uma agenda globalmente estruturada para a educação

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7/14/2019 Uma agenda globalmente estruturada para a Educação http://slidepdf.com/reader/full/uma-agenda-globalmente-estruturada-para-a-educacao 1/2 Uma agenda globalmente estruturada para a Educação  A tese da "agenda globalmente estruturada para a educação" (AGEE) busca estabelecer mais claramente as ligações existentes entre as mudanças na política e prática educativas e as da economia mundial. Roger Dale (2001), proponente da tese, entende a globalização como um conjunto de dispositivos político-econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista em detrimento de qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios é veiculada por meio de pressão econômica com base na qual as forças econômicas operam transnacionalmente. A conformação dessa espécie de governação supranacional estende-se por três conjuntos de atividades: econômicas (caracterizadas pelo hiperliberalismo), políticas (visando a governação sem governo) e culturais (marcadas pela mercadorização e consumismo). A governança, entendida como a capacidade de implementar de forma eficiente as políticas públicas, tornou-se objetivo-chave de organismos internacionais (OI), como o Banco Mundial, por exemplo. Nesse processo, de seu ponto de vista, os três grandes blocos de poder – Europa, América do Norte e Ásia – competem para manter e fazer avançar suas estratégias de acumulação de capital. A globalização não representaria, pois, a hegemonia de uma nação, a americanização do planeta, mas de um sistema – o capitalista – que triunfou. Não havendo dúvidas sobre as forças em presença e sobre o coração da disputa, é necessário discutir acerca das idéias-força que compõem o ideário da AGEE. Podemos elencar as noções de provisão, financiamento, avaliação, regulação, gestão, controle e desresponsabilização do Estado, seja pela descentralização da execução das políticas, seja pela determinação de seus compromissos por agenda definida pela economia política global. Considera-se importante refletir sobre a problemática do Estado nesse movimento, posto que, não sendo o único sujeito instituinte do político (Bruno, 2002), é, contudo, necessário como mediador dessas relações. Talvez por esse caminho possamos compreender a imposição internacional para sua reforma. No bojo da denominada modernização do Estado, agências internacionais, como se sabe, propõem a adoção da administração gerencial tanto para racionalizar o gasto público quanto para administrar professores. Na mesma linha, Gandini e Riscal (2002) argumentam que a reforma do Estado foi induzida por fatores exógenos. O Consenso de Washington (1989), entre outros acontecimentos, impôs a regulamentação do campo social de acordo com a nova ordem econômica, ademais de pretender operar mudanças conceituais, canalizando as aspirações sociais e a ação comunitária por meio de projetos que não permitissem a ultrapassagem em relação às metas estabelecidas. No horizonte, está a problemática da governabilidade, razão pela qual o Estado busca legitimação e coesão social, difíceis dada a política que desenvolve de supressão de benefícios sociais historicamente conquistados, em particular no Brasil. Defendendo-se a idéia de Estado mínimo, ficou, entretanto, evidenciado o seu recuo não propriamente no que respeita à definição das políticas públicas, mas no financiamento das políticas sociais, no estímulo à privatização da educação, saúde, previdência, habitação, saneamento e na transferência da sua responsabilidade de provedor para a sociedade civil, procurando envolver movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs) e sindicatos, catalisando a capacidade gerencial da esfera social, sob a forma de parcerias entre outras. De outro lado, à autonomia reiterada no discurso, correspondem a descentra-lização das questões operacionais e a centralização das questões estratégicas. Este trabalho examina e relação entre globalização e educação. Para o fazer, contrasta duas abordagens dessa relação, uma designada "Cultura Educacional Mundial Comum" que foi desenvolvida ao longo de vários anos pelo professor John Meyer e seus colegas da Universidade de Stanford (Califórnia), outra referida como "Agenda Globalmente Estruturada para a Educação" que é desenvolvida pelo autor deste trabalho. Enquanto a primeira conota uma sociedade, ou política, internacional constituída por Estados-nação individuais autónomos, a segunda implica especialmente forças económicas operando supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstróem as relações entre as nações. Defende-se que as duas abordagens diferem consideravelmente em cada uma das dimensões-chave da relação entre globalização e educação. Assim, diferem também na adequação das explicações que propiciam para o fenómeno da globalização.  A reforma do Estado seria uma resposta a problemas como o fracasso, a ineficiência, a precariedade, a negligência, entre outros, que colocavam em xeque sua capacidade de governar. Procurava-se, pois, testar sua capacidade racionalizadora (Gandini; Riscal, 2002). A relação entre essa reforma e os organismos internacionais não é tão simples de entender. Seu papel relaciona-se diretamente à idéia de gover-nação global. Para Dale (2001), "se um Estado-nação específico não é capaz de implementar as políticas adequadas [...] as estruturas da sociedade mundial providenciarão a respectiva ajuda" (p. 163) – financiarão, monitorarão e prescreverão os caminhos que tornarão mais eficiente o desempenho da máquina governamental. Tal estratégia recebe o nome de "administração gerencial de resultados" (CLAD, 1998), por oposição à administração burocrática, e se refere à capacidade de gerenciar a esfera social, os conflitos e as desigualdades sociais, ademais da capacidade de ser um eficiente gerenciador da receita tributária. O documento Global knowledge for local solutions (s.d.), do Banco Mundial, ilustra o que acima afirmamos: considera filantropia internacional a proposta de transferência de sua tecnologia de fazer reformas. Globalização hegemónica e contra-hegemónica- Citando Boaventura Sousa Santos Globalização hegemónica e contra-hegemónica- Citando Boaventura Sousa Santos  Um dos debates actuais gira em redor da questão de saber se há uma ou várias globalizações. Para a grande maioria dos autores, só há uma globalização, a globalização capitalista neoliberal, e por isso não faz sentido distinguir entre globalização hegemónica e contra-hegemónica. Havendo uma só globalização, a resistência contra ela não pode deixar de ser a localização auto-assumida. Segundo Jerry Mander, a globalização económica tem uma lógica férrea que é duplamente destrutiva. Não só não pode melhorar o nível de vida da esmagadora maioria da população mundial (pelo contrário, contribui para a sua pioria), como não é sequer sustentável a médio prazo.  Ainda hoje a maioria da população mundial mantém economias relativamente tradicionais, muitos não são "pobres" e uma alta percentagem dos que são foram empobrecidos pelas políticas da economia neoliberal. Em face disto, a resistência mais eficaz contra a globalização reside na promoção das economias locais e comunitárias, economias de pequena-escala, diversificadas, auto-sustentáveis, ligadas a forças exteriores, mas não dependentes delas. Segundo esta concepção, numa economia e numa cultura cada vez mais desterritorializadas, a resposta contra os seus malefícios não pode deixar de ser a reterritorialização, a redescoberta do sentido do lugar e da comunidade, o que implica a redescoberta ou a invenção de actividades produtivas de proximidade. Esta posição tem-se traduzido na identificação, criação e promoção de inúmeras iniciativas locais em todo o mundo. Consequentemente é hoje muito rico o conjunto de propostas que, em geral, podíamos designar por localização. Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visam criar ou manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, assentes em relações face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade e regidos por lógicas cooperativas e participativas. As propostas de localização incluem iniciativas de pequena agricultura familiar ( Berry, 1996; Inhoff, 1996), pequeno comércio local (Norberg-Hodge, 1996), sistemas de trocas locais baseado em moedas locais (Meeker-Lowry , 1996), formas participativas de auto-governo local (Kumar, 1996; Morris, 1996). Muitas destas iniciativas ou propostas assentam na ideia de que a cultura, a comunidade e a economia estão incorporadas e enraizadas em lugares geográficos concretos que exigem observação e protecção constantes. É isto o que se chama bio-regionalismo (Sale,1996).  As iniciativas e propostas de localização não implicam necessariamente fechamento isolacionista. Implicam, isso sim, medidas de protecção contra as investidas predadoras da globalização neoliberal. Trata-se de um "novo proteccionismo": a maximização do comércio local no interior de economias locais, diversificadas e auto-sustentáveis e a minimização do comércio de longa distância (Hines e Lang, 1996: 490). O novo proteccionismo parte da ideia de que a economia global, longe de ter eliminado o velho proteccionismo, é, ela própria, uma táctica proteccionista das empresas multinacionais e dos bancos internacionais contra a capacidade das comunidades locais de preservarem a sua própria sustentabilidade e da natureza. O paradigma da localização não implica necessariamente a recusa de resistências globais ou translocais. Põe, no entanto, o acento tónico na promoção das sociabilidades locais. É esta a posição de Norberg-Hodge (1996), para quem é necessário distinguir entre estratégias para pôr freio à expansão descontrolada da globalização e estratégias que promovam soluções reais para as populações reais. As primeiras devem ser levadas a cabo por iniciativas translocais, nomeadamente através de tratados multilaterais que permitam aos Estados nacionais proteger as populações e o meio ambiente dos excessos do comércio livre. Ao contrário, o segundo tipo de estratégias, sem dúvida, as mais importantes, só pode ser levado a cabo através de múltiplas iniciativas locais e de pequena escala tão diversas quanto as culturas, os contextos e o meio ambiente em que têm lugar. Não se trata de pensar em termos de esforços isolados e antes de instituições que promovam a pequena escala em larga escala.

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7/14/2019 Uma agenda globalmente estruturada para a Educação

http://slidepdf.com/reader/full/uma-agenda-globalmente-estruturada-para-a-educacao 1/2

Uma agenda globalmente estruturada para a Educação  A tese da "agenda globalmente estruturada para a educação" (AGEE) busca estabelecer mais claramente as ligações existentes entre as mudanças napolítica e prática educativas e as da economia mundial. Roger Dale (2001), proponente da tese, entende a globalização como um conjunto dedispositivos político-econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista em detrimentode qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios é veiculada por meio de pressão econômica com base na qual as forçaseconômicas operam transnacionalmente. A conformação dessa espécie de governação supranacional estende-se por três conjuntos de atividades:econômicas (caracterizadas pelo hiperliberalismo), políticas (visando a governação sem governo) e culturais (marcadas pela mercadorização econsumismo). A governança, entendida como a capacidade de implementar de forma eficiente as políticas públicas, tornou-se objetivo-chave deorganismos internacionais (OI), como o Banco Mundial, por exemplo. Nesse processo, de seu ponto de vista, os três grandes blocos de poder –Europa, América do Norte e Ásia – competem para manter e fazer avançar suas estratégias de acumulação de capital. A globalização nãorepresentaria, pois, a hegemonia de uma nação, a americanização do planeta, mas de um sistema – o capitalista – que triunfou.Não havendo dúvidas sobre as forças em presença e sobre o coração da disputa, é necessário discutir acerca das idéias-força que compõem o ideário

da AGEE. Podemos elencar as noções de provisão, financiamento, avaliação, regulação, gestão, controle e desresponsabilização do Estado, seja peladescentralização da execução das políticas, seja pela determinação de seus compromissos por agenda definida pela economia política global.Considera-se importante refletir sobre a problemática do Estado nesse movimento, posto que, não sendo o único sujeito instituinte do político (Bruno,2002), é, contudo, necessário como mediador dessas relações. Talvez por esse caminho possamos compreender a imposição internacional para suareforma.No bojo da denominada modernização do Estado, agências internacionais, como se sabe, propõem a adoção da administração gerencial tanto pararacionalizar o gasto público quanto para administrar professores. Na mesma linha, Gandini e Riscal (2002) argumentam que a reforma do Estado foiinduzida por fatores exógenos. O Consenso de Washington (1989), entre outros acontecimentos, impôs a regulamentação do campo social de acordocom a nova ordem econômica, ademais de pretender operar mudanças conceituais, canalizando as aspirações sociais e a ação comunitária por meiode projetos que não permitissem a ultrapassagem em relação às metas estabelecidas. No horizonte, está a problemática da governabilidade, razãopela qual o Estado busca legitimação e coesão social, difíceis dada a política que desenvolve de supressão de benefícios sociais historicamenteconquistados, em particular no Brasil.Defendendo-se a idéia de Estado mínimo, ficou, entretanto, evidenciado o seu recuo não propriamente no que respeita à definição das políticaspúblicas, mas no financiamento das políticas sociais, no estímulo à privatização da educação, saúde, previdência, habitação, saneamento e natransferência da sua responsabilidade de provedor para a sociedade civil, procurando envolver movimentos sociais, organizações não governamentais(ONGs) e sindicatos, catalisando a capacidade gerencial da esfera social, sob a forma de parcerias entre outras. De outro lado, à autonomia reiterada

no discurso, correspondem a descentra-lização das questões operacionais e a centralização das questões estratégicas.• Este trabalho examina e relação entre globalização e educação. Para o fazer, contrasta duas abordagens dessa relação, uma designada

"Cultura Educacional Mundial Comum" que foi desenvolvida ao longo de vários anos pelo professor John Meyer e seus colegas daUniversidade de Stanford (Califórnia), outra referida como "Agenda Globalmente Estruturada para a Educação" que é desenvolvida peloautor deste trabalho. Enquanto a primeira conota uma sociedade, ou política, internacional constituída por Estados-nação individuaisautónomos, a segunda implica especialmente forças económicas operando supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, asfronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstróem as relações entre as nações. Defende-se que as duas abordagens diferemconsideravelmente em cada uma das dimensões-chave da relação entre globalização e educação. Assim, diferem também na adequaçãodas explicações que propiciam para o fenómeno da globalização.

 A reforma do Estado seria uma resposta a problemas como o fracasso, a ineficiência, a precariedade, a negligência, entre outros, que colocavam emxeque sua capacidade de governar. Procurava-se, pois, testar sua capacidade racionalizadora (Gandini; Riscal, 2002). A relação entre essa reforma eos organismos internacionais não é tão simples de entender. Seu papel relaciona-se diretamente à idéia de gover-nação global. Para Dale (2001), "seum Estado-nação específico não é capaz de implementar as políticas adequadas [...] as estruturas da sociedade mundial providenciarão a respectivaajuda" (p. 163) – financiarão, monitorarão e prescreverão os caminhos que tornarão mais eficiente o desempenho da máquina governamental. Talestratégia recebe o nome de "administração gerencial de resultados" (CLAD, 1998), por oposição à administração burocrática, e se refere à

capacidade de gerenciar a esfera social, os conflitos e as desigualdades sociais, ademais da capacidade de ser um eficiente gerenciador da receitatributária. O documento Global knowledge for local solutions (s.d.), do Banco Mundial, ilustra o que acima afirmamos: considera filantropia internacionala proposta de transferência de sua tecnologia de fazer reformas.

Globalização hegemónica e contra-hegemónica- Citando Boaventura Sousa SantosGlobalização hegemónica e contra-hegemónica-Citando Boaventura Sousa Santos 

Um dos debates actuais gira em redor da questão de saber se há uma ou várias globalizações. Para a grande maioria dos autores, só háuma globalização, a globalização capitalista neoliberal, e por isso não faz sentido distinguir entre globalização hegemónica e contra-hegemónica.Havendo uma só globalização, a resistência contra ela não pode deixar de ser a localização auto-assumida.

Segundo Jerry Mander, a globalização económica tem uma lógica férrea que é duplamente destrutiva. Não só não pode melhorar o nível devida da esmagadora maioria da população mundial (pelo contrário, contribui para a sua pioria), como não é sequer sustentável a médio prazo.

 Ainda hoje a maioria da população mundial mantém economias relativamente tradicionais, muitos não são "pobres" e uma alta percentagemdos que são foram empobrecidos pelas políticas da economia neoliberal. Em face disto, a resistência mais eficaz contra a globalização reside napromoção das economias locais e comunitárias, economias de pequena-escala, diversificadas, auto-sustentáveis, ligadas a forças exteriores, mas não

dependentes delas.Segundo esta concepção, numa economia e numa cultura cada vez mais desterritorializadas, a resposta contra os seus malefícios não podedeixar de ser a reterritorialização, a redescoberta do sentido do lugar e da comunidade, o que implica a redescoberta ou a invenção de actividadesprodutivas de proximidade.

Esta posição tem-se traduzido na identificação, criação e promoção de inúmeras iniciativas locais em todo o mundo. Consequentemente éhoje muito rico o conjunto de propostas que, em geral, podíamos designar por localização. Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visamcriar ou manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, assentes em relações face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidadee regidos por lógicas cooperativas e participativas. As propostas de localização incluem iniciativas de pequena agricultura familiar ( Berry, 1996; Inhoff,1996), pequeno comércio local (Norberg-Hodge, 1996), sistemas de trocas locais baseado em moedas locais (Meeker-Lowry , 1996), formasparticipativas de auto-governo local (Kumar, 1996; Morris, 1996). Muitas destas iniciativas ou propostas assentam na ideia de que a cultura, acomunidade e a economia estão incorporadas e enraizadas em lugares geográficos concretos que exigem observação e protecção constantes. É isto oque se chama bio-regionalismo (Sale,1996).

 As iniciativas e propostas de localização não implicam necessariamente fechamento isolacionista. Implicam, isso sim, medidas de protecçãocontra as investidas predadoras da globalização neoliberal. Trata-se de um "novo proteccionismo": a maximização do comércio local no interior deeconomias locais, diversificadas e auto-sustentáveis e a minimização do comércio de longa distância (Hines e Lang, 1996: 490).

O novo proteccionismo parte da ideia de que a economia global, longe de ter eliminado o velho proteccionismo, é, ela própria, uma táctica

proteccionista das empresas multinacionais e dos bancos internacionais contra a capacidade das comunidades locais de preservarem a sua própriasustentabilidade e da natureza.O paradigma da localização não implica necessariamente a recusa de resistências globais ou translocais. Põe, no entanto, o acento tónico

na promoção das sociabilidades locais. É esta a posição de Norberg-Hodge (1996), para quem é necessário distinguir entre estratégias para pôr freio àexpansão descontrolada da globalização e estratégias que promovam soluções reais para as populações reais. As primeiras devem ser levadas a cabopor iniciativas translocais, nomeadamente através de tratados multilaterais que permitam aos Estados nacionais proteger as populações e o meioambiente dos excessos do comércio livre. Ao contrário, o segundo tipo de estratégias, sem dúvida, as mais importantes, só pode ser levado a caboatravés de múltiplas iniciativas locais e de pequena escala tão diversas quanto as culturas, os contextos e o meio ambiente em que têm lugar. Não setrata de pensar em termos de esforços isolados e antes de instituições que promovam a pequena escala em larga escala.

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7/14/2019 Uma agenda globalmente estruturada para a Educação

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Esta posição é que mais se aproxima da que resulta da concepção de uma polarização entre globalização hegemónica e globalizaçãocontra-hegemónica aqui proposta. A diferença está na ênfase relativa entre as várias estratégias de resistência em presença. Em minha opinião, éincorrecto dar prioridade, quer às estratégias locais, quer às estratégias globais. Uma das armadilhas da globalização neoliberal consiste em acentuar simbolicamente a distinção entre o local e o global e ao mesmo tempo destruí-la ao nível dos mecanismos reais da economia.

A acentuação simbólica destina-se a deslegitimar todos os obstáculos à expansão incessante da globalização neoliberal, agregando-os atodos sob a designação de local e mobilizando contra eles conotações negativas através dos fortes mecanismos de inculcação ideológica de quedispõe. Ao nível dos processos transnacionais, da economia à cultura, o local e o global são cada vez mais os dois lados da mesma moeda como, deresto, salientei acima. Neste contexto, a globalização contra-hegemónica é tão importante quanto a localização contra-hegemónica.

 As iniciativas, organizações e movimentos que acima designei como integrantes do cosmopolitismo e do património comum da humanidade,têm uma vocação transnacional mas nem por isso deixam de estar ancorados em locais concretos e em lutas locais concretas. A advocaciatransnacional dos direitos humanos visa defendê-los nos locais concretos do mundo onde eles são violados, tal como a advocacia transnacional daecologia visa pôr cobro a destruições concretas, locais ou translocais, do meio ambiente. Há formas de luta mais orientadas para a criação de redes

entre locais, mas obviamente elas não serão sustentáveis se não partirem de lutas locais ou não forem sustentadas por elas. As alianças transnacionais entre sindicatos de trabalhadores da mesma empresa multinacional, a operar em diferentes países, visam

melhorar as condições de vida em cada um dos locais de trabalho, dando mais força e mais eficácia às lutas locais dos trabalhadores.É neste sentido que se deve entender a proposta de Chase-Dunn (1998), no sentido da globalização política dos movimentos populares de

modo a criar um sistema global democrático e colectivamente racional.O global acontece localmente. É preciso fazer com que o local contra-hegemónico também aconteça globalmente. Para isso não basta promover apequena escala em grande escala. É preciso desenvolver, como propus noutro lugar (Santos, 1999) uma teoria da tradução que permita criar inteligibilidade recíproca entre as diferentes lutas locais, aprofundar o que têm em comum de modo a promover o interesse em alianças translocais e acriar capacidades para que estas possam efectivamente ter lugar e prosperar.

 À luz da caracterização do sistema mundial em transição que propus acima, o cosmopolitismo e o património comum da humanidadeconstituem globalização contra-hegemónica na medida em que lutam pela transformação de trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada. Estatransformação tem de ocorrer em todas as constelações de práticas, mas assumirá perfis distintos em cada uma delas. No campo das práticasinterestatais, a transformação tem de ocorrer simultaneamente ao nível dos Estados e do sistema interestatal. Ao nível dos Estados trata-se detransformar a democracia de baixa intensidade, que hoje domina, pela democracia de alta intensidade. Ao nível do sistema interestatal, trata-se de promover a construção de mecanismos de controlo democrático através de conceitos como o de cidadaniapós-nacional e o de esfera pública transnacional.

No campo das práticas capitalistas globais, a transformação contra-hegemónica consiste na globalização das lutas que tornem possível a distribuiçãodemocrática da riqueza, ou seja, uma distribuição assente em direitos de cidadania, individuais e colectivos, aplicados transnacionalmente.

Finalmente, no campo das práticas sociais e culturais transnacionais, a transformação contra-hegemónica consiste na construção domulticulturalismo emancipatório, ou seja, na construção democrática das regras de reconhecimento recíproco entre identidades e entre culturasdistintas. Este reconhecimento pode resultar em múltiplas formas de partilha - tais como, identidades duais, identidades híbridas, interidentidade etransidentidade - mas todas elas devem orientar-se pela seguinte pauta transidentitária e transcultural: temos o direito de ser iguais quando a diferençanos inferioriza e de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.