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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
RAIMUNDO WILLIAM TAVARES JÚNIOR
UM VIVEIRO DE MESTRES:
A Escola Normal e a Cidade de Belém do Pará em Tempos de Modernização (1890-1920)
DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO 2012
RAIMUNDO WILLIAM TAVARES JÚNIOR
UM VIVEIRO DE MESTRES: A Escola Normal e a Cidade de Belém do Pará em
Tempos de Modernização (1890-1920)
Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em História Social, sob a orientação da Professora Drª Estefânia Knotz Canguçu Fraga.
SÃO PAULO 2012
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
DRª ESTEFÂNIA KNOTZ CANGUÇU FRAGA – PUC-SP (Orientadora)
_______________________________________________
DRª OLGA BRITES – PUC-SP (Examinadora Interna)
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DR. ANTÔNIO CHIZZOTTI – PUC-SP (Examinador Interno)
_______________________________________________
DRª ROSA FÁTIMA DE SOUZA – UNESP (Examinadora Externa)
_______________________________________________
DR. AGENOR SARRAF PACHECO – UFPA (Examinador Externo)
_______________________________________________
DRª HELOISA DE FARIA CRUZ – PUC-SP (Examinadora Suplente)
________________________________________________
DR. MÁRIO MÉDICE COSTA BARBOSA – IFPA (Examinador Suplente)
Nos três primeiros tempos, o silêncio, apenas cortado por vultos muito
distantes e mudos. No quarto e último, o cenário vai ficando mais nítido.
Algumas vozes vão se transformando em risos, gargalhadas. Subitamente elas
e eles estão em toda parte. Nas escadas, biblioteca, saindo e entrando do prédio
solene. Fazendo flerte ao passar pelas ruas. Agora a escola está lotada de
jovens mulheres ou mulheres jovens, correndo dentro de salas, gabinetes,
corredores, num barulho e numa multidão de rostos e cheiros, que ocupam todo
o pensamento. Entre elas, vó Marieta, e também as crianças das escolas
anexas. Uma tensão entre as continuidades da já velha instituição e o ar com
cheiro de chuva e mangas das mudanças que chegam da cidade, através de suas
janelas e da respeitosa porta. Uma sincera homenagem e respeito a essas e a
esses normalistas e demais responsáveis pelo cotidiano da Escola Normal.
Sujeitos com os quais foi possível dialogar através da inquietação do presente
que fez sacudir tempos e documentos passados.
Raimundo William Raimundo William Raimundo William Raimundo William Tavares JúniorTavares JúniorTavares JúniorTavares Júnior
Para Marietta Bastos Brasílico, Avó e Normalista, pela possibilidade aberta de rever experiências passadas, rejuvenescer a história e reatar laços de amizade.
AGRADECIMENTOS
Meus efusivos agradecimentos aqueles, sem os quais esse trabalho seria impossível de
realização:
À Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), Universidade da Amazônia
(UNAMA), especialmente na pessoa da professora Núbia Maciel. Ao Instituto para o
Desenvolvimento da Amazônia (FIDESA) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Ensino Superior (CAPES), pelo financiamento da pesquisa;
Ao Instituto de Educação Estadual do Pará (IEEP), representado pela professora Maria
Ferreira e sua equipe de trabalho pelo suporte material, incentivo e carinho;
Ao Arquivo Público do Estado do Pará, nas pessoas de Rosa Maria de Lima Silva
Correa e Roseana Pinheiro da Silva, que mostraram nesses quatro anos serem exemplo de
profissionalismo, paciência e atenção;
À minha orientadora Estefânia Canguçu Knotz Fraga e professores do Programa de Pós-
Graduação em História da PUC/SP, especialmente à Heloísa de Farias Cruz, exemplo de calor
humano e coerência profissional;
Um agradecimento muito especial à Marcinha, amiga de várias décadas, Ribamar e
Mônica que me proporcionaram hospitalidade, carinho e amizade nesse São Paulo a quem
aprendi a amar;
Aos meus colegas de doutorado, Aninha, Nataniel, especialmente Leandra e André, que
se transformaram em grandes e inestimáveis amigos;
Aos meus familiares, minha torcida organizada, especialmente a minha querida mãe
Maria Lúcia, Raimundo, meu pai, meus irmãos Luiz, Lilian e Sérgio, esses dois últimos
imprescindíveis nos cuidados dos pequenos Stuart e Kharin, quando precisei inúmeras vezes me
ausentar;
As agruras da vida seriam mais pesadas sem a existência de inestimáveis amigos, os
quais tive a felicidade de encontrar, como Raimunda de Oliveira Messias, Guilherme Carvalho,
Rui Guilherme Carvalho Pinheiro, Valderí Cardoso de Figueiredo e Verônica Mara de Farias,
essa última, responsável pela impressão desse trabalho. A eles todos meus mais sinceros abraços.
Esse trabalho dificilmente seria concluído sem o olhar lúcido, pedagógico e amigo de
Agenor Sarraf Pacheco, exemplo de ética, dedicação e entusiasmo pela História, que acompanhou
arduamente o desenrolar dessa pesquisa, desde o seu projeto até o seu final. Um agradecimento
que dificilmente poderá ser traduzido em palavras;
Ao se tratar nesse trabalho de um tema relacionado à educação, aproveito para agradecer
a todos os professores que ao longo desses anos foram responsáveis pela minha formação
acadêmica. Dentre eles, Maria Ruth Guimarães, minha primeira professora, normalista e a quem
devo a minha alfabetização. Maria Leocila Callado do Valle, pelo carinho que me proporcionou
nos primeiros passos do curso primário.
Wilton Moreira, que ajudou a despertar minha paixão pela História, Catarina, Regina
Conceição e, especialmente, Fernando Tocantins Penna, que me fez descobrir os encantos do
idioma francês. Dentro desse seleto grupo, com professor Leão, dei os primeiros passos na
Biologia e com Selma Santa Alice, enfrentei e ultrapassei as dificuldades da Matemática. Todos
eles foram referência durante o meu curso ginasial;
Aos professores do Ensino Médio, antigo Segundo Grau, agradeço nas pessoas de
Marize, que quase me fez cursar Sociologia, e Mergulhão, que me mostrou uma maneira menos
dolorosa de estudar Matemática.
Aos professores do Curso de História da Universidade Federal do Pará, agradeço minha
formação, especialmente a Benedito Nunes, Anaíza Vergolino e Silva, Ruth Bulamarqui de
Moraes e Maria de Nazaré Sarges, que me fizeram compreender o sentido da vida acadêmica;
Não poderia deixar de agradecer, especialmente, ao meu orientador de mestrado, Ciro
Flamarion Santana Cardoso, da Universidade Federal Fluminense, pela brilhante erudição e uma
prática pedagógica raramente encontrada;
Enfim, a todos os meus colegas do Curso de Comunicação Social da Universidade da
Amazônia, que formaram uma expressiva e alegre torcida para a conclusão dessa tese, entre
ela(e)s, merecem destaque: Neuza Pressler, Manuela, Alda, Ana Prado, Ivana e Ivânia, Vera,
Stela Pojuci, Vânia, Arlene, Marcus Vinícius Leite e Rogério e demais professores.
RESUMO
Em fevereiro de 1890 era criada em Belém, no Estado do Pará, através de um decreto da República, a Escola Normal (EN). Embora os republicanos tenham ressaltado o fato como uma grande novidade, ela já tinha sido criada e extinta outras vezes, durante o regime monárquico desde 1871. Difícil foi não se espantar entre a grandiloquência do decreto e a tentativa de fato de sua instalação sem prédio próprio, equipamentos e, até mesmo, sem professores. No entanto, apesar dessa improvisação, ela foi se estabelecendo, criando raízes e rizomas, infiltrando-se na vida da cidade e de sua gente, gestando longa tradição. Este trabalho, no desejo de compreender esses diferentes e tensos movimentos políticos, educacionais e socioculturais urdidos no Pará, discute o fazer-se da Escola Normal na cidade de Belém, entre 1890 a 1920, período em que discursos e práticas de modernização atingiram e se confrontaram com modos de vida tradicionais paraenses. A partir de documentos legislativos, educacionais e jornais paraenses, rastreados no Arquivo Público do Estado, no Centur e no Arquivo do IEEP, interpretados sob a lente teórica de intelectuais dos Estudos Culturais, a pesquisa revela os imbricamentos, dependências, influências e conflitos das experiências construídas na EN por seus diferentes sujeitos históricos com ações e intervenções dos poderes públicos constituídos no Estado. Considerando que a escola assentou-se sob as bases de uma cidade em transformação, os diálogos e tensões ali foram contínuos e recíprocos. Portanto, para interpretar razões, motivações e sentidos do (re)nascimento da Escola Normal nos finais do século XIX e duas primeiras décadas do século XX, igualmente sondar desenvolvimentos e contradições vivenciados em torno da infraestrutura, organização curricular, constituição do corpo funcional, critérios de ingresso da(o)s aluna(o)s e professores, origem social e étnica da(o)s aluna(o)s, além de símbolos e rituais, foi preciso inseri-la nos intercâmbios com a vida urbana. PALAVRAS-CHAVE: Escola Normal; Modernização; Belém do Pará; Educação e Cidade; História e Cultura.
ABSTRACT
In February 1890 it was established in Belém, Pará State, through a Republic decree, the Normal School (EN). Even though the republicans have highlighted this as a great novelty, it had already been created and extinguished at other times during the monarchy since 1871. Difficult was not to be surprised with the grandiloquence of the decree and the attempt to actually install it without a proper building, equipment and even without teachers. However, despite this improvisation, it was settling down, putting down roots and rhizomes, infiltrating in the life of the city and its people, gestating long tradition. This work, with the desire to understand these different movements and tense political, educational and social movements done in Pará, discusses the make up of the Normal School in Belém, from 1890 to 1920, period in which discourses and practices of modernization reached and clashed with traditional lifestyles from Pará. Through legal, newspapers and educational documents from Pará, surveyed in the Public Archives of the State, at Centur and at the IEEP Files, interpreted through the theoretical lens of Cultural Studies, the research reveals the connections, dependencies, influences and conflicts of experiences that were built at EN by its different historical subjects with actions and interventions of government. Whereas the school sat on the foundations of a city in flux, the dialogues and tensions there were continuous and reciprocal. Therefore, to interpret the reasons, motivations and meanings of (re) birth of the Normal School in the late nineteenth century and first decades of the twentieth century, and equally to understand its developments and also contradictions experienced around the infrastructure, curriculum organization, constitution of the functional body, the entry criteria of the student and teachers, social and ethnic origin of the student, as well as symbols and rituals, it was necessary to insert it in exchanges with urban life. KEYWORDS: School Normal; Modernization; Belém do Pará; City and Education; History and Culture.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................12 CAPÍTULO – I: A ESCOLA NA CIDADE ............................................................................25 1.1. Algumas Palavras para Começar......................................................................................25 1.2. (Re)nasce a Escola Normal: percepções do primeiro diretor .........................................28 1.3. A Cidade em Modernização...............................................................................................31 1.3.1. As Transformações do Espaço Urbano...........................................................................32 1.3.2. Diversidades e Relações de Sujeitos Sociais na Cidade.................................................41 a) Encontros.................................................................................................................................43 b) Desencontros e Submissões: Entre Polícia e Higiene..........................................................47 1.4. Entre o Trono e a “Ordem e Progresso”...........................................................................57 CAPÍTULO – II: A ESCOLA NORMAL: Histórias e Trajetó rias.......................................76 2.1. As Escolas Normais...............................................................................................................76 2.2. A Escola Normal Republicana:“Viveiro de Mestres”.......................................................84 2.2.1. As Instalações......................................................................................................................85 2.2.2. Organização e Currículo....................................................................................................94 2.3. Agentes Escolares e seus Perfis...........................................................................................109 a) Diretores e Funcionários........................................................................................................109 b) Os Professores: “raio de luz que esclareça as consciências”..............................................116 CAPÍTULO III: A(O)S ALUNA(O)S EM CONFLITOS .......................................................127 3.1. Os Critérios de Ingresso e Exames.................................................................................... 127
3.2. As Alunas Predominam......................................................................................................131 3.3. Expandir ou Elitizar?.........................................................................................................136 3.4. Origem Social e Étnica da(o)s Normalistas......................................................................138 3.5. Conflitos e Acomodações.....................................................................................................152 CAPÍTULO IV: REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NAS LENTES DA CIDADE ..........177 4.1. Relações entre Escola e Instituições..................................................................................177 4.2. A Escola entre Símbolos e Ritos.........................................................................................193 4.3. A Escola nos Olhares da Cidade........................................................................................202 a) Autoridades Públicas............................................................................................................ 202 b) Opinião Pública......................................................................................................................204 4.4. Futuro do Pretérito..............................................................................................................223 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................225 DESCRIÇÃO DAS FONTES....................................................................................................236 REFERÊNCIAS..........................................................................................................................244
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INTRODUÇÃO
Este trabalho procura relacionar a Escola Normal do Estado do Pará1, entre 1890 e
1920, com o processo de modernização da cidade de Belém do Pará. Pretende-se ultrapassar
a narrativa de uma história institucional e dialogar com as modificações ocorridas na cidade e
as adaptações e conflitos internos, que os diversos sujeitos sociais da instituição vivenciaram,
em função das mudanças atravessadas pelo modo de viver urbano na virada do século
passado.
As balizas cronológicas explicam-se porque o ano de 1890, quando se inicia esta
pesquisa, é um divisor de águas em relação à importância que a escola Normal passa adquirir.
Esse estabelecimento de ensino, que tinha sido anunciado desde 1839, criado em 1871 para
ser extinto logo no ano seguinte, recriado em 1874, anexado ao Liceu em 1885, a partir de
1890, ganhar um prédio próprio em 1893, passando a ser prestigiada pelas autoridades e
sofrendo significativo aumento nas matrículas, principalmente por parte das mulheres.
Analisar os trinta anos seguintes a sua refundação pelos republicanos, é fundamental
para comparar a escola durante o intenso processo de modificações urbanas e o refluxo dessa
modernização,2 a partir de 1911, com a queda do preço da borracha e a consequente
diminuição de receitas sobre a exportação da administração pública. Como as instituições
juntamente com os sujeitos que a compõem nem sempre respondem imediatamente aos
fatores externos, os nove anos após a derrocada da exportação do látex em 1911, condição de
sustentação das mudanças dentro do espaço urbano, servirão como objeto de análise das
modificações dentro da escola.
O título: “Um viveiro de Mestres” faz referencia a uma expressão usada pelo
governador Lauro Sodré sobre a EN em sua mensagem dirigida em 1º de agosto de 1917 ao
1 A partir de agora se utilizará em alguns momentos a expressão abreviada – EN. 2 Entende-se modernização enquanto um conjunto de processos sociais gestado por descobertas científicas, revoluções industriais, transformações demográficas, urbanização acelerada, os movimentos de massa impulsionados pelo mercado mundial. Algo sempre em movimento, a partir dos séculos XV e XVI, cuja intensidade manifesta-se em tempos presentes. Processo esse altamente polimorfo e excludente capaz de conviver com temporalidades culturais distintas e sofrer, portanto, resistências, enfrentamentos e negociações por parte de uma ampla gama de sujeitos sociais. A modernidade seria a experiência histórica dessas modificações. Ver CASTRO, Fábio Fonseca de. A cidade Sebastiana: era da borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da modernidade. Belém: Edições do Autor, 2010. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. ANDERSON, Perry. “Modernidade e Revolução”. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.º 14, fev. 1986, pp. 2-15. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008 (Ensaios Latino-americanos, 1).
13
Congresso Legislativo do Pará3. Acredita-se que essa expressão resuma em poucas palavras
como a escola foi vista pelas autoridades e, não necessariamente pelo público externo ao
longo dos trinta anos de funcionamento abordados por essa pesquisa.
Dito isso, tentar-se-á responder algumas questões principais, entre outras, ao longo
desta pesquisa como, por exemplo: Quais as relações entre os agentes de modernização da
cidade de Belém e os diversos sujeitos sociais que constituíram a Escola Normal entre 1890 e
1920? De que maneira os grandes traços da modernização afetaram os sujeitos sociais que
habitavam a cidade e a escola? Como reagiram os sujeitos envolvidos nesse processo com as
relações de negociação, conflito e assentimento entre eles? Quais as representações que os
sujeitos sociais fizeram da modernização e da educação?
A inquietação que levou a este tema partiu da necessidade de se formular um projeto
de pesquisa que contemplasse a história regional e/ou paraense para ser apresentado como
parte das exigências ao concurso para professor visitante de História no Departamento de
História da Universidade Federal do Pará em 1996. Assim, se tentou aproveitar a experiência
vivida como professor inicialmente de francês e posteriormente de história do Instituto
Estadual de Educação do Estado do Pará, nome atual da antiga Escola Normal, entre 1982 e
1989 e depois na segunda metade dos anos 1990 e relacioná-la com a questão de gênero,
assunto muito discutido naquele momento.
O projeto foi aprovado pela UFPA e quando surgiu a oportunidade de se participar
da seleção de doutorado para a Pontifícia Universidade Católica em 2007, foi reformulado
com a ajuda inestimável da Profª Drª Estefânia Canguçu Fraga e, principalmente, do Prof. Dr.
Agenor Sarraf Pacheco, tendo sido posteriormente aprovado no processo seletivo para
doutorado no programa de Pós Graduação em História Social, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, em 2007.
No decorrer do ano de 2008, à luz das discussões realizadas nos Seminários e
Tópicos Temáticos no Doutorado na PUC/SP, especificamente com o Seminário Avançado II,
ministrado pela Profª Drª Heloisa de Farias Cruz, que abordava as relações entre História e
Cultura, evidenciou-se a possibilidade de estreitar diálogos com os Estudos Culturais4 para
3 Mensagem dirigida em 1º de agosto de 1917 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, Governador do Estado, p. 64. 4 De acordo com Hall, entendem-se como Estudos Culturais uma série de trabalhos realizados ou uma formação discursiva, que problematiza sujeitos e grupos nas suas mais variadas relações sociais contemporâneas. Para este autor, os “estudos culturais [seriam] uma área onde diferentes disciplinas interagem, visando aspectos culturais da sociedade”. Nesses quadros, os Estudos Culturais surgem após uma discussão a respeito do marxismo ortodoxo nos anos 50, na Grã Bretanha. São fundamentais nesse grupo os conceitos de cultura e hegemonia utilizados ao longo desse trabalho. HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. 2ª reimpressão. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2008, p.138; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. “Estudos Culturais:
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entender a cidade de Belém5 como território de múltiplas expressões culturais e as relações
estabelecidas com a Escola Normal, mediadas pelo processo de modernização que atravessou
o tecido urbano, especialmente entre os anos de 1897 e 1911.
A temática da modernização, então, traspassava o entendimento do fazer-se da
cidade e da escola. Sobre a dimensão desses tempos idos, García Canclini faz entender que a
modernização na América Latina não seria apenas um processo de mudanças ocorridas num
território ligadas à industrialização, tecnificação da produção agrária, uma organização
sociopolítica baseada na racionalidade formal e material. Não seria também:
“um simulacro urdido pelas elites e pelos aparelhos estatais. As oligarquias liberais do final do século XIX e início do XX teriam feito de conta que constituíam Estados, mas apenas organizaram algumas áreas da sociedade para promover um desenvolvimento subordinado e inconsistente... deixando de fora enormes populações indígenas e camponesasuma mestiçagem interclassista gerou formações híbridas em todos os estratos sociais. Os impulsos secularizadores e renovadores foram mais eficazes nos grupos ‘cultos’, mas certas elites preservam seu enraizamento nas tradições hispânico-católicas e, em zonas agrárias, também em tradições indígenas (...)”. 6
Dessa forma longe de negar a exclusão de amplas camadas da população das
benesses do processo de modernização altamente concentrado como em toda sociedade de
classes, enfatiza-se também o caráter híbrido e, portanto contendo elementos de um modelo
alienígena com práticas culturais específicas de cada localidade onde se efetivou. Algumas
práticas modernizadoras são apropriadas por diversos grupos sociais em Belém como a
uma introdução” In: JOHSON, Richard et al. O que é, afinal, Estudos Culturais? 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Os principais autores nesse campo, trabalhados nessa pesquisa, são: Raymond Williams, E. P. Thompson, Richard Hoggart e mais recentemente, na América Latina: Jesus Martín-Barbero, e Néstor García Canclini, Ainda, segundo Hall, os Estudos Culturais surgem após uma discussão a respeito do marxismo ortodoxo nos anos 50, na Grã Bretanha. São fundamentais nesse grupo os conceitos de cultura e hegemonia utilizados ao longo desse trabalho. 5 Trabalha-se aqui a cidade como: “(...) territórios que condicionam múltiplas experiências pessoais e coletivas.” MATOS, Maria Izilda Santos de. A Cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: SP: EDUSC, 2007. Aproveitou-se também, nessa obra, de uma discussão a respeito de uma historiografia sobre o estudo das cidades. Ver também: Revista de Estudos Regionais e Urbanos: Cidade e História do Núcleo de estudos Regionais e Urbanos n. 34. São Paulo : Brasiliense.1991 e ainda, FENELON, Dea Ribeiro. “Introdução” In: FENELON, Dea Ribeiro (org.) Cidades. Programa de Estudos Pós-Graduados em História São Paulo: Olho d’Água, nov.1999. Para a autora “a cidade nunca deve surgir como um conceito urbanístico ou político, mas sempre encarada como lugar da pluralidade e da diferença, e por isto constitui muito mais do que o simples espaço de manipulação do poder (...)”. Pode-se acrescentar que os traços culturais comuns ou mesmo de hibridação também são múltiplos e responsáveis pela coesão social. Ver: GARCIA CANCLINI, Néstor. Op. Cit.. Para reformas em outras cidades do Brasil no período como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santos, Recife, Salvador, Manaus, Fortaleza, Belém, ver o Capítulo 1: Efemérides da Modernidade no rastreamento do processo de modernização em algumas cidades do Brasil de PANTOJA, Letícia Souto. Au Jour le Jour – cotidiano, moradia e trabalho em Belém (1890 a 1910).Dissertação (Mestrado em História Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. Muito útil também à compreensão da cidade em tempos de modernidade, nos seus aspectos comunicacionais e de memórias foi CASTRO, Fábio Fonseca de. Op. Cit. 6 GARCIA CANCLINI. Op. Cit., pp. 25 e 73-74
15
higienização de corpos e habitações, mas por outro lado, mesmo as elites acabam impondo
certa resistência como no cuidado do lixo nas vias públicas, por exemplo.
No Pará republicano, as modificações ocorridas no espaço urbano e educacional
foram atreladas à visão de progresso dos chamados positivistas, divulgada principalmente, no
meio militar, através da pregação do professor Benjamin Constant Botelho de Magalhães e do
desejo de grandes frações das elites locais – leitores também de Conte, Spencer, Gobineau etc.
Pretendia-se uma adequação do Brasil a um modelo do que seria considerado civilizado como
a Europa Ocidental e nos EUA, especialmente seguir orientações da França, Inglaterra e
Alemanha. É preciso lembrar, contudo, que na constituição desse modelo havia um intenso
diálogo com a cultura local.
Nestes termos, o processo modernizador, ocorrido no território urbano, consistiu
basicamente de reformas de embelezamento e de erradicação das inúmeras doenças, algumas
de importação europeia como a peste e a varíola e outras mais de caráter tropical, como a
febre amarela e o sarampo. No corolário/palimpsesto dessas mudanças encontros entre
diversos modos de vida tanto da região como alhures fizeram-se sentir, alterando projetos,
discursos e práticas.
Para essa modernização, que deixava de fora amplos setores da população mais
pobre, era necessária que a hegemonia7 se efetuasse de forma persuasiva, embora sem
esquecer também seu caráter repressivo. Como fator de persuasão, além de práticas culturais8
comuns entre elites e camadas populares, o aparato educacional era fundamental,
principalmente numa escola de formação de professores.
Assim, a proposta desse trabalho que, inicialmente enfatizava a questão de gênero,
modificava-se para a inserção da instituição educacional dentro da cidade de Belém e suas
várias interfaces. Manteve-se então, o estudo de gênero9 agora como algo tangencial e, mais
especificamente, dentro de um capítulo.
7 Entende-se hegemonia como “um processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em que representa interesses que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas” e que “(...) não há hegemonia, mas sim que ela se faz e desfaz, se refaz permanentemente num ‘processo vivido’, feito não só de força, mas também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução e de cumplicidade”. IN: MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. p.112. 8 Entende-se cultura: “como um processo social constitutivo, que cria ‘modos de vida’ específicos e diferentes, que poderiam ter sido aprofundados (...) foram (...) com freqüência... substituídas na prática por um universalismo abstrato” In: WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura . Rio de Janeiro: Zahar, 1979, pp. 21-24. 9 Para a discussão de gênero enquanto conceito relacional e que não prescinde da interação com classe, etnias e idades ver principalmente o já clássico trabalho de SCOTT, Joan. Gênero, uma categoria útil para análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 15, n.2 jul/dez. 1990, os de: LOURO, Guacira Lopes. “Gênero e educação: teoria e política”. In: LOURO et al (org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate
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Acredita-se que esse é um estudo pioneiro, pois embora fique situado no campo da
História da Educação, ao dialogar com os Estudos Culturais e acompanhar as modificações da
instituição e os diálogos e conflitos entre ela e a cidade, amplia o campo da história
institucional.
Em relação ao levantamento das obras a respeito do Ensino Médio e das Escolas
Normais no Brasil é fundamental reportar-se a Villela e Gondra & Schueler.10 Entre os
trabalhos mais recentes que se aproximam desse tema pode-se apontar a tese de doutorado de
Carlos Fernando Ferreira da Cunha Jr, publicada em 2008 com o título de O Imperial
Collegio de Pedro II e o ensino secundário da boa sociedade brasileira, entre 1837 e
188911. Embora a tese defenda que o Colégio Pedro II fazia parte de um projeto maior do
grupo político conservador denominado de Saquarema de sustentação hegemônica, e,
portanto, de preparo educacional de sua elite dirigente, servindo de modelo para o resto do
Brasil, Cunha Júnior centra a maior parte do seu trabalho nos aspectos internos institucionais
do colégio.
Apenas no capítulo 4: “Os conhecimentos no Imperial Collegio de Pedro Segundo”,
o autor estabelece conexões entre esses conhecimentos e sua aplicação num contexto de
ocupação de espaços políticos dentro do regime imperial. O curso do Colégio Pedro II serviria
como vestíbulo ou bilhete de entrada para os diversos cargos políticos, sejam do legislativo,
judiciário, executivo e, até mesmo, do moderador, argumento utilizado por Cunha Júnior que
segue perspectiva já formulada por José Murilo de Carvalho.
contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. SCOTT. Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. S. Paulo: Unesp, 1992. ROSEMBERG, Fúlvia. “Educação formal em mulher: balanço parcial da bibliografia” In COSTA, Albertina & BRUCHINI, Cristina. Uma questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. MELO, Clarice Nascimento em: representações do Feminino, disponível em: http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/125ClariceNascimentoMelo: Acesso em: 11/11/2010. Neste texto, a autora emite uma análise das questões de gênero no mesmo período deste trabalho. Importantes também para dialogar com a questão são alguns dos inúmeros grupos de pesquisa que se debruçam sobre a questão gênero e educação como: o Núcleo de Estudos Culturais: histórias, memórias e perspectivas do presente do Programa de Pós Graduação de História da PUC/SP; Núcleo de Estudos da Mulher PUC/SP; Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Paraná; Núcleo de Pesquisas e História Cultural da Universidade Federal Fluminense- Nupehc-; Linha de Pesquisa Gênero, Subjetividades e Cultura Material da área de História Cultural do Programa de Pós-Graduação em História do IFCH da UNICAMP; sem esquecer as inestimáveis contribuições de Rachel Soihet, Izilda Matos, Joana Pedro, Margareth Rago entre inúmeras outras pesquisadoras nacionais e internacionais. 10VILLELLA, Heloísa de Oliveira Santos. “Do Artesanato à Profissão: representações sobre a institucionalização da formação docente no século XIX. IN: STEPHANOU, Maria. & BASTOS, Maria Helena (organizadoras) Histórias e Memórias da Educação no Brasil: século XIX. Vol. II. Petrópolis: Vozes, 2005. GONDRA, José Gonçalves. & SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. (Biblioteca básica da história da educação brasileira). 11 CUNHA JR. Carlos Fernando Ferreira da, O Imperial Collegio de Pedro I e o ensino secundário da boa sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
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Outro trabalho, também recente é: A Escola Normal da Província do Amazonas
(1880-1890) de Assislene Barros da Mota12, resultado de sua Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba
(UNISO-SP). No capítulo 1º: “Contexto Sócio-Histórico da Organização do Ensino na
Província do Amazonas no Período Imperial”, Mota analisa as modificações do ensino no
Amazonas, mas sem fazer a instituição escolar dialogar com as práticas culturais da cidade de
Manaus. O trabalho, no entanto foi importante, pois apontou sugestões para a capitulação
desta tese.
O estado do Pará esteve entre 1897 e 1912 dividido em dois grandes grupos
políticos.13 O primeiro, formando o Partido Republicano do Pará que se cindiu em 24 de
agosto de 1897 em função das disputas envolvendo o governo federal e local. A partir daí se
constituiu o Partido Republicano Federal sob a égide de Lauro Sodré, um dos fundadores do
Club Republicano e primeiro governador eleito do Pará (1891-1897). Já o Partido
Republicano Paraense esteve sob o comando do todo poderoso senador e intendente de
Belém, Antonio José de Lemos, proprietário do jornal A Província do Pará, intimamente
associado com o governo federal dentro da chamada política dos governadores inaugurada
pelo presidente Campos Sales.
A Província do Pará foi o órgão extraoficial do Partido Republicano e mais tarde do
grupo lemista. Encontraram-se aí várias notícias referentes à EN como chamada para exames,
notas e comunicado de início de matrícula.
Quanto aos integrantes dos antigos partidos Conservador e Liberal acabaram por se
juntar ao Partido Democrático e, posteriormente, incorporarem-se no Partido Federal. O
Partido Republicano Paraense representava o grupo lemista, e o Partido Federal do Pará, o
laurista. Esses grupos usarão de todos os meios para se atacarem mutuamente, em torno de
espaços de poder e possivelmente visões diferenciadas a respeito do projeto de modernização.
Os lauristas encontraram na Folha do Norte um jornal que defendia os seus ideais e utilizou
12 MOTA, Assislene Barros da. A Escola Normal da Província do Amazonas (1880-1890) . Manaus: Editora Valer, 2010. 13 Segundo Fábio Castro, os aliados do intendente Antonio Lemos, os lemistas, representariam os grupos sociais emergentes ligados mais diretamente à economia da borracha, enquanto que os lauristas seriam os setores mais tradicionais e os republicanos históricos. Ele também lembra a convergência de interesses entre os dois grupos. CASTRO, Fábio de. Op. Cit, pp.174-175. Não se deve esquecer que essas elites estavam imbuídas de forma seletiva, entre outros, do nominado pensamento positivista, do darwinismo social, e do evolucionismo spenceriano. Ver a respeito: ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003, principalmente o capítulo: Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX.
18
de uma virulenta oposição aos lemistas, inclusive explorando a educação e a própria EN como
alvo estratégico.
Essa oposição terá papel de destaque na queda da oligarquia chefiada por Antonio
Lemos, após os motins no final de 1910 e início de 1911 contra as concessões propostas pela
intendência municipal. No ano seguinte, um levante popular culminou com o incêndio da sede
da Província do Pará, e da residência do velho Lemos e o seu quase linchamento.
Em 1911, com o seu afastamento da política partidária,14o grupo do então
governador, João Coelho (1909-1913), rompeu com os lemistas que fundaram o Partido
Conservador Paraense com o apoio do governo federal e de Pinheiro Machado. Agora se
evidenciavam três facções oligárquicas: o Partido Republicano Conservador do Pará do grupo
lemista, o Partido Republicano do Pará, liderado pelo governador João Coelho, e o Partido
Federal, sob a liderança de Lauro Sodré. Com a sucessão tumultuada pelo embate entre aessas
três correntes políticas, o governo federal acabou impondo como sucessor do governador um
tercius, que não estava diretamente comprometido com nenhum desses partidos, Eneas
Martins. No entanto, a situação política continuou extremamente instável. Finalmente, houve
uma relativa acomodação com a volta de Lauro Sodré (1917-1920) para o seu segundo
mandato governamental.
Articulando esse contexto com a temática da pesquisa, procurou-se rastrear se esses
embates influenciaram na organização, na escolha de diretores da Escola Normal, assim como
na contratação de professores substitutos e principalmente nos ataques por parte da imprensa
oposicionista no que tange às relações internas da EN. 15
14 As manifestações contra Lemos ocorreram em finais de dezembro de 1910 e início de 1911 em torno das concessões municipais a particulares que implicavam em novas taxas aos munícipes. Acredita-se que o racha dentro do partido republicano entre a facção do governador João Coelho e do senador Antônio Lemos acabaram por estimular essas manifestações. Sobre o início do movimento assim se pronunciava João Coelho: “Nos últimos dias do anno passado e nos princípios deste, a capital do estado foi theatro de sérias agitações, resultantes de vehementes protestos populares contra concessões municipais”. Essas quatro linhas e mais dez, dentro da mensagem não dimensionam , propositalmente, ou não, a crise política instalada que culminanou com os levantes de agosto de 1912. Mensagem do Governador João Luiz Coelho ao Congresso Estadual em 7 de setembro de 1911, p. 63. 15
Utilizou-se para essa breve exposição as seguintes obras em ordem de importância: ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua época: história política do Pará. 2ª ed. revista e ampliada. Belém: Cejup, 1996. Trabalho de cunho positivista, mas que permite acompanhar de forma episódica alguns embates políticos entre as elites locais. SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do velho intendente. Belém; Paka-Tatu, 2005, especialmente sobre a reforma urbana lemista. SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). Belém, Paka-Tatu, 2000. MEIRA, Octávio. A Primeira República do Pará: desde o crepúsculo da monarquia até o golpe de estado de 1891. Vol. I. Belém: Falângola, 1981. Obra factual na qual o autor espera que os inúmeros e, às vezes, longuíssimos documentos citados – a constituição primeira do estado do Pará, por exemplo, falem por si. No entanto, a apresentação de documentos acaba também, paradoxalmente, sendo seu ponto forte . Quanto à questão econômica duas obras continuam sendo referências já clássicas: SANTOS, Roberto Oliveira. História econômica da Amazônia1850/1920. São Paulo: T. A Queiroz, 1980 e WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920. São Paulo: Hucitec: Edusp, 1993.
19
Tão importante como a luta entre as facções políticas serão as modificações no
espaço urbano em função de um projeto modernista e de um processo de modernização. As
suas principais bandeiras foram higienização, civilização e progresso, cuja culminância se deu
durante a gestão do intendente Antonio José de Lemos entre 1897-1911 e do governador do
Estado, Augusto Montenegro, (1901-1909) aliado de Lemos e seu homem de confiança na
manutenção de sua liderança dentro do Partido Republicano Paraense.
O principal sustentáculo dessas transformações foram as rendas provenientes do
imposto de exportação do látex, produto de forte demanda nos mercados internacionais,
utilizado, principalmente, na indústria automobilística, que terá um avanço surpreendente com
a criação da indústria de montagem, através do processo denominado de fordismo. Para Fábio
de Castro, “a renda interna da Amazônia cresceu (...), [entre 1860 e 1920] em torno de
2.800%. A renda per capta da região, que em 1910 fora calculada 323 dólares, para decair, na
década seguinte, a 74 dólares (...) superior, na última década do século XIX, aos valores
estimados para diversas cidades da América Latina”. 16
Grandes casas aviadoras adiantaram mercadorias aos seringueiros, extratores de
borracha que, por sua vez, entregariam a crédito mercadorias essenciais para a extração do
látex ao seringueiro. Este trabalhador da floresta, obrigado a comprar mercadorias no barracão
geralmente do seringalista, acabava por cair numa dependência nesse sistema conhecido como
aviamento.
Seringueiros eram inicialmente os índios da região e, mais tarde foram aos poucos
sendo substituídos pelo chamado “brabo” 17, imigrante nordestino, principalmente do Ceará
premido pelas inúmeras secas da região, ou pela busca do eldorado. As casas aviadoras
situadas em Belém e Manaus por sua vez ficavam na dependência de bancos estrangeiros, que
eram responsáveis também pela exportação da borracha, principalmente junto a mercados
16 CASTRO, Fábio Fonseca de. Op. Cit., p.16 17O termo é encontrado para caracterizar o imigrante nordestino, principalmente cearense mais fácil de dependência dos donos de barracão por não conhecerem bem a região como o caboclo, mão de obra pioneira na extração do látex. OLIVEIRA, João Pacheco. “O Caboclo e o Brabo” In: Encontros com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, v 11, 1979, pp.101-140. Sobre o termo caboclo, convenção identitária histórica para falar do tipo social predominante da região amazônica, há uma vasta bibliografia, tanto a defender a sua superação, quanto a asseverar sua continua utilização. Dentre esses pesquisadores ver: RODRIGUES, Carmem Izabel. Caboclos na Amazônia: a identidade na diferença. In: Novos Cadernos NAEA, vol. 09, nº 01, 2006, pp. 119-130; LIMA, Deborah de Magalhães. A construção histórica do termo caboclo: sobre estruturas e representações sociais no meio rural amazônico. In: Novos Cadernos NAEA, vol. 02, nº 02, dezembro 1999, pp. 05-32; SILVA FILHO, Fernando Augusto de Oliveira. Um estranho no espelho: construção e reprodução do imaginário sobre o caboclo na Amazônia, envolvendo a dicotomia entre bárbaros e civilizados. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal do Pará, 2011; PACHECO, Agenor Sarraf. Astúcias da Memória: identidades afroindígenas no corredor da Amazônia. In: Tucunduba – Arte e Cultura em Revista, UFPA, v. 01, nº 02, 2011, pp. 40-51.
20
norte-americanos e londrinos, monopolizando, portanto, os preços do produto em detrimento
do fornecedor local.
A queda rápida do preço da goma aconteceu a partir de 1911 devido, entre outros
fatores, a concorrência das plantações de seringueira do Oriente. A fragilidade das elites
locais em propor um projeto alternativo de investimentos de capitais em outras atividades,
causou grande repercussão nas finanças públicas, mas não necessariamente, na economia
regional. Essas mudanças influíram nos modos de vida dos diversos sujeitos sociais que
conformavam a complexidade do cotidiano urbano belemense. O aparato educacional e, entre
eles, principalmente, a Escola Normal, terá um papel importante na tentativa de legitimar
práticas e representações das elites.
Ver-se-á, dentro da Escola Normal, como em algumas ocasiões a sua organização
interna foi modificada, − como transformação de dois turnos em um, diminuição de
disciplinas e anos, facilidade ou dificuldades de ingresso −, para adequar-se aos interesses das
elites e do alunado, o que evidencia a hegemonia como um campo de forças sempre tenso e
mutável. 18
Em relação ao alunado, observa-se sua intensa feminilização, pois com baixos salários
afastavam-se os homens da carreira e estimulava-se às mulheres a ocupar a profissão docente
no ensino primário que era vista como uma continuação da maternidade. O interesse feminino
também na carreira como uma das poucas possibilidades de atuação pública feminina
legitimada é outro desses fatores.19 Interessante não perder de vista a argumentação de
Almeida ao afirmar que o propalado prestígio da profissão de normalista seria um mito. Para
corroborar essa afirmação cita Ana Maria Bandeira de M. Magaldi que mostra que um estudo
realizado sobre as representações femininas nas obras de Machado de Assis e Aluísio de
Azevedo que:
18 Dentro do cotidiano escolar, pode-se dialogar com a obra de Foucault principalmente em Vigiar e Punir, quando assinala que: “‘disciplina’ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma ‘física’ ou uma ‘anatomia’ do poder, uma tecnologia”. Todavia, percebe-se que a concepção do poder fragmentado, capilar, em Foucault, acaba por não dar conta de reações e táticas que se mostram no espaço onde se organiza a educação formal. Para esses jogos de resistências ou astúcias trabalha-se com Michel de Certeau quando aponta caminhos para se enfrentar as estratégias do poder. Segundo ele, as pessoas burlam formas de dominação, utilizando-se de táticas, pequenas ações astuciosas que acabam por driblar os mecanismos de poder. Ora, isso pode ser perfeitamente rastreado dentro do cotidiano escolar. Nestes termos vale conferir: “A tática não tem por lugar senão o outro. Não tem meios para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e convocação própria: a tática é movimento ‘dentro do campo da visão do inimigo’. Aproveita as ocasiões e delas depende, sem bases para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. É astúcia”. 19 Chamon propõe que a convocação das mulheres ao Magistério na primeira metade do século XIX em Minas Gerais, seria em função dos baixos salários pagos aos professores. 19
21
“a profissionalização da mulher proveniente dos segmentos sociais médios e dominantes, representada principalmente pela função de professora, era, naquele contexto social uma hipótese remota, apenas admitida como solução em caso de extrema necessidade muito imperiosa e, mesmo assim significando quase uma vergonha para a mulher ou a família que a adotasse.” 20
A documentação utilizada foi inicialmente encontrada no endereço eletrônico:
www.crledu/content/provopgn: Brasilian Government Documents Digitization Project-
ProvincialPresidencial Reports, onde estão disponíveis relatórios de governadores e
presidentes provinciais do Brasil e dos presidentes da república de 1830 a 1930. Foram feitos
alguns levantamentos no Arquivo Público do Estado de São Paulo onde se encontrou apenas
um relatório da diretoria de instrução do Pará do período imperial.
No Pará, investiu-se na consulta ao arquivo existente na sede do Instituto de
Educação do Estado do Pará, nome atual da antiga Escola Normal. Interessante enfatizar que
documentos citados em obras anteriores a respeito da história da escola já tinham
desaparecido, sucumbidos por traças, humidade ou, até mesmo dissídio de funcionários.
Após dois anos apenas, ao se voltar para checar alguns dados no IEEP, a situação da
documentação tinha ficado ainda pior, se isso fosse possível. Acredita-se que mais uns cinco a
dez anos, ou menos, terão desaparecido. Pensar que pesquisadores que queiram dialogar com
esse trabalho e necessitem dessas fontes, venham no futuro a encontrar algumas apenas aqui,
como informação de segunda mão, é absolutamente deplorável.
Havia uma tradição que perdurou por décadas, de colocar em fotografias os alunos e
autoridades da escola como registro de formatura, e depois emoldurá-las. Havia dezenas
desses quadros pelos corredores e salas da instituição. Após a última reforma, sobraram
poucos retratos quase nada, esmaecidos, jogados num depósito. Pôde-se, a duras penas,
literalmente catar como se fosse num enorme lixão, um desses quadros referentes à turma de
1911.
A pesquisa na escola durou mais ou menos sete meses e o material foi classificado
por temas. No Arquivo Público do Estado do Pará foi realizado o trabalho com a
documentação substancial a respeito do cotidiano escolar. A arrumação das caixas foi
modificada no decorrer desse trabalho. Muitos documentos foram encontrados com o título
de Educação: Escola Normal, agora permanecem com o título Secretaria de Governo, o que
atrapalhou um pouco a investigação. Partiu-se em seguida para os jornais microfilmados no
Centro Cultural Tancredo Neves (CENTUR). Esse material do jornal serviu para confrontar as
20 MAGALDI, A. M. B. p.68 Apud. Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p.36.
22
falas oficiais dos relatórios, ou mensagens de governadores, e rastrear práticas que estariam
contrariando as expectativas de práticas e discursos das elites no poder.
Assim, as fontes documentais com as quais a pesquisa afunilou diálogo foram: a)
relatórios de presidentes de província, diretores e mensagens de governadores; b) relatórios de
diretores de instrução; c)legislação; d) ofícios, correspondência, requerimentos, etc. e)
periódicos; e f) iconográficas como fotos e mapas.
Os diferentes sujeitos sociais da Escola Normal no período, sejam suas alunas e
alunos, sejam funcionários, professores e direção, mostraram na documentação suas posições
entre os diversos grupos dentro da instituição e entre a instituição e a administração do Estado
do Pará. Esse último, muitas vezes, apesar de tentar traduzir o projeto modernizador de suas
facções hegemônicas, era obrigado a recuar, negociar ou em outras ocasiões a enfrentar e
impor-se.
A pesquisa foi estruturada da seguinte forma: Capítulo 1: A Escola na Cidade; 1.1.
Algumas palavras para começar. Uma breve apresentação sobre o tema; 1.2. (Re) nasce a
Escola Normal: percepções do primeiro diretor. Nesta parte trabalha-se o documento de
fundação da Escola Normal de 1890, logo em seguida a descrição do processo de fundação
utilizando o relatório de seu primeiro diretor. Em seguida, tendo com subtítulo 1.3. A
Modernização da Cidade em Modernização se discutiu o processo de modernização pelo
qual passou a capital paraense, principalmente entre 1897 e 1911, identificando modificações
culturais, resistências e composições urdidas entre os diversos sujeitos sociais, frente ao
projeto urbanístico em expansão. Utilizam-se aqui principalmente as mensagens
governamentais, geralmente anuais, entre 1891 e 1913 encaminhadas aos congressos
estaduais, bem como alguns jornais. No item 1.4. Entre o trono e a “Ordem e o Progresso”,
procura-se apresentar as diferenças ou continuidades entre a educação imperial e a do período
republicano e o papel atribuído à Escola Normal. De grande utilidade foi o Relatório de José
Veríssimo, apresentado ao governador do estado em 1890, alguns meses depois da instalação
do novo governo republicano no Pará e os relatórios e mensagens de presidentes e
governadores. Outras fontes utilizadas foram: o Censo de 1890, os relatórios de presidentes,
mensagens de governadores jornais como O Diário de Notícias, O Democrata, A Província
do Pará, todos situados em datas importantes relacionadas à Escola Normal.
No 2º Capítulo: A Escola Normal: Histórias e Trajetórias. Tenta-se realizar um
breve resumo a respeito da escola normal em geral e no Brasil. Um histórico da Escola
Normal na Europa e nos EUA, no Brasil e no Pará até seu reaparecimento em 1890. Procura-
se também analisar as modificações e permanências do projeto educacional da Escola Normal,
23
explorando/dialogando com as diversas grades curriculares, horários, as diversas leis que
modificaram a estrutura e organização da Escola Normal e os diários oficiais. Conta-se ainda
com a análise da construção de seu primeiro prédio e de sua profunda reforma, ocorrida
durante o governo de Augusto Montenegro. Importante para essas discussões é o livro de
Souza, Templos de Civilização, para a análise da estrutura do prédio e sua dimensão
simbólica21. Os relatórios de presidentes, mensagens de governadores, jornais como O Diário
de Notícias, O Democrata, A Província do Pará foram fundamentais no que se refere às
notícias e editoriais também imprescindíveis. Analisam-se ainda fotos de formatura. O
capítulo está subdividido em 2.1. As Escolas Normais. 2.2 A Escola Normal Republicana:
viveiro de mestres”; 2.3. Agentes Escolares e seus perfis; Nesse último item procura-se
rastrear os critérios de nomeação dos diretores, professores, sua condição social e as prováveis
relações com as elites políticas locais . Aqui, a análise da documentação interna da antiga
Escola Normal, como correspondências, diários oficiais, mensagens de governadores, fotos de
alguns diretores de Instrução e de diretores foi fundamental.
O terceiro capítulo tem a seguinte constituição: A (o) s Alunas (o) s em Conflitos
internos, subdividido em: 3.1. Os critérios de ingresso e exames; 3.2. As alunas
predominam. 3.4. Origem social e étnica da(o)s normalistas. 3.5. Conflitos e
acomodações. Neste capítulo foi particularmente importante a contribuição de Certeau para o
estudo e percepção das estratégias e táticas no cotidiano escolar.22 A documentação explorada
foi a existente na própria escola, como O Livro Negro, registro de punições do alunado entre
1895 e 1914, jornais onde foram noticiadas, além da documentação que consta no arquivo
público: correspondência e ofícios da antiga Escola Normal, Entrada de Papéis: 1912-1917,
entre outros. A pesquisa nessa documentação permitiu encontrar os critérios de ingresso dos
alunos, a razão da predominância de mulheres, o processo de elitização da escola, a origem
étnica e social do alunado e as tensões e negociações internas.
Como capítulo final: Representações da Escola nas Lentes da Cidade , subdividido
em: 4.1. Relações entre a Escola e instituições externas; 4.2. A Escola entre Símbolos e
Ritos e 4.3. A Escola nos Olhares da Cidade e 4.4. Futuro do Pretérito. Nessa parte,
procurou-se rastrear as tensões entre os interesses corporativos da instituição e outras
estâncias externas de poder, o significado e a importância do prédio, o papel das festas de
formatura, do anel de grau e do uniforme, e a avaliação da opinião pública sobre a instituição.
21 SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 22 FOUCAULT, Michel. Op. Cit.; CERTEAU, Michel. Op. Cit.
24
As discussões ampliam-se com o exame da representação da escola e das alunas no cotidiano
da cidade e os rumos tomados pela escola a partir de 1920. As fontes que serviram de aporte
empírico para a compreensão das questões norteadoras desse capítulo foram ofícios,
correspondências, encontrados nos arquivos públicos e da escola além de jornais,
principalmente a Folha do Norte, revistas encontrados no Arquivo público e no Centur e
suplemento literário.
Finalmente, é preciso assinalar que se procurou articular os capítulos num ir e vir
entre a instituição escolar e a cidade de Belém do Pará, através da ideia de porosidade da
instituição. Para tanto, partindo do processo de modernização e seus desdobramentos na vida
da cidade e da escola, a pesquisa deteve-se nas diversas tramas envolvendo esses territórios,
seja através de seus funcionários, da imposição do poder governamental, ou da própria
organização do currículo escolar. Governadores e outras autoridades passaram por cima de
regulamentos da instituição, assim como alunos e seus responsáveis usarão o poder e a
opinião pública para se contrapor à lógica interna da escola. Essa, por outro lado, através de
seu currículo, rituais e símbolos externos, tentou construir uma representação de
respeitabilidade e utilidade diante da opinião pública citadina.
25
CAPÍTULO I: A ESCOLA NA CIDADE
1.1 Algumas Palavras para Começar1
(...) considerando o estado em que se acha a Instrução Publica entre nós, que é de verdadeira miséria intelectual e material; Considerando que o primeiro dever de um Governo republicano é providenciar sobre esse ramo da administração de primeira necessidade, em qualquer estado civilizado, dotando o ensino público com reformas práticas, adequadas ao aperfeiçoamento moral, intelectual e material da população; (...) Considerando que a preparação dos mestres acha-se reconhecida por toda a parte como condição essencial de toda boa educação popular que a historia da instrução considera incapaz todo o sistema de ensino público, que não estabeleça pelo menos uma escola normal para a instrução de todos os mestres empregados, que ensine a ensinar e eduque no método de educar, ─ e como a primeira medida do plano geral da reforma e reorganização o ensino publico d’este Estado, resolve decretar: Art. 1º ─São criadas n’esta capital duas Escolas Normais para o ensino primário, sendo uma para professores e outra para professoras. Art.2º ─Essas escolas serão regidas pelo Regulamento n’esta data aprovado.2
Era fevereiro de 1890, o Governo Provisório republicano acabava de tomar posse e
decretava a criação da Escola Normal. No decreto está contida a ideia de um recomeço ou de
um verdadeiro início para a educação pública no estado, dada as condições calamitosas que os
republicanos a teriam encontrado. Era evidente também a associação que os denominados
positivistas faziam entre progresso e educação. No final, a equação melhoria da educação e o
aprimoramento da formação de professores repetia uma velha ladainha enunciada por várias
autoridades públicas desde os tempos imperiais.
1 EN. Sobre a questão da fundação ou refundação da EN é preciso assinalar que: Em 1839, pelo Decreto de n. 33 era autorizada a criação de uma EN no Pará. Este decreto levou GONDRA. Op. Cit. pp.188-189, a respeito das datas de criação e desenvolvimento das escolas normais no Brasil, na época imperial, a afirmar sua fundação no ano de 1839, tendo confundido autorização com inauguração. Na verdade, em 13 de abril de 1871 foi criada a EN no Pará, instalada em 3 de maio de 1871 e iniciado seus trabalhos em 05 de junho do mesmo ano. Em 19 de outubro de 1872 foi extinta, pelo decreto de n. 557. Em portaria de 09 de junho de 1874, foi recriada e novamente extinta pelo decreto de n.1224 de 3 de dezembro de 1885, quando foi anexada ao Liceu. No entanto, a Escola Normal é vista por uma tradição, mesmo tendo mudado de denominação e extinta em dois momentos, como uma única instituição que tem como marco fundador o ano de 1871. Daí os festejos do seu centenário em 1971. O carimbo, hoje utilizado, se reporta a esse momento inaugural. No entanto até 1968 tinha se perdido a data do início da primeira escola. Nas comemorações dos festejos da escola nesse ano, o professor Altamir Souza teria comunicado ao diretor da escola, Dionísio Hage que a data de fundação seria a de 1871. A partir daí é que começou a contagem desde esse ano. Ver SOUZA, Altamir. Op. Cit. Da mesma forma como o Brasil é visto na condição de já existente desde a chegada dos portugueses e não como uma construção que se vai fazendo e refazendo permanentemente, está-se diante de uma construção de memória ancorada em documentos oficiais. Para o levantamento de documentos reporta-se a GONDRA. Op. Cit. e REGO, Orlando L. M.de Moraes. Síntese Histórica do Instituto de Educação do Estado do Pará. Belém: Gráfica Sagrada Família, 1972 e SOUZA, Altamir. Apontamentos para a História do Instituto de Educação do Pará. Belém, 1972. Obras aparecidas por ocasião do centenário da EN de cunho fortemente “positivista”, mas as únicas com uma visão de conjunto. 2 Decreto nº. 29, de 4 de fevereiro de 1890, que instituía pela terceira vez a EN.
26
O documento também se reporta a um estado de “miséria intelectual e material”.
Como se verá adiante, esse tipo de afirmação também aparece como uma tônica em quase
todos os relatórios dos presidentes provinciais relacionados à educação, pelo menos desde
1840 quando foi apresentada uma avaliação extremamente pessimista a respeito do quadro
educacional da então província do Pará. 3Nesse caso, os republicanos em seu entusiasmo de
novo-crentes e ou de fundadores de um novo tempo, não estavam inovando em suas críticas.
Evidenciava também, como condição de civilização, reformas educacionais para o ensino,
visando o aperfeiçoamento moral, intelectual e material da população.
A partir desse ponto de vista pode-se perceber como a educação é representada pelo
novo grupo político que acaba de chegar ao governo no Pará. O aperfeiçoamento da
moralidade4 é a condição fundamental para o surgimento de cidadãos comprometidos com o
progresso e a civilização, em seguida, a melhoria das condições intelectuais, imbuídas de uma
moral. Finalmente, a melhoria das condições materiais, traduzida em prédios, praças,
monumentos, espaços para a elite se ver e ser vista como teatros, praças, sempre como
referência a sociedade da Europa Ocidental, principalmente a francesa e a inglesa.
Nesse universo, aparece implícita, uma visão de progresso, de tempo linear e de um
otimismo da razão que alcançaria sua maior manifestação, através de uma prática educativa e,
como corolário disso tudo, a melhoria das condições materiais da população e da pátria.
Finalmente, para uma boa educação era necessária a preparação adequada de profissionais e aí
a criação da Escola Normal justificava-se. É claro que se trata de um discurso que não é
compartilhado por todos os sujeitos sociais da cidade e que é ressignificado e readaptado de
acordo com as conveniências tanto das elites quanto das camadas populares.
É importante lembrar também que uma educação que juntasse homens e mulheres no
mesmo espaço iria de encontro às concepções de moral mais recorrentes. Assim, embora a
quantidade de alunos em relação às alunas da EN fosse irrisória e a coeducação já fosse
3Interessante observar que as mesmas jeremíadas são encontradas nos relatórios provinciais do Amazonas entre 1850 e 1890, segundo rastreamento efetuado por MOTA, Assislene Mota. Op. Cit. 4Conceito bastante recorrente em toda a documentação do período, embora com o mesmo significado em termos de dicionarização, parece enfatizar nessa época ações que envolvam ideais elevados de comportamento individuais e coletivos, fortemente marcado por influência cristã e do conceito kantiano de moral. Como exemplos, temos esse trecho de José Veríssimo: “(...) a instrução é uma função de ordem moral, em cujos órgãos não se deve exigir somente capacidade técnica ou estritamente profissional, mas também sua convicção filosófica dos seus efeitos, o devotamento de apóstolos na sua execução e um ideal nos seus propósitos” em VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 3ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, pp. 20-21. Obra cuja primeira edição foi de foi de 1906? Segundo Veríssimo, o problema do ensino é menos de ordem técnica do que moral, a falta de fervor, do dever profissional. Idem, p. 32. Ou ainda: “inculcar-lhes o culto da verdade, do bello e do bom” como objetivo da disciplina moral e cívica nas: Instruções Pedagógicas do Regulamento Escolar de 7 de maio de 1890. Idem, Ibidem, p. 41.
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prática comum nas escolas brasileiras de moldes americanos, pelo menos nos primeiros meses
serão duas as escolas normais: uma para homens e outra para as mulheres.
1.2. (Re)nasce a Escola Normal: Percepções do Primeiro Diretor
Paulino de Almeida Brito5 foi nomeado primeiro diretor da EN criada pelo decreto
acima. Logo em seguida ele procurou os vestígios do que ele afetivamente chama de nossa
escola: “Quando, por occasião da promulgação do Decreto n.29, de 4 de Fevereiro d’este
anno, me encarregastes da organisação das Escolas Normaes por elle criadas, tratei (...) de
verificar o que restava da nossa antiga Escola”.6 O diretor está se referindo aí a escolas
normais em alusão a uma escola para homens e outra para mulheres.
Em seguida, conta o que teria acontecido com a escola anterior: “Como sabeis, esta
[a antiga escola] tinha sido fundida com o Lyceu”.7 Mais adiante ele avalia que a
incorporação da antiga EN ao liceu equivalia de fato à sua extinção. Ele prossegue com o
levantamento do que restaria da antiga escola. “(...) reconheci que nada havia, a não ser o
archivo, e esse mesmo todo lacunoso, com falta de muitos livros; assim mesmo os recolhi,
dilligenciando reconstruil-o o melhor que era possível”. 8
Fica difícil relacionar a justificativa da criação da escola contida no decreto acima,
de forma solene, com a improvisação de sua criação sem que houvesse nem ideia de onde
deveria funcionar. Para ilustrar isso, Paulino de Brito afirma que:
“(...) procurei o local para as duas escolas, e voz propuz que provisoriamente funccionassem – a de professoras nos salões da frente do Collegio do Amparo, e a de professores nos compartimentos do edifício do Lyceuoccupados antigamente pela Biblioteca e museu, e que estavam soffrendo importantes reparos”. 9
5 Paulino de Brito, primeiro diretor da EN, em 1890, e também professor de português, recém-ingresso do Partido Conservador, aproximou-se dos republicanos, tendo inclusive proferido uma conferência em que critica o ex-imperador Pedro II, o que foi motivo de ironia no jornal Democrata. Candidato derrotado da União Patriótica (união de democratas e antigos conservadores para disputar as eleições para o Congresso do Pará em 1891). Se tornará diretor interino em 1897, 1901, 1902, 1907 e 1911. Ver SOUZA, Altamir. Op. Cit. 6 BRITO, Paulino de. Relatório apresentado ao Governador do Estado pelo Director da Escola Normal, em cumprimento do art.66°,§ 9º do Regulamento expedido para a execução do Decreto de 4 de Fevereiro de 1890 por Paulino de Almeida Brito, em 27 de novembro de 1890. In: VERÍSSIMO, José. A Instrucção Pública do Estado do Pará em 1890. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Dr. Justo Leite Chermont governador do Estado por José Veríssimo Director Geral. Belém: Tipografia Tavares Cardoso, 1890, p.179. 7 Idem, p.179. 8 Idem, p.180 9Idem, Ibidem.
28
É interessante observar que o Colégio Nossa Senhora do Amparo, localizado no
bairro da Campina10, perto do porto em uma área cada vez mais comercial, era uma escola
para órfãs e que mais de uma vez, no passado, tinha abrigado a sessão feminina da EN.
Quanto ao prédio do Liceu, uma escola secundária pública, fundada em 1841, também foi
utilizado para a sessão masculina da EN. Nesse mesmo espaço, havia ainda um curso
equivalente ao normal.
Na verdade, pouco se inovava a respeito da formação de professores no início do
governo republicano. A respeito do material para a nova instituição, por exemplo, Paulino de
Brito expõe suas ações: “(...) tratei da acquisição do material indispensável, mandando abrir
concurrencia publica para o fornecimento de mobilia e mais objetos necessários para o serviço
das aulas, das escolas annexas, e da secretaria.11 Mas, em função de não ter aparecido
concorrentes para o fornecimento de material: “(...) comecei por voz autorizado [o
governador] a fazer acquisição desses objetos nas casas que mereciam-me (sic) maior
confiança”.12
Resta saber o que o diretor entendia por confiança. Relações de amizade?
Estabelecimentos comerciais considerados os melhores a oferecer em termos de preço e
qualidade dos materiais e avaliados por pessoas tecnicamente capacitadas? Ou, o pouco
número de casas comerciais que dispunham de mercadorias adequadas, facilitaria a escolha?
É preciso adotar uma atitude de cautela, uma vez que as obras públicas do estado até então
estavam eventualmente suspeitas de superfaturamento. 13
A seguir, Paulino de Brito, relata o início efetivo das aulas. “Sendo de toda
conveniência inaugurar quanto antes as duas escolas, começou a funccionar no dia 20 de Maio
[portanto três meses depois do decreto] a de professoras, na parte do Collegio do Amparo que
lhe estava destinada”.14Quanto a dos meninos: “Não foi possível inaugurar-se na mesma data
a Escola de professores em razão de continuar em obras a parte acima referida do Lyceu
10 O segundo distrito da capital compreendia o bairro da Campina, subdividido em duas áreas: Comércio, à beira do porto e Campina propriamente dita a partir do aterramento do igarapé do Piri. Desde o século XVII, ambos os setores fortemente comerciais e mais o bairro do Reduto, fortemente operário. A EN republicana situava-se no bairro da Campina, às proximidades do Reduto. Em relação ao bairro da Campina: “(...) cujas construções antigas iam, aos poucos, sendo substituídas por novos e imponentes prédios modernos”. CASTRO, Fábio. Op. Cit., p.139. 11 BRITO, Paulino de. Op. Cit., p.180. 12 Idem. 13 Está-se reportando aqui a SILVEIRA, Rose. Histórias Invisíveis do Theatro da Paz: da construção à primeira reforma do Grão Pará (1869-1890). Belém: Paka-Tatu, 2010. Este livro nasceu de sua dissertação de Mestrado em História Social, apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2009, sob a orientação da Profª Drª Estefânia Knotz Canguçu Fraga. Nesta obra, a autora se refere que houve suspeitas de superfaturamento do Teatro da Paz de quase 100%. 14 BRITO, Paulino de. Op. Cit., p. 180.
29
Paraense”.15 Mas “Já a este tempo a secretaria das escolas Normaes estava installada
convenientemente, e funccionava n’um dos salões antigamente occupados pelo Museu”.
[dentro do prédio do Liceu].16 Referia-se, ainda, a imprensa oposicionista por denunciar que
os professores da EN estavam recebendo sem trabalhar o que o levou a afirmar: “a demora
que houve na installação das aulas não pode ser prevista, (...) si não funccionavam as aulas,
funccionava a congregação, o que era indispensável para os trabalhos preliminares”.17
No entanto, em 23 de julho de 1890, segundo o decreto de nº 165, alegava-se que a
quantidade de alunos era muito inferior a das alunas e que não haveria impedimento
pedagógico em uni-las, “as escolas normaes(...) ficam constituidas em uma só, comum a
ambos os sexos (...)” Artigo I.18 Assim, Paulino de Brito diante das implicações desse decreto:
“Não offerecendo espaço conveniente a parte do Collegio do Amparo em que funccionava a Escola Normal das professsoras, nem convindo de modo algum os compartimentos do Lyceu ás Escolas d’este modo fundidas em uma só para ambos os sexos, tratei de procurar casa para esse fim”.19
Mais uma vez fica evidente o caráter de improvisação. Longe, portanto, de
corresponder ao grandiloquente decreto de fundação. A casa arrendada sem que fosse
explicado o critério de localização, “(...) precisava de asseio e reparos, e feitos estes, á custa
do Estado, passei imediatamente para ali a Escola Normal”.
Quanto à questão da unificação da escola entre meninos e meninas o diretor tentou
dirimir quaisquer dúvidas a respeito de sua moralidade numa escola normal, que se não foi a
primeira, foi uma das pioneiras do Brasil a reunir meninos e meninas.20
“Tomei todas as providencias que me pareceram acertadas para a manutenção da disciplina, ordem e moralidade. Os alumnos foram conservados inteiramente separados das alumnas, em compartimentos distinctos, e só estando em comum com ellas nas aulas, sob a vigilância dos professores e inspectores”. 21
Interessante constatar, diante dessa afirmação, os depoimentos em Ordem e
Progresso de Gilberto Freire, a respeito dos atos considerados de “safadeza” praticados nas
escolas primárias públicas no Brasil entre meninos, segundo Astrojildo Pereira da Silva,
nascido em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro em 1890. “O primeiro [colégio] ‘público’, com
15 BRITO, Paulino de. Op. Cit., pp.180-181 16 Idem, p.181. 17 Idem, Ibidem. 18 A EN do Amazonas, fundada pelo regulamento de n.º 42, de 14 de dezembro de 1881, já era para ambos os sexos. Ver MOTA, Assislene. Op. Cit., p. 77. 19 BRITO, Paulino de. Op. Cit., 183-184. 20Isso pode ter acontecido possivelmente pela influencia de José Veríssimo, diretor de Instrução Pública, que tinha sido diretor proprietário de uma escola em estilo americano que já utilizava o ensino misto. 21 Idem, p. 184.
30
professor ‘austero’. Brincadeiras ‘vulgares’. ‘Bastante safadeza’. No colégio particular onde
continuou os estudos primários(...) havia ‘mais camaradagem e menos safadeza nas
brincadeiras’”. 22
O diretor enumerava as punições disciplinares que não teriam sido muitas, aplicadas
pela Congregação, a seu pedido. Afirmava ainda que o encerramento das aulas teria ocorrido
no dia 14 de novembro, seguido de exames “salutarmente rigorosos”. Elogiava a instituição,
mas também apontava a necessidade de um gabinete de física e um de química, livros para a
biblioteca principalmente, e terminava: “Das necessidades actuaes da Escola a mais palpitante
é, certamente a de um edifício sufficientemente vasto onde ela possa funccionar com todas as
suas dependências”. 23
Mas em que território se inseria essa escola? Em que contexto político cultural?
Quais os diálogos entre essa instituição e a cidade na qual estava inserida? São questões como
essas que se procurará responder a seguir.
22 FREYRE, Gilberto. “Ordem e Progresso: introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil”. In: SANTIAGO, Silviano. (coordenador) Intérpretes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S/A. 2002, pp. 314-315. 23 BRITO, Paulino de. Op. Cit., p.185.
31
1.3. A Cidade em Modernização
O processo de modernização da cidade de Belém, na época da intensa exportação do
látex, segundo Fábio Castro, teria sido periférico.
“(...)três temas fundamentais(...)da experência moderna ressurgem alegoricamente, na intersubjetividade de Belém. O elogio do impulso criador e inovador e a percepção do plano social em sua totalidade... decodificados em diversas atitudes da burguesia (... )e do poder público”.24
Isso se traduziria pelas “reformas urbanas, o estilo eclético, o planejamento da
expansão industrial e comercial, reforma e ampliação do equipamento citadino, políticas de
formação e educação, práticas de higiene privada ou pública, estratégias de zoneamento
social, com formação de guetos para imigrantes(...)25E, finalmente, o último tema que o autor
retira de Marshall Berman, a sensação vivida pelas pessoas da modernidade de ganho e
perda.”Fascínio... repúdio”26.
No entanto, discorda-se do argumento do autor quando afirma que “(...)Tal como a
experiência histórica de diversas outras modernidades periféricas espalhadas pelo mundo, a
modernidade belemense aconteceu “de forma irregular, vacilante, distorcida e, sobretudo,
flagrantemente destinada ao fracasso”.27Pois, acredita-se que não existem ideias fora do
lugar, reportando-se a um clássico debate a respeito do liberalismo no Brasil.28 Interessante
foi a observação de um geógrafo brasileiro a respeito da Constituição brasileira de fevereiro
de 1891 em tentar imitar servilmente a norte-americana, pois de nada adiantaria uma vez que
ela: “não dará aos brasileiros o espírito anglo saxônico; cada artigo da Carta há de ser
interpretado segundo o modo de pensar, as tradições, os costumes e as paixões dos sul-
americanos, filhos de portugueses”.29
Além de que, como o modernismo é substantivamente algo incompleto,
contraditório, mutável, o que existiu aqui em Belém foi de acordo com as possibilidades e
conflitos entre diversos projetos dos grupos hegemônicos locais e, portanto, distinto do que
24. CASTRO, Fábio Fonseca de. Op. Cit., pp. 127-128. 25 Idem, p. 128. 26Idem, Ibidem. Fábio Castro se refere aqui à obra clássica de BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A Aventura da Modernidade. São Paulo. Companhia das Letras, 1992. 27 CASTRO, Fabio Fonseca de. Op. Cit., pp.131-132. Acrescentou-se negrito. 28 SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977. Renato Ortiz afirma que o uso das teorias estrangeiras é seletivo e serve para tentar explicar e justificar a sociedade brasileira concreta. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003. “O processo de ‘importação’ pressupõe, portanto uma escolha da parte daqueles que consomem os produtos culturais. A elite intelectual brasileira, ao se orientar para a escolha de escritores... na verdade não está passivamente consumindo ideias estrangeiras. Essas teorias são demandadas a partir das necessidades internas brasileiras...”. p. 30. 29 RECLUS, Eliseu. Geografia do Brasil apud VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 3ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p.142, nota de rodapé.
32
ocorreu nas cidades europeias, como Paris, que lhe serviu de inspiração. Não cabe, portanto,
avaliá-lo como fracasso. O próprio símbolo do processo de modernização, o senador Antônio
José de Lemos,ao arborizar a cidade preferiu as mangueiras, árvores consideradas pela
oposição como sendo árvores de quintal, em função de serem muito comuns no fundo das
casas da cidade, em detrimento de árvores europeias.
Bhabha, sob a pena de Souza, se refere que os encontros culturais são uma espécie
de tradução, uma maneira de imitar. “O ‘originário’ está sempre aberto à tradução (...) nunca
tem um momento anterior totalizado de ser ou de significação- uma essência”.30Em relação à
aplicação de tecnologia para a construção de casas aqui em Belém, o próprio Castro afirma
que “(...) a utilização de modelos e estratégias urbanas importadas em Belém do ciclo do látex
não obedeceu, como se pode pensar, exclusivamente, a um critério acrítico de instalação: de
fato houve uma preocupação com a adaptabilidade dos materiais à região”. 31
1.3.1 As Transformações do Espaço Urbano
A cidade onde se instalou a EN chama-se Santa Maria de Belém do Grão Pará. Em
1890 contava com uma população de 50.064 pessoas.32 Cidade quase ilha33, ou numa
referência poética de Fábio Castro: “a cidade crescia (...) espalhava-se na forma de um seio
feminino” 34, com seus encontros culturais multiétnicos em função de uma grande imigração.
Cidade com seus inúmeros cheiros como os de peixe e frutas de deliciosos e exóticos aromas,
encontrados nos mercados públicos como o do Ver-o-Peso, situado à beira da baía; o cheiro
30SOUZA, Lynn Mario. T. Menezes de. Hibridismo e tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA JR. Benjamim (org.). Margens da Cultura: mestiçagem, hibridismo &outros mistérios. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 125. 31 CASTRO, Fábio de. Op. Cit., p.179. 32Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio - Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil, 1º de setembro de 1920. Volume IV (1ª parte). População: população do Brasil por Estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado civil e nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística. 1926. Lembrando que o município abrangia uma área maior do que a atual, da qual saíram inúmeros outros como Ananindeua, Marituba, Santa Isabel, Inhangapi, Castanhal, etc. A população do estado do Pará era de 328.455 pessoas. Belém, ainda segundo o censo de 1890, era a 6ª cidade em população superada pelo: Distrito Federal, 522.651 pessoas; S. Salvador 171.412; Recife 11.556; São Paulo 64.934; e Porto Alegre com 52.421. Em 1872, enquanto o Pará tinha 275.237 pessoas, em Belém habitava 61.997; Em 1900, o Pará aparecia com 445.356 pessoas e Belém com 96.560 e em 1920, o primeiro tinha 983.507 indivíduos, enquanto que a cidade tinha 236.402. IBGE− Sinopse do recenseamento de 1920 apud SARGES, Mª de Nazaré. Op. Cit., p.90. Para Fábio Castro, a população de Belém cresceu entre 1860 e 1920 cerca de 1.200%. “De cerca de 18 mil habitantes no final da guerra civil de 1835, passou a contar com um número em torno de 180 mil em 1912”. Op. Cit., p.16. Para esse mesmo autor, Belém, em 1905, com uma área de 40.156.568 m2 , 24.103.972 m2 de área edificada, tinha 53 ruas e avenidas, 52 travessas e “um número incalculável de ‘corredores’ e pequenos caminhos atualmente chamados de estivas; 22 largos, 790 construções assobradadas(...)9.152 prédios, 2.600 pequenas casas e onze grandes trapiches nos portos”. Idem, p.138. 33Na verdade, uma península banhada pela Baía do Guajará, por sua vez formada pelo rio Pará, Guamá e Capim. Cortada por inúmeros pequenos rios ou igarapés. 34 CASTRO, Fábio de. Op. Cit., p.158.
33
de manga e terra ensopada, após as chuvas da tarde35 ou ainda as fragrâncias à base de pau-
rosa ou patchuli, sem falar dos perfumes franceses e ingleses, contrastando com o suor dos
inúmeros ambulantes que percorriam a cidade e insistiam na sua presença. 36
Sua fundação ocorreu em 12 de janeiro de 1616 por Francisco Caldeira Castelo
Branco dentro do processo de expulsão dos franceses de São Luís do Maranhão e do período
de união entre a coroa espanhola e a portuguesa, flexibilizando o Tratado de Tordesilhas. Foi
implantada em território dos índios tupinambás que, em alguns momentos, reagiram
violentamente à ocupação, colocando em risco, em alguns momentos, o projeto colonizador.37
Pouco a pouco, a cidade torna-se um pólo de exportação das chamadas drogas do
sertão – coleta de produtos extraídos da floresta como canela, cravo, salsaparrilha, andiroba,
pimentas, etc... − sob a direção de diversas ordens religiosas situadas às margens do rio
Amazonas e seus afluentes como os mercedários, carmelitas, franciscanos e, principalmente,
os jesuítas. A cidade torna-se capital do Estado do Maranhão e Grão-Pará que abrangia a
Amazônia atual e parte do Piauí e Ceará.
Em 1751, Belém tornou-se a capital do Estado do Grão Pará e Maranhão e sofreu um
processo de intervenção. O núcleo original era constituído pelos bairros da Cidade Velha e
Campina. A reforma se inseriu dentro do contexto da política pombalina para o Estado do
Grão-Pará e Maranhão que expulsou e estatizou os empreendimentos das ordens religiosas.
Os indígenas foram os principais atingidos pelas mudanças e, embora do ponto de vista da
Coroa portuguesa, fossem considerados livres e se estimulassem os casamentos interétnicos,
continuavam sendo a principal mão de obra em regime de trabalho compulsório, junto com
negros escravizados. 38
Foram inúmeras as fugas e constituição de quilombos multiétnicos e, inclusive, a
ocupação de espaços na cidade de forte presença africana como os bairros do Umarizal e do
Jurunas. Esses elementos étnicos oriundos de diversos grupos de brancos, principalmente
portugueses e, no século XVIII portugueses açorianos; diversos grupos negros e diversos
35 A referência foi da mãe do autor dessa pesquisa que, ao chegar a Belém pela primeira vez, no final dos anos de 1940, essas representações da cidade ficaram indelevelmente em sua memória. 36 A referência aqui é ao trabalho de PANTOJA, Letícia. Op. Cit., que ao analisar as fotografias da época dá conta da presença de inúmeros ambulantes e populares, nas cenas da vida urbana, apesar do objetivo do registro imagético em afirmar os ícones da modernidade e civilização com seus prédios, praças, avenidas e bondes. 37 O capitão Manoel de Sousa Eça em 1619 mostrava as grandes dificuldades que os colonizadores portugueses enfrentavam com os nativos, seus adversários. Em 1618 houve um ataque ao Forte do Presépio, núcleo formador da cidade de Belém. CARDOSO, Alírio “Belém na Conquista da Amazônia: antecedentes à fundação e os primeiros anos”. In: FONTES, Edilza. Contando a História do Pará: Da Conquista à Sociedade da Borracha (sec. XVI –XIX). Vol 1. Belém: E. Motion, 2002, p. 49. 38 Coelho. Mauro César. Educação dos índios na Amazônia do século XVIII: uma opção laica. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas: Editora Autores Associados, nº 18, setembro/dezembro 2008, pp. 95-119.
34
grupos indígenas entraram em contato entre si de diversas maneiras, compondo uma cultura
extremamente híbrida e rica sob a hegemonia dos brancos e de grande resistência em alguns
momentos de setores subalternos, compostos basicamente por afroindígenas. 39
O principal confronto envolvendo basicamente, mas não necessariamente, brancos de
um lado e grupos afroindígenas de outro, se daria num conjunto de revoltas conhecido como
Cabanagem mais ou menos entre os anos de 1835-184040. Seriam resquícios de acomodações
e ressentimentos ocorridos entre a elite branca, a qual se identificava como lusitana, e grupos
brancos e afroindígenas que se viam como “brasileiros” e excluídos do centro de decisões e
riquezas desde 1823.
Com o apoio da exportação da borracha, cacau e outros produtos, a cidade de Belém
do Pará passou, desde a década de 1840, por vários projetos e ações de intervenção do espaço
urbano em decorrência da aceleração econômica baseada na exportação da borracha,
evidenciando uma modernização e modernidade acelerada.41A cidade avançou em direção a
sua primeira légua patrimonial, criando um novo bairro, o Marco da Légua. As
transformações do espaço urbano e o processo de modernização podem ser rastreados em
inúmeros relatórios e mensagens de presidentes provinciais e governadores.
A opção de começar analisando esse tipo de documentação − que era uma espécie de
prestação de contas, apresentado pelo Poder Executivo ao Legislativo anualmente, inclusive
para aprovação de suas ações e autorização para outras, além de submeter o orçamento do
39 Para o conceito de afroindígena ver: PACHECO, Agenor Sarraf. Astúcias da Memória. Op. Cit., p. 15. A respeito desse conceito, o autor afirma que “tornou-se possível, então, cunhar a expressão ‘afroindígena’ para evidenciar como, na Amazônia Marajoara, é quase impossível discutir a presença africana descolada de relações, interações e redes de sociabilidades tecidas com grupos nativos da região”. Para o período, compreendendo os séculos XVII e XVIII, Cf. GOMES, Flávio dos Santos & QUEIROZ, Jonas Marçal. Em outras margens: escravidão africana, fronteiras e etnicidade na Amazônia. In: PRIORE, Mary e GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000 ; SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. 3ª ed. rev. ampl. Belém: IAP; Programa Raízes, 2005; SALLES, Vicente. O Negro na Formação da Sociedade Paraense: textos reunidos. Belém: Paka-Tatu, 2004; VERGOLINO-HENRY, Anaíza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A Presença Africana na Amazônia Colonial: uma notícia histórica. Belém: Arquivo Público do Pará, 1990; FONTES, Edilza (Org.) Contando a História do Pará. Da conquista à sociedade da borracha. Vol. I. Belém: E. Motion, 2002; SARGES, Maria de Nazaré. Op. Cit., 2000. 40 São inúmeros os trabalhos a respeito da Cabanagem a partir do clássico “Motins Políticos”, de Domingos Antonio Rayol, ainda do século XIX. Sem entrar numa densa discussão que surge a partir daí, é válido reportar-se a Tese de Doutorado em Antropologia, de Ana Renata do R. de Lima Pantoja, intitulada “Terra de Revolta: campesinato, experiência socioculturais e memórias cabanas entre a voz e a letra”, defendida em 20 de dezembro de 2010 em Belém Pará, no Laboratório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará. Na defesa foi debatido pela banca o caráter complexo da revolta. A autora cita caso de negros escondendo seus senhores brancos, difícil de açambarcar em rígidos marcos cronológicos e numa única revolta. 41 Está se reportando aqui a discussão a respeito de modernidade, enquanto processo contraditório e excludente em que o tradicional convive com o novo e não é repartido de forma uniforme por todos os sujeitos sociais e em modernização a aspectos tecnológicos que não necessariamente provocam mudanças em práticas culturais. Ver GARCÍA CANCLINI, Néstor. Op. Cit.
35
próximo ano e justificar o uso de recursos extras−42, ocorreu em função de serem documentos
que procuram enfatizar as realizações consideradas positivas dos presidentes e governadores e
esconder as que poderiam comprometer sua competência e do seu partido que estava em
permanente ataque na imprensa oposicionista.
Está-se plenamente consciente que se trata de documentos oficiais e, portanto,
imbuídos do olhar das autoridades e consequentemente das elites. No entanto, acredita-se
também que podem ser lidos, como todo documento, a contrapelo e possibilitar vislumbrar
modos de vida dissidentes dos esperados por essas mesmas elites, ainda que e,
principalmente, quando esses comportamentos são tratados de forma negativa.
O processo de modernização que a cidade conheceu teria sido acelerado, segundo
Maria de Nazaré Sarges, pela proclamação da república porque “(...) enfatizando a
descentralização deu maior autonomia à aplicação dos impostos, além de conceder ao Estado
maior participação na renda corrente à exportação da borracha”.43 Embora o móvel principal
fossem as áreas da cidade voltada aos negócios e as habitações das elites, foram também
efetuadas obras de aterro na parte “das zonas mais baixas (...) todo o bairro de Batista
Campos, Marco, Cremação, Guamá, Telégrafo, Umarizal e São Brás”. 44
Segundo relatório de Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes de 24 de junho de 1891,
em relação ao processo de modificações no espaço urbano de Belém, previa-se a execução de
obras para esgoto. Havia galerias de esgoto, mas acabavam funcionando como ‘fossas fixas’,
segundo parecer da Companhia das Águas. (p.36). Afirma-se ainda a compra de um forno
crematório pela Intendência, a existência de um projeto da futura iluminação à gás , obras no
Largo da Pólvora, para inauguração de um monumento à República ; a reinauguração do
Bosque Municipal, situado no bairro Marco da Légua e o estudo para o calçamento da estrada
de S. Jerônimo (p.55).
Essas obras, em projeto, ou em andamento no espaço urbano, refletiam o desejo de
modernização na qual a recriação da EN fazia parte, e seriam colocadas em prática graças
principalmente aos recursos provenientes dos impostos cobrados da exportação da borracha e
em menor volume da exportação do cacau e da castanha.
42 Constituição do Estado do Pará, promulgada em 22 de junho de 1891, publicada no Diário Oficial do Estado de 23 de Junho de 1891, No item 4 do artigo 35 do Capítulo IV: Das Atribuições do Poder Executivo encontra-se e “Enviar ao Congresso, [poder legislativo estadual composto por uma câmara de deputados e de um senado] no princípio de cada sessão legislativa, uma mensagem em que dará conta dos negócios do estado e indicará as providências reclamadas pelo serviço publico”. Após a Reforma da Constituição de 1891, Promulgada em Setembro de 1904 e publicada no Diário Oficial do Estado de 02 de Setembro de 1904, o artigo passa a ser o 38º. 43 SARGES, Mª de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque. Op. Cit., pp. 91-92. 44 Idem, p.119.
36
Segundo Fábio Castro, em 1912 havia na cidade 6 distritos, cada um coordenado por
uma prefeitura policial. O primeiro distrito englobava o núcleo inicial, ou Cidade Velha, onde
estavam instalados os principais prédios públicos. A principal avenida era a 16 de Novembro.
As famílias tradicionais moravam nas ruas: Dr. Assis e Dr. Malcher. O segundo distrito,
englobava o Bairro da Campina e o do Reduto, onde ficava o Ver-o-Peso, uma enorme feira
que existia desde o período colonial, à beira do porto, e as Docas do Reduto. Aí também
começava a ganhar corpo um conjunto de habitações populares que daria origem aos bairros
atuais do Telégrafo e Sacramenta.45
O terceiro abrangia desde a Praça da República, antigo Largo da Pólvora, onde se
situava o Teatro da Paz, fundado em 1878, o Grande Hotel e a sede da Província do Pará. O
largo era um local de divertimentos e de um teatro popular e mesmo, após a criação do Teatro
da Paz e da remodelação Praça da República, um local, de diversões, ajuntamento e mesmo de
moradias populares. Além da Praça da República, esse distrito abrangia a Praça Batista
Campos, em cujas imediações situava-se o antigo cemitério da Soledade, e também inúmeras
habitações de luxo. 46
O quarto englobava o bairro de Nazaré e as avenidas de Nazaré, São Jerônimo, São
Braz, Generalíssimo Deodoro, antes uma área rural e agora ocupada por palacetes e sobrados
da elite. O bairro do Umarizal, antiga área de negros, fazia parte também dessa circunscrição,
assim como o de São Brás, Guamá, Queluz, ocupado por imigrantes nordestinos, e Marco,
onde ficava o principal ramal da estrada de ferro Belém-Bragança, na Avenida Tito Franco de
nove quilômetros de extensão. Nessa grande avenida estavam o bosque municipal Rodrigues
Alves, o Instituto Lauro Sodré, o asilo da mendicidade e dos alienados e novas quintas e
granjas dando um ar meio rural ao bairro.47 Os quintos e sextos distritos abrangiam os
subúrbios da Pedreira, Sacramenta, do Telégrafo e do Marco.
Acompanhando um pouco o olhar dos sucessivos governadores48 em relação às
intervenções urbanas que a cidade estava sofrendo, principalmente entre 1890 e 1910 podem-
se perceber alguns posicionamentos a respeito:
45 CASTRO, Fábio. Op. Cit., pp.138-142. 46 CASTRO, Fábio. Idem. 47 É oportuno lembrar que dentro do espaço urbano propriamente dito evidenciam-se aspectos trazidos de práticas que dialogam com o mundo rural, seja por parte das elites, como também e principalmente em bairros populares, onde se encontram recomposições de formas de morar e redes de sociabilidade e lazer que são oriundas do mundo rural. 48 Optou-se aqui em fazer um levantamento exaustivo nessa documentação em relação ao discurso sobre a intervenção na cidade, as resistências a essas intervenções, as questões educacionais e as referentes à EN. Essas evidências servirão como contraponto ao material sobre o governo municipal, principalmente do período lemista, bastante trabalhado por PANTOJA, Letícia. Op. Cit., SARGES, Maria de Nazaré. 2000,Op.Cit. e ROQUE, Op. Cit., entre outros.
37
Em 1890, no governo provisório do Dr. Justo Chermont49, a cidade está a sete anos de
iniciar a sua mais profunda intervenção conduzida pelo intendente Antônio José de Lemos. 50
Cidade às margens da Baía do Guajará, multiétinica, sob um forte processo
migratório tanto de interioranos, quanto de todo o Brasil, principalmente da região Nordeste e
até mesmo do exterior. Nesse último caso principalmente de portugueses e espanhóis. Nesse
caldeamento, se enfrentarão modos de vida diferenciados e híbridos em constante tensão e
composições sejam entre classes, etnias e raças.51
Segundo o Relatório do Governador Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes, de 24
de junho de 1891, a reforma do Museu [de história natural] foi importante para promover o:
“progresso material, porém ainda mais o desenvolvimento intelectual e moral do estado... os
museus como (...) em todos os países civilizados que podem servir-nos de exemplo”. (p.29).
Nesse trecho, depara-se com o olhar das elites nacionais e locais a respeito da opinião dos
centros considerados ícones do progresso e civilização como a Europa Ocidental
(especialmente França, Grã-Bretanha, Alemanha) e os Estados Unidos. 52
Não há como não refletir aqui a respeito do aspecto relacional da construção da
identidade envolvendo a interação entre o colonizador e o colonizado, encontrado em
49Justo Chermont, nasceu em 27 de junho de 1857 em Belém, foi diretor de instrução pública no império nomeado em 23 de novembro de 1889, fundador do Club Republicano em1886, e o Jornal A República em 1888, deputado provincial em 1886. Em 1888, foi eleito presidente do Clube Republicano, chefe do governo provisório de novembro de 1889 e Governador do Pará entre 1890-1891. Positivista não ortodoxo, republicano conservador e maçon. Diário de Notícias, 26 de novembro de 1888. 50 Sobre o processo de reforma urbana, modernidade e modernização em Belém e Manaus ver entre inúmeros trabalhos: SARGES, Maria de Nazaré. Op. Cit. DAOU, Ana Maria. A Belle Époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. Em relação aos conflitos e composições: PANTOJA, Letícia Souto. Op. Cit. LACERDA, Franciane Gama. Infância e imigração no Estado do Pará (final do século XIX, início do século XX). In: BEZERRA NETO, José Maia &GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs.). Terra Matura . Belém: Paka-Tatu, 2002; SALLES, Vicente. Op. Cit., 2004. Interessante é o trabalho recente na área de comunicação de CASTRO, Fábio Fonseca de. Op. Cit., embasado nos trabalhos de Marshall Berman e Walter Benjamim a respeito das sensações trazidas pela modernidade em cidades periféricas, especificamente em Belém. SILVEIRA, Rose. Op. Cit. 51 GARCÍA CANCLINI, Nestor. Op. Cit., de onde se utiliza o conceito de hibridação que engloba mestiçagens, sincretismo e fusões musicais, num processo em que culturas se encontram e se afastam, podendo formar uma composição nova e em constante movimento. 52Gilberto Freire em Ordem e Progresso. Op. Cit., referenda essa opinião bem como o fascínio exercido pelo estrangeiro entre nós e o papel das prostitutas estrangeiras de luxo, entre outras, das grandes capitais em ensinar hábitos de higiene, comportamento aos rapazes e senhores das elites: “E a época [últimas décadas da monarquia e as primeiras da república] – pelo menos nas Capitais – de extrema idealização da figura do ‘estrangeiro’ como pessoa superior em assuntos de comportamento em sociedade elegante ou de estética urbana; superior aos nacionais e aos iberos. p.240. Até nos anúncios de jornais refletia-se essa tendência, dizendo-se de uma ‘excelente casa’, por exemplo, que era ‘própria para uma família estrangeira’. E em nota de rodapé assinala: ‘o estrangeiro era, então, para alguns brasileiros’ a unidade do belo, do útil, do conforto, do que é bom’. Ainda Freire: “(...) atrizes, cantoras, modistas, caixeiras de lojas elegantes, também se afirmaram às vezes naqueles decênios, em sua qualidade de cocottes, mestras de civilidade, de polidez e de refinamento de muito brasileiro ainda rústico, a despeito da ourama no banco ou do anel de bacharel ou de doutor no dedo”. pp.240-241,279, apud SANTIAGO, Silviano. Op. Cit.
38
Bhaba.53Nesse aspecto de reverência ao estrangeiro, misturado ao discurso higiênico e
civilizador, sustentáculo da racionalidade colonizadora, é interessante verificar a fala do
governador João Coelho a respeito da febre amarela:
“Molestia já tornada endemica pela elevada porção de annos que constituem a sua existência entre nós, a partir da irrupção do primeiro caso importado, que se perde na longitude immemorial do tempo, a frequencia e virulencia com que se manifesta é um perigo constante aos não acclimatados e um phantasma que espavóre de nossa terra os elementos extranhos imprescindíveis á obra evolutiva e harmonica da civilização paraense.” 54
Irônico observar que a obra “evolutiva e harmonica da civilização paraense” citada
por este governador, encontra-se nesse mesmo momento extremamente tencionada entre as
duas facções rivais dentro do partido Republicano Paraense: os agora chamados coelhistas,
ligados ao governador João Coelho, e o grupo ligado ao senador Antonio Lemos, os lemistas.
Essa tensão explodirá em dezembro de 1910 em torno da discussão a respeito das
concessões municipais. Essas modificações ou intervenções não se dariam sem conflitos,
resistências, assimilações e composições entre os diversos grupos e sujeitos sociais como se
pretende demonstrar no decorrer desse trabalho.
O governador Lauro Sodré afirmava a construção de 41 bicas públicas, o que revela
que grande parte do abastecimento de água da população era proveniente de bicas públicas e
não de água encanada.55 Em julho de 1897, o governador Paes de Carvalho manifestou-se
sobre a importância de intervenções urbanas em Belém de caráter higiênico com o apoio do
estado. Naturalmente se reportando aqui ao processo de intensa intervenção na cidade, a partir
da administração do intendente Antonio José de Lemos, principal liderança política do partido
do governador, entre 1897 e 1910.56
Paes de Carvalho, pouco depois, ainda enfatizava a necessidade de uma reforma em
Belém para apagar o passado colonial e a construção de vilas higiênicas para substituir os
cortiços que seriam “formidável focos de infecção e vício de toda a espécie”, bem como o
aumento do número de fontes públicas com a instalação de poços artesianos.57 Interessante
observar que os diversos processos de remodelamento urbano em várias capitais do País
53 SOUZA, Lynn Mario T. Menezes de. Op. Cit., p. 121, para quem “(...) Bhabha não separa a construção da identidade do colonizado da construção da identidade do colonizador; entendendo esse processo relacional como algo ‘agonístico’ e ‘antagonístico’”. 54 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1910 ao Congresso Legislativo do Pará. 55Mensagem de Lauro Sodré dirigida ao Congresso do Estado do Pará no dia 1º de fevereiro de 1897. 56 Mensagem de Paes de Carvalho dirigida ao Congresso do Estado do Pará em julho de 1897. 57Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará 1º de fevereiro de 1900.
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implicavam no combate com o que estivesse relacionado ao chamado passado colonial de
forte influência lusa,58inclusive com a mudança de nomes de ruas.
O governante, médico de formação, utilizando-se do discurso higienista, associava
saúde e moralidade nas habitações populares que contrariavam os modelos de família e casas
das elites locais. Esses argumentos eram também muito comuns na imprensa da época e
legitimador das intervenções municipais realizadas nessas moradias.59
Paes de Carvalho afirmava que existiria cooperação entre estado e o município de
Belém para o saneamento da cidade, sobre mananciais para abastecimento de água na capital
e um projeto geral de esgotos e da reforma do porto.60 No seu último ano de governo,
relacionava as melhorias de qualidade de saúde e de vida em geral à necessidade de atrair
investimentos do exterior: “melhoramento das condições de higiene para atrair capitais”. 61
Quanto às modificações urbanas efetivamente realizadas, ele notificava o:
“alargamento de ruas, abertura de avenidas, ajardinamento de praças, reformas de antigas
construções, elevado número de construções novas, o calçamento de grande parte da área
edificada”. 62 E atribuía ao intendente Antonio José de Lemos, seu aliado e chefe político a:
“reorganização e regulamentação do matadouro, do mercado, dos cemitérios,... o exgotto, aterro e calçamento de grande número de ruas, a construcção de passeios, a arborização systematica de avenidas e praças, o ajardinamento destas, a abertura e conservação de vallas e avenidas (...) Praça da Independência, da República [rua]Bailique(...)rua Padre Prudêncio e outras do centro da cidade foram calçadas de novo, e a Praça da República ...será em breve dotada de importantíssima reforma em seu calçamento...A creação do Horto de Arboricultura.A Praça Caetano Brandão (...)Ja foi inaugurada a nova usina destinada á cremação de lixo....Está em estudos a escolha de um local para um novo cemitério...estudos necessários para a construcção de docas e de um novo matadouro...um serviço médico(...)a atender ás necessidade da inspecção sanitária do município(...)e o necrotério”.63
Nessa síntese da reforma lemista, observa-se o caráter focado no centro da cidade e
preocupação com a higiene. Faltou nessa exposição referência à criação do bairro do Marco
da Légua, até a primeira légua patrimonial da cidade, e a reforma do Bosque Municipal
situado nesse bairro.
58 A respeito do anti colonialismo e antilusitanismo, ver: Ordem e Progresso. Op. Cit. e COELHO, Geraldo Martirez. “Prefácio”. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. 2ª. ed. Belém: Cejup, 1992. 59 Ver PANTOJA, Letícia. Op. Cit. 60 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará Estado em 5 de fevereiro de 1900 em 12 de julho de 2011. 61Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará em 1º de fevereiro de 1901. Acesso em 12 de julho de 2011. 62Idem, p., s-21. 63Idem, pp.s-1- 47-48.
40
Segundo Sarges, o caráter da reforma de Lemos foi centrado na higiene,
remodelamento e embelezamento urbano. As medidas de caráter higiênico consistiram em
medidas de saúde pública, limpeza urbana com a cremação de lixo, forno crematório, rede
geral de esgoto para o centro da cidade, principalmente, matadouro, proposta de incineração
de cadáveres e necrotério. As fachadas dos principais prédios adquiriam a fachada art
nouveau. Na representação das elites dirigentes, o embelezamento da cidade consistiria na
criação de boulevards, quiosques, arborização, praças, ereção de monumentos, calçamento de
ruas, iluminação a gás e elétrica, mercados para a venda de carnes e legumes, instituição para
o recolhimento de mendigos.
A residência das famílias abastadas passava para os bairros mais afastados do centro
como Nazaré, Umarizal e Batista Campos, em ruas calçadas com paralelepípedos de granito,
como no centro da cidade. O interesse seria “os hábitos e a ‘sensibilidade’ da população numa
onda modernizadora”.64 Nessas obras, houve a participação do capital estrangeiro na condição
de empréstimos, inclusive britânico e concessões para aliados políticos e empresas
estrangeiras, como a companhia de bondes, além de cobrança de novas taxas.
No período entre 1901 e 1909, a preocupação foram as obras para melhoramento do
abastecimento de água do município de Belém, inúmeras reformas em prédios públicos, entre
elas da EN que foi também ampliado,o palácio do Governo, o Asilo dos Alienados, a cadeia
de S. José, o prédio da antiga chefatura de polícia, o Instituto Lauro Sodré e o Teatro da Paz.
Somam-se a essas transformações na paisagem da Belém da Belle Époque, a construção do
Colégio Gentil Bittencourt e de inúmeros grupos escolares, além de um hospital para
tuberculosos.
“(... )A nossa capital é uma das maiores cidades estabelecidas sobre o equador e nella vive uma população extrangeira numerosa; está dotada ou prestes a receber importantes melhoramentos urbanos, seus serviços públicos estão regularmente estabelecidos, suas instituições de caridade e instrucção servem de exemplo pela sua optima organização e resultados profícuos(...)”65
O governador Augusto Montenegro evidenciava, nesse trecho, a intensa imigração e
terminava afirmando a continuidade das obras do porto e de um empréstimo externo para a
conclusão da estrada de ferro Belém Bragança,66iniciada, aliás, desde 1884.
64 SARGES, Mª de Nazaré Op. Cit. Capítulo 4 in passim. 65Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará.. Acesso em: 12 de julho de 2011. 66 Idem, p.15.
41
1.3.2. Diversidades e Relações de Sujeitos Sociais na Cidade
Mas quem eram os diversos sujeitos que constituíam o espaço urbano com suas
culturas diversificadas em encontros, confrontos, submissões e ressignificações?
Esses diversos moradores já tinham chamado a atenção de um viajante estrangeiro em
viagem ao Brasil, Paul Adam, no livro Les Visages Du Brésil de 1914, cujos trechos foram
traduzidos do francês.
“(...) este caboclo que descalço, conduz suas mulas atrás do bonde elétrico... os dândis em ternos brancos, com anéis em seus dedos finíssimos e morenos... estes ‘doutores’, médicos, engenheiros, arquitetos ou advogados... estas senhoras e suas negras que se agrupam em vestes coloridas em frente às igrejas de duas torres onde tocam sinos... estas professoras e estudantes vestidas pelos hábeis imitadores de nossos célebres costureiros... cidade de 300.000 habitantes ‘créoles’ e brancos negros e mulatos, caboclos e cafuzos, memelucos e curibocas, caraíbas, tupis e jês, todos igualmente vestidos de algodão limpo, com chapéus de palha limpa ou de feltro novo... todos igualmente satisfeitos com sua situação [...]”. 67
É interessante ressaltar a temporalidade cultural entre o caboclo descalço (atrás) e o
bonde elétrico. Metáfora de tempos culturais distintos que se entranham e se estranham
algumas vezes na cidade. A percepção das cores de pele das pessoas e outros traços ligados
aos fenótipos e das denominações a partir das diferentes misturas de tons de cores que para a
linguagem da época estavam associadas às misturas raciais.
A respeito de temporalidade diferente da já vivenciada pelos EUA, por exemplo,
onde “tempo é dinheiro”, é significativo comparar aquele depoimento com o de outro viajante
em 1892, dessa vez um norte-americano, Mr. Ballou, Belém teria “um modo de vida que
conforma-se à influência climática(... )Tudo é muito vagaroso [quiet], não existe pressa”, mas
avaliando de forma positiva : “ Isso tudo parece a um estrangeiro ser uma verdadeira poesia
de vida”.68
Lembra o autor desse trabalho sua experiência de três anos de moradia em
Copacabana, estudando em Niterói e trabalhando em uma favela na zona oeste e em uma
escola em Olaria, zona norte, no Rio de Janeiro. Extremamente estressado pela vivência do
ritmo urbano acelerado, voltou à Belém depois de três anos e, após alguns dias, teve sensação
67 ADAM, Paul, pp. 273-275 apud FREYRE, Gilberto. “Ordem e Progresso: introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil”. In: SANTIAGO, Silviano. Op. Cit., p. 569, nota de rodapé n. 25. 68 FREYRE, Gilberto. “Ordem e Progresso: introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil”. In: SANTIAGO, Silviano. Op. Cit., pp. 599-600. Traduzido do inglês.
42
parecida com a do autor acima. De estar num lugar em que tudo acontecia como numa espécie
de filme em câmera lenta.
Maria de Nazaré Sarges separa de um lado apresenta uma elite “classe de homens
políticos e burocratas (...) os comerciantes, basicamente portugueses; os profissionais liberais,
geralmente de famílias ricas e oriundos das universidades européias”. A esse grupo contrapõe
o que ela denomina a “camada pobre da população”, composta pelos trabalhadores de
construção pública e também por “alfaiates, sapateiros, relojoeiros, marceneiros e outros”. 69
Deveria ser acrescentado: lavadeiras, ambulantes, estivadores, prostitutas, gatunos
etc. É preciso não esquecer, contudo, que os sujeitos sociais não estavam necessariamente
ligados aos comportamentos esperados de seus ofícios e classes e muito menos em confrontos
permanentes e inevitáveis. E, embora, contrapondo-se em vários momentos, uma cultura
elitizada contra uma cultura plebeia, ambas podem também participar de aspectos culturais
comuns sem o qual a hegemonia seria impossível.70A trama sinuosa que tece essa complexa
realidade de sujeitos em tensões e negociações, faz recuperar apontamentos de Martín-
Barbero:
“o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pensar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica”.71
Para Castro, o crescimento acelerado da cidade contou além de uma forte imigração
portuguesa e nordestina com “fluxos migratórios espanhóis, franceses e italianos, além de
fluxos do interior paraense”.72 Poder-se-ia acrescentar judeus e sírio-libaneses. Como se verá ,
a naturalidade das alunas matriculadas na EN, no período entre 1890 e 1920, mostrará a
procedência de grande parte das alunas de estados nordestinos.
Nessa cidade, os sujeitos sociais vivenciaram momentos de compartilhamento de
práticas culturais, mas também de confronto entre modos de vida que as elites vivenciavam ou
queriam vivenciar e os das camadas populares.
69 SARGES, Mª de Nazaré. Op. Cit., p. 58. 70 Não há como não lembrar aqui os trabalhos a respeito de cultura e classe social de THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras,1998. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., GARCÍA CANCLINI, Néstor. Op. Cit. 71 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., p. 113. 72 CASTRO, Fábio. Op. Cit., p.16.
43
a) Encontros
A historiografia da chamada belle époque amazônida, como filha de seu tempo,
enfatizou inicialmente as elites locais, suas articulações e conflitos e, numa outra etapa, o
processo modernizador empreendido nas duas principais capitais da região Belém e Manaus,
ou o que acaba sendo similar ao período anterior, a cultura das elites locais daquele espaço de
tempo.
Letícia Pantoja73 abordou esse momento, não só como de práticas culturais das
elites locais, mas principalmente os modos de morar, lazer e trabalho das camadas
subalternas da cidade de Belém. No entanto, se as camadas populares apresentam-se como
sujeitos históricos no palco da cidade, a autora preferiu afirmar as diferenças e conflitos entre
elites e subalternos do que mostrar pontos de contato e diálogo. Onde estariam os espaços de
convivência? Entre patrões e empregados, por exemplo? Qual o papel dos espaços públicos e
dos jornais como formadores de opiniões e comportamentos comuns?
Reporta-se aqui aos chamados Estudos Culturais e no conceito de hibridação,
hegemonia que embora não neguem a dominação, permitem analisar também aspectos
culturais compartilhados por populares e elites. A propósito, Letícia Pantoja mostra uma foto
de uma rica senhora pertencendo a uma família abastada, coberta de jóias, com roupas finas,
mas flagrantemente afroindígena. A autora percebe a mestiçagem étnica, mas não dialoga
com o conceito de mestiçagem cultural. Elites e camadas populares parecem pertencer a
mundos muito distintos. Ora, como lembra Martín-Barbero, é necessário interpretar a:
“trama (...) nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não o é de resistência, e que nem tudo que vem ‘de cima’ são valores da classe dominante, pois há coisas que, vindo de lá, respondem a outras lógicas que não são a de dominação”. 74
Já Aldrin Moura de Figueiredo 75, ao construir interessante diálogo entre história e
antropologia, aproxima-se mais das pontes construídas, através da cultura, unindo o universo
das elites e dos setores populares76. Seja através das práticas de pajelança, seja através de
73PANTOJA, Letícia Souto. Op. Cit., Foto 1. 74MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., p.114. 75 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia: 1870-1950. Belém: Edufpa, 2008. 76 Entende-se por setores populares os sujeitos que ocupavam posições subalternas e ligadas principalmente às atividades manuais, predominantemente afroindígenas. Esse grupo se amplia com imigrantes pobres de diversas origens como portugueses, espanhóis, etc. Com uma forte tradição oral e rural, sem negar a presença de expressões e práticas híbridas, local e global, populares partilharam aspectos dos modos de vida considerados eruditos, influenciando e sendo influenciados. A constituição das camadas populares se faz em confrontos e negociações com as elites. Na construção dessa categoria ver: GARCÍA CANCLINI. Op. Cit., MARTÍN-
44
matrizes culturais diversas que os setores populares utilizam pelas apropriações e
ressignificações.
A “Irmãs de S. Benedito” foi uma comunidade de escravas que se constituiu em
Belém por volta de 1870, lideradas pelo barbeiro mulato Marcos Florêncio de Brito. A festa
dessa irmandade ganhou prestígio. No terceiro ano, 1872, Arthur Vianna descreve o baile
formado basicamente por negros e mulatos:
“nada oferecia de curioso, a não ser a mistura profusa de trajos: ao lado das mulatas e das mamelucas vestidas de cetim, fustão ou Bretanha fortemente gomadas (...) sustentando o ramo de jasmim, os pés nus metidos a meio em vistosas chinelinhas de polimento, dançavam moças, também mestiças, porém já atingidas pela evolução, com as cinturas rebaixadas a espartilho, roupas copiadas dos figurinos estrangeiros, penteados também plagiados dos modelos europeus(...)”77
O trecho acima evideencia certo espanto e olhar evolucionista racial ao afirmar que
algumas das participantes já haviam evoluído a ponto de copiar modelos europeus de
vestuário. Em seguida, fez as mesmas ponderações em relação ao traje dos homens. E
descrevia o programa do baile: “(...) O programa moldava-se pelo estrangeirismo; dançavam-
se valsas, polcas e quadrilhas, metodicamente dispostas três a três (...)” 78A partir daí, o ludum
substituía as danças europeias, o baile “(...) oferecia um conjunto pitoresco palpitante e
ardente [as mulatas]... mostravam a sua notável perícia coreográfica, executando habilmente o
caprichoso lundum”. 79
Assim, evidencia-se o partilhamento de tradições culturais de origem europeias
misturadas com outras de matrizes africanas. As primeiras, demonstradas nas danças
associadas às elites, mas também partilhadas até certo ponto pelas camadas populares, como
forma de exibir respeitabilidade e as segundas, exemplificadas pelo lundu, preferencialmente
usadas pelas camadas populares. Dalcídio Jurandir, escritor que como um bom etnógrafo teria
registrado os comportamentos de setores populares, em um de seus romances descreve um
baile no interior do estado em que as mulheres chegavam e começavam a dançar com sapatos
e em certo momento ficavam descalças.
Mas, se práticas das elites eram copiadas, ressignificadas e apropriadas pelos setores
subalternos, o inverso também ocorria. A esse respeito, ao se analisar algumas fontes,
BARBERO. Op. Cit., HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. 77Arthur Vianna apud SALLES, Vicente. O Negro na Formação da Sociedade Paraense. Op. Cit., pp. 157-158. 78Idem. 79Idem, Ibidem
45
amplamente utilizadas por uma historiografia de profundo viés tradicional − onde os sujeitos
que fariam a história seriam as autoridades constituídas ou membros das elites locais e cuja
veracidade seria garantida pelos documentos ditos oficiais − foi encontrado alguns exemplos
de comportamentos compartilhados, o que vem ao encontro do que foi analisado nesta
pesquisa.
A primeira evidência foi na discussão entre Paes de Carvalho e o major João Maciel
da Costa em torno de quem teria proclamado a república no Pará. O major Maciel respondeu a
Paes de Carvalho no “Diário do Grão Pará”, de 22 e 23 de setembro de 1890 dizendo que ele
e Justo Chermont tiveram posição dúbia e vacilante no episódio. Maciel, na tarde do dia 15 de
novembro, logo após receber um telegrama de Quintino Bocaiúva dando notícias da
proclamação da República, colocou-se, como comandante militar, à disposição do Clube
Republicano para a deposição do presidente provincial. Mas, Paes de Carvalho disse que daria
uma resposta após uma reunião do clube marcada para essa mesma noite.
De um informante, o Major Maciel ouviu que na reunião do clube, Paes de Carvalho
encerrou a discussão sobre a adesão ou não à república o seguinte: “Vamos para as nossas
casas, tomemos as nossas redes e deitemos com as nossas esposas e vamos aguardar as
ordens do Rio de Janeiro”.80Portanto, o hábito de usar redes, oriundo de práticas indígenas e
populares seculares atingiu amplas camadas da população local , nesse período, embora o
discurso hegemônico referenciasse modos de vida estrangeiros como modelos de conduta.
Após a eleição do Congresso do Pará, que elaborou a constituição do estado e elegeu
o primeiro governador republicano pelo voto indireto, Lauro Sodré, houve um levante no dia
11 de junho. Os líderes desse movimento, entre outros, eram Vicente Chermont de Miranda,
Major Gama Costa e Veiga Cabral, todos ligados ao Partido Democrático, constituído em sua
ampla maioria de ingressos do antigo Partido Liberal da época imperial.
Após a derrota, e efetuada a prisão dos principais envolvidos, o major Gama Costa
prestou depoimento ao primeiro delegado da polícia no Arsenal de Marinha em 13 de junho
de 1891: “(...) Só pela manhã de 11 soube do movimento pela madrugada, foi preso em sua
casa, na sala de jantar, deitado em uma rede de maqueira conversando com o Sr. Ayres de
Souza e do menino Henrique Lobato”. 81
Silveira, referindo-se a um artigo de jornal de 1878, a respeito de uma peça realizada
naquela casa de espetáculos reproduz o seguinte comentário:
80 MEIRA, Octávio. Op. cit. p. 39, acrescentado negrito nas palavras. 81 Idem p. 366, acrescentado negrito na palavra rede.
46
“Além dos muitos eventos que por conta própria fizeram os actores na peça de Macedo, lembrou-se a empreza de terminal-as com um samba ou batuque, mais próprio de circo de cavallinhos, ou cousa que o valha, do que um theatroserio. No entanto, para vergonha do nosso publico, foi essa parte mais applaudida da comedia”. 82
O batuque era um tipo de dança fortemente associado aos negros e camadas
populares. Assim ao se manifestar num espaço considerado erudito ou elitizado comprova as
interações e ressignificações possíveis como se falou anteriormente. Ainda a respeito da
presença da música popular num espaço que em princípio seria de uma cultura erudita, numa
entrevista, o pesquisador Vicente Salles lembra que:
“há carimbó na ópera do maestro Gama Malcher. Lá pelas tantas na ópera aparecem dois caboclos tocando carimbó e gambá. O gambá, do baixo Amazonas, é o carimbó aqui da nossa região. Isso em 1892, no Teatro da Paz. Já se tocava carimbó.” 83
José Veríssimo apresentou um trecho significativo sobre a temática em tela:
“Ainda se encontram pessoas, principalmente mulheres velhas, que por dinheiro nenhum dariam o muiraquitã, que à guiza de amuletos pende-lhes do pescoço, junto no devoto rosário com figurinha de pau de Santo Antônio, bracinhos de osso (figas) e dentes de animais. De iguais penduricalhosenchem as mães − muitas de famílias que se têm por civilizadas – os pescoços dos filhinhos, e ajuntam-lhes mais dentes de certas cobras, de boto, pequenos punhos de homem, bicos de acua e outras aves, conchas, olhos de santa Luzia em metal, figurinhas de S. Brás em osso, para preservá-las de quebranto, caruaras, maus olhados, de moléstias como convulsões, diarréias, mal de olhos e de garganta e outros ataques peculiares à infância”. 84
Aqui fica claro, dentro do universo das elites, fortemente influenciada pelo
cientificismo de além mar, a utilização de práticas populares e centenárias de medicina que
são então partilhadas por diversas classes sociais. Numa instituição que seria criada, entre
outras coisas, para ajudar no processo de disciplinarização e civilização como a EN, pode-se
encontrar uma correspondência do inspetor José Gentil Raiol em 17 de maio de 1897:
“Participo a V. Sª que o alunno da Escola Normal, Raymundo Nonato da Silva e Cunha, ausentando-se 3.ª feira do estabelecimento foi a taberna do canto e la tomou ½ copo de cachaça, cheia a boca que derramou em seus
82 Chronica theatral, 17/03/1878 apud SILVEIRA, Rose. Op. Cit. pp.131-132. 83 O Liberal. Vicente Salles é a memória viva do Pará. O Liberal, Belém, 4 de dez. 2011. Atualidades, p. 06. 84 José Gentil Raiol apud FIGUEIREDO, Aldrin M. de. Op. Cit., p. 101. Acrescentou-se negrito em palavras.
47
colegas...Censurando o referido alumno, disse-me que não admitia censuras e que não tinha satisfações a dar satisfações de seus atos.85
Apesar de toda a campanha do intendente Antonio Lemos, entre 1897 e 1911, de
inculcar novos hábitos de higiene na população, um leitor escreve a um jornal que os
poderosos também não tinham preocupação em cuidar do lixo: “certos melhoramentos aqui
introduzidos Sr relator, seriam magníficos se fosse todos, gregos e troyanos, obrigados a
cumpri-los (...).Mas assim não acontece(...) das casas de aparência nobre, onde moram
thureferarios, dos todos os poderosos deitam lixo no chão, como que desafiando a autoridade
dos guardas e fiscais (...). 86
Nesses pequenos episódios, como aplaudir danças eminentemente plebeias e de
negros, dormir em rede, usar práticas de pajelança, tomar cachaça em plena manhã por um
aluno da Escola Normal − e restando a dúvida se o inspetor estava mais indignado pelo ato de
tomar cachaça, ou de o aluno a ter jogado nos colegas, ou ainda de o aluno o ter enfrentado −,
a resistência de novos hábitos seja da cultura erudita ou mesmo de higiene por parte das elites,
demonstra uma maneira bastante diferente do padrão europeu, no qual a elite se representava,
além de ser amplamente compartilhado por diversos setores da sociedade como práticas
culinárias compartilhadas. Assim, a cultura da dita belle époque é traspassada por várias
matrizes culturais inclusive a afroindígena.
Dessa forma, afirmativa de Ana Carolina Escosteguy reforça compreensões das
relações que diferentes sujeitos e culturas estabeleciam entre si no final do século XIX e
primeiras décadas do século XX: “(...) não existe um confronto bipolar e rígido entre as
diferentes culturas. Na prática, o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios entre elas. Elas
não são vistas como exteriores entre si, mas comportando cruzamentos, transações,
intercecções (...)” 87
b) Desencontros e Submissões: Entre Polícia e Higiene Embora haja o compartilhamento entre diversos grupos sociais de práticas culturais há
também fortes oposições que acabam levando a diversos tipos de conflitos. O tempo poético
85 Arquivo Público do Estado do Pará, a partir de agora (APEP). Escola Normal: Caixa de Petições de Matrícula e de Segunda Época. 1890, 1893, 1894, 1897, 1898, 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1909, 1910, 1912, 1911, 1912, 1918. 86 No principal jornal da oposição, Folha do Norte, Belém, 27 de julho de 1904, apud SARGES, Mª de Nazaré. Op. Cit., pp.105-106. É de notar aqui a afirmação de Castro: “potes de tapioca mandados fazer em louça de Chartres”. CASTRO, Fábio. Op. Cit., p. 175. 87 ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Op. Cit., p. 147.
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enfatizado acima e essa aparente satisfação geral contrapunham-se com as falas de alguns
governadores, por exemplo.
O processo de modernização da cidade, principalmente entre 1897 e 1910 seria
também um processo excludente e intimamente associado a uma política de higienização a
qual procurava, entre outros objetivos, ações de controle social.88 Em 17 de dezembro de 1897
era criada, inclusive, uma Polícia Municipal “como controle e vigilância dos componentes da
sociedade (...) exigindo dos cidadãos que agissem de acordo com os padrões higiênicos
definidos pelas autoridades sanitárias”. 89
Pantoja mostra os comportamentos masculinos e femininos das camadas populares,
as formas de constituir famílias, de morar, lazer e trabalho que iam de encontro às
expectativas de grupos hegemônicos, provocando, inevitavelmente conflitos. Tais litígios
pipocavam em anúncios anônimos de jornais, que condenavam esses modos de viver,
revelando formas de discriminação e preconceitos, até a atuação direta do aparato policial e
judiciário.90 Embora se concorde em geral com o seu argumento, observa-se que na ênfase de
contrastar práticas culturais distintas, a autora acaba por homogeneizar excessivamente, tanto
os grupos hegemônicos, quanto os populares, não percebendo as diferenças e conflitos dentro
de cada um deles.
Veja-se o que informam as mensagens de governadores entre 1891 e 1920 a respeito
dos embates entre modos de vida diferenciados, dificuldades de acomodações políticas entre
outros e as eventuais resistências.
Logo após a tomada do poder, o grupo republicano já pensava em vigiar melhor o
espaço urbano da cidade, através da numeração das casas. Símbolo da disposição burguesa em
controlar as cidades que estavam se transformando num espaço cada vez mais massificado e
moderno. O decreto n. 157 de 10 de julho de 1890: “Approva a postura Municipal de Belém
sobre a numeração dos prédios urbanos”.91 Seria feita com algarismos brancos em relevos,
sobre placas de metal, com fundo azul esmaltado. 92
Em 1891 era noticiada uma revolta ocorrida no ano anterior contra a posse do
primeiro governador eleito, Lauro Sodré.93 Por sua vez, este afirmava à necessidade da
criação de uma penitenciária, além de denunciar a carestia, escassez de carne verde e o 88 Idem, p. 97. 89 Idem, p. 98. 90 PANTOJA, Letícia Souto. Op. Cit. 91 PARÁ. Decretos e actos do Governo do Estado do Gram-Pará. Belém: Typ d’A Provincia do Pará, 1890. 92 Idem. 93 Relatorio com o que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administração do estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em 23 do mesmo mez.
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aumento de preço provocado pelas enchentes, impostos e roubo de gado. Portanto, a
construção de um presídio relacionar-se-ia à necessidade de conter sujeitos sociais que, de
certa forma, estavam mal acomodados ou incomodados com a expansão da economia do
látex. 94
Na mensagem de 1º de fevereiro de 1900, o governador Paes de Carvalho95 dá
notícias de distúrbios eleitorais do ano de 1899. A cidade se ressente da presença de varíola,
febre perniciosa, febre amarela. Há ainda a resistência da população às visitas dos inspetores
sanitários, ocultação de doentes e fuga à vacinação, que mostraria concepções de doença e
cura diferenciadas96. Ainda é evidenciado o impaludismo endêmico no baixo Amazonas.97
Um bom momento de se observar comportamentos culturais distintos a respeito do saber,
práticas médicas e resistência ostensiva de amplos setores da população a comportamentos
médicos partilhados por apenas parte das elites locais.
Em 1900, Paes de Carvalho notificava o aumento da criminalidade devido à
imigração e a propunha a criação de polícia civil e identificação de criminosos. “(...) polícia
em posição de poder cabalmente preencher os seus fins civilizadores”.98 A respeito da
identificação de indivíduos como mecanismo de controle é interessante reportar-se a Corbin:
“Desde o início do século XX triunfa a identificação pelas marcas corporais e mais
precisamente pelas impressões digitais”.99 Seria uma resposta ao surgimento da multidão que
desde o século XIX, com o avanço do processo de modernização faz sua irrupção na vida
urbana do ocidente e o desejo de controlá-la e reprimi-la. 100 Nesse aspecto, Belém também se
manteve atenta às últimas novidades “vindas de Paris”.
Augusto Montenegro afirmava que passada as eleições de fevereiro de 1903, os
ânimos começaram a serenar.101 Em 1904 fez referência ao motim de outubro de 1899 e a
94 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador, Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará, em 1º. de fevereiro de 1893. 95 Mensagem do governador Paes de Carvalho em fevereiro de 1900. 96AMARAL, Alexandre Souza. Vamos à vacina? Doenças, saúde e práticas médico-sanitárias em Belém (1904 a 1911). Dissertação (Mestrado em Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, 2006 ou AMARAL, Alexandre Souza. Belém, o teatro das doenças: "A Bubônica" (1904). Belém: Açai, 2008. Para o caso do Rio de Janeiro, ver: CARVALHO, José Murilo. A Revolta da Vacina: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. 97 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 1 de fevereiro de 1900 p. 25. 98 Idem. 99 Idem, p. 435. 100 Idem, Ibidem, p. 429. 101 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro.
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protestos contra o aumento da tarifa de águas.102 No ano seguinte, embora afirmasse que a
economia melhoraria com a elevação da produção e receitas da borracha, indignava-se com a
criminalidade:
“Para os pequenos delitos (...) campeando sobremaneira nas ruas da capital, affrontando a policia, amendrontando e pilhando os seus habitantes, uma malta de vagabundos e gatunos, lia de todas as cidades marítimas do Brasil, atirada á Belem pela fama de sua riqueza e pela impotência de seus órgãos de repressão (...) Apesar da multiplicidade desses pequenos delictos, constatados pelas gazetilhas dos jornaes, apesar da remessa aos juízes criminaes de centenas de diligencias preparadas na policia civil, com desgosto constato que durante 12 meses do anno passado e o mez de Janeiro deste annosò foi julgado em julho um réo pelo tribunal correccional, que o condenou a 8 mezes , 20 ½ dia sde prisão!(...) Junte-se isto a proverbial benignidade dos jurados que os impede de comprehender que a vagabundagem, o alcoolismo e o gatunismo são moléstias gravíssimas do organismo social, (...)” 103
Pode-se observar que concepções distintas a respeito do crime e de sua punição. Para
inibir a escalada de criminalidade, Augusto Montenegro propôs uma reforma do judiciário
que teve como resultado:
“No período de cinco mezes de Fevereiro a Junho deste anno[1905], o tribunal correccional julgou 112 réos, condenando a 86 réos, absolvendo a 17, anullando 6 processos, archivando 1, julgado prescripto 1 e lançando o auctor em 1.” “(...) veiu pôr fim a uma pratica (...)a policia obrigada a guardar toda a sorte de indivíduos, réos de pequenos delictos, cuja punição era impossível obter...a justiça publica (tribunal do Juri) obteve condenações em 16 processos dos 34 sujeitos ao seu julgamento em duas sessões consecutivas ao contrário de 1904 que de 26 reus, só 6 puderam ser condenados”.104
Interessante são suas considerações a respeito do aparato repressivo e a
necessidade de outro presídio: “Nossa cidade tem-se desenvolvido tanto, ellaoccupa tão vasta
área que não pode deixar de ser condemnado o systemaactual de uma única estação para a
detenção de presos.” Então recomendava uma descentralização do aparato repressivo:
“Entretanto, me parece que o serviço de detenção de desordeiros; vagabundos e embriagados
(...) requer ‘necessidade de subprefeituras em S. Bras, Umarizal e Marco com umas estações e
guardas cada uma para recolhimento de presos’”.
102Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1904 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro. 103Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1905 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro. 104 Idem, p. 26.
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E continuava prestando contas das ações em prol da melhoria de segurança: “Estou
construindo bons postos policiaes e cadeias em Pinheiro, Marituba e Igarapé-assú...105. O
período de governo de Augusto Montenegro pode ser considerado o auge do processo de
modernização, expansão econômica e de reformas urbanas na cidade e, apesar disso, ou até
por isso, numa evidência de modernização excludente e contraditória, houve também o
aumento do policiamento e repressão.
Entretanto, o tipo de violência da época distinguiu-se bastante da que ocorre
atualmente em que predominam os assassinatos e roubos, indo ao encontro ao trabalho de
Alba Zaluar sobre os tipos de crime predominantes no Brasil no início do período
republicano106. Por exemplo, em 1907 são listados os tipos de crimes mais comuns: segundo
as diligencias de 1906 “(...) ferimentos leves 141, ferimentos graves 25, homicídio 22, moeda
falsa 46, defloramento 24, roubo 7, suicídio 1 atentado ao pudor 2,estupro 4 etc. num total de
387 ocorrências”. Já no 1º semestre de 1907destacam-se “ferimentos leves 42, ferimentos
graves16, homicídio 10, furto 17, suicídio 7, peculato 4”.107
Os crimes contra as pessoas sobrepõem-se aos que estão ligados ao patrimônio. O
que se leva a pensar que o aparato repressivo é utilizado mais no sentido de contenção da
violência entre pessoas, disciplinarização de modos de vida divergentes do modelo idealizado
pelas elites e menos na proteção dos bens. Nesse sentido, a EN teria um papel importante em
ajustar, preparar professores e professoras que pudessem repassar aos alunos as formas de
comportamento consideradas adequadas ao modo de ser “civilizado”.
Ainda em relação ao combate à criminalidade que envolvia confronto também entre
formas de vida, João Coelho propõe a criação:
“de agentes de policia e (...) de um inspector em cada quarteirão da zona urbana [para] informar á policia tudo quanto se der na respectiva circunscripção e levantar uma estatística de todos os moradores do respectivo quarteirão... [para] descobrir muitos crimes commumente revestidos de circustanciasmysteriosas, por outro lado concorre efficazmente para possuirmos em breve tempo o recenseamento da população”. 108
105Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro. 106 ZALUAR, Alba. “Para não dizer que não falei do samba: os enigmas da violência no Brasil”. In: NOVAIS, Fernando (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 04. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 107Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro. 108 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará em 12 de julho de 2011.
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Terminava informando a necessidade de implantar o “systemadactyloscopico sul-
americano, como o batizaram(...) desenvolvendo os trabalhos de nosso gabinete de
identificação [Era necessário também enfrentar](...) os ébrios, desordeiros, gatunos e
vagabundos”,109 pois graças a esse enfrentamento diminuíram “consideravelmente nesta
capital os furtos, roubos e agressões nocturnas, apesar da crise de trabalho por que passa
actualmente o Estado”. 110
Aqui fica evidente a relação que o gestor faz entre emprego e certas formas de
delinquência. O discurso, que parece ser uma constante, segue: “Como complemento de um
bom serviço policial, devemos procurar possuir um bom serviço de prisões (...) se obras puder
realizar no meu governo uma será a construcção nesta capital de uma prisão”. 111
Segundo Maria de Nazaré Sarges,112 “a nova ordem econômica (...) nascida com a
república impunha não somente a reordenação da cidade (... )mas também a remodelação dos
hábitos e costumes sociais.” As expectativas das elites locais, segundo a autora, pressionaram
o poder público para as obras de modernização que a cidade vivenciaria. Assim, as
autoridades agiram tanto através de seu aparato repressivo mais evidente, quanto do processo
educativo efetuado, na escola em jornais, sermões, espetáculos públicos.
Enfim, dito de outro modo, o aparato repressivo deveria agir onde o discurso
hegemônico não era eficaz e o sistema educacional servia junto com outras instâncias para
tentar modelar comportamentos. Nesse aspecto, a EN era considerada uma agência importante
na preparação dos professores, conforme se pode verificar na afirmação de João Coelho em
1909: “O numero de anno a anno crescente dos candidatos diplomados pela nossa Escola
Normal nos permitte, em proveito do ensino, apurar em processos mais rigorosos a
competência profissional do mestre”. 113
Proveito do ensino e de inculcação, através de professores mais preparados, de
valores considerados convenientes pelas elites. Não há como não lembrar Foucault quando
relaciona a disciplina com a preparação para o trabalho, dentro de uma sociedade capitalista
em expansão. Para esse autor, a disciplina consistiria de pequenas técnicas para domesticar o
corpo e sua origem viria dos colégios, depois nas escolas primárias, entraria pouco a pouco no
espaço hospitalar e reestruturaria a organização militar e das oficinas114.
109 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho. 110 Idem. 111 Idem, Ibidem. 112 SARGES, Mª de Nazaré. Op. Cit., p.16 113 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará. 114 FOUCAULT, M. 1987.
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No final do século XVIII teriam surgido para enfrentar uma conjuntura como a
inovação industrial, o controle das doenças epidêmicas, a invenção do fuzil e as vitórias da
Prússia. Responderiam à grande explosão demográfica do século XVIII e a necessidade de
fixar populações flutuantes, ao crescimento do aparelho de produção extenso e complexo e
necessitando de uma rentabilidade crescente.
“Técnicas sempre minuciosas, muitas vezes íntimas, mas que têm a sua importância: porque definem um certo modo de investimento político e detalhado do corpo, uma nova ‘microfísica ‘ do poder; e porque não cessaram desde o século XVII, de ganhar campos cada vez mais vastos, como se tentassem cobrir o corpo social inteiro”.115
Sobre o aparato repressivo policial este trecho de João Coelho de 1909 é altamente
emblemático:
“Também se vem impondo de há muito a idea da creação de uma colônia correccional, onde os menores e criminosos, os vadios reincidentes, os vagabundos e os ladrões habituais encontrem(...)a punição e a cura dos seus vícios no regimen vivificador do trabalho(...)prestaremos desta fórma um serviço á nossa sociedade e á nossa civilização”.116
Parece que as modificações foram eficazes do ponto de vista governamental, pois:
“O apparelho criminal creado(...) em 1904 tem produzido os resultados que d’elle se
esperavam”. Com números expressivos tenta então provar o quanto foi profícua a mudança:
“Desde a data de sua installação – foram preparados 1.314 processos dos quaes receberam
condenação 773 réos”. 117
Além das várias epidemias anuais e do aumento do aparato repressivo a cidade que
gostaria de ser vista como a Paris n’América, revelava forte desigualdade social, inflação,
baixos salários do funcionalismo público e contínuos atrasos em seus pagamentos. Augusto
Montenegro dava conta das queixas dos funcionários públicos pelos baixos salários. “(...)
assim o funccionalismo que de mez a mez soffre o decrescimento dos seus vencimentos tem
de adquirir na praça, sem diminuição de preço, todos os gêneros necessários á vida”. 118
Em 1907, o mesmo governador em tom de lamúria diz que as rendas provenientes do
imposto sobre a borracha diminuiram em virtude de uma super safra e a conseqüente baixa de
preço, coincidindo com o “paroxismo” da crise financeira na qual vivia o país. Assim, o
funcionalismo pagou parte da conta com os seus rendimentos em atraso. “(...) o thesouro deve
115 Idem, p. 120. 116 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará, p. 43. 117 Idem, pp. 17-18. 118 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1905 ao Congresso Legislativo do Pará.
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as gratificações (...) dos professores das escolas isoladas, os mezes de Outubro, Novembro e
Dezembro; do professorado dos grupos, dos inactivos e da magistratura do interior, o mez de
Dezembro e (... )supressão de muitos empregos públicos.” 119
Augusto Montenegro noticiava também epidemias de peste bubônica. O primeiro
caso foi registrado em 7 de novembro de 1903, às proximidades da TV. São Mateus que teve
um total de 40 enfermos (19 curados e 21 mortos), e febre amarela.120 Em 1907 dava conta
das inúmeras doenças que assolavam anualmente a capital do estado:
“reaparecimento de epidemia de varíola, 235 casos em novembro de 1904, declinando a partir daí, 212 casos vindos do RN... com óbito de 50%. Casos na região da estrada de ferro... tuberculose em ascensão, 210 casos no hospital Domingos Freire em julho de 1904, sendo principalmente do Pará 44 casos e do Ceará 43 e do RN 23 casos...aumento dos casos de óbito por febre amarela, principalmente 1904 e 1905. 222 óbitos. Em 1903 e 1904-116 óbitos, principalmente portugueses, 61% , 479 pessoas vitimadas.” 121
Esses últimos dados confirmam também uma intensa imigração de nordestinos e
portugueses. “A nossa capital é uma das maiores cidades estabelecidas sobre o equador e nella
vive uma população extrangeira numerosa”. Afirmava também a incidência da febre amarela
em portugueses e espanhóis. Houve ainda grande mortalidade dos loucos, a maior parte vítima
de beriberi em função do acúmulo de águas e falta de abertura para arejamento do porão. O
problema teria sido resolvido com a criação de 2 salas de banho e o revestimento de cimento
da antiga área, em pátio interior para facilitar o arejamento e impermeabilização das
enfermarias. 122
As condições de insalubridade da cidade são ainda fortemente descritas a respeito do
combate do impaludismo: “Por seu turno, a obstrucção completa dos igarapés Pedreira,
engenho, S. Joaquim, Jary, Utinga e Tocunduba e seus affluentes determinou a formação de
extensos brejos (...)”.123 Os trabalhos de combate à epidemia de impaludismo implicaram
também em desobstrução de igarapés, aterramento de poços e pântanos artificiais “n’uma área
de 23.000 m2: expurgadas 311 casas e barracas (...)”. O governador não revela o destino dos
moradores das casas e barracas expurgadas. Mais adiante, depois de afirmar a realização de
119 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado. 120 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1904 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. 121 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. 122 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. p. 3 e pp. 56-57. 123 Idem.
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uma campanha contra o impaludismo no bairro do Jurunas dizia que: “Não desconheço que as
cidades nas condições da nossa, á qual falta a base de todo o saneamento duradouro – os
exgottos − campanhas desta natureza não findam nunca(...)”124. O medo maior parecia ser que
“(...) uma fama de insalubridade que é o maior entrave para o nosso progresso”. Naturalmente
com a diminuição da aplicação de capitais externos. 125
O Governador João Coelho mandou fazer “1382 visitas a habitações, tendo
examinado 6.680 pesôas [bairro do Jurunas] das quaes 2454 se achavam doentes
[impaludismo](...)”.126 Os mosquitos também não davam trégua e era necessário proteger os
espaços públicos:
“O hospital Domingos Freire está nas melhores condições de conservação e limpeza, e presentemente, com todas as portas de entrada, janellas e aberturas devidamente protegidas por tambores e tela de arame, de maneira a impedir o ingresso aos mosquitos, sem, de modo algum, prejudicar a ventilação do edificio ou a entrada da luz solar”. 127
As inúmeras doenças que assolavam a capital do estado acabavam tendo impacto na
saúde dos funcionários da EN. No Registro de Licenças dos professores e funcionários do
Liceu Paraense e da Escola Normal-1874-1938,128 observam-se inúmeros pedidos de licença
para tratamento de saúde numa média de 30 a 60 dias, e, em alguns casos prorrogações. O
período entre 1894 e 1900 foi o mais pródigo de concessão de licenças para tratamento de
saúde: 15 casos em 1894; 11 em 1896; 8 em 1897.
Entre 1900 e 1908, apesar de as mensagens de governo do período relatarem
inúmeras doenças, houve uma diminuição na concessão dos pedidos de licença motivados por
questões de saúde, 6 casos em 1900, 10 em 1904, 4 em 1907, 1908 e 1909. Na documentação
não são registradas as doenças e em muitos casos, tratou-se apenas de prorrogação de
licenças.
As epidemias eram recorrentes na cidade. Antonio Luiz Coelho afirmava que: “(...)
De Julho de 1910 a Junho próximo findo, posso avançar que não tivemos perturbação de
gravidade em nossas condições sanitárias [embora](...) palludismo,(...) tuberculose e(...)
variola como fatores mórbidos de maior importância”.129 Parece, portanto, que essas últimas
124 Idem, Ibidem. 125Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado, pp. 33-37. 126 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1910 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado, pp. 79 e 80. 127Idem. 128 Arquivo do IEEP. 129 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1911 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, governador do Estado, pp. 49-53.
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doenças passam a fazer parte, naturalmente, das condições de vida da população belenense.
No entanto, em relação à febre amarela: “É com extraordinária satisfação que levo ao vosso
conhecimento a noticia desta gloriosa conquista: desappareceu de Belém a epidemia da febre
amarella”. 130
João Coelho diante de tantas enfermidades acabou, com a ajuda de Oswaldo Cruz,
enfrentando até sua extinção a febre amarela. Em tons ufanísticos anunciava: “O terror da
morte, gerado pela crença funesta que o morbo amarillico implantára, através de mais de 50
annos de predomínio, já não afasta do solo paraense a cooperação efficaz do trabalho
extrangeiro(...) ”.131 Oswaldo Cruz por sua vez, num anexo ao relatório do governador,
apontou que: ‘O resultado bruto impressiona e póde fazer crer, a quem o encara sem maior
analyse, na completa extincção do mal amarílico”.132
No entanto, o sanistarista, contrariando o otimismo do governador, alertava que se as
medidas iniciais não forem mantidas em pelo menos seis meses,133 a epidemia reaparecerá
ainda mais forte em função dos nascidos e dos imigrantes que viriam ainda em maior número
em função da notícia de erradicação da doença. Mas, a crise da borracha evitará, pelo menos,
uma provável imigração em massa. No final de 1912 a febre amarela parece ter sido
erradicada da cidade.134
Os resultados favoráveis, segundo Osvaldo Cruz se deram em função “(...) sobretudo
á índole ordeira e bondosa do povo paraense(...) da imprensa sensata(...) já não falando do
apoio continuo de todas as auctoridades (...) Naturalmente comparando com a insatisfação
contra suas medidas profiláticas que encontrou, traduzida em revolta, no Rio de
Janeiro.Irônico ressaltar que a ordeira população paraense, no mês anterior, tinha se revoltado
e queimado a sede da Província do Pará e a casa de Antonio Lemos que quase foi morto
pelos revoltosos. 135
130 Idem. Ibidem. 131 Ibidem, Ibidem. 132 Ibidem, Ibidem. 133 O referido relatório data de junho de 1911 e a mensagem do governador de 7 de setembro do mesmo ano. 134 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1912. Op. Cit., pp. 49-53. 135 Idem, p. 54.
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1.4. Entre o Trono e a “Ordem e Progresso”
Se existe um grande ponto em comum entre as inúmeras referências à educação e ao
ensino do Brasil imperial é o que se reporta à sua importância e, ao mesmo tempo, ao descaso
em que se achava desde a colonização. Assim, José Veríssimo,136 que assumiu em 1890 a
Diretoria de Instrução Pública, no governo de Justo Chermont, elencava trechos de relatórios
de presidentes provinciais que são sempre monotemáticos nesse aspecto:
“O ensino público não tem o desenvolvimento que seria para desejar, compatível com a população da província, com os seus recursos materiais e com a intelligencia dos seus habitantes... Sinto dizer-vos que é realmente deplorável o estado da instrução publica n’esta província” devido; 1ª. a disseminação da população por um vasto território; 2ª. A falta de escolas elementares por todos os lugares onde d’ellas ha necessidade; 3ª. a vida ambulante da gente empregada na industria extrativa; 4º. a falta de inspecção regular; 5ª. a falta de habilitações de alguns professores; 6ª. a pobreza dos alumnos; 7ª. finalmente, a negligencia de muitos Paes de famílias”.
Assim falava o Sr. Dr. Corrêa de Freitas, presidente provincial em de 31 de maio de
1879. Contrapunha os problemas da educação, entre outros, à condição do tamanho do
território e uma população dispersa, dificultando a empresa educativa e, é claro,
implicitamente o progresso e a civilização. E sintomaticamente apontava o desinteresse em
relação à escola por parte da população.
Em 20 de outubro de 1887, no seu relatório o presidente Cardoso Júnior afirmava
que: “Sinto dizer-vos que é realmente deplorável o estado da instrucção publica n’esta
província”.137 Dois anos depois, Almeida Pernambuco, Roso Danin e Ferreira Braga
continuavam enfatizando a situação caótica que a educação no estado apresentava.
136 VERÍSSIMO. José. A Instrucção Publica no Estado do Pará em 1890. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Dr. Justo Leite Chermont por José Veríssimo, Director Geral. Belém: Tipografia Cardoso e Cia. 1891. José Veríssimo nasceu em Óbidos, no Pará, em 1857. Fundou e dirigiu a Revista Amazônica em onze fascículos entre março de 1883 a fevereiro de 1884. Crítico literário e teatral. Dirigiu o Colégio Americano entre 1884 e 1890. Diretor de Instrução Pública ente maio de 1890 a 1891, abarcando o governo de Justo Chermont. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1891, levando uma intensa carreira jornalística. Atuou durante sete anos como diretor do Ginásio Nacional e também do Pedagogium em 1890, criado como órgão de planejamento e pensamento educacionais pela Reforma Benjamim Constant. Fundador da Academia Brasileira de Letras e envolvida em várias polêmicas com o alagoano e literato Sílvio Romero. Publicou dois textos a respeito de educação: A Instrução Pública no Estado do Pará em 1890 e A Educação Nacional. No seu pensamento encontramos um misto de positivismo, nacionalismo, maçonaria e republicanismo. Faleceu no Rio de Janeiro em 1916. Sobre esse intelectual ler: CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora. O Projeto Republicano de Educação Nacional na Versão de José Veríssimo. 1997.173f. (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação: História e Filosofia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e SEVERINO, Antônio Joaquim. “Prefácio”. In: ARAÚJO, Sônia Maria da Silva (Org.). José Veríssimo: raça, cultura e educação. Belém: Edufpa, 2007. A respeito da característica de seu pensamento dos seus ideais sobre raça cultura e educação. 137 CARDOSO JÚNIOR apud VERÍSSIMO. José. Op. Cit., p. 08.
58
Para Almeida Pernambuco a questão não era necessariamente falta de recursos, pois
haveria a ser empregado na educação paraense: “avultada somma voltada a esse serviço nos
vossos orçamentos(...)”138
O Diretor Geral da Instrução, Américo Santa Rosa, em 18 de setembro de 1889, ia ao
encontro desse parecer como também emitia uma severa opinião a respeito da instrução
pública paraense:
“Com pezar o digo, mas o dever do meu cargo não admite reservas nem dissimulações: as grandes sommas despendidas com este importtante ramo do serviço publico não encontram retribuição proporcional na diffusão da instrução e no adiantamento intellectual da província. A rotina tem avassalado tudo: os novos methodos de ensino, ou são desconhecidos ou deixam de ser ensaiados, pelos receios que as innovações incutem nos espíritos acanhados e estacionarios. Parece mesmo não se ter ainda comprehendido que a cultura da intelligencia é a primeira condição para a fecundidade do trabalho, o desenvolvimento da riqueza e o bem estar social”. 139
Essas autoridades admitiam, ao contrário do que se costuma ser dito, que os recursos
aplicados à educação, embora não sendo escassos, eram ineficazes e apontavam que menos do
que uma questão econômica o que o poder público enfrentava eram as resistências às tímidas
tentativas de expandir a cultura letrada.
O próprio José Veríssimo, num tom liberal e melancólico, se manifestava a respeito
da situação problemática em que recebeu a educação do estado quando assumiu o cargo de
diretor de Instrução Pública:
“( ...) professorado desrespeitado nos seus direitos, esquecido dos seus deveres, pouco habilitados, a escola desorganisada, sem moveis nem material de ensino, inapta para executar qualquer programmas, os estabelecimentos de ensino publico em plena decadência material e moral, de modo a não soffrerem siquer comparação com os do ensino particular, os serviços administrativos em atrazo, desorganisados, insufficientes e viciados por copia de praticas menos regulares de anos (...). Não há mister dizer-vos a situação da instrucção publica d’este Estado: sabeis que realmente existe apenas em nome e em avultada verba do orçamento (...) profunda indiferença publica por essa questão, [educação] que, no Brasil todo, tem sido apenas thema rhetorico (...) Desinteressamo-nos, portanto por esta questão, como nos desinteressamos por tudo o mais, fiados somente no governo (...)”.140
Enfatizava a necessidade de aprendermos com outros povos em que a experiência
educativa é mais eficaz e não nega que tenha sido empregado grandes somas em dinheiro para
a sua realização. O problema seria menos de recursos do que competência administrativa. 138 Almeida Pernambuco. Idem, Ibidem. 139 Ibidem, Ibidem. 140 Ibidem, Ibidem.
59
Entretanto, as loas à educação foram inumeráveis: Américo Santa Rosa, último
diretor de instrução pública do império, em relatório a respeito das questões educacionais do
estado do Pará,141 às vésperas da mudança para o regime republicano tem clareza da
importância da educação como responsável, entre outras coisas para o desenvolvimento da
inteligência, e como consequência, condição de progresso, enuncia: “(...) Parece mesmo não
se ter ainda comprehendido que a cultura da intelligencia é a primeira condição para a
fecundidade do trabalho, o desenvolvimento da riqueza e o bem estar social”. 142 O próprio
José Veríssimo tinha um forte otimismo a respeito da educação: “Para reformar e restaurar um
povo, um só meio se conhece, quando não infalível, certo e seguro, é a educação, no mais
largo sentido, na mais alevantada acepção dessa palavra”. 143
Pode-se ainda dizer que as escolas secundárias teriam uma função social “(...) com
verdadeiro proveito para o desenvolvimento espiritual da nossa Pátria (...)” afirmava o
ministro Dunshee de Abrantes.144 A respeito do Pará, Arthur Vianna relacionava a república
com a educação:
“(...) basta que os poderes publicos reconheçam que a proclamação da Republica foi o ‘inicio de uma phase destinada a nossa transformação moral, pela educação e pelo ensino, como garantias duradouras e estáveis da transformação política feita; basta que os poderes publicos estejam convencidos que é um dever capital do governo republicano fazer da escola o primeiro instrumento da obra da nossa reabilitação como povo livre basta que os poderes publicos proclamem que vão e inútil seria a revolução de 15 de Novembro e o movimento de onde sahiu a Republica, si d’essa revolução e d’esse movimento não saísse um período de trabalho, de actividade, de reforma e acção pela regeneração da pátria(...)”. 145
Nessa exposição, fica visível a compreensão de que a mudança de regime político da
monarquia para a república implicaria em uma transformação de caráter qualitativo. A
república, como o discurso positivista conseguiu difundir, representaria a condição pelo qual a
nação poderia chegar ao progresso. E como instrumento de renovação a educação teria um
lugar privilegiado nesse processo.
Paes de Carvalho, ao estilo da “herança maldita” a educação imperial à republicana:
“(...) Ninguém deixará de notar, pondo os olhos na história recente da nossa vida, esse contraste que pelas cousas do ensino opõe o regime republicano, em que elas constituem a primeira preocupação dos poderes públicos, e o regime
141 Ibidem, Ibidem. 142 Ibidem, Ibidem, 09. 143 VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 3ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p. 43. 144 Idem, p. 25. 145 Vianna Arthur “Esboço Retrospectivo da Instrucção Publica no Pará: In: PARÁ, Secretaria de Estado de Educação - A Educação no Pará: Documentário - Belém: Seduc, 1987.
60
antigo em que possuíamos uma organização deficiente, cheia de lacunas, indício de um sistema político, que não poderia viver alumiando o espírito do povo” (...). 146
O que causa espanto é que apesar da retórica, a resposta a sempre enfatizada
alarmante situação da educação parece ter sido − após as acusações aos pais, aos alunos, às
condições materiais, à politicagem e, principalmente, aos professores e por isso, é enfatizado
algumas vezes a necessidade de uma escola normal −, as inumeráveis e nem sempre profícuas
reformas, tanto no período monárquico quanto no republicano.
Muito se tem afirmado em relação à disciplina que teríamos herdado da educação
jesuítica. No entanto, Veríssimo apontava no sentido oposto, pois na verdade, havíamos
deixado de lado o método jesuítico para cairmos em modelos educativos extremamente
liberais e, portanto menos eficazes do que o anterior:
“No Brasil, saído do duro e, como quer que seja, initeligente sistema de educação portuguesa, caímos, por influência de idéias francesas, no extremo oposto... Na família, também confundiu-se (sic)licença com liberdade. Ora, a melhor instrutora da liberdade não é a licença, é a disciplina, imposta como um dever moral cujo exato cumprimento eleva e não rebaixa quem a ele se sujeita”. 147
Em relação ao ensino de geografia no estado do Pará, José Veríssimo afirmava que:
“Neste Estado – que gasta com a instrução pública mais de 700 contos por ano− é raríssima,
se existe, mesmo aqui na Capital, uma escola em que se encontre um mapa geográfico e,
certamente, não há nenhuma que possua um globo. Creio que o Pará não tem o privilégio
desta situação”. 148Quanto ao de história nacional, os brasileiros aprendiam sua história com
os livros estrangeiros, pois a única obra brasileira seria História Geral do Brasil, de autoria de
Visconde de Porto Seguro, cuja última edição seria de 1877. No mais, “resumos mais ou
menos disfarçados dela”. 149
Ainda mais raros, trabalhos acadêmicos sobre a história das províncias e quando
existem são ignorados. Quanto aos compêndios seriam despidos de efeitos didáticos.
“Pesados, indigestos e mal escritos”.150 Inspirados na velha pedagogia jesuíta de perguntas e
146 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho em 7 de abril de 1898. Belém: Typ. doDiario Offical, 1898. Na parte referente à educação. Brasilian Government Document Digitalization Project, Provincial Presidencial Reports, Pará. Center for Research Libraries: Chicago,USA. Disponível em htpp:// crl.edu/content/brazil/para.htm. Acesso em 27 de junho de 2011. 147 VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. Op. Cit., p. 77. 148 Idem, p. 93. 149 Idem, Ibidem. 150 Ibidem, Ibidem.
61
respostas e “limitam-se a uma enfadonha estúpida nomenclatura de governadores, de reis, de
capitães-mor ou de fatos áridos” 151
No Pará, a partir do governo republicano houve uma política em relação ao livro
didático e uma produção intensa, abrangendo todas as matérias curriculares do curso primário,
trazendo ao estado, uma situação privilegiada. Inicialmente, em 1893 a escolha dos livros era
do Conselho Superior de Instrução Pública, órgão da Diretoria de Instrução Pública Em1901 o
professor público podia escolher o livro, dentre os apresentados pelo Conselho e avaliá-lo ao
final do ano. 152
Essas obras, entre as quais se destacavam, pela quantidade produzida, gramática,
leitura e moral e cívica, eram elaboradas pelos professores públicos, principalmente do Liceu
e da Escola Normal que seguiam os preceitos científicos e pedagógicos utilizados por países
europeus e pelos EUA. 153
Antes de se fazer uma breve análise a respeito das reformas educacionais que
atravessaram, tanto os governos conservadores, como os liberais, durante o império no estado,
é preciso fazer uma breve digressão a respeito do ensino primário no Brasil. Reproduz-se uma
anedota que o autor desse trabalho leu em um material didático num curso de nível superior
para capacitar professores do interior do Pará, detentores apenas do curso de magistério na
década de 2000.
A anedota dizia mais ou menos o seguinte: D. Pedro I tinha ressuscitado e teve
vontade de vir ao Brasil para ver o que havia mudado desde sua estada aqui. Foram-lhe
apresentados automóveis, viadutos, pontes, aviões, aranhas-céu, enfim vários ícones da
modernidade, que lhe deixaram profundamente admirado e sem reconhecer neles o Brasil de
sua época. Aí, teriam lhe feito entrar em uma sala de aula de escola pública. E ele então teria
falado: − Igualzinho ao meu tempo! Uma das variações da anedota é apontar um estado da
federação que você deseja de forma preconceituosa enfatizar o “atraso”.
Ora, contrariando o senso comum a escola na época de D. Pedro I, era
profundamente diferente da qual se conhece atualmente. Em primeiro lugar o ensino primário
e médio, de acordo com o Ato Adicional de 1834 à Constituição de fevereiro de 1824154, era
organizado com total autonomia pelas diferentes províncias do império, cabendo ao Poder
Central o ensino superior. Em segundo lugar, praticamente inexistiam prédios públicos para a
151 Idem, Ibidem, pp.111-112. 152 Utilizou-se aqui o artigo de COELHO, Maricilde Oliveira. O Livro Didático no Pará da Primeira República. Disponível em: httpp://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/tema3/3128.pdf. Acesso em 04 de abril 2011. 153 Idem. 154 A Constituição estabelecia no artigo 179 que a instrução primária seria gratuita para todos os cidadãos.
62
instrução que era efetuada na casa de cada professor e separadamente de acordo com o sexo.
Não havia o sistema de série e todos os alunos de idades e graus diferentes de adiantamento
eram colocados em uma mesma sala e, com ajuda de assistentes, era ministrado um ensino de
forte influência jesuítica e, portanto, com ênfase em castigos físicos disciplinares e
memorização. 155
Escolas de primeiras letras era a nomeclatura que se dava no império ao ensino
primário. Na verdade, procurava-se atingir o maior numero possível de pessoas para a escola,
menos para a disseminação de conteúdos que visassem prepará-los profissionalmente, mas
principalmente para disciplinar uma massa de cidadãos recém-saída de uma série de revoltas e
de formação do estado nacional brasileiro pós 1831, com a abdicação de D. Pedro I. Fazia
parte do movimento de reação conservadora, eclodida a partir de 1834 com o Ato Adicional
sob a direção do grupo político conservador denominado de Saquarema. 156
O primeiro método de ensino do período imperial foi o individual. Consistia em o
professor em sua própria casa, ensinar individualmente um grupo de alunos. Como
consequência da quantidade de alunos sobrava pouco tempo para cada um deles. Procurando-
se racionalizar o tempo, característica do avanço da modernidade, adotou-se o método
lancasteriano ou mútuo a partir de 1820. Ele funcionava tendo o professor repassando
conhecimento a alguns alunos mais adiantados que por sua vez replicariam o conhecimento
aos demais. Mas, com a falta de espaços, materiais didático–pedagógicos e uma boa
formação de professores comprometeu o seu uso. 157
Em seguida, na década de 1830 adotaram-se os métodos mistos, o que envolvia o
individual e/ou o mútuo. O método simultâneo em que se atendiam vários alunos ao mesmo
tempo foi o empregado em seguida, com a disseminação do quadro negro, a produção de
materiais didáticos, livros e cadernos. Esse método, junto com o intuitivo, culminou na
conformação dos grupos escolares da década de 1890.
Finalmente defendeu-se um método em que a preocupação da aprendizagem partisse
dos alunos. 158 Tal orientação foi chamada de Lição de Coisas ou intuitivo, cuja base
influenciada pelo empirismo inglês e de Pestalozzi, assentava-se na intuição e observação. O
roteiro começava pelas “lições de coisas”, o momento em que o professor deveria criar
155 FARIA FILHO, Luciano Mendes. “Instrução Elementar no Século XIX. In: O Mestre Escola e a Professora. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira et al. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 156 Idem. 157 Idem, Ibidem. 158 Ibidem, Ibidem.
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condições para os alunos ver, sentir e observar objetos com a utilização de objetos que
compunham a sala de aula e através de excursões. 159
Paralelo a todos esse métodos encontra-se um processo de retirar da esfera do
privado a educação das crianças e submetê-la a ação do Estado no momento de sua afirmação.
O Estado irá pouco a pouco criar um quadro de professores submetido as suas orientações ao
mesmo tempo em que permite o auto reconhecimento dessa nova categoria. Em síntese, a
preocupação foi de dotar a massa da população com uma educação elementar e reservar o
ensino médio e superior para uma elite de futuros administradores. Daí a descontinuidade
entre os diversos graus de ensino. 160
Por esse enredo, a escola durante o império até a reforma de 1899, que instituía os
grupos escolares, era entregue a professores, os quais, na maioria das vezes, eram escolhidos
por critérios políticos, atitude que revelava seu pouco preparo para o exercício da docência e
quase livres de fiscalização e acompanhamento pedagógico. Havia concursos públicos para a
admissão, mas era apenas mecanismo de legitimação, num jogo de cartas marcadas.
Estes professores trabalhavam em mobiliários escolares extremamente precários
senão ausentes, inclusive com carência de carteiras. Tinham um parco salário, eram obrigados
a arcar com as despesas dos materiais didáticos e do aluguel do prédio onde funcionava a
escola, quando não podiam comportar a turma em sua própria residência. As escolas eram
masculinas e femininas e numa mesma sala ensinavam-se alunos de idades e níveis de
escolarização diferenciados.
A educação primária foi deixada para às províncias, apesar de não ter sido de todo
descurada. Minas Gerais chegou mesmo a comprometer quase 30% de seu orçamento, para a
área educacional. A questão do péssimo andamento das escolas era muitas vezes fruto de uma
má administração. A saída apresentada parecia ser a quantidade enorme de leis deixadas pelos
diversos presidentes provinciais que, às vezes, ficavam menos de um ano no cargo
comprometendo também a continuidade das constantes reformas.
Houve no Pará uma infinidade de leis a respeito da educação durante o período
imperial. Com a proclamação da república o ímpeto de legislar continuou acelerado.
Inicialmente inúmeros decretos no decorrer do ano de 1890 que recriavam a Escola Normal, ,
estabeleciam a Provisão das Escolas primárias, previa concursos para provimento de
professores.
159 Ibidem, Ibidem. 160 VILLELA, Heloisa de O. S. “O Mestre Escola e a Professora”. LOPES, Eliana Marta Teixeira et al. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
64
O decreto 149, de 7 de Maio regulamentava a Instrução Pública, dividindo o ensino
primário em elementar (3 anos) e integral (6 anos: elementar, médio e superior). Restabeleceu
as entrâncias: 1ª vilas e freguesias; 2ª escolas da cidade; 3ª capital. Foi considerado por
Veríssimo “(...) um dos mais descentralisadores e por ventura um dos mais bem inspirados,
em uma verdadeira concepção republicana.” 161
Os Conselhos Escolares Municipais eram formados por um intendente, três eleitos e
um nomeado pelo governador, já o Conselho de Instrução era formado por 15 membros: um
nomeado pelo governador, diretores do Lyceu, da Escola Normal, Instituto Paraense dos
Educandos e Artífices, o provedor do Colégio do Amparo. Os dez restantes eram escolhidos
através de eleição, ou das congregações dos estabelecimentos de ensino secundário e normal,
ou dos corpos do professorado público e particular ou do povo. O Conselho foi instalado no
dia 17 de julho de 1890, e definitivamente organizado em 2 de setembro de 1890. Esse
decreto exigiu ainda para a regência de escola o exame de suficiência e aumento de
vencimento de professores que o tivessem e se fosse normalista esses honorários seriam
superiores. 162
Mas talvez a alteração de maior impacto na educação do estado foi o Decreto nº 625
de 02 de janeiro de 1899, instituindo os grupos escolares163 para até 300 alunos, a
obrigatoriedade do ensino primário para os meninos de 7 a 14 anos e para as meninas de 6 a
12 anos. As mulheres poderiam ensinar meninos, talvez em função da procura cada vez menor
do magistério primário pelos homens. 164
A situação do funcionalismo público e do professorado era precária pelos atrasos de
seus parcos vencimentos , principalmente após o fim do período áureo da borracha. Em 7 de
outubro de 1920, num ofício da Diretoria de Instrução Pública, em caráter reservado, o
secretário Eladio Lima comunicava ao Secretario Geral do Estado:
“Cumpre-me referir a V. Exc. que todos os directores dos grupos escolares da capital me representaram sobre a situação difficil e afflictiva em que se acham o corpo docente e funcionarios desses estabelecimentos, pelo atrazo do respectivo
161 VERÍSSIMO, José. A Instrucção Publica. Op. Cit., p. 30. 162 Idem, pp. 30, 31, 34, 38 e 68. Entre 1890 e 1896 apareceram ainda: o Decreto n.152 de 3 de julho de 1890, o Regulamento Escolar de 04 de julho do mesmo ano, o Decreto n.416 de 28 de junho de 1891 e a Lei de 23 de maio de 1896. 163 Sobre a criação dos grupos escolares, inspirada em São Paulo, ver: SOUSA, Fátima. Op. Cit. 164 VERÍSSIMO, José. A Instrucção Publica. Op. Cit., p. 73. Entre 1899 e 1918 mais um conjunto de leis a respeito da educação paraense: Decreto n.821 de 10 de fevereiro de 1900 aprovava os regimentos internos das escolas públicas e programas de ensino; o Decreto n. 1190 de 17 de fevereiro de 1903 trazia um novo regulamento para o ensino, assim como o de n.1689 de 28 de abril de 1910 substituindo o método mnemônico pelo intuitivo; o Decreto n.3267 de 12 de setembro de 1917 que fazia alterações pontuais no anterior e finalmente o decreto n. 3356 de 17 de maio de 1818.
65
estipendio. Tal circusntancia deplorável, que me é relatada com a menção de episódios pungentes, com frequencia ocorridos, vae ao ponto de inspirar apprehensão quanto á ordem e regularidade dos actos que terminam o anno lectivo, sentindo esta Directoria que a justa allegação dos professores, quanto ás suas necessidades, lhe diminuirá sensivelmente a auctoridade legal e moraal para exigir o restricto cumprimento da lei. reitero a V. Exc. os protestos de minha elevada consideração. deus guarde a V. Exc (...) ”. 165
Quanto a quantidade de aluno (a)s e escolas, pode-se ter a seguinte ideia:
Anos Matrícula Frequencia Escolas
1873166 10.190 10.190 168
1890167 9.240 9.240 417
1901168 31.036 577
1902169 18.316 12.034 402
1903170 9.995 404
1904171 14.843 11.660 251
1905172 14.424 12.054
1906173 15.589 14.869
1907174 15.050 11.372
1908175 13.423 10.423
1910176 13.207 10.309 322
1915177 9.591 154
1916178 9479 158
Tabela nº 1 Alunos e escolas no Pará entre 1873 e 1916.
Apesar de os discursos grandiloquentes do governo republicano e uma adequação
metodológica às experiências consideradas inovadoras como a criação dos grupos escolares, a
educação no estado do Pará, em termos quantitativos, e levando em consideração o aumento
165 APEP. Secretaria de Governo. Educação. Ofícios: 1918, 1919, 1920, 1922, 1923, 1924, 1926. 166 Para essa data ver: Arquivo Público do Estado (São Paulo). Relatório do Dr. Francisco Pereira de Souza ao Presidente da Província do Pará, Dr. Pedro Vicente de Azevedo, em 05 de fevereiro de 1874, referente ao ano de 1873. 167 VERÍSSIMO, José. A Instrucção Publica. Op. Cit. Anexo, logo após a p. 186. 168Diário Oficial , Belém, 15 de março de 1902, pp.372-377. 169 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1902. 170 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1903. 171 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1904. 172 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1905. 173 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1906. 174 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1907. 175 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1908. 176 Mensagem de João Coêlho de 7 de setembro de 1910. 177 Mensagem de Enéas Martins de 1º de agosto de 1916, p. 72. 178 Idem.
66
da população não teve grandes mudanças, segundo pode-se perceber consultando a tabela de
nº 1.
Mesmo levando em consideração a pouca confiabilidade dos dados, uma vez que
nem todas as escolas e localidades os mantinham atualizados, a visão que se tem é de um
grande crescimento na quantidade de alunos e escolas entre 1873 e 1901 quando alcança seu
ponto máximo e um lento declínio, a partir daí fazendo com que em 1916 os indicadores
sejam similares ao do início. Essa queda aprofundou-se após a queda dos preços do látex em
1912. Motivada possivelmente por menos população e recursos no estado.
Augusto Montenegro em 1906, afirmava que em São Paulo, para uma população de
2.567.000 pessoas, havia 2% de sua população nas escolas públicas, enquanto que no Pará
com 700.000 teria mais de 2%. Se cada aluno custava 94$000 por ano lá, no Pará se gastaria
108$000 por aluno. 179 Em relação ao nível do ensino primário dos alunos que propunham
ingressar na escola, o governador Enéas Martins , referindo-se ao ingresso de aluna (o)s à EN:
“A directoria da Escola queixa-se do péssimo methodo de estudo com que alli se apresentam
os alumnos do curso primario, dificultando o esforço do professorado normal(...)”. 180
A grande novidade no ensino primário paraense a partir da república foram os grupos
escolares à maneira do que foi feito em São Paulo é que introduzem o sistema seriado, como
foi falado acima. O estado passava pela primeira vez a construir prédios próprios para o
ensino. Isso corresponde no Pará ao aumento das receitas e do desejo de representação de um
espaço moderno e civilizado. No entanto a educação e os próprios grupos escolares foram
objetos de críticas.
A opinião pública, através do principal jornal oposicionista Folha do Norte,
denunciava o estado calamitoso do ensino. Mesmo descontando que a oposição possa ter
carregado nas tintas, os casos apontados pelo jornal são indicadores de que a qualidade do
ensino era longe do ideal. A respeito dos grupos escolares, o articulista dizia que tinham:
“programas muito bonitos e resultados nullos”. 181
Reconhecia o jornal que: “sommas avultadíssimas são dispendidas annualmente na
manutenção do magistério público, consumindo improficuamente uma parte valiosíssima das
rendas do Estado”.182 E que apesar disso, não havia qualidade principalmente porque as
179 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1906, p. 38. 180 Mensagem de Enéas Martins de 1º de agosto de 1916, p. 74. 181A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, p. 1, 25 de novembro de 1907. 182 A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, p. 1, 22 de novembro de 1907.
67
nomeações para funcionários do ensino estavam sujeitas às indicações políticas, ou como
afirmava o artigo, tratava-se de “politicagem”. 183
José Veríssimo já tinha deixado em seu relatório um quadro alarmante das condições
do ensino em que atribuía entre diversos fatores o despreparo do professor. Embora se
considere uma multiplicidade de causas, a preparação do professor, inegavelmente deixava a
desejar. Ilustrativo quanto a isso é ofício da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará de 7
de março de 1890 respondendo pedido de Maria da Gloria Martins, que havia sido demitida
como professora de Oeiras, município do Pará por ter sido nomeada ilegalmente.
A requerente pedia a sua readmissão “por haver exibido provas de suas habilitações”.
A resposta do diretor Dr. Américo Marques Santa Rosa que, diga-se de passagem, mantinha-
se nas mesmas funções desde a queda do império, foi sarcástica: “(...) Não são bôas as
informações que tenho sobre a aptidão da requerente, que nem ao menos copiou o seu
requerimento, limitando-se a assignal-o”. 184
Abaixo uma sala de aula onde se podem ver alunos em uma série utilizando carteiras
e bancos individuais, mas que podiam também ser agrupados. Esse mobiliário era em parte
importado e outra construído por alunos de uma escola profissionalizante chamada Lauro
Sodré. Podem-se observar também materiais didáticos como globos e cartazes. Além do
indefectível relógio onde o tempo cronológico era interiorizado. 185
183 A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, p. 1, 22 de novembro de 1907. 184 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO (PARÁ). Secretaria do Governo. Educação. Ofícios: 1889, 1890 185 PARÁ. Governo do Estado, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará: oito annos de governo. Paris: Chaponet,1908. Ver foto nº 2. Sobre a disciplina criada pelo relógio na história das sociedades, ver: THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. Op. Cit.
68
A conclusão que se tira dessas constantes mudanças na organização do ensino
público é que cada governador entendia a sua maneira os problemas educacionais e tentava
dar a sua colaboração e sua assinatura no que se refere a esse setor que parecia dado às
constantes modificações organizacionais. Se as reais preocupações eram com a melhoria do
ensino ou, melhor acomodação às práticas clientelísticas de cada grupo oligárquico, é algo a
ser aprofundado.
Voltando aos grupos escolares, o seu sistema seriado foi elemento importante na
construção de uma tradição. Esse novo modelo de organização do ensino público passava a
ser visto como existindo desde o princípio da colonização. Talvez uma confusão entre
organização escolar e prática pedagógica. Essa, inspirada na educação jesuítica e que, apesar
das intenções de diversas leis em superá-la por métodos não mnemônicos e sem aplicação de
castigos, continuava a existir na prática. 186
O autor desse trabalho lembra que ainda em 1967 em Belém do Pará, pegou um
reguada por não responder uma pergunta de questionário. Deve-se ressaltar que foi em uma
escolinha particular de uma professora formada lá pelos finais do século XIX e início do XX
na Escola Normal e que aplicava um método já banido da maioria das escolas públicas e
particulares da capital. Essa cena faz lembrar as diversas temporalidades existentes em um
mesmo espaço e num mesmo tempo cronológico.
186 HOBSBAWM & TERENCE RANGER. A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
Foto nº 01. Aula Primária no Instituto Orfanológico, primeira década dos 1900.
69
Enquanto Lauro Sodré demonstrava ter um cuidado todo especial em relação à
educação, consoante a sua matriz ideológica positivista, seus sucessores imediatos, Paes de
Carvalho e Augusto Montenegro parecem ter diminuído o entusiasmo. Esse último, inclusive
propunha um ensino primário simplificado, principalmente para o interior, pois não confiava
na formação de seus professores:
“O actual programma de ensino primário invade completemente os domínios do ensino secundário e torna-o quase inútil, afora o conhecimento das línguas. Sou, portanto, também partidário da simplificação dos programmas das escolas primarias, sobretudo no interior. Acho muito mais lógico limitar-se nas escolas primarias o ensino ao que for restrictamente necessário, mas que este se dê effectivamente, do que organizar longos programmas bons em theoria, mas para cuja explanação falta aos professores a devida habilitação”.187
No entanto, mesmo após a implantação dos primeiros grupos escolares, Augusto
Montenegro afirmava que “a maioria dos professores primários não é normalista”. 188
Uma questão que passa despercebida nos estudos a respeito da educação nesse
período é a resistência da população pobre à educação escolar até, pelo menos, a aceleração
do processo de modernização, a partir da proclamação da república, e na maior concentração
de recursos da exportação do látex no Estado do Pará.
A esse respeito, Arthur Vianna, assim se reporta:
“Basta que os poderes publicos continuem a combater com energia e dedicação a indiferença do povo pelos assumptos da instrucção publica, indifferença que, atenuada hoje, representa ainda um vestigio claro da centralização absurda que nos avassalou no período monarchico; basta que o partidarismo, essa causa por excellencia do atrophiamento do ensino publico no regimendecahido, encontre sempre, qualquer que seja a sua força e a sua ousadia, o obstáculo invencível da bôa intenção e da moralidade dos poderes publicos”. 189
A percepção do autor acima vai ao encontro da baixa procura em relação à população
do estado pela matrícula nas escolas públicas e sua real frequência. Isso se explicaria pelo
despreparo dos professores, instalações precárias e, talvez, pela resistência a uma educação
que ia de encontro às práticas culturais do tempo da natureza, contrapondo-se ao cronológico
e em defesa da tradição de oralidade nas camadas populares. Maneiras de ser e sentir que não
eram contempladas na escolarização.
187 Mensagem de Augusto Montenegro em 10 de setembro de 1901, p. 33. 188 Mensagem de Augusto Montenegro em 17 de fevereiro de 1903, p.17. 189 ARTHUR, Vianna. Esboço Retrospectivo da Instrucção Publica no Pará. In: PARÁ, Secretaria de Estado de Educação. A Educação no Pará: Documentário, Belém: Seduc, 1987.
70
O Governo Provisório republicano, constituído em 17 de novembro de 1889, tendo à
frente Justo Chermont, tratou de pensar a respeito da educação decretou:
“Foi nomeada uma comissão para a confecção do novo regulamento para a reorganização da instrução pública (...) Esta classe, [professores] que serve de joguete ás paixões partidárias, é sempre desprezada em todos os actos do governo, como que incapaz de concorrer para alguma cousa; no entanto; entre elles há intelligencias robustas, illustradas e que fazem da profissão um sacerdócio(... ). ”190
Evidencia-se aí a constituição, por parte do novo governo, de uma comissão para
tratar de assuntos educacionais e uma pressão para que os professores aí fossem
representados. Deve-se, a partir daí, inferir que entre as discussões a respeito da educação,
essa comissão esteve planejando a recriação da EN.
Na Província do Pará191 do dia 6 de fevereiro de 1890 foram publicados vários
ofícios de Justo Chermont a respeito da questão educacional. Em 4 de fevereiro de 1890, no
mesmo dia e mês do decreto de criação da Escola Normal, ele afirmava que a instrução estaria
relacionada à universalização do voto e que estaria em estudo a obrigatoriedade do ensino
primário e de “encaminhar ás escolas os analfabetos.” Afirmava ainda o gasto de
800.000$000 (oitocentos mil réis) que o estado reservava à educação e a viabilidade de
chamar os pais para enviar os filhos às escolas.
Ao diretor geral da instrução pública, recomendava que “informe quantas escholas de
ambos os sexos existem n’esta capital, ruas onde estão situadas, casas que occupam, nomes
dos respectivos profeessores, effectivos ou interinos, horas em que funccionam, bem assim
quaes ou que foram nomeados por concurso e os que não foram.” Ao desembargador num
ofício do mesmo dia e publicado na mesma página do anterior:
“Sr. Desembargador. No regime político em que predomina a soberania de opinião nacional pella ampla manifestação de pensamento, concretisado na aspiração legitima de universalisar o direito de voto, é necessário empenhar todos os esforços, afim de que a instrucção seja diffundida a todas as classes da sociedade, remindo-as da ignorância em que deixou a monarchia deposta. As escholas publicas existentes são em numero sufficiente para justificar a obrigatoriedade do ensino. Como medida inicial recomendo-vos que transmitaes por circulares instrucções terminantes a todas as autoridades policiais(...)alem de syndicar, sobretudo n’esta capital, acerca das creanças não freqüentam as escholas(...)e, sob a desídia dos Paes, crescem sem saber ler e escrever, aconselhando a estes, bem como aos tutores e curadores, ou pessoas que em sua guarda tenham menores, para que os obriguem a aprovitar da instrucção gratuita que lhe offerece o Estado.”
190 Diário de Notícias, p. 03.Órgão independente, voltado para notícias referentes ao cotidiano das camadas populares, mudou várias vezes de dono e orientação política. 191 Esse jornal servia como diário oficial, reservando para isso parte da segunda página.
71
O argumento do chefe do executivo a respeito do descaso que a monarquia teria
deixado o aparelho escolar é meio contraditório com a sobra de vagas que ele aponta.
Utilizando-se do discurso de que a república superaria a monarquia, entre outras coisas, pela
preocupação com a educação popular, deixava também claro a relação com a necessidade de
formar eleitores escolarizados para legitimar a nova ordem política. Para que isso se realizasse
apontava a necessidade de mobilizar o aparato repressivo:
“a ignorância é o mais serio obstáculo á consolidação das instituições republicanas, que fundamentam-se no mais amplo desenvolvimento da Liberdade e na soberania de opinião, pela universalidade do voto, e, por isso comprehendeis quanto empenho tem o governo a combatel-a. Também cumpre tomar providencia enérgica para reprimir a vagabunddagem em geral e, especialmente, a da infância, pelo perigo que d’ella advém a sociedade, pois dos pequenos vadios se formam os grandes criminosos e os perturbadores diversos da paz.”
A expressão vagabundagem da infância se referia à visibilidade de crianças pobres
nas ruas? Estar nas ruas participando inclusive de brincadeiras seria motivo justo de
denominar de vagabundagem? Formas de viver diferenciadas e que para a autoridade pública
deveriam ser disciplinadas através da escolarização.
Essas falas em relação à necessidade de trazer os alunos às salas de aula ecoam a
outras muito mais antigas como a citada anteriormente do Presidente Correia de Freitas de
1871: “finalmente [o problema do ensino na então província do Pará, se dava devido], “a
negligencia de muitos Paes de famílias”.
No Estado vizinho do Amazonas, por volta do ano de 1858, o Dr. Francisco José
Furtado em sua exposição de 6 de setembro de 1858, ao analisar os problemas pelos quais
passa o ensino nessa então província, apontava como entraves na educação a falta de
regulamento, método de ensino, “falta de medidas, que obriguem os Paes e tutores á
mandarem seus filhos e tutelados á escola”.192 Em relatório apresentado ao presidente da
província do Amazonas na década de 60 do século XIX, o poeta maranhense, Gonçalves Dias,
então inspetor de ensino, pela portaria de 28 de fevereiro de 1861 afirmava que a falta de
interesse da população do interior em relação à educação escolar partia de costumes e modos
de vida diferenciados dessas pessoas em relação ao citadino. 193
Interessante ainda é o discurso de José Veríssimo:
192Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas apresentou na abertura da sessão ordinária em o dia 7 de setembro de 1858, Francisco José Furtado, presidente da província. Manaus, Typ. de Francisco José da Silva Ramos. A referência a essa fala foi encontrada em: MOTA, Assislene Barros da. Op. Cit., p. 29. 193 Idem, pp. 31-32.
72
“(...) porque não sendo ainda entre nós a instrucção um elemento indispensavel na lucta da vida, e portanto, muitíssimo menos presada que devêra ser, o povo contenta-se sempre com a instrucção elementar, deixando vasias como os factos mathematicamente o hão sempre provado, as escolas de gráo superior...É innegavel, e todos os cidadãos de boa vontade lastimam a profunda indiferença que nos merece a escola e o ensino publico. O alheiamento da nossa população por tudo quanto a essa ordem de factos se refere, alheiamento de que tem esta directoria provas sobejas nas pretenções, consultas, reclamações que a cada passo recebe(...) é nenhum o interesse popular por aquillo que aliás mais de perto o toca, como a instrucção publica”. 194
José Veríssimo expõe ainda a questão do tempo das escolas e pode-se concluir que o
horário cronológico imposto pelas elites como forma de racionalizar o tempo ia de encontro a
modos de vida diferenciados.
“(... )não há em todo o Estado uma única escola que possa começar a funcionar as 7 ½ e nem mesmo ás 8 horas da manhã. Antes das 8 ½, e, póde-se dizer antes das 9 horas, raros são os meninos que comparecem á escola. Até essa hora estão todos occupados em fazer as compras ou outros pequenos serviços domésticos para as respectivas famílias, pois são em geral as famílias pobres que mandam os filhos ás escolas publicas.”(...) O certo, porém, o indiscutível, é que entre nós − e a legislação tem forçosamente, embora dentro de certos limites, de attenderaos costumes – é impossível obter que as escolas entrem a funcionar antes da hora indicada ”.195
Interessante a esse respeito, o horário de almoço dos operários em Rose Silveira,
baseada no relatório das Obras Públicas de 1855: “Para os operários de qualquer categoria
profissional, as regras eram as seguintes: carga horária de 12 horas diárias (das 6 da manhã às
6 da tarde), com intervalos de descanso das 8h às 9h e de 12h às 14h, quando deveriam
almoçar e jantar (...)”. Ora, como levar crianças à escola às 7h se em algumas famílias ainda
se almoçava às 9? 196 Então José Veríssimo propunha como solução:
“Ás 9 horas, mestres e discípulos podem apresentar-se na escola com uma refeição bastante, para esperarem o repasto mais substancial da tarde (...) cooperaria talvez para voltarmos aos nossos velhos costumes de um almoço frugal pela manhã e o jantar das três horas, uso incomparavelmente superior aos nossos actuais hábitos, em inteira contradicção com os princípios da hygiene própria dos climas quentes”. 197
194 VERÍSSIMO, José. Op. Cit., 14 e 39. Material riquíssimo como análise da situação educacional do Pará em 1890 e nas décadas anteriores por uma mente extraordinariamente erudita e lúcida. Foram destacados em negrito alguns mais significativos. 195 Idem, p.75. 196 SILVEIRA, Rose Op. Cit., p. 60. 197 VERÍSSIMO, José. Op. Cit., p. 76.
73
A escola serviria para internacionalizar a temporalidade cronológica, a disciplina
assim como hábitos de civilidade e moralidade. Serviria, portanto, no enfrentamento com
outras práticas culturais, para o processo de aculturação.198 Sem falar no processo de
disciplinarização de uma mão de obra voltada ao trabalho, como aponta Foucault. Para ele as
disciplinas responderiam a três fatores: a grande explosão demográfica do século XVIII e a
necessidade de se fixar as populações flutuantes, a mudança da escala quantitativa dos grupos
que é necessário controlar e manipular, o crescimento do aparelho de produção, cada vez mais
extenso, complexo, custoso e cuja rentabilidade é necessário fazer crescer. 199
Dito de outra maneira o que ele aponta como os motivos que levariam a implantação
da disciplinarização, seria a necessidade de adequar corpos e mentes para o projeto de
modernização que se faz cada vez mais presente na Amazônia com o estímulo da exportação
da borracha. Nesse sentido, a escola foi um dos instrumentos chaves do processo.
Além do mais se nos EUA a expansão da escola primária foi fundamental para o
amalgama dos ex-escravos e imigrantes, contribuindo para a construção de uma identidade
que pairasse acima das etnicidades ou nacionalidades de origem, não seria também esse o
objetivo da escola primária no Pará, em função da intensa imigração durante a chamada belle
époque? Outra reflexão que se evidencia nas falas de Justo Chermont é que era importante ao
novo regime, até como necessidade de legitimação, que a educação fosse a mais ampla
possível. Legitimação que passava necessariamente pelo voto. 200
Assim, pode-se dizer que se há certo descaso do poder público com a educação do
país desde a época da monarquia, pelo menos numa melhor alocação de recursos −, pois em
termos quantitativos estariam sobrando vagas aqui no Pará.
O que deve também ser levado em conta, independente do estado da educação
herdado da monarquia, é que também é verdade que por parte da população, há desinteresse
com a escolarização. Isso se reporta a discussões a respeito dos modos de vida diferenciados
198 SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Unesp, 1998. O processo de encontro entre culturas pode se dar não só através do enfrentamento, mas de negociações, concessões, acordos e sínteses. Ver a respeito GARCÍA CANCLINI. Op. Cit.; HALL, Stuart. Op. Cit. 199 FOUCAULT, Op. Cit. 200 “São do primeiro período republicano do Brasil, e também dos últimos decênios da Monarquia, numerosos livros e folhetos sobre questões de ensino. A Primeira República não hesita em ‘reformar o ensino’: pelo menos no papel, ‘reforma-o’ várias vezes”. FREIRE, Op. Cit., 2002, p. 69. “A escola foi, no imaginário republicano, signo da instauração da nova ordem, arma para efetuar o Progresso”. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A Escola e a República. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Tudo é História nº 127). “(...) a escola primária(...) no contexto político e social republicano, que a ela atribuía a missão de formar o cidadão republicano.” TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez Apresentação In: SOUZA, Rosa de Fátima de. Op. Cit., 1998, p.13. Mas: “a república não trouxe alterações significativas para a instrução pública, pois passada a fase inicial há um arrefecimento com a educação. In: TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, Anped, USP, n. 14, maio a ago., p. 67.
74
por parte de diferentes sujeitos em que nem todos dão importância à educação escolar. A
justificação para essa postura pode ser percebida, por não dialogar com a cultura das camadas
subalternas, pela dificuldade de reservar um tempo aos trabalhos que teriam de realizar dentro
de suas próprias casas e ainda outros remunerados fora do espaço privado e que colidiria com
o horário escolar.
Luciano Mendes a esse respeito afirma que nos: “(...) estudos recentes da educação
brasileira no século XIX, particularmente no período imperial (...) havia em várias Províncias,
uma intensa discussão acerca da necessidade de escolarização da população, sobretudo das
chamadas ‘camadas inferiores da sociedade’”. 201 A seguir lembra várias leis que tornavam
obrigatória a frequência da população livre na escola. Afirma então que o problema
consistiria: “nos limites políticos e culturais relacionados a uma sociedade escravista,
autoritária e profundamente desigual (...)” 202 Mas não aprofunda o que para esse trabalho
consistiria a questão cultural que é, conforme acima assinalado, a resistência das camadas
subalternas ao processo de aculturação e escolarização institucional que ia de encontro a uma
cultura oral e formas de escolaridade não estatais como nas famílias, igrejas, através de
preceptores particulares, corporações, etc.
No entanto, não custa nada lembrar, como contraditório, que nem todas as pessoas
das camadas subalternas resitiam à escolarização, pois uma requerente pobre da província de
São Paulo em meados do século XIX, ao dirigir-se a uma autoridade, queixava-se de um
professor que havia espancado seu filho e que por isso o privava de acesso ao aprendizado da
leitura. 203
No Pará, em 1º de maio de 1890, mais ou menos à época em que Justo Chermont
achava necessário mandar a meninada para a escola através de medidas de caráter repressivo,
recebia uma correspondência do Paço do Conselho de Intendência Municipal de Soure com o
seguinte teor:
“Existindo no segundo e no terceiro districto desta parochia grande numero de crianças, que deixão de receber instrucção, por se acharem bastante (sic) distantes das duas unicas escolas publicas para cada sexo, este Conselho, attendendo az (sic) reclamações dos habitantes d’aquelles districtos, vos solicita a creação de escolas elementares para ambos os sexos no lugar mais próximo do
201 FARIA FILHO, Luciano Mendes. Instrução Elementar no Século XIX e VILLELA, Heloisa de O. S. O Mestre Escola e a Professora. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira et al. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 136. Nesta direção é valido acompanhar ainda VILLELA, Heloisa de O. S. O Mestre Escola e a Professora. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira et al. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 202 Idem. 203 MARCILIO, Maria Luiza. História da Escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.
75
sitio denominado Mãe de Deus (2º districto) e no lugar denominado de Mangueiras (3º districto)”. 204
Nesse caso, por iniciativa das comunidades e dos paços municipais, pede-se ao
governo do estado, aproveitando o discurso do novo governo de crítica ao regime imperial
pelo descaso à educação, abertura de escolas. Dessa forma evidencia-se que se havia
pessoas que não se identificavam com a escola, outros já teriam assimilado o discurso de sua
importância.
Outros documentos também vão nesse sentido no ano de 1890. A intendência de
Itaituba, em 11 de agosto, alegando “diversas reclamações dos habitantes do lugar
denominado Barreira”; 205 a de S. Miguel do Guamá “atendendo às reclamações do povo do
interior desta Vila” 206 em 19 de abril, a intendência de Moju, em seu próprio nome, em 16 de
julho, fizeram pedidos similares. Há até pedido de um arrendatário das ilhas de Cotijuba e
Paquetá-Açu em 15 de julho que “(...) da informação junta se vê que existe grande numero de
crianças (...) que precizão aprender a ler e escrever (...) porém seus pais não podem cumprir
esse desejo, pela sua pobreza (...)”. 207
A disposição da sociedade organizada em valorizar cada vez mais a escola acabaria
tendo impacto no investimento governamental na Escola Normal como preparadora de
professores habilitados a preencher espaços vazios e melhorar o ensino. Paralelamente a isso
e, talvez superando esse objetivo, à disposição em encará-la como local de reafirmação de
valores de civilidade, modernização e também de feminilidade como se procurará evidenciar a
seguir.
204 APEP. Secretaria do Governo: Educação: 1889,1890. 205 Idem. 206 Idem, Ibidem. 207 Ibidem, Ibidem. Os pedidos seguem em série: Marapanim em 17 de julho, Benevides, através de um abaixo-assinado, Muaná, 1º de agosto, Curuçá em 26 de julho, Abaeté em 28 de julho, Prainha em 25 de junho, distrito de Itapicuru em 24 de julho, através de abaixo-assinado, Vila de Quatipuru, abaixo assinado, freguesia do Conde de 19 de abril. Como em algumas das petições aparecem abaixo assinados é muito provável o envolvimento efetivo dessas comunidades nos pedidos de criação de escolas. Ibidem, Ibidem.
76
CAPÍTULO II: A ESCOLA NORMAL: Histórias e Trajetóri as
2.1. As Escolas Normais
O papel da formação de professores, no ocidente, segundo Villela, confunde-se com
o fortalecimento dos Estados Nacionais a partir da denominada Idade Moderna. Inspirado
pelo papel das ordens religiosas que se dedicavam a esse tipo de ensino, o Estado tomou para
si o recrutamento e vigilância de professores, constituindo-se assim um corpo de profissionais
ou de funcionários, mas não uma concepção de ofício. 1
A laicização desse novo corpo de funcionários implicaria uma adesão, pois
possibilitaria uma autonomia administrativa frente aos poderes locais, embora o Estado
buscasse o controle da instituição escolar. A criação das escolas normais representou um
controle estatal mais restrito da profissão e, por outro lado, a melhoria do estatuto sócio-
profissional. 2
As Escolas Normais foram criadas para formar professores, estabelecendo padrões e
normas de ensino, daí o seu nome trazer à baila uma de suas principais orientações. Essa
nomeclatura passou a ser usada desde o final do século XVIII. A primeira escola normal foi
fundada em Reims, na França, por João Batista La Salle em 1684. O modelo logo se espalhou
pela Europa. A École Normale Supérieure, fundada na França em 1794, sob inspiração
prussiana, surgiu com a Primeira República francesa para fornecer um corpo de professores
formado dentro dos referenciais iluministas. Nos Estados Unidos da América, a primeira
escola normal foi criada no ano de 1823, em Concord, Vermont. 3
No Brasil, as escolas normais estão relacionadas ao processo de seleção e
recrutamento de professores para o ensino primário e uma das condições para o melhoramento
do ensino. A partir da reação conservadora ou saquarema de 1836 a 1852 e do Ato Adicional
de 1834, que estabelecia a educação secundária às províncias, o desejo de educar populações
potencialmente insurgentes, em busca de uma hegemonia na nação por parte das camadas
ascendentes com a exportação do café, emergiu pela primeira com a criação das escolas
normais no Brasil. 4
1 VILLELA, Heloisa de O. S. “O Mestre Escola e a Professora”. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira et al. (Orgs.) 500 anos de educação no Brasil. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, pp. 95-134. 2 Idem. 3 Disponível em: <http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Normal_school;http://www.britannica.com/ EBchecked/topic/178233/Ecole-Normale-Superieure> Acesso em 8 de abril de 2011. 4 Está-se baseando aqui em VILLELA, Heloisa de O. S.“O Mestre Escola e a Professora”. Op. Cit.
77
Durante todo o século XIX, observou-se a defesa de sua importância nos Relatórios
dos Presidentes de Província e do Ministério do Império. A primeira escola normal do Brasil
foi a da Província do Rio de Janeiro, que surgiu em 1835 na cidade de Niterói, considerada
referência para as de outras províncias, fundadas a partir das décadas de 30 e 40 dos
Oitocentos. A escola de Niterói, por mais de uma década, funcionou com um único professor
e um número reduzido de alunos. 5
A partir da segunda metade do século XIX, os lucros antes investidos na compra de
escravos, com a proibição do tráfico a partir da Lei Euzébio de Queirós de 1850, passaram a
ser aplicados em melhoramentos urbanos e, indiretamente, demandavam maior necessidade
de instrução. Além do mais, o movimento abolicionista, principalmente após a Lei do Ventre
Livre de 1871 e o incentivo à imigração e o consequente enfraquecimento da monarquia, a
partir da década de 70 do século XIX, também implicavam em discussões a respeito do papel
da educação.
A própria ocupação do espaço público pelas mulheres, em função do aparecimento
de novos utensílios domésticos, acabou por demandar maiores necessidades de escolas para as
meninas e moças. Finalmente, a necessidade de discutir a inclusão do liberto, após a Lei do
Ventre Livre de 1871, e a própria questão de ampliar o voto ao alfabetizado6 estão ligadas à
expansão da escolaridade e, consequentemente, das escolas normais. 7
No entanto, salvo a exceção da Escola Normal da Bahia, todas tiveram uma história
marcada por extinções e reaberturas. O que teria levado uma autoridade do império a afirmar:
“plantas exóticas: nascem e morrem quase no mesmo dia” 8. Os motivos para a inexpressiva
procura por essas escolas e, por extensão, sua pequena duração podem ser apontados pelo
desinteresse do público alvo, no caso os professores, já atuando ou ainda para se tornarem
profissionais, em função dos baixos salários e dos métodos não atraentes. Além do mais, o
recrutamento paralelo de professores que permaneceu durante todo o império através de
5 GONDRA. Op. Cit., pp. 186-187; VILLELA. Op. Cit., p. 105-106. 6 No Jornal A Instrucção Publica, que circulou no Rio de Janeiro de 1872 a 1875, na sua primeira edição de 19 de abril de 1872, a primeira folha anunciava: “(...) um povo sem instrucção chamado para nomear os seus mandatarios ou escolhe a quem linsongea as suas paixões grosseiras, ou curva-se às argúcias despóticas de seus pretensos mentores. As urnas populares nas mãos da ignorância transforma-se em verdadeiras bocetas de Pandora quando deviam ser os sagrados instrumentos da felicidade nacional”. Informações extraídas de VILLELA, Heloisa de O. S. “O Mestre Escola e a Professora”. Op. Cit., p. 127 em faccímile da primeira página do jornal. 7 VILLELA, Heloísa. Op. Cit., pp., 106-107. 8 Essa citação do Presidente da Província do Paraná encontra-se em NEVES & MACHADO. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 apud VILLELA, Op. Cit., p. 109 e também em MOACYR, Primitivo. A instrução e as Províncias: subsídios para a história da educação no Brasil (1834-1889). V. 03. São Paulo: Editora Nacional, 1940 apud TANURI, Op. Cit. p. 64.
78
exames públicos em que prevaleciam as relações de clientelismo e a baixa escolaridade da
população, desestimulava a profissionalização. 9
Ilustrativo a esse respeito é essa afirmação do Relatório do diretor da Escola Normal
de Niterói, José Carlos de Alambary, ao diretor de Instrução Pública, em 8 de setembro de
1870:
“Enquanto a sorte do aluno da Escola Normal não for ao menos equiparada às condições desses que vão aventurar-se nos exames semestrais para o provimento das cadeiras vagas não creio que possa haver concorrência de bons alunos para a escola (...)”. 10
O que remete ao Pará é a Portaria de 3 de janeiro de 1879. Nesse documento,
concedia-se o título de normalista aos professores vitalícios do ensino primário.
“ (...) Considerando que, continuando os suplicantes [8 no total, 7 da capital e 1 de Óbidos] no exercício não interrompido do magistério de 1874, até hoje [portanto apenas 4 anos], tem dado mais que suficientes provas de suas habilitações pedagógicas (...) resolve conceder-lhes o título de normalistas, para que desta data em diante gozem de todos os direitos que derivam desse título”.11
Ora, ironicamente, em 1874 quando os referidos professores foram efetivados, a
Escola Normal paraense estava em funcionamento e nada impediria que os referidos
suplicantes a tivessem cursado, uma vez que o curso era inclusive gratuito e com duração de
apenas três anos. Qual poderia ser então o estímulo para a frequência à escola se através da
política poderia encontrar-se uma “estrada real” 12 para conseguir um diploma?
Uma outra possibilidade da formação de professores consistia também no
aprendizado prático em sala de aula. Nesse caso esses professores aprendizes eram
denominados de adjuntos. Esse tipo de formação foi utilizado em todo o Sáculo XIX e
concorria com a formação realizada nas escolas normais sob a supervisão do Estado, mesmo
no caso das particulares.
No Pará, antes mesmo de sua efetiva instalação como instituição, já se apontava a
necessidade da criação de uma escola normal. O Presidente da Província Francisco José de
Souza Soares D’Andrea em 1839, considerado o algoz do movimento cabano, apresenta na
sua exposição claramente a questão:
9 Ver a respeito dos concursos e clientelismo: VILLELA Op. Cit. 10 Idem, p.122. 11 Portaria de 3 de Janeiro de 1879 apud SOUZA, Altamir. Op. Cit., p. 20. 12 Euclides, considerado pai da geometria, teria sido inquirido pelo faraó do Egito, um dos inúmeros ptolomeus, se haveria uma forma mais fácil de aprender essa disciplina. Ao que Euclides teria respondido: – Não majestade, não existem estradas reais para a geometria.
79
“Entende-se geralmente, que em se pagando muitos Mestres por conta do Governo, se tem dado todas as providencias que se podem para a instrucção Publica; mas não vejo sempre grande escrupulo na escolha dos Professores, e fico sem entender o que se espera que ensine um Mestre que nada sabe(...)outro inconveniente, e He a falta de(...) huma escolla central, ou de Norma, aonde se preparem os Mestres por hum só systema (...). 13
Num argumento que se tornou repetitivo ao longo do século, o presidente D’Andrea,
acabava centrando a culpa pela má instrução pública, na figura do professor, esquecendo as
outras variantes que também eram importantes. Entre essas, destacam-se: a inadequação entre
a efetivação dessa escolarização por parte das autoridades e a demanda da população a quem
se pretendia atingir com práticas culturais resistentes a escolarização. Como o problema era
limitado ao papel do professor dava-se então importância a uma boa formação através das
escolas normais.
O mesmo raciocínio encontra-se em 1839, na afirmação de Bernardo de Sousa
Franco, sucessor de D’Andrea, ao defender a melhoria da educação na província a partir de
medidas tomadas em relação aos professores, as quais “possibilitem e criem para o fucturo
Professores habeis para se encarregar do ensino da mocidade”. E, para viabilizar essa
preparação: “(...) eu vos lembro a instituição de huma escolla normal nesta Cidade para cuja
direcção poderia authorizar o Governo para engajar no Rio de Janeiro algum alumno hábil da
escolla normal creada na cidade de Nictheroy”.14 Essa ultima afirmativa reforça a
argumentação de que a Escola Normal de Niterói serviria de modelo às outras províncias .
O discurso e d’Andrea e Bernardo de Souza evidenciavam a preocupação de
disciplinar a população paraense recém-saída do movimento cabano (1835-1840) através da
escolarização , coincidindo com o projeto nacional dos saquaremas de legitimar seu projeto
político em toda a nação.15
Nos idos de 1850, o Pará passou por uma expansão acelerada da exportação da
borracha, em função da demanda externa, principalmente a partir do processo de vulcanização
o que passaria a dar uma maior utilização ao produto após a invenção do pneumático.
Embora, já em 1841, pelo artigo 13 da Lei n. 97 de 28 de junho do mesmo ano, tenha sido
criada uma aula de ensino normal, a primeira Escola Normal em Belém foi fundada em 13 de
abril de 1871 através da Lei N.º 669, pelo presidente Joaquim Pires Machado Portela ,
13 Esposição do Estado e andamento dos negócios da Provincia do Pará no acto da entrega que fez da Prezidencia o Exm.º Marechal Francisco Jozé de Souza Soares D’Andrea ao Exm.º Doutor Bernardo de Souza Franco no dia 08 de abril de 1839. 14 Discurso recitado pelo Exmº. Snr. doutor Bernardo de Souza Franco, prezidente da província do Pará quando abrio a Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1839, p. 05. 15 VILLELA, Heloisa de O. S. “O Mestre Escola e a Professora”. Op. Cit.
80
regulamentada em abril e instalada em 3 de maio do mesmo ano. As aulas efetivamente
iniciaram em 5 de junho. Essa mesma lei criava a Biblioteca, Arquivo Público e o Museu
Paraense. 16
Além dos fatores para a criação das escolas normais no Brasil, apontados por
Villela, Maria de Fátima Souza, ajudando o debate, afirma que a partir da década de 1870
houve uma discussão muito forte no País a respeito da educação:
“Nas últimas décadas do século XIX, intelectuais, políticos, homens de letras e grandes proprietários rurais enfrentaram e debateram intensamente os problemas do crescimento econômico do país, a transição para o trabalho livre, a construção de uma identidade nacional, a modernização da sociedade e o progresso da nação”. 17
Assim, em função do contexto econômico específico da província, há uma discussão
mais geral a respeito da modernização pelo qual o país deveria passar. Sob o impacto da
substituição do trabalho escravo pelo livre, pode-se acreditar que isso explicaria, em parte, a
fundação da Escola Normal no Pará em 1871.
Para Villela,18 além da questão da educação dos libertos a partir da Lei do Ventre
Livre de 1871, era importante também a questão da representatividade eleitoral do voto do
alfabetizado. O medo de um eleitor não identificado com o projeto hegemônico capaz de
comprometer o processo de modernização acelerado a partir dessa década no País, também
explicava a retomada das discussões acerca da educação desde 1860, e, consequentemente, da
formação dos professores e das escolas normais.
A partir daí, segundo essa autora, as inovações pedagógicas estrangeiras,
principalmente de inspiração norte-americana, chegavam com frequência junto com as
exposições e conferências pedagógicas, novidades metodológicas como a lição de coisas,
novo conceito de espaço escolar, materiais pedagógicos, nova forma de organização escolar.
Essas discussões só se intensificam a partir dos anos de 1870.
Seja como for, a Escola Normal passou por vários percalços. Instalada em 13 de
maio de 1871, nas dependências do Colégio Nossa Senhora do Amparo, que funcionava, por
sua vez, no edifício do Lyceu Paraense, fundado em 1841, foi extinta em 19 de outubro de
1872. A partir dessa data, haveria um curso normal ligado ao Liceu. Garantia-se, no entanto, o
término dos estudos aos alunos matriculados. Pedro Vicente de Azevedo, presidente
provincial, a esse respeito dizia que: “Escola Normal – Esta escola creada pelo art.107 do
16 A respeito da formação e ainda o recrutamento de professores, ver: GONDRA, Op. Cit., pp. 190-193. 17 SOUZA, Maria de Fátima. Op. Cit., p. 27. 18 VILLELA, Heloisa de O. S. Idem.
81
regulamento de 20 de abril de 1871, e installada no dia 13 de maio do mesmo anno, foi
convertida em um curso anexo aos do lyceo paraense, pela lei n. 757. de 19 de dezembro de
1872”.19 O total de alunos da escola durante o ano de 1873 foi de 8 alunos e 11 alunas do
Colégio N. S. do Amparo. 20
Isso mostra a pouquíssima procura por essa instituição de ensino e talvez um dos
motivos de sua extinção. Já se evidenciava também a maior procura pelas mulheres dentro de
um processo conhecido em todo o Brasil como feminização do magistério como se falou
acima. Significando com isso, a ocupação paulatina de espaços públicos pela população
feminina.
A desativação da escola ganha maiores esclarecimentos quando o Dr. Francisco
Pereira de Souza, diretor de instrução pública, apresentou outros motivos: “as aulas [da Escola
Normal] funcionavam apenas duas vezes por semana (...)” 21. Este diretor apontou a carência
de professores habilitados a trabalhar na escola que tinham de se dividir entre o Liceu e a o
Colégio Nossa Senhora do Amparo de meninas órfãs. As aulas acabavam durando apenas
uma hora, atrapalhando o aproveitamento principalmente das alunas, pois “(...) as que
freqüentaram o 3º ano em 1873 e que deviam concluir o curso (...) deixaram de o fazer, por
não estarem habilitadas em uma das matérias”.22
Sem prédio próprio, funcionando nas dependências do Colégio Nossa Senhora do
Amparo, ou no Liceu, quando não incorporada a esse último, parece que a EN estava longe de
ter a importância que ganhou paulatinamente com a República. Apesar disso, a discussão a
seu respeito, seja pela sua manutenção, incorporação ou extinção, foi sempre tema de debate
por parte das autoridades que ocupavam o executivo provincial, talvez trazendo ressonância
de interesses de intelectuais e jornalistas.
Em 9 de junho de 1874, a EN foi recriada, através de uma portaria, para ser anexada
novamente ao Liceu em 1885. Segundo Vianna, com a recriação da Escola Normal feminina
no Colégio Nossa Senhora do Amparo, o presidente Pedro Vicente de Azevedo afirmou que:
“as educandas, até então com futuro incerto podiam habilitar-se à vida do magistério em que
teriam uma profissão honrosa”.23 Menos do que a ação de apenas um indivíduo, acredita-se
19 Relatório apresentado a Assembléa Legislativa Provincial na primeira sessão da 19ª Legislatura pelo Presidente da Província do Pará o Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874, p. 19. 20 Idem. 21 Arquivo Público do Estado (São Paulo). Op. Cit. 22 Idem. 23 VIANNA, Arthur. Op. Cit., p. 15.
82
que as condições culturais eram também responsáveis pelas mudanças sociais e, portanto, pela
recriação dessa instituição.
É ilustrativo o diagnóstico sobre a educação do estado feito pelo presidente
provincial, Francisco de Sá e Benevides de 1874. Ele afirmou que neste ano havia 226 escolas
com 10576 alunos matriculados, cuja taxa cresceu progressivamente e ainda comparou com a
quantidade de 3.719 alunos em 1867. Reconhecia ainda que, apesar disso, um quarto dos
alunos em idade escolar se encontrava fora das escolas. E propunha então: “procuremos
remover o mal, diffundindo a instrcção á todos (...) [embora] o recenceamento ultimamente
feito lisongea vossa província, porquanto demonstra que é uma das que melhores resultados
apresenta.” 24
Mais uma prova do desejo expressado por uma autoridade pública em agir para
tentar melhorar a educação na província. Também mostra um conjunto significativo de alunos
ausente da escola. Nesse caso, mais uma vez o problema não é a quantidade de vagas, mas a
falta de alunos, motivado possivelmente por práticas culturais distintas. Os conteúdos e
métodos de ensino eram menos importantes do que a tentativa de disciplinar, higienizar,
inculcar o tempo dos relógios em detrimento do tempo da natureza e das tradições orais.
Francisco de Sá e Benevides continuava a dizer que houve aumento das despesas
com a instrução, passando de 167 em 1866 para 400 mil contos de réis. Com esse aumento,
esperava-se que: “Assim correspondam os resultados práticos ao sacrifício do thesouro no
dispêndio de tão enorme somma”! Continuava falando a respeito da criação de um maior
número de escolas e o aumento de vantagens aos professores e enfatizava a importância do
mestre “habilitado, moralisado e dedicado”. 25 Foi um programa que pelo menos, nas
intenções, procurou provar o interesse desse representante do executivo provincial com a
instrução pública. E não parece ser exceção.
O discurso acima deixa claro que o ingresso para a preparação profissional e a
própria carreira do magistério deveria demonstrar, do postulante, uma boa conduta moral. A
profissão deveria ser vista como um sacerdócio. Segundo essa concepção questões como
salários e boas condições de trabalho seriam secundárias à nobre e elevada missão de ensinar.
A EN seria estratégica na formação de um quadro de profissionais habilitados para retirar da
ignorância a população e torná-la ciente de seus direitos e deveres. Lembrava ainda em
24 Relatório apresentado pelo Exm. Sr. Dr. Francisco Maria Correa de Sá e Benevides, Presidente da Provincia do Pará á Assembléa Legislativa Provincial na sua sessão solmne de installação da 20ª Legislatura no dia 15 de fevereiro de 1876, p. 18. 25 Idem.
83
relação ao salário que: “Não são [ruins?] os actuaes vencimentos, nem consta que os haja
maís elevados em outra província”.26
O projeto educacional inscrito nessa fala dialoga com o iluminismo e a sua
concepção de povo abstrato como sujeito das revoluções e reformas, mas ao mesmo tempo
necessitando de ser educado para conter os excessos, inclusive revolucionários. O povo
idealizado deveria enquadrar-se dentro dos parâmetros culturais das elites e voltado aos
interesses delas. A categoria de povo passa a ser valorizada no momento que deve negar-se
enquanto sujeito mais próximo dos modos de vida populares. O discurso da generalização em
seu nome escondia interesses bem localizados. “A invocação do povo legitima o poder da
burguesia na medida exata em que essa invocação articula sua exclusão da cultura”. 27
A EN teve um funcionamento regular até 1885. Nesse ano 3 de dezembro foi
anexada ao Lyceu. O argumento utilizado para esse desaparecimento parece ser de ordem
financeira, pois segundo Alencar Araripe:
“Reunidas as precizas aulas no Liceu, poder-se-hia dispensar a Escola Normal com economia dos cofres provinciaes e com vantagem do ensino, tornando-se este(...) para ambos os sexos nas mesmas aulas, e regularizando-se as suas matérias por via da mais acertada e methodica distribuição das cadeiras”.28
Na verdade, a respeito dessa medida seria dito um pouco mais tarde que: “tal fusão
valia por uma verdadeira extincção”. 29 José Veríssimo mencionou que a escola sofreu
“diversas vicissitudes, até que desapareceu com a sua fusão absurda, sinão maleovola, no
Lyceu paraense”.30 Para ele o estado de desmoralização em que a Escola Normal se
encontrava junto à opinião pública, melhor seria sua extinção e o diploma de normalista
passaria a ser dado a alunos que se dispunham a cursar apenas algumas matérias do Liceu.
A população teria ficado indiferente à fusão. Veríssimo atribuiu ainda a problemática
às questões político-partidárias, pois com a mudança de partido político propuseram a sua
reabertura. Teria se chegado mesmo, na presidência do Dr. Fernando Braga, penúltimo
presidente provincial do estado, a propor o restabelecimento da escola, organizar e
regulamentá-la por lei da assembleia provincial. No entanto, a medida não foi posta em
prática em função da demissão do presidente. 31
26 Idem. 27 MARTÍN-BARBERO, Op. Cit., p. 35. 28 Falla com que o Exmo. Conselheiro Tristão Alencar Araripe, Presidente da Provincia do Pará abriu a sessão extraordinária da Assembléa Legislativa Provincial no dia 5 de novembro de 1885, p. 10. 29 BRITO, Paulino de. Op. Cit., p. 179. Itálicos no documento original. 30 Veríssimo. A Instrucção Pública. Op. Cit., p. 117. 31 Idem, p. 118. A referida informação desdobra-se ainda em SOUZA. Altamir. Op. Cit., pp.17-18 e 22.
84
2.2. A Escola Normal Republicana: “Viveiro de Mestres”
Finalmente, com a república foi reaberta a Escola Normal em 4 de fevereiro de 1890
junto com o seu regulamento, inspirado no ensino normal do Rio de Janeiro. As aulas para as
meninas se iniciaram no dia 21 de maio de 1890. Ora, segundo Maria de Fátima, ao recuperar
a criação dos grupos escolares no estado de São Paulo nesse início de século, a escola para
seus idealizadores teria um papel crucial na formação de cidadãos e modernização da nação,
numa concepção ingênua de que a educação representaria a solução para o atraso do país.
Além disso, serviria de propaganda ao novo regime e contraposição a considerada carcomida
monarquia. 32
O relatório de José Veríssimo, ao se referir à proposta de reformulação do Instituto
Paraense de Educandos Artifices, reporta-se à nomeação de uma comissão nomeada em 23 de
janeiro de 189033. Acredita-se, portanto, que uma comissão dessa natureza tenha sido formada
e possivelmente composta por Paulino de Brito para tratar da reinauguração da Escola
Normal, já em 4 de fevereiro do mesmo ano, embora não se tenho encontrado nos jornais e
decretos do executivo consultados. Era essa a prática corrente quando se tratou de recriá-la
anteriormente. Na verdade, a possibilidade da refundação da escola parece já ter sido um
anseio vindo do período anterior à república, como se viu acima na proposta do presidente
Fernando Braga.
Significativo, a respeito, foi o discurso de Lauro Sodré sobre o papel da EN, pois
dela: “(...) sairão os grandes operários do futuro aos quais caberá a missão de ensinar o novo
evangelho ao povo, educando a geração, que surge na República, para a República”.34 Nessa
elocução de uma das lideranças republicanas históricas mais ardorosas e muito influenciado
pelo positivismo, discípulo de Benjamim Constant, é possível relacionar a fundação da Escola
Normal em 1890 com os ideais do grupo republicano estadual. Ele dá um tom de
religiosidade, ao reportar-se à evangelização que retrata bem o ardor republicano e militante
desse político.
32 SOUZA, Op. Cit. 33 A comissão foi composta pelo engenheiro José Luiz Coelho, diretor do instituto, Nina Ribeiro, Victor da Silva, bacharel paulino de Brito, o primeiro diretor da EN do período republicano, além de Antonio Rabelo. 34 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará em sua Segunda Reunião, em 1.º de Julho de 1892, p. 17.
85
2.3.1. As Instalações
A Escola Normal, apesar do tom solene do decreto de sua fundação não teve, de
início, prédio próprio. Aliás, a lei na qual foi fundada em 1871, no seu artigo 5º estabelecia
que ela se efetivaria “logo que tenha acquisição do prédio apropriado ao estabelecimento de
que ella trata”.35 Mas um longo caminho ainda teria de ser percorrido para que sua instalação
em um edifício especialmente disponibilizado se operacionalizasse.
Em sua refundação, em 1890, enquanto os alunos receberam aulas no Liceu, nas
salas antes ocupadas pelo Museu e a Biblioteca Pública e que estavam sendo reformadas, as
meninas estudaram nos salões da frente do Colégio Nossa Senhora do Amparo. Para elas, as
aulas começaram já a partir do dia 29 de maio de 1890, enquanto os meninos esperariam o
término das reformas. A separação das aulas para meninos no Liceu e para as meninas no
Colégio Nossa Senhora do Amparo tinha sido uma solução frequentemente utilizada no
passado. 36
O Colégio Nossa Senhora do Amparo funcionava em um prédio de estilo
neoclássico, na Rua de Santo Antônio no bairro da Campina que estava se tornando cada vez
mais comercial. O Liceu estava situado desde a sua fundação também num prédio no mesmo
estilo do que o do Colégio e ficava na Praça Saldanha Marinho, próximo ao Largo do Palácio.
O motivo da escolha parece óbvio, uma vez que eram os dois maiores prédios públicos que
eram utilizados para a instrução pública. Quanto à secretaria das escolas normais, esta
funcionava num dos salões do Liceu Paraense, antes ocupado pelo museu. 37
Segundo Veríssimo o estado higiênico e pedagógico do Colégio Nossa Senhora do
Amparo era horrível.38 Havia um número excessivo de meninas e moças, mais de duzentas,
uma grande parte filhas de funcionários públicos e postas ali, através de barganha política,
ocupando inclusive vagas de quem realmente era desamparada. O prédio
“(...) aliás pequeno para o numero de educandas que tem,(...) os refeitórios embora varridos e lavados transadavam um fartum nauseabundo de comidas fermentadas, as latrinas confinadas em um quarto escuro, infecto, lôbrego, onde não entrava uma restea de luz, nem um bafejo de ar, eram caixões furados, sem esgoto, nem syphões...banheiros não existiam, de sorte que, n’este clima em que as abluções geraes são uma necessidade imperiosa, essas pobres educandas passavam dia e dias, quem sabe si mezes, sem tomar banho”!
35 APEP. Lei n.º 669, de 13 de abril de 1871. 36 BRITO, Paulino de. Op. Cit. p.180. 37 Idem, p.181. 38 VERÍSSIMO, José. A Instrucção publica. Op. Cit., p.170.
86
É difícil não atentar que o número excessivo de alunas estava relacionado com o
clientelismo político. As noções de higiene profundamente enraizadas pelas elites locais estão
bastante enfatizadas na análise que Veríssimo faz do prédio. O autor afirmava ainda o alto
índice de mortalidade em função das péssimas condições de higiene. Foi feita então uma
caiação no prédio, substituição de assoalho dos refeitórios, construção de banheiros, reforma
da cozinha e novas latrinas com sifões de isolamento e água corrente.
Mas, apesar dissso,o edifício continuava inadequado em função da quantidade de
educandas, da falta de quintal, de dormitórios quase todos no andar térreo, abafados. E para
culminar, a escola encontrava-se situada a poucos metros do hospital da Ordem Terceira,
contrariando as noções de higiene da época.39 Apesar da percepção de que o prédio era
inadequado para a sua função primeira, foi aí que começou a funcionar a sessão feminina da
Escola Normal republicana. Tais improvisações contrapunham-se a intenções grandiosas de
seus planejadores, mas de pífios resultados.
Com a unificação das escolas em 23 de Julho de 1890, portanto cinco meses depois
de sua fundação, foi alugada uma casa:
“encontrei uma, que offerecia boas condições, alta, fresca, com um salão sufficientemente vasto para a numerosa aula da 1ª série, e a dois passos do Collegio do Amparo... o Estado arrendou a casa por tres annos, mediante o aluguel mensal de 130$ 000”. 40
Em 1º de Agosto de 1890, após reparos e limpeza do prédio alugado à custa do
Estado, a escola, agora mista, foi inaugurada. Anexa à Escola Normal com uma sala da frente
do Colégio Nossa Senhora do Amparo, havia uma espécie de escola modelo, onde eram
efetuadas as disciplinas de prática de ensino. O estabelecimento carecia de material para as
aulas da 3ª a 5ª séries, gabinete para o estudo de física e química e aparelhos de ginástica. A
biblioteca contava com poucos livros. Apontava-se, já nesse momento, a necessidade de um
prédio mais vasto para que a escola pudesse funcionar mais adequadamente41. Em 10 de junho
de 1890, o vice-governador Paes de Carvalho escrevia ao diretor “das Echolas Normaes do
Estado” autorizando
“alugar o sobrado fronteiro ao Colllegio de Nossa Senhora do Amparo afim de funccionar a Eschola Normal de Professoras, visto não dispor aquelle Collegio dos compartimentos necessários para tal fim (...) a providenciar a mudança (...)
39 Idem, pp. 170-171. 40 BRITO, Paulino de. Op. Cit., p. 185. 41 Idem.
87
e fazer no mesmo obras de aceio e outras indispensáveis para sua adaptação ao fim proposto”. 42
A questão da necessidade de um prédio específico à Escola Normal foi visto não
apenas por Paulino de Brito, seu primeiro diretor. Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes,
governador do estado, afirmava que a aula de ginástica não tinha sido implantada na EN, além
da falta de professor e dos aparelhos, pela dimensão inadequada do prédio onde a instituição
estava funcionando.43 Seu sucessor, Lauro Sodré foi mais taxativo:
“E ninguém desconhecerá a força dos motivos que levam-nos a empenhar-nos por ver a Escola Normal (...) instalada em edifício onde possam ser satisfeitas as exigências da ciência pedagógica, e removida de um local por muitas razões impróprio, onde mal podemos executar ao menos o novo plano de ensino teórico e prático”.44
A história de um prédio próprio para a escola faz mais uma vez relacioná-la com o
velho colégio Nossa Senhora do Amparo45, pois segundo Vianna, já em 1881, pela Lei nº
1049, de 6 de junho de 1881, foi dado início a uma construção para ampliar as instalações
dessa instituição. No ano seguinte, os artífices chegavam ao andar superior. Contudo, em
função da falta de madeira apropriada a obra ficou paralisada, com uma violenta oposição por
parte da imprensa. Os trabalhos continuaram vagarosamente, entre outras coisas em função da
moléstia grave que abateu o empreiteiro, João Ferreira Salgado que substituiu Gurjão &
Bentes. 46
Acredita-se que além das questões pontuais citadas acima, a obra também sofreu
reflexos das mudanças de comando do executivo e consequentemente de grupo político. Em
30 de junho de 1881 o gabinete Saraiva era dissolvido e em 21 de janeiro de 1882 o novo
gabinete liberal do escravocrata paulista Martinho da Silva tomava posse. No Pará, em função
dessas mudanças, o presidente Gama e Abreu foi substituído por João José Pedrosa. 47
42 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Ofícios 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 43 Relatório com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administração do Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em 23 do mesmo mez, p. 28. 44 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador, Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará em sua Segunda Reunião, em 1º de Julho de 1892, p. 27. 45 Instituição de origem religiosa, a cargo da Câmara Municipal, tinha como objetivo educar meninas órfãs e pensionistas até 1862. Foi desde 1851 pela Lei n º 205 de 2 de novembro, de responsabilidade governamental com a denominação, a partir daí de Nossa Senhora do Amparo. Para admissão exigia-se que as meninas tivessem entre 7 a 12 anos. O prédio próprio, ainda em construção do Barão de Jaguary foi comprado em 1865 e inaugurado em 1867. VIANNA, Arthur. 1967. Op. Cit. 46 Idem, pp. 15-16 47 SOUZA, Altamir. Op. Cit., p. 31 e JOFFILY, Bernardo. Isto É Brasil 500 anos: atlas histórico. São Paulo: Editora Três, 1998.
88
Em 1884, o presidente provincial, Barão de Maracajú, queixava-se da vagarosidade
das obras. Em 1885 o empreendimento foi paralisado de vez, porque o presidente achou
inconveniente tirar o quintal do colégio, única área de recreio das alunas e por estar o
estabelecimento situado ao lado do Hospital da Ordem Terceira. Teria havido falta de madeira
e necessidade de reparos internos para o Colégio Nossa Senhora do Amparo. Além do mais, o
empreiteiro responsável pela obra, João Ferreira Salgado veio a falecer. 48
48 SOUZA, Altamir. Op. Cit., p. 32.
Foto nº 02. Fachada da Escola Normal (1893- 1933). Arquivo da Pesquisa, capturado em 2007.
89
No Decreto n. 165 de 23 de julho de 1890, que alterava o Regulamento da EN, era
previsto a construção de um prédio específico para a escola: “O Governo do Estado mandará
construir, em tempo na localidade mais central possível da capital, um edificio appropriado á
Escola Normal, onde sejam plenamente satisfeitas as menores exigências do presente
Regulamento”. O objetivo de enfatizar a centralidade do prédio pode ser vista de duas
maneiras: uma, pela necessidade de atender da melhor forma possível o(a)s estudantes em
termos de deslocamento, segunda, pela melhor visibilidade do prédio e aproveitar quiçá
repartições públicas, inclusive a ser construídas na área central da cidade.
Nesse sentido é que talvez em 1892, o governador Lauro Sodré mandou retomar as
obras paradas há sete anos, nos fundos do Colégio Nossa Senhora do Amparo e em 1893,
Foto nº 3. Fachada esquerda da Escola Normal. Arquivo da Pesquisa, capturado em 2007.
90
dava conta que: “Está concluído o edificio destinado á Escola normal, que n’elle funcionará
durante o anno corrente”. 49 No dia 31 de dezembro, a Escola Normal passou a funcionar
nesse prédio próprio, de estilo neoclássico, que seria o mesmo durante todo o período
compreendido nesse trabalho.
O diretor da Repartição de Obras Públicas, Terras e Colonização, Américo Santa
Rosa, referindo-se ao ano de 1893, prestava contas em 1894, ao governador Lauro Sodré, do
mobiliário da escola que estava sendo comprado pouco a pouco. Segundo Veríssimo, a opção
em comprar fora do estado era explicada pela falta de oficinas locais em condição de atender
às exigências pedagógicas, em que pese a abundância de madeiras. 50
Foram executadas as obras necessárias para a installação do curso normal, fazendo-se aquisição da mobilia precisa e das guarnições de decoração, restando somente receber as cadeiras da congregação (...) no Rio de Janeiro d’onde devem vir(...) em 20 de Junho foram prestados ao Thesouro as contas pagas na importância de... 18:796$850 réis, restando o saldo de 6:203$150 para aquelles moveis”.51
O edifício que pouco sofreu modificações externas é hoje sede de uma secretaria
estadual. É formado por dois andares. A última grande intervenção mantendo as linhas
originais ocorreu em 1995. Na fachada em frente à R. 28 de Setembro, antiga Rua dos
Mártires, tem uma porta ladeada de duas janelas à esquerda e três à direita. No andar superior,
existem seis janelas ao todo, pois foi colocada uma correspondendo o local da porta do andar
térreo. (ver foto nº 02)
Na lateral esquerda doze janelas no andar térreo e doze no andar superior. Quartoze
pequenas janelas circulares são responsáveis pela ventilação de um porão inabitável.
Lembrando que essa ala foi ampliada no governo de Augusto Montenegro em 1902
sacrificando o pátio do Colégio Nossa Senhora do Amparo, então desativado. Na lateral
direita há sete janelas em cada andar em frente a um pátio, hoje usado como estacionamento e
de prédios anexos. As janelas do andar superior, tanto da fachada, quanto da lateral direita
têm uma pequena grade de ferro. (Ver foto nº 03)
Hoje, ao se entrar no prédio já bastante modificado no seu interior, é difícil não se
admirar da enorme escada de madeira dando acesso ao primeiro andar a altura dos pavimentos
e a sua largura. Deveria causar uma impressão de severidade e imponência ligado à
49 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará em 1º de Fevereiro de 1893, p. 21. 50 CRUZ, Ernesto. As Obras Públicas do Pará. Vol. I. Belém: Imprensa Oficial, 1967, p. 204. 51 Idem, p. 204.
91
importância do saber e do próprio governo republicano que procurava se contrapor ao regime
extinto.
Situado no bairro da Campina, nos fundos do Colégio Nossa Senhora do Amparo, às
proximidades do porto da cidade, o prédio assistirá às mudanças urbanas pela qual a cidade
sofreu, principalmente entre 1897 e 1912. Será, posteriormente, vizinho da sede do prédio
construído pelos ingleses para sediar uma companhia de navegação denominada de Booth
Line, até hoje existente.
Quanto aos alunos ao entrar e sair da escola ou mesmo assistindo às aulas ou
ministrando-as nas escolas anexas era impossível tornar-se indiferente à movimentação do
bairro com suas negras lavadeiras portando ramos de jasmim na cabeça,52 passando para
lavagem de roupas no Igarapé das Armas, limite com o Bairro do Umarizal. Era impossível
que das janelas hieráticas do prédio não ouvissem ambulantes de todos os tipos e sotaques que
iam do inglês pernóstico, passando pelos sírios-libaneses com suas bugigangas sendo
oferecidas de porta em porta, negros e afroindígenas carregadores, portugueses com suas
carroças de leite das inúmeras chácaras ao redor da cidade que nos arrabaldes se confundia
com a floresta. Judeus e imigrantes do interior do país, principalmente nordestinos e no meio
deles, os indefectíveis cearenses moldando os sotaques nativos, num mosaico variado e
cosmopolita.
Em 1896, a escola já estava equipada com gabinete e aparelhos aperfeiçoados de
química e física.53 Isto evidenciava uma concepção cientificista e de formação geral do curso.
Apontava-se também aí que a escola estava ligada as mais modernas concepções pedagógicas.
No entanto, já se indicava também a necessidade de sua futura ampliação: “Logo que o
Collegio do Amparo se remova de onde está para o novo edifício em construcção, é
indispensável augmentar o edificio da Escola Normal, que fica contíguo (...)”. 54
Em 1903, Augusto Montenegro, expunha a necessidade de um novo grupo escolar
para o bairro da Campina, pois a escola modelo da EN, estava com um aumento de alunos
significativo. Construir um novo grupo significaria alugueis elevados, pois “n’aquella zona já
invadida pelo commercio, onde, portanto são elevadíssimos os alugueis de prédios e onde
mesmo seria difficil encontrar um apropriado para aquelle fim (...)”. 55
52 Salles, Vicente. O Negro no Pará. Op. Cit., p. 145. 53 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, Governador do Estado, ao expirar o seu mandato, no dia 1.º de Fevereiro de 1897, p. 27. 54 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. Lauro Sodré. Governador do Estado, ao expirar o seu mandato, no dia 1.º de Fevereiro de 1897, p. (S2-27). 55 Mensagem dirigida em 7 de Setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, governador do estado, 1903, p. 61.
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Assim, era mais econômico ampliar a escola modelo e para isso, aumentou-se o
edifício para o terreno do Colégio Gentil Bittencourt, antigo Nossa Senhora do Amparo, pela
Rua 28 de Setembro, paralela à Rua de Santo Antônio, portanto nos fundos da EN. A área
ampliada passaria a ter dois pequenos salões e compartimentos e na parte superior a planta
repetia-se. No lugar dos WC, do Instituto Gentil Bittencourt, foram criados mais três
compartimentos. 56
Na parte antiga do edifício houve necessidade de reforma porque “havia falta
completa de hygiene, já porque a luz e o ar eram mal distribuídos. Já porque a installação de
suas W.C era no centro do edifício no meio das aulas (...)” 57 Na frente do prédio, abriu-se
uma porta para a entrada do grupo escolar que ficou ocupando todo o pavimento térreo: à
esquerda, quatro salões para cinquenta alunos, separados por um longo corredor que dividia
esse pavimento em dois. Uma parte do corredor era para recreio dos meninos. 58
À direita desse corredor quatro salões para cinquenta meninas, dois na parte antiga e
dois na parte nova e um W.C. no final do corredor que separava os salões entre meninos e
meninas com isolamento de duas grades. Em frente ao prédio “está a Directoria que pela sua
posição fiscalisa não só a entrada do grupo, como também a da Escola Normal que é feita pela
referida rua, para o primeiro andar”.59 Estabelecer um ponto estratégico de vigilância, de
disciplinarização é algo que se esperaria de uma instituição. 60
A EN propriamente dita situava-se no pavimento superior onde havia onze
compartimentos, que eram ocupados pelas aulas, pelo gabinete de física, química e história
natural, biblioteca, sala de estudos dos alunos, sala de espera das meninas, sala de prendas,
caligrafia e desenho, toilette e secretaria. Na parte ampliada, a sala da congregação e dois
pequenos compartimentos para W.C. para os alunos e outro para as alunas. 61 Sobravam,
portanto três salas para as aulas comuns, que corresponderiam às três séries.
Na verdade, as modificações tinham consistido, segundo o governador:
“(...) em demolição de paredes no corredor central que se achava dividido em pequenos quartos, para se fazer um único salão; em demolição e construcção de paredes para egualar as áreas das salas das escolas e das aulas; na construcção de W.C e mictórios hygienicos, fartos de ar, luz e água sobre o mosaicado; pintura e caiação geral interna e externamente; construcção do soalho na parte
56 Idem. 57 Idem, Ibidem. 58 Ibidem, Ibidem, p. 62. 59 Ibidem, Ibidem. 60 A estratégia lembra o panoptismo discutido por FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Op. Cit. 61 Mensagem dirigida em 7 de Setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, governador do estado, 1903, p. 61.
93
adquirida ao Instituto Gentil Bittencourt: modificação da escada do primeiro andar, somente em parte; construcção de amphiteatro; reforma das canalisações d’agua e exgotto e preparo do salão da congregação”.62
É difícil não dissociar a onda reformista do governador Augusto Montenegro, que
alcançou o Palácio do Governo, o Teatro da Paz, a inauguração dos prédios monumentais do
Colégio Gentil Bittencourt e Lauro Sodré, com os recursos da exportação da borracha e o
desejo de representação de Belém como uma cidade onde existiria o progresso, a ciência e a
modernidade.63 Mas, além disso, é interessante imaginar também a auto-representação que o
grupo oligárquico então no poder fazia para si mesmo e também para seus adversários
políticos. Mais ainda do que propaganda à própria república, nesse momento, já precocemente
envelhecida.
Na década de 1910, segundo depoimento da avó do autor dessa pesquisa, que
estudou na escola entre 1918 e 1920, o seu então diretor, Elias Viana, costumava estar à frente
do prédio para receber as alunas e os alunos, examinar se o uniforme, instituído em 1916 para
as discentes estava sendo usado corretamente, verificar inclusive se a brancura do tecido não
estaria encardida. A ênfase na vestimenta e o uso considerado adequado no corpo das alunas,
poderia sintetizar as práticas disciplinares apontadas por Foucault e a associação com as ideias
de higiene e limpeza.
Dizia ainda que as salas de aula tinham uma espécie de tablado onde ficavam os
professores. Quanto a(o)s aluna(o)s, estes ficavam disposto em carteiras como em um
anfiteatro. Servindo não só para facilitar a visão da(o)s aluna(o)s, mas também demarcar
hierarquia e facilitar o olhar panóptico e disciplinador do professor.
Lauro Sodré, governador do estado entre 1917 e 1920, enfatizou a sua preocupação
com a necessidade do alargamento do edifício do que ele batizou de “viveiro de mestres”.
Esse alargamento seria necessário para o verdadeiro estudo da pedagogia, que consistiria em
aprender a ensinar, ensinando.64 Lembrou também, em 1919, que o prédio estava precisando
de reparos. Elias Viana, o diretor da escola chegou a propor, segundo Lauro Sodré, a mudança
do prédio para um lugar mais conveniente”. 65 Mas embora tenha reconhecido a pertinência de
62 Idem, pp. 61-62. 63 Está se reportando aqui a SOUZA. Templos de Civilização. Op. Cit. 64 Mensagem dirigida em 1º de agosto de 1917 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, governador do Estado., p. 64. 65 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura da 2ª reunião de sua 10.ª legislatura a 7 de setembro de 1919 pelo governador do estado, Dr. Lauro Sodré, p. 118.
94
uma mudança de local para a escola, afirmou que “não tendo sido ainda possível mudar essa
escola para casa mais ampla”66, a instituição continuaria provisoriamente nesse antigo espaço.
Na verdade, tratava-se mais do que uma questão de localização. Com o aumento da
procura pela escola e do seu prestígio o edifício tornava-se cada vez mais acanhado. Só em
1930 é que EN foi transferida para o antigo prédio da Província do Pará, em estilo art
nouveau, agora transformado no grupo escolar “Arthur Bernardes”. A imponência do prédio e
sua localização junto à Praça da República, Teatro da Paz e próximo à Praça Batista Campos
dá dimensão então do prestígio que essa instituição era vista. Ela, apesar da crise da queda das
exportações de borracha, estaria direcionando cada vez mais as moças para uma atividade
profissional feminina legitimada que era o magistério.
O interessante a ser observado é que nas obras de prestação de contas e publicidade
do governador Augusto Montenegro, através de um álbum editado em Paris, a respeito das
reformas que realizou em vários prédios públicos inclusive na EN, não haja nenhuma foto do
edifício, embora apareçam inúmeras outras, inclusive de escolas e grupos escolares. Não há
também nenhum registro nos inúmeros cartões postais da época, levando a supor que o prédio
já não era visto como uma edificação tão importante no olhar das elites da cidade. 67
2.2.2. Organização e Currículo
De 1890 a 1920, a EN conheceu, através de portarias e decretos, autorizados por Leis
estaduais, vários regulamentos. Assim como ocorreu com o ensino público de modo geral,
cada governante, achando que havia problemas a ser solucionados, pensou ter encontrado nas
imposições legais a solução para o problema ou quisesse deixar sua marca de governo na rede
pública de ensino. Todos os governadores entre 1891 e 1920, sem exceção, mudaram o
regulamento da escola.
Essa prática de modificações sucessivas no ensino tinha uma longa tradição que
vinha do período imperial. Indica, por outro lado, a importância que o gestor, pelo menos
intencionalmente, dedicava a esse ramo administrativo. Às vezes partia da própria instituição
proposta de modificações do Regulamento. Em 14 de março de 1896, era enviado um ofício
ao governador do estado notificando que a Congregação da Escola desejava “(...) propor-vos a
66 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura da 3.ª reunião de sua 10.ª legislatura a 7 de setembro de 1920 pelo governador do estado, Dr. Lauro Sodré, p. 62. 67 PARÁ. Governo do Estado, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará: oito annos de governo. Paris: Chaponet, 1908 e PARÁ. Secretaria Executiva de Cultura. Belém da saudade: a memória da Belém do início do século em cartões postais. 3ª ed. Belém, 2004.
95
creação do logar de vice- director”.68 No mesmo documento, em virtude da quantidade de
mais de 80 alunos matriculados nas escolas modelos, anexas à EN, sugeria dividi-la. Foi
anexada no pedido proposta de reformulação do Regulamento com acréscimo de letras ao
item onde ficavam estabelecidas as atribuições do vice- diretor.
Acompanham-se agora algumas modificações que a escola sofreu ao longo desses
trinta anos. Pela portaria nº64 de 4 de fevereiro de 1890, expedia-se o regulamento para as
Escolas Normais69. Segundo Veríssimo, esse regulamento “seguia de perto o projeto de
organização do ensino normal para o Rio de Janeiro, apresentado á Camara dos Deputados
pelo Sr. Ruy Barbosa, em 1882”. 70 Apesar disso, acredita-se, que se depois de tanto tempo as
proposições do parecer de 1882 foram em parte implantadas era porque dialogavam, de certa
forma, com os interesses da sociedade paraense, ou pelo menos de sua elite política e social
em 1890.
O curso teria duração de quatro anos. Pelo art. 9º, os alunos, desde o início do curso
iriam assistir aos trabalhos das escolas anexas que seriam o local onde se praticariam o ensino
das escolas normais. A partir do segundo semestre do primeiro ano, os alunos tomariam parte
no ensino e, do segundo ano em diante, regeriam , provisoriamente, várias classes das escolas
anexas. Em cada semana uma aula dos alunos seria na presença dos seus professores da escola
e dos alunos dos últimos anos para sua apreciação. A avaliação do desempenho dos alunos era
realizada na presença apenas dos professores da escola e o seu diretor.
02 a 15 de janeiro era o período para a realização da matrícula. As aulas começariam
no dia 15 de janeiro e se encerrariam no dia 15 de novembro, dia da proclamação da
república. Elas seriam em dois turnos, das 8h00 ás 12h00 pela manhã e das 15h00 às 17h30
pela tarde, com intervalo de 10 minutos entre as aulas. Às mulheres caberia o direito de
ausência de três dias consecutivos, em cada mês, devidamente abonados, prevendo talvez os
incômodos do círculo menstrual. 71
No primeiro ano as disciplinas seriam: língua nacional; língua francesa; aritmética;
geografia, corografia do Brasil, corografia do Pará; história universal, história do Brasil,
história do Pará; instrução moral e cívica; caligrafia; ginástica, exercícios calistênicos para as
mulheres e militares para os homens); desenho geométrico e costura (para as mulheres). No
segundo ano, acrescentava-se a literatura junto com a língua nacional; álgebra junto com a
aritmética; cosmografia junto à geografia, além de prendas para as mulheres. Apareciam as
68 APEP. Secretaria do Governo: Educação: Ofícios: 1895, 1896, 1897, 1898, 1899. 69 Uma vez que havia uma para rapazes e outra para as moças 70 VERÍSSIMO, José, 1891, Op. Cit., p.118. 71 Informações extraídas do Regulamento de fevereiro de 1890.
96
primeiras disciplinas pedagógicas como pedagogia geral, metodologia; higiene, higiene
escolar. Ao todo eram onze as disciplinas do currículo. Nas primeiras e segundas séries, a
disciplina de língua nacional teria seis horas e as demais três. 72
No terceiro ano, acrescentavam-se as disciplinas dos dois primeiros anos, geometria
plana, elementos de sociologia, direito pátrio e economia doméstica, dentro da instrução
moral e cívica e música vocal; uso dos principais instrumentos nas indústrias fundamentais.
Como disciplinas pedagógicas, método frobel, para as mulheres, metodologia ao ensino da
geografia, execução plástica do relevo, compondo um total de quinze disciplinas. No quarto e
último ano, dez disciplinas, com o acréscimo de física, química e biologia. 73
É interessante notar a diluição do estudo de pedagogia entre algumas disciplinas. No
artigo 9ª do regulamento se afirmava que os alunos, desde o começo do curso, assistiriam a
trabalhos das escolas anexas, uma para meninos e outra para meninas. Todas as disciplinas do
terceiro e quarto anos teriam três horas com exceção de higiene, instrução moral e cívica,
música vocal ministradas em duas horas. Ora, como somente em instrução moral e cívica
estudavam-se elementos de sociologia, direito pátrio e economia política, é de inferir o caráter
generalizante e superficial desse estudo. Veríssimo refletia sobre a influência de uma
concepção do positivismo na introdução da sociologia e a complexidade em trabalhá-la. 74
Ao analisar as disciplinas e para uma melhor visualização do que foi descrito,
procurou-se inicialmente numerá-las e agrupá-las em bloco (Tabela nº 02).
1º BLOCO 2º BLOCO 3º BLOCO 4º BLOCO
1ª Língua Nacional e sua literatura; 2ª Pedagogia Geral; 3ª Método Frobel.
4ª Aritmética, Álgebra elementar, escrituração mercantil; 5ª Geometria; 6ª Física e Química; 7ª Biologia vegetal e animal; 8ª Fisiologia Humana, Higiene, Higiene escolar, Noções de ciências naturais.
9ª Geografia Universal, Corografia do Brasil e especialmente do Pará; 10ª História Universal do Brasil e do Pará; 11ª Instrução Moral e Cívica, elementos de sociologia, direito pátrio e economia política, noções sobre legislação do estado, economia doméstica;
12ª Caligrafia; 13ª Desenho geométrico; 14ª Música Vocal; 15ª Uso dos principais instrumentos nas industrias fundamentais (para homens); 16ª Prendas de agulha (para as mulheres); 17ª Ginástica exercícios calistênicos para as mulheres e militares para os homens; 18ª Língua Francesa.
No primeiro bloco era evidenciado o estudo da língua materna e pedagógica,
consistindo numa espécie de espinha dorsal do curso. No segundo bloco, a atenção era para as
72 APEP. Portaria n. 64 de 04 de fevereiro de 1890. Regulamento da Escola Normal, pp.13 e 31-32. 73 Idem, pp. 14-15. 74 VERÍSSIMO, José, 1891. Op. Cit., p. 125.
97
disciplinas de caráter científico. As do terceiro estariam relacionadas com o estudo da
sociedade em geral, da afirmação da nacionalidade e da moral. No quarto e último blocos
estariam disciplinas de caráter prático e instrumental. É forte a influência de Spencer e do
positivismo na constituição na escolha das disciplinas.
Para o quarto e último ano estudavam-se o método de ensino denominado frobel e
prendas de agulhas voltadas à formação das meninas. Para o ensino na escola normal de
mulheres se preferia as de sexo feminino, indicação que não foi cumprido em função da
carência de professoras e da unificação das escolas. O ensino seria gratuito e o 1º ano abriria
com 100 vagas. 75
É evidente, também a ênfase na formação geral em detrimento da pedagógica.
Segundo Fátima Souza, sob a influência de Spencer, procurava-se dar ao ensino primário uma
formação completa, caberia a uma escola de formação de professores capacitar seus alunos
num curso enciclopédico e, a partir daí, introduzir noções especificamente pedagógicas com a
utilização de práticas em escolas.
“(...) A concepção de educação integral, no final do século XIX, encarnava o sentido de uma conformação completa do indivíduo: intelecto, corpo e alma. esperava-se, dessa maneira, forjar nas crianças um novo ser social, produzir o cidadão adaptado à nova sociedade (...)”. 76
Em relação à aritmética dava-se espaço à escrituração mercantil, como também em
física e química à aplicação às atividades agrícolas. É possível que o grupo político, que
aprovou a grade curricular, pensasse a saída dos alunos da escola com possibilidade de,
eventualmente, poderem empregar-se nas atividades comerciais ou pelo menos incentivá-los a
interessar-se pela agricultura. Apesar da principal atividade do estado ser a exportação de
borracha, havia vozes nos meios políticos e comerciais ligados também às atividades
agropecuárias que defendiam o apoio a essas últimas.
São perceptíveis, na separação entre disciplinas femininas e masculinas, as
representações bem marcadas a respeito dos gêneros. O predomínio do ensino de francês na
parte das disciplinas instrumentais justifica-se para que o aluno durante, e ao final do curso,
pudesse provar a sua civilidade e refinamento. E, portanto, contribuir para o processo de
modernização pela qual a cidade atravessava. Seria ainda de fundamental importância
estimular o patriotismo e a moral, bem como legitimar o novo regime com as disciplinas de
história pátria e local, instrução moral e cívica e noções sobre a legislação do Estado.
75 APEP. Portaria n. 64 de 04 de fevereiro de 1890. Regulamento da Escola Normal. 76 SOUZA, Fátima. História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX. São Paulo: Cortez, 2008.
98
É ilustrativo também observar as disciplinas que poderiam transformar as alunas em
boas mães conforme preconizava a educação feminina positivista, como as de canto vocal e
prendas de agulha. Essa última especificamente para as moças. Havia também a economia
doméstica que poderia ajudar no equilíbrio do orçamento familiar, função que se atribuía a
esposa. Resumindo, o currículo é imaginado não só para formar professores, mas
principalmente cidadãos que legitimassem o novo regime, e acabava por reforçar as
representações de gênero, com a colocação de disciplinas distintas para gêneros diferentes.
Veríssimo escreveu que a organização era complexa e talvez pouco adequada ao
meio e por isso, junto com problemas financeiros, a escola atrasou o início de suas atividades.
A escola feminina em 20 de março e a masculina em 1º de agosto de 1890. O regulamento
também exigia duas sessões diárias e com dez disciplinas que “sobrecarregava com fadiga
physica os alumnos já sobrecarregados com dez matérias no primeiro anno, o que era anti-
pedagogico e anti-hygienico”. 77
Assim, mal tinha sido criada a EN durante a república e já se debatia a pertinência de
aulas mistas. Embora fosse uma prática em algumas escolas privadas, o poder público era
refratário à ideia. Foi necessário que o novo diretor de Instrução Pública, José Veríssimo,
fizesse uma veemente defesa, alegando motivos de ordem pedagógica e econômica. Aduzia
que a coeducação era prática corrente nas escolas normais em toda a América Latina,
excluindo as de regime de internato, aspecto que não diferia da realidade paraense nas escolas
secundárias particulares e nem de São Paulo, Niterói em Manaus. 78
Além da defesa da educação comum entre meninos e meninas era lembrado a
economia de 62:000$000 anuais aos cofres públicos, pois em relação a escola masculina havia
“escassissima matricula”79 Propunha também modificações da grade curricular, como a
diluição do método frobel pela de Pedagogia e Metodologia entre outras.
Então, influenciado pelo parecer de José Veríssimo, em 23 de julho de 1890, o
governador do estado:
“considerando que a materia [matrícula] da escola normal para o sexo masculino(...)é apenas 14 alumnos(...)esse limitadíssimo numero de alumnos virá a custar ao Estado, já neste anno, mais de trinta contos de réis...que é sempre diminuta entre nós a matrícula de alumnos n’estes estabelecimentos, em relação á de alumnas..que nada se oppõe, antes tudo aconselha a coeducação dos sexos nos estudos normaes (...) que a extinção de uma escola normal especial para o sexo masculino e instituição de uma só escola para ambos os sexos, redundam não só em vantagens pedagógicas (...) e de economia de mais
77 VERÍSSIMO, 1891. Op. Cit., p.118. 78 Idem, pp. 119-120. 79 Idem, Ibidem.
99
de sessenta contos annuaes (...) Decreta (...) Art.1º As escolas normaes (...) ficam constituídas em uma só”.80
Em 23 de julho de 1890, 81 o curso passava a ter cinco anos art.7º. O conjunto de
disciplinas sofria uma alteração, com a saída do Método froebel e fisiologia humana. No
conjunto, procurou-se diminuir a quantidade de disciplinas em cada ano, uma vez que o curso
de quatro passava a ter cinco anos.
Na disposição das disciplinas há uma confusão entre a nomenclatura e pontos
específicos do conteúdo e até mesmo questões de ordem metodológica ao se lembrar da
necessidade de uma revisão de conteúdos em relação às disciplinas de física, química e
biologia, levando a crer que o legislador tentou amarrar na legislação a prática efetivada na
sala de aula. Uma vã utopia como vai se percebendo ao longo desse trabalho.
Além disso, a necessidade de revisão especificamente de disciplinas ligadas às
ciências, numa escola predominantemente feminina, dialoga com as concepções de época que
viam o cérebro feminino incapaz de assimilar uma quantidade de conhecimentos dessa área e,
portanto, a necessidade de reforçá-los com uma revisão. É necessário a esse respeito recorrer
à posição de Comte:
[...] não se pode, hoje, contestar seriamente a evidência da inferioridade relativa da mulher, muito mais imprópria do que o homem à indispensável continuidade, tanto quanto à alta intensidade, do trabalho mental, seja em virtude da menor força intrínseca de sua inteligência, seja em razão de sua maior suscetibilidade moral e física”. 82
A concepção de que as mulheres eram menos preparadas em relação aos homens
para as disciplinas, que requeressem maiores esforços de raciocínio lógico, perpassava, na
verdade, o pensamento ocidental desde a modernidade, especificamente o século XIX, com
ecos na contemporaneidade. Tais vínculos permitem ao historiador, preocupar-se em captar
teias que unem e diferenciam o passado do presente. Michelle Perrot diz que alguns vão
buscar como resposta um:
“(...) fundamento anatômico. Os fisiologistas do final do século XIX, que pesquisavam as localizações cerebrais, afirmam que as mulheres têm um cérebro menor, mais leve, menos denso. E alguns neurobiólogos da atualidade continuam a procurar na organização do cérebro o fundamento material da diferença sexual”. 83
80 APEP. Decreto n.165 de 23 de Julho de 1890. 81 Idem. 82 PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2008, p. 23. 83 Idem, pp. 96-97.
100
O Marquês de Caravellas quando da discussão parlamentar que antecedeu a Lei
Geral do Ensino de 1827 teria dito a respeito se deveria ou não haver um currículo
diferenciado para homens e mulheres: “as meninas não têm desenvolvimento de raciocínio tão
grande como os meninos”. 84
Enquanto que o regulamento de fevereiro de 1890 preconizava dois turnos, o de
setembro normatizava apenas um com horário, de 8h00 as 13h00. Acabava-se, portanto, com
os dois turnos, seguindo uma proposta defendida pelas alunas, incorporada talvez as
recomendações de Veríssimo. Mas parece que as disposições contidas nesse decreto não
foram suficientes, pois em 24 de setembro de 1891, quase um ano e meio depois de
inaugurada, a escola passava por outra mudança.
A principal alteração consistiu na volta de um curso de quatro anos. A pedagogia
geral, metodologia e higiene escolar passavam para o terceiro ano com 5 horas. Era retirada a
disciplina de sociologia, mostrando talvez com a prática a justeza dos argumentos de
Veríssimo. A grade tornava-se, aparentemente, ainda mais enciclopédica.
É interessante analisar um horário proposto pelo diretor, Raymundo Joaquim Martins
para o ano de 1893 (Tabela 03)85:
Das 8 as 9 Das 9 ¼ as 10 1/4 Das 10 ½ as 11 ½ Dias 1º Anno 2º Anno 3º
Anno 4º
anno 1º
Anno 2º
Anno 3º
Anno 4º
Anno 1º
Anno 2º
Anno 3º
Anno 4º Anno
2ª feira Arithm. Geomt. Physica Hist. Nat.
Francez Chorog. do Brasil/Cosm.Cart.
Musica Hist. do B.
Portug. Desenho Prendas Inst. Moral
3ª feira Arithm. Algebra Chim. Hist. Nat.
Geog.Cart. Francez Pedagog. Musica Desenho Portug. Hist. Un.
Desenho
4ª feira
Arithm. Prendas Physica Hist. Nat.
Francez Chorog. do Brasil/Cosm.Cart.
Pedagog. Hist. do B.
Portug. Geomt. Desenho Inst. Moral
5ª feira Arithm. Musica Chim. Hist. Nat.
Geog.Cart. Francez Pedagog. Musica Desenho Portug. Hist.Un. Desenho
6ª feira Arithm. Algebra Physica Hist. Nat.
Francez Chorog. do Brasil/Cosm.Cart.
Desenho Hist. do B.
Portug. Desenho Desenho Inst. Moral
Sabbado Calligra. Geomet. Chim. Prend Geog.Cart. Francez Pedagog Hist.B Prendas Portug. Hist.Un. Desenho
A disciplina biologia transformou-se em história natural. Física e química eram
dadas separadamente, geografia juntou-se à cartografia. A sociologia, como já se falou a
pouco, talvez seguindo parecer anterior de José Veríssimo, contrário ao seu ensino, foi
substituída pela instrução moral. Os trabalhos manuais, disciplina aplicada apenas aos homens
era suprimida, provavelmente por seu reduzido número. A grade procurava adequar-se melhor
à realidade concreta do ensino após três anos de funcionamento escolar.
84 VILLELA, Heloisa de O. S. “O Mestre Escola e a Professora”. Op. Cit., p. 109. 85 APEP. Caixa: Secretaria do Governo. Ofícios: Escola Normal.
101
A formação generalista parece continuar a dar o tom geral. A esse respeito é
ilustrativo a fala de Lauro Sodré, governador do estado entre 1891 e 1897: “é tão grande o
numero de alunas, que ali recebem a sua educação literário-científica habilitando-se para as
honrosas, embora difíceis, funções do magistério”. 86
A formação pedagógica era ministrada no terceiro ano maciçamente e não no quarto
como se deveria esperar, pois a aluna estaria prestes a diplomar-se. Contraditoriamente,
exigia-se maior empenho nas disciplinas de formação geral nas etapas finais para a
diplomação. A língua francesa começava no 1º ano com uma boa carga horária e permanecia
no 2º. Em termos quantitativos, as disciplinas se dispõem da seguinte maneira: Formação
Geral, 68 tempos de aula nas quatro séries; Formação pedagógica apenas 4, num total de 72
aulas.
Com essa estruturação a grade curricular assumia um caráter humanístico em
detrimento da qualificação específica. Configurou-se um conjunto de disciplinas voltadas a
preparar alunas e alunos para a vida em uma sociedade pretensamente de ares modernos
civilizados. A(o)s futura(o)s professora(e)s tornar-se-iam agentes reprodutores do projeto de
modernização fortemente marcado por influência estrangeira, principalmente americanas e
europeias, com ênfase na língua e cultura francesas.
Além do mais, a permanência de prendas domésticas pressupunha uma educação
feminina para ser aplicada dentro da família, através do casamento, destino considerado
natural para as mulheres. Apesar do viés enciclopédico, muitas das disciplinas eram também
ensinadas no ensino primário, sem esquecer as aulas práticas nas escolas anexas. Então se
prepararia o professor primário não só com uma boa formação geral, mas também com
atividades práticas. A disciplina instrução moral era dada no quarto ano, talvez como
preparação final à vida de profissional do ensino a que se exigia uma conduta ilibada.
Nessa configuração curricular, professores, diretor e funcionários pressentiam
diferenças entre discursos e práticas preconizados pela escola com aqueles manifestados pelas
alunas e alunos que perfaziam os bancos da EN. Esses agentes históricos eram oriundos, em
sua maioria, de meios populares, detentores de uma cultura de tradição oral, na qual
expressões festivas ancoradas em códigos do mundo rural florestal, dos rios e igarapés e até
mesmo de outros estados compunham marcas de suas identidades. Desse modo, não raras
vezes, a EN foi obrigada a negociar valores e cosmovisões em dimensões conflitivas explícita
ou implicitamente.
86 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador, Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará, em sua reunião em 1º. de fevereiro de 1896., p. 43. Acrescentou-se negrito às palavras.
102
Em 1897, aspecto que chama a atenção é que nas últimas aulas de cada mês eram
recapitulados os principais assuntos trabalhados anteriormente. Havia quatro composições
escritas durante o ano sobre os principais assuntos nas épocas determinadas pela congregação.
As composições seriam corrigidas pelos lentes (professores efetivos), classificadas e
publicadas as notas no diário oficial. As notas, arquivadas em livro específico, seriam: Ótima
(10,0); Boa (7, 8 e 9); Sofrível (4, 5 e 6), Má (1, 2 e 3) e Péssima (0). A cada aula haveria um
intervalo de 15 minutos. As férias seriam de 15 de novembro até 15 de janeiro. Tal sistema de
divisão, classificação e disciplina de tempos e competências, permite interconexões com
análise realizada por Foucault. Segundo este autor, corpos e mentes humanas foram forçados
a ajustar-se, a partir do século XVIII, a práticas e exames disciplinares. Esse modelo de
orientação alcançou o aparelho escolar em sua política educacional implementada no ensino
primário e secundário, como se atestou na EN de Belém do Pará.
A respeito da tentativa de incorporar o tempo cronológico, etapa da modernidade
então em curso, contrapondo com o tempo da natureza e outros tempos de acordo com os
diversos modos de vida, um pobre professor pede justificação de faltas, pois havia se atrasado
por ter esquecido tabelas de distribuição regulares do tempo empregado em sala de aula! O
episódio permite dialogar com refinada erudição thompsoniana ao assinalar que “o registro
histórico não acusa simplesmente uma mudança tecnológica neutra e inevitável, mas também
a exploração e a resistência à exploração; e que os valores resistem a ser perdidos bem como a
ser ganhos”.87
Ora, as evidências deixam ver que até mesmo um professor aparentemente já
imbuído pela lógica do tempo tecnológico, capitalista e disciplinar, vez ou outra caia em
contradição com orientações de seu universo de trabalho, evidenciando a força dos valores
tradicionais em práticas contemporâneas.
Neste caso, pode-se observar ainda como era rígida a cobrança do tempo para alunos
e professores e de que maneira o professor encarou tal pratica, procurando justificar seu
“esquecimento” as marcações diferentes entre seu relógio e o da escola.
“No dia 17 do mês que hoje termina [31 de agosto de 1891] sucedeo que em caminho para a Escola me recordasse de que devia dar em minha aula as tabellas reguladoras das distribuições do tempo e do trabalho pelo Modo Mixto, e que havia esquecido em casa. Como por meu relógio tivesse ainda dez minutos antes da aula, voltei á casa. Ao regressar porém á Escola marcava o relógio da casa vinte e cinco minutos depois da hora, estando fechado o ponto.
87THOMPSON, Edward Palmer. Prefácio, agradecimento e introdução. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 09-24; p. 301.
103
Como seja necessario explicar a falta exponho-a tal qual se deo.” Camillo H. Salgado”. 88
O decreto 1897 noticiava a valorização da formação profissional do professor ou
professora, pois estipulava que: “As escolas integraes [duração de 6 anos] só poderão ser
providas effetivamente por professores titulados pela escola Normal do Estado”.89 A mesma
recomendação aparecia em relação aos professores para reger as escolas modelos, anexas à
Escola Normal, que teriam preferência em concurso ou concorrência.
Previa-se também que as escolas modelos, uma para cada sexo, com ensino primário
integral, anexas à escola Normal, onde era efetuada a prática de ensino, não poderiam
matricular mais de 45 alunos por curso. O provimento das cadeiras de professores dessas
escolas seria através de concurso ou por concorrência entre os professores efetivos da capital.
Os critérios da concorrência, além da obrigatoriedade de um diploma de normalista, seriam a
publicação de livros didáticos e a maior quantidade de alunos aprovados nos exames de
cerificados do ensino primário.
Em 1900, o ensino prático nas escolas anexas seria dado desde o primeiro ano,
cabendo aos alunos desse nível de ensino exercitarem no curso elementar. Já os alunos do
segundo ano deveriam cumprir a prática no curso médio e os do terceiro e quarto no ensino
primário superior90. As disciplinas do curso normal seriam ministradas por doze professores e
apenas caligrafia era de competência feminina, aspecto que corrobora esse predomínio dos
homens como professores do ensino médio e superior no Brasil.
Em 1º de fevereiro ocorria o início do ano letivo, cujo marco era a abertura dos
trabalhos anuais do Congresso Estadual e quando terminava o mandato quadrienal dos
governadores. As aulas começariam às 7h00 e estendiam-se até as 11h00 ou 12h00. O horário
de aulas seria organizado pela congregação por proposta do diretor em sua primeira reunião.
Em 1903, Augusto Montenegro reformava mais uma vez a Escola Normal. O que
salta aos olhos à primeira vista foi o enxugamento da grade curricular. Embora o curso
continuasse a ter quatro anos, no primeiro ano passava-se de seis para quatro disciplinas. De
um total de 18 horas para 13. No segundo ano de sete matérias, o novo currículo ficava apenas
com seis, mas mantinha-se 18 horas. No terceiro e quarto não foi feita alteração do número de
disciplinas e nem da carga horária, 7 e 18 respectivamente. A diminuição da grade não seria
surpresa, pois o governador já havia mostrado inquietação com o excesso de conteúdos:
88 APEP. Secretaria do Governo: Educação: Ofício de 1891. 89 DIARIO OFFICIAL de 20 de janeiro de 1897, p. 123. 90 O ensino primário era dividido em seis anos, elementar, médio e superior, com dois anos cada.
104
“A falta de preparo dos professores provem em grande parte do nosso systema de ensino normal, extraordinariamente sobrecarregado e longo (...). Leia-se o programma da Escola Normal e comprehender-se-á que suas exigências excedem ao que carecemos para o nosso ensino no interior. Sobrecarrega-se o candidato a normalista com o estudo de disciplinas que elle nunca ensinará e de que em breve terá perdido mesmo a noção”. 91
Aumentava-se paulatinamente a quantidade de aulas para ir preparando os alunos
para a convivência com uma carga horária mais ampliada. Voltava à grade curricular a
disciplina de prendas. A proposta de relacionar a história do Brasil à história americana parece
que não teve uma boa repercussão, pois na nova organização era substituída por história do
Brasil e do Pará. 92
É tentador pensar que no governo de Augusto Montenegro foi feita uma reforma
urbana na cidade de Belém com forte propaganda no exterior. Assim, incluir a história do
Pará não mais como um item, mas como uma disciplina autônoma indicou o desejo de
enfatizar a importância do estado e por extensão dos seus atuais governantes. 93
O aumento do letramento, através dos grupos escolares, propiciou mais circulação de
documentos escritos e o aumento da máquina burocrática. A mudança estava concatenada
com a necessidade de uma melhor qualidade da escrita, justificada pelo aumento da carga
horária da disciplina caligrafia de 04 para 06 horas de aulas. A disciplina pedagogia era
retirada do terceiro ano para o quarto com a mesma carga horária de três tempos, como
desdobramento teórico das séries anteriores.
De treze professores o quadro diminuiu para onze. Englobavam-se as duas
disciplinas de aritmética e de álgebra e geometria em uma denominada de matemáticas. A
cadeira de pedagogia era acoplada à instrução moral e cívica que não existia como disciplina
na grade de 1900. Um mesmo professor daria as disciplinas de física assim como história
natural. O quadro docente passava a ter duas professoras no lugar de uma nas disciplinas de
prendas e caligrafia. Essas últimas consideradas apropriadas ao gênero feminino eram regidas
pela seguinte orientação: a primeira ligava-se às tarefas que se esperavam serem realizadas
pelas mulheres e a última à alfabetização, uma prática agora majoritariamente feminina.
A disciplina prendas no terceiro ano teria como objetivo o ensino de costura, corte e
feitio de roupa branca e de outras de primeira necessidade na família.94 Numa época em que
91 Mensagem do Governador Dr. Augusto Montenegro, governador do Pará de 7 de setembro de 1901 ao Congresso Estadual do Pará, pp. 32-33. 92 DIARIO OFFICIAL, 03 de abril de 1903, p. 15. 93 Idem. 94 Idem.
105
não havia a disseminação de roupas prontas, a não ser para as elites, a costura era uma função
essencial reservada às mulheres, seja para o consumo da própria família, seja como
possibilidade de venda externa na complementação do orçamento doméstico.
O ensino de caligrafia deveria estar mais aplicado ao ensino escolar do que à questão
estética. Mais importante do que bem escrever seria aprender a alfabetizar ao mesmo tempo
em que se disciplinavam corpos de acordo com os princípios higiênicos.
“De sorte que os alumnos se habilitem de preferência nos caracteres mais applicaveis ao ensino escolar, quer por sua simplicidade, quer por serem adequados ás mãos pequenas e pouco adestráveis dos meninos; far-se-á notar as posições de trabalho mais vantajosas em relação á hygiene infantil...o escôpo é menos ensinar a calligrafia aos alumnos da escola Normal, que habilital-os a ensinal-a aos seus futuros discípulos!”.95
O ensino de francês com seis horas era divido em três na primeira e três na segunda
séries, era mantido com a recomendação de “fazer d’elle uso correcto, quer falando, quer
escrevendo”.96 Mais uma vez evidencia-se o predomínio da disciplina francês em relação à
pedagogia. Outra mudança recaiu sobre o horário. Mudava-se de 7h00 para 8h00 o horário da
entrada, talvez pelo excesso de atrasos experienciados nos anos anteriores. A atitude
demonstra uma possível prova da acomodação do regulamento escolar às pressões de
comportamentos de seu alunado. Por outro lado, a margem de tolerância de atraso diminuía de
15 para 10 minutos. O horário de saída passava a ser 11h20, com três disciplinas por dia. O
número das composições avaliativas era aumentado para seis. Haveria uma média anual,
levada em consideração no exame de promoção, resultado da soma das composições e sua
divisão por seis. 97
O balanço do governador a respeito do enxugamento da grade parece que não foi
suficiente, pois três anos depois ainda queixava-se: “Já fiz uma pequena simplificação,
determinando a juncção no ensino de certas matérias de modo a generalisal-as, mas parece
que isto não basta.98
Em 1912, o curso passava a ter cinco anos, adequando-se a uma legislação federal.
Pelo artigo I.º a escola seria “(...) um estabelecimento destinado ao ensino secundário e
profissional (...) um curso geral de tres annos e um especial de dois”.99 No curso geral os
95 Idem, Ibidem, p.16. 96 Ibidem, Ibidem, artigo 23. 97 Ibidem, Ibidem, p. 18. 98 Mensagem do Governador Dr. Augusto Montenegro, governador do Pará de 7 de setembro de 1902 ao Congresso Estadual do Pará, pp. 32-33. 99 PARÁ, Decreto N. 1925 de 28 de agosto de 1912 da nova organização da Escola Normal. Belém: Imprensa Official do Estado, 1912, p. 04.
106
alunos aprenderiam humanidades e nos dois últimos anos um bacharelado pedagógico
acompanhado de aulas práticas nos grupos escolares da capital.100
A carga horária de francês era aumentada para 9 horas. Era mantida a disciplina de
prendas com duas aulas, dentro do bloco profissionalizante. O interessante foi o
desaparecimento da disciplina pedagogia mantida nas organizações curriculares anteriores e a
introdução da psicologia e instrução cívica. No entanto, se a pedagogia perdia importância
enquanto disciplina na grade, ela seria dada de forma prática nos grupos escolares. Nestes
termos, o que aparentemente se mostraria como um enfraquecimento do aspecto pedagógico
na verdade era enfatizado com um sentido prático. 101
A grande novidade foi a introdução das disciplinas português histórico e noções de
latim ministradas respectivamente por um professor de português e o outro de literatura,
revelando o caráter de humanidades do curso. O método empregado no ensino da língua
portuguesa deveria ser o intuitivo. Ao todo, haveria dezessete professores, aumentando em
seis a quantidade de docentes. 102 Essa medida contrapõe-se a forte crise provocada pela
queda das exportações do látex, principal fonte de recursos do orçamento estadual. A
explicação de aumento do número de docentes frente à crise econômica sugere que houve
uma adequação à grade de quatro para cinco anos. Além do mais como os salários dos
docentes eram baixos e havia constantes atrasos nos pagamentos, o aumento da contratação de
professores não impactava o orçamento dos cofres públicos.
No ensino da higiene procurava-se estudar as escolas na colocação de seu edifício,
orientação, plano dos grupos escolares e escolas isoladas, chegando às dimensões das classes;
colocação das paredes, mobiliário escolar, atitudes defeituosas, desvios da coluna vertebral;
locais de recreio, externatos e internatos, educação física, a questão dos livros, a escrita, a
visão e profilaxia das moléstias contagiosas. Mais uma vez não se pode deixar de relacionar a
questão do estudo da higiene em espaços que concentravam muitas pessoas às constantes
doenças contagiosas que infestavam cidades brasileiras como Rio de Janeiro, Belém e
Manaus. 103
A crise da economia estadual parece que não ter comprometido a procura pela
escola, pois o número inicial de 60 matriculados passou para 80 e, nos idos de 1912 alcançava
100, conservando-se o exame de admissão ao ultrapassar esse limite.104 Outro aspecto
100 Idem, Ibidem. 101 Ibidem, Ibidem. 102 Ibidem, Ibidem, p. 05. 103 Ibidem, Ibidem, p. 08. 104 Ibidem, Ibidem, pp.10-12.
107
relevante entre as mudanças ocorrida refere-se a ênfase severa no ensino da norma culta. “Do
terceiro anno em diante será inhabilitado em qualquer prova escripta o alumno que nella
cometter mais de 4 erros de portuguêz, por pagina completa ou incompleta, termo médio”. 105
Através de uma escrita própria das elites e que era também símbolo de distinção
social, o futuro normalista seria encarregado de absorver e, principalmente, de propagar
maneiras de escrever e pensar dos padrões cultos e transmiti-los a grupos sociais mais
modestos que frequentavam as escolas públicas. No ocidente, entre os séculos XVI e XIX
houve um longo processo de centralização política em torno do Estado até a sua consolidação
como Estado-Nação. Esse fazer-se se mostrou incompatível com uma sociedade fragmentada
representada pelas culturas populares e regionais a que procurará então eliminar. A essa busca
de uma cultura única proveniente das elites se chama de enculturação que encontrou uma
enorme resistência popular para a sua efetivação. 106
Em 1914 a grande novidade consistiu na supressão da cadeira de prendas e o
aparecimento da cadeira de música. Ela seria ministrada nos quatro primeiros anos e a divisão
de sua estrutura obedeceria a seguinte disposição: nos dois primeiros anos o ensino de teoria e
nos dois últimos de prática. O objetivo da música preconizava o ensino de “hymnos e canticos
escolares e patrióticos em conjunto coral”. 107
Eneas Martins, ao reportar-se à reforma de fevereiro de 1914, afirmou que ela teria
como objetivo a moralização do estudo, diminuindo a frequência e deixando só os mais aptos
a ingressar, pois antes da reforma, a procura era maior devido a baixas taxas de matrícula sem
curso preparatório para o seu ingresso. Assim, a matrícula excessiva prejudicaria o ensino. 108
A última intervenção na organização do estabelecimento no período dessa pesquisa
se daria sob o segundo governo de Lauro Sodré. Tornava-se obrigatório para os alunos do
curso especial, nas escolas anexas, a prática da metodologia e psicologia infantil. Estabelecia-
se o critério de no mínimo 17 anos para que candidatos estranhos se matriculassem no curso
especial. Em relação ao horário de entrada era previsto 7h30, podendo o de saída se prorrogar
além das 12 horas. 109
105 Ibidem, Ibidem, p. 19. 106 Reporta-se aqui a MARTÍN-BARBERO. Op. Cit., principalmente o capítulo 1: O Longo processo de enculturação, pp.133-147. 107 PARÁ. Decreto N.3062 de 12 de fevereiro de 1914 da nova organização à Escola Normal. Belém: Imprensa Official do Estado do Pará. 1914. pp-8-9. 108 Mensagem dirigida em 1 de agosto de 1916 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Imprensa Official do Estado do Pará, 1916, p. 73. 109 PARÁ, Decreto N. 3377, de 21 de junho de 1918 altera o actual Regulamento da Escola Normal. Belém: Impressa official do Estado, 1918.
108
Em termos organizacionais, a forte tensão entre a formação geral e a profissionalizante
evidenciou uma constante ao longo do estudo dos regulamentos que surgem, no mínimo, a
cada mandato governamental entre 1890 e 1920. No início, compensava-se a carência de
disciplinas pedagógicas pelas aulas práticas, mas a partir de 1912, o corte entre formação
geral e profissionalizante se tornou muito claro entre os três primeiros anos e os dois últimos
com duas etapas bem marcadas. Um ensino de caráter secundário geral e um especificamente
de formação de professores. O governador João Coelho é claro quando compreende a
necessidade de reforçar o caráter profissionalizante do curso: “Assim como estava, a Escola
Normal era apenas um curso de humanidades, uma espécie de escola média”. 110
O busilis a explicar essa tensão é que para o pensamento dominante da época o ideal
feminino era o de casamento e a constituição de uma prole a ser educada pela esposa. Caso
ela constituísse uma família de parcos recursos, cabia-lhe a complementação da renda
doméstica com serviços em casa para a venda externa, além de procurar economizar nas
despesas do dia a dia. Como a esmagadora maioria do alunado desde a sua fundação em 1890
se constituía de mulheres, os responsáveis pela sua organização pensaram a grade curricular
entre uma formação para a futura mãe de família e a da futura professora, pelo menos à espera
de um futuro casamento.
As mudanças da sociedade brasileira ao longo do período como a crescente
urbanização, o crescimento do operariado, das camadas médias e ampliação do espaço
público, entre outras coisas, levaram mulheres a uma maior participação no espaço liminar ao
lar. A Primeira Guerra Mundial acabou por aprofundar essa tendência.
No Estado do Pará a crise da economia do látex de exportação será responsável por
prorrogar ou talvez dificultar o casamento dessas normalistas que encontrarão no magistério
cada vez mais um espaço capaz de possibilitar auferir certa independência financeira e torná-
las menos dependente dos casamentos. O emprego público era apesar dos baixos salários e
constantes atrasos a grande oportunidade de trabalho numa economia urbana parcialmente
estagnada. Igualmente o magistério e a enfermagem emergiam como extensões da
maternidade, profissões consideradas dignas para a mulher das camadas médias.
O aumento da demanda pela escola e preparação para atividades dentro do exíguo
mercado de trabalho então existente, forçou o poder público a garantir uma melhor qualidade
na formação do profissional do magistério que, para compensar uma grade extremamente
generalista, enfatizou cada vez mais a parte profissionalizante, bastante atrelada à prática do
110 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1912 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, governador do Estado, 1912, p. 33.
109
ensino em toda a formação da normalista. Isso ficou cada vez mais nítido a partir de 1912 e
aprofundou-se ainda mais em 1918 com a introdução de uma nova disciplina: metodologia e
psicologia infantil, que seria dada exclusivamente de forma prática nos dois últimos anos.
Diante desses quadros, se quiséssemos dividir em partes a trajetória institucional da
escola encontraríamos três momentos distintos: a) fase de formação e ajustes institucionais
iniciais (1890 a 1903), quando as mudanças em geral são muito grandes com seis
modificações na legislação, duas em 1890 e as outras em 1891, 1897, 1900 e 1903
respectivamente; b) fase de maturidade entre 1903 e 1912, com modificações pontuais e
grande numero de alun(a)os, e finalmente c) 1912 a 1920, quando dividiu-se o curso em dois:
3 anos de formação geral e os dois últimos de formação específica.
Em suma, a organização escolar a partir de 1912 ganhou um novo tom. A tentativa
de aumentar o grau de dificuldades, tanto em relação ao ingresso, quanto durante o curso, para
responder a elevação das taxas de matrícula por parte da população, refletiu essa nova
configuração da EN. A crise financeira ajudou a dificultar o ingresso de novos alunos,
respaldando o discurso de busca por melhorias na qualificação da normalista, em detrimento
de sua expansão e popularização. Fora isso, em bases gerais, mantinham-se as modificações
trazidas pela legislação de 1903.
2.3. Agentes Escolares e seus Perfis a) Diretores e Funcionários
A primeira formação do corpo de funcionários da EN republicana extinguia os
professores nomeados interinamente pelo decreto nº 64 de 24 de fevereiro de 1890. Essa
formação pode ser encontrada num documento de Justo Chermont de 26 de julho de 1890.
Estabelecia o seguinte conjunto: diretor, Bacharel Paulino d’Almeida Brito; Secretario, João
Antonio das Neves; Amanuense, João José dos Reis Nilson; porteiro, Olympio Antonio de
Almeida Albuquerque; inspetor de alunos, João de Souza Pereira; inspetora de alunas,
Benvinda Amelia Pinheiro e Josepha da Cunha Silva; professor de português, Dr. Mamede
Monteiro da Rocha; de francês, Antonio Rabello; aritmética, álgebra e escrituração mercantil,
João Chaves da Costa; de física, química e ciências naturais, Dr. Antonio Marçal; de
pedagogia, Camillo Henrique Salgado; historia e corografia do Brasil, bacharel Aristides
110
Carlos de Moraes; de moral e educação física, bacharel Raymundo Melchiades Alvares da
Costa.111
Com a designação de mestres continuava a lista: mestre de música, Aureliano Pinto
de Lima Guedes; mestre de Caligrafia, Carlos da Silva Pereira; mestre de prendas, D. Joanna
dos Santos Tocantins Maltez.112 Os únicos lugares ocupado por mulheres referem-se às
inspetoras que por lidarem com meninas tinham de ser necessariamente mulheres e uma
mestra, isto é, não possuía curso de professores e talvez nem o primário completo. A respeito
da esmagadora presença de homens se falará disso mais a frente.
Uma regulamentação de 1890 sobre a EN, estabelecia que haveria um diretor; um
secretário que acumularia a função de bibliotecário e arquivista; um inspetor; funcionários
para ocupar funções nos gabinetes, laboratórios, no horto, no ginásio; um porteiro com função
de contínuo e serventes.
O diretor seria uma pessoa de reconhecida competência e vocação e sua escolha
estaria a critério do governador, podendo recair em um dos professores, que neste caso
perceberia a gratificação da metade dos seus vencimentos como professor. Os demais
empregados também seriam nomeados pelo governador, mediante proposta da escola. O vice-
diretor substituiria o diretor em sua ausência e seria eleito pela Congregação, no princípio de
cada ano. O cargo de vice-diretor não está contemplado no referido regulamento, o que se
infere o seu caráter provisório.
Competia ao diretor: fiscalizar os estudos; administrar a escolar; redigir o regimento
interno com aprovação da Congregação; realizar reuniões com professores e mestres, no
mínimo, mensalmente para tratar das questões de ensino e disciplina; verificar a escrituração
dos livros; organizar o orçamento anual e ordenar despesas; contratar, mediante concorrência
pública, os serviços necessários; admitir ou demitir serventes; propor melhorias ao governo;
representar a escola no Conselho Diretor; aprontar relatórios anuais; admoestar os
professores.
As atribuições previam, além das tarefas de administração e educacionais, certo grau
de autonomia, como contratar serviços e serventes. Sob a alegação de cumprir o regulamento,
pelo menos, dois diretores se recusarão a acatar ordens do próprio governador. O vencimento
do diretor, segundo tabela anexa à Portaria, seria de 1:200$000 de gratificação, 2:800$00 de
ordenado num total de 4:000$000 quatro contos de réis.
111 APEP. Secretaria do Governo. Ofícios (educação) de 1890 e 1891. 112 Idem.
111
Em 1896, no final do governo Lauro Sodré, a respeito dos diretores de
estabelecimentos de ensino secundário, profissional e técnico, estabelecia-se que estes
tivessem aptidões reconhecidas, moralidade e habilitações especiais. Quanto ao vice-diretor,
seria escolhido entre os docentes do mesmo estabelecimento. A partir deste ano, as atribuições
exigiam: cumprir o horário das aulas; zelar pela educação e aplicação de penas entre outras. A
principal diferença em relação às atribuições anteriores era o grau de detalhismo e cobrança
junto aos alunos e funcionários de suas obrigações. Com direito de abonar no máximo três
faltas, os diretores deveriam assistir eventualmente às aulas e observar o cumprimento do
programa, além de escolher seu secretário, nomeado pelo governador.
O que se pode inferir a partir daí é que antes de se constituir a EN, foram previstas
algumas situações que com a prática do dia a dia precisavam ser mais detalhadas e cobradas.
Pelo que se infere da nova legislação o cumprimento dos programas e horários não era
efetuado como previsto, pois lembrava que os professores deveriam cumpri-los. Essas
determinações se referiam aos docentes dos estabelecimentos de ensino secundário em geral,
todavia não se pode responder até que ponto poderia ser aplicado à EN. Como grande parte
desses professores era o mesmo em todas as escolas secundárias, fica-se a pensar a
necessidade de buscar resolução para problemas comuns.
Já em janeiro de 1900, no final do governo Paes de Carvalho, eram estabelecidas 31
atribuições ao diretor, aumentando o grau de detalhamento. Podia suspender em até 30 dias
“seus auxiliares negligentes ou mal procedidos”. 113 Podia justificar até 15 dias de faltas no
lugar de três como no regulamento anterior. Detalhava mais ainda o seu horário de trabalho:
“Permanecendo estabelecimento todos os dias úteis das 7 horas da manhã as 12 do dia,
comunicando ao Vice- Diretor qualquer impedimento que o inhiba de comparecer” 114.
Pelo visto as autoridades superiores precisavam lembrar o cumprimento do horário
por parte dos diretores dentro da escola. Acrescentava-se que ao diretor cabia encerrar o ponto
diariamente do pessoal docente . É significativo, a esse respeito, o art. 131que afirmava: “A
assiduidade do Director da Escola no estabelecimento durante o tempo das aulas será
fiscalisada pelo Director Geral da Instrucção Pública, que poderá, sempre que julgar preciso e
em reservado, exhortal-o ao cumprimento do dever”. Portanto, se o legislador insistia tanto na
questão do cumprimento do horário, é de supor que a prática tenha ocorrido no sentido
contrário.
113 Decreto n. 809 de 25 de janeiro de 1900. 114 Idem.
112
Essa legislação também detalhava, pela primeira vez, as atribuições do vice-diretor,
do secretário, do amanuense, do preparador e conservador dos gabinetes de física, química e
história natural, das cinco inspetoras de alunas que deveriam ser preferencialmente
normalistas, do porteiro, contínuo e dos serventes.
No governo Augusto Montenegro, em 1903, foi efetuada uma nova reforma da EN.
As mudanças foram muito poucas, entre elas o diretor da escola devia: “Representar o
Secretario de Estado de Instrucção Publica nas commissões para que for designado”. Passava
também a organizar trienalmente o programa dos exames de admissão, submetendo à
aprovação do Secretário de Estado da Instrução Publica. Assim, como no regulamento
anterior, lembrava que o cargo de diretor implicava em dedicação exclusiva, não podendo,
portanto acumular outras funções. O diretor passava a partir daí, a ser auxiliado na parte
administrativa por um oficial, de nomeação do Governador. Isso indicaria a sobrecarga de
suas tarefas e necessidade de distribuição.
Entre a primeira organização da escola no período republicano em 1890 e a última
em 1918, observou-se o crescimento da burocracia interna independente dos revezes da
economia local, revelado pelo quadro crescente de funções e funcionários. Entre eles a figura
do oficial, uma espécie de secretário, nomeado pelo Governador, além de um contínuo e o
aumento do número de inspetoras.
De modo geral, em trinta anos, a estrutura funcional da escola sofreu muito poucas
modificações, revelando um tempo diferenciado e mais lento das instituições sem relação
direta com as modificações externas. No período de 1890 a 1920, a EN teve os seguintes
diretores (Tabela nº 04). 115
115 Procurou-se seguir a assinatura de diretores, em toda a documentação consultada, principalmente no Livro de Licença de Professores da EN, no arquivo do IEEP e em SOUZA, Altamir. Op. Cit., em sua tabela, em anexo.
113
A esmagadora maioria dos diretores era professor da EN. Entre a saída e a posse de
novos governadores não era necessariamente feita a substituição imediata dos diretores. Paes
de Carvalho manteve o diretor Hildebrando Barjona de Miranda, o qual vinha desde o
governo Lauro Sodré. Este diretor só seria substituído em 1900, no final do mandato de Paes
de Carvalho. Seu sucessor, Dr. Antonio Firmo de Cardoso Jr, permaneceu até o início do
segundo mandato de Augusto Montenegro, substituído por Heitor Gil Castelo Branco.
DIRETORES EFETIVOS
PERÍODO
DIRETORES INTERINOS
PERÍODO
GOVERNADORES DO PERÍODO
Dr. Paulino d’Almeida Brito
1890-1891
Prof. Antônio Marçal João Chaves Costa
1891 1891
Justo Chermont Lauro Sodré
Cap. Raymundo Joaquim Martins
1892-1895
Dr. Euphrosino Pantaleão Francisco Nery. Dr. Antonio Marçal.
1892/94 1895
Lauro Sodré (1891-1897)
Hildebrando Barjona de Miranda.
1895-1900
Dr. Paulino de Brito.
1897
Lauro Sodré Paes de Carvalho. (1897-1901)
Dr. Antonio Firmo Cardoso Júnior
1900-1906
Dr. Paulino de Brito. Antonio Marques de Carvalho. Elias Vianna
1901/02 1902 1904
Paes de Carvalho. Augusto Montenegro. (1901-1909)
Heitor Gil Castelo Branco.
1906-1912
Paulino de Brito. Elias Vianna. Antonio Marques de Carvalho. Elias Vianna. Paulino de Brito. Elias Vianna
1907 1908 1909 1909 1911 1912
Augusto Montenegro. João Coelho (1909-1913)
Eládio Lima
1912-1917
Dr. Alexandre Tavares Dr. Euphrosino Pantaleão Fº Nery. Elias Vianna. Coronel Marcos Nunes. Dr. Antonio Paraguassú. Paulo Maranhão. Coronel Marcos Nunes. Elias Vianna. Euphrosino P. Fº Nery.
1913 1913 1914 1915 1915 1916 1916 1917 1917
João Coelho Enéas Martins (1913-1917) Lauro Sodré (1917-1921).
Elias Augusto Tavares Vianna
1917-1930
Euphrosino Pantaleão Francisco Nery. Francisco de P. Pinheiro.
1917/18 1919/20
Lauro Sodré
114
Esse último permaneceu quase até o final do governo de João Coelho, sucessor de
Augusto Montenegro e que romperá com o grupo político dos lemistas, responsáveis pela
base de sustentação dos governadores Paes de Carvalho e Augusto Montenegro. A
substituição se deu próxima à reforma da EN de 1912, efetuada por João Coelho. Outro
diretor foi Eládio Lima nomeado por João Coelho, mantido por todo o mandato do sucessor
desse último, o governador Enéas Pinheiro. Só com o governo de Lauro Sodré, seria
escolhido Elias Vianna como novo diretor, que ficará no cargo até 1930.
Pode-se inferir com isso que a posição do diretor era estratégica politicamente e que
foram nomeados, em todo o período, professores de preferência dentro dos quadros da própria
escola e, ao mesmo tempo, a quadros políticos como foi o caso de Raymundo Joaquim
Martins, deputado estadual. Foi também muito grande o número de diretores interinos por
todo o período. Paulino de Brito, Elias Vianna, Euphrosino Nery, Antonio Marques de
Carvalho, pertenciam também ao quadro docente da escola.
Rastreando no Livro de Licenças do arquivo da antiga EN, encontraram-se vários
pedidos de licença por motivos de saúde como ilustra o seguinte documento: 116
“Directoria da Escola Normal do Estado Confederado do Pará. Em 29 de junho de 1892. Sr. Dr. Governador do Estado. Achando-me incompatibilizado, durante os trabalhos do Congresso em virtude do disposto no § unico do art. 13 da Constituição do Estado, para continuar na direcção da Escola Normal, apresento-vos para substituir-me durante o meu impedimento o lente desta escola Dr. Euphrosino Pantaleão Francisco Nery. Saúde e fraternidade. Raymundo Joaquim Martins”.
O diretor apresentava justificativa para seu afastamento em virtude de participar
como deputado do Congresso Estadual (composto pela Câmara e o Senado) e indica um
substituto que foi acatado pelo governador Lauro Sodré.117
Paulino de Brito, o primeiro diretor da EN republicana embora tivesse pertencido
inicialmente às hostes do Partido Conservador, se aproximou dos republicanos, proferindo
inclusive uma conferência em que criticou o ex-imperador Pedro II. Tal crítica foi motivo de
ironia pelo jornal O Democrata, que passou a ser porta voz dos membros dos antigos partidos
conservador e liberal. Foi candidato derrotado da União Patriótica, conjunto de opositores aos
republicanos. Essa candidatura teria lhe custado o cargo de diretor?
116 APEP. Caixa: Secretaria do Governo: Ofícios: Escola Normal em 1891-1900. 117 O Art. 13º. da Constituição de 1891 no seu artigo § Único estabelecia: “Durante as sessões céssa o exercicio de qualquer outra funcção”. Constituição do Estado do Pará, promulgada em 22 de junho de 1891, publicada no Diário Oficial do Estado de 23 de Junho de 1891.
115
O capitão Raymundo Martins, seu substituto, pertencia também aos quadros do
Partido Republicano. Participou como deputado em várias legislaturas das assembleias
provinciais , do Congresso Constituinte de 22 de junho de 1892 e presidente, da 1ª e 2ª
Legislaturas. E ainda membro da Câmara dos Deputados de 1891 a 1895.
O prof. Antônio Marçal, Antonio Marques de Carvalho, Heitor Gil Castelo Branco,
Elias Tavares Vianna, Hildebrando Barjona de Miranda, Alexandre Tavares tiveram também
atuação parlamentar. Os dois últimos e o próprio Antonio Marques de Carvalho foram ainda
fundadores do Club Republicano. 118
Assim, dos sete diretores da EN, cinco foram políticos e deputados estaduais em
várias legislaturas: Raymundo Martins, Hildebrando Barjona de Miranda, Heitor Gil Castelo
Branco, Eladio Lima e Elias Augusto Tavares Vianna, num total de dezessete anos de
mandato. Enquanto os diretores não ligados diretamente à política partidária, como Paulino de
Brito, Antonio Firmo Cardoso Jr governaram um total de sete anos apenas. É claro que se
deve descontar o período em que os primeiros estavam exercendo atividades partidárias,
118 APEP. Câmara dos Deputados: Atas da 1ª Legislatura da Câmara dos Deputados em 30 de Outubro de 1891 a 8 de janeiro de 1892 e Acta da 38º sessão ordinária da Câmara dos Deputados do Estado do Pará, em 17 de Dezembro de 1891. Tais informações encontram-se ainda em CRUZ, Ernesto. História do Poder Legislativo do Pará: 1835-1930.1º vol. Belém: Imprensa Universitária.s/d. Além de MEIRA, Otávio. Op. Cit.
Foto nº 04. Dr. Eladio Amorim Lima, diretor da EN 1912-1917(quadro de formatura s/d)
116
aspecto que levava a escola a ser dirigida por um vice interino. Um diretor efetivo e outro
interino foram inclusive fundadores do Clube Republicano.
O principal critério de nomeação seria, então, o cruzamento entre a participação
político-partidária e a qualificação profissional, inclusive como professores do quadro, do
Liceu ou da própria Escola Normal. Os demais diretores, embora não tenham exercido
mandato político, poderiam até certo ponto, participar em maior ou menor grau do jogo
clientelístico até hoje muito comum na política nacional.
Para Souza, falando da instalação dos grupos escolares no Estado de São Paulo a
partir da república, a figura do diretor do grupo escolar era a “alma da escola” e havia entre
ele e o Estado uma ligação muito forte. Segundo a autora: “Baseado em relações pessoais,
resquícios, por um lado, do patrimonialismo do Estado monárquico e da estrutura de poder
oligárquica implantada com a República” 119, tornava a administração escolar muito frágil às
ingerências políticas.
b) Os Professores: “Raio de Luz que Esclareça as Consciências” 120
Os professores121 da EN no ano de 1890, eram escolhidos através de concurso
público, com exceção dos substitutos e temporários que ocupavam provisoriamente a vaga do
professor titular ausente por motivo justificado. Para se candidatar ao cargo o postulante
deveria ser brasileiro, maior de idade, ter um comportamento moral e não ter sofrido pena de
galés ou infamante. Na legislação de 1900, a maioridade era explicitada (21 anos), e
acrescentava a proibição de inscrever-se caso estivesse sofrendo de moléstia contagiosa ou
repugnante.
Não deveria também ter defeito físico que o incompatibilizasse para o exercício do
magistério e passava a pagar uma taxa de 20$000 réis para o fundo escolar, em 1903
reajustada para 30$000 em 1914 para 50$000, seguindo a escalada inflacionária do período.
Em 1903, exigia-se ainda a vacinação contra a varíola.
Fica evidente a representação de professor que se buscava: um cidadão de
moralidade exemplar e comprovada através de ficha expedida pela polícia, que demonstrasse
no próprio corpo estar cumprindo os preceitos higiênicos recomendados pelos discursos 119 SOUZA, Fátima. Op. Cit., p. 77. 120 Mensagem dirigida pelo Senr. Governador, Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará, em 1º. de fevereiro de 1893, p. 16. 121 Consultou-se aqui os regulamentos referentes à EN: Portaria n. 64 de 4 de fevereiro de 1890; Decreto n. 809 de 25 de janeiro de 1900; Decreto n. 1207 de 2 de abril de 1903; Decreto n.1925 de 28 de agosto de 1912; Decreto n. 3062 de 12 de fevereiro de 1914; Decreto n. 3377 de 21 de junho de 1918. Estes documentos foram encontrados no APEP, na Biblioteca Pública Arthur Vianna e nos Diários Oficiais no Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP), antiga Escola Normal.
117
hegemônicos, sem esquecer as inúmeras epidemias que atingiram a cidade. No entanto, foram
diversos os casos em que os professores eram nomeados por decreto e ficavam durante anos
nessas funções sem a participação em concursos.
O concurso público sofreu poucas modificações ao longo do período. Constituía-se
uma comissão julgadora composta inicialmente por sete membros examinadores, três
nomeados pelo governador, um pelo diretor da escola, dois pela Congregação e o diretor geral
de instrução que atuava como presidente. Em 1900, a comissão foi reduzida para cinco
membros: dois professores nomeados pela Congregação, um pelo Conselho Superior de
Instrução, um pelo governador do estado e o diretor geral de Instrução Pública como
presidente.
Finalmente, a comissão será composta de apenas três pessoas nomeadas pelo
governador. Pouco a pouco, o concurso ia se concentrando nas mãos do governador e saía da
esfera da própria escola e da área de instrução pública. Como a legislação é omissa sobre os
critérios da escolha dos três membros, mesmo que o governador escolhesse representantes da
própria escola, isso seria agora facultativo.
Interessante observar que se estabeleciam provas escritas, orais e práticas, para as
cadeiras que assim exigissem. A prova escrita constaria de ponto tirado à sorte, as orais em
arguição recíproca entre os candidatos e pelos examinadores em meia hora para cada
candidato. Depois de várias etapas seriam escolhidos três candidatos, sendo enviadas ao
governador toda a documentação referente às provas e, em informe reservado, a exibição dos
candidatos e a sua reputação literária. Estes últimos critérios dariam margem à escolhas
subjetivas. Da lista tríplice o governador escolheria um, independente da classificação.
Depois o gestor do executivo encaminharia sua decisão ao Conselho de Instrução que
poderia ainda invalidar todo o concurso. Este processo parece abrir espaço para todo tipo de
jogos de poder em que candidatos da lista tríplice poderiam pressionar autoridades para serem
admitidos em detrimento de outros com melhor desempenho e até mesmo candidatos que não
fizeram ou não puderam fazer o concurso entrariam em cena para sua anulação.
Em 11 de julho de 1900 era anulado um concurso para professor de aritmética
porque “(...) não constou na prova escrita do candidato reprovado o resultado final do exame.
Deveria além da nota ser dado ao candidato inabilitado um resultado da apreciação feita em
cada prova”.122 Nesse caso não se encontrou o nome do candidato inabilitado, tornado
122 PARÁ. Actos e Decisões de 1900. Belém: Diario Oficial, 1902.
118
impossível responder se foi fruto de uma decisão impessoal ou uma estratégia para anular o
concurso e possibilitar um outro.
Em 1900 detalhavam-se também as provas: escrita, arguição mútua, 45 minutos para
ciência e 30 para outras matérias, prova prática com preleção oral, prova oral, aplicações em
laboratório ou em museus, se o concurso fosse para ciências naturais, e exercícios gráficos
para geografia, desenho e caligrafia. O desempate se faria pela regência de pelo menos um
ano como professor interino, especialização na disciplina ou publicação a respeito dela. Nesse
momento seria proposto ao governador a nomeação do habilitado em primeiro lugar e não
mais a uma lista tríplice.
Em 1903, caberia ao governador escolher agora um dos dois primeiros aprovados,
cujo critério seria ter servido mais de um ano como substituto e publicado obras. Agora, o
substituto levaria vantagem e o governador apenas aplicaria o critério previsto em lei.
Em 1912 o concurso ainda poderia ser anulado de acordo com o Secretário de Estado
do Interior. De tudo isso se pode inferir enquanto a legislação tentava fechar o cerco para
evitar o arbítrio do governador na escolha final do candidato, abria ao mesmo tempo espaço
para as manobras desse último ao reduzir a comissão do concurso para apenas três membros
nomeados por ele. As várias etapas do concurso e as tensões implícitas na escolha dos
vitoriosos revelam o grande prestígio que era ser admitido como professor da EN.
Os professores também poderiam dar aula na escola sem concurso em caráter
extraordinário enquanto esperavam sua regularização. Nesse caso eram chamados de lentes ou
de adjuntos, com salário menor. Em 1º de fevereiro de 1897, na última mensagem anual ao
Congresso Estadual do governador Lauro Sodré era noticiado a contratação de dois
professores de desenho em Paris. Um para a Escola Normal e outro para o Liceu, o que
demonstraria a falta de mão de obra local em desenho.
Apesar de todos os regulamentos estabelecerem o concurso como condição de
ingresso à escola, em 1930, período que ultrapassa os recortes temporais dessa pesquisa,
descobriu-se que uma grande maioria de professores da EN não tinha feito concurso, embora
para efeitos legais gozasse de todas as vantagens. O Interventor Magalhães Barata mandou
que fosse aberto exame de seleção para preenchimento dessas cadeiras que estariam ocupadas,
no mínimo ilegitimamente e, ao mesmo tempo, resolver pendências políticas trazidas pela
mudança de regime.
Isso deve ter causado uma grande comoção. Os professores que seriam atingidos
possivelmente se organizaram em lutas coletivas ou individuais, pois em um ofício de 16 de
novembro de 1931, a Diretoria Geral de Educação e Saúde Pública comunicava que:
119
“(...) pelo despacho do Major Interventor Federal do Estado (...) foi deferido o requerimento dos lentes (...) Elias Vianna, Francisco Pondé, Francisco de Paula Pinheiro, Manoel Lobato, Themistocles Araújo, Waldemar Ribeiro, Aldebaro Klautau, João Nelson Ribeiro, Bianor Penalber (...) José Girard, Francisco Nunes, Sarah Ribeiro e Dina Bem Athar Benemond em que pediram fosse sustada a publicação do edital da Secretaria de Educação e Saúde Pública, abrindo concurso para as cadeiras regidas pelos mesmos, que são considerados vitalícios, em virtude da lei (...)”.123
Dessa forma, até professores de longuíssima data na escola como Elias Vianna,
professor desde 1903 e seu último diretor até o governo discricionário de 1930 estavam na
escola sem terem prestado concurso. Interessante que um governo ao se propõe através de um
golpe de força derrubar inclusive a constituição vigente, recuou diante de uma legalidade no
mínimo questionável acerca da permanência de professores não concursados e gozando de
vantagens como se o fossem. O número de professores efetivos era em média 15, em função
do aparecimento, desaparecimento e desdobramentos das disciplinas.
Para efeito de visualidade do quadro de docentes no período inicial e final da
pesquisa, apresentam-se dados de 1919. Neste ano havia 19 professores: 14 catedráticos e 5
interinos. Catedráticos: Cornelio Pereira de Barros, lente dos 2º e 3º anos de Português; João
Paulo de Albuquerque Maranhão, lente de literatura; Dr. Américo Campos, lente de hygiene;
Dr. Francisco Pondé, lente de história natural; Dr. Alexandre Tavares, lente de Física e
Química; Dr. Alfredo Lins de Vasconcelos Chaves, lente de Álgebra e geometria; Dr.
Francisco de Paula Pinheiro, lente de historia do Brasil; Coronel Marcos Antonio Nunes, lente
de aritmética; Dr. Deodoro de Mendonça, lente de educação Moral e Cívica; Dr. Elias
Augusto Tavares Vianna, lente de psicologia e pedagogia; D. Sara Ribeiro de Araujo,
Francês, Manoel João Alves, prof. de Caligrafia; José Girard, prof. de desenho; Genésio
Alves Leão, prof. de ginástica.
Quanto aos professores interinos, acompanha-se na documentação nomes como de
Cônego Jose de Andrade Pinheiro, lente de português; maestro Manoel Luiz de Paiva que
substitui na musica, o lente efetivo José da Gama Malcher; Dr. Themístocles Alvares de
Araujo, cadeira de geografia em substituição de Eladio de Amorim Lima; Angyone Costa,
substituto de Manoel Lobato, lente efetivo de história geral; Cornélio Pereira de Barros
substituindo em português Antonio Ferreira dos Santos. 124
123 SOUZA, Altamir. Op. Cit., p. 71 124 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura da 2.ª reunião de sua 10.ª legislatura de 7 de setembro de 1919 pelo governador do estado Dr. Lauro Sodré, p. 119.
120
No Livro de Ponto de Professores125, encontramos uma relação de professores com
seus endereços. Num total de 21, aparecem três professoras. Não estão discriminados efetivos
de interinos. Como é do mesmo ano, presume-se que as professoras Eugênia Holanda e
Salustiana sejam interinas, ou tenham sido recém admitidas como efetivas.
Observa-se que nas duas primeiras décadas do século XX, nomes hoje famosos no
campo literário paraense, faziam parte do quadro de docentes da EN. Outro aspecto que
confirma a predominância de homens no exercício da formação das normalistas é a presença
de uma única mulher no quadro de professores e três no livro de pontos.
Lendo a lista de endereços dos docentes encontrada no livro de pontos, percebe-se,
com exceção do Dr. Alexandre Tavares, residindo em Pinheiro, atual distrito de Icoaraci,
todos moravam em Belém na chamada Cidade Velha ou às imediações de São Brás. Nenhum
residia em área considerada periférica. O documento analisado não permite saber se esses
professores habitavam em casas próprias ou alugadas.
Comparado as relações de professores pode-se concluir que dentro da EN o processo
de feminização do corpo docente não aconteceu, pelo contrário, proporcionalmente, o número
de docentes mulheres diminuiu. O quadro docente e administrativo da EN era
majoritariamente masculino, enquanto a esmagadora maioria das normalistas era composta
por mulheres.
Pensar numa diretora para a EN além de não ser compatível com as representações
de gênero da época seria muito difícil, pois o alto índice de professores do ensino médio era
formado por homens. Em todo o mundo ocidental e no Brasil a partir do século XIX, a
feminização do magistério atingiu apenas o nível elementar em função dos baixos salários
crescentes que afastaram os homens paulatinamente da carreira, conforme tese defendida por
Chamon126. Já Jane Almeida adverte que “(...) a aura de feminilidade trazida pelas mulheres
ao magistério deve ter afastado os homens, mais do que os baixos salários e maior
oportunidade de emprego. A entrada das mulheres no magistério também não teria se dado
sem conflitos” 127.
Quanto a questão da desvalorização da profissão de professora primária, Almeida
acredita que a carreira do magistério era vista como uma espera para o casamento e uma
possibilidade de ocupação do espaço público sem abandonar a esfera privada, portanto o
125 Livro datado de 04 de agosto de 1919 a 13 de junho de 1922, existente no arquivo do IEEP. 126 CHAMON, Magda. Op. Cit. 127 ALMEIDA, Jane. 1998. Op. Cit., p. 80
121
baixo salário seria uma espécie de complementação da renda familiar”.128 É possível ainda
que a desvalorização tenha ocorrido porque atendia cada vez mais uma população de baixa
renda e, portanto desvalorizada dentro da ótica capitalista. 129
Reservava-se, portanto, para as mulheres o magistério elementar. Na EN, isso é
evidente, pois as poucas mulheres que exerceram o magistério na escola em todo o período
analisado eram ligadas às disciplinas mais relacionadas ao gênero feminino como caligrafia e
prendas de agulha. Mas, se interinamente foi nomeada uma professora de caligrafia, em 22 de
março de 1890, D. Joanna dos Santos Tocantins Maltez, na organização definitiva de 1890,
como foi mostrado acima a cadeira passava a ser ocupada por um professor, Carlos da Silva
Pereira, por exemplo. Mesmo quando inicialmente a EN dividia-se numa escola para meninas
e outra para meninos, os professores predominavam em detrimento das professoras. 130
A possibilidade de mulheres no ensino público paraense acontecia para o cargo de
inspetoras de alunas e como professora da escola primária masculina e feminina. Mas com a
criação dos grupos escolares em 1901 no Pará e o ajuntamento no mesmo prédio de meninas e
meninas, os grupos raramente tinham diretoras. Encontrou-se apenas um caso no governo
Augusto Montenegro e ele explicou o motivo:
“É inútil insistir sobre o abandono em que o elemento masculino tem deixado a Escola Normal. O mal para o Estado é sensível, (...) embora até certo ponto remediado pela disposição legal que permitte serem regidas por professoras, as escolas do sexo masculino, (... )o que é mais grave, dentre os professores devem sahir os directores de grupos, o que não terem sido possível executar em absoluto por escassez de pessoal. Em vista da falta de professores, como experiência, nomeei como directora para um dos grupos da capital, uma normalista, com que tenho tirado bons resultados.” 131
Também, de acordo com o Decreto nº 1191 de 19 de fevereiro de 1903, a professora
podia concorrer a uma vaga para as escolas primárias masculinas, desde que não houvesse
candidatos homens, indicando um modo de solucionar a falta de candidatos a professores.
Observam-se nesses casos, a feminização do magistério e a consequente escassez dos quadros
masculinos para determinadas funções, como a de diretor. Quando Augusto Montenegro
assinala bons resultados, reporta-se talvez ao fato de a sociedade começar a sentir como
natural a maior presença de mulheres em espaços tradicionalmente masculinos. Outra
128 Idem, p. 24. 129 VILLELA, Heloisa de O. S. Op. Cit., p. 120. 130 Ofício n. 3240 de Justo Chermont em 22 de março de 1890 apud SOUZA, Altamir, 1972, p. 29. 131 Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado, p. 34.
122
possibilidade de análise seria que, contrariando as suas expectativas, a nomeação de uma
diretora não implicou em maus resultados.
Anteriormente, durante as reformas educacionais promovidas pelo governador Paes
de Carvalho (1897-1901), já se tinha permitido o ingresso de mulheres para a escola primária
masculina como se pode ler a seguir:
“(...) na contigencia portanto, de adoptar medidas que salvassem o ensino das mãos do professorado interino sem as garantias de habilitações e idoneidade profissional não hesitei em entregar ás mulheres, que em uma maioria esmagadora formam hoje o nosso pessoal de professoras normalistas, o ensino do sexo masculino, único que lhe era vedado pelas reformas até então vigentes”.132
Ao se consultar a lista de pedidos de licença de professores foi possível relacionar
mulheres com disciplinas e atividades consideradas femininas. Algumas delas como Anna
Augusta Vieira Espíndola, Joanna dos Santos Tocantins Maltez pareciam ter recorrentes
problemas de saúde pelos constantes afastamentos133
Ao se fazer uma análise das atribuições dos professores contidas nas legislações
durante o período analisado pode-se apontar as seguintes atribuições: cumprissem
estritamente o programa; dessem aulas a todos indistintamente sem discriminações;
comparecessem às reuniões da Congregação e dos concursos, comissões examinadoras em
qualquer estabelecimento público; indicassem bibliografia e materiais didáticos; fossem
assíduos e pontuais; preparassem provas; lançassem notas; mantivessem a disciplina;
dividissem a matéria de 20 a 60 pontos; obedecessem o diretor, comunicassem por escrito ao
diretor no caso de retirar-se da capital durante as férias; não darem aulas particulares
remuneradas aos seus alunos; não acumularem cadeiras interinas por mais de 90 dias, mesmo
em estabelecimentos diversos; inspirarem os alunos ao despertar de sentimentos morais e
cívicos.
Esse conjunto de prescrições manteve-se praticamente igual durante todo o período
estudado. Alguns itens saíam, outros apareciam algumas vezes mais detalhados, enquanto em
132 Mensagem de Paes de Carvalho de 1º de fevereiro de 1901, ao entregar o governo ao seu sucessor, Augusto Montenegro. p. S1-51 133Livro de Licença de Professores 1890-1920. Arquivo do IEEP. São vários os pedidos de licença por parte de professoras da EN: Anna Augusta Vieira Espíndola, professora da escola modelo feminina em 1893, 1894, 1896, 1898; Joanna dos Santos Tocantins Maltez, professora de prendas em 1893, 1894, 1895, 1898; Profª Maria Magdalena Figueiredo de Morais, professora de escola anexa à EN em 1894. Profª Josepha Torreão de Lacerda Redig, professora de prendas, outras licenças em 1896,1897,1909. D. Amélia Castello Branco de Oliveira, inspetora de alunas em 1895, 1896, 1896, 1897. D. Anna Costa, inspetora de alunas em 1897, 1900,1910. Josepha Cunha da Silva, inspetora de alunas em 1898. D. Maria Stellina Valmont, professora do curso elementar das escolas-modelo em 1899, 1900, 1901. Maria José Baena Camisão, professora da escola elementar de grau complementar feminina do grupo anexo à EN em 1904. Profª Anesia Schüssler, professora catedrática de caligrafia em 1907, 1908, Maria Barradas de Souza, inspetora de alunas em 1908.
123
outros momentos preferia-se dispô-los de modo mais conciso. Em síntese, esperava-se um
profissional que fosse tecnicamente competente, que seguisse estritamente as
regulamentações e que disciplinasse e fosse disciplinado. Um decreto de 1900 estabelecia que
o professor poderia sofrer as seguintes penas: a) admoestação em ofício reservado; b)
admoestação em portaria; c) suspensão; d) eliminação.
Para ser passível de admoestação em ofício reservado, era preciso que cometesse
entre outras as seguintes ações: tolerar sem punição o mau procedimento do aluno, consentir
em desordens ou falta de respeito durante as lições. No caso de admoestação em portaria, era
necessário reincidente nas ações anteriores. Para a suspensão teria que haver falta de respeito
ao diretor ou qualquer autoridade superior de ensino e ainda “nos casos de provocações físicas
ou pugilatos entre os colegas”. Era inadmissível também “concitar os alunos à desobediência
ou desacato aos superiores ou empregados da casa e arrumação de práticas revolucionárias e
contrárias á moral”. E, finalmente, para a sua expulsão, era necessário reincidência das faltas
que já tivessem provocado suspensão ou escândalo público, desídia habitual no cumprimento
dos deveres.
Foi a partir de 1900, que se começou a estipular repressão aos pugilatos entre os
colegas e suas práticas revolucionarias. Seria tentador relacionar essas disposições
regulamentares ao embate político, altamente violento e polarizado, presente no Pará entre as
duas principais oligarquias, cujas ressonâncias ultrapassavam os muros da escola, atingindo
seus agentes. Para enfrentar tal conflito era preciso coibi-lo.
A necessidade de classificar, hierarquizar e disciplinar inscrita nos regulamentos é
uma constante. No entanto, no cotidiano escolar as maneiras de enfrentar o dispositivo
estratégico vinculavam-se às táticas. Isso pode ser vislumbrado quando os documentos legais
estabeleceram inúmeras proibições aos professores e suas respectivas punições. Se há
prescrições, estratégias, nesse sentido, é porque houve ou poderia haver ações ou táticas que
contrariavam o que se buscava alcançar.
O salário dos professores era baixo e alvo de atrasos. Portanto, é possível que o
prestígio de ser professor da EN e o complemento salarial em outras atividades como na
política e no jornalismo compensassem a profissão. Não se pode também minimizar a
incorporação do discurso hegemônico do professor como propagador de conhecimentos,
cidadania, higiene e moralização. Em 3 de agosto de 1892, o diretor interino da EN, Dr.
Euphrosino Pantaleão Francisco Nery escrevia ao Governador do estado, Lauro Sodré:
124
“Autorizado pelo Reg. d’esta Escola art. 122 §10 e attendendo as difficuldades enormissimas com que lutam os empregados sujeitos a um parco e limitado vencimento, mandei abonar algumas faltas dadas por motivos imperiosos aos lentes e empregados d’este estabelecimento.”
Em 1897, Lauro Sodré em sua prestação de contas ao final de seu governo afirmava:
“Sempre olhei com carinho e zelo para essa classe, cuja condição material e moral procurei ver melhorada. É um dever de todos nós fazer com que cada vez mais essa funcção tão digna de mestre escola, se torne uma carreira cheia de attração e seductora pelas vantagens não só materiais como morais”.134
Nessa fala há uma confissão de que os salários não eram altos e que o governador
tinha se esforçado para elevá-los. Em 1898, Lauro Sodré propõe junto ao Congresso Estadual,
um aumento para o professor normalista. Em 1917, é novamente Lauro Sodré, no início de
seu segundo mandato que confessava os: “atrasos de vencimentos de professores por meses e
até anos, que procuravam em profissões os meios de vida” e propunha “ a regularidade no
pagamento dos ordenados”.135
Este governante foi o único que nos seus dois mandatos (1891-1897 e 1917- 1920)
mostrou nas mensagens governamentais uma grande preocupação pelos funcionários. Talvez
daí o seu enorme prestígio sobre amplos setores da população evidenciados nos conflitos com
a oligarquia lemista e seu papel indireto fundamental para a derrubada dessa última.
Outra prova do grande prestígio em ser professor da EN, embora com salários
aviltados e atrasados foi a entrada nos quadros de seu professorado de Paulo Maranhão.
Jornalista, proprietário da Folha do Norte, jornal de oposição aos lemistas, e que muito
contribuiu para sua queda. Poderoso a ponto de influenciar na nomeação de secretários de
governo, Maranhão não se furtou a ser professor de literatura a partir de 1912, após a queda
dos lemistas. A avó do autor deste trabalho, Marieta de Bastos Brasílico, já falecida, e que
entrou na escola em 1918, costumava contar que Paulo Maranhão, durante as aulas, pegava
em seus cabelos e elogiava os artigos que o seu pai, Tito Brasílico, escrevia para jornal. A
princípio, pelo ar severo do professor, pensou tratar-se de ironia. Só depois percebeu que o
elogio era sincero.
Finalmente, deve-se falar agora na Congregação de Professores. Ela era formada pelo
conjunto de professores efetivos do estabelecimento. Pelo Decreto nº 409 de 24 de setembro
de 1891, reunia-se, pelo menos uma vez por mês. Podia ser convocada pelo diretor do
134 Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, governador do Estado ao expirar o seu mandato, no dia 1º. de fevereiro de 1897. 135 Mensagem de Lauro Sodré em 1º de agosto de 1917, pp. 61-62.
125
estabelecimento, por um professor ou pelo diretor de Instrução Pública. A deliberação ocorria
por maioria de votos presentes com metade dos membros para que pudesse haver quórum.
Dentre outras atribuições, esta congregação era obrigada a: eleger seu representante
perante o Conselho Superior de Instrução, discutir, aprovar horário, tomar conhecimento no
primeiro dia útil do mês das notas dos alunos e conduta, elaborar o horário de provas, dar
ciência aos pontos elaborados pelos professores, assistir aos concursos, sindicar fatos e
delitos, preparar a formalidade da colação de grau e eleger o seu orador.
O Decreto nº 809 de 25 de janeiro de 1900 lembrava que a presidência era do diretor
da escola, marcava as sessões ordinárias e extraordinárias para o segundo dia útil do mês e
detalhava que o funcionamento seria depois de 1 hora da tarde. Os temporários participavam
em ocasiões especiais como as colações de grau. A sua frequência era obrigatória, sob pena de
desconto da falta. Quando as deliberações da Congregação contrariassem ao voto de seu
presidente, não obrigaria a sua execução. Isto dava, em tese, um enorme poder ao diretor. E
viria para minimizar possíveis impasses anteriores gestados entre professores e diretor? Nesse
aspecto, até a votação dos horários de aula deveriam receber a aprovação da autoridade maior
da escola.
No Decreto nº 1207 de 2 de abril de 1903, permitia-se a participação de professores
interinos quando o assunto em pauta estivesse relacionado às suas cadeiras. No artigo 157
eram definidas as funções do seu presidente que também era o diretor. Além de entrar em
detalhes sobre o processo que desenrolaria as reuniões como dar a palavra para cada professor
de forma sucessiva, declarar encerrada a sessão, chamar a ordem, poderia suspender a sessão
quando desacatado e levando ao conhecimento do Secretário de Estado de Instrução Pública.
A legislação aponta indícios de que as sessões deveriam ser em algumas ocasiões
bastante conflituosas. Infelizmente as atas referentes a essas reuniões, com exceção da
primeira de 1871, embora sejam citadas nas duas obras da década de 1970, escritas sobre a
escola, não foram mais encontradas durante a feitura desse trabalho.
Em 1912, com o Decreto nº 1925, de 28 de agosto de 1912, o excessivo poder dado
ao diretor nas duas legislações anteriores foi diminuído, pois as resoluções voltavam a ser
tomadas, semelhante às anteriores, por maioria de votos dos professores presentes, sendo que
ao presidente caberia o voto de desempate. Este continuava podendo suspender a sessão e
levar o fato ao Secretário de Estado de Educação.
Poder-se-ia supor então que durante a administração de Augusto Montenegro, cujo
litígio entre lemistas e lauristas revelou sua face mais intensa, essas lutas tenham adentrado a
escola e o diretor ao perder sua legitimidade ancorou-se em uma legislação mais restritiva à
126
autonomia da congregação. Passados os acirrados tempos de conflitos e decretada a derrota
dos lemistas, a nova legislação refletiu esse nova conjuntura.
É o alunado? Como se comportavam nesses tempos de mudanças políticas,
educacionais e culturais? Apreender tramas das relações que diferentes aluna (o)s, assim
como diretores, professores, elites políticas costuraram por dentro e por fora da EN nos
instigantes processos de acelerada modernização de Belém, constitui-se objetivo do próximo
capítulo.
127
CAPÍTULO III: A(O)S ALUNA(A)S EM CONFLITOS
3.1. Os Critérios de Ingresso e Exames
Ao se cruzar o número de alunos com as exigências para a sua admissão, evidencia-
se que a escola teve procura constante ao longo do período analisado. Embora, fosse de certa
forma atingida pela débâcle das exportações da borracha, o que pode ser percebido pelo atraso
dos salários de seus funcionários, mais e mais alunas procuravam adentrar esse
estabelecimento de ensino. Do lado das autoridades, a resposta ao elevado número de
ingressantes consistiu em estabelecer critérios cada vez rigorosos na admissão. Um dos
motivos que explicam tão elevada procura poderia ser a exigência do diploma de normalista
para o ingresso das professoras nas escolas públicas primárias1.
As exigências para a matrícula na EN inicialmente constituíam-se em: provar ter
entre 16 e 21 anos para os rapazes e 15 a 21 para as moças; mostrar atestado de que teve
varíola, ou foi vacinada(o); ausência de defeito físico que impedisse de exercer
vantajosamente o magistério; certificado de exame do curso primario, ou caso não tivesse,
apresentar aprovação num exame de admissão, cujos conteúdos seriam referentes ao conjunto
de matérias daquele grau de ensino.
Novamente encontram-se presentes critérios de admissão, similares às exigências
estabelecidas aos docentes, de higiene e competência, demonstrada em provas. Não se exigia
atestado de conduta moral, talvez pela menoridade dos ingressantes. Caso a documentação
estivesse falsificada, era prevista a penalidade de não mais poder ingressar na rede pública de
ensino.
Em1891 acrescentava-se ainda em relação à saúde, que a(o) candidata(o) não deveria
se achar acometida(o) de nenhuma moléstia crônica nem contagiosa ou ainda repugnante. Em
1893, alguns pedidos de ingresso indicariam ainda um exame de admissão. 2 Um década
depois, apareceu a obrigatoriedade do pagamento de uma taxa no valor de 10$000 para o
fundo escolar. Caso houvesse falsificação de documentos, a pena, além da criminal, era o
impedimento de matrícula, em até dois anos nas escolas governamentais. Como a quantidade
prevista de alunos a serem matriculados na 1ª série atingiria o teto máximo de 60 alunos eram
escolhidos os detentores de melhores notas obtidas no ensino primário para compor a nova
turma.
1 Decreto n.1191 de 19 de fevereiro de 1903. 2 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Petições: 1890-1918.
128
Três anos depois, 15 anos passava a ser a idade mínima para a matrícula,
independente do sexo e aumentava-se o número de vagas para 80. Caso houvesse excedentes,
deveria ocorrer um exame de admissão que versaria sobre leitura, ditado, análise lexicológica
e sintática, aritmética prática, contendo as quatro operações sobre números inteiros, frações
ordinárias e decimais, noções de sistema métrico decimal. Os exames constariam de prova
escrita de português. Fala-se em exames orais para outras disciplinas, embora só seja citado a
matemática.
João Coelho em 31 de janeiro de 1911 resolveu suspender o exame de admissão. O
critério estabelecido seria a classificação dos candidatos de acordo com o diploma de estudos
primários até completar o número fixado. No caso de empate os alunos mais velhos teriam
prioridade. A data mínima de ingresso na EN ficava sendo de 13 anos. 3 Essas mudanças
indiciam uma escolarização mais precoce da população e consequentemente a finalização dos
estudos primários com 12 anos, indicando a idade de 7 anos para o início da escolarização.
Aumentava-se para 100 o número de matrículas na 1ª série. No caso de excedentes,
haveria exame de admissão. Em 1914, a idade de ingresso foi fixada em 14 anos, talvez pelo
pouco rendimento ou baixa procura de candidatos com 13 anos. Além da idade mínima
deveria ainda ter sido aprovado no agora obrigatório exame de admissão, independente do
número de candidatos.
A matrícula na 1ª série era de até 60 alunas(o)s. Os candidatos aprovados no exame,
mesmo que ultrapassando o número limite de vagas, teriam prioridade na matrícula do ano
seguinte. Para dar continuidade aos dois anos finais, chamado de especial, era necessário
outro exame denominado de madureza, de caráter oral, conforme critérios estabelecidos por
uma comissão de quatro professores, na qual o diretor teria voto deliberativo.
Para os candidatos que não tivessem cursado a escola, era exigida uma idade mínima
de 17 anos completos e o exame de madureza deveria ser aplicado por uma comissão
composta pelo diretor que teria voto deliberativo e mais seis professores. O exame oral
consistiria em ponto tirado à sorte pelo candidato, dentre todos os que fizessem parte dos
programas de ensino das disciplinas do curso geral, salvo o de português, que constaria
também em prova escrita. 4
Em 1918, aumentou-se a taxa de inscrição para 20$000 réis que ia para o fundo
escolar. Acabava-se com o exame de madureza e a(o) aluna(o) que após terminar os três anos
3 Diário Oficial, 1º de fevereiro de 1911, p. 177. 4 APEP.Capítulo V. Portaria de 4 de fevereiro de 1890 do Regulamento da Escola Normal.
129
iniciais, na escola, quisesse passar para o chamado curso especial de mais dois anos,
precisaria ser aprovação no curso geral e pagar uma taxa do mesmo valor da anterior.
Em caso de empate de notas, haveria o critério de inscrição mais antiga, se fossem da
mesma data, prevaleceria a ordem alfabética do prenome. Caso seguisse ainda empatado,
venceria o candidato com maior idade. Esse indício aponta certo prestígio e maior procura
pela instituição que desde o nascimento da república lutava por ser tornar uma escola de
referência na formação de professores. Conforme a pesquisa vem demonstrando, o fazer-se da
EN trilhou sinuosos processos políticos e sociais que a levaram para conflitos, contradições,
superações e acomodações.
Em relação aos exames, pelo regulamento de 1890, os alunos da 1ª série seriam
chamados pela ordem numérica de matrícula e das séries seguintes pela ordem da
classificação por mérito. O que leva mais uma vez constatar que o aparelho escolar era um
local de exame, classificação e disciplina. Os exames eram feitos por comissões compostas
pelo professor da cadeira, como presidente e dois examinadores indicados pela congregação,
aceitos pelo diretor geral de instrução pública e nomeados pelo governador.
Aqui embrincam-se duas questões. A primeira é referente à solenidade do ato de
avaliar para garantir a excelência dos alunos e a segunda à publicidade através de anúncios
das comissões nomeadas pelo governador do estado. Seguia uma longa tradição dos exames e
concursos públicos da época imperial. 5
As provas seriam escritas e orais, com exceção daquelas disciplinas em que só
caberiam exames práticos. As provas escritas teriam duração de duas horas, podendo ser
prorrogadas. A prova oral duraria meia hora para cada examinda(o). Os graus de julgamento
eram: distinção plenamente, simplesmente e reprovação. Considerava-se o português como
disciplina fundamental, pois o candidato que fosse reprovado nesse exame estaria
sumariamente desclassificado. 6
A(o) aluna(o) reprovada(o) apenas em duas matérias de ciências ou letras teria
direito a se matricular no ano seguinte sob condição de primeiro refazer os exames do ano
anterior antes de realizar os da série que estivesse cursando. Haveria um exame de segunda
época em janeiro para os alunos que não tivessem sido avaliados anteriormente por motivos
justificados. 7
5 Capítulo V. Portaria de 4 de fevereiro de 1890 do Regulamento da Escola Normal. PARÀ. Decretos do Governo Provisório de 1890. Belém: Diário Oficial. 1893. 6 Idem. 7 Idem, Ibidem.
130
Em 1891, o prazo para o exame oral, talvez em função do número de candidatos foi
reduzido para 20 minutos e se a prova fosse prática, para 15. O presidente da mesa poderia
agora interrogar o candidato por mais cinco minutos. A banca seria formada pelo presidente,
professor da disciplina, dois professores do estabelecimento, nomeados pelo diretor ou da
escolha da Congregação entre os professores e funcionários públicos nomeados pelo Diretor
Geral.
Formar-se-ia uma mesa especial para as cadeiras de Desenho, Música e Caligrafia. O
resultado final do exame do discente seria a média entre a do aproveitamento anual, da prova
escrita, da prova oral e da prática, se houvesse. Os graus de julgamento agora eram mais
detalhados e também quantificados, talvez por deixar margem a várias reclamações e
descontentamentos: distinção 10; aprovado plenamente de (7 a 9); aprovado simplesmente de
(4 a 6); reprovado de (0 a 3). 8
Em 25 de janeiro de 1900, o novo Regulamento estipulava que para ir aos exames
finais o candidato deveria ter no mínimo nota 4. O curioso é que os candidatos que fossem
fazer a prova escrita teriam à sua disposição pela banca examinadora livros de textos, tábuas e
dicionários, o que significaria a facilitação na realização das provas ou uma avaliação
preocupada com a criatividade e menos com a memorização de dados. Para os exames orais,
era necessário ter obtida a nota mínima nos exames escritos ou nota de aproveitamento
superior a 7. 9
A prova escrita era estendida para três horas. A comissão seria composta do
professor da disciplina como presidente e de dois professores da própria escola. Previu-se a
convocação de funcionários públicos, caso não houvesse professores suficientes da própria
instituição. O funcionário escolhido era obrigado a comparecer sob pena de ter o seu dia de
trabalho descontado. Aqui fica evidente a porosidade da instituição que podia ter como
examinadores, pessoas que, embora também funcionários externos ao estabelecimento. 10
Modificavam-se também as notas e suas equivalências numéricas: (0) péssima; (1 a
3) má; (4 a 6) sofrível; (7 a 9) boa e (10) ótima. O grau de detalhamento também aumentava
consideravelmente a necessidade de suprir as brechas dos regulamentos anteriores e dos
conteúdos dos exames de português e francês. A(o) aluna(o) do 3º ano em diante não poderia
cometer em qualquer prova escrita mais de quatro erros de português por página completa ou
8 Capítulo VI. Regulamento da EN de 24 de setembro de 1891. PARÁ. Decretos do Governo Republicano do Estado do Pará. 1891. Belém: Diário Oficial. 1894. 9 Capítulo II. Regulamento para a Escola Normal de 25 de janeiro de 1900. PARÀ. Actos e Decisões de 1900. Belém: Diario Oficial, 1902. 10 Idem.
131
incompleta. Previam-se agora uma segunda época para os reprovados nos exames anteriores.
Suspeita-se que com a procura maior de vagas para a escola, o governo, entre a contratação de
novos professores e funcionários para expandir o ensino, optou por elitizá-lo. 11
A partir de 1900, as alterações até 1918 serão extremamente pontuais. Por exemplo,
em 1912, só a(o)s aluna(o)s da 5ª série é que prestariam exames práticos em um dos grupos
escolares que consistiria em uma pequena aula de até 20 minutos. Em 1914, a aula prática do
5º ano passava a ser dada na escola anexa à EN, perante a comissão examinadora cujo
presidente seria o professor de pedagogia em até no máximo meia hora. No entanto, em 1918
o exame prático dessa série era suprimido. Na verdade, entre 1890 a 1900 foram fincados os
pontos fundamentais em relação aos exames.
3.2. As Alunas Predominam
A EN republicana foi uma escola majoritariamente de mulheres, como pode ser
observado na Tabela 05 de 1890 a 192012.
11 Capítulo II do Regulamento para a Escola Normal de 25 de janeiro de 1900. PARÀ. Actos e Decisões de 1900. Belém: Diario Oficial, 1902. 12 As lacunas aparecem em função de não se ter encontrado estatística. Optou-se pelos dados mais recentes do governo Augusto Montenegro (1901-1909). 13 Relatório apresentado ao Governador do Estado pelo Director da Escola Normal, Paulino de Almeida Brito, em cumprimento do art. 66.º, § 9.º do Regulamento expedido para execução do Decreto de 4 de Fevereiro de 1890 em anexo a: VERÍSSIMO, José. Op. Cit., p.185. 14 Relatório de 24 de junho de 1891 de Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes. A diferença entre a soma de meninos e meninas e o total é em função de 17 ouvintes, p. 28. 15 Mensagem de Lauro Sodré de 7 de abril de 1894, p. 25. 16 Mensagem de 1º de Fevereiro de 1897 de Lauro Sodré. (anexo S1-24) 17 SOUZA, Altamir. Op. cit. p.35. 18 Idem.
ANO MENINAS MENINOS TOTAL 1890 11313 1891 107 (85 no 1º ano e 22 no 2º) 19 (15 no 1º e 4 no 2º) 14314 1893 16715 1897 12816 1898 16 186 20217 1899 16 188 20418 1900 193 (72, 1º ano; 51, 2º ano; 41, 18 (3,1ª ano; 6, 2º ano; 7,3º 211
132
A conquista da mulher pela apropriação do saber letrado foi extremamente árdua no
ocidente. O saber seria contrário à feminilidade. As religiões do livro (judaísmo, cristianismo
e islamismo) confiam sua interpretação aos homens. Evidentemente houve exceções nas
camadas mais privilegiadas da população. A Reforma protestante foi uma mudança
significativa, pois obrigava à leitura da Bíblia a cada indivíduo. Para os filósofos do
iluminismo caberiam às mulheres as luzes amortecidas. A educação feminina não seria
necessariamente uma instrução. Se fosse instrução, seria apenas para torná-las agradáveis e
úteis e formá-las para seus futuros papéis de dona-de-casa, esposa e mãe. 28
No Brasil não foi diferente a exclusão das mulheres à educação formal, herança da
concepção lusitana de espaço público e educação escolar. Exceções foram as escolas
particulares, as preceptoras, os conventos com uma educação voltada à preparação de uma
19 Os dados de 1900 até 1904 estão na Mensagem de Augusto Montenegro de 07 de setembro de 1904, p. 51. 20 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1905, p. 51. Segundo o regulamento, haveria exame de admissão quando o número de alunos no 1º ano ultrapassasse 50. Nesse ano não entrou nenhum aluno homem. 21 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1906, p. 44. 22 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1907, p. 63. 23 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1908, p. 65. 24 Mensagem de João Luiz Coelho de 7 de setembro de 1912, p. 35. 25 Mensagem de Eneas Martins de 1º de agosto de 1916, p. 74. Não estão separados alunos das alunas. 26 Mensagem de Lauro Sodré em 7 de setembro de 1919, p. 118. 27 Mensagem de Lauro Sodré em 7 de setembro de 1920, p. 62. 28 PERROT, Michelle, 2008, Op. Cit., 91-94.
3º ano; 29, 4º ano) ano; 2, 4º ano) 1901 212(70, 1º ano; 58, 2º ano; 49,
3º ano, 35, 4º ano) 31(17,1ºano; 3, 2º ano, 4, 3º
ano; 7, 4º ano) 243
1902 283 (122, 1º ano; 64, 2º ano; 57, 3º ano ; 40, 4º ano)
48 (27, 1º ano; 14, 2º ano; 4, 3º ano; 3,4º ano).
331
1903 340 (130, 1º ano; 112, 2º ano; 54, 3º ano; 44, 4º ano)
48 (18, 1º ano; 15, 2º ano; 12, 3º ano; 3 , 4º ano)
388
1904 344 (121, 1º ano, 84, 2º ano; 74, 3º ano; 65, 4º ano)
45 (6 no 1º ano; 16 no 2º ano; 12 no 3º, 11 no 4º).
38919
1905 277 (50 no 1º ano; 91 no 2º ano; 58 no 3º e 78 no 4º)
27 (0 no 1º; 11 no 2º; 9 no 3º e 7 no 4º)
30420
1906 211 (62 no 1º ano; 53 no 2º; 67 no 3º e 29 no 4º)
21 (4 no 1º ano; 3 no 2º; 6 no 3º e 8 no 4º)
23221
1907 153 (49 no 1º ano; 34 no 2º; 43 no 3º e 27 no 4º)
12 (4 no 1º; 0 no 2º, 4 no 3º e 4 no 4º)
16522
1908 151 (60 no 1º ano; 38 no 2º, 29 no 3ªº e 24 no 4º)
7 (3 no 1º ano; 3 no 2º, 0 no 3º e 1 no 4º)
15823
1911 23724 1916 218 (69 no 1º ano,53 no 2º, 40
no 3º, 55 no 4º,1 no 5º) 9 (1 no 1º ano, 1 no 2º ano, 3 no 3º ano, 4 no 4º ano)
22725
1919 300 (1º ano 54, 63 no 2º, 71 no 3º, 64 no 4º e 48 no 5º)
4 (1 em cada ano a partir do 2º)
30426
1920 30527
133
boa mãe e esposa. As mulheres estiveram ausentes do ensino médio até o século XX. O
magistério primário foi o espaço que elas pouco a pouco foram conquistando através do
processo de feminização do magistério.
Esse processo explicaria, portanto a predominância de alunas afastando os homens
que buscavam profissões mais bem remuneradas. O magistério primário estava se
identificando cada vez mais com a maternidade e, portanto, feminilidade. Michelle Perrot
explica que a obrigatoriedade da escola republicana francesa, no final dos séculos XIX, para
os dois sexos, mas em escolas distintas, ampliou a necessidade de mulheres para ensinar as
meninas. 29 No Brasil, como a escola primária era dividida entre escola para meninos e escola
para meninas, também pode ter contribuído para se buscar, preferencialmente, professoras
para as escolas femininas.
Lauro Sodré em 1896, expondo a realidade da temática no Pará, afirmou que: “Ainda
continua muito reduzido o número de alunos do sexo masculino, que freqüentam a Escola
Normal quando é tão grande o de alunas (...)”. Citando Garofalo, a respeito da Itália
completou:
“que os raros moços que procuram as escolas normais, são os descontentes que não conseguem entregar-se às profissões liberais, e aceitam; por necessidade o emprego de mestre elementar, considerando-o como motivo humilde e inferior aos seus méritos”. 30
Essa afirmação não só parece corresponder às próprias concepções de Lauro Sodré e,
possivelmente da sociedade desse período, como vem ao encontro da discussão acerca do
processo de feminização abordado por Chamon, discutido no capítulo anterior. O governador
então, acreditava que se deva oferecer vantagens “morais e materiais” aos professores que não
tiverem: “natural inclinação para a profissão”. Os comentários ainda trazem implícito que o
Governador aceitou também a naturalização provocada pelo processo de feminização do
magistério primario, como profissão eminentemente feminina, cabendo dar incentivo aos
homens para que superassem a falta da inclinação natural para a profissão.
Apesar de reconhecer que as mulheres naturalmente se inclinavam à carreira do
magistério e ter afirmado a predominância das meninas na escola, usa a expressão
professores. Estaria seguindo a norma culta da língua na qual o plural de sujeitos femininos e
masculinos é sempre no plural ou revelaria um ideal de formação de professores?: Em 18977
29 PERROT, Michelle, 2008. op. cit. p.126. 30 Mensagem de Lauro Sodré ao Congresso Estadual em fevereiro de 1896, p. 43.
134
lembrou que: “De nada valeriam os nossos esforços, todos em prol do levantamento do ensino
primário, se uma Escola Normal destinada a formar bons professores não existisse”.31
Lauro Sodré parece insistir na ideia de reverter o processo de feminização, pois mais
adiante lembra que:
“É um dever de todos nós fazer com que cada vez mais essa funcção tão digna de mestre escola, se torne uma carreira cheia de attração e seductora pelas vantagens não só materiais como morais, de sorte que venham a ella consagrar-se, como á mais nobre das profissões, os moços que elegem destino, consagrando-se ao serviço da Pátria e da Humanidade”.32
Um tema que começa a aparecer nas preocupações governamentais foi a dificuldade
em fazer com que os concluintes da EN, em sua maioria professoras, fossem trabalhar no
interior. Na opinião do governador Augusto Montenegro, os vencimentos pagos no interior
não compensavam os quatro anos de estudos na EN. Lembra-se aqui que as escolas eram
dividias em três entrâncias ou níveis, partindo das vilas até chegar às escolas da capital com
vencimentos crescentes. A esse respeito teria dito:
“Parece-me que o ensino actualmente fornecido em nossa escola normal, quando bem aprehendido pelo alumno, tira-lhe o desejo de ir para o interior reger uma cadeira com poucos e minguados vencimentos. D’ahi esta natural aversão que tem todo recém-normalista de ir para o interior, insistindo com tenacidade em permanecer em um posto escolar na capital, mesmo com infracção dos regulamentos escolares e dos sagrados princípios de justiça, que determinam guardar-se esses logares para os que tenham prestado serviços no interior”. 33
Dois anos depois continuava a insistir no tema e na necessidade a necessidade de se
estimular os professores normalistas a trabalhar no interior e de mais professores formados
pela EN.34 O que acabaria mostrando-se uma contradição, não percebida pelo chefe do
executivo, pois o exame de seleção foi responsável pela diminuição do número de matrículas.
O governador compreendia que o exame de admissão evitaria que entrassem, na
escola, postulantes despreparados e sem vocação. Dessa forma, atribuía aos alunos do
primário a culpa pelo seu baixo desempenho, eximindo-se como governante de assumir parte
da responsabilidade na qualidade do ensino público.
31 Mensagem de Lauro Sodré ao Congresso Estadual em fevereiro de 1897. 32 Idem. 33 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1902. 34 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1904.
135
Em 190735, voltou a falar na diminuição das matrículas na EN em função do exame
de admissão e ainda da facilidade que seria o ensino ali ofertado “(...) pela exigência do
exame de admissão e pela extirpação de certos abusos que offereciam grandes facilidades á
obtenção do diploma de normalistas.” O tema da inexpressiva presença de professoras
normalistas no interior é retomado:
“Em geral, as normalistas [utiliza o plural feminino, pelo elevado número de alunas ou simplesmente porque são as alunas mulheres as que se recusam a ir ao interior?] tudo fazem para ficar na Capital, de modo que, das senhoras que annualmente se diplomam, muito poucas são aproveitadas nos mesteres do professorado. Preferem o logar de adjuntas na capital, com minguados vencimentos, a irem para o interior com ordenado mais remunerador. A continuação deste estado de coisas só pode ser funesto ao ensino primário e vem contrariar os esforços do Governo, no sentido de dotar os grupos escolares de um pessoal apto a cumprir os árduos deveres do professorado”.36
Já o seu sucessor João Coêlho, em 1911 atribuía o desinteresse das normalistas pelas
escolas do interior ao processo de concorrência estabelecido desde 1903, no governo anterior,
pois esse último:
além de inexeqüível, (...) não assegurava de modo inilludivel o direito de acesso, que sempre me pareceu uma necessidade como estimulo aos que moirejam n’esse afanoso viver de mestre(...) A perspectiva em que vivia o professor primario investido de nomeação para o interior do Estado, − de que envelheceria sem esperança de melhorar de condição,− concorria poderosamente para que permanecessem abandonadas dos normalistas as escolas que não estivessem em facil communicação com a capital”. 37
Em 1911, ele parecia ter percebido que a dificuldade de as normalistas irem para o
interior onde começariam a carreira de funcionárias públicas concursadas, era algo que não
conseguia sanar e, portanto, admitia seu ingresso como adjuntas na capital. Isso acabaria por
desestimular mais ainda o provimento de cadeiras no interior pelas normalistas.
“Ora, como a nossa Escola Normal diploma annualmente numero considerável de moças, que ficariam desaproveitadas pela impossibilidade de começar carreira pelo interior, pareceu acertado deixar-lhes aberta, pela porta larga do concurso, a entrada para a classe de adjuntos, que constitue a guarda avançada do magistério. Assim é que, segundo a antiguidade no serviço, podem ellas pleitear o provimento n’esses logares em concorrência com professores, sendo a escolha do Poder Executivo alternada entre os de entrância immediatamente inferior e os adjuntos, de modo a não se repetirem duas nomeações tiradas da mesma classe”.38
35 Mensagem de Augusto Montenegro de 7 de setembro de 1907. 36 Idem., pp. 32-33. 37 Mensagem de João Coêlho ao Congresso Estadual em 1911, p. 50. 38 Idem, pp. 51-52.
136
É possivelmente também a questão da feminização proporcionando uma quantidade
muito maior de mulheres do que homens que se formavam na EN a que se pode atribuir
principalmente a resistência das normalistas em trabalhar no interior. Seria muito estranho o
deslocamento e estabelecimento de residência para uma mulher sozinha que não fosse das
camadas subalternas.
O magistério era uma carreira carregada de expectativas de moralidade e reprodução
de valores atribuídos às mulheres pelas elites através dos jornais, revistas, discursos médicos e
juristas que não eram compatíveis com a independência feminina de estabelecer-se sozinha
sem marido, ou pelo menos um parente do sexo masculino. Assim, como viajar para lugares
distantes, com pouco salário, sendo solteira e, se casada, como conciliar seu domicílio com o
do marido, provavelmente empregado na capital?
3.3. Expandir ou Elitizar?
A queda de matrículas de 304 em 1905 para 232 em 1906 teria sido motivada pelo
exame de admissão mais rigoroso em 1903? Havia em regulamentos anteriores o exame,
embora não tão rígido. Já em 19 de janeiro de 1899, através de um ofício, Paes de Carvalho
limitava a 50 o número de ingressantes ao 1º ano da escola.39 A respeito da queda de
matrícula, Augusto Montenegro em 1906 explicava que o exame de admissão afastou os que
não tinham vocação para o magistério e os que não tinham instrução primária suficiente.
No ano seguinte, volta a tocar no assunto, justificando “(...) pela exigência do exame
de admissão e pela extirpação de certos abusos que offereciam grandes facilidades á obtenção
do diploma de normalistas”.40 Assim seria melhor optar por uma escola de qualidade e
elitizada do que responder ao desafio de uma “massificação” do espaço escolar.
Sem negar a possibilidade de se elitizar para evitar gastos, 1903 e 1904 foram anos
de uma intensa campanha do jornalista Paulo Maranhão através de seu jornal A Folha do
Norte contra a educação em geral e a Escola Normal que aparecerão em vários artigos com
denúncias de abusos de professores e no ensino claudicante. É possível que isso tenha
contribuído também para a queda das matrículas no 1º ano.
39PARÁ. Actos e Decisões do Governo 1899. Belém. Imprensa Oficial, 1901. 40 Mensagem do Governador Augusto Montenegro, setembro de 1906, p. 33.
137
Em 30 de janeiro de 1910, no governo de João Coelho, o diretor Heitor Castelo
Branco, dirigindo-se ao Secretário de Estado do Interior, Justiça e Instrução Pública: Augusto
Olympio e Araújo a respeito do papel da EN, manifestou-se:
“É que a todos desta casa chegou a convicção de que a Escola Normal é, antes de tudo, um estabelecimento profissional, onde só devem ser aproveitados os que revelem aptidão para a difficil e nobilíssima missão do ensino, não se conferindo o diploma de normalista semnão áquelles que o souberem conquistar pelos esforços da intelligencia e do estudo”.41
Fica claro mais uma vez a opção em elitizar ainda mais a escola. Nesse esforço foi
muito importante a ação como se falou do exame de admissão, iniciado na administração
anterior, pois: “seja-me permittido também dizer que o exame de sufficiencia como medida
obrigatória para a obtenção da matricula foi a providencia que melhor contribuiu para tão
grande quão satisfactorio resultado”.42 Assim, a medida era muito eficaz, pois havia: “(...)
uma certa elevação de nível no preparo dos alumnos, todas as vezes que este meio de selecção
é empregado”.43
Essa prática no governo de Augusto Montenegro esteve ligada a uma conjuntura de
economia de gastos. Em escrito de 1901, afirmava que o orçamento da EN foi reduzido de
46.872$000 entre os anos de 1900 a 1901 para 37.492$ 000. Além disso, as cadeiras de
professores foram reduzidas para oito, ficando apenas três serventes e suprimindo-se o lugar
de amanuense. 44
Assim clarifica-se que o exame de admissão estaria ligado, a partir do governo
Augusto Montenegro, à contenção de gastos. A sobrecarga de trabalho do professor em
turmas extensas e a não contratação de mais profissionais, ganham evidencia na fala de Heitor
Castelo Branco.
É de desejar portanto que elle continue a ser praticado, [o exame de seleção] pelo menos enquanto não é dada ao nosso ensino normal uma regulamentação que mais liberalmente corresponda aos fins do instituto, não procurando reduzir o numero de alumnos, é claro, mas não dando logar á anomalia de um só professor leccionar diariamente, em uma só hora, a cento e tantos discípulos, como se vê actualmente, por ter sido feita a matricula sem a exigência dos mencionados exames.45
41 Relatório referente aos anos 1910-1911, apresentado ao Excelentíssimo Sr. Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado, pelo desembargador Augusto Olympio de Araujo e Souza, secretario d'Estado do Interior, Justiça e Instrucção Publica. 42 Idem. 43 Idem, Ibidem. 44 Mensagem do Governador Augusto Montenegro, setembro de 1901, p. 03. 45 Relatório referente aos anos 1910-1911, apresentado ao Excelentíssimo Sr. Dr. João Antonio Luiz Coelho. Op. Cit.
138
O diretor também afirmava a necessidade de contratação de novos professores para
compensar o aumento de alunos excedentes. Caso não fossem tomadas providências nesse
sentido a saída ou seria o exame de seleção ou o comprometimento com a qualidade do
ensino. Para corroborar a sua afirmação de que a quantidade comprometia o bom andamento
do ensino, exemplifica que numa turma de 46 alunos de aritmética foram eliminados 8 em
junho de 1909. No ano seguinte, num conjunto de 96 estudantes da mesma disciplina 36
foram reprovados. 46
Assim, enquanto a anomalia de sobrecarregar o professor, prejudicando o
desempenho do aluno não fosse solucionada, o exame de admissão seria o meio mais
adequado. O objetivo a ser alcançado no fundo, segundo o diretor, não era reduzir o número
de alunos e sim resolver o problema de turmas superlotadas, contradizendo-se de que o exame
serviria para aproveitar os que tivessem real aptidão ao ensino do magistério. João Coelho
extinguiu o exame em 1911 para logo em seguida reintroduzi-lo no decreto de 1912, embora
aumentando o número de ingressantes para 100 aluna(o)s.
A busca pela excelência através da seleção de ingresso vai continuar através de
governos seguintes. Em 1º de agosto 1916, o governador Enéas Martins afirmou que a
matrícula excessiva prejudicava o ensino, agora limitado a 60 alunos no primeiro ano e 50 no
curso especial, (os dois últimos anos) sem contar os repetentes. 47 Assim, os requerimentos de
matrícula que excediam 120, decresceram em 1914 para 37 e em 1915 foram de 50, subindo
em 1916 para 81, dos quais foram matriculados 60. Apesar do exame de seleção e da crise da
economia da borracha em 1912, ou até por sua causa, a procura pela EN continuava estável.
Interessante perceber que a prática de exames seletivos para o ingresso em escolas
disputadas continua em vigor naquelas que são apontadas como as melhores das avaliações
nacionais de ensino. Através de uma rigorosa seleção, entram os melhores alunos e ao
trabalhar com os mais bem qualificados a instituição acaba obtendo ótimos resultados. Resta
saber se em função do preparo prévio dos alunos ou dos seus próprios méritos.
3.4. Origem Social e Étnica da(o)s normalistas
Outra questão intrigante seria a origem social das alunas e dos alunos da EN durante
o período analisado por esse trabalho. Levando em consideração que as meninas das elites não
exerciam o magistério e que no caso do aprendizado de boas maneiras e preparação para o
46 Idem. 47 Mensagem do Governador Enéas Martins, agosto de 1916, p. 73.
139
casamento haveria boas escolas particulares e religiosas, a aluna que enfrentasse de quatro a
cinco anos de escola normal visaria o exercício efetivo do magistério, pelo menos até o seu
casamento. A respeito de sua condição social foram encontradas algumas pistas que ajudam a
clarear a questão.
Quando da constituição da escola normal republicana, que estabelecia dois turnos
diários, houve um abaixo-assinado de trinta e cinco alunas no sentido de transformar o horário
para apenas um turno. Entre vários argumentos era dito a necessidade de quatro viagens duas
de ida e duas de volta e “(...) essas viagens são feitas a pé, por falta de recursos pecuniários de
quase todas, sob uma temperatura elevada que sempre se observa nessa cidade depois das 10
horas, ou sob chuvas torrenciais que cahem frequentemente ás tardes (...)”.48 A questão das
chuvas da tarde em Belém era recorrente nas representações da cidade do passado e continua
sendo na cidade do presente. Ao se marcar um encontro à tarde, costumava-se dizer: antes ou
depois da chuva? Em outros momentos, estabelecia-se um horário preciso: chuva das três.
Hoje as mudanças climáticas dos últimos tempos diminuíram muito essa precisão, alterando
horários e planejamentos dos belemenses.
Em um documento sem data e assinatura, possivelmente de 1918, o diretor Elias
Vianna, comunicou ao Secretario Geral do Estado a respeito de um pedido da aluna Maria
Stella Rocha Sótão, que solicitava ao Governador um novo exame de História Natural. O
diretor, embora considerasse que o pedido feria o regulamento e que a aluna não seria
merecedora, lembrava:
“(...) Conquanto, attendendo a razão, embora, de ordem puramente sentimental, exposta pela alunna e decorrente da necessidade em que julga estar de ‘por todos os meios ao seu alcance tentar destruir os desastrosos effeitos de sua reprovação, afim de corresponder aos sagrados esforços de seus paes, que, por paupérrimo, (sic) só a custo dos mais penosos sacrificios tam-na (sic) podido manter em seus estudos’ não me opponho a que um novo exame seja facultado a requerente, tanto mais quanto é o ultimo que lhe falta para completar o curso especial desta Escola”.49 [negrito nosso]
Em 20 de maio de 1893, o diretor, Raymundo Joaquim Martins, numa
correspondência ao Governador do Estado, justificando um suprimento de verba para uma
compra efetuada no exterior afirmava: “No intuito de facilitar ás alumnas deste
estabelecimento, em sua maioria pobres, os objetos necessários para o estudo de prendas,
muitos dos quais são caros, mandei vir do estrangeiro uma factura deles (...)”. 50
48 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Escola Normal, 1891-1900. 49 Livro de Requerimentos de 1918 do Arquivo do IEEP. 50 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Escola Normal, 1891-1900.
140
Em 1919, Joaquim Corrêa Ayres requerendo inscrição como candidata estranha para
sua filha, Martha da Cruz Ayres, de 15 anos de idade, afirmou que os documentos já se
encontram na escola e que a taxa de inscrição “serão descontadas (sic) de seus vencimentos
atrazados auctorizados pelo Ex.mo Snr Dr.Governador do Estado”51. Pode-se perceber aí,
como seria difícil em função de seus salários atrasados, o pagamento da taxa.
Pode-se argumentar que tanto a aluna, na primeira correspondência, quanto o diretor
na segunda usem de táticas e estratégias emocionais para alcançar seus objetivos. No entanto,
para que surtam efeito era necessário que fossem verossímeis. Isto é, não causasse estranheza
a pobreza generalizada das alunas nem a pobreza da requerente que pedia um novo exame. No
caso do último documento, o próprio governador autorizou o desconto da taxa de matrícula no
vencimento do requerente que seria funcionário público. O episódio do aluno, relatado no
primeiro capítulo, que saía no intervalo para tomar cachaça, corrobora que sujeitos sociais
oriundos de grupos sociais populares partilhavam de práticas comuns no seio da própria
escola.
Em 25 de fevereiro de 1899, na Folha do Norte, o professor da EN de Álgebra e
Geometria, Marcos Nunes ao reportar-se a um imbróglio entre ele, uma aluna e o governo,
comenta a respeito dessa última: “A essa alumna, filha de paes paupérrimos e cujo nome peço
para não declinar, dei a nota zero”.52
Considerando a complexidade da realidade em estudo, a documentação como
espelho das experiências vividas, permite reconstituir outros indícios. Marguerite Muriel,
diretora do College Français, solicitou inscrição para suas alunas Oscarina Faciola e Inah
Herma Faciola nos exames do 1º ano do curso normal. O pedido foi deferido e despachado em
11 de outubro de 1912 pelo diretor interino Dr. Nery53. Lisbina Cantão de Siqueira Mendes
requeria inscrição para o exame de admissão para sua filha Marietta Cantão de Siqueira
Mendes de 14 anos filha do Dr. João José de Siqueira Mendes54.
O nome das alunas da professora Muriel estava relacionado a uma das mais
importantes famílias de Belém no período. Poderia evidenciar o empobrecimento de famílias
que estariam sentindo a quebra do preço do látex a partir de 1912. É possível também que o
requerimento de matrícula através da professora reflita o aumento de prestígio da EN,
levando ali famílias de camadas médias a matricular seus filhos. De qualquer forma as alunas
51 Livro de Protocolo de Entrada de Requerimento: 29 de março de 1917 a 12 de fevereiro de 1921, nº 258 de 21 de janeiro. 52 Escola Normal. Folha do Norte. Publicações a Pedido. Belém, 25 de fevereiro de 1899. 53 Livro de Protocolo de Entrada de Papéis de 10 de agosto de 1912 a 26 de março de 1917 do Arquivo da IEEP. 54 Livro de Protocolo de Entrada de Requerimentos: 29 de março de 1917 a 12 de fevereiro de 1921, nº 236 em 22 de janeiro de 1920. Arquivo do IEEP.
141
provenientes de uma escola particular de ensino provavelmente, com forte influência francesa,
também pode ser um indício de sua origem social elevada.
Ainda nesse sentido, é bom lembrar que a família Siqueira Mendes era considerada
uma família tradicional na cidade, com vinculações políticas, embora não necessariamente
rica. O fato de seu pai ser chamado de Dr. significa também uma formação de nível superior,
possivelmente bacharel em direito, médico ou engenheiro.
A própria avó do autor dessa pesquisa, Marietta Bastos Brasílico, vinha de uma
família de camada média, cujo pai, Tito Augusto Brasílico, foi comandante de navios
responsável por trazê-los do alto-mar até o porto de Belém. Três de suas filhas fizeram a
inscrição na escola em 1918: Isabel, Marietta e Laura. As duas últimas foram aprovadas e
concluíram o curso. Em 10 de janeiro de 1921, Tito reescreveu Valdomira Bastos Brasílico
reprovada em 1920. Em seguida, essas irmãs montaram um internato, chamado Brasílico às
imediações da casa de família num prédio alugado e próximo a EN, na Rua 28 de Setembro.
Com a mudança da família para outro bairro, o internato foi fechado, Marietta e irmãs foram
trabalhar no setor de serviços como secretárias, mas não como professoras.
As situações narradas ajudam a desconfiar que nem todas as alunas eram efetivamente
pobres ou de origem popular. Não foi encontrado nenhum documento que indicasse ser
analfabeto o responsável pela matrícula. Muitos médicos, bacharéis, professores, oficiais
fazem questão de deixar claro sua profissão no requerimento. Diante desses quadros, é
possível assinalar que a maior parte do alunado era pobre.
As camadas pobres estariam incorporando os discursos, valores e concepções de vida
das elites disseminados pela possível propaganda realizada pela EN. No entanto, a
apropriação dessas orientações pelos estudantes e seus familiares se faziam a partir de códigos
de conduta de sua cultura, ressignificando sentidos da escola. Não por acaso, a pesquisa vem
deixando ver práticas do chamado mundo rural no seio da própria escola. Isso indicia que se
viviam tempos de contíguos valores tradicionais e modernos.
Entre 1912 a 1917, de acordo com o Protocolo de Entrada de Papéis do Arquivo do
IEEP, antiga EN, a esmagadora maioria da(o)s alunas(os) tinha entre 14 e 16 anos. Eram em
sua maioria paraenses, mas havia também quatro maranhenses, uma pernambucana, seis
amazonenses, quatro rio-grandenses, cinco cearenses uma baiana e uma paulista. Como nesse
material as anotações indicam apenas a naturalidade e não especifica o município, não foi
possível responder, nesse momento histórico, se provinham do interior do estado, de quais
municípios e em que proporção.
Em 1912, entre as pessoas que pedem o ingresso sob a condição de aprovadas no
142
exame encontram-se: sete amazonenses, quatro rio-grandenses, três acreanas, duas cearenses,
duas paraibanas, duas maranhenses, uma carioca, uma mato-grossense e até mesmo uma
portuguesa. A matrícula ou pedido de exame da EN no período, portanto, reflete o processo
migratório muito forte ocorrido durante a expansão da exportação da borracha que, embora
terminado, tinha deixado aqui imigrantes que lutavam por uma vaga para suas filhas na
escola. 55
Quanto aos candidatos do interior, verificando pedidos de matrícula entre 1890 e
1911, encontrou-se uma relação que, para facilitar sua visualidade, dispôs-se na Tabela nº 06. 56
Local Nomes Acará Raymundo Nonnato de Almeida
Bragança Antônio Armando da Paixão Breves Raymundo Mittermayer de Moraes Bujaru José Matheus de Mendonça Moraes
Cachoeira do Arari Raymundo do Espírito Santo Cametá Philogônia Leão de Moraes Bittencourt Colares Helena Pantoja Leite Curuçá Rosa Estrella Monteiro
Igarapé Miri José Procópio Pinto, João Antônio Pereira de Castro
Maracanã Astréa de Leão Corrêa Marapanim Estefânia (sem sobrenome)
Monte Alegre Paulina de Oliveira Vigia Francisco C. Nunes de Vilhena
Dessas informações, infere-se que a maioria dos estudantes era da capital do Estado
do Pará, a minoria do interior e outras unidades da federação. Esse aspecto corrobora as
informações a respeito do fluxo migratório existente no período em função da economia de
exportação da borracha. Dessa forma, o espaço escolar fez-se locus onde se encontravam
várias práticas culturais étnicas e de classe, cujos sujeitos históricos oriundos de várias
localidades movimentavam trocas de experiências, conflitos, revelando dificuldades,
superações e derrotas.
Há inúmeros pedidos de abono de falta e autorização para fazer exames, apresentado
atestados médicos. Alguns tratam de moléstias nervosas, embaraços gástricos, febres
palustres; outros documentam gripes benignas, traqueíte57 aguda, impaludismo, endocardite.
55 Livro de Protocolo de Entrada de Requerimentos do Arquivo do IEEP, 29 de março de 1917 a 12 de fevereiro de 1920. 56 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal. Petições, 1890-1918. 57 Infecção bacteriana da traqueia que provoca a obstrução das vias respiratórias.
143
Isso demonstra a insalubridade da cidade, fruto de uma modernidade altamente excludente e
desigual. Os abonos de faltas por doença preenchiam às vezes todo um semestre. Além das
doenças de caráter físico, apareciam outras de fundo nervoso como se visualiza abaixo:
“Dr. Jaime P. Bricio, medico e cirurgião pela Faculdade da Bahia. Attesto que a alumna normalista Maria de Lourdes Torres, em conseqüência de hysteria, manifestada por um ataque, não poder realizar na escola Normal, hontem, a prova de composição”.58
Nos corredores da antiga EN, havia vários quadros de diversos tamanhos com as
fotos dos formandos. Atualmente, encontram-se jogados em um depósito fétido e abafado.
Entre eles encontrou-se um de 1911 de aproximadamente 1,52 x 81 cm, emoldurado e
envidraçado. Dentro, em papel espesso tipo cartão de 1m x 76 cm., fotos da(o)s formand(a)s
de 1911. Ao focalizar aqueles rostos, alguns já esmaecidos pelo tempo, encontrou-se o que
traços da presença negra. No quadro abaixo, visualiza-se a figura do diretor, Heitor Castelo
Branco, do professor paraninfo, Alfredo Vasconcellos Chaves, da oradora e dos demais
alunos, alguns oriundos de diversos estados. No centro, a presença de uma coruja junto aos
outros símbolos da ciência e das artes, como o esquadro representando a ciência e louros de
Apolo reportando-se às artes.
58 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal. Petições, 1890-1918. Belém, 26 de Setembro de 1918, documento redigido pelo Dr. Jayme P. Bricio.
148
As fotos são de rostos jovens, sérios, empertigados. Parecem querer transmitir um
sentimento de dever cumprido e de missão importante a desempenhar. Com exceção de Maria
José Leger, maranhense, Gabriela Antunes Zulmira Crespo de Castro, amazonense e Eulália
Figueredo, paraibana, os demais formandos da turma de 1911 eram paraenses. São eles:
Florencia Sampaio de Souza, Esmerina Ferreira, Alice Moura, Gabriela Antunes, Thereza
Cunha, Agnes Mendes, Raymunda Ferreira e Júlia Teixeira, Isabel Fonseca, Rosina Quaglia,
Raymunda Vasconcellos, Dolores Freitas, Servita Bentes, Mariana Alves Bentes, Argemira
Lameira Ramos, Benedita Tavares, dois rostos femininos e um masculino, cujos nomes estão
ilegíveis.
Por uma questão de espaço, da(o)s 28 colanda(o)s, 24 mulheres e dois homens,
escolheu-se três fotografias de aluna(o)s, considerados para a concepção etnicorracial atual,
negra(o)s.59
59 Não se quer entrar na polêmica a respeito da constituição da identidade negra que é fruto de condições históricas específicas e uma somatória de como os outros e as próprias pessoas se identificam. Chamam-se aqui de negros, pessoas com alguns de fenótipos como cor, cabelos, e lábios associados a eles. Comparou-se também a fotos do passado em que outros sujeitos com os mesmos fenótipos eram reconhecidos como tais. Ver sobre
Foto nº 09. Os símbolos de ciência e artes, tirada em 2012.
149
essa discussão. HALL, Stuart. Da Diáspora. Op. Cit. e SCHWARCZ. Lilia Moritz. “Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. IN: NOVAIS, Fernando. História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 173-244.
Foto nº 10. Margarida Tavares, tirada em 2012.
Foto nº 11. Raymunda da Silva, tirada em 2012.
150
O conjunto dessas fotografias possibilita discutir a presença de alunos negros dentro
da EN. Embora não se tenha podido fazer uma análise estatística, o quadro de formatura pode
mostrar um indício da composição dos alunos, pois seria muita coincidência que no único
documento disponível desse tipo a presença negra fosse marcante.
Foto nº 12. Maria José Leger, maranhense, tirada em 2012.
Foto nº 13. Cypriano Tavares, tirada em 2012.
151
Foram vistos mais dois quadros em condições extremamente precárias e com rostos
quase desaparecidos entre 1921 e 1922 e um provavelmente do início da década de 1920, sem
possiblidade de ser identificado o ano exato. Em dois deles, há registros de, pelo menos, dois
negros. Há também muitos tipos que se consideram mestiços, ou seja, um amálgama de
características brancas, negras e indígenas em diversas combinações. Muitas das
características presentes no fenótipo da(o)s aluna(o)s fotografada(o)s assemelham-se com
traços de rostos paraenses do tempo presente.
Os discursos higienistas e raciais que pulularam ao longo do século XIX precisam
ser levando em conta ao se deparar com essa expressiva presença negra e mestiça na EN.
Igualmente necessitam ser contextualizados aos padrões e grupos sociais que conformavam a
sociedade paraense na virada do século XIX e duas primeiras décadas do século XX. É
possível então que a entrada de um público mais pobre e, quem sabe mestiço, negro,
afroindígena, ao longo dos anos tenha inquietado o seu corpo de funcionários e das
autoridades públicas de uma sociedade que se vê europeizada e tenta esconder a marca
vergonhosa da mestiçagem escravidão e negritude. Afinal, eram inquestionáveis as teorias
raciais. E então como explicar para a população que negros e negras teriam a moralidade e a
capacidade intelectual, referendada por um difícil diploma de normalista?
Lilia Schwarcz possibilita pensar em outra possibilidade. O embranquecimento que
as pessoas atribuiriam aos negros e mestiços que ascendessem socialmente. Sem negar o
racismo, que no Brasil é ligado mais aos aspectos fenótipos (cor da pele, lábios, cabelo) em
detrimento dos genótipos (origem genética), os professores normalistas negros e mestiços
ganhariam respeitabilidade com o diploma desde que não fossem comparados com os brancos
em iguais condições. 60
A favor da segunda alternativa, segundo depoimento da avó desse autor, ela teve
como colega na EN uma negra que já era professora, há muitos anos, Manuela Freitas Jucá de
procedência barbadiana, e que precisava abrir ou legalizar uma escola sua e por isso foi fazer
o curso da EN. O colégio dessa senhora chamava-se S. Geraldo Magela e situava-se às
proximidades da rua de S. Jerônimo, atual Gov. José Malcher, ponto bem localizado da cidade
como se viu no primeiro capítulo. Era também internato no qual ficavam duas crianças cujos
pais moravam no Rio de Janeiro. Nas férias a professora ia deixar os alunos com os seus pais
no Rio e ficava lá até trazê-las de volta a Belém.
60 SCHWARCZ. Lilia Moritz. “Nem preto nem branco, muito pelo contrário. Idem.
152
Embora negra, a professora alcançou uma respeitabilidade e confiança a ponto de
instalar e deslocar-se com crianças aparentemente detentoras de alto poder aquisitivo. É
verdade que ela pertencia à família de negros oriundos de outro local, Barbados, colônia
inglesa, que vieram como mão de obra para a construção da estrada de ferro Belém-Bragança,
possivelmente não identificada com a escravidão e com populações de cor de Belém.
Seja como for seria mais confortável para uma sociedade racista confirmar suas
expectativas e preferir confrontar-se com professoras e professores brancos do que com
negros e mestiços. Em outras palavras, em situações similares digamos dois colégios
considerados de qualidade, com mais ou menos o mesmo valor, com dois diretores também
considerados de confiança. Um sendo considerado branco e outro negro, é muito provável que
as pessoas preferissem matricular seus filhos no que fosse dirigido por um branco. A favor
dessa hipótese, estão os dados do IBGE mostrando que as pessoas consideradas como negras
ganham os mais baixos salários, moram em sua maioria em lugares mais insalubres, têm
maior número de mortalidade infantil e mais baixa escolaridade e expectativa de vida.
Portanto, além da questão de classe há de se considerar uma questão de discriminação racial.61
3.5. Conflitos e Acomodações
Depois de apresentar os principais sujeitos que faziam parte do cotidiano escolar, a
pesquisa adentra em alguns ruídos ocorridos entre esses sujeitos, mostrando tensas relações de
poder que emanam de documentos, embora antigos, mas ainda bastante carregados de
emoção. Para compreender os meandros da vivência interna da EN, relembra-se Certeau62
quando afirma que dentro do cotidiano de uma instituição educativa há questionamentos
acerca dos seus aspectos internos, gestando desencontros e conflitos.
D. Joana dos Santos Tocantins Maltez e D. Josepha Torreão de Lacerda Redig,
professoras de prendas, em 1894 disputavam privilégios em relação ao maior tempo no
estabelecimento em relação à outra. O diretor, Raymundo Joaquim Martins, comunicou em 25
de janeiro de 1894, ao governador que63:
“(...) não havendo o actual regulamento d’esta Escola numerado as cadeiras de prendas e designado os annos do curso com que Masse (sic) devem occupar,
61 SCHWARCZ. Lilia Moritz. Op. Cit. 62 CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano. Op. Cit. 63 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Educação. Escola Normal. Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946.
153
isto tem dado lugar a conflictos que procuro extinguir a bem do serviço e do nome do Estabelecimento”.
Embora os conflitos ocorram quase sempre em qualquer lugar ou instituição, o
discurso é escamotear e imaginá-los extintos como condição do bom funcionamento das
relações institucionais e, até mesmo, pessoais, quando parecem ser condição, se bem
resolvidos ou negociados, de superação individual e coletiva. A questão desdobra-se em
relações de disputa de poder e prestígio.
“O regulamento quer que as duas professoras se auxiliem mutuamente no ensino de cada anno, mas reconhecendo eu que isso era impossível, pois uma das professoras, a titulo de ser a primeira e a mais antiga, julgava-se com direitos superiores aos da outra (...)”.
O conflito envolvendo duas mulheres que, a despeito das expectativas de
submissão feminina, disputam privilégios da escolha de turmas. A antiguidade então é
posta como critério de prioridade. O diretor diante do litígio resolve então:
“(...) tomei a deliberação no inicio de dividir equitativamente o trabalho, dando a cada uma das professoras um dos annos mais freqüentados e um dos que contam poucos estudantes, e assim se praticar durante todo o anno com o que lucrou o estabelecimento evitar conflicto e animosidades sempre prejudiciais em estabelecimentos de instrucções, ficando a professora da 1ª cadeira com o 1º e 3º anno, e a da segunda com o 2º e 4º anno. Poderia ter adoptado para com as aulas de prendas o regimen que o regulamento deu ás cadeiras de desenho, designando o professor da primeira para lecionar o 1º. e o 2º. anno, e o da segunda para ensinar o 3º e o 4º; não me pareceu porém isso eqüitativo pois sendo os dous primeiros annos os mais freqüentados, a professora da 1ª cadeira teria mais trabalho do que a da 2ª. Julgando estar sanada essa difficuldade, acontece que ao começar os trabalhos d’este anno, a professora da 1ª cadeira, que sempre é quem provoca taes conflictos, foi á secretaria e mandou preparar para si cadernetas de annos que não lhe pertencem, e indo hontem ao Estabelecimento pretendeu que lhe mandasse entregar a aula do 2º anno, onde se achava funccionando a outra collega, e porque não acedi aquella imposição, retirou-se sem dar aula”.
O curioso é que o diretor, sem negociar com as professoras, adotou uma medida que
não foi aceita pela primeira professora, que simplesmente foi de encontro às determinações do
diretor. Contrariando todas as expectativas de submissão feminina e de respeito à hierarquia,
as evidências indicam que enfrentou com dureza o diretor, pois se retirou sem dar aula. Em
outras ocasiões, o enfrentamento foi mais incisivo. Ele se viu, então, obrigado a
contemporizar, buscando outra alternativa. Mas inseguro, precisou preservar sua autoridade,
recorrendo ao aval do governador:
154
“(...) V. Excia compreende o melindre da minha posição tendo por um lado de empregar a máxima prudência para com a senhora que nem sempre usa de delicadeza e circunspecção nas suas reclamações e devendo por outro usar de energia para não perder a força moral que me é mister no cargo que occupo; a vista do que espero de V. Exia uma decisão que ponha fim a reiterados conflictos e faça garantir a harmonia que deve existir entre os professores do Estabelecimento. Para tal fim proponho que sejam numeradas as cadeiras de prendas designando-se para servir na 1ª. a professora D. Joanna dos Santos Tocantins Maltez e para a 2ª a professora D. Josepha Torreão de Lacerda Redig; outra sim a mesma decisão abranja a divisão do trabalho, estabelecendo-se que a 1ª. cadeira lecionará o 1º. e 3º. anno da escola e a segunda o 2º anno. Certo do interesse que V. Exia liga a tudo quanto se relaciona com o ensino publico, estou convicto de que tomará em consideração o que venho de expor e providenciará como for de justiça. Saude e Fraternidade”.64
A fonte explicita que embora os padrões esperados de submissão à autoridade
masculina fosse o esperado das mulheres da época e reafirmado dentro da escola, por sua
exclusão da maioria do corpo docente e da direção, elas não só podiam subverter essas
expectativas, como disputavam poder entre si.
É preciso esclarecer, todavia, que Raymundo Martins não teve problema só com as
duas professoras. No ano anterior, em 23 de setembro de 1893, mal a escola completava três
anos e estreava seu primeiro prédio, o diretor pedia ao governador do estado a demissão de
seu secretário, João Neves, por quebra de confiança. É surpreendente que o episódio envolveu
indiretamente as ditas professoras de prendas:
“Abusos de confiança comettidos pelo secretario deste estabelecimento, João Antônio das Neves, me impõem o triste dever de pedir a exoneração d’elle para evitar a reprodução de factos que destoam da norma de proceder de um funccionario correto e fiel. Entre outros factos que me fazem por em duvida a probidade d’esse funccionario, ocorreu ultimamente um que revella não serem destituídos de fundamento as aprehensões que tinha sobre os abusos de confiança do Secretario da Escola Normal. Tendo as professoras de prendas sollicitado alguns preparos para trabalhos das alunnas, em Maio deste anno mandei fazer o pedido, que tendo chegado agora não estava de accordo com o que havia sido sollicitado, pelo que foram recusados certos artigos. Contra recomendação minha, porem, o secretario, de intelligencia com o caxeiro do fornecedor, fez admittir na conta que por elle mandei conferir os objectos recusados, conta que foi immediatamente paga no Thesouro, no mesmo dia em que d’aqui saiu, privando-me assim de fazer reformala quando no dia immediato veio ao meu conhecimento o abuso de confiança de que tinha sido vitima. Certo de que na moralizada administração de V Exa não serão toleradas traficâncias d’esta ordem, trago ao vosso conhecimento o occorrido e nos termos do artigo 154 do Regulamento vigente proponho a demissão do funccionario infiel. Saude e Fraternidade” .65
64 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Educação. Escola Normal. Ofícios:1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 65APEP. Caixa: Governo do Pará. Ofícios: Educação. Escola Normal. Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946.
155
Na peça está aposto que o governador acatou o pedido de demissão em 1º de outubro
do mesmo ano. Não fica claro que outros fatos teriam o levado a colocar em dúvida a conduta
do secretário, tendo o último episódio sido uma espécie de gota d’água.
Em 30 de maio de 1896 o diretor da EN, Heitor Barjona de Miranda em ofício ao
governador 66 noticiava outro entrevero envolvendo funcionários da instituição. O secretario,
Raymundo Monteiro Junior, ofendeu o amanuense Pedro Valette Neto. Além disso, parece ter
agredido o próprio diretor que mencionou “desobediencia hirarchica para com a mesma
directoria(...)”. Ele então foi punido com uma suspensão de quinze dias, enquanto o
amanuense com oito, por “ter contribuído para a perturbação da ordem e disciplina
regulamentares (...) para que possaes substituil-os sem perda para o serviço da repartição
(...)”.
Fica evidente que era necessário manter a hierarquia sob pena de a instituição perder
um de seus principais objetivos, qual seja: moldar funcionários e principalmente alunas e
alunos para uma sociedade extremamente hierárquica e desigual. O secretario, talvez pela
proximidade com o diretor, não o poupou de sua ira. Tensões que terminam em conflito
aberto não são incomuns em nenhum espaço de convivência embora sejam mascaradas e
severamente punidas em espaços de disciplinarização.
A despeito de o papel da EN ser oficialmente de qualificar professores capacitados
para a rede de ensino e consequentemente melhorar o nível escolar, ao se examinar o
currículo observou-se que implicitamente procurava-se preparar também bons cidadãos
republicanos, higiênicos, com forte moralidade. Por meio de um processo de vigilância e
disciplinarização, que envolviam horários, punições, prêmios, desejava-se moldar indivíduos
altamente respeitosos da hierarquia social.
Objetivando criar determinações para disciplinar comportamentos considerados
indesejados, em 1891 era vedado ao aluno:
1º Abandonar qualquer exercício, antes de concluído. 2º Conservar-se de chapéo na cabeça dentro do estabelecimemnto; 3º Fumar em qualquer das dependências da Escola; 4º Gritar, assobiar, fazer arruaças ou algazarras e dar vaias, dentro e nas vizinhanças da Escola; 5º Formar grupos na portaria, em frente, ou nas próximas immediações do estabelecimento; 6º Escrever, pintar desenhar, riscar, gravar ou por qualquer outro modo, sujar, estragar ou damnificar o edifício e seus moveis ou utensílios; 7ºProferir palavras, fazer gestos, commeter actos, contrários á moral;
66APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios: 1895, 1896, 1897, 1898, 1899.
156
8 ºAmeaçar ou offender physicamente a qualquer pessoa, extranha ou não á Escola, e usar de divertimentos sob qualquer ponto de vista prejudiciais aos seus collegas ou a qualquer empregado ou visita; 9º Conduzir do estabelecimento qualquer objeto da Secretaria, biblioteca, aulas, gabinete e sala de estudos, ainda que seja no propósito de restituil-os no mesmo stado, no mais curto praso possivel67.
Assim, em relação à primeira parte das interdições, às aluna(o)s era imposto um
tempo para a realização dos exercícios até a sua execução final. Não se permitia o uso de
chapéu, pois o retirar o chapéu indicava respeito e homenagem às mulheres e aos superiores.
O uso do fumo também era considerado uma impertinência, se fosse realizado diante de
alguém socialmente superior e desviaria, pelo lazer, das obrigações realizadas na escola. Em
síntese, através de certas interdições procurava-se incutir na(o) aluna(o) noção de hierarquia e
respeito.
Esse processo ia ao encontro da inculcação de novas práticas consideradas
civilizadas que se expressavam no Código de Posturas do Município de Belém, durante a
gestão do intendente Antônio Lemos (1897-1911), e que é encontrado também em conjunto
com reformas urbanas em todo o Brasil, junto com medidas de higienização e controle social.
Enfim a pesquisa vem procurando demonstrar que por dentro e por fora da escola um amplo
processo de modernização atravessava a cidade e seus moradores. No sistema educacional e
principalmente numa escola de formação de professores era uma estratégia fundamental.
Na configuração daquelas determinações criadas pela EN, procurava-se também
evitar aglomerações, pois se temia que se pudessem organizar ações capazes de fugir do
controle das autoridades escolares e, ao mesmo tempo, incutia-se nos docentes o sentido de
ordem e disciplina. Evitar agressões internas e externas e depredar o patrimônio escolar,
somavam-se ao conjunto das imposições legais.
Nos casos de expulsão, segundo o Art. 148, do regulamento de 1891, era necessário
que o aluno incorresse em:
1º. Os escriptos, desenhos, gravuras offensivas á moral ou a qualquer funcionário docente ou da Directoria; 2º. Os actos de imomoralidade; 3º. Os actos de formal insubordinação, desrespeito ou desobediência ao Director, lente ou professor; 4º. O incorrer na 4º. suspensão; 5º. A repetição de pugilato, dentro ou nas immediações do estabelecimento; 6º As injurias verbaes, manuscriptas ou impressas contra o Director ou qualquer lente, professor ou funccionario da Directoria.
67 Artigo 139 do Regimento Interno e das Penas contido no Regulamento da Escola Normal de 24 de setembro de 1891.
157
Novamente é visível a tentativa de se preservar o respeito e a hierarquia e como essa
respeitabilidade deve ser mantida fora dos espaços internos da escola. Interessa observar
também que o caso de expulsão seria apenas se envolvesse injúrias ao diretor, professores e
funcionários da diretoria, mas não contra outros alunos e alunas e demais funcionários . Isso
revela mais uma vez o caráter muito mais disciplinador de comportamentos e hábitos
considerados compatíveis com o processo de modernização acelerado pela qual a cidade
passava. No caso dos itens 1º, 2º e 5º que não envolviam diretamente a figura da autoridade,
era possível comutar a expulsão, após conversa com o responsável do infrator.
Os diversos regulamentos escolares mantiveram mais ou menos as mesmas
proibições. O sistema de punições que também pouco variou pode ser exemplificado pelo
artigo 35 no Regulamento de 1912 que escalonava as punições em oito níveis:
a) Admoestação em particular; b) Notas desfavoráveis nas cadernetas e nos boletins mensaes das aulas; c) Reprehensão em aula; d) Exclusão temporária da aula; e) Exclusão temporária por 5 a 20 dias; f) Exclusão temporária por um ano; g) Exclusão temporária por dois anos; h) Exclusão definitiva. No artigo seguinte continuava estabelecendo que os professores poderiam aplicar as
penas de (a) a (d). As de (c) a (e) pelo diretor e das letras (f, g, h) pela Congregação, sob
proposta do diretor, ou representação de qualquer docente no caso de “falta gravíssima ou
absoluta inefficacia de outros meios disciplinares”.
Apesar de se colocar como uma instituição de caráter educativo e pedagógico a
escola atuava nos moldes policiais de vigiar e punir. Sendo os casos mais graves o do
afastamento da(o) aluna(o), temporário ou definitivo, quando esgotadas as de convencimento
e advertências verbais. A partir da possibilidade do afastamento do acusado ser de um ano, era
constituído um processo, tendo o réu direito de defesa. Podendo, de acordo com o caso, o
diretor afastar temporariamente o indiciado até o julgamento da Congregação. Caberia ainda
recurso ao Conselho Superior de Instrução Pública até de três dias após a divulgação da
penalidade. Se a punição fosse de expulsão definitiva haveria recurso obrigatório junto a esse
conselho.68
Acredita-se que o objetivo, além de excluir indivíduos sobre os quais a instituição
não conseguia disciplinar, e que ultrapassavam o tolerável, era exemplo a ser dado para as
68 Regulamento de 1912.
158
demais alunas(os). O autor desse trabalho lembra, em sua época de estudante do ensino
fundamental e médio e depois como professor, das portarias de punição que eram
obrigatoriamente lidas em todas as salas e turnos, citando a infração, o nome do infrator e a
respectiva punição. Percorrendo alguns documentos é possível observar que as alunas quase
não aparecem nesses registros, embora fossem a esmagadora maioria. Outro aspecto a ser
destacado era a publicação em diário oficial, durante vários dias, das penalidades aplicadas
aos infratores.
Mas quais eram as principais infrações e punições cometidas pelos alunos (as) da
EN? O ano de 1893 apontou nove notas no diário oficial em sua maioria de suspensão,
envolvendo, entre outros, o artigo 8º que consistia em: “Ameaçar ou offender physicamente a
qualquer pessoa, extranha ou não á Escola, e usar de divertimentos sob qualquer ponto de
vista prejudiciais ao seus collegas ou a qualquer empregado ou visita”.69 O espantoso que
nenhuma aluna teria incorrido em infração e, portanto punição. Embora não se tenha
encontrado a estatística de alunos e alunas do ano de 1893, comparando com o de 1891, 107
alunas e apenas 19 alunos, o que provavelmente teria a mesma proporção em 1893, quatro
alunos envolvidos corresponde a mais ou menos a 20%.
Em 20 de maio do mesmo ano, o Diário Oficial comunicava: “O sr. Director da
Escola Normal rezolveo suspender por oito dias o alumno matriculado no 1º anno desta
Escola, Cornélio Pereira de Bartos [Barros, segundo relação de alunos com notas], por ter
infringido o n. 8 do artigo 139 do regulamento da mesma Escola”.
Ao longo do ano de 1893 observaram-se também outras punições aos alunos em
caráter crescente. Em 9 de junho desse ano o Diário Oficial publicava:
“O Director da Escola Normal, usando das attribuições que lhe confere o § único do art. 44 do regulamento vigente resolveu suspender por dez dias (10) o alumno Fideles Araújo matriculado no primeiro anno da mesma escola por ter infringido os ns. 6 e 9 do art. 138 do mesmo regulamento.Secretaria da Escóla Normal do Estado do Pará, 7 de Junho de 1893.O Secretario, João Neves.70
Fideles Araujo, além de retirar-se sem autorização teria destratado algum
funcionário que lhe teria chamado atenção. Um exemplo de como a disciplina escolar era
enfrentada e, portanto ainda não assimilada, gerando ruídos. Caso mais grave foi o de Alberto
69 Regulamento da Escola Normal de 24 de setembro de 1891. PARÁ. Decretos do Governo Republicano do Estado do Pará. 1891. Belém: Diário Oficial, 1894. 70 O 6º do artigo 138 consistia em: “Tratar com delicadeza e urbanidade a todos os funccionarios da Escola, e as pessoas extranhas que n’ella tiverem ingresso e o 9º: “ Participar ao Director, quando, por qualquer motivo justo que allegará, tenha de retirar-se da escola, antes de assistir ao seu ultimo exercício”.Idem, Ibidem.
159
D. de Souza que teria ofendido colegas ou algum empregado do estabelecimento”71,acabaria
eliminado da escola.72É preciso lembrar de como eram comuns os casos de agressão física e
verbal em todo o Brasil e consequentemente em Belém nesse momento como se observa nos
casos levados à polícia ou que apareciam nos jornais73
Em 18 de agosto do mesmo ano, o diretor “usando das attribuições que lhe confere
o § único do art. 143, resolveu suspender por 15 dias o alumno matriculado no 1º. anno d’esta
Escola, Bento Berillo da Silva” 74.
Os alunos das escolas modelos também faziam das suas. Jovino dos Santos e Silva
foi suspenso em maio de 1893 porque circulava em espaços da escola interditados nos
intervalos de aula.75 O aparelho de vigilância panoptico da escola não permitia que o aluno
circulasse nos espaços em que não poderia ser vigiado e, portanto constantemente sendo
objeto de exame, daí o medo que ele escapasse ao olhar disciplinador.
Pedro Cardoso de Azevedo foi suspenso poucos dias depois por ter ofendido alguém
dentro da escola.76 Raymundo Nonnato da Fonseca foi suspenso também um dia depois.77 Em
agosto de 1893 José Araújo foi suspenso. O Diário Oficial de 3 de agosto de 1893, anunciava
a suspensão por 15 dias de José Araújo por agressão e José Monteiro da Silva e Theodorico
Alves Brito, este último em 1896, 78 eram expulsos por de insubordinação, desrespeito ou
desobediência ao professor ou ao diretor. O princípio de autoridade e hierarquia é
fundamental no processo de disciplinarização de corpos e mentes.
Heitor Guimarães, em setembro de 1896 foi suspenso oito dias. Essa punição teria
ocorrido ou por Heitor ter proferido palavras, gestos, ou atos contrários à moral ou ter
meaçado alguém ou ainda ter usado de divertimentos sob qualquer ponto de vista prejudiciais
aos seus colegas ou a qualquer empregado ou visita”.79
Se em 1893, houve quatro punições de alunos da EN propriamente dita, três anos
depois, em 1896, a quantidade tinha aumentado, dessa feita por prática coletiva. Manoel
Joaquim, de Souza Moreira, Raymumdo Chaves Abreu, Manoel Victor Sarraf, João Thimoteo
71 Ibidem, Ibidem. 72 Diário Oficial, 19 de julho de 1893. 73 Ver a respeito: ZALUAR, Alba. Nem preto, nem branco... Op. Cit. e PANTOJA, Letícia. Au jour le jour...Op. Cit. 74 Nesse caso, o aluno teria reincidido nos números 1, 2, 5, 9, do artigo 139, não está claro se um dos números ou cumulativamente. Ou, pela terceira vez nos números 2, 3 e 4 do artigo 138 que consistiria em portar-se sem respeito nas aulas, apresentar trabalhos borrados ou não expor as lições. Diário Oficial, 9 de agosto de 1893. 75 Diário Oficial 6 de maio de 1893. 76 Diário Oficial 22 de maio de 1893. 77 Diário Oficial 23 de maio de 1893. Não foi especificado o item do regulamento nem o número de dias da suspensão o que torna difícil estabelecer o tipo de infração. 78 Diario Oficial de 6 de setembro de 1896. 79 Idem.
160
de Mattos e Carlos José de Abreu eram suspensos por 8 dias por: gritar, assobiar, fazer
arruaças ou algazarras e dar vaias, dentro e nas vizinhanças da Escola.80
O aparelho disciplinar escolar tinha então como objetivo implícito moldar
comportamentos considerados adequados a uma sociedade que se via como civilizada e
moderna o que explica a punição de uma manifestação que poderia ocorrer tanto dentro
quanto fora dos muros da escola e que já estava prevista no regulamento. O fato ocorreu no
dia 31 de julho do mesmo ano e foi publicado no Diário Oficial de 1º de agosto de 1891.
Esse tipo de sociabilidade, objetivando manifestações consideradas inadequadas, fez
escola, pois em 6 de setembro de 1896, saiu no Diário Oficial, notícia de mais uma suspensão,
por motivo de violação do artigo 139. Assinado pelo secretario da escola Raymundo P.
Monteiro Junior, que tinha substituído João Neves, o documentou listou os seguintes
acusados: Manoel Martins Aragão, Manoel Joaquim de Souza Moreira, Armindo Camillo
Leal e Francisco Pedro de Oliveira.
Em 22 de fevereiro de 1897, as aulas mal tinham começado e o Inspetor de
alunos João de Souza Pereira já escrevia o seguinte ofício: 81
“Ilmº Sr. Director da Escola Normal. João de Souza Pereira Inspetor de alumnos, desta Escola, vem trazer ao vosso conhecimento que o alumno Pontes Lima, é de mau comportamento como verá V.S da minha exposição. Hoje por volta das 8 horas da manhã me dirigindo a chamado do alumno-mestre a aula para chamar a ordem o alumno que o tinha desrespeitado fui igualmente desrespeitado pelo mesmo, por isso de acordo com o §8 do Regulamento desta Escola peço punição a fim de não se reproduzirem factos de tal ordem”.
O inspetor mostrou-se indignado por uma dupla insubordinação ao aluno mestre e a
ele próprio colocando em risco a disciplina e hierarquia da instituição. O conflito teria
começado entre Pontes Lima, aluno da escola modelo e um normalista, que ali fazia prática.
Pontes Lima, ao ser repreendido pelo aluno mestre, deve ter o enfrentado, situação que o
levou a chamar o inspetor de alunos que também teria sido por ele desrespeitado. O inspetor
toca num ponto muito importante das punições, o exemplo, pois afirmou: “peço punição a fim
de não se reproduzirem factos de tal ordem”.82
Em 1898, Arthur Silva e Felix Ferreira da Costa foram suspensos por 15 dias porque
tinham feito ou cometidos atos contrários a moral.83 Não sabe se ficaram nos gestos ou se
80 Idem, Ibidem. 81 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Educação. Escola Normal. Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 82 APEP. Caixa: Governo do Pará: Ofícios: Educação. Escola Normal. Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 83 Diários Oficiais de 15 e 19 de maio de 1898.
161
passaram a cometer os atos. Nem se estavam juntos ou separadamente. Em 1902 um episódio
envolveu um aluno da escola modelo chamado Theodorico Agrassar e a professora particular
Margaritte Muriel, cidadã francesa. Houve desacato do aluno em relação à professora e ele
teria sido punido com exclusão temporária por dois anos. A notícia saiu na Província do Pará
de 20 de maio de 1902 na 1º página na coluna: Factos. A notícia revela a importância
assumida pelo acontecimento. Uma parte da portaria de expulsão foi reproduzida pelo jornal:
“(...) a bem da disciplina e bom nome da Eschola Normal, resolvo ad referendum da congregação do mesmo estabelecimento, ex-vi do art. 77, combinado com o art. 78 seu § 2º., applicar ao alunno Theodorico Agrassar , do curso superior das escholas modelo, a medida disciplinar n. 7 (exclusão temporária, por 2 annos), prevista pelo citado art. 77 do regulamento em vigor, por haver o mesmo alunno desacatado, fora do estabelecimento, insolitamente, a professora particular dona Margueritte Muriel.
O cônsul francês, Jacques Caula, teria lido a notícia do jornal e imediatamente
mandado um ofício em francês ao diretor da escola, na mesma data. O documento foi
traduzido para o português e está junto com o original84 A seguir, a tradução do documento,
acredita-se feito na própria escola85:
“Senr Diretor. Foi com prazer que li, “n’A Província” d’esta manhã, a deliberação que resolveste tomar relativamente ao estudante que faltou com o respeito á professora Mlle Muriel, e apresso-me em dirigir-vos todos os meus agradecimentos pela satisfação de tal modo dada á minha compatriota.Permitti-me tambem que vos felicite pela vossa attitude; com effeito, a medida que tomastes impedirá que os sympathicos estudantes do Pará tenham, de hoje em deante, de corar da conducta irregular de um collega pouco zelozo da dignidade da classe [a que pertence]. Aceitae, Snr Directeur, os protestos da minha mais distincta consideração. (Assignado) Jacques Caula”.
Nesse caso, fica claro que a repercussão de uma atitude de um aluno da EN traria
ressonâncias para ela, mesmo que ocorrido no seu exterior. É provável que a professora tenha
ido imediatamente dar parte do ocorrido à escola que, por sua vez, agiu rapidamente.
Possivelmente o aluno do último ano da escola modelo estaria recebendo aulas particulares, se
preparando talvez para o exame de seleção para a EN. Isso corrobora o argumento de que a
EN fazia parte integrante da vida da cidade com a qual dialoga intensamente. O simples fato
84 Ofícios Recebidos 1919. Arquivo do IEEP. 85 O documento em francês: “Consulat de France Para, le 20 Mai 1902.Monsieur, le Directeur. C’est avec plaisir que j’ai lu dans la “Província” de ce matin, l’arreté que vous avez bien voulu prendre à l’égard de l’étudiant qui avait manqué de respect à la professeur Mlle Muriel, et je m’empresse de vous adresser tous mes remerciements pour la satisfaction donnée ainsi à ma compatriote Permettez moi aussi de vous féliciter de votre attitude; en effet la mesure que vous avez prisé empéchera que les sympathiques étudiants du Para aient désormais á rougir des écarts d’um camarade peux soucieux de la dignité de la classe.Agréez, Monsieur le Directeur, les assurances de ma consideration la plus distinguée.Jacques Caula”.
162
de uma notícia referente a um aluno ligado a esse estabelecimento de ensino estar na primeira
página de um dos principais jornais da cidade, senão o maior deles, é revelador do prestígio
da escola.
A notícia em primeira página no jornal de António Lemos, líder do partido do
governador do estado, Augusto Montenegro, o qual tinha sido indicado por ele para o cargo,
foi considerada relevante para ser publicada na primeira página. Provavelmente, funcionários
da escola, ou o próprio diretor que também poderiam trabalhar no jornal, devem ter levado tal
notícia.
O motivo provável da publicação seria o desejo da escola contar à cidade que agiu
antecipada e energicamente para evitar repercussões negativas frente à opinião pública e o
próprio consulado. É importante também levar em consideração os ataques virulentos dos
jornais oposicionistas ao governo principalmente a Folha do Norte.
Depois de sondar os conflitos noticiados na grande imprensa paraense, debruça-se
em outros enfrentamentos encontrados em um livro, denominado de Livro Negro86, o qual
alcança o raio histórico de 1895 a 1914, representado na Tabela 07.87.
Nº de Registro
Ano Aluno(a) Infração Penalidade
01
22/07/1895
José Francisco da Silva
Ameaçou, divertiu-se à custa ou ofendeu alguém.
Suspensão de 3 dias
02 31/07/1895 Theotonilla Monteiro Cometeu atos contrários à moral.
Suspensão de 15 dias
03
31/071895
Elias Benayon
Escreveu, pintou, desenhou, riscou, gravou ou danificou moveis e utensílios.
Suspensão de 5 dias
04
10/08/1895
Belchior Neves Pimentel Izidoro Alves dos Santos
Proferiram palavras ou gestos obscenos.
Suspensão de 5 dias
05
17/08/1895
José Francisco da Silva
Gritou, assobiou, fez arruaças, algazarras, vaias dentro ou fora da escola.
Suspensão de 5 dias
06
24/08/1895
Raymundo N. da Silva Cunha
Miguel de Moraes
Ameaçaram, divertiram-se à custa
ou ofenderam alguém.
Suspensão de 5 dias Suspensão de 12 dias
07 25/09/1895 Armando Fernando d’Araujo Bello
Destratou colegas. Suspensão de 4 dias
Antonio Pontes de Lima Alpheu Campbell Penna
Gritaram, assobiaram, fizeram arruaças, algazarras, vaias
Suspensão de 8 dias Suspensão de
86 Neste documento eram registradas as penalidades aplicadas aos estudantes da Escola Normal e das escolas anexas. 87 A tabela foi montada utilizando-se o Livro Negro e Regulamento da Escola Normal de 1891. APEP. Decretos do Governo Republicano do Estado do Pará. 1891. Belém: Diário Oficial, 1894.
163
08 26/09/1895 Antonio Magno de Araújo
dentro ou fora da escola. Idem e ameaçou a uma colega
Suspensão de 15 dias
09
28/09/1895
Izidoro Alves dos Santos
Escreveu, pintou, desenhou, riscou ,
gravou ou danificou moveis e utensílios.
Suspensão de 15 dias
10
16/10/1895
Alpheu Campbell Penna Bertina Barbosa de Lima
Junior
Ameaçaram, divertiram-se à custa
ou ofenderam alguém.
Suspensão de 8 dias
11
18/10/1895
Izidoro Alves dos Santos Ameaçou, divertiu-se à custa ou ofendeu alguém.
Suspensão de 15 dias
12 31/10/1895 Alpheu Campbell Penna Reincidência em suspensões.
Eliminação
13
04/05/1896
Antonio Francisco Xavier
Portou-se sem a devida atenção e respeito durante as aulas, distraiu os seus companheiros, desobedecendo as determinações dos lentes e professores.
Suspensão de 8 dias
14
18/06/1896
Virgilio A. dos Santos, Firmo Antonio Theodato
Resende, João P. Lima,
Arthur Frederico de Mesquita,
Mecenas Salles de Castro Rocha e
Manoel Ignácio Baptista
Ameaçaram, divertiram-se à custa ou ofenderam alguém.
Suspensão de 3 dias
15
03/07/1896
Manoel Joaquim de SouzaMoreira
Raymundo Chaves Abreu
Manoel Victor Sarraf João Thimoteo de Mattos
Carlos João de Abreu
Gritaram, assobiaram, fizeram arruaças, algazarras, vaias dentro ou fora da escola.
Suspensão de 8 dias
16
07/08/1896
Alexandre Mendes de
Oliveira
Abandonou exercício antes de concluído.
Suspensão de 3 dias
17 08/08/1896 Alexandre Mendes d’Oliveira
Agressão ao diretor Expulsão
18
03/09/1896
Manoel Martins de Aragão
Manoel Joaquim de Souza Moreira
Armindo Danillo Leal Francisco Pedro Oliveira
Gritaram, assobiaram, fizeram arruaças, algazarras, vaias dentro ou fora da escola.
Suspensão de 7 dias
19
30/09/1896
Delorisano d’Araujo Bello
Gaston Vieira
Escreveram, pintaram, desenharam, riscaram
Suspensão de 15 dias
164
Antonio Theodato de Resende
, gravaram ou danificaram moveis e utensílios.
20
17/03/1897
Manoel Victor Sarraf Delorisano de Araújo
Bello
Ameaçaram, divertiram-se à custa ou ofenderam alguém.
Suspensão de 8 dias
21
24/05/1897
João Fontes Lima
Manoel Meirelles do Rosário
Por haverem concitado os seus colegas a não comparecerem à Escola, formando grupo na proximidade do estabelecimento.
Suspensão de 15 dias
22
14/06/1897
Antonio Theodato de Resende (escola anexa)
Indisciplina, duas suspensões prévias.
Eliminação
23 19/04/1898 Ilegível e cancelada Ilegível e cancelada Ilegível e cancelada
24
22/04/1898
Delorizano d’Araujo
Fernandes Bello Domingos Benedicto do
Nascimento Manoel da Silva Neves Felix Ferreira da Costa
Falta de comportamento na sala de estudos.
Repreensão particular
25
14/05/1898
Arthur Silva
Proferiu palavras, fez gestos, cometeu atos contrários à moral.
Suspensão de 15 dias
26
17/05/1898
Felix Ferreira da Costa
Proferiu palavras, fez gestos, cometeu atos contrários à moral.
Suspensão de 15 dias
27
16/06/1898
Pedro Nonato de Assis Pedro Borges do rego
Leandro Nunes
Proferiram palavras, fizeram gestos, cometeram atos, contrários à moral.
Suspensão de 15 dias
28
02/07/1898
Alexandre Magno
d’Araújo
Ameaçou, divertiu-se à custa ou ofendeu alguém.
Suspensão de 8 dias
29
29/07/1898
Cazemiro José Barbosa João de Deus dos Santos
Ameaçaram, divertiram-se à custa ou ofenderam alguém.
Suspensão de 4 dias
30
31/08/1898
Jefferson da Silva
Miranda
Proferiu palavras, fez gestos, cometeu atos contrários à moral.
Suspensão por 15
dias
31
20/09/1898 Raymundo Lobato
Carvalho Vidigal Serra
Ameaçaram, divertiram-se à custa ou ofenderam alguém.
Suspensão por 3 dias
32 26/09/1899 Cancelamento da nota 23
33
13/08/1913
Boanerges de Araújo Costa
Ameaçou funcionário e constantes reclamações de inspetores e pessoal administrativo
Suspensão de 5 dias
165
34 01/06/1914 Rochey Ubirajara dos Santos
Queixa do professor Marcos Nunes
Suspensão de 5 dias
O primeiro registro nesse documento corresponde ao ano de 1895 e o último a 1914.
No entanto, a maioria das anotações se refere ao período entre 1895 e 1897 com 31 das 34
anotações. Fica impossível, salvo um ou outro caso, estabelecer se eram normalistas ou
estudantes das escolas anexas. Seja como for, as mulheres estão praticamente ausentes das
penalidades, apenas duas para 58 homens. Muitos nomes se repetem várias vezes significando
reiteradas punições.
Das jovens aparece o nome de Theotonilla Monteiro que foi acusada de fazer ou
cometer atos contrários à moral e Bertina Barbosa de Lima Júnior por ameaçar colegas ou
funcionários da escola. Fica-se a imaginar a repercussão de práticas que não se esperaria
corresponder a um comportamento feminino padrão. Antonio Magno de Araújo foi suspenso
por quinze dias por ameaçar fisicamente a aluna Dona Augusta Leal. Ao ser tratada por dona,
presume-se que a aluna fosse casada o que implicava maior gravidade ao ato, pois atingia
indiretamente o marido, que poderia intervir, caso estivesse vivo, segundo os códigos de
honra da época.
A maior parte das infrações consistiu em arruaças, ameaças físicas ou verbais e atos
contrários à moral. Presume-se que nos anos em que não aparecem registros não tenha
significado ausência de enfrentamentos e sim de anotações. É possível que só alcançassem o
Livro Negro, casos difíceis de negociação, cujos sentidos afetavam a moralidade preconizada
por aquela sociedade.
A suspensão de Alexandre Oliveira (nota nº 3), deve ter gerado protestos junto ao
diretor da escola porque, por volta do meio dia, teriam discutido asperamente. O entrevero foi
registrado, no dia seguinte, no Diário Oficial. A gravidade do ato explica o caráter solene da
nota: “O Director da Escola Normal, em vista do insólito e grosseiro desacato que contra sua
pessoa praticou, hontem, cerca de meio dia, dentro do Estabelecimento, o alumno Alexandre
Mendes d’Oliveira”. Em seguida, chamava atenção da subversão ao que seria o principal
papel da instituição: a disciplinarização, pois continuava:
“Considerando que semelhante acto é o mais grave que póde occorrer numa casa de educação, porque importa na desobediência completa e absoluta de todas as regras de cortezia, de respeito hierarchico e na desobediencia legal (...)”88.
88 Diário Oficial de 09 de agosto de 1896.
166
O diretor mostrava espanto com o ato de insubordinação, pois sua determinação
deveria ser cumprida de forma natural, dada a banalidade com que encarou a tarefa que o
aluno teria se recusado a cumprir e da consequente punição de três dias. Agravando a
situação, o acusado tinha não só repetido atos indisciplinares como não demonstrou bom
desempenho escolar. Em suma, enfrentava a ordem e a moralidade e, principalmente, daria
mau exemplo, caso não fosse punido:
“(...) Considerando que nada justifica uma violação tão perigosa, não somente daquellas regras, como ainda de disposições expressas do regulamento da escola; pois que a revolta do alumo gerou-se de um acto disciplinar justo e merecido, qual a sua suspensão por trez dias em conseqüência de ter desobedcido a ordem de ir, para a Escola primaria-modelo, praticar como determina o artº 10 do regulamento vigente; Considerando que esse alumno é um reincidente em actos de indisciplina pelo que tem sido mais de uma vez punido; Considerando que além disto se manifesta falta dos nobres estímulos dos moços que fazem o seu tirocinio discente, pois seu aproveitamento e nenhum; Considerando que depois de tão deplorável occorrencia é incompatível com o regimen de ordem e moralidade da Escola a permanência do referido alumno que se constituio em pernicioso exemplo aos seus condiscípulos,(...)”89.
Em tom grave emitia a sentença, respaldando-se em vários artigos e incisos do
regulamento, talvez procurando apoiar-se legalmente de alguma tentativa de anulação, seja
por meios legais, ou mais provavelmente através do clientelismo muito utilizado por sinal.
(...) resolve (...) declarar expulso da escola Normal o alumno Alexandre Mendes de Oliveira que, em virtude do artº 150 do regulamento citado, nunca mais poderá nella matricular-se em ser admtttido a exames livres para obter o titulo de normalista. Cumpra-se e publique-se na forma do Regulamento.
Um indício de que se procurava evitar punições às alunas ou que, se aplicadas por
escrito, poderiam até ser anuladas foi encontrada na nota 23. O registro está ilegível,
propositalmente borrado. Uma única anotação se refere ao fato de ter sido anulada em
setembro do mesmo ano. Na nota 32 encontrou-se a explicação para o fato:
“O Director da Escola Normal, considerando que as penas estabelecidas no respectivo regulamento visam principalmente concorrer para a educação moral dos alumnos fazendo-lhes comprehender a responsabilidade dos seos actos; e, considerando que a pena imposta ás alumnas, de que trata a portaria nº 23, de 19 de Abril de 1898 actuou de tal modo no espírito das mesmas que, sobre não repetirem o acto censurável que praticaram, se tem mostrado exactas cumpridoras de seos deveres e de correcto procedimento; resolve mandar cancellar a dicta portarian (...) 3 de 19 de Abril de 1898.
89 Idem.
167
O episódio que teria motivado a punição das alunas seria encontrado na sessão da
congregação de 7 de maio de 1898, portanto poucos dias após o episódio.90 É significativo
que a transgressão foi considerada algo que contrariava as expectativas ou inusitado posto que
nem mesmo aí fossem citados os nomes das alunas:
“(...) O Senhor Director deu conhecimento à Congregação de que em virtude de queixas verbaes apresentadas por vários senhores lentes contra o procedimento das alunnas que perturbam o silêncio das aulas, tem-n’as várias vezes mandado ir à sua presença afim de admoestál-as. Ultimamente, porém o senhor Dr. Arthur Porto e senhor lente Antônio Marques de Carvalho vendo-se forçados a suspender os seus trabalhos pelo barulho que ellas faziam, dirigiu as suas queixas por escripto, (...) não obstante continuaram a pertubar-lhe a aula. O Sr. Director, repreendendo-as severamente em seu gabinete, ordenou que os seus nomes fossem lançados no Livro Negro (...).”91
O documento demonstra que a supressão do nome das alunas e da própria infração se
deu porque elas teriam evidenciado, talvez através de súplicas, promessas de bom
comportamento. A atitude respondia ao esperado para mulheres e alunas e, portanto, merecia,
depois de, devidamente punida, o reconhecimento de seu arrependimento entre abril até
setembro, vésperas dos exames finais. O desejo eram ver seus nomes suprimidos do
famigerado Livro Negro. É possível também que as normalistas tenham contado com a ajuda
de seus responsáveis, fazendo-os interceder junto ao diretor da escola e até mesmo ao
governador do estado para que não ficassem registrados, para a posteridade, seus nomes.
Comportamento dificilmente esperado por parte de alunos que não sentiriam a
penalidade de forma tão vergonhosa quanto às meninas, uma vez que as infrações cometidas
por eles afirmavam ao mesmo tempo às expectativas que reforçavam sua masculinidade. O
ano de 1898 se mostrou muito tenso, comparativamente, dentro das dependências da EN.
Houve 15 alunos punidos no total.
O enfrentamento entre alunos e funcionários chegava à beira das vias de fato, pois em
13 de agosto de 1913, Boanerges de Araújo Costa inaugurava o primeiro registro no Livro
Negro após 13 anos. Ele foi suspenso por cinco dias porque o oficial92 da escola foi ameaçado
por ele “de cascudos, por havel-o admoestado por mau comportamento, e ainda pelo facto de
constantes reclamações dos inspectores e pessoal administrativo contra o mesmo alumno”.
É valido reter a atenção à proibição de ocupar-se no estabelecimento de ensino com a
formação de qualquer associação ou reuniões de qualquer caráter, abaixo assinados,
90 APEP. Educação. Escola Normal.Livro de Actas. 91 Idem. 92 Art. 142 do Regulamento de 08 de agosto de 1912, através do Decreto n. 1925.“O Director será auxiliado na parte administrativa por um official, de nomeação do Governador(...)”.
168
subscrições, com a redação de periódicos ou outros trabalhos que os desviassem dos seus
estudos regulares. Isto inviabilizava qualquer tipo de organização de alunos que pudesse
enfrentar o poder institucional e separava o aluno do cidadão, uma vez que no espaço escolar
era vedado qualquer outra atividade que não fosse as regimentais.
Apesar disso, em 1897 João Fontes Lima e Manoel Meirelles do Rosário tentaram
organizar alunos para uma espécie de greve, demonstrando que nem sempre a estratégia
adotada se mostrava eficaz em coibir práticas que iam ao encontro de interesses dos
estudantes. A dificuldade do aparelho disciplinador e panóptico escolar em tentar evitar a
organização do alunado pode explicar a proibição de utilizar-se de livros ou de qualquer
objeto dos colegas e o de permanecer no estabelecimento depois de terminados as atividades
escolares. Presume-se que naquele momento, a presença de professores e a vigilância também
diminuíssem.
Como as mulheres estavam praticamente ausentes das infrações, embora a
esmagadora maioria dentro do corpo docente escolar, isso leva a algumas considerações. As
meninas ao escolherem ou serem direcionadas à profissão de professoras, já entravam com
comportamentos que correspondiam mais ou menos às expectativas que as elites, camadas
médias e setores das camadas populares esperavam do comportamento feminino na época. O
desejo de ver praticada a submissão, o recato, o pudor, consequentemente acabavam por
reforçar dentro da escola essas expectativas.
É possível também que o poder institucional ao esperar a manifestação daquelas
“virtudes femininas”, muitas vezes não tenha percebido ou ainda perdoado infrações, evitando
o surgimento de registros escritos, através de acordos verbais. Elas poderiam também utilizar
táticas de dissimulação, ao infringir as regras, operando com padrões de feminilidade
desejados.
No caso dos meninos e rapazes é possível que não tenham se identificado tanto com
o currículo escolar e nem com as possibilidades econômicas que a profissão de professor lhe
iria trazer, a indisciplina pode ser justificada como insatisfação e maneira sutil de contestar o
poder escolar. Não se sabe se os infratores eram alunos da EN propriamente dita ou da escola
modelo masculina. Se a maioria for das escolas modelos, então a indisciplina dentro dela, era
muito pontual, seja por rapazes ou moças.
Seja como for, considerando gênero uma categoria relacional, alunos e alunas da EN
são verso é reverso de uma mesma moeda. Enquanto as alunas expressavam ou deveriam
demonstrar submissão, os rapazes apresentavam sua contrapartida na insubordinação,
reforçando ousada masculinidade. Lembrando Scott “(...) não se pode conceber mulheres,
169
exceto se elas forem definidas em relação aos homens, nem homens, exceto quando eles
forem diferenciados das mulheres”. 93
Outra variável também a considerar é que o universo cultural dos alunos poderia
estar mais próximo dos valores vividos pela cultura popular, por isso enfrentavam e burlavam
normas e regras defendidas por uma instituição, cuja proposta elitista de educação ainda não
havia alcançado consenso dominante. Os ideais de feminilidade, incluindo o dom natural para
a maternidade, eram mais fáceis de serem assimilados pelas alunas, embora na maioria,
pobres.
Não se deve esquecer também que para se matricular na EN era necessário, mesmo
antes do exame de seleção, o atestado do ensino primario, o que demonstra longo processo de
imposição da cultura letrada eurocêntrica, que mesmo sem atingir plenamente seus objetivos,
influenciava na construção da identidade da(o) aluna(o). Assim, o processo de escolarização e
consequentemente disciplinarização levaria a(o)s aluna(o)s a não mais estranharem a
existência de determinações para coibir comportamentos considerados impróprios. A
formação de futuros mestres associava-se, em última instância, a disciplina, respeito, higiene,
ordem e moral.
Pressupor que uma escola essencialmente feminina, cujo alunado estaria preparando-
se para exercer o magistério e comparar com outra totalmente masculina é importante, porque
embora os alunos do Liceu também admitidos após seis anos de escolarização,
experienciavam graves infrações e sofriam punições. Em 1893, foi noticiado:
“O Director resolve suspender por trinta dias os alumnos Felisberto de Campos Bentes, Elvidio Rodrigues Barata, Lucio Raymundo Gomes e Jaime Augusto Calheiros e elevar a 45 dias a suspensão de trinta imposta ao alumno Arthur de Sá Pacheco, em 22 de Fevereiro ultimo por terem faltado ao respeito ao Director Hildebrando Barjona de Miranda Vice-Director e lente de Inglez do estabelecimento; ficando-lhes prohibida a entrada no mesmo estabelecimento.94
Em de dezembro de 1892, Euclydes Antonio, foi eliminado do liceu, por desacato ao
professor de Desenho. O governador, Lauro Sodré, pediu que o aluno fosse readmitido,
propondo a comutação da pena de eliminação para suspensão de 30 ou mais. O Liceu acatou o
pedido do governador e o admitiu “debaixo de severa fiscalização”. Mas o aluno teria
continuado a “conduzir-se mal” e foi suspenso por mais 30 dias.95 Então o publicou um artigo
no Diário de Notícias nº. 287 de 29 de dezembro de 1892: “Eis a epigrafe d’um edital
93 SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. S. Paulo: Unesp, 1992, pp. 86-87. 94 Diário Oficial, 17 de março de 1893. 95 Diário Oficial, 31 de dezembro de 1892.
170
publicado hontem no ‘Diario Official’ e na ‘República’, pelo qual me é imposta a pena de
suspensão por trinta dias, por infracção nos 5 e 6 art. 141 do regulameento vigente”.96
O aluno lembra que o diretor do liceu, Barjona de Miranda, que seria diretor da EN
entre 1895 e 1900, usava a legislação de acordo com a sua conveniência:
“(...) Isto com referencia aos alumnos, porque esquece o Sr. director que é expressamente proibido fumar dentro do estabelecimento e que não obstante os grandes cartazes ‘É proibido fumar’, que se vêm afixados nas paredes, todos os empregados fumam e há até quem fume no próprio salão de honra durante o tempo dos exames... Tem isto sido presenciado por todos”. 97
No desdobramento da situação o aluno afirmou estar sozinho e não em ajuntamento,
a menos que um, significasse um grupo.98 E se estivessem num coletivo porque os demais não
foram punidos? “(...) Terá o art. só referencia a mim”?99 Para fundamentar sua defesa, atacou
os professores, ao afirmar que esses sopravam cola aos alunos na hora dos exames. “Ah! Sr
Barjona se o sr. fiscalizasse melhor esses exames, onde um dos examinadores faz descer sobre
determinados examinados o divino espírito-santo de orelha, seria mais acertado do que se
mostrar austero com os alunos”.100 Depois da publicação, o aluno foi expulso definitivamente
sob a alegação de ter ofendido o diretor do estabelecimento.
Além do exemplo de enfrentamento mais direto, o aluno foi buscar ajuda junto ao
governador e em seguida recorreu à opinião pública através da imprensa, num exemplo de
tática contra a estratégia do poder institucional. A consequência disso é que foi eliminado e
proibido de entrar nas dependências da escola. 101
Um episódio envolvendo uma aluna da EN que buscou a intermediação de seu irmão
para solucionar uma injustiça que teria sido cometida contra ela por um professor não efetivo.
“Asolino Lopes, pedindo providência contra o acto do lente interino de historia Sr.Dr. Costa Rodrigues, que rebaixou a nota de sua irmã Almerinda Lopes alumna do 4.ºanno, quando ella fez bôa composição segundo affirmaram suas proprias collegas, como poderá sindicar que, tendo uma de suas ditas collegas de nome Clelia Guerreiro, copiado de seus pontos, obttido a nota e ella 4, simplesmente por elle lecionar particular a dita alumna; para melhor certificar-se do que fica dito pedindo apreciação das duas composições aludidas”. 102
96 Lyceu Paraense. Diário de Notícias. Belém, 29 de dezembro de 1892, p. 02. 97 Idem. 98 Idem, Ibidem. 99 Ibidem, Ibidem. 100 Ibidem, Ibidem. 101 Diário Oficial, 31 de dezembro de 1892. 102 Protocolo de Entrada de Papéis entre 1912-1917, nº 451 de agosto de 1913. Arquivo do IEEP.
171
A acusação era grave, pois segundo o regulamento, era vedado ao professor do
estabelecimento ministrar aulas particulares. Revela, também, que a despeito das diversas
tentativas em se estabelecer métodos na escola que superassem a mera memorização,
continuava-se a decorar mecanicamente os pontos. 103
O diretor afirmava, que ao contrario do que se teria comentado, ambas tiraram a
mesma nota. Fica a suspeita se a nota de Clelia Guerreiro foi rebaixada para descaracterizar o
privilegio dada a ela por ser aluna particular do referido professor. Aliás, o diretor não se
pronunciou diante dessa acusação. Já em 1910 uma queixa formal era apresentada contra
outro professor ameaçado veladamente, caso exigisse a sua dignidade.
“João da Costa Castro dando queixa contra o professor de desenho que puniu injustamente a sua filha Maria Raimunda Martins Castro na aula, no dia 27 do corrente, no 2º anno em termos pouco cortezes e quiçá offensivos, procurou o dicto proffesor a fim de certificar-se do fundamento da queixa. Do entendimento havido, nada provado o suppte [suplicante] apurou a não ser a impressão de que, se realmente falta por parte de sua filha fundamento há para acreditar-se na expressão usada para a applicação da pena, expressão que, offensiva, afastou-se dos princípios disciplinares , para dar logar ao proposito de humilhação. Não se insurge o supplicante contra a applicação de pennas, quando merecida fôr, mas não se conforma que ultrapasse a esphera disciplinar indo de encontro ás boas normas de educação e respeito. Assim, pois, pede o supp.te a syndicancia dos factos arguidos e providencias para que não se repitam, se de facto se passaram como do conhecimento do supplicante chegaram, afim de evitar incidentes mais desagradaveis, aos quaes não se furta o supp.te se a tanto a dignidade lhe exigir. 104
A situação descrita pela queixa retrata que uma aluna sentindo-se injustiçada, utiliza-
se de um intermediário do sexo masculino para intervir no conflito. Talvez porque educada
para adotar atitudes de submissão e respeito, não tenha tido coragem para enfrentar
diretamente o professor e assim, seu pai tomou a frente do caso. É possível também que além
de mulher fosse ainda menor de idade e, portanto, sob a tutela legal de seu pai a quem caberia
e se esperaria que defendesse os direitos de sua filha.
Nesse caso, o requerente não discute se a sua filha teria ou não merecido a
admoestação e sim a maneira como foi feita, culminando na humilhação da aluna e, assim,
indiretamente atingiu a sua própria honra que, implicitamente, estaria disposto defender.
Novamente, se remete aqui como eram recorrentes os crimes envolvendo a honra no Brasil da
República Velha.
103 APEP. Ofícios, 29 de Agosto de 1913. 104 Protocolo de Entrada de Papéis (1917-1921) nº 620 de 29 de agosto de 1919. Arquivo do IEEP.
172
Mesmo ineficaz, uma tática utilizada por uma aluna para fazer novo exame foi feita
em 1918 por intermediação de um responsável, junto a Diretoria de Instrução. O diretor da
EN ao responder o despacho dessa repartição assim se pronunciou:
“(...) dirigi ao presidente e mais membros da banca examinadora de Historia Natural do 4º. anno desta Escola o necessario pedido de informações acerca do que por ventura ocorrera com a candidata Alice Cavalcanti Corrêa Mounarcha no exame de prova escripta daquella disciplina, effectuado no dia 2 de Fevereiro ultimo. Pelas respostas que me foram enviadas e em original endereço a v. exa., se vê que é inexacta a affirmação que faz o pae da alunna, ‘de ter sido esta acomettida de um accesso de doença de que padece há muito, no proprio momento do exame’. Vê-se mais, não ser verdadeira a affirmativa, ‘que o lente da cadeira esteve conhecimento imediato do caso, porque a alunna lh’o participou e pedio permissão para retirar-se da banca com a que não foi permittido para se não contrariar disposição expressas do Regulamento’. Penso, com os documentos a esta anexos, ter satisfeito mais esta opportunidade para reiterar os protestos de minha elevada consideração”.105
Em 28 de outubro de 1920, Estrella Zagury Benajou, dirigindo-se ao diretor da EN,
requereu um novo diploma de normalista, pois teve o original, de 1905, extraviado “devido a
ficar inutilisado em viagem para este paiz, em virtude dos baques que levou o quadro em que
se achava emoldurado”. 106 É inegável a importância que a requerente atribuía ao diploma que
levava em quadro com moldura em seu camarote no navio que fazia linha internacional.
Aproveitava também para tentar corrigir o que considerava injustiça por parte de
professores, que a teriam preterido para beneficiar uma rival. Colocando em cheque a
impessoalidade dos professores e da instituição, discurso de Estrella Benajou ainda deixou
ver:
“Outrossim, considerando que durante o seu tirocínio todo obteve distinção em quasi todos os exames; considerando que nas composições mesmas de todo o curso houve injustiça nas notas por parte de alguns professores que visando realçar uma sua rival lhe diminuiam sempre os pontos que merecia”.
A ex-aluna terminava solicitando novo diploma com nota máxima e registro de seu
prêmio “Justo Chermont”. Que mecanismos afetivos a ligavam após quinze anos com a EN a
ponto de não só requerer um novo diploma, mas de tentar reparar o que considerava algo que
a tinha prejudicado?
Estrella considerou demorada a resposta e pouco conveniente o que disse
anteriormente. Talvez o seu desejo de reparar uma injustiça seria inútil e limitou-se a pedir
apenas um novo diploma e o certificado do prêmio alcançado.107 Em sua argumentação
105 Livro de Requerimentos de 1918. IEEP. 106 Protocolo de Entrada de Papéis nº 626. (1917-1921). Arquivo do IEEP. 107 Idem, nº 617.
173
utilizou o status de casada, como que exigindo respeitabilidade. A atitude sintoniza-se às
expectativas que se esperavam de mulheres da época e, ao mesmo tempo, faz lembrar que
teria quem a defendesse, caso preciso. 108
Os desdobramentos do processo, especialmente quanto à emissão de um novo
diploma não são descritos na documentação. Sabe-se apenas que a injustiça não foi corrigida,
por isso em 15 de janeiro de 1921, voltava a insistir: “Estrella Zagury Benajou professora
diplomada por então nessa Escola em o anno de 1905, pedindo attestado, de modo que faça
crêr, os diversos graos de approvação obtidos nas differentes materias do referido curso bem
como o seu comportamento todo o tirocínio”.
Se as práticas examinadas até este momento são orquestradas por conflitos,
mecanismos de negociação também foram vivenciados por dentro da EN. Em 1897, oito
alunos incomodados por terem de sair da escola nos intervalos de aula, redigiram um abaixo
assinado, num tom ao mesmo tempo respeitoso, mas sutilmente intimidador, pediram outro
espaço dentro da escola para que permanecessem nela nos intervalos das aulas. Para alcançar
seus objetivos, inicialmente utilizaram artifícios elogiosos a respeito da autoridade esclarecida
do diretor. Na possibilidade de não serem atendido o que consideravam justo e verdadeiro,
utilizariam os argumentos do higienistas frequentemente utilizados contra as camadas
populares. Assim taticamente os alunos tentaram driblar a estratégia escolar para poderem
utilizar um novo espaço da instituição. 109
Táticas muito sutis sejam para justificar uma demanda ou aproveitar para fazer
crítica quase imperceptível sobre falhas da instituição também emergiram. Em 10 de janeiro
de 1891, Gemina Pinto, pediu nova matrícula na 1ª serie, mas procurou explicar porque não
foi aprovada anteriormente. Reza o documento: “(...) não tendo prestado exame do primeiro
amno do curso por não se julgar habilitada (...) a vista do pouco tempo que funcionarão as
aulas... vem pedir-vos que de novo mandeis matricular opara o corrente amno”.110 Assim,
teria sido a falta de aulas s causa de sua reprovação. O pedido de matrícula transforma-se
quase em uma exigência de reparação de danos.
Casos dessa natureza infestaram preocupações da autoridade escolar. Em abril,
agosto e setembro de 1913111encontrou-se inúmeros pedidos de justificativa de não
comparecimento para a realização de exame. Inicialmente em torno da disciplina literatura e
depois história e pedagogia. Esses pedidos de justificativa e, consequentemente, possibilidade
108 Idem, Ibidem. 109 APEP. Educação E Cultura: Escola Normal. Abaixo Assinado. 110 APEP. Educação E Cultura: Escola Normal. Petições. Caixa: 1891, 1892,1893. 111 Protocolo de Entrada de Papéis de 1913.
174
de um novo exame, parecem ser indício da tentativa de alunas virem a ganhar tempo em
disciplinas consideradas difíceis, pois os pedidos encadeados e apenas em literatura revelam
uma difícil coincidência. Dessa forma, é utilizada pelos demandantes uma tática que foi eficaz
para driblar a estratégia institucional de cumprimento rígido de prazos e horários, evidenciada
no seu Regulamento.
Encontrou-se um caso em que alunas da instituição, com o apoio do diretor
conseguiram modificar o regimento, estabelecendo apenas um turno de funcionamento em
vez de dois, através de um abaixo-assinado, contendo setenta e duas assinaturas. Uma prova
do caráter não monolítico da instituição que também se modifica ou se flexibiliza em função
de pressões internas. O requerimento foi encaminhado ao diretor, Paulino d’Almeida Brito em
7 de junho de 1890:
“As abaixo assignadas, alumnas da Escola Normal para a fim de obter a graça de ser modificado o regulamento desta instituição (...). Que o governo, criando a escola normal para o preparo das fucturas educadoras da infância tem por fim attrair áquele estabelecimento o maior número de alumnas possível, a fim de que d’essa concorrência resulte emulação tão necessaria ao estudo, renovando, por conseqüência todas as circunstancias que possam servir de embaraço á acuidade e aproveitamento por parte das alumnas.” 112
É admirável como as alunas, vista como eternas menores apropriaram-se do discurso
oficial, lembrando a necessidade de melhorar o ensino e atrair, através da competição, o maior
número de alunas. Usando esse argumento elas preparavam as autoridades para acatar a sua
demanda. No bojo de seu argumento, elas afirmavam que se não fossem atendidas, a procura
pela EN corria o risco de diminuir.
“(...) Que as aulas distribuídas, em duas secções, uma das 8 ás 11 ½ da manhã e a outra das 3 ás 5 da tarde, obrigam as alumnas a passarem quase todo o dia no estabelecimento, o que lhes absorve todo o tempo de estudo, pois apenas deixa-lhes algumas horas da noite para o preparo de cinco lições diarias; Que as alumnas são obrigadas a fazer, durante o dia, quatro viagens, duas da residência á escola e as outras duas em sentido contrario, o que muito fadiga-as, principalmente as que moram distante do estabelecimento (...)” 113
Usando o argumento de falta de tempo para estudos e contrariando as teorias
biológicas e educacionais sobre a limitação da capacidade do cérebro feminino, as requerentes
dialogaram com o que poderia melhor sensibilizar os responsáveis pelo regulamento.
“(...) Que depois de passarem o dia no estabelecimento, que é bastante quente e sem acomodações precisas, e das viagens múltiplas, que tantas fadigas
112 APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios. 1889, 1890. 113 Idem.
175
produzem no corpo, e alem do natural cansaço, acha-se impossibilitado para o preparo das cinco lições de disciplinas cujo estudo exige grande applicação intellectual”. 114
As alunas fundamentaram sua petição defendendo a posição de que eram
perfeitamente conhecedoras de preceitos de higiene e da pedagogia. Os argumentos de
aglomeração e acúmulo de miasmas eram utilizados no discurso higienista para a fiscalização
e remoção de cortiços e pensões durante a reforma lemista, ocorrida no período de 1897 a
1911, numa demonstração inequívoca de tática à moda de Certeau.
“(...) Que a sessão da tarde, feita depois da refeição e sob insuportável calor, aumentado pelas condições especiaes do vestuário e da aglomeração de muitos indivíduos na mesma salla, traz o abatimento das forças physicas e suspender a attenção do espírito tão necessária a aprendizagem, tornando desta sorte improfícuo e mesmo nocivo todo o exercício mental (...). ”
Numa espécie de arte em saber jogar com as armas dominantes, aquelas alunas
utilizaram o discurso hegemônico para reverter, a seu favor, as regras da instituição.
“(...) Que a educação da mulher, além das condições geraes, deve, para ser regular e aproveitável, attender ás circunstancias próprias do seu sexo; Que [sic] o legislador, que cuidou da educação physica, recomendando os exercícios callistenicos, devia ter previsto o cansaço resultante de tantas causas deprimentes; (...) Que[sic] as alumnas, além dos estudos a que se dedicam, tem necessidade de se entregar a alguns trabalhos indispensáveis e próprios do seo sexo (...). Pedem-vos que em vista do exposto, vos digneis reduzir a uma só secção, a da manhã, as duas em que se acham divididas as aulas da mesma escola, ainda que para isto seja necessario prolongar aquella por mais algumas horas”.115
Por serem mulheres estariam privando-se de tempo precioso para as tarefas
domésticas. Mas não estariam se negando a enfrentar o árduo aprendizado, pois propunham o
aumento de horas de aula, desde que fosse em um turno. O diretor da escola encaminhou o
requerimento das alunas, ao governador do estado, julgando-o pertinente: “(...) Também é
certo que a distancia em que moram muitas, e a pobreza da maior parte, que não lhes permite
fazer o tranzito de outro modo que não a pé”. 116 O governador escreveu sobre o requerimento
em 21 de julho de 1890: “As supplicantes serão attendidas na reforma do Regulamento da
Escola Normal (...)”. 117 Um exemplo, portanto bem claro de que o discurso oficial foi
obrigado a modificar sua intenção anterior em função de argumentos das alunas da escola.
Desses nomes, alguns estão relacionados com famílias tradicionais ou de políticos,
114 Idem, Ibidem. 115 Ibidem. Idem.. 116 APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios. 1889, 1890. 117 Idem.
176
embora sem poder afirmar que são seus parentes como: Lemos, Baena, Cavalleiro de Macêdo,
Carvalho Penna, os três primeiros nomes coincidentemente ou não são também os primeiros
da lista. Identificou-se uma aluna de ascendência provavelmente judaica: Alia Israel. Joanina
Baptista de Araújo assinou com letra muito tremida, indicando problema neurológico ou
pouca familiaridade com a escrita.
Mas conflitos e negociações ocorreram não só em torno das questões envolvendo a
EN e os sujeitos que faziam parte de seu cotidiano. Nela existiam muitas portas e janelas que
interagiram com outras instituições e a cidade na qual estava inserida, partilhando dos
mesmos pontos de vista do projeto de modernização. Exemplos dessa relação deverão ser
agora aprofundados.
177
CAPÍTULO IV: REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NAS LENTES DA CIDADE
A Escola Normal, apesar de sua história e dinâmica próprias como instituição, foi
muito porosa. Fazia parte de uma rede de órgãos e poderes que lhe são superiores ou
paralelos, da pressão que os responsáveis e ex-alunos exercem em torno de demandas
específicas que muitas vezes contrariavam a sua lógica interna. Neste capítulo, como pano de
fundo, evidencia-se o processo de modernização que perpassava a cidade de Belém do Pará,
explorando exemplos das tramas socioculturais que atravessaram a escola e a cidade.
4.1. Relações Entre escola e Instituições
Um caso de forte atrito deu-se entre a EN e o Tesouro do Estado. A questão girou
em torno da legalidade dos abonos de faltas de professores efetivos e dos interinos.O diretor
da EN, Dr. Euphrosino Pantaleão Francisco Nery em 3 de agosto de 1892, “attendendo as
difficuldades enormissimas com que lutam os empregados sujeitos a um parco e limitado
vencimento”, mandou abonar algumas faltas. Ele fez questão de ressaltar que poderia
simplesmente não ter notificado as faltas em vez de aboná-las. Usou também o recurso de
estar falando também em nome da congregação de professores que representaria a própria
escola. É possível de que além de ter se solidarizado com os professores, que tiveram suas
faltas descontadas de acordo com sua efetividade ou interinidade, tenha sido alvo de violenta
pressão interna por parte de seus professores e funcionários.
O tesouro público não levou em consideração o abono e descontou o pagamento dos
funcionários não efetivos. A questão foi parar junto ao governador do estado” que a devolveu
para parecer do tesouro.1O parecer do chefe dessa repartição foi extremamente duro e irônico
ao defender o seu ponto de vista.Seu chefe, Raymundo Cyriaco Alves Cunha, embora cite
nomes, não parecem refletir sujeitos e sim apenas dados abstratos. Utilizando parecer de seu
contador, lembrava contudo que a última palavra, a respeito da disputa, seria dada pelo
governador:
“(...) foi entregue n’esta Secção, o attestado do pessoal da Escola Normal relativo ao mez anterior (...) constava que os Lentes de Arithimetica, João Chaves da Costa de Francêz, Antonio Marques de Carvalho, de Desenho, José de Brito Basto, de Portuguêz Dr. Paulino de Almeida Brito, e de Historia, Arthur Theodulo dos Santos Souto, e o Inspector de alumnos João de Souza
1 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946.
178
Pereira, tinham tido faltas abonadas, o primeiro uma, o segundo duas, o terceiro e o quarto três, o quinto duas e o sexto uma. Também figurava o amnuense Pedro Valette Netto, com duas faltas por mês, e duas abonadas, e a inspectora de alumnas D. Amelia Castello Branco de Oliveira com seis faltas, das quaes duas abonadas, e quatro por nojo. D’esses empregados somente são effetivos os Lentes de Francez e Português Antonio Marques de Carvalho e Paulino de Almeida Brito, e os inspectores de alumnos João de Souza Pereira e D. Amelia Castello Branco de Oliveira.
Ele continuava afirmando que não havia no regulamento da EN embasamento aos
argumentos do diretor. 2 O documento foi enviado ao governador em 2 de setembro que, no dia
24 desse mês, despachou a favor do parecer o tesouro. No meio de toda essa discussão há um
silêncio ou esquecimento conveniente e talvez constrangido a respeito das “difficuldades
enormissimas com que lutam os empregados sujeitos a um parco e limitado vencimento” 3:
Relações não muito amistosas vão ser travadas também entre a EN e a Diretoria
Geral de Instrução Pública em vários momentos da década de 1890. A escola tinha cinco anos
apenas de fundação quando se vê diante uma queda de braços com o Diretor de Instrução em
torno da ingerência desse último nos assuntos internos da escola anexa, que pelo regulamento
estava atrelada à EN e, portanto, ao diretor e a congregação desse estabelecimento. O tom é
flagrantemente incisivo e deve-se lembrar de que o seu diretor à época era também o
presidente do Congresso Estadual, espécie de Assembleia Legislativa Estadual e fazia parte
também do partido do governador, Lauro Sodré. O diretor da EN acusou a Diretoria Geral de
tentar anular matrículas feitas ilegalmente, reduzindo a Congregação ao papel de mero
executor de ordens e diminuindo a autoridade do diretor da EN. 4
Raymundo Martins operou com estratégias para se respaldar, alegando ser porta voz
da congregação do estabelecimento. Em seguida, continuava suas queixas explicitando que
houve concurso para a escola elementar feminina anexa à escola, sem a participação da
congregação e lembrava que as professoras das escolas anexas pertenciam ao quadro da EN. 5
Continuava o ofício, destacando que não ia de encontro das medidas tomadas, muito
pelo contrario, os professores escolhidos eram capacitados , o que estaria em jogo era somente
a maneira como foram tomadas as decisões do diretor de instrução. Na verdade encontra-se
aqui o choque entre dois poderes e a busca da intermediação do governador para resolver o
impasse:
2 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 3 Idem. 4 Idem. 5 Idem, Ibidem.
179
“Outra infração se deu com o provimento da escola do curso superior, do sexo masculino. Nomeado para o Lyceo o professor que a regia, foi nomeado outro, em comissão, para substituil-o sem que a Congregação tivesse conhecimento official da vaga. A nomeação não podia ser mais acertada, pois o nomeado é um preceptor que se impõe pelos proprios merecimentos, isso porém não salva a violação do artigo 104 do regulamento que dá a Congregação o direito de escolha.A Congregação, Exm Snrº, não pretende de forma alguma censurar ou offender os que foram providos nessas cadeiras; não pede a nullidade dos actos, porque os prejudicaria, apezar de não terem culpa alguma nelles; reclama apenas que V. Ex. se digne determinar que de futuro sejam respeitadas as attribuições que ella tem, que se cumpra litteralmente o regulamento, mesmo para evitar que os nomeados com infracção d’elle possam em qualquer tempo ser prejudicados com isso”. 6
Portanto, menos do que criticar uma decisão injusta por parte da diretoria de ensino o
que estava em causa era a violação da autonomia da escola. A discussão maior
problematizava até que ponto iria a subordinação da escola diante da diretoria de ensino.
Nesse aspecto, o diretor da EN conseguiu que a instituição agisse como corporação que tenta
lutar para preservar sua autonomia e disputar espaços de poder com outros órgãos
governamentais, mesmo aqueles a quem estão regimentalmente subordinados.
Num ofício de 10 de setembro de 18947, Raymundo Martins, queixava-se dessa vez
ao próprio governador a respeito de sua decisão, ao acatar parecer da diretoria de instrução,
que entendia ser desnecessária a contratação de um substituto ao professor de desenho do 3° e
4º anos para os exames finais. “(...) e depois de bem meditado peço vênia para (... )algumas
considerações em contrario(...) por me parecer proveitosas ao ensino(...)”. 8
Justificava o seu ponto de vista contrário ao parecer alegando que haveria falta de
professor para ministrar aulas nos citados anos, justamente no mês das revisões preparatórias
para os exames finais. Além do mais, caberia ao professor da respectiva cadeira, fosse interino
ou efetivo, à presidência da mesa examinadora sob pena de não realização do exame. A
proposta de que o próprio diretor a presidisse contrariava o regulamento. “(...) Feitas estas
respeitosas ponderações espera esta diretoria que reconsidereis a decisão (...) em proveito do
ensino e para a boa ordem dos trabalhos do estabelecimento”. 9
A evidência revela a necessidade de contenção de custos na contratação de um novo
professor substituto e transferência de parte das atribuições para o diretor da EN, o qual
lembrava os inconvenientes das faltas das aulas e da necessidade de assegurar o regulamento
no sentido de que à presidência da mesa caberia ao professor da disciplina. Deve-se imaginar
6 Ibidem, Ibidem. 7 Ibidem , Ibidem. 8 Ibidem, Ibidem. 9 Ibidem, Ibidem.
180
o desconforto da escola, na figura do diretor, frente a determinação que contrariava seus
interesses.
Em seguida, não tendo encontrado um professor dentro da própria escola que
substituísse o de desenho licenciado, num ofício de 29 de setembro do mesmo ano,
endereçado ao governador, Raymundo Martins solicitava a nomeação de um substituto.10 O
governador encaminhou a solicitação para Diretoria de Ensino que em 4 de outubro de 1894
assim se manifestou:
“(...) estando a encerrar-se os trabalhos do anno lectivo, pode-se prescindir de uma tal nomeação que só serviria para o substituto fazer parte das mesas de exames, serviço este que será prestado por qualquer pessoa idônea, extranha mesmo ao estabbelecimento, como é do Reg. vigente. Isto mesmo já se tinha combinado com o Senhor Governador”.11
O que o diretor de instrução, Dr. Alexandre Tavares, silenciava é que passado todo o
mês de setembro nos despachos entre as instituições não houve as aulas de revisão de desenho
e diante do fato consumado caberia buscar apenas uma pessoa para compor a banca, sem ônus
para os cofres públicos. Mas o silêncio logo seria quebrado. Há certo desconforto quando se
insinuou que o assunto já tinha sido acordado anteriormente, logo após a concessão da licença
do professor de desenho e, portanto, seria redundante tal esclarecimento.
A questão induz não ter sido redundante, pois o ofício de 15 de outubro do mesmo
ano voltava a discutir o assunto, resumindo os pontos apontados pelo diretor da EN, e agora
respondia em relação à questão das aulas:
“(...) porque o substituto que fosse nomeado, alem de ir trabalhar apenas alguns dias (...) não daria adiantamento algum palpável aos seus discipulos porque como o proprio Director diz em seu officio seria obrigado pelo mesmo Reg. a repetir tão somente a matéria estudada (...) a repetição reduz-se unicamente a executar as figuras feitas, á vista dos modelos já trabalhados. Que adiantamento porviria d’esta repetição? Penso que muitíssimo pouco ou absolutamente nenhum”.12
Quanto ao caso da falta do presidente, não estando previsto no Regimento, o
governo poderia decidir como lhe fosse conveniente. E terminava indicando um candidato que
já tinha lecionado na própria EN e que poderia participar exclusivamente da banca, já que não
tinha tempo para ministrar aulas. Nesse caso, numa fala burocrática e pedagógica,
desconstruiu o discurso do diretor da EN, alfinetando com a consideração de serem
10 Ibidem, Ibidem. 11 Ibidem, Ibidem. 12 Ibidem, Ibidem.
181
desimportantes as aulas de revisão de desenho. Com o aval do governador a EN perdia mais
um cana de braços com a Diretoria de ensino.
No contexto dessas tensões entre a EN e órgãos oficiais externas, mudava-se o
governo do estado, assumindo o médico e republicano histórico Paes de Carvalho, (1897-
1901). Nomeou-se o novo diretor de Instrução Pública, Américo Marques Santa Rosa,
enquanto, Hildebrando Barjona de Miranda, continuava diretor da Escola Normal. Tais
mudanças, contudo, não evitaram, renovados e novos embates. O Dr. Américo Santa Rosa,
antigo líder partidário do regime monárquico e o último secretario de instrução, manteve-se
inicialmente no cargo, embora fosse constituir um novo partido englobando as forças que não
compuseram politicamente com o novo regime.
O diretor da EN, Barjona de Miranda desde o governo anterior de Lauro Sodré e era
também, como o primeiro, republicano histórico. No governo de Paes de Carvalho houve um
racha no partido republicano. Os dissidentes, liderados por Lauro Sodré, constituíram um
novo partido que correspondia a divisão do governo federal entre os partidários de Prudente
de Moraes e Francisco Glicério. No Pará, Paes de Carvalho e, principalmente, Antonio
Lemos, o intendente municipal a partir de 1897, tornaram-se líderes do partido republicano
remanescente, compuseram com os grupos que aderiram à república após a sua proclamação,
enquanto Lauro Sodré estabeleceu a liderança do grupo dissidente, composto de republicanos
históricos e do novo partido. 13
Os atritos entre Barjona de Miranda e o diretor de instrução podem ter relação com
os acontecimentos mais gerais da política paraense mesclados com disputas por prestígio e
poder que envolveram as instituições da qual faziam parte. O ponto em pauta inicialmente era
se o diretor da escola poderia dirigir-se diretamente ou não ao governador do estado:
“(...) foi-me devolvido o que vos dirigi a 19 do mesmo, relativamente aos exames de alumnos eliminados de aulas deste estabelecimento, devolução baseada em que consideraes uma perturbação das relações hierarchicas da Escola Normal com a Directoria Geral da Instrucção Publica a remessa directa ao Governo do alludido officio (...)”.14
O diretor de uma forma firme e resvalando pela impertinência resolve reenviar a
correspondência direta ao governador, alegando que
“(...) nem da lettra, nem do espirito das disposições regulamentares á que a Escola Normal está sujeita, se póde inferir, ainda auxiliado pela mais subtil e
13 ROQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua Época. Op. Cit. 14 APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios: 1895, 1896, 1897, 1898, 1899.
182
larga interpretação, que no meo procedimento houvesse inversão de regras essenciais de hierarchia administrativa; tanto mais quando um precedente já aberto e pelo próprio funcionario, hoje á testa da Diretoria Geral, e com nossa aprovação, jutifica o meo acto e a minha asserção (...)”. 15
O diretor da EN alegava que em função de uma situação interna de alunos que não
obtiveram frequência mínima, segundo parecer da congregação, deveriam também ter média
inferior aos assíduos para que após os exames finais não estivessem em melhores condições
do que estes últimos. Ora, a resolução da congregação teria validade provisória até ser
homologada pelo governador e não pelo diretor de Instrução, daí a correspondência direta ao
primeiro. O diretor lembrava caso de correspondência direta do Liceu com o governador. A
autoridade terminou lembrando que teria sido da congregação da escola, amparada em
orientações legais, a responsabilidade das modificações efetuadas.
“(...) Como conclusão do que acabo de ponderar, e que tenho certesa pesará no vosso recto espírito, devo acrescentar que este acto da congregação não é mais do que o complemento de uma resolução anterior com plena efffficacia legal, em conseqüência da approvação de vosso antecedente pelo officio nº. 1797, de 18 de julho de 1896. [1898] H. Barjona de Miranda”. 16
Na verdade, duas questões surgem dessa correspondência. A primeira se teria havido
quebra ou não de hierarquia ao ser enviada uma correspondência da escola direta ao
governador e a outra sobre a legalidade da decisão da congregação a respeito dos alunos que
tinham frequência inferior à mínima. No decorrer da argumentação do diretor, a primeira
questão acabou sendo diluída em relação à segunda.
No entanto, ambas refletem a autonomia e o prestígio da escola representada pelo seu
diretor e o incômodo da interferência da diretoria de instrução nas coisas que seriam internas a
ela. Essas relações teriam ocorrido de outra forma se houvesse afinidades políticas e de
amizade entre os diretores das duas instituições? Acredita-se que não. A resposta do diretor de
instrução ao secretario do governo ocorreria no dia 14 de setembro de 1898:
“O officio do Director da Escola Normal sob nº. 159 de 5 de Setembro corrente de modo nenhum justifica o seu procedimento, contrario ás regras essenciais da hierarchia administrativa estabelecidas pelo Regulamento Geral da Instrucção Publica de 18 de fevereiro de 1897(...) o novo Regulamento, entregando ao Director Geral (§ 1º. do art. 120) a fiscalisação directa e superintendência de todos os estabelecimentos do ensino, golpeou profundamente a autonomia do Lyceu e da Escola Normal, e creou novas praxes nas relações entre aquelles estabelecimentos e o governo do estado, tornando a Directoria Geral a
15 Idem. 16 APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios. 1895, 1896, 1897, 1898, 1899.
183
intermediaria entre a Directoria das referidas casas de ensino e o Governador(...)”. 17
A questão ganhava corpo com o argumento de que a decisão da congregação não se
tratava de omissão, mas de alteração de medida anterior proposta por ela e aprovada pelo
governador. Quanto ao precedente do liceu, um erro não criaria jurisprudência e terminava
peremptoriamente:
“ (...) Mantenho, portanto, a minha opinião, baseada nas disposições do regulamento de 18 de janeiro de 1897, claras, terminantes, que não admittem duvida nem interpretação, por isso vos devolvo os dois officios do Director da escola Normal, sobre cujo assumpto pedistes a minha informação. Saúde e Fraternidade. O director. Dr. Americo Marques Santa Rosa. 18
Em decorrência dessas relações extremamente tensionadas, é que se pode entender o
Ofício de 20 de outubro de 1898 com o seguinte título: “Dá regras para a hierarchia entre os
cargos de Directores de Estabelecimentos de Instrucções do Estado e o Director Geral da
Instrucção Publica”.19 Era assinado pelo Diretor Geral, Augusto Olimpio de Araujo e Souza, e
enviado ao diretor da EN, repetindo em linhas gerais os argumentos de documentos
anteriores.
Em 1903, o Secretario de Estado de Justiça, Interior e Instrução Pública, Genuíno
Amazonas de Figueiredo entrava em desacordo com a congregação e o professor Paulino de
Brito, primeiro diretor da escola em 1890, a respeito da declaração de incompetência de um
integrante das bancas examinadoras, Domingos Leopoldino. Endereçado ao diretor da EN,
Dr. Antonio Firmo Cardoso Júnior, o tom do ofício fica entre a indignação e a fina ironia.
“(...) Caso único na vida escolar d’este Estado e, quiçá, de todo o país, a medida tomada pela ilustre corporação d’esse estabelecimento não pode ser amparada pelo artigo citado, e por isso mesmo, deixa de ter a approvação do Governo, que tem o dever também de cumprir e fazer cumprir as determinações do supracitado regulamento (...) cada examinador é independente quanto a juízo que faz sobre a prova e quanto a nota que na mesma insere (...) não tem a Congregação pelo regulamento vigente competência para organizar as mesas examinadoras e conseguinte poder não tem para substituir os examinadores (...)”. 20
17 Idem. 18 Idem, Ibidem. 19 PARÁ. Actos e Decisões do Governo 1898. Belém: Diário Oficial, 1901. 20 PARÁ. Decretos e Decisões de 1903. Belém. Imprensa Oficial. 1906.
184
No intuito de deixar claro que a sua decisão em anular as determinações da
congregação da escola não eram movidas por caráter pessoal e talvez repensando o tom
irônico inicial, concluiu: “(...) são estas as condições que me suggerem a leitura do vosso
officio; as quaes convém dizel-o só tiveram em vista deixar claro que outro motivo, a não ser
o de obediência ao regulamento vigente ditou a não aprovação ao acto da Congregação”.21
Ora, sendo a congregação a expressão de todos os professores da instituição e tendo o diretor
encaminhado o ofício aparentemente apoiando sua decisão, o secretario do governo usou de 21 Idem. O artigo que ele se embasou é de nº 67 do regulamento de 1903 que estipulava: “As comissões examinadoras serão organizadas pelo Diretor da Escola”.
Foto nº 14. Genuino Amazonas de Figueiredo, Secretário de Estado de Interior, Justiça e Instrução Pública, no 1º Mandato do Governador Augusto Montenegro, 1901-1905. (Quadro do acervo do IEEP).
185
uma firula do regulamento para se opor à sua decisão . Na verdade, o professor acabou por
pedir demissão do cargo de examinador. Nesse caso, o apego à letra da lei era utilizado de
acordo com as conveniências das instituições cujo poder a escola era sujeita.
Uma prática que se mostrou muito banal até os dias de hoje é a relação entre o
público e o privado, o jeitinho, o sabe com quem está falando e as relações clientelistas.
Roberto da Matta diz que numa sociedade altamente hierarquizada e excludente como a
brasileira, muitas vezes a impessoalidade da lei e da figura do funcionário, seu representante
legal, esbarra em demandas de pessoas que se veem contrariadas por essas determinações.
Exemplo desse jogo de poder, é a busca por uma vaga nas intermináveis filas do sistema de
saúde no Brasil até matrículas em escolas públicas consideradas de melhor qualidade. 22
Diante dos critérios legais e impessoais de acesso a essas demandas procura-se
convencer o funcionário a encontrar brechas na lei, ou simplesmente burlá-las apelando para
afinidades em comum, amizade, relações de vizinhança ou parentesco, ou ainda através do
intermédio de autoridades públicas que, muitas vezes, concedem o favor em troca de voto. A
forma branda, cordial, pacífica e sedutora entre o indivíduo que deseja alcançar uma demanda
ao arrepio da lei e o funcionário chama-se jeitinho. Quando não funciona, apela-se para “o
sabe com quem está falando?, em que o demandante afirma conhecer alguém muito
importante ou se mostra como autoridade e, portanto, com direito a tratamento privilegiado.23
Os diversos regulamentos da EN estabeleciam critérios claros de admissão. Mas
nem sempre era possível cumpri-los. Nessa situação, como se viu acima, apela-se para uma
autoridade superior para driblar o que diz o instrumento legal. O atendimento da demanda por
essa via é baseada em troca de favores que podem ser de simples reforço de amizade e de
relações hierárquicas e até mesmo eleitores fiéis. Era previsível também que sendo os critérios
claros e universais de matrícula, as pessoas se dirigissem à escola para efetuá-la. No entanto,
encontraram-se inúmeros pedidos, passando primeiro ou pelo Secretario de Instrução ou pelo
próprio governador do estado.
É o caso, por exemplo, de Gessina Geralda Pinto que ao perder o prazo de matrícula,
apelou ao vice-governador do estado, Paes de Carvalho. O diretor da escola Normal atendeu
ao pedido do Governador, alegando não haver até o dia 05/05/1890 completado o número de
22DAMATTA, Roberto. O Que é o Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. (Palavra da Gente; vol 1. Ensaio). 23 Idem.
186
alunos matriculados, e nem começado as aulas. Innocencia Virginia Dias da Rocha requeu
matrícula também ao governador em 1897.24 Tempos depois, em 5 de março de 1920,
“Carlota Chaves de Moraes Bittencourt, Edith Souza, Raulina Braga, Alice de Serra Guerreiro Maria Rosa de Freitas, Branca Lassance Cunha, Amelia Batista Ferreira, Esmeralda Cardoso requerndo á s. exa, snr. Governador do Estado matricula no 5º anno devendo duas disciplinas do anno anterior”.25
Mas as demandas não se limitavam às matrículas 1897. Num documento de 1898,
um requerente pedia ao governador para que sua cunhada, Joana Pacífico de Campos, seja
submetida novamente ao exame de francês do 2º ano e nas matérias do 3º ano: pedagogia,
desenho, música e prendas. O chefe do executivo encaminhou o pedido à Diretoria de
Instrução Pública que, por sua vez, enviou à Escola Normal. 26
O diretor da escola, Hildebrando Barjona de Miranda, alegando as disposições
regimentares, disse que a aluna deveria primeiro ser aprovada na disciplina que estava
faltando. Como foi reprovada e para refazer o exame eram necessários perto de 45 dias,
acreditava na impossibilidade da aprovação. A diretoria de ensino mandou que a aluna fosse
submetida apenas a uma nova prova de francês, implicando que deveria, caso fosse aprovada,
cursar novamente o 3º ano. O governador acatou o parecer. 27
Em janeiro de 1897, o governador exigiu que a requerente Anna de Almeida
Nogueira, com intervenção direta de seu pai, realizasse exames de 2ª época em português,
física e historia universal. A Diretoria de Instrução Pública transmitiu a ordem, mas o diretor
respondeu que estando a aluna já eliminada no meio do ano, não tendo comparecido aos
exames finais sem justificativa e apelando para o regimento, negou o pedido. A Diretoria de
Instrução Pública retrocou, no dia seguinte que já tendo o governador permitido outros casos
similares, o diretor deveria cumprir a vontade do governador. 28
Em 5 de janeiro de 1899 um caso similar ao de Joana Pacífico de Campos e o de
Ceciliana Maria da Cruz Carvalho, aluna o 2º ano, dependente de francês ministrado no 1º
ano que, mesmo ferindo o regimento, pediu para fazer novos exames. O diretor da Escola
argumentou que a aluna já tinha sido reprovada duas vezes naquela disciplina. No entanto, a
24 APEP. Educação: Escola Normal: Petições de matrícula e de segunda: 1890, 1893, 1894, 1897, 1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1909, 1910, 1911, 1912, 1918. 25 Livro de Protocolo de Entrada de Requerimentos, nº 456, de 29 de março de 1917 a 12 de fevereiro de 1921. Arquivo do IEEP. 26 APEP. Educação: Escola Normal: Petições de matrícula e de segunda: 1890, 1893, 1894, 1897, 1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1909, 1910, 1911, 1912, 1918. 27 Idem. 28 Idem, Ibidem.
187
Diretoria de Ensino alegando que o governador Paes de Carvalho já tinha concedido
permissão em outros casos, autorizava a realização dos exames solicitados. 29
Em 1º de janeiro de 1899, emergiu novamente um entendimento diferenciado entre
Paes de Carvalho e o diretor da EN, que alegava não ser possível cumprir uma determinação
governamental, pois contrariava o regulamento escolar. A diretoria de ensino alegando
novamente que o governador já havia autorizado “idênticas pretensões” pedia para o
“suplicante ser atendido”. 30
De todos esses e outros inúmeros casos, apenas um está relacionado ao governador
Lauro Sodré, os demais alcançam o raio histórico da administração de Paes de Carvalho. O
ponto em comum era o discurso incisivo do diretor da EN, defendendo que as disposições do
mandatário maior do executivo estadual contrariavam o regulamento escolar. Será que a partir
de um caso inicial, o boato tenha ocorrido e outras pessoas seguiram o mesmo caminho e o
governador “por equidade”31 tenha tomado a mesma decisão?
Apenas em janeiro de 1899 encontrou-se mais de 10 pedidos diretamente
encaminhados ao governador que violavam o regulamento. Diante desses quadros, com que
motivações os pedidos de exames eram realizados ou reaplicados pela EN? Há um caso em 10
de janeiro de 1899, que Hemeterio de Campos Guimarães, pediu ao chefe do executivo para
que seu filho Raymundo Aguiar de Campos Guimarães, aluno do 1º ano da Escola Normal
prestasse exame de 2ª época de aritmética, geografia e francês. O diretor afirmou que o pedido
feria o regimento, acrescentando: “(...) que é de toda a conveniência manter-se para a boa
marcha da escola”. 32Em 28 de janeiro do ano seguinte, Raimundo foi matriculado no 2º ano,
o que demonstra que conseguiu aprovação.33
Por que o diretor insiste tanto em manter o regimento, lembrando que deveria ser
cumprido para a boa marcha da escola? Possivelmente para situações que não estavam em seu
sistema de referências, o raciocínio dessa autoridade deixa pistas de sua limitada percepção
das relações de aliança, dependência e clientelismo urdidas entre escola, sociedade e poderes
públicos constituídos.
Há casos indeferidos, por exemplo, de pedidos de matrícula pela Diretoria de
Instrução para a escola modelo. A justificativa era que os pedidos superavam a capacidade
29 Ibidem, Ibidem. 30 Ibidem, Ibidem. 31 Expressão recorrentemente utilizada por autoridades e peticionários. 32 APEP. Educação: Escola Normal: Petições de matrícula e de segunda: 1890, 1893, 1894, 1897, 1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1909, 1910, 1911, 1912, 1918. 33 Idem
188
física da sala de aula.34 A busca, através do clientelismo, para driblar os regulamentos da
escola levaram diretores da escola, diretores ou secretários de instrução e governadores a um
jogo de enfrentamentos e negociações extremamente tenso. Como era comum que as vagas da
escola fossem requeridas junto a instâncias superiores, em alguns momentos a prática parece
ter sido institucionalizada, pois em 7 de fevereiro de 1902, Genuíno Amazonas de Figueiredo,
Secretário de Estado da Justiça, Interior e Instrução Pública escreveu ao diretor da EN:
“Snr. Dr. Director (...) tenho a declarar-vos que, subsistindo ainda os motivos que determinaram o anno passado a concessão de me ceder o numero de matriculas fixado no Regulamento, fica essa concessão prorrogada para o corrente anno. Saúde e Fraternidade”. 35
Não ficam claro os motivos pelos quais as vagas foram concedidas ao secretário do
estado, ou em outras palavras, porque a matrícula da escola tinha passado para as mãos dessa
secretaria. Em 20 de março de 1893, o diretor Pantaleão Francisco Nery enviou ao secretário
de governo, em anexo, uma cópia de sua resposta ao governador do estado, Lauro Sodré, a
respeito de um pedido de Carlos Serra Freire que pediu matrícula fora do prazo legal para
suas filhas:
“Sr. Dr. Governador do Estado do Pará. Informando a presente petição cumpre declarar-vos que parecendo-me valiosas as razões apresentadas pelo requerente de não poder matricular suas filhas na época determinada no Reg. d’esta escola, julga-o no caso de ser attendida , uma vez apresente prova legal de idade , como preceitua o art. 45 § 1º do mesmo Reg.. Entretanto, Sem. Governador vós fareis o que parecer mais acertado.Belém, 11 de Março de 1893=Dr. Euphrosino Nery. Director interino da Escola Normal do Estado do Pará”.36
Em 1916 mais um pedido de matrícula, fora do prazo legal, através do governo do
estado:
“Adolpho Gonçalves tendo obtido do Exm º Snr. Governador do Estado permissão para matricular no 1 anno do curso normal sua filha Henriqueta Valente Gonçalves natural deste Estado, nascida a 23 de novembro de 1901 ;vem requerer a inclusão na lista das matriculadas”. 37
34 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. 35 Idem. 36 APEP. Caixa: Secretaria do Governo, 1891-1900. 37 Livro de Protocolo de papéis: 1912-1917. Arquivo do IEEP.
189
Elias Viana, diretor da EN em 1918 dirigiu-se ao secretario geral do estado, a
respeito de um parecer encaminhado ao governador sobre um pedido de 2º época que
contrariava o regulamento mostrando, portanto a impossibilidade de ser atendido.38
Em seguida, anexou o parecer que deveria ser enviado ao governador, via secretario.
A situação revela que pela hierarquia e crescimento da máquina burocrática não cabia mais ao
diretor da escola uma correspondência direta com o primeiro mandatário do executivo
estadual. Nesse caso, o diretor, baseado na orientação regulamentar, entendeu que a aluna não
teria direito em função de não ter sido reprovada ou inabilitada em nenhuma matéria da série
em que cursava e sim numa matéria de dependência. 39 Não fica claro se ela realizou os
exames do terceiro ano, ou se pedia apenas para repetir o da série anterior. Nesse caso, o
diretor deixou a critério do governador a decisão.
As atitudes do diretor podiam dessa forma ou decidir em favor da legislação escolar,
cumprir as determinações superiores, mas muito sutilmente, fazer lembrar que caso o pedido
fosse acatado, descumpriria o regimento.
38 Livro de Requerimento de 1918, nº 409. Arquivo do IEEP. 39O Regulamento de 1914, no art. 46 explicitou: “Haverá na Escola Normal, duas épocas de exames: a primeira em outubro e a segunda em janeiro de cada anno, esta para os alumnos matriculados que não puderam prestal-os na primeira por motivo de força maior, plenamente comprovado, ou por motivo de reprovação ou inhabilitação em uma ou duas matérias finaes do amno, e para os candidatos extranhos”.
Foto nº 15. Elias Augusto Tavares Vianna, Diretor da Escola Normal, no período de 1917-1930. (Quadro do acervo do IEEP). A foto é provavelmente dos anos de 1920.
190
Um jogo entre as autoridades hierarquicamente superiores e o diretor Elias Vianna
parece tomar conta do contexto histórico. O governador e secretário encaminharam pedidos
ao diretor da EN. Em alguns casos não admitiram recusa, em outros deixaram ao diretor a
decisão final. Inúmeros outros pedidos chegam nesse ano que contrariavam, segundo
entendimento do diretor, o regulamento. Esse acabaria por resumir o seu ponto de vista num
longo desabafo:
(...) Informando, em obediencia a determinação de v. exa., as petições de d. Iracema de Barros Barata, Lupcina Lins de Carvalho, Ranilde Aroucha, Myrthis C. Villar Dillon, Maria Machado, Lucilla Magalhães, Cordelia Boyd, Maria Martins, Carmem Virgulino, Raymunda Dias Nazareth Machado, Octavia Neves, Blandina Ferreira, Maria Thereza Marques, Sylvia de Paula Cordeiro, Luiza Leão, Francisco Ribeiro, Eulalia Campbell da Costa, Odinéa Gonçalves Guimarães, Regina Marques de Oliveira, Judith do Valle Albuquerque, Guiomar Rodrigues de França, Graziella Cerdeira Pimentel, Raymunda Coelho de Mello, Miguelina Salvini (?), Antonia Cardozo e Manoel Dias Maia, petições (...) nas quaes pedem os signatários que por equidade sejam embuttidas na 2ª. época regulamentar , tenho a dizer o seguinte: O regulamento vigente (Dec. nº. 3062, de 12 de fevereiro de 1914) dispõe no artº. 46: “Haverá na Escola Normal duas época (sic) de exames: a primeira em Outubro e a segunda em janeiro de cada anno, esta para os alunnos matriculados que não puderam prestal-os na primeira por motivo de força maior plenamente comprovado, ou por motivo de reprovação ou inhabilitação em uma ou duas materias finaes do anno, e para os candidatos extranhos. Dest’arte, os requerentes estão inteiramente fóra da prerrogativa concedida pelo dispositivo transcriptos . E precisamente por isto que solicitam que os exames lhes sejam facultados por equidade”.40
Como o argumento de equidade era utilizado pelos requerentes para sensibilizar o
governador e a fórmula se repetia em inúmeros outros pedidos, o diretor julgou então ser o
momento de avaliar o significado dessa equidade, ao continuar o documento anterior,
invertendo os argumentos numa retórica entre a indignação e o lamento:
“(...) Penso ser conveniente indagar até onde essa equidade poderá ser inspiradora do deferimento, sem prejuízo do ensino. Sou dos que entendem, sem haver nisto manifestação de sentimentalismo piegas, que é sempre doloroso recusar aos que estudam, a facilitação de um novo exame, quando, mal sucedido na época regulamentar, imploram esse favor em nome de uma necessidade economica. Mas sou tambem dos que julgam ser necessario, em materia de equidade, extendel-a sempre a todos quantos a invoquem em seu favor, em igualdade de circunstancias. Ora attendidos os actuaes requerentes, no meu modo de pensar o governo ficaria na obrigação de conceder o mesmo favor a todos os alunnos que o requeressem(...)”.
40 Livro de Protocolo de papéis: 1912-1917. Arquivo do IEEP.
191
O diretor nesse momento faz lembrar que a tática de alguns demandantes consistia
em apelar para a situação econômica. E aí, dá o pulo do gato. Se a questão é de equidade
então o que deveria ser exceção seria então a regra. A concessão deveria ser estendida a todos
os alunos indistintamente em igualdade de condições, anulando a lógica clientelista de
favorecer apenas alguns em troca de favores.
Manipulando estratégia discursiva inteligente ele sabia que se todos tivessem os
mesmos direitos acabaria o privilégio de alguns, anulando a prática de troca de favores vital
para o funcionamento daquela sociedade. Esperava que diante disso houvesse recuo dos
pedidos e o cumprimento do regulamento da escola da qual se via como fiel defensor.
“(...) A excepção, por odiosa, certo não seria posta em pratica. Mas attendendo a todos quantos foram reprovados ou inhabilitados em uma ou mais disciplinas não finaes, não abriria o governo um precedente, que importaria na derrogação do artº. 46 do Regulamento da Escola em vigor? Poder-se á ter como preponderantemente pernicioso para a disciplina de Escola, esse precedente? Só v. exa., com o seguro conhecimento que tem das necessidades pedagógicas da Escola, pois durante cinco annos lhe dirigio os destinos, poderá responder ás perguntas supra e avaliar com esclarecido critério a conveniência oi desconveniencia do favor impretado”. Saúdo a V. Exa. (Assig). 41
Em outra ocasião, Elias Viana recebeu um pedido de matrícula cuja idade do
requerente era inferior ao estipulado pelo regulamento. Diante disso, utilizou o mesmo
argumento anterior a respeito da injustiça caso o precedente não fosse aberto a outras pessoas
na mesma situação. Sempre procurando por em evidência o direito a autoridade que recebeu,
afirmou que a não recusa aquele pedido colocaria em xeque tal direito.
Nesse caso, excepcionalmente a correspondência foi enviada diretamente ao popular
governador Lauro Sodré, entre outras coisas por ter sido identificado como um político
sensível a causas das camadas média da sociedade e durante um largo período de tempo ter
ficado no ostracismo político, inclusive sem vir ao Pará, mesmo exercendo o cargo de
deputado federal.
“Exmo Sr. Dr. Governador do Estado. Informando a petição do sr. professor José Nogueira Travassos, na qual o mesmo pede que por equidade o seu filho Henrique Espindola Travassos, nascido nesta capital a 15 de Março de 1906, seja matriculado no 1º. anno desta Escola, cumpre-me dizer que o Regulamento vigente dispõe no artigo 11 , let.a, que uma das condições indispensáveis á matricula no 1º anno é ter o matriculado “ a edade mínima de 14 annos”. Segundo a certidão de registro de nascimento juntado pelo requerente á alludida petição, o menino Henrique tem onze annos, dez mezes e quinze dias de edade. Permitta-me v. exa. ponderar que outros paes a mim já se dirigiram solicitando
41 Informações dadas nos requerimentos, 29 de janeiro de 1918. Arquivo do IEEP. Neste documento, muitas passagens estão borradas, aspecto que evidencia a emoção que tomava conta de seu redator.
192
idêntico favor para filhos que ainda não tem a idade regulamentar. A esses consegui convencer da impossibilidade em que se achavam, a vista da disposição do Regulamento em vigor, de obterem qualquer equidade esses, resolveram retirar os seus requerimentos, sem esperança de nenhuma transigência. Outros – em grandes (sic) grandes [repete] numeros aguardam a abertura de um precedente, para reclamarem em proveito de seus filhos igual condescendência. Posto o caso neste pé, a criteriosa resolução de V. exa [rasura] para meo governo. Ás homenagens de minha elevada estima junto os protestos de meo incondicional apreço.Saúdo a V. Exa.(Assig). Elias Augto Tav. es Vianna”.42
Os embates entre a EN e instâncias superiores é apenas um aspecto das relações
entre a escola e a cidade na qual faz parte integrante. A instituição também procurou
visibilidade utilizando-se de vários dispositivos como se verá a seguir.
4.2. A Escola entre Símbolos e Ritos
A Escola Normal fazendo parte de um projeto maior de modernização precisou
também de uma grande visibilidade externa para continuar sua função pedagógica e de
propaganda política elitista, co-partícipe de um projeto maior de civilização e progresso do
ocidente. Era preciso mostrar para a cidade que a escola estava cumprindo sua missão de
formar professores altamente capazes de ensinar e exercer moralidades e práticas cidadãs. Em
nome da jovem república, através da educação, ajudaria a erradicar as mazelas do
obscurantismo, do atraso do regime deposto e construir uma sociedade que olhava firme para
o futuro linear rumo ao progresso.
Desde a própria monumentalidade do prédio e sua localização, passando pelos
quadros de formatura exibidos no salão nobre, as festas de formatura no Teatro, os discursos,
os prêmios, os concursos, até o anel de normalista e uniforme escolar, eram maneiras que a
escola encontrou para se fazer visível, importante e capaz de dialogar com os diversos sujeitos
sociais da cidade. Numa sociedade crivada por profundas mudanças urbanas, técnicas e
culturais, esses sujeitos responderam a proposta com elogios e críticas, via diferentes canais
de comunicação escritos. A professora normalista será, inclusive, objeto de representações
literárias e parte das memórias individuais e coletivas que ali se disseminaram.
A esse respeito Rosa Fátima Souza referindo-se aos grupos escolares do Estado de
São Paulo, fundados logo após a proclamação da república, afirmou que a cultura escolar
assumiu uma manifestação simbólica. Eram cultuados diversos símbolos nacionais como
42 APEP. Educação e Cultura: Escola Normal: Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946.
193
bandeira, escudo e hino, os quais precisavam tornar-se evidentes. Para isso, “exibi-los e
solenizá-los” fazia parte da pedagogia civilizadora preconizada e implementada pela escola 43.
Considerando a circularidade de ideias e mentalidades, a EN em Belém foi atravessada por
aqueles símbolos e seus sentidos.
Ilustrativo é o ofício de Raymundo Joaquim Martins, diretor da EN, pedindo em 17
de outubro de 1894, uma complementação para o mastro, para que se pudesse hastear a
bandeira em dias solenes, sem a qual perderia seu significado e a escola comprometeria seu
diálogo com a cidade.
“Snr Governador do Estado. Achando-se sem adriça o mastro collocado no frontispício deste estabelecimento, para hastear o pavilhão nacional em dias de gala, peço-vos que vos digneis de dar ás necessárias ordens á Repartição de Obras Publicas no sentido de ser aquella collocada, para que possa o referido mastro prestar o serviço a que é destinado. Saude e Fraternidade.” 44
Outro símbolo que fazia parte do projeto de formação a ser inculcado no seio da
escola e seu alunado, era a representação valorativa de uso do anel de normalista, formato do
diploma, solenidade da cerimônia de colação de grau e concessão de prêmios. No
Regulamento de 24 de setembro de 1891, o ritual de formatura deveria obedecer a uma
sequência de etapas: contaria com a assistência do governador, a congregação marcaria o
lugar e a hora da cerimônia e anunciaria por meio de edital, em todos os jornais, com 10 dias
ao menos de antecedência, cuja data deveria ser marcada pelo secretário de instrução pública.
Era o momento em que a escola procurava tornar-se mais visível à cidade, espelhando uma
espécie de prestação de contas de seus resultados.
Diante das principais autoridades públicas, ouvir o pronunciamento de um dos
professores do estabelecimento, eleito pelos diplomados, receber os diplomas das mãos do
diretor da escola, o qual lia a nota alcançada por cada formando, e escutar o discurso do
representante de turma constituíam-se etapas do ritual de colação. 45
Nas festas de colação de grau, a presença do governador era questão de honra e
prestígio não só para o próprio governador, que reafirmava o seu compromisso com a
educação e o progresso do estado, como para a EN que via reconhecida publicamente a sua
importância. A solenidade ultrapassando seus sentidos iniciais tornava-se também ocasião
propícia para que a escola fizesse propaganda de sua eficácia e justificasse a necessidade de
auferir mais verbas.
43 SOUZA, Rosa de Fátima. Templos de Civilização. Op. Cit. 44 APEP. Secretaria do Governo. Escola Normal: Ofícios: 1891-1900. 45 PARÁ. Decretos do Governo Republicano do Estado do Pará. 1891. Belém: Diário Oficial, 1894.
194
Os documentos produzidos sobre os festejo de formatura dão conta de mapear os
diferentes instrumentos utilizados. Não poderia faltar, por exemplo, preocupações com a
música que faria a cobertura da solenidade. Raymundo Joaquim Martins, diretor da EN no
período de 1892 a 1895 em um dos registros confirmou essa necessidade. “Peço que vos
digneis mandar pôr a disposição d’esta Directoria duas bandas de muzica dos Corpos do
Estado, a fim de abrilhantar aquela solemnidade”. 46
Já em 30 de novembro de 1895, Heitor Barjona de Miranda, em seu pedido ao
governador preocupava-se com a iluminação elétrica na noite da colocação.47 Fica-se a
imaginar o impacto que aquele recurso ainda pouco difundido, mesmo em Paris, à época, teria
nas pessoas que fossem assistir a formatura. Possível ar de esplendor e excepcionalidade
marcaria esse momento, perenizando-se na memória dos participantes.
Posteriormente passou-se a reivindicar um espaço de maior visibilidade e oponência
para as cerimônias de colação, o salão do Tetro da Paz, ícone da modernidade. “Rogo-vos que
autorizeis ao Sr. Dr. Administrador do Theatro da Paz de ficar á disposição desta Diretoria, o
Salão nobre do mesmo edificio(...) para(... )a sessão solemne da Collação de grao, conforme
verbalmente vos solicitei e vos dignastes aquiescer”. 48Em seguida, buscou-se recursos
suplementares para a cerimônia que poderia também contemplar a entrega de prêmios, Heitor
Barjona de Miranda escrevia ao governador nesse sentido: (...) habiliteis com o credito
necessário para occorrer ás despezas a fazer-se com esta solemnidade, que orçam
approximadamente em um conto e duzentos mil reis (...)”.49
Podem-se rastrear alguns discursos a respeito da cerimônia de colação de grau que
evidenciam a sua relevância. Um deles que pode ser inferido do pronunciamento do Diretor
Geral da Instrução Pública, Dr. Virgílio Cardoso de Oliveira, presidindo a cerimônia de
Colação de Grau de março de 1900: “(... ) nelas eu vejo sempre um rebate de clarins, tangidos
pelos lábios do patriotismo, nos arraiaes da democracia, onde, erguida, a bandeira da
Republica anuncia ao monarchismo impenitente a noticia de mais uma victoria benfazeja...” 50
Continuava seu discurso afirmando que a festa de formatura representava certa
superação do atraso educacional verificado no período monárquico. Os interesses da escola
em ganhar prestígio através da visibilidade de uma cerimônia imponente comungavam-se com
46 APEP. Secretaria do Governo. Escola Normal: Ofícios: 1891-1900. 47 APEP. Secretaria do Governo. Educação: 1895, 1896, 1897, 1899. 48 APEP. Secretaria do Governo: Educação: 1895, 1896, 1897, 1898, 1899. 49 APEP. Secretaria do Governo. Educação. Ofícios. 1895, 1896, 1897, 1898, 1899. 50 OLIVEIRA, Virgílio. “Discurso pronunciado pelo Director da Instrucção, dr. Virgilio Cardoso de Oliveira, presidindo a sessão solemne de entrega de diplomas ás normalistas que concluíram o respectivo curso em março do corrente anno”. A Escola: revista do ensino. Belém, julho de 1900, pp. 379-382-4.
195
os das autoridades, quando se valiam da ocasião para autoproclamarem-se superiores ao
regime deposto. Virgílio Oliveira deixou pistas para esse argumento: “(...) estas festas não
podem deixar de despertar na consciência popular, pela solemnidade que as reveste, a bôa
comprehensão da importância máxima que os poderes publicos ligam á instrucção do povo,
accendendo-lhe no espírito o desejo de instruir-se”. 51 A festa não somente visibilizava os
saberes iluminados adquiridos pelos alunos, como se constituía em luz para iluminar ou
alertar outras mentes que ali festejavam sobre a necessidade de instrução.
Como a opinião pública, a partir da década de 1870, associava cada vez mais
modernidade com melhoria da instrução, o poder público se legitimaria se mostrasse
preocupado com a sua difusão. Seria necessário para a manutenção do regime republicano um
povo educado e esclarecido. A partir daí atribuía um papel fundamental à figura do professor
que não podia ser considerado como um mero funcionário público e que carregaria uma
missão. Um discurso muito cômodo que, em troca do prestígio, seria dado ao professor ao
tentar mascarar as suas condições econômicas quase sempre precárias. 52
Poderiam ocorrer também festas internas a favor de uma causa como, por exemplo,
uma festa organizada em favor dos órfãos e que foi notícia no jornal A República em 1893. A
festa procurava ajudar o Orphelinato Paraense por meio de uma quermesse. A propaganda
anunciava que o evento seria primorosamente organizado e contaria com “concerto arranjado
com o mais apurado gosto”. A entrada seria franca, mas era preciso estar “decentemente
vestido”.53 Descrevia em seguida as músicas que seriam cantadas e tocadas: Hino pelas
alunas, árias de óperas de Bellini, poesias, conferência proferida por Paulino de Brito. A festa
duraria sábado e domingo e ainda contaria com a presença de bandas musicais.
A escola ao se lançar numa atividade de caridade trazia para si a admiração e a
presença das pessoas para ouvir música, conferência e ainda gastar na quermesse em
benefício dos órfãos. Suas portas, antes restrita a um público seleto, abriam-se para grupos
sociais específicos da cidade. Contudo, longe de popularizar-se nesse momento, porque não
haveria cobrança de ingressos, somente um público restrito acabava por adentrá-la.
Curiosamente, a localização do prédio da escola, onde a programação era realizada, o
fazia refém de seu próprio preconceito e ação de exclusão social. A Campina, palco desse
acontecimento, era um bairro que contava com inúmeras casas, bares e espaços de
divertimentos populares. A instituição exigia que os convidados vestissem “roupas decentes”,
51 Idem. 52 Idem, Ibidem. 53 Em Favor dos Órphãos. A Republica, Belém, 24 de janeiro de 1893, p. 01.
196
código vigilante para se resguardar de indesejados que provavelmente conseguiam driblar
essas determinações.
Em 14 de julho de 1903 foi feita uma sessão solene para a comemoração da
reinauguração do prédio da escola que havia passado por uma ampla e profunda reforma e a
colocação no salão nobre do retrato do governador. Nessa solenidade compareceram várias
autoridades, entre elas o governador Augusto Montenegro, o senador Antonio Lemos, chefe
do partido da situação e intendente de Belém. Elias Vianna, professor de pedagogia foi o
orador oficial. Apoiando-se em Spencer e Conte, defendia o papel da educação como solução
para o progresso humano. 54
Augusto Montenegro por sua vez afirmou a importância da Escola Normal “que
passou a ser um laboratório de civilização e de progresso (...)”.55 Nas representações da escola
enunciadas pelo orador e pelo governador eram visíveis ideais de que ela seria um espaço
vital para elaboração do projeto de modernização então realizado no estado e principalmente
em sua capital. 56
Outra ocasião bastante importante foi a presença na escola do presidente eleito,
Afonso Pena, que estava em visita na capital do estado. Ele compareceu a uma sessão solene
da Congregação em 2 de julho de 1906, saudado pelo diretor Heitor Castelo Branco. Isso
evidenciava o prestígio e o orgulho das autoridades estaduais em relação à escola a ponto de
agendar a visita daquela autoridade no seu espaço onde escola e autoridades ganhavam
visibilidade perante a opinião pública e tentando talvez responder aos oposicionistas que não
tinham da escola um olhar tão otimista.57
O diploma vai se constituir em outro importante símbolo de distinção. Em 1903,
quando foi apresentado o modelo de diploma a ser utilizado pela EN, havia nas dependências
da instituição 340 alunas e apenas 48 rapazes. Essa representação feminina, verificada ao
longo da história da escola, não foi suficiente para transformar o sentido masculino que
predominava na escrita do documento certificador do curso de normalista. Fica claro também
que o investimento do diploma era feito pelo Secretario de Estado, representante do poder
público que subordinava o diretor da EN claramente à sua autoridade, embora a formatura se
desse nessa escola. Não se imagina por que a necessidade de colocação da idade da(o)
colanda(o). O diploma seria impresso em pergaminho, selado e registrado em livro especial, o
que demonstra a importância que era atribuída pelo governo.
54 SOUZA, Altemir. Op. Cit. p.50. 55 Idem. 56 Idem, Ibidem. 57 Ibidem, Ibidem.
197
A atribuição de prêmios era um incentivo entre os alunos pelo desempenho escolar.
Estimulava a competição e o mérito, ajudando a reafirmar e legitimar a hierarquização social.
Em ofício de 15 de maio de 1895 eram estabelecidos critérios para a concessão do Prêmio
Justo Chermont. O prêmio seria atribuído ao “ao alumno que, alem de bom comportamento,
não tenha durante o tirocinio normal uma só approvação simples e alcance um terço das
approvações distinctas”.58 O critério orientador exigia disciplina e assimilação de conteúdos,
significativamente a exigência de comportamento vem em primeiro lugar provando mais uma
vez o caráter disciplinar dos estabelecimentos escolares.
Em 1903 era estabelecido que “o Estado concederá um premio ao alumno que mais
se distinguir pelo seu aproveitamento e comportamento durante o tirocínio da Escola”. O
prêmio consistia na colocação no salão de honra do retrato do diplomado, abrindo espaço
também para que a iniciativa privada pudesse oferecer outros prêmios. Havia também prêmios
anuais para as melhores notas obtidas por aluna(o)s de cada um dos três primeiros anos,
consistindo de livros relacionados às disciplinas estudadas.
Como se pode perceber a premiação envolvia mais prestígio e status do que
compensações financeiras. Era ao mesmo tempo utilizada como mecanismo de competição
entre o alunado e incentivador de disciplina, pois envolvia também o critério de bom
comportamento. Esperava-se que a escola tivesse suficiente visibilidade na cidade para que
empresas e particulares estivessem dispostos a ofertar outras premiações e com isso associar
seu nome ou seu estabelecimento a uma instituição de prestígio. Uma intensa competição era
esperada, pois se previa recurso de aluna(o)s que se sentissem injustiçada(o)s pela escolha
feita pela congregação, junto ao Conselho Superior da Instrução Pública.
Outra marca de grande visibilidade da escola seria o uniforme escolar que uniforme
vai se revelar peça fundamental de vigilância e controle das normalistas dentro e fora do
espaço escolar. A visibilidade das alunas no espaço da cidade multiétnica e multifacetada
devia ser bastante recorrente e, a partir daí, era necessário também vigiá-las e, quando
estivessem com um comportamento que contrariasse os objetivos educacionais pretendidos
pela escola, puni-las. Para o público externo ao estabelecimento era preciso, ao ver o alunado
pelas ruas, majoritariamente feminino, confirmar a eficácia do estabelecimento em moldar
comportamentos adequados à modernidade e à integridade moral de alunas e alunos. O
diretor, Dr. Eládio Lima, num ofício enviado ao Secretario do Interior e Justiça e Instrução
Pública propôs o uso do uniforme:
58 PARÁ. Legislação de 1895. Parte II. Belém: Diário Oficial, 1896.
198
“De há muito, como medida de ordem e fiscalização, e até mesmo como elemento de educação moral, cogita a diretoria desta escola em adotar um uniforme para o uso no estabelecimento, consoente o que se verifica em quase todas as congêneres. A medida, já hoje bem comprehendida pelos alumnos e respectivos pais ou responsáveis, constitue vivo desejo daqueles a quem diz respeito, principalmetne as alumnas, que compõem a quase totalidade da classe discente, e as quais elle mais especialmente traz vantagens, por torná-las conhecidas quando transitarem pelas ruas da capital, para seus trabalhos escolares (...)”. 59
Por que uma medida de ordem e fiscalização seria bem compreendida pelo corpo
discente e especialmente pela maioria que eram as alunas? As alunas em comportamento
inadequado poderia ser um péssimo cartão de visita à escola. Também é possível que o
uniforme viesse atender aos interesses das próprias alunas, pois o transitar de jovens moças e
algumas mulheres pelas ruas, algumas vezes desacompanhadas, poderia levar a suspeitas,
comprometendo a honra e talvez submeter as educandas a algumas situações constrangedoras.
A esse respeito: “(...) Deste modo, tornam-se impossíveis certos enganos maléovolos, sempre
prejudiciais aos créditos do Estabelecimento (...). 60Para o aparelho disciplinar escolar, o
controle seria bastante facilitado pelo uso do uniforme, como ainda evidencia o documento:
“(...)comportando o distinctivo dos annos de que se compõem os dois cursos facilitará o
cumprimento de disposições regulamentares a applicar a um bem avultado numero de
alumnas, em proveito da disciplina e do estudo(...)”.61
O uso do fardamento, provavelmente, não seria consensual entre os poucos alunos,
ou não se teria ainda ideia do modelo, porque o diretor falava que a experiência começaria
com as mulheres em caráter de obrigatoriedade. Uma proposta para esse novo dispositivo de
vigilância e controle foi redigida:
“blusa branca, de cambraia de algodão ou linho, com gola e punhos azul marinho, saia simples, pregueada de drill de algodão também azul marinho e chapéu da mesma cor, de abas do tipo ‘canotier. (...) botinas pretas de tacão baixo, e substituindo, quando possível o espartilho por uma cinta hygienica”. 62
Nesse momento, confrontavam-se posições de médicos que se mostravam contrários
ao espartilho. Como era alvo de debates, deixava-se o seu uso como opcional. Ao reportar-se
a cor do uniforme era vago: “(...) A cor azul marinho, comquanto seja das de maior
receptividade de calor, parece, entretanto, impor-se por diversas razões, e sem prejuízos
59 SOUZA, Altamir. Apontamentos para a História do Instituto de Educação do Pará. Belém: 1972, pp. 40-42. 60 Idem. 61 Idem. Ibidem 62 Ibidem, Ibidem.
199
apreciáveis”.63 Pode-se pensar numa escolha arbitraria da cor ou conveniente por razões
econômicas. Mas entre outros motivos, como os objetivos educacionais eram também
patrióticos, o azul marinho e branco dialogavam com as cores da bandeira do estado do Pará.
O uniforme parecia também expressar noções de asseio, recato e moral que deveriam ser o
cartão de visitas das alunas.
O governador, Eneas Martins, em 1916 acatou integralmente a sugestão do diretor e
tornou-a obrigatória, seguindo as mesmas especificações do ofício que recebeu de Eládio
Lima. Pela Portaria de 5 de julho do mesmo ano, era marcado um prazo de quarenta dias para
as alunas adequarem-se a determinação legal.64 Alunas e seus uniformes ficarão intimamente
associados à EN nas diversas representações feitas a partir da cidade.
O uso do uniforme se tornou tão rigoroso que às vezes atrapalhava outras atividades
que deveriam ser consideradas mais importantes como assistir aulas e fazer provas. Ora, como
o projeto educativo não se limitava aos conteúdos formais, fazia parte de um currículo maior e
às vezes oculto a necessidade de disciplinar comportamentos em torno de atos repetitivos,
cumprir horários rigidamente cronometrados e obedecer a regulamentos, então se pode
entender a lógica do que seria apenas aparentemente um comportamento neutro, − o uso do
uniforme tornava-se essencial.
“Exmº Sr. Director da Escola Normal. Adolphina da Silva Motta, mãe de Anna da Silva Motta, alumna do 4º anno dessa Escola, vem pedir a V Excª se digne mandar submetter a dita alumna á composição do mez de Julho, visto como, naquela occasião, impossível lhe foi comparecer á Escola, por não possuir botas de salto baixo, nem tão pouco haver no mercado.”.65
Percebe-se nesse documento que componentes da farda, como calçados, acabavam
em algumas ocasiões, sendo obstáculo ao comparecimento às aulas das estudantes, muitas
vezes independente de suas vontades. Poderia também ser utilizado como mecanismo de adiar
avaliações. A força da tradição do uniforme é tão forte que até os dias de hoje, no IEEP,
antiga Escola Normal, mantem-se vestígios desse primeiro, pois o atual compõe-se ainda de
saia de algodão azul marinho, agora extremamente curta em algumas alunas, e blusas branca
com distintivos indicando a série nos bolsos. Pode-se optar também por calças compridas da
mesma cor.
63 Ibidem, Ibidem. 64 Ibidem, Ibidem. 65 IEEP. Correspondência/ Requerimento: Recibo de entrada de correspondência: Recibo de Entrega de Correspondência (6 de março de 1911 a 2 de outubro de 1919).
200
Símbolo cobiçado pelas alunas, não apenas por embelezar suas mãos, mas
especialmente por visibilizar seu grau de formação, o anel de colação era outro dispositivo de
poder, distinção e prestígio66 que conformava o conjunto dos símbolos representativos da EN.
A primeira referência encontrada a respeito desse objeto é um decreto de Lauro Sodré de 16
de setembro de 1896: “Os professores normalistas do Estado, alem de seu diploma, poderão
usar de um annel distinctivo cuja pedra será a onyx cravada em ouro, tendo burilado no cimo,
assim como nos lados, um livro e uma pena”.67 Os Regulamentos de 1900 e 1903 repetiam o
conteúdo do decreto a respeito do anel. Nas disposições posteriores foi suprimida a menção ao
seu uso, o que não significaria necessariamente sua supressão.
O uso de anel, além de ir ao encontro de um hábito muito arraigado na sociedade
brasileira da época, dialogava com símbolos ligados ao letramento, essenciais a uma vertente
do discurso iluminista e também partilhado por um cientificismo evolucionista e
modernizador em escala internacional.
Quanto ao hino, a escola teve o seu primeiro em 1902, embora não oficial. Escrito
pelo professor de francês da escola Marques de Carvalho e musicado pelo maestro e diretor
do Instituto Carlos Gomes, Menelau Campos, o hino foi executado pela primeira vez na
formatura de uma turma em 27 de novembro de 1904. Cantado por um coral de alunas no
início e no final das solenidades. Tem como título: “Despedida às Normalistas Diplomadas”.
O hino dialoga ainda com certa visão iluminista de vencer as trevas da ignorância com a luz
do saber, embora se reporte às dificuldades durante o aprendizado: “ao proveitoso e
moirejante estudo” apontava para um novo começo: “Vae começar a vida”! Apelava para a
virtude e brandura durante a profissão. Sinalizava significativamente para ao duplo papel que
se esperava das mulheres no futuro: “(...) Ide aclarar as ténebras do nada; /Do corpo e d’alma
levedae os pães; /Que no lar e na escola abençoada, /Um dia duplamente sereis mãe”.68
As referências aos atributos ligados ao feminino estão claramente explicitadas
quando o autor se refere à virtude, brandura, ao pão e consequentemente ao lar, e mais
explicitamente a sua dupla maternidade enquanto mãe (que em função da virtude se daria
necessariamente através de um casamento, reconhecido pela Igreja e pela Pátria) e professora.
Em 07 de julho de 1920, Elias Tavares Vianna, diretor da EN, solicitava a
oficialização de dois novos hinos que foram apresentados por ocasião da colação de grau da
turma daquele ano. Explicava que o hino anterior não tinha agradado. Agora Eustáquio de
66 Ver a respeito do uso do anel. FREIRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Op. Cit. 67 PARÁ. Actos e Decisões do Governo 1896. Belém: Diário Oficial, 1897. 68 SOUZA, Altamir. Apontamentos...Op. Cit., pp. 42-43.
201
Azevedo e Rocha Moreira prepararam as letras do hino de saudação e outro de despedida. O
professor Manoel Paiva teria musicado as letras. E continuava: “Por ocasião da última festa de
collação de grau V. Exc. teve a oportunidade de ouvir a canção e o hymno alludidos, e,
segundo fez logo sentir, achou-os digno dos seus autores”. 69
O Hino de Saudação reportava-se ao difícil trabalho do professor, similar a um
calvário, mas também juncado de flores. Na verdade, a prática do magistério não era vista
como uma profissão qualquer, mas como missão. E em nome desse estatuto era possível
aceitar condições de salários baixos e muitas vezes com atraso. Lembrava ainda da
importância da educação para o engrandecimento da Pátria. As referências a símbolos cristãos
continuavam muito fortes, mesmo se tratando de um hino relacionado a uma escola que
deveria ser laica. 70
Resumia ainda as representações acerca do professor. Negava-se a presença
esmagadora de formandas ao usar as expressões sempre no masculino: missionários,
missionário, bom lavrador, companheiros. Lembrava-se do sacrifício cristão e da Pátria.
Estava aí contido o cerne de um currículo ocultamente poderoso: submissão feminina,
aceitação das condições quase sempre precárias do exercício do magistério e
consequentemente das condições sociais de opressão e desigualdade que eram mascaradas em
nome de uma unidade maior: a Pátria.
A Canção da Despedida também dá algumas pistas acerca das representações
desejadas pela escola sobre a figura da professora. Enfatizava aspectos femininos e de
sacrifício como “Entre flores, cumprindo árdua missão (...)Vós sóis as mensageiras da
esperança /O futuro da pátria a irradiar!..Adeus ! Sêdes felizes!” 71 Enquanto o primeiro hino
tinha características e expressões mais masculinas como: “(...) Pode o livro, uma raça viril
preparar”72, aspectos que destoariam da condição feminina, o segundo, centrava sua
referencia apenas nas formandas. Questiona-se então, quais os sentidos dos consumos dessas
canções para mulheres e homens da EN.
Uma hipótese a respeito do porquê da substituição do hino de 1902 pelos de 1920
pode ser formulada. Além do menor número de versos, expressões e palavras menos
rebuscados, portanto, mais fáceis de serem gravados, os hinos de 1920 sintetizavam melhor o
que os dirigentes da escola pensavam a respeito de seus objetivos e de suas/seus
formanda(o)s. Já o primeiro era cheio de palavras carregadas de forte arcaísmo, erudição ou
69 Idem, pp. 44. 70 Ibidem, Ibidem, pp. 45. 71 Ibidem, Ibidem, pp. 40-42. 72 Ibidem, Ibidem.
202
exotismo mesmo para a época como: abrolhos, aljôfar, ibirarema, ténebras, punge, talvez
influenciado por um romantismo já passadiço.
4.3. A Escola nos Olhares da Cidade
Nessa parte, serão vistas as representações de autoridades, alunos e da opinião
pública sobre a EN. Esses sujeitos ao reportarem-se à EN nem sempre a olharão com
admiração e orgulho. Muito pelo contrário, em alguns momentos os discursos serão duros e
incisivos, mas sem conseguir abalar o prestígio da instituição.
a) Autoridades Públicas
Interessante observar as representações a respeito da escola por parte das autoridades
governamentais. Lauro Sodré em 30 de outubro de 1891, logo após assumir o governo do
estado demonstrava a necessidade de “conservar o alto nível da Escola Normal”. No ano
seguinte explicava o motivo de sua defesa: “(...) deve ser o nosso primeiro estabelecimento de
ensino público, tal o seu fim, tais os seus destinos”. Para ele, a escola propiciaria uma boa
formação de professores preparados moralmente para o fortalecimento da república, apesar de
reconhecer o diminuto número de alunos. 73
É possível identificar a percepção do chefe do executivo em relação à escola. Para
ele a instrução e a educação pública tinham papel legitimador da ordem social e instrumento
importante para a moralidade. A formação positivista e atuação como republicano histórico
faziam-no acreditar ser importante a educação ajudar o Estado e a nação, a alcançar o
progresso. O povo seria educado para uma ordem previamente estabelecida e que estava
potencialmente esperando ser despertado, rumo ao futuro.
Enquanto Lauro Sodré foi pródigo em citações a respeito da escola, praticamente
reportando-se a ela em todos os seus relatórios, Paes de Carvalho foi extremamente reticente,
pois com a exceção de sua mensagem de 7 de abril de 1898, quando propôs aumento aos
professores normalistas e relatou a quantidade de funcionários da escola, não há outras
referências em seus escritos. Talvez por ser médico, sua preocupação foi mais em torno de
medidas higienizadoras para a cidade e de equilíbrio das finanças do estado.
73 Mensagens entre os anos de 1891 e 1897.
203
Seu sucessor, Augusto Montenegro, pareceu ter uma grande objeção em relação ao
currículo da EN que seria muito longo, sobrecarregado e desnecessário ”. 74É difícil, ao
deparar-se com esse argumento não lembrar o posicionamentos de Faria Filho75, ao afirmarma
que a preocupação das autoridades com o ensino primário público desde o império,
significativamente chamado de elementar, deveria dar noções rudimentares à população mais
pobre. Não havia necessidade de se estabelecer continuidade ou relação com o ensino médio e
superior, pois estes estavam reservados às camadas mais abastadas da população.
Na perspectiva de Augusto Montenegro era muito desperdício de disciplinas para
profissionais que afinal lidariam basicamente com as camadas consideradas inferiores da
sociedade. E significativo também que a moeda de troca dos baixos salários oferecidos aos
professores públicos seria uma formação também profissional menos qualificada que
impedissem os normalistas de exigirem salários mais elevados para trabalhar no interior.
Mas em 1906, após reformas realizadas no ensino primário em geral e na EN,
Augusto Montenegro afirmava esperançoso: “Entretanto me animão bastante os resultados
colhidos e estou certo que a Escola Normal corresponderá em breve ás esperanças que nella
depositam os que encontram no ensino normal a base de todo o ensino primário do
Estado”.Simplificar o currículo e diminuir o tempo de formação era o ideal para esse
governador. No entanto, sua gestão foi contraditória, pois os exames de admissão adensaram
seus rigores e a procura pela escola diminuiu.
Seu sucessor João Coelho, no primeiro ano de governo, já elogiava a EN, pois tendo
se tornado mais rigorosa a seleção e com um currículo menor, tinha se tornado mais eficiente.
Mas em 1911, sua opinião agora era mais pessimista e evidenciava a necessidade do seu
currículo ser remodelado, como de fato aconteceu no ano seguinte.76Eneas Martins, seu
sucessor, elogiava o rigoroso processo seletivo efetuado pela escola e a melhor elevação do
seu ensino. 77Lauro Sodré no seu mandato como governador entre 1917 e 1921, avaliava a
escola como modelo e com uma numerosa frequência feminina, nem toda destinada ao
exercício do magistério.
Enfim, os olhares das autoridades do executivo estadual são unânimes em reconhecer
a importância da escola, tão estratégica para a manutenção do ensino primário e capaz de
alcançar os objetivos que lhes eram esperados. Por ser considerada pedra angular na melhoria
do ensino em geral, passou por diferentes reformas em sua legislação, visando seu
74 Mensagem de 10 de setembro de 1901, p. 32-33. 75 FARIA FILHO, Luciano. Instrução elementar no século XIX. Op. Cit. 76 Mensagens governamentais de 1909 a 1912. 77 Mensagem de 1916.
204
aprimoramento. Apesar de os discursos elogiosos, não se pensou seriamente, em nenhum
momento, em sua ampliação e expansão. Antes pelo contrário, é possível até que a sua
respeitabilidade e reconhecimento público passaria pela dificuldade de ingresso e conclusão
dos estudos, o que aumentaria o prestígio da (o) aluna (o) por ela formado.
b) Opinião Pública
A imprensa foi um canal muito importante para expressar opiniões que iam ao
encontro dos interesses da escola e de sua representação, mas também de opiniões
extremamente ácidas a seu respeito. O jornal foi utilizado para conclamar o público a
comparecer nas colações de grau 78, estrategicamente realizada em um domingo, dia revestido
de excepcionalidade diante do cotidiano de trabalho, portanto propício a uma maior
participação. Em 1894, o jornal assim descrevia a primeira cerimônia de colação de grau da
EN:
“Importante esteve a festa de sábado, na Escola Normal, consagrada á distribuição dos diplomas aos novos profesores normalistas. Perante numerosa e selecta assistência, o Sr. Director Geral da Instrucção Publica, abrindo a solemne sessão, disse que começaria pela entrega do premio Justo Chermont a alumna mais distinta e pedio ao exm. Sr. Governador do Estado que conferisse o premio, visto não ter podido comparecer o illustre cidadão em homenagem de quem fora instituída aquella distinção.Chamada a exma. sra. d. Sirena de Castro Valente a receber o premio pelo Sr. dr. Lauro Sodré com frazes encomiastas Ella o agradece emocionada e modesta”.79
Em seguida, descreve o orador oficial, Paulino de Brito, que fez um brilhante
discurso de despedida, seguido da distribuição dos diplomas “na ordem das medias obtidas”,
lidas pelo diretor da EN, Raymundo Joaquim Martins também“conferia o titulo a cada
diplomado, era saudado por uma estrondosa salva de palmas, até tomar o seu logar, indo
sempre ao braço de um lente da Escola as jovens professoras”. Essa parte do ritual não só
destacava as diplomadas como enfatizava e dava visibilidade aos professores que de certa
forma também eram ovacionados. Foram diplomadas Sirena de Castro Valente, Maria
Guajarina de Lemos, Ernestina Braga, Maria Valmont, Maria José Baena, Mariana H.
Cavalleiro de Macedo, Vicentina Silva e apenas dois profesores: José Procópio Corrêa Pinto e
Fabio B d’Andrade e Silva.80
78 Diário Oficial, 20 de janeiro de 1899 79 A Festa da Formatura. A Republica, Belém, p. 24 de janeiro de 1894, p. 02. 80 Idem.
205
A professora Maria Valmont falou em nome de seus colegas, e pronunciou “um bello
discurso”.81 Em seguida, Antonio Marques de Carvalho recitou uma poesia criada para a
solenidade. Ignacio Moura falou em nome da congregação do Liceu. O diretor de Instrução
Pública, Alexandre Tavares, fez o discurso final. Assim, a escola era apresentada e
representada por várias instituições como o Liceu, a imprensa, e ao público em geral, uma vez
que: “O edificio da Escola [recém-inaugurado] achava-se ricamente decorado”. 82Possivelmente com bandeira hasteada, intensa movimentação nos arredores, caleças e outros
veículos, pessoas engalanadas, imprensa e autoridades do governo.
Em 1897, sobre a festa de formatura das normalistas foi dito que era bela e um:
“attestado vivo de que o regimen republicano tem na escola as suas mais fundadas esperanças
e comprehende que o seu futuro depende todo do bom ou máo preparo dos seus professores
primários”. 83 Aqui se juntam duas grandes representações. A primeira que vem desde a época
imperial de que para melhorar a educação era necessário investir na formação de professores e
a segunda que se confundia com a primeira era a relação entre república e progresso e,
portanto, educação. Nesse caso, o governo republicano no Pará como em todo o Brasil no
início do regime, tentava mostrar e era representado como preocupado em sua melhoria.
O repórter continuava descrevendo a cerimônia com um: “(...) auditorio selecto,
musicas classicas, incentivos ao mérito davam áquella festa um aspecto solemnissimo, bem
diverso do espectaculo que no regimen passado, especialmente nos seus últimos annos,
observávamos em cerimonias congêneres”.84 Segundo Lilia Moritz Scharcz nos últimos anos
da monarquia, essa instituição e seus representantes como a família real e, principalmente o
imperador, eram representados como decadentes nos principais jornais do País. 85
Nesse aspecto, mais uma vez o governo republicano conseguia associar-se junto à
opinião do jornalista a preocupação com a questão do ensino no estado e associar a cerimônia
a símbolos da cultura erudita. Ao mesmo tempo, na visão do articulista, a educação acabava a
ser associada a uma elite revelando inconscientemente que ele e o próprio governo estavam
longe de imaginar uma educação de qualidade para toda a população. Para eles trataria de
algo restrito a um universo seleto. No máximo a educação elementar para todos.
O articulista terminava a reportagem evidenciando o pouco número de homens em
relação às mulheres, atribuindo que às carreiras masculinas eram mais lucrativas. Já a
81 Idem, Ibidem. 82 Ibidem,Ibidem. 83 Folha do Norte. Na Festa das Normalistas. 05 de fevereiro de 1897, p.2. 84 Idem. 85 SCHWARCZ. Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
206
profissão de professor “(...) tem sempre a acenar-lhe no futuro a figura horrorosa da miséria
(...)”. 86A solução percebida seria o aumento dos salários. Curioso é imaginar a leitura dessa
passagem pelo único normalista formado, Cornélio de Barros Júnior, que foi citado e elogiado
pelo jornalista.
Em 1897, a EN recebia no seu prédio a presença de Lauro Sodré, que havia deixado
recentemente o governo, e Paes de Carvalho, seu sucessor.87A notícia enfatizava a presença
de Lauro Sodré, em detrimento do novo governante. O percurso das autoridades pelo prédio
da escola assim foi descrito:
“(...) ás 8 ½ da manhã, (...) foi este recebido ao som de uma banda de musica, com acclamações dos estudantes que se achavam em duas filas e que lhe atiravam flores desde a porta principal do edificio, através da escadaria e salões do pavimento superior, até o salão da congregação docente. Pouco depois entrou o dr. Lauro Sodré, que foi vivamente acclamado e enthusiasticamente coberto de flores, sendo recebido pela congregação e conduzido ao recinto da sessão solemne(...) ”88
O articulista refere-se ao diretor da EN como “em comissão”, pois estava licenciado
do cargo por estar participando do Congresso Estadual, como era denominado, pela
constituição do estado, o Poder Legislativo. Na verdade, o jornalista mal esconde sua
preferência por Lauro Sodré, pois seria bem possível que as flores e as efusões de carinho
iniciais dirigissem-se a ambas as autoridades até por uma questão de protocolo e não apenas a
Lauro Sodré,
“(...) logo depois de aberta a sessão, foi pelo Sr. dr. Arthur Porto requerido que em vista de se acharem presentes os beneméritos paraenses Governador e ex- Governador do estado fosse declarada solemne aquella sessão, o que foi approvado unanimemente. Em seguida o dr. Barjona deu a palavra ao dr. Paulino de Brito que leo um bello discurso, no qual como órgão do corpo docente e alumnos da Escola Normal, salientando as grandes virtudes Moraes do dr. Lauro Sodré, exaltando os seus serviços públicos e distinguindo entre estes os que se referem á Escola Normal, manifestou-lhe a profunda gratidão de todos os que pertencem a essa grandiosa instituição de ensino, accrescentando que em todos os recantos do edificio permaneciam gratas recordações da sua pessoa, pelos benefícios e pelo amor que sempre teve para ella em todo o período do governo findo. Uma grande salva de palmas respondeu ás últimas palavras do orador”.
Na verdade, aproveitava-se a presença de Lauro Sodré, não só para agradecer aos
benefícios que a escola teria recebido durante o seu mandato, mas também para mostrar a
sua importância de profissionalizar professores para melhorar a educação pública. Era preciso
86 Idem. 87 Folha do Norte. A Festa da Escola Normal. 24 de fevereiro de 1897. p.01. 88 Idem.
207
também lembrar ao novo governador que fizesse por essa instituição, no mínimo, o mesmo
que fez o governo anterior. A partir daí a festa toma direção de uma grande homenagem de
despedida a Lauro Sodré.
“(...) seguiu-se-lhe a professora d. Maria Valmont, que falou em nome de todas as alumnas da Escola. A leitura do seu discurso, feita em voz clara e levemente tremula de enthusiasmo e emoção, causou a mesma impressão que sempre despertam os discursos acadêmicos d’essa distncta moça, já pela forma litteraria, já pela espontaneidade das imagens e justeza e elevação dos conceitos. Elle foi uma bella apologia do governo de Lauro Sodré, um brado de louvor aos patriotas republicanos que trabalham pelo Pará e um vivo protesto de veneração ao agregio benfeitor da Escola Normal. Uma outra longa salva de palmas acolhera a peroração brilhante da oradora e se prolongou até depois que poude romper a massa de assistentes para offerecer ao eminente estadista um enorme bouquet de flores naturaes”.89
Encontra-se no trecho acima um raro elogio à capacidade intelectual feminina que
geralmente era satirizada quando mostrava valores literários ou científicos, levando muitas
escritoras a escrever utilizando pseudônimos. Na verdade, os discursos por parte do corpo
discente foram todos femininos refletindo assim a predominância das mulheres na escola.
Havia também desfiles em homenagem a datas cívicas como a proclamação da
independência na qual a escola participava em conjunto com outros estabelecimentos. Um
jornal de oposição encarou a manifestação como propaganda do governo:
“(...) trata de compellir os estudantes do Gymnasio Paes de Carvalho, da Escola Normal e das Escolas Modelos a uma passeiata que se realizará no dia 7 de setembro, indo do centro a Escola Normal, vestidas de branco as alumnas do Grupo Modello [anexo à EN]... cumprimentar o governador do estado e por ultimo o director da mesma Escola (...).” 90
Nesse caso, o jornalista confundiu propositadamente uma manifestação cívica, que é
apropriada como propaganda dos governantes e das próprias instituições escolares afirmando
sua legitimidade, com politicagem. O desfile de escolas é algo comum nessa data em quase
todo o Pará até os dias de hoje, a partir, principalmente, do período do Estado Novo (1937-
1945). Nesse estado, para não atrapalhar o desfile das forças armadas no dia 7, os escolares
desfilam no dia 5 de setembro.
A partir do ano de 1903, o jornalista Paulo Maranhão resolveu fazer uma campanha
contra a educação do estado e da própria Escola Normal, que passava a ser retratada do ponto
de vista da educação que era ali ministrada, e de seus mais diversos sujeitos sociais,
professores, funcionários e alunado.
89 Idem, Ibidem. 90 Folha do Norte. As Miserias da Instrucção. Belém, 3 de agosto de 1903.p.01.
208
Em 1904, a Escola Normal era retratada no jornal com a seguinte manchete:
“Escandalo na Escola Normal”. A reportagem dizia que o título nem chamaria mais atenção,
pois “(... ) tantos os factos desta natureza que têm ali se desdobrado (... ) O publico ainda se
não esqueceu do mestre Lipuca”.91 O acontecimento envolveu o professor de física e
química92 que tinha constrangido uma aluna, ao criticá-la humoristicamente na sala de aula
em sua ausência. O estilo do jornal é satírico, irônico, caricato, mas também revelador de
conflitos internos da escola.
“(...) Um alumno levou o facto ao conhecimento do pae da normalista assim criticada, o qual é também lente no mesmo estabelecimento. Este, tomado de indignação, não somente por esse facto, como por outros que, ao seu juízo, demonstravam a má vontade do professor de physica e chimica pela alumna, desde longa data, não esteve com meias medidas, agarrou-o pela gola, encostou-o á parede de um dos corredores e disse-lhe nas bochechas coisas tão cabelludas que nem o próprio Mafoma[Maomé] se animou a dizer do toucinho! O pobre magister, que ao pé do collega indignado é como espeto junto de um barril, não podendo mais empallidecer, ruborizou-se, deitou a bocca no mundo, num vozeirão nascido do seu fundo chimico, chamando os alumnos para testimunharem aquelle attentado ao seu arcabouço, aterrorizado ante á imminencia duma escovadella. Os alumnos acudiram boquiabertos, esperando assistir a uma reação chimica; o professor indignado disse estão aos alumnos que se retirassem, pois se tratava duma explicação entre dois professores, a que eles não podiam assistir. Retirados estes, o pae da alumna de novo pegou pela golla o collega, como se este fora a peste, e disse-lhe que não lhe dava uns sôccos porque receiava reduzil-o á pomada, mas que se duvidasse, soprava lhe a cara com acido sulphydrico...E é daquela belleza que hão de sahir os futuros dos nossos filhos!(...)”. 93
O autor, utilizando-se de contrastes gordo x magro e associações à disciplina
ministrada pelo professor acusado, como ácido sulfídrico levaria possivelmente o público ao
riso. Evidentemente repercutiria nas relações internas da instituição. A EN ao ser
sistematicamente atacada pelo jornal, atingia indiretamente o governo do estado, seu principal
alvo.
Como era vista a professora normalista em suas atividades profissionais? Em 1907, a
Folha do Norte avaliava a competência de algumas professoras dos grupos escolares,
considerados modelo de escolaridade paraense e, que pela lei deveriam ter normalistas como
professoras. A respeito de exames de candidatos estranhos, o signatário com pseudônimo,
91 Escandalo na Escola Normal. Folha do Norte, Belém, 15 de maio de 1904, p. 01. 92 Segundo SOUZA, Altamir, Op. Cit.p.106, o professor citado seria Joaquim Tavares Vianna, que teria assumido a cadeira como interino em 27 de fevereiro de 1904. 93 Folha do Norte. Escandalo na Escola Normal. Belém, 15 de maio de 1904, p. 01.
209
provavelmente o próprio Paulo Maranhão, ajuizava a qualidade do corpo docente de um
grupo escolar:
“(...) Em uma das salas, depois de julgadas as provas escriptas feitas no dia anterior, organizara-se uma mesa examinadora para aprova oral. Compunham-na o director do grupo(... )5 professoras e um inspetor escolar. Sete pessoas ao todo. O aspecto era solemne, empolgante. Muitos alumnos tremiam diante da magestade daquelle tribunal. Começou a chamada dos candidatos(...) A professora que examinava portuguez estava sentada na extremidade opposta ao logar em que me collocara. Ela falava tão baixo, quase em segredo, o que o alumno naturalmente fazia tambem que não pude ouvir uma só palavra... uma verdadeira confissão, enquanto as demais pessoas da mesa olhavam distrhidamente para o lado, bocejando de vez em quando” .94
O jornalista contrastava a solenidade do exame com uma cumplicidade tácita em não
dar satisfação ao público do que o aluno dizia, ou ainda da falta de competência da professora
em se expressar de maneira adequada à ocasião e a indiferença de seus pares. E continuava:
“(...) a examinadora de geografia não chegou nunca a sahir dos ângulos e triangulos, vértice, quantas espécies de ângulos há e quantas do triangulo. E só. Qualquer ponto que sahisse Ella o recambiava sempre para a mesma cousa. Julguei que fosse adepta fervorosa da maçonaria e desculpei-a”. 95
94 Folha do Norte. A Nossa Instrucção, Belém, 22 de novembro de 1907, p. 01. 95 A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, p. 1, 22 de novembro de 1907.
Foto nº 16. O jornalista e professor da EN, Paulo Maranhão (Quadro de Formatura s/d).
210
Até então não estava muito claro a fragorosa incompetência que o jornalista queria
demonstrar do professorado estadual. Pois os erros apontados da professora examinadora
poderiam ser atribuídos a uma questão de timidez e a preferência obsessiva por um ponto
específico. Continuava: “(...) o melhor de tudo porem foi o que se deu quanto aos exames de
geographia e de historia do Brasil. As duas examinadoras estavam bem perto de mim e eu
podia ouvir tudo o que ellas dissessem”. O ponto que caiu para um candidato era relacionado
ao estado de Pernambuco. A professora a respeito teria dito:
“(... ) Pernambuco se limita a oeste com o estado de Goiaz, quando se limita com o Piauhy; que a sua capita é Olinda (eh!...) sendo esta banhada por dois grandes rios, o Capiberibe e o Beberibe, que atravessam todo o estado de Pernambuco (sic!): que a sua população é de 500 mil habitantes, quando hoje sobe de certo a mais de um milhão e quinhentos mil(...) Eu estava abismado!E disseram-me depois que estava alli um dos luzeiros do professorado primario”!96
Em seguida, a respeito de um ponto de história do Brasil foi perguntado ao candidato
o sucessor do regente Feijó. Como o aluno não respondeu, esperou que a resposta fosse dada
pela banca, mas continuava o articulista num tom de suspense e com muitos pontos de
exclamação para manter a atenção e melhor contrastar com o silêncio da banca:
“(...) e não havia alli ninguém que soubesse emendal-o! Ninguem que conhecesse o nome do estadista brasileiro que sucedeu a Feijó na administrção dos negócios públicos do Brasil! Continuava o silencio e o examinado parecia uma esphinge deante de sete esphinges!− Veja se acerta, balbuciou uma professora, contorcendo-se na cadeira. Finalmente o alumno, recuperando a calma, affirmou resolutamente: −O sucessor do padre Feijó foi o visconde de Sousa Franco – Muito bem exclamou a professora− Perfeitamente, confirmou o ppresidente da mesa, enquanto sete cabeças se abaixavam simulttaneamente, deslisando frouxamente por todos os lábios, indicava a satisfaçção que lhes ia n’alma por se verem livres de semilhante entaladella(...)”.97
O jornalista então concluiu o seu artigo perguntando ao aluno porque teria
respondido ser o visconde de Sousa Franco98 e ele respondeu: “(...) não havia possibilidade de
me lembrar do verdadeiro nome. Comprehendi logo que ninguém da mesa examinadora sabia.
E assim soltei o primeiro nome que me veiu á boca(...) E dizendo isto, soltou uma
gargalhada(... )Nilo”. 99
96 Idem. 97 Idem, Ibidem. 98 Presidente da Província do Pará em 1839, nomeado pelo regente Araújo Lima Pelo. Pelo visto, a associação do aluno nomeado por Araújo Lima, sucessor de Feijó. A associação do aluno não teria sido tão aleatória. 99 Ibidem, Ibidem.
211
O articulista no dia 25 do mesmo mês voltava a dar outros exemplos, segundo ele,
chocantes da situação do ensino paraense. Um professor do Liceu traduzira La châleur de
l’été [o calor do verão] por calor do chá provocando em alguns estudantes: “(...)uma
gargalhada, sendo ameaçados de expulsão de aula, por faltarem com o devido respeito ao
professor”!100 E relatava em seguida o depoimento de um professor particular que estava
dando aulas de português e literatura a uma normalista que se formaria dentro de alguns
meses. Pediu para ela classificar morfologicamente a palavra hoje e ela teria respondido que
se tratava, primeiramente de um adjetivo, depois de uma conjunção.101
Na verdade, por trás desses artigos está à acusação de nomeações de professores
obedecendo a critérios políticos dentro de mais um ataque contra o governo de Augusto
Montenegro e seu grupo oligárquico, os lemistas. A temperatura política estava cada vez mais
elevada ao final do mandato desse último. Paulo Maranhão, depois de um atentado em que
foi retirado de um bonde e espancado por capangas do governador, passou o resto daquele
governo nos altos da sede de seu jornal. Augusto Montenegro costumava então dizer que
Paulo Maranhão: “Pode escrever o que quiser; tem licença; só não pode é sair à rua, pôr a cara
fora da janela”. 102
No caso da própria formação das normalistas o artigo fala em colas durante as provas
escritas.
“Este facto foi-me relatado uma vez, muito ingenuamente, por uma alumna da Escola, que achava isto a coisa mais natural do mundo. As consequências são dolorosas. Diplomadas muitas destas moças vão ensinar matérias que não sabem... Devo confessar, entretanto que há honrosas excepções, embora em numero não muito elevado (...)”. 103
Quanto aos professores da EN a opinião do articulista não é menos desairosa: “(...)
há de julgar (...) que os (...) professores têm um preparo solido e eficaz, capazes de exercer
brilhantemente a missão que lhes é confiada. Nada disto, porém é verdade. Como (...) nos
grupos escolares (...) programas muito bonitos e resultados nullos”.104 Interessante observar
que a proposta o jornalista foi: “(...). Que aprendam pouco, mas bem(...)Nilo!105 Foi
justamente objetivando enxugar conteúdos que se propôs a reforma de Augusto Montenegro
para a EN em 1903. Ou o articulista desconhecia o fato, ou aproveitava a ocasião para
demonstrar que a reforma foi inútil.
100 Ibidem, Ibidem. 101 A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, 25 de novembro de 1907.p.1. 102 ROCQUE, Carlos. Op. cit. p. 78. 103 A Nossa Instrucção. Folha do Norte, Belém, p. 1, 25 de novembro de 1907. 104Idem, Ibidem. 105 Ibidem, Ibidem.
212
Não era só a Folha do Norte que criticava a educação e a EN. Pais de alunas vão
utilizar-se desse periódico ou de outros para denunciar o que consideram abusos perpetrados
no estabelecimento. Aproveitava-se aqui o espaço que seria dado pela Folha do Norte em sua
já falada campanha. O Sr. Thomé Odorico de Macedo, conferencista da alfândega,
denunciava o tratamento desrespeitoso do professor de pedagogia, Elias Vianna à sua filha :
“Só hontem soube da grosseria com que foi tratada, na Escola Normal, pelo lente Elias
Vianna, minha filha Alice Macedo, aluna do 2º anno (...)Soube-o não pela menina, mas por
meu irmão Antonio de Macedo...”.106 O pai da aluna, ao afirmar ter tido conhecimento do
episódio através de seu irmão, possivelmente estaria tentando resguardar a própria filha de
uma futura retaliação por parte dos professores da escola. Sr. Thomé continua descrevendo o
episódio:
“(...) Conversava em voz baixa, no salão da Escola, minha filha (...)com outras collegas.... quando alguns alumnos sahiam da aula do Sr. Joaquim Vianna enquanto outros entravam na mesma ocasião para a escola. O rumor das passadas naturalmente irritou a conhecida bile do lente de Pedagogia, o qual em altos berros perguntou quem fazia barulho: uma inspectora deu o nome de minha filha como a autoctora: o lente manda intimal-a para ir á sua aula, da qual não é alumna, ao qual ella se recusa, não só por não ter commetido falta alguma passível de pena, como por saber que a esperava uma descompostura. O Sr. Elias , então irritou-se mais e veiu pessoalmente reiterar a intimação: minha filha obedeceu e, uma vez na aula, ouviu o seguinte: ‘Só a senhora não viesse, trazia-a por um braço; visto que não tem educação, bem merecia ir á minha casa recebel-a dos meus creados... A senhora há de passar para o 4º anno!...Fica suspensa por 10 dias’(...)”.107
O pai da aluna perguntava quem na verdade era o diretor da escola e se não havia um
regulamento a ser obedecido e terminava mandando um recado diretamente a Elias Vianna de
que não iria retirar suas filhas do estabelecimento e que contava com outros professores para
testemunhar a seu favor. Fica-se a imaginar qual teria sido o posicionamento da escola.
Quanto à suspensão da aluna parece que não foi efetivada, pois não consta no Livro Negro. E
terminava entre ameaça e deboche:
“(...). Se o sr. Elias Vianna fosse mais moço talvez pudesse polir com bons exemplos e meios summarios: na edade em que está, isso talvez consiga quem for bastante christão para lhe dar uma lição de educação, como obra de misericcordia. Minhas filhas continuarão a frequentar a escola e eu aguardo a procedimento do sr. director Firmo Cardoso que se quizer, ouvirá da bocca de diverssos senhores lentes a verdade do occorrido(...)”.108
106 Folha do Norte. A Educação na Escola Normal. Belém, 01 de agosto de 1904, p. 01. 107 A Educação na Escola Normal. Folha do Norte. Belém, p.1.01 de agosto de 1904. 108 Folha do Norte. A Educação na Escola Normal. Belém. 01 de agosto de 1904, p. 01.
213
A Folha não deixaria isso passar em branco. No dia 2 de agosto lançou um
comentário a respeito em que se aproveita para atacar a instituição como um todo :
“É tão rebaixando (sic) o nível da nossa Escola Normal e, doloroso dizel-o, é lá dentro mesmo que se cava a sua ruína, parecendo que tudo alli se combinou para desprestigiar o estabelecimento, onde se preparam os mestres da geração futura”. 109
O tom é ao mesmo tempo, simpático e elogioso: Utiliza-se da palavra “nossa”
identificando-se com a escola, para através desse contraste melhor surpreender , ao
desconstruir em seguida a instituição. Ele narrou o episódio que envolveu Thomé Macedo. O
autor afirma que o fato não surpreendia :
“(...) a quantos acompanham a triste historia daquella Escola nestes ultimos tempos... que vae desde as scenas de pacholice de que era interprete o sr. Domingos Leopoldino110até as rudezas do sr. Elias Vianna contra pobres moças que alli estão se preparando para o exercício de uma profissão nobre, e a quem s.s. considera, em matéria de educação, mais baixas do que os serviçaes que lhe cozinham o almoço e lhe deitam a mesa, impondo-lhes injustas penas disciplinares... Pena é, entretanto... sejam os paes de família... obrigados a continuarem a mandar seus filhos a um logar onde há professores que desconhecem o modo de tratar com senhoras, ameaçando-as de actos de baixa violencia que se justifica entre gente de certo estofo, em zonas acessíveis a toda espécie de indivíduos”.111
O final evidenciava que o principal alvo do autor eram as pessoas ligadas ao grupo
político então hegemônico, uma vez que a escola era uma das instituições que lhe podia
garantir uma visibilidade positiva por parte da opinião pública. Assim, atacando a EN e seus
integrantes, ligados ao governo, era esse último atingido. No entanto, não se pode esquecer
que se o artigo tem interesses menores ou inconfessáveis, não seria publicado, junto com
outros artigos similares, se não estivesse ancorado em fatos acontecidos e que tivesse
ressonância junto aos leitores, ou perderia credibilidade e consequentemente leitores. 112
Mas, os professores também recorriam à opinião pública através dos jornais para
denunciar abusos ou injustiças que teriam sido perpetradas contra eles. Em 25 de fevereiro de
1899, o professor demissionário da EN, Marcos Nunes,113 vinha a público contar sua versão a
respeito de seu pedido de demissão. A questão girou sobre uma nota dada por esse professor a
109 Folha do Norte. A Escola Normal. Belém, 2 de agosto de 1904, p.01. 110 Professor interino de francês. SOUZA, Altamir. Op. cit. p.113. 111 Folha do Norte. A Escola Normal. Belém, 2 de agosto de 1904, p.01. 112 Ancora-se aqui na discussão a respeito do papel da mídia junto à opinião pública na construção do discurso hegemônico. MARTIN-BARBERO, Op. Cit. e GARCÍA CANCLINI, Op. Cit. 113 Ele voltaria como professor efetivo, possivelmente após concurso em 2 de setembro de 1912, depois da queda do grupo oligárquico lemista. SOUZA, Altamir. Op. Cit., p. 96.
214
uma aluna que, segundo ele havia colado. Como ao final o governador anulou a sua avaliação,
o professor se sentindo injustiçado recorreu ao seu pedido de exoneração do seu cargo de
professor interino ou substituto. Marcos Nunes começou expondo como teria iniciado o
episódio que teria provocado seu afastamento:
“Em uma das composições de Geometria do anno passado, surprehendi uma das
alumnas collando (...) dei a nota zero (...). Quando tive de tratar da 4º composição, eu disse
que ia marcar cinco questões de Geometria e três de Álgebra. As alumnas todas pediram-me
que tal não fizesse e que marcasse um dos pontos já estudados, como até então tinha sido
feito(...)o escolhido o ponto 10º.” 114
No dia 29, o professor recebeu um cartão com os seguintes dizeres: “Meu illustre
professor. Tenha a bondade de mandar-me o ponto de Álgebra que o sr. me prometteu. A
discípula, crd.a e obr.a 29-9-98.Olivia Lemos”.115 O professor alegou ter remetido o ponto
confeccionado e ditado pelo próprio. E continuou: “ No dia da composição e antes de
começal-a, eu declarei que daria a nota zéro em toda prova collada, fosse ella de quem fosse”. 116Algumas questões podem ser colocadas. Era um tratamento generalizado os professores
fornecerem o ponto a(o)s aluna(o)s faltosos? Por que é enfatizado o zero a quem quer que
fosse para merecê-lo? Haveria suspeitas ou mesmo favorecimento de qualquer espécie para
alguns?
O professor continuava: “pouco depois de começados os trabalhos, a inspectora de
alumnas fez-me signal com os olhos de que se passava qualquer cousa de irregular para o lado
em que se achava d. Olivia, collocada em lugar diferente d’aquelle em que costumava
assentar-se (...)”. 117O curioso é que o professor mesmo alegando estranhar a aluna em outra
posição e com o aviso da inspetora demora a tomar uma atitude:
“(...) Não fiz grande reparo no aviso que se me dava, porque confiava cegamente na alumna. Quasi a terminar a composição, duas alumnas, cada uma por sua vez, disseram-me que d. Olivia estava collando. Depois de ouvida a segunda denuncia, desci rapidamente da tribuna e encaminhei-me paressadamente para a carteira em que se achava d. Olivia, e ahi vi o seguinte: em mão esquerda ella segurava o ponto, que eu, dias antes, lhe havia emprestado dobrado, e apertado pelos dedods contra a palma da mesma mão; em cima da carteira e ao lado direito da folha de papel em que escrevia um pedaço de mata-borrão, de cor vermelha(...)tendo escrito a lápis a divisão do binômio. Attribuindo á rixas de meninas as duas denuncias, confesso que não lhes dei muito credito, ficando por isso surpreendido diante do que se me deparou aos olhos. Sendo essa senhora não só parenta de inimigos meus como
114 Folha do Norte. Escola Normal. Publicações a Pedido. Belém, 25 de fevereiro de 1899. 115 Idem. 116 Idem, Ibidem. 117 Ibidem, Ibidem.
215
tambem alumna distincta, e, sobretudo, consagrando-lhe eu verdadeira estima pellas excelentes qualidades que mostrava possuir, hesitei em arrebatar-lhe as collas, envergonhando-a publicamente. Tomando a resolução de salvál-a, encaminhei-me para a porta, com a intenção de pedir um copo d’agua á inspectora...nessa ocasião vi d. Olivia atirar com o meu ponto para dentro de uma das carteiras próximas e esconder o mata-borrão no vestido. Ao approximar-me da inspectora, esta disse-me:− ‘D. Olivia está collando’ Uma das alumnas, ao passar junto a mim disse: ‘para umas há olhos, para outras não!118
O constrangido professor diante das cobranças cada vez mais incisivas foi obrigado a
tomar uma atitude e, após tomá-la, mostra-se desconfortável. Haveria outras ligações além de
professor e aluna?
“Voltei-me e, dirigindo-me á alumna accusada, disse-lhe bastante emocionado:− Com effeito, d. Olivia, até a senhora desce a collar!−Não collei, não senhor: quem vio? Affirmei-lhe: −Vi eu, vio a inspectora e viram as suas collegas que acabam de denuncial-a. Pedi-lhe a prova e as duas collas. Depois de negativas repetidas e calorosas, entregou-me a prova e o meu ponto. Quanto á outra colla, como bem deve-se comprehender, tive acanhamento e mesmo escrúpulo de exigil-a. retirei-me bastante incomodado, e, como havia promettido, dei-lhe a nota zero”.119
Mas, as agruras do infeliz professor estavam apenas começando, pois logo após o
episódio que acontecera num sábado, na segunda feira o diretor mandou chamá-lo ao gabinete
e disse-lhe que fora acusado de ter insultado várias alunas, exondo referências “odiosas” aos
seus parentes, de “fazer divagações e ler jornais da oposição na aula etc. (...)”. 120Aqui se
evidencia que a(o)s aluna (o)s podiam ser ouvidos pela direção em caso de queixa e que o
professor não tinha a última palavra em qualquer circunstância. No entanto, fica-se a
perguntar se o professor não estava numa posição de fragilidade porque passou a ser ou já
seria considerado como simpatizante da oposição. Novamente a porosidade da escola que
recebia influência do exterior, ao mesmo tempo em que o influencia fica evidente. O
professor negou as acusações e pediu como testemunha a inspetora e as alunas que afirmaram
nunca terem sido ofendidas e que D. Olívia havia colado.
A coisa poderia ter terminado aí. Mas parece que d. Olívia tinha uma rede de
relações muito influente, pois o diretor foi chamado para conversar com o governador do
estado, Paes de Carvalho. Diga-se que a relação entre o diretor da EN e o governador nem
sempre foram a favor do primeiro. Dessa entrevista, o diretor reuniu a congregação de
118 Ibidem, Ibidem. 119Folha do Norte. Publicações a Pedido. Belém, 25 de fevereiro de 1899. 120Idem.
216
professores que nomeou uma comissão de inquérito para investigar os fatos envolvendo o
professor.
O relator, estando presente casualmente a uma das sessões da congregação que
tratava, entre outras coisas, de modificar a comissão nomeada para investigá-lo, pediu a
palavra e se manifestou expondo o que tinha ocorrido e que estava fazendo uma defesa para
seus colegas como deferência uma vez que: “julgava-me com o direito de dar as notas que
entendesse em minha consciência dever dar, sem consultas previas e tambem sem autorização
de pessoa alguma, assim como não me sujeitaria , em caso algum, a soffrer acareação com as
minhas proprias alumnas”. 121
O professor nesse momento consciente ou não apelou para o corporativismo de seus
colegas que poderiam amanhã estar submetidos à mesma situação em que se encontrava.
Apesar de se fragiliza um pouco ao se recusar confrontar com as alunas como se temesse que
fosse descoberto algo que contrariava a sua defesa. Para minimizar tal fato ele mostrou o
cartão que tinha o 10º ponto escrito e que era similar no conteúdo ao pedaço de mata-borrão
que a aluna usara como cola. Diante do exposto, a congregação declarou-se satisfeita com as
informações. O professor vencera uma batalha (...) mas não a guerra.
Boatos começaram a circular que o governador iria intervir passando por cima da
congregação. A decisão do governador inclusive chegou ao Diretor Geral para seu parecer. O
professor que já havia conversado dias antes com esse último que tinha lhe assegurado e que
“dera a sua opinião em tudo conforme ao meu proceder, não o procurei, contando com o seu
laudo justiceiro e recto”.122 Mas como justiça e retidão e os meandros da política nem sempre
caminham juntas (...) “Com surpresa, porém, soube, depois que o parecer opinava pelo
trancamento da nota, por ter sido eu precipitado. Soube também que o recurso subira ás mãos
do sr. dr. governador”!! 123
Marcos Nunes então percebeu que estava à beira de ser humilhado e resolveu
pessoalmente: “fallar ao chefe do estado (...) e (...) expuz com precisão e clareza a questão
mostrando-lhe as colas” 124 e confrontando com o seu ponto. O governador:
“mostrou-se convencido (...) mas usando de franqueza, disse-me que reconhecia em mim violência de gênio. Com a devida vênia, fiz-lhe ver que só era violento com quem me aggredia, e que, no caso em questão, essa violência não podia ter-se dado, visto tratar-se de uma senhora bem educada, meiga mesmo, e que sempre me dispensou toda sorte de considerações e delicadezas”.
121 Idem, Ibidem. 122 Ibidem, Ibidem. 123Ibidem, Ibidem. 124Ibidem, Ibidem.
217
Paes de Carvalho respondeu lembrando-lhe um novo episódio entre ele e outra aluna
a qual, o professor teria ofendido a família. Marcos Nunes negou veementemente,
confessando apenas que “havia censurado severamente a filha de um distincto amigo meu (...)
mas repeli com indignação a aleivosia de que tivesse, por pensamento siquer, offendido
quaesquer melindres de família de quem quer que fosse”.125 E termina ameaçando que se a
decisão não lhe fosse favorável: “eu estava prompto a solicitar a minha exoneração”.126 O
governador então teria garantido a ele que: “(...) não me demoralisaria em caso algum, não
achando, como não achava motivo para a minha demissão”.127 E disse ainda que nem tinha
lido o recurso e que talvez submetesse ao Conselho Superior de Instrução.
Mas não houve protelações. Em despacho de 18 de fevereiro de 1899 do governador
do estado, “foi ordenado ao Sr. director da Escola Normal que cancellace a nota lançada, por
mim, na composição de Algebra feita por d. Olivia Lemos (...) Julgando-me sem a
independência precisa para agir como professor d’essa cadeira, dei a minha demissão”.128
Isso tudo demonstra que a escola dialoga com redes de poderes e que alunas podem lançar
mão dessas redes para reverter decisões tomadas internamente de acordo com o regulamento e
do parecer da própria congregação de professores. Na verdade, o governador, acabou
decidindo a favor da aluna, obrigando, portanto, o professor a pedir demissão.
A Escola Normal e o Ginásio Paes de Carvalho pareciam à Folha do Norte, locais de
perseguição aos simpatizantes de Lauro Sodré, pois em 1903 esse periódico afirmava:
“(...) Há lentes cathedraticos no Gymnasio Paes de Carvalho, e na Escola Normal, principalmente, que fazem das sagradas funcções do magistério (...) fonte de especulação e arma de perseguições políticas contra os que têm a nobre altivez de se confessarem admiradores do eminente paraense, dr. Lauro Sodré”.129
A acusação era grave, pois envolvia a pressão para que os estudantes frequentassem
aulas particulares dos professores dessas duas instituições, que era proibido por todos os
regulamentos da EN. E continuava a atacar a escola e especificamente um dos seus
professores:
125Ibidem, Ibidem. 126Ibidem, Ibidem. 127Ibidem, Ibidem. 128Folha do Norte. Publicações a Pedido. Escola Normal, Belém, 25 de fevereiro de 1899. 129 As Miserias da Instrucção. Folha do Norte. Belém, 3 de agosto de 1903., p.1.
218
“(...) O que se passa na Escola Normal é tão deprimente (... )que chega ao ponto de um dos referidos lentes, a quem está conferida a cadeira da mais diddicil sciencia, talvez por ser o de menos competência entre todos, receber a composição d’uma alumna e passal-a ás mãos d’outra para copial-a. Divide as alumnas de uma mesma aula em duas turmas para as composições, uma composta de protegidos [embora tenha se referido à alunas] que além de receberem notas altas, têm todo o tempo regulamentar para escreverem ... e outra, dos desfavorecidos, que o não têm para professor particular a quem é limitado o curto tempo... se uma alumna pede para ver a sua composição... par aprovarem que a nota(...) é injusta, é-lhes negado este direito(...)”. 130
Nesse momento, pode-se exemplificar o uso de espaço do jornal para defender,
atacando, os interesses de Lauro Sodré e, ao mesmo, tempo servindo de porta voz à (o)s
estudantes e seus familiares para denunciar abusos que sofreram: Assim em 1907 era
denunciado que:
“(...) No Gymnasio Paes de Carvalho e principalmente na Escola Normal, lentes há, que declaram peremptoriamente reprovar, no fim de anno, os alumnos que reclamam contra notas injustamentes a si conferidas; que decoram compêndios nada recommendaveis, (...), as licções que transmittem nas aulas aos seus discípulos, para que assim não se saiba, (...), quão pouco conhecem a matéria que ensinam; que exigem que os alumnos repitam apapagaiadamente as licções não admittindo senão as definições (...) dos compêndios que adoptam e dando nota má aos alumnos que se afasta das explicações ministradas em aulas;que, para proteger os alumnos que os têm como professores particulares , chegam a substituir as composições para lhes dar bôa nota(...)”131
É perceptível no comentário que as relações mais íntimas do cotidiano escolar como
metodologia, livros adotados, atitudes éticas dos docentes não escapavam ao olhar
escrutinador da opinião pública, que podia acompanhar em detalhes, avaliar, comentar e por
fim até intervir no dia a dia escolar, através de autoridades competentes. Alunos, professores
abasteciam o jornal oposicionista revelando fraturas internas dentro do espaço escolar e o
obrigando a participar da opinião das diversas vozes da cidade, que disputarão sua
interpretação sobre o significado da modernização, nesse caso na esfera escolar.
Se a cidade vasculhava as entranhas da escola, também é verdade que seus
funcionários ultrapassando suas fronteiras e funções também vão avaliar a conduta de suas
alunas e tentar interferir no seu comportamento, que deveria ser compatível com suas
representações acerca de modos de vida de homens e mulheres dentro de uma cidade
civilizada e, pretensmente moderna.
A respeito disso, encontrou-se o relato de um fato que envolveu um professor da EN
e suas alunas que foram repreendidas por estarem, segundo a sua avaliação, em um baile,
130Idem. 131 Folha do Norte. As Miserias da Instrucção. Belém, 8 de agosto de 1903, p. 01
219
considerado como inadequado às suas condutas.132 (...) chegando até reprehendel-as por este
motivo, com palavras grosseiras, taes como afogueada (...). 133 O articulista acusa em outra
ocasião, professores que (...) dirigem graças a certas alumnas (...)”.134 Não ficou claro se os
gracejos às alunas foram feitos dentro ou fora das dependências escolares. O articulista faz
então uma lista de comportamentos considerados abusivos ou irregulares por parte dos
professores da escola:
“que dão notas às composições das suas discípulas, segundo maior ou menor sympathia que lhes têm; que só comparecem ás aulas meia hora depois da determinada pelo regulamento (...) que não ensimnam toda a matéria especificada(...) dando logar a que, no anno passado, fossem approvadas em certas sciencias muitas alumnas que só haviam estudado a metade ou menos da metade dos pontos dos respectivos programas (...)”. 135
É perceptível a existência de rivalidades entre alunas que recorriam ao articulista
para denunciar o que consideravam injustiças. Professores de posicionamento político oposto,
também poderiam expor ao público irregularidades e de certa forma acertar contas com os
seus desafetos. É de se imaginar o clima de suspeita e fofoca que estariam contaminando o
ambiente escolar. O denunciante continuava a afirmar que as alunas que não recebiam aulas
particulares de determinados professores, quando os consultavam a respeito de uma dúvida
tinham uma resposta ríspida. Esses mesmos professores, ao sentar junto a suas preferidas,
ajudavam-lhes a responder os exercícios, dando notas graciosas, principalmente as que lhes
levavam presentes. 136
Um bom exemplo de uso de expectativas de comportamento feminino que foi
utilizado pelas alunas para, a partir daí conseguir benefícios. Terminava afirmando que havia
professores que frequentemente se retiravam da sala com o pretexto de tempo esgotado,
recusando conceder mais alguns minutos desde que todas as suas alunas particulares já
estivessem se retirado.
Lembrava ainda que embora o governador Augusto Montenegro se jactasse de ter
aperfeiçoado o ensino137, professores eram nomeados por decreto e não por
mérito.138Impressionante que muitas dessas práticas e outras mais sórdidas ainda continuavam
acontecendo quando esse pesquisador estava trabalhando no ensino público de nível médio.
132 Idem. 133 Idem, Ibidem 134Ibidem. Ibidem. 135Ibidem, Ibidem. 136 Folha do Norte. As Miserias da Instrucção. Belém, 1 de agosto de 1903, p.01. 137 O jornalista estaria se referindo ao Regulamento Geral do Ensino Primario, de 17 de fevereiro de 1903. 138 Folha do Norte. As Miserias da Instrucção. Belém, 1 de agosto de 1903, p.01.
220
A campanha sistemática do jornal oposicionista desnudando o cotidiano escolar fez a
escola impedir a entrada de dois jornalistas, Sr. Dr. João Arnoso e Alcides Bahia e suspender
os exames orais. No dia seguinte, quando João Arnoso voltou a escola:
“(...) recebeu no vestíbulo a intimativa de que não poderia entrar, ordem que lhe foi transmittida de parte do director pelo agente de segurança Messias que alli se achava acompanhado de outros todos armados, e de alguns praças e policia... Á porta do estabelecimento permaneciam dois policiais e junto á escada estavam dois agentes de segurança, promptos, certamente, a fazerem effetiva intimação, caso os intimados não a quizessem obedecer(...)”139
Diante da campanha oposicionista desacreditando a educação e por extensão o
governo, a escola fechou-se nesse momento ao público externo. O Sr. Dr. Moraes de
Bittencourt escreveu ao jornal relatando a respeito do episódio que envolveu o professor
Arnoso, que também dava aulas para alunas da Escola Normal, inclusive a sua filha:
“(...) Tendo sido informado de que hontem o director da Escola Normal reuniu as alumnas do 2º anno, na occasião presentes, e declarou em presença de todas considerar as do professor Arnoso, a quem classificou de typo nojento, desbriadas [possivelmente por suspeitar de que fossem essas alunas que teriam denunciado abusos dentro da escola ao professor que por sua vez levou até o jornal], pois ainda continuavam no estabelecimento(...)”. 140
Fica então evidenciada a pressão sofrida dentro da escola por aquelas alunas
consideradas aliadas à oposição e aos jornalistas. O informante lembrava que o professor
Arnoso lecionava suas filhas e que estaria de olho para evitar que elas fossem reprovadas em
retaliação, embora a mais velha tivesse sido elogiada pelo diretor da escola.
Acabou-se por rastrear o que teria levado os jornalistas às dependências da EN.
Possivelmente para se esconder da opinião pública um fato escandaloso envolvendo o Dr.
Domingos Leopoldino, que segundo o professor da escola, Paulino de Brito:
“comettera graves erros, quer de litteratura, quer de portuguez, por um natural impulso de justiça, em beneficio dos alumnos prejudicados pela inhabilitação indevida, dirigiu-se ao director da Escola, em requerimento, solicitando a destituição do examinador incopetente, ou a reunião da congregação, para decidir sobre o caso (...)”. 141
Reunida a Congregação, o professor Leopoldino não se defendeu, ou não teria feito
cabalmente, segundo o jornal. Esse último preferiu atacar a reunião chamando-a de
139 Folha do Norte. A que Ponto Chegamos. 10 de outubro de 1903, p. 01. 140 Idem. 141Escola Normal. Folha do Norte. Belém, 24 de outubro de 1903p. 01.
221
“anarchica”.142 O professor também teria aplaudido entusiasticamente a proibição da entrada
dos representantes dos jornais para assistir aos exames orais dias antes, chegando a propor
moção laudatória ao diretor. A decisão da Congregação foi de destituir o professor
Leopoldino das bancas, ser constituído novo examinador e recorrigias as provas escritas. por
ele que buscou apoio, junto às lideranças políticas para reverter a decisão.143No final o próprio
professor, solicitou sua dispensa em ofício “ assas offensivo á congregação da Escola
Normal”.144
Em relação às representações acerca da(o)s normalistas, nos discursos de entrega de
diploma nas colações de grau, é interessante perceber a sua valorização por parte das
autoridades Em 1900, por exemplo, o diretor de instruçção se referia ao único normalista
formado:
“(...) vos que deixastes voluntariamente á margem n’este grandioso Estado qualquer outra manifestação de actividade propria do sexo que representaes, os quaes, em nosso meio, encontram compensadora retribuição, para abraçardes o magistério, carereira semeada de espinhos (...)”. 145
Em relação às mulheres lembrava que “(...) o poder público (...) vos abriu
francamente as portas do ensino”.146Nesses dois trechos a autoridade governamental não
percebeu, que se realmente o jovem normalista tivesse oportunidade de outras atividades mais
bem remuneradas talvez não se dispusesse a tão abnegação. E, que se o poder público
permite à mulher chegar a desempenhar funções de professora é porque havia também
interesse e pressão delas nesse sentido, assim como a necessidade de preencher o lugar
ocupado tradicionalmente por homens que abandonavam cada vez mais a profissão de
professor primario, não só pela baixa remuneração, mas por esta profissão estar associada ao
comportamento maternal e, por extensão ao gênero feminino.
Mulher filha, irmã, esposa, mãe continuava o diretor, reproduzindo os estereótipos
com os quais as elites representavam as mulheres e por extensão as professoras:
“(...) a mulher, enfim (...) que conduz nossos passos, dirige as nossas ações, encaminha nosso pensamento (...) não póde deixar de nos ispirar a mais absoluta confiança, pela sua docilidade (...) pela sua delicadeza(...) sobre a
142 Idem. 143 Idem, Ibidem. 144 Ibidem, Ibidem. 145 OLIVEIRA, Virgílio. “Discurso pronunciado pelo Director da Instrucção, dr. Virgilio Cardoso de Oliveira, presidindo a sessão solemne de entrega de diplomas ás normalistas que concluíram o respectivo curso em março do corrente anno”. A Escola: revista do ensino. Belém, de julho de 1900, p.382-384 146 Idem.
222
consciência de pequeninos seres que constituem a brilhante reserva desse grande batalhão da mocidade republicana(...)”147
Em relação ainda à representação das normalistas encontrou-se um belíssimo trecho
que mostra o olhar de um aluno em relação a sua professora, possivelmente normalista, uma
vez que a ação se passa numa escola pública e elas exigiam o diploma da Escola Normal.
A obra é de Dalcídio Jurandir e a ação é ambientada no Grupo Escolar Barão do Rio
Branco, em meados dos anos 20, e descrita por Alfredo, próximo a entrar na puberdade.
Como o autor reflete em sua obra, aspectos biográficos, essa descrição, embora ligeiramente
fora do período delimitado da pesquisa, revela um dos olhares a respeito das normalistas.
“(...) Nem uma das mestras nem de longe se comparava como a adjunta do quarto ano masculino do Barão, a professora Maria Loureiro Miranda, que parecia sempre saindo de um demorado banho de cheiro. Ensinava com os olhos não as coisas de livro, mas as suas, o que havia nela do mundo, da rosa ao peito, da laranja que comia aos gomos no recreio. Seu olhar dava aulas de sedução. Quem aí não tirava diploma não saía rapaz? Alfredo a modo que lhe pedia ‘Me tire logo com esse seu olhar este rapaz que está aqui dentro do ovo, quebre a mea casca com seus olhos professora Maria Loureiro Miranda.’ Quando ao quadro negro, era como se fosse escrevendo a giz os encantos que prometia. A professora Maria Loureiro Miranda suspendia o braço, a manga curta, o sinal de vacina e debaixo do braço aquele suado escurume em cheio nos olhos dos alunos. Que-um macio, que um arrepiado na voz e maneiroso andar, e ensinar era mais uma de suas feitiçarias”.148
Esse trecho cheio, de referências aos sentidos e com uma forte carga de desejo,
quase fetiche, não fica nada a dever das melhores páginas de Proust. Professora e mulher,
ensino e forte carga sensual. A descrição do pelo das axilas, a voz, o cheiro, enfim há uma
explosão de sensualidade pouco contida, até mesmo na referência da marca da vacina que se
reporta à de higienização. Fica praticamente impossível separar a representação de mulher
daquela de professora. Ou, é ainda possível, que através da professora, a mulher comece a
tirar os véus e a inocência de Alfredo.
147 Idem,Ibidem. 148 JURANDIR, Dalcídio. Passagem dos Inocentes. Belém. Falângola Editora,1984, p.118.
223
4.4. Futuro do Pretérito149
A Escola Normal atravessou com galhardia o fim da Belle Époque. A preocupação
era com o estado ruinoso do edifício em 1927. No ano anterior era instituído o uniforme para
os alunos. Túnica de caqui verde oliva com quatro bolsos, culote da mesma cor, gorro militar,
capa fita de seda preta com pala de polimento preto e perneiras de couro também pretas. A
procura pela escola continuava a crescer a ponto de ser instituído um novo turno.
Após a chamada revolução de 30, foram introduzidas várias modificações no
currículo, tentou-se, sem sucesso, abrir concurso para várias cadeiras cujos professores tinham
sido nomeados irregularmente, como de Elias Vianna (desde 1895) e Paulo Maranhão, ( desde
1912), entre outros. A principal mudança, no entanto, consistiu na transferência da escola para
um novo prédio situado na Praça da República onde a escola está até os dias atuais. Tratava-se
do prédio da Província do Pará incendiado em 1912 por ser propriedade de Antonio Lemos,
dentro do motim que culminou pela derrota definitiva de seu grupo.
Mais tarde, o prédio foi comprado pelo governo do estado e transformado em grupo
escolar. Em 1930 foi adaptado para receber a Escola Normal. Em 1947, a escola passava a ser
chamada Instituto de Educação Estadual do Pará, que conserva até os dias de hoje, do ano
anterior quando foi equiparado ao do Rio de Janeiro. A Lei Orgânica do Ensino Normal, de 2
de janeiro de 1946, reformulou o seu currículo instituindo dois ciclos: o ginásio em quatro
anos e o segundo de formação pedagógica em três.
O autor desse trabalho foi professor no Instituto de Educação entre 1983 e 1989.
Voltaria ainda ali lecionar entre 1995 e 1997. Nos anos 1980, o Instituto era extremamente
prestigiado e regido até 1982 por uma fundação como todo o ensino médio estadual, após uma
memorável greve no governo Alacid Nunes, a primeira desde o Regime Militar. A partir daí,
o pessoal do ensino médio tornou-se sumariamente estatutário e, portanto não mais
beneficiado pelos rejustes mensais de salário, corrigidos pela inflação.
Ainda nessa década, o Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP), sua atual
denominação, era extremamente prestigiado e para conseguir um lugar de professor ali, era
necessária uma boa indicação política, pois o estado há muito não realizava concurso público
para o magistério. Esse pesquisador lembra quando lecionava, nessa época, de sua enorme
sala de professores, sua biblioteca com estantes e livros, em grande parte ainda do início do
século XX. Os professores eram, na maioria, profissionais liberais, de prestígio, como
149 Além das memórias pessoais desse historiador para os anos 80, utilizou-se para essa parte, SOUSA, Altamir. Op. Cit.
224
médicos, promotores e pedagogos. Esses últimos, quase sempre em cargo temporário na
Secretaria de Educação que ficava ao lado. Havia uma constante troca a cada governo. Uma
leva de professores era chamados para a secretaria, embora mantivessem turmas na escola, e
outros voltavam para a sala de aula e suas outras atividades.
A procura pela instituição de ensino era cada vez maior a ponto de ser construído um
anexo na década em 1960. Um de seus diretores durante o Regime Militar, Dionísio Hage,
deixou a direção da escola para ser Secretário de Educação, como era comum desde a década
de 1890 e daí, para a carreira de deputado federal pelo PDS. Os alunos orgulhavam-se de sua
escola e competiam com os do Colégio Paes de Carvalho, durante os desfiles escolares em
que as suas bandas de música disputavam ferozmente os primeiros lugares.
Os do primeiro chamavam às alunas do IEEP de piramutabas e essas últimas, de
charéu150 para os primeiros. O uniforme das normalistas, como ainda eram chamadas, era
encarado com orgulho e a procura pela escola se tornou tão acirrada que houve anos em que
foi instituído teste de seleção. As cerimônias de Colação de Grau ainda eram um grande
acontecimento, mas que se tornava cada vez mais interno e com menos visibilidade na cidade.
Nos anos de 1990, com a proliferação de escolas que também ofereciam o curso de
magistério e a imposição no governo FHC de estipular prazo para que os professores de todas
as séries fossem de nível superior, deu um golpe de morte no velho instituto. Para que fazer
magistério que não prepara nem para o vestibular e nem vai garantir uma profissão no futuro?
Em 2006, foi realizada a colação de grau da última turma de magistério. As turmas
que hoje existem são do ensino médio com uma grande dificuldade de preencher vagas com
alunos. Fenômeno esse que se repete nas demais grandes escolas, da área mais central da
cidade, mesmo o tradicional Colégio Paes de Carvalho, em função da concorrência das
escolas públicas de periferia. O IEEP está mesmo na iminência, após uma grande reforma, de
perder o seu prédio.
Terminava enfim, em 2006 uma longuíssima trajetória iniciada no ano de 1871, mas
que mantém um conjunto de memórias e significados, ainda em diálogo com os inúmeros
sujeitos que faziam parte da cidade. A trajetória da EN pode se dizer que completou seu ciclo,
contudo, as lembranças daquela(e)s que por ela passaram ou de seus parentes que os
acompanharam em seu processo de escolarização continua latente. Talvez novos capítulos
dessas resistentes memórias motivem novas investigações. Do presente para o passado, a
história desse Viveiros de Mestres é tema sempre atual.
150 Espécies de peixes regionais.
225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em fevereiro de 1890 foi criada através de um decreto do novo governo republicano
a Escola Normal do Estado do Pará em sua capital, Belém. Embora os republicanos tenham
ressaltado o fato como uma grande novidade, ela já tinha sido criada e extinta outras vezes
durante o regime monárquico desde 1871. Difícil é não se espantar entre a grandiloquência do
decreto e a tentativa de fato de sua instalação sem prédio próprio, equipamentos e, até mesmo,
sem professores. No entanto, apesar dessa improvisação, ela foi se estabelecendo, criando
raízes e rizomas, infiltrando-se na vida da cidade e sua gente, gestando longa tradição. Não é
mais possível hoje falar da Belém da Belle-Époque esquecendo a Escola Normal.
Respeitando as diferenças de tema, tempo e espaço para parafrasear Lynn Hunt, é
possível dizer que os diferentes agentes históricos que erigiram a EN foram obrigados a
refazer caminhos e repertórios, “desafiando a tradicional cosmologia europeia de ordem e
harmonia. (...)”. Por razões nem sempre muito claras, porque descontinuidades e
indeterminações fizeram parte das motivações que construíram a experiência do fazer-se da
escola, “conseguiram investi-lo(a) de extraordinário significado emocional e simbólico”1.
A cidade de Belém tinha nesse momento uma história de 274 anos. De um posto
avançado dos portugueses na Amazônia dentro de uma luta contra corsários e piratas
holandeses, franceses e ingleses pela disputa da região e do Nordeste a partir do Maranhão. A
unificação entre as coroas ibéricas tinha facilitado a ação portuguesa, pois pelo Tratado de
Tordesilhas, a maior parte do território seria espanhol. Fundada a cidade em 1616 num lugar
considerado a entrada da bacia amazônica teve os seus primeiros anos de enfrentamento com
várias tribos indígenas, muitas das quais em aliança com os estrangeiros.
Ocupada a bacia Amazônica às margens de seus grandes rios e afluentes pelas
diversas ordens religiosas, naquela Belém em “nascedura” começou um enfrentamento e
estranhamento entre as diversas práticas culturais das várias etnias indígenas e de tradições
europeias principalmente da antiga Lusitânia, que invisibilizou, por exemplo, a produção
artística ibero-italiana no século XVIII2. Um terceiro elemento irá compor esses encontros e
desencontros. Tratava-se da necessidade de exploração dos produtos da floresta, chamados de
1 HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classe na Revolução Francesa. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 23. 2 A tese da hegemonia da tradição lusa na cultura e, principalmente, na arquitetura, foi questionada em dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes, por HAMOY, Idanise Sant’Ana Azevedo. Itinerários de influências ibero-italiana na arte e na arquitetura: retábulos da Belém do século XVIII. Dissertação de Mestrado (Artes), Universidade Federal do Pará, 2012.
226
drogas do sertão, da agricultura com fins de exportação e do tensionamento entre os colonos
portugueses de um lado e os missionários de outro, em torno da melhor maneira de
relacionamento como povos indígenas, os primeiros visando sua escravidão pura e simples e
os segundos sua conversão. Nessa queda de braço, nasceu a necessidade da importação de
escravos oriundos da África.
Assim a cultura amazônica, principalmente de sua área mais antiga, a oriental, onde
se situa o Estado do Pará, emergirá das interações entre brancos, indígenas e negros. Estes por
sua vez altamente diferenciados, colocaram-se em liminares experiências que os forçaram ora
a negociar ora a rivalizar-se3. No entanto a marca da dominação e escravidão da maioria
branca sobre negros, índios e mestiços acabou por criar identidades multifacetadas,
contraditórias, insurgentes e de interesses compartilhados4. A tradução disso será não só a
forte “miscigenação”, tese que desqualificou culturas e saberes alheios a lógica eurocentrada,
mas os intercâmbios e trocas entre essas muitas tradições culturais na Amazônia, num
amálgama rico e imprevisível, fez nascer práticas socioculturais afroindígenas5.
A cidade de Belém a partir do século XVIII passa por uma forte intervenção urbana
propiciada pelo enriquecimento proveniente das exportações das drogas do sertão e de sua
incipiente agricultura. No início do século XIX explodiu na região um movimento que se
iniciou a partir das lutas de independência e culminou na maior revolta popular da região e do
Brasil, a Cabanagem entre 1835-1840. O término da revolta quase coincide com a nova
articulação da economia regional com o centro dirigente do país e com o exterior. O motivo
dessa articulação consistiu na exportação do látex que se tornou cada vez mais intenso, após a
descoberta da vulcanização e do pneumático.
A partir principalmente de 1850, a economia da borracha foi responsável por um
forte movimento de modernização e atração maciça de migrantes, principalmente nordestinos,
entre esses se destacaram os cearenses6. A migração consistiu prioritariamente pela busca de
mão de obra na extração do látex na floresta. O fenômeno também atraiu para a região judeus,
3 MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais/Projetos Globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 4 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5ª ed. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 5 PACHECO, Agenor Sarraf. E o Negro vestiu o Índio...Intercâmbios afroindígenas pela Amazônia Marajoara. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011; PACHECO, Agenor Sarraf. Astúcias da Memória. Op. Cit. 6 Além dos trabalhos já citados sobre a temática, é válido ler a recente tese de doutorado defendida na USP, publicada na região de LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: Faces da Sobrevivência (1889-1916). Belém: Açaí, 2010.
227
sírio-libaneses, portugueses, espanhóis, italianos, alemães e de outras nacionalidades em
quantidade decrescente.
O grupo oligárquico que chegou ao poder com a república, foi composto por velhos
integrantes dos partidos monarquistas. Enquanto outros políticos que compunham ao antigo
partido conservador e liberal se aglutinaram em torno da oposição. Mais tarde, refletindo as
tensões internas e externas o grupo oligárquico cindiu-se em duas facções: lemistas e
lauristas. Estes usaram de diferentes artifícios, alguns inimagináveis e antiéticos, para se
enfrentarem. Coube aos primeiros intensificar o processo de modernização da cidade e encetar
as principais reformas da Escola Normal até 1911. A partir daí dominaram os lauristas,
principalmente com a retomada do seu principal líder ao poder do estado em 1917.
Era necessário, pois, intervir na tecitura urbana e dar respostas à elite regional que
passou a exigir do poder público um cenário em que a modernidade fosse escrita em sua
arquitetura e em seus modos de vida. A partir de 1850, passando pelos 1870, mas
principalmente entre 1897 e 1911, a cidade sofreu uma profunda reforma da qual faz parte
outras em diversas capitais do país e da própria região como Manaus, inspiradas, mas não
cópia fiel, da reforma urbana da Paris haussemaniana. O discurso que sustentava essas
diversas intervenções foi o higienista e o da civilização e progresso, principalmente após a
república e seus ideais positivistas.
Não custa lembrar as inúmeras adaptações da cultura europeia efetuadas na região
que, longe de significar inferioridade ou incompletude, revelam as contaminações, adaptações
e diálogos culturais que sempre se manifestam quando se encontram, sejam através da
dominação, da sedução ou de ambas as possibilidades. Assim foram adaptados ao clima da
região, os chalés de ferro ingleses, largas avenidas de inspiração parisiense eram arborizadas
com árvores já há muito tempo manipuladas por moradores em quintais da cidade, como as
mangueiras.
A sustentação do processo modernizador pelo qual passava o país desde 1850,
consistiu em exportação maciça do café e da desoneração dos capitais antes empregados no
tráfico negreiro, extinto nessa mesma data, enquanto a Amazônia experienciava os “negócios
da borracha”. Esse processo foi extremamente excludente, como não poderia deixar de ser,
pelas clivagens e diferenças de classes sociais ali constituídas. Em Belém, enquanto uma
pequena fração da cidade era beneficiada com rede de esgotos, iluminação a gás, sistema
coletivo de transportes, praças monumentais, largas avenidas arborizadas, a maioria da cidade
ficava situada em áreas alagadas, infestadas de mosquitos em condições precárias de saúde e
higienização.
228
As inúmeras doenças não se fizeram de rogada: malária, febre amarela, dengue, tifo,
tuberculose e outras faziam sua incursão anual na cidade mestiça. Além das doenças havia
falta de abastecimento de água, carne e outros gêneros essenciais à maioria da população. O
poder público respondia aos inúmeros descontentamentos provocados entre outros pela
obrigatoriedade da adoção de hábitos considerados modernos na arte de morar, vestir e
praticar lazer com forte aparato repressivo.
A reação se manifestou no aumento da criminalidade e da opinião pública que se
expressava nos jornais oposicionistas, por intermédio de duas maneiras. Por outro lado, as
elites dirigentes tentavam a política do convencimento através de propaganda traduzida em
inúmeras cerimônias e prédios monumentais, mas também em aparatos repressivos traduzidos
na intervenção das práticas judiciárias, consideradas muito tolerantes e na construção de
presídios.
Acredita-se que a condição do poder hegemônico se dava pelo discurso de unidade
dos desiguais em torno de palavras que escamoteiam a realidade como classe, etnia, nação,
povo, interesse público, bem comum, progresso, civilização, modernidade, etc.7 Para ter certa
eficácia é preciso que o discurso esteja amparado em certa correspondência com a realidade.
Em outras palavras, elite e povo vivenciam em alguns momentos práticas e interesses comuns
como cerimônias, hábitos de higiene, música e dança. O povo enfim partilhava ações e ideais
comuns às elites.
No entanto, práticas eminentemente populares também eram utilizadas por quase
todos. O lundu, dança tipicamente popular e geralmente atravessada por uma visão
preconceituosa na ótica das elites, podia ser ouvida eventualmente no Teatro da Paz, símbolo
de modernidade e europeização, construído nos idos de 1870. Práticas de pajelança também
eram utilizadas, assim como comidas, formas de dormir, inúmeras procissões e o catolicismo
popular.
A crise da exportação da borracha deu um golpe mortal á chamada Belle Époque
amazônida. Produzida em forma de agricultura nos domínios do império britânico na Ásia, a
borracha coletada na região teve seu preço cada vez menor pela concorrência. As elites locais
7 Sobre os problemas que o uso não cuidadoso desses termos pode causar na compreensão de dinâmicas e vivências históricas, ver: WILLIAMS, Raymond. Estruturas de sentimento. In: Marxismo e literatura . Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, pp. 130-131. Para intérpretes de conceitos elaborados por Williams é válido acompanhar: FILMER, Paul. A estrutura do sentimento e das formações sócio-culturais: o sentido de literatura e de experiência para a sociologia da cultura de Raymond Williams. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 14, n. 27, 2009, pp. 371-396. Adensando o questionamento dos conceitos de raça, nação e modernidade, ler GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Kinipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes; Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
229
optaram por empregar o capital que ficava na região principalmente em imóveis no lugar de
procurar diversificar a economia.
As distâncias e a falta crônica de mão de obra também explicam a decadência. A
crise da borracha se traduziu em colapso para o tesouro público e para as elites voltadas à
exportação junto às casas estrangeiras de intermediação. Já a população comum, mais pobre,
intensificou esforços na agricultura alimentícia, de certa forma a crise não acirrou suas
precárias condições de trabalho.
Seja como for, o período considerado áureo marcou profundamente a representação
das elites locais que voltaram quase sempre a esse passado em busca do tempo perdido. Num
contexto de perda da hegemonia de Belém em relação à Manaus e da própria discussão acerca
da identidade paraense em função de movimentos separatistas, a “idade do ouro” passou a ser
refúgio e obsessão preferencial.
Como elemento fundamental na difusão de práticas consideradas modernas e que
serviam ao mesmo tempo para manter coeso o tecido social, a educação era um setor
altamente estratégico. Embora antigamente se procurasse confrontar a educação pública da
época imperial com a republicana, evidenciam-se hoje mais continuidades do que rupturas.
Se, no período imperial faltavam escolas, os métodos de ensino eram ineficazes e precários,
os professores eram despreparados e pouco assessorados, não havia prédios públicos para a
educação primária, também é verdade que houve vultosos investimentos, uma constante
preocupação com a educação em quase todos os discursos oficiais. O que quase nunca é
evidenciado foi o pouco interesse com a escola por grande parte da população.
Esse desinteresse pode ser explicado pela cultura letrada ser encontrada em outros
espaços, inclusive domésticos, e pelo caráter disciplinador e aculturador que ia de encontro
aos modos de viver de amplas parcelas da população pobre do período. A imposição do tempo
cronológico, da cultura letrada, contrapondo-se à oralidade e ao tempo cultural dos setores
subalternos, foram alguns desses obstáculos na frequência e no desempenho escolar.
Para a elite política dirigente o ensino primário consistiria mais em rudimentos de
leitura, escrita e as quatro operações, chamada significativamente de primeiras letras. Era essa
a educação que deveria ser dada a população pobre, sem ligações com outros níveis de
formação mais amplos. Uma educação que consistia menos em conteúdos do que na
disciplinarização de uma população cada vez mais agitada desde a Cabanagem de 1835 e na
construção de uma nacionalidade ainda em formação. Essa política foi característica do grupo
conservador denominado de Saquarema. Para as camadas médias e a elite dirigente ficavam
disponíveis os liceus e as faculdades.
230
Paralelo a tudo isso, na Europa desde a formação dos estados nacionais e no Brasil
no século XIX começou um estratégico processo de retirar a educação da esfera privada
(fazendas, casas, igrejas) para a pública. O professor pouco a pouco se tornou um funcionário
público e, ao mesmo tempo, desenvolveu um autoidentificação como categoria social.
Métodos como o individual, lancaster, mútuo e intuitivo foram testados ao longo do século.
Esses métodos culminaram no ensino individualizado, por série, com lousa, giz, cadernos,
carteiras, que terá a sua mais bem acabada expressão com a implantação dos grupos escolares,
inicialmente em São Paulo e, posteriormente, no restante do país. No Pará surgiram no início
do século XX.
Considerando que a educação, mesmo elementar, nunca saiu da agenda das
autoridades, a preparação da(o) professora(o) foi a grande preocupação desde o império. Para
melhor qualificá-la(o) pensou-se numa escola para melhor prepará-la(o). Daí nasceu a Escola
Normal, que normatizou a prática pedagógica mais adequada ao ensino primario. Ideia
francesa, adotada na Europa e EUA, foi implantada pela primeira vez no início do século XIX
em Niterói. A instalação das escolas normais no Brasil até a república foi muito intermitente.
Eram criadas, fechadas, fundidas, principalmente, aos liceus.
Os motivos pelos quais houve essas paralisações momentâneas podem ser explicados
porque a nomeação de professores primários para as escolas públicas nem sempre levava em
consideração a formação nas escolas normais, sendo antes objeto de barganha política das
práticas clientelistas. Seria mais fácil arrumar um político que fosse responsável pela
nomeação do que cursar longos anos em uma escola normal. O debate em trono da
importância da educação primaria e, consequentemente, das escolas normais se intensificou a
partir da Lei do Ventre Livre e da possibilidade da aplicação do voto universal, sem o
condicionamento da renda econômica.
Com a instalação do governo republicano houve um entusiasmo inicial em relação à
educação, inclusive como forma de legitimar o novo regime. A grande criação do período
foram os grupos escolares e uma maior quantidade de escolas e alunos. No entanto, velhas
críticas a métodos, eficácia e clientelismo político na nomeação de professores, um índice
muito elevado de analfabetismo, continuavam a existir.
No Pará, embora a criação de uma escola para o ensino de professores fosse um
projeto surgido na fala dos presidentes provinciais, significativamente, logo após o fim da
Cabanagem, a primeira escola foi criada em 1871, fechada em 1872, reaberta em 1874,
fundida ao Liceu em 1885 e, finalmente, recriada com a república em 1890. Fruto do processo
acelerado de modernização que a cidade e o estado atravessavam, a EN foi vista como
231
fundamental a essa mesma modernização. Inicialmente dividida em duas, uma para meninos e
outra para moças, unificou-se meses depois de sua criação por motivos econômicos. Seu
prédio, inaugurado em 1893, serviu como sua principal instalação até 1930. De caráter
neoclássico, imponente, hoje é uma repartição pública. Sofreu em 1903 uma profunda
reforma.
De 1890 a 1920 inúmeros regulamentos promoveram sua organização. Praticamente
um a cada mandato governamental. Seu quadro funcional basicamente consistiu de um
diretor, em alguns momentos um vice, um quadro em média de 15 professores, um
amanuense, um secretário, preparadores de laboratórios, inspetores e serventes. Inicialmente o
curso era de 05 anos, desde setembro de 1890 passou a ser 04 e a partir de 1912 voltou a 05
anos. Seu currículo abrangente constituía-se de poucas disciplinas de caráter pedagógico a
serem utilizadas no ensino primário, e maior diversidade de disciplinas de formação geral.
Menos do que formar professores, o currículo da escola normal pretendeu disseminar
valores e práticas consideradas inerentes à modernidade e às cosmologias da elite dominante,
além de reforçar comportamentos como recato, submissão, moralidade e higiene,
considerados adequados a uma futura mãe de família. Quanto à maternidade era considerado
um destino manifesto às mulheres.
Os sete diretores do período entre 1890 e 1920 foram escolhidos principalmente do
meio político partidário e dos quadros funcionais da escola. Os professores em princípio, em
função de disposições em todos os regulamentos do período, eram admitidos através de
concurso público, embora sujeito a última palavra do governador do estado. No entanto, uma
grande maioria acabou por ser efetivado por decreto. Os salários dos funcionários públicos em
geral e dos professores eram baixos. No entanto ensinar na Escola Normal ou no Liceu era
muito prestigioso. Além do que muitos professores complementavam seus rendimentos
exercendo outras atividades no poder público ou no jornalismo, por exemplo.
A esmagadora maioria de diretores e professores era do sexo masculino, uma vez que
o processo de aceitação da mulher na carreira de professora ainda estava acontecendo e não se
havia aberto para o ensino médio e de cargo de direção. Sua primeira diretora tomou posse
apenas em 1947. Para as professoras cabiam matérias consideradas especificamente femininas
como prendas por exemplos e no caso de funcionárias, a função de inspetoras.
Um traço marcante que acompanhou toda a história da Escola Normal foi a
predominância de mulheres em relação aos homens. Quanto a isso trabalhos de pesquisa
realizados apontam que as mulheres foram chamadas pelo poder público a ocupar o cargo de
professora primária em função da inexpressiva procura pelos homens em função dos baixos
232
salários. Associava-se, como legitimação, o magistério como espécie de maternidade. Se é
verdade que houve uma proposta proveniente das autoridades, é fato que também interessou à
mulher ocupar os poucos espaços públicos considerados respeitáveis às moças das camadas
médias. Quanto às ricas, o magistério era carreira que não seria considerada compatível com
seu status nem com a maternidade.
Os homens, por sua vez, com a associação entre magistério primário e feminilidade,
afastaram-se ainda mais da carreira. Para alguns pesquisadores a profissão inicialmente
masculina acirra sua baixa remuneração em função de atender ao público mais pobre. Prefere-
se afastar dessa visão maniqueísta e acreditar que a expansão da rede pública de ensino
exigindo mais gastos acabou por pressionar por uma diminuição dos salários.
A questão da contenção de gastos foi visível na Escola Normal do Pará, pois a partir
do momento em que sua expansão apresentava-se como grande possibilidade, preferiu-se
elitizá-la, aumentando o grau de dificuldade de acesso. A grande maioria das alunas no
período, segundo a documentação rastreada e trabalha, era pobre. Havia também meninas de
camadas médias, filhas de funcionários públicos e de profissionais liberais, mas não se
encontrou nenhuma de classe rica, embora seja bem provável que tenha existido. O maior
contingente era proveniente da capital, embora também tivessem aluna(o)d do interior e de
outros estados, principalmente os nordestinos, aspecto que se concatena com o intenso
processo migratório em tempos do auge de extração da borracha e modernização de Belém.
Havia também algumas alunas e alunos negros o que implica questionar, mesmo “por
razões ainda não plenamente compreendidas”8, quem são essa(e)s aluna(o)s? A que classe
social pertenciam? Quais relações e trajetórias suas famílias construíram para alcançarem uma
vaga na concorrida EN? Se um significativo quantitativo da(o)s normalistas era pobre, ser
pobre e mestiço e ser pobre e negro, diferenciava-se no tratamento dado pela sociedade da
época. Pode-se apostar em algumas direções, sem a necessidade de realizar sínteses
conclusivas.
Primeiro, é possível que essa(e)s aluna(o)s poderiam pertencer a famílias com certo
poder aquisitivo, ultrapassando a representação negativa construída pelas teses raciais sobre o
negro em forte expansão naqueles idos de 1900. Há em Belém uma representativa
comunidade de negros barbadianos de tradição britânica, que gozava de prestígio diante de
outros homens e mulheres de cor. Seriam barbadianos? Seus nomes não deixam pistas.
8 HUNT, Lynn. Op. Cit., p. 23.
233
A indicação de naturalidade de uma das alunas do Maranhão, mostra não apenas as
relações do Pará com esse vizinho estado, mas uma visível evidência dos fluxos de famílias
do Maranhão para o Pará no período da econômica gomífera. Era comum jovens oriundas do
interior do estado e do Maranhão virem compor o quadro de empregadas domésticas em
Belém. Seriam essas alunas uma dessas funcionárias? Ou seus familiares urdiram alianças
políticas com autoridades de estado e conseguiram barganhar uma vaga na EN?
Uma terceira possibilidade é que mesmo oriundos de famílias pobres e negras,
essa(e)s aluno(a)s por suas trajetórias específicas de vida, conseguiram vencer os estereótipos
da pobreza e da cor, revelaram seus mérito para alcançar uma vaga na EN e formaram-se em
normalistas.
Outro aspecto verificado ao longo do trabalho foi que o cotidiano escolar era
permeado de conflitos, como se dá em qualquer espaço social. Diretor contra secretário,
professoras que por sua vez se desentendiam entre si, governador, secretário de instrução e
diretores que se galvanizavam em torno do direito ao exercício de autoridades em seus raios
de atuação. A Escola Normal transformou-se em espaço de rica vivência entre acomodações,
negociações e conflitos abertos, chegando a agressões físicas documentadas no temeroso
“livro negro”. Na rica tecitura de relações, as mulheres emergiram como agentes históricas de
seus próprios desejos, motivações e expectativas.
Como o ingresso na Escola Normal, pressupôs além do exame de admissão um
certificado de estudos primários, que duravam seis anos e a escolha por uma profissão
intimamente ligada à disciplina, acreditou-se que as alunas até por sua condição feminina
fossem bastante receptivas à escolarização. Na análise das punições elas estão quase ausentes.
Seriam passivas? Os indícios e outras evidências mostraram que não. A grande maioria de
infrações é de alunos, embora os conflitos tenham pululado, na maioria das vezes, de atitudes
desencadeadas nas escolas anexas.
Se as mulheres demonstraram um comportamento mais disciplinar, o direito de
contestar e reivindicar estavam em seus horizontes de possibilidades. Por isso, elas não
aceitavam passivamente determinados abusos. Quando isso ocorria, utilizavam as armas que
estavam à disposição para contestá-los. Nesse caso, apelavam para o diretor da escola,
enfrentavam polidamente os professores, recorriam aos seus pais ou responsáveis e, até
mesmo, aos jornais para denunciar o que consideravam intolerável, humilhante, inadequado,
discriminador. Em muitos casos saem vitoriosas, como na transformação de dois turnos para
um, em anular nota, negociar revisões de punições. Quando foi preciso, apelaram, inclusive,
para o governador do estado.
234
Quanto aos moços, eles se mostraram mais inconvenientes ao cotidiano escolar, por
isso traduziram suas visões de mundo e sutis formas de contestação à ordem estabelecida em
arruaças, brigas, aglomerações e desafiaram direitos das autoridades escolares, inclusive,
enfrentaram o próprio diretor.
Ferrenhos também eram os embates entre a Escola Normal e outras instituições
governamentais como o tesouro público e a diretoria ou secretaria de instrução pública. A
cidade e a escola transformaram-se em enorme arena, onde se cruzavam disputas de poder,
hierarquias, olhares diferenciados. A lógica interna da escola, seus regulamentos e a prática
clientelista dos poderes executivos levaram a tensionadas situações em que a escola quase
sempre precisou ceder para não ver seu prestigio descredenciado diante das autoridades e da
própria sociedade. Contudo, em outras cenas, a habilidade de seus diretores a fizeram impor
seus interesses e obter vitórias provisórias.
Nem só de conflito direto se deram as relações entre alunos e direção escolar, havia
também espaço para composições, negociações e partilhamento da lógica interna da escola.
Nesse momento, turnos escolares podiam ser modificados, conteúdos de provas negociados,
punições suspensas e, principalmente, toda a instituição se unia em torno de cerimônias,
insígnias em que procurava se mostrar da melhor forma possível às autoridades e opinião
pública em geral, comungando dos ideais da modernidade. Prédio, colações de grau, o anel,
diploma, outras cerimônias públicas como quermesses, reinauguração do prêmio, visita de
autoridades eram oportunidades em que a escola ganhava visibilidade e por sua vez dava
evidência às ações dos poderes institucionais.
Entre os sinais de maior visibilidade por sua constância durante o período escolar,
pode-se apontar o uniforme para às mulheres em azul e branco, o qual cumpria o seu papel de
homogeneizar, identificar e disciplinar. Este permitia, por outro lado, respeitabilidade e
prestígio às meninas que o envergavam se tornando particularmente convertido em alguns
contextos em verdadeiro fetiche, assim como a representação da normalista descrita na
literatura dalcidiana.
Mas a cidade nem sempre respondeu de forma positiva à sua faceirice. A crítica em
relação à educação em geral e, principalmente, à própria escola será feroz, desnudada em suas
entranhas. Discursos em sobressaltos denunciaram metodologias inadequadas, professores
relapsos, incompetentes, alunas despreparadas. Muitos dos seus integrantes ao tentarem
resolver as disputas internas revelaram à cidade deficiências e fragilidades, num processo
suicida de desqualificação da instituição.
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Apesar de tudo a EN seguiu impávida ao longo do tempo, os alunos, salvo alguns
breves intervalos, continuaram a procurá-la em número cada vez maior. Passou a ocupar um
prédio maior, mais bonito, mais bem localizado e, ironicamente, principal espaço no passado
onde a voz do grupo responsável por sua criação e manutenção até 1911 se faria expressar.
Trata-se do antigo prédio da Província do Pará.
Finalmente em 2006 com a formatura da última turma de Magistério, a antiga Escola
Normal, transformada em Instituto Paraense de Educação em 1946, Instituto de Educação do
Pará no ano seguinte e, finalmente, Instituto Estadual de Educação nos anos 1980, deixou de
fato de existir, embora continue com a antiga nomenclatura e no mesmo prédio como uma
escola de ensino médio. A obrigatoriedade federal do diploma de nível superior para a
regência das séries iniciais deu um golpe mortal no antigo viveiro de mestres. Contudo, as
experiências que ainda podem ser colhidas sobre o cotidiano desse território educacional,
sociocultural e político, reafirmam a importância, atualidade e imortalidade na história
contemporânea da Amazônia daquele que foi chamado “viveiro de mestres”.
236
DESCRIÇÃO DAS FONTES INSTITUIÇÕES Arquivo Público do Estado do Pará Arquivo Público do Estado de São Paulo Biblioteca Pública Estadual Arthur Vianna Center for Reseach Libraries Instituto Estadual de Educação do Estado do Pará: Museu do Estado do Pará FONTES ADMINISTRATIVAS ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO (PARÁ). Acta da 38º sessão ordinária da Câmara dos Deputados do Estado do Pará, em 17 de Dezembro de 1891 APEP. Caixa. Câmara dos Deputados: Atas da 1ª Legislatura da Câmara dos Deputados 30 de Outubro de 1891 a 8 de janeiro de 1892. APEP. Caixa: Governo do Pará: Petições: Educação. Escola Normal. Ofícios (1890, 1891,1892, 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1909, 1910, 1911, 1912, 1913, 1914, 1915, 1918, 1919). APEP. Caixa: Governo do Pará: Educação. Escola Normal. Requerimentos (1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1909, 1910, 1912, 1913, 1929, 1932, 1935, 1937, 1938, 1941). APEP. Decreto n.165 de 23 de Julho de 1890. APEP. Educação E Cultura: Escola Normal. Abaixo Assinado. APEP. Eduação e Cultura: Escola Normal: Ofícios: 1890, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1900, 1909, 1946. APEP. Secretaria de Governo. Educação. Ofícios. 1918, 1919,1920, 1922, 1923,1924, 1926. APEP. Legislação do Estado do Pará. APEP. Lei n.º 669, de 13 de abril de 1871. APEP. Livro de Registro de Licença de professores do Lyceu Paraense e da Escola Normal-1874-1938. APEP. Portaria n. 64 de 04 de fevereiro de 1890. Regulamento da Escola Normal.
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Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 15 de abril de 1899, apresentando a proposta de orçamento da receita e despeza para o exercício de 1899-1900. Typ. do Diário Official, 1899. Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 1 de fevereiro de 1900. Typ. do Diário Official, 1900. Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 1 de fevereiro de 1900. Typ. do Diário Official, 1900. Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 5 de fevereiro de 1900, apresentando a proposta de orçamento da receita e despeza para o exercício de 1900-1901. Typ. do Diário Official, 1900. Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho, Governador do Estado em 1 de fevereiro de 1901. Typ. do Diário Official, 1901. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Pará para apresentar proposta de orçamento para 1901 pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado em 10 de setembro de 1901. Typ. do Diário Official, 1901. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1902 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1902. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1903 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1903. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1904 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1904. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1905 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1905. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1906 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1906. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1907. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1908 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Augusto Montenegro, Governador do Estado. Imprensa Official, 1908. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1909 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado. Imprensa Official, 1909. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1910 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado. Imprensa Official, 1910. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1911 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado. Imprensa Official do estado do Pará, 1911.
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Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1912 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado. Imprensa Official do estado do Pará, 1912. Mensagem dirigida em 11 de fevereiro de 1913 ao Congresso Legislativo do Pará, reunido em sessão extraordinária pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Imprensa Official do estado do Pará, 1913. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1913 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Imprensa Official do Estado do Pará, 1913. Mensagem dirigida em 1 de agosto de 1915 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Imprensa Official do Estado do Pará, 1915. Mensagem dirigida em 1 de agosto de 1916 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Imprensa Official do Estado do Pará, 1916. Mensagem dirigida em 1 de agosto de 1917 ao Congresso Legislativo do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, Governador do Estado. Imprensa Official do Estado do Pará, 1917. Mensagem de Lauro Sodré apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura de sua 10.ª legislatura a 7 de setembro de 1918. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura da 2.ª reunião de sua 10.ª legislatura de 7 de setembro de 1919 pelo governador do estado Dr. Lauro Sodré. Imprensa Official do Estado do Pará, 1919. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará em sessão solemne de abertura da 3.ª reunião de sua 10.ª legislatura de 7 de setembro de 1920 pelo governador do estado Dr. Lauro Sodré. Imprensa Official do Estado do Pará, 1920. Relatório com o que o Exm. Sr. Dr. Antonio José Ferreira Braga, presidente da Provincia abrio a sessão extraordinária da 26ª.ª legislatura da Assembléa Legislaiva Provincial do Pará em 18 de setembro de 1889. Typografia de A. Fructuoso da Costa. 1889. Relatório com o que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administração do estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em 23 do mesmo mez. Pará. Typografia do Diario Official, 1891. Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na segunda sessão da 17.ª Legislatura, pelo Dr. Abel Graça, Presidente da Província do Pará em 15 de agosto de 1871. Typografia do Diario do Gram-Pará. Travessa S. Mateus n.21. Brazilian Government Document Digitalization Project, Provincial Presidencial Reports, Pará. Center for research Libraries: Chicago, USA. Disponível em: htpp;//www .crl.edu/content/brazil/para.htm. Acesso em: 15 de abr. 2011. A partir de agora, resumir-se-ão os dados, referentes às descrições acima. Relatório apresentado a Assembléa Legislativa Provincial na primeira sessão da 19ª Legislatura pelo Presidente da Província do Pará o Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro
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Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874. Typografia do Diario do Gram-Pará. Travessa S. Mateus n.21. Relatório apresentado pelo Exm. Sr. Dr. Francisco Maria Correa de Sá e Benevides, Presidente da Provincia do Pará á Assembléa Legislativa Provincial na sua sessão solmne de installação da 20ª Legislatura no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará Travessa S. Matheus n. 29. Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio – Diretoria Geral De Estatística. Recenceamento do Brasil, 1º de setembro de 1920. Volume IV (1ª parte). População: população do Brasil por Estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado civil e nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística. 1926. PARÁ. Decretos do Governo Republicano do Estado do Pará. 1891. Belém: Diário
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Relatório Geral da Administração apresentado ao Exmo Sr. Dr. José Paes de Carvalho, governador do Estado pelo Sr. Augusto Olympio de Araujo e Souza, secretario do Estado s/d; Relatório referente aos anos 1910-1911, apresentado ao Excelentíssimo Sr. Dr. João Antonio Luiz Coelho, Governador do Estado, pelo desembargador Augusto Olympio de Araujo e Souza secretario d'Estado do Interior, Justiça e Instrucção Publica; Relatório apresentados ao Sr. Governador do Estado do Pará Dr. Lauro Sodré pelos chefes das repartiçoes estaduais referentes a 1894; a)Relatório apresentado pelo director interino do Lyceu Paraense; b)Relatorio apresentado pelo director da Escola Normal do Estado; Relatórios das repartições estaduais apresentados ao Sr. Governador Dr. Lauro Sodré-1896 (referente ao ano de 1895). VERÍSSIMO, José. A Instrucção Pública do Estado do Pará em 1890, relatório apresentado ao Exmº Sr. Dr. Justo Leite Chermont governador do Estado por José Veríssimo Director Geral. Belém: Tipografia Tavares Cardoso. VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 3. ed.Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985 FONTES IMPRESSAS INSTITUCIONAIS: ÁLBUNS PARÁ. Governo do Estado, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará: oito annos de governo. Paris: Chaponet, 1908 e PARÁ. Secretaria Executiva de Cultura. Belém da saudade: a memória da Belém do início do século em cartões postais. 3ª ed. Belém, 2004. PARÁ. Coleção das Leis Estaduaes do Pará: dos anos de 1891 a 1900 precedida da Constituição Política do estado. Belém: Imprensa Oficial. 1900. IMPRESSOS Annaes da Câmara dos Deputados do Estado do Pará: 1891. A Festa das Normalistas. O Ensino: revista mensal de pedagogia, Literatura, artes e officios. Belém: Instituto Lauro Sodré, 1919, p.107. PARÁ, Secretaria de Estado de Educação, A Educação no Pará: Documentário, Belém: Seduc, 1987. OLIVEIRA, Virgílio. “Discurso pronunciado pelo Director da Instrucção, dr. Virgilio
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