte, os relâmpagos iluminando de quando as trevas, os
ecos dos trovões a ressoar pelos morros com estampidos medonhos, nos
ouvimos uma cantiga triste, pausada, repassada de melancolia. Indo observar
quem assim cantava, vimos o índio Manoel (nome que lhe havia sido dado).
Observa-se que, a princípio, Feydit inclui o índio na prática religiosa ligada aos índios
goitacás. Após esse primeiro momento, ele expõe outro relato sobre o mesmo índio, desta vez
relacionando-o à tribo dos coroados: “No dia seguinte fomos com o índio caçar (...) O índio
logo que deixou o pasto da fazenda, ao entrar no mato, deixou a calça e a camisa e só
conservou a tanga(...) Era um índio velho, antigo chefe da tribo extinta dos coroados(...)”.
Além disso, Silva Neto (2007, p.14) chama a atenção para um relato de Weid-
Neuweid. Assim está dito:
Entretanto essas três tribos foram a princípio aparentadas, como atesta a
semelhança das línguas (...). As línguas dos Coroados e Coropós são extremamente parecidas, e ambos na sua maior parte, compreendem os Puris.
Nosso jovem coropó, Francisco, falava todas elas.
Ainda falando sobre a questão linguística, é necessário abrir espaço na discussão para
algo importante: A possibilidade de plurilinguismo no litoral brasileiro nos tempos pré-
coloniais e nos tempos iniciais da colonização. Nos dias atuais, verifica-se tal fato (o
prurilinguismo) no Amazonas, no município de São Gabriel da Cachoeira, onde vários povos
indígenas circulam em ampla convivência uns com os outros e costumam dominar mais de
uma língua.
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É provável a possibilidade da existência de relações linguísticas entre tupinambás e
tapuias, tanto para o estabelecimento de comércio como também para defenderem interesses
comuns. Um fato que pode lançar luz sobre tal hipótese é a histórica Confederação dos
Tamoios (1556-1567), na qual os índios goitacás e tapuias lutaram lado a lado com os
Tamoios (tupinambás) contra a tentativa de dominação e escravização por parte dos
portugueses e das tribos indígenas de língua tupi que estavam aliadas ao colonizador
português por meio do “cunhadismo”.
Como tapuias e tupinambás se relacionariam se não houvesse um código de
comunicação em comum? Como estariam juntos em aproximadamente onze anos de guerra
contra os portugueses sem domínio das línguas faladas pelos respectivos povos? Ouso dizer
que a língua, o código comum entre tupinambás e tapuias, era a interlíngua da costa do Brasil,
o tupi.
Sabe-se que a diversidade indígena estava presente entre os povos que habitavam a
região Norte, Noroeste e dos Lagos, que fazem parte atualmente do que se conhece por Estado
do Rio de Janeiro.
Contudo, ao longo do tempo, alguns fatores foram inseridos na realidade dos índios da
região do Norte Fluminense. De uma maneira breve, pode-se dizer que esses índios foram
submetidos ao processo de dominação, vítimas da cobiça dos colonizadores, sedentos em
povoar a planície goitacá e outras regiões, a fim de explorá-las economicamente. Após esse
primeiro momento com o colonizador branco e de cultura europeia, os índios foram
“amansados” por via da captura e depois aldeados e catequizados. Lamego (1974, p. 84)
descreve o processo desta maneira:
A fim de subtraí-los da tirania dos colonos, os jesuítas arrebanham muitos
para a lagoa da Carioca, em Tocos, (...) depois para as aldeias do Cabo Frio, São Pedro de Aldeia e Macaé. Mais tarde, as cidades de São Fidélis, Pádua e
Valença e as vilas de Santo-Antônio-do-Rio-Bonito, Conservatória, e Santa-
Rita também surgirão de seus aldeamentos.
Em todos esses lugares, nos quais os aldeamentos deram origem a povoados e a
cidades, estavam presentes índios associados à cultura goitacá/jê. Apesar de sua presença
cultural e linguística até o século XIX, não restaram muitos vestígios dessa presença na
cultura e, principalmente, no vocabulário do Norte Fluminense.
Esse processo de apagamento evidencia-se com mais força na língua, porque, apesar
de haver, hoje, uma tendência de resgate do português brasileiro em face do europeu, que é a
língua do colonizador, ainda pouco se fala sobre a inserção de palavras oriundas dos troncos
13
linguísticos indígenas nessas gramáticas, mesmo a de linhas linguísticas. No próximo tópico,
apresentaremos indícios da língua tupi que ainda estão presentes do Norte Fluminense e de
que forma eles se inserem no vocabulário da região.
4- Continuidades da língua tupi no léxico da região Norte Fluminense
Este tópico tem o objetivo de mostrar as palavras de origem tupi que ainda são
utilizadas na região Norte Fluminense. Utilizou-se como parte do corpus desta pesquisa o
livro intitulado A linguagem da Baixada Goitacá, de Álano Barcelos, professor e linguista
campista, que foi aluno do grande linguista brasileiro Mattoso Câmara Júnior. O livro do
professor Barcelos tem o mérito de fazer uma compilação, em forma de glossário, de palavras
usadas, na época de sua pesquisa, pelos habitantes da Baixada Goitacá, muitos dos quais são
descendentes de índios que habitavam outrora a região. Além desse corpus, deparou-se,
durante a pesquisa, com textos que chamam a atenção para os inúmeros topônimos de nossa
região que são de origem indígena.
Antes, contudo, faz-se necessário analisar em parte alguns fatos já vistos e acrescentar
ainda outros, a fim de discutir possíveis consequências. Aquilo que até aqui foi apresentado
visa mostrar que o indígena teve, de certa forma, garantida a sua presença no cotidiano
sociolinguístico nos primeiros tempos de colonização. No âmbito linguístico, pôde-se
observar, nas zonas litorâneas, a língua brasílica, que nada mais era que o tupi dos jesuítas e
que, durante certo tempo no Brasil, teve mais aceitação entre a população do que o português.
Dietrich & Noll (2015, p. 82) traçam a utilização do português e da língua brasílica nas
seguintes palavras: “Na época colonial, fora dos centros administrativos como, por exemplo,
Salvador, a língua geral era mais popular que o Português (...)”.
Para referendar seu raciocínio em relação à presença do tupi (língua brasílica) em
relação ao seu uso na colônia, os autores supracitados fazem referência às palavras de
Rodrigues (1986, p.101), que diz:
Foi nas áreas mais afastadas do centro administrativo da colônia (que era a Bahia) que se intensificou e generalizou o uso da língua brasílica como língua
comum entre os portugueses e seus descendentes – predominantemente
mestiços – e escravos (inclusive africanos), os índios tupinambás e os outros
índios incorporados às missões, às fazendas e às tropas; em resumo, toda população, não importa qual a sua origem, que passou a integrar o sistema
colonial.
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Apesar do aparente protagonismo em relação à língua portuguesa, segundo Dietrich &
Noll (2015, p.85) “é preciso compreender que não há continuidade na presença da língua
brasílica da época colonial até a época moderna”. Dietrich & Noll (2015, p. 85-86) continuam
expondo a relação contemporânea entre o tupi e o português da seguinte maneira: “(...) não há
influência tupi nem na fonética, nem na morfologia do português brasileiro. (...) esta só se
reflete no léxico e nos nomes (toponímia, hidronímia, coronímia, antroponímia)”. Esse fato
também é corroborado por Castilho (2010, p.180) que destaca que a contribuição léxica do
tupi-guarani para o português brasileiro foi de “cerca de dez mil vocábulos, constantes em sua
maioria de topônimos e antropônimos, a que se somam substantivos comuns designativos de
vegetais e de animais”. O proeminente linguista paulista apresenta em sua “Nova gramática
do português brasileiro” (2010), de linha funcionalista e sociocognitivista, algumas
contribuições:
(1) Pessoas: caipira, caipora, cacique, pajé, morubixaba, curumim, cunhã.
(2) Comidas: pururuca, puba, pipoca, maracujá, aipim.
(3) Animais, figuras míticas: graúna, colibri, arara, acauã, sabiá, irara, sagui, pium,
jaguar, jacaré, uru, urutau, tatu, muçurana, paca, içá, boitatá, taturana, saracura.
(4) Vegetais: imbira, urucu, tapioca, taquara, araçá, jenipapo, mandioca, mandi,
pitanga, goiaba, taioba.
(5) Moradias: tapera, tipiti, oca, girau.
(6) Topônimos e antropônimos: Iracema, Guaraciaba, Moema, Paraguaçu, Jaçanã,
Maracanã, Guanabara, Canindé, Itu, Araraquara, Jaú, Butantã.
Para entender o fato supracitado, precisa-se, primeiramente, delimitar o tempo de
proeminência da língua brasílica no cotidiano das comunicações nas esferas das regiões
coloniais que não eram o centro administrativo. Tal tempo se restringe do séc. XVI, quando
os jesuítas entraram em contato com os índios e fizeram uma gramática do tupi, nomeando-o
de “língua brasílica”, até meados do séc. XVIII, especificamente, quando o Marquês de
Pombal institui o “diretório dos índios”, que, de uma maneira geral, proibia o uso da língua
brasílica e obrigava a população a utilizar somente o português.
Em segundo lugar, devem-se entender os fatores que levaram a descontinuidade do
processo. Não se pode negar que os colonizadores portugueses entendiam Portugal (Europa)
como a civilização, enquanto as terras do “novo continente” e seus habitantes eram vistos
15
como a barbárie, o primitivo, o lugar do exótico. Sob essa ótica, estavam as línguas ágrafas,
como era inicialmente o tupi, que era uma língua falada, ou seja, oral. Logo, era necessária
uma ação colonizadora também no campo da linguagem.
Dificilmente, hoje, conseguir-se-á vislumbrar todo o processo de desconstrução da
figura do indígena e de suas línguas por parte dos colonizadores, porque o que se tem é a
visão dos próprios colonizadores sobre os seus atos. Acredita-se que muito daquilo que
permeia o imaginário da população brasileira no que diz respeito a seus preconceitos advém
da forma de como se assimilou e aprendeu a visualizar a realidade brasileira através da ótica
do colonizador. Ou seja, o que não era europeu não era visto como civilizado e,
consequentemente, aceito pelo status quo. Essa repulsa ao que é da terra reflete no estudo do
português atual, visto que as nossas gramáticas normativas ainda têm, em sua maioria, o
padrão de escritores portugueses, como se vê em Bechara (2009), o nosso mais famoso
gramático. Em artigo intitulado “Língua, história & sociedade- breve retrospecto da norma-
padrão brasileira”, Bagno (2012, p. 164) corrobora o que se disse:
A notável repulsa da elite brasileira por seu próprio modo de falar o
português encarna, sem dúvida, a continuação no tempo desse espírito
colonialista, que se recusa a atribuir qualquer valor ao que é
autóctone, sempre visto como primitivo e incivilizado.
No caso específico deste trabalho, apresentar-se-á um termo proposto por Bagno
(1999) para a discussão: “Preconceito linguístico”. Segundo Bagno (1999), o preconceito
linguístico é muito comum no Brasil, na medida em que os mais escolarizados só reconhecem
como língua a que eles utilizam. O termo “preconceito linguístico” não é definido pelo seu
criador; entretanto, Bagno (1999) apresenta várias situações nas quais se apresenta o
preconceito linguístico. Vamos a um exemplo citado por Bagno (1999, p. 25-26), que, ao falar
sobre mitos em relação ao preconceito linguístico e também em relação ao ensino da língua
portuguesa do Brasil e suas particularidades, diz:
(...) depois de mais de cento e setenta anos de independência política, continua com os olhos voltados para a norma linguística de Portugal. As regras
gramaticais consideradas “certas” são aquelas usadas por lá, que servem para a
língua falada lá, que retratam bem o funcionamento da língua que os portugueses falam.
Desse modo, surgem as seguintes perguntas: por que, até então, continuamos
estudando pelas regras de Portugal? Somente o português de lá é o correto? As nossas
particularidades não podem ser lavadas em conta? Ou, em relação a este trabalho: por que as
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palavras de origem indígenas não aparecem em nossas gramáticas tradicionais e, por
conseguinte, nas pedagógicas, usadas nos ensinos fundamental e médio? Por que somente
alguns verbetes mais usuais estão presentes nos dicionários de nossa língua, apesar da
contribuição de quase dez mil palavras ao léxico português, como bem disse Castilho (2010)?
A resposta talvez esteja no fato de que ainda se dê, no Brasil, uma grande importância
à cultura de além-mar: antigamente, a europeia, trazida pelos colonizadores portugueses e,
posteriormente, pelos imigrantes que aqui se estabeleceram por vontade própria; hoje, dá-se
importância à cultura estadunidense, inclusive adotando no dia a dia palavras da língua
inglesa. Por outro lado, ignora-se a nossa ascendência indígena- e também por que não a
africana- porque ela traz para a nossa cultura a vergonha de ser incivilizada e não evoluída,
segundo a ótica da cultura europeia, que ainda hoje é etnocêntrica e etnocultural. Nesse
sentido, afirma-se, neste trabalho, que a língua tupi e suas contribuições léxicas para o
português brasileiro sofreram e ainda sofrem preconceito linguístico, na medida em que se
apaga o seu rastro na gramática de nossa língua, tal como se vê em Bechara (2009), cuja
gramática não apresenta sequer uma palavra de origem tupi nas 73 (setenta e três) páginas
dedicadas ao estudo morfológico das palavras de língua portuguesa. Nota-se, claramente, que
o referencial continua sendo o português europeu, visto que se estuda a contribuição grega e
latina.
Outro termo que deve ser trazido para esta pesquisa é “Colonização linguística”,
desenvolvido por Mariani (2003), a qual declara:
Para a metrópole portuguesa, o exercício de uma política unitária de
imposição da língua representava a possibilidade de domesticação e absorção
das diferenças de povos e culturas indígenas que se encontravam fora dos
parâmetros do que se entendia como civilização na época. Para a igreja, sobretudo após o movimento conhecido como contrarreforma católica, o
caminho mais direto para a expansão da evangelização realizava-se através da
adoção do ‘vernáculo local’, no caso, da utilização do tupi, a língua indígena majoritariamente falada na costa do Brasil e que nas primeiras décadas da
colonização era chamada de língua brasílica. É importante lembrar que essa
língua brasílica foi a língua eleita como geral pelos jesuítas e, apesar da
diversidade de línguas indígenas existente, os esforços de gramatização centraram-se fundamentalmente nela. (MARIANI, 2003, p. 76)
Assim, de um lado, estava a Igreja, interessada em expandir a fé católica, de outro, o
Estado Português a fim de garantir a domesticação civilizatória aos indígenas. Inicialmente, a
língua geral brasílica serviu aos propósitos das duas instituições. Mariani (2003, p. 76),
continua dizendo:
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Tanto no caso da coroa portuguesa como no caso da igreja, uma única língua, ou a portuguesa ou a brasílica, era convocada para diluir a diversidade e
civilizar os índios. Seja como for, em ambos os casos o objetivo era o mesmo:
inscrever o índio como um sujeito colonizado cristão e vassalo de El-Rei a partir do aprendizado e utilização de uma só língua.
Esse fato, como já dito, serviu até meados do séc. XVIII, quando o reino de Portugal,
por meio do Marquês de Pombal, resolveu dar uma solução definitiva à questão da linguagem.
A hegemonia portuguesa não poderia ser apenas administrativa e territorial, mas também
cultural, de modo que as ligações ao reino europeu fossem nítidas.
Assim interessava ao reino português que o habitante das terras fosse cristão, submisso
ao rei e falante do português o mais próximo possível do europeu. Guardando ainda um
aspecto, deve-se entender que a proporção da utilização do tupi/língua geral significava
ausência do português, o que abria a possibilidade de o colono não se identificar como parte
de Portugal devido a sua diferente linguagem. Essa falta de identificação poderia,
futuramente, gerar revoltas contra o processo de colonização.
Sobre a colonização linguística, Mariani (2003, p. 77) defende as seguintes palavras:
(...) pois o que importa nas relações de poder que sustentam essas práticas é a
manutenção de um campo de sentidos hegemônicos, cuja função maior se
volta para a regulação jurídica das atribuições, direitos e deveres dos súditos
de sua majestade, bem como a inserção de todos os portugueses em uma
memória comum da hegemonia da língua portuguesa frente ao latim. Assim,
ao se impor a língua portuguesa para os índios, está se impondo também uma
língua com uma memória outra: a do português cristão submisso ao rei.
Ensinar português aos índios objetivando a catequese é silenciar a língua e a
memória de outros povos. Mas ensinar língua geral é também silenciar a
língua portuguesa.
A partir de tal raciocínio, a ideia da era pombalina, no que diz respeito à colonização
linguística, estava circunscrita aos seguintes termos, segundo Mariani (2003, p. 78):
Institucionaliza-se, na colônia, língua portuguesa com SUA memória de
filiação ao latim. O Diretório busca colocar em silêncio a língua geral e seus falantes, caracterizando-a como uma “invenção diabólica”. Não se fala em um
português brasileiro. Ele ou não existe aos olhos da metrópole, ou, se existe,
precisa ser corrigido, melhorado, reformatado de acordo com os moldes
gramaticais portugueses. Aos olhos da metrópole precisa ser a continuidade da imaginária homogeneidade que confere o caráter nacional a Portugal.
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Até aqui se falou sobre a ideia de hegemonia portuguesa e de como ela contribuiu para
o fim do uso da língua indígena no Brasil colonial.
A partir deste momento, deter-se-á em analisar a conjuntura linguística da região
Norte Fluminense.
Apesar de aqui habitarem povos de outras nações que não a tupinambá, como foi
destacado anteriormente, pode-se observar a presença de vários termos ligados à cultura tupi
pela região. Como, por exemplo, nos topônimos apresentados por Bragança Junior (1992):
Guaxindiba (Praia do litoral de São Francisco do Itabapoana) – grafado por Teodoro
Sampaio Guaxenduba, de guachi-dyba, as vassouras em abundância, o sítio das
vassouras.
Morangaba (Distrito de Campos)– vila – de moran(ga) e gaba, a beleza, a
formosura, o encanto;
Quixaba (Localidade do 5º Distrito de São João da Barra) – vila – de keçaba, o ninho,
o lugar de dormir, cama, rede.
Conceição de Macabu – cidade – de macab-u, a macaba preta ou arroxeada. Macaba é
o fruto da palmeira Acrocomia sclerocarpia. Trata-se da mescla do elemento religioso
português – Nossa Senhora da Conceição – com a denominação indígena devido à
existência do fruto da palmeira;
Tapera (Bairro da cidade de Campos) – povoado – de tab-éra, a aldeia extinta, a
ruína, lugar onde existiu um povoado.
Cambaíba (Localidade na cidade de Campos) – ou de caámbayba, a embaúba da mata
ou de camba, planta + yba, a árvore do cambaí, o cambaizeiro;
Jurubatiba – de yuruba, a palmeira, jerivá e tyba, abundância, i.e., abundância de
jerivás.
Afora as palavras catalogadas e descritas pelo autor acima, podem ser citados também:
“Imbetiba” (Bairro da cidade de Macaé), “Carapebus” (município da região Norte
Fluminense), Açu (Distrito de São João da Barra), Cambuci (município da região Norte
Fluminense), Imburi (distrito de São Francisco de Itabapoana).
Podemos citar também a presença de etimologias tupis em nomes de rios que cortam o
Norte Fluminense, onde se tem, por exemplo, os rios Paraíba e Itabapoana.
Vale a pena ressaltar que, segundo relatos de alguns memorialistas, a região sofreu com
o processo de implantação do português, mesmo antes das normatizações prescritas por
Pombal no século XVIII, devido a fatores como a presença dos Viscondes de Assecas e a
proximidade e as relações comerciais estabelecidas com o “centro administrativo”( Rio de
19
Janeiro), as quais, ao fim e ao cabo, fizeram com que o português fosse falado mais cedo na
planície goitacá.
Contudo, as palavras de origem tupi podem ser vistas, hoje, em pleno século XXI, não
só nos topônimos e nos nomes de rios. Elas estão presentes no cotidiano do habitante do
Norte Fluminense no vocabulário ligado à fauna, à flora, ao folclore, dentre outros. Inclusive,
algumas dessas palavras são encontradas, segundo (MACHADO DE OLIVEIRA, 1936 apud
LEITE, 2013, p. 151-187), no denominado Vocabulário Elementar da Língua Geral Brasílica
(V.E.L.G.B). São exemplos a palavra “tapioca” (Tipyóca no V.E.L.G.B.), que quer dizer
“polvilho” e é muito comum na culinária do interior de São João da Barra e de São Francisco
do Itabapoana. Outras palavras presentes no V.E.L.G.B dizem respeito a peixes encontrados
na região, como o “baiacu”, o “curumatan” e a “acará”. Sobre a fauna, o V.E.L.G.B nos
apresenta “cururu”, para designar o sapo, e “urubu”, para ave carnívora.
Ligado à fauna e ao folclore campistas, o Vocabulário do curso de Tupi antigo da USP
(ver o anexo deste trabalho) designa “Îakaré” para falar sobre o animal jacaré; já o V.E.L.G.B
apresenta palavra “Ururau” para designar jacaré. São muito comuns, na região de Campos, as
histórias sobre o Ururau da Lapa, que, segundo relatos dos antigos, era um grande jacaré que
fazia toda a região do bairro da Lapa tremer. Este mesmo nome (Ururau) é utilizado pela
escola de samba campista, sediada no bairro da Lapa.
Ainda, ao pesquisar a obra “A Linguagem da baixada Goitacá”, de Barcelos (1992),
podem ser observados, no glossário disponibilizado, termos falados na baixada campista que
são oriundos do tupi como a palavra “Guaraciaba” que significa “loura”, segundo Barcelos
(1992, p. 26). O mesmo glossário de Barcelos (1992, p. 27) apresenta a palavra “inconhado”
para fazer referência àquilo que está ligado, junto. Tal termo é advindo do tupi “i kõe”, que
significa aquele que é gêmeo. Daí advém uma expressão muito popular para pessoas que não
se desgrudam, ou seja, são “bananas inconhas”.
Outra palavra presente no V.E.L.G.B é “guacha” que traz o significado como “criança
?”, sendo a interrogação a ideia de significado incompleto. O glossário de Barcelos (1992, p.
27) traz a palavra “guaxo”, que significa filho sem mãe.
O V.E.L.G.B faz referência a palavra “juquiá”, usada para designar um instrumento de
pesca utilizado por alguns pescadores na baixada goitacá.
Apesar do processo de imposição da língua portuguesa entre os diversos povos
indígenas da região Norte Fluminense, a influência do tupi (Língua Brasílica) ainda é
presente. Diante disso, é difícil concordar com a limitação de Dietrich e Noll (2015, p. 85-86)
que afirmam: “(...) não há influência tupi nem na fonética, nem na morfologia do português
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brasileiro. (...) esta só se reflete no léxico e nos nomes (toponímia, hidronímia, coronímia,
antroponímia)”. Talvez o que falte seja um estudo mais acurado sobre a língua tupi e seus
subsistemas linguísticos em face do português brasileiro. Castilho (2010, p.180) chama a
atenção para esse fato quando diz que “não se comprovou algum tipo de influência fonológica
ou gramatical, estando pendente de mais pesquisas a eventual importação pelos paulistas do
“r” retroflexo dos índios do tronco macrojê”. Pode-se pensar que isso também ocorra em
relação à língua tupi.
O Norte Fluminense guarda peculiaridades no que tange às palavras indígenas de
origem tupi. Essas palavras estão vivas e presentes na fauna, na flora, na culinária, no
folclore, na toponímia, na hidronímia, na coronímia, na antroponímia, ou seja, no imaginário e
no cotidiano de toda uma população. Elas representam não só uma história que, infelizmente,
foi silenciada pelo colonizador, mas também a memória linguística de um povo que, apesar de
não mais existir em suas terras, faz-se presente na língua falada dos que hoje habitam a
região. Nesse sentido, reconhecer a contribuição das línguas indígenas no português brasileiro
é dar voz àqueles que por esta terra lutaram.
5- Conclusão
Baseado em tudo que foi discutido até aqui, chegou- se à conclusão de que ainda há
uma presença considerável de palavras de origem tupi no português brasileiro, apesar de elas
não estarem presentes na gramática normativa da língua. Pode-se afirmar tal fato, pois o tupi,
que já era forte e presente nas regiões litorâneas do Brasil, ganhou força pelo uso e
assimilação, tanto por parte dos colonizadores como pelos religiosos no contexto de sua
chegada ao Brasil. Tal força perdeu-se no tempo, por motivos já citados, mas ainda o tupi se
faz presente no vocabulário do povo de determinadas regiões, como é o caso do da Norte
Fluminense.
Se, por um lado, o tupi e as línguas gerais foram proibidos, por outro, sabe-se que a
cultura está no campo daquilo que Braudel (1992) denominou “Longa duração”, por isso o
tupi (língua brasílica) continuou sendo falado durante muito tempo em várias regiões do país.
A língua geral paulista só foi extinta pelo menos um século depois do “diretório dos índios”,
e a língua geral amazônica deu origem ao Nheengatu. Consciente ou inconscientemente,
houve, a princípio, uma resistência em aceitar a língua do “tapuio” colonizador.
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Após entender questões relativas ao preconceito linguístico existente em relação às
palavras de origem tupi no português brasileiro e também depois de falar sobre o processo de
colonização linguística, chega-se ao ponto ao qual se verifica que a toponímia, a hidronímia,
alguns termos do vocabulário da Baixada Goitacá, bem como o vocabulário elementar da
língua brasílica, em certa medida, fazem parte do cotidiano do cidadão brasileiro habitante do
Norte-Fluminense. Logo, necessita-se de um estudo mais apurado sobre as influências
fonológicas e gramaticais da língua tupi no português brasileiro.
Por fim, acredita-se que este trabalho venha contribuir, assim como outros já citados,
para uma melhor compreensão da questão da língua tupi no português brasileiro. Passaram-se
os séculos, mudou o mundo. Aquilo que era antes visto como incivilizado e bárbaro, hoje, é
cultura. Sendo assim, cabe aos professores de língua portuguesa arrancar esse arame farpado
que impede, ainda hoje, o tupi de ser visto como parte integrante e importante do português
brasileiro.
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VOCABULÁRIO TUPI-PORTUGUÊS DO CURSO ELEMENTAR DE TUPI ANTIGO.
Disponível em: http://tupi.fflch.usp.br/node/5. Acesso em 19 de Fevereiro de 2016.
23
Anexo
VOCABULÁRIO TUPI-PORTUGUÊS DO CURSO ELEMENTAR DE
TUPI ANTIGO5
Os substantivos pluriformes serão indicados, geralmente, em seu tema, com (t-, r-, s-) entre
parênteses
e os adjetivos pluriformes em seu tema com (r-,s-). Os verbos pluriformes aparecerão com (s).
abá - homem, pessoa, índio
-aba - sufixo substantivador, podendo também significar “lugar”
kukuî - ficar caindo, ficar-se desprendendo (o fruto, o cabelo, etc.)
abaré - padre
abati - milho
a’e - ele (a,es,as)
ãîa (t-, r-, s-): t-ãîa - dente; xe r-ãîa - meu dente; s-ãîa - seu dente
aíb - ruim, mau
aîuru - variedade de papagaio
akaîu - caju
akub (r-s-) - quente: xe r-akub – eu estou quente; s-akub – ele está quente; itá-akub-a -
pedra quentepedra quente
akuti - cutia
amana - chuva
aoba - roupa
(a)pé (r-s-): pé - caminho, estrada; xe r-apé - meu caminho; s-apé - caminho dele
apek (s) - sapecar, chamuscar, queimar ligeiramente
pem - anguloso
apó (s-r-s): s-apó - raiz; xe r-apó - minha raiz; s-apó - raiz dele
‘ar - cair
arará - arará (variedade de formiga)
asab (s) - atravessar, cruzar
asé - a gente; da gente, nosso (a, os, as)
atã (r-s-) - duro: xe r-atã – eu sou duro; s-atã – ele é duro; itá-atã – pedra dura
atá (t-r-s-): t-atá - fogo; xe r-atá - meu fogo; s-atá - fogo dele
aûsub (s) - amar
bebé - voar
berab - brilhar; brilhante
byr - levantar-se, erguer-se
e’em (r-s-) - doce
eíra - mel
emimotara (t-r-s-): t-emimotara - vontade; xe r-emimotara - minha vontade; s-
emimotara - vontade dele
5 VOCABULÁRIO TUPI-PORTUGUÊS DO CURSO ELEMENTAR DE TUPI ANTIGO. Disponível em: http://tupi.fflch.usp.br/node/5. Acesso em 19 de Fevereiro de 2016.
24
endé - tu
endy (t-, r-s-): t-endy - luz; xe r-endy - minha luz; s-endy - luz dele
epîak (s) - ver
era (t-, r-, s): t-era - nome; xe r-era - meu nome; s-era - nome dele
ere - prefixo número-pessoal de pessoa do singular
-etá - muitos (as)
etama (t-, r-,s-): t-etama - região, terra; xe r-etama - minha terra; s-etama - terra dele
eté (r-s-) - muito bom, verdadeiro, genuíno: xe r-eté – eu sou verdadeiro; s-eté – ele é
verdadeiro; abá-eté – homem verdadeiro
eté (t-r-s-): t-eté - corpo; xe r-eté - meu corpo; s-eté - seu corpo
gûaîbim - velha
gûarinim - guerreiro
-gûasu - sufixo de aumentativo: -ão, grande
guatá - caminhar, caminhada
gûeîyb - descer
gûyrá - pássaro
i - ele, ela, eles, elas; seu, sua, seus, suas
-’i - sufixo de diminutivo: -inho, pequeno
-’im - sufixo de diminutivo: -inho, pequeno
îagûara - onça
îakaré - jacaré
îandé - nós (inclusivo); nosso (a, os, as)
îasy - lua
îebyr - voltar
ikó - estar, morar
iperu - tubarão
itá - pedra
ityk - atirar
îub - amarelo
îuk - podre
îuká - matar
îukyra - sal
ixé - eu
îy - machado
ka’a - mata
kaî - queimar
kane’õ - cansado
kanga - esqueleto, osso (enquanto está no corpo)
kapibara - capivara
kariîó - carijó - nome de grupo indígena
katu - bom
ker - dormir
komandá - fava
kopir - carpir
kûá - enseada
kûara - buraco, toca
kuî - cair, desprender-se (o fruto, o cabelo, etc.)
kunhã - mulher
kunhã-muku-’im - mocinha
kunumim - menino
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kunumim-gûasu - moço
kuruba - bolota, grão, caroço
kuruk - resmungar, resmungão
kururu - sapo
kutuk - espetar, furar
kyririm - silencioso
kysé - faca
Maíra - nome de entidade mitológica dos antigos índios da costa que serviu para designar
os franceses, que os índios supunham ser criaturas sobrenaturais. Significa, assim, também,
francês.
mba`e - coisa; ser bruto
mboîa - cobra
mbotyra - flor
-me - forma nasal de -pe - em , para
mena - maridomena
mirim - pequeno
moabaré - tornar padre, fazer padre
moakub - esquentar
moendy - iluminar, acender
moeté - honrar; legitimar, louvar
moîebyr - fazer voltar
mombak - fazer acordar
mondó - fazer ir
mondykyr - fazer gotejar, destilar
monger - fazer dormir
monhang - fazer
mopaîé - tornar pajé, fazer ser pajé
morubixaba - chefe, cacique
mosem - fazer sair
murukuîá - maracujá
nde - tu; teu (a), teus (as)
ne - tu; teu (a), teus (as)
nem - fedorento
nha’em - prato
nhan - correr
nhandu - ema
nhe’eng - falar
nhe’enga - fala, idioma, língua, palavra
Nhoesembé - Nhoesembé, antigo nome indígena de Porto Seguro, na Bahia
nhum - campooby (r-s-) – verde: xe r-oby – eu sou verde; s-oby – ele é verde; ka’a-oby –
mata verde
oka (r-s-): oka - casa; xe r-oka - minha casa; s-oka - casa dele
oré - nós (exclusivo); nosso (os, a, as)
oro - prefixo número-pessoal de pessoa do plural exclusiva
paîé - curandeiro
pak - acordar
paka - paca
panem - imprestável
pará - rio grande; mar
paranã - mar; rio grande
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pari - canal para apanhar peixes
pe - prefixo número-pessoal de pessoa do plural
-pe - em, para (geralmente locativo)
pe - vós; vosso (os, a, as)peasaba - porto, embarcadouro
peb - achatado
peem - vós
pereba - feridaperó - português
petyma - fumo, tabaco
petymbu - fumarpindá - anzol pinda‘yba - vara de pescar
pindoba - variedade de palmeira
pirá - peixe pira - pele
pitanga - criança
pok - estourar
por - pular
porang - belo, bonito
pororok - explodir
potim - camarão
pu - barulho, ruído
pûer - passado, velho, superado, que já foi
pupé - dentro de
pyrang - vermelho
pysyk - pegar, apanhar
pytá - ficar
ram - futuro, promissor, que vai ser
sem - sair
siri - siri
só - ir
sok - socar, pilar
sorok - rasgar, rasgar-se
suí – de (origem, causa, proveniência)
supé - para (pessoa)
sy - mãe
syk - chegar
sykyîé - temer, ter medo
syryk - escorregar
taba - aldeia
taîasu - porco (do mato)
takûara - taquara, variedade de bambu
taperá - andorinha
tapi’ira - anta
tapiti - coelho
tatu - tatu
-te - mas, porém
tim - bico, nariz, saliência
ting - branco
tobatinga - barro branco como cal, barreira branca
tororoma - jorro, borbotão
tukana - tucano
tukura - gafanhoto
Tupã - Deus
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ty - rio, água, líquido
tyba - ajuntamento
tyîuka - pântano, lodo
tykyra - gota, pingo
tyryk - escapulir
u’i - farinha-ûasu - sufixo de aumentativo: -ão, grande
ugûy (t-r-s-): t-ugûy - sangue; xe r-ugûy - meu sangue; s-ugûy - sangue dele
un (r-s) - preto, escuro: xe r-un – eu sou preto; s-un – ele é preto; abá-un-a – homem preto
upaba - lago
uru - vasilha
uruku - nome de planta que fornece tinta vermelha para tingir o corpo, urucu-usu - sufixo de
aumentativo: -ão, grande
xe - eu; meu(s), minha (as)
‘y - água, rio
‘ybá - fruta, fruto
ybaka - céu
yby - terra
ybyrá - árvore; madeira; arco
ybytyra - montanha
ygara - canoa
ygarusu - navio
ysy (t-, r-, s-): t-ysy - fila, fileira; xe r-ysy: minha fileira; s-ysy - fileira deles
‘ytab - nadar